Upload
chefi456
View
7
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
IV Encontro Nacional da Anppas4,5 e 6 de junho de 2008Brasília - DF – Brasil_______________________________________________________
Segregação espacial e desigualdade social – fatores determinantes da insustentabilidade do ambiente urbano
Klemens Laschefski (FAPEMIG/PUC-Minas)Geógrafo, Doutor, Pesquisador no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais
Resumo
Há ainda pouca clareza sobre sobre a noção do "Desenvolvimento sustentável" e as formas
de sua implementação, sobretudo em questões urbanas. A principal hipótese deste trabalho
é de que as estruturas espaciais são extremamente relevantes para a sustentabilidade do
estilo da vida nas sociedades modernas. A distribuição das localidades nas quais as
diversas funções sociais são exercidas (trabalho, educação, compras) determina as
margens das ações dos indivíduos. A pesquisa em Belo Horizonte, Minas Gerais, uma das
principais centros urbano-industriais no Brasil, aponta as contradições em relação ao modo
de vida e à sustentabilidade de grupos sociais diferenciadas. Os grupos sociais de renda
elevada mostram-se bem informados sobre questões ambientais, contudo eles escolhem
um modo de vida altamente insustentável tanto em relação ao consumo dos recursos e do
espaço quanto à organização espacial do seu cotidiano. Em comparação, o modo de vida
dos grupos inferiores pode ser considerado ambientalmente mais sustentável, apesar dos
fatores externos que limitam a sua atuação no cotidiano. Entretanto, a configuração espacial
não permite que esses grupos diminuam o raio de atuação para exercer as suas funções
sociais. Concluimos que o caminho para uma sociedade sustentável depende de uma
mudança profunda nos fundamentos conceituais do planejamento urbano. O maior desafio
neste contexto é a superação da segregação espacial da sociedade moderna como uma
das principais determinantes da insustentabilidade do ambiente urbano.
Palavras-chave
Sustentabilidade urbana, organização do espaço, justiça ambiental
Introdução
Há mais de três décadas são discutidas as conseqüências do "desenvolvimento" no contexto da
modernização industrial, acompanhada por graves problemas ambientais e sociais. Um exemplo
é Belo Horizonte: uma cidade que cresceu em menos de 100 anos, transformando-se de uma
pequena cidade interiorana em uma metrópole com mais de 2,5 milhões de habitantes,
apresentando alta importância para a economia do país. Este desenvolvimento é diretamente
ligado ao processo de industrialização com base na mineração, na metalurgia, na siderurgia e na
fabricação de máquinas, de automóveis e demais indústrias pesadas. As conseqüências
negativas são visíveis: poluição do ar e das águas, urbanização descontrolada, favelização e
violência, problemas com o lixo, trânsito caótico etc. - problemas que apontam a
insustentabilidade dos atuais processos de urbanização.
A questão urbana é - sem dúvida – um dos maiores desafios na busca de sustentabilidade. Até
então, muitos projetos enquadrados no conceito do desenvolvimento sustentável se concentram
primordialmente em assuntos como o tratamento do lixo, da água, do ar, problemas do esgoto e
da saúde, educação ambiental dos cidadãos e das empresas, proteção da natureza, questões do
consumo, melhoramento do transporte público, dentre outras. Mas ainda falta um melhor
entendimento sobre as causas estruturais de uma sociedade industrializada, cujo modo de vida e
a sua organização espacial resulta em efeitos não-sustentáveis.
Este é o ponto da partida deste trabalho1, cuja hipótese básica é que o modo da ocupação
espacial reflete a organização social de diversas sociedades, e, assim, é uma determinante
estrutural para o estilo de vida. A distribuição das localidades nas quais as diversas funções
sociais são exercidas (lugares de trabalho, alimentação, educação, compras, recreio etc.)
determina as margens das ações dos indivíduos, e assim as possibilidades para adotar um estilo
de vida "sustentável“. Conseqüêntemente, a pesquisa aqui apresentada tem como objetivo
analisar sistematicamente alguns bairros representativos das diversas unidades socioespaciais na
cidade de Belo Horizonte tendo em vista a sustentabilidade social e ambiental a partir de uma
perspectiva geográfica.
Parâmetros para avaliar a sustentabilidade no espaço geográfico
O conceito "desenvolvimento" através da industrialização, é freqüentemente entendido como a
liberalização das atividades humanas, particularmente do capitalismo, dos constrangimentos
ecológicos (Goldblatt, 1996:29). Neste sentido, o "desenvolvimento" mudou profundamente a
interação das sociedades com os ecossistemas. Contudo, hoje existe uma certa unanimidade no
reconhecimento de que as sociedades "desenvolvidos" chegaram, ao contrário do que se
esperava, aos seus limites ecológicos.
1Este trabalho é um desdobramento da pesquisa “A sustentabilidade geográfica de condomínios no Eixo Sul da região metropolitana de Belo Horizonte” financiado pelo CNPq, Processo No. 304239/2003-8. Trata-se de um sub-projeto da pesquisa “A expansão metropolitana em Belo Horizonte: dinâmicas e especificidades no Eixo Sul" desenvolvido sob a coordenação da Profa. Heloisa Moura de Costa, no IGC/UFMG (fevereiro/2002), com participação de outros institutos da UFMG (CEDEPLAR, FAFICH) e da PUC/MG.
Segundo o PNUD (1994), 20% da população mundial consumem 80% dos recursos enquanto os
outros 80% da população somente têm acesso a 20% dos recursos. Tendo em vista estes
números, ALTVATER (1999:15) afirma que a organização justa do “espaço ambiental”,
ultrapassando os limites nacionais, necessita uma reestruturação do “espaço da democracia” em
nível global. O autor refere-se a uma abordagem para quantificar o sobreconsumo do "Norte"
(OPSCHOOR 1992) as custas do "Sul'". A ONG Amigos da Terra calculou para Holanda, em
1993, que o “espaço ambiental2” daquele país é aproximadamente quinze vezes maior do que seu
próprio território (Buitenkamp et al, 1993). Esta “dívida ecológica” (MARTINEZ-ALIER, 1997: 216)
dos países ricos pode ser vista como um contrapeso à dívida econômica dos países pobres.
Conseqüentemente, para alcançar a eqüidade na distribuição dos recursos naturais em nível
global, são necessárias mudanças profundas na reprodução das sociedades modernas.
Nesse sentido, pode-se afirmar que o processo do “desenvolvimento” é acompanhado por uma
perda de sustentabilidade, sobretudo, em relação à dinâmica da ocupação do espaço. Os
sistemas de regulação das sociedades pré-industriais visaram a manutenção da
“sustentabilidade” do uso da terra, adaptado aos ritmos naturais que permitem a regeneração
permanente dos produtos tirados dos ecossistemas, como por exemplo, através de sistemas de
rotação ou de extrativismo. A população geralmente viveu em assentamentos pequenos e
dispersos. Os produtos para suas necessidades são acessíveis em distâncias relativamente
curtas. As sociedades modernas, contudo, concentram-se em centros urbano-industriais
interligados pelas redes de transporte e das tecnologias de informação, enquanto as suas
relações com à natureza são cada vez mais alienadas. O uso da terra apresenta-se como um
mosaico de paisagens uniformes, cada uma destinada à produção de mercadorias especificas,
como áreas para a agroindústria, mineração, manejo florestal ou produção de energia
(hidrelétricas) etc. Os ritmos e ciclos da natureza são substituídos por insumos técnicos, como
adubo e máquinas na agricultura, dentro dos limites da tecnologia disponível. O resultado é a
“monoculturação” ambiental e social do espaço, com efeitos não sustentáveis. Tendo em vista a
ideologia da acumulação do capital e o crescimento econômico ilimitado, na sociedade moderna a
tendência é a eterna expansão do consumo dos recursos naturais e do espaço.
Com base nessas idéias o autor desenvolveu parâmetros para avaliar a sustentabilidade de
processos espaciais a partir de vários conceitos para o desenvolvimento sustentável, como por
exemplo, o espaço ambiental e a pegada ecológica (OPSCHOOR 1992, LOSKE et al 1996,
WACKERNAGEL/REES 1996), a desmaterialização da economia (WEIZSÄCKER 1997,
BINSWANGER 1998, CALVACANTI 1998 etc.) e demais propostas discutidas durante a década
dos anos 90 (ver tabela 1).
2O espaço ambiental é definido como a quantidade de energia, recursos não renováveis, água, madeira e área cultivada com produtos agrícolas.
Tabela 1: Parâmetros para a sustentibilidade de sistemas de ação geográficos
Parâmetro sustentável Não-sustentávelUso da terra natural: sem uso
quase - natural: uso sem mudanças na estrutura do ecossistema natural (extrativismo, recreação etc.)semi - natural: manipulação de ecossistemas para fins de certos produtos, redução da biodiversidade (manejo de florestas naturais, sistemas agroflorestais, agricultura orgânica etc.)
semi-artificial:Uso da terra com espécies exóticas e uso de insumos como agrotóxicos, Biodiversidade bastante reduzida (monoculturas, produção agrícola industrial)artificial:transformação completa da natureza (mineração, construções urbanas, infra-estrutura do transporte)
Capacidade da reprodução auto-suficiente: as necessidades de uma determinada sociedade podem ser satisfeitas com a área disponível (depende dos valores básicos da sociedade)
dependente: a satisfação das necessidades de uma determinada sociedade é altamente dependente de insumos externos de outros sistemas geográficos de objetos e ações.
Consumo de recursos e do espaço
estável: as exigências de recursos e de espaço ficam estáveis em relação ao nível populacional
expansivo: tendência ao aumento do consumo dos recursos e do espaço
Organização espacial descentralizado: uso da terra pouco especializada (diversificada), baixa tendência em concentração da população
centralizada: uso da terra especializada e separada para determinados produtos, forte tendência na concentração da população em áreas urbanas
Sistema de transporte distâncias curtas:extensivo: baixo consumo de materiais e energia (p. e. barcos, cavalos).natural: p. e. rios, estradas de terra
distâncias longas:intensivo: alto consumo de materiais e energia (p. e. caminhões, carros)artificial: p. e. hidrovias, estradas
Poluição do meio ambiente (determinantes espaciais para emissões e lixo)
baixo: poucos focos de emissão, localidades da produção e consumo pouco distantes (menos embalagens necessárias e poucos gases poluentes), muitos fontes de energia limpa
alto: muitos focos de emissão, produção com alto consumo de materiais, localidades da produção e do consumo distantes (muitas embalagens (lixo) e emissões de gases poluentes), energia vem de fontes não renováveis
Justiça ambiental (equilíbrio da distribuição e do acesso aos recursos disponíveis)
equilibrado: poucas diferenças entre os indivíduos com respeito à distribuição e ao acesso aos recursos
desequilibrado: grandes diferenças entre os indivíduos com respeito à distribuição e ao acesso de recursos
Fonte: Laschefski, 2002, tradução própria
Com estes parâmetros, não se busca afirmar uma "volta" das sociedades industriais aos moldes
pré-industriais, mas inspiração para a construção de parâmetros em direção a um futuro
planejado com vistas à sustentabilidade. É importante destacar que estes parâmetros se
influenciam mutuamente, as vezes até se contrariando. Por exemplo, não podemos esperar que o
espaço seja totalmente usado dentro do critério natural, pois isto contraria qualquer atividade
humana transformadora da natureza. Mas podemos avaliar em qual grau as atividades humanas
são inseridas nos ciclos da reprodução natural e como são as tendências do uso no futuro. Assim,
uma análise da sustentabilidade geográfica precisa sempre ser conduzida numa perspectiva
dialética. Estes parâmetros não devem ser confundidos com indicadores ou critérios fixos. São
sistêmicos e dependem entre eles. Assim, devem ser aplicados para descrever a „direção“ de
processos no contexto de desenvolvimentos no espaço. Como diversos processos espaciais
podem produzir resultados contraditórios em relação a sustentabilidade, estes parâmetros
necessitam uma analise regional cujos resultados serão interpretados de forma dialética (para
mais detalhes ver LASCHEFSKI , 2002, p. 97 – 116).
A sustentabilidade geográfica de bairros diferenciados em Belo Horizonte
A seguir, com base nos parâmetros de sustentabilidade propostos, serão discutidos os resultados
de uma pesquisa empírica conduzida em 10 bairros em Belo Horizonte com characterísticas
sociais diferenciadas. Nestes foram aplicadas questionários que abrangem aspectos espaciais
(áreas, distâncias) em relação aos locais das funções sociais como exposto acima, assim, como
perguntas sobre a conscientização e comportamento relativo a questões ambientais e sociais
(interesse na temática ambiental, fontes de informação, participação em iniciativas grupos e
ONGs, consumo “ecologicamente correto, demandas às instituições públicos). Os bairros
analisados são apresentados no mapa a seguir:
Localidades de Pesquisa em relação à estrutura socioespacial de Belo Horizonte
Localidades dos moradores entrevistados em Belo Horizonte em relação à estrutura socioespacial (exceto Retiro das
Pedras e Alphaville): 1.) Betânia/Região Oeste 2.) Bom Jesus/Região Noroeste, 3.) Cidade industrial (Município Contagem), 4.) Dona
Clara/Região Pampulha, 5.) Eymard/Região Nordeste, 6.) Horto florestal, 7.) Nova Suissa/Região Oeste, 8.) Padre Eustáquio/Região
Noroeste, 9.) Pedro II/Região Noroeste, 10.) Ouro Preto/Região Pampulha, 11.) São José/São Luiz/Região Pampulha 12.) Seis Pistas
(Município Nova Lima).
Observação: Faltam os condomínios Retiro das Pedras e Alphaville – Lagoa dos ingleses.
Base do mapa: Fundação João Pinheiro, cit p. TEIXEIRA, et al, 2003; modificado pelo autor, 2006.
A base da classificação dos bairros foram os critérios para as categorias sociocupacionais do
IBGE (MENDONÇA, 2006)3. Os resultados obtidos serão apresentados a seguir.
Loteamentos fechados
Nas últimas décadas pode-se observar uma crescente tendência de movimentos urbanos-rurais
de famílias da classe média e alta, que procuram sossego e segurança em áreas distantes das
zonas urbanizadas, onde os problemas sociais e ambientais são cada vez mais sentidos como
uma ameaça para a vida pessoal. Entendemos que esta tendências de segregação espacial de
determinados grupos sociais e uma consequência da insustentabilidade urbano, contudo, gerando
novas contradiões à respeito. Desta forma justifica-se a apresentação destes “bairros” como
categoria distinta no contexto desta pesquisa. No caso da Região Metropolitana de Belo Horizonte
o alvo de tais grupos e uma região no sul da cidade, o denominado Eixo SUL, acessível pela BR
040. Os primeiros condomínios já surgiram nos anos 1950, como o Retiro das Pedras, analizado
aqui. O segundo condomínio pesquisado e o Alphaville – Lagoa dos Inglêses, inaugurado em
1999. Pode-se observar que as motivações de morar em condomínios mudaram ao longo do
tempo. Os antigos condôminos procuraram lugares de recreação próximos à natureza, muitas
vezes apenas para os finais de semana. Alguns moradores, criados no interior, procuraram um
ambiente rural para escapar da vida urbana, até mesmo desenvolvendo o cultivo de hortas. Com
a crescente perda da qualidade de vida no centro de Belo Horizonte, tais moradores transferiram
a sua residência permanente para o condomínio. As edificações de tais moradores são
geralmente menores do que as dos novos moradores, por um lado, porque a renda familiar é
menor, e, por outro lado, por causa da concepção das casas como chácaras para os finais de
semana. Entre os novos condomínos, com renda maior, prevalecem como motivações a busca de
segurança e a representação de um certo status social. Trata-se de funcionários de alto nível de
empresas multinacionais, empresários ou profissionais no setor terciário superior. A renda salarial
das famílias é de, pelo menos, R$ 12.000,00, superando na maioria dos casos R$ 15.000,00
(opção maior no questionário). As edificações ocupam freqüentemente uma parte maior dos lotes,
em que raramente encontram-se hortas.
Ao contrário das imagens dos condomínios divulgadas pelos empreendedores como
“ecologicamente corretos” há pouca consciência ambiental, sobretudo, entre os moradores mais
3 Segundo MENDONÇA (2006) a estruturação socioespacial na RMBH é baseada na classificação a seguir:Grupo Superior: 20% da população ocupada, constituído pelos tiposSuperior: concentração das categorias grandes empregadores e dirigentes Médio-superior: profissionais de nível superior e ocupações artísticas, de supervisão e técnicasGrupo Médio: 28% da população ocupada, constituído pelos tipos Médio: ocupações artísticas, de escritório, de supervisão, técnicas, médias de saúde e educação, trabalhadores do comércioMédio-baixo: ocupações de escritório, trabalhadores da indústria, serviços auxiliares e comércioGrupo Operário-popular: 41% da população ocupada, constituído pelos tipos Operário: trabalhadores da indústria moderna, serviços auxiliares, construção civil, serviços não-especializadosOperário-popular: maior densidade de trabalhadores da indústria tradicional, maior representação de trabalhadores do terciárioPopular: construção civil, serviços não qualificados, trabalhadores domésticosGrupo Agrícola: 11% da população ocupada, constituído pelos tipos Popular-operário-agrícola: alta densidade de trabalhadores agrícolas (2,74), mas também de trabalhadores da construção civil e trabalho domésticoAgrícola-popular: altamente agrícola, com densidade alta em serviços auxiliares, construção civil e trabalho doméstico
recentes. Este fato reflete-se não somente em relação aos próprios depoimentos, mas também
pelos bens adquiridos. Observa-se, por exemplo, um grande número de gocarts para as crianças,
que são altamente poluentes. Aproximadamente 10 % das casas são equipadas com
aquecedores solares. Contudo, muitos moradores se mostram dispostos a comprar produtos com
selos que atestam a sua produção ecológica e socialmente correta, além de alimentos oriundos
da agricultura orgânica.
Os locais de trabalho e de educação dos moradores são geralmente em Belo Horizonte,
raramente em Nova Lima, cuja sede municipal é mais próxima. Além disso, os locais para as
compras encontram-se preferencialmente em Belo Horizonte, com exceção de produtos de
consumo diário, tais como pão, verduras, etc, e materiais de construção e jardinagem, os quais
são obtidos em bairros mais próximos.
As casas ocupam a maior parte dos lotes. As áreas verdes nos mesmos são caracterizadas por
jardins ornamentais, compostos por espécies exóticas ou nativas que foram escolhidas,
primordialmente, a partir de aspectos estéticos, menos a partir da sua função ecológica. A
produção de alimentos restringe-se a pequenas quantidades de condimentos, ervas medicinais,
chás, entre outros, para o consumo próprio. Cada família possui pelo menos três carros. Além
disso, um número expressivo de moradores tem motos que são utilizados para o lazer (trilhas nos
arredores) nos fins de semana. Da mesma forma são usadas as bicicletas por jovens ou adultos.
Elas quase nunca são utilizadas como meio de locomoção, exceto para visitar um vizinho ou dar
umas “voltinhas” dentro do próprio condomínio, sobretudo, quando se trata de crianças.
A maioria das funções sociais como trabalho, compras, educação (ensino médio e superior) e
lazer (sobretudo atividades culturais como shows, teatro, cinema) é realizada em Belo Horizonte
ou em outros centros urbanos na RMBH (Contagem e Nova Lima). O centro comercial e as
instituições de ensino localizadas dentro do condomínio mostram-se insuficientes em relação às
necessidades dos moradores. Apenas as possibilidades para o ensino infantil e fundamental
mostram-se adequadas para as famílias. Os locais de ensino superior se encontram,
freqüentemente, em cidades distantes (Rio de Janeiro, São Paulo) ou mesmo no exterior.
Decorrente da externalização das funções sociais os moradores se direcionam, pelo menos,
quatro a cinco vezes de carro a Belo Horizonte ou aos outros centros urbanos da RMBH. Apenas
em situações excepcionais é utilizado o ônibus. Desta forma, o raio de locomoção para exercer as
funções sociais do cotidiano abrange entre 30 a 70 km.
Em cada domicilio há, pelo menos, um funcionário fixo para serviços domésticos e dois a três
diaristas (jardineiros, babás e faxineiras), em alguns casos há motoristas. Os funcionários
terceirizados chegam ao condomínio por meio de ônibus. Tais números indicam o grande número
de movimentos pendulares diários no caso de plena ocupação dos lotes.
Em resumo, o perfil dos moradores corresponde aos residentes recentes caracterizados em
relação ao Retiro das Pedras. Os moradores não opinaram sobre a gestão ambiental no
condomínio. Cabe lembrar que muitos aspectos ambientais, tais como tratamento de esgoto e a
coleta seletiva de lixo já foram incluídos na concepção urbanística ecologicamente correta, como
destacaram os empreendedores. Existe também uma associação de moradores que realiza
atividades ecológicas e sociais.
Bairros urbanos com predominância do grupo superior:
Ao contrário dos loteamentos fechados, que surgiram primordialmente como empreendimentos
privados, entendemos os bairros urbanos como resultado de prozessos urbanos “organicos” com
interferencia do planejamento por intituições públicos. Os bairros Seis Pistas e São José/São Luis
foram escolhidos como exemplos de áreas do grupo superior (ver Mapa 1), que refletem
processos da urbanização em épocas diferentes, baseado no planejamento das referidas
prefeituras.
O Bairro Seis Pistas, da cidade de Nova Lima, encontra-se no Vale do Sereno e a Vila da Serra,
localizada na Serra do Curral, na proximidade da Zona Sul de Belo Horizonte. Trata-se de uma
região de expansão urbana recente cujo planejamento já foi altamente influenciado pelos
princípios do “empreendedorismo urbano” com características atribuídas pelo setor imobiliário aos
chamados condomínios fechados no município de Nova Lima. Neste contexto, a prefeitura de
Nova Lima promove, em relação ao bairro Seis Pistas, uma imagem de cidade assentada na
qualidade de vida, no desenvolvimento econômico e na preservação ambiental. Por ser
implementada numa região montanhosa - que pouco tempo atrás foi considerada de difícil acesso
e inapropriada para loteamentos – destacam-se a proximidade de amplas áreas verdes que
pertencem a APA-Sul.
Contudo, enquanto os condomínios servem primordialmente para fins residenciais, o bairro Seis
Pistas já foi planejado com funções abrangentes de serviços avançados nas mais diversas áreas,
tais como consultoria empresarial, técnica e ambiental, assessoria jurídica, estabelecimentos de
ensino superior, serviços biomédicos e químicos. O propósito é constituir um pólo de serviços
especializados de amplitude metropolitana ou mesmo nacional e internacional, destacando a sua
centralidade urbana em tempos de globalização.
As características econômicas e residenciais do bairro são destinadas ao grupo superior, fato que
se afirma também pelos shopping centers de alto padrão na sua proximidade, dando continuação
ao bairro Belvedere na zona Sul de Belo Horizonte.
Os bairros São José e São Luiz são localizados na área Sul da Região Pampulha, ao norte de
Belo Horizonte, caracterizada pela proximidade ao complexo arquitetônico da Lagoa da
Pampulha, planejado por Oscar Niemeyer nos anos 40 para a camada superior da sociedade.
Destacam-se na região o campus da UFMG e da UEMG, com grandes instituições do ensino
superior, e o Minerão e o Minerinho para eventos esportivos. Os bairros apresentam
estabelecimentos de comércio e serviços diversificados que atendem também clientes de outros
bairros distantes, configurando assim uma certa centralidade na região da Pampulha. A renda
familiar aproxima-se ao nível dos bairros superiores na zona Sul de Belo Horizonte. O
parcelamento em lotes de mais de 1000 m2 foi inicialmente destinado para a construção de casas.
Contudo, há uma pressão sobre a prefeitura para mudar a legislação que restringiu a construção
de prédios, justificada com o aumento da criminalidade, mudanças no modo de vida e na
estrutura familiar. Neste contexto, vale ressaltar que se espera ainda a valorização dos lotes com
a conclusão das obras para a Linha Verde, um conjunto de avenidas que facilitará o acesso dos
bairros da zona Sul ao aeroporto internacional localizado 30 km ao norte do centro de Belo
Horizonte. Parcialmente, a construção de prédios já foi liberada com a conseqüência de muitas
novas construções de alto padrão. Contudo, nem todas as construções têm o aval da prefeitura.
Os bairros Seis Pistas e São José, São Luiz, enfim, apresentam um nível social semelhante,
contudo representam épocas diferentes do planejamento urbano. Uma parte do bairro São José,
próximo à Av. Antônio Carlos foi, 30 anos atrás, destinada ao abrigo de funcionários públicos.
Contudo, hoje moram nesse conjunto habitacional estudantes universitários porque os preços
dos alugueis são mais baratos. Esse conjunto hoje não é bem visto por outros moradores ou pelo
mercado imobiliário que argumenta que os lotes próximos perdem valor.
Em relação às entrevistas, pode-se identificar semelhanças aos moradores dos condomínios
fechados. As áreas verdes nos lotes são primordialmente utilizadas como jardins, mas
diferentemente do que ocorre nos condomínios pesquisados, pode-se encontrar com mais
freqüencia hortas para a produção de hortaliças e verduras para o consumo próprio. De modo
geral, os bairros se apresentam bem arborizados e têm - pelo menos na sua proximidade -
acesso a parques ou áreas de lazer (Serra do Curral, Lagoa da Pampulha). O setor de comércio
e serviços nos bairros pesquisados é bastante diversificado e oferece os produtos do cotidiano
para atender as demandas dos grupos superiores. Há supermercados com um amplo sortimento
de produtos importados e vinhos. Também há possibilidades para a compra de produtos
orgânicos. Contudo, observa-se no bairro São Jose/São Luis a tendência do deslocamento
freqüente de cerca 20 km para a zona Sul de Belo Horizonte (Savassi, BH-Shopping), em que há
uma maior oferta de produtos especializados. Nos Bairros São José e São Luiz as ruas internas,
que são de pedra, e assim permitem maior infiltração de água. Este calçamento é resultado de
uma luta da Pró-Civitas (associação de moradores) e outros moradores, que explicitam a
importância desse tipo de calçamento para diminuir a velocidade dos carros. O esgoto é coletado
de forma centralizada (rede), embora não se tenha notícia se é ou não tratado antes de ser
lançado aos rios. De modo geral, os bairros pesquisados oferecem mais infraestrutura para
exercer as funções sociais na sua proximidade do que os condomínios. No caso das Seis Pistas
mostrou-se que os moradores realizaram as principais atividades cotidianas no próprio bairro ou
na zona sul de Belo Horizonte, isto devido o fato de que o local de moradia foi escolhido por
causa das oportunidades de trabalhos para o nível superior e o fácil acesso aos bairros Belvedere
e Savassi e ao centro de Belo Horizonte.
Em relação às outras funções sociais, destaca-se nos bairros a proximidade a várias instituições
de educação para todos os níveis. Os filhos da maioria dos entrevistados utilizam as
oportunidades de educação infantil e o ensino fundamental no próprio bairro. Contudo, alunos do
ensino médio e superior procuram freqüentemente outras instituições de ensino mais distantes.
Há um número significativo de habitantes que trabalham no ou próximo do bairro. Porém, o
número maior tem que se deslocar ao centro de Belo Horizonte. Como nos condomínios a
existência de moradias para a mão-de-obra pouco especializada empregada, tais como
funcionários no comércio, empregadas domésticas, jardineiros, porteiros, vigias entre outros, é
limitada causando movimentos pendulares desses grupos entre o local de trabalho e os bairros da
moradia.
A maioria das famílias possui mais do que um carro, que é o principal meio de transporte para
transitar pela cidade, mesmo que os bairros sejam bem servidos de linhas de ônibus. O
transporte público é apenas utilizado pelos adolescentes e os trabalhadores que vêm diariamente
dos outros bairros. Nos bairros há pouquíssimas atividades industriais, como focos de poluição. O
trânsito é a fonte mais significativa de poluição. Ressalta-se a utilização de aquecedores solares,
sobretudo, em apartamentos ou casas mais luxuosas, que contribuem para a diminuição de
energia elétrica e, assim, a poluição. Por outro lado, deve-se considerar o consumo elevado de
produtos elétricos e eletrônicos de última geração nessa faixa de renda, o que contrabalança os
ganhos pelas tecnologias poupadoras de energia utilizadas nestes domicílios.
Observa-se a implementação de um aparato de segurança cada vez mais sofisticado (cercas
elétricas, câmeras e outros) e a contratação de serviços de vigilância (como policiamento de
bicicleta, número de telefone para segurança do bairro), similar aos condomínios fechados.
Contudo, não há possibilidades do fechamento absoluto desses lugares, embora em algumas
áreas já tenha sido discutida a construção de entradas controladas nos bairros. Os perfis mais
populares não são bem vistos, como se observa, no caso de São José/São Luiz, nas
reclamações que os moradores fazem das atividades do Mineirão e da Feira de Artesanato,
argumentando que atraem muitas pessoas e sujeira para o bairro.
A maioria dos entrevistados mostrou-se interessada em produtos com selos que atestam a
produção social e ecologicamente correta. Contudo, poucas pessoas os compram regularmente.
No bairro São José São Luis existe uma organização de moradores que se engaja
esporadicamente em questões ambientais e sociais no próprio bairro. Apesar de contar com
poucos participantes, a associação já conseguiu a feira de produtos orgânicos e possui um jornal.
Porém, a maioria dos moradores que se mostraram interessados nesta temática reduz seu
engajamento ao apoio de entidades ambientalistas. Não há coleta seletiva de lixo pela prefeitura
nos bairros pesquisados. Contudo, alguns moradores fazem a separação e levam aos bairros
próximos. Alguns, ainda, entregam diretamente aos catadores, que coletam principalmente
alumínio, papel e plástico e garrafas de vidro.
Os principais problemas identificados pelos moradores em relação à gestão ambiental no
município referem-se a falta da coleta seletiva do lixo, a poluição pelo trânsito, a poluição pontual
de algumas atividades econômicas (lixo e esgoto de restaurantes e de mecânicos, poluição
sonora, emissões de pequenas fábricas, entre outros) e o aumento da violência. No caso das
Seis Pistas foi mencionado o crescimento descontrolado do bairro.
Bairros com predominância do grupo médio-alto
Os bairros Ouro Preto, Dona Clara, Horto Florestal, Padre Eustáquio foram escolhidos como
típicos para as localidades de residências do segmento médio alto. Os bairros Padre Eustáquio e
Horto Florestal, localizados no anel pericentral, podem ser vistos como uma expansão do centro,
contudo, com uma expressiva função residencial. No bairro Padre Eustáquio há influência da
PUC-Minas, localizada no Coração Eucarístico, um bairro vizinho. Em relação ao bairro Horto
Florestal cabe destacar o Instituto Agronômico, localizado numa ampla área verde, que abriga o
Museu de História Natural e o Jardim Botânico da UFMG.
Os bairros Ouro Preto e Dona Clara são localizados na região da Pampulha. A área ao redor da
Lagoa da Pampulha, uma represa para fins de lazer, criada nos anos 40, foi primordialmente
destinada à elite Belo Horizontina. Contudo, com a construção do aeroporto, a Cidade
Universitária, o Jardim Zoológico e os estádios Minerão e Minerinho, acelerou-se a urbanização e
a diferenciação da região. Os bairros Ouro Preto e Dona Clara são exemplos que surgiram nos
últimos 30 anos decorrente desse processo. Ouro Preto é caracterizado pela proximidade à
UFMG, à Lagoa da Pampulha e ao hipermercado Carrefour, que marca mais um incentivo para o
crescimento desse bairro. Dona Clara é localizado perto do aeroporto da Pampulha entre as
avenidas Antônio Carlos e Cristiano Machado, as mais importantes conexões viárias de Belo
Horizonte para o Aeroporto Internacional, que estão atualmente em obras para ampliação no
âmbito do projeto Linha Verde.
A população de todos os bairros é primordialmente composta pela pequena burguesia, a elite
intelectual e a classe média. Porém, há também um número razoável da elite dirigente, ou seja,
do segmento superior, e do operariado do terciário e do subproletário. Porém, os segmentos do
operariado industrial e agrícola quase não são representados. As caracterrísticas comuns são a
presença de serviços e do comércio diversificado e o fácil acesso à rede viária.
O tamanho dos lotes é em torno de 500 m2. Muitas vezes, as casas ocupam a maior parte dos
lotes. O restante dos lotes - freqüentemente quase inteiramente impermeabilizado – é utilizado
como vagas para automóveis. A maioria das áreas verdes, quando existentes, são utilizadas
como jardins. Raramente encontra-se a produção de alimentos.
De modo geral, há apenas um ou dois carros disponíveis por família. Desta forma, os demais
membros familiares usam com maior freqüência o transporte público. O comportamento com
respeito às funções trabalho, lazer e compras é similar ao do grupo anterior.
O acesso às áreas verdes e de lazer varia muito entre os barros. Com exceção do Horto
Florestal, não há áreas verdes de grande extensão nas áreas pesquisadas. Contudo, alguns
moradores entrevistados não tinham consciência sobre as possibilidades de lazer no próprio
bairro.
As famílias têm, em regra, apenas uma empregada doméstica ou uma faxineira. Apenas em
situações excepcionais são chamados serviços adicionais de terceiros. Cabe destacar que as
moradias da mão-de-obra menos qualificada também ficam distantes dos bairros do grupo médio.
Em relação a fontes de poluição ambiental, nota-se que o trânsito é, como nos bairros superiores,
o maior problema. Existe uma rede de esgoto e há pouca produção industrial.
Os entrevistados não tinham conhecimento de associações de moradores, embora havia a
mobilização de grupos de moradores específicos como, por exemplo, em relação à construção de
um supermercado no Bairro Ouro Preto. As respostas em relação às temáticas ambientais e
sociais foram similares as do grupo anterior.
Bairros com predominação do grupo médio
Os bairros Nova Suissa e Pedro II são também localizados no pericentro de Belo Horizonte. O
bairro Nova Suissa é cortado pela Avenida Amazonas que representa a conexão do centro com a
cidade industrial e o município de Contagem. Destaques são o CEFET e supermercados como
Carrefour e EPA.
O bairro Pedro II está localizado na Avenida com o mesmo nome que liga a Avenida do Contorno
ao Anel Rodoviário. Na área existe comércio intenso, principalmente no ramo automotivo, com
diversas lojas de peças, serviços e revenda de automóveis.
A estrutura social é composta por profissionais de nível superior e de pequenos empregadores.
As famílias desse grupo têm apenas um carro por família, que abrange de modo geral cinco a
seis pessoas adultas por domicílio, pois é mais freqüente neste grupo que os avós ou os filhos
adultos morem na mesma casa. Desta forma, cresce a dependência do transporte público. Ao
contrário dos grupos anteriores, foi mencionado pelos entrevistados o acesso ao transporte
público como um dos fatores mais importantes para a escolha do bairro para morar. Nenhuma
das famílias tinha funcionários fixos, os serviços regulares de terceiros concentram-se na faxina.
Esporadicamente são chamados jardineiros.
As compras são feitas tanto no próprio bairro quanto nos shoppings mais próximos ou no centro
de Belo Horizonte. As lojas e shoppings mais especializados da zona Sul são apenas procurados
quando não há possibilidade de adquirir os produtos desejados nos locais das compras
cotidianas. De modo geral, observou-se que há uma tendência maior para atendimento das
atividades cotidianas no próprio bairro. Contudo, a falta de acesso a diversos serviços próximo
aos locais de moradia obriga as pessoas a se deslocarem para fora do bairro. Cabe lembrar que
a renda familiar é, em alguns casos, insuficiente para freqüentar os shoppings mais sofisticados,
mesmo quando são localizados na vizinhança.
Os problemas ambientais mais destacados foram a falta e/ou o mal cuidado das áreas verdes e a
poluição pelo trânsito. Interessante é a constatação de antigos moradores de que o aumento do
trânsito resultou na perda da rua como espaço público, que afeta, sobretudo as crianças, para as
quais não há locais alternativos para brincar. A segurança pública foi considerada o problema
social mais grave. Em todos os bairros pesquisados houve aumento da violência. Poucas
pessoas participam pessoalmente de atividades ambientais ou sociais.
Bairros com predominação do grupo médio-baixo
A Cidade Industrial Coronel Juventino Dias abrange vários bairros no município de Contagem.
Trata-se de uma continuação da também denominada Cidade Industrial em Belo Horizonte. O
distrito foi criado em 1941 como um espaço da modernização econômica da Metrópole, dando
início a ampliação sucessiva das áreas industriais como o Centro das Industrias de Contagem
(CINCO) e posteriormente o CINCÃO, CINQUINHO, e outras áreas industriais nos bairros
vizinhos. A pesquisa concentrou-se especificamente nos bairros Amazonas, Industrial Itaú, Jardim
Industrial e Industrial.
As principais vias de trânsito são a Avenida Alvarenga Peixoto que marca o limite entre os bairros
Industriais Itaú e Amazonas, e que possui uma de suas extremidades conectadas por um retorno
à BR-381 – Rodovia Fernão Dias, e a Rua Tiradentes, via que marca o limite entre diversos
bairros, dentre eles os Itaú e Jardim Industrial. Nesta e nas suas ruas transversais há uma
concentração de serviços e comércio, com presença de supermercados e diversos tipos de lojas
com produtos para o consumo diário, bancos, serviços laboratoriais, escolas profissionalizantes,
um posto de saúde e maternidade, entre outros. Destaca-se o Itaú Power Center na Cidade
industrial, um dos maiores da RMBH. O shopping foi instalado numa outrora fabrica de cimento. O
maior grupo socioocupacional nesta área é constituído por trabalhadores do secundário, na
maioria operários qualificados, embora há também segmentos significativos dos grupos médios e
populares, ou seja, trabalhadores manuais do setor de comércio e serviços, trabalhadores de
sobrevivência e subproletário.
De modo geral, as respostas das famílias entrevistadas neste grupo sobre a situação das
famílias, os padrões de consumo, os locais para exercer as funções sociais cotidianas foram
similares aos do grupo anterior. Contudo, destacam-se algumas observações:
Na área há uma alta concentração populacional, que se reflete no fato de que a maioria das
famílias vive em apartamentos de prédios sem acesso a áreas verdes próprias. Contudo,
observou-se em vários casos que as pequenas áreas verdes que sobram nos lotes são utilizadas
como hortas comunitárias para a produção de legumes, verduras e hortaliças.
Na maioria dos casos o local de trabalho do chefe da família era nas indústrias localizadas nas
proximidades das moradias. As emissões da Industria, a falta de medidas mitigadoras dos efeitos
impactantes desta atividade e o trânsito pesado, com um grande número de veículos de carga,
foram mencionados como os principais problemas ambientais nesta região. Também, há canais
em que corre o esgoto a céu aberto, que incomoda os moradores por causa do mau cheiro.
Outros problemas mencionados foram também, como no grupo anterior, a falta de cuidado com
os espaços públicos, o lixo e a sujeira nas ruas. O comportamento em relação aos problemas
ambientais e sociais é similar ao do grupo anterior.
Bairros com predominação do grupo operário popular
Os três bairros Betânia, Bom Jesus e Eymard são localizados no anel pericentral. A estrutura
social é primordialmente caracterizada, em Betânia, pelo grupo dos operários industriais - devido
a sua proximidade à Cidade industrial - e nos bairros Bom Jesus e Eymard, que são localizados
perto do Anel Rodoviário entre a região da Pampulha e o Centro, por operários do terciário,
trabalhadores da construção civil, entre outros. Contudo, ainda há a presença do segmento de
profissionais superiores e pequenos empregadores, enquanto a elite dirigente está ausente na
hierarquia social. Na proximidade dos bairros oficiais há também loteamentos clandestinos.
O setor de comércio e serviços é direcionado a uma clientela mais popular. Os bairros estão
relativamente distantes de grandes supermercados com produtos mais variados, tais como o
Carrefour ou lojas especializadas em produtos mais sofisticados. Contudo, em comparação com
os outros bairros pesquisados, há um número mais elevado de serviços de manutenção como
sapateiros e concertos de eletrodomésticos.
Os lotes raramente ultrapassam 300 m2. De modo geral, os domicílios compartilham um maior
número de pessoas do que os outros grupos.
A dependência de outros locais fora dos bairros para condução das atividades cotidianas é ainda
maior do que nos grupos médio e médio baixo. Isto se refere, sobretudo, aos locais de trabalho e
de educação. Contudo, nem todas as famílias têm carros disponíveis e muitos entrevistados
precisam tomar dois ou mais ônibus para chegar aos locais de trabalho e de educação. Observa-
se que nos estabelecimentos de comércio locais os preços dos produtos são mais altos do que
nos grandes supermercados mais distantes. Porém, os custos para o transporte não permitem
deslocamento para as compras nesses locais.
Os problemas ambientais são similares ou mais graves do que relatados pelos entrevistados do
grupo anterior. Contudo, em relação ao consumo ecologicamente correto mostrou-se uma maior
sensibilidade em relação à balança energética dos eletrodomésticos. Na esperança de reduzir os
custos ao longo prazo, os entrevistados mostram-se dispostos a pagar até 15% a mais para
aparelhos energeticamente eficientes.
Discussão dos resultados
O objetivo desta pesquisa era avaliar, a partir de parâmetros da sustentabilidade geográfica, as
relações espaciais dos moradores nos chamados condomínios fechados e outros bairros
constituídos por diferentes grupos sociais em Belo Horizonte e Contagem. A seguir, apresenta-se
uma breve interpretação dos resultados com base nos parâmetros geográficos desenvolvidos
pelo autor.
Como esperado, os lotes dos condomínios fechados, cujo tamanho alcança até 2000 m2, têm a
maior área verde, seguido pelos bairros do grupo superior Seis Pistas e São José/São Luiz. Nos
bairros dos grupos inferiores mostrou-se que os lotes, do modo geral bem menores, são quase
totalmente ocupados pelas casas ou prédios e as vagas para os automóveis. Contudo, enquanto
os lotes dos grupos superiores são primordialmente utilizados como jardins, formados a partir de
aspectos estéticos, pode-se encontrar mais freqüentemente nos bairros dos grupos médio e
médio baixo o aproveitamento das pequenas áreas verdes como hortas. Desta forma, há um
melhor aproveitamento das áreas e, assim, uma sustentabilidade maior quanto ao uso (Parâmetro
1: Uso da terra). Contudo, como a percentagem de área verde nos bairros inferiores - nos lotes
assim como nos espaços públicos - é muito pequena, há maiores riscos ambientais, pois a
impermeabilização é causa do deflúvio acelerado e finalmente de enchentes e inundações. Neste
aspecto, a sustentabilidade em termos ambientais e sociais é menor do que nos bairros mais
nobres.
Todos os bairros pesquisados fazem parte da área de concentração populacional no sistema
urbano-industrial e são, assim, dependentes de sistemas geográficos fora dos limites formais dos
bairros e do município no que tange a manutenção da base material para sua reprodução,
sobretudo, em relação aos produtos agrícolas e matéria prima para a produção industrial
(Parâmetro 2, Capacidade da reprodução). Entretanto, há também diferenças em relação aos
locais das funções sociais exercidas no espaço urbano, que necessitam de uma aplicação deste
parâmetro de forma mais ampla para interpretar a diferenciação espacial das funções sociais no
espaço urbano. As funções dos condomínios fechados, já desde a fase do planejamento, são
bastante reduzidas à fins residenciais. O comércio e os serviços oferecidos não podem satisfazer
as demandas dos moradores e, então, como conseqüência, quase todas as outras funções
sociais são exercidas nas cidades vizinhas. Os demais bairros pesquisados oferecem nos seus
limites os serviços e comércios básicos necessários para o cotidiano. Nos bairros superiores são
encontrados também serviços mais especializados para este grupo de consumidores. Como
decorrência, em princípio, o mercado de trabalho apresenta-se mais diversificado naqueles
bairros do que nos condomínios, incluindo até mesmo oportunidades para profissionais de nível
superior. Contudo, a análise dos questionários mostra que os moradores de todos os bairros
estão se deslocando diariamente para outras regiões da cidade, porém por razões diferentes.
Observa-se que os grupos superiores são relativamente independentes em relação aos locais de
trabalho, educação, lazer e compras. Há pessoas que moram em condomínios fechados e
ultrapassam todos os dias uma distância de 30 a 50 km para trabalhar, por exemplo, na UFMG,
região da Pampulha, embora haja bairros próximos com um alto padrão de vida. Por outro lado,
muitos moradores do Bairro São José/São Luiz se deslocam à Zona Sul de Belo Horizonte para
fazer compras onde há maior concentração de lojas e shopping centers com sortimentos de
produtos mais sofisticados e melhores ofertas culturais. Por outro lado, os estabelecimentos
comercias nos mesmos bairros atraem consumidores de outros bairros na região da Pampulha.
Cabe lembrar que vários entrevistados desconheceram as possibilidades de fazer compras ou de
lazer no próprio bairro e seus arredores.
O deslocamento dos grupos inferiores, ao contrário, é mais motivado por uma deficiência dos
bairros em relação às possibilidades para exercer as diversas funções sociais. O mercado de
trabalho é muito limitado neste grupo devido às altas taxas de desemprego. A escolha de moradia
é limitada pelas margens de renda, ou seja, são procurados locais em que os preços imobiliários
são mais baixos. Desde o início o planejamento urbano previa uma segregação dos grupos
sociais e correspondeu ao desejo das elites quanto ao afastamento dos grupos inferiores. Tal fato
contribuiu para que as moradias da população composta por mão-de-obra pouco qualificada,
localizada na periferia – com exceção dos bairros planejados para os operários industriais
próximos as indústrias – ficassem distantes dos locais de trabalho como dos grupos superiores.
Há empregadas domésticas residentes no bairro Vendo Nova, ao norte de Belo Horizonte, que
trabalham nos condomínios fechados em Nova Lima. As mudanças nas hierarquias sociais
durante as últimas décadas agravaram o problema (MENDONÇA, 2003), como mostrou bem a
resistência dos moradores de São José em relação às moradias inicialmente planejadas pela
prefeitura para os funcionários públicos, que foram sucessivamente ocupados por estudantes.
A ausência de determinados estabelecimentos comerciais e serviços nos bairros é também uma
causa do deslocamento para áreas onde há uma grande densidade de lojas e serviços mais
populares, com preferência para o centro de Belo Horizonte. Elementos agravantes para a
realização do cotidiano entre estes grupos são a falta de instituições de ensino, o descuido com
relação aos espaços públicos e questões de segurança pública que fazem com que os moradores
procurem outros locais fora do bairro. Contudo, o deslocamento é freqüentemente condicionado à
disponibilidade dos meios de transporte, sobretudo do transporte público. Nos grupos de baixa
renda, o aumento do preço para o transporte pode significar a perda do emprego ou a desistência
da educação, pois a renda familiar é insuficiente para o pagamento das passagens ou do
combustível.
Estas observações mostram que, para avaliar a sustentabilidade a partir do parâmetro 4
(organização espacial), precisamos diferenciar entre a configuração do espaço concreto e a
organização espacial do cotidiano dos indivíduos. Os bairros Seis Pistas e São José/São Luiz são
privilegiados em sua estrutura espacial, que permite, na teoria, a organização das atividades
cotidianas em distâncias relativamente curtas. Porém, na realidade, o raio de atuação dos
moradores abrange uma área que incluí até a Zona Sul, aproximadamente 20 km distante dos
locais de moradia. Ao contrário dos bairros inferiores, o transporte neste raio não é sentido como
fator limitador para a organização do cotidiano. Esta característica é ainda mais expressiva nos
moradores dos condomínios, para as quais as distâncias de um raio de 30 a 40 km para os locais
de exercício das funções sociais não são relevantes para a escolha do local de moradia. Desta
forma, a organização espacial do cotidiano dos moradores do grupo superior é em alto grau
desvinculada da configuração do espaço concreto nos locais das suas residências. Com respeito
aos grupos com baixa renda pode ser identificada uma relação inversa. A organização do
cotidiano depende em alto grau do espaço concreto, as distâncias são resultado de uma
configuração espacial que não permite o exercício das atividades diárias no próprio bairro,
sobretudo em relação ao trabalho. A baixa renda limita a livre escolha dos locais para o trabalho,
educação, compras e lazer. Tais grupos precisam calcular os custos do transporte em relação
aos benefícios que a atividade desejada oferece para eles. Cabe lembrar que os grupos de baixa
renda, de modo geral, não têm acesso a determinados estabelecimentos como clubes ou
shopping centers, comuns para os grupos superiores, entre outros, mesmo quando são
localizados na vizinhança. Observa-se que a organização espacial do cotidiano desses grupos é
altamente determinada por fatores externos que, além da configuração espacial, depende da
renda e do posicionamento na hierarquia social, ou seja, a espacialidade e a desigualdade social
são intrinsecamente entrelaçadas.
Podemos concluir que em relação à configuração espacial os bairros dos grupos superiores
podem ser considerados mais sustentáveis do que os bairros inferiores, mas, por outro lado, o
grupo de menor renda tem uma tendência de organizar as atividades do seu cotidiano de forma
mais sustentável do que os grupos superiores, porém limitada pela estrutura concreta do espaço.
A organização espacial em ambos os sentidos - em relação a sua configuração concreta e as
localidades das atividades cotidianas – está diretamente ligada ao sistema de transporte
(Parâmetro 5). É evidente que, por princípio, o uso dos carros individuais é menos sustentável do
que o uso do transporte público. No entanto, neste contexto queremos destacar também o fato de
que os grupos superiores têm mais possibilidades de escolha dos locais de moradia para evitar o
trânsito, enquanto os moradores de baixa renda são, devido à configuração atual das cidades, em
alto grau dependentes do transporte público. Ambos os condomínios pesquisados são atendidos
por linhas de ônibus. Contudo, estes são utilizados primordialmente pelos funcionários, os quais
não têm moradia nos condomínios. As famílias residentes têm, em média, pelo menos dois carros
disponíveis para se deslocar. Quando consideramos que são planejados, no Eixo Sul, mais de 30
loteamentos desse tipo, pode-se esperar um aumento significativo do trânsito nos principais
acessos ao centro de Belo Horizonte, tornando o sistema de transporte insustentável tanto do
ponto de vista da configuração do espaço concreto quanto em relação ao comportamento dos
moradores, dando a preferência aos meios de transporte individuais. O segundo aspecto refere-
se também aos grupos superiores nos bairros belohorizontinos.
Cabe lembrar que o setor de transportes participa com 53,75% do consumo total de petróleo no
Brasil e contribui com 49% da emissão total de CO2 no país, considerando todas as fontes
energéticas (IEA, 2004, p. 427, ano de referêrncia, 2002). O trânsito, como fonte de poluição
gasosa e sonora (parâmetro 6), foi mencionado como principal problema ambiental na maioria
dos bairros pesquisados. Mesmo no condomínio Retiro das Pedras, assim como nos bairros dos
grupos médios, alguns moradores apontaram o trânsito como problema, devido o aumento do
número dos veículos por domicílio nos últimos anos. Apenas em Contagem os impactos das
indústrias são considerados como problemas ambientais equivalentes ao trânsito pesado naquela
área. Cabe lembrar que nas áreas centrais de Belo Horizonte os ônibus contribuem
significativamente para a poluição sonora e a emissão de gases e partículas sólidas, além de
agravar os engarrafamentos. Tais fatos mostram que a poluição através dos veículos motorizados
não pode ser tratada apenas como questões da eficiência dos motores, da tecnologia da filtragem
dos gases, do fortalecimento do transporte público ou de combustíveis alternativos, para citar
algumas propostas discutidas atualmente. Afinal, a atual tendência de aumento dos veículos
motorizados nas ruas compensaria os ganhos tecnológicos em relação as questões ambientais e
a substituição de combustíveis fósseis por biodiesel não mudaria significativamente a situação
das emissões no local. Desta forma, uma estratégia para melhorar a sustentabilidade do trânsito
deve incluir um planejamento espacial para evitar longas distâncias (modelo cidade compacta).
Atualmente acontece o contrário: para enfrentar o aumento do trânsito motorizado está em
andamento a ampliação da rede viária, causando a deslocalização e desapropriação de
moradores ao longo das principais avenidas (Projeto Linha Verde). A proliferação dos
condomínios fechados também contribui para este processo porque, embora caracterizada pela
funcionalidade reduzida para fins residenciais, estão localizados em áreas distantes dos locais de
trabalho, compras e educação. Em decorrência da construção do Alphaville – Lagoa dos Ingleses
foi reformada a BR 040 que liga este condomínio à cidade de Belo Horizonte.
Uma estratégia alternativa seguiria do princípio de descentralização de certas funcionalidades em
locais específicos, como por exemplo, a concentração do comércio e de ofertas culturais para os
grupos superiores na Zona Sul de Belo Horizonte. Nos bairros caracterizados pela atividade
industrial já são obervadas tendências de descentralização devido às conseqüências dos
processos de flexibilização e reestruturação das instalações da produção. A substituição de
grandes fábricas fordistas por unidades menores e automatizadas, freqüentemente em outras
localidades, é um grande desafio para o planejamento urbano. Particularmente em regiões como
a RMBH, que desde a sua fundação foi desenhada como um centro de desenvolvimento
industrial, este processo é acompanhado pelo aumento do desemprego de mão-de-obra não
qualificada.
De modo geral, em relação ao mercado de trabalho, verifica-se em Belo Horizonte a tendência
mundial da diminuição do papel do setor secundário e a crescente importância do setor terciário.
No âmbito desta pesquisa, os exemplos para esse processo são o surgimento do bairro Seis
Pistas, com uma alta concentração de serviços superiores, e, no Distrito Industrial, a substituição
de uma fábrica de cimento pelo centro comercial Itaú Power Center.
O processo de descentralização das indústrias pode trazer benefícios com respeito à diminuição
da pressão ambiental decorrente dessa atividade nos antigos pólos do desenvolvimento, como a
Cidade Industrial. Quando inseridas num macroplanejamento, por um lado, podem ser
beneficiadas cidades médias e pequenas. Por outro lado, abrem-se possibilidades para diminuir
os processos de metropolização descontrolada.
Um exemplo para a estratégia de descentralização nos outros setores é a atual política do
governo federal para descentralizar o ensino superior através da criação de novos campus
universitários em centros urbanos em regiões como o Vale de Jequitinhonha. Cabe lembrar as
novas tecnologias de informação que podem contribuir para uma descentralização no setor dos
serviços superiores. A utilização da internet para transações bancárias, a elaboração e
preparação de artigos para jornais ou revistas, a troca de informações entre pesquisadores, já faz
parte do cotidiano das pessoas envolvidas nesses setores.
Essas breves considerações mostram como a questão da poluição e pressão ambiental
(Parâmetro 6) está vinculada com a organização espacial (Parâmetro 4) e o sistema de transporte
(Parâmetro 5). Há muitos processos em andamento que poderiam contribuir para o melhoria da
sustentabilidade nos espaços urbanos. Contudo, a descentralização dos espaços urbanos, como
um dos aspectos mais importantes neste contexto, contradiz visões de planejamento baseadas
na imagem da metrópole ou da cidade global”materializada no espaço como símbolo da
modernidade e do desenvolvimento.
Propostas para o aumento da sustentabilidade da atividade industrial promovem, além da
descentralização, estratégias de desmaterialização e de melhoramento da eficiência dos
processos produtivos (WEIZSÄCKER, 1996) para diminuir a pressão sobre os recursos naturais.
Outros conceitos promovem a desvinculação do crescimento econômico do eterno ciclo da
produção e circulação de novos produtos de curta duração. A produção industrial deve se
concentrar em produtos duráveis e recicláveis, desenhados de forma modular que permitam a
atualização de diversas partes (upgrade), o que já existe, em principio, na área da computação.
Esta estratégia valorizaria o mercado de trabalho no setor de serviços relacionados a consertos e
reciclagem. Interessante no âmbito dessa pesquisa é que nos bairros dos grupos médio e médio-
baixo há ainda a presença de sapateiros, costureiras e serviços de consertos de
eletrodomésticos, entre outros, que raramente podem ser encontrados nos bairros dos grupos
superiores. Obviamente, ao adotar uma estratégia de desmaterialização dos processos
produtivos, seria necessário a conscientização dos grupos superiores para que aceitassem um
produto „velho“. Em Belo Horizonte, a ASMARE, uma associação dos catadores de lixo,
representa as primeiras iniciativas nessa direção ao promover produtos reciclados desenhados
por estilistas conhecidos para atrair a clientela superior.
O aspecto do consumo de produtos social e ecologicamente corretos também foi levantado nesta
pesquisa. O número dos questionários aplicados não permite a análise quantitativa em relação
aos diversos bairros. Contudo, em geral, os resultados confirmam tendências apontadas numa
pesquisa conduzida em Belo Horizonte pelo autor em 2002 - utilizando as mesmas perguntas do
questionário atual - sobre a aceitação de produtos com selos que atestam qualidades ambientais
ou sociais.Os grupos superiores são os mais interessados e esclarecidos sobre essa questão
(acima de 60%). Porém, quase a metade dos entrevistados nos grupos médio e médio-baixo
mostrou um forte interesse naqueles produtos. Entretanto, neste grupo havia também o maior
número de pessoas céticas quanto a idéia do consumo social e ambientalmente consciente. As
motivações foram: a desconfiança com respeito à veracidade dos selos, a dificuldade de
encontra-los nas lojas e, finalmente, o argumento de que os consumidores não deveriam ser
responsabilizados pelos deveres do Estado, que teria a obrigação de garantir que todos os
produtos vendidos sejam produzidos em condições social e ambientalmente corretas. A atual
pesquisa revelou, como já dito acima, que mesmo nos grupos de baixa renda há interesse em
pagar mais para estes produtos, sobretudo em relação aos eletrodomésticos energeticamente
eficientes. Neste aspecto, podem ser identificados elementos ambientais e econômicos. Estes
produtos, a longo prazo, amortizam o custo mais alto na compra, devido o consumo reduzido de
energia. Os números sobre as pessoas que realmente já compraram produtos social e
ambientalmente corretos mostram uma idéia mais real sobre o comportamento dos entrevistados
no cotidiano. No total, apenas 1% a 2% dos entrevistados responderam positivamente a esta
pergunta.
No contexto da atual pesquisa, os produtos agrícolas receberam uma atenção especial. Isto
porque, como dito anteriormente, pouquíssimas áreas verdes no espaço urbano são utilizadas
para a produção de alimentos como verduras, hortaliças, frutas ou condimentos. A maioria dos
moradores urbanos é, e sempre será, dependente da produção agrícola fora das cidades
construídas. O meio para estimular a agricultura sustentável por estes moradores seria o
consumo de produtos regionais - preferencialmente oriundos da agricultura orgânica ou de
sistemas agroecológicos - de pequenos produtores.
A pesquisa revelou que a maioria dos supermercados nos bairros superiores oferece produtos
orgânicos, contudo, freqüentemente importados. Em alguns bairros, como em São José, há
semanalmente uma pequena feira organizada pela prefeitura, em que os próprios produtores da
região vendem produtos orgânicos. Na região da Pampulha existem também alguns produtores
que plantam primordialmente hortaliças para a venda na vizinhança. O preço para os produtos
certificados é até três ou quatro vezes acima dos preços dos produtos convencionais. Nos bairros
inferiores raramente é possível achar produtos certificados. Todavia, há vendedores ambulantes
para os produtos produzidos na região. No geral, tais resultados mostram que se trata de um
nicho de mercado para uma pequena parcela de consumidores dos grupos superiores. Assim,
não se pode esperar grandes impactos nas áreas agrícolas, fato que coloca em questão
propostas que apostam em soluções de mercado para estimular um modo de produção mais
sustentável.
Em relação à justiça ambiental (Parâmetro 7) já foram mencionados os fatores externos como a
configuração do espaço, a renda e a posição na hierarquia social que limitam as possibilidades de
atuação cotidiana no espaço. Além disso, cabe mencionar:
• A densidade populacional e, em conseqüência, a alta taxa de impermeabilização dos lotes,
agravando o risco de enchentes nos bairros inferiores.
• Limitações no acesso a espaços públicos e a deficiência do comércio e serviços nos
bairros, obrigando os moradores a se deslocarem para outras partes da cidade.
• Exposição a riscos através da atividade industrial e do trânsito elevado.
• Exclusão do consumo de produtos ditos social e ambientalmente corretos por causa da
falta de oferta nos bairros inferiores e os elevados preços desses produtos.
• O planejamento urbano e o mercado imobiliário que promove a segregação socioespacial,
beneficiando os grupos superiores ao reservar as áreas com alta qualidade ambiental para
esta clientela.
• A localização da moradia em áreas de risco de deslizamentos e com infraestrutura
deficiente (esgoto a céu aberto)
A questão do consumo dos recursos e do espaço (Parâmetro 2) merece atenção especial. Até
então foram discutidas apenas propostas que visam o melhoramento dos processos produtivos
ou da configuração espacial que contribuem para a utilização mais eficiente dos recursos e do
espaço. Desta forma, as medidas propostas são perfeitamente compatíveis com a atual ideologia
do desenvolvimento baseada no crescimento econômico. Contudo, tais estratégias não
questionam o princípio da eterna acumulação de bens como valor simbólico para a qualidade de
vida das sociedades modernas, sobretudo, no capitalismo (sociedade de consumo). Neste
contexto, segundo SACHS (2000), as medidas acima propostas - embora necessárias no
caminho para uma sociedade mais sustentável - apenas podem adiar, mas não solucionar, o
agravamento dos problemas ambientais e sociais até o ponto em que o consumo atinja níveis que
subsumem os benefícios ambientais da “revolução da eficiência”. Esta problemática foi chamada
pelo autor de o “calcanhar do Aquiles” dos conceitos do desenvolvimento sustentável baseados
na modernização ecológica, os quais não questionam o princípio do crescimento.
Conseqüentemente, é necessário que as estratégias para melhorar a eficiência sejam
acompanhadas por uma revolução da suficiência, em que se perguntaria “quanto de meio
ambiente o homem necessita” (SCHMIDT-BLEEK, 1994). Questiona-se, assim, o caráter
expansivo da produção do espaço na sociedade capitalista, englobando cada vez mais os
espaços das sociedades não inseridas neste sistema, assim como áreas com uma natureza
intacta ou pouco transformada por ações antrópicas. A tendência do aumento do “espaço
ambiental” (OPSCHOOR, 1993) para satisfazer as demandas da sociedade capitalista resulta
numa “dívida ecológica” (MARTINEZ-ALLIER, 1998).
Em conseqüência, para tornar a sociedade moderna sustentável em relação à justiça ambiental,
torna-se necessário rever os padrões de consumo, sobretudo dos grupos superiores. No âmbito
desta pesquisa, apenas foram levantados dados sobre o tamanho dos lotes, das casas e dos
apartamentos em relação ao número de moradores e a quantidade de carros por domicílio. A
avaliação do espaço disponível para a moradia permite, em certo grau, avaliar desigualdades
sociais no nível local e regional. Os automóveis como produto de consumo têm uma posição
chave por várias razões:1) já durante o processo de produção de um carro compacto são
produzidos, em média, 25 toneladas de resíduos. 2) A produção incluia a mineração, a siderurgia,
a indústria petroquímica, a indústria de máquinas, e finalmente as montadoras e os geradores de
energia, hidrelétricas, plantações de eucalipto etc. Assim, a cadeia produtiva não é somente uma
das mais complexas da sociedade industrial, mas também uma das ambientalmente menos
sustentáveis. 3) As conseqüências espaciais dos meios de transportes individuais são as que
mais mudaram o perfil dos centros urbanos, sobretudo em relação à concentração de certas
funções. 4) No nível individual, a utilização de carros é um das maiores fatores em relação ao
consumo de energia e a poluição. 5) E finalmente, o automóvel tem uma grande importância
como símbolo de “status”, indicando a posição do dono na hierarquia social. Neste último
contexto, é também símbolo da “sociedade de consumo” e a „liberdade da mobilidade“.
Desta forma, é na questão da posse e da utilização do carro que os indivíduos podem
significativamente contribuir para a construção de uma sociedade sustentável. Contudo, como já
foi dito, a configuração espacial, em grande parte desenhada pelos planejadores para a
mobilização individualizada, tornou, em muitos casos, a posse de um carro uma necessidade.
Num primeiro momento, a pesquisa apenas confirmou o fato óbvio, que os grupos superiores
possuem mais carros luxuosos do que os grupos inferiores. Contudo, interessantes são os
resultados quando correlacionados às informações sobre a suposta consciência ambiental,
sobretudo em relação aos condomínios no Eixo Sul, que são promovidos como “ecologicamente
corretos”, ou prometem uma “vida sustentável”. Observou-se que há uma diferença entre os
moradores antigos no Retiro das Pedras e os recentes, sobretudo, nos novos projetos imobiliários
como o Alphaville. No Retiro das Pedras há ainda um pequeno número de moradores que
experimentaram modelos de vida alternativos, ou pelo menos procuram incorporar
comportamentos social e ecologicamente corretos no seu cotidiano. Há iniciativas dos moradores
para criar um horto comunitário, oferecendo emprego para moradores no bairro popular Jardim
Canadá, localizado próximo ao condomínio, e atividades para combinar a coleta seletiva do lixo
com ações sociais. O tratamento do esgoto resultou de uma luta de um grupo de moradores.
Vários entrevistados mostram uma certa forma de engajamento social e participam em ONGs ou
associações, entre outros. No bairro São José/São Luiz a situação em relação ao engajamento
social é similar, contudo não foram encontrados moradores que experimentam estilos de vida
alternativa. Os moradores no Alphaville mostram uma postura mais consumista. A coleta seletiva,
o tratamento do esgoto, a beleza da paisagem, assim como outras qualidades ambientais já
fazem parte do pacote na compra dos lotes. Embora o nível de informações sobre assuntos
ambientais e sociais seja mais elevado em comparação com outros grupos sociais, as atividades
pessoais reduzem-se a doações a entidades ambientalistas ou sociais e, esporadicamente, ao
consumo de produtos ecológicos. Os habitantes do bairro Seis Pistas também se encaixam neste
perfil.
Conclusão
Há ainda pouca clareza sobre sobre a noção do "Desenvolvimento sustentável" e as formas de
sua implementação, sobretudo em questões urbanas. A principal hipótese deste trabalho é de que
as estruturas espaciais são extremamente relevantes para a sustentabilidade do estilo da vida
nas sociedades modernas. A distribuição das localidades nas quais as diversas funções sociais
são exercidas (trabalho, educação, compras) determina as margens das ações dos indivíduos.
Com base nessas idéas o autor desenvolveu parâmetros para avaliar a sustentabilidade de
processos espaciais a partir de vários conceitos para o desenvolvimento sustentável. A partir
destes parâmetros inovadores, foi conduzida uma análise regional direcionada à questão da
sustentabilidade a partir de técnicas empíricas que abrangem levantamentos de dados
populacionais, dos locais de trabalho, dos estabelecimentos de ensino e de comércio, dos usos
dos terrenos, dentre outros. Tais questõesforam discutidos a partir de exemplos de bairros com
estruturas socioespaciais diferenciadas de Belo Horizonte, um dos principais centros industriais
do Brasil, tendo em vista a sua sustentabilidade social e ambiental. Foram analisadas
loteamentos fechados (os chamados condomínios) e diversos bairros representativas para os
grupos superiores, médios e operario popular.
Os resultados mostram que a questão ambiental nos grupos superiores é mais relacionada à
questão da qualidade de vida pessoal do que à consciência e responsabilidade coletiva. Embora
seja o grupo mais bem informado sobre questões ambientais, eles escolhem um modo de vida
altamente insustentável tanto em relação ao consumo dos recursos e do espaço quanto à
organização espacial do seu cotidiano, agravando assim os problemas urbanos. Em comparação,
o modo de vida dos grupos inferiores, mesmo menos informados sobre questões ambientais,
pode ser considerado ambientalmente mais sustentável, apesar dos fatores externos que limitam
a sua atuação no cotidiano. Entretanto, a configuração espacial não permite que esses grupos
diminuam o raio de atuação para exercer as suas funções sociais.
Tais contradições mostram que políticas ambientais que visam primordialmente a conscientização
dos indivíduos e a educação ambiental como chaves para o desenvolvimento sustentável são, no
mínimo, limitadas. O caminho de uma sociedade sustentável depende de fortes incentivos dos
órgãos públicos e uma mudança profunda nos fundamentos conceituais no sistema regulatório e
do planejamento, ou seja, um novo modo de produção do espaço, que é atualmente
intrinsecamente vinculado a um modelo de desenvolvimento que contradiz as questões básicas
em relação a sustentabilidade. O maior desafio neste contexto é a superação da segregação
espacial - ou seja, desigualdade social materializada - da sociedade moderna como uma das
principais determinantes da insustentabilidade do ambiente urbano.
Bibliografia
CRAVEIRO, Caroline : A Produção do Espaço das Seis Pistas como Nova Centralidade Periférica
no Espaço Metropolitanos Belo Horizontino. Caderno de Geografia, Belo Horizonte, v. 15, n. 24,
p. 68-77, 1º sem. 2005.
IEA-International Energy Agency (2004): World Energy Outlook 2004. Paris, disponível em
http://www.worldenergyoutlook.org/, Acesso em, 31/10/06
LASCHEFSKI, K. Nachhaltige Entwicklung durch Forstwirtschaft in Amazonien? Geographische
Evaluierungen des Forest Stewardship Council. (Tese de doutoramento, Departamento da
Geografia), Universidade Heidelberg, Alemanha, 2002. Disponível em [http://www.ub.uni-
heidelberg.de/archiv/2975].
LOSKE, R., BLEISCHWITZ R. Zukunftsfähiges Deutschland - Eine Studie des Wuppertal-Institut
im Auftrag von BUND und Misereor. Basel, 1996.
MENDONÇA, J. “Políticas Urbanas, Infra-estruturas e Segregação”. Apresentação powerpoint,
seminário “Cénários da Metrópole no início do milênio”, São Paulo, PUC-SP, 23 de 06 de 2006.
MENDONÇA, J. Belo Horizonte: a metrópole segregada. In: MENDONÇA, J., LACERDA
GODINHO, M. H. População, espaço e gestão na metrópole – novas configurações, velhas
desigualdades. Belo Horizonte: PUC Minas, 2003, p. 119-158.
OPSCHOOR, J. B. Economic Incentives and Environmental Policies. Dordrecht, 1994.
SACHS, W. The Rise and the Decline of an Ideal. Wuppertal Institut für Klima, Umwelt, Energie
(Orgs): Wuppertal Papers Nr. 108, Wuppertal, 2000.
SCHMIDT-BLEEK, F. Wieviel Umwelt braucht der Mensch? MIPS - Das Maß für ökologisches
wirtschaften. Berlin, Basel, Boston: Birkhäuser, 1994.
TEIXEIRA, J. G, SOUZA, J. M. de. Espaço e sociedade na Grande BH. In: MENDONÇA, J.,
LACERDA GODINHO, M. H. População, espaço e gestão na metrópole – novas configurações,
velhas desigualdades. Belo Horizonte: PUC Minas, 2003, p. 19-42.
WACKERNAGEL, M.; REES, W. E. Our Ecological Footprint: reducing Human Impact on the
Earth. Gabrola Island, 1996.