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LARA Eugenio - Uma Visao Kardecista Da Desobediencia Civil

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Estudo filosófico sobre a desobediência civil segundo a ótica da Doutrina Espírita.

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UMA VISO KARDECISTA DA DESOBEDINCIA CIVIL EUGENIO LARA 1 Uma Viso Kardecista da Desobedincia Civil Eugenio Lara Setembro de 2013 UMA VISO KARDECISTA DA DESOBEDINCIA CIVIL EUGENIO LARA 2 Uma Viso Kardecistada Desobedincia Civil Eugenio Lara NDICE 1. ABORDAGEM3 2. PATRIOTISMO ESPONTNEO5 3. A DESOBEDINCIA CIVIL DE HENRY THOREAU7 4. VIOLAO LEGTIMA DA LEI 10 5. DIREITO DE RESISTNCIA15 6. A PRERROGATIVA DE JOHN LOCKE E ROUSSEAU17 7. RAZES HISTRICAS 20 8. CRONOLOGIA24 Cronologia da Desobedincia Civil24 9. A VISO KARDECISTA27 Direito Natural27 Criatividade30 A Marcha do Sal32 Educativo e Transformador32 Utopia e Finalidade Social34 Influncia Oculta36 Marcha do Progresso38 As Aristocracias e o Estado39 10. CONSIDERAES FINAIS41 BIBLIOGRAFIA43 UMA VISO KARDECISTA DA DESOBEDINCIA CIVIL EUGENIO LARA 3 Uma Viso Kardecista da Desobedincia Civil Eugenio Lara As vontades particulares so suspeitas;podem ser boas ou ms, mas a vontade geral sempre boa. Denis Diderot Se uma lei injusta, um homem est no apenas certo em desobedec-la, ele obrigado a faz-lo. Thomas Jefferson 1. ABORDAGEM A finalidade deste ensaio expor a contribuio do Espiritismo na anli-sedaDesobedinciaCivil.Qualanaturezadessaformadeaopolticana medidaemqueprofanaleisedesafiaopoderestabelecido?PoderiaoEspiri-tismo,comsuateoriadevalores,ofereceralgumreferencialticoefilosfico na viso dessa ao poltica de resistncia injustia e ao desrespeito dos di-reitos civis? Cremos que sim. Apropostaespritanocampomoral,tico,tempretensesuniversais porqueconsideraocomportamentohumanocomoumfenmenoregidopor leis, denominadas de morais, aplicveis em qualquer latitude do globo. Por se-rem leis naturais, ao pensarmos em direitos e deveres nos reportamos ao Jus-naturalismo,porquenodependemdenenhumsistemajurdico,denenhum sistema de leis que, alis, nem sempre so compatveis com as leis naturais.UMA VISO KARDECISTA DA DESOBEDINCIA CIVIL EUGENIO LARA 4 OEspiritismositua-senombitodoJusnaturalismoouDireitoNatural sem,todavia,desconsideraroDireitoPositivo,estesimestruturadohistorica-menteconformeoperfilintelecto-moral,evolutivodedeterminadacivilizao. Ouseja,aconcepoespritadeJustia,nocontextodaFilosofiadoDireito, jusnaturalista porque est na Natureza, no sendo, portanto, resultado do con-textocultural.Segundoafilosofiaesprita,asleismoraisestoinscritasna conscincia do esprito enquanto Ser, enquanto individualidade pensante. A no-o de justia nasce com o esprito, com o indivduo e no depende, para exis-tir, do contexto cultural.Essas dentre outras questes pretendemos abordar neste ensaio, a fim de compreender no somente o fenmeno da Desobedincia Civil como estra-tgiapolticatransformadora,mas,sobretudo,comoaolegtima,blindada que por princpios morais superiores. UMA VISO KARDECISTA DA DESOBEDINCIA CIVIL EUGENIO LARA 5 2. PATRIOTISMO ESPONTNEO Durante a Copa das Confederaes-2013, no Brasil, torcedores brasilei-ros deram uma grande lio de patriotismo e exerccio da liberdade.A Fifa, entidade mxima do futebol mundial, estabeleceu de modo buro-crticoopadrode90segundosparacadahino.Apsaexecuo,amsica cessou conforme o script. E, para surpresa de muitos, os torcedores, jogadores e, certamente, at jornalistas e fotgrafos, cartolas, seguranas etc. continua-ramcantandoohinocomomesmoentusiasmo,seminterrupoecapela, sem acompanhamento musical. Momentoinusitadodavontadehumanacoletiva.Semdvida,umfato inslito,noprogramado,acontecimentoespontneoquedemonstraaexpres-so da cidadania, da nacionalidade, do orgulho em pertencer a determinada na-o.oquepoderamosdenominardepatriotismoespontneo,umaconteci-mento sublime e natural, sem imposio vertical, de cima para baixo.Tentativasnestesentido,impositivas,autoritrias,ocorreramdemodo insidiosonostenebrosostemposdaditaduramilitar.Alunosdoensinofunda-mentaleramobrigadosacantaroHinoNacionalquasequediariamente.Em eventos cvicos, nas datas comemorativas ento, tornou-se fato obrigatrio. O belo ato de cant-lo se burocratizou, virou um negcio chato e sem sentido. A noo de patriotismo que os milicos tentaram impor, como fazem em todos os lugares em que assumem o poder, no funciona. Patriotismo no se impe, se vivenciaespontaneamente,esomenteadquiresentidoesignificadoquando impregnado por uma postura cidad, sociabilizante e democrtica. O que os militares conseguiram com sua ideologia da segurana nacio-nal,autoritarismoepragmatismodestrutivofoiabanalizaodopatriotismo. Entram nesse roldo o Hino Bandeira, ao Soldado, Independncia etc. Ou seja, cantar qualquer hino cvico tornou-se ocorrncia banal e sem sentido. Os milicos conseguiram esse feito. UMA VISO KARDECISTA DA DESOBEDINCIA CIVIL EUGENIO LARA 6 QuesfoisuperadocomacampanhadasDiretas-J,nosanos1980. Durante comcios promovidos pela esquerda e a oposio ao regime, o ato de cantar o Hino Nacional tornou-se um momento sublime, de expresso da cida-daniaroubadaevilipendiada.Delparacosignificadodesseeventocvico transformou-se para melhor, recolocando o sentido nacionalista em seu devido lugar,sejanasarenasdefutebolcomovimosnestaCopadasConfederaes ou na praa, nas ruas e avenidas. Curiosa foi a manifestao de um torcedor mexicano no nibus lotado decompatriotas,paradodevidosmanifestaespopularesnoentornodo estdiocearense,ondeocorriaapartidaentreBrasileMxico.Vejocomo algonormal.Aspessoastmodireitodesemanifestar,umatolegtimo, disseele.Obomsenso,asingelacompreensodestecidadomexicanoem relaoliberdadedeexpressoedemanifestao,reafirmaanecessidade de encararmos com naturalidade os movimentos populares que veem surgin-doemtodoopas,porseremtambmexpressodaliberdade,tolegtima quanto as reivindicaes pela melhoria do transporte, sade, educao etc. Contrariar as regras impostas pela Fifa foi um tpico ato de Desobedi-nciaCivil,umatodeliberdade.Osentimentodeforacoletivareafirmaa forainteriordetodocidado,todosemummesmosentidodeunio,deco-munho, irmanados na mesma energia, pelo poder de se sentir parte integran-te da comunidade, de uma nao. Esse mesmo poder aplica-se em outras ma-nifestaes,comotemosvistonosmovimentospopularesreivindicatriosque estouramemtodoopas,fatoqueocorreriaenquantoaconteciaaCopadas Confederaes. UMA VISO KARDECISTA DA DESOBEDINCIA CIVIL EUGENIO LARA 7 3. A DESOBEDINCIA CIVIL DE HENRY THOREAU O que entendemos hoje por Desobedincia Civil comea com o escritor, poetaeativistaestadunidenseHenry DavidThoreau(1817-1862),que escre-veuoensaioDesobedinciaCivil,em1849,umanodepoisdoManifestoCo-munista (1848), de Karl Marx e Friedrich Engels. Essa obra histrica foi escrita por Thoreau depois de passar a noite na priso, por se recusar a pagar impos-tos. Indignado com o uso dos tributos para financiar a Guerra do Mxico, por possedeterras,Thoreaurecusa-sepublicamenteacolaborarcomoEstado norte-americano, escravocrata e imperialista.Nestapoca,osEstadosUnidos,sobinflunciadaDoutrinaMonroe1, inicia sua poltica de expanso de fronteiras, explorao do Oeste e conquista de territrios. O trabalho escravo ainda sustenta a economia sulista e o massa-creindgenaseintensificaaindamais.AGuerradoMxico(1846a1848),a formaodeumexrcitopermanenteetodaapolticaexpansionistanorte-americanageraumcontextosociopolticoqueprovocariafortesentimentode indignao em Thoreau. Insatisfeito com a vida em sociedade, retira-se da cidade e vai viver re-cluso no campo, em uma cabana de madeira construda por ele s margens do lago Walden, fato que iria inspirar toda sua obra filosfica e literria. 2 Para Thoreau, crtico ferrenho do Estado, quanto menos governo, melhor a sociedade. No chega a ser to intransigente como o dito espanhol, hay go-bierno? soy contra!, mas bem crtico na relao do cidado com o governo:

1 A Doutrina Monroe, proposta pelo presidente James Monroe (1817 a 1825), era um conjunto de princpios contrrios ao colonialismo europeu nas Amricas e tinha como lema: A Amrica para os americanos. O fundamento dessa doutrina o Destino Manifesto, ideologia mtica e milenarista que pregava a ideia de que o povo norte-americano teria sido eleito por Deus para civilizar o Novo Mundo, justificando assim o expansionismo e guerras territoriais. Essa crena perniciosa persiste at hoje na poltica internacional norte-americana. 2 Thoreau mais conhecido pela obra autobiogrfica Walden ou A Vida nos Bosques (1854), que inspirou o movimento beat, a contracultura, comunidades hippies, ecologistas e naturalistas. O longa-metragem norte-americano Na Natureza Selvagem (Into the Wild - 2007), dirigido pelo ator Sean Penn, todo baseado nesse livro. UMA VISO KARDECISTA DA DESOBEDINCIA CIVIL EUGENIO LARA 8 O melhor governo o que governa menos aceito entusiasticamente esta di-visa e gostaria de v-la posta em prtica de modo mais rpido e sistemtico. Uma vez al-canada, ela finalmente equivale a esta outra, em que tambm acredito: O melhor go-verno o que absolutamente no governa, e quando os homens estiverem preparados para ele, ser o tipo de governo que tero. Na melhor das hipteses, o governo no mais do que uma convenincia, embora a maior parte deles seja, normalmente, inconve-niente e, por vezes, todos os governos o so. 3

Edemodorigoroso,Thoreauquestionaarelaoentreocidadoeo legislador: Deveocidado,sequerporummomento,ouminimamente,renunciarsua conscincia em favor do legislador? Ento por que todo homem tem uma conscincia? Penso que devemos ser homens, em primeiro lugar, e depois sditos. No desejvel cultivar pela lei o mesmo respeito que cultivamos pelo direito. 4 ParaThoreau,aformamaiseficientedesecombaterasinjustiasda mquina estatal atravs da Desobedincia Civil: Se mil homens se recusassem a pagar seus impostos este ano, esta no seria uma medida violenta e sangrenta, como seria a de pag-los e permitir ao Estado cometer violncias e derramar sangue inocente. Esta , de fato, a definio de uma revoluo pacfica, se tal for possvel.5 Podemosobservar nessapassagemporqueThoreautornou-serefern-cia obrigatria para os ativistas libertrios em sua luta contra o Estado autori-trio e injusto: (...) o Estado nunca enfrenta intencionalmente a conscincia intelectual ou moral de um homem, mas apenas seu corpo, seus sentidos. No est equipado com inteligncia ou honestidade superiores, mas com fora fsica superior. No nasci para ser forado a na-da. Respirarei a meu prprio modo. Vejamos quem o mais forte. Que fora tem uma mul-tido? S pode forar-me aquele que obedece a uma lei mais alta que a minha. 6

3 Henry David Thoreau - Desobedincia Civil, p. 5. 4 Idem, p. 8. 5 Ibid. id., p. 24. Grifo meu. 6 Ib. id., p. 30. Grifo meu. UMA VISO KARDECISTA DA DESOBEDINCIA CIVIL EUGENIO LARA 9 Essaobraseminallanouasbasestericasparaoambientalismodo GreenPeace,influenciouospoetasbeatniks,aContraculturaeopacifismo hippie dos anos 1960 e tantas outras manifestaes polticas que fogem do es-quema tradicional da representatividade poltica. Influenciou Tolsti, Gandhie Luther King Jr.Apaixonadopelanatureza,Thoreautambmantecipouoambientalis-mo,apreocupaoecolgicaefoicrticoferrenhodoconsumismocapitalista, domododevidanorte-americano(americanwayoflife).consideradoum dos pioneiros do movimento anarquista. UMA VISO KARDECISTA DA DESOBEDINCIA CIVIL EUGENIO LARA 10 4. VIOLAO LEGTIMA DA LEI Quandodeterminadanormasocialnogerabenefciosmaioria,ou quando no h benefcio algum a no ser para uma minoria, legtimo, vli-doeatnecessrioque essanormasejadescumprida, combatida ealtera-da, a fim de que ela se restabelea como gerao de bem-estar para todos, sem distino alguma, sem privilgios. Eis a a finalidade precpua da Deso-bedincia Civil. Segundo o filsofo poltico norte-americano John Rawls, a Desobedincia Civil um fenmeno poltico. uma ao poltica porque se orienta e se justi-fica por princpios polticos, ou seja, por princpios de justia que ordenam a es-truturadasleiseasinstituiessociais.tambmumatopblicoporque realizada abertamente, nas praas, nas ruas. Por princpio, no-violenta por-que no se usa como estratgia de luta a fora, a violncia. Ela atua nos limites dasujeioleiaindaquesemanifestemargemdaprprialei.Trata-sede umaresistnciaorganizadaquedescartaaaoviolenta,armada.Historica-mente tem sido assim. Manifesta-se dentro de uma ordem quase democrtica, de um regime constitucional quase justo. 7

NavisodofilsofopolticoitalianoNorbertoBobbio(1909-2004), desobedincia por transgredir o pacto social e violar as leis, e civil porque tal transgresso parte integrante dos deveres do cidado. Pode ser classificada, segundoBobbio,emduascategorias:DesobedinciaAtivaeDesobedincia Passiva. 8

Passiva a que objetiva a parte preceptiva da lei sem se ater parte punitiva,porquepraticadajustamentecomodesejodeacatarapenaim-posta.AaoimpositivadoEstadonoadmitidaporqueentreemchoque

7 John Rawls - Uma Teoria da Justia, item 55. 8 Norberto Bobbio - Dicionrio de Poltica vol. I, p. 335. UMA VISO KARDECISTA DA DESOBEDINCIA CIVIL EUGENIO LARA 11 com a conscincia, mas reconhece o seu direito de punir toda e qualquer vio-lao das leis. Ativa quando se dirige tanto parte preceptiva como parte punitiva da lei, de modo que a ao no se limita a violar a norma, mas tenta subtrair-se pena de todas as maneiras. 9

H uma distino entre o desobediente civil e o desobediente comum, o contraventor, que necessita ser feita. Tal distino bem clara na viso da fi-lsofa alem Hannah Arendt:Existe toda a diferena do mundo entre o delinquente que evita a exposio p-blica e o desobediente civil que desafia abertamente a lei. A distino entre uma aberta violao da lei, realizada em pblico, e uma violao oculta, resulta to clara que s pode serdesconsideradaporprejuzooumvontade.(...)Ademais,otransgressorcomum, ainda que pertena a uma organizao criminal, atua somente em seu prprio benefcio; nega-se a ser subjugado pelo consentimento de todos os demais e se submeter unica-mente violncia das organizaes encarregadas de fazer com que a lei se cumpra. O desobediente civil, ainda que normalmente dissidente de uma maioria, atua em nome e em favor de um grupo; desafia a lei e as autoridades estabelecidas sobre o fundamento de um dissentimento bsico e no porque como indivduo deseje garantir alguma exce-o para si mesmo e beneficiar-se desta. 10 A desobedincia normal s leis apenas uma atitude isolada, indesej-veleprivada.EnquantoqueaDesobedinciaCivilpblica,compartilhadae desejvel porque tem a finalidade de se opor legislaoinjusta e s autori-dades corruptas. Segundo Hannah Arendt, a Desobedincia Civil, longe de ser umfenmenodeordemmoraloulegal,sobretudo,umfenmenopoltico porque o que est em jogo so as correlaes de poder: O que se tem decidido in foro conscientiae se tem convertido agora em parte da opinio pblica e, ainda que este grupo particular de desobedientes civis possam proclamar sua validao inicial suas conscincias cada um deles j no se apoia em si mesmo.

9 Idem. 10 Hanna Arendt, Crisis de la Republica, p. 83. Traduo livre do autor. UMA VISO KARDECISTA DA DESOBEDINCIA CIVIL EUGENIO LARA 12 Na praa, a sorte da conscincia no muito diferente da sorte da verdade do filsofo: se converte em uma opinio, indistinguvel de outras opinies. E a fora da opinio no de-pende da conscincia seno do nmero daqueles com os quais est associada.11 NemtodosaceitamaDesobedinciaCivilcomomanifestaolegtima. Correntesjurdicascontemporneascomoadosformalistas,quedesprezam aspectosticoseaxiolgicosdoDireitoparaseconcentraremnaforma,en-tendem que lei lei. O direito lei e tem de ser cumprido, de modo que a pr-tica da Desobedincia Civil jamais teria amparo legal. J filsofos outros, estu-diosos dessa questo como Hannah Arendt, defendem a incluso da prtica da Desobedincia Civil no corpo das leis: O estabelecimento da desobedincia civil entre nossas instituies polticas po-de ser o remdio possvel para o ltimo fracasso da reviso judicial.O primeiro passo consistiriaemconseguirparaasminoriasdedesobedientescivisomesmoreconheci-mento que se outorga a numerosos grupos de interesses (grupos minoritrios, por defini-o) no pas e tratar com os grupos de desobedientes civis da mesma maneira que com os grupos de presso que, atravs de seus representantes isto , de conselhos regis-trados podem influir e auxiliar o Congresso por meio da persuaso, da opinio quali-ficada e do nmero de seus eleitores.12 Normalmente, a Desobedincia Civil ocorre em grupo, mas tambm po-de ser uma prtica solitria, isolada. A exemplo, se um cidado qualquer deci-de no se apresentar ao Servio Militar por algum motivo ideolgico ou religio-so, dever sofrer as consequncias legais de tal ato. Mas, se ao invs de per-manecercalado,sujeitando-sepena,elevaipraapblicaequeimade modosimblicoseucertificadodealistamento,emformadeprotesto,asim estar agindo como um desobediente civil. Se estiver em grupo, o ato, por ser pblico, certamente ter muito mais impacto na opinio pblica. A Desobedincia Civil est associada no-violncia sob uma perspecti-vahumanistaelibertria.Ousodearmamentos,explosivos,deprticasvio-

11 Idem, p. 76. 12 Ib. Id., p. 107. UMA VISO KARDECISTA DA DESOBEDINCIA CIVIL EUGENIO LARA 13 lentas e virulentas no pertence a essa forma peculiar de manifestao polti-ca, que se fundamenta em princpios ticos e de profundo respeito aos direitos humanos.Pois,sedeumladoexige-sedocidadoqueelecumpraasleise concorraparaa ordemsocialvigente,deoutro,eletem odireitodesergo-vernadocomjustiaeigualdade,comleisinstitudasdemodolegtimoe equnime. Necessrioressaltar,portanto,queaDesobedinciaCivilnocrime porqueviolaleisconsideradasilegtimas,secontrapeao poderinautnticoe seexpressademodopblico,aberto.Osgrandeslderespolticosdosculo passado, Mahatma Gandhi, Martin Luther King Jr. e Nelson Mandela, eram par-tidriosdaDesobedinciaCivil,lanada,comovimos,porHenryThoreau,o primeiro a teorizar sobre essa questo. Quando determinada legislao fere princpios ticos, ela deve ser com-batida, repelida, mas no pode ser ignorada sob pena de sanes e condena-es.AssimagiuScratesetambmJesusdeNazar.Eambossesubmete-ram condenao.Adesobedinciasurgedoconflito,masno,pornatureza,geradora dos conflitos j existentes, e que so a expresso da divergncia de interesses, o resultado da desigualdade econmica e da injustia social. Se, teoricamente, imaginssemos uma constituio baseada em leis justas e igualitrias, com to-dos os recursos jurdicos necessrios manuteno da justia e da ordem soci-al,primeiravistaaDesobedinciaCivil,diantedetalquadro,mostrar-se-ia intil, j que as leis seriam perfeitas. Ora, as leis podem at ser perfeitas, mas os seres humanos no o so e, inclusive, porque a lei, por si s, no ga-rante a formao de cidados justos e fraternos, algo que deve ocorrer de mo-do efetivo atravs da educao. Alm desse aspecto, temos de considerar que no basta uma legislao teoricamenteperfeita,seacondioeconmicafordesigual,seascircuns-tncias sociais forem violentas, injustas e discriminatrias. UMA VISO KARDECISTA DA DESOBEDINCIA CIVIL EUGENIO LARA 14 ADesobedinciaCivilnoslevaapensaremquestescomoarelao entre a legalidade e a justia, entre a conscincia e a obedincia, entre o Esta-do e o cidado, inclusive, sob o ponto de vista kardecista, nas relaes entre a LeiHumanaeaLeiNatural,aquestodaliberdadedeconscincia,daauto-nomia e autodeterminao do esprito. Para os marxistas, movimentos sociais como a Desobedincia Civil no tm carter revolucionrio, mas sim reformista. Podem servir de estopim para oprocessorevolucionrio,masnotrazememsimesmososgrmensda transformao radical das relaes deproduo, das relaes conflitantes en-tre capital e trabalho. De fato, ao longo da histria, pode-se dizer que os movimentos de Deso-bedincia Civil no tm como objetivo a derrubada do sistema poltico e econ-mico, mas sim, reformul-lo, remodel-lo a fim de adequ-lo aos princpios b-sicos da justia e liberdade. Atitudes que podem ser observadas na liderana de Ghandi em sua luta pela independncia poltica da ndia, de Martin Luther King, nos EUA, nas passeatas e discursos contra o racismo e de Nelson Mandela, em sua luta contra a poltica segregacionista do apartheid na frica do Sul.A prtica da Desobedincia Civil se coloca, portanto, como alternativa legalidade, ao consenso poltico obtido atravs de mecanismos legais, propon-do a dissenso tica mediante violao legtima da lei. Tal conflito , sobretu-do, tico quando se observa a evidente defasagem entre a lei e a justia, entre o direito do Estado e os valores do indivduo, provocando o fenmeno poltico da resistncia civil, em nvel coletivo. UMA VISO KARDECISTA DA DESOBEDINCIA CIVIL EUGENIO LARA 15 5. DIREITO DE RESISTNCIA Aolongodotempo,oaparelhoestatalfoiincorporandoumasriede recursos jurdicos previstos em lei, como o habeas corpus, mandado de segu-rana,mandadodeinjuno,impeachmentetc.e,noBrasil,serviostipo ombudsman,ouvidoria,Procom(ProgramadeProteoeDefesadoConsu-midor)afimdeque,aomenosnateoria,casosejamcometidasinjustiase agresses, tais recursos possam ser acionados pelos cidados. Da que, dian-te de toda essa infraestrutura, a Desobedincia Civil vista muitas vezes co-mo movimento de baderneiros, algo subversivo e indesejvel, j que no per-corre a via da ao legalista.Imersa no burocratismo, sujeita manipulao, nem sempre a via da legalidade mostra-se eficaz, porque ao contrrio do que possa parecer, a De-sobedincia Civil constitui-se numa forma de reao poltica inserida no cha-madoDireitodeResistncia,notadamentequandotodososrecursoslegais, burocrticos se esgotam. Se a integridade fsica e mental, a liberdade, a autodeterminao do in-divduo so desrespeitados por governantes relapsos, incompetentes e autori-trios,oDireitodeResistnciamostra-secomoalternativalegtima,questio-nandoe/ouviolandoassimochamadoestadodeDireito,asleis,asaese resolues dos governantes.AlegitimidadedoDireitodeResistnciasustenta-senapreservaoe respeitodignidadehumana.Quandoasobrevivncia,aintegridadefsica,a liberdade e o bem-estar, os direitos bsicos e naturais so ameaados por tira-nos,peloEstado,porleisinjustas,oDireitodeResistnciaseimpecomo ao legtima, no somente de sobrevivncia, mas tambm como exerccio da cidadania. Pode-se dizer que a Desobedincia Civil tambm uma forma sofistica-da, depurada e evoluda do Direito de Resistncia, parte integrante e necess-UMA VISO KARDECISTA DA DESOBEDINCIA CIVIL EUGENIO LARA 16 riadasrelaespolticas.Nestalinhadepensamento,aanlisedofilsofo alemo Jrgen Habermas bem oportuna, quando ele proclama a Desobedin-cia Civil como recurso legtimo de manifestao poltica:TodoEstadodemocrticodedireitoqueestsegurodesimesmo,considera que a desobedincia civil uma parte componente normal de sua cultura poltica, preci-samente porque necessria.13 ParaHabermas,emdeterminadosmomentos,aDesobedinciaCivil mostra-se como recurso estratgico, fator de inovao e renovao do cenrio poltico: Como as coisas seguem da mesma maneira, preciso reconhecer a desobedi-ncia civil como parte componente da cultura poltica de uma comunidade democrtica. QuandofracassaaConstituiorepresentativaantedesafioscomoodacorridaarma-mentista submetida a controle externo, os cidados que no dispem de oportunidades privilegiadas de exercer influncia, ho de exercer as funes imediatas do soberano e devem recorrer desobedincia civil com a inteno de dar um impulso s necessrias correes e inovaes.14 A Desobedincia Civil, filha legtima do Direito de Resistncia, se insere na tradio histrica da filosofia poltica e da filosofia do Direito. Trata-se de um fe-nmeno de caractersticas deontolgicas15 porque contesta os fundamentos ticos do dever e a legitimidade de determinadas normas e leis. Justamente por se ca-racterizar pela violao da lei num contexto de legitimidade jurdica, a Desobedi-ncia Civil no somente uma forma de estratgiapoltica, mas, sobretudo, de um brado moral cuja misso, ainda que de modo inconsciente, a reformulao das leis, a erradicao de normas injustas, o restabelecimento da justia para to-dos, em nome de princpios ticos, superiores e inabalveis.

13 Jrgen Habermas - Ensayos Polticos, p. 54. Traduo do autor. 14 Idem, p. 85. 15 Deontologia um ramo da filosofia, da tica, que se caracteriza como teoria normativa. Estabelece condutas a serem censuradas, proibidas ou permitidas, comumente utilizadas por corporaes (deontologia profissional) e na filosofia jurdica (deontologia jurdica). Segundo a definio do jurista e filsofo Miguel Reale, Deontologia Jurdica a teoria da justia e dos valores fundantes do Direito. (Filosofia do Direito, cap. XXI, pg. 309). UMA VISO KARDECISTA DA DESOBEDINCIA CIVIL EUGENIO LARA 17 6. A PRERROGATIVA DE JOHN LOCKE E ROUSSEAU AvinculaodaDesobedinciaCivilcomoDireitodeResistncianos remete ao filsofo e jusnaturalista ingls John Locke (1632-1704), defensor da supremacia do cidado sobre o Estado, em oposio a seu compatriota, o ma-temticoefilsofoThomasHobbes(1588-1679),quedefendiaaimplantao de um Estado forte, o Leviat, de poder absoluto e centralizado. Para Locke, a finalidade principal do Estado, instituio surgida do con-senso comum, de um contrato social a fim de se preservar a propriedade, a garantiadosdireitosnaturaisdocidado.Demodoque,namedidaemque esses direitos so desrespeitados, os cidados tm o pleno direito, natural, de destituir o Estado. Emumadesuasprincipaisobras,SegundoTratadoSobreoGoverno, Lockeformulaodeterminantepapeldoscidadosdiantedatirania:osho-mensnopoderojamaisestarseguroscontraatiraniasenohouverqual-quermeiodeescapar-lheatqueestejaminteiramenteaelasubmetidos;e, porconseguinte,porissoquetmnosodireitodelivrar-sedela,mas tambm de impedi-la. 16

Segundo o filsofo ingls, a preservao da propriedade que impele oshomensaconviverememsociedade.Emfunodestaideia,dizLocke: Semprequeoslegisladorestentamtiraredestruirapropriedadedopovo, oureduzi-loescravidosobpoderarbitrrio,entraemestadodeguerra comele,queficaassimabsolvidodequalquerobedinciamais,abando-nado ao refgio comum que Deus providenciou para todos os homens contra a fora e a violncia. 17 Cabe ao povo, descontente e trado, retomar o estado primordial de di-reito, valendo-se do que Locke chama de prerrogativa, que nada mais se-

16 John Locke - Segundo Tratado Sobre o Governo, p. 121. 17 Idem. Grifo meu. UMA VISO KARDECISTA DA DESOBEDINCIA CIVIL EUGENIO LARA 18 noopoderdefazerobempblicosemsesubordinararegras. 18Sempre que legisladores desrespeitarem os direitos naturais do povo, usurpando o po-der que lhes foi entregue, caber a esse mesmo povo o direito de retomar a liberdade originria e, pela instituio de novo legislativo, conforme achar con-veniente, prover prpria segurana e garantia, o que constitui o objetivo da sociedade. 19 A ideiade soberania popular,que hoje se tornou um conceito incorpo-radocultura,presentenosdebatessobreosmovimentossociais,temem Locke a referncia filosfica bsica, principalmente por ter sido um dos primei-rosfilsofosapensarasociedadecomoumorganismopotencialmentecapaz de resistir s injustias, sem prejuzo individualidade, conscincia individu-al. O cidado no se dilui na cidade. Ao contrrio, ele se reafirma, na medida em que existam leis que garantam a preservao de sua integridade. E se es-sas mesmas leis tornam-se um entrave, os cidados, o povo, tm a plena so-berania de alter-las e substituir os legisladores:(...) quando por malfeitos daqueles detentores da autoridade o poder confis-cado; pelo confisco, ou por determinao do tempo estabelecido, ele reverte sociedade, e o povo tem o direito de agir como supremo e exercer ele prprio o poder legislativo; ou ainda coloc-lo sob uma nova forma ou em outras mos, como achar melhor. 20 Essemesmoprincpiodasoberaniapopulartambmfoidesenvolvido pelofilsofoiluministafrancsJean-JacquesRousseau(1712-1778),umdos grandestericosdoliberalismo,filsofoqueexerceugrandeinflunciana formaoculturaldeDenizardRivail.QuandotratadadissoluodoEstado, Rousseau deixa claro o papel do povo no exerccio de sua liberdade natural: O caso da dissoluo do Estado pode acontecer de duas maneiras. Primeiramente, quando o Prncipe no administra mais o Estado segundo as leis e usurpa o poder soberano. Produz-se, ento, uma transformao notvel: no o

18 Ibid. Id., p. 100. 19 Idem, p. 121. 20 Ibid. Id., p. 131. UMA VISO KARDECISTA DA DESOBEDINCIA CIVIL EUGENIO LARA 19 governo, mas o Estado se contrai; quero dizer que o grande Estado se dissolve e que seformaoutrodentrodoprimeirocompostosomentedosmembrosdogoverno,o qual, em relao ao resto do povo, no passa de senhor e tirano; de sorte que no ins-tante em que o governo usurpa a soberania, o pacto social rompido e todos os sim-ples cidados, reassumidos de direitos na sua l i berdadenatural , so forados mas no obri gados a obedecer.21 Essa obra de Rousseau serviu de inspirao para a Revoluo Francesa, principalmentepordefenderaautodeterminaoeasoberaniadopovono processo poltico, em contraposio tirania e a usurpao do poder.

21 Jean-Jaques Rousseau - Do Contrato Social, p. 70 e 71. Grifo meu. UMA VISO KARDECISTA DA DESOBEDINCIA CIVIL EUGENIO LARA 20 7. RAZES HISTRICAS Provavelmente, o registro histrico mais antigo de comportamento similar ao da Desobedincia Civil encontramos na obra de Sfocles (496 a.C. - 405 a.C.), Antgona. Um dos maiores dramaturgos da cultura grega, Sfocles aborda nessa tragdiaoconflitoentreafilhadedipo,AntgonaeoreideTebas,Creonte, devido proibio pblica do sepultamento de Polinices. Indignada e revoltada com a injustia, ela decide enterrar o irmo, revelia do tirano, alegando a fide-lidade a princpios que, segundo ela, estariam acima das leis humanas:CREONTE Fala, agora, por tua vez; mas fala sem demora! Sabias que, por uma proclama-o, eu havia proibido o que fizeste? ANTGONA Sim, eu sabia! Por acaso poderia ignorar, se era uma coisa pblica? CREONTE E apesar disso, tiveste a audcia de desobedecer a essa determinao? ANTGONA Sim, porque no foi J piter que a promulgou; e a J ustia, a deusa que habita com as divindades subterrneas jamais estabeleceu tal decreto entre os humanos; nem eu creio que teu dito tenha fora bastante para conferir a um mortal o poder de infringir as leis divinas, que nunca foram escritas, mas so irrevogveis; no existem a partir de ontem, ou de hoje; so eternas, sim! e ningum sabe desde quando vigoram! Tais de-cretos, eu, que no temo o poder de homem algum, posso violar sem que por isso me venham a punir os deuses! Que vou morrer, eu bem sei; inevitvel; E, se morrer antes do meu tempo, isso ser, para mim, uma vantagem, devo diz-lo! Quem vive, como eu, no meio de to lutuosas desgraas, que perde com a morte? 22 Essa mesma ideia observamos na Apologia de Scrates, quando o mes-tre de Plato aponta a necessidade e o dever de desobedecer as leis humanas caso estas entrem em conflito com as leis e preceitos divinos:

22 Sfocles - Antgona, p. 30 e 31. Grifo meu. UMA VISO KARDECISTA DA DESOBEDINCIA CIVIL EUGENIO LARA 21 Atenienses, eu vos sou reconhecido e vos quero bem, mas obedecerei antes ao deus que a vs, enquanto tiver atento e puder faz-lo, jamais deixarei de filosofar.23 Outropensadorpioneironessaquestodarelaodoindivduocoma autoridade tienne de La Botie (1530-1575), pensador e humanista francs do sculo 16, autor do tratado Discurso Sobre a Servido Voluntria, que dis-cute a relao entre o Estado e a Sociedade, entre o indivduo e a autoridade. LaBotietambmconsideradoumdosprecursoresdoanarquismo.Desen-volveu nessa obra um discurso implacvel contra a tirania, como vemos nesta passagem: estranhoouvirfalardabravuraquealiberdadepenocoraodaqueles que a defendem; mas o que, em todos os pases, em todos os homens, todos os dias, faz com que um homem trate cem mil como cachorros e os prive de sua liberdade? (...) no preciso combater esse ni co ti rano, no preci so anul -l o; ele se anul a por si mesmo,contantoqueopasnoconsi ntaasuaservi do; no se deve tirar-lhe coisa alguma, e sim nada lhe dar; no preciso que o pas se esforce a fazer algo para si, contanto que nada faa contra si. Portanto, so os prprios povos que se fazem do-minar, pois cessando de servir estariam quites; o povo que se sujeita, que se degola, que, tendo a escolha entre ser servo ou ser livre, abandona sua franquia e aceita o jugo (...). Eu no o exortaria se recobrar sua liberdade lhe custasse alguma coisa; como o homem pode ter algo mais caro e restabelecer-se em seu direito natural e, por assim dizer, de bicho voltar a ser homem?. 24 O exemplo de Jesus de Nazar tambm merece ser mencionado. Ele era a prpria Desobedincia Civil em pessoa. Entretanto, grande parte dos estudi-ososnoaceitaqueJesustenhapraticadoaDesobedinciaCivil.Defato,o Mestrepermaneceusempremargemdosconflitospolticosdeseutempo. Todavia, podemos observar nos evangelhos diversas passagens em que Jesus desafia publicamente os fariseus e doutores da lei, como no episdio da mulher adltera,atitudetpicadeumdesobedientecivil.Segundoaleimosaica,a adlteradeveriaserapedrejada,masJesus,desafiandoainjustaleicomsua

23 Plato - Defesa de Scrates, p. 21. 24 tienne de La Botie - Discurso Sobre a Servido Voluntria. Grifo meu. UMA VISO KARDECISTA DA DESOBEDINCIA CIVIL EUGENIO LARA 22 vigorosapalavraepersuasomoral,evitaoatoviolentocomaquelefamoso apotegma, dito de modo enrgico, com grande autoridade moral: Atire a pri-meira pedra quem estiver sem pecado! Jesus manteve-se equidistante das revoltas judaicas contra o domnio de Roma. Ao ser questionado de modo capcioso pelos fariseus em relao ques-to do no pagamento de impostos ao Imprio Romano, proferiu outra mxima: Dai a Csar o que de Csar e a Deus o que de Deus. Traduzindo em ter-mos espritas, como fez Allan Kardec em O Evangelho Segundo o Espiritismo, o homem de bem, o verdadeiro esprita, deve seguir os ditames de sua conscin-cia, orientado pelo profundo respeito ao outro, s leis morais, leis naturais, sem negligenciar,contudo,asconvenessociais.SegundoKardec,essamxima prescreveorespeitoaosdireitosdecadaum,comocadaumdesejaveros seus respeitados. Estende-se ao cumprimento dos deveres contrados para com a famlia, a sociedade, a autoridade, bem como para os indivduos. 25 Ignorandoaleimosaica,Jesusfaziaquestodecurarnosbadoem forma de protesto, fato que revoltava os fariseus, apegados forma e tradi-o dos costumes judaicos. Quanto a isso, as observaes de Allan Kardec res-saltam bem o protesto do mestre nazareno: J esus como que fazia questo de operar suas curas em dia de sbado, para ter ensejo de protestar contra o rigorismo dos fariseus no tocante guarda desse dia. Queria mostrar-lhes que a verdadeira piedade no consiste na observncia das prticas exterio-res e das formalidades; que a piedade est nos sentimentos do corao. J ustificava-se, declarando: Meu Pai no cessa de obrar at ao presente e eu tambm obro incessante-mente. Quer dizer: Deus no interrompe suas obras, nem sua ao sobre as coisas da Natureza, em dia de sbado. Ele no deixa de fazer que se produza tudo quanto ne-cessrio vossa alimentao e vossa sade; eu lhe sigo o exemplo.26 Os ensinamentos e o exemplo de Jesus de Nazar permaneceram vivos no comportamento dos primeiros cristos, perseguidos, torturados e condena-

25 Allan Kardec - O Evangelho Segundo o Espiritismo, cap. XI, itens 5 a 7. Grifo meu. 26 Allan Kardec - A Gnese, cap. XV, item 23. UMA VISO KARDECISTA DA DESOBEDINCIA CIVIL EUGENIO LARA 23 dos morte por no se sujeitarem s leis do Estado Romano que deles exigia o alistamento militar, a adorao ao Imperador e adoo da religio romana co-mo sua crena. Quanto a isso, a declarao do apstolo Pedro ao sumo sacer-dote, depois de ser libertado da priso pblica por um anjo, bastante exem-plar:MaisvaleobedeceraDeusdoqueaoshomens.(AtosdosApstolos 5:29, traduo Joo Ferreira de Almeida). Citamos Jesus e o apstolo Pedro pelo valor histrico e o exemplo mo-ral,oquenosignificaadesoaocristianismo.Aafinidadeticaqueexiste entre ambas as doutrinas, a espritae a crist, no significa vinculao con-ceitual, teolgica, histrica.Se o Espiritismo fosse cristo de fato, teria de considerar a rebelio de Lcifer e seus comparsas contra Deus como a primeira desobedincia civil da histria, a resistncia primordial, bem antes da desobedincia de Ado e Eva, o pecado original, fato este que geraria, segundo a teologia crist, o incio da ci-vilizao.Conformeafirmou,demodojocoso,opsicanalistaErichFromm,a histriahumanacomeoucomumatodedesobedincia,enoimprovvel que termine por um ato de obedincia.27

Enquantomitobblico,atesedosanjosdecadosaproxima-sedePro-meteu, da mitologia grega e Hermes Trismegisto, na mitologia egpcia. A Igre-ja incorporou essa tradio pag, tornando-a o fundamento da origem de Sa-tans, o deus do Mal, o grande opositor de Deus. OmesmoseaplicadesobedinciadeEva,seguidapelaseduode Ado,convencidosdequeaquelefrutoproibidovaliaapenasersaboreado. Soapenasmitosdeorigem,masquetrazemindciosdeposturaseaes anlogas prtica da Desobedincia Civil.

27 Eric Fromm - Sobre la desobediencia y otros ensayos, p. 9. UMA VISO KARDECISTA DA DESOBEDINCIA CIVIL EUGENIO LARA 24 8. CRONOLOGIA Podemosobservarovelhoconflitoentreoindivduoeaautoridadeno CdigodeHamurbi,28nopensamentodeConfcio,Lao-Ts,Krishna,Buda, Scrates e Jesus de Nazar. Desde a Antiguidade ocorrem prticas que nos re-portam Desobedincia Civil, tanto na tradio religiosa dos povos, na histria da poltica, nos livros sagrados, assim como nas diversas correntes filosficas. A seguir, um quadro cronolgico com alguns importantes fatos histricos rela-cionados Desobedincia Civil: CRONOLOGIA DA DESOBEDINCIA CIVIL 494 a.C. Sem direitos civis e revoltados com os maus tratos, plebeus do distrito de Crustumeria (atual Itlia) desafiam o Estado romano e se retiram para o Monte Sagrado. Como eram essenciais ao exrcito e economia, os patrcios decidem atender s reivindicaes dos manifestantes e promovem alterao nas leis. 73 a.C. O escravo e gladiador Esprtaco lidera uma rebelio contra Roma, reunindo cerca de 120 mil escravos revoltados com a crueldade e a opresso que sofriam. 1565-1576 Insatisfeitos com os altos impostos e perseguio aos protestantes, os Pases Baixos se insurgem contra o domnio espanhol, dando incio revolta de independncia. 1722 Colonos norte-americanos, liderados pelo advogado Daniel Dulany, se organizam pelos direitos polticos da provncia de Maryland. Dulany escreve o manifesto O Direito dos Habitantes de Maryland, em Benefcio das Leis Inglesas. O Parlamento cede s presses dos manifestantes. 1850 e 1867 Movidos por sentimentos nacionalistas, cidados hngaros se revoltam eexigem dos austracos a eliminao da opresso e garantia de direitos civis, propiciando a fundao do Imprio Austro-Hngaro (1867 a 1918).

28 No sculo 18 a.C. Hamurbi (Khammu-rabi - 1810 a.C.-1750 a.C.), o primeiro rei da Babilnia, expandiu seu imprio e governou uma confederao de cidades-estado. No final de seu reinado mandou erigir enorme estela em diorito (tipo de rocha gnea) com retrato seu acompanhado, logo abaixo, de 21 colunas com 282 clusulas, que se tornaram conhecidas para a posteridade como Cdigo de Hamurbi. UMA VISO KARDECISTA DA DESOBEDINCIA CIVIL EUGENIO LARA 25 1897 Fundada a Unio Nacional pelo Sufrgio Feminino pela educadora britnica Millicent Fawcett, entidade que aglutina as suffragettes (sufragistas), mulheres engajadas na luta pelo direito ao voto. No incio, as suffragettes empregam aes pacficas, promovem passeatas e atos pblicos. Em busca de resultados mais efetivos, assumem outra estratgia, entram em confronto com a polcia, provocam incndios em estabelecimentos pblicos, atacam polticos e membros do Parlamento. Muitas suffragettes so presas e adotam a greve de fome como forma de protesto. O movimento conquista a aceitao pblica e torna-se fundamental para a alterao nas leis eleitorais britnicas. 1915-1948 O movimento de independncia da ndia liderado por Gandhi atravs de greves, passeatas, marchas e prticas de Desobedincia Civil, segundo a estratgia dano-violncia, experimentada por Gandhi na frica do Sul, com a participao de milhes de indianos contra o domnio ingls. 1920 Incentivados pelo gabinete do governo, a classe operria alem deflagra greve geral e promove vrias aes de Desobedincia Civil contra o Golpe Kapp-Putsch, tentativa frustrada de tomada do poder, liderada pelo poltico Wolfgang Kapp no incio da Repblica de Weimar. 1955 A costureira norte-americana Rosa Parks presa porque se recusa a ceder lugar no nibus a um cidado branco. Esse ato de Desobedincia Civil marca o incio da campanha contra o racismo nos Estados Unidos e Rosa torna-se smbolo da resistncia civil contra a discriminao racial. 1955 O pastor protestante e ativista negro Martin Luther King J r. inicia a luta contra a discriminao racial nos EUA, organiza boicotes e aes diretas em nibus, escolas, lanchonetes e demais instituies que proibiam ou discriminavam o acesso aos negros. Promove tambm diversas marchas e protestos contra a discriminao racial e a favor do direito de voto dos negros nas eleies. 1961 O ativista poltico e lder negro Nelson Mandela lidera o movimento de resistncia civil contra a poltica racista e segregacionista do apartheid e funda, na clandestinidade, o Umkhonto we Sizwe (Lanceiro da Nao), faco militar da CNA (Congresso Nacional Africano). 1968 Na Frana, greves estudantis e passeatas contra a administrao e a polcia so o estopim para uma greve geral de grandes propores, dando origem expresso Maio de 68, que se caracterizou pela sucesso naquele ano de protestos em todo o mundo, em favor das liberdades civis, do desarmamento nuclear e contra o racismo, o machismo e a represso de governos autoritrios. UMA VISO KARDECISTA DA DESOBEDINCIA CIVIL EUGENIO LARA 26 1968 Cidados tchecos organizam vrias manifestaes pacficas e no-violentas, com a prtica da Desobedincia Civil em protestos contra a URSS, que ocupou o pas com suas tropas militares em reao s reformas sociais e econmicas implantadas na antiga Tchecoslovquia.O fato tornou-se conhecido como Primavera de Praga. 1969 O ex-Beatle J ohn Lennon e sua esposa Yoko Ono ficam uma semana na cama de hotel em Montreal, Canad, como forma de protesto contra a Guerra do Vietn, manifestao denominada de Bed-In. 1971-1981 Fazendeiros contrrios ocupao militar do plat de Larzac, na Frana, organizam campanha de resistncia no-violenta, atraindo o interesse da mdia internacional, depois de ocupar a rea gramada da Torre Eiffel, com a pastagem de 60 ovelhas. 1984 Fundado o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), herdeiro dasantigas ligas camponesas, cujo objetivo mximo a reforma agrria. Ganha projeo nacional e internacional aps ocupar a fazenda Anoni, no Rio Grande do Sul, em 1985. Cerca de 1500 famlias acampam na fazenda, transformando-se num marco histrico na luta pela terra. 1989 Manifestaes lideradas por estudantes contra a represso e a corrupo na China so violentamente reprimidas pelo governo do Partido Comunista, na Praa da Paz Celestial, com tanques e infantaria. O Massacre da Praa da Paz Celestial, como ficou conhecido, resultou na morte de centenas de civis. Um jovem, que ficou famoso como o rebelde desconhecido, coloca-se corajosamente na frente de uma fileira de tanques de guerra, imagem que ganhou destaque em todo o mundo, tornando-se um dos smbolos da Desobedincia Civil na China. 1992 Ao longo do ano, em todo o Brasil, estudantes se mobilizam contra as medidas econmicas e a corrupo no governo Collor de Melo. Com o rosto pintado nas cores verde e amarelo, da o nome caras pintadas, os jovens deflagram um movimento popular que culmina com a formao do Movimento pela tica na Poltica e o impeachment de Collor, em dezembro. 2000 Cidados da antiga Iugoslvia praticam a Desobedincia Civil contra o tirano srvio Slobodan Milosevic, que se recusa a reconhecer a derrota eleitoral: bloqueiam estradas, realizam greves, empresas fecham as portas, com amplo apoio dos meios de comunicao. 2013 O Movimento Passe Livre, pela tarifa zero para o transporte coletivo explode, do Rio Grande do Sul para todo o Brasil, ganha apoio macio da populao e obtm repercusso nacional e internacional. A violenta represso policial estimula ainda mais a mobilizao popular, espontnea e apartidria, que acabou agregando todo tipo de descontentamento. Fonte: Wikipdia, Folha de S. Paulo, Enciclopdia Delta-Larousse e Almanaque Abril. UMA VISO KARDECISTA DA DESOBEDINCIA CIVIL EUGENIO LARA 27 9. A VISO KARDECISTA DIREITO NATURAL Sob o ponto de vista kardecista, a Desobedincia Ci-vil possui um carter evolucionrio porque se insere nos processos sociais, faz parte da evoluo integral do homem e do mundo, contribuindo assim paraa transformao intelecto-moral, na medida em que sua finalidade transformar as leis, torn-las legtimas, numa perspectiva axiolgica, tica. A viso kardecista conduz a um estado permanente de desobedincia. O esprita kardecista, por natureza, um desobediente civil em potencial porque est em constante conflito existencial com os valores da sociedade, com a es-trutura de leis, com o Estado. Esse conflito tem sua origem no conceito esprita de justia, liberdade e igualdade, balizado pelo Direito Natural. O Direito Natural ou Jusnaturalismo um conjunto de direitos que so inerentesaoserhumano,sointrnsecos,imanenteseinseparveisdesua manifestaocomoprincpiointeligente.Diferencia-sedoDireitoPositivo, emanado do Estado, por se estruturar a partir da Lei Natural. SegundoaconceituaodojuristaefilsofoaustracoHansKelsen,o DireitoNaturaltemordenamentodiferentedoDireitoPositivoporserbem mais elevado, justo e equnime porque emana da natureza, da razo humana ou da vontade de Deus. Enquanto o Direito Positivo rege a autoridade huma-na e a criao das leis pelo legislador, o Direito Natural no criado pelo ato de uma vontade humana, no o produto artificial, arbitrrio, do homem. Ele pode e tem de ser deduzido da natureza por uma operao mental.29 Assim como a tica esprita se espelha no Direito Natural, sua ideia de justia tambm caminha por essa via porque a filosofia esprita concebe a exis-tncia de uma justia natural, coercitiva e normalizadora, inscrita na conscin-cia do princpio inteligente.

29 Hans Kelsen - Teoria Geral do Direito e do Estado, p. 12 a 14. UMA VISO KARDECISTA DA DESOBEDINCIA CIVIL EUGENIO LARA 28 AconcepofilosficadoEspiritismoacercadajustiaedosdireitos humanos o insere, portanto, no contexto do Direito Natural. Para o Espiritismo, as leis humanas so perfectveis e expressam o nvel evolutivo de determinada nao. Enquanto que as leis naturais (ou divinas) so imutveis, eternas, por-que expressam a vontade da Inteligncia Suprema. Todo o conceito esprita de justia, liberdade e igualdade tem seu fundamento no Direito Natural. ADeclaraoUniversaldosDireitosdoHomem(1948),certamente, uma das maiores expresses do Direito Natural, sinnimo de Direitos Humanos. Onomejdizaqueveio.ElanosedirigesomenteaospovosdoOcidente, mas a todas as naes do mundo, porque considera os direitos humanos natu-rais, universais e sem vnculo com alguma ideologia, como se v na proclama-o inicial do documento aprovado pela Assembleia Geral das Naes Unidas: Proclama a presente Declarao Universal dos Direitos do Homem como o ideal comum a atingir por todos os povos e todas as naes, a fim de que todos os in-divduos e todos os rgos da sociedade, tendo-a constantemente no esprito, se es-forcem, pelo ensino e pela educao, por desenvolver o respeito desses direitos e li-berdades e por promover, por medidas progressivas de ordem nacional e internacio-nal, o seu reconheci mentoeasuaapl i caouni versai s e efetivos tanto entre as populaesdosprpriosEstadosmembroscomoentreasdosterritrioscolocados sob a sua jurisdio.30 Segundoograndefilsofodaalteridade,oescritorfrancsEmmanuel Lvinas (1906-1995), o direito do homem sem dvida a ordem inelutvel na humanizao do indivduo, de sua justia e de sua paz.31 Tal humanizao, que se pretende universal, uma das finalidades essenciais do Espiritismo, porque justamente essa a sua proposta humanista no campo dos valores em relao justia, liberdade, igualdade e fraternidade entre os homens. Esse projeto ti-cotempretensesuniversais,dirige-seatodoserhumano,aqualquergrupo socialounao.Demodoque,aassociaoaalgumaideologia,sejacrist,

30 Declarao Universal dos Direitos Humanos, p. 393. Grifo meu. 31 Emmanuel Lvinas - Entre ns - Ensaios sobre a alteridade, p. 242. UMA VISO KARDECISTA DA DESOBEDINCIA CIVIL EUGENIO LARA 29 marxistaouesotrica,resultarianoaprisionamentoenosectarismodeprinc-piosquesepretendemuniversais,tornando-osincompatveiscomatotalidade do pensamento esprita. Anoodejustia,derespeitoautonomiaeintegridadedapessoa humana,doespritoimortal,regidoporumconjuntodeleisqueafilosofia esprita denomina de Leis Morais. Pois, da mesma forma que existem leis fsi-cas que estruturam todo o universo material, o Espiritismo concebe a existn-cia de Leis Morais que regem o universo moral. Segundo o advogado e jornalista gacho Milton Medran, lei natural, mo-ral e justia so trs conceitos que no Espiritismo se complementam, formando um todo indivisvel, cuja sntese a caracterstica bsica de sua tica:No ser exagero afirmar que essa sntese representa a mais avanada con-cepo de Direito, formulada em linguagem liberta do academicismo tecnicista, preludi-ando o advento de uma era em que o valor J ustia, fazendo-se concreto nas relaes humanas, se fundir inteiramente no amplo e ilimitado conceito do Amor.32 A noo de direito que o Espiritismo propugna afasta-o, por sua vez, do Direito Positivo porque no h em sua teoria de valores distino entre moral e direito. O Direito Positivo perfectvel enquanto que o Direito Natural pere-ne, como o so as leis que regem os fenmenos naturais. Esse conceito pode ser conferido nas seguintes passagens de O Livro dos Espritos: P. 615. A lei de Deus eterna? eterna e imutvel como o prprio Deus. P. 616. Deus teria prescrito aos homens, numa poca, aquilo que lhes proi-biria em outra? Deus no se engana; os homens que so obrigados a modificar as suas leis, que so imperfeitas, mas as leis de Deus so perfeitas. A harmonia que regu-la o universo material e o universo moral se funda nas leis que Deus estabeleceu por toda a eternidade. P. 763. (...) o que parece justo numa poca parece brbaro em outra. Somen-te as leis divinas so eternas. As leis humanas modificam-se com o progresso. E se mo-dificaro ainda, at que sejam colocadas em harmonia com as leis divinas.

32 Milton Rubens Medran Moreira - Concepo esprita do Direito Natural. UMA VISO KARDECISTA DA DESOBEDINCIA CIVIL EUGENIO LARA 30 P. 795. As leis humanas so mais estveis medida que se aproximam da verdadeira justia, quer dizer, medida que so feitas para todos e se identificam com a lei natural. (...) A lei natural imutvel e sempre a mesma para todos; a lei humana varivel e progressiva: somente ela pode consagrar, na infncia da Humanidade, o di-reito do mais forte. P.875-a. Como os homens fizeram leis apropriadas aos seus costumes e ao seu carter, essas leis estabeleceram direitos que podem variar com o progresso. Vde se as vossas leis de hoje, sem serem perfeitas, consagram os mesmos direitos que as da Idade Mdia. Esses direitos superados, que vos parecem monstruosos, pa-reciam justos e naturais naquela poca. O direito dos homens, portanto, nem sempre conforme a justia. P. 885. A legislao humana imperfeita e consagra frequentemente di-reitosconvencionais queajustianatural reprova. porisso queoshomens refor-mam suas leis medida que o progresso se realiza e que eles compreendem melhor a justia. O que num sculo parece perfeito, no sculo seguinte se apresenta como brbaro. 33 CRIATIVIDADE De todas as prticas de resistncia, certamente a Deso-bedincia Civil a mais bem dotada de criatividade. Por atuar no limite entre alegalidadeeacontraveno,talprticaacabaexigindodeseuslderese adeptosumagrandedosedeimaginao(aimaginaonopoder!).34Os ecologistas, especialmente os militantes do Green Peace, so um bom exem-plo deste fato. A ao inusitada, o happening poltico, o uso de fantasias, mscaras, grafismos, msicas, a ocupao pacfica dos espaos pblicos, a prtica do sit-in35, tudo feito com grande dose de bom humor, de forma espontnea ou pla-nejada,comamploespaocriatividadeeimprovisaopoltica,configuram

33 Allan Kardec - O Livro dos Espritos. Grifo meu. 34 A imaginao no poder e proibido proibir so dois slogans que se tornaram clebres e apareceram em pichaes nos muros de Paris, durante as revoltas estudantis em maio de 1968, que detonaram uma onda de protestos, passeatas e desobe-dincia civil em vrias partes do mundo. 35 O sit-in ou sit-down uma forma de ao direta e no-violenta que consiste na ocupao de espaos pblicos por manifestantes que sentam-se pacificamente em locais estratgicos, a fim de protestar e chamar a ateno da opinio pblica. UMA VISO KARDECISTA DA DESOBEDINCIA CIVIL EUGENIO LARA 31 imenso arsenal de prticas polticas no convencionais, incrementando assim a natureza pblica, poltica, contestatria e criativa da Desobedincia Civil. Apropsito,lembro-mecomsaudadedeumdilogocomoamigoe escritorcariocaKrishnamurtideCarvalhoDias(1930-2001).Estvamosem minha casa, em 1988, onde o recebi para que pousasse, em funo de confe-rncias espritas que iria proferir em So Vicente-SP. Conversvamos sobre a questo das greves no transporte. Em certa altura da conversa, Krish conde-nou o prejuzo aos usurios e props que, ao invs de cruzarem os braos, os trabalhadores deveriam continuar prestando o servio necessrio ao transpor-te pblico, mas com uma interessante ressalva: no deveria ser cobrada pas-sagem. O servio seria prestado, mas no seria cobrado, constituindo-se em ato tpico de Desobedincia Civil. Obviamente que represlias e medidas violentas seriam tomadas contra tal ato de desobedincia, pois ao invs de causar prejuzo populao, preju-dicaria a empresa. Certamente, a populao, ao invs de condenar os manifes-tantes, iria apoi-los de forma incondicional. E, no final, os viles dessa estria todanoseriamostrabalhadoresgrevistas,massimosproprietriosdaem-presa de transporte. Eele,queerabancrioaposentado,citououtroexemplointeressante. Em greve de bancrios, a populao sempre sai prejudicada. A fim de evitar a paralisao indesejvel, sem abandonar as reivindicaes trabalhistas, os ban-crios, ao invs de entrarem em greve, permaneceriam em suas funes, mas aceitandosomenteretiradas,semdepsitos.Atchegaraopontoemquea agncia quebraria. Esse ato de desobedincia, se for bem organizado, resultaria em prejuzo no populao, mas aos banqueiros. So dois exemplos simples que demonstram o poder de uma ao pacfi-ca, podendo ser mais eficiente do que o costumeiro piquete violento, coordena-do pelo comando de greve. Pois, afinal de contas, quando o cidado se v pri-UMA VISO KARDECISTA DA DESOBEDINCIA CIVIL EUGENIO LARA 32 vado de algum servio essencial, devido a conflitos econmicos e polticos, no essa privao tambm uma forma de violncia? H uma diferena muito grande entre a violncia provocada pela greve e aquela causada pela interveno dos empresrios, como reao Desobedincia Civil. A primeira, prejudica a todos, enquanto que a segunda opo, j exempli-ficada, prejudica to-somente a empresa, principal causadora do conflito. AMARCHADOSALAtitudesemelhanteteveMahatmaGandhiem 1930,nandia,comorepresliadecisoautoritriadogovernoinglsna produo e comrcio do sal, proibindo sua extrao pelos indianos. Por con-tadessaresoluo,muitasunidadesdeextraofecharam.Osindianos eramforadosacomprarsaldasindstriasinglesasapreosexorbitantes, segundoGandhi,1.600vezesmaisdispendiosodoqueovalorpagopelos cidados europeus.36 Gandhi liderou a clebre Marcha do Sal com cerca de 50 mil manifes-tantes, que percorreram dezenas de quilmetros em 24 dias e fizeram a ex-trao do sal, depois vendido a preos mdicos ou distribudo gratuitamente populao. A polcia britnica no deixou barato e partiu para cima dos mani-festantes. Foram presas cerca de 60 mil pessoas, incluindo Gandhi. Ao invs de esmorecer, o movimento ganhou ainda mais fora e conseguiu seu objeti-vo,oprimeirodemuitos,atculminarcomaindependnciadandia.Essa marchaconsideradapelosestudiososdafilosofiapolticacomoumaobra-prima da Desobedincia Civil, o seu estado da arte. EDUCATIVO ETRANSFORMADOR A Desobedincia Civil, luz do Espiritis-mo, tambm podeser vista como ao educativa porque tudo parte da sede dejustia,darecuperaodahumanidadeconfiscadaevilipendiadapelo opressor, da busca do bem-estar. Quando as pessoas vo praa pblica, no

36 Lia Mertzig - Mahatma Ghandi, a violncia derrotada, p. 25. UMA VISO KARDECISTA DA DESOBEDINCIA CIVIL EUGENIO LARA 33 vo l para fazer baderna, mas sim protestar contra a injustia de que so v-timas. Esse engajamento tem um componente educativo e transformador. Educativo porque no confronto de interesses, de ideias, o conflito polti-co,seforconduzidocomrespeito,compreensoealteridade,exercercerta-mente um poder de persuaso, legando assim algum tipo de aprendizado. E, ao mesmo tempo em que os oprimidos manifestantes tentam recuperar sua huma-nidade roubada, eles reumanizam os opressores. Neste sentido, o pensamento do grande educador brasileiro Paulo Freire (1921-1997) bastante oportuno: A violncia dos opressores que os faz tambm desumanizados, no instaura uma outra vocao a do ser menos. Como distoro do ser mais, o ser menos leva os oprimidos, cedo ou tarde, a lutar contra quem os fez menos. E esta luta somente tem sentido quando os oprimidos, ao buscar recuperar sua humanidade, que uma forma de cri-la, no se sentem idealistamente opressores, nem se tornam, de fato, opressores dos opressores, mas restauradores da humani dade de ambos.37 O componente transformador da Desobedincia Civil situa-se no resgate da legitimidade original da lei, no poder de revalorizar a cidadania lesada, es-quecida, contribuindo assim para o processo de evoluo social, aindaque os protagonistas deste mesmo processo no tenham plena conscincia de seu pa-pel transformador. A propsito, o fundador do Espiritismo ressalta bem a rea-o injustia, a revolta contra o mal que gera a opresso: AsconvulsessociaissoasrevoltasdosEspritosencarnadoscontraomal que os oprime, ndice de que anseiam por esse reino de justia, da qual tm sede, sem, entretanto, saberem bem o que querem e os meios de consegui-lo.38

EmrelaoDoutrinaEspritaealei,ograndefilsofo espritaporte-nho Humberto Mariotti nos mostra interessante abordagem:Quando a lei s se prende ao dogmtico e visvel, parcializa seu critrio funci-onalenopodeatendera reclamaode grandesconglomerados humanos que de-mandam a concesso de novos direitos baseados em princpios renovadores.

37 Paulo Freire - Pedagogia do Oprimido, cap. I. Grifo meu. 38 Allan Kardec - Obras Pstumas, p. 176. UMA VISO KARDECISTA DA DESOBEDINCIA CIVIL EUGENIO LARA 34 As leis so boas ou teis segundo a condio moral da sociedade que as ge-ra. Quando elas so o produto de uma ideologia restritiva no podem expressar impar-cialmente o sentido puro de sua essncia: transformam-se em estatutos ou faculdades que favorecero os interesses de certos setores sociais unicamente, a indicar que sua funo se mostra afetada de parcialidade e viciada por fatores pessoais ou de partido. O Estado, deste modo, em suas funes gerais uma instituio que responde a inte-resses particulares, e no aos do Esprito. A filosofia esprita com relao lei atem-se realidade do homem como entidade espiritual evolutiva que e nunca a fatores cir-cunstanciais que abrangem somente a parte fsica de sua evoluo.39 UTOPIAEFINALIDADESOCIAL A construo da utopia, aqui e agora, co-mo projeto de um sonho possvel propiciar, no amanh, a realidade social an-teriormente inconcebvel. Os que hoje saem da inrcia, de sua zona de confor-to,paraarriscarsuaintegridadefsicaemprocessostransformadores,pela melhoriadaorganizaosocial,tambmusufruirodosresultados,benficos ou no, em futuras encarnaes. Tal ideia no elimina a renncia e o despren-dimento necessrio na luta pelo sonho, pela utopia ou por determinada causa. Hpessoasquenoaceitamaimortalidadeeareencarnao,masse entregam de corpo e alma na ao social. Essa entrega pode ser mais consis-tente na medida em que for balizada pelo princpio da reencarnao, que longe de alienar o indivduo, leva-o a agir com semelhante vontade e maior nvel de conscincia.AvisoqueoEspiritismooferecetemapretensodeampliaro raio de ao e a compreenso desse processo: Quem quer que se aprofunde nos princpios do Espiri ti smo fil osfi co, que considere oshorizontes queeledescortina,asideias que fazbrotareossentimentos queprovoca no podeduvidardopapelpreponderantequeeledesempenhanaregeneraodaHumanidade, conduzindo precisamente, e pela fora das coisas, meta desejada: o reino da justia, pela ex-tino dos abusos que lhe prejudicaram o progresso e pel a moral izao das massas.40 Sementrarnomritodaquestodealgumasupostapreponderncia do Espiritismo, sintoma do excessivo otimismo de Kardec, temos de conside-

39 Humberto Mariotti - Os ideais espritas na sociedade moderna, p. 7 e 8. 40 Idem, p. 177. Grifo meu. UMA VISO KARDECISTA DA DESOBEDINCIA CIVIL EUGENIO LARA 35 rar ofatodequeatransformaosocialafinalidadeltimadessafilosofia que se prope a ser progressiva e progressista, cuja prioridade a mudana dos hbitos, costumes, a abolio dos preconceitos de qualquer natureza, en-fim,aefetivatransformaomoral,concomitantecomoprogressodasrela-es sociais: (...) a ao do Espiritismo est em seu poder de moralizao, e no poderia as-sumir um carter autocrtico sem fazer o que ele prprio condena. Sua influncia ser pre-ponderante pela modificao das ideias, das opinies, do carter, dos hbitos e relaes sociais, influncia esta que ser cada vez maior porque no imposta por ningum.41 Para o escritor esprita Jaci Regis, a viso da reencarnao abre novas perspectivas de entendimento das relaes sociais: A doutrina da reencarnao produz profundas mudanas nos conceitos de so-ciedade e das relaes interpessoais. Preconceitos e discriminaes sofrem um ataque fulminante,porqueaprevalnciadomritoespiritualdesestruturatodaumaredede pruridos e condies sociais. Tal coisa no resolver em curto prazo, esses problemas, mas dar um suporte realmente espiritual para as mudanas nas relaes humanas.42 Pela abordagem e importncia que a filosofia kardecista concede mo-ralidade, orientada por uma tica de princpios, no seria exagero afirmar que na Kardequiana h evidente supremacia da axiologia sobre a ontologia. A re-flexo ontolgica do Ser (princpio inteligente), sua essncia, origem e mani-festao interexistencial no tem o mesmo grau de abordagem e reflexo que amoralidadeeosvaloresrecebemnaDoutrinaKardecista,cujafinalidade precpua a transformao moral, em nvel social e individual, no horizontal e no vertical, tanto no mundo fsico como no mundo extrafsico. Essa finalida-de,socialeutpica,muitobemexpostapeloescritoresocilogoesprita argentino Manuel S. Porteiro:

41 Ibid. Id., p. 179. 42 Jaci Regis - Novas ideias - Textos reescritos, p. 99 e 100. UMA VISO KARDECISTA DA DESOBEDINCIA CIVIL EUGENIO LARA 36 Parachegarrealizaomaisprecisadessafinalidadesocial,osespiritistas nosvemosimpelidos,pela forados mesmos acontecimentos quese desenvolvemno mundonestemomentotransitriodahistria,aintensificarnossaaomoralizadorae transformadora dos valores sociais, ao destrutiva e, ao mesmo tempo, construtiva, no sentido de neutralizar a falsa educao, a moral interesseira e discordante, que se d ao homem desde sua infncia e lhe ensina a cumprir deveres e a respeitar direitos que no so seno imposies arbitrrias, que esto em conflito com a justia e com o direito natural e, por conseguinte, com os princpios morais do Espiritismo.43 SegundooEspiritismo,asleiscivisevoluemetendemaseaproximar da lei natural porque so progressivas e expressam o nvel evolutivo, crescem e evoluem concomitantemente com o ser humano: A lei, com efeito, no um dogma: ela, de acordo com o Espiritismo, cresce e evolui com o homem e com as coletividades; de modo que se torna improcedente restrin-gir as necessidades da mesma, se se considera que no outra coisa que o resultado moral dessa evoluo. Porque se a lei s a expresso de um pensamento baseado em estruturas sociais imperfeitas e imutveis, ela aparecer como inoperante e intil, quando o grau de adiantamento alcanado pelo individuo sobrepuje o nvel comum.44 INFLUNCIA OCULTA No panorama das relaes sociais o Espiritismo con-cebe outro componente ativo, os espritos, que tambm se organizam em gru-pos,falanges,emcomunidadesnomundoextrafsico.Aturbulnciasocial,o clima de revolta, a sede de justia das massas impregna no somente o ambi-ente fsico, mas tambm o ambiente extrafsico, porque para a filosofia esprita ofsicoeoextrafsicoseconjugam,interagemnumprocessodinmicoqueo filsofoespritaHerculanoPiresdenominoudeinterexistencial,cujoentendi-mentocolocamosnalinhadepensamentodograndemetapsiquistafrancs GustaveGeley:nohmatriaseminteligncia,nemintelignciasemmat-ria,descartandoassim,radicalmente,tantoopuromaterialismocomoopuro espiritualismo.

43 Manuel S. Porteiro - Espiritismo Doctrina de Vanguarda, p. 104. Traduo e grifo do autor. 44 Humberto Mariotti Os ideais espritas na sociedade moderna, p. 8. UMA VISO KARDECISTA DA DESOBEDINCIA CIVIL EUGENIO LARA 37 Os espritos exercem influenciaes sobre os indivduos e movimentos sociaisnemsemprecompatveiscomorespeitoaosdireitosnaturais,algo impossvel de se mensurar quando se trata das relaes sociais. No ao ponto de se dizer que so os espritos que nos dirigem ou de que o mal da huma-nidade seja a obsesso, colocando na conta dos espritos, obsessores ou no, as nossas mazelas sociais. Essa influncia ocorre a partir de leis de afinidade moral, mental, na simpatia e antipatia entre os espritos, que existe em nvel individual e coletivo: Entre os povos, as causas de atrao dos Espritos so os costumes, os hbi-tos, o carter dominante, as leis, sobretudo, porque o carter da nao se reflete nas su-as leis. Os homens que fazem reinar a justia entre eles combatem a influncia dos maus Espritos. Por toda parte onde a lei consagra medidas injustas, contrrias humanidade, os bons Espritos esto em minoria e a massa dos maus, que para ali afluem, entretm a nao nas suas ideias e paralisam as boas influncias parciais, que ficam perdidas na multido, como espigas isoladas em meio de espinhadeiros. 45 Fator desconsiderado pela cincia, os espritos influem no processo histri-co atravs da mediunidade social, termo cunhado pelo filsofo esprita argentino HumbertoMariotti,apartirdesualeituradasideiasdoconterrneoManuelS. Porteiro.Exemplo clssico o caso de Joana DArc, cuja mediunidade lhe permitiu ouvirasvozesdosespritosqueaguiaramcontraodomnioingls.Oscristos entendem que as vozes eram de santos, ou era o esprito santo guiando a Virgem de Orlans. Enquanto outros, de mentalidade mais cientfica, preferem interpretar asvisescomooresultadodealgumapatologiamental,neurolgica.Hquem diga que ela era esquizofrnica.JparaoEspiritismo,semdesconsiderar,claro,acontribuiodas cincias, as vozes e vises de Joana so fruto de sua mediunidade ostensiva, dinmica,fenmenotambmobservvelnachamadainvasoorganizada,

45 Allan Kardec - O Livro dos Espritos, q. 521. UMA VISO KARDECISTA DA DESOBEDINCIA CIVIL EUGENIO LARA 38 nodizerdoclebreescritoringlsArthurConanDoyle,cujomarcohistrico so os fenmenos de Hydesville, nos Estados Unidos, produzidos pelas irms Kate e Margareth Fox, em 31 de maro de 1848. MARCHADO PROGRESSO A nsia do progresso e a busca do bem-estar, individual e coletivo, so desejos naturais, intrnsecos ao ser humano, o impulso gerador,oquemoveosgrupossociaisnaremoodainjustianasleis,no comportamento, nas relaes sociais: Sendo o progresso uma condio da natureza humana ningum tem o poder de se opor a ele. uma fora viva que as ms leis podem retardar, mas no asfixiar. Quandoessasleissetornamdetodoincompatveiscomoprogresso eleasderruba com todos os que a querem manter, eassi mseratqueohomemharmonizeas suas l ei s com a justia di vi na, que deseja o bem para todos e no as leis feitas para o forte em prejuzo do fraco. 46 Para o Espiritismo as convulses sociais, revolues polticas, manifesta-es como a Desobedincia Civil, so regidas por leis naturais. Cclicas, peridi-cas,sodeterminadaspelolivre-arbtriocoletivo,ocontextosocioeconmicoe cultural, pela fora das coisas, segundo a marcha inevitvel do progresso: A efervescncia que por vezes se manifesta em toda uma populao, entre os homens de uma mesma raa, no coisa fortuita, nem resultado de um capricho; tem sua causa nas leis da Natureza. Essa efervescncia, inconsciente a princpio, no pas-sando de vago desejo, de aspirao indefinida por alguma coisa melhor, de certa neces-sidade de mudana, traduz-se por uma surda agitao, depois por atos que levam s revoluessociais,que,acreditai-o,tambmtmsuaperiodcidade,comoasrevolu-es fsicas, pois que tudo se encadeia.47 EmsuasviagenspelaFrana,AllanKardecsedeparoucomosnovos gruposespritas,boapartedelesformadosporoperrios,ex-catlicosemili-tantes de diversas correntes ideolgicas, principalmente na regio industrial de Lyon,cidadenataldofundadordoEspiritismo,equivalenteaoABCpaulista.

46 Allan Kardec - O Livro dos Espritos, q. 783. Grifo meu. 47 Allan Kardec - A Gnese, cap. XVIII, item 8. Grifo meu. UMA VISO KARDECISTA DA DESOBEDINCIA CIVIL EUGENIO LARA 39 NasepstolasdoespritoErastoenosdiscursosdeKardec(registrados,em parte,nasubstanciosaobraViagemEspritaem1862),nota-seseuevidente ufanismo. Ao comentar, por exemplo, o grande crescimento dos grupos espri-tasparaalmdeParis,Kardecdiz,emrelaoaoEspiritismo,quepodemos ter, sem presuno, como a ideia capital do sculo XIX. E em outra oportuni-dade, sustenta que com a caridade por guia que o Espiritismo caminha para a conquista do mundo, fato que no ocorreria no sculo 20, como imaginaram Kardec e os espritos, e to cedo ocorrer neste sculo.Nos discursos, a preocupao com temas sociais bem evidente, como se v nesse trecho, dirigido aos espritas de Lyon e Bordeaux: Eis, senhores, que rides, o que produz o Espiritismo, essa utopia do sculo dezenove, parcialmente ainda, verdade, mas cuja influncia j se reconhece e cuja propagao em breve se compreender ser do maior benefcio, em favor de todos. Sua influncia uma garantia de segurana para as relaes sociais, pois que constitui o mais poderoso freio s ms paixes, s efervescncias desordenadas, mostrando o laodeamorede fraternidade quedeveunirograndeaopequeno eopequenoao grande. Fazei, pois que, por vosso exemplo, logo se possa dizer: Praza a Deus que to-dos os homens sejam espiritas de corao! 48 AS ARISTOCRACIAS E O ESTADO Sem negar o Estado, o que Kardec prope a sua espiritualizao, no projeto da aristocracia intelecto-moral, que consiste numgrupodeburocrataspreparadosparagerenciarasociedade,asrelaes entre o indivduo e o Poder, proposta utpica semelhante Repblica, de Plato, mas exequvel, na medida em que o processo democrtico e os avanos sociais permitam tal condio. A utopia sempre um sonho possvel e passvel de ser realizado quando se constitui em um projeto social, pensamento compartilhado pelo escritor esprita e qumico colombiano Carlos Orlando Villarraga: A divulgao dos fundamentos da Doutrina Esprita pode contribuir para mu-dar o paradigma atual porque apresenta uma viso mais abrangente da vida. A ari sto-craci a i ntel ecto-moral uma possibili dade de organizao soci al, possvel de ser al canadanonossopl aneta. Isso vai depender muito de nosso esforo para mudar-

48 Allan Kardec - Viagem Esprita em 1862, p. 100. UMA VISO KARDECISTA DA DESOBEDINCIA CIVIL EUGENIO LARA 40 mos, primeiro ns mesmos como indivduos para sermos melhores tanto na rea inte-lectual como na rea moral e, segundo, para participarmos mais na nossa comunidade e contribuirmos de uma maneira ativa para melhor-la.49 SegundooescritorespritaDeolindoAmorim,Kardecpropugnaaim-plantao de uma ordem social em que se realize o exerccio da aristocracia in-telecto-moral,isto,oprimadodacompetnciaedahonestidade,informado pelos valores espirituais e pelo sentimento de dever.50

Istonoimpedequetenhamosnoapenasumncleodearistocratas (termo,alis,desentidobempejorativo,elitista),massimdiversosncleos, vrioscomitsdescentralizados.Porm,emsuma,oqueimportamesmoo fator moral,imprescindvel segundo oEspiritismono equilbrio social,na ges-to da coisa pblica, do Estado, na construo de uma sociedade justa, iguali-tria e fraterna, onde a alteridade e a liberdade de pensamento, de conscin-cia, sejam algo to natural quanto respirar. a utopia kardecista, sem delrios, porque a busca do equilbrio no campo da moralidade no sai de moda. Quanto a isso, a viso do escritor esprita Jaci Regis bastante esclarecedora: O que a Doutrina prope o nivelamento da conduta moral dos detentores do poder, seja econmico ou poltico. No aceita um Estado com poderes sobre a pessoa, nem um Estado assistencialista que, no fundo, representa uma forma de dominao. A utopia kardecista,podeparecer romnticaeidealistademais.Masestnacristadas preocupaes da sociedade, das pessoas. Todos sabem que somente numa sociedade de nvel moral equilibrado, ser possvel no apenas a distribuio da riqueza, mas a equitativa relao de direitos e deveres.51

49 Carlos Orlando Villarraga - A aristocracia intelecto-moral: meta prioritria de nossa sociedade. Grifo meu. 50 Deolindo Amorim - Espiritismo e criminologia, p. 124. 51 Jaci Regis - O Pensamento poltico de Kardec. UMA VISO KARDECISTA DA DESOBEDINCIA CIVIL EUGENIO LARA 41 10. CONSIDERAES FINAIS Omundoestemcrise.Issopodeserevidenciadonosomenteno acompanhamento dos fatos do dia-a-dia, mas tambm nos ttulos de livros, no cinema, teatro, nas redes sociais, em todos os ramos da cultura e do conheci-mento. Crise da modernidade, da religio, da cincia, crise da poltica etc.h crise por toda parte. Todavia, ao que parece, quem est em crise mesmo a nossa civilizao. Neste quesito concordamos com o filsofo e ensasta brasilei-ro Srgio Paulo Rouanet: o que est em crise o projeto moderno de civiliza-o.52 Tudo parte da. Seestivssemosemumaencruzilhadaseriabemmaisfcil,bastaria seguir o caminho da direita ou o da esquerda. O problema que os caminhos so vrios e no h a certeza de que determinada trilha seja verdadeira. O re-lativismo impera e as doutrinas e religies, com seus princpios absolutos e au-toritrios, crescem a cada dia. Nessecontextoaparentementecaticoeimpregnadodeniilismo,no h lugar para o otimismo. como se estivssemos beira da barbrie ou en-to, espera do Juzo Final. A filosofia kardecista e todo seu arsenal de princpios ticos, com seu pen-samentovigorosobaseadonaexperimentao,narazoenobomsenso,pode oferecer sua contribuio,aindaque modestadiante do caos,da incerteza e do ceticismo sistemtico. A Desobedincia Civil, temperada pelos princpios kardecis-tas, pode ser uma alternativa no campo da ao poltica, da construo da cida-dania.AcontribuioespritaimensaporqueaDesobedinciaCivil,comovi-mos, fundamenta sua ao em nome de princpios superiores de moralidade, em nome de uma tica de princpios, questionadora da injustia, da desigualdade, da violncia em todos os nveis, no somente legais, mas tambm nas condies de vida, da cidade e do campo.

52 Srgio Paulo Rouanet - Mal-Estar na Modernidade - Ensaios, p. 9.UMA VISO KARDECISTA DA DESOBEDINCIA CIVIL EUGENIO LARA 42 A filosofia social esprita no admite a ao violenta, a luta armada co-mo estratgia de luta, a no ser em legtima defesa, na guerra e em situaes ondeaintegridadefsica,odireitovidasejamameaados.Ano-violncia aindaumdoscaminhosmaissintonizadoscomosprincpiosespritas,no somente porque a violncia nos causa horror e repugnncia, mas tambm, so-bretudo,porquepodemospautarnossaestratgiadeaoguiadospelatole-rncia, persuaso, pela alteridade e liberdade. Gandhi provou que isso poss-vel, assim como Luther King e Nelson Mandela. Esses grandes lderes do sculo 20, cada qual com sua histria de vida, foram exemplares, modelares, ao de-monstrarem que a ao poltica pode e deve ser exercida com dignidade, tole-rncia e perseverana.ADesobedinciaCivil,nocampodafilosofiapoltica,umdosmuitos caminhos que podem ser trilhados na construo de um mundo melhor, tanto nas grandes questes como nas pequenas coisas, tanto em uma passeata co-mo em uma partida de futebol.Em outras reas do conhecimento, contribuies similares devero surgir na medida em que as aes humanas se pautem por princpios morais bem de-lineados, por outro paradigma tico e filosfico, que transcenda o niilismo incon-sequenteeofanatismoreligioso.Nemtantamatria,nemtantoesprito.O equilbrio equnime, a tolerncia, a temperana e a alteridade podem e devem ser resgatados, vivenciados de modo produtivo, de modo permanente, perene. Para finalizar, compartilhamos com o leitor as sbias palavras do jorna-lista e escritor esprita santista, Jos Rodrigues (1937-2010), um dos grandes expoentes do pensamento social esprita: A filosofia esprita, ao lidar com o ser, enquanto esprito permanente, tem con-tedo para direcionar e redirecionar o mvel da aes humanas. Sua tica leva ao respei-to natural de todos para com todos, substituindo a subjugao pela solidariedade, a fora pelo amparo, a ignorncia pela educao, pressupostos de um mundo melhor.53

53 Jos Rodrigues - O desenvolvimento econmico do sculo 20 e o lugar do homem. UMA VISO KARDECISTA DA DESOBEDINCIA CIVIL EUGENIO LARA 43 BIBLIOGRAFIA AMORIM, Deolindo O Espiritismo e os problemas humanos, 1 ed. USE, So Paulo-SP [1985]. Espiritismo e criminologia, 1 ed. FEP, Curitiba-PR [1957]. ARENDT, Hannah Crisis de la republica, trad. Guillermo Solana, 2 ed. Editorial Taurus, Madrid-Espanha [1999]. BOBBIO, Norberto O futuro da democracia - Uma defesa das regras do jogo, trad. Marco Aurlio Nogueira, 6 ed. Ed. Paz e Terra, Rio de J aneiro-RJ[1986]. BOBBIO, Norberto, MATTEUCCI, Nicola e PASQUINO, Gianfranco Dicionrio de poltica vol. I, trad. Carmen Varriale, Gaetano Lo Mnaco, J oo Ferreira, Lus Cacais e Renzo Dini, 1 ed. Editora UnB, Braslia-DF [1998]. 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Eugenio Lara, arquiteto e designer grfico, fundador e editor do site PENSE - Pensamento Social Esprita [www.viasantos.com/pense], membro-fundador do Centro de Pesquisa e Documentao Esprita (CPDoc) e articulista dos jornais Opinio (Porto Alegre-RS) e Abertura (Santos-SP). autor do livro Breve Ensaio Sobre o Humanismo Esprita e dos livros em edio digital: Racismo e Espiritismo; Milenarismo e Espiritismo; Amlie Boudet, uma Mulher de Verdade (ensaio biogrfico); Conceito Esprita de Evoluo e Os Quatro Espritos de Kardec.E-mail: [email protected]