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7/18/2019 KANT, Immanuel. a Religião Nos Limites Da Simples Razão (1) http://slidepdf.com/reader/full/kant-immanuel-a-religiao-nos-limites-da-simples-razao-1 1/107 Textos Filosóficos edições 70 mmanuel KANT A RELIGIÃO NOS LIMITES DA SIMPLES RAZÃO

KANT, Immanuel. a Religião Nos Limites Da Simples Razão (1)

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Text of KANT, Immanuel. a Religião Nos Limites Da Simples Razão (1)

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    Textos Filosficos

    edies 70

    mmanuel

    KANT

    A RELIGIO

    NOS LIMITES

    DA SIMPLES RAZO

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    Pr o leitor directamente em contacto

    com textos marcantes da histria da filosofia

    - atravs de tradues feitas

    a partir dos respectivos originais,

    acompanhadas de introdues e

    notas explicativas

    - foi o po nto de partida pa ra esta coleco.

    O seu mbito estender-se-

    a tod as as pocas e a todos os tipos

    e estilos de filosofia,

    procurando incluir os textos.

    mais significativos do pensamento filosfico

    na sua multiplicidade e riqueza .

    Ser assim um reflexo da vibratilidade

    do esprito filosficoperante o seu tempo:

    perante a cincia

    e o problema do homem

    e do mundo.

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    Textos Filosficos

    Director da Coleco:

    ARTUR MORO

    Professor no Departamento de Filosofia da Faculdade de Cincias Humanas

    da Universidade Catlica Portuguesa

    1.

    Crtica

    d a

    Razo

    Prtica

    Immanuel Kant

    2.

    Investigao sobreo Entendimento Humano

    David Hume

    3. Crepsculo

    dos dolos

    Friedrich Nietzche

    4. Discursod eMetafsica

    Gottfried Whilhelm Leibniz

    5. Os Progressosda Metafsica

    Immanuel Kant

    6. Regras para

    a

    Direco

    d o

    Esprito

    Ren D escartes

    7. Fundamentao

    da

    Metafsica

    do s

    Costumes

    Immanuel Kant

    8.

    A

    Ideia

    d a

    Fenomenologia

    Edmund Husserl

    9. Discurso do Mtodo

    Ren Descartes

    10. Ponto deVista Explicativoda Minha Obra como Escritor

    Sren Kierkegaard

    11. AFilosofia

    na

    Idade Trgicado sGregos

    Friedrich Nietzche

    12. Cartasobre Tolerncia

    John Locke

    13. Prolegmenosa Todaa Metafsica Pura

    Immanuel Kant

    14. Tratadoda Reformado Entendimento

    Bento de Espinosa

    15. Simbolismo: SeuSignificadoe Efeito

    Alfred N orth Whitehead

    16.

    Ensaio Sobre

    os

    Dados Imediatos

    da

    Conscincia

    Henri Bergson

    17. Enciclopdia

    da s

    Cincias Filosficasem Epitome vol. I)

    Georg Wilhelm Friedrich Hegel

    18. A PazPerptuae Outros Opsculos

    Immanuel Kant

    19. Dilogo sobrea Felicidade

    Santo Agostinho

    20.

    Princpios

    da

    Filosofia

    d o

    Futuro

    e

    Outros Escritos

    Ludwig Feuerbach

    21. Enciclopdiada sCincias Filosficase mEpitome vol. II)

    Georg Wilhelm Friedrich Hegel

    22. Manuscritos Econmico Filosficos

    Karl Marx

    23.

    Propedutica Filosfica

    Georg Wilhelm Friedrich Hegel

    24.

    O

    Anticristo

    Friedrich Nietzche

    25. Discurso sobre

    a

    Dignidade

    d o

    Homem

    Giovanni Pico delia Mirandola

    26. Ecce Homo

    Friedrich Nietzche

    27. O

    Materialismo Racional

    Gaston Bachelard

    28.

    Princpios Metafsicos

    da

    Cincia

    da

    Natureza

    Immanuel Kant

    29. Dilogode umFilsofo Cristoe de um Filsofo Chins

    Nicolas M alebranche

    30. OSistemada Vidatica

    Georg Wilhelm Friedrich Hegel

    31. Introduo

    Histria

    d a

    Filosofia

    Georg Wilhelm Friedrich Hegel

    32. As Confernciasde Paris

    Edmund Husserl

    33. Teoriada sConcepesdo Mundo

    Wilhelm Dilthey

    34

    A

    Religiono sLimites

    d a

    Simples

    Razo

    Immanuel Kant

    A RELIGIO

    NOS

    LIMITES

    DA SIMPLES RAZO

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    Ttulo original:

    Die Religion innerhalb der Grenzen der blossen Vemunft

    desta traduo: Artur Moro e Edies 70, Lda.

    Traduo de Artur Moro

    Reviso tipogrfica de Artur Lopes-Cardoso

    Capa de Edies 70

    Depsi to legal n. 56437/92

    ISB N 972 -4 4 -0 859 -0

    Direitos reservados para todos os pases de lngua portuguesa

    por Edies 70, Lda. Lisboa Portugal

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    T el efs . 859 63 4 8 / 859 99 3 6 / 859 86 2 3 Fax 859 86 2 3

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    e Fax 2 84 29 42 Telex 403 85 AMLJ B

    Esta obra est protegida pela Lei. No pode ser reproduzida,

    no todo ou em parte, qualquer que seja o modo utilizado,

    incluindo fotocpia e xerocpia, sem prvia autorizao do Editor.

    Qualquer transgresso Lei dos Direitos de Autor ser passvel

    de procedimento judicial.

    Immanuel

    KANT

    A RELIGIO

    NOS LIMITES

    DA SIMPLES RAZO

    ed ies 70

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    ADVERTNCIA

    A Religio nos limites da simples razo (1793) oescrito

    capitalde Kantsobrea religio, emboran o seja o nico. De

    facto, Deus, aliberdadee a imortalidade,objectivos supremos

    da nossa existncia (KrVB ,395),sempre ocuparam um lugar

    privilegiado entre osproblem as fulcrais da sua filosofia.

    Adoutrina kantiana deDeus passouporvrios estdiosde

    elaborao:

    desenvolveu-se,

    n o perodo pr-crtico,no mbito de

    um confronto com Leibniz e Wolff J ento Kant faz um a

    crticateologiaracional - oque no deixa de ter um nexo com

    aevoluo ulteriordoseu pensamentoecom aconfirmaoda

    sua atitude contraapossibilidade dametafsica. Em seguida, na

    Crtica da Razo pura, oproblema teolgico discutido no

    interiordaimpugnaod ametafsica tradicionale

    racionalista.

    A suasoluo negativaapartir dos princpios especulativosda

    razoera, paraKant, acondio sine qua nonparaumoutro

    caminho doconhecimento de Deus, a chamadaprova moral;

    importava eliminar o saber para dar lugar f (KrV B,

    XXX). Opostulado de Deusconecta-secom opreceito deve

    mos fomentar obem supremo (seja elequal for) e a argumen

    tao a seu respeito insere-se no quadro de uma viso teleolgica

    da realidade total. A teleologia moral (a subordinao da

    natureza realizao do summum bonumj conduz assim a

    um ateologiamoral,plenamente elaboradaemA Religio nos

    limites da simples razo. Se oderradeiro sentidoda realidade

    s temrespostan ocampo

    tico,

    natural qyes eavance paraa

    9

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    religio, masconcebida comooconhecimentoe ocumprimento

    de todos osdeveres como mandamentosdivinos.

    A reduo dareligio moralleva Kant a expor de modo

    simblico os princpios dareligio crist, apropor adistino

    entref histrica (f eclesial, que desvalorizada) e a f d a

    razo (f religiosa), aencarar as verdades reveladas comosim

    plesauxiliaresd areligio enquanto sentimentomoral. Trata-se

    de umareligio se m

    culto,

    puroserviode coraes, em que

    tudo o que histrico esobrenatural secircunscrevemedida do

    homem e se subordina suarealizao moral. A dimenso

    eclesiolgica sofreidntica restriomoral, j que a Igreja se

    converte num ser tico com um, alis em ligao com a

    singular interpretao kantianada cristologia, em que o Jesus

    histrico substitudopela ideia da humanidade como sermoral.

    Estatendncia para dissolverareligiona moralidade,queno

    subtrai Kant censura de um certopneumatismo anti-insti-

    tucional e an-histrico, foi prosseguida no Opus postumum,

    emboran emsempre comtodaaconsistncia lgica.

    Apresente traduo foi feita a partir daedio do texto

    kantiano por WilhelmWeischedel (Wiesbaden, Insel Ver ag

    1956; Darmstadt, Wissenschaftliche Buchgesellschaft

    1968),

    mas seguindo quase sempre aleitura daEdio da Academia,

    no s

    casos

    de

    divergncia

    e de variantes.

    Levou-se

    a

    cabo

    com o

    fim depreparar ecelebrar o segundo centenrio destegrande

    escrito deKant.Tentou-se nelaa todo ocusto aidelidadeao

    esprito, letrae aoestilod e Kant.

    No fimdovolume,prope-se uma bibliografia selecta sobrea

    filosofiakantianad areligioeum pequeno glossrio que inclui

    as correspondncias entreostermos alemeseosportugueses.

    Nestaverso,no se indicam nemaspginas da edioorigi

    nal, nem osacrescentosd asegundaedio,querno textoquer

    nas notas.

    Artur Moro

    10

    PRLOGO PRIMEIRA EDIO

    A M oral, enquanto fundada no conceito do homem como

    um ser livre que, justamente por

    isso,

    se vincula a si mesmo

    pela razo a leis incondicionadas, no precisa nem da ideia de

    outro ser acima do homem para conhecer o seu dever, nem de

    outro mbil diferente da prpria lei para o observar., Pelo

    menos culpa sua se nele se encontra u ma tal necessidade a

    que por nada maissepode ento prestar

    auxlio;

    porque o que

    no procede dele mesmo e da sua liberdade no faculta

    compensao alguma para a deficincia da sua moralidade. -

    Por conseguinte, a Moral, em prol desiprpria (tanto objecti

    vamente, no tocante ao querer, como subjectivamente, no quediz respeito ao

    poder),

    de nenhum modo precisa da religio,

    mas basta-se a si prpria em virtude da razo pur a prtica. -

    Com efeito, visto que as suas leis obrigam pela mera forma d a

    legalidade universal das mximas que ho-de assumir-se de

    acordo com ela - como condio suprema (tambm esta

    incondicionada) de todos os

    fins,

    a Moral no necessita em

    geral de nenhum o utro fundamento material de determinao

    do livre arbtrio

    1

    , isto , de nenhum fim, nem p ara reconhecer

    1

    Aqueles a quem o fundamento de determinao somente formal (da

    legalidade) em geral no conceito do dever no satisfaz como tal fundamento

    admitem, no entanto, que este nopodeencontrar-se no

    amorasimesmo,

    o

    qual se rege pelo prprio bem-estarj Restam, pois, ento apenas dois

    fundamentos de determinao; um, que racional, a prpria perfeio, e

    11

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    o que seja dever, nem ainda para impelir a que ele se leve a

    cabo; mas pode e at deve, quando se trata de dever, abstrair

    de todos o s fins. Assim, por exemplo, para saber se devo (ou

    tambm posso) ser veraz no meu testemunho perante o

    tribunal, ou ser leal na reclamao de um bem alheio a mim

    confiado, no necessria a busca de um fim que eu, por

    ventura, na m inha declarao, pudesse decidir de antemo vir

    para mim a conseguir, pois no interessa se de um ou de

    outro tipo; pelo contrrio, quem, ao ser-lhe pedida legitima

    mente a sua declarao, acha ain da necessrio buscar um fim

    qualquerj nisso um indigno.

    Mas embora a Mo ral no precise, em prol de si prpria , de

    nenhuma representao de fim que tivesse de preceder a

    determinao da vontade, pode ser que mesmo assim tenha

    uma referncia necessriaa um talfim, a saber, no como ao

    fundamento, mas como s necessrias consequncias das

    mximas que so adoptadas em conformidade com as leis. -

    Pois sem qualquer relao de fim no pode ter lugar no

    homem nenhuma determinao da vontade, j que tal deter

    minao no pode dar-se sem algum efeito, cuja representa

    o tem de se poder admitir, se no como fundamento de

    determinao do arbtrio e como fim prvio no propsito,

    decerto como consequncia da determinao do arbtrio pela

    lei em ordem a um fim (finis inconsequentiamveniens); sem

    este, um arbtrio que no acrescente no pensamento aco

    intentada algum objecto determinado objectiva ou subjecti

    vamente (objecto que ele tem ou deveria ter), sabe porventura

    como,mas nopara ondetem de agir, no p ode bastar-se a si

    outro, que emprico, a

    felicidade

    alheia. - Ora se pela primeira no

    entendem j a perfeio moral, que s pode ser uma (a saber, uma vontade

    qu e

    obedece

    incondicionalmente

    lei),

    caso em que explicariam em circulo,

    deveriam referir-se perfeio n atural d o homem, enq uanto ela

    susceptvel

    de uma elevao, e da qual muito pode haver (como dexteridade nas artes e

    nas cincias, gosto, agilidade do corpo e quejandos). M as isto bom sempre

    de

    modo condicionado, ou seja, apenas sob a condio de que o seu uso no

    esteja em conflito com a lei moral (a nica que incondicionalmente ordena );

    por conseguinte, esta perfeio, posta como fim, no po de ser principio dos

    conceitos de dever. O mesmo se aplica igualmente ao fim dirigido

    felicidade de outros homens. Com efeito, uma aco deve primeiro

    ponderar-se em si mesma segundo a lei moral, antes de se dirigir

    felicidade de outros. Fomentar esta felicidade , pois, dever s de modo

    condicionado e no pode servir de princpio supremo de mximas morais.

    12

    mesmo. Pelo que nonecessrio Moral, em ordem ao recto

    agir, fim algum, mas basta-lhe a lei que contm a condio

    formal do uso da liberdade em geral. Da Moral, porm,

    promana um fim;pois no p ode ser indiferente razo de que

    modo poder ocorrer a resposta questoque resultar deste

    nosso recto agir, e para qu e - na suposio de que tal no

    estivesse de tod o em nosso po der - poderamos dirigir como

    para um fim o nosso fazer e deixar de maneira a com ele pelo

    menos concordar. apenas uma ideia de um objecto que

    contm em si a condio formal de todos os fins, como os

    devemos ter (o dever), e ao mesmo tempo todo o condi

    cionado com ele concordante de todos os fins que temos (a

    felicidade adequada observncia do dever), ou

    s,eja,

    a ideiade um bem supremo no mundo, para cuja possibilidade

    devemos supor um ser superior, moral, santssimo e

    omnipotente, o nico que pode unir os dois elementos desse

    bem supremo; mas esta ideia (considerada praticamente) no

    vazia, porque alivia a nossa natural necessidade de pensar

    um fim ultimo qualquer que possa ser justificado pela razo

    para todo o nosso fazer e deixar tomado no seu todo,

    necessidade que seria, alis, um obstculo para a deciso

    moral. M as, o que aqui o principal, tal ideia deriva da m oral

    e no con stitui o seu fundamento;um fim cuja auto propo sta

    pressupe j princpios morais. N o p ode, pois, ser indiferente

    moral que ela forme ou no para si o conceito de um fim

    ltimo de todas as coisas (concordar a seu respeito no

    aumenta o numero dos seus deveres, mas proporciona-lhes,

    no entanto, um particular ponto de referncia da unio de

    todos os fins); s assim se pode proporcionar realidade

    objectiva prtica combinao da finalidade pela Uberdade

    com a finalidade da natureza, combinao de que no

    podemos prescindir. Suponde um homem que venera a lei

    moral e a quem ocorre (coisa que dificilmente consegue iludir)

    pensar que mundo ele, guiado pela razo prtica, criaria se

    estivesse em seu pode r,edecerto de maneira queeleprprio se

    situasse nesse mundo como membro; no s elegeria

    precisamente tal como implica a ideia moral do bem

    supremo, se lhe fosse simplesmente confiada a eleio, mas

    tambm quereria que um mun do em geral existisse, pois a lei

    moral quer q ue se realize por m eio de ns o mais elevado bem

    possvel;[eassim quereria] embora, segundo essa ideia, se veja

    em perigo de perder muito em felicidade para a sua pessoa,

    13

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    porque possvel que ele talvez no possa ajustar-se

    exigncia da felicidade, exigncia que a razo pe como

    condio; p or con seguinte, ele sentir-se-ia o brigado pela razo

    a reconhecer ao mesmo tempo como seu este juzo,

    pronunciado de modo totalmente imparcial, como se fora

    por um estranho; o homem mostra assim a necessidade, nele

    moralmente o perada, de pensar aind a em relao com os seus

    deveres um fim ltimo como resultado seu.

    A m oral conduz, po is, inevitavelmente religio, pela qu al

    se estende

    2

    , fora do homem, ideia de um legislador moral

    poderoso, em cuja vontade fim ltimo (da criao do

    mundo) o que ao mesmo tempo pode deve ser o fim ltimo

    do homem.

    2

    Se a proposio H um Deus, por conseguinte, H um bem

    supremo no mundo tiver (como proposio de f) de provir somente da

    moral, uma proposio sinttica

    a priori

    que, embora se aceite apenas na

    referncia prtica, vai alm do conceito do dever qu e a moral contm (e que

    no pressupe nenhuma matria do arbtrio, mas somente

    leis

    formais suas)

    e, portanto, no pode desenvolver-se a partir da moral.Ma scomo possvel

    semelhante proposio apriori?

    A consonncia com a simples ideia de um

    legislador moral de todos os homens , decerto, idntica ao conceito moral

    de dever em geral, e assim a proposio que ordena tal consonncia seria

    analtica. Mas a a ceitao da existncia de um objecto

    diz mais

    do que a sua

    mera possibilidade. A chave para a soluo deste problema, tanto quanto a

    julgo discernir, s a posso aqui indicar, sem a desenvolver.

    Fim

    sempre o objecto de uma

    inclinao,

    i.e., de um apetite imediato

    para a posse de uma coisa por meio da sua aco; assim como a le i(que

    ordena praticamente)

    um objecto do

    respeito.

    U m

    fim

    objectivo

    (i.e.,

    o que

    devemos ter)

    aquele que nos

    dado com o tal pela simples razo. Ofimque

    contm a condio iniludvel e, ao mesmo tempo, suficiente de todos os

    outros o fim ltimo.A felicidade p rpria o fim ltimo subjectivo de seres

    racionais do mundo (fim que cada um deles

    tem

    em virtude da sua natureza

    dependente de objectos sensveis, e do qual seria ab surdo dizer: que sedeve

    ter),

    e todas as proposies prticas, que tm como fundamento este fim

    ltimo so sintticas, mas ao mesmo tempo empricas. Mas que todos

    devam fazer para si do supremo

    bem

    possvel no mundo

    o fimltimo

    - eis

    uma proposio prtica sinttica a-priori e, decerto, uma proposio

    objectivo-prtica dada por meio da pura raz o, porque uma proposio

    que vai mais alm do conceito dos deveres no mundo e acrescenta uma

    consequncia sua (um efeito) que no est contido nas leis morais e,

    portanto, no pode desenvolver-se analiticamente a partir delas. De facto,

    estas leis ordenam absolutam ente, seja qual for o seu resultado, mais aind a,

    obrigam at a dele abstrair totalmente, quando se trata de uma aco

    particular; e, por i$so, fazem d o dever o objecto do maior respeito, sem nos

    apresentar e propor um fim (e fim ltimo), que teria porventura de

    constituir a recomendao delas e o mbil para cumprir o nosso dever.

    14

    Se a Moral, na santidade da sua lei, reconhece um objecto

    do maior respeito, ento, ao nvel da religio, na causa

    suprema que cumpre essas leis, prope um objecto de

    adorao, e aparece na sua majestade. Mas tudo, at o mais

    sublime, se degrada nas mos dos homens, quando estes

    empregam para uso seu a ideia daquele. O que s

    verdadeiramente se pode venerar na medida em que livre

    o respeito para com ele obrigado a submeter-se a formas s

    quais s se pode proporcionar prestgio mediante leis

    coercivas, e o que por si mesmo se expe crtica pblica

    de todo o homem tem de sujeitar-se a um a crtica que possui

    fora, ou seja, a uma censura.

    Todos os homens poderiam com isto ter bastante, se (como deviam) se

    ativessem unicamente prescrio da razo pura na lei. Que necessidade

    tm de saber o resultado d o seu fazer

    e

    deixar moral, que o curso do mundo

    suscitar? Para eles suficiente que faam o seu dever; mesmo que com a

    vida terrena tudo acabasse e nesta, porventura, jamais coincidissem

    felicidade e dignidade. Ora uma das limitaes inevitveis do homem e da

    sua faculdade racional prtica (talvez igualmente de todos os outros

    seres

    do

    mundo) buscar em todas as aces o seu resultado para neste encontrar

    alga que lhe pudesse servir de fim e demonstrar tambm a pureza do seu

    propsito, fim que , sem dvida, o ltimo na execuo (nexu effectivo),

    mas o primeiro na representao e no propsito

    (nexufinali).

    Ora bem,

    neste fim, embo ra

    lhe

    seja proposto pela simples razo , o homem busca algo

    que possa amar;por isso, a lei, que s inspira reverncia, embora no

    reconhea aquele como necessidade, estende-se

    em vista

    dele ao acolhimento

    do fim ltimo moral da razo entre os seus fundamentos de determinao,

    ou seja, a proposio faz do sumo bem possvel no mundo o teu fim

    ltimo uma proposio sintticaapriori,que introduzida pela prpria

    lei moral e pela qual, no e ntanto, a razo prtica se estende para l desta

    ltima; tal possvel em virtude de a lei se referir propriedade natural do

    homem de ter de pensar para todas as aces, alm da lei, ainda um fim

    (propriedade do hom em que faz dele um objecto da experincia),

    e

    (como as

    proposies teorticas e, ao mesmo tempo, sintticas

    a priori)

    s possvel

    por ele conter o princpio apriori do conhecimento dos fundamentos de

    determinao de um livre arbtrio na experincia em geral, enquanto esta,

    que apresenta os efeitos da moralidade nos seus fins, subministra ao

    conceito da moralidade, como causalidade no mundo, realidade objectiva,

    embora somente prtica. - Ora bem, se a mais estrita observncia das leis

    morais

    se

    deve pensar como causa da produo do bem supremo (como fim

    ),ento, visto que a capacidade humana no chega para tornar efectiva no

    mundo a felicidade em consonncia com a dignidade de ser feliz, h que

    aceitar um ser moral omnipotente como soberano do mundo, sob cuja

    providncia isto acontece, i.e., a moral conduz inevitavelmente religio.

    15

  • 7/18/2019 KANT, Immanuel. a Religio Nos Limites Da Simples Razo (1)

    9/107

    No entanto, visto que o mandamento - obedece

    autoridade - tambm moral, e a sua observncia, tal

    como a de todos os deveres, se pode referir religio, fica bem

    a um tratado que est dedicado ao conceito determinado

    desta ltima fornecer ele prprio um exemplo de semelhante

    obedincia, a qual, porm , no deve ser demonstrada s pela

    ateno lei de uma nica ordenana do Estado, e

    permanecer cego em relao a todas as outras, mas s pelo

    respeito conjunto por todas elas reunidas. Ora bem, o telogo

    que pronuncia um juzo sobre livros ou pode estar em tal

    lugar como algum que vela simplesmente pela salvao das

    almas,

    ou ainda como quem deve ao mesmo tempo ocupar-se

    da salvao das cincias; o primeiro juiz s como eclesistico,

    o segundo simultaneamente como erudito. Ao ltimo, como

    membro de uma instituio pblica qual (sob o nome de

    Universidade) esto confiadas todas as cincias para o seu

    cultivo e preservao contra preconceitos, incumbe-lhe

    restringir as pretenses do primeiro condio de que a sua

    censura no cause qualquer perturbao no campo das

    cincias; e se ambos so telogos bblicos, a censura superior

    caber ento ao ultimo como membro universitrio daquela

    Faculdade que foi encarregada de tratar desta teologia; pois,

    no tocan te ao primeiro assunto (a salvao das almas), ambos

    tm igual misso; mas, quanto ao segundo (a salvao das

    cincias), o telogo como sbio universitrio tem ainda de

    desempenhar uma funo especial. Se se aband ona esta regra,

    ento ir-se-, por fim, desembocar necessariamente no ponto

    em que j noutro tempo se esteve (por exemplo, na poca de

    Galileu),

    a saber: que o telogo bblico, para humilhar o

    orgulho das cincias e se poupar ao esforo delas, permita

    a si mesmo incurses na Astronomia ou no utras cincias, por

    exemplo, a histria antiga da terra, e - como aqueles

    povos que no encontraram em si mesmos capacidade ou

    seriedade suficiente para se defender contra ataques perigosos

    transformam em deserto tudo o que os rodeia - esteja

    autorizado a embargar todos os intentos do entendimento

    humano.

    Mas,

    no campo das cincias, contrape-se teologia

    bblica um a teologia

    filosfica,

    que o bem confiado a o utra

    Faculdade. Esta, contanto que permanea apenas dentro dos

    limites ila mera razo e utilize para confirmao e elucidao

    das suas teses a histria, as lnguas, os livros de todos os

    16

    povos, inclusive a Bblia, mas s para si, sem introduzir tais

    proposies na teologia bblica e sem pretender alterar os seus

    ensinamentos pblicos, para o que o eclesistico detm o

    privilgio, deve ter plena liberdade pa ra se estender at onde

    chegue a sua cincia; e embora, quando se confirmou que o

    primeiro ultrapassou efectivamente as suas fronteiras e se

    intrometeu na teologia bblica, no possa constestar-se ao

    telogo (considerado simplesmente como eclesistico) o

    direito censura, contudo, enquanto a intromisso est

    ainda em dvida e, por conseguinte, surge a questo de se

    aquela teve lugar por meio de um escrito ou outra exposio

    pblica do filsofo, cabe a censura superior somente ao

    telogo bblico comomembro da sua

    Faculdade,

    pois este est

    encarregado de cuidar tambm do segundo interesse da

    comunidade, a saber, o florescimento das cincias, e est n o

    seu posto to validamente como o primeiro.

    E decerto corresponde, neste caso, a censura primeira

    Faculdade teolgica, no filosfica; pois s aquela tem

    privilgio no tocante a certas doutrinas, ao passo que esta

    exerce com as suas um trfico aberto e livre; por isso, s

    aquela se pode queixar por ter havido uma violao do seu

    direito exclusivo. Mas uma dvida a propsito da intromis

    so fcil de evitar, no obstante a proximidade das duas

    doutrinas na sua totalidade e o temor de ultrapassar os

    limites por parte da teologia filosfica, se se considerar

    apenas que semelhante desordem no acontece em virtude de

    o filsofo ir buscaralgo teologia bblica para o u tilizar

    segundo o seu propsito (pois a ltima no negar que ela

    prpria contm m uito em comum com as doutrinas da mera

    razo e, alm d isso, muitos elementos pertencentes histria

    ou ao conhecimento das lnguas e convenientes para a sua

    censura), ainda no caso de utilizar o que a ela vai buscar

    numa acepo conforme simples razo, mas talvez no

    aprazvel teologia bblica; a desordem s tem lugar quando

    eleintroduzalgo n esta teologia e pretende assim dirigi-la para

    outros fins diversos dos que lhe permite a sua organizao. -

    No pode, pois, dizer-se, por exemplo, que o professor de

    Direito natural, ao ir buscar ao cdigo dos Romanos, para a

    sua doutrina filosfica do direito, muitas expresses e

    frmulas clssicas, leve a cabo neste uma intromisso,

    inclusive se - como muitas vezes acontece - no se serve

    delas exactamente no mesmo sentido em que teria de as

    17

  • 7/18/2019 KANT, Immanuel. a Religio Nos Limites Da Simples Razo (1)

    10/107

    tomar segundo os intrpretes do Direito Romano, contanto

    que no pretenda que os genunos juristas ou at os tribunais

    as devam assim tambm utilizar. Pois se tal no fosse da sua

    competncia, poder-se-ia tambm, inversamente, culpar os

    telogos bblicos ou os juristas estatutrios de cometer

    inumerveis intromisses nos domnios da filosofia, pois

    uns e outros, visto que no podem prescindir da razo e -

    onde se trata da cincia - da filosofia, a ela devem ir

    muitssimas vezes pedir algo de emprstimo, se bem que

    apenas em proveito seu. Mas se, no caso do telogo bblico,

    se atendesse a no ter nada a ver - quanto possvel - com a

    razo nas coisas da religio, facilmente se pode prever de q ue

    lado estaria a perda; com efeito, uma religio que, sem

    hesitaes, declara a guerra razo no se aguentar,

    durante muito tempo, contra ela. - Inclusive arrisco-me a

    propor se no seria bom, aps o cumprimento da instruo

    acadmica na teologia bblica, acrescentar sempre para

    concluso, como necessrio para o completo equipamento

    do candidato, um curso especial sobre a pura doutrina

    filosfica da religio (que utiliza tudo, inclusive a Bblia),

    segundo um fio condutor como, por exemplo, este livro (ou

    tambm outro, se se conseguir dispor de outro melhor da

    mesma ndole). - Pois as cincias avanam s mediante a

    separao, na medida em que cada qual constitui primeiro

    por si um todo, e s ento se empreende com elas a tentativa

    de as considerar em un io. O telogo b blico pode assim estar

    de acordo com o filsofo ou crer que o deve refutar; se,

    contudo, o escutar. Com efeito, s deste modo pode ele estar

    de antemo armado contra todas as dificuldades que o

    filsofo lhe vier a apresentar. Mas ocult-las, inclusive

    boicot-las como mpias, um recurso miservel que no

    convence; misturar os dois campos e, por parte do telogo

    bblico, lanar-lhes s ocasionalmente um o lhar furtivo uma

    falta de solidez, com a q ual ningum, em ltima anlise, sabe

    bem em que situao se encontra no tocante doutrina

    religiosa na sua totalidade.

    Dos quatro tratados seguintes - nos quais, para tornar

    manifesta a relao da religio com a natureza humana,

    sujeita em parte a disposies boas e em parte a disposies

    ms, represento a relao do princpio bom e do mau como

    uma relao de duas causas operantes porsisubsistenteseque

    influem no homem - o primeiro foi j inserido naRevista

    18

    Mensal de B erlim(Abril 1792); mas no podia ficar de lado

    por causa da exacta conexo das matrias deste escrito que

    contm nos trs tratados, agora acrescentados, o pleno

    desenvolvimento do primeiro.

    19

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    11/107

    PRLOGO SEGUNDA EDIO

    Afora as gralhas e umas quantas expresses que foram

    emendadas, nada se alterou nesta edio. Os aditamentos que

    tiveram lugar foram assinalados com uma cruz, debaixo do

    texto.

    A propsito do ttulo desta obra (pois se expressaram

    dvidas quanto ao desgnio nela oculto) fao a seguinte

    observao: visto que a revelao pode pelo menos com

    preender tambm em si areligio racionalpura, ao passo que

    esta, ao invs, no pode conter o histrico da primeira, ser-

    -me- possvel considerar aquela como uma esferamais ampla

    da f, que encerra em si a ltima como uma esfera mais

    estreita

    (no como dois crculos exteriores um ao outro, mas

    como concntricos); o filsofo deve manter-se dentro do

    ltimo destes crculos como puro mestre da razo (a partir de

    meros princpios a priori),portanto, deve abstrair de toda a

    experincia. Posso, deste ponto de vista, fazer tambm a

    segunda prova, a saber, partir de qualquer revelao tida por

    tal e, abstraindo da religio racional pura (enquanto constitui

    um sistema por si subsistente), considerar a revelao, como

    sistema

    histrico,

    em conceitos morais s de modo fragmen

    trio e ver se este no remeter para o mesmosistema racional

    puro da religio, que seria por si subsistente - no decerto

    num desgnio teortico (no qual se deve incluir igualmente o

    propsito tcnico-prtico do mtodo de ensino como

    tecnologia), mas com um fito moral-prtico e suficiente para

    21

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    12/107

    a genuna religio, a qu al, enquanto conceito racionala priori

    (que permanece aps a eliminao de todo o elemento

    emprico), s tem lugar nesta conexo. Se assim , pode

    dizer-se 'que, entre a razo e a Escritura, existe no s

    compatibilidade, mas tambm harmonia, de m odo que quem

    segue uma (sob a direco dos conceitos morais) no deixar

    de coincidir com a outra. Se assim no acontecesse, ter-se-iam

    uma o u duas religies numa s pessoa - o q ue absurdo -, ou

    um a religio e um

    culto,

    caso em que por o ltimo (como a

    religio) no ser fim em si, mas ter valor como meio, ambos

    deveriam ser conjuntamente agitados com muita frequncia,

    para se associarem por pouco tempo e, logo a seguir, como

    azeite e gua, de novo se separarem, e deixar flutuar o

    elemento moral puro (a religio racional).

    Adverti, no primeiro prlogo, que esta unio ou a tentativa

    de a ela chegar um negcio que compete com pleno direito

    ao investigador filosfico d a religio, e no uma intromisso

    nos direitos exclusivos do telogo bblico. Desde ento,

    encontrei esta afirmao enunciada na Moral do falecido

    Michaelis(I Parte, p. 5-11), homem muito versado em ambas

    as especialidades),eelaborada atravs de toda a sua obra, sem

    que a Faculdade superior a tivesse encontrado algo de

    prejudicial para os seus direitos.

    Quanto aos juzos de homens dignos, nomeados ou

    annimos, sobre esta obra, por chegarem (como toda a

    literatura que vem d e fora) muito ta rde s nossas regies, no

    os pude tomar em considerao nesta segunda edio, como

    eu bem desejara, sobretudo em relao s Annotationes

    quaedamtheologicae etc.

    do clebre Sr.

    Storr

    de Tubinga,

    que examinou esta obra com a sua habitual perspiccia e, ao

    mesmo tempo, com diligncia e equidade merecedoras do

    maior agradecimento; tenho certamente o propsito de

    responder a este escrito, embora no me atreva a tal

    prometer por causa dos inconvenientes que a idade em

    particular ope ao manejo de ideias abstractas. - H uma

    apreciao crtica, a saber, a publicada nas Notcias crticas

    novas de Greiswald, N

    9

    29, que posso despachar to

    brevemente, como fez o crtico com a minha obra. Pois esta,

    segundo oseujuzo, nada mais do que a resposta questo

    por mim proposta: como possvel, de acordo com a razo

    pura (teortica e prtica), o sistema eclesial da Dogm tica nos

    seus conceitos e enunciados doutrinais? - Este ensaio n o

    22

    concerne, pois, de modo algum aos que conhecem e

    compreendem o seu sistema (o de Kant) to pouco como

    desejam conhec-lo e, po r isso, h que consider-lo para eles

    como inexistente. A tal respondo: Para compreender este

    escrito segundo o seu contedo essencial, apenas necessria

    a moral comum, sem se aventurar pela crtica da razo

    prtica, e menos ainda da teortica; e quand o, por exemplo, a

    virtude, como prontido em acesconformes ao dever

    (segundo a sua legalidade), chamada virtusphaenomenon,

    enquanto a virtude, comodisposio anmicaconstante d e tais

    aces

    por

    dever (por causa da sua moralidade) se denomina

    virtus noumenon, estas expresses usam-se s por razes de

    escola, mas a prpria coisa est contida, se bem que com

    outras palavras, na mais popular instruo de crianas, ou na

    prdica, e facilmente compreensvel. Oxal o mesmo se

    pudesse ponderar a propsito dos mistrios da natureza

    divina, inseridos na doutrina religiosa, os quais, como se

    fossem totalmente populares, foram introduzidos nos cate

    cismos, mas, mais tard e, devem transmu tar-se, antes de mais,

    em conceitos morais, seque ho-de to rnar-se compreensveis

    para todos

    Knigsberg, 26 de Janeiro de 1794.

    23

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    PRIMEIRA PARTE

    DA MORADA DO PRINCPIO MAU

    AO LADO DO BOM OU SOBRE O MAL

    RADICAL NA NATUREZA HUM ANA

    Que o mun do est no mal uma queixa to antiga como a

    histrica, e at como a arte potica, ainda mais antiga, sim,

    igualmente vetusta como a mais antiga de todas as poesias, a

    religio sacerdotal. No entanto, todos fazem comear o

    mundo pelo bem: pela Idade de Ouro, pela vida no paraso,

    ou por uma vida ainda mais afortunada, em comunidade com

    seres celestes. Mas depressa deixam esta ventura esvanecer-se

    como um sonho; e apressam ento, com declive acelerado, a

    queda no mal (no moral, com o qual sempre andou a par o

    mal fsico) para a desgraa

    3

    , de maneira que agora (mas este

    agora to antigo com o a histria) vivemos no tem po

    derradeiro, o ltimo dia e o declnio do mundo esto porta,

    e em algumas regies do Hindusto o juiz e o devastador

    Ruttren(tambm chamadoSibaouSiwen)venerado j como

    o deus que agora tem o poder, depois de o preservador do

    Aetas pa rentum, peior av is, tulit / Nos nequiores, mox daturos /

    Progeniem vitiosiorem.

    Horcio (A poca dos nossos pais, pior do que a

    dos avs, produziu-nos a ns, mais perversos, que em breve suscitaremos

    uma descendncia ainda mais depravada.OdesIII, 6).

    25

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    mundo,Vixnu,cansado do seu cargo, que recebera do criador

    do mundo,Brahma,dele j ter abdicado h sculos.

    Mais nova, mas muito menos difundida, a opinio

    herica contrria que encontrou assento s entre filsofos e,

    na nossa poca, sobretudo entre pedagogos: que o mundo

    progride precisamente na direco contrria, a saber, do mau

    para o melhor, de forma inin terrupta (se bem que dificilmente

    perceptvel), que pelo menos se encontra no homem a

    disposio para tal. Decerto no foram buscar esta opinio

    experincia, se se fala do bem ou do mal moral (no da

    civilizao), pois a histria de to dos os tempos fala con tra ela

    com fora excessiva; provavelmente apenas um pressuposto

    benvolo dos moralistas, de Sneca a Rousseau, para incitar

    ao cultivo infatigvel do grmen do bem, porventura nsito em

    ns,

    contanto que para tal se pudesse contar no homem com

    um fundamento natural. Acrescente-se ainda que, dado ser

    imperioso aceitar o homem por natureza (i.e., tal como ele

    habitualmente nasce) como so quanto ao corpo, no h

    causa alguma para no o aceitar igualmente como so e bom

    por natureza, segundo a alma. Pelo que a prpria natureza

    nos seria propcia para em ns desenvolver esta disposi

    o moral para o bem. Sanabilbus aegrotamus malisnosque

    in rectum genitos natura, si sanari velimus, adiuvat, diz

    Sneca.

    Mas visto que p oderia ter acontecido que algum se tivesse

    enganado nas duas p retensas experincias, surge a questo d e

    se no ser ao menos possvel um termo mdio, a saber:

    poderia o hom em, na sua espcie, no ser nem bom nem mau

    ou, quando muito, tanto uma coisa como a outra, em parte

    bom e em parte mau? - Chama-se, porm, mau a um homem

    no porque pratique aces que so ms (contrrias lei),

    mas porque estas so tais que deixam incluir nele mximas

    ms.Ora podend o decerto observar-se pela experincia aces

    contrrias lei, e tambm (pelo menos em si mesmo) com

    conscincia contrrias lei; mas no se podem observar as

    mximas, nem sequer todas as vezes em si prprio, por

    conseguinte, o juzo de que o autor seja um homem mau no

    pode com segurana basear-se na experincia. Assim pois,

    para chamar mau a um homem, haveria que poder inferir-se

    de algumas aces conscientemente ms, e inclusive de uma

    s , a priori uma mxima m subjacente, e desta um

    fundamento, universalmente presente no sujeito, de todas as

    26

    mximas particulares moralmente m s, fundamento esse que,

    por seu turno, tambm uma mxima.

    Mas para que no se tropece logo no termo natureza, o

    qual, se (como habitualmente) houvesse de significar o

    contrrio do fundamento das aces por

    liberdade,

    estaria

    em contradio directa com os predicados de moralmente

    bom emoralmentem au, importa observar que, por natureza

    do homem, se entender aqui apenas o fundamento

    subjectivo do uso da sua liberdade em geral (sob leis

    morais objectivas), que precede todo o facto que se

    apresenta aos sentidos, onde quer que tal fundamento

    resida. Mas este fundamento subjectivo deve, por sua vez,

    sempre ser um

    actus

    da Uberdade (pois de outro modo o uso

    ou abuso do arbtrio do homem, no tocante lei moral, no

    se lhe poderia imputar, e o bem ou o mal chamar-se nele

    moral). Portanto , o fundamento do mal no pode residir em

    nenhum objecto que determineo arbtrio mediante uma

    inclinao, em nenhum impulso natural, mas unicamente

    numa regra que o prprio arbtrio para si institui para o uso

    da sua liberdade, i.e., numa mxima. Ora acerca desta no

    h que inquirir mais qual no homem o fundamento

    subjectivo da sua adopo, e no antes da mxima oposta.

    Se,

    com efeito, este fundamento no fosse tambm, por

    ltimo,,-uma mxima, mas um mero impulso natural, o uso

    da liberdade poderia reduzir-se inteiramente determinao

    por meio de causas naturais - o que contradiz a liberdade.

    Quando, pois, dizemos o homem bom por natureza ou

    o homem mau por natureza, tal significa tanto como:

    contm um primeiro fundamento

    4

    (para ns impenetrvel)

    da adopo de mximas boas ou da aceitao de mximas

    ms (contrrias lei); e [contm-no] de modo universal

    enquanto homem, portanto, de forma que por essa mesma

    4

    Que o primeiro fundamento subjectivo da aceitao de mximas

    morais insondvel transparece entretanto j do seguinte: visto que esta

    aceitao livre, o seu fundamento (porque adoptei, por exemplo, uma

    mxima m, e no antes uma boa?) no se deve buscar em nenhum motivo

    impulsor da natureza, mas sempre de novo numa mxima; e uma vez que

    tambm esta deve ter o seu fundamento, mas, fora da mxima, no deve

    nem pode indicar-se qualquer

    fundamento de determinao

    do livre arbtrio,

    h uma reconduo sempre mais para alm na srie dos fundamentos de

    determinao subjectivos, semseconseguir chegar ao primeiro fundamento.

    27

  • 7/18/2019 KANT, Immanuel. a Religio Nos Limites Da Simples Razo (1)

    15/107

    adopo expressa simultaneamente o carcter da sua

    espcie.

    Diremos, pois, a propsito de um destes caracteres (da

    distino do homem quanto a outros possveis seres

    racionais): -lhe inato;e, no entan to, aquiescemos sempre

    em que no a natureza que carrega com a culpa (se o homem

    mau) ou com o m rito (se bom), mas o prprio homem

    dele autor.' Mas porque o primeiro fundamento da adopo

    das nossas mximas, que, por seu turno, deve residir sempre

    no livre arbtrio, n o pode ser facto algum susceptvel de ser

    dado na experincia, o bem ou o mal no homem (como

    primeiro fundamento subjectivo da adop o desta ou daquela

    mxima no tocante lei moral) diz-se inato simplesmente no

    sentido de que posto na base antes de todo o uso da

    Uberdade dado na experincia (na mais tenra juventude

    retrocedendo at ao nascimento) e, por isso, representado

    como presente no homem uma com o nascimento; no que o

    nascimento seja precisamente a causa dele.

    OBSERVAO

    Subjacente ao conflito das d uas hipteses acima p roposta s

    est uma proposio disjuntiva: ohomem(por natureza)ou

    moralmentebom oumoralmente mau. Mas a quem quer que

    seja facilmente ocorre perguntar se haver justeza nesta

    disjuno, e se algum no poder afirmar que o homem

    nenhuma das duas coisas por natureza, e um outro asserir

    que ele ambas ao mesmo tempo, a saber, bom em certas

    partes, mau nou tras. A experincia parece inclusive confirmar

    este termo mdio entre os dois extremos.

    Mas,

    em geral, interessa muito doutrina dos costumes

    no admitir, enquanto for possvel, nenhum termo mdio

    moral, nem nas aces (adiaphora) nem nos caracteres

    humanos; porque em semelhante ambiguidade todas as

    mximas correm o perigo de perder a sua preciso e

    firmeza. Comummente, os que so afectos a este modo

    estrito de pensar apedam-se (com um nome que deve

    englobar em si uma censura, mas que de facto um

    encmio) de rigoristas; e os seus antpodas podem, pois,

    denominar-se latitudinrios.Pelo que estes so ou latitudin-

    rios da neutralidade, e podem alcunhar-se de indiferentistas,

    28

    ou da coligao,

    e

    podem chamar-se

    sincretistas

    5

    .

    A resposta

    questo imaginria segundo o modo de deciso rigorstico

    6

    funda-se nesta advertncia, relevante para a moral: a

    liberdade do arbtrio tem a qualidade inteiramente peculiar

    de ele no poder ser determinado a uma aco por mbil

    algum a no serapenas enquanto o homem o admitiu na sua

    5

    Se o bem = a, o seu oposto contraditrio o no bem. Ora este

    consequncia de uma simples carncia de fundamento do bem = 0, ou

    ento a consequncia de um fundamento positivo da sua contrap artida = -

    -a. No ltimo caso, o no bem pode chamar-se igualmente o mal positivo.

    (Em relao ao prazere dor existe um[termo]mdio semelhante, de modo

    que o prazer = a, a dor = -a, e o estado em que nenhum dos dois

    encontrad o, a indiferena = 0. Ora se a lei moral no fosse em ns um

    motivo impulsor do arbtrio seria o bem moral (a consonncia do arbtrio

    com alei)= a, no bem = 0, sendo este a simples consequncia da carncia

    de um motivo impulsor moral = a x 0. Masalef moral em ns motivo

    impulsor = a; por conseguinte, a falta de consonncia do arbtrio com ela

    ( =0)s possvel como consequncia de uma de terminao

    realiter

    oposta

    do arbtrio, i.e., de uma resistncia deste = -a, isto , s mediante um

    arbtrio mau; e, portanto, entre uma m e uma boa disposio de nimo

    (princpio interno das mximas), segundo a qu al se deve igualmente julgar a

    moralidade da aco, nada h, pois, de intermdio.

    Uma aco moralmente indiferente

    (adiaphoron morale)

    seria uma

    aco resultante apenas de leis da natureza, aco que, portanto, no se

    encontra em nenhuma relao com a lei moral enquanto lei da liberdade,

    porquanto, no facto algum e por no ter lugar nem ser necessrio

    relativamente a ela nem

    mandamento,

    nem

    proibio

    nem sequer

    licena

    (autorizao legal).

    6

    OSr .

    Prof.

    Schiller,na sua dissertao, composta com mo de mestre,

    sobre

    graa

    e

    dignidade

    na moral (Thalia1793,n

    B

    3)desaprova este modo de

    representao da obrigao, como se comportasse uma disposio de nimo

    prpria de um Cartuxo; mas, por estarmos de acordo nos princpios mais

    importantes, no posso estabelecer neste um desacordo; contanto que nos

    possamos entender um ao outro. - Confesso de bom grado que no posso

    associargraaalguma ao conceito dedever, justamente por mor da sua

    dignidade. Com efeito, ele contm uma compulso incondicionada, com a

    qual a graa se encontra em contradio directa. A majestade da lei (igual

    leido Sinai) inspira venerao (no timidez que repele, tambm no encanto

    que convida confiana), que desperta respeito do subordinado ao seu

    soberano, mas que neste caso, em virtude de o senhor residir em ns

    prprios, desperta um sentimento do sublimeda nossa prpria determinao,

    que nos arrebata mais do que toda a beleza. - Mas a

    virtude,

    i.e., a inteno

    solidamente fundada de cumprir exactamente o seu dever, nas suas

    consequncias tambm mais

    benfica

    do que tudo o que no mundo a

    natureza ou a arte consegue realizar; e a imagem esplndida da human idade,

    apresentada nesta sua figura, permite muito bem a companhia das

    Graas,

    as quais, porm, quando ainda se fala apenas de dever, se mantm a uma

    29

  • 7/18/2019 KANT, Immanuel. a Religio Nos Limites Da Simples Razo (1)

    16/107

    mxima(o transformou para si em regra universal de acordo

    com a q ual se quer com portar); s assim que um mbil, seja

    ele qual for, pode subsistir juntamente com a absoluta

    espontaneidade do arbtrio (a liberdade). Mas a lei moral

    por si mesma, no juzo da razo , mbil, e quem dele faz a sua

    mxima moralmente bom. Ora se a lei no determina o

    arbtrio de algum em vista de um a aco que a ela se refere,

    ento deve ter influncia sobre esse arbtrio um m bil op osto

    lei; e dado que isto, por fora do pressuposto, s pode

    acontecer em virtude de o homem admitir tal mbil (por

    conseguinte, tambm a deflexo da lei moral) na sua mxima

    (e neste caso um homem mau), ento a sua disposio de

    nimo q uanto lei moral n unca indiferente (jamais deixa de

    ser uma das d uas, boa ou m).

    Mas tambm no pode ser em algumas partes moralmente

    bom e, ao mesmo tempo, mau noutras. Com efeito, se numa

    coisa bom, ento admitiu a lei moral na sua mxima; por

    consequncia, se noutra houvesse ao mesmo tempo de ser

    mau, ento, porque a lei moral do seguimento do dever em

    geral uma s , nica e universal, a mxima a ela referida seria

    universal, mas simultaneamente seria apenas uma mxima

    particular - o que se contradiz

    7

    .

    distncia reverente.

    Se,

    porm,seolhar pa ra as consequncias amveis que a

    virtude, se encontrasse acesso em toda a parte, estenderia no mundo, ento

    a razo moralmente orientada pe em jogo a sensibilidade (por meio da

    imaginao). S depois de vencidos os monstros que Hercules se torna

    musageto;

    antes de tal trab alho, aq uelas boas irms recuam . As

    acompanhantes da Vnus Urnia so cortess no squito da Vnus

    Done, logo que se intrometem no negcio da determinao do dever e

    para tal querem subministrar os motivos. - Se agora se perguntar qual a

    qualidade

    esttica,

    por assim, dizer, o

    temperamentoda virtude,

    denodado,

    por conseguinte,alegre,ou dobrado pelo medo e deprimido, dificilmente

    necessria uma resposta. A ltima disposio de nimo, prpria de um

    escravo, nunca pode ter lugarsemumdiooculto lei,eo corao alegre no

    seguimento do seu dever (no a comodidade no seu

    reconhecimento)

    um

    sinal da autenticidade da inteno virtuosa, inclusive na piedade, que no

    consiste na autoto rtura do pecador arrependido (a qual muito equvoca e,

    comummente, apenas a censura interna de ter infringido a regra da

    prudncia), mas no firme propsito de agir melhor no futuro, propsito que

    alentado pela boa progresso deve produzir uma alegre disposio de

    nimo, sem a qual nunca se est certo de

    amar

    o bem, i.e., de o ter acolhido

    na sua mxima.

    7

    Os antigos filsofos morais que quase esgotaram tudo o que de

    virtude se pode dizer no deixaram sem tocar as duas questes acima

    30

    Ter por natureza uma ou ou tra disposio de nimo como

    qualidade inata tambm aqui no significa que ela no tenha

    sido adquirida pelo homem que a cultiva, i.e., que ele no seja

    autor; mas que unicamente no foi adquirida n o tempo (que o

    homem,desdea sua juventude, um ou outropara sempre).A

    disposio de nimo, i.e., o primeiro fundamento subjectivo

    da adopo das mximas, s pode ser nica, e refere-se

    universalmente ao uso integral da liberdade. Mas ela prpria

    deve ter sido adoptada tambm pelo livre arbtrio, pois de

    outro modo no poderia ser imputada. Ora o fundamento

    subjectivo, ou a causa, desta adopo no pode, por sua vez,

    ser conhecido (embora seja inevitvel perguntar por ele;

    porque se deveria, de novo, aduzir uma mxima em que setivesse inserido esta disposio de nimo, a qual deve, por seu

    turno, ter o seu fundamento). Por conseguinte, dado que no

    conseguimos derivar esta disposio de nim o, ou antes o seu

    fundamento supremo, de qualquer primeiro actustemporal

    do arbtrio, apelidamo-la de propriedade do arbtrio, que lhe

    advm por natureza (embora esteja de facto fundada na

    liberdade). Que, porm, estejamos autorizado s a entender p or

    homem, a cujo propsito asserimos que bom ou mau por

    natureza, no o indivduo particular (pois ento um poderia

    considerar-se bom por natureza, e outro mau), mas toda a

    espcie, s mais frente se pode demonstrar, quando, na

    indagao antropolgica, se mostra que as razes que nos

    permitem atribuir a um homem um dos dois caracteres como

    inato so tais que no h fundamento algum para dele

    exceptuar um s homem , e ele se aplica espcie.

    mencionadas. A primeira expressaram-na assim: deve a virtude ensinar-se

    (portanto, ser o homem por natureza indiferente virtude e ao vcio)? A

    segunda era: haver mais de uma virtude (por conseguinte, acontecer

    porventura que o homem seja virtuoso numas partes e vicioso noutras)?

    Ambas foram por eles negadas com preciso rigorstica, e com razo; pois

    consideravam a virtude

    em si

    na ideia da razo (como o deve ser o homem).

    Mas quando se quer julgar moralmente este ser moral, o homem, no

    fenmeno, i.e., como no-lo deixa conhecer a experincia, ento pode

    responder-se afirmativamente s duas perguntas aduzidas. Com efeito, o

    homem no ento julgado pela balana da razo (diante de um tribunal

    divino), mas segundo um critrio emprico (por um juiz humano). De tal se

    tratar ainda na sequncia.

    31

  • 7/18/2019 KANT, Immanuel. a Religio Nos Limites Da Simples Razo (1)

    17/107

    I. Da Disposio Originria para o Bem

    - na Natureza Humana

    Quanto ao seu fim, podemos com justia reduzi-la a trs

    classes como elementos da determinao do homem:

    1) A disposio para a animalidadedo homemcomo servivo;

    2)A sua disposio para ahumanidadeenqu anto ser vivo e

    racional,

    3)A disposio para asoa. personalida de,como ser racional

    e, simultaneamente, susceptvelde imputao*.

    1. A disposio par a a animalidadeno homem p ode pr-se

    sob o ttulo geral de amor a si mesmo fsico e simplesmente

    mecnico,

    i.e., de um amor a si mesmo para o qual no serequer a razo. trplice:

    primeiro,

    em vista da conservao

    de si prprio;e msegundo lugar, em ordem propagao da

    sua espcie por meio do impulso ao sexo e conservao do

    que gerado pela mescla com o m esmo;emterceirolugar,em

    vista da comunidade com outros homens, i.e., o impulso

    sociedade. - Em tal disposio podem enxertar-se vcios de

    todo o tipo (os quais, porm, no brotam por si mesmos

    daquela disposio como raiz). Podem chamar-se vcios da

    brutalidadeda natureza e denominam-se, no seu mais intenso

    desvio do fim natural, vcios

    bestiais:

    os vcios da gula,d a

    luxriae da selvagem ausncia de lei (na relao a outros

    homens).

    No pode considerar-se esta disposio como j contida no conceito

    da anterior, mas importa olh-la necessariamente como uma disposio

    particular. Com efeito, por um ser ter razo no se segue que esta contenha

    uma faculdade de determinar incondicionadamente o arbtrio, mediante a

    simples representao da qualificao das suas mximas para a legislao

    universale,por isso, de ser por si prpria prtica: pelo menos, tanto qu anto

    conseguimos discernir. O mais racional de todos os seres do mundo poderia

    necessitar sempre de certos motivos impulsores que provm dos objectos da

    inclinao para determinar o seu arbtrio, e empregar para tal a reflexo

    mais racional, tanto no tocante maior soma de motivos impulsores como

    tambm ao meio de assim alcanar o fimdeterminad o, sem sequer pressentir

    a possibilidade de algo como a lei moral que absolutamente ordena, a qual

    se anuncia como ela prpria motivo impulsor e, decerto, o supremo.

    Se

    esta

    lei no estivesse dada em ns, no a extrairamos, subtilizando, mediante

    razo alguma, nem

    pelo

    palavreado a imporamos ao arbtrio; e, no entanto,

    s esta lei nos torna conscientes da independncia do nosso arbtrio quanto

    determinao po r todos os ou tros motivos impulsores (da nossa Uberdade)

    e, deste modo, ao mesmo tempo da imputabilidade de todas as aces.

    32

    2.

    As disposies para a humanidade podem referir-se ao

    ttulo geral do am or desi,sem dvida,fsico,masque compara

    (para o que se exige a razo), a saber: julgar-se ditoso ou

    desditado s em comparao com outros. Do amor de si

    promana a inclinaoparaobter parasi umvalorna opinio

    dosoutros;e originalmente, claro est, apenas o d a igualdade:

    no conceder a ningum superioridade sobre si, juntamente

    com um constante receio de que os outros possam a tal

    aspirar; da surge gradualmente um desejo injusto de adquirir

    para si essa superioridade sobre outros. - Aqui, a saber, na

    invejae n arivalidadepodem implantar-se os maiores vcios de

    hostilidades secretas ou abertas contra todos os que para ns

    consideramos estranhos, vcios, que, no entanto, no

    despontam por si mesmos da natureza como de sua raiz,

    mas, na competio apreensiva de outros em vista de uma

    superioridade que nos o diosa, so inclinaes para algum,

    por mor da segurana, a si mesmo a proporcionar sobre

    outros, como meio de precauo: j que a natureza s queria

    utilizar a ideia de semelhante emulao (que em sino exclui o

    amor recproco) como mbil para a cultura. Os vcios que se

    enxertam nesta propenso podem, pois, denominar-se

    tambm vcios da cultura;e no mais alto grau da sua

    malignidade (pois ento so simplesmente a ideia de um

    mximo de mal, que ultrapassa a humanidade), por exemplo,

    na

    inveja;

    .na ingratido, naalegria

    malvada,

    etc., chamam-se

    vcios diablicos.

    3.

    A disposio para

    a.

    personalidade

    a susceptibilidade da

    reverncia pela lei moral como de ummbil, por si mesmo

    suficiente, do arbtrio.

    A susceptibilidade da mera reverncia

    pela lei moral em ns seria o sentimento moral, que, no

    entanto, no constitui por si ainda um fim da disposio

    natural, mas s enquanto mbil do arbtrio. Ora visto que

    tal possvel unicamente porque o livre arbtrio o admite na

    sua mxima, propriedade de semelhante arbtrio o carcter

    bom; o q ual, como em geral todo o carcter d o livre arbtrio,

    algo que unicamente se pode adquirir, mas para cuja

    possibilidade deve, no entanto, estar presente na nossa

    natureza uma disposio em que absolutamente nada de

    mau se pode enxertar. A mera ideia da lei moral, com o

    respeito dela inseparvel, no pode em justia denominar-se

    um a disposio para a

    personalidade;

    a prpria personali

    dade (a ideia da humanidade considerada de modo

    33

  • 7/18/2019 KANT, Immanuel. a Religio Nos Limites Da Simples Razo (1)

    18/107

    plenamente intelectual). Mas o fundamento subjectivo para

    admitirmos nas nossas mximas esta reverncia como mbil

    parece ser um aditam ento personalidadeemerecer, por isso,

    o nome de uma disposio em vista dela.

    Se consideramos as trs disposies mencionadas segundo

    as condies da sua possibilidade, descobrimos que a primeira

    no tem por raiz razo alguma, asegundatem decerto po r raiz

    a razo prtica, mas ao servio apen as de outros m biles; s a

    terceiratem como raiz a razo porsimesma prtica, a saber, a

    razo incondicionalmente legisladora: toda s estas disposies

    no homem so no s (negativamente) boas (no so

    contrrias lei moral), mas so igualmente disposies para

    o bem (fomentam o seu seguimento). So originrias, porque

    pertencem possibilidade da natureza humana. O homem

    pode , sem dv ida, servir-se da duas primeiras c ontrariamente

    ao seu fim, mas a nenhuma delas pode extirpar. Por

    disposies de um ser entendemos tanto as partes constituin

    tes para ele requeridas como tambm as formas da sua

    conexo para ser semelhante ser. So

    originrias,

    sepertencem

    necessariamente possibilidade de um tal ser;

    contingentes,

    porm, se o ser for possvel tambm sem elas. Importa ainda

    observar que aqui n o se fala de nenhu mas o utras disposies

    excepto das que imediatamente se referem faculdade de

    desejar e ao uso do arbtrio.

    n . Da Propenso para o Mal na Natureza Humana

    Po r

    propenso(propensio)

    entendo o fundamento sub

    jectivo da possibilidade de uma inclinao (desejo habitual,

    concupiscentia), na medida em que ela contingente para a

    humanidade em geral

    9

    . Distingue-se de uma disposio por

    Propenso, em rigor, apenas apredisposio para a nsia de uma

    fruio; quando o sujeito faz a experincia desta ltima, a propenso suscita

    ainclinaopara

    ela.

    Assim todos os homens grosseiros tm uma propen so

    para coisas inebriantes; pois, embora muitos deles no conheam a

    embriaguez e, portanto, no tenham apetite algum das coisas que a

    produzem, contudo, basta deixar-lhes provar s uma vez tais coisas para

    neles produzir um apetite dificilmente extirpvel. - Entre a propenso e a

    inclinao, que pressupe conhecimento do objecto do apetite, encontra-se

    ainda oinstinto,que um a necessidade sentida de fazer ou saborea r algo de

    que no se tem ainda conceito algum (como o impulso industrioso nos

    34

    poder, sem dvida, ser inata; no obstante, permitido no

    represent-la como tal, podendo igualmente pensar-se

    (quando boa) como adquirida ou (quando m) como

    contrada pelo prprio homem. - Mas aqui trata-se somente

    da inclinao par a o mal propriamente dito, isto , para o mal

    moral; o qual, j quepossvel s como determinao d o livre

    arbtrio, mas este pode ser julgado como bom ou mau

    unicamente pela suas mximas, deve consistir no fundamento

    subjectivo da possibilidade da deflexo das mximas a

    respeito da lei moral, e, se tal propenso se pode aceitar

    como universalmente inerente ao homem (logo, como

    pertencente ao carcter da sua espcie), chamar-se- uma

    inclinao

    natural

    do homem p ara o m al. - Pode acrescentar--se ainda que a capacidade ou a incapacidade do arbtrio pa ra

    acolher ou no a lei moral na sua mxima - capacidade ou

    incapacidade que brota da propenso natural - se denomina

    bom ou mau corao.

    Podem distinguir-se trs diferentes g raus de tal propen so.

    Primeiro, a debilidade do corao humano na observncia

    das mximas adop tadas em geral, ou

    &

    fragilidadeda natureza

    humana;em segundolugar,a inclinao para misturar m biles

    imorais com os morais (ainda que tal acontecesse com boa

    inteno e sob as mximas do bem), i.e., a

    impureza;

    em

    terceirolugar,a inclinao para o perfilhamento de mximas

    ms,

    i.e., malignidade da natureza humana ou do corao

    humano.

    v

    Primeiramente,

    a fragilidade

    (fragilitas)

    da natureza

    humana encontra-se, inclusive, expressa na queixa de um

    Apstolo: Tenho, sem dvida, o querer, mas falta o cumprir,

    i.e., admito o bem (a lei) na mxima do meu arbtrio; mas o

    que objectivamente na ideia (inthesi) um mbil insupervel

    , subjectivamente (inhypothesi) quando a mxima deve ser

    seguida, o mais fraco (em com parao com a inclinao).

    Emsegundo lugar, a impureza (impuritas, improbitas) do

    corao humano consiste em que a mxima decerto boa

    segundo o objecto (o seguimento intentado da lei) e,

    animais ou o impulso para o sexo). Partindo da inclinao, h ainda, por

    fim, um grau da faculdade aperitiva, a paixo (no o afecto,pois este

    pertence ao sentimento do prazer e desprazer), a qual uma inclinao que

    exclui o domnio sobre si mesmo.

    35

  • 7/18/2019 KANT, Immanuel. a Religio Nos Limites Da Simples Razo (1)

    19/107

    porventura, tambm assaz forte para a execuo, mas no

    puramente m oral, i.e., no acolheu em si, como deveria ser, a

    mera

    lei como mbil

    suficiente;

    na maioria dos casos (talvez

    sempre), precisa ainda de ou tros mbiles alm deste a fim de

    por eles determinar o arbtrio quilo que o dever exige. Por

    outras palavras, que aces conformes ao dever no so feitas

    puramente por dever.

    Emterceirolugar,amalignidade(vitiositas,pravitas) ou, se

    se preferir, o estado de corrupo(corruptio) do corao

    humano, a inclinao do arbtrio para mximas que

    pospem o mbil dimanante da lei moral a outros (no

    morais). Pode igualmente chamar-se aperversidade (perver-

    sitas)

    do corao humano, porque inverte a ordem moral a

    respeito dos mbiles de um livre arbtrio e, embora assim

    possam ainda existir sempre aces boas segundo a lei (legais),

    o m odo de pensar , no entanto, corrompido na sua raiz (no

    tocante inteno moral), e o homem , por isso, designado

    como mau.

    Advertir-se- que a propenso para o mal se estabelece

    aqui no homem, inclusive no melhor (segundo as aces), o

    que deve tambm acontecer, se houver de se demonstrar a

    universalidade da inclinao para o mal entre os homens ou , o

    que aqu i significa a m esma coisa, se houver de se comprovar

    que tal inclinao est entrosada na natureza humana.

    Mas no tocante consonncia d as aces com a lei no h

    (pelo menos, no deve haver) diferena alguma entre um

    homem de bons costumes (bene moratus) e um homem

    moralmente bom (moraliter bonus); s que num as aces

    nem sempre, porventura nunca, tm a lei como nico e

    supremo mbil, mas no outro a tm sempre.Do primeiro

    pode dizer-se que segue a lei segundo a letra(i.e., quanto

    aco que a lei ordena); do segundo, porm, que observa a lei

    segundo oesprito(o esprito da lei moral consiste em que ela

    s seja suficiente como mbil).Oque no acontecee mvirtude

    desta f pecado(segundo o mo do de pe nsar). Com efeito, se

    para determinar o arbtrio a aces conformes lei, so

    necessrios outros mbiles diferentes da prpria lei (e.g. nsia

    de honras, amor de si em geral, ou inclusive um instinto

    benvolo, como a compaixo), ento simplesmente casual

    que eles concordem com a lei; pois poderiam igualmente

    impelir sua transgresso. A mxima, segundo cuja bo ndade

    se deve apreciar todo o valor moral da pessoa, , no entanto,

    36

    contrria lei, e o homem, embora faa s aces boas, ,

    contudo, mau.

    ainda necessria a elucidao seguinte para especificar o

    conceito desta inclinao. Toda a propenso ou fsica, i.e.,

    pertence ao arbtrio do homem como ser natural, ou moral,

    i.e., pertence ao arbtrio do mesmo como ser moral. - Na

    primeira acepo, no h qualquer inclinao para o mal

    moral, pois este deve derivar da liberdade; e uma inclinao

    fsica (que se funda em impulsos sensveis) para qualqu er uso

    da liberdade, seja para o bem ou para o mal, uma

    contradio. Por conseguinte, uma inclinao para o mal s

    pode estar ligada faculdade moral do arbtrio. Ora nada

    moralmente (i.e. imputavelmente) mau excepto o que nosso

    prprio acto. Em contrapartida, pelo conceito de inclinao

    entende-se um fundamento subjectivo de determinao do

    arbtrio, fundamento queprecedetodo o acto,portanto, ele

    no ainda um acto; haveria, pois, uma contradio no

    conceito de uma simples propenso para o mal se tal

    expresso no pudesse, porventura, tomar-se em dois

    significados diferentes que, no entanto, se deixam unir com

    o conceito da liberdade. Mas a expresso um acto em geral

    pode aplicar-se tanto ao uso da liberdade, pelo qualacolhida

    no arbtrio a mxima suprema (conforme ou adversa lei),

    como tambm quele em que as prprias aces (segundo a

    sua matria, i.e., no tocante aos objectos do arbtrio) se levam

    a cabo de acordo com aquela mxima. A inclinao para o

    mal , pois, um acto no primeiro significado (peccatum

    originarium) e, ao mesmo tempo, o fundamento formal de

    todo o acto - tomado na segunda acepo - contrrio lei,

    acto que, quanto matria, antagnico mesma lei e se

    chama vcio (peccatum derivativum); e a primeira falta

    permanece, embora a segunda (em virtude de mbiles que

    no consistem na p rpria lei) seja de mltiplos modos ev itada.

    Aquela um acto inteligvel, cognoscvel unicamente pela

    razo sem qualquer condio de tempo; esta sensvel,

    emprica, dada no tempo (factum phaenomen on). Ora a

    primeira, sobretudo em comparao com a segunda, diz-se

    uma simples propenso, e propenso inata, porque no pode

    ser extirpada (para tal a mxima suprema deveria ser a do

    bem, a qual, porm, nessa prpria propenso, acolhida

    como m); mas sobretudo pela razo seguinte: em relao a

    porque que em ns o mal corrompeu precisamente a

    37

  • 7/18/2019 KANT, Immanuel. a Religio Nos Limites Da Simples Razo (1)

    20/107

    mxima suprema, embora tal seja um acto prprio nosso,

    tampouco podemos indicar uma causa como acerca de uma

    propriedade fundamental inerente nossa natureza. - No qu e

    agora se disse encontrar-se- a razo por que, nesta seco,

    buscmos desde o incio as trs fontes do mal moral

    unicamente naquilo que, segundo leis da liberdade, afecta o

    fundamento supremo da adopo ou seguimento das nossas

    mximas; no no que afecta a sensibilidade (como receptivi

    dade).

    III.

    OHomemmau por Natureza

    Vitus nemo sine

    nascitur.

    Horat.

    A proposio o homem

    mau,

    segundo o qu e precede,

    nada mais pode querer dizer do que: ele consciente da lei

    moral e, no entanto, acolheu na sua mxima a deflexo

    ocasional a seu respeito. O homem mau por natureza

    significa tanto como: isto aplica-se a ele considerado na sua

    espcie; no co mo se tal qualidade pudesse deduzir-se do seu

    conceito especfico (o conceito de um homem em geral) (pois

    ento seria necessria), mas o homem, tal como se conhece

    pela experincia, no se pode julgar de ou tro mo do, ou: p ode

    pressupor-se como subjectivamente necessrio em todo o

    homem, inclusive no melhor. Ora visto que esta prpria

    inclinaosedeve considerar como mo ralmente m, portan to,

    no como disposio natural, mas como algo que pode ser

    imputado ao hom em, e, consequentemente, deve consistir em

    mximas do arbtrio contrrias lei; estas, porm, por causa

    da liberdade devem p or si considerar-se como contingentes, o

    que por seu turno no se coadun a com a universalidade deste

    mal, se o supremo fundamento subjectivo de todas as

    mximas no estiver, seja como se quiser, entretecido na

    human idade e, por assim dizer, nela radicado: podemos ento

    chamar a esta propenso uma inclinao natural para o mal,

    e, visto que ela deve ser, no entanto, sempre autoculpada,

    podemos denomin-la a ela prpria um mal radicalinato (mas

    nem por isso menos contrado por ns prprios) na natureza

    humana.

    Ora a prova formal de que semelhante propenso c orrupta

    tem de estar radicada no homem podemos a ns poup-la em

    vista da multido de exemplos gritantes que, 05actosdos

    38

    homens, a experincia pe diante dos olhos. Se algum os

    pretende obter daquele estado em que alguns filsofos

    esperavam encontrar em especial a bondade natural da

    natureza humana, a saber, do chamado estado de n atureza,

    ento pode comparar com esta hiptese as manifestaes de

    crueldade no provocada nas cenas sanguinrias de Tofoa,

    Nova Zelndia, Ilhas dosNavegantese as que nunca cessam

    nos amplos desertos da Amrica norte-ocidental (menciona

    das pelo capito Hearne), onde nem sequer homem algum

    obtm a mnima vantagem

    10

    , e ter-se-o vcios de brutalidade,

    mais do que necessrio, para se afastar daquela opinio.

    Mas se algum se decidiu pela opinio de que a natureza

    humana se deixa conhecer melhor no estado civilizado (em

    que as suas disposies se podem desfraldar de modo mais

    completo), dever ento ouvir uma longa ladainha melanc

    lica de acusaes humanidade: de secreta falsidade, mesmo

    na mais ntima amizade, de modo que a moderao da

    confiana na notificao recproca, inclusive dos melhores

    amigos, se conta como mxima geral de prudncia no trato;

    de uma propenso para o diar aquele a quem se est obrigado,

    para o que deve estar sempre preparado o benfeitor; de uma

    benevolncia cordial que, no entanto, acata a observao de

    que h na infelicidade dos nossos melhores amigos algo que

    de todo nos no desagrada; e de muitos outros vcios

    escondidos sob a aparncia de virtude, sem falar daqueles que

    nem sequer se mascaram porque, para ns, se apelida j de

    bom quem

    umhomemmau daclassegeral;

    e satisfazer-se-

    com os vcios daculturae da civilizao (entre todos os mais

    mortificantes) para preferir desviar os olhos da conduta dos

    10

    Como a guerra permanente entre os ndios Arathavescau e os ndios

    Costelas de Co no tem nenhum outro fito a no ser a simples matana. A

    valentia guerreira a suprema virtude dos selvagens, na sua opinio.

    Inclusive no estado civilizado, um objectodeadmirao e um fundamento

    do respeito especial que aquela posio exige, em que elao nico mrito; e

    isto no sem fundamento algum na ra zo. De facto, que o homem possa ter

    e estabelecer como fim algo que aprecia ainda mais altamente do que a sua

    vida (a honra), em que renuncia a todo o egosmo, demonstra, apesar de

    tudo, uma certa sublimidade na sua disposio. Mas na facilidade com que

    os vencedores enaltecem as suas faanhas (da trucidao, do derrubar sem

    remisso, e quejandos) v-se que s a sua superioridade e a destruio que

    conseguiram causar, sem qualquer outro fim, aquilo de que propriamente

    se ufanam.

    39

  • 7/18/2019 KANT, Immanuel. a Religio Nos Limites Da Simples Razo (1)

    21/107

    homens, a fim de ele prprio no contrair um outro vcio, o

    da misantropia. Mas se ainda assim no est satisfeito, pode

    tomar em considerao o estado dos povos nas suas relaes

    externas, estranhamente composto de ambos, pois povos

    civilizados esto uns frente aos outros na situao do

    grosseiro estado de natureza (de um estado em constante

    disposio de gu erra) e estabeleceram tam bm firmem ente na

    sua cabea nunca dele sair; e discernir os princpios das

    grandes sociedades, chamadas Estados

    11

    ,princpios directa

    mente contraditrios com o que publicamente se alega e que,

    no entanto, nunca se devem abandonar, os quais ainda

    nenhum filsofo conseguiu p r em consonncia com a moral,

    nem tambm (o que grave) sugerir outros melhores que se

    deixassem unir com a natureza humana: de modo que o

    quiliasmo filosfico,que espera o estado de uma paz perptua

    fundada numa liga de povos como repblica mundial,

    justamente como o teolgico, que aguarda o m elhoramento

    moral completo de todo o gnero humano, universalmente

    ridicularizado como fanatismo.

    Ora, 1) o fundamento deste mal no pode pr-se, como se

    costuma habitualmente declarar,n asensibilidadedo homem e

    nas inclinaes naturais dela decorrentes. Pois, alm de no

    terem qualquer relao directa com o mal (pelo contrrio,

    proporcionam a ocasio para aquilo que a disposio moral

    Se esta sua histria se olhar simplesmente como o fenmeno da

    disposio interna - em grande parte a ns oculta - da humanidade,

    possvel cair na conta de um certo curso maquinal da natureza segundo fins

    que no so fms deles (dos povos), mas fins da natureza. Cada Estado,

    enquanto tem a seu lado outro que pode esperar dominar, tende a

    engrandecer-se mediante esta sujeio e, portanto, aspira monarquia

    universal, constituio em que toda a liberdade e, com ela (o que

    consequncia sua), toda a virtude, gosto e cincia se deveriam extinguir.

    Masestemonstro (em que asleisperdem, pouco a pouco, a sua fora), aps

    ter devorado todos os vizinhos, acaba por se dissolver a si prprio e, graas

    insurreio e discrdia, divide-se em muitos Estados mais pequenos, os

    quais, emvezde tender para um a associao de Estados (repblica de povos

    livres aliados), comeam cada um por seu lado o mesmo jogo, para no

    deixar que cesse a guerra (esse flagelo do gnero humano), guerra que,

    embora no seja to incuravelmente m como o sepulcro da monarquia

    universal (ou tambm uma liga de povos para no deixar desaparecer o

    despotismo em nenhum Estado), contudo, como dizia um antigo, faz mais

    homens maus do que os que arrebata.

    40

    pode mostrar na sua fora, para a virtude), ns no temos de

    responder pela sua existncia (nem sequer podemos, porque,

    enquanto congnitas, no nos tm como autores), mas sim

    pela inclinao para o mal, a qual, enquanto concerne

    moralidade d o sujeito, por conseguinte, neleseencontra como

    num sujeito livremente operante, tem de poder ser-lhe

    imputada como algo de que ele culpado, no obstante a

    profunda radicao de tal propenso no arbtrio, pelo que se

    deve dizer que se encontra no homem por natureza. - 2) O

    fundamento deste mal tambm no pode pr-se numa

    corrupo da razo moralmente legisladora, como se esta

    pudesse aniquilar em si a autoridade da prpria lei e negar a

    obrigao dela dimanante; pois isso pura e simplesmente

    impossvel. Pensar-se como um ser que age livremente e, no

    entanto, desligado da lei adequada a semelhante ser (a lei

    moral) equivaleria a pensar uma causa que actua sem

    qualquer lei (pois a determinao segundo leis naturais fica

    excluda por causa da Uberdade): o que se contradiz. - Por

    conseguinte, para fornecer um fundamento do mal moral no

    homem, a sensibilidade contm demasiado pouco; efectiva

    mente, faz do homem, enquanto remove os motivos que

    podem proceder da Uberdade, um ser simplesmente animal;

    em contrapartida, porm, umarazoque Uherta da lei moral,

    uma razo de certo modo maligna (uma vontade absoluta

    mente m), contm demasiado, porque assim a oposio

    prpria lei se elevaria a mbil (j que sem qualquer motivo

    impulsor se no pode determinar o arbtrio) e, por isso, se

    faria do sujeito um ser diablico. - Mas nenhuma das duas

    coisas aplicvel ao homem .

    Embora a existncia desta inclinao para o mal na

    natureza humana se possa demonstrar atravs de provas

    empricas do antagonismo, efectivamente real no tempo, do

    arbtrio humano lei, no entanto, estas provas no nos

    ensinam a genuna qualidade de tal propenso e o

    fundamento deste antagonismo; pelo contrrio, esta qualida

    de,

    visto que concerne a uma relao do Uvre arbtrio

    (portanto, de um arbtrio cujo conceito no emprico) lei

    moral como mbil (cujo conceito tambm puramente

    intelectual), deve ser conhecida apriori a partir do conceito

    do mal, enq uanto este possvel segundo leis da Uberdade (da

    obrigao e d a susceptibilidade de imputao ). O que se segue

    o desenvolvimento do conceito.

    41

  • 7/18/2019 KANT, Immanuel. a Religio Nos Limites Da Simples Razo (1)

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    O homem (inclusive o pior), seja em que m ximas for, no

    renuncia lei moral, por assim dizer, rebelando-se (como

    recusa d a o bedincia). Pelo contr rio, a lei moral impe-se-lhe

    irresistivelmente por fora da sua disposio moral; e, se

    nenhum outro mbil actuasse em sentido contrrio, ele

    admiti-la-ia na sua mxima suprema como motivo determi

    nante suficiente do arbtrio, i.e., seria moralmente bom. Mas

    ele depende tambm, em virtude da sua disposio natural

    igualmente inocente, de m biles da sensibilidade e acolhe-os

    outrossim na sua mxima (de acordo com o princpio

    subjectivo do amor de si). Se, porm, admitisse tais mbiles

    na sua mxima como suficientes por si ss para a

    determinao do arbtrio, sem se virar para a lei moral (que,

    no entanto, em sitem),ento seria moralmente mau. Ora u ma

    vez que ele acolhe de modo natural ambas as coisas na sua

    mxima, uma vez que acharia tambm cada uma por si, se

    estivesses,suficiente para a determinao d a von tade, assim,

    se a diferena das mximas dependesse simplesmente da

    diferena dos motivos (da materia das mximas), a saber, de

    se a lei, ou o impulso dos sentidos, o que proporciona tal

    mbil, ento o homem seria ao mesmo tempo moralmente

    bom e moralmente mau - o que (segundo a introduo) se

    contradiz. Port anto , a diferena d e se o homem bom ou mau

    deve residir, no n a diferena dos mbiles, que ele acolhe na

    su mxima (no na sua matria), mas na subordinao(forma

    da mxima): de qual dos do is mbiles ele transform a em

    condio

    do outro.

    Por conseguinte, o homem (inclusive o

    melhor) s mau em virtude de inverter a ordem moral

    dos motivos, ao perfilh-los nas suas mximas: acolhe

    decerto nelas a lei moral juntamente com a do amor de si;

    porm, em virtude de perceber que uma no pode subsistir

    ao lado da outra, mas uma deve estar subordinada outra

    como sua condio suprema, o homem faz dos mbiles do

    amor de si e das inclinaes deste a condio do seguimento

    da lei moral, quando, pelo contrrio, a ltima que,

    enquanto condio supremada satisfao do primeiro, se

    deveria admitir como motivo nico na mxima universal do

    arbtrio.

    Nesta inverso dos motivos, graas sua mxima, contra a

    ordem moral, as aces podem, apesar de tudo, ocorrer de

    modo to conforme lei como se tivessem promanado de

    princpios legtimos: quando a razo se serve da unidade das

    42

    mximas em geral, que peculiar lei moral, simplesmente

    para introduzir nos mbiles da inclinao, sob o nome de

    felicidade,um a unidade d as mximas que, alis, no lhes pode

    caber (por exemplo, que a veracidade, se se adoptar como

    princpio, nos dispensa da inquietude de manter a consonn

    cia das nossas mentiras e de no nos enredarmos a ns

    mesmos nas suas sinuosidades), j que ento o carcter

    emprico bom , mas o inteligvel , porm, sempre mau.

    Se na natureza humana reside para tal uma propenso,

    ento h n o homem uma inclinao natural para o mal; e esta

    prpria tendncia, ppr ter finalmente de se buscar num livre

    arbtrio, por conseguinte, poder imputar-se, moralmente

    m. Este mal

    radical,

    pois corrompe o fundamento de todas

    as mximas; ao mesmo tempo, como propenso natural, no

    exterminarpor meio de foras hum anas, porque tal s poderia

    acontecer graas a mximas boas - o que no pode ter lugar

    se o supremo fundam ento subjectivo de todas as mximas se

    supe corrompido; deve, no entanto, ser possvelprevalecer,

    uma vez que ela se encontra no homem como ser dotado de

    aco livre.

    A malignidade da natureza humana no deve, portanto,

    chamar-semaldade,se esta palavra se toma em sentido estrito,

    a saber, como uma disposio de nimo(principiosubjectivo

    das mximas) de admitir como mbil o malenquantomalna

    prpria mxima (pois ela diablica), mas antesperversidade

    do corao, o qual, por consequncia, se chama um mau

    corao. Este pode coexistir com um a vontade bo a em geral e

    provm da fragilidade da natureza h uman a - de no ser assaz

    robusta par a a observncia dos princpios que adoptou -

    associada impureza de no separar uns dos outros, segundo

    uma p auta, os motivos (mesmo em aces bem intencionadas)

    e, portanto, em ltima anlise, olhar s - quando muito -

    para a conformidade das aces com a lei, e no para a sua

    derivao a partir dela mesma, i.e., para esta como o nico

    mbil. Embo ra nem sempre daqui derive uma aco contrria

    lei e uma tendncia para tal, i.e., para o vcio, o modo de

    pensar que consiste em interpretar a sua ausncia j como

    adequao da disposio de nimo lei do dever (como

    virtude), (pois ento no se atende aos motivos nsitos na

    mxima, mas unicamente ob servncia daleisegundo a letra)

    deve ele pr prio j designar-se com o um a radical perversidade

    do corao humano.

    43

  • 7/18/2019 KANT, Immanuel. a Religio Nos Limites Da Simples Razo (1)

    23/107

    Esta culpa inata (reatus) - que assim se chama porqueSV.

    deixa perceber to cedo como no homem se manifesta o uso

    da liberdade e deve, no entanto, ter dimanado da liberdade e,

    por isso, lhe pode ser imputada - pode ajuizar-se, nos seus

    dois primeiros graus (o d a fragilidade e o da im pureza), como

    culpa impremeditada (culpa) mas no terceiro, como

    premeditada (dolus), e tem por carcter seu uma certa

    perfdia

    do corao humano

    (dolus malus),

    que consiste em

    enganar-se a si mesmo acerca das intenes prprias b oas ou

    ms e, contanto que as aces no tenh am p or consequncia o

    mal q ue, segundo as suas mximas, decerto poderiam ter, em

    no se inquietar por mor da sua disposio de nimo, mas

    antes emseconsiderar justificado perante a

    lei.

    Daqui procede

    a tranquilidade de conscincia de tantos homens (escrupulo

    sos, segundo a sua opinio) quando, no meio de aces em

    que a lei no foi consultada ou, pelo menos, no foi o que

    mais valeu, se esquivaram felizmente apenas s consequncias

    ms,e decerto a imaginao de m rito, que consiste em no se

    sentir culpado das ofensas com que outros se vem afectados,

    sem indagar se tal no ser porventura mrito da sorte ese,de

    acordo com o m odo de pensar que eles poderiam descobrir no

    seu ntimo, no caso de simplesmente quererem, no teriam

    sido por eles exercidos os mesmos vcios, se a impotncia, o

    temperamento, a educao, as circunstncias de tempo e de

    lugar, que induzem tentao (puramente coisas que no nos

    podem ser imputadas) disso os no tivessem mantido

    afastados. Esta desonestidade de lanar poeira nos prprios

    olhos, que nos impede a fundao de uma genuna inteno

    moral, estende-se ento tambm exteriormente falsidade e

    ao engano de outros, o que, se no houver de se chamar

    maldade, merece pelo menos apelidar-se de indignidade, e

    reside no mal radical da natureza hum ana; este (em virtude de

    perturbar a faculdade moral de julgar quanto quilo por que

    um homem se deve ter e torna de todo incerta, interior e

    exteriormente, a imputao) constitui a mancha ptrida da

    nossa espcie, mancha q ue, enquanto a no tiramo s, estorva o

    desenvolvimento do grmen do bem, como, sem dvida, o

    faria noutro caso.

    Um membro do Parlamento ingls, no calor da discusso,

    proferiu esta afirmao: Cad a homem tem o seu preo, pelo