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, UE E PSICOLOGIA SOCIAL editora bra iliense

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    UE EPSICOLOGIA SOCIAL

    editora bra iliense

    LucioSello

  • coleco primeiros39 passos

  • Silvia T. Maurer Lane

    O QUE PSICOLOGIA SOCIAL

  • Copyright by Silvia T. Maurer Lane Nenhuma parte desta publicao pode ser gravada, armazenada em sistemas eletrnicos, fotocopiada,

    reproduzida por meios mecnicos ou outros quaisquer sem autorizao prvia da editora.

    Primeira edio, 1981 22a edio, 1994 7a

    reimpresso, 2009

    Foto de capa: Carlos Amaro Caricaturas: Emlio Damiani

    Reviso: Jos E. Andrade Capa: 123 (antigo 27) Artistas Grficos

    Dados Internacionais de catalogao na Publicao (CIP) (Cmara

    Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    Lane, Silvia T. Maurer O que psicologia social / Silvia T. Maurer Lane. So

    Paulo : Brasiliense, 2006. (Coleo primeiros passos ;

    39)

    6a reimpr. da 22a. ed. de 1994.

    ISBN 85-11-01039-4

    1. Psicologia Social I. Ttulo. II. Srie

    06-0127 CDD-302

    ndices para catlogo sistemtico : 1. Psicologia Social 302

    editora e livraria brasiliense Rua Mourato Coelho, 111 - Pinheiros

    CEP 05417-010 - So Paulo - SP www.editorabrasiliense.com.br

  • NDICE

    Capa - Contracapa

    Introduo: Psicologia e Psicologia Social . . 7 Como nos tornamos sociais ................................ 12

    Os outros ........................................................ 12 A identidade social ........................................ 16 Conscincia de si ........................................... 22

    Como apreendemos o mundo que nos cerca . 25 A linguagem .................................................. 25

    A histria via famlia e escola ............................ 38 A famlia ...................................................... 38 A escola ......................................................... 46

    Trabalho e classe social ...................................... 55 O indivduo na comunidade ............................... 67 A Psicologia Social no Brasil ............................. 75 Indicaes para leitura ....................................... 85

  • INTRODUO: PSICOLOGIA E

    PSICOLOGIA SOCIAL

    Sem entrarmos na anlise das diferentes teorias

    psicolgicas, podemos dizer que a Psicologia a

    cincia que estuda o comportamento, principalmente,

    do ser humano. As divergncias tericas se refletem no

    que consideram "comportamento", porm para ns

    bastaria dizer que toda e qualquer ao, seja a reflexa

    (no limiar entre a psicologia e a fisiologia), sejam os

    comportamentos considerados conscientes que

    envolvem experincias, conhecimentos, pensamentos e

    aes intencionais, e, num plano no observvel

    diretamente, o inconsciente.

    Assim parece bvio que a Psicologia Social deve

    estudar o comportamento social, porm surge uma

    questo polmica: quando o comportamento se torna

    social? Ou ento, so possveis

  • comportamentos no sociais nos seres humanos?

    Cada organismo humano tem suas caractersticas

    peculiares; assim como no existem duas rvores

    iguais, tambm no existem dois organismos iguais.

    Mesmo que geneticamente sejam idnticos, no caso de

    gmeos, as primeiras interaes dos organismos com o

    ambiente j provocam diferenas entre eles, assim

    como: mais ou menos luz, som, enfim, diferentes

    estmulos que levam a diferentes reaes j propiciam

    uma diferenciao nos dois organismos.

    A Psicologia se preocupa fundamentalmente com os

    comportamentos que individualizam o ser humano,

    porm, ao mesmo tempo, procura leis gerais que, a

    partir das caractersticas da espcie, dentro de

    determinadas condies ambientais, prevem os

    comportamentos decorrentes. Como exemplo, sabemos

    que a aprendizagem conseqncia de reforos e/ou

    punies, ou seja, sempre que um comportamento for

    reforado (isto , tenha como conseqncia algo bom

    para o indivduo), em situaes semelhantes provvel

    que ele ocorra novamente. Dizemos ento que o

    indivduo aprendeu o comportamento adequado para

    aquela situao.

    O enfoque da Psicologia Social estudar o

    comportamento de indivduos no que ele influenciado

    socialmente. E isto acontece desde o momento em que

    nascemos, ou mesmo antes do nascimento, enquanto

    condies histricas que

  • deram origem a uma famlia, a qual convive com certas

    pessoas, que sobrevivem trabalhando em determinadas

    atividades, as quais j influenciam na maneira de

    encarar e cuidar da gravidez e no que significa ter um

    filho.

    Esta influncia histrica-social se faz sentir,

    primordialmente, pela aquisio da linguagem. As

    palavras, atravs dos significados atribudos por um

    grupo social, por uma cultura, determinam uma viso

    de mundo, um sistema de valores e, conseqentemente,

    aes, sentimentos e emoes decorrentes.

    As leis gerais da Psicologia dizem que se apreende

    quando reforado, mas a histria do grupo ao qual o

    indivduo pertence que dir o que reforador ou o que

    punitivo. O doce ou o dinheiro, o sorriso ou a

    expresso de desagrado podem ou no contribuir para

    um processo de aprendizagem, dependendo do que eles

    significam em uma dada sociedade. Assim tambm

    aquilo que "deve ser apreendido" determinado

    socialmente.

    Da mesma forma, as emoes que so respostas do

    organismo e, como tais, universais, se submetem s

    influncias sociais ao se relacionarem com o que nos

    alegra, nos entristece, nos amedronta. O se sentir alegre

    com a vitria do time, triste com o filme ou com uma

    msica, o ter medo do trovo ou do avio, so

    exemplos que mostram o quanto nossas emoes

    decorrem desta viso de mundo que adquirimos atravs

    dos significados das

  • palavras.

    Assim podemos perceber que muito difcil

    encontrarmos comportamentos humanos que no

    envolvam componentes sociais, e so, justamente, estes

    aspectos que se tornaram o enfoque da Psicologia

    Social. Em outras palavras, a Psicologia Social estuda a

    relao essencial entre o indivduo e a sociedade, esta

    entendida historicamente, desde como seus membros se

    organizam para garantir sua sobrevivncia at seus

    costumes, valores e instituies necessrios para a

    continuidade da sociedade.

    Porm a histria no esttica nem imutvel, ao

    contrrio, ela est sempre acontecendo, cada poca

    gerando o seu contrrio, levando a sociedade a

    transformaes fundamentalmente qualitativas. E a

    grande preocupao atual da Psicologia Social

    conhecer como o homem se insere neste processo

    histrico, no apenas em como ele determinado, mas

    principalmente, como ele se torna agente da histria, ou

    seja, como ele pode transformar a sociedade em que

    vive.

    o que procuraremos analisar nos prximos

    captulos. Inicialmente, veremos como somos

    determinados a agir de acordo com o que as pessoas

    que nos cercam julgam adequado, e para tanto iremos

    examinar dois aspectos intimamente relacionados: os

    outros, ou seja, o grupo ou grupos a que pertencemos, e

    como ns, nesta convivncia, vamos definindo a nossa

    identidade social.

  • Num segundo momento, analisaremos como se

    forma a nossa concepo de mundo e das coisas que

    nos cercam, atravs da linguagem, e como ela

    determina valores e explicaes, de modo a manter

    constantes as formas de relaes entre os homens (a

    ideologia e representaes sociais); veremos ainda a

    relao entre falar e fazer, a mediao do pensamento e

    o desenvolvimento da conscincia social.

    Em terceiro lugar, uma anlise de instituies como

    famlia, escola, levando reproduo das condies

    sociais, e em que circunstncias elas podem propiciar o

    desenvolvimento da conscincia social.

    Uma nfase especial ser dada para o trabalho

    humano, na sua relao com as classes sociais, e em

    que condies ele pode gerar conscincia de classe,

    fazendo dos indivduos agentes da histria de sua

    sociedade; em seguida, veremos como a Psicologia

    Comunitria prope uma ao educativa e

    conscientizadora pelo desenvolvimento de relaes

    comunitrias.

    Por ltimo, veremos como a Psicologia Social tem se

    desenvolvido como cincia, em outras partes do mundo

    e, principalmente, no Brasil de hoje.

  • COMO NOS TORNAMOS SOCIAIS

    Os outros

    O ser humano ao nascer necessita de outras pessoas

    para a sua sobrevivncia, no mnimo de mais uma

    pessoa, o que j faz dele membro de um grupo (no

    caso, de uma dade grupo de dois1). E toda a sua vida ser caracterizada por participaes em grupos,

    necessrios para a sua sobrevivncia, alm de outros,

    circunstanciais ou espordicos, como os de lazer ou

    aqueles que se formam em funo de um objetivo

    imediato.

    (1) Existem relatos de crianas que foram criadas por animais, como

    lobos, macacos, etc, adquirindo comportamentos da espcie que as

    criou, necessrios para a sua sobrevivncia. Quando trazidas para o

    convvio humano, as suas adaptaes, quando ocorreram, foram

    extremamente difceis e sofridas.

  • Assim, desde o primeiro momento de vida, o

    indivduo est inserido num contexto histrico, pois as

    relaes entre o adulto e a criana recm-nascida

    seguem um modelo ou padro que cada sociedade veio

    desenvolvendo e que considera correta. So prticas

    consideradas essenciais, e, portanto, valorizadas; se no

    forem seguidas do direito aos "outros" de intervirem

    direta ou indiretamente. E, quando se fala em "dar o

    direito", significa que a sociedade tem normas e/ou leis

    que institucionalizam aqueles comportamentos que

    historicamente vm garantindo a manuteno desse

    grupo social.

    Em cada grupo social encontramos normas que

    regem as relaes entre os indivduos, algumas so

    mais sutis, ou restritas a certos grupos, como as

    consideradas de "bom-tom", outras so rgidas,

    consideradas imperdoveis se desobedecidas, at

    aquelas que se cristalizam em leis e so passveis de

    punio por autoridades institucionalizadas. Estas

    normas so o que, basicamente, caracteriza os papis

    sociais, e que determina as relaes sociais: os papis

    de pai e de me se caracterizam por normas que dizem

    como um homem e uma mulher se relacionam quando

    eles tm um filho, e como ambos se relacionam com o

    filho e este, no desempenho de seu papel, com os pais.

    Do mesmo modo, o chefe de uma empresa s o ser,

    em termos de papel, se houver chefiados que,

    exercendo seus respectivos papis, atribuam

  • um sentido ao do chefe. Ou seja, um complementa

    o outro: para agir como chefe tem que ter outros que

    ajam como chefiados. Esta anlise poderia ser feita em

    todas as relaes sociais existentes em qualquer

    sociedade amigos, namorados, estranhos na rua, que interagem circunstancialmente, balconista e fregus em relao a todos existem expectativas de

    comportamentos mais ou menos definidos e quanto

    mais a relao social for fundamental para a

    manuteno do grupo e da sociedade, mais precisas e

    rgidas so as normas que a definem.

    E a pergunta que sempre ocorre : e a

    individualidade? Aquelas caractersticas peculiares de

    cada indivduo? Afinal, se ns apenas desempenhamos

    papis, e tudo que se faz tem sua determinao social,

    onde ficam as caractersticas que individualizam cada

    um de ns?

    A resposta , mais ou menos, como aquela estria do

    pai dizendo filha: "Voc pode se casar com quem

    quiser, desde que seja com o Joo . . .". Em outras

    palavras, podemos fazer todas as variaes que

    quisermos, desde que as relaes sejam mantidas, isto

    , aquelas caractersticas do papel que so essenciais

    para que a sociedade se mantenha tal e qual.

    Existem teorias que definem os papis sociais em

    termos de graus mximos e mnimos, de variaes

    possveis, e exemplificam com fatos como: a rainha

    Elizabeth (Inglaterra), na abertura do

  • Parlamento, desempenha um papel totalmente definido;

    qualquer ao ou no ao que saia fora do protocolo

    gera confuso. Por outro lado, quando Z da Silva est

    em um pas estranho, se aventurando por conta prpria

    (sem ser um "turista" -o que j um papel), se

    passando por um cidado comum, sem ter as

    determinaes daquela sociedade e, sabendo que a

    qualquer momento ele poder se explicar como sendo

    estrangeiro, ele se d o direito de fazer como sente,

    como gosta, "ele pode ser ele mesmo", ou seja, fazer

    coisas que no faria se as pessoas o conhecessem, o

    identificassem como filho de "fulano", casado com

    "sicrana", que trabalha na firma X . . .

    Agora podemos pensar em toda a variedade de

    situaes que ns vivemos cotidianamente e

    reconhecermos situaes em que somos mais

    determinados e outras em que somos menos

    determinados, ou seja, "livres".

    Esta liberdade de manifestarmos a nossa

    personalidade2 tambm tem a sua determinao

    histrica: naquelas atividades sociais que no so

    importantes para a manuteno da sociedade, ou, s

    vezes, at o contrrio, a contraveno necessria para

    reforar o considerado "correto", "normal" os grupos considerados "marginais" reafirmam

    (2) Personalidade entendida como o conjunto de caractersticas

    bio-fisio-scio-psicolgicas peculiares ao indivduo.

  • os srios e trabalhadores, desde que no ponham em

    risco a ordem da sociedade; ento a ordem : faam

    como quiserem, sabendo que o "querer" limitado;

    porm, naquelas situaes, as quais podem abalar todo

    o sistema de produo da sobrevivncia social, a

    liberdade se restringe a um "estilo" (ser mais ou menos

    sorridente, mais ou menos srio, mais expansivo ou

    mais tmido, entre outros). Assim como a rainha

    Elizabeth na abertura do Parlamento, o trabalhador se

    relaciona com suas ferramentas e mquinas, com seus

    chefes e mesmo com seus colegas de trabalho segundo

    um protocolo muito bem definido, pois, afinal, se ele

    no o fizer, o outro se sair melhor, ou ele perder o

    emprego.

    O viver em grupos permite o confronto entre as

    pessoas e cada um vai construindo o seu "eu" neste

    processo de interao, atravs de constataes de

    diferenas e semelhanas entre ns e os outros. neste

    processo que desenvolvemos a individualidade, a nossa

    identidade social e a conscincia-de-si-mesmo.

    A identidade social

    o que nos caracteriza como pessoa, o que

    respondemos quando algum nos pergunta "quem

    voc?".

  • Procurem responder esta questo antes de continuar

    a leitura, e verifiquem como se define a identidade

    social de cada um na seqncia do texto.

    Uma jovem adolescente respondeu:

    "Quem sou eu

    Bem, um pouco difcil dizer quem sou e como sou.

    Mas posso tentar:

    Fisicamente sou magra, estatura mdia, pele muito

    clara, olhos esverdeados, cabelos castanhos e

    compridos, rosto fino, nariz arrebitado, com cara de

    moleca, mas corpo de mulher.

    Psicologicamente sou tagarela, brincalhona,

    expansiva, briguenta, triste, agressiva e estpida

    (minha me que o diga).

    Estou fazendo pela 4 vez o primeiro colegial, tenho

    17 anos e completo 18, em outubro, dia 31, sou de

    1963.

    Meu signo Escorpio, geniozinho difcil. No sou

    fantica por estudos, mas estou tentando.

    Fao e adoro ballet assim como artes em geral, leio

    bastante, vou ao cinema mas so poucos os filmes

    intelectualmente bons, gosto muito de Wood Alen mas

    ainda no vi seu ltimo filme Memrias. Em literatura,

    gosto de romances antigos e de autores brasileiros

    como Mario de Andrade, Ceclia Meirelles, Graciliano

    Ramos e Fernando Pessoa entre outros.

    Gosto de estar sempre a par de tudo, como artes,

    poltica, atualidade, economia e tudo que

  • ocorre ao redor da gente.

    Sou bem complicada, no?

    Gosto tambm de msica popular e tenho afeio

    especial por Chico Buarque, Milton Nascimento e Rita

    Lee, gosto tambm de Mozart e Tchaikovsky (isto por

    causa do ballet).

    Tenho como dolo n 1 Mikhail Baryshnikov,

    bailarino russo, atualmente residente nos EUA;

    diretor do American Ballet Theatre de Nova Iorque,

    mas tambm dana com o New York City Ballet; bem,

    eu estou falando de mim e no do MISHA (seu

    apelido), chega de ballet. O que mais posso dizer ...

    Ah! No tenho namorado, nem sou apaixonada por

    ningum, mas gosto de ter amigos e estar sempre

    cercada de gente.

    Bem, eu sou assim, uma pessoa que faz o que gosta e

    luta pelo que quer, sonhadora, mas realista, acho que

    sou algum indecifrvel, sou uma incgnita para mim

    mesma".

    O relato acima nos permite caracterizar, em primeiro

    lugar: o sexo, a aparncia fsica e traos de

    personalidade que demonstram como ela se relaciona

    com os outros e d "dicas" sobre como deve ser o seu

    grupo de amigos: se estes no forem descontrados,

    dificilmente a aceitaro no grupo. A meno da idade e

    do curso que faz a localizam numa faixa etria, com

    determinado nvel educacional, que se complica com a

    meno do signo e de "no ser fantica por estudo", ou

    seja,

  • possivelmente seu grupo preferido de pares no est na

    escola.

    O fazer ballet e as coisas de que gosta dizem sobre

    quais os grupos que so importantes para ela e, sem

    dvida, indicam toda uma estimulao intelectual que,

    no vindo da escola, deve estar presente no contexto

    familiar, e no grupo de ballet. (Para constatar estas

    inferncias precisaramos tambm da sua histria de

    vida.)

    interessante observar um certo tom de mistrio,

    desde achar difcil dizer "quem " at se sentir

    "indecifrvel, uma incgnita" uma forma de no se comprometer definitivamente com uma identidade ela nos d o seu potencial e guarda para si os aspectos

    idealizados para o futuro. Este aspecto da representao

    de si mesmo parece ser uma caracterstica de

    adolescente do qual no exigida uma definio

    precoce e cujo ambiente social deve enfatizar a

    autodeterminao do jovem sem impor modelos "bons"

    a serem seguidos.

    Vejam este outro texto como ilustra bem esta

    procura de preservao:

    "Eu sou um cara simples

    Eu sou feio

    Eu sou simptico

    Eu sou fcil de se encontrar

    Eu sou difcil de se entender*

    (*) Grifos nossos.

  • Eu sou meio cristo

    Eu sou extrovertido (tmido em certas ocasies)

    Eu sou implicante

    Eu sou um cara que no sabe o que . . .*

    Eu sou um cara que gosta de gostar

    Eu sou um cara que detesta politicagem

    Eu sou um cara que adora mexer com o

    desconhecido

    Eu sou um cara que odeia racismo

    Eu sou um cara que no gosta de escrever o que *

    Eu sou um cara que gosta de fazer xixi na rua"

    E notem a ltima frase que parece dizer: "no me

    amolem, afinal no gosto de escrever a meu respeito",

    ou "me deixem ser criana".

    Estes dois relatos enfatizam caractersticas

    peculiares que dizem respeito maneira de cada um se

    relacionar com os outros, sendo caractersticas que

    foram sendo apreendidas nas relaes grupais; sejam

    familiares e/ou de amigos, atravs do desempenho de

    papis diversificados. E nessa diversidade que eles

    vo se descobrindo um indivduo diferente, distinto dos

    outros. Nossos amigos deixaram de ser um, entre

    muitos da espcie humana e passaram a ser pessoas

    com caractersticas prprias no confronto com outras

    pessoas eles tm suas identidades sociais que os diferenciam

    (*) Grifos nossos.

  • Eu no gosto de escrever o que sou e gosto de fazer xixi

    na rua.

  • dos outros.

    Conscincia de si

    Para finalizar este captulo importante uma

    reflexo sobre o que, de fato, representa a identidade

    social, definida pelo conjunto de papis que

    desempenhamos. Como vimos, estes papis atendem,

    basicamente, manuteno das relaes sociais

    representadas, no nvel psicolgico, pelas expectativas

    e normas que os outros envolvidos esperam sejam

    cumpridas ("sou expansiva, brincalhona" ou,

    simplesmente, "simptico, extrovertido").

    neste sentido que questionamos quanto a

    "identidade social" e "papis" exercem uma mediao

    ideolgica, ou seja, criam uma "iluso" de que os

    papis so "naturais e necessrios", e que a identidade

    conseqncia de "opes livres" que fazemos no nosso

    conviver social, quando, de fato, so as condies

    sociais decorrentes da produo da vida material que

    determinam os papis e a nossa identidade social.

    diante desta questo que julgamos necessrio

    levantar o problema da conscincia em si.

    Se assumirmos que somos essencialmente a nossa

    identidade social, que ela conseqncia de opes que

    fazemos devido a nossa constituio

  • biogentica, ou temperamento, ou mesmo atraes de

    personalidade, como aspectos herdados geneticamente, sem

    examinarmos as condies sociais que, atravs da nossa

    histria pessoal, foram determinando a aquisio dessas

    caractersticas que nos definem, s poderemos estar

    reproduzindo o esperado pelos grupos que nos cercam e

    julgados "bem ajustados".

    Porm, se questionarmos o quanto a nossa histria de vida

    determinada pelas condies histricas do nosso grupo

    social, ou seja, como estes papis que aprendemos a

    desempenhar foram sendo definidos pela nossa sociedade,

    poderemos constatar que, em maior ou menor grau, eles

    foram sendo engendrados para garantir a manuteno das

    relaes sociais necessrias para que as relaes de produo

    da vida se reproduzam sem grandes alteraes na sociedade

    em que vivemos. Ou seja, constataremos que nossos papis e

    a nossa identidade reproduzem, no nvel ideolgico (do que

    "idealizado", valorizado) e no da ao, as relaes de

    dominao, como maneiras "naturais e universais" de ser

    social, relaes de dominao necessrias para a reproduo

    das condies materiais de vida e a manuteno da

    sociedade de classes onde uns poucos dominam e muitos so

    dominados atravs da explorao da fora de trabalho.

    Apenas quando formos capazes de, partindo de um

    questionamento deste tipo, encontrar as razes histricas da

    nossa sociedade e do nosso grupo

  • social que explicam por que agimos hoje da forma

    como o fazemos que estaremos desenvolvendo a

    conscincia de ns mesmos.

    Deste modo entendemos que a conscincia de si

    poder alterar a identidade social, na medida em que,

    dentro dos grupos que nos definem, questionamos os

    papis quanto sua determinao e funes histricas

    e, na medida em que os membros do grupo se identifiquem entre si quanto a esta determinao e

    constatem as relaes de dominao que reproduzem

    uns sobre os outros, que o grupo poder se tornar

    agente de mudanas sociais. "A conscincia individual

    do homem s pode existir nas condies em que existe

    a conscincia social" (A. Leontiev, O Desenvolvimento

    do Psiquismo, p. 88).

    Porm este processo no simples, pois os grupos e

    os papis que os definem so cristalizados e mantidos

    por instituies que, pelo seu prprio carter, esto bem

    aparelhadas para anular ou amenizar os

    questionamentos e aes de grupos, em nome da

    "preservao social".

    Mas antes de analisar como as instituies

    determinam nossas aes sociais, preciso entender

    ainda alguns aspectos bsicos do nosso comportamento

    social: a linguagem, o pensamento, a representao que

    fazemos do mundo e a prpria conscincia, como

    processos psicolgicos fundamentais para a nossa

    relao com os outros.

    BaraoNotizPROVA NP1CAI PARA DISCUTIR!!!!!!!!!!

  • COMO APREENDEMOS

    O MUNDO QUE NOS CERCA

    A linguagem

    "A linguagem aquilo atravs do que se generaliza a

    experincia da prtica scio-histrica da humanidade"

    (Leontiev, op. cit., p. 172).

    Pelo que tudo indica, a linguagem se desenvolveu

    historicamente quando os seres humanos tiveram que

    cooperar para a sua sobrevivncia. Da mesma forma

    como criaram instrumentos necessrios para uma

    prtica de sobrevivncia, desenvolveram a linguagem

    como forma de generalizar e transmitir esta prtica. O

    trabalho cooperativo, planejado, que submete a

    natureza ao homem, s foi possvel atravs do

    desenvolvimento da linguagem pelos grupos sociais

    humanos.

  • Nos tempos primitivos, quando os grupos sociais

    trabalhavam para a sua sobrevivncia com divises

    simples de trabalho, a relao palavra-objeto

    determinava significados facilmente objetivados para

    aquele "som" ou conjunto de fonemas. Na medida em

    que as relaes entre os homens vo se tornando mais

    complexas, em decorrncia de uma complexidade

    maior na diviso de trabalho, onde o produto pode ser

    acumulado (pois a sobrevivncia est garantida),

    surgindo a propriedade privada, a linguagem tambm se

    torna mais complexa; ela deixa de atuar apenas num

    nvel prtico-sensorial para ir se tornando tambm

    genrica, abstrata, atendendo s novas atividades

    engendradas social e historicamente: artes, religio,

    modas, tecnologias, educao, formas de lazer, etc, e

    assim a linguagem, instrumento e produto social e

    histrico, se articula com significados objetivos,

    abstratos, metafricos, alm dos neologismos e grias

    de cada poca.

    At o momento nos referimos apenas linguagem,

    ao de falar, porm no podemos esquecer que ela no

    o nico cdigo de comunicao, a ponto de Skinner

    definir o comportamento verbal como sendo "todo

    aquele comportamento reforado atravs da mediao

    de outras pessoas", e assim incluindo, alm do falar, o

    escrever, os sinais, gestos, cdigo Morse, e at os

    rituais. Esta definio muito importante para ressalvar

    o carter instrumental da linguagem, que

  • se, de incio, tinha que ser objetiva (coisa =

    significado), hoje adquiriu uma autonomia tal que

    permitiu mais uma diviso de trabalho: a manual

    versus a intelectual.

    Vocs diro que tanto o trabalhador manual como o

    intelectual usam palavras, gestos, ritos. E, mais, o

    intelectual no quem. fala quem pensa ! Ento eu pergunto: vocs j tentaram pensar sem

    palavras? No parece o dilema de "quem nasceu

    primeiro: o ovo ou a galinha? ".

    A origem social da linguagem nos d pistas para

    uma resposta: a linguagem surge para transmitir ao

    outro o resultado, os detalhes de uma atividade ou da

    relao entre uma ao e uma conseqncia. Hoje, na

    sociedade, as crianas nascem em grupos "falantes" e

    que s as vo considerar "gentes" quando elas falarem.

    Mas se vocs observarem nens, antes deles

    aprenderem a falar (no apenas emitir sons ou

    vocalizaes), podero constatar que eles relacionam

    as coisas: eles pensam sobre as coisas que esto aqui e

    agora. Experimentem esconder o chocalho debaixo do

    lenol. Ele vai direto buscar o seu brinquedo debaixo

    do lenol isto j pensar. Sabemos que a complexidade da nossa sociedade

    histrica e que se iniciou com o homem transformando

    a natureza e se transformando. De alguma maneira, o

    nosso nen vai ter que percorrer a histria rapidamente.

    Ele nasceu em uma

  • socidade que separa o fazer do falar, logo ele tem que

    ser capaz de usar o seu pensar de modo a ser capaz de

    fazer o que os adultos fazem, e, para tanto, ele tem que

    falar.

    Hoje, os estudos sobre o desenvolvimento intelectual

    mostram como a aquisio da linguagem (ou

    comportamento verbal, conforme definido acima)

    condio essencial para o chamado desenvolvimento

    intelectual, isto , ser capaz de generalizaes,

    abstraes, figurao, em outras palavras, superar o

    aqui e agora: planejando, prevendo, lembrando,

    simbolizando, idealizando . . .

    Mas acontece que ns no somos apenas

    pensadores-falantes; somos, antes de mais nada,

    fazedores de coisas, de instrumentos que produzem

    fogo, comida, guerra, beleza e. . . a ns mesmos

    -fazedores de coisas. Porm, o objeto pensado,

    idealizado, ainda no existe, preciso que se

    desenvolva uma srie de aes fsicas sobre as coisas

    que nos cercam para concretizar o objeto pensado; a

    sua existncia produto da nossa atividade e, ao

    faz-lo, nossa atividade se objetiva no produto final,

    enquanto ns nos transformamos neste processo de

    fazer.

    De fato, impossvel separarmos agir pensar falar, e sempre que isto feito, seja teoricamente, seja

    em termos de valores, ocorre uma alienao da

    realidade; agir sem pensar ser um autmato; falar

    sem pensar ser como um papagaio; falar sem

    agir"de boas intenes o

  • inferno est cheio".

    Retomando, vimos como a linguagem produzida

    socialmente, pela atribuio de significados s palavras.

    Assim, o grosso dicionrio objetiva as palavras com as

    suas significaes, porm elas nada mais tm a ver com

    os objetos materiais a que se referem. Leontiev d um

    exemplo perfeito: "O alimento , sem dvida, um

    objeto material; no entanto, o significado da palavra

    alimento no contm um grama de substncia

    alimentcia". nesta distino entre palavra e objeto, a

    que se refere, que podemos detectar como a linguagem

    muitas vezes se torna uma arma de dominao.

    A palavra se torna poderosa quando alguma

    "autoridade" social impe um significado nico e

    inquestionvel, que determina uma ao automtica.

    Terwilliger analisa este aspecto da linguagem em

    situaes como a hipnose, a lavagem cerebral, o

    comando militar.

    No primeiro caso, o hipnotizador tem que obter uma

    passividade total do hipnotizado ("relaxe, voc vai

    dormir"), ou seja, uma total submisso sua voz, s

    suas palavras, para em seguida sugerir situaes e as

    reaes e/ou aes conseqentes ("hoje est muito frio,

    est at caindo neve e voc sem agasalho", e o

    hipnotizado reage tremendo de frio, esfregando as

    mos, se agasalhando com os braos . . .). Por outro

    lado, se o hipnotizador falar sobre situaes totalmente

    desconhecidas ao hipnotizado, seja atravs de

    descries ou

  • experincias, provavelmente nada ocorrer, seria como

    algum falando num idioma totalmente desconhecido;

    mas a referncia a situaes conhecidas as torna reais

    para o sujeito, mesmo que, para algum observando de

    fora, elas se apresentem como imaginrias.

    Quanto ao comando militar, podemos observar que

    toda a disciplina e hierarquia militar se baseiam no

    princpio de que qualquer ordem lei, e, se

    desobedecida, acarreta necessariamente um dano fsico

    desde a punio at a morte. A insubordinao negao da prpria instituio: portanto nenhuma

    ordem pode ser questionada e, neste sentido, as

    palavras tm s um significado possvel, para que a

    ao ocorra automaticamente ao som do comando, isto

    , o soldado no pode, nem deve pensar, pois seus

    superiores pensam por ele. Todo o seu treinamento foi

    feito visando assegurar a obedincia cega de todos para

    que os objetivos finais propostos pela ordem inicial e,

    gradualmente, operacionalizada pela hierarquia de

    comando se concretizem pela ao conjunta do "corpo"

    militar.

    N caso da lavagem cerebral, o processo que ocorre

    o de eliminar significados existentes, atribuindo-se s

    palavras novos significados, o que conseguido,

    impedindo que o prisioneiro se comunique com pessoas

    que poderiam estar reforando ou mantendo os seus

    significados originais. Ele s pode se relacionar com

    pessoas que no admitam qualquer questionamento e

    que s

  • A hipnose em idioma desconhecido: um fracasso.

  • emitam os novos significados, como sendo os nicos

    possveis, mas preciso que estas pessoas sejam

    significativas para o prisioneiro e, para tanto, criam-se

    condies fsicas e psicolgicas de total abandono,

    atravs de isolamento, cansao, fome, etc, para que

    algum se torne necessrio e a lavagem cerebral seja

    eficaz.

    E ainda Terwilliger que, jocosamente, comenta que

    as autoridades militares no sabem como treinar seus

    soldados para que eles no se submetam to facilmente

    a lavagens cerebrais, quando aprisionados. A soluo

    no entanto, seria bem simples: s ensinar o soldado a

    pensar, a questionar as ordens dadas. . . Mas tudo

    indica que esta seria uma soluo jamais endossada

    pelos comandantes militares.

    Podemos, ento, concluir que a contra-arma do poder

    da palavra se encontra na prpria natureza do

    significado: ampli-lo, question-lo, pensar sobre

    ele e no, simplesmente, agir em resposta a uma

    palavra. Entre a palavra e a ao dever sempre existir

    o pensamento para no sermos dominados por aqueles

    que detm o poder da palavra.

    Cabe ainda uma anlise de como a linguagem exerce

    a mediao entre ns e o mundo, na medida em que ela

    permite a elaborao de representaes sociais. Ou

    seja, atravs delas que descrevemos, explicamos e

    acreditamos na nossa realidade e o fazemos de acordo

    com o nosso grupo social.

    BaraoNotizCONTRAPOSICAO AO PODER pensar a palavra antes de agir

  • s ensinar o soldado a pensar, a questionar as ordens

    dadas. .. Mas...

  • So representaes sociais afirmaes como: "a Terra

    tem a forma de uma laranja", "o dia e a noite so

    decorrentes do movimento de rotao da Terra", ou

    ainda, "a nossa vida j vem escrita pelo destino", ou,

    como dizia uma empregada domstica, "rico aquela

    pessoa que soube poupar".

    Vocs podem notar que as representaes podem

    estar baseadas em fatos cientficos, no observveis

    diretamente, como em crenas, em sugestes

    publicitrias, todas dependentes dos grupos sociais com

    os quais a pessoa convive.

    Como j vimos, a linguagem existe como produto

    social, e atravs das relaes com os outros que

    elaboramos nossas representaes do que o mundo.

    Quando uma criana, que est comeando a usar a

    linguagem, brinca com uma bola, esta s se constituir

    em uma representao quando outras pessoas se

    referirem a ela como "bola", "bola voc joga, que

    chuta, que quebra a janela, que rola, que pula". Notem

    que a representao implica na ao, na experincia

    com um objeto ou situao e nos significados

    atribudos a ela pelas pessoas com que nos

    relacionamos, ou seja, a representao o sentido

    pessoal que atribumos aos significados elaborados

    socialmente.

    Mas nem todas as nossas representaes se formam

    to simplesmente. Pensem, por exemplo, em termos

    como Deus, eternidade, morte, infinito e mesmo

    sociedade, histria, classe social, etc.

  • So representaes onde a experincia, a vivncia so

    impossveis, ou so apenas fragmentos, fazendo com

    que a mediao social de pessoas, consideradas

    autoridades, desempenhem uma funo essencial na

    formao da representao e aqui, como vimos em

    relao aos significados da palavra, que surge o poder

    impondo representaes consideradas necessrias para

    a reproduo das relaes sociais. nesse momento

    que se d a transmisso ou imposio da ideologia

    dominante. Na anlise da linguagem, mencionamos o

    fato observado na nossa sociedade, da distino entre

    aquele que "fala" e aquele que "faz", entre o intelectual

    e o braal. O primeiro, prximo da classe dominante, e

    identificado com ela, quem se apresenta aos outros

    como autoridade para explicar, justificar, como

    "conhecedor do mundo", que se caracteriza,

    basicamente, por falar bem, falar corretamente,

    caracterstica esta que se generaliza, tornando

    "autoridades respeitveis" aqueles que dominam a

    linguagem bem articulada, correta, etc. So estas

    pessoas, que na sua identificao com a classe

    dominante elaboram explicaes sobre a realidade

    social que sejam coerentes, consistentes entre si, e que

    justificam a sociedade tal como ela ; e, na medida em

    que estas explicaes encobrem as relaes de poder e

    as contradies decorrentes, valorizando as relaes

    existentes, elas exercem uma funo ideolgica

    falseadora, elas idealizam uma realidade, diferente do

    que ela realmente .

  • Obviamente esta produo da ideologia no se d

    conscientemente, mas sim em decorrncia de uma viso

    da sociedade da posio de quem a domina e que

    precisa justificar e valorizar sua dominao.

    Podemos compreender agora por que to difcil

    chegarmos a ter conscincia de ns mesmos, como

    vimos no captulo anterior, e, mais ainda, como difcil

    chegarmos a ter uma conscincia de classe. Quando o

    nosso pensamento no confronta as nossas aes e

    experincias com o nosso falar, quando apenas

    reproduzimos as representaes sociais que nos foram

    transmitidas, e toda e qualquer inconsistncia ou

    incoerncia atribuda a "excees", a "aspectos

    circunstanciais", quando no a particularidades

    individuais, estaremos apenas reproduzindo as relaes

    sociais necessrias para a manuteno das relaes de

    produo da vida material em nossa sociedade.

    Porm, apenas quando confrontamos as nossas

    representaes sociais com as nossas experincias e

    aes, e com as de outros do nosso grupo social, que

    seremos capazes de perceber o que ideolgico em

    nossas representaes e aes conseqentes. Ou seja,

    pensar a realidade e os significados atribudos a ela,

    questionando-os de forma a desenvolver aes

    diferenciadas, isto , novas formas de agir, que por sua

    vez sero objeto de nosso pensar, que nos permitir

    desenvolver a conscincia de ns mesmos, de nosso

    grupo social

    BaraoNotizPERCEPCAO DO IDEOLOGICO

  • e de nossa classe como produtos histricos de nossa

    sociedade, e tambm cabendo a ns agentes de nossa histria pessoal e social decidir se mantemos ou transformamos a nossa sociedade.

    Concluindo, importante ressaltar a diferena

    fundamental que existe entre fazer e falar. S o

    primeiro produz objetos e a nossa prpria vida; o falar

    instrumento que pode no produzir nada, dando a

    impresso de que algo est sendo produzido.

    Tomemos, como exemplo, este livro que voc est

    lendo; mesmo sendo um objeto, um produto, as

    palavras aqui contidas s tero um significado social se

    elas forem capazes de alterar comportamentos

    cotidianos de algumas pessoas. Se, atravs da

    compreenso de alguns processos, a qual s se dar se

    vocs se voltarem para a sua prpria realidade e

    confrontarem (pensarem) aquilo que est escrito com o

    que vocs observam em volta; se, em conseqncia,

    vocs passarem a agir, a se relacionar com os outros de

    formas novas, diferentes, poderemos dizer que o falar

    se tornou fazer.

  • A HISTRIA

    VIA FAMLIA E ESCOLA

    Agora estamos aptos para analisar a insero do

    indivduo na sociedade, atravs da sua vinculao a

    grupos institucionalizados e que determinam,

    necessariamente, a vida social das pessoas em nossa

    sociedade, caracterizando o conjunto de relaes

    sociais que as definem. Inicialmente analisaremos a

    famlia e em seguida a escola, ambas fundamentais no

    processo de socializao e determinantes das

    especificidades prprias das classes sociais, apesar

    destas instituies proporem normas comuns para todos

    os membros da sociedade.

    A famlia

    o grupo necessrio para garantir a

  • A famlia e o controle social.

  • sobrevivncia do indivduo e por isto mesmo tende a

    ser vista como "natural" e "universal" na sua funo de

    reproduo dos homens. Porm, a ela cabe tambm

    tanto a reproduo da fora de trabalho como a

    perpetuao da propriedade, tornando-a assim

    fundamental para a sociedade e, conseqentemente,

    objeto de um controle social bastante rigoroso por

    aqueles que detm o poder.

    A instituio familiar , em qualquer sociedade

    moderna, regida por leis, normas e costumes que

    definem direitos e deveres dos seus membros e,

    portanto, os papis de marido e mulher, de pai, me e

    filhos devero reproduzir as relaes de poder da

    sociedade em que vivem.

    Podemos observar na sociedade brasileira que, na

    famlia nuclear, cabe ao marido e pai o mximo de

    autoridade; nos casos em que ainda se mantm a

    famlia extensa (onde h convivncia com tios, avs,

    etc), em geral, o mximo de autoridade se concentra

    nos avs. Da mulher sempre se espera submisso,

    cabendo a ela apenas um poder relativo sobre os filhos

    em suas relaes cotidianas, ficando a responsabilidade

    das decises fundamentais sobre a vida dos filhos, em

    geral, para p pai.

    Tambm na relao entre os filhos podemos

    observar toda uma hierarquia de poder: o mais velho

    pode mais que o segundo; o filho homem, mais que a

    filha mulher.

    Esta estrutura familiar decorre da necessidade

    histrica da preservao de propriedades e bens

    BaraoNotizPAPEIS E RELACAO PODER NA FAMILIA

  • pela famlia extensa, levando instituio da

    monogamia e valorizao da virgindade da mulher,

    como condies essenciais para garantir a legitimidade

    dos filhos, a ponto de, em algumas sociedades, ser

    considerado herdeiro apenas o filho mais velho o nico que o marido pode ter certeza da sua paternidade,

    pela constatao da virgindade da mulher.

    Este aspecto foi to marcante no desenvolvimento do

    capitalismo brasileiro que at hoje encontramos

    algumas famlias tradicionais os chamados "quatrocentes" nas quais, durante vrias geraes, s eram admitidos casamentos entre membros da

    prpria famlia (entre primos de vrios graus e mesmo

    entre tios e sobrinhos), e assim garantiam a manuteno

    e controle dos bens por um mesmo grupo familiar.

    Com o fluxo imigratrio e o desenvolvimento

    industrial, os donos de propriedades produtivas (dos

    meios de produo), que eram essencialmente

    agrcolas, se vem obrigados a acordos e concesses

    diante do crescente capital industrial, a fim de manter a

    sua hegemonia de poder, passando ento a consolidar

    estes acordos atravs de casamentos fora do crculo

    familiar. Porm, o poder ainda tem que ser mantido, e

    atravs da estrutura familiar que ir inculcar na criana

    a figura de "autoridade", de "chefe" no dizemos o "chefe da famlia"? como necessria para a manuteno e reproduo das relaes sociais.

  • dentro desta lgica que se atribuem tambm

    caractersticas peculiares ao homem e mulher,

    consideradas necessrias para a reproduo da famlia e

    da sociedade. So atributos que vo desde os fsicos at

    os de interesses, e que podemos constatar atravs de

    expresses que freqentemente escutamos em volta de

    ns, tais como:

    "Menino no chora."

    "Ela to sensvel."

    "Homem tem que ser forte."

    "Menino no brinca com boneca." Mas, para a

    menina, se comenta: "Veja s, o instinto maternal . . ."

    "Menino, v brincar l fora, o que voc est fazendo

    aqui dentro?" Mas, "menina no brinca na rua".

    "Menina, voc no tem parada, parece um moleque."

    O rapaz sai e volta de madrugada: "Se divertiu, meu

    filho?".

    A mocinha sai e volta de madrugada: "O que os

    vizinhos vo dizer de voc, voltando a esta hora?".

    E, em relao autoridade:

    "Respeite o seu pai, menino."

    "No discuta com os mais velhos!"

    "Quando voc crescer, voc vai entender. . ."

    "Seus pais s querem o seu bem." (Em geral para

    justificar uma ordem incompreensvel.)

    Vocs j pensaram por que a Mnica (do Maurcio

    de Souza) to engraada, enquanto a

  • Magali to "sem graa"? O cmico sempre o

    inusitado, o inesperado, e, no caso, a Mnica sendo

    dominadora, briguenta, est fora dos padres, "caso

    nico". Ela um bom exemplo do "errado" que

    enfatiza o "certo"; se no, experimentem chamar uma

    garotinha de oito anos de idade de Mnica e vejam a

    sua reao . . .

    Voltando ao nosso indivduo, que afinal o enfoque

    da psicologia social, vamos analisar como o grupo

    familiar atua sobre ele durante o processo denominado,

    geralmente, de socializao primria.

    Uma criana recm-nascida depende, para a sua

    sobrevivncia, de outras pessoas e atravs desta

    relao que ela vai apreendendo o mundo que a cerca; a

    relao de dependncia que existe entre ela e aqueles

    que a cuidam faz com que estes sejam extremamente

    importantes para a criana durante o seu processo de

    desenvolvimento, pois, no momento em que consegue

    se perceber distinta do seu meio e dos outros, estas

    pessoas se tornam os "outros significativos", ou seja,

    outros com os quais ela se identifica emocionalmente e

    atravs dos quais vai criando uma representao do

    mundo em que vive, e que para ela o mundo, sem

    alternativas possveis. Pela identificao emocional

    com os outros significativos, o mundo deles o da

    criana, existindo, portanto, apenas um mundo

    possvel.

    O processo aqui semelhante ao da anlise que

    fizemos da linguagem como arma de poder,

  • acrecentando-se, nesta situao, um forte componente emocional-afetivo, alm de um processo de generalizao

    que ocorre em funo da coerncia existente entre as vises

    de mundo e de valores das pessoas que constituem o grupo

    familiar.

    Vejamos um exemplo. Desde cedo a me ensina a criana

    a no mexer nos enfeites da sala; o "no mexa a!" da me

    repetido, em outras ocasies, pelo pai, pelas tias, pela av e,

    assim, a criana vai generalizando que "todo mundo no a

    deixa mexer naqueles objetos", que "criana no pode mexer

    neles", at concluir que "no se deve mexer nos objetos que

    enfeitam uma sala".

    assim que se formam aqueles valores que sentimos to

    arraigados em ns, que at parece termos nascido com eles.

    Esta viso nica do mundo e de um sistema de valores s ir

    ser confrontada no processo de socializao secundria, isto

    , atravs da escolarizao e profissionalizao,

    principalmente na adolescncia, poca em que o jovem

    questiona os "outros significativos", no por ser uma fase

    natural, como muitos pretendem, mas porque atravs de

    outros laos afetivos e atravs do seu pensamento e

    experincias sociais e/ou intelectuais o jovem se depara com

    outras alternativas, com outras vises de mundo, que o

    levam a questionar aquela que ele construiu como sendo a

    nica possvel.

    Retornando anlise que fizemos do processo grupai e

    da conscincia de si, poderemos entender

    BaraoHervorheben

  • por que a famlia tende a ser sempre to preservadora,

    ou, melhor dizendo, to conservadora; pois as relaes

    de poder que caracterizam os papis familiares so

    sempre apresentadas como condies naturais e

    necessrias para a sobrevivncia dos filhos, como

    condies biolgicas, no se distinguindo o que

    determinado histrica e socialmente do que

    fisicamente necessrio para a preservao da espcie.

    este aspecto que, via de regra, impede, nos momentos

    crticos do grupo familiar, o tomar conscincia dos

    papis e das relaes de poder historicamente

    determinadas, pois estas so vistas como naturais, "o

    poder um dever, uma questo de sobrevivncia".

    Tanto assim que as "crises" de um casal so

    justificadas por diferenas de temperamento e por

    "incompatibilidade de gnios", quando no por

    "crueldade mental" de um dos parceiros, sem se

    questionar como eles vm desempenhando seus papis,

    de como se d a relao de poder entre eles e o quanto

    esto vivendo e reproduzindo, no mbito das relaes

    afetivas, as determinaes institucionais.

    A mesma anlise pode ser feita para as "crises" entre

    pais e filhos: "a rebeldia do jovem e a quadratura dos

    velhos", so expresses que retratam bem a existncia

    de uma luta pelo poder, que, apesar das analogias feitas

    com diferentes espcies de animais (ideologia da

    sobrevivncia do melhor), mantm uma diferena

    fundamental os animais

    BaraoNotizEXEMPLOSDA NATURALIZACAO DA SOCIALIZACAO PRIMARIA E PROBLEMAS DISSO RESULTANTES

  • lutam instintivamente para garantir a sobrevivncia da

    espcie, os homens, para a manuteno do poder de

    alguns, na sociedade em que vivem, o que

    interpretado por algumas teorias sociolgicas como

    "preservao da sociedade"; eles assim agem no

    instintivamente, mas inconscientemente3.

    A escola

    Da mesma forma que a famlia, a educao tambm

    institucionalizada, ou seja, princpios, objetivos,

    contedos, direitos e deveres so definidos pelo

    governo a fim de garantir que, em todos os seus nveis,

    ela reproduza conhecimentos e valores, necessrios

    para a "transmisso harmoniosa da cultura, produzida

    por geraes anteriores, para as novas, garantindo o

    desenvolvimento de novos conhecimentos, necessrios

    para o progresso do pas". Estamos reproduzindo

    livremente textos oficiais que definem o nosso sistema

    educacional, para entendermos como a escola,

    diferentemente da famlia, atua no processo de

    reproduo das relaes sociais; pois agora no tanto

    a autoridade

    (3) No sentido de no ocorrer o pensar confrontando o significado atribudo

    socialmente, e a prpria realidade vivida, ou seja, o significado assumido e

    reproduzido nas aes.

  • que tem de ser valorizada, pois esta j foi garantida

    atravs da famlia, mas sim o individualismo e a

    competio, mesmo quando se fala em educao

    obrigatria para todos at a oitava srie.

    Comeando pela estrutura de disciplinas

    programadas para cada srie, notamos uma

    fragmentao de conhecimentos que vai se tornando

    crescente ao longo das sries. De incio existem

    atividades que se intercalam, para, gradativamente,

    assumirem a denominao de "matrias", at as

    disciplinas dos cursos profissionalizantes e suas

    respectivas especializaes. E tudo isto distribudo ao

    longo dos anos escolares, sendo que no fim de cada

    srie ocorre um veredicto: o aluno foi ou no aprovado.

    Ainda dentro desta estrutura podemos observar que as

    disciplinas mais abstratas, mais intelectualizantes, so

    mais valorizadas e mais decisivas para a aprovao do

    aluno, j se caracterizando uma oposio entre trabalho

    intelectual e trabalho manual.

    esta estrutura que ir determinar como se daro as

    relaes sociais na escola, entre professores e alunos e

    entre estes e seus colegas. O poder de aprovar ou

    reprovar j coloca o professor numa posio de

    dominao inquestionvel ele a autoridade absoluta, pelo menos na sala de aula e, investido deste

    papel, ele extrapola a sua autoridade de "conhecedor do

    assunto" para todo e qualquer aspecto que entre em

    jogo na sua relao com os alunos, desde o que

    explicitamente

  • ensinado at os insinuados valores estticos, morais,

    religiosos, reproduzindo assim a ideologia dominante

    como descrio "correta" do mundo.

    Este padro dominante tem como conseqncia

    direta o carter seletivo da escola, pois desde o uso da

    linguagem at os exemplos do prprio cotidiano do

    professor sero melhor apreendidos por aqueles alunos

    que vivem em condies semelhantes, ou seja, tm uma

    mesma concepo de mundo, isto sem considerar os

    programas, propriamente ditos, que enfatizam padres

    valorizados pela instituio educacional. desta forma

    que aquelas crianas cujo ambiente familiar pouca

    coisa tem em comum com aquele que trabalhado na

    escola, se sentem estranhas e marginalizadas pois,

    sempre que alguns forem capazes de atender s

    expectativas do professor, isto o bastante para que se

    estabelea um padro de "bom" e "mau" aluno, que vai

    sendo reforado ao longo das sries e assim

    selecionando, no os mais aptos, mas os que se

    aproximam mais da viso de mundo inerente aos

    padres dominantes.

    Mas, vocs podero questionar como se explicam os

    casos de filhos de lavadeiras, de pais analfabetos, que

    conseguem "estudar e subir na vida", cursando at a

    Universidade? Sem dvida as excees existem e at

    so necessrias para se justificar a tese de que tudo

    reside apenas no esforo individual, sem considerar as

    caractersticas circunstanciais que tornaram essa

    "exceo" to

    BaraoNotizEXCECOES acabam por REFORCAR o padrao dominante

  • bem sucedida. E tambm esta tese do esforo

    individual que estimula a competio: quem pode

    mais, consegue o melhor.

    Diante das excees realadas, nos esquecemos dos

    inmeros e freqentes casos de crianas que

    abandonam a escola e, simplesmente, so justificadas

    pelos pais em termos de "ele no tem jeito para o

    estudo", consagrando a separao ideolgica entre

    trabalho manual e trabalho intelectual.

    Se observarmos a relao que se estabelece entre

    colegas, vamos notar que o mesmo ocorre entre eles.

    H uma pesquisa realizada4 numa escola de 19 grau (5

    a

    srie), onde professores haviam institudo como tcnica

    de ensino trabalhos em grupo para que "os mais fortes"

    pudessem ajudar os "mais fracos" O que se observou

    foi que os "mais fortes" reproduziam todos os valores e

    comportamentos autoritrios do professor, a ponto de

    afastarem "os mais fracos", atribuindo tarefas que no

    pudessem comprometer a qualidade do trabalho do

    grupo, como "passar a limpo" ou transcrever trechos de

    livros caso tpico do "feitio virar contra o feiticeiro".

    Tambm fora da situao de sala de aula, se observa

    a tendncia dos "melhores" alunos irem se agrupando

    de um lado e os "piores" de outro, consagrando assim

    uma diferenciao tida como

    (4) Por Lea C. Cruz, tese de Mestrado.

  • natural, quando, de fato, ela tem sua origem na prpria

    organizao institucional da escola.

    Tem-se, ento, a impresso de um "beco sem sada".

    Se at o sistema educacional reproduz as relaes de

    dominao social, parece ser impossvel qualquer

    transformao da sociedade. Por outro lado, no

    podemos nos esquecer que as relaes de dominao

    implicam em contradies geradas pela contradio

    fundamental do sistema capitalista (a luta de classes), e

    portanto elas esto presentes tambm no processo

    educacional e podem ser detectadas na medida em que

    o ensino se d atravs de situaes em que os contedos

    tericos impliquem numa prtica e numa reflexo sobre

    ambos, ou seja, os significados e/ou representaes

    (conceitos, teorias) so confrontados pela interao dos

    sujeitos reais aprendizes com o mundo real que os cerca, permitindo assim a elaborao de novos

    significados e novas prticas.

    Em outras palavras, a escola crtica, a escola onde

    nenhuma verdade seja absoluta, onde as relaes

    sociais possam ser questionadas e reformuladas, o que

    propiciar a formao de indivduos conscientes de

    suas determinaes sociais e de sua insero histrica

    na sociedade; conseqentemente, as suas prticas

    sociais podero ser reformuladas.

    Um bom exemplo desta escola foi parcialmente

    vivido em 1968/9. Quando em vrios pases do mundo

    o ensino universitrio era questionado, no

    BaraoNotizEXEMPLO ESCOLA CRTICA

  • Brasil o governo preparava um anteprojeto de reforma

    universitria, sem qualquer consulta s bases, o que

    desencadeou uma srie de movimentos entre estudantes e

    professores contra este anteprojeto. Em vrias universidades

    foram criadas comisses paritrias para efetuarem uma

    anlise crtica, no apenas do projeto mas das prprias

    condies pedaggicas existentes: desde contedo, mtodos

    de ensino, sistema de avaliao e aprovao, at as relaes

    aluno-professor em sala de aula.

    Deste questionamento surgiram vrias propostas, sendo

    algumas realizadas, em carter experimental, procurando-se

    transformar a situao de sala de aula numa nova relao

    onde professor e aluno trabalhavam lado a lado, sem

    imposies de poder, visando a criao de conhecimentos,

    atravs de teoria e prtica intimamente ligadas (no havia

    mais aulas expositivas); o sistema de avaliao proposto era

    conjunto e contnuo, ou seja, a avaliao conjunta se referia

    tanto ao aluno, ao professor, s atividades realizadas, como

    ao prprio programa desenvolvido, enquanto que a avaliao

    contnua se referia s tarefas, passos ou prticas

    desenvolvidas, permitindo ao aluno enfrentar atividades

    cada vez mais complexas, de tal forma que o prprio aluno

    podia se auto-avaliar, tirando do professor o poder absoluto

    da nota quem avaliava o aluno era o prprio produto realizado por ele.

  • Esta experincia durou um semestre. No ano

    seguinte o poder institucional exigiu um retorno s

    normas vigentes, sob pena do no reconhecimento de

    diplomas e, portanto, o impedimento de um futuro

    exerccio profissional foi o suficiente para que todos se submetessem a elas.

    Porm, pudemos observar que aquelas pessoas

    envolvidas no processo, as quais, efetivamente,

    aceitaram o desafio e procuraram novas formas de

    trabalho educacional, no regrediram jamais s formas

    tradicionais. No que dependia do professor elemento constante sempre se procurou concretizar a nova relao aluno-professor, sem dominao, sem

    imposio de conhecimentos, mas desenvolvendo

    atividades conjuntas, avaliadas por todos, diante de um

    produto decorrente destas atividades.

    No tem sido um processo linear, mas sim um

    processo de acertos, erros, reavaliaes, e, apesar das

    determinaes institucionais, cujo peso sentido

    cotidianamente, para estas pessoas a mudana foi

    radical.

    Tambm foi interessante observar que, durante o

    movimento, aqueles professores e alunos que

    permaneceram apenas reivindicando "novas condies

    de ensino", sem desenvolverem uma prtica

    conseqente, voltaram, simplesmente, no ano seguinte,

    para as formas tradicionais de trabalho em sala de

    aula O que demonstra que "falar no fazer", e

  • que as transformaes sociais s ocorrem

    historicamente: 1968 foi um momento em que

    emergiram contradies, mas no a fundamental,

    decorrente das relaes de produo; porm, a

    conscientizao de alguns permitiu tocar a histria para

    frente, procura de novas prticas conscientizadoras de

    muitos funo possvel de ser exercida pela escola. de Leontiev a afirmao de que a "relao entre o

    progresso histrico e o progresso da educao to

    estreita que se pode, sem risco de erro, julgar o nvel

    geral do desenvolvimento histrico de uma sociedade

    pelo nvel de desenvolvimento do seu sistema

    educativo e vice-versa".

    Caberia ainda uma anlise de outros grupos de

    convivncia que so menos institucionalizados, como

    os de lazer, mas que tambm reproduzem as relaes

    sociais na atribuio e cristalizao de papis. Basta um

    exame de quanto qualquer grupo julga ser essencial a

    existncia de algum que lidere os companheiros e o

    quanto "ter caractersticas de liderana" valorizado

    por todos, e, se aprofundarmos a questo, veremos que

    o que est em jogo a emergncia de uma autoridade

    que mantenha os vnculos de dominao, mesmo em

    grupos onde, aparentemente, todos se propem como

    iguais; porm, fazendo concesses s diferenas

    individuais, chegam a afirmar que uns so,

    necessariamente, melhores que outros e no apenas

    diferentes, e assim consagram a relao de dominao.

    BaraoNotizRELACAO DE DOMINACAO EM GRUPOS MENOS INSTITUCIONALIZADOS COMO, POR EX.:LAZER

  • As diferenas individuais podem responder pela

    diviso de trabalho, por diferentes atribuies aos

    membros do grupo, mas no pela ascendncia de uns

    sobre outros.

    Devemos considerar tambm o reverso da moeda.

    Falamos em dominao, autoridade, liderana como se,

    conscientemente, uns quisessem dominar outros;

    porm, o que de fato ocorre que os dominados tm

    como necessrio ter algum que tome as decises, que

    pense por eles, em outras palavras, mais fcil para

    eles acompanhar os que pensam, os que tomam a

    iniciativa, do que assumir a responsabilidade das

    decises e da prpria participao.

    na "naturalidade" das relaes que podemos

    constatar a fora da ideologia, que se concretiza nos

    comportamentos e aes dos indivduos, e, como j

    mencionamos anteriormente, a dominao s se exerce

    se houver dominados que a entendam como necessria

    o lder sempre produto dos liderados.

  • TRABALHO E CLASSE SOCIAL

    necessrio retomarmos aqui a origem histrica da

    sociedade humana, sem a qual no podemos entender

    como o trabalho que modifica a natureza, ao produzir a

    subexistncia do Homem, tambm produz o homem.

    Quando tratamos da linguagem, mencionamos a sua

    origem relacionada necessidade de cooperao entre

    os homens para produzirem seus meios de

    sobrevivncia, isto , o trabalho. Sem dvida, este

    princpio ainda vlido para os dias de hoje, somente

    que, dada a complexidade crescente e as formas como

    cada sociedade, em cada poca, enfrentou suas

    contradies, foram criadas novas relaes de produo

    da vida material, ou seja, formas de sobrevivncia que

    geram relaes sociais necessrias para manter estas

    relaes de produo.

    Portanto, a anlise do que significa o

  • trabalho para o indivduo dever se basear nas

    condies atuais da nossa sociedade capitalista5, o que

    significa que a produo dos bens materiais, alm de

    atender a subexistncia social, visa o lucro e o aumento

    do capital e para tanto deve, necessariamente, explorar

    a fora de trabalho de muitos. no processo de

    acumulao de bens que o capital se apodera dos meios

    de produo, fazendo com que a mercadoria no seja

    apenas o produto fabricado, mas tambm a fora de

    trabalho, e as prprias relaes sociais decorrentes, no

    processo em outras palavras, os homens se tornam mercadorias.

    Desta forma o capitalismo implica na existncia de

    duas classes sociais, uma que detm o capital e os

    meios de produo e outra que vende sua fora de

    trabalho, ou seja, explorada e dominada pelos poucos

    proprietrios de indstrias, fazendas, bancos, etc, que

    necessitam do lucro gerado pelo trabalho de muitos

    para a manuteno do seu poder, atravs da

    acumulao crescente de bens.

    esta contradio fundamental da sociedade

    capitalista que a ideologia dominante procura encobrir,

    no de forma consciente ou premeditada, mas

    decorrente da prpria diviso de trabalho em intelectual

    e manual, cabendo classe dominante o pensar a

    prpria sociedade, e assim, decorrente

    (5) Veja Indicaes para Leitura.

  • da sua posio social, criar explicaes a partir de uma

    viso fragmentada da sociedade. Nenhum patro

    concordaria em afirmar que ele explora o trabalhador,

    ao contrrio, ele provavelmente dir que os homens so

    naturalmente diferentes, apesar das condies serem

    iguais para todos, e que uns so mais aptos e capazes

    que outros para certas funes, e que em qualquer

    sociedade necessrio existir os que decidem e os que

    executam, etc, etc.

    Resumindo, podemos ver como atravs do trabalho

    produtivo da sociedade se constituem classes sociais

    antagnicas, que, por sua vez, determinam as relaes

    sociais entre os indivduos. Conforme o lugar onde o

    indivduo se inserir, Hele ser esperado o desempenho

    de determinadas atividades que garantam a manuteno

    das relaes de produo e, conseqentemente, as

    classes sociais como tais.

    dentro deste contexto que iremos analisar, no nvel

    psicossocial, o significado de trabalho, como atividades

    realizadas por indivduos; atividades estas produzidas

    pela sociedade qual eles pertencem.

    No nvel individual a atividade decorre de uma

    necessidade sentida e objetivada em coisas. Sente-se

    fome, sente-se a necessidade de comer algo. Se o nosso

    sujeito estiver no mato, este algo ser, provavelmente,

    uma fruta e sua atividade se caracterizar por uma

    seqncia de aes ou

  • comportamentos de procura, de se dirigir para um local

    onde haja rvores frutferas. Se o nosso indivduo

    estiver em sua casa, suas aes o levaro at a

    geladeira, onde h uma fruta ou outro petisco

    imaginado. Se ele estiver no centro da cidade, ir at

    uma lanchonete onde comprar um sanduche.

    Este exemplo simples mostra como uma atividade

    desencadeada por uma necessidade, o que se constitui

    numa seqncia de comportamentos, que, dependendo

    das condies objetivas, visam um fim especfico. O

    que significa que qualquer atividade objetivada, seja

    quando ela desencadeada pelo pensamento de "quero,

    ou preciso de um objeto real", seja quando ela se traduz

    numa seqncia de aes visando um fim, isto , a

    obteno do objeto real.

    Voltemos ao nosso indivduo inserido numa classe

    social de uma sociedade capitalista, onde a produo,

    depois de atender s necessidades de sobrevivncia,

    cria novas necessidades de consumo e,

    conseqentemente, objetos que satisfaam estas

    necessidades; a sua atividade depender essencialmente

    das condies objetivas de vida, e agindo sobre elas as

    transforma, produzindo coisas que inicialmente foram

    pensadas ou imaginadas e que, quando concretizadas,

    trazem em si a atividade objetivada, ou seja, o objeto

    est impregnado da atividade do homem, assim como

    na ao de fazer o objeto o homem se modifica.

  • Da mesma forma que se diz, genericamente, que o

    homem ao transformar a natureza se transforma,

    podemos constatar que o indivduo, ao produzir um

    objeto, transforma uma matria que se torna coisa

    atravs da sua atividade, e pela prpria atividade

    desenvolvida ele, indivduo, se transforma.

    Esta anlise da atividade nos permite apontar para a

    importncia vital do trabalho humano, pois atravs

    dele que nos objetivamos socialmente, e tambm

    atravs dele que nos modificamos continuamente, ou

    seja, nos produzimos, nos realizamos.

    A principal caracterstica do trabalho nas sociedades

    atuais que ele se realiza utilizando instrumentos, o

    que torna a atividade necessariamente social, pois o uso

    de instrumentos, como j vimos, pressupe cooperao

    e comunicao entre os homens; assim, se o

    instrumento nos liga ao mundo das coisas, ele tambm

    nos liga a outros indivduos, produzindo a linguagem e

    o pensamento, o qual, por sua vez, produzir atividades

    e aes que se concretizam nas relaes sociais.

    Vejamos uma situao corriqueira, em que algum

    sente frio e pensa em um agasalho. Para tanto ele

    precisar de l, agulhas e saber tricotar observem o social na produo dos objetos e na tcnica do tric; a

    sua atividade ir se desenvolver numa seqncia de

    comportamentos que resultar num agasalho real, que

    de incio s

    BaraoNotizEx. TRABALHO E OBJETIVACAO SOCIAL

  • existia em seu pensamento. Porm, ele s poderia ter

    sido pensado se, nas condies de vida de nosso

    sujeito, este j houvesse se deparado com ls, agulhas e

    pessoas tricotando. Pronto o agasalho, nosso amigo o

    veste e, ao mesmo tempo em que se sente protegido do

    frio, tambm se apresenta aos outros de uma forma

    diferente; podemos imaginar o dilogo:

    Blusa nova? bonita. Voc gosta? Fui eu quem fiz. No diga! Voc me d a receita? E o nosso personagem se relaciona com outros,

    sendo algum que fez o seu agasalho . . .

    Podemos constatar que a separao entre trabalho

    manual e trabalho intelectual se d apenas no nvel

    ideolgico, pois qualquer atividade implica no pensar

    sobre aspectos da realidade e em aes concretas na

    realidade objetiva, a qual, por sua vez, ser pensada,

    agora, sob uma nova perspectiva, resultante de

    transformaes ocorridas tanto no indivduo como na

    prpria realidade.

    O provrbio de que "ningum se banha duas vezes

    num mesmo rio" vlido tanto para as guas do rio

    quanto para aquele que se banha: nem o rio, nem o

    homem so os mesmos num segundo banho . . .

    Se examinarmos as condies de trabalho existentes

    na nossa sociedade e as atividades exigidas para a sua

    realizao, poderemos entender melhor como se

    processa, ao nvel individual, a alienao

  • ou a conscincia social.

    Tomemos como ponto de partida um operrio, numa

    fbrica, na linha de montagem. Ele tem diante de si

    uma mquina, que determina uma seqncia de aes

    que devem ser realizadas por diferentes indivduos: um

    coloca uma pea, outro aperta o parafuso, um terceiro

    ajusta outra pea, e assim por diante. Nesta atividade

    produtiva temos um conjunto de aes distribudas por

    vrias pessoas: a que pensou, que planejou o produto,

    no quem o fabrica; as aes de cada um so

    determinadas pela mquina, desvinculando a ao do

    seu fim, objetivado no produto.

    O que ocorre ento com este operrio? Ele pensa

    sobre o produto que est fabricando, ele pensa a

    respeito da mquina que o controla, mas nas relaes

    de trabalho este seu pensar irrelevante "h gente paga para pensar"; na atividade que resultar em

    produto, ele participa, atravs de uma e sempre mesma

    ao, de uma cadeia complexa de aes. A cooperao

    entre muitos mediada pela mquina e no mais pela

    comunicao, e o produto final tem to nfima parcela

    de sua atividade que ele no se reconhece no objeto

    fabricado.

    neste processo que o trabalhador se

    despersonaliza, se torna parte da mquina; suas aes

    so apenas fora de trabalho que ele vende, so

    mercadorias e como tal alienveis-alienadas, na

  • medida em que ele deixa de pensar suas prprias aes

    em termos de cooperao existente entre ele e seus

    colegas, pois esta oculta pela mquina, instrumento

    que participa na realizao de uma atividade que gera

    um produto.

    Quanto ao operrio, sua atividade cotidiana se

    resume em ir para o trabalho, despender suas energias

    fsicas, voltar para casa, tendo como fim de uma longa

    srie de aes o salrio mensal ou quinzenal, presente

    num dinheiro impessoal, mas que garante a sua

    sobrevivncia.

    Esta atividade produtiva implica tambm formas de

    relacionamento social, pois, estando a cooperao

    necessria para a produo encoberta pela presena da

    mquina, o indivduo se sente s no seu trabalho, que

    representa o salrio e que ele conseguiu concorrendo a

    uma vaga, com outros candidatos; o seu colega de

    trabalho , antes de tudo, portanto, um rival, e um rival

    que se multiplica por todos aqueles que,

    potencialmente, o podem substituir ele est sozinho na luta pela vida.

    Esta situao reforada pela ideologia dominante

    que, se de um lado afirma a igualdade dos homens, de

    outro diz que o esforo, a dedicao e a tenacidade

    que fazem de uns mais bem sucedidos que outros; e o

    nosso trabalhador continua na sua luta isolada procura

    de uma vida melhor, certo de que, competindo,

    demonstrar que um indivduo melhor que outros,

    sem perceber

  • que o mesmo ocorre com seus companheiros.

    Em maior ou menor escala, a nossa sociedade,

    capitalista, industrializada e complexa, promove esta

    dissociao do homem do produto de sua atividade,

    gerando a moral de que o objeto, o instrumento, no

    bom nem mau: tudo depende do que as pessoas faro

    com ele, como se estes no trouxessem em si a

    atividade e o subjetivo de homens concretizados no

    produto. Hoje o homem continua transformando o

    mundo que o cerca, mas no cabe a ele decidir sobre

    esta transformao... a contradio fundamental

    gerada pelo capitalismo, que, no nvel individual, se

    manifesta atravs da alienao.

    A mesma fragmentao que observamos no trabalho

    do operrio, tambm pode ser observada no trabalho

    dito especializado, seja no nvel tcnico, seja no nvel

    intelectual. Quando acima afirmamos que "no cabe a

    ele decidir..." porque haver "especialistas" que iro

    analisar, cada um, certos aspectos da transformao,

    para dizer se ela boa ou m. Como exemplo,

    poderamos citar os especialistas sobre a poluio do

    meio ambiente, que a detectam como um fenmeno

    natural, e procuram corretivos, como se esta no fosse

    produzida socialmente.

    O mesmo fato podemos constatar em relao ao

    trabalho intelectual especializado. Se ao operrio

    negado o pensar a sua atividade, ao intelectual negado

    o fazer. A ele cabe apenas

    BaraoNotizEx. FRAGMENTACAO TRABALHO ITELECTUAL

  • produzir idias, desenvolver estudos, para alguns

    poucos, em geral detentores do poder na sociedade, e

    que entendem a linguagem abstrata, esotrica do

    intelectual, e que faro o uso desta produo de acordo

    com perspectivas da classe social a que pertencem. E,

    observe-se que quanto mais especializado for o estudo,

    mais ele se atm a uma linguagem hermtica, que

    poucos entendem.

    Se retornarmos anlise da atividade humana, que

    pensada subjetivamente se objetiva em um produto,

    transformando o prprio homem e, na medida em que

    esta atividade, numa sociedade complexa, s pode

    ocorrer pela comunicao e cooperao entre muitos,

    implicando necessariamente a transformao dos

    homens, e, em decorrncia, das suas relaes sociais,

    fica clara a lgica da fragmentao necessria para a

    manuteno das relaes de produo, ou seja, os

    detentores do capital explorando a fora do trabalho de

    muitos e, assim, mantendo a hegemonia do poder.

    Enquanto o homem no recuperar para si a sua

    atividade que , psicolgica, social e historicamente,

    pensamento e ao, e que s ocorre atravs da sua

    relao com os outros homens, concretizando o

    pensamento na comunicao e a atividade em aes

    cooperativas, ele estar alienado de sua prpria

    realidade objetiva, com uma falsa conscincia social e,

    conseqentemente, com uma falsa conscincia de si.

  • No captulo anterior mostramos como a instituio

    cristaliza relaes de poder, reproduzindo as relaes sociais

    e as relaes de produo. No caso do trabalho, a mesma

    linha de anlise poderia diluir o seu aspecto fundamental na

    produo da prpria existncia humana. Partimos da

    atividade como caracterstica essencial da vida humana, que,

    capaz de se pensar, tambm capaz de aes

    transformadoras da sociedade em que vive, as quais s

    ocorrero atravs da recuperao do prprio trabalho, na

    participao da produo material da sobrevivncia social.

    Porm, se partssemos da institucionalizao do trabalho,

    e da definio de papis, veramos a atividade produtiva

    como uma entre outras possveis, escondendo o seu carter

    fundamental, tanto para a realizao de cada ser humano,

    como para a existncia da sociedade. O trabalho social,

    assim como a atividade do indivduo, a prpria vida

    humana que se constri continuamente. A qualidade desta

    construo depender sempre da comunicao e cooperao

    entre os homens, e somente atravs destes possvel

    recuperar a histria e detectar a contradio fundamental na

    relao de dominao de uma classe social por outra classe.

    A seqncia da nossa anlise permite constatar um fato

    crucial: a conscincia de si, a conscincia social e a

    conscincia de classe so apenas produtos de um nico

    processo, decorrente da atividade

  • humana, que pensamento e ao, teoria e prtica, que

    se concretizam atravs da cooperao entre os homens

    na produo de suas prprias vidas.

  • O INDIVDUO NA COMUNIDADE

    Se o captulo anterior sobre o trabalho apresentou um

    quadro onde as sadas parecem ser poucas e difceis,

    neste analisaremos as propostas da Psicologia

    Comunitria, que vm sendo sistematizadas, dentro da

    Psicologia Social, como atividades de interveno que

    visam a educao e o desenvolvimento da conscincia

    social de grupos de convivncia os mais diversos.

    necessrio lembrar que, apesar de central para a vida de

    um indivduo, o trabalho remunerado no a nica

    atividade socialmente produtiva que ele desenvolve; h

    uma srie de necessidades que no so satisfeitas

    exclusivamente atravs do salrio, e que podem ser

    motivos para o agrupamento de pessoas visando a sua

    satisfao.

    em torno destas atividades que a Psicologia

    Comunitria prope uma sistemtica de

  • interveno, principalmente em sociedades capitalistas, onde a mediao da ideologia dominante se faz sentir nas

    relaes sociais desempenhadas na famlia, na escola e no

    trabalho, impedindo ou dificultando a criao de novas

    formas de relacionamento.

    Desenvolver relaes sociais que se efetivem atravs da

    comunicao e cooperao entre pessoas, relaes onde no

    haja dominao de uns sobre outros, por meio de

    procedimentos educativos e, basicamente, preventivos, se

    tornou o objetivo central de atividades comunitrias, as

    quais podem ocorrer em uma casa, com pessoas criando

    novas relaes "familiares", em escolas, hospitais e mesmo

    entre um grupo de vizinhana ou de bairro, desde que estes

    se identifiquem por necessidades comuns a serem satisfeitas,

    atravs de atividades planejadas em conjunto e que

    impliquem em aes de vrios indivduos, encadeadas para

    atingir o objetivo proposto.

    O carter educativo decorre da reflexo que feita sobre

    o porqu das necessidades, de como as atividades vm sendo

    realizadas, ou seja, como as aes se encadeiam e que

    resultados so obtidos, tornando possvel a todas as pessoas

    envolvidas recuperarem, atravs do pensamento e ao, da

    comunicao e cooperao entre elas, as suas histrias

    individuais e social, e conseqentemente, desenvolverem a

    conscincia de si mesmas e -de suas relaes historicamente

    determinadas.

  • Quando um grupo de pessoas se rene para discutir

    seus problemas, muitas vezes sentidos como exclusivos

    de cada um dos indivduos, descobrem existirem

    aspectos comuns, decorrentes das prprias condies

    sociais de vida; o grupo poder se organizar para uma

    ao conjunta visando a soluo de seus problemas. E

    aquelas necessidades, que sozinhos eles no podiam

    satisfazer, passam a ser resolvidas pela cooperao

    entre eles.

    O nosso cotidiano tem apresentado inmeros

    exemplos deste processo: desde grupo de mes,

    organizando e mantendo creches para seus filhos,

    mutires entre moradores de um bairro para construo

    de locais para lazer, ou mesmo de moradias, at

    organizaes de grupos para reivindicar gua, luz,

    esgoto, etc.

    preciso salientar que a atividade comunitria, por si

    s, no supera a contradio fundamental do

    capitalismo, pois esta decorre das relaes de produo,

    que definem as classes sociais; porm atravs da

    participao comunitria que os indivduos

    desenvolvem conscincia de classe social e do seu

    papel de produtores de riquezas, que no usufruem, e,

    em conseqncia, podem, gradativamente, irem se

    organizando em grupos maiores e mais estruturados

    visando uma ao transformadora da histria de sua

    sociedade.

    O desenvolvimento de uma comunidade se d de

    forma lenta, com avanos e recuos, pois o

    BaraoNotizEXs. DE ACOES COMUNITARIAS

  • sistema social mais amplo a todo momento exerce

    presses, diretas ou indiretas, para a manuteno de

    solues individualistas, promovendo a competio,

    valorizando status e prestgio de posse da propriedade.

    Basta assistirmos algumas novelas e propagandas na

    televiso para percebermos algumas presses neste

    sentido.

    Alm destas influncias sociais mais amplas, h todo

    um processo de aprendizagem das pessoas envolvidas

    numa experincia comunitria. O se defrontar com os

    outros, o se descobrir diferente, nico e, ao mesmo

    tempo, assumir a igualdade de direitos e deveres, a

    responsabilidade de pensar, de decidir e de agir, um

    processo que se desenvolve atravs de prticas e

    reflexes sucessivas. No h receitas, nem tcnicas

    pr-definidas, cada grupo desenvolve um processo

    prprio, em funo das suas condies reais de vida e

    das caractersticas peculiares dos indivduos

    envolvidos.

    Transformar as relaes sociais apreendidas na

    famlia, na escola, no fcil, pois elas se apresentam

    como espontneas no cotidiano, e, quando menos se

    percebe, relaes de dominao entre as pessoas esto

    ocorrendo. Se no houver uma reflexo conjunta, um

    pensamento crtico, e atividades que permitam o

    "treino" destas novas relaes, o grupo comunitrio se

    separar, cada um cuidando de seus problemas

    individuais, esperando que Deus cuide de todos.

    Podemos ver que a presena e a fora da

  • ideologia dominante uma constante que no se revela

    de um momento para o outro, mas que vai sendo

    superada lentamente, em funo de cada atividade

    realizada que, repensada, leva a novas atividades. A

    fora da ideologia se d no apenas na representao de

    mundo, mas nas aes decorrentes destas

    representaes.

    o que explica por que tantas experincias

    comunitrias falharam, principalmente aquelas onde as

    relaes so mais ntimas, como as implcitas em morar

    juntos para a manuteno do cotidiano. Comer, limpar,

    arrumar a casa, cuidar de roupa, exigem uma diviso de

    trabalho e de despesas, de uma forma equitativa entre

    todos, mas tambm exigem manter vnculos com a

    sociedade onde este grupo de pessoas vivem, tornando

    extremamente difcil para elas desempenhar papis

    esperados no seu trabalho, nas atividades com outros

    grupos de pessoas e, entre as quatro paredes da

    moradia, viverem novas formas de relaes sociais,

    como se o mundo no existisse l fora.

    O trabalho remunerado e todas as suas implicaes,

    como prestgio, ascenso, e, principalmente, o

    consumir necessidades criadas pelo capitalismo constantemente esto minando e influindo nas relaes

    sociais que se propem comunitrias. Aceitar

    diferenas individuais, mantendo relaes de igualdade,

    ou melhor, de no dominao, em uma sociedade onde

    as diferenas

  • so valorizadas em termos de competio, torna-se algo

    extremamente difcil.

    A atividade comunitria numa sociedade de classes

    antagnicas pode ser comparada com uma situao em

    que estivssemos com um p em cada barco, descendo

    um rio s chegaremos a um lugar seguro se cada movimento for pensado e revisto para se decidir sobre

    o prximo, e ainda assim haver desvios, impasses,

    para, lentamente, avanarmos at o ponto desejado.

    Se o conviver de algumas pessoas, igualitariamente,

    em uma casa, to difcil, pode-se imaginar as

    dificuldades existentes para que instituies se tornem

    comunidades, tais como escolas, hospitais e outras.

    Porm, convido-os para uma visita a um hospital

    psiquitrico.

    H alguns quilmetros de um centro urbano,

    chega-se a um grande porto, aberto para uma avenida,

    cercado por gramados, que leva a edifcios antigos,

    com grades nas janelas, mas com as portas abertas. a

    ala dos homens: ao entrarmos em um deles vemos, no

    terrao, alguns pacientes em cadeiras de balano, lado a

    lado. Eles nos olham, sorriem, falam coisas que no

    entendemos bem. Entramos nos dormitrios onde h

    vrias camas, arrumadas, limpas, mas vazias. No prdio

    vizinho h uma exposio de pinturas, todas feitas por

    pacientes; chamando a ateno os motivos freqentes

    sobre astronautas, castelos de fadas,

    BaraoNotizEX. ACAO COMUNITARIA

  • abstratos todos muito elaborados. Continuando por avenidas, chega-se a prdios de

    construo mais recente; so as oficinas onde se

    fabricam sapatos, bolsas, cintos e uma infinidade de

    objetos, todos produzidos pelos pacientes, cada um

    escolhendo uma atividade e executando-a no seu ritmo.

    Alguns nos mostravam, orgulhosos, o conjunto de seus

    trabalhos, respondendo a nossas perguntas,

    entremeando risos e silncios.

    Em um outro prdio havia cabeleireiros, manicures,

    pedicures, atendendo e sendo atendidos por homens e

    mulheres todos pacientes. Mais adiante, na ala das mulheres, chamaram a ateno os dormitrios

    enfeitados com gravuras nas paredes e bonecas nas

    camas, tudo sempre limpo e arrumado; as salas de estar

    confortveis, com as portas-janelas abertas para

    terraos que do para gramados verdes e bem cuidados.

    No final da visita assistimos a um show musical,

    apresentado pelos pacientes, que tocavam em conjuntos, cantavam em corais ou solos msicas latino-americanas.

    Durante todo o tempo da visita sentia-se um

    ambiente descontrado, de respeito mtuo e, se

    possvel ocorrer em um hospital psiquitrico, uma

    atmosfera alegre. E tudo isto como decorrncia de uma

    prtica comunitria, onde mdicos, enfermeiras,

    psiclogos, pacientes se relacionam em base de

    igualdade; os pacientes, estimulados a participarem em