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7/18/2019 KANT, Immanuel. a Religio Nos Limites Da Simples Razo (1)
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Textos Filosficos
edies 70
mmanuel
KANT
A RELIGIO
NOS LIMITES
DA SIMPLES RAZO
7/18/2019 KANT, Immanuel. a Religio Nos Limites Da Simples Razo (1)
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Pr o leitor directamente em contacto
com textos marcantes da histria da filosofia
- atravs de tradues feitas
a partir dos respectivos originais,
acompanhadas de introdues e
notas explicativas
- foi o po nto de partida pa ra esta coleco.
O seu mbito estender-se-
a tod as as pocas e a todos os tipos
e estilos de filosofia,
procurando incluir os textos.
mais significativos do pensamento filosfico
na sua multiplicidade e riqueza .
Ser assim um reflexo da vibratilidade
do esprito filosficoperante o seu tempo:
perante a cincia
e o problema do homem
e do mundo.
7/18/2019 KANT, Immanuel. a Religio Nos Limites Da Simples Razo (1)
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Textos Filosficos
Director da Coleco:
ARTUR MORO
Professor no Departamento de Filosofia da Faculdade de Cincias Humanas
da Universidade Catlica Portuguesa
1.
Crtica
d a
Razo
Prtica
Immanuel Kant
2.
Investigao sobreo Entendimento Humano
David Hume
3. Crepsculo
dos dolos
Friedrich Nietzche
4. Discursod eMetafsica
Gottfried Whilhelm Leibniz
5. Os Progressosda Metafsica
Immanuel Kant
6. Regras para
a
Direco
d o
Esprito
Ren D escartes
7. Fundamentao
da
Metafsica
do s
Costumes
Immanuel Kant
8.
A
Ideia
d a
Fenomenologia
Edmund Husserl
9. Discurso do Mtodo
Ren Descartes
10. Ponto deVista Explicativoda Minha Obra como Escritor
Sren Kierkegaard
11. AFilosofia
na
Idade Trgicado sGregos
Friedrich Nietzche
12. Cartasobre Tolerncia
John Locke
13. Prolegmenosa Todaa Metafsica Pura
Immanuel Kant
14. Tratadoda Reformado Entendimento
Bento de Espinosa
15. Simbolismo: SeuSignificadoe Efeito
Alfred N orth Whitehead
16.
Ensaio Sobre
os
Dados Imediatos
da
Conscincia
Henri Bergson
17. Enciclopdia
da s
Cincias Filosficasem Epitome vol. I)
Georg Wilhelm Friedrich Hegel
18. A PazPerptuae Outros Opsculos
Immanuel Kant
19. Dilogo sobrea Felicidade
Santo Agostinho
20.
Princpios
da
Filosofia
d o
Futuro
e
Outros Escritos
Ludwig Feuerbach
21. Enciclopdiada sCincias Filosficase mEpitome vol. II)
Georg Wilhelm Friedrich Hegel
22. Manuscritos Econmico Filosficos
Karl Marx
23.
Propedutica Filosfica
Georg Wilhelm Friedrich Hegel
24.
O
Anticristo
Friedrich Nietzche
25. Discurso sobre
a
Dignidade
d o
Homem
Giovanni Pico delia Mirandola
26. Ecce Homo
Friedrich Nietzche
27. O
Materialismo Racional
Gaston Bachelard
28.
Princpios Metafsicos
da
Cincia
da
Natureza
Immanuel Kant
29. Dilogode umFilsofo Cristoe de um Filsofo Chins
Nicolas M alebranche
30. OSistemada Vidatica
Georg Wilhelm Friedrich Hegel
31. Introduo
Histria
d a
Filosofia
Georg Wilhelm Friedrich Hegel
32. As Confernciasde Paris
Edmund Husserl
33. Teoriada sConcepesdo Mundo
Wilhelm Dilthey
34
A
Religiono sLimites
d a
Simples
Razo
Immanuel Kant
A RELIGIO
NOS
LIMITES
DA SIMPLES RAZO
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Ttulo original:
Die Religion innerhalb der Grenzen der blossen Vemunft
desta traduo: Artur Moro e Edies 70, Lda.
Traduo de Artur Moro
Reviso tipogrfica de Artur Lopes-Cardoso
Capa de Edies 70
Depsi to legal n. 56437/92
ISB N 972 -4 4 -0 859 -0
Direitos reservados para todos os pases de lngua portuguesa
por Edies 70, Lda. Lisboa Portugal
EDIES 70, LDA. Av . Infante D. Henrique, Lote 306 -2 190 0 LISBOA
Apartado 82 2 9 1 80 3 L ISB OA CODE X
T el efs . 859 63 4 8 / 859 99 3 6 / 859 86 2 3 Fax 859 86 2 3
DISTRIBUIO:
DE L -DIST RIB UIDORA DE L IVROS, L DA.
Av. Infante D . Henrique, Lote 306-2 1900 LISBOA
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no todo ou em parte, qualquer que seja o modo utilizado,
incluindo fotocpia e xerocpia, sem prvia autorizao do Editor.
Qualquer transgresso Lei dos Direitos de Autor ser passvel
de procedimento judicial.
Immanuel
KANT
A RELIGIO
NOS LIMITES
DA SIMPLES RAZO
ed ies 70
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ADVERTNCIA
A Religio nos limites da simples razo (1793) oescrito
capitalde Kantsobrea religio, emboran o seja o nico. De
facto, Deus, aliberdadee a imortalidade,objectivos supremos
da nossa existncia (KrVB ,395),sempre ocuparam um lugar
privilegiado entre osproblem as fulcrais da sua filosofia.
Adoutrina kantiana deDeus passouporvrios estdiosde
elaborao:
desenvolveu-se,
n o perodo pr-crtico,no mbito de
um confronto com Leibniz e Wolff J ento Kant faz um a
crticateologiaracional - oque no deixa de ter um nexo com
aevoluo ulteriordoseu pensamentoecom aconfirmaoda
sua atitude contraapossibilidade dametafsica. Em seguida, na
Crtica da Razo pura, oproblema teolgico discutido no
interiordaimpugnaod ametafsica tradicionale
racionalista.
A suasoluo negativaapartir dos princpios especulativosda
razoera, paraKant, acondio sine qua nonparaumoutro
caminho doconhecimento de Deus, a chamadaprova moral;
importava eliminar o saber para dar lugar f (KrV B,
XXX). Opostulado de Deusconecta-secom opreceito deve
mos fomentar obem supremo (seja elequal for) e a argumen
tao a seu respeito insere-se no quadro de uma viso teleolgica
da realidade total. A teleologia moral (a subordinao da
natureza realizao do summum bonumj conduz assim a
um ateologiamoral,plenamente elaboradaemA Religio nos
limites da simples razo. Se oderradeiro sentidoda realidade
s temrespostan ocampo
tico,
natural qyes eavance paraa
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religio, masconcebida comooconhecimentoe ocumprimento
de todos osdeveres como mandamentosdivinos.
A reduo dareligio moralleva Kant a expor de modo
simblico os princpios dareligio crist, apropor adistino
entref histrica (f eclesial, que desvalorizada) e a f d a
razo (f religiosa), aencarar as verdades reveladas comosim
plesauxiliaresd areligio enquanto sentimentomoral. Trata-se
de umareligio se m
culto,
puroserviode coraes, em que
tudo o que histrico esobrenatural secircunscrevemedida do
homem e se subordina suarealizao moral. A dimenso
eclesiolgica sofreidntica restriomoral, j que a Igreja se
converte num ser tico com um, alis em ligao com a
singular interpretao kantianada cristologia, em que o Jesus
histrico substitudopela ideia da humanidade como sermoral.
Estatendncia para dissolverareligiona moralidade,queno
subtrai Kant censura de um certopneumatismo anti-insti-
tucional e an-histrico, foi prosseguida no Opus postumum,
emboran emsempre comtodaaconsistncia lgica.
Apresente traduo foi feita a partir daedio do texto
kantiano por WilhelmWeischedel (Wiesbaden, Insel Ver ag
1956; Darmstadt, Wissenschaftliche Buchgesellschaft
1968),
mas seguindo quase sempre aleitura daEdio da Academia,
no s
casos
de
divergncia
e de variantes.
Levou-se
a
cabo
com o
fim depreparar ecelebrar o segundo centenrio destegrande
escrito deKant.Tentou-se nelaa todo ocusto aidelidadeao
esprito, letrae aoestilod e Kant.
No fimdovolume,prope-se uma bibliografia selecta sobrea
filosofiakantianad areligioeum pequeno glossrio que inclui
as correspondncias entreostermos alemeseosportugueses.
Nestaverso,no se indicam nemaspginas da edioorigi
nal, nem osacrescentosd asegundaedio,querno textoquer
nas notas.
Artur Moro
10
PRLOGO PRIMEIRA EDIO
A M oral, enquanto fundada no conceito do homem como
um ser livre que, justamente por
isso,
se vincula a si mesmo
pela razo a leis incondicionadas, no precisa nem da ideia de
outro ser acima do homem para conhecer o seu dever, nem de
outro mbil diferente da prpria lei para o observar., Pelo
menos culpa sua se nele se encontra u ma tal necessidade a
que por nada maissepode ento prestar
auxlio;
porque o que
no procede dele mesmo e da sua liberdade no faculta
compensao alguma para a deficincia da sua moralidade. -
Por conseguinte, a Moral, em prol desiprpria (tanto objecti
vamente, no tocante ao querer, como subjectivamente, no quediz respeito ao
poder),
de nenhum modo precisa da religio,
mas basta-se a si prpria em virtude da razo pur a prtica. -
Com efeito, visto que as suas leis obrigam pela mera forma d a
legalidade universal das mximas que ho-de assumir-se de
acordo com ela - como condio suprema (tambm esta
incondicionada) de todos os
fins,
a Moral no necessita em
geral de nenhum o utro fundamento material de determinao
do livre arbtrio
1
, isto , de nenhum fim, nem p ara reconhecer
1
Aqueles a quem o fundamento de determinao somente formal (da
legalidade) em geral no conceito do dever no satisfaz como tal fundamento
admitem, no entanto, que este nopodeencontrar-se no
amorasimesmo,
o
qual se rege pelo prprio bem-estarj Restam, pois, ento apenas dois
fundamentos de determinao; um, que racional, a prpria perfeio, e
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o que seja dever, nem ainda para impelir a que ele se leve a
cabo; mas pode e at deve, quando se trata de dever, abstrair
de todos o s fins. Assim, por exemplo, para saber se devo (ou
tambm posso) ser veraz no meu testemunho perante o
tribunal, ou ser leal na reclamao de um bem alheio a mim
confiado, no necessria a busca de um fim que eu, por
ventura, na m inha declarao, pudesse decidir de antemo vir
para mim a conseguir, pois no interessa se de um ou de
outro tipo; pelo contrrio, quem, ao ser-lhe pedida legitima
mente a sua declarao, acha ain da necessrio buscar um fim
qualquerj nisso um indigno.
Mas embora a Mo ral no precise, em prol de si prpria , de
nenhuma representao de fim que tivesse de preceder a
determinao da vontade, pode ser que mesmo assim tenha
uma referncia necessriaa um talfim, a saber, no como ao
fundamento, mas como s necessrias consequncias das
mximas que so adoptadas em conformidade com as leis. -
Pois sem qualquer relao de fim no pode ter lugar no
homem nenhuma determinao da vontade, j que tal deter
minao no pode dar-se sem algum efeito, cuja representa
o tem de se poder admitir, se no como fundamento de
determinao do arbtrio e como fim prvio no propsito,
decerto como consequncia da determinao do arbtrio pela
lei em ordem a um fim (finis inconsequentiamveniens); sem
este, um arbtrio que no acrescente no pensamento aco
intentada algum objecto determinado objectiva ou subjecti
vamente (objecto que ele tem ou deveria ter), sabe porventura
como,mas nopara ondetem de agir, no p ode bastar-se a si
outro, que emprico, a
felicidade
alheia. - Ora se pela primeira no
entendem j a perfeio moral, que s pode ser uma (a saber, uma vontade
qu e
obedece
incondicionalmente
lei),
caso em que explicariam em circulo,
deveriam referir-se perfeio n atural d o homem, enq uanto ela
susceptvel
de uma elevao, e da qual muito pode haver (como dexteridade nas artes e
nas cincias, gosto, agilidade do corpo e quejandos). M as isto bom sempre
de
modo condicionado, ou seja, apenas sob a condio de que o seu uso no
esteja em conflito com a lei moral (a nica que incondicionalmente ordena );
por conseguinte, esta perfeio, posta como fim, no po de ser principio dos
conceitos de dever. O mesmo se aplica igualmente ao fim dirigido
felicidade de outros homens. Com efeito, uma aco deve primeiro
ponderar-se em si mesma segundo a lei moral, antes de se dirigir
felicidade de outros. Fomentar esta felicidade , pois, dever s de modo
condicionado e no pode servir de princpio supremo de mximas morais.
12
mesmo. Pelo que nonecessrio Moral, em ordem ao recto
agir, fim algum, mas basta-lhe a lei que contm a condio
formal do uso da liberdade em geral. Da Moral, porm,
promana um fim;pois no p ode ser indiferente razo de que
modo poder ocorrer a resposta questoque resultar deste
nosso recto agir, e para qu e - na suposio de que tal no
estivesse de tod o em nosso po der - poderamos dirigir como
para um fim o nosso fazer e deixar de maneira a com ele pelo
menos concordar. apenas uma ideia de um objecto que
contm em si a condio formal de todos os fins, como os
devemos ter (o dever), e ao mesmo tempo todo o condi
cionado com ele concordante de todos os fins que temos (a
felicidade adequada observncia do dever), ou
s,eja,
a ideiade um bem supremo no mundo, para cuja possibilidade
devemos supor um ser superior, moral, santssimo e
omnipotente, o nico que pode unir os dois elementos desse
bem supremo; mas esta ideia (considerada praticamente) no
vazia, porque alivia a nossa natural necessidade de pensar
um fim ultimo qualquer que possa ser justificado pela razo
para todo o nosso fazer e deixar tomado no seu todo,
necessidade que seria, alis, um obstculo para a deciso
moral. M as, o que aqui o principal, tal ideia deriva da m oral
e no con stitui o seu fundamento;um fim cuja auto propo sta
pressupe j princpios morais. N o p ode, pois, ser indiferente
moral que ela forme ou no para si o conceito de um fim
ltimo de todas as coisas (concordar a seu respeito no
aumenta o numero dos seus deveres, mas proporciona-lhes,
no entanto, um particular ponto de referncia da unio de
todos os fins); s assim se pode proporcionar realidade
objectiva prtica combinao da finalidade pela Uberdade
com a finalidade da natureza, combinao de que no
podemos prescindir. Suponde um homem que venera a lei
moral e a quem ocorre (coisa que dificilmente consegue iludir)
pensar que mundo ele, guiado pela razo prtica, criaria se
estivesse em seu pode r,edecerto de maneira queeleprprio se
situasse nesse mundo como membro; no s elegeria
precisamente tal como implica a ideia moral do bem
supremo, se lhe fosse simplesmente confiada a eleio, mas
tambm quereria que um mun do em geral existisse, pois a lei
moral quer q ue se realize por m eio de ns o mais elevado bem
possvel;[eassim quereria] embora, segundo essa ideia, se veja
em perigo de perder muito em felicidade para a sua pessoa,
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porque possvel que ele talvez no possa ajustar-se
exigncia da felicidade, exigncia que a razo pe como
condio; p or con seguinte, ele sentir-se-ia o brigado pela razo
a reconhecer ao mesmo tempo como seu este juzo,
pronunciado de modo totalmente imparcial, como se fora
por um estranho; o homem mostra assim a necessidade, nele
moralmente o perada, de pensar aind a em relao com os seus
deveres um fim ltimo como resultado seu.
A m oral conduz, po is, inevitavelmente religio, pela qu al
se estende
2
, fora do homem, ideia de um legislador moral
poderoso, em cuja vontade fim ltimo (da criao do
mundo) o que ao mesmo tempo pode deve ser o fim ltimo
do homem.
2
Se a proposio H um Deus, por conseguinte, H um bem
supremo no mundo tiver (como proposio de f) de provir somente da
moral, uma proposio sinttica
a priori
que, embora se aceite apenas na
referncia prtica, vai alm do conceito do dever qu e a moral contm (e que
no pressupe nenhuma matria do arbtrio, mas somente
leis
formais suas)
e, portanto, no pode desenvolver-se a partir da moral.Ma scomo possvel
semelhante proposio apriori?
A consonncia com a simples ideia de um
legislador moral de todos os homens , decerto, idntica ao conceito moral
de dever em geral, e assim a proposio que ordena tal consonncia seria
analtica. Mas a a ceitao da existncia de um objecto
diz mais
do que a sua
mera possibilidade. A chave para a soluo deste problema, tanto quanto a
julgo discernir, s a posso aqui indicar, sem a desenvolver.
Fim
sempre o objecto de uma
inclinao,
i.e., de um apetite imediato
para a posse de uma coisa por meio da sua aco; assim como a le i(que
ordena praticamente)
um objecto do
respeito.
U m
fim
objectivo
(i.e.,
o que
devemos ter)
aquele que nos
dado com o tal pela simples razo. Ofimque
contm a condio iniludvel e, ao mesmo tempo, suficiente de todos os
outros o fim ltimo.A felicidade p rpria o fim ltimo subjectivo de seres
racionais do mundo (fim que cada um deles
tem
em virtude da sua natureza
dependente de objectos sensveis, e do qual seria ab surdo dizer: que sedeve
ter),
e todas as proposies prticas, que tm como fundamento este fim
ltimo so sintticas, mas ao mesmo tempo empricas. Mas que todos
devam fazer para si do supremo
bem
possvel no mundo
o fimltimo
- eis
uma proposio prtica sinttica a-priori e, decerto, uma proposio
objectivo-prtica dada por meio da pura raz o, porque uma proposio
que vai mais alm do conceito dos deveres no mundo e acrescenta uma
consequncia sua (um efeito) que no est contido nas leis morais e,
portanto, no pode desenvolver-se analiticamente a partir delas. De facto,
estas leis ordenam absolutam ente, seja qual for o seu resultado, mais aind a,
obrigam at a dele abstrair totalmente, quando se trata de uma aco
particular; e, por i$so, fazem d o dever o objecto do maior respeito, sem nos
apresentar e propor um fim (e fim ltimo), que teria porventura de
constituir a recomendao delas e o mbil para cumprir o nosso dever.
14
Se a Moral, na santidade da sua lei, reconhece um objecto
do maior respeito, ento, ao nvel da religio, na causa
suprema que cumpre essas leis, prope um objecto de
adorao, e aparece na sua majestade. Mas tudo, at o mais
sublime, se degrada nas mos dos homens, quando estes
empregam para uso seu a ideia daquele. O que s
verdadeiramente se pode venerar na medida em que livre
o respeito para com ele obrigado a submeter-se a formas s
quais s se pode proporcionar prestgio mediante leis
coercivas, e o que por si mesmo se expe crtica pblica
de todo o homem tem de sujeitar-se a um a crtica que possui
fora, ou seja, a uma censura.
Todos os homens poderiam com isto ter bastante, se (como deviam) se
ativessem unicamente prescrio da razo pura na lei. Que necessidade
tm de saber o resultado d o seu fazer
e
deixar moral, que o curso do mundo
suscitar? Para eles suficiente que faam o seu dever; mesmo que com a
vida terrena tudo acabasse e nesta, porventura, jamais coincidissem
felicidade e dignidade. Ora uma das limitaes inevitveis do homem e da
sua faculdade racional prtica (talvez igualmente de todos os outros
seres
do
mundo) buscar em todas as aces o seu resultado para neste encontrar
alga que lhe pudesse servir de fim e demonstrar tambm a pureza do seu
propsito, fim que , sem dvida, o ltimo na execuo (nexu effectivo),
mas o primeiro na representao e no propsito
(nexufinali).
Ora bem,
neste fim, embo ra
lhe
seja proposto pela simples razo , o homem busca algo
que possa amar;por isso, a lei, que s inspira reverncia, embora no
reconhea aquele como necessidade, estende-se
em vista
dele ao acolhimento
do fim ltimo moral da razo entre os seus fundamentos de determinao,
ou seja, a proposio faz do sumo bem possvel no mundo o teu fim
ltimo uma proposio sintticaapriori,que introduzida pela prpria
lei moral e pela qual, no e ntanto, a razo prtica se estende para l desta
ltima; tal possvel em virtude de a lei se referir propriedade natural do
homem de ter de pensar para todas as aces, alm da lei, ainda um fim
(propriedade do hom em que faz dele um objecto da experincia),
e
(como as
proposies teorticas e, ao mesmo tempo, sintticas
a priori)
s possvel
por ele conter o princpio apriori do conhecimento dos fundamentos de
determinao de um livre arbtrio na experincia em geral, enquanto esta,
que apresenta os efeitos da moralidade nos seus fins, subministra ao
conceito da moralidade, como causalidade no mundo, realidade objectiva,
embora somente prtica. - Ora bem, se a mais estrita observncia das leis
morais
se
deve pensar como causa da produo do bem supremo (como fim
),ento, visto que a capacidade humana no chega para tornar efectiva no
mundo a felicidade em consonncia com a dignidade de ser feliz, h que
aceitar um ser moral omnipotente como soberano do mundo, sob cuja
providncia isto acontece, i.e., a moral conduz inevitavelmente religio.
15
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No entanto, visto que o mandamento - obedece
autoridade - tambm moral, e a sua observncia, tal
como a de todos os deveres, se pode referir religio, fica bem
a um tratado que est dedicado ao conceito determinado
desta ltima fornecer ele prprio um exemplo de semelhante
obedincia, a qual, porm , no deve ser demonstrada s pela
ateno lei de uma nica ordenana do Estado, e
permanecer cego em relao a todas as outras, mas s pelo
respeito conjunto por todas elas reunidas. Ora bem, o telogo
que pronuncia um juzo sobre livros ou pode estar em tal
lugar como algum que vela simplesmente pela salvao das
almas,
ou ainda como quem deve ao mesmo tempo ocupar-se
da salvao das cincias; o primeiro juiz s como eclesistico,
o segundo simultaneamente como erudito. Ao ltimo, como
membro de uma instituio pblica qual (sob o nome de
Universidade) esto confiadas todas as cincias para o seu
cultivo e preservao contra preconceitos, incumbe-lhe
restringir as pretenses do primeiro condio de que a sua
censura no cause qualquer perturbao no campo das
cincias; e se ambos so telogos bblicos, a censura superior
caber ento ao ultimo como membro universitrio daquela
Faculdade que foi encarregada de tratar desta teologia; pois,
no tocan te ao primeiro assunto (a salvao das almas), ambos
tm igual misso; mas, quanto ao segundo (a salvao das
cincias), o telogo como sbio universitrio tem ainda de
desempenhar uma funo especial. Se se aband ona esta regra,
ento ir-se-, por fim, desembocar necessariamente no ponto
em que j noutro tempo se esteve (por exemplo, na poca de
Galileu),
a saber: que o telogo bblico, para humilhar o
orgulho das cincias e se poupar ao esforo delas, permita
a si mesmo incurses na Astronomia ou no utras cincias, por
exemplo, a histria antiga da terra, e - como aqueles
povos que no encontraram em si mesmos capacidade ou
seriedade suficiente para se defender contra ataques perigosos
transformam em deserto tudo o que os rodeia - esteja
autorizado a embargar todos os intentos do entendimento
humano.
Mas,
no campo das cincias, contrape-se teologia
bblica um a teologia
filosfica,
que o bem confiado a o utra
Faculdade. Esta, contanto que permanea apenas dentro dos
limites ila mera razo e utilize para confirmao e elucidao
das suas teses a histria, as lnguas, os livros de todos os
16
povos, inclusive a Bblia, mas s para si, sem introduzir tais
proposies na teologia bblica e sem pretender alterar os seus
ensinamentos pblicos, para o que o eclesistico detm o
privilgio, deve ter plena liberdade pa ra se estender at onde
chegue a sua cincia; e embora, quando se confirmou que o
primeiro ultrapassou efectivamente as suas fronteiras e se
intrometeu na teologia bblica, no possa constestar-se ao
telogo (considerado simplesmente como eclesistico) o
direito censura, contudo, enquanto a intromisso est
ainda em dvida e, por conseguinte, surge a questo de se
aquela teve lugar por meio de um escrito ou outra exposio
pblica do filsofo, cabe a censura superior somente ao
telogo bblico comomembro da sua
Faculdade,
pois este est
encarregado de cuidar tambm do segundo interesse da
comunidade, a saber, o florescimento das cincias, e est n o
seu posto to validamente como o primeiro.
E decerto corresponde, neste caso, a censura primeira
Faculdade teolgica, no filosfica; pois s aquela tem
privilgio no tocante a certas doutrinas, ao passo que esta
exerce com as suas um trfico aberto e livre; por isso, s
aquela se pode queixar por ter havido uma violao do seu
direito exclusivo. Mas uma dvida a propsito da intromis
so fcil de evitar, no obstante a proximidade das duas
doutrinas na sua totalidade e o temor de ultrapassar os
limites por parte da teologia filosfica, se se considerar
apenas que semelhante desordem no acontece em virtude de
o filsofo ir buscaralgo teologia bblica para o u tilizar
segundo o seu propsito (pois a ltima no negar que ela
prpria contm m uito em comum com as doutrinas da mera
razo e, alm d isso, muitos elementos pertencentes histria
ou ao conhecimento das lnguas e convenientes para a sua
censura), ainda no caso de utilizar o que a ela vai buscar
numa acepo conforme simples razo, mas talvez no
aprazvel teologia bblica; a desordem s tem lugar quando
eleintroduzalgo n esta teologia e pretende assim dirigi-la para
outros fins diversos dos que lhe permite a sua organizao. -
No pode, pois, dizer-se, por exemplo, que o professor de
Direito natural, ao ir buscar ao cdigo dos Romanos, para a
sua doutrina filosfica do direito, muitas expresses e
frmulas clssicas, leve a cabo neste uma intromisso,
inclusive se - como muitas vezes acontece - no se serve
delas exactamente no mesmo sentido em que teria de as
17
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tomar segundo os intrpretes do Direito Romano, contanto
que no pretenda que os genunos juristas ou at os tribunais
as devam assim tambm utilizar. Pois se tal no fosse da sua
competncia, poder-se-ia tambm, inversamente, culpar os
telogos bblicos ou os juristas estatutrios de cometer
inumerveis intromisses nos domnios da filosofia, pois
uns e outros, visto que no podem prescindir da razo e -
onde se trata da cincia - da filosofia, a ela devem ir
muitssimas vezes pedir algo de emprstimo, se bem que
apenas em proveito seu. Mas se, no caso do telogo bblico,
se atendesse a no ter nada a ver - quanto possvel - com a
razo nas coisas da religio, facilmente se pode prever de q ue
lado estaria a perda; com efeito, uma religio que, sem
hesitaes, declara a guerra razo no se aguentar,
durante muito tempo, contra ela. - Inclusive arrisco-me a
propor se no seria bom, aps o cumprimento da instruo
acadmica na teologia bblica, acrescentar sempre para
concluso, como necessrio para o completo equipamento
do candidato, um curso especial sobre a pura doutrina
filosfica da religio (que utiliza tudo, inclusive a Bblia),
segundo um fio condutor como, por exemplo, este livro (ou
tambm outro, se se conseguir dispor de outro melhor da
mesma ndole). - Pois as cincias avanam s mediante a
separao, na medida em que cada qual constitui primeiro
por si um todo, e s ento se empreende com elas a tentativa
de as considerar em un io. O telogo b blico pode assim estar
de acordo com o filsofo ou crer que o deve refutar; se,
contudo, o escutar. Com efeito, s deste modo pode ele estar
de antemo armado contra todas as dificuldades que o
filsofo lhe vier a apresentar. Mas ocult-las, inclusive
boicot-las como mpias, um recurso miservel que no
convence; misturar os dois campos e, por parte do telogo
bblico, lanar-lhes s ocasionalmente um o lhar furtivo uma
falta de solidez, com a q ual ningum, em ltima anlise, sabe
bem em que situao se encontra no tocante doutrina
religiosa na sua totalidade.
Dos quatro tratados seguintes - nos quais, para tornar
manifesta a relao da religio com a natureza humana,
sujeita em parte a disposies boas e em parte a disposies
ms, represento a relao do princpio bom e do mau como
uma relao de duas causas operantes porsisubsistenteseque
influem no homem - o primeiro foi j inserido naRevista
18
Mensal de B erlim(Abril 1792); mas no podia ficar de lado
por causa da exacta conexo das matrias deste escrito que
contm nos trs tratados, agora acrescentados, o pleno
desenvolvimento do primeiro.
19
7/18/2019 KANT, Immanuel. a Religio Nos Limites Da Simples Razo (1)
11/107
PRLOGO SEGUNDA EDIO
Afora as gralhas e umas quantas expresses que foram
emendadas, nada se alterou nesta edio. Os aditamentos que
tiveram lugar foram assinalados com uma cruz, debaixo do
texto.
A propsito do ttulo desta obra (pois se expressaram
dvidas quanto ao desgnio nela oculto) fao a seguinte
observao: visto que a revelao pode pelo menos com
preender tambm em si areligio racionalpura, ao passo que
esta, ao invs, no pode conter o histrico da primeira, ser-
-me- possvel considerar aquela como uma esferamais ampla
da f, que encerra em si a ltima como uma esfera mais
estreita
(no como dois crculos exteriores um ao outro, mas
como concntricos); o filsofo deve manter-se dentro do
ltimo destes crculos como puro mestre da razo (a partir de
meros princpios a priori),portanto, deve abstrair de toda a
experincia. Posso, deste ponto de vista, fazer tambm a
segunda prova, a saber, partir de qualquer revelao tida por
tal e, abstraindo da religio racional pura (enquanto constitui
um sistema por si subsistente), considerar a revelao, como
sistema
histrico,
em conceitos morais s de modo fragmen
trio e ver se este no remeter para o mesmosistema racional
puro da religio, que seria por si subsistente - no decerto
num desgnio teortico (no qual se deve incluir igualmente o
propsito tcnico-prtico do mtodo de ensino como
tecnologia), mas com um fito moral-prtico e suficiente para
21
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12/107
a genuna religio, a qu al, enquanto conceito racionala priori
(que permanece aps a eliminao de todo o elemento
emprico), s tem lugar nesta conexo. Se assim , pode
dizer-se 'que, entre a razo e a Escritura, existe no s
compatibilidade, mas tambm harmonia, de m odo que quem
segue uma (sob a direco dos conceitos morais) no deixar
de coincidir com a outra. Se assim no acontecesse, ter-se-iam
uma o u duas religies numa s pessoa - o q ue absurdo -, ou
um a religio e um
culto,
caso em que por o ltimo (como a
religio) no ser fim em si, mas ter valor como meio, ambos
deveriam ser conjuntamente agitados com muita frequncia,
para se associarem por pouco tempo e, logo a seguir, como
azeite e gua, de novo se separarem, e deixar flutuar o
elemento moral puro (a religio racional).
Adverti, no primeiro prlogo, que esta unio ou a tentativa
de a ela chegar um negcio que compete com pleno direito
ao investigador filosfico d a religio, e no uma intromisso
nos direitos exclusivos do telogo bblico. Desde ento,
encontrei esta afirmao enunciada na Moral do falecido
Michaelis(I Parte, p. 5-11), homem muito versado em ambas
as especialidades),eelaborada atravs de toda a sua obra, sem
que a Faculdade superior a tivesse encontrado algo de
prejudicial para os seus direitos.
Quanto aos juzos de homens dignos, nomeados ou
annimos, sobre esta obra, por chegarem (como toda a
literatura que vem d e fora) muito ta rde s nossas regies, no
os pude tomar em considerao nesta segunda edio, como
eu bem desejara, sobretudo em relao s Annotationes
quaedamtheologicae etc.
do clebre Sr.
Storr
de Tubinga,
que examinou esta obra com a sua habitual perspiccia e, ao
mesmo tempo, com diligncia e equidade merecedoras do
maior agradecimento; tenho certamente o propsito de
responder a este escrito, embora no me atreva a tal
prometer por causa dos inconvenientes que a idade em
particular ope ao manejo de ideias abstractas. - H uma
apreciao crtica, a saber, a publicada nas Notcias crticas
novas de Greiswald, N
9
29, que posso despachar to
brevemente, como fez o crtico com a minha obra. Pois esta,
segundo oseujuzo, nada mais do que a resposta questo
por mim proposta: como possvel, de acordo com a razo
pura (teortica e prtica), o sistema eclesial da Dogm tica nos
seus conceitos e enunciados doutrinais? - Este ensaio n o
22
concerne, pois, de modo algum aos que conhecem e
compreendem o seu sistema (o de Kant) to pouco como
desejam conhec-lo e, po r isso, h que consider-lo para eles
como inexistente. A tal respondo: Para compreender este
escrito segundo o seu contedo essencial, apenas necessria
a moral comum, sem se aventurar pela crtica da razo
prtica, e menos ainda da teortica; e quand o, por exemplo, a
virtude, como prontido em acesconformes ao dever
(segundo a sua legalidade), chamada virtusphaenomenon,
enquanto a virtude, comodisposio anmicaconstante d e tais
aces
por
dever (por causa da sua moralidade) se denomina
virtus noumenon, estas expresses usam-se s por razes de
escola, mas a prpria coisa est contida, se bem que com
outras palavras, na mais popular instruo de crianas, ou na
prdica, e facilmente compreensvel. Oxal o mesmo se
pudesse ponderar a propsito dos mistrios da natureza
divina, inseridos na doutrina religiosa, os quais, como se
fossem totalmente populares, foram introduzidos nos cate
cismos, mas, mais tard e, devem transmu tar-se, antes de mais,
em conceitos morais, seque ho-de to rnar-se compreensveis
para todos
Knigsberg, 26 de Janeiro de 1794.
23
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PRIMEIRA PARTE
DA MORADA DO PRINCPIO MAU
AO LADO DO BOM OU SOBRE O MAL
RADICAL NA NATUREZA HUM ANA
Que o mun do est no mal uma queixa to antiga como a
histrica, e at como a arte potica, ainda mais antiga, sim,
igualmente vetusta como a mais antiga de todas as poesias, a
religio sacerdotal. No entanto, todos fazem comear o
mundo pelo bem: pela Idade de Ouro, pela vida no paraso,
ou por uma vida ainda mais afortunada, em comunidade com
seres celestes. Mas depressa deixam esta ventura esvanecer-se
como um sonho; e apressam ento, com declive acelerado, a
queda no mal (no moral, com o qual sempre andou a par o
mal fsico) para a desgraa
3
, de maneira que agora (mas este
agora to antigo com o a histria) vivemos no tem po
derradeiro, o ltimo dia e o declnio do mundo esto porta,
e em algumas regies do Hindusto o juiz e o devastador
Ruttren(tambm chamadoSibaouSiwen)venerado j como
o deus que agora tem o poder, depois de o preservador do
Aetas pa rentum, peior av is, tulit / Nos nequiores, mox daturos /
Progeniem vitiosiorem.
Horcio (A poca dos nossos pais, pior do que a
dos avs, produziu-nos a ns, mais perversos, que em breve suscitaremos
uma descendncia ainda mais depravada.OdesIII, 6).
25
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mundo,Vixnu,cansado do seu cargo, que recebera do criador
do mundo,Brahma,dele j ter abdicado h sculos.
Mais nova, mas muito menos difundida, a opinio
herica contrria que encontrou assento s entre filsofos e,
na nossa poca, sobretudo entre pedagogos: que o mundo
progride precisamente na direco contrria, a saber, do mau
para o melhor, de forma inin terrupta (se bem que dificilmente
perceptvel), que pelo menos se encontra no homem a
disposio para tal. Decerto no foram buscar esta opinio
experincia, se se fala do bem ou do mal moral (no da
civilizao), pois a histria de to dos os tempos fala con tra ela
com fora excessiva; provavelmente apenas um pressuposto
benvolo dos moralistas, de Sneca a Rousseau, para incitar
ao cultivo infatigvel do grmen do bem, porventura nsito em
ns,
contanto que para tal se pudesse contar no homem com
um fundamento natural. Acrescente-se ainda que, dado ser
imperioso aceitar o homem por natureza (i.e., tal como ele
habitualmente nasce) como so quanto ao corpo, no h
causa alguma para no o aceitar igualmente como so e bom
por natureza, segundo a alma. Pelo que a prpria natureza
nos seria propcia para em ns desenvolver esta disposi
o moral para o bem. Sanabilbus aegrotamus malisnosque
in rectum genitos natura, si sanari velimus, adiuvat, diz
Sneca.
Mas visto que p oderia ter acontecido que algum se tivesse
enganado nas duas p retensas experincias, surge a questo d e
se no ser ao menos possvel um termo mdio, a saber:
poderia o hom em, na sua espcie, no ser nem bom nem mau
ou, quando muito, tanto uma coisa como a outra, em parte
bom e em parte mau? - Chama-se, porm, mau a um homem
no porque pratique aces que so ms (contrrias lei),
mas porque estas so tais que deixam incluir nele mximas
ms.Ora podend o decerto observar-se pela experincia aces
contrrias lei, e tambm (pelo menos em si mesmo) com
conscincia contrrias lei; mas no se podem observar as
mximas, nem sequer todas as vezes em si prprio, por
conseguinte, o juzo de que o autor seja um homem mau no
pode com segurana basear-se na experincia. Assim pois,
para chamar mau a um homem, haveria que poder inferir-se
de algumas aces conscientemente ms, e inclusive de uma
s , a priori uma mxima m subjacente, e desta um
fundamento, universalmente presente no sujeito, de todas as
26
mximas particulares moralmente m s, fundamento esse que,
por seu turno, tambm uma mxima.
Mas para que no se tropece logo no termo natureza, o
qual, se (como habitualmente) houvesse de significar o
contrrio do fundamento das aces por
liberdade,
estaria
em contradio directa com os predicados de moralmente
bom emoralmentem au, importa observar que, por natureza
do homem, se entender aqui apenas o fundamento
subjectivo do uso da sua liberdade em geral (sob leis
morais objectivas), que precede todo o facto que se
apresenta aos sentidos, onde quer que tal fundamento
resida. Mas este fundamento subjectivo deve, por sua vez,
sempre ser um
actus
da Uberdade (pois de outro modo o uso
ou abuso do arbtrio do homem, no tocante lei moral, no
se lhe poderia imputar, e o bem ou o mal chamar-se nele
moral). Portanto , o fundamento do mal no pode residir em
nenhum objecto que determineo arbtrio mediante uma
inclinao, em nenhum impulso natural, mas unicamente
numa regra que o prprio arbtrio para si institui para o uso
da sua liberdade, i.e., numa mxima. Ora acerca desta no
h que inquirir mais qual no homem o fundamento
subjectivo da sua adopo, e no antes da mxima oposta.
Se,
com efeito, este fundamento no fosse tambm, por
ltimo,,-uma mxima, mas um mero impulso natural, o uso
da liberdade poderia reduzir-se inteiramente determinao
por meio de causas naturais - o que contradiz a liberdade.
Quando, pois, dizemos o homem bom por natureza ou
o homem mau por natureza, tal significa tanto como:
contm um primeiro fundamento
4
(para ns impenetrvel)
da adopo de mximas boas ou da aceitao de mximas
ms (contrrias lei); e [contm-no] de modo universal
enquanto homem, portanto, de forma que por essa mesma
4
Que o primeiro fundamento subjectivo da aceitao de mximas
morais insondvel transparece entretanto j do seguinte: visto que esta
aceitao livre, o seu fundamento (porque adoptei, por exemplo, uma
mxima m, e no antes uma boa?) no se deve buscar em nenhum motivo
impulsor da natureza, mas sempre de novo numa mxima; e uma vez que
tambm esta deve ter o seu fundamento, mas, fora da mxima, no deve
nem pode indicar-se qualquer
fundamento de determinao
do livre arbtrio,
h uma reconduo sempre mais para alm na srie dos fundamentos de
determinao subjectivos, semseconseguir chegar ao primeiro fundamento.
27
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adopo expressa simultaneamente o carcter da sua
espcie.
Diremos, pois, a propsito de um destes caracteres (da
distino do homem quanto a outros possveis seres
racionais): -lhe inato;e, no entan to, aquiescemos sempre
em que no a natureza que carrega com a culpa (se o homem
mau) ou com o m rito (se bom), mas o prprio homem
dele autor.' Mas porque o primeiro fundamento da adopo
das nossas mximas, que, por seu turno, deve residir sempre
no livre arbtrio, n o pode ser facto algum susceptvel de ser
dado na experincia, o bem ou o mal no homem (como
primeiro fundamento subjectivo da adop o desta ou daquela
mxima no tocante lei moral) diz-se inato simplesmente no
sentido de que posto na base antes de todo o uso da
Uberdade dado na experincia (na mais tenra juventude
retrocedendo at ao nascimento) e, por isso, representado
como presente no homem uma com o nascimento; no que o
nascimento seja precisamente a causa dele.
OBSERVAO
Subjacente ao conflito das d uas hipteses acima p roposta s
est uma proposio disjuntiva: ohomem(por natureza)ou
moralmentebom oumoralmente mau. Mas a quem quer que
seja facilmente ocorre perguntar se haver justeza nesta
disjuno, e se algum no poder afirmar que o homem
nenhuma das duas coisas por natureza, e um outro asserir
que ele ambas ao mesmo tempo, a saber, bom em certas
partes, mau nou tras. A experincia parece inclusive confirmar
este termo mdio entre os dois extremos.
Mas,
em geral, interessa muito doutrina dos costumes
no admitir, enquanto for possvel, nenhum termo mdio
moral, nem nas aces (adiaphora) nem nos caracteres
humanos; porque em semelhante ambiguidade todas as
mximas correm o perigo de perder a sua preciso e
firmeza. Comummente, os que so afectos a este modo
estrito de pensar apedam-se (com um nome que deve
englobar em si uma censura, mas que de facto um
encmio) de rigoristas; e os seus antpodas podem, pois,
denominar-se latitudinrios.Pelo que estes so ou latitudin-
rios da neutralidade, e podem alcunhar-se de indiferentistas,
28
ou da coligao,
e
podem chamar-se
sincretistas
5
.
A resposta
questo imaginria segundo o modo de deciso rigorstico
6
funda-se nesta advertncia, relevante para a moral: a
liberdade do arbtrio tem a qualidade inteiramente peculiar
de ele no poder ser determinado a uma aco por mbil
algum a no serapenas enquanto o homem o admitiu na sua
5
Se o bem = a, o seu oposto contraditrio o no bem. Ora este
consequncia de uma simples carncia de fundamento do bem = 0, ou
ento a consequncia de um fundamento positivo da sua contrap artida = -
-a. No ltimo caso, o no bem pode chamar-se igualmente o mal positivo.
(Em relao ao prazere dor existe um[termo]mdio semelhante, de modo
que o prazer = a, a dor = -a, e o estado em que nenhum dos dois
encontrad o, a indiferena = 0. Ora se a lei moral no fosse em ns um
motivo impulsor do arbtrio seria o bem moral (a consonncia do arbtrio
com alei)= a, no bem = 0, sendo este a simples consequncia da carncia
de um motivo impulsor moral = a x 0. Masalef moral em ns motivo
impulsor = a; por conseguinte, a falta de consonncia do arbtrio com ela
( =0)s possvel como consequncia de uma de terminao
realiter
oposta
do arbtrio, i.e., de uma resistncia deste = -a, isto , s mediante um
arbtrio mau; e, portanto, entre uma m e uma boa disposio de nimo
(princpio interno das mximas), segundo a qu al se deve igualmente julgar a
moralidade da aco, nada h, pois, de intermdio.
Uma aco moralmente indiferente
(adiaphoron morale)
seria uma
aco resultante apenas de leis da natureza, aco que, portanto, no se
encontra em nenhuma relao com a lei moral enquanto lei da liberdade,
porquanto, no facto algum e por no ter lugar nem ser necessrio
relativamente a ela nem
mandamento,
nem
proibio
nem sequer
licena
(autorizao legal).
6
OSr .
Prof.
Schiller,na sua dissertao, composta com mo de mestre,
sobre
graa
e
dignidade
na moral (Thalia1793,n
B
3)desaprova este modo de
representao da obrigao, como se comportasse uma disposio de nimo
prpria de um Cartuxo; mas, por estarmos de acordo nos princpios mais
importantes, no posso estabelecer neste um desacordo; contanto que nos
possamos entender um ao outro. - Confesso de bom grado que no posso
associargraaalguma ao conceito dedever, justamente por mor da sua
dignidade. Com efeito, ele contm uma compulso incondicionada, com a
qual a graa se encontra em contradio directa. A majestade da lei (igual
leido Sinai) inspira venerao (no timidez que repele, tambm no encanto
que convida confiana), que desperta respeito do subordinado ao seu
soberano, mas que neste caso, em virtude de o senhor residir em ns
prprios, desperta um sentimento do sublimeda nossa prpria determinao,
que nos arrebata mais do que toda a beleza. - Mas a
virtude,
i.e., a inteno
solidamente fundada de cumprir exactamente o seu dever, nas suas
consequncias tambm mais
benfica
do que tudo o que no mundo a
natureza ou a arte consegue realizar; e a imagem esplndida da human idade,
apresentada nesta sua figura, permite muito bem a companhia das
Graas,
as quais, porm, quando ainda se fala apenas de dever, se mantm a uma
29
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16/107
mxima(o transformou para si em regra universal de acordo
com a q ual se quer com portar); s assim que um mbil, seja
ele qual for, pode subsistir juntamente com a absoluta
espontaneidade do arbtrio (a liberdade). Mas a lei moral
por si mesma, no juzo da razo , mbil, e quem dele faz a sua
mxima moralmente bom. Ora se a lei no determina o
arbtrio de algum em vista de um a aco que a ela se refere,
ento deve ter influncia sobre esse arbtrio um m bil op osto
lei; e dado que isto, por fora do pressuposto, s pode
acontecer em virtude de o homem admitir tal mbil (por
conseguinte, tambm a deflexo da lei moral) na sua mxima
(e neste caso um homem mau), ento a sua disposio de
nimo q uanto lei moral n unca indiferente (jamais deixa de
ser uma das d uas, boa ou m).
Mas tambm no pode ser em algumas partes moralmente
bom e, ao mesmo tempo, mau noutras. Com efeito, se numa
coisa bom, ento admitiu a lei moral na sua mxima; por
consequncia, se noutra houvesse ao mesmo tempo de ser
mau, ento, porque a lei moral do seguimento do dever em
geral uma s , nica e universal, a mxima a ela referida seria
universal, mas simultaneamente seria apenas uma mxima
particular - o que se contradiz
7
.
distncia reverente.
Se,
porm,seolhar pa ra as consequncias amveis que a
virtude, se encontrasse acesso em toda a parte, estenderia no mundo, ento
a razo moralmente orientada pe em jogo a sensibilidade (por meio da
imaginao). S depois de vencidos os monstros que Hercules se torna
musageto;
antes de tal trab alho, aq uelas boas irms recuam . As
acompanhantes da Vnus Urnia so cortess no squito da Vnus
Done, logo que se intrometem no negcio da determinao do dever e
para tal querem subministrar os motivos. - Se agora se perguntar qual a
qualidade
esttica,
por assim, dizer, o
temperamentoda virtude,
denodado,
por conseguinte,alegre,ou dobrado pelo medo e deprimido, dificilmente
necessria uma resposta. A ltima disposio de nimo, prpria de um
escravo, nunca pode ter lugarsemumdiooculto lei,eo corao alegre no
seguimento do seu dever (no a comodidade no seu
reconhecimento)
um
sinal da autenticidade da inteno virtuosa, inclusive na piedade, que no
consiste na autoto rtura do pecador arrependido (a qual muito equvoca e,
comummente, apenas a censura interna de ter infringido a regra da
prudncia), mas no firme propsito de agir melhor no futuro, propsito que
alentado pela boa progresso deve produzir uma alegre disposio de
nimo, sem a qual nunca se est certo de
amar
o bem, i.e., de o ter acolhido
na sua mxima.
7
Os antigos filsofos morais que quase esgotaram tudo o que de
virtude se pode dizer no deixaram sem tocar as duas questes acima
30
Ter por natureza uma ou ou tra disposio de nimo como
qualidade inata tambm aqui no significa que ela no tenha
sido adquirida pelo homem que a cultiva, i.e., que ele no seja
autor; mas que unicamente no foi adquirida n o tempo (que o
homem,desdea sua juventude, um ou outropara sempre).A
disposio de nimo, i.e., o primeiro fundamento subjectivo
da adopo das mximas, s pode ser nica, e refere-se
universalmente ao uso integral da liberdade. Mas ela prpria
deve ter sido adoptada tambm pelo livre arbtrio, pois de
outro modo no poderia ser imputada. Ora o fundamento
subjectivo, ou a causa, desta adopo no pode, por sua vez,
ser conhecido (embora seja inevitvel perguntar por ele;
porque se deveria, de novo, aduzir uma mxima em que setivesse inserido esta disposio de nimo, a qual deve, por seu
turno, ter o seu fundamento). Por conseguinte, dado que no
conseguimos derivar esta disposio de nim o, ou antes o seu
fundamento supremo, de qualquer primeiro actustemporal
do arbtrio, apelidamo-la de propriedade do arbtrio, que lhe
advm por natureza (embora esteja de facto fundada na
liberdade). Que, porm, estejamos autorizado s a entender p or
homem, a cujo propsito asserimos que bom ou mau por
natureza, no o indivduo particular (pois ento um poderia
considerar-se bom por natureza, e outro mau), mas toda a
espcie, s mais frente se pode demonstrar, quando, na
indagao antropolgica, se mostra que as razes que nos
permitem atribuir a um homem um dos dois caracteres como
inato so tais que no h fundamento algum para dele
exceptuar um s homem , e ele se aplica espcie.
mencionadas. A primeira expressaram-na assim: deve a virtude ensinar-se
(portanto, ser o homem por natureza indiferente virtude e ao vcio)? A
segunda era: haver mais de uma virtude (por conseguinte, acontecer
porventura que o homem seja virtuoso numas partes e vicioso noutras)?
Ambas foram por eles negadas com preciso rigorstica, e com razo; pois
consideravam a virtude
em si
na ideia da razo (como o deve ser o homem).
Mas quando se quer julgar moralmente este ser moral, o homem, no
fenmeno, i.e., como no-lo deixa conhecer a experincia, ento pode
responder-se afirmativamente s duas perguntas aduzidas. Com efeito, o
homem no ento julgado pela balana da razo (diante de um tribunal
divino), mas segundo um critrio emprico (por um juiz humano). De tal se
tratar ainda na sequncia.
31
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I. Da Disposio Originria para o Bem
- na Natureza Humana
Quanto ao seu fim, podemos com justia reduzi-la a trs
classes como elementos da determinao do homem:
1) A disposio para a animalidadedo homemcomo servivo;
2)A sua disposio para ahumanidadeenqu anto ser vivo e
racional,
3)A disposio para asoa. personalida de,como ser racional
e, simultaneamente, susceptvelde imputao*.
1. A disposio par a a animalidadeno homem p ode pr-se
sob o ttulo geral de amor a si mesmo fsico e simplesmente
mecnico,
i.e., de um amor a si mesmo para o qual no serequer a razo. trplice:
primeiro,
em vista da conservao
de si prprio;e msegundo lugar, em ordem propagao da
sua espcie por meio do impulso ao sexo e conservao do
que gerado pela mescla com o m esmo;emterceirolugar,em
vista da comunidade com outros homens, i.e., o impulso
sociedade. - Em tal disposio podem enxertar-se vcios de
todo o tipo (os quais, porm, no brotam por si mesmos
daquela disposio como raiz). Podem chamar-se vcios da
brutalidadeda natureza e denominam-se, no seu mais intenso
desvio do fim natural, vcios
bestiais:
os vcios da gula,d a
luxriae da selvagem ausncia de lei (na relao a outros
homens).
No pode considerar-se esta disposio como j contida no conceito
da anterior, mas importa olh-la necessariamente como uma disposio
particular. Com efeito, por um ser ter razo no se segue que esta contenha
uma faculdade de determinar incondicionadamente o arbtrio, mediante a
simples representao da qualificao das suas mximas para a legislao
universale,por isso, de ser por si prpria prtica: pelo menos, tanto qu anto
conseguimos discernir. O mais racional de todos os seres do mundo poderia
necessitar sempre de certos motivos impulsores que provm dos objectos da
inclinao para determinar o seu arbtrio, e empregar para tal a reflexo
mais racional, tanto no tocante maior soma de motivos impulsores como
tambm ao meio de assim alcanar o fimdeterminad o, sem sequer pressentir
a possibilidade de algo como a lei moral que absolutamente ordena, a qual
se anuncia como ela prpria motivo impulsor e, decerto, o supremo.
Se
esta
lei no estivesse dada em ns, no a extrairamos, subtilizando, mediante
razo alguma, nem
pelo
palavreado a imporamos ao arbtrio; e, no entanto,
s esta lei nos torna conscientes da independncia do nosso arbtrio quanto
determinao po r todos os ou tros motivos impulsores (da nossa Uberdade)
e, deste modo, ao mesmo tempo da imputabilidade de todas as aces.
32
2.
As disposies para a humanidade podem referir-se ao
ttulo geral do am or desi,sem dvida,fsico,masque compara
(para o que se exige a razo), a saber: julgar-se ditoso ou
desditado s em comparao com outros. Do amor de si
promana a inclinaoparaobter parasi umvalorna opinio
dosoutros;e originalmente, claro est, apenas o d a igualdade:
no conceder a ningum superioridade sobre si, juntamente
com um constante receio de que os outros possam a tal
aspirar; da surge gradualmente um desejo injusto de adquirir
para si essa superioridade sobre outros. - Aqui, a saber, na
invejae n arivalidadepodem implantar-se os maiores vcios de
hostilidades secretas ou abertas contra todos os que para ns
consideramos estranhos, vcios, que, no entanto, no
despontam por si mesmos da natureza como de sua raiz,
mas, na competio apreensiva de outros em vista de uma
superioridade que nos o diosa, so inclinaes para algum,
por mor da segurana, a si mesmo a proporcionar sobre
outros, como meio de precauo: j que a natureza s queria
utilizar a ideia de semelhante emulao (que em sino exclui o
amor recproco) como mbil para a cultura. Os vcios que se
enxertam nesta propenso podem, pois, denominar-se
tambm vcios da cultura;e no mais alto grau da sua
malignidade (pois ento so simplesmente a ideia de um
mximo de mal, que ultrapassa a humanidade), por exemplo,
na
inveja;
.na ingratido, naalegria
malvada,
etc., chamam-se
vcios diablicos.
3.
A disposio para
a.
personalidade
a susceptibilidade da
reverncia pela lei moral como de ummbil, por si mesmo
suficiente, do arbtrio.
A susceptibilidade da mera reverncia
pela lei moral em ns seria o sentimento moral, que, no
entanto, no constitui por si ainda um fim da disposio
natural, mas s enquanto mbil do arbtrio. Ora visto que
tal possvel unicamente porque o livre arbtrio o admite na
sua mxima, propriedade de semelhante arbtrio o carcter
bom; o q ual, como em geral todo o carcter d o livre arbtrio,
algo que unicamente se pode adquirir, mas para cuja
possibilidade deve, no entanto, estar presente na nossa
natureza uma disposio em que absolutamente nada de
mau se pode enxertar. A mera ideia da lei moral, com o
respeito dela inseparvel, no pode em justia denominar-se
um a disposio para a
personalidade;
a prpria personali
dade (a ideia da humanidade considerada de modo
33
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plenamente intelectual). Mas o fundamento subjectivo para
admitirmos nas nossas mximas esta reverncia como mbil
parece ser um aditam ento personalidadeemerecer, por isso,
o nome de uma disposio em vista dela.
Se consideramos as trs disposies mencionadas segundo
as condies da sua possibilidade, descobrimos que a primeira
no tem por raiz razo alguma, asegundatem decerto po r raiz
a razo prtica, mas ao servio apen as de outros m biles; s a
terceiratem como raiz a razo porsimesma prtica, a saber, a
razo incondicionalmente legisladora: toda s estas disposies
no homem so no s (negativamente) boas (no so
contrrias lei moral), mas so igualmente disposies para
o bem (fomentam o seu seguimento). So originrias, porque
pertencem possibilidade da natureza humana. O homem
pode , sem dv ida, servir-se da duas primeiras c ontrariamente
ao seu fim, mas a nenhuma delas pode extirpar. Por
disposies de um ser entendemos tanto as partes constituin
tes para ele requeridas como tambm as formas da sua
conexo para ser semelhante ser. So
originrias,
sepertencem
necessariamente possibilidade de um tal ser;
contingentes,
porm, se o ser for possvel tambm sem elas. Importa ainda
observar que aqui n o se fala de nenhu mas o utras disposies
excepto das que imediatamente se referem faculdade de
desejar e ao uso do arbtrio.
n . Da Propenso para o Mal na Natureza Humana
Po r
propenso(propensio)
entendo o fundamento sub
jectivo da possibilidade de uma inclinao (desejo habitual,
concupiscentia), na medida em que ela contingente para a
humanidade em geral
9
. Distingue-se de uma disposio por
Propenso, em rigor, apenas apredisposio para a nsia de uma
fruio; quando o sujeito faz a experincia desta ltima, a propenso suscita
ainclinaopara
ela.
Assim todos os homens grosseiros tm uma propen so
para coisas inebriantes; pois, embora muitos deles no conheam a
embriaguez e, portanto, no tenham apetite algum das coisas que a
produzem, contudo, basta deixar-lhes provar s uma vez tais coisas para
neles produzir um apetite dificilmente extirpvel. - Entre a propenso e a
inclinao, que pressupe conhecimento do objecto do apetite, encontra-se
ainda oinstinto,que um a necessidade sentida de fazer ou saborea r algo de
que no se tem ainda conceito algum (como o impulso industrioso nos
34
poder, sem dvida, ser inata; no obstante, permitido no
represent-la como tal, podendo igualmente pensar-se
(quando boa) como adquirida ou (quando m) como
contrada pelo prprio homem. - Mas aqui trata-se somente
da inclinao par a o mal propriamente dito, isto , para o mal
moral; o qual, j quepossvel s como determinao d o livre
arbtrio, mas este pode ser julgado como bom ou mau
unicamente pela suas mximas, deve consistir no fundamento
subjectivo da possibilidade da deflexo das mximas a
respeito da lei moral, e, se tal propenso se pode aceitar
como universalmente inerente ao homem (logo, como
pertencente ao carcter da sua espcie), chamar-se- uma
inclinao
natural
do homem p ara o m al. - Pode acrescentar--se ainda que a capacidade ou a incapacidade do arbtrio pa ra
acolher ou no a lei moral na sua mxima - capacidade ou
incapacidade que brota da propenso natural - se denomina
bom ou mau corao.
Podem distinguir-se trs diferentes g raus de tal propen so.
Primeiro, a debilidade do corao humano na observncia
das mximas adop tadas em geral, ou
&
fragilidadeda natureza
humana;em segundolugar,a inclinao para misturar m biles
imorais com os morais (ainda que tal acontecesse com boa
inteno e sob as mximas do bem), i.e., a
impureza;
em
terceirolugar,a inclinao para o perfilhamento de mximas
ms,
i.e., malignidade da natureza humana ou do corao
humano.
v
Primeiramente,
a fragilidade
(fragilitas)
da natureza
humana encontra-se, inclusive, expressa na queixa de um
Apstolo: Tenho, sem dvida, o querer, mas falta o cumprir,
i.e., admito o bem (a lei) na mxima do meu arbtrio; mas o
que objectivamente na ideia (inthesi) um mbil insupervel
, subjectivamente (inhypothesi) quando a mxima deve ser
seguida, o mais fraco (em com parao com a inclinao).
Emsegundo lugar, a impureza (impuritas, improbitas) do
corao humano consiste em que a mxima decerto boa
segundo o objecto (o seguimento intentado da lei) e,
animais ou o impulso para o sexo). Partindo da inclinao, h ainda, por
fim, um grau da faculdade aperitiva, a paixo (no o afecto,pois este
pertence ao sentimento do prazer e desprazer), a qual uma inclinao que
exclui o domnio sobre si mesmo.
35
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porventura, tambm assaz forte para a execuo, mas no
puramente m oral, i.e., no acolheu em si, como deveria ser, a
mera
lei como mbil
suficiente;
na maioria dos casos (talvez
sempre), precisa ainda de ou tros mbiles alm deste a fim de
por eles determinar o arbtrio quilo que o dever exige. Por
outras palavras, que aces conformes ao dever no so feitas
puramente por dever.
Emterceirolugar,amalignidade(vitiositas,pravitas) ou, se
se preferir, o estado de corrupo(corruptio) do corao
humano, a inclinao do arbtrio para mximas que
pospem o mbil dimanante da lei moral a outros (no
morais). Pode igualmente chamar-se aperversidade (perver-
sitas)
do corao humano, porque inverte a ordem moral a
respeito dos mbiles de um livre arbtrio e, embora assim
possam ainda existir sempre aces boas segundo a lei (legais),
o m odo de pensar , no entanto, corrompido na sua raiz (no
tocante inteno moral), e o homem , por isso, designado
como mau.
Advertir-se- que a propenso para o mal se estabelece
aqui no homem, inclusive no melhor (segundo as aces), o
que deve tambm acontecer, se houver de se demonstrar a
universalidade da inclinao para o mal entre os homens ou , o
que aqu i significa a m esma coisa, se houver de se comprovar
que tal inclinao est entrosada na natureza humana.
Mas no tocante consonncia d as aces com a lei no h
(pelo menos, no deve haver) diferena alguma entre um
homem de bons costumes (bene moratus) e um homem
moralmente bom (moraliter bonus); s que num as aces
nem sempre, porventura nunca, tm a lei como nico e
supremo mbil, mas no outro a tm sempre.Do primeiro
pode dizer-se que segue a lei segundo a letra(i.e., quanto
aco que a lei ordena); do segundo, porm, que observa a lei
segundo oesprito(o esprito da lei moral consiste em que ela
s seja suficiente como mbil).Oque no acontecee mvirtude
desta f pecado(segundo o mo do de pe nsar). Com efeito, se
para determinar o arbtrio a aces conformes lei, so
necessrios outros mbiles diferentes da prpria lei (e.g. nsia
de honras, amor de si em geral, ou inclusive um instinto
benvolo, como a compaixo), ento simplesmente casual
que eles concordem com a lei; pois poderiam igualmente
impelir sua transgresso. A mxima, segundo cuja bo ndade
se deve apreciar todo o valor moral da pessoa, , no entanto,
36
contrria lei, e o homem, embora faa s aces boas, ,
contudo, mau.
ainda necessria a elucidao seguinte para especificar o
conceito desta inclinao. Toda a propenso ou fsica, i.e.,
pertence ao arbtrio do homem como ser natural, ou moral,
i.e., pertence ao arbtrio do mesmo como ser moral. - Na
primeira acepo, no h qualquer inclinao para o mal
moral, pois este deve derivar da liberdade; e uma inclinao
fsica (que se funda em impulsos sensveis) para qualqu er uso
da liberdade, seja para o bem ou para o mal, uma
contradio. Por conseguinte, uma inclinao para o mal s
pode estar ligada faculdade moral do arbtrio. Ora nada
moralmente (i.e. imputavelmente) mau excepto o que nosso
prprio acto. Em contrapartida, pelo conceito de inclinao
entende-se um fundamento subjectivo de determinao do
arbtrio, fundamento queprecedetodo o acto,portanto, ele
no ainda um acto; haveria, pois, uma contradio no
conceito de uma simples propenso para o mal se tal
expresso no pudesse, porventura, tomar-se em dois
significados diferentes que, no entanto, se deixam unir com
o conceito da liberdade. Mas a expresso um acto em geral
pode aplicar-se tanto ao uso da liberdade, pelo qualacolhida
no arbtrio a mxima suprema (conforme ou adversa lei),
como tambm quele em que as prprias aces (segundo a
sua matria, i.e., no tocante aos objectos do arbtrio) se levam
a cabo de acordo com aquela mxima. A inclinao para o
mal , pois, um acto no primeiro significado (peccatum
originarium) e, ao mesmo tempo, o fundamento formal de
todo o acto - tomado na segunda acepo - contrrio lei,
acto que, quanto matria, antagnico mesma lei e se
chama vcio (peccatum derivativum); e a primeira falta
permanece, embora a segunda (em virtude de mbiles que
no consistem na p rpria lei) seja de mltiplos modos ev itada.
Aquela um acto inteligvel, cognoscvel unicamente pela
razo sem qualquer condio de tempo; esta sensvel,
emprica, dada no tempo (factum phaenomen on). Ora a
primeira, sobretudo em comparao com a segunda, diz-se
uma simples propenso, e propenso inata, porque no pode
ser extirpada (para tal a mxima suprema deveria ser a do
bem, a qual, porm, nessa prpria propenso, acolhida
como m); mas sobretudo pela razo seguinte: em relao a
porque que em ns o mal corrompeu precisamente a
37
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mxima suprema, embora tal seja um acto prprio nosso,
tampouco podemos indicar uma causa como acerca de uma
propriedade fundamental inerente nossa natureza. - No qu e
agora se disse encontrar-se- a razo por que, nesta seco,
buscmos desde o incio as trs fontes do mal moral
unicamente naquilo que, segundo leis da liberdade, afecta o
fundamento supremo da adopo ou seguimento das nossas
mximas; no no que afecta a sensibilidade (como receptivi
dade).
III.
OHomemmau por Natureza
Vitus nemo sine
nascitur.
Horat.
A proposio o homem
mau,
segundo o qu e precede,
nada mais pode querer dizer do que: ele consciente da lei
moral e, no entanto, acolheu na sua mxima a deflexo
ocasional a seu respeito. O homem mau por natureza
significa tanto como: isto aplica-se a ele considerado na sua
espcie; no co mo se tal qualidade pudesse deduzir-se do seu
conceito especfico (o conceito de um homem em geral) (pois
ento seria necessria), mas o homem, tal como se conhece
pela experincia, no se pode julgar de ou tro mo do, ou: p ode
pressupor-se como subjectivamente necessrio em todo o
homem, inclusive no melhor. Ora visto que esta prpria
inclinaosedeve considerar como mo ralmente m, portan to,
no como disposio natural, mas como algo que pode ser
imputado ao hom em, e, consequentemente, deve consistir em
mximas do arbtrio contrrias lei; estas, porm, por causa
da liberdade devem p or si considerar-se como contingentes, o
que por seu turno no se coadun a com a universalidade deste
mal, se o supremo fundamento subjectivo de todas as
mximas no estiver, seja como se quiser, entretecido na
human idade e, por assim dizer, nela radicado: podemos ento
chamar a esta propenso uma inclinao natural para o mal,
e, visto que ela deve ser, no entanto, sempre autoculpada,
podemos denomin-la a ela prpria um mal radicalinato (mas
nem por isso menos contrado por ns prprios) na natureza
humana.
Ora a prova formal de que semelhante propenso c orrupta
tem de estar radicada no homem podemos a ns poup-la em
vista da multido de exemplos gritantes que, 05actosdos
38
homens, a experincia pe diante dos olhos. Se algum os
pretende obter daquele estado em que alguns filsofos
esperavam encontrar em especial a bondade natural da
natureza humana, a saber, do chamado estado de n atureza,
ento pode comparar com esta hiptese as manifestaes de
crueldade no provocada nas cenas sanguinrias de Tofoa,
Nova Zelndia, Ilhas dosNavegantese as que nunca cessam
nos amplos desertos da Amrica norte-ocidental (menciona
das pelo capito Hearne), onde nem sequer homem algum
obtm a mnima vantagem
10
, e ter-se-o vcios de brutalidade,
mais do que necessrio, para se afastar daquela opinio.
Mas se algum se decidiu pela opinio de que a natureza
humana se deixa conhecer melhor no estado civilizado (em
que as suas disposies se podem desfraldar de modo mais
completo), dever ento ouvir uma longa ladainha melanc
lica de acusaes humanidade: de secreta falsidade, mesmo
na mais ntima amizade, de modo que a moderao da
confiana na notificao recproca, inclusive dos melhores
amigos, se conta como mxima geral de prudncia no trato;
de uma propenso para o diar aquele a quem se est obrigado,
para o que deve estar sempre preparado o benfeitor; de uma
benevolncia cordial que, no entanto, acata a observao de
que h na infelicidade dos nossos melhores amigos algo que
de todo nos no desagrada; e de muitos outros vcios
escondidos sob a aparncia de virtude, sem falar daqueles que
nem sequer se mascaram porque, para ns, se apelida j de
bom quem
umhomemmau daclassegeral;
e satisfazer-se-
com os vcios daculturae da civilizao (entre todos os mais
mortificantes) para preferir desviar os olhos da conduta dos
10
Como a guerra permanente entre os ndios Arathavescau e os ndios
Costelas de Co no tem nenhum outro fito a no ser a simples matana. A
valentia guerreira a suprema virtude dos selvagens, na sua opinio.
Inclusive no estado civilizado, um objectodeadmirao e um fundamento
do respeito especial que aquela posio exige, em que elao nico mrito; e
isto no sem fundamento algum na ra zo. De facto, que o homem possa ter
e estabelecer como fim algo que aprecia ainda mais altamente do que a sua
vida (a honra), em que renuncia a todo o egosmo, demonstra, apesar de
tudo, uma certa sublimidade na sua disposio. Mas na facilidade com que
os vencedores enaltecem as suas faanhas (da trucidao, do derrubar sem
remisso, e quejandos) v-se que s a sua superioridade e a destruio que
conseguiram causar, sem qualquer outro fim, aquilo de que propriamente
se ufanam.
39
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homens, a fim de ele prprio no contrair um outro vcio, o
da misantropia. Mas se ainda assim no est satisfeito, pode
tomar em considerao o estado dos povos nas suas relaes
externas, estranhamente composto de ambos, pois povos
civilizados esto uns frente aos outros na situao do
grosseiro estado de natureza (de um estado em constante
disposio de gu erra) e estabeleceram tam bm firmem ente na
sua cabea nunca dele sair; e discernir os princpios das
grandes sociedades, chamadas Estados
11
,princpios directa
mente contraditrios com o que publicamente se alega e que,
no entanto, nunca se devem abandonar, os quais ainda
nenhum filsofo conseguiu p r em consonncia com a moral,
nem tambm (o que grave) sugerir outros melhores que se
deixassem unir com a natureza humana: de modo que o
quiliasmo filosfico,que espera o estado de uma paz perptua
fundada numa liga de povos como repblica mundial,
justamente como o teolgico, que aguarda o m elhoramento
moral completo de todo o gnero humano, universalmente
ridicularizado como fanatismo.
Ora, 1) o fundamento deste mal no pode pr-se, como se
costuma habitualmente declarar,n asensibilidadedo homem e
nas inclinaes naturais dela decorrentes. Pois, alm de no
terem qualquer relao directa com o mal (pelo contrrio,
proporcionam a ocasio para aquilo que a disposio moral
Se esta sua histria se olhar simplesmente como o fenmeno da
disposio interna - em grande parte a ns oculta - da humanidade,
possvel cair na conta de um certo curso maquinal da natureza segundo fins
que no so fms deles (dos povos), mas fins da natureza. Cada Estado,
enquanto tem a seu lado outro que pode esperar dominar, tende a
engrandecer-se mediante esta sujeio e, portanto, aspira monarquia
universal, constituio em que toda a liberdade e, com ela (o que
consequncia sua), toda a virtude, gosto e cincia se deveriam extinguir.
Masestemonstro (em que asleisperdem, pouco a pouco, a sua fora), aps
ter devorado todos os vizinhos, acaba por se dissolver a si prprio e, graas
insurreio e discrdia, divide-se em muitos Estados mais pequenos, os
quais, emvezde tender para um a associao de Estados (repblica de povos
livres aliados), comeam cada um por seu lado o mesmo jogo, para no
deixar que cesse a guerra (esse flagelo do gnero humano), guerra que,
embora no seja to incuravelmente m como o sepulcro da monarquia
universal (ou tambm uma liga de povos para no deixar desaparecer o
despotismo em nenhum Estado), contudo, como dizia um antigo, faz mais
homens maus do que os que arrebata.
40
pode mostrar na sua fora, para a virtude), ns no temos de
responder pela sua existncia (nem sequer podemos, porque,
enquanto congnitas, no nos tm como autores), mas sim
pela inclinao para o mal, a qual, enquanto concerne
moralidade d o sujeito, por conseguinte, neleseencontra como
num sujeito livremente operante, tem de poder ser-lhe
imputada como algo de que ele culpado, no obstante a
profunda radicao de tal propenso no arbtrio, pelo que se
deve dizer que se encontra no homem por natureza. - 2) O
fundamento deste mal tambm no pode pr-se numa
corrupo da razo moralmente legisladora, como se esta
pudesse aniquilar em si a autoridade da prpria lei e negar a
obrigao dela dimanante; pois isso pura e simplesmente
impossvel. Pensar-se como um ser que age livremente e, no
entanto, desligado da lei adequada a semelhante ser (a lei
moral) equivaleria a pensar uma causa que actua sem
qualquer lei (pois a determinao segundo leis naturais fica
excluda por causa da Uberdade): o que se contradiz. - Por
conseguinte, para fornecer um fundamento do mal moral no
homem, a sensibilidade contm demasiado pouco; efectiva
mente, faz do homem, enquanto remove os motivos que
podem proceder da Uberdade, um ser simplesmente animal;
em contrapartida, porm, umarazoque Uherta da lei moral,
uma razo de certo modo maligna (uma vontade absoluta
mente m), contm demasiado, porque assim a oposio
prpria lei se elevaria a mbil (j que sem qualquer motivo
impulsor se no pode determinar o arbtrio) e, por isso, se
faria do sujeito um ser diablico. - Mas nenhuma das duas
coisas aplicvel ao homem .
Embora a existncia desta inclinao para o mal na
natureza humana se possa demonstrar atravs de provas
empricas do antagonismo, efectivamente real no tempo, do
arbtrio humano lei, no entanto, estas provas no nos
ensinam a genuna qualidade de tal propenso e o
fundamento deste antagonismo; pelo contrrio, esta qualida
de,
visto que concerne a uma relao do Uvre arbtrio
(portanto, de um arbtrio cujo conceito no emprico) lei
moral como mbil (cujo conceito tambm puramente
intelectual), deve ser conhecida apriori a partir do conceito
do mal, enq uanto este possvel segundo leis da Uberdade (da
obrigao e d a susceptibilidade de imputao ). O que se segue
o desenvolvimento do conceito.
41
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O homem (inclusive o pior), seja em que m ximas for, no
renuncia lei moral, por assim dizer, rebelando-se (como
recusa d a o bedincia). Pelo contr rio, a lei moral impe-se-lhe
irresistivelmente por fora da sua disposio moral; e, se
nenhum outro mbil actuasse em sentido contrrio, ele
admiti-la-ia na sua mxima suprema como motivo determi
nante suficiente do arbtrio, i.e., seria moralmente bom. Mas
ele depende tambm, em virtude da sua disposio natural
igualmente inocente, de m biles da sensibilidade e acolhe-os
outrossim na sua mxima (de acordo com o princpio
subjectivo do amor de si). Se, porm, admitisse tais mbiles
na sua mxima como suficientes por si ss para a
determinao do arbtrio, sem se virar para a lei moral (que,
no entanto, em sitem),ento seria moralmente mau. Ora u ma
vez que ele acolhe de modo natural ambas as coisas na sua
mxima, uma vez que acharia tambm cada uma por si, se
estivesses,suficiente para a determinao d a von tade, assim,
se a diferena das mximas dependesse simplesmente da
diferena dos motivos (da materia das mximas), a saber, de
se a lei, ou o impulso dos sentidos, o que proporciona tal
mbil, ento o homem seria ao mesmo tempo moralmente
bom e moralmente mau - o que (segundo a introduo) se
contradiz. Port anto , a diferena d e se o homem bom ou mau
deve residir, no n a diferena dos mbiles, que ele acolhe na
su mxima (no na sua matria), mas na subordinao(forma
da mxima): de qual dos do is mbiles ele transform a em
condio
do outro.
Por conseguinte, o homem (inclusive o
melhor) s mau em virtude de inverter a ordem moral
dos motivos, ao perfilh-los nas suas mximas: acolhe
decerto nelas a lei moral juntamente com a do amor de si;
porm, em virtude de perceber que uma no pode subsistir
ao lado da outra, mas uma deve estar subordinada outra
como sua condio suprema, o homem faz dos mbiles do
amor de si e das inclinaes deste a condio do seguimento
da lei moral, quando, pelo contrrio, a ltima que,
enquanto condio supremada satisfao do primeiro, se
deveria admitir como motivo nico na mxima universal do
arbtrio.
Nesta inverso dos motivos, graas sua mxima, contra a
ordem moral, as aces podem, apesar de tudo, ocorrer de
modo to conforme lei como se tivessem promanado de
princpios legtimos: quando a razo se serve da unidade das
42
mximas em geral, que peculiar lei moral, simplesmente
para introduzir nos mbiles da inclinao, sob o nome de
felicidade,um a unidade d as mximas que, alis, no lhes pode
caber (por exemplo, que a veracidade, se se adoptar como
princpio, nos dispensa da inquietude de manter a consonn
cia das nossas mentiras e de no nos enredarmos a ns
mesmos nas suas sinuosidades), j que ento o carcter
emprico bom , mas o inteligvel , porm, sempre mau.
Se na natureza humana reside para tal uma propenso,
ento h n o homem uma inclinao natural para o mal; e esta
prpria tendncia, ppr ter finalmente de se buscar num livre
arbtrio, por conseguinte, poder imputar-se, moralmente
m. Este mal
radical,
pois corrompe o fundamento de todas
as mximas; ao mesmo tempo, como propenso natural, no
exterminarpor meio de foras hum anas, porque tal s poderia
acontecer graas a mximas boas - o que no pode ter lugar
se o supremo fundam ento subjectivo de todas as mximas se
supe corrompido; deve, no entanto, ser possvelprevalecer,
uma vez que ela se encontra no homem como ser dotado de
aco livre.
A malignidade da natureza humana no deve, portanto,
chamar-semaldade,se esta palavra se toma em sentido estrito,
a saber, como uma disposio de nimo(principiosubjectivo
das mximas) de admitir como mbil o malenquantomalna
prpria mxima (pois ela diablica), mas antesperversidade
do corao, o qual, por consequncia, se chama um mau
corao. Este pode coexistir com um a vontade bo a em geral e
provm da fragilidade da natureza h uman a - de no ser assaz
robusta par a a observncia dos princpios que adoptou -
associada impureza de no separar uns dos outros, segundo
uma p auta, os motivos (mesmo em aces bem intencionadas)
e, portanto, em ltima anlise, olhar s - quando muito -
para a conformidade das aces com a lei, e no para a sua
derivao a partir dela mesma, i.e., para esta como o nico
mbil. Embo ra nem sempre daqui derive uma aco contrria
lei e uma tendncia para tal, i.e., para o vcio, o modo de
pensar que consiste em interpretar a sua ausncia j como
adequao da disposio de nimo lei do dever (como
virtude), (pois ento no se atende aos motivos nsitos na
mxima, mas unicamente ob servncia daleisegundo a letra)
deve ele pr prio j designar-se com o um a radical perversidade
do corao humano.
43
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Esta culpa inata (reatus) - que assim se chama porqueSV.
deixa perceber to cedo como no homem se manifesta o uso
da liberdade e deve, no entanto, ter dimanado da liberdade e,
por isso, lhe pode ser imputada - pode ajuizar-se, nos seus
dois primeiros graus (o d a fragilidade e o da im pureza), como
culpa impremeditada (culpa) mas no terceiro, como
premeditada (dolus), e tem por carcter seu uma certa
perfdia
do corao humano
(dolus malus),
que consiste em
enganar-se a si mesmo acerca das intenes prprias b oas ou
ms e, contanto que as aces no tenh am p or consequncia o
mal q ue, segundo as suas mximas, decerto poderiam ter, em
no se inquietar por mor da sua disposio de nimo, mas
antes emseconsiderar justificado perante a
lei.
Daqui procede
a tranquilidade de conscincia de tantos homens (escrupulo
sos, segundo a sua opinio) quando, no meio de aces em
que a lei no foi consultada ou, pelo menos, no foi o que
mais valeu, se esquivaram felizmente apenas s consequncias
ms,e decerto a imaginao de m rito, que consiste em no se
sentir culpado das ofensas com que outros se vem afectados,
sem indagar se tal no ser porventura mrito da sorte ese,de
acordo com o m odo de pensar que eles poderiam descobrir no
seu ntimo, no caso de simplesmente quererem, no teriam
sido por eles exercidos os mesmos vcios, se a impotncia, o
temperamento, a educao, as circunstncias de tempo e de
lugar, que induzem tentao (puramente coisas que no nos
podem ser imputadas) disso os no tivessem mantido
afastados. Esta desonestidade de lanar poeira nos prprios
olhos, que nos impede a fundao de uma genuna inteno
moral, estende-se ento tambm exteriormente falsidade e
ao engano de outros, o que, se no houver de se chamar
maldade, merece pelo menos apelidar-se de indignidade, e
reside no mal radical da natureza hum ana; este (em virtude de
perturbar a faculdade moral de julgar quanto quilo por que
um homem se deve ter e torna de todo incerta, interior e
exteriormente, a imputao) constitui a mancha ptrida da
nossa espcie, mancha q ue, enquanto a no tiramo s, estorva o
desenvolvimento do grmen do bem, como, sem dvida, o
faria noutro caso.
Um membro do Parlamento ingls, no calor da discusso,
proferiu esta afirmao: Cad a homem tem o seu preo, pelo