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Fundamentação da Metafísica dos Costumes Immanuel Kant Tradução de Antônio Pinto de Carvalho Companhia Editora Nacional PREFÁCIO A ANTIGA filosofia grega repartia-se em três ciências: a Física, a Ética e a Lógica.. Esta divisão está inteiramente de acordo com a natureza das coisas, nem temos que introduzir-lhe qualquer espécie de aperfeiçoamento, a não ser acrescentar o princípio em que ela se baseia, para que desse modo possamos, por um lado, possuir a certeza de ela ser completa e, por outro lado, determinar com exatidão as subdivisões necessárias. Todo conhecimento racional é ou material e refere-se a qualquer objeto, ou formal e ocupa-se exclusivamente com a forma do entendimento e da razão, um e outro em si mesmos considerados, e com as regras universais do pensamento em geral, sem distinção de objetos. A filosofia formal denomina-se LÓGICA, mas a filosofia material, que trata de objetos determinados e das leis a que eles estão sujeitos, divide-se, por sua vez, em duas, visto estas leis serem ou leis da natureza ou leis da liberdade. A ciência das primeiras chama-se FÍSICA; a das segundas, ÉTICA. Aquela dá -se também o nome de Filosofia da natureza ou Filosofia natural; a esta, o de Filosofia dos costumes. A Lógica não pode comportar parte empírica, ou seja, parte na qual as leis universais e. necessárias do pensamento estribem em princípios tomados da experiência; de contrário, não seria lógica, isto é, cânone do entendimento e da razão, válido para todo pensamento e capaz de ser demonstrado. Ao invés, tanto a Filosofia natural como a Filosofia moral podem, cada uma, possuir uma parte empírica, pois devem aplicar suas leis, aquela à natureza como a objeto da experiência, e esta à vontade humana enquanto afetada pela natureza: leis, no primeiro, caso, em conformidade com as quais tudo acontece; leis, no segundo caso, de acordo com as quais tudo deve (388) acontecer, tomando todavia em consideração as condições, mercê das quais muitas vezes não acontece o que deveria acontecer. Pode-se denominar empírica toda filosofia que se apóia em

KANT fundamentação da metafisica dos costumes

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Fundamentao da Metafsica dos Costumes

Immanuel KantTraduo de Antnio Pinto de Carvalho

Companhia Editora Nacional

PREFCIOA ANTIGA filosofia grega repartia-se em trs cincias: a Fsica, a tica e a Lgica.. Esta diviso est inteiramente de acordo com a natureza das coisas, nem temos que

introduzir-lhe qualquer espcie de aperfeioamento, a no ser acrescentar o princpio em que ela se baseia, para que desse modo possamos, por um lado, possuir a certeza de ela

ser completa e, por outro lado, determinar com exatido as subdivises necessrias.

Todo conhecimento racional ou material e refere-se a qualquer objeto, ou formal e ocupa-se exclusivamente com a forma do entendimento e da razo, um e outro em si mesmos considerados, e com as regras universais do pensamento em geral, sem

distino de objetos. A filosofia formal denomina-se LGICA, mas a filosofia material, que trata de objetos determinados e das leis a que eles esto sujeitos, divide-se, por sua vez, em duas, visto estas leis serem ou leis da natureza ou leis da liberdade. A cincia das primeiras chama-se FSICA; a das segundas, TICA. Aquela d -se tambm o nome de

Filosofia da natureza ou Filosofia natural; a esta, o de Filosofia dos costumes.

A Lgica no pode comportar parte emprica, ou seja, parte na qual as leis universais e.necessrias do pensamento estribem em princpios tomados da experincia; de

contrrio, no seria lgica, isto , cnone do entendimento e da razo, vlido para todo pensamento e capaz de ser demonstrado. Ao invs, tanto a Filosofia natural como a Filosofia moral podem, cada uma, possuir uma parte emprica, pois devem aplicar suas leis, aquela natureza como a objeto da experincia, e esta vontade humana enquanto afetada pela natureza: leis, no primeiro, caso, em conformidade com as quais tudo acontece; leis, no segundo caso, de acordo com as quais tudo deve (388) acontecer, tomando todavia em considerao as condies, merc das quais muitas vezes no acontece o que deveria acontecer.

Pode-se denominar emprica toda filosofia que se apia em princpios da experincia; e pura, a que deriva suas doutrinas exclusivamente de princpios a priori. Esta, quando simplesmente formal, chama-se Lgica; mas, se for circunscrita a determinados objetos

do entendimento, recebe o nome de Metafsica.

Deste modo, surge a idia de uma dupla metafsica: uma Metafsica da natureza e uma Metafsica dos costumes. A Fsica ter pois, alm de sua parte emprica, uma parte racional . Outro tanto sucede com a tica; embora, aqui, a parte emprica possa denominar-se particularmente Antropologia prtica, e a parte racional receber o nome

de Moral.

Todas as indstrias, mesteres e artes lucraram com a diviso do trabalho. Devido a ela, no um s que faz todas as coisas, mas cada qual se circunscreve quela tarefa

peculiar que, por seu modo de execuo, se distingue sensivelmente das demais, a fim

de poder cumpri-la com o mximo de perfeio e de facilidade possvel. Onde os trabalhos no so assim divididos e discriminados, e cada artista tem de realizar tudo por si, as indstrias permanecem numa fase de grande barbrie. Ora seria, por certo,

questo digna de ser examinada, perguntar se a filosofia pura no exige em todas as suas

partes uni especialista que se lhe dedique exclusivamente, e se, para o conjunto desta indstria que a cincia, no seria prefervel que os que esto habituados a apresentar, conforme ao gosto do pblico, o emprico imiscudo com o racional, combinado em

toda a sorte de propores que eles prprios desconhecem, que a si prprios se

qualificam de autnticos pensadores ao mesmo tempo que apodam de visionrios os que

se ocupam da parte puramente racional, se no seria prefervel, digo, que esses tais fossem advertidos a que no se incumbissem simultaneamente de duas tarefas que devem ser desempenhadas de maneira inteiramente diferente, cada uma das quais

reclama sem dvida talento particular, e cuja reunio numa s pessoa conduz fatalmente

a produzir obra imperfeita. Limito-me, entanto, aqui, a perguntar se a natureza da cincia no exige que se separe sempre com sumo cuidado a parte emprica da parte

racional, que se faa preceder a Fsica propriamente dita (emprica) de uma Metafsica

da natureza, e a Antropologia prtica de uma Metafsica dos costumes, as quais Metafsicas deveriam ser cuidadosamente expurgadas de todo elemento (389) emprico, com o intuito de saber tudo o que a razo pura pode fazer em ambos os casos e em que mananciais ela haure esta sua doutrinao a priori, quer semelhante tarefa seja empreendida por todos os moralistas (que no tm conto), quer somente por alguns que para tal se sintam especialmente chamados.

Como aqui no tenho em vista seno propriamente a filosofia moral, limito a estes termos a questo proposta: no seria de suma necessidade elaborar, de vez, uma

Filosofia moral. pura completamente expurgada de tudo quanto emprico e pertence Antropologia? Que tal filosofia deva existir resulta manifestamente da idia comum do dever e das leis morais. Deve-se concordar que uma lei, para possuir valor moral, isto , para fundamentar uma obrigao, precisa de implicar em si uma absoluta necessidade; requer, alm disso, que o mandamento: "No deves mentir" no seja vlido somente

para os homens, deixando a outros seres racionais a faculdade de no lhe ligarem importncia. O mesmo se diga das restantes morais propriamente ditas. Por conseguinte,

o princpio da obrigao no deve ser aqui buscado na natureza do homem, nem nas

circunstncias em que ele se encontra situado no mundo, mas a priori. s nos conceitos

da razo pura]; e qualquer outra prescrio, que estribe nos princpios da simples experincia, mesmo que sob certos aspectos fosse prescrio universal, por pouco que

se apie em razes empricas, nem que seja por um motivo apenas, pode ser denominada regra prtica, nunca porm lei moral.

Pelo que, em todo conhecimento prtico no s as leis morais, juntamente com seus princpios, se distinguem essencialmente de tudo o que contm algum elemento

emprico, como tambm toda filosofia moral se apia inteiramente em sua parte pura, e, aplicada ao homem, no deduz coisa alguma do conhecimento do que este

(Antropologia), seno que lhe confere, na medida em que ele ser racional, leis apriori. Sem dvida tais leis exigem uma faculdade de julgar aguada pela experincia, capaz de, em parte, discernir em que casos elas so aplicveis e, em parte, procurar-lhes acesso vontade humana e influncia para a prtica; porque o homem, sujeito como se encontra a tantas inclinaes, possui decerto capacidade para conceber a idia de uma razo pura prtica, mas no pode assim com facilidade Tornar essa idia eficaz inconcreto em seu procedimento.

(390) Uma Metafsica dos costumes pois rigorosamente necessria, no s por motivo

de necessidade da especulao, a fim de indagar a origem dos princpios prticos que

existem a priori em nossa razo, mas tambm porque a prpria moralidade est sujeita a

toda a espcie de perverses, enquanto carecer deste fio condutor e desta norma

suprema de sua exata apreciao. Com efeito, para que uma ao seja moralmente boa, no basta que seja conforme com a lei moral; preciso, alm disso, que seja praticada

por causa da mesma lei moral; de contrrio, aquela conformidade e apenas muito

acidental e muito incerta, visto como o princpio estranho moral produzir, sem dvida, de quando em quando, aes conformes com a lei, mas muitas vezes tambm aes que lhe so contrrias - Ora, a lei moral em sua pureza e genuinidade (e justamente isto o que mais importa na prtica) no deve ser buscada seno numa

Filosofia pura; donde, a necessidade de esta (a Metafsica) vir em primeiro lugar, pois

sem ela no pode haver filosofia moral. Nem a filosofia, que confunde princpios puros com princpios prticos merece o nome de filosofia (pois esta distingue-se do conhecimento racional comum, precisamente por expor numa cincia parte o que este conhecimento comum apreende apenas de modo confuso); merece menos ainda o nome

de filosofia moral, porque justamente devido a tal confuso prejudica a pureza da

moralidade e vai de encontro a seu prprio fim.

No se pense todavia que o que se requer aqui se encontre j na propedutica que o ilustre WOLFF antepe sua filosofia moral, a saber na obra a que deu o ttulo de Filosofia prtica universal, e que, por conseguinte, no h campo inteiramente novo que explorar. Precisamente porque essa propedutica devia ser uma filosofia prtica

universal, considerou ela, no uma vontade de qualquer espcie particular, como seria, por exemplo, uma vontade determinada, no por motivos empricos, mas s por

princpios a priori, e que pudesse ser denominada vontade pura, mas o querer em geral, com todas as aes e condies que lhe convm dentro deste significado geral;

distingue-se pois da Metafsica dos costumes, do mesmo modo que a Lgica geral se distingue da Filosofia transcendental: a Lgica geral expe as operaes e regras do pensamento em geral, ao passo que a Filosofia transcendental expe unicamente as operaes e regras particulares do pensamento puro, ou seja, do pensamento, por meio

do qual os objetos so conhecidos inteiramente a priori. que a Metafsica dos

costumes deve indagar a idia e os princpios de uma vontade pura possvel, e no as aes e condies do humano querer em geral, as quais, em sua maioria, so tomadas

da Psicologia. O fato de na Filosofia prtica geral se falar igualmente (391) (embora sem razo) de leis morais e de dever no constitui objeo contra o que afirmo. Com

efeito, os autores dessa cincia permanecem fiis, neste ponto, idia que dela formam;

no distinguem, entre os princpios de determinao, aqueles que, como tais, so representados absolutamente a priori pela s razo e so propriamente morais, daqueles que so empricos, e que o entendimento erige em conceitos gerais por um simples confronto das experincias; consideram-nos, ao invs, sem atentarem na diferena de

suas origens, apenas segundo seu nmero maior ou menor (pois os encaram como sendo

todos da mesma espcie) e formam assim seu conceito de obrigao. Na verdade, este conceito tudo menos moral; mas o nico que se pode esperar de uma filosofia que, sobre a origem de todos os conceitos prticos possveis, no decide de maneira nenhuma

se se produzem a priori ou s a posteriori.Ora, propondo-me publicar, um dia, uma Metafsica dos costumes, fao-a preceder deste opsculo que lhe serve de fundamentao. Decerto no h, um rigor, outro fundamento

em que da possa assentar, de no seja a Crtica de uma razo pura prtica, do mesmo modo que, para fundamentar a Metafsica, se requer a Crtica da razo pura especulativa por mim j publicada. Mas, em parte, a primeira destas Crticas no de to extrema necessidade como a segunda, porque em matria moral a razo humana, mesmo entre o

comum dos mortais, pode ser facilmente levada a alto grau de exatido e de perfeio,

ao passo que no seu uso teortico, mas puro, da totalmente dialtica; e, em parte, no que concerne Crtica de uma razo pura prtica, para que ela seja completa, reputo imprescindvel que se mostre ao mesmo tempo a unidade da razo prtica e da razo

especulativa num princpio comum; pois que, em ltima instncia, s pode haver uma e

a mesma razo, e s na aplicao desta h lugar para distines. Ora, no me seria possvel aqui realizar um trabalho to esmiuado e completo, sem introduzir consideraes de ordem inteiramente diferente e sem lanar a confuso no nimo do leitor. Por isso, em vez de dar a este livrinho o ttulo de Crtica da razo pura prtica, denominei-o Fundamentao da Metafsica dos costumes.Mas, porque, em terceiro lugar, uma Metafsica dos costumes, no obstante o que o

ttulo comporta de assustador, pode entanto ser exposta em forma popular e adequada inteligncia do vulgo, afigura-se-me til publicar parte este trabalho preliminar, no

qual so assentes os fundamentos, (392) para posteriormente no me ver obrigado a imiscuir sutilezas, inevitveis em semelhante matria, a doutrinas de mais fcil compreenso.

A presente Fundamentao no mais do que a pesquisa e a determinao do princpio supremo da moralidade, o bastante para constituir um todo completo, separado e

distinto de qualquer outra investigao moral. Certamente minhas afirmaes sobre to momentoso problema, e que at ao presente no foi tratado de modo satisfatrio, muito pelo contrrio, receberiam ampla e elucidativa confirmao, se o princpio em questo fosse aplicado a todo o sistema, merc do poder de explicao suficiente que ele em

tudo manifesta; vi-me porm obrigado a renunciar a esta vantagem, que, no fundo,

estaria mais de acordo com o meu amor prprio do que com o interesse geral, uma vez que a facilidade de aplicao de um princpio bem como sua aparente suficincia no fornecem prova absolutamente segura de sua exatido, antes, pelo contrrio, suscitam em ns certa atitude de parcialidade capaz de nos induzir a no examin-lo e apreci -lo

rigorosamente por si mesmo, sem atender s conseqncias.

Segui, neste opsculo, o mtodo que penso ser o mais conveniente, quando pretendemos elevar-nos analiticamente do conhecimento vulgar determinao do princpio supremo

do mesmo, e, depois, por caminho inverso, tornar a descer sintticamente do exame

deste princpio e de suas origens ao conhecimento vulgar, onde se verifica sua aplicao. A diviso da obra pois a seguinte:

1) Primeira seco: Passagem do conhecimento racional comum da moralidade ao conhecimento filosfico.

2) Segunda seco: Passagem da filosofia moral popular Metafsica dos costumes.

3) Terceira seco: ltimo passo da Metafsica dos costumes Crtica da razo pura prtica.

PRIMEIRA SEOPassagem do conhecimento racional comum da moralidade ao conhecimento filosficoNO POSSVEL conceber coisa alguma no mundo, ou mesmo fora do mundo, que sem restrio possa ser considerada boa, a no ser uma s: uma BOA VONTADE. A

inteligncia, o dom de apreender as semelhanas das coisas, a faculdade de julgar, e os

demais talentos do esprito, seja qual for o nome que se lhes d, ou a coragem, a deciso, a perseverana nos propsitos, como qualidades do temperamento, so sem

dvida, sob mltiplos respeitos, coisas boas e apetecveis; podem entanto estes dons da natureza tornar-se extremamente maus e prejudiciais, se no for boa vontade que deles deve servir-se e cuja especial disposio se denomina carter. O mesmo se diga dos

dons da fortuna. O poder, a riqueza, a honra, a prpria sade e o completo bem-estar e satisfao do prprio estado, em resumo o que se chama felicidade, geram uma

confiana em si mesmo que muitas vezes se converte em presuno, quando falta a boa vontade para moderar e fazer convergir para fins universais tanto a imprudncia que tais dons exercem sobre a alma como tambm o princpio da ao. Isto, sem contar que um espectador razovel e imparcial nunca lograria sentir satisfao em ver que tudo corre ininterruptamente segundo os desejos de uma pessoa que no ostenta nenhum vestgio

de verdadeira boa vontade; donde parece que a boa vontade constitui a condio indispensvel para ser feliz.

H certas qualidades favorveis a esta boa vontade e que podem facilitar muito sua obra, mas que, no obstante, (394) no possuem valor intrnseco absoluto, antes

pressupem sempre uma boa vontade. esta uma condio que limita o alto apreo em que, justificadamente, as temos, e que no permite reput-las incondicionalmente boas.

A moderao nos afetos e paixes, o domnio de si e a calma reflexo, no so apenas bons sob mltiplos aspectos, mas parece constiturem at uma parte do valor intrnseco

da pessoa; falta contudo ainda muito para que sem restrio possam ser considerados bons (a despeito do valor incondicionado que os antigos lhes atribuam). Sem os

princpios de uma boa vontade podem tais qualidades tornar-se extremamente ms: por

exemplo, o sangue frio de um celerado no s o torna muito mais perigoso, como tambm, a nossos olhos, muito mais detestvel do que o teramos julgado sem ele.

A boa vontade tal, no por suas obras ou realizaes, no por sua aptido para alcanariam fim proposto, mas s pelo "querer " por outras palavras, boa em si e, considerada em si mesma, deve sem comparao ser apreciada em maior estima do que tudo quanto por meio dela poderia ser cumprido unicamente em favor de alguma

inclinao ou, se , se prefere, em favor da soma de todas as inclinaes. Mesmo quando, por singular adversidade do destino ou por avara dotao de uma natureza madrasta,

essa vontade fosse completamente desprovida do poder de levar a bom termo seus propsitos; admitindo at que seus esforos mais tenazes permanecessem estreis; na hiptese mesmo de que nada mais restasse do que a s boa vontade (entendendo por

esta no um mero desejo, mas o apelo a todos os meios que esto ao nosso alcance), ela nem por isso deixaria de refulgir como pedra preciosa dotada de brilho prprio, como alguma coisa que em si possui valor. A utilidade ou inutilidade em nada logra aumentar

ou diminuir esse valor. A utilidade seria, por assim dizer, apenas o engaste que faculta o

manejo da jia no uso corrente, ou capaz de fazer convergir para si a ateno dos que no so suficientemente entendidos no assunto, mas que nunca poderia torn-la recomendvel aos peritos nem determinar-lhe o valor.

H todavia nesta idia do valor absoluto da simples vontade, neste modo de a estimar prescindindo de qualquer critrio, de utilidade, algo de to estranho que, a despeito do completo acordo existente entre ela e a razo comum, pode todavia surgir uma suspeita: quem sabe se, na realidade, no se alberga aqui, no fundo, seno uma vaporosa fantasmagoria e (395) se no ser compreender falsamente a natureza em sua inteno

de conferir razo a direo de nossa vontade. Pelo que, propomo-nos examinar, desde

este ponto de vista, a idia do valor absoluto da pura vontade.

Na constituio natural de um ser organizado, ou seja, de um ser constitudo em vista da vida, assentamos como princpio fundamental que no existe rgo destinado a uma funo, que no seja igualmente o mais prprio e adaptado a essa funo. Ora, se num

ser prendado de razo e de vontade a natureza tivesse como fim peculiar a sua conservao, o seu bem-estar, numa palavra, a sua felicidade, devemos confessar que ela teria tomado muito mal suas precaues, escolhendo a razo desse ser como executora de sua inteno. Todas as aes, que um tal ser deve cumprir para realizar

este fim, bem como a regra completa de seu comportamento, ter-lhe-iam sido indicadas

com muito maior exatido pelo instinto, podendo desse modo aquele fim ter sido muito mais facilmente alcanado do que por meio da razo; e se a uma tal criatura devesse ser concedida por acrscimo a razo, esta no deveria servir-lhe seno para refletir sobre as felizes disposies de sua natureza, para as admirar, para delas se regozijar e se mostrar grata Causa benfazeja; que no para submeter quela, fraca e ilusria direo sua potncia apetitiva, estragando assim os planos da natureza, Numa palavra, a natureza

teria impedido que a razo se imiscusse num uso prtico e tivesse a presuno de, com suas fracas luzes, formular para si o plano da felicidade e os meios de a alcanar; a natureza teria tomado sobre si a escolha, no s dos fins, como tambm dos meios, e

com sbia previdncia os teria confiado ao instinto

.

fato que, quanto mais uma razo cultivada se afadiga na busca dos prazeres da vida e

da felicidade, tanto mais o homem se afasta do verdadeiro contentamento; donde

acontece que para muitos, e justamente para os mais experimentados no uso da razo, se eles so bastante sinceros para o confessar, surge um certo grau de mesologia ou, por outras palavras, de dio da razo. Feito o cmputo das vantagens que auferem, no

digo da descoberta de todas as artes que convergem no luxo vulgar, mas tambm das cincias (que, no fim, lhes aparecem como um luxo do entendimento), verificam eles que as fadigas sofridas superam em muito a felicidade desfrutada; (396) e, por tal motivo, comparando-se com a categoria de homens inferiores, que de preferncia se deixam guiar pelo instinto, nem concedem razo seno diminuta influncia sobre seu procedimento, acabam por sentir mais inveja do que desprezo deles. Importa, alm

disso, confessar que o juzo de tais homens que rebaixam muito e chegam a reduzir a nada as pomposas glorificaes das vantagens que a razo nos deveria proporcionar

relativamente felicidade e contentamento da vida, no provm de maneira nenhuma do

mau humor ou da falta de agradecimento bondade da Providncia; mas que, no fundo deste juzo, se alberga a idia, no expressa, de que o fim de sua existncia , de fato, diferente e muito mais nobre, que a este fim e no felicidade a razo peculiarmente destinada, e que, por conseguinte, a ele, como a condio suprema, devem as mais das vezes submeter-se as intenes particulares do homem.

Com efeito, dado que a razo no suficientemente capaz de guiar com segurana a vontade no concernente a seus objetos e satisfao de todas as nossas necessidades (que ela em parte concorre para multiplicar), e que um instinto natural inato a guiaria mais seguramente a esse fim; atendendo entanto a que a razo nos foi outorgada como

potncia prtica; isto , como potncia que deve exercer influncia sobre a vontade, mister que sua verdadeira destinao seja produzir uma vontade boa, no como meio para conseguir qualquer outro fim, mas boa cm si mesma; para o que a razo era absolutamente necessria, uma vez que, em tudo o mais, a natureza, na repartio de suas propriedades, procedeu de acordo com. fins determinados. Esta vontade poder

no ser o nico bem, o bem integral; deve porm ser necessariamente o bem supremo, a

condio donde dependem os restantes bens, e at mesmo a aspirao felicidade.

""Neste caso, perfeitamente coadunvel com a sabedoria da natureza o fato de a

cultura da razo, indispensvel para obter o primeiro destes fins que incondicionado, limitar de muitos modos, ao menos nesta vida, a obteno segundo, que sempre um

fim condicionado, ou seja, a felicidade, at ao ponto de reduzir a nada a sua realizao. Nisto a natureza no age contra toda finalidade, pois a razo, que reconhece que seu supremo destino prtico consiste em criar uma boa vontade, no pode encontrar o cumprimento deste propsito seno satisfao a ela adequada, ou seja, resultante da realizao de um fim que s ela determina, embora da redunde algum prejuzo para os fins da inclinao.

A fim de elucidar o conceito de uma vontade (397) altamente estimvel em si, de uma vontade boa independentemente de qualquer inteno ulterior, conceito j inerente a

todo entendimento so e que precisa no tanto de ser ensinado quanto apenas de ser

explicado; a fim de elucidar este conceito, que ocupa sempre o posto mais elevado na apreciao do valor completo de nossas aes e constitui a condio de tudo o mais, examinaremos o conceito do DVER, que contm o de uma boa vontade, com certas restries, e certo, e com certos entraves subjetivos, mas que, longe de o dissimularem e tornarem irreconhecvel, mais o salientam por contraste e o tornam mais esplendente.

Passo aqui em silncio todas as aes geralmente havidas por contrrias ao dever, se bem que, deste ou daquele ponto de vista, possam ser teis, pois nelas no se pe a

questo de saber se podem ser praticadas por dever\ uma vez que esto em contradio com ele. Deixo tambm de lado as aes que so realmente conformes com o dever,

para as quais entanto os homens no sentem inclinao imediata, mas que apesar disso executam sob o impulso de outra tendncia porque, em tal caso, fcil distinguir se a ao conforme com o dever foi realizada por dever ou por clculo interesseiro. Muito

mais difcil notar esta distino, quando, sendo a ao conforme com o dever, o sujeito sente para com ela uma inclinao imediata. Por exemplo, manifestamente conforme

com o dever que o comerciante no pea um preo demasiado elevado a um comprador inexperiente, e, mesmo quando o comrcio intenso, o comerciante hbil no procede desse modo; mantm, pelo contrrio, um preo fixo igual para todos, de sorte que uma criana lhe pode comprar uma coisa pelo mesmo preo que qualquer outro cliente. As pessoas so pois servidas lealmente; mas isso no basta para crer que o negociante procedeu assim por dever ou por princpios de probidade; movia-o o interesse; e no se pode supor neste caso que ele tivesse, alm disso, uma inclinao imediata para com

seus clientes, que o induzisse a fazer, por amor, preos mais convenientes a um do que a outro. Eis a uma ao cumprida no por dever, nem por inclinao imediata, mas to- somente por clculo interesseiro.

Pelo contrrio, conservar a prpria vida um dever, e , alm disso, uma coisa para a qual todos sentimos inclinao imediata. Justamente por isso a solicitude muitas vezes

angustiante que a maior parte dos homens demonstra pela vida destituda de todo valor intrnseco, e a mxima, que, (398) exprime tal solicitude, no tem nenhum valor moral. De fato, eles conservam a vida conformemente ao dever, mas no por dever. Ao invs,

se contrariedades ou uma dor sem esperana tiraram a um homem todo o prazer da vida,

se o infeliz, de nimo forte, se sente mais enojado de sua sorte que descorooado ou abatido, se deseja a morte, e, no entanto, conserva a vida sem a amar, no por inclinao

ou temor, mas por dever, ento sua mxima comporta valor moral.

Ser benfazejo, quando se pode, um dever; contudo h certas almas to propensas simpatia que, sem motivo de vaidade ou de interesse, experimentam viva satisfao em' difundir em volta de si a alegria e se comprazem em ver os outros felizes, na medida em que isso obra delas. Mas afirmo que, em tal caso, semelhante ao, por conforme ao dever e por amvel que seja, no possui valor moral verdadeiro; simplesmente concomitante com outras inclinaes, por exemplo, com o amor da glria, o qual,

quando tem em vista um objeto em harmonia com o interesse pblico e com o dever, com o que, por conseguinte, honroso, merece louvor e estmulo, mas no merece respeito; pois mxima da ao falta o valor moral, que s est presente quando as aes so praticadas, no por inclinao, por dever. Imaginemos pois a alma deste

filantropo anuviada por um daqueles desgostos pessoais que sufocam toda simpatia para com a sorte alheia; que ele tenha ainda a possibilidade de minorar os males de outros desgraados, sem que todavia se sinta comovido com os sofrimentos deles, por se encontrar demasiado absorvido pelos seus prprios; e que, nestas condies, sem ser induzido por nenhuma inclinao, se arranca a essa extrema insensibilidade e age, no

por inclinao, mas s por dever: s nesse caso seu ato possui verdadeiro valor moral. Mais ainda. Se a natureza houvesse deposto no corao deste ou daquele pequena dose

de inclinao para a simpatia se um tal homem (alis honesto), fosse de temperamento frio e indiferente para com os sofrimentos alheios, talvez porque, sendo prendado de especial dom de resistncia e de paciente energia contra os sofrimentos prprios, supe igualmente nos outros, ou deles exige, qualidades idnticas; se a natureza no tivesse particularmente formado este homem (que, na verdade, no seria a sua pior obra) para dele fazer um filantropo, no encontraria ele em si estofo com que se atribuir um valor muito superior ao de um homem de temperamento naturalmente benvolo?. Por certo

qu sim. E justamente aqui transparece o valor moral incontestavelmente mais elevado

de seu (399) carter, resultante de ele praticar o bem, no por inclinao, {mas por dever. assegurar a prpria, felicidade um, dever (ao menos, indireto), porque o no

estar satisfeito com o seu estado, o viver oprimido por inumerveis preocupaes e no meio de necessidades no preenchidas pode muito facilmente converter-se em grande tentao de infringir seus deveres. Mas, uma vez mais, independentemente do dever, todos os homens possuem dentro em si uma inclinao muito forte e muito profunda

para a felicidade, pois que justamente nesta idia de felicidade se unem todas as suas tendncias. Simplesmente o preceito, que nos manda buscar a felicidade, apresenta

muitas vezes carter tal que prejudica algumas de nossas inclinaes, de sorte que no

possvel ao homem formar idia ntida e bem definida do complexo de satisfao de

seus desejos, a que d o nome de felicidade. No h pois motivo para ficar surpreendido

de que'uma s inclinao, determinada quanto ao prazer que promete e quanto poca em que poder ser satisfeita, seja capaz de sobrepujar uma idia vaga. Por exemplo, um

gotoso preferir saborear um acepipe de seu agrado, no se lhe dando de sofrer as

conseqncias, porque segundo seus clculos, ao menos nesta circunstncia, acha prefervel no se privar de um prazer atual, pela esperana acaso infundada de uma felicidade associada sade. Mas, tambm neste caso, se a sade, para ele ao menos, no fosse coisa a que devesse outorgar lugar preponderante em seus clculos, permaneceria ainda de p, neste como nos demais casos, uma lei, a saber, a lei que manda trabalhar pela prpria felicidade, no por inclinao, por inclinao, mas por dever. S ento seu comportamento possui autntico valor moral.

Assim devem, sem dvida, ser compreendidos tambm os passos da Escritura, onde se ordena amar o prximo e ate os inimigos. Com efeito, o amor, como inclinao, no

pode ser comandado; mas praticar o bem por dever, quando nenhuma inclinao a isso

nos incita, ou quando uma averso natural e invencvel se ope, eis um amor prtico e

no patolgico, que reside na vontade, e no na tendncia da sensibilidade, nos

princpios da ao, e no numa compaixo emoliente. Ora, este nico amor que pode ser comandado.

Venhamos segunda proposio.Uma ao cumprida por dever tira seu valor

moral no do fim que por ela deve ser alcanado, mas da mxima que a determina. Este valor (400) no depende, portanto, da realidade do objeto da ao, mas unicamente do princpio do querer, segundo o qual a ao foi produzida, sem tomar em conta nenhum

dos objetos da faculdade apetitiva. De tudo quanto precede, segue-.se que os fins que

podemos ter em nossas aes, bem como os efeitos da resultantes, considerados como fins e molas da vontade, no podem comunicar s aes nenhum valor moral absoluto. Onde pode pois residir esse valor, se no deve encontrar-se na relao da vontade com

os resultados esperados destas aes ? Em nenhuma outra parte possvel encontr-lo seno no principio da vontade, abstraindo dos fins que podem ser realizados por meio

de uma tal ao. De fato, a vontade, situada entre seu princpio a. priori, que formal e seu mbil a posteriori, que material, est como que na bifurcao

de dois caminhos; e, como necessrio que alguma coisa a determine, ser determinada pelo princpio formal do querer em geral, sempre que a ao se pratique por dever, pois lhe retirado todo princpio material.

Quanto terceira proposio, conseqncia das duas precedentes, eis como a formulo o

dever a necessidade de cumprir uma ao pelo respeito lei. Para. o objeto concebido como efeito da ao que me proponho, posso verdadeiramente sentir inclinao, nunca porm respeito, precisamente porque ele simples efeito, e no a

atividade de uma vontade. Do mesmo modo, no posso ter respeito a uma inclinao em geral, seja ela minha ou de outrem; quando muito, posso aprov-la no primeiro caso,

no segundo caso talvez at am-la, isto , consider-la como favorvel a meu interesse.

S o que est ligado minha vontade unicamente como princpio, e nunca como efeito,

o que no serve a minha inclinao mas a domina, e ao menos a exclui totalmente da

avaliao no ato de decidir, por conseguinte a simples lei por si mesma que

pode ser objeto de respeito, e, portanto, ordem, para mim. Ora, se uma ao cumprida por dever elimina completamente a influncia da inclinao e, com ela, todo objeto da vontade," nada resta capaz de determinar a mesma vontade, a no ser objetivamente a.lei e subjetivamente um puro respeito a esta lei prtica, portanto a mxima (*) de

obedecer a essa lei, embora com dano de todas as minhas inclinaes"

Portanto, o valor moral da ao no reside no (401) efeito que dela se espera, como nem em qualquer princpio da ao que precise de tirar seu mbil deste efeito esperado. Com efeito, todos estes resultados (contentamento de seu estado, e at mesmo contribuio

para a felicidade alheia) poderiam provir de outras causas; no necessria para isso a vontade de um ser raciona, muito embora somente nesta se possa encontrar o supremo bem, o bem incondicionado. Por isso a representao da lei cm si mesma, que seguramente s tem lugar num ser racional, com a condio de ser esta representao, e no o resultado esperado, o princpio determinado da vontade, eis o que s capaz de constituir o bem to excelente que denominamos moral, o qual j se encontra presente

na pessoa que age segundo essa idia, mas que no deve ser esperado somente do efeito

de sua ao(**).

() Mxima o princpio subjetivo do querer; o princpio objetivo (isto , o princpio capaz de servir tambm subjetivamente' de principio pratico para todos os seres racionais, se a razo tivesse pleno poder sobre a faculdade apetitiva) a lei prtica (58).(**) Poderiam objetar- me que, servindo- me do termo respeito, tento apenas refugiar-me num sentimento obscuro, em vez de aclarar a questo por meio de um conceito da razo. Mas, conquanto o respeito seja um sentimento, no todavia sentimento proveniente de influncia estranha, mas, sim, pelo contrrio, sentimento espontaneamente produzido por um conceito da razo, e por isso mesmo especificamente distinto dos sentimentos da primeira espcie, referentes inclinao ou ao temor. O que reconheo imediatamente como lei para mim, reconheo-o com um sentimento de respeito que exprime simplesmente a conscincia que tenho da subordinaode minha vontade a uma lei, sem intromisso de outras influncias em minha sensibilidade. Adeterminao imediata da vontade pela lei, e a conscincia que tenho dessa determinao,chama-se respeito, de sorte que este deve ser considerado, no como causa da lei, mas como efeito, da mesma sobre o sujeito. Em rigor de expresso o respeito a representao de um valor que vai de encontro ao meu amor prprio. Conseguintemente alguma coisa que no considerada nem como objeto de inclinao, nem como de temor, se bem que apresente alguma analogia com ambos ao mesmo tempo. O objeto do respeito pois simplesmente, a lei, lei quenos impomos a ns mesmos, mas que no entanto necessria em si. Enquanto lei, estamos-lhessujeitos, sem consultar nosso amor prprio; enquanto imposta por ns a ns mesmos, conseqncia de nossa vontade. Do primeiro ponto de vista oferece analogia com o temor; do segundo ponto de vista, tem analogia com a inclinao. O respeito que se sente para com uma pessoa, na realidade no 6 mais do que* o respeito da lei (da honestidade, etc.) de que essa pessoa nos d exemplo. Do mesmo modo que consideramos um dever cultivar nossos talentos, assim tambm vemos numa pessoa prendada de talentos como que o exemplo de. uma lei (que ordena que nos exercitemos cm nos assemelhar-nos nela nisto): eis o que constitui o nosso respeito. Tudo quanto se designa interesse moral consiste unicamente no respeito da lei.(402) Mas que lei pode ser esta, cuja representao, sem qualquer espcie de considerao pelo efeito que dela se espera, deve determinar a vontade, para que esta possa ser denominada boa absolutamente e sem restrio ? Aps ter despojado a

vontade de todos os impulsos capazes de nela serem suscitados pela idia dos resultados provenientes da observncia de uma lei, nada mais resta do que a conformidade

universal das aes a uma lei em geral que deva servir-lhe de princpio: noutros termos,

devo portar-me sempre de modo que eu possa tam bm querer que minha mxima se torne em lei universal. A simples conformidade com a lei em geral (sem tomar por

base uma determinada lei para certas aes) a que serve aqui de princpio vontade,

e por conseguinte deve igualmente servir-lhe de princpio, se o dever no iluso v e conceito quimrico.O bom-senso vulgar, no exerccio de seu juzo prtico, concorda plenamente com o princpio exposto, e nunca o perde de vista.

Tomemos, por exemplo, a questo seguinte: ser-me- lcito, em meio de graves apuros, fazer uma promessa com inteno de a no observar ? No oferece dificuldade

distinguir os dois sentidos que a questo pode comportar, consoante se deseja saber

se prudente, ou se conforme ao dever, fazer uma promessa falsa. Sem dvida que

muitas vezes pode ser prudente; mas claro que no basta safar-me, merc deste expediente, de um embarao presente; devo ainda examinar comcuidado se dessa mentira no me redundaro, no futuro, aborrecimentos muito mais graves do que aqueles de que me libertoneste momento; e como, a despeito de toda minha

sagacidade, no so fceis de prever as conseqncias, de meu ato, devo./ recear que

a perda de confiana por parte de ou trem me acarrete maiores prejuzos que todo o

mal que neste momentopenso evitar.Agirei pois mais sensatamente, portando- me, nesta ocorrncia em conformidade com uma mxima universal e procurando criar o hbito de nada prometer sem inteno de cumprir, Mas depressa se me afigura

evidente que tal mxima estriba sempre no temor das conseqncias.Ora, uma

coisa ser sincero por dever, e outra coisa ser sincero pr temos das conseqncias desagradveis: no primeiro caso, o conceito da ao em si mesma contm j uma lei para mim; mas no segundo caso, preciso, antes de mais nada, tentar descobrir alhures quais as conseqncias que se seguiro minha ao. Porque, se me desvio do

princpio do dever, cometo decerto uma ao m; mas se abandono minha mxima de prudncia, posso, em certos casos, auferir da grandes (403) vantagens, embora, na verdade, seja mais seguro ater-me a ela. Afinal de contas, no concernente resposta a esta questo: se uma promessa mentirosa conforme ao dever, o meio mais rpido e infalvel de me informar consiste em perguntar a mim mesmo: ficaria eu satisfeito, se minha mxima (tirar-me de dificuldades por meio de uma promessa enganadora

devesse valer como lei universal(tanto para mim como para os outros? Poderei dizer a mim mesmo: pode cada homem fazer uma promessa falsa, quando se encontra em dificuldades, das quais no logra safar-se de outra maneira ? Deste modo, depressa

me conveno que posso bem querer a mentira! mas no posso, de maneira nenhuma querer uma lei que mande mentir; pois, como conseqncia de tal lei, no mais haveria qualquer espcie de promessa, porque seria, de fato, intil manifestar minha vontade a respeito de minhas aes futuras a outras pessoas que no acreditariam nessa

declarao, ou que, se acreditassem toa, me retribuiriam depois na mesma moeda; de

sorte que minha mxima, to logo fosse arvorada em lei universal, necessariamente se destruiria a si mesma.

Portanto no preciso de possuir grande perspiccia para saber o que devo fazer, a fim de que minha vontade seja moralmente boa. Mesmo que me falea a experincia das coisas

do mundo, e me sinta incapaz de enfrentar todos os acontecimentos que nele se

produzem, basta que a mim prprio pergunte: Podes querer que tambm tua mxima se converta em lei universal ? Se isso no for possvel, deve a mxima, ser rejeitada, no precisamente por causa de algum dano que da possa resultar para ti ou tambm pra outros, mas porque ela no pode ser admitida como princpio de uma possvel legislao universal. Com efeito, a razo me constrange a um respeito imediato para com essa legislao; e se, de momento, no enxergo ainda qual seja o fundamento de tal respeito

(o que pode ser objeto de pesquisa por parte do filsofo), ao menos compreendo bem que se trata aqui de apreciar um valor que sobrepuja o valor de tudo o que exaltado

pela inclinao, e que a necessidade em que me encontro de agir por puro respeito lei

prtica, constitui o que se denomina dever, perante o qual qualquer outro motivo deve ceder, visto ele ser a condio de uma vontade boa em si, cujo valor est acima de tudo.

Por esta forma, no conhecimento moral da razo humana comum, chegamos quilo que

o princpio da mesma, princpio que, por certo, ela no concebe assim separado numa

forma universal, mas que, no entanto, sempre tem diante (404) dos olhos, e do qual se serve como de regra de seu juzo. Muito fcil seria mostrar aqui como, com este

compasso na mo, a razo possui, em todos os casos supervenientes, plena competncia para distinguir o que bom e o que mau, o que conforme e o que contrrio ao

dever, bastando que, sem nada lhe ensinarem de novo e aplicando apenas o mtodo de

SCRATES , a tornem simplesmente atenta a seu prprio princpio; mostrando-lhe como no precisa de cincia nem de filosofia para saber como que uma pessoa se deve

portar para ser honesta e boa, e at sbia e virtuosa. J desde o inicio

se podia supor que o conhecimento daquilo que a todo homem compete fazer, e por conseguinte tambm saber, propriedade de todos os seres humanos, por vulgares que sejam. A este propsito, no pode deixar de causar admirao o fato de, na inteligncia comum da humanidade, a faculdade de julgar em matria prtica prevalecer

grandemente sobre a faculdade de julgar em matria teortica. Nesta ltima, quando a razo comum ousa afasta-se das leis da experincia e das percepes dos sentidos, ela

cai em manifestos absurdos e contradies consigo mesma, cai pelo menos num caos de

incertezas de obscuridades e de inconseqncias. Pelo contrrio, em matria prtica^ a

faculdade de julgar comea justamente a mostrar suas vantagens, quando a inteligncia comum exclui das leis prticas todos os impulsos sensveis. Ela torna-se ento sutil,

quer queira chicanar com a sua conscincia ou com outras opinies relativas quilo que deve ser considerado honesto, quer pretenda, para sua prpria instruo, determinar exatamente o valor das aes; e, o que sumamente importante, pode ela, neste ltimo caso, esperar ser bem sucedida na tarefa de determinar o valor das aes, to bem

quanto qualquer filsofo; mais ainda, pode proceder com maior segurana do que este, porque o filsofo, no dispondo de outros princpios diferentes dos dela, pode deixar-se enredar facilmente por uma srie de consideraes estranhas ao assunto, que o desviam

do reto caminho. No seria, portanto, mais sensato, ater-se, nas questes morais, ao juzo da razo comum, e no recorrer filosofia seno para expor, quando muito, o

sistema da moralidade de maneira mais completa e mais compreensiva, para apresentar

as regras, que lhe dizem respeito, de maneira mais cmoda para o uso (e mais ainda para

a discusso), nunca porm para privar a inteligncia humana, mesmo do ponto de vista

prtico, de sua ditosa simplicidade, nem para fazer que ela enverede, com o auxlio da filosofia, por um novo caminho de investigao e de instruo ?

Esplndida coisa a inocncia; mas para lamentar que ela no saiba preservar-se e quese deixe seduzir com tanta facilidade. Pelo que,"a sabedoria- que, alis, consiste mais

na conduta do que no saber precisa tambm da cincia, no para dela tirar ensinamentos, seno para garantir a suas prescries, influncia e estabilidade. O homem sente, em seu foro ntimo, potente fora de oposio a todos os preceitos do dever que a razo lhe apresenta como altamente dignos de respeito; e esta fora

constituda por suas necessidades e inclinaes, cuja satisfao completa se compendia

naquilo a que d o nome de felicidade. Ora, a razo enuncia seus preceitos, sem condescender com as inclinaes, sem nunca ceder; por conseguinte, com uma espcie

de desdm e sem considerao de espcie alguma por aquelas pretenses to impetuosas

e, por isso mesmo, aparentemente to legtimas (que no consentem em se deixar suprimir por nenhum preceito). Daqui procede uma Dialtica natural, ou seja, uma

tendncia para sofisticar contra aquelas severas leis do dever e pr em dvida a validade ou, ao menos, a pureza e o rigor das mesmas, bem como para tentar adapt-las o mais possvel a nossos desejos e inclinaes; por outras palavras, para corromp-las cm sua essncia e destitu-las de toda dignidade: coisa que a razo prtica vulgar, no pode, por forma alguma, aprovar.

Assim, a razo humana comum impelida, no por necessidade de especulao

(necessidade que ela no sente, enquanto se contenta cm ser apenas a s razo), mas por motivos prticos, a sair de sua esfera e a dar um. passo no campo de uma filosofiaprtica, para recolher informaes exalas e explicaes claras acerca da origem do seu

princpio e da definio precisa do mesmo, em oposio s mximas que estribam nas necessidades e inclinaes. Por este meio, espera ela poder safar-se da dificuldade em presena de pretenses opostas e no correr o risco de perder, em conseqncia dos equvocos em que facilmente poderia incorrer, todos os genunos princpios morais.

Deste modo se desenvolve insensivelmente no uso prtico da razo comum, quando esta

cultivada, uma Dialtica, que a constringe a buscar auxlio na filosofia, tal como lhe acontece no uso terico; e, assim, tanto no primeiro caso como no segundo, ela no

pode encontrar repouso seno numa crtica completa da nossa razo;

SEGUNDA SECOPassagem da filosofia moral popular metafsica dos costumesSE AT AQUI derivamos do uso comum de nossa razo prtica o conceito do dever, nem por isso devemos concluir que o tratamos como sendo um conceito emprico. Ao invs,

se voltarmos a ateno para a experincia do comportamento positivo e negativo dos

homens, deparamos com contnuas e, segundo se nos afigura, justas queixas, sobre nossa impossibilidade de aduzir exemplos certos, que nos permitam julgar se houve a

inteno de agir por puro dever. Muitas aes podem ser conformes quilo que o deverprescrevessem que por isso desaparea a dvida de que tenham sido realmente cumpridas por dever e, por conseguinte, de que possuam valor moral. Eis por que houve, em todos os tempos, filsofos que negaram absolutamente a realidade desta

inteno s aes humanas, e que as atriburam todas a um amor-prprio mais ou menos apurado. No punham eles em dvida a exatido do conceito de moralidade. Pelo contrrio, lamentavam grandemente a fraqueza e impureza da natureza humana, a qual,

se por um lado suficientemente nobre para tomar como regra de conduta uma idia to

digna de respeito, por outro lado demasiado fraca para a seguir; e que, alm disso, se utiliza da razo, que deveria ditar-lhe leis, apenas para favorecer o interesse das inclinaes, quer escolhendo uma entre as demais, quer, ao sumo, conciliando-as entre

si da melhor maneira possvel.

De fato, absolutamente impossvel estabelecer, (407) mediante a experincia, com plena certeza, um s caso, em que a mxima de uma ao, alis, conforme ao dever, estribe na Representao do dever. Na verdade, acontece, por vezes, que, malgrado o

mais escrupuloso exame de ns prprios, no encontramos absolutamente motivo que, fora do princpio moral do dever, tenha sido capaz de nos incitar prtica desta ou daquela boa ao, deste ou daquele grande sacrifcio; mas daqui no se pode

com certeza concluir que um secreto impulso do amor-prprio, sob a simples miragem

da idia do dever, no tenha sido a verdadeira causa determinante da vontade. Na verdade, de bom grado nos lisonjeamos, atribuindo-nos falsamente um princpio de determinao mais nobre; de fato, porm, nunca podemos, nem mesmo mediante o mais rigoroso exame, penetrar inteiramente em nossos mais secretosimpulsos.

Ora, quando se trata de valor moral, o que importa no so as aes exteriores que se vem, mas os princpios internos da ao, que se no vem.

queles que zombam de toda moral, como de quimera da imaginao humana, que por presuno a si mesma se exalta, no se pode prestar servio mais conforme a seus

desejos, do que conceder-lhes que os conceitos do dever (bem como por comodidade se cr facilmente serem todos os outros conceitos) devem ser derivados exclusivamente da experincia; pois assim se lhes prepara um triunfo seguro. Por amor da humanidade, concedo que a maior parte das nossas aes seja conforme ao dever; mas, examinando

de mais perto o mbil e fim delas, esbarramos por toda a parte com o Eu querido, que termina sempre por levar a melhor. Sobre este Eu, e no sobre o rgido comando do dever, que as mais das vezes exigiria a abnegao de ns prprios, se fundamenta o impulso donde tais aes promanam. Sem ser precisamente inimigo da virtude, basta

observar com sangue frio e no confundir o bem com o vivo desejo de o ver realizado,

para que, em certas circunstncias (principalmente em idade j avanada, e quando se tem a faculdade de julgar, por um lado, amadurecida pela experincia e, por outro lado, aguada pela observao) duvidemos de que realmente se possa encontrar no mundo alguma virtude verdadeira. Por conseguinte, para nos preservar da falncia total de

nossas idias sobre o dever, bem como para manter na alma um respeito bem fundado

da lei que o prescreve, nenhuma outra coisa existe, a no ser a convico clara de que,

mesmo quando nunca houvessem sido praticadas aes derivadas de fontes to puras, o que importa no saber se este ou aquele ato se verificou mas sim que a razo por si mesma, e independentemente (408) de todos os fenmenos, ordena o que eleve

acontecer; e que, conseqentemente, aes, de que o mundo at hoje nunca talvez tenha

oferecido exemplo, e cuja possibilidade de execuo poderia ser posta fortemente em dvida por aquele mesmo que tudo fundamenta sobre a experincia, so prescritas sem remisso alguma pela razo. Por exemplo, a pura lealdade na amizade, embora at ao presente no tenha existido nenhum amigo leal, e imposta a todo homem essencialmente,.pelo fato de tal dever estar implicado..como dever em geral, anteriormente a toda experincia, na idia de uma razo que determina a vontade segundo princpios a priori.Acrescente-se que, a no ser que se conteste ao conceito moral toda verdade e toda relao com qualquer objeto possvel, no se pode desconhecer que a lei moral possua

um significado a tal ponto extenso que deva ser vlida no s para os homens, mas para

todos os seres racionais em geral, e isto no s debaixo de condies contingentes e

com excees, mas de maneira absolutamente necessria; assim sendo, manifesto que nenhuma experincia pode levar . concluso da simples possibilidade de tais leis apodcticas. Pois, com que direito poderemos converter em objeto de respeito ilimitado,

em prescrio universal para toda natureza racional, o que [talvez no vale seno para as condies contingentes da humanidade ? E como que as leis de determinao de nossa vontade deveriam ser tomadas como leis de determinao da vontade do ser racional em geral e, apenas nessa qualidade, como leis igualmente aplicveis nossa prpria

vontade, se elas fossem puramente empricas, e no derivassem sua origem

completamente a priori de uma razo pura, mais pratica ?

Alm disso, no se poderia prestar pior servio moralidade, do que faz-la derivar de exemplos. Porque todo exemplo, que me seja proposto, deve primeiramente ser julgado segundo os princpios da moralidade, para se poder saber se merece servir de exemplo original, isto , de modelo; mas no pode, por forma alguma, fornecer por si s, e primariamente, o conceito de moralidade. Mesmo o Justo do Evangelho deve ser primeiramente confrontado com o nosso ideal de perfeio moral, para que possa ser reconhecido como tal; por isso, ele diz de si mesmo: "Por que me chamais bom (a mim que vedes) ? Ningum bom (o prottipo do bem) seno (409) Deus (a quem no

vedes)". Mas donde nos advm o conceito de Deus considerado como supremo bem ? Unicamente da idia que a razo traa a priori da perdio moral, e que ela liga indissoluvelmente ao conceito de uma vontade livre. Em matria moral no tem cabimento a imitao, e os exemplos servem apenas de estmulo, isto , pem fora de

dvida a {possibilidade daquilo que a lei impe, tornam evidente aquilo que a lei prtica

exprime de modo mais geral; mas nunca logram autorizar que ponhamos de parte o seu verdadeiro original, que reside na razo, e que regulemos por eles o nosso

procedimento.

Portanto, se no h nenhum autntico princpio supremo de moralidade, que no deva apoiar-se unicamente na razo pura, independentemente de toda experincia, penso no

ser sequer necessrio perguntar se vale a pena expor estes conceitos sob forma universal

(in abstracto). tais como existem a priori, juntamente com os princpios que lhes dizem respeito, dado que o conhecimento propriamente dito deve distinguir-se do

conhecimento vulgar e denominar-se filosfico. Mas, em nossos dias, talvez seja

necessrio pr esta questo. Com efeito, se se procedesse a uma votao para averiguar

qual deva ser preferido, se o conhecimento racional puro isento de todo elemento emprico, e portanto a metafsica dos costumes, ou se a filosofia prtica popular, depressa se descobriria para que lado pende a balana.

De fato, muito louvvel este processo de descer aos conceitos populares, contanto que primeiro ns tenhamos elevado aos princpios da razo pura, de modo que o esprito

quede plenamente satisfeito. Proceder deste modo equivale a fundamentar a doutrina

dos costumes sobre uma metafsica, e, depois de esta ter sido firmada em base slida, a. torn-la acessvel a todos, por meio da vulgarizao. Mas seria extremamente absurdo aquiescer com este processo de agir desde as primeiras investigaes, das quais depende

a exatido dos princpios. Tal maneira de proceder jamais poderia pretender para si o mrito extremamente raro de uma verdadeira vulgarizao filosfica, porque, de fato,

no difcil fazer-se compreender do comum dos homens, quando para isso se renuncia

a toda profundidade de pensamento; mas redundaria em fastidiosa mescla de

observaes a trouxe-mouxe amontoadas e de princpios de uma razo s a meias raciocinante, na qual somente crebros vazios se repastam, porque, apesar de tudo, h a alguma coisa de til para os bate-papos de todos os dias; mas os espritos clarividentes

s encontram a confuso, e insatisfeitos, sem saberem que partido tomar, desviam a

(410) ateno. Quanto aos filsofos, que no se deixam iludir por aparncias enganosas,

esses no desfrutam de grande aceitao, sempre que se propem suspender, por um tempo, a pretensa vulgarizao, a fim de poderem com direito tornar-se populares, s depois de haverem obtido conhecimentos bem definidos.

Basta examinar ao de leve as obras de moral compostas em conformidade com aquele gosto preferido, para nelas se encontrar ora a idia do destino peculiar da natureza humana (de quando em quando, aparece tambm a idia de uma natureza racional em geral), ora a perfeio, ora a felicidade; aqui, o sentimento moral, ali, o temor de Deus; um pouco disto e tambm um pouco daquilo, em maravilhosa confuso, sem que ao esprito ocorra perguntar se propriamente no conhecimento da humana natureza (que, decerto, no pode provir seno da experincia) que se devem procurar os princpios da

moralidade. Se assim no for, se estes princpios devem ser encontrados completamente

a priori, independentemente de toda matria emprica, e s nos puros conceitos da razo

e em nenhuma outra parte, mesmo assim a ningum ocorre a idia de isolar

completamente esta investigao, para consider-la como pura filosofia prtica (ou, se

lcito empregar um nome to suspeito), como Metafsica (*) dos costumes, como nem a idia de desenvolv-la at ser cabalmente perfeita e de exortar o pblico, vido de vulgarizao, que contemporize at a empresa ser levada a bom termo.

(*)Do mesmo modo que se distingue a matemtica pura da matemtica aplicada,e a lgica pura da lgica aplicada, tambm, se quisermos, possvel distinguir afilosofia pura dos costumes (Metafsica) da filosofia dos costumes aplicada ( natureza humana). Toda esta terminologia nos mostra imediata- mente que os princpios morais no devem ser fundados sobre as propriedades da natureza humana, masdevem existir por si mesmos a priori;'e que de tais princpios que devem ser derivadas regrasprticas vlidas para toda natureza racional, e portanto tambm para a natureza humana.Ora, uma tal metafsica dos costumes completamente isolada, no imiscuda de antropologia, nem de teologia, nem de fsica ou de hiperfsica menos ainda de quaisquer qualidades ocultas (que se poderiam denominar hipofsicas), no apenas o

indispensvel substrato de toda teoria dos deveres claramente definida, mas

igualmente um desiderato da mais alta importncia para o cumprimento efetivo de suas

prescries. Com eleito, a representao do dever, e em geral da lei moral, quando

pura, ou seja, no mesclada de acrscimos estranhos de impulsos sensveis, exerce sobre

o corao humano, por via da s razo (a qual ento, pela primeira vez, se d conta de que pode ser prtica por si mesma) uma influncia muito mais eficaz do que a de todos

os outros (411) impulsos (*) que se podem invocar no domnio da experincia, de sorte que a razo, cnscia de sua dignidade, despreza esses impulsos e pouco a pouco se torna

capaz de os dominar. Ao invs, uma doutrina moral bastarda e confusa, formada de impulsos derivados de sentimentos e de inclinaes, e ao mesmo tempo de conceitos da razo, torna necessariamente o esprito hesitante entre motivos de ao irredutveis a qualquer princpio, e que s por acaso podem guiar ao bem, mas muitas vezes tambm podem conduzir ao mal.

(*) Tenho uma carta do falecido Sulzer (8-1), na qual me pergunta por que motivo as doutrinasda virtude, por mais convincentes que possam ser para a razo, possuem to pouca eficcia.Adiei a resposta, para que esta pudesse sair completa. A resposta s uma, a saber: aqueles mesmos que ensinam tais doutrinas no reconduziram seus princpios ao estado de pureza e, querendo procedei demasiado bem, enquanto procuram principalmente motivos que incitem ao bem moral, a fim de tornarem o remdio mais enrgico, o estragam. Consoante o mostra a mais comezinha observao, se se apresentar um ato de probidade, imune de iodo fim interessadoneste mundo ou no outro, praticado por um Animo corajoso no meio das maiores tentaes,provocadas pela misria ou pelo atrativo de certas vantagens, ele deixa atrs de si e eclipsa qualquer outro ato anlogo, que tambm s em mnima escala haja sido causado por um impulso estranho; ele eleva a alma e excita o desejo de proceder do mesmo modo. At mesmo crianasde meia idade experimentam esta impresso, o penso que nunca os deveres lhes deviam serexpostos seno desta maneira.De quanto precede ressalta que todos; os conceitos morais tm sua sede e origem completamente a priori na razo, na razo humana mais comum tanto quanto na razo

que se eleva ao alto grau de especulao; que eles no podem ser abstrados de nenhum conhecimento emprico, e, por conseguinte puramente contingente que a pureza de sua origem justamente o que os torna dignos de servirem de princpios prticos supremos; que quanto mais se lhes acrescenta de emprico, tanto mais diminui sua verdadeira influncia e o valor absoluto das aes; que no s exigncia da mais premente necessidade, do ponto de vista terico, em que se trata to-somente de especulao, mas que ainda da maior importncia prtica criar estes conceitos e estas leis, tirando-os da razo pura, sem mescla de qualquer espcie; e mais ainda, determinar o mbito de todos estes conhecimentos racionais prticos ou puros, isto , determinar todo o poder da

razo pura prtica, abstendo-se, contudo (na medida em que a filosofia especulativa o permita e mesmo, por vezes, encontre necessrio) de fazer depender tais princpios da natureza especial da razo humana; mas, antes j (412) que as leis morais devem ser vlidas para todo ser racional em geral, deduzindo-as do conceito universal de um ser racional em geral. Deste modo, toda a moral, que em sua aplicao humanidade precisa da antropologia, ser exposta, independentemente desta ltima cincia, como filosofia pura, isto , como metafsica, e isto de modo completo (o que fcil de fazer

neste gnero de conhecimento inteiramente separado). E convm ter presente que, sem

estar de posse desta metafsica, trabalho intil, no digo o determinar exatamente por meio do juzo especulativo o elemento moral do dever em tudo o que conforme ao dever; mas que impossvel, em tudo o que concerne puramente ao uso comum e

prtico, e particularmente instruo moral, fundamentar a moralidade sobre seus verdadeiros princpios, produzir, mediante ela, sentimentos morais puros e infundi-los nas almas, para que da redunde o maior bem no mundo.

Ora, para progredir neste trabalho, avanando por gradaes naturais, no simplesmente

do juzo moral comum (aqui muito aprecivel) ao juzo filosfico, como j foi indicado, mas de uma filosofia popular, que no vai mais alm do que ela pode alcanar as apalpadelas por meio de exemplos, at metafsica. (que no se deixa deter por

nenhuma influncia emprica, e que, devendo medir todo o domnio do conhecimento racional desta espcie, se ergue, em todo caso, at regio das Idias, onde os prprios exemplos nos abandonam), importa seguir e expor claramente a potncia prtica da

razo, partindo das suas regras universais de determinao at ao ponto em que dela brota o conceito do dever.

Todas as coisas na natureza operam segundo leis. Apenas um ser racional possui a faculdade de agir segundo a representao das leis, isto , segundo princpios, ou, por outras palavras, s ele possui uma vontade. E, uma vez que, para das leis derivar as aes, necessria a razo, a vontade outra coisa no seno a razo prtica. Quando, num ser, a razo determina infalivelmente a vontade, as aes deste ser, que so Reconhecidas objetivamente necessrias, so necessrias tambm subjetivamente; quer dizer que ento a vontade uma faculdade de escolher somente aquilo que a razo,

independentemente de toda inclinao, reconhece como praticamente necessrio, isto , como bom. Mas se a razo no determina suficientemente por si s a vontade, se esta ainda subordinada (413) a condies subjetivas (ou a certos impulsos) que nem sempre concordam com as condies objetivas; numa palavra, se a vontade no cm si completamente conforme razo (como acontece realmente com os homens), ento as aes reconhecidas necessrias objetivamente so subjetivamente contingentes, e a determinao de uma tal vontade conformemente a leis objetivas uma coao; por

outras palavras, a relao das leis objetivas com uma vontade no completamente boa representada como sendo a determinao da vontade de um ser racional por meio de princpios da razo, aos quais entanto aquela vontade, merc de sua natureza, no | necessariamente dcil.

A representao de um princpio objetivo, na medida em que coage a vontade, denomina-se mandamento (da razo), e a frmula do mandamento chama-se IMPERATIVO.

Todos os imperativos so expressos pelo verbo (dever e indicam, por esse modo, a relao entre uma lei objetiva da razo e uma vontade que, por sua constituio

subjetiva, no necessariamente determinada por essa lei (uma coao)- Declaram eles, que seria bom fazer tal coisa ou abster-se dela, mas declaram-no a uma vontade

que nem sempre faz uma coisa, porque lhe apresentada como boa para ser feita. Portanto, praticamente bom o que determina a vontade por meio de representaes da razo, isto , no em virtude de causas subjetivas, mas objetivamente, quer dizer por

meio de princpios que so vlidos para todo ser racional enquanto tal. O bem prtico , pois, distinto do agradvel, isto , do que exerce influxo sobre a vontade unicamente

por meio da sensao, por causas puramente subjetivas, vlidas apenas para a sensibilidade deste e daquele, e no como princpio da razo, vlido para todos (*). Uma vontade perfeitamente boa estaria, pois, to (414) sujeita ao imprio de leis objetivas (leis do bem) quanto uma vontade imperfeita; mas nem por isso poderia ser

representada como coagida a aes conformes lei, porque, merc de sua constituio subjetiva, ela s pode ser determinada pela representao do bem. Eis por que no h imperativo vlido para a vontade divina, e em geral para uma vontade santa; o deverno tem aqui cabimento, porque o querer j por si necessariamente concorde com a

lei. Por isso, os imperativos so apenas frmulas que exprimem a relao entre as leis objetivas do querer em geral e a imperfeio subjetiva da vontade deste ou daquele ser racional, por exemplo, da vontade humana.

.

(*) A dependncia da faculdade apetitiva a respeito de sensaes denomina-se inclinao, e, por conseguinte, esta sempre prov a de uma necessidade. A dependncia de uma vontade, capaz de ser determinada de modo contingente

pelos princpios da razo, chama-se interesse. O interesse encontra-se, pois, to- somente numa vontade dependente, a qual no por si mesma sempre conforme

razo; na vontade divina impossvel conceber qualquer interesse. Mas tambm a vontade humana pode tomar interesse por uma coisa, sem por isso

agir por interesse. A primeira expresso significa o interesse prtico pela ao; a segunda, o interesse patolgico pelo objeto da ao. A primeira indica apenas a dependncia da vontade a respeito dos princpios da razo em si mesma; a

segunda, a dependncia da vontade a respeito dos princpios da razo posta ao servio da inclinao, no qual caso, a razo ministra somente a regra prtica para poder satisfazer as necessidades da inclinao. No primeiro caso, interessa-me a ao; no segundo, interessa-me o objeto da ao (na medida em que me agradvel). Na Primeira Seco, verificamos que, numa ao executada, por

dever, importa considerar, no o interesse pelo objeto, mas unicamente o

Interesse pela prpria ao e seu princpio racional (a lei).

Ora, todos os Imperativos preceituam ou hipoteticamente ou categoricamente. Os imperativos hipotticos representam a necessidade de uma ao possvel, como meio

para alcanar alguma outra coisa que se pretende (ou que, pelo menos, possvel que se pretenda). O imperativo categrico seria aquele que representa uma ao como

necessria por si mesma, sem relao com nenhum outro escopo, como objetivamente necessria.

.

Dado que toda lei prtica representa uma ao possvel como boa , conseguintemente, como necessria para um sujeito capaz de ser determinado praticamente pela razo,

todos os imperativos so frmulas, pelas quais determinada a ao que, segundo os princpios de uma vontade de qualquer modo boa, necessria. Ora, quando a ao no boa seno como meio de obter alguma outra coisa , o imperativo hipottico; mas, quando a ao representada como boa em si, e portanto como necessria numa vontade conforme em si mesma a razo considerada como princpio do querer, ento o

imperativo categrico.O imperativo indica, pois, qual ao, para mim possvel. I seria boa, e representa a regra prtica em relao com uma vontade que no executa imediatamente urna ao porque boa, em parte porque o sujeito no sabe sempre se ela boa, e, em parte, porque,

mesmo que o soubesse, suas mximas poderiam, no obstante, ser contrrias aos

'princpios objetivos de uma razo prtica.

(415) O imperativo hipottico significa, portanto, apenas, que a ao boa com relao

a um escopo possvel ou real. No primeiro caso, um princpio PROBLEMTICAMENTE prtico; no segundo caso, um princpio ASSERTORICAMENTE prtico. Pelo contrrio, o imperativo categrico, que declara a ao como objetivamente necessria por si mesma, sem relao com algum fim, isto , sem qualquer outro fim, tem o valor de princpio

APODCTICAMENTE prtico.

Podemos imaginar que tudo quanto possvel apenas pelas foras de algum ser racional

tambm um escopo possvel para qualquer vontade; por isso, os princpios da ao,

enquanto esta representada como necessria para a aquisio de algum fim possvel, susceptvel de ser por ela realizado, so, de fato, infinitos em nmero- Todas as cincias tm uma parte prtica, constante de problemas que supem que qualquer fim possvel para ns, e de imperativos que indicam como tais fins podem ser alcanados. Estes imperativos podem, por isso, chamar-se em geral imperativos da HABILIDADE. No se

trata, neste caso, de saber se o escopo racional e bom, mas s de saber o que se deve fazer para o alcanar. As prescries que um mdico segue para curar radicalmente o

seu enfermo, e as do envenenador para o matar seguramente, tm igual valor, na medida em que umas e outras servem para realizar perfeitamente o escopo que se tem em vista.

Como nos primeiros anos da juventude ignoramos as surpresas que a vida nos reserva

no porvir, os pais empenham-se principalmente em que os filhos aprendam quantidadede coisas diversas, e cuidam em que eles se tornem hbeis no uso dos meios necessrios para alcanarem toda sorte de fins desejveis. So eles incapazes de saber se algum

desses fins vir a ser, mais tarde, realmente desejado por seus filhos, mas possvel que

isso acontea um dia; e esta preocupao to grave, que eles comumente se descuidam

de formar e corrigir o juzo dos filhos acerca do valor das coisas que estes poderiam propor-se como fins.

H todavia um escopo, que se pode supor real para todos os seres racionais (na medida em que os imperativos se aplicam a estes seres considerados como dependentes); portanto, um escopo que eles no s podem propor-se, mas do qual se pode certamente

admitir que todos o propem a si efetivamente, em virtude de uma necessidade natural, e este escopo a felicidade. O imperativo categrico, que apresenta a necessidade prtica

da ao como meio para alcanar a felicidade, ASSERTRIO. No podemos apresent-lo

simplesmente tomo indispensvel realizao de um fim incerto, puramente possvel, mas de um fim que se pode seguramente e a priori supor em todos os homens, porque

faz parte da natureza (416) deles. Pode dar-se o nome de prudncia (*), com a condio

de tomar este vocbulo em seu mais estrito significado! habilidade em escolher os meios que nos proporcionam maior bem-estar. Sendo assim, o imperativo que se refere

escolha dos meios capazes de assegurar nossa felicidade pessoal, isto , a prescrio

da prudncia, sempre hipottico; a ao ordenada, no de modo absoluto, mas s como meio de alcanar outro escopo.

(*) A palavra prudncia tomada em duplo sentido: no primeiro sentido, designa a prudncia nas relaes que lemos com o mundo; no segundo sentido, a prudncia pessoal. A primeira indica a habilidade que um homem possui de aluar sobre outros, para deles se servir embenefcio de seus fins. A segunda a sagacidade em fazer convergir estes fins para sua vantagempessoal e estvel.A esta ltima se reduz propriamente o valor da primeira; e daquele que prudente no primeiro sentido, no o sendo no segundo, com melhor razo se diria (pie engenhoso e astuto, mas, em suma, imprudente.Enfim, h um imperativo que, sem assentar como condio fundamental a obteno de um escopo, ordena imediatamente este procedimento. Tal imperativo CATEGRICO .

Diz respeito, no matria da ao, nem s conseqncias que dela possam redundar,

mas forma e ao princpio donde ela resulta; donde, o que no ato h de essencialmente bom consiste na inteno, sejam quais forem as conseqncias. A este imperativo pode

dar-se o nome de IMPERATIVO DA MORALIDADE.

O ato de querer segundo estas trs espcies de princpios ainda claramente especificado pela diferena que existe no gnero de coao por eles exercida sobre a

vontade. Para tornar sensvel esta diferena, penso no haver maneira mais apropriada

de os designar em sua ordem do que dizendo: tais princpios so ou regras da

habilidade, ou conselhos da prudncia, ou ordenaes (leis) da moralidade. De fato, s a

lei implica em si o conceito de necessidade incondicionada, verdadeiramente objetiva e,

conseqentemente, vlida para todos, e as ordenaes so leis a que mister obedecer, isto , devem ser seguidas, mesmo quando contrariam a inclinao. Os conselhos implicam, sem dvida, uma necessidade, mas uma necessidade s vlida sob uma condio subjetiva contingente, consoante este ou aquele homem considera esta ou aquela coisa como parte de sua felicidade; ao invs, o imperativo categrico no limitado por nenhuma condio, e como absolutamente, embora praticamente,

necessrio, pode propriamente ser denominado prescrio. Aos imperativos da primeira espcie podemos ainda dar o nome de tcnicos (417) (referentes arte); aos da segunda espcie, o de pragmticos (*) (referentes ao bem- estar); aos da terceira espcie, o de morais (referentes ao livre comportamento em geral, isto , aos costumes).

(*) Parece- me que o significado prprio da palavra pragmtico pode ser exatamente determinado deste modo. Com efeito, chamam- se pragmticas as sanes que no derivam propriamente do direito dos Estados como leis necessrias, mas sim da solicitude pelo bem-estar geral. Umahistria composta pragmaticamente, quando nos torna prudentes, isto , quando ensina sociedade hodierna os meios de cuidarem de seus interesses melhor ou, pelo menos, to bem como a sociedade de outros tempos.Apresenta-se aqui a questo: como so possveis todos estes imperativos ? Esta questo visa a indagar a maneira de imaginar, no o cumprimento da ao que o imperativo ordena, mas to-somente a coao da vontade que o imperativo exprime, na tarefa que

prope. Como seja possvel um imperativo da habilidade, coisa que decerto no requer peculiar explicao. Quem quer o fim, quer tambm (na medida em que a razo tem

influxo decisivo sobre suas aes) os meios indispensvelmente necessrios de o alcanar, e que esto em seu poder. Esta proposio , no que respeita ao querer,

analtica, porque o ato de querer um objeto, efeito de minha atividade, supe j a minha causalidade, como causalidade de uma causa agente, isto , o uso dos meios; e o imperativo extrai, do conceito da volio de um fim, a idia das aes necessrias para chegar a esse fim (sem dvida, para determinar os meios aptos para alcanar um escopo prefixado, so absolutamente exigidas proposies sintticas, mas estas referem-se ao princpio de realizao, no do ato da vontade, mas do objeto). Que para dividir,

segundo um princpio certo, uma linha reta em duas partes iguais, eu deva traar desde

as extremidades desta linha dois arcos de crculo, a matemtica o ensina unicamente por meio de proposies sintticas; mas que, sabendo que por este processo s se obtm o objeto proposto, eu, querendo plenamente o efeito, deva querer igualmente a ao por

ele exigida, uma proposio analtica; pois que, representar-me uma coisa como um efeito que eu posso produzir de certo modo, e representar-me a mim mesmo, em relao

a esse efeito, como agindo do mesmo modo, , de fato, uma e a mesma coisa.

Os imperativos da prudncia concordariam plenamente com os da habilidade, e seriam igualmente analticos, sei fosse fcil dar um conceito determinado da felicidade. Pois

tanto aqui como ali se poderia dizer que quem quer o fim quer tambm necessariamente segundo a razo) os (418) meios indispensveis para o obter, que estejam ao seu

alcance. Mas, por desgraa, o conceito da felicidade conceito to indeterminado que, no obstante o desejo de todo homem de ser feliz, ningum todavia consegue dizer em

termos precisos e coerentes o que verdadeiramente deseja e quer. A razo disso que os elementos, que integram o conceito da felicidade, so todos quantos empricos, isto , devem ser extrados da experincia, e, no obstante, a idia da felicidade implica a idia

de um todo absoluto, um mximo de bem-estar no meu estado presente e em toda minha condio futura. Ora, impossvel que um ser, embora imensamente perspicaz e, ao mesmo tempo, potentssimo, mas finito, faa uma idia determinada daquilo que verdadeiramente quer. Quer ele riqueza ? Que de preocupaes, invejas, ciladas no vai atrair sobre si! Quer maior soma de conhecimentos e de ilustrao ? Talvez isso lhe aumente o poder de penetrao e a perspiccia do olhar, lhe revele de maneira ainda

mais terrvel os males que por ora lhe esto ocultos e que no podem ser evitados ou

incremente a exigncia de seus desejos que muito a custo consegue satisfazer. Quer vida longa ? E quem lhe afiana que ela no se converteria em longo sofrimento ? Quer, ao menos, a sade ? Mas quantas vezes a indisposio do corpo impediu excessos, em que uma perfeita sade o teria feito cair ! E assim por diante. Em suma, ele incapaz de determinar com plena certeza segundo qualquer princpio, o que o tornar

verdadeiramente feliz, pois para tal precisaria de ser onisciente. Portanto, para ser feliz, no possvel agir segundo princpios determinados, mas apenas segundo conselhos empricos, que recomendam, por exemplo, um regime diettico, a economia, a

delicadeza, a reserva, etc, coisas estas que, de acordo com os ensinamentos da experincia, contribuem, em tese, grandemente, para o bem-estar. Donde se segue que

os imperativos da prudncia, rigorosamente falando, no podem ordenar coisa alguma, isto , no podem apresentar aes de maneira objetiva como praticamente necessrias. mister consider-los, antes, como conselhos (consilia), do que como preceitos

(praecepta) da razo. O problema de determinar, de maneira certa e geral, quais as

aes capazes de favorecer a felicidade de um ser racional, problema, de fato,

insolvel, e, por conseguinte, relativamente a ele, no h imperativo capaz de ordenar,

no sentido rigoroso da palavra, que se faa aquilo que d a felicidade, porque a felicidade um ideal, no da razo, mas da imaginao, fundado unicamente (419) sobre princpios empricos, dos quais em vo se espera que possam determinar uma ao, um modo de agir, por meio do qual se alcance a totalidade de uma srie de conseqncias verdadeiramente infinita. Este imperativo da prudncia, mesmo

admitindo que os meios de chegar felicidade se possam fixar com certeza, seria, em todo caso, apenas uma proposio prtica analtica, pois se distingue do imperativo da

habilidade s porque, para este ltimo, o fim simplesmente possvel, ao passo que para

aquele dado efetivamente; mas, como ambos prescrevem unicamente os meios para alcanar aquilo que se supe que queremos como fim, o imperativo, que ordena quele, que quer o fim, que queira tambm os meios, , nos dois casos, analtico. Acerca de um imperativo deste gnero no subsiste, pois, dificuldade.

Pelo contrrio, a possibilidade do imperativo da moralidade , sem dvida, a nica questo que precisa de ser solucionada, porque tal imperativo no absolutamente hipottico, e, por isso, sua necessidade, objetivamente representada, no pode apoiar-se em nenhuma suposio, como sucede nos imperativos hipotticos. S que no se deve aqui perder nunca de vista, que no possvel decidir por meio de algum exemplo, e portanto empiricamente, se, na realidade, h algum imperativo deste gnero; convm

no esquecer que todos os imperativos, que parecem ser categricos, podem ser imperativos hipotticos disfarados. Quando, por exemplo, se diz: "no deves fazer

falsas promessas", e se supe que a necessidade desta proibio no simples conselho que se deva seguir, a fim de evitar algum mal, no conselho que se reduza mais ou menos a dizer: "no deves fazer falsas promessas, para no perderes o crdito, no caso

em que se viesse a apurar a verdade"; mas, antes se assevere que uma ao deste gnero deve ser considerada em si mesma como m, de modo que o imperativo, que a probe,

seja categrico, todavia no se pode afirmar com certeza, em nenhum exemplo, que a vontade no determinada por nenhum outro impulso, embora o parea, mas unicamente pela lei. Com efeito, sempre possvel que o temor da vergonha, e acaso tambm uma vaga apreenso de outros perigos exera influncia secreta sobre a vontade. Como provar, mediante a experincia, a no-existncia de uma causa, desde

que essa experincia no ensina mais do que nossa impossibilidade de distinguir aquela causa ? Neste caso, o pretenso imperativo moral, que, como tal, parece categrico e incondicionado, no seria, na realidade, seno um preceito pragmtico, que faz

convergir nossa ateno sobre o nosso interesse e unicamente nos ensina a tom-lo em considerao.

Devemos, pois, examinar inteiramente a priori a possibilidade de um imperativo

categrico, visto aqui no nos ser concedida a vantagem de encontrar este imperativo

(420) realizado na experincia, de sorte que no tenhamos de examinar a possibilidade d ele seno para o explicar, e no para o estabelecer. Entretanto, de momento, importa preliminarmente admitir que s o imperativo categrico tem o valor de LEI prtica, ao

passo que os demais imperativos em conjunto podem bem ser denominados princpios,

mas no leis da vontade. Com efeito, o que simplesmente necessrio fazer para alcanar um fim almejado, pode em si ser considerado como contingente (109), ns

poderemos sempre ser libertos das prescries, renunciando ao fim; ao invs, o preceito incondicionado no entrega, por forma alguma, ao beneplcito da vontade a faculdade

de optar pelo contrrio: portanto s ele implica em si aquela necessidade que

reclamamos para a lei.

Em segundo lugar, no que concerne a este imperativo categrico, ou a esta lei da moralidade, a causa da dificuldade (de apreender a sua possibilidade) tambm assaz considervel. Este imperativo uma proposio prtica sinttica (*) a priori, e visto haver tamanha dificuldade no conhecimento terico para compreender a possibilidade

de proposies deste gnero, fcil presumir que no conhecimento prtico a dificuldade no ser menor.

Para resolver esta questo, importa, antes de mais nada, verificar, se no seria possvel que o conceito simples de imperativo categrico fornecesse tambm a frmula do

mesmo, frmula que contivesse a proposio que s pode ser um imperativo categrico; pois a questo de saber como seja possvel um tal mandamento absoluto, mesmo quando lhe conhecemos a frmula, exigir ainda, de nossa parte, um esforo peculiar e difcil,

do qual trataremos na derradeira Seco desta obra.

(*) Eu, sem pressupor condies derivadas de qualquer inclinao, ligo o ato a vontade; ligo- o a priori, portanto necessariamente (embora s objetivamente, ou seja, tomando como ponto de partida a idia de uma razo dotada de plenos poderes sobre todas as causas subjetivas de determinao). Esta , pois, uma proposio prtica, que no deriva analiticamente o fato dequerer uma ao de um outro querer j pressuposto (porque no temos uma vontade to perfeita),mas que o liga imediatamente ao conceito da vontade de um ser racional, como algo que neleno est contido.Quando imagino um imperativo hipottico em geral, no sei com antecedncia o que ele conter, enquanto no me for dada a condio do mesmo. Mas, se imagino um

imperativo categrico, sei imediatamente o seu contedo. No contendo o imperativo, alm da lei, seno a necessidade de a mxima (*) se conformar lei, e no contendo

esta (421) lei nenhuma condio a que esteja sujeita, nada mais resta que a universalidade de uma lei em geral, que a mxima da ao deve ser conforme, e s esta conformidade que o imperativo apresenta propriamente como necessria.

O imperativo categrico , pois, um s e precisamente este: Procede apenas .segundo aquela mxima, em virtude da qual podes querer ao mesmo tempo que ela se tome emlei universal.(*) A mxima o princpio subjetivo da ao, e imporia distingui-la do principio objetivo, isto ,da lei prtica. A mxima contm a regra prtica que determina a razo segundo as condiesdo sujeito (em muitos casos, segundo a sua ignorncia, ou tambm segundo suas inclinaes, e,deste modo, o principio fundamental, segundo o qual o sujeito age; a lei, pelo contrrio o princpio objetivo vlido para todo ser racional, o princpio segundo o qual ele deve agir, ou seja, um imperativo.Ora, se deste s imperativo podem ser derivados, como de seu princpio, todos os imperativos do dever, embora deixamos de lado a questo de saber se aquilo, a que se

d o nome de dever, no , no fundo, um conceito oco, poderemos todavia, ao menos,

mostrar o que entendemos por isso e o que este conceito pretende significar.

Uma vez que a universalidade da lei, segundo a qual se produzem efeitos, constitui o que propriamente se chama natureza no sentido mais geral (quanto forma), isto , constitui a existncia dos objetos, enquanto determinada por leis universais, o imperativo universal do dever pode ainda ser expresso nos termos seguintes: Procedecomo se a mxima de tua ao devesse ser erigida, por tua vontade, em LEI UNIVERSALDA NATUREZA.

Enumeremos agora alguns deveres, de acordo com a diviso ordinria dos deveres em deveres para conosco e deveres para com os outros, em deveres perfeitos e deveres imperfeitos. (*)

(*) Convm observar que me reservo tratar da diviso dos deveres numa futura Metafsica cios costumes; pelo que, a diviso agora proposta obedece apenas a um critrio de comodidade (para classificao dos exemplos que apresento). Alis, por "dever perfeito" emendo aqui o dever que no admite excees em

favor da inclinaro; assim"~~sendo, admito no s deveres perfeitos exteriores, mas tambm deveres perfeitos interiores, o que est em contradio com a terminologia empregada nas escolas; no porm meu intento justificar aqui.

Cita concepo pois pouco se me d que ela seja admitida ou no (114).

1. Um homem, por uma srie de males que o levaram ao (422) desespero, sente grande nojo de viver, muito embora mantenha o suficiente domnio de si para se perguntar se o atentar contra a prpria vida no constitui uma violao do dever para consigo mesmo. Procura ento averiguar se a mxima de sua ao pode converter-se em lei universal da natureza. Sua mxima seria esta: "por amor de mim mesmo, estabeleo o princpio de

poder abreviar minha existncia, se vir que, prolongando-a, tenho mais males que temer

do que satisfaes que esperar dela". A questo agora est apenas em saber se tal princpio do amor de si pode ser erigido em lei universal da natureza. Mas imediatamente se v que uma natureza, cuja lei fosse destruir a vida, em virtude

justamente daquele sentimento que tem por funo peculiar estimular a conservao da vida, estaria em contradio consigo mesma e no poderia subsistir como natureza, Conseguintemente, esta mxima no pode, por forma alguma, ocupar o posto de lei universal da natureza, e por tal motivo inteiramente contrria ao princpio supremo de todo dever.

2. Outro homem impelido pela necessidade a pedir dinheiro emprestado. Sabe que

no poder restitu-lo, mas sabe igualmente que nada lhe ser emprestado, se no tomar

o srio compromisso de satisfazer a dvida dentro de determinado prazo. Sente vontade

de fazer essa promessa, mas tem ainda bastante conscincia para a si mesmo perguntar

se no ser proibido e contrrio ao .dever tentar safar-se da necessidade por meio de tal expediente. Supondo que tome esta deciso, a mxima de sua ao significaria isto: quando penso estar falto de dinheiro, peo emprestado, prometendo restitu-lo, embora saiba que nunca o farei. Ora, bem possvel que este princpio do amor de si ou da utilidade prpria se prenda com todo o meu bem-estar futuro, mas, de momento, a

questo consiste em saber se isso justo. Transformo, pois, a exigncia do amor de si em lei universal, e ponho a questo seguinte: que sucederia, se minha mxima se convertesse em lei universal ? Ora, imediatamente vejo que ela nunca poderia valer como lei universal da natureza e estar de acordo consigo mesma, mas que deveria

necessariamente contradizer-se. Admitir como lei universal que todo homem, que julgue

encontrar-se em necessidade, possa prometer o que lhe vem mente, com o propsito

de no cumprir, equivaleria a tornar impossvel toda promessa, e inatingvel o fim que

com ela se pretende alcanar, pois ningum acreditaria mais naquilo que se lhe promete

e todos se ririam de semelhantes declaraes, como de fingimentos vos.

3. Um terceiro sente-se dotado de aptides que, devidamente cultivadas, poderiam fazer dele um homem til sob mltiplos aspectos. Mas, encontrando-se bem instalado(423) na vida, prefere entregar-se a uma existncia de prazer do que esforar -se por ampliar e aperfeioar suas boas disposies naturais. Contudo, ele pergunta a si mesmo se. a sua mxima "descurar os dons naturais", alm de concordar com sua tendncia para o

prazer, concorda tambm com o que se chama o dever. Ora, ele v bem que, sem dvida, uma natureza que tivesse uma lei universal deste gnero poderia subsistir,

mesmo que o homem (como o indgena insular do Mar do Sul) deixasse enferrujar seus talentos e no pensasse seno em aplicar sua vida ao cio, ao prazer, propagao da espcie, numa palavra, ao gozo; mas ele no pode absolutamente QUERER que isto se converta em lei universal da natureza, ou que seja inato em ns como instinto natural. Como ser racional, ele quer ne