Kantorski - Práticas Reformistas No RGS

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    Resgatando prticas reformistas ... KANTORSKI, L.P.; WETZEL, C.; MIRON, V.L.Artigo

    RESGATANDO PRTICAS REFORMISTAS DE ATENO EM PSIQUIATRIA E SADE

    MENTAL NO RIO GRANDE DO SUL Recovering reformists practical of attention in psychiatry and mental health in Rio Grande do Sul, Brazil

    Luciane Prado Kantorski 1

    Christine Wetzel 2

    Vra Lcia Miron 3

    RESUMOEste artigo tem como proposta resgatar as prticas de

    reformulao da assistncia psiquitrica no estado do Rio Grandedo Sul. Retomam-se as influncias dos movimentos reformistascomo a psicoterapia institucional, a comunidade teraputica, apsiquiatria de setor, a psiquiatria preventiva e a psiquiatria demo-crtica.

    UNITERMOS: histria; psiquiatria; sade mental; enfermagempsiquitrica.

    1 INTRODUO

    O presente trabalho tem como proposta resgatar historicamen-te prticas relacionadas ao sofrimento psquico, no Rio Grande doSul, e as tentativas de reformulao da assistncia psiquitrica. Asautoras enfatizam que a preocupao em retomar as prticasreformistas na rea relaciona-se ao fato de as mesmas comporemum grupo de estudo e pesquisa que investiga o ensino de enferma-

    1 Professora da Escola de Enfermagem de Ribeiro Preto Universidade de So Paulo. Doutoraem Enfermagem. Pesquisadora do CNPq. e-mail: [email protected]

    2 Professora Assistente da Escola de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.Mestre em Enfermagem Psiquitrica pela Escola de Enfermagem de Ribeiro Preto da USP.

    3 Professora do Curso de Enfermagem da Universidade Regional do Noroeste do Estado do RioGrande do Sul. Doutora em Enfermagem pela Escola de Enfermagem de Ribeiro Preto da USP.( In memoriam ).

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    gem psiquitrica e sade mental no Estado e suas possveis relaescom os movimentos de reformulao da assistncia psiquitrica.

    Nesse sentido, temos realizado encontros, discusses, semin-rios buscando debater com docentes, alunos e profissionais da reaas possveis influncias dos processos de reformulao da assistn-cia psiquitrica ocorridos no Brasil, a partir do final da dcada de80, sobre o ensino de enfermagem psiquitrica.

    A reflexo terica que ora apresentamos consiste em parteda sistematizao de nossas interlocues e estudos, a qualprocura auxiliar na problematizao do ensino e da assistncia emenfermagem psiquitrica, tendo em vista a emergncia de servioscomo Ncleos/Centros de Ateno Psicossocial, Hospitais-Dia,Lares/Penses Protegidas. Entendemos que estes servios constitu-dos a partir dos princpios de reforma psiquitrica buscam oredimensionamento do fazer em enfermagem, requerendo, portan-to, uma profunda reflexo desses profissionais.

    2 METODOLOGIA

    O presente trabalho trata de uma reflexo terica inserida nocenrio brasileiro, especificamente gacho, realizada a partir daproduo cientfica de alguns autores, como Alveset al. (1994),Bezerra Junior (1994) e Testa (1992) e das portarias do Ministrioda Sade de n 189/91 (D.O.U. de 11/12/1991) e 224/92 (D.O.U.de 30/01/1992), os quais retomam os processos de reformulaodas prticas psiquitricas emergentes nas ltimas trs dcadas.

    Recorremos, ainda, a autores como Fagundes (1992), Oliveirae Saldanha (1993), Quinto Neto (1992), Wetzel (1995) e Kantorski(1998), que nos auxiliam na reflexo, pois retomam particularida-des do processo de reforma no contexto gacho.

    Nossa pretenso articular aspectos histricos da rea depsiquiatria e sade mental e apresentar suas influncias nas prti-cas concretas dos profissionais de sade.

    3 APRESENTANDO A DISCUSSO ACERCA DAS PRTI-CAS PSIQUITRICAS E DE SADE MENTAL NO RIOGRANDE DO SUL

    Na histria do Rio Grande do Sul (RS), as tentativas dedescentralizao da assistncia ao doente mental vm sendo discu-tidas desde 1925, pois a nica alternativa de um hospital psiquitri-

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    co de abrangncia estadual, o Hospital So Pedro criado em 1884,preocupava as administraes pblicas com problemas comosuperlotao, abandono e cronificao da clientela. A alternativaadotada para tentar sanar o problema foi a de construir hospitaispsiquitricos regionais.O hospcio iniciado com 25 pacientes,no parou de crescer at a dcada de 70, quando teve 5000internados (OLIVEIRA; SALDANHA, 1993, p. 41).

    Oliveira e Saldanha (1993) alertam para o fato de a clientelapredominante no Hospital So Pedro, por ocasio de sua fundao,ser composta por um grupo de excludos bem definido na sociedadeda poca, os quais eram predominantemente mestios que preavamo gado para as charqueadas, j que o charque era a alimentao

    bsica dos escravos. Como tais mestios os gachos no seadaptavam ao modo de produo vigente, foi necessrio utilizar amo-de-obra dos imigrantes europeus para as tarefas na agriculturae na incipiente manufatura. O Hospital So Pedro recebia pessoas,ento, pessoas recolhidas em todo o RS, e em vrias regies seconhecia a histria dotrem dos loucos que vinha da cidade deUruguaiana, um certo dia do ms, recolhendo pessoas nas diversascidades.

    A histria psiquitrica do Rio Grande do Sul (RS) traz consigotoda trajetria de resistncia ao modelo psiquitrico tradicional,que pode ser reportada s experincias de comunidade teraputicadesenvolvidas a partir do final dos anos 60 na Clnica Pinel, emPorto Alegre, e s influncias da psiquiatria preventiva dos anos 70,tambm em Porto Alegre, desenvolvidas junto Unidade Sanitriaem So Jos do Murialdo. Tais experincias passam a ser tomadascomo instrumento de modernizao das aes de psiquiatria e sademental pela Organizao Mundial de Sade (OMS) (KANTORSKI,1998).

    Kantorski (1998), ao investigar o ensino de enfermagempsiquitrica e sade mental nas universidades pblicas do RioGrande do Sul, evidencia que os professores dessas escolas tmimportante papel na experincia assistencial psiquitrica e tambmna formao, seja em nvel de aperfeioamento e/ou ps-graduao,devido passagem destes pelas instituies citadas no pargrafoanterior, as quais em algum momento de sua histria aderiram aprocessos reformistas.

    Estes so alguns dos acontecimentos que marcaram a histriagacha em suas tentativas de incorporar os princpios reformistase de promover a reformulao da assistncia psiquitrica. A hist-

    ria dessa resistncia, j em dcadas anteriores, conferiu aos sujeitos

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    sum processo de organizao em torno da reforma psiquitrica queresultou, por exemplo, no fato de o Rio Grande do Sul ser o primeiro

    Estado brasileiro a ter a lei da Reforma Psiquitrica aprovada emmbito estadual. Apesar de todas as contradies acerca do assun-to, pois somente a aprovao da lei no garantir a reforma, essefato tem um contedo importante na medida em que revela umprocesso de organizao anterior e at viabilizador de algunsganhos.

    Bezerra Junior (1994) afirma que, no Ocidente, desde ops-guerra (1945), cresce na rea da sade mental o movimentode crtica s instituies psiquitricas. Os movimentos como apsicoterapia institucional, a comunidade teraputica, a psiquiatriade setor e a psiquiatria preventiva, entendidos pelo autor comoreformistas, buscavam novas bases de sustentao terico--institucional para o tratamento das doenas mentais e combatiama excluso, a cronificao e a violncia imposta pelos modelospsiquitricos tradicionais, procurando resguardar os limites dasinstituies psiquitricas e at mesmo aperfeio-los.

    Wetzel (1995), ao descrever os movimentos reformistas, dis-cute a repercusso destes na realidade brasileira, destacando que apsicoterapia institucional e a psicanlise ficaram restritas ao meioacadmico e prtica liberal, especialmente na rea de psicologiae crculos psicanalticos. A autora afirma que a comunidade tera-putica chega ao Brasil, em 1969, atravs da experincia da ClnicaPinel (Associao Encarnacin Blaya), instituio privada locali-zada em Porto Alegre/RS, sendo esta modalidade implantada noservio pblico em uma unidade do Centro Psiquitrico Pedro II,no Rio de Janeiro, como uma tentativa de modernizao setorial. Apsiquiatria de setor4 no Brasil passa a ser incorporada na segundametade dos anos 70, desenvolvida parcialmente no Rio de Janeiroem decorrncia do sistema de co-gesto. Esta proposta evoluiu comas Aes Integradas de Sade (AIS) e depois passando a compor asreivindicaes do Sistema nico de Sade (SUS) de regionalizao,hierarquizao, universalidade, carter pblico, voltadas ateno

    4 A psiquiatria de setor surge na Frana e consiste em um sistema em que o pas dividido emsetores com suas equipes correspondentes, Os fundamentos da psiquiatria de setor so econmicos- racionalizao de recursos com base na regionalizao e na hierarquizao dos servios - eteraputicos - prestao de servios extra-hospitalares com atendimento domiciliar, dispensriosde higiene mental para egressos, pronto atendimento, servios de internao parcial, oficinasteraputicas e oficinas protegidas. (BEZERRA JUNIOR., 1994).

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    primria e extra-hospitalar. A psiquiatria preventiva ou comunit-ria chega ao Brasil em 1971 com o trabalho desenvolvido na

    Unidade Sanitria Murialdo, em Porto Alegre/RS, sendo incorpo-rada como instrumento de modernizao das polticas oficiais rea de psiquiatria e sade mental somente em 1976, com a criaodo Plano Integrado de Sade Mental (PISAM) e tendo grandedifuso nos currculos de cursos ligados rea de sade mental, apartir dos anos 70.

    Durante a dcada de 70, foram instalados servios de sademental junto aos centros de sade e s unidades sanitrias de PortoAlegre e de algumas cidades do interior do estado, ao mesmo tempoque houve a contratao de profissionais para atuarem nesseslocais. A proposta consistia na setorizao, ou seja, no atendimentodos pacientes por rea geogrfica, visando diminuio da popu-lao assistida pelo Hospital Psiquitrico So Pedro, ocasio emque muitos pacientes foram levados para seus locais de origem oupara a Colnia Agrcola de Reabilitao Itapo, criada junto aoantigo leprosrio.

    Fagundes (1992) aponta que, na dcada de 70, adotaram-secomo medidas para transformar a assistncia psiquitrica amplian-do a interveno comunitria: implantao de um sistema deservios de ateno primria; criao da residncia multiprofissionalna Unidade Sanitria Murialdo (em Porto Alegre); incio do aten-dimento aos alcoolistas nos servios pblicos; instalao de leitospsiquitricos em hospitais gerais, com criao de unidades psiqui-tricas nos hospitais universitrios e a criao, em Porto Alegre, peloMinistrio da Previdncia, de um servio ambulatorial centralizadode psiquiatria, com expanso de credenciamento de profissionais econvnios com hospitais psiquitricos privados do interior doEstado.

    Apesar destas medidas, a rea da sade mental sofreu umprocesso similar ao que ocorreu em toda grande rea da sade, ouseja, a expanso do setor privado, com a crescente compra deservios e leitos de internao em hospitais psiquitricos privados.Na busca de alternativas de tratamento para o doente mental, asiniciativas no sentido de reduzir a populao internada do HospitalSo Pedro processaram-se juntamente com a expanso dos conv-nios e contratos com o setor privado. Na realidade, o que ocorreuconcretamente foi uma drenagem dessa populao para outrosservios privados. Tais medidas contriburam para consolidar umsistema de privilgios ao setor privado que, atualmente, se constitui

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    num dos entraves s iniciativas de rompimento com uma lgica quesobrepe ao pblico os interesses do setor privado.

    Ao resgatar as transformaes ocorridas na dcada de 80,constatamos que como os servios pblicos, os privados tambmincorporaram os princpios da psiquiatria preventiva ou comunit-ria. Nesse sentido, Wetzel (1995) relata que a Clnica Pinel de PortoAlegre/RS, em 1980, inaugura uma unidade ambulatorial conveniadaao Instituto Nacional de Assistncia Mdica da Previdncia Social(INAMPS), implantada na comunidade com programas de atenoprimria, secundria e terciria.

    Muitos processos de mudana, ou de tentativas de mudana,foram desencadeados nas ltimas dcadas em vrios estados edestacamos alguns dos que foram se conformando no Estado do RioGrande do Sul. Oliveira e Saldanha (1993), ao elaborarem umrelato reflexivo acerca da trajetria da sade mental coletiva no RS,destacam os seguintes aspectos: os primeiros passos, as mudanas- seu delineamento, os intercmbios, a capacitao de pessoas e osservios. Primeiramente relatam que, aps 1986, com a eleio deum governador oriundo de foras que se opuseram ditadura, aSecretaria Estadual de Sade abre a possibilidade de discusso eintroduo de propostas inovadoras. Um dos primeiros passosconsistiu-se na elaborao de um diagnstico da situao, onde foiidentificada a necessidade de capacitao das pessoas, fazendo comque fossem promovidas, inicialmente, algumas mudanas na resi-dncia interdisciplinar em sade mental do Hospital So Pedro. Aseguir, foram organizados pr-encontros que antecederam a 1Conferncia Nacional de Sade Mental e conseqente eleio dosdelegados que deveriam participar deste evento (entre estes trsusurios, sendo o Rio Grande do Sul a nica delegao, nestaoportunidade, a contar com representao de usurios).

    Oliveira e Saldanha (1993) relatam que, em junho de 1987,comeam os intercmbios, inicialmente restritos ao restante dopas, e tambm Argentina e ao Uruguai, estendendo-se depoispara outros pases como Paraguai, Cuba, Espanha, Itlia entreoutros, sendo que do primeiro intercmbio com a Argentina origi-nou-se um documento intitulado Delineamentos da Poltica deSade Mental para o Rio Grande do Sul (RIO..., 1987). Estedocumento consiste de um diagnstico contextualizado das polti-cas constitudas historicamente, onde se explicitam os princpiostericos, conceituais e polticos coerentes com as diretrizes dareforma sanitria e as orientaes da 1 Conferncia Nacional de

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    Sade Mental. A sade mental passa ento a ser assumida e inseridanas demais polticas sociais, sendo seus encaminhamentos estrat-

    gicos compreendidos sob o referencial do pensamento estratgico.Nesse referencial, poltica considerada como uma estratgia dedistribuio de poder, que pensado no cotidiano em seu contedosocietrio, assumindo a seguinte conformao: poder tcnico, po-der administrativo e poder poltico (TESTA, 1992).

    Os intercmbios seguiram-se por 1988, surgindo dessas arti-culaes o Foro Concrdia de Salud Mental e aps a realizao dedois Simpsios Internacionais de Sade Mental em Santa Maria/ RS, constituiu-se o Foro Uruguaio de Salud Mental. A capacitaode pessoas para o trabalho em sade mental foi tomada como eixoprincipal do ento Programa de Ateno Integral Sade Mental(PAISMental), com oferecimento de cursos de administrao emsade mental coletiva (de extenso e aperfeioamento) a 150municpios gachos, alguns de Santa Catarina, Paran e Uruguai,capacitando cerca de 450 pessoas. No transcurso desse processo,realizou-se uma srie de outros encontros, e, em 1991, constitudoo Frum Gacho de Sade Mental. No entanto, na segunda metadedos anos 80, j tinham sido criados, no Rio Grande do Sul, em tornode cinqenta servios alternativos de sade mental visando aassistir integralmente o doente mental, entre eles, penses protegi-das, leitos em hospitais gerais, oficinas de trabalho, moradias ecooperativas. Estes servios procuravam articular equipes comdiferentes trabalhadores de sade, viabilizando os servios confor-me a necessidade da populao e sob os princpios da municipalizao(OLIVEIRA; SALDANHA, 1993). importante assinalar que aimplantao desse processo se d permeada de conflitos, os quaisno so explicitados claramente na discusso elaborada por Olivei-ra e Saldanha (1993).

    Quinto Neto (1992) explora a questo da reforma psiquitricano Rio Grande do Sul (RS), partindo do eixo da legislao cidadania. Resgata a transformao da legislao em sade mentalno mundo, discutindo a especificidade do Projeto de Lei n 9.716/ 92/RS. O autor retomou a reestruturao da assistncia psiquitri-ca no Rio Grande do Sul situando-se na proposta do Hospital SoPedro de diminuir as internaes. Salienta que as modificaesocorreram em nvel tcnico-administrativo, via aumento da redeambulatorial, com fins de reduzir a super-lotao e deteriorao daassistncia, enfatizando que a conjuntura vivenciada durante aditadura acabou por reduzir o carter dessas modificaes. Con-

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    tinuando, refere-se contribuio das mobilizaes promovidaspelo Frum Gacho de Sade Mental, que luta explicitamente por

    uma sociedade sem manicmios , as quais contriburam para aaprovao do referido projeto de lei. Diz ainda que a lei pode limitarriscos sade, mobilizar simpatizantes em torno da cidadania dodoente mental e gerar uma nova tica em que o usurio possa decidiro que melhor para si. Quanto ao contedo da Lei Estadual n9.716, de 07 de agosto de 1992, ela

    [...] define a reestruturao da ateno psiquitrica, consis-tindo basicamente na substituio progressiva dos leitos noshospitais psiquitricos por uma rede de ateno integral emSade Mental, estabelecimento de regras de proteo aosque padecem de sofrimento psquico, essencialmente quantos internaes psiquitricas compulsrias. Tem carter gra-dual e progressivo, assegura a ampla participao social nasua execuo, e contm dois controles tcnico-administrati-vos: reavaliao em cinco anos, tanto da substituio dosleitos nos hospitais quanto da prpria reforma psiquitrica(QUINTO NETO, 1992, p. 8).

    Alveset al. (1994), ao estudarem a situao da assistnciapsiquitrica, reafirmam que o total de leitos psiquitricos no pas de cerca de 86 mil, sendo 75% deles privados e filantrpicoscontratados pelo setor pblico. Reiteram que o Ministrio da Sadeestabelece como limite mximo aceitvel 0,5/leito psiquitrico pormil habitantes e que no Brasil tem-se 0,56/leito por mil habitantes,embora ainda existam excessos quando observadas as desigualda-des regionais, com concentrao dos leitos nas capitais e nasregies economicamente mais desenvolvidas. Observam, tambm,elevado tempo de internao (acima dos 30 dias, parmetro estabe-lecido pela OMS), com mdia de 55,6 dias para o conjunto dosprestadores de servios, segundo os dados do DATA-SUS/MS.

    Como indcios de transformao da assistncia psiquitricavigente, os autores apresentam as seguintes questes:

    - o surgimento de experincias inovadoras integradas rede deservios, com diversas modalidades de recursos assistenciais ecomunitrios;

    - a crescente utilizao de servios de urgncia e de leitospsiquitricos em hospitais gerais: conforme o SIA/SUS, dos 86 mil

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    leitos psiquitricos disponveis em 1991, aproximadamente doismil esto em hospitais gerais;

    - mudana no financiamento do Ministrio da Sade, atravsde portarias5, com o redimensionamento dos recursos financeirospara modalidades assistenciais alternativas internao psiquitrica;

    - ampla divulgao nos meios de comunicao sobre as condi-es da atual assistncia psiquitrica, com denncias de violaodos direitos humanos de pacientes internados;

    - reviso da legislao psiquitrica brasileira;- organizao de entidades e associaes de usurios e fami-

    liares de doentes mentais com vistas a salvaguardar os direitos dospacientes psiquitricos;

    - realizao da 2 Conferncia Nacional de Sade Mental, em1992, que na etapa nacional foi precedida por 100 confernciasmunicipais/regionais e 24 estaduais.

    Como pudemos observar, muitos avanos ocorreram no cam-po institucional e de organizao social para que a proposta datransformao da assistncia psiquitrica fosse construda cotidia-namente nos servios, nos saberes, na cultura, enfim, em espaosdiversificados. No entanto, esta uma empreitada que apenas seinicia visto que, alm do modelo assistencial e da legislao que tem

    sofrido mudanas necessrias transformao, o rompimento comas prticas e saberes psiquitricos hegemnicos requer uma cami-nhada de avanos e retrocessos, mas que mesmo com suas contra-dies fomente a construo de uma relao de acolhimento econvvio com o diferente.

    4 CONSIDERAES FINAIS

    Entendemos que, historicamente, as prticas de assistnciapsiquitrica e sade mental tm passado por diferentes momentosde questionamentos e reformulaes. Desse modo, procuramosretomar, no contexto gacho, as particularidades e contribuies

    5 Portarias 189 de 19/11/1991 (D.O.U de 11/12/1991) e 224 de 29/01/1992 (D.O.U de 30/01/ 1992) que passam a remunerar novos procedimentos como consulta individual e em grupo, aprofissionais de diversas categorias, atendimento em oficinas teraputicas, centros de atenopsicossocial, hospital-dia, urgncia e internao em hospital geral, e a regulamentao edefinio de padres mnimos para o funcionamento dos servios de sade mental, com vistas construo de uma rede diversificada de assistncia.

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    deste processo, visando possibilidades de criar e recriar formas depensar e fazer em psiquiatria e sade mental.

    Consideramos que retomar os movimentos e reformulaes j realizados possa nutrir os trabalhadores de sade preocupadoscom a construo de formas de cuidado mais integralizadoras ereconstituidoras do indivduo em sofrimento psquico.

    Entendemos que a enfermagem tem dado importante contri-buio transformao das prticas de cuidado ao indivduoportador de sofrimento psquico, por constituir-se numa profissoque tem procurado aprimorar, no cotidiano do seu fazer, a presena,o dilogo e o relacionamento teraputico. Ao mesmo tempo, aconstituio de prticas psiquitricas inovadoras requer um apri-moramento dos instrumentais da profisso.Destacamos o importante papel da universidade que propicia,no espao de formao, o desenvolvimento de estratgias que visemprotagonizar as reflexes e as propostas de reformulao da assis-tncia psiquitrica aos portadores de sofrimento psquico.

    ABSTRACT

    This article rescues the practices of reformulation of the psychiatric assistance in Rio Grande do Sul, Brazil. The influenceof the reformists movements like the institutional psychotherapy,the therapeutic community, the sector psychiatry, the preventive

    psychiatry and the democratic psychiatry are recovered.

    KEY WORDS: history; psychiatry; mental health; psychiatricnursing.

    RESUMEN

    Este artculo visa rescatar las prcticas de reformulacin de laasistencia psiquitrica en el estado de Rio Grande del Sur, Brasil. Seretoman las influencias de los movimientos reformistas como la

    psicoterapia institucional, la comunidad teraputica, la psiquiatrade sector, la psiquiatra preventiva y la psiquiatra democrtica.

    DESCRIPTORES: historia; psiquiatra; salud mental; enfermera psiquiatrica.

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    Endereo da autora: Christine WetzelAuthors address: Av. Portugal, 2800, ap. 401 - Santa Cruz

    14.020-380 - Ribeiro Preto - SP

    E-mail: [email protected]

    Entrada na revista: 13/08/00Incio do perodo de reformulaes: 26/12/00Aprovao final: 28/06/02