Karine Krewer - Noção de Tempo

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    APRESENTAO DA NOO DE "TEMPODURAO" EM REFUTAO AO "TEMPO DOSINSTANTES"

    Karine KrewerMestranda PPGECCO/[email protected]

    Dr. Walter Gomide do Nascimento JniorOrientador PPGECCO - UFMT

    [email protected]

    O TEMPO COMO DURAO

    O filsofo francs Henri Bergson discute em sua obraDurao e Simultaneidadeuma noo

    de tempo sustentada pela experincia anloga ao fluxo interno de nossa conscincia, alicerada na

    faculdade da memria.

    Bergson procurou entender e analisar a noo de tempo de Einstein e da Teoria da

    Relatividade Geral e Restrita e percebeu que o tempo cientfico tinha um aspecto de

    impessoalidade, assim como o do senso comum, e possui na base de seus argumentos e crenas a

    idia de que todas as conscincias humanas so da mesma natureza, percebem da mesma maneira,

    de certa forma andam no mesmo passo e vivem a mesma durao[BERGSON, 2006: 54].

    A cincia, segundo Bergson, assumiu o compromisso de apresentar fielmente a realidade do

    mundo atravs de seus procedimentos. Contudo, Bergson descobriu que o mundo admitido pela

    cincia adaptado aos seus procedimentos para que possa ser estudado, ao invs de seus

    procedimentos se adaptarem realidade do mundo. Uma das questes explcitas com relao essa

    afirmao justamente a questo do tempo.

    A faculdade da inteligncia e o raciocnio procuram, atravs do mtodo analtico, medir a

    passagem do tempo e, desta forma, tomam-no como uma grandeza a ser medida, como uma

    extenso a ser mensurada. Surge ento a pergunta: o tempo uma grandeza a ser medida?

    exatamente aos procedimentos da medio cientfica que Bergson lanou sua resposta, afirmando

    que o tempo no pode ser medido, pois a mensurabilidade destina-se aos deslocamentos dos corpos

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    no espao; medir o tempo, portanto, medir o espao, e assim atribumos unidades de medidas ao

    tempo em estrita analogia ao que fazemos quando mensuramos grandezas espaciais. O tempo

    bergsoniano o desenrolar e o espao o desenrolado[BERGSON, 2006: 58]. Medir o tempo

    com as regras das unidades de medidas das grandezas uma prtica da cincia, logo, uma

    conveno; atribuir ao tempo as caractersticas prprias do espao. O tempo que dura no mensurvel [BERGSON, 2006: 57].

    Como Bergson chega a essas concluses? Qual ento a noo de tempo bergsoniana? O

    tempo definido por Henri Bergson corresponde ao fluxo de nossa conscincia. No h dvida de

    que o tempo, para ns, confunde-se inicialmente com a continuidade de nossa vida interior

    [BERGSON, 2006: 51]. O tempo um fluxo, uma passagem, um escoamento, uma continuidade. A

    experincia humana com o tempo naturalmente entendida como uma durao.

    Bergson acreditava no grande poder da faculdade da intuio[THONNARD, 1968: 921]

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    que alcana a realidade pelo lado de dentro assim como na metfora da melodia[BERGSON,

    2006: 51], com a qual podemos acessar a realidade do mundo e a fluidez do tempo. Uma fluidez

    que quase coincide com a fluidez da melodia que percebemos de olhos fechados, a melodia interior

    do fluxo de nossa conscincia, seu escoamento, sua passagem, sua continuidade.

    O que essa continuidade? A de um escoamento ou de uma passagem, masde um escoamento e de uma passagem que se bastam a si mesmos, uma vezque o escoamento no implica uma coisa que se escoa e a passagem no

    pressupe estados pelos quais se passa: a coisae o estadono so mais queinstantneos da transio artificialmente captados; e essa transio, a nicaque naturalmente experimentada, a prpria durao. [BERGSON, 2006:51].

    Essa continuidade que no acessvel por meio dos procedimentos objetivos da cincia.

    Essa continuidade o tempo bergsoniano que essencialmente subjetivo.

    A transio que Bergson se refere a continuidade temporal. A transio a marca do

    desenrolar. A continuidade o prolongamento do que j passou no que est se desenrolando. Esse

    prolongamento s permitido pela presena da faculdade da memria, pois, sem a memria, no

    teramos como identificar o antes e no entenderamos o agora; tampouco esperaramos o depois. A

    memria a fonte gerenciadora da experincia humana com o tempo e, segundo Bergson a partir

    da memria que devemos estud-lo e defini-la.

    Assim como Bergson, Agostinho se debruou sobre a faculdade da memria para pensar o

    tempo, e so inmeras as simetrias2 dos pensamentos de Bergson e de Agostinho. Ambos procuram

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    responder aos seus interlocutores contemporneos; ambos entendiam que a diviso do tempo em

    trs partes,- passado, presente e futuro -, s seria aceitvel se fosse o presente tomado como

    referencial, onde as outras duas partes do tempo se mantm ligadas, dando ao presente o carter de

    ncleo central temporal;e principalmente, ambos entendiam o tempo como algo oposto

    exterioridade objetiva, de modo que o tempo era essencialmente subjetivo. Nesse aspecto deoposio objetividade do tempo em Bergson e Agostinho, trago a referncia de Fbio Correia:

    ...o problema do tempo, tanto para Agostinho quanto para Bergson umproblema de conhecimento e no ontolgico. Isto , o tempo no um serexistente e independentemente da existncia humana, fora dele, mas aocontrrio, s pode ser encontrado em sua conscincia [CORREIA, 2009:18].

    O medieval Agostinho e o contemporneo Bergson possuam o entendimento de que aquesto do tempo uma questo epistemolgica, ou seja, a Teoria do Conhecimento poderia

    responder com mais propriedade esta questo.

    A SOLIDARIEDADE ININTERRUPTA

    O modo como Henri Bergson entende a configurao dos instantes refora sua tese de

    combate ao tempo objetivo, impessoal, universal e absoluto. Admitir os instantes de modo isolado tom-los como puros instantneos que aparecem e desaparecem num presente que renasceria

    incessantemente [BERGSON, 2006: 51]. Bergson buscou garantir que atravs da memria ocorre

    o prolongamento e a continuidade do antes no depois, impedindo que o momento inicial e o

    momento posterior, sejam entendidos isoladamente e independentemente. O antes no um instante

    puro que nasce e imediatamente morre, sem deixar resduo, contedo algum no depois. Mesmo que

    Bergson defenda que cada instante nico e novo, este sempre carregada atrs de si o contedo j

    vivido.A memria aqui tomada como base elementar para fazer a ligao entre os dois pontos,

    caso se objetasse para um aspecto pessoal de cada conscincia. Bergson refuta o aspecto

    antropomrfico [BERGSON, 2006: 56] dado memria ou aquilo que poderia ser visto como

    pessoalidade, dizendo que se pudssemos conceber o primeiro instante do desenrolar do universo e

    seu instante imediatamente sucessivo, - momento este totalmente desprovido de conscincia -, ainda

    assim pressuporamos uma memria, pois o instante posterior se desdobrou necessariamente do que

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    ocorreu no instante inicial e assim ocorre uma ordem nesse desenrolar. Mais uma vez o presente

    que permite a possibilidade de base inicial para o passado e de condio para o contnuo daquilo

    que est por vir. Bergson defende ainda, que mesmo que no seja levado do passado seu contedo

    inteiro, ou seja, que este no seja armazenado inteiramente, ele prolonga parcialmente seu

    compsito no instante posterior, nico e completamente novo. Este o ordenamento da durao,como apresentado por Bergson:

    Pode-se conceder a essa memria o estritamente necessrio para fazer aligao; ser, se quiserem, essa prpria ligao prolongamento do antes nodepois imediato com um esquecimento perpetuamente renovado do que nofor o momento imediatamente anterior. Nem por isso se ter deixado deintroduzir a memria. A bem dizer, impossvel distinguir entre a duraopor mais curta que seja, que separa dois instantes e uma memria que osligasse entre si, pois a durao essencialmente uma continuao do que

    no mais no que [BERGSON, 2006: 57].

    O esquecimento perptuo e o renovado nico e original so caractersticas que permitem o

    trao-de-unio, pelo fato de no levar do passado seu contedo todo e assim esgotar o presente,

    permitindo a abertura para uma experincia totalmente nova. O fio condutor que os liga a chance

    da memria relembrar e presentificar o passado, que j no existe mais.

    Os instantes configurados desta maneira so interconectados, interpenetrados e

    interdependentes, porque possuem a solidariedade que os mantm, impedindo que sejam ento

    divididos, fracionados e concebidos como isolados. Assim como a melodia que no se parte,

    Bergson apresenta outra importante metfora para exprimir a melodia, a da chama, que mesmo

    atravessada por uma lmina, no se parte; quando tentamos cort-la, como se passssemos

    bruscamente uma lmina atravs de uma chama: dividimos apenas o espao ocupado por ela

    [BERGSON, 2006: 58]. Assim Bergson afirma:

    Mas, quando se trata do tempo, s possvel contar as extremidades: ser

    simplesmente uma conveno dizer que desse modo mediu-se o intervalo.Se, todavia, observamos que a cincia opera exclusivamente com medidas,percebemos que no que concerne ao tempo a cincia conta instantes, anotasimultaneidades, mas continua sem domnio sobre o que se passa nosintervalos [BERGSON, 2006: 67-68].

    Anotar instantes tom-los justapostos, como pontos geomtricos inseridos numa reta

    linear, pontos isolados e independentes entre si; anotar simultaneidades correlacionar o

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    deslocamento de um corpo no espao ao deslocamento angular do pino de um relgio em uma

    circunferncia.

    O PRINCPIO DE NO-CONTRADIO E O TEMPO.

    O princpio de no contradio, como usualmente formulado (um objeto no pode, em um

    mesmo instante, ter duas propriedades contraditrias), s valido sob a considerao de instantes

    isolados, justapostos e desconectados entre si. Entretanto, se o tempo no um apanhado de

    partculas fragmentadas de tempo e sim um contnuo temporal como o fluxo indiviso apresentado,

    como fica o princpio de no contradio?

    O princpio de no-contradio pressupe que os objetos possam ser paralisados em

    momentos; estes, por sua vez, seriam pinados de um fluxo temporal contnuo: neste instantefotogrfico, retirado do contnuo temporal, que a interdio dada pelo princpio de no-contradio

    se faz de forma veemente. No entanto, uma vez que a impossibilidade de atribuio simultnea de

    contraditrios se fundamente na noo de instante isolado, ento nada garante que tal princpio

    continue com sua fora coercitiva intacta em um domnio temporal no fragmentvel em instantes

    isolados; um domnio desta natureza, como facilmente se verifica, poderia ser o prprio fluxo da

    conscincia: no tempo durao bergsoniano, pode-se perfeitamente postular a vivncia de estados

    de coisas contraditrios, como a atribuio simultnea de propriedades contraditrias a um objeto.

    Discutir sobre tal atenuao do princpio de no-contradio em domnios temporais e contnuos a

    proposta do trabalho a ser apresentado.

    ___________________________

    1 CORREIA, Fbio J. B. O problema do tempo, no pensamento de Agostinho de Hipona e Henri Bergson. Recife:Fundao Antnio dos Santos Abranches, 2009. Com relao aos pontos congruentes dos quais chamo aqui desimetrias entre o pensamento de Agostinho e Bergson ver importante pesquisa do professor Fbio Jos Barbosa Correia.

    2Apud, CORREIA, 2009: 43.

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    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

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    por Alfredo Bosi; reviso da traduo e traduo de novos textos Ivone Castilho Benedetti 4 Ed.

    So Paulo: Martins Fontes, 2000.

    AGOSTINHO. Confisses.Vida e obra. Editora Nova Cultural Ltda.: So Paulo, 2000.

    ARISTTELES. Tpicos; Vida e obra. Traduo Leonel Vallandro e Gerd Bornhem da verso

    inglesa de W. A. Pickard Cambridge. Editora Nova Cultural Ltda.: So Paulo, 1973.

    BERGSON, Henri.Durao e simultaneidade: a propsito da teoria de Einstein/ traduo Cludia

    Berliner; - So Paulo.

    BOLZANO, Bernard. Paradoxes de linfini.Trad. Francesa da obra Lintroduction et les notes de

    Hourya Sinaceur. Paris, France: ditions du Seuil, 1993.

    CORREIA, Fbio Jos Barbosa.O problema do tempo: no pensamento de Agostinho de Hipona e

    Henri Bergson. Recife: Fundao Antonio dos Santos Abranches, 2009.

    FOLSCHEID. Dominique. WUNINBURGER, Jean-Jacques; Metodologia filosfica. Traduo:

    Paulo Neves. So Paulo: Martins Fontes, 1997.

    MORTARI, Cezar A Introduo a Lgica. So Paulo: Editora UNESP: Imprensa Oficial do

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