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Instituto de Educação e Psicologia Laura Bettencourt Tomás Ferreira A Organização Narrativa em Adultos Novembro de 2007

Laura Bettencourt Tomás Ferreira · Laura Bettencourt Tomás Ferreira A Organização Narrativa em Adultos Tese de Mestrado em Psicologia / Área de Especialização em ... Andreia

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Instituto de Educação e Psicologia

Laura Bettencourt Tomás Ferreira A Organização Narrativa em Adultos Novembro de 2007

Instituto de Educação e Psicologia

Laura Bettencourt Tomás Ferreira A Organização Narrativa em Adultos Tese de Mestrado em Psicologia / Área de Especialização em Psicologia Clínica Trabalho efectuado sob orientação do Professor Doutor Óscar Gonçalves e co-orientação da Professora Doutora Margarida Henriques Novembro de 2007

ii

DECLARAÇÃO

Laura Bettencourt Tomás Ferreira

[email protected]

BI: 10794492

A Organização Narrativa em Adultos

Orientada pelo Professor Doutor Óscar Gonçalves e pela Professora Doutora Margarida Rangel

Henriques

Novembro, 2007

Dissertação de candidatura ao grau de Mestre em Psicologia, área de especialização em

Psicologia Clínica, do Instituto de Educação e Psicologia da Universidade do Minho

É AUTORIZADA A REPRODUÇÃO INTEGRAL DESTA TESE/TRABALHO APENAS PARA EFEITOS

DE INVESTIGAÇÃO, MEDIANTE DECLARAÇÃO ESCRITA DO INTERESSADO, QUE A TAL SE

COMPROMETE.

Universidade do Minho, Novembro de 2007

iii

AGRADECIMENTOS

Começo por agradecer a todas as pessoas que, contando as suas histórias, possibilitaram

que este projecto passasse do mundo das ideias ao mundo do concreto.

Ao Professor Doutor Óscar Gonçalves, orientador deste trabalho, agradeço toda a

colaboração, apoio e dedicação ao projecto e o carácter inspirador do seu humor, sabedoria,

profissionalismo e prontidão.

À Professora Doutora Margarida Rangel Henriques, co-orientadora deste estudo, um

sincero agradecimento pela forma apaixonada, inteligente, rigorosa e encorajadora como se

envolveu no planeamento e concepção deste trabalho.

À Dr.ª Carla Martins agradeço o precioso auxílio no tratamento estatístico dos dados.

À Marta Jorge, fiel companheira dos estudos, das viagens, do entusiasmo e dos anseios,

agradeço a amizade e a presença ao longo de todo este percurso que percorremos lado a lado.

Eis que chegou o momento.

Às colaboradoras de recolha e transcrição dos dados e às colaboradoras que cotaram as

narrativas, Marta Jorge, Andreia Couceiro, Fidjy Rodrigues, Catarina Gonçalves, Marta Martins,

Ana Pinto, Cátia Lopes, Sónia Monteiro, Eva Fernandes e Cláudia Santos agradeço toda a

colaboração e o esforço.

À amiga Professora Doutora Fátima Feliciano pelo constante incentivo, exemplo de

profissionalismo e de vida.

Ao pai, à mãe, à avó, ao avô e à tia e à irmã obrigada pelo apoio e carinho e por

possibilitarem a minha narrativa de vida.

Ao César pela presença constante e pela admiração incondicional que coloca nos meus

sonhos.

iv

v

A Organização Narrativa em Adultos

RESUMO

A linguagem e a narrativa têm sido alvo de um crescente interesse no estudo dos fenómenos

psicológicos e no desenvolvimento de práticas terapêuticas. Baseando-nos no pressuposto de que

significamos o mundo e a experiência discursivamente, a narrativa funciona como um organizador da

dimensão caótica da experiência. Actualmente, conceptualiza-se que a riqueza narrativa está associada a

níveis de bem-estar psicológico mais elevados e que, ao disfuncionamento psicológico, correspondem

formas mais pobres ou rígidas de produção narrativa. Diversas investigações sobre o desenvolvimento

narrativo têm vincado, ainda, a marcada evolução a que se assiste a este nível desde a infância até à

idade adulta para formas cada vez mais ricas de organização e significação da experiência. Nesse

sentido, acreditamos ser fundamental dar particular atenção à compreensão da organização narrativa,

pelo que, com a presente investigação pretendemos contribuir para a compreensão da produção

narrativa em adultos, como esta evolui desde a infância até à vida adulta e, ainda, de que forma se

distingue das narrativas de sujeitos com perturbação psicológica. Assim, analisámos as narrativas de 126

adultos sem perturbação psicológica, com idades compreendidas entre os 20 e os 45 anos, do sexo

feminino e masculino e com níveis sócio-culturais (NSC) distintos, quanto às suas três dimensões

centrais, Estrutura, Processo e Conteúdo, através da metodologia desenvolvida por Gonçalves, Henriques

e colaboradores. Os objectivos do presente estudo são: a) analisar a organização narrativa de adultos

quanto à coerência Estrutural, complexidade de Processo e diversidade de Conteúdo, bem como a

influência da idade, NSC e sexo; b) analisar de que forma as narrativas destes adultos diferem das

narrativas de adultos com diagnóstico psicopatológico, nomeadamente de agorafobia e de dependência

de opiáceos; c) traçar a tendência evolutiva do desenvolvimento narrativo ao nível da Estrutura, Processo

e Conteúdo desde a infância até à idade adulta. Observámos que os adultos sem psicopatologia

constroem narrativas com uma boa coerência Estrutural e uma boa diversidade de Conteúdo, embora

apresentem uma complexidade de Processo mais pobre. Verificou-se, ainda, que o sexo e a idade não

determinaram qualquer diferença na produção narrativa, embora o número de anos de estudo revele

influenciar positivamente a riqueza narrativa. Quanto à comparação com os sujeitos com diagnóstico

clínico, encontrámos, no geral, narrativas mais ricas para os adultos sem perturbação psicológica. Por

fim, a observação da produção narrativa ao longo da vida sugere uma tendência evolutiva: da diversidade

de Conteúdo sobretudo ao longo da infância, com um ligeiro aumento no final da adolescência; da

complexidade de Processo desde a infância até ao final da adolescência e da coerência Estrutural ao

longo dos 45 anos estudados, mais denunciada até ao início da idade adulta – 20-25 anos – altura a

partir da qual parece haver uma estabilização até aos 45 anos de idade.

vi

vii

Narrative Organization in Adults

ABSTRACT

Language and narrative have been used in the study of psychological phenomena and in the

development of therapeutic practice with increasing interest. Bearing in mind the fact that we mean the

world and experience discursively, narrative works as an organizer of the chaotic dimension of experience.

Currently it is conceptualized that a rich narrative is associated with psychological well-being and that

psychological dysfunction corresponds to poor or rigid forms of narrative production. Several researches

about narrative development point out the marked evolution since infancy until adulthood into richer forms

of experience organization and meaning. Recognising thus the importance of narrative organization, the

present study intends to contribute for its understanding in adults, its development since childhood and

still the distinction between the narratives of a healthy adult and of a psychological disturbed one. For

these purposes, we analyzed the narratives of 126 adults without psychological disturbances, aged

between 20 and 45, from both sexes and from distinctive layers of society in its three central dimensions:

Structure, Process and Content using the methodology developed by Gonçalves, Henriques and

collaborators. Our goals are: a) analyzing adult’s narrative organization as for its structural coherence,

complexity of process and diversity of content as well as the influence of age, sex and social-cultural level;

b) analyzing in which way the narratives of these adults differ from the ones of adults to whom

agoraphobia and opiates dependence has been diagnosed; c) identifying the evolutional tendency of

narrative development in terms of Structure, Process and Content since infancy until adulthood. We were

able to observe that adults without psychological diagnosis construct narratives with good structural

coherence and good diversity of content but weaker complexity of process. Data also shows that sex and

age do not determine different narrative production, but the number of study years can positively influence

narrative act. Compared to subjects with clinical diagnosis, healthy adults tend to show richer narratives.

Finally, the observation of narrative production throughout the life course suggests: a tendency to improve

Content diversity mostly during infancy, with a slight increase towards the end of adolescence; to improve

Process complexity since infancy until the end of adolescence and to improve Structural coherence all

along the 45 studied years, with stronger incidence until the beginning of adulthood – 20-25 years old –

when it seems to stabilize until the age of 45.

viii

ix

ÍNDICE

Introdução 17

Parte I. Enquadramento Teórico 19

1. Narrativa 21

1.1 Narrativa e construção do conhecimento 21

1.2 Narrativa e psicologia 23

1.3 Narrativa, psicoterapia e psicopatologia 26

1.3.1 Estrutura, Processo e Conteúdo como dimensões da matriz narrativa 30

1.3.2 Matriz narrativa em pacientes com diagnóstico de agorafobia e de

dependência de opiáceos 38

2. Desenvolvimento narrativo 39

2.1 Desenvolvimento narrativo ao longo da vida: infância, adolescência e vida adulta 39

2.2 Desenvolvimento da Estrutura, Processo e Conteúdo narrativos na infância e na

adolescência 43

2.3 As variáveis sócio-culturais e demográficas na construção narrativa 45

Parte II. Análise da Organização Narrativa em Adultos: Comparação

com Grupos Clínicos e com Diferentes Etapas do Desenvolvimento 49

1. Introdução 51

2. Método 52

3. Apresentação dos resultados 57

4. Discussão dos resultados 101

Conclusões 113

Referencias Bibliográficas 121

Anexos 127

x

ÍNDICE DE FIGURAS E TABELAS

Tabela 1.

Distribuição da amostra por idade, sexo e nível sócio-cultural 52

Tabela 2.

Médias, desvios-padrão e teste T das notas globais das narrativas autobiográficas 58

Figura 1.

Médias e desvios-padrão das notas globais da estrutura, processo e conteúdo das narrativas

autobiográficas 59

Tabela 3.

Médias, desvios-padrão e teste de Friedman das sub-dimensões da estrutura das narrativas

autobiográficas 60

Figura 2.

Médias e desvios-padrão das notas das sub-dimensões da estrutura: orientação, sequência

estrutural, comprometimento avaliativo e integração das narrativas autobiográficas 60

Tabela 4.

Médias, desvios-padrão, teste de Friedman e teste de Wilcoxon das sub-dimensões

do processo das narrativas autobiográficas 61

Figura 3.

Médias e desvios-padrão das notas das sub-dimensões do processo: objectivação, subjectivação

emocional, subjectivação cognitiva e metaforização das narrativas autobiográficas 62

Tabela 5.

Médias, desvios-padrão, teste de Friedman e teste de Wilcoxon das sub-dimensões do conteúdo

das narrativas autobiográficas 63

Figura 4.

Médias e desvios-padrão das notas das sub-dimensões do conteúdo: personagens, cenários, acções

e temas das narrativas autobiográficas 63

Tabela 6.

Médias, desvios-padrão e teste T das notas globais das narrativas de ficção 64

xi

Figura 5.

Médias e desvios-padrão das notas globais da estrutura, processo e conteúdo das narrativas de ficção 65

Tabela 7.

Médias e desvios-padrão das sub-dimensões da estrutura das narrativas de ficção 66

Figura 6.

Médias e desvios-padrão das notas das sub-dimensões da estrutura: orientação, sequência

estrutural, comprometimento avaliativo e integração das narrativas de ficção 66

Tabela 8.

Médias, desvios-padrão, teste de Friedman e teste de Wilcoxon das sub-dimensões do processo das

narrativas de ficção 67

Figura 7.

Médias e desvios-padrão das notas das sub-dimensões do processo: objectivação, subjectivação

emocional, subjectivação cognitiva e metaforização, das narrativas de ficção 68

Tabela 9.

Médias, desvios-padrão, teste de Friedman e teste de Wilcoxon das sub-dimensões do conteúdo

das narrativas de ficção 69

Figura 8.

Médias e desvios-padrão das notas das sub-dimensões do conteúdo: personagens, cenários, acções

e temas das narrativas de ficção 69

Figura 9.

Médias das notas globais: estrutura, processo e conteúdo das narrativas autobiográficas e das narrativas

de ficção 70

Tabela 10.

Teste T para as notas globais das narrativas autobiográficas e das narrativas de ficção 71

Figura 10.

Médias das notas das sub-dimensões da estrutura: orientação, sequência estrutural,

comprometimento avaliativo e integração das narrativas autobiográficas e das narrativas de ficção 72

xii

Tabela 11.

Teste de Friedman e Teste de Wilcoxon das notas das sub-dimensões da estrutura das

narrativas autobiográficas e das narrativas de ficção 72

Figura 11.

Médias das notas das sub-dimensões do processo: objectivação, subjectivação emocional,

subjectivação cognitiva e metaforização das narrativas autobiográficas e das narrativas de ficção 73

Tabela 12.

Teste de Friedman e teste de Wilcoxon das notas das sub-dimensões do processo das

narrativas autobiográficas e das narrativas de ficção 74

Figura 12.

Médias das notas das sub-dimensões do conteúdo: personagens, cenários, acções e temas das

narrativas autobiográficas e das narrativas de ficção 75

Tabela 13.

Teste de Friedman e teste de Wilcoxon das notas das sub-dimensões do conteúdo das narrativas

autobiográficas e das narrativas de ficção 75

Tabela 14.

Médias, desvios-padrão e Analise da Variância Multivariada (MANOVA) das notas globais das narrativas

da amostra normativa e da amostra clínica 76

Figura 13.

Médias das notas globais da estrutura, processo e conteúdo das narrativas da amostra normativa e

da amostra clínica 77

Tabela 15.

Médias das sub-dimensões da estrutura da amostra normativa e da amostra clínica 78

Figura 14.

Médias das notas das sub-dimensões da estrutura: orientação, sequência estrutural,

comprometimento avaliativo e integração das narrativas da amostra normativa e da amostra clínica 78

Tabela 16.

Ordem média, teste de Kruskal-Wallis e teste de Mann-Whitney das notas das sub-dimensões da

estrutura das narrativas da amostra normativa e da amostra clínica 79

xiii

Tabela 17.

Médias das sub-dimensões do processo da amostra normativa e da amostra clínica 80

Figura 15.

Médias das notas das sub-dimensões do processo: objectivação, subjectivação emocional,

subjectivação cognitiva e metaforização das narrativas da amostra normativa e da amostra clínica 80

Tabela 18.

Ordem Média, teste de Kruskal-Wallis e teste de Mann-Whitney das notas das sub-dimensões do

processo das narrativas da amostra normativa e da amostra clínica 80

Tabela 19.

Médias das sub-dimensões do conteúdo da amostra normativa e da amostra clínica 81

Figura 16.

Médias das notas das sub-dimensões do conteúdo: personagens, cenários, acções e temas das

narrativas da amostra normativa e da amostra clínica 82

Tabela 20.

Ordem Média, teste de Kruskal-Wallis e teste de Mann-Whitney para as notas das sub-dimensões

do conteúdo das narrativas autobiográficas da amostra normativa e da amostra clínica 82

Tabela 21.

Médias e desvios-padrão das notas globais das narrativas da amostra normativa, da amostra de

pacientes com agorafobia e da amostra de pacientes com dependência de opiáceos 83

Figura 17.

Médias das notas globais da estrutura, do processo e do conteúdo das narrativas das amostras

normativa, de pacientes com agorafobia e de pacientes dependentes de opiáceos 84

Tabela 22.

Análise da Variância Multivariada (MANOVA) das narrativas da amostra normativa, da amostra de

pacientes com agorafobia e da amostra de pacientes com dependência de opiáceos 84

Tabela 23.

Ordem Média e teste de Kruskal-Wallis das notas das sub-dimensões da estrutura das narrativas da

amostra normativa, da amostra de pacientes com agorafobia e da amostra de pacientes dependentes

de opiáceos 85

xiv

Figura 18.

Médias das notas das sub-dimensões da estrutura: orientação, sequência estrutural,

comprometimento avaliativo e integração das narrativas da amostra normativa, da amostra de

pacientes com agorafobia e da amostra de pacientes dependentes de opiáceos 86

Tabela 24.

Teste de Mann-Whitney nas notas das sub-dimensões da estrutura das narrativas das amostras

normativa, de pacientes com agorafobia e de pacientes dependentes de opiáceos 86

Tabela 25.

Ordem Média e teste de Kruskal-Wallis das notas das sub-dimensões do processo das narrativas da

amostra normativa, da amostra de pacientes com agorafobia e da amostra de pacientes dependentes

de opiáceos 87

Figura 19. Médias das notas das sub-dimensões do processo: objectivação, subjectivação

emocional, subjectivação cognitiva e metaforização das narrativas da amostra normativa, da amostra

de pacientes com agorafobia e da amostra de pacientes dependentes de opiáceos 88

Tabela 26.

Teste de Mann-Whitney das notas das sub-dimensões do processo nas narrativas da amostra normativa,

da amostra de pacientes com agorafobia e da amostra de pacientes dependentes de opiáceos 88

Tabela 27.

Ordem Média e teste de Kruskal-Wallis das notas das sub-dimensões do conteúdo das narrativas da

amostra normativa, da amostra de pacientes com agorafobia e da amostra de pacientes dependentes

de opiáceos 89

Figura 20.

Médias das notas das sub-dimensões da conteúdo: personagens, cenários, acções e temas das narrativas

da amostra normativa, da amostra de pacientes com agorafobia e da amostra de pacientes dependentes

de opiáceos 90

Tabela 28.

Teste de Mann-Whitney das notas das sub-dimensões do processo das narrativas da amostra normativa,

da amostra de pacientes com agorafobia e de pacientes dependentes de opiáceos 90

Tabela 29.

Análise da Variância Multivariada (MANOVA) das notas globais das narrativas de ficção por grupo etário 92

xv

Figura 21.

Médias das notas globais da estrutura, processo e conteúdo das narrativas de ficção por grupo etário 92

Tabela 30.

Análise da Variância Multivariada (MANOVA) das notas globais das narrativas de ficção por sexo 93

Figura 22.

Médias das notas globais da estrutura, processo e conteúdo das narrativas de ficção por sexo 93

Tabela 31.

Análise da Variância Multivariada (MANOVA) das notas globais das narrativas de ficção por NSC 94

Figura 23.

Médias das notas globais da estrutura, processo e conteúdo das narrativas de ficção por NSC 95

Tabela 32

Análise da Variância Multivariada (MANOVA) das notas globais por etapa de desenvolvimento 96

Figura 24.

Médias das notas globais da estrutura, processo e conteúdo das crianças, adolescentes e adultos

das narrativas de ficção 97

Tabela 33.

Médias e desvios-padrão das notas globais da estrutura, processo e conteúdo por grupos etários 98

Figura 25.

Médias das notas globais da estrutura das narrativas de ficção por grupo etário 99

Figura 26.

Médias das notas globais do processo das narrativas de ficção por grupo etário 100

Figura 27.

Médias das notas globais do conteúdo das narrativas de ficção por grupo etário 100

xvi

17

INTRODUÇÂO

“Estar vivo é criar uma história entre um princípio que não se

recorda e um final do qual não se conhece nada”.

Excerto do documentário Génesis

Ricoeur (1985) interessou-se por perceber de que forma a construção de uma narrativa

histórica se torna numa representação do funcionamento humano. O autor, contestando uma

visão essencialista da organização do conhecimento, realça a narrativa como sendo aquilo que

confere significado ao mundo e aos acontecimentos. Na psicologia, a conceptualização de uma

abordagem narrativa, teve início com as propostas de Sarbin (1986), Bruner (1986) e

Polkinghorne (1988), servindo de base a um conjunto de trabalhos de investigação e de modelos

de psicoterapia. A narrativa vai ganhando terreno como fenómeno psicológico central e como

organizadora da existência (Gonçalves, 2000) servindo a função humana vital de construção de

significado (Bruner, 1990). Como refere Boltman, (cit. in Freitas, 2005) as crianças surgem

como contadoras de histórias, na tentativa de explicar e compreender a vida, fazendo-o de forma

cada vez mais sofisticada ao longo do tempo. Compreende-se, assim, por que motivo a análise

da narrativa passou a ter um lugar de destaque na compreensão da existência humana

(Freeman, 1993), tornando-se cada vez mais pertinente o estudo desta forma de (co)construção

de conhecimento. Neste contexto, foram surgindo trabalhos que se debruçaram sobre diferentes

patamares de análise. Uns procuraram estabelecer de que forma se pode analisar a matriz

narrativa e, portanto, que elementos a constituem, outros, debruçando-se sobre o

desenvolvimento narrativo, procuraram perceber como este evolui e que funções ocupa na vida

da criança em particular e do ser humano em geral. Uma outra área de investigação é aquela

que se tem debruçado sobre a relação entre a construção narrativa e o bem-estar ou a

perturbação psicológica, apontando para uma diferente conceptualização da psicopatologia e,

ainda, para o enriquecimento dos modelos de intervenção psicoterapêutica. Gonçalves (2000)

propõe um modelo que distingue três dimensões centrais da organização e desenvolvimento da

matriz narrativa, enquadrando diversos trabalhos de investigação que têm emergido neste

domínio. Assim, a Estrutura, o Processo e o Conteúdo surgem como elementos organizadores do

significado e do conhecimento, cuja proposta de análise e de codificação servirá de base ao

18

presente trabalho. Segundo este modelo, o grau de coerência Estrutural, de Complexidade do

Processo e de diversidade de conteúdo surgem como equivalentes do funcionamento ou

disfuncionamento psicológico. Como refere o autor, a psicopatologia surge como manifestação

da dificuldade em construir de forma variada e flexível e, sem prejuízo da coerência, os episódios

múltiplos e contraditórios que caracterizam a nossa experiência.

A primeira parte deste trabalho pretende contextualizar a emergência da psicologia

narrativa, apresentar os seus principais pressupostos e elementos que a definem. Será ainda

explorada a construção narrativa na relação com o bem-estar psicológico e com a psicopatologia,

dando um maior enfoque a essa relação ao nível das três dimensões de análise da matriz

narrativa: Estrutura, Processo e Conteúdo. Ainda na primeira parte iremos apresentar algumas

investigações que nos pareceram mais pertinentes no estudo do desenvolvimento narrativo,

destacando, mais uma vez, àquelas que se debruçaram sobre o desenvolvimento das referidas

dimensões da matriz narrativa, nomeadamente na infância e na adolescência.

A segunda parte do presente estudo será dedicado à investigação empírica, onde iremos

analisar 126 narrativas de adultos sem perturbação psicológica. Um dos objectivos será então o

de analisar a organização da matriz narrativa destes adultos ao nível da Coerência Estrutural, da

Complexidade do Processo e da Diversidade de Conteúdo, tendo ainda em consideração a

influência das variáveis sexo, idade e nível sócio-cultural. Um segundo objectivo desta

investigação prende-se com a natureza normativa da nossa amostra, facto que irá permitir uma

análise comparativa com amostras de sujeitos com diagnóstico clínico (nomeadamente de

agorafobia e de dependência de opiáceos) que foram alvo de estudo em investigações

anteriores. Por fim, com o objectivo de traçar a tendência evolutiva da construção narrativa ao

longo da vida, iremos basear-nos tanto nos resultados obtidos pela nossa amostra de adultos,

como nos resultados obtidos com crianças e com adolescentes em duas recentes investigações

que partilham o mesmo sistema de análise da presente investigação.

Com este estudo pretendemos aumentar o conhecimento sobre a organização e

desenvolvimento narrativo e sobre a sua relevância no bem-estar ou no sofrimento psicológico.

Desta forma, acreditamos contribuir não só para uma melhor compreensão do funcionamento

do ser humano, como para a possibilidade de melhores opções terapêuticas.

Parte I

Enquadramento Teórico

20

21

1. Narrativa

1.1 Narrativa e construção do conhecimento

“Stories are everywhere” (Howard, 1991, p. 188). Desde que nascemos, muito do que

nos é dito, do que vivemos e do que pensamos é-nos apresentado sob a forma de narrativas.

Para Howard (1990) a abordagem narrativa é definida como uma posição filosófica que

posiciona os seres humanos como contadores de histórias, como agentes activos do

conhecimento, como narradores ou autores das suas vidas, onde dar significado à existência

emerge como uma questão central. Ricoeur (1985) chama a atenção para a forma como a

construção da narrativa se torna numa representação do funcionamento humano, deixando de

fazer sentido procurar a história como uma representação do real. Assim, a análise da narrativa

e a descoberta do que a constitui posiciona-se como um passo importante na compreensão da

existência humana (Freeman, 1993). Se as histórias se relacionam intimamente com a forma

como pensamos, nos relacionamos e como construímos conhecimento, parece evidente a

importância de se estudar a narrativa como forma de construção de conhecimento e significado.

Como reconhece Bruner (1990) a psicologia deve centrar-se não naquilo que as pessoas fazem,

mas naquilo que as pessoas dizem, e portanto, na exploração da construção linguística da sua

experiência. Encontramo-nos assim, perante uma nova forma de investigação que serviu de base

a um conjunto de trabalhos promissores e que, a partir da década de 90 tem marcado o seu

cunho nas psicoterapias cognitivas (Gonçalves, 2000). Desde então, a metáfora da narrativa tem

tido um reconhecimento crescente como um organizador central do conhecimento e da

existência do ser humano, sendo já notável a diversidade de autores que se tem dedicado ao seu

estudo no contexto clínico e da investigação (Gonçalves, Neimeyer & Mahoney, Neimeyer,

Russel, White & Epston, Mandler, Angus et. al, cit. in Henriques, 2000).

Mas a importância das histórias narradas assim como do acto de narrar nem sempre teve

o reconhecimento da psicologia enquanto área de estudo, nem da ciência em geral. A evolução

científica de cariz objectivista, positivista e empiricista há muito que liderou a prática e a

investigação na psicologia, fazendo do seu objecto de estudo as estruturas e funções da

consciência desde finais do século XIX, o comportamento no início do século XX e, mais

recentemente, a cognição e o pensamento (Gonçalves, 1996, 2000). Citando Gonçalves (1996)

“o mito do indivíduo isolado e culturalmente autonomizado tem sido uma tónica dominante das

22

concepções e praticas psicológicas” (p.11). A compreensão da proposta narrativa em psicologia

exige, assim, uma revisão das principais questões introduzidas pelo movimento que tem sido

designado de pós-modernismo. Se por um lado, o modernismo tem sido descrito como a crença

no conhecimento racional, objectivo e científico com vista ao progresso e à aproximação cada

vez maior da verdade, por outro, o questionamento desta concepção de conhecimento encontra-

se no centro das críticas elaboradas pelos pensadores que têm vindo a ser posicionados no pós-

modernismo. Esta corrente, inicialmente instigada por filósofos franceses como Derrida, Foucault

e Lyotard, surge como uma visão do mundo que questiona os valores absolutos do positivismo

lógico, da realidade objectiva e das generalizações científicas que vão para além do tempo, do

espaço e da cultura, reivindicando, em seu lugar, a temporaneidade do conhecimento e a

impossibilidade do conhecimento absoluto e universal (Kwee, 2003). Kvale (cit. in Gonçalves, M.,

1994) identifica duas características centrais do pensamento pós-moderno: por um lado, a ideia

de que a realidade não é independente do observador, enfatizando-se, assim, a natureza

proactiva do conhecimento e, por outro, a ideia de que a linguagem é constitutiva do mundo. De

acordo com a abordagem construtivista, a narrativa resulta da necessidade individual de

significar a experiência e, portanto, da construção de conhecimento de si próprio e do mundo.

De acordo com a abordagem do construcionismo social, a narrativa surge antes como uma

forma de construção social da experiência, sendo que o significado corresponde sempre a um

significado partilhado, e o discurso sobre o mundo a um artefacto da interacção comum

(Gonçalves 2000). Assim, não obstante os desencontros entre as abordagens, construtivistas e

construcionistas sociais adoptam a perspectiva de que não existe uma realidade objectiva a

encontrar, mas que é na e pela linguagem que essa realidade é construída (Mahoney, 1991;

Gergen, 1985). O papel da linguagem manifesta-se, então, como central na construção da

ciência e do conhecimento científico, concebidos como um processo de construção individual

e/ou social que não podem ser dissociados dos indivíduos e/ou das suas práticas sociais.

Porque se partilha uma linguagem comum, existe a possibilidade de expressão de ideias

consensuais, dentro de uma mesma comunidade. Estas posições que contrariam a existência de

uma realidade objectiva e global que possa ser aplicada à experiência humana introduziram

alterações na visão e na prática clínica. Assim, as metáforas tornam-se no artefacto linguístico

que procura objectivar o mundo e a experiência, passando a linguagem, a ocupar um lugar de

excelência na construção e significado dos diferentes conceitos e conhecimentos. Como defende

Gonçalves (2000) “a linguagem nasce não como um espelho da realidade mas sim como uma

23

forma de proporcionar múltiplas imagens da realidade” (p.42). Como consequência,

compreender o conhecimento passa por compreender os sistemas interpretativos da experiência

que a organização simbólica da linguagem nos permite e a narrativa assumem-se como o

principal objecto de estudo e de compreensão dos fenómenos psicológicos.

1.2 Narrativa e psicologia

A terapia narrativa manifesta-se como um exponente psicoterapêutico do pós-modernismo.

As propostas da abordagem narrativa em psicologia têm início com os trabalhos de Sarbin

(1986), Gergen e Gergen (1986), Polkinghore (1988) e Bruner (1990). Sarbin (1986), propondo

a metáfora narrativa, define-a como “um relato simbólico das acções dos seres humanos que

possui uma dimensão temporal. A história tem um princípio, um meio e o fim” (p. 3). Para o

autor, a dimensão temporal é o aspecto central da narrativa, pelo que a construção de

significados implica conceptualizar narrativamente as experiências passadas, presentes e

futuras. Polkinghorne (1988) não só sublinha a dimensão de temporalidade, como acentua a

noção da narrativa como um organizador central da cognição através da qual os indivíduos ligam

num todo os elementos dispersos da experiência, conferindo-lhe significado. De acordo com a

proposta do autor, a narrativa consiste numa “estrutura de significado que organiza os

acontecimentos e a acção humana numa totalidade, deste modo atribuindo significado às

acções e acontecimentos individuais de acordo com o seu efeito na totalidade” (p. 18). Gergen e

Gergen (1986) enfatizam dois aspectos centrais referidos pelos autores anteriormente citados, a

totalidade e a temporalidade, realçando as noções de direcção e de movimento, definindo a

narrativa como a “capacidade para estruturar acontecimentos de modo a demonstrar, primeiro,

a sua conexão ou coerência e, em segundo, o sentido de movimento e direcção no tempo” (p.

25). Estes autores consideraram como elementos essenciais da construção de uma narrativa a

existência de um objectivo ou finalidade e os acontecimentos que concretizem esse mesmo

objectivo. Assim, distinguem as narrativas progressivas (que se orientam no sentido do objectivo)

das narrativas regressivas (que se distanciam do objectivo) e das narrativas estáveis (quando

parece não haver alterações em relação ao objectivo, embora a história contenha diversos

episódios e incidentes). Bruner (1990), que introduziu a noção de pensamento narrativo como

basilar na construção de significados múltiplos da existência, reconhece a vertente cultural da

24

narrativa e a sua função na interacção social, caracterizando quatro elementos centrais: a

sequencialidade, a comunicação da subjectividade, a originalidade e a ambiguidade. De acordo

com estas características, podemos dizer que a narrativa permite a partilha da experiência

subjectiva organizada numa sequência temporal, bem como a justificação dos estados de

originalidade e de ambiguidade em relação ao culturalmente previsto.

Progressivamente, foram surgindo novas propostas de autores que partilhavam já as ideias

do construtivismo e/ou do construcionismo social. Harré e Gillet (1994) contribuíram,

igualmente, para a definição da formulação narrativa em psicologia, com o termo psicologia

discursiva, considerando o discurso e a sua análise como um aspecto central de construção do

conhecimento e não como forma de expressão e de acesso à realidade. Esta influência levou os

autores a falar de uma “segunda revolução cognitiva”, perante a qual, como defende Gonçalves

(1994, 2000) a linguagem constitui um elemento fundamental da experiência, devendo ser

considerada um fenómeno psicológico de primeira ordem e não uma mera representação do

mundo real. Desta nova forma de pensar, surgiram igualmente novas formulações e práticas

clínicas de que são exemplo os trabalhos de Withe e Epston (1990), Hermans e Hermans-Jansen

(1995), Gonçalves (1995, 2000) e Neimeyer (2000).

Gonçalves (2000) inspirando-se nas principais contribuições de Sarbin (1986), Gergen e

Gergen (1986), Polkinghore (1988) e Bruner (1990), bem como de outros modelos no domínio

das narrativas, delineou sete aspectos fundacionais e definidores daquilo que designa de matriz

narrativa, graças à qual organizamos o conhecimento da nossa experiência. Como a experiência

tem uma natureza caótica, o indivíduo, na busca da coerência, necessita de organizar o

conhecimento narrativamente (Gonçalves, Korman & Angus, 2000). Na sua definição de

narrativa, o autor distingue, assim, a natureza analógica, temporal, contextual, gestáltica,

significadora, criativa e cultural da narrativa. Tendo em conta que a presente investigação se

enquadra na abordagem teórica deste autor, a apresentação destes elementos será aqui mais

detalhada:

- a natureza analógica da narrativa que se define pela organização analógica da experiência,

remete-nos para a distinção de Bruner (1986) entre o modo paradigmático e o modo narrativo

de conhecimento. Se o primeiro pressupõe o domínio lógico-proposicional e matemático do

conhecimento, estabelecendo relações causais e lei gerais, o segundo procura compreender os

casos particulares. Sendo a experiência organizada analogicamente passa a ser construída com

um sentido múltiplo e potencial, na medida em que admite múltiplas significações e novas e

25

infindáveis experiências (Gonçalves, 2000). Assim, para o autor, o ser humano é dotado de

“múltiplas racionalidades que co-existem como organizadores paralelos do seu funcionamento”

(p.47);

- a natureza temporal da narrativa pressupõe que esta se constitui como elemento

organizador do conhecimento e da experiência conferindo-lhe uma estrutura temporal.

Narrativamente, os diferentes momentos da vida e a dimensão caótica da experiência poderão

ser sequenciados e organizados de forma a conferir à existência uma dimensão temporal e

rítmica.

- a natureza contextual da narrativa pressupõe que todo o conhecimento é localizado

histórica e culturalmente. Falamos não de uma verdade universal, mas de uma verdade

contextual, pois a narrativa só pode ser compreendida apenas no seu contexto, situado

historicamente.

- a natureza gestáltica da narrativa diz-nos que a organização da diversidade e multiplicidade

da experiência, impõe um processo de coerência numa totalidade significadora. Assim, através

da conexão dos diferentes fenómenos da experiência (da natureza caótica e dispersa dos

espaços, dos tempos, dos estímulos sensoriais externos e internos), emerge uma matriz

narrativa passível de ser compartilhada numa linguagem comum. Neste sentido, Gonçalves

(ibidem) acrescenta que a narrativa cumpre a dupla função de organizar simultaneamente a

experiência individual e a experiência social.

- a natureza significadora da narrativa permite a organização da diversidade da experiência,

atribuindo-lhe um sentido. A atribuição de um sentido para a experiência, como enfatiza Frankl,

(cit. in Gonçalves, ibidem) constitui-se como uma forma básica de sobrevivência humana. Dada

a natureza múltipla da experiência cruzamo-nos com a possibilidade de múltiplas significações.

Gonçalves aponta, ainda, a dupla função social do processo de significação: se por um lado,

recorre a uma linguagem convencionada socialmente, por outro, constitui-se como um modo de

dar existência social à experiência.

- A natureza cultural da narrativa foca a narrativa como uma produção discursiva de natureza

interpessoal e localizada culturalmente retirando-lhe, assim a possibilidade dum estatuto

essencialista e rejeitando-a como esquema mental ou como acto individual. A narrativa surge

assim, como uma conversação co-construida por múltiplas realidades discursivas, possibilitando,

desta forma, a diferenciação individual numa narrativa múltipla, flexível, adaptada e inserida

culturalmente.

26

- Por ultimo, a natureza criativa da narrativa no sentido em que “cria simultaneamente o

individuo e a sua rede social” (Gonçalves, 2000, p. 59). Assim, o narrador surge como

construtor da experiência, na medida em que a sua narrativa não surge como reflexo de uma

realidade pré-existente mas como a criação da própria existência. A existência ganha lugar no

encontro com a narrativa e liberta-se na multiplicidade que a narrativa lhe possibilita.

1.3 Narrativa, psicoterapia e psicopatologia

Os sistemas dominantes da psiquiatria e da psicologia, na pretensão de compreenderem

os comportamentos humanos e os desvios à norma (ou ao socialmente aceite), têm vindo a

definir um conjunto de conceitos e explicações essencialistas, ora de ordem biológica ora de

ordem mentalista (Gonçalves, 2000). O questionamento da realidade dos conceitos

essencialistas, do seu uso pelos especialistas, bem como do estatuto de poder que dai advém,

seja ao nível da sociedade em geral, seja ao nível da relação terapeuta/cliente, (onde o primeiro

impõe a sua visão sobre o que está a acontecer com o segundo), constituiu-se como um

contraponto à visão reificada da psicopatologia. Estas questões encontraram-se na base do

movimento anti-psiquiatria impulsionado por Thomaz Szasz (1988) e por Ronald Laing (1991) e

no centro das críticas elaboradas por alguns autores da psicologia que podemos enquadrar no

movimento pós-moderno (Gergen, 1990; Mahoney, 1991). Tais ideias que, como já referimos,

contrariam a existência de uma realidade objectiva e global que possa ser aplicada à experiência

humana, vieram introduzir alterações profundas na visão sobre a psicologia em geral, e sobre a

intervenção clínica e os diagnósticos psicopatológicos em particular.

Já na tradição fenomenológica da psiquiatria, as classificações nosológicas em

psicopatologia são enquadradas como metáforas e como organizadoras de significado

(Gonçalves, 2000), passando o discurso de um mero instrumento de acesso às essências

psicopatológicas, ao próprio fenómeno psicológico (Harré & Gillet, 1994) e ao processo central

na construção do conhecimento (Bruner, 1990). Nesta perspectiva, a psicopatologia será

apresentada como um sistema de significação que se organiza numa matriz narrativa

(Gonçalves, 2000) e diagnosticar impõe-se como um olhar para e não através da narrativa

(Capps & Ochs, 1995). Guidano (cit. in Gonçalves, 2000) faz notar que, ao referenciarmos

diagnósticos de perturbação mental, estamos a falar de configurações prototípicas de

27

organização de significados. Nesta mesma linha de pensamento, Neimeyer (2000) incentiva a

investigação da narrativa ao nível da psicopatologia e Russel e Wandrei (cit. in Henriques, 2000)

sublinham a possibilidade de diferenciar clientes com base na linguagem narrativa, o que poderá

contribuir para novas compreensões sobre a psicopatologia e sobre as práticas clínicas. Não

obstante o relevo que a metáfora narrativa foi ganhando, Neimeyer e Raskin (cit. in Henriques,

2000) alertam para o facto de que explorar a psicopatologia no âmbito da narrativa sugere um

certo paradoxo: as teorias narrativas tendem a evitar as implicações da estigmatização do

diagnóstico psicológico, no entanto, as psicoterapias que delas derivam regulam-se através de

alguma conceptualização, mais ou menos explicita, do sofrimento psicológico. Como forma de

ultrapassar este conflito, Gonçalves (2000) adverte que se trata, antes de mais, de conceber a

psicopatologia como uma produção social e não como correspondendo a essências indicadoras

de perturbação mental. Com efeito, para o autor diagnosticar implica construir formas

específicas de significação da psicopatologia e, portanto, implica a análise da própria matriz

narrativa.

Diferentes autores têm-se já debruçado sobre o estudo do processo de construção da

trama narrativa, construindo propostas de avaliação da mesma. Faremos uma breve revisão de

alguns sistemas de análise de narrativas e respectivos resultados. Posteriormente, e uma vez

que serão as dimensões e os instrumentos a utilizar na parte empírica da presente investigação,

daremos maior enfoque às três dimensões da narrativa propostas por Gonçalves (2000) -

Estrutura, Processo e Conteúdo -, bem como aos manuais elaborados no sentido de as avaliar.

A Estrutura e coerência das histórias tem sido a dimensão mais estudada e caracterizada

por diferentes autores que optaram por distintos sistemas de avaliação, de que são exemplo o

pioneiro sistema de análise de Labov e Waletzky (1967) e o sistema de análise episódica de

Stein e Glenn, (cit. in Baerger e McAdams, 1999). Lavob e Waletzky (1967), ao aplicarem os

métodos de análise linguística a narrativas elicitadas, reportaram-se às unidades da história e às

conexões entre as mais pequenas unidades de expressão linguística, através de uma relação de

ordem temporal, que evidencia proposições sequenciais que correspondem à ordem dos factos

adoptados. Desde então, um crescente corpo de investigadores tem convencionado os indivíduos

como seres narrativos, relacionando a saúde mental com narrativas adaptadas, integradas ou

coerentes (Anderson & Goolishian, Flax, Hoffman, Schafer, cit. in Baerger e McAdams, ibidem).

Por exemplo, há estudos que indicam que indivíduos mais satisfeitos com a vida, tendem a

organizar as suas histórias autobiográficas de uma forma significativamente diferente dos menos

28

satisfeitos, demonstrando os primeiros, uma maior habilidade na recordação de eventos de vida

mais variados e mais complexos (McAdams, Lensky, Daple & Allen, cit. in Baerger e McAdams,

1999). Parece, assim, que uma narrativa bem integrada providencia o indivíduo de uma

identidade, onde a informação é integrada num todo comunicando o significado daquela

experiência, dentro do contexto alargado da história de vida (McAdams, cit. in Baerger e

McAdams, ibidem). Baerger e McAdams (ibidem) com o objectivo de estudar a possibilidade de

conceptualizar um sistema de codificação da coerência das narrativas de vida e examinar a

relação entre esta e a saúde psicológica, propuseram a caracterização da coerência através de

quatro segmentos interrelacionados: orientação, estrutura, afecto e integração. De acordo com

os autores, uma narrativa autobiográfica é coerente, na medida em que, “(1) situa a narrativa

num contexto temporal, social e pessoal específico, descrevendo as circunstâncias habituais que

servem de parâmetros para a acção da história; (2) apresenta os elementos estruturais de um

episódio (i.é., um acontecimento inicial, uma resposta interna, um objectivo e uma

consequência); (3) fornece referências avaliativas acerca do narrador, de modo a atribuir

significado emocional à história; (4) comunica a informação de um modo integrado”. O mesmo

estudo visou, ainda, avaliar a existência de uma associação significativa entre o grau de

coerência das histórias autobiográficas de uma população não clínica e várias medidas de bem-

estar psicológico, confirmando a hipótese de diferentes terapeutas narrativos, de que a saúde

mental está intimamente relacionada com a capacidade individual para construir e manter uma

história autobiográfica integrada e coesa. Mais especificamente, os dados do estudo sugerem

que a coerência autobiográfica está associada ao bem-estar psicológico: as histórias do

participantes com níveis mais elevados de depressão revelaram-se menos integradas e menos

coerentes no contexto de vida, enquanto que, os episódios relatados por aqueles cujos níveis de

depressão eram menores, coincidiam com os que revelaram maior coerência e eram os que

transmitiam os eventos como tendo um maior significado no especifico momento em que

aconteceram e no contexto alargado das suas experiências de vida, permitindo um sentido de

pertença e de continuidade na vida. Embora com níveis mais modestos de correlação, neste

mesmo estudo encontraram-se relações entre a coerência da história de vida e as medidas

felicidade e satisfação de vida. Russel e Wandrei (cit. in Henriques, 2000) referem, igualmente,

estudos junto de populações clínicas cujos resultados revelam a relação entre a estruturação

narrativa e o grau de gravidade psicopatológica, sendo que às situações severas correspondiam

níveis baixos de coerência narrativa. Pennebaker (cit. in Henriques, ibidem) evidenciando um dos

29

resultados mais consistentes do seu programa de investigação, refere haver relação entre a

evolução dos sujeitos em psicoterapia e as narrativas que evoluíram no sentido de uma maior

coerência estrutural.

Como referem Mancuso e Sarbin (cit. in Pennebaker e Seagal, 1999), as pessoas

aprendem e organizam histórias desde cedo na infância, sendo esta uma tarefa crítica que ajuda

ao desenvolvimento de uma vida emocional coerente. Se esta capacidade se revelar deficiente

poderão coexistir consequências ao nível da saúde. Em estudos que pretenderam investigar de

que forma as pessoas lidam com os efeitos negativos da dor, da doença e dos acontecimentos

traumáticos que ameaçam a vida do individuo pelo seu carácter de incoerência, descontinuidade

e dissociação, Crossley (2000) reflecte sobre a importância da narrativa no que respeita à

sucessiva necessidade do ser humano de repor a ordem e o significado e de retomar o sentido

de continuidade e de identidade, através de processos de conexão e coerência. De acordo com o

autor, face a experiências altamente dissociadas, este sentido de coerência pode ser posto em

causa. Em todo o caso, mesmo perante a incoerência de experiências altamente adversas, a

narrativa assume um papel preponderante de reconstrução (Crossley, 2000) e, embora esta

tarefa possa revelar-se mais difícil para algumas pessoas, os estudos indicam que temos uma

tendência para atribuir um significado ao meio e aos acontecimentos (Pennebaker e Seagal,

ibidem). Pennebaker e Seagal (ibidem) em estudos cujo foco foram os processos subjacentes às

alterações positivas favorecidas pelo acto de escrever ou falar sobre experiências emocionais

verificaram que a expressividade emocional, quando completada com a sua tradução escrita

para a linguagem, resulta em benefícios a longo prazo. Os autores propõem que, ao integrarmos

emoções e pensamentos, construímos mais facilmente uma narrativa coerente da experiência e

que, uma vez formado, o evento pode ser sumariado, arquivado ou esquecido de forma mais

eficiente. Por outro lado, postulam que eventos dolorosos que não estão estruturados num

formato narrativo podem contribuir para a continuidade de pensamentos e sentimentos

negativos. Por outras palavras, temos necessidade de construir um significado para os

acontecimentos de vida, tentando encontrar causas e consequências. Narrativamente, podemos

integrar um conjunto de alterações e acontecimentos nas nossas vidas organizadas lógica e

hierarquicamente num todo coerente e compreensível. A coerência linguística, segundo os

autores, implica diversas características, desde a estrutura ao uso de explicações causais,

repetição de temas, bem como uma apreciação da perspectiva do ouvinte. Em conclusão, os

autores consideram que, elaborar uma história sobre as experiências de vida (de forma escrita

30

ou oral) parecer estar associado a benefícios na saúde física e mental em diferentes amostras e

pontuam o valor de uma narrativa coerente e organizada como forma de atribuir significado a

um evento e lidar com as emoções a ele associado. Assim, usar a narrativa assemelhar-se-ia ao

acto de “fechar tarefa”, permitindo “esquecê-la”. Estes resultados são consistentes com a visão

actual da narrativa e da psicoterapia que sustentam a importância do cliente construir uma

história que explique e dê uma compreensão aos eventos de vida passados e actuais, seja uma

narrativa auto ou hetero-biográfica que deverá envolver a integração dos acontecimentos de vida

significativos numa história que os irá explicar e organizar num todo. Assim sendo, os autores

consideram que a psicoterapia poderá ser vista como um meio formal de integrar uma história.

1.3.1 Estrutura, Processo e Conteúdo como dimensões da matriz narrativa

Como acabámos de verificar, maior parte dos autores têm centrado as suas investigações

em torno da Estrutura e coerência narrativa. A proposta de Gonçalves, por sua vez, apresenta-se,

a nosso ver, mais completa e complexa com a configuração de três organizadores centrais do

processo de significação: Estrutura, Processo e Conteúdo (Gonçalves, 1998; Gonçalves, Korman

& Angus, 2000; Gonçalves, 2000), dando conta, respectivamente, da coerência, complexidade e

diversidade narrativas. Segundo Gonçalves (2000) a análise destas dimensões irá permitir

entender os processos de construção de significado do indivíduo e articula-se com a existência

ou não de bem-estar psicológico.

A Estrutura refere-se ao processo pelo qual os diferentes aspectos da narrativa se

interligam de forma a proporcionar um sentido coerente e de articulação dentro de cada

narração e entre as diferentes narrativas de vida, conferindo-lhe, assim um fio condutor. Desta

forma, integrando num todo coerente as tão diversas experiências, o indivíduo ganha um sentido

de autoria da sua própria vida. Por seu turno, na ausência de uma coerência narrativa, isto é, de

uma organização sequencial e integrada da experiência, o indivíduo perderá o sentido de autoria

e a possibilidade dum sentido compartilhado da experiência.

De forma a avaliar a coerência narrativa, Gonçalves e Henriques (2000a) desenvolveram

um manual que foi sofrendo revisões (Gonçalves, Henriques e Cardoso, 2001, 2006), a partir de

sistemas de codificação previamente desenvolvidos por Ferreira-Alves e Gonçalves (1999), do

31

sistema de Braeger e McAdams (1999) e inspirado no modelo sugerido por Lavob e Waletsky

(1967) já referidos anteriormente.

No referido manual (Gonçalves e Henriques, 2000a; Gonçalves, Henriques e Cardoso,

2001, 2006), os autores consideram quatro sub-dimensões ou parâmetros na avaliação da

Estrutura e Coerência narrativa: a Orientação, a Sequência Estrutural, o Comprometimento

Avaliativo e a Integração cujos graus de presença e diversidade são codificadas através de uma

escala de Likert de cinco pontos.

A Orientação informa sobre as personagens, o contexto social, espacio-temporal e pessoal

onde decorrem os seus comportamentos, sendo descritas as circunstâncias que rodeiam o

episódio. Podem ser incluídos elementos passados relevantes que conduziram ao momento em

causa ou acontecimentos posteriores a este. Uma boa Orientação torna compreensível a

narrativa e, em contraste, uma Orientação fraca isola a narrativa dos parâmetros temporais e

sociais que a enquadram e a influenciam. Uma narrativa com alto nível de índice de orientação

permite responder às questões "Quem?" "Quando?", "Onde?", “Em que circunstâncias

pessoais?” e “Para que é que o episódio está a ser contado?”. Pelo contrário, uma narrativa com

baixo índice de Orientação é uma narrativa em que a ausência de um ou vários destes

elementos, transmite ao interlocutor a sensação de não haver um enquadramento narrativo. O

acontecimento surge como que isolado, solto e desenraizado, dificultando a sua inteira

compreensão.

A Sequência Estrutural é composta por uma série de acontecimentos que definem a

sequência temporal de uma experiência tal como ela foi percebida, permitindo ao interlocutor

responder à questão "então o que aconteceu?" É constituída por uma série de subcomponentes

que se sequencializam numa estrutura temporal, independentemente da ordem em que

surgem: (1) um acontecimento inicial; (2) uma resposta interna a este acontecimento (i.e.,

objectivos, planos, pensamentos ou sentimentos); (3) uma acção; e, finalmente, (4) as

respectivas consequências. No caso da narrativa incluir múltiplos episódios, eles também

devem ser apresentados de modo ordenado e organizados de forma temporal ou sequencial. Se

a narrativa apresenta um elevado índice de Sequência Estrutural todos os elementos estão

presentes e se organizam numa sequência temporal e causal do ponto de vista explicativo.

O Comprometimento Avaliativo refere-se aos aspectos emocionais do narrador,

remetendo para o envolvimento dramático com a narrativa, para os seus estados de ânimo, a

tonalidade emocional do seu relato e o seu comprometimento volitivo durante a própria

32

produção narrativa, permitindo valorizar “até que ponto é que o narrador se envolve na história

que está a contar?” e “como é que o narrador avalia o significado da história que nos relata”?

Sem tonalidade afectiva consistente para organizar e atribuir sentido emocional aos

acontecimentos relatados uma narrativa não se revela coerente. Uma narrativa com alto nível de

Comprometimento Avaliativo permite revelar algo acerca do narrador ou do significado que o

episódio descrito tem no contexto da sua vida, isto é, à forma como utiliza explicitamente a

emoção, os adjectivos e advérbios, os risos, as lágrimas, os apartes, as hesitações, a

pontuação, como recorre à tensão, ao drama e ao humor para comunicar e dar vida à sua

narração. Uma narrativa com um baixo Comprometimento Avaliativo revela um fraco

envolvimento afectivo com o acontecimento narrado e não transmite o significado emocional dos

acontecimentos descritos, revelando, antes, distanciamento, frieza e vazio de expressão.

A Integração permite avaliar em que medida os vários elementos da história que, embora

apresentados de um modo disperso, acabam por se integrar num sentido comum, num gestalt

final. Mesmo quando surgem narrativas dentro de narrativas, o narrador poderá estar capaz de

lhes dar um sentido integrado, através de um regressar à trama central da narrativa conferindo-

lhe um fio condutor. Assim, a questão de base que se coloca é “o fio condutor do discurso é

claro?”, constituindo-se este, como uma noção central do próprio conceito de coerência

narrativa e como antípoda da dissociação. Uma narrativa com elevado índice de Integração é

uma narrativa em que os diversos elementos de complexidade, ambiguidade e diferenciação

usados, se conciliam uns com os outros numa história una. Para além da narrativa sintetizar os

vários elementos narrativos numa mesma história, é igualmente capaz de relacionar os detalhes

de um relato autobiográfico individual com temas de vida mais vastos. Por outro lado, baixos

índices de Integração são correlativos de inúmeros descarrilamentos e saltos de assunto na

produção narrativa sem que o próprio, ou o interlocutor, encontre entre eles um fio condutor

narrativo, com pobre resolução das contradições ou ambiguidades inerentes ou o

enquadramento da experiência no contexto de vida.

Gonçalves (2000) defende que, em termos da Estrutura, a perturbação emocional se

associa:

à dificuldade de estabelecer uma conexão coerente, fazendo emergir

sentimentos de estranheza e desfazamento em relação ao próprio e aos outros. Esta

dificuldade face a experiências passadas ou presentes conduz o sujeito a evitar novos

desafios experienciais, os quais possa não conseguir integrar numa determinada

33

coerência já estabelecida. Em consequência, gera-se um processo cíclico de

rigidificação dessa coerência predefinida que estará na base da sua impossibilidade

de expansão. A análise estrutural da matriz narrativa dum paciente poderá, assim,

permitir o diagnóstico de disfunções de autoria, constituindo indicadores discursivos

de incoerência, tais como o discurso superficial ou tangencial, a sobreinclusividade ou

excessiva abstracção, circunstancialismo ou desconexão; apresentação

desorganizada; ausências ou amnésias electivas (pp.76-77).

O Processo narrativo é caracterizado como constituindo-se pelos mecanismos estilísticos

através dos quais o indivíduo confere complexidade e profundidade à narrativa, diferenciando-a.

É ao nível desta Dimensão que se reflecte a abertura à pluralidade da experiência pela

capacidade de construção de uma narrativa complexa e diversa. A qualidade narrativa, do ponto

de vista processual, estará associada à diferenciação da experiência sensorial, emocional,

cognitiva e de significações.

Angus e colaboradores desenvolveram um Sistema de Codificação do Processo Narrativo

(Angus, Hardtke & Levitt, 1996; Angus, Levitt & Hardtke, 1999) que dá conta do nível de

complexidade da produção narrativa, através de três modos narrativos: externo (que consiste na

descrição de um assunto em termos dos detalhes contextuais físicos ou sociais, temporais ou

espaciais (sejam reais ou imaginados, passados, presentes ou futuros), interno (que diz respeito

à descrição de toda a experiência subjectiva em termos emocionais do próprio ou das

personagens da narrativa) e reflexivo (incluindo a análise interpretativa dos acontecimentos

externos e da experiência subjectiva, dirigidos para a significação da experiência). Os resultados

com base neste sistema de avaliação (Angus, Levitt e Hardtke, 1999) são consistentes com os

de Pennebaker (cit. in Henriques, 2000), onde a evolução dos pacientes em psicoterapia se

associou a uma diferenciação do processo narrativo, deslocando-se de modo narrativo externo,

para uma maior complexidade ao nível do modo interno e do modo reflexivo.

Gonçalves e Henriques (2000b) inspirados neste modelo, desenvolveram um Manual de

Avaliação do Processo e Complexidade Narrativa que pretende aumentar o grau de

discriminação da complexidade e riqueza dentro de cada um dos modos narrativos. Sugerem,

assim, quatro sub-dimensões de adjectivação da experiência que consistem na Objectivação,

Subjectivação Emocional, Subjectivação Cognitiva e Metaforização, cada um deles cotado de

34

acordo com o grau de presença (diversidade e/ou elaboração), através de uma escala de Likert

de cinco pontos.

A Objectivação consiste na descrição de aspectos externos da experiência e exploração da

multiplicidade do mundo sensorial. Refere-se à descrição detalhada do episódio, e do cenário

sensorial, fornecendo elementos ao nível da visão, da audição, do olfacto, do paladar e das

sensações físicas que caracterizaram a sua experiência. Uma narrativa com alto nível de

Objectivação permite enquadrar sensorialmente o acontecimento, através de uma descrição

detalhada e diversificada de várias dimensões sensoriais da experiência. Pelo contrário, uma

narrativa com baixo índice de Objectivação dificulta a captação do acontecimento, das suas

particularidades e do respectivo cenário.

A Subjectivação Emocional consiste na exploração da multiplicidade da experiência

interna ao nível de emoções e de sentimentos, através da descrição de estados emocionais

associados ao acontecimento. Uma narrativa com elevado índice de Subjectivação Emocional

contempla tanto uma grande quantidade como diversidade de discurso sobre os estados

afectivos associados à experiência. Um baixo índice de Subjectivação Emocional revela parca

referência a estados emocionais ou mera repetição de uma ou outra emoção, não aprofundando

a diversidade e clara diferenciação da experiência a este nível.

A Subjectivação Cognitiva corresponde aos pensamentos do sujeito vivenciados no

decurso da experiência e que explicita o discurso interno do narrador, como as cognições,

ideias, pensamentos ou planos experienciados pelo sujeito. Uma narrativa com um índice

elevado de Subjectivação Cognitiva supõe uma apresentação detalhada e diversificada dos

pensamentos do narrador, enquanto que uma narrativa com um índice baixo nesta Sub-

dimensão é reveladora de uma pobreza de detalhes, de variedade e de especificidade a este

nível.

A Metaforização define-se pela construção de significados a partir da experiência,

expressa, frequentemente, através de metáforas que condensam os significados. O sujeito

distancia-se da experiência, partilhando as suas reflexões e significados. Nem sempre esta Sub-

dimensão surge como um momento de grande conclusão a evidenciar-se no discurso, mas

antes como momentos dispersos ao longo da narrativa que nos conduzem a uma ideia do(s)

significado(s) que a situação descrita teve para o sujeito. Uma narrativa com elevado índice de

Metaforização apresenta uma reflexão elaborada e pessoal da vivência, contrastando com uma

35

narrativa com baixo índice em que não fica claro para o leitor o significado pessoal do episódio

que viveu.

Ao nível do Processo, a pobreza de discurso evidenciar-se-á, assim, numa pobre

diferenciação dos significados da experiência, na escassez de abertura à exploração da vivência

em termos sensoriais, emocionais, cognitivos e de significados. Nesse caso, encontra-se uma

focalização quase exclusiva num dos domínios da sensorialidade ou uma exploração superficial

de qualquer um destes domínios ou, ainda, a ausência de referências a este nível com o

evitamento da experiência emocional e cognitiva através de um discurso evasivo, deslocado,

excessivamente abstracto ou circunstancial. No fundo, a pluralidade da experiência fica assim

reduzida à singularidade limitada do conhecimento, situação que se relaciona mais

frequentemente com a psicopatologia. Consoante o tipo de perturbações ou problemáticas

apresentadas, a indiferenciação da experiência ou o foco numa das diferentes vertentes

sensoriais, emocionais, cognitivas ou de significados pode diferir. A título de exemplo, sujeitos

com Perturbação de Pânico tendem a limitar a diversidade da experiência sensorial a uma

sobrevalorização das impressões cenestésicas, em detrimento da multiplicidade visual, auditiva,

olfactiva ou gustativa da experiência. Nos indivíduos com fobia, por sua vez, a inibição da

complexidade da experiência revela-se pelo foco excessivo em torno das emoções, pensamentos

e significados relacionados com o perigo (Henriques, 2000).

O Conteúdo narrativo assume-se pela temática do discurso que se pode encontrar mais ou

menos diversificada, mais ou menos monótona, quanto aos seus temas, sequência de

acontecimentos, número de personagens e diversidade de contextos.

A fim de codificar o Conteúdo, Gonçalves e Henriques (2000c) desenvolveram o Manual

de Avaliação do Conteúdo e Diversidade Narrativa, posteriormente revisto (Gonçalves, Henriques,

Soares & Monteiro, 20001, 2006) que dá conta do grau de presença (através de uma escala de

Likert de cinco pontos) das quatro Sub.dimensões, Temas, Acções, Personagens e Cenários.

Uma narrativa apresenta geralmente um ou mais personagens que se posicionam em diversos

contextos ou cenários, numa sequência de acontecimentos e temas. Uma existência mais

funcional e criativa correlacionar-se-á com uma narrativa com multiplicidade de Conteúdo, onde

surgem diversas temáticas, interagem várias personagens, numa variedade de contextos e

diversidade de acções. Por outro lado, a redundância dos elementos do Conteúdo apontará para

uma narrativa previsível e monótona, incapaz de dar conta de versões diversificadas da

36

experiência, configurando a possibilidade de um discurso limitado, passível de ser enquadrada

em tipologias ou protótipos patológicos. Como refere Gonçalves (2000) “o protótipo é sinónimo

de uma autoria narrativa inflexível, uma identidade fechada que dissocia ou restringe todas as

experiências que não se enquadram no molde prototípico” (p.92). Nesta dimensão, a

psicopatologia caracteriza-se, assim, como uma dificuldade em desenvolver uma perspectiva

multifacetada da experiência, caracterizando-se pela utilização de protótipos narrativos que

emergem da redundância temática, configurando-se como guiões de significação das

experiências passadas, presentes e futuras (Gonçalves, 1998, 2000). O sentimento de

previsibilidade do discurso criado por esta redundância apela para a classificação das narrativas

em tipologias discursivas, considerando-se a possibilidade de que a psicopatologias distintas

correspondam narrativas protótipo específicas. Com o objectivo de permitir a elaboração de uma

narrativa prototípica a partir das convergências das temáticas de um conjunto de narrativas

significativas de diversos sujeitos, foi ainda elaborado um Método de Construção de Protótipos

Narrativos (Gonçalves, Alves, Soares, Duarte Henriques & Maia, 1996) na sequência do qual,

algumas investigações procuraram analisar em que medida diferentes tipos de psicopatologia

podem tipificar formas prototípicas de significação narrativa: dependência de opiáceos,

alcoolismo e anorexia (Gonçalves, Alves, Soares & Duarte, 1996) e agorafobia (Henriques,

2000). O conjunto destes resultados evidenciou que, pelo menos no que diz respeito ao

Conteúdo narrativo, a organização discursiva de diferentes tipos de psicopatologia corresponde a

diferentes organizações prototípicas (Gonçalves, Maia, Alves, Duarte & Henriques cit. in

Gonçalves, 2000).

Resumindo, Gonçalves (2000) defende que a construção de uma narrativa estruturada e

coerente para o próprio e no contexto da sua comunidade discursiva, reforça o sentido de autoria

e permite enfrentar a diversidade experiêncial; que a complexificação do conhecimento que

envolve a variedade das experiências sensoriais, emocionais, cognitivas e de significado, produz

uma narrativa rica, proporcionadora de uma existência proactiva e flexível e, finalmente, que a

multiplicidade e diversidade de conteúdo, imprevisível, idiossincrática, multifacetada e flexível é

inibidora da prototipia típica da psicopatologia. Da incapacidade do sujeito em construir a sua

experiência de forma múltipla e criativa, emerge a perturbação psicológica, que impede o sujeito

de partilhar construções discursivas suficientemente flexíveis e adaptadas. Como refere o autor,

as dificuldades de um sujeito com determinada perturbação emocional podem situar-se mais

37

numa ou noutra das Dimensões da matriz narrativa ou abranger todas com graus distintos, sem

que se defina um perfil regular de configuração da psicopatologia.

O propósito da análise de narrativas passa, seguramente, por consolidar ou construir

novos caminhos na intervenção clínica e, independentemente do modo como cada autor

explicita o seu modelo, podemos dizer que o objectivo central de qualquer psicoterapia narrativa

se refere à expansão do significado da experiência. Por esse motivo, consideramos que não

poderíamos deixar de fazer referência, ainda que muito sumariamente, ao modelo que decorre

das concepções de narrativa e de psicopatologia delimitadas por Gonçalves que acabámos de

descrever, até porque, com o presente estudo, esperamos contribuir para a amplificação da sua

aplicação.

A Psicoterapia Cognitiva Narrativa (Gonçalves, 1998, 2000) procura a desconstrução do

discurso sintomático do paciente, criando condições para o aumento da coerência,

complexidade e multiplicidade da construção discursiva do paciente, processo esse que se

desenvolve ao longo de três fases: a recordação, a adjectivação e a projecção das narrativas. A

recordação inicia-se com o acto de narrar episódios significativos do trajecto de vida, com a

posterior identificação de uma narrativa protótipo que servirá de ferramenta de trabalho no

decurso da terapia e visa, precisamente, promover no individuo uma maior diferenciação e

flexibilização da Estrutura e coerência narrativa e da organização da experiência. Posteriormente,

através da adjectivação das sensações, das emoções, dos pensamentos e das significações,

procura-se aumentar a diversidade sensorial da narrativa escolhida, a sua multiplicidade

emocional e cognitiva, bem como a metaforização da experiência como forma de alcançar uma

nova metáfora e significado para a narrativa protótipo, potenciando, assim, a diversidade do

Processo. Por fim, a projecção de narrativas, surge como a fase que mais intencionalmente lida

com os aspectos do Conteúdo da narrativa. Esta fase perspectiva-se como potenciadora da

exploração de novos conteúdos narrativos, através da organização da experiência “numa grande

variedade de temáticas de vida, rica de acontecimentos em múltiplos contextos e com uma

grande variedade de personagens” (Gonçalves, 2000, p.156).

Cada fase implica, ainda, dois tipos de tarefas: uma ao nível sincrónico que se foca nas

experiências correntes do cliente ou nas micronarrativas de vida e outra ao nível diacrónico que

consiste em tarefas direccionadas para as experiências e temas centrais ao longo da vida, para

as macronarrativas.

38

O grande objectivo deste modelo de psicoterapia será pois, o de criar condições para a

flexibilização, complexificação e diversidade das narrativas, deixando em aberto a possibilidade

de múltiplas e criativas significações da experiência.

1.3.2 Matriz narrativa em pacientes com diagnóstico de agorafobia e de

dependência de opiáceos

Com base no modelo e na metodologia de classificação das narrativas que acabámos de

expor, têm sido recentemente desenvolvidos estudos com populações com diagnóstico

clínico/grupos de risco e populações sem diagnóstico psicopatológico, entre eles, podemos

destacar: pacientes com diagnóstico principal de agorafobia (Gonçalves, Henriques, Alves &

Soares, 2002); dependentes de opiáceos (Gonçalves, Henriques, Alves & Soares, 2003); sujeitos

em situação de confronto com a seropositividade para o VIH (Cardoso, 2004); sujeitos

diagnosticados com Síndrome de Williams (Gonçalves, Pérez, Henriques, Prieto, Lima, Siebert &

Sousa, 2004); jovens institucionalizados vítimas de maus tratos (Soares, 2004); adolescentes

adoptados (para o estudo da coerência narrativa, Ramalho, 2005); crianças (Freitas, 2005) e

adolescentes (Rocha, 2005) com trajectórias de desenvolvimento normal.

Uma vez que a amostra da presente investigação é constituída por adultos sem

diagnóstico clínico, surge a possibilidade de um grupo de controlo. Por esse motivo,

apresentaremos um breve resumo dos resultados dos dois estudos que serão alvo de

comparação com os resultados dos adultos sem psicopatologia que serão apresentados na parte

empírica deste trabalho. Tanto nos sujeitos com diagnóstico de agorafobia (Gonçalves,

Henriques, col., 2002) como de dependência de opiáceos (Gonçalves, Henriques, col. 2003),

encontraram-se valores mais elevados ao nível da Estrutura, sendo a Sub-dimensão

Comprometimento Avaliativo a mais elevada (com valores moderados) e a Sub-dimensão

Orientação aquela que apresenta os valores mais pobres (com valores abaixo do moderado). Em

segundo lugar revelou-se o Conteúdo e o Processo foi a dimensão que apresenta os valores mais

baixos, sendo que, em todas as Sub-dimensões os valores se encontraram abaixo do moderado.

Embora com valores semelhantes, observou-se que os sujeitos com diagnóstico de

agorafobia detinham valores mais elevados do que os sujeitos dependentes de opiáceos ao nível

das três Dimensões (Gonçalves, Henriques e col., 2003), sendo essa diferença apenas

39

estatisticamente significativa ao nível da Subjectivação Emocional do Processo. É ainda de notar

que, embora as diferenças ao nível da Estrutura não se tenham revelado significativas, a análise

focada nas Sub-dimensões realçou que o eram, ao nível do Comprometimento Avaliativo. A

excepção ao padrão de valores mais elevados para os pacientes com diagnostico de agorafobia

encontra-se nos Temas (uma das Sub-dimensões do Conteúdo), embora sem qualquer

relevância estatística.

2. Desenvolvimento narrativo

As observações em contexto clínico conduziram à hipótese de existirem diferenças quanto

à organização da matriz narrativa entre sujeitos com diferentes diagnósticos psicopatológicos e

entre estes e sujeitos sem diagnóstico. Em virtude dessas observações, os estudos ao nível da

produção narrativa iniciaram-se junto de amostras clínicas. Consequentemente, como forma de

concretizar a existência dessas diferenças, impôs-se a necessidade de analisar a organização

narrativa em sujeitos com trajectórias de desenvolvimento normal.

De seguida iremos apresentar alguns estudos referentes ao desenvolvimento narrativo ao

longo da vida, enfatizando aqueles que se desenvolveram tendo em conta a metodologia

desenvolvida por Gonçalves e Henriques (2000a, 2000b, 2000c).

2.1 Desenvolvimento narrativo ao longo da vida: infância, adolescência e vida

adulta

Um dos objectivos do presente estudo é dar conta da evolução narrativa ao longo da vida,

mais especificamente da meninice até à vida adulta, no que diz respeito às três dimensões da

matriz narrativa propostas por Gonçalves (2000): Estrutura, Processo e Conteúdo. Interessa-nos

compreender como se processa, no ser humano, o desenvolvimento do acto de narrar ou, por

outras palavras, como se constrói a narratividade durante a infância, como se consolida na

adolescência e na vida adulta. Por esse motivo, faremos uma pequena exposição de caminhos

que têm sido percorridos nesta linha de investigação, através de diferentes modelos de avaliação

das narrativas.

40

O estudo do desenvolvimento narrativo tem-se dedicado essencialmente às crianças,

sobretudo no que diz respeito à análise da estrutura narrativa (Sun, cit. in Rocha, 2005) e às

perturbações da estrutura narrativa (Kemper et al., 1990) e contamos já com alguns estudos em

torno do desenvolvimento narrativo na adolescência. A vida adulta parece ser, ainda, a faixa

etária onde se encontram menos estudos sobre o desenvolvimento narrativo (Kemper e tal.,

1990).

Numa análise sobre o contributo de diversos estudiosos da construção narrativa na

infância, Boltman (cit. in Freitas, 2005) afirma que as crianças, na tentativa de explicar e

compreender a vida, surgem como contadoras de histórias, fazendo-o de forma cada vez mais

sofisticada ao longo do tempo. As histórias surgem, assim, como condição para a criança

compreender, comunicar, partilhar e construir a sua forma de ver o Mundo (Siegel, cit. in

Freitas, ibidem). Pelos 2 anos de idade, a criança parece já começar a sequenciar

temporalmente acontecimentos passados (Liles, cit. in Freitas, ibidem; McKeough & Generou,

2003) e ser capaz de construir com um adulto uma história (McKeough & Generou, 2003). Este

momento parece marcar o início de uma comunicação entre a criança e o adulto onde a

narrativa assume lugar de destaque. Pelo terceiro ano de vida, as crianças demonstram

consciência do papel que as relações referenciais, temporais e causais têm na obtenção da

coerência da narrativa (Russel & Van der Broek, cit. in Freitas, 2005), parecendo emergir uma

função narrativa que permite à criança a criação de histórias acerca dos acontecimentos com os

quais se vai confrontando, embora consistam ainda em simples descrições sequenciais de

pessoas e acontecimentos, dando sentido aos acontecimentos e experiências internas das

personagens (Reilly et al., 1998). Pelos 4 anos de idade parece iniciar-se um maior domínio

gramático (McKeough & Generoux, 2003), o inicio da utilização de componentes da estrutura da

narrativa, pela utilização de mais dados acerca do contexto do que das personagens (Peterson &

McCabe, cit. in Freitas, 2005), e por dados mais completos quanto à expressão dos afectos

(Reilly et al., ibidem). Segundo Reilly e colaboradores (1998), pelos 5 e os 6 anos as crianças

começam a elaborar frases que fornecem mais informação orientadora e as histórias organizam--

-se em torno de uma progressão de acontecimentos. Aos 6 anos a criança constrói narrativas

estruturadas e completas (Liles, cit. in Freitas, ibidem), dominando finalmente o esquema do

conto entre os 6 e os 7 anos (Larrea, 1994). McKeough & Generoux (2003) referem que até aos

8 anos, as crianças alcançam a mestria do esquema estrutural para um episódio narrativo

41

básico, sendo aproximadamente aos 10 anos que as crianças estão capazes de construir

histórias mais complexas do que o episódio narrativo básico.

Rocha (2005) revendo algumas das investigações na área do desenvolvimento narrativo na

adolescência, refere que, depois dos 10 anos, este tema tem sido menos explorado existindo, no

entanto já alguns estudos. Numa revisão da literatura, Kemper e colaboradores (1990) referem

estudos que revelam alterações marcantes na estrutura narrativa durante a primeira década de

vida, sendo pelos 10 anos de idade que as crianças se encontra capazes de produzir narrativas

mais elaboradas, com frases complexas e de utilizar uma variedade de planos linguísticos de

forma a estabelecerem e a manterem a narrativa coesa. Autores que estudam as mudanças que

se produzem nos esquemas dos contos em diferentes idades, defendem a existência de uma

evolução narrativa, sendo sobretudo a partir dos 11 (Marchesi, cit. in Freitas, 2005) e dos 12

anos de idade que essa forma de organizar as histórias assume uma maior expressão (Stein &

Glenn, cit. in Freitas, ibidem). Como refere Rosenthal (cit. in Rocha, 2005) enquanto que

crianças com 7 anos de idade não foram capazes de ligar várias memórias da sua história de

vida, adolescentes com 12 e 13 anos conseguiram relacionar acontecimentos biográficos tais

como o nascimento e transições de vida importantes. Estudos sobre o desenvolvimento da

coerência em narrativas de vida com adolescentes com 12, 15 e 18 anos de idade (Habermans

& Paha, cit. in Rocha, 2005), apontam para um aumento da coerência, com um maior número

de ligações causais nas narrativas ao longo da adolescência. Outros autores (MacKeough;

Yussen & Ozcan, cit. in Rocha, ibidem) referem que pelos 12 anos de idade, ocorre uma

mudança no foco e estrutura da história: da focalização em intenções e estados mentais

imediatos (típico aos 10 anos de idade) passa a haver uma interpretação destes estados em

termos permanentes e transitórios. Aos 12 anos, verifica-se uma maior referência a traços ou

experiências sociais anteriores, indicando que o pensamento narrativo apresenta uma maior

dimensão estrutural: são capazes de integrar duas ou mais experiências que ocorrem em

tempos diferentes ou em diferentes situações e dai extrair uma unidade mais elevada de

construção de significado; aos 14 anos de idade entram em acção traços e estados

permanentes adicionais, sendo os adolescentes capazes de construir narrativas com tendências

contrárias no mesmo personagem criando a existência de um conflito interno para além dos

conflitos externos da história. Aos 18 anos, os jovens parecem ser finalmente capazes de criar

uma dialéctica de lutas internas e externas dos protagonistas e lidar com o conflito de uma

forma coerente e coordenada.

42

McKeough e Genereux (2003) defendem que ao longo da adolescência se verificam

alterações narrativas quer ao nível do desenvolvimento da complexidade Estrutural quer ao nível

do desenvolvimento do Conteúdo do pensamento narrativo. Num estudo que realizaram com

crianças entre os 10, 12, 14 e 17 anos de idade, indicam duas tendências narrativas

desenvolvimentais: por um lado, o aumento na capacidade estrutural narrativa no sentido de

maior competência para construir narrativas que envolvem múltiplas dimensões e sub-histórias,

por outro, um salto na compreensão sócio-psicológica narrativa, passando da compreensão

intencional para uma maior compreensão interpretativa. Os adolescentes de 17 anos, por sua

vez, parecem apresentar uma maior facilidade do que adolescentes de 14 anos, em adoptar

uma meta-posição da experiência humana de forma consciente e deliberada. De uma forma

geral, e no que respeita à complexidade estrutural, os resultados indicam que entre os 10 e os

17 anos acontecem mudanças óbvias tanto no enredo estrutural como na capacidade para

construir hierarquicamente histórias dentro de histórias.

Resumindo um pouco algumas das ideias apresentadas, podemos referir o estudo

realizado por Mackeough (cit. in Rocha, 2005) no qual analisou histórias construídas por

crianças e adolescentes dos 4 aos 18 anos, e distinguiu três grandes estádios de

desenvolvimento da compreensão narrativa: até aos 4 anos de idade as narrativas das crianças

manifestam um conhecimento da experiência humana em termos de acontecimentos físicos

ligados numa sequência simples de acção; entre os 6 e os 10 anos de idade, as crianças

começam a expressar uma compreensão da acção humana que inclui sentimentos,

pensamentos e objectivos imediatos; a partir dos 12 anos as crianças demonstram uma

compreensão de natureza mais interpretativa das acções e intenções dos personagens.

Em suma, de uma forma geral, os dados são indicadores de que as crianças são

contadoras de histórias que se vão tornando, ao longo do seu desenvolvimento, cada vez mais

sofisticados, construindo narrativas de cada vez maior complexidade. Embora as competências

narrativas nas crianças se encontrem em desenvolvimento, aumentando sempre em número de

episódios até meados da adolescência, parece que, ao longo da vida adulta o contar de histórias

poderá ou não continuar em desenvolvimento, havendo culturas no seio das quais a

probabilidade de complexificação será maior entre aqueles onde o conto ocupa um lugar

privilegiado (Reilly e colaboradores, 1998). A existência de poucos estudos que se debruçam

sobre a análise da construção da narrativa na vida adulta, talvez seja reflexo desta ideia

43

generalizada de que a partir dos 18 anos de idade, o sujeitos parecem reunir as condições

necessárias para uma organização narrativa complexa, sem que se prevejam grandes alterações

na sua construção. Como já mencionámos, os estudos nesta área parecem centrar-se mais

sobre a relação entre a organização narrativa e diversas dimensões do bem-estar, tema já

abordado no ponto anterior.

2.2 Desenvolvimento da Estrutura, Processo e Conteúdo narrativos na infância

e na adolescência

De seguida iremos apresentar dois estudos que analisaram a produção de narrativas

através de um livro de imagens “Frog, where are you?” (Mayer, 1979) efectuados com 122

crianças com idades compreendidas entre os 3 e os 10 anos de idade (Freitas, 2005) e com

126 adolescentes entre os 11 e os 18 anos de idade (Rocha, 2005). Tais estudos partilham o

mesmo enquadramento teórico e a mesma metodologia de análise e classificação das

componentes da matriz narrativa que utilizaremos na parte empírica do presente estudo com

adultos, pelo que servirão de base comparativa com os nossos dados, na análise da evolução

narrativa ao longo da vida.

No estudo com crianças dos 3 aos 10 anos de idade (Freitas, ibidem) a dimensão mais

elevada mostrou-se o Conteúdo, seguindo-se a Estrutura e finalmente o Processo. Quanto à

Estrutura, verificou-se uma progressão significativa entre os três grupos etários (3-4, 6-7 e 9-10

anos de idade), sendo as crianças entre os 9 e 10 anos as que apresentam as narrativas mais

coerentes. No que respeita ao Processo e ao Conteúdo existe progressão do grupo das crianças

entre os 3-4 anos para as de 6-7 e 9-10 anos que funcionam como um grupo homogéneo. As

Sub-dimensões da Estrutura, do Processo e do Conteúdo, apresentam-se em todos os grupos

etários com valores inferiores ao moderado. Assinala-se apenas uma excepção para as

Personagens que se apresentam, aos 6-7 anos com um valor moderado e, aos 9-10 anos acima

do moderado. O facto do Conteúdo ter sido a dimensão com valores mais elevados (de certa

forma representado por estes valores elevados ao nível das Personagens) não é surpreendente à

luz da ideia de que as crianças inicialmente enumeram o que vêm, descrevem e, só mais tarde

introduzem os aspectos motivacionais emocionais e metacognitivos dos acontecimentos

(Peterson & McCabe; Umiker-Sebeok, cit. in Freitas, ibidem). Os valores mais baixos encontrados

44

no Processo, revelam-se consistentes com os dados que alertam para uma maior dificuldade das

crianças mais pequenas em expressar variáveis internas, em envolveram-se emocional e

cognitivamente nas histórias que narram e a construírem significado a partir da experiência

narrada, dificuldade esta que pode prende-se, também, com o parco conhecimento do mundo

(Freitas, 2005). A partir dos 10-11, passando pelos 14-15 e até aos 17-18 anos de idade, o

estudo de Rocha (2005) evidencia uma grande mudança, seguindo a tendência natural já

descrita anteriormente por outros autores: a Estrutura ganha outro relevo, passando, a partir dos

11-12 anos de idade a ser a dimensão com o valor mais elevado. Segue-se o Conteúdo e por fim

o Processo. Os resultados desta análise indicam que os dois primeiros grupos funcionam como

um grupo homogéneo progredindo ao nível das três dimensões até aos 17-18 anos. Neste último

grupo etário, todas as Sub-dimensões da Estrutura encontram-se no nível moderado, o que não

acontece nas anteriores faixas etárias. Assim, nos adolescentes mais velhos parece emergir uma

maior coerência estrutural: mostram-se capazes de exprimir uma sequência de elementos bem

ordenados temporalmente permitindo compreender de forma clara a questão “o que

aconteceu”?; oferecem uma boa orientação ao clarificar o contexto, as personagens e o espaço

em que os acontecimentos decorrem, envolvendo-se afectivamente no acto de narrar e sendo

fácil captar a atenção da audiência. Finalmente, são capazes de integrar a informação de forma

a reflectirem um todo coerente e facilitando a percepção de um sentido comum. No que diz

respeito ao Processo, as maiores diferenças situam-se entre o grupo dos adolescentes mais

novos (11-12 anos) e os adolescentes mais velhos (17-18 anos) ao nível das Sub-dimensões

Subjectivação Emocional, Subjectivação Cognitiva e Metaforização, revelando que estes últimos

parecem capazes de expressar, de forma mais elaborada, a experiência interna ao nível das

emoções e dos sentimentos, aparentam uma maior complexificação dos pensamentos e uma

maior atitude reflexiva que lhes permite aceder a múltiplos significados da experiência, muito

embora os valores se situem entre o baixo e o moderado. O Conteúdo foi a dimensão onde as

evidências de progressão apenas se tornam significativas para as Sub-dimensões dos Cenários e

Acontecimentos, sendo que, uma vez mais, as mudanças são mais evidentes entre os

adolescentes mais novos e os adolescentes mais velhos. Tal como para as crianças, as

Personagens correspondem à Sub-dimensão que ganha um maior destaque, apresentando

valores entre o moderado (para os dois primeiros grupos de adolescentes) e acima do moderado

(nos adolescentes mais velhos). Os Acontecimentos também se destacam com valores

moderados, mas apenas para os adolescentes de 17-18 anos.

45

2.3 As variáveis sócio-culturais e demográficas na construção narrativa

Os efeitos de variáveis tais como o sexo e a escolaridade têm sido alvos de estudo quanto

ao desenvolvimento narrativo em diferentes fases de vida.

Os resultados da investigação com crianças anteriormente citada (Freitas, 2005) revelam

não existirem diferenças significativas nas dimensões da matriz narrativa entre os diferentes

níveis sócio-culturais (NSC), baixo, médio e elevado, determinados pela escolaridade dos pais

das crianças. Quanto aos adolescentes, as diferenças encontradas foram praticamente

inexistentes, apenas se verificando uma média significativamente mais elevada ao nível da

Metaforização no NSC alto quando comparado com o NSC médio (Rocha, 2005). Tais resultados

são consistentes com a hipótese de que a escolarização desempenha pouca importância no

desenvolvimento da construção narrativa. Por outro lado, há autores que se referem às

competências narrativas das crianças ao nível do pré-escolar como excelentes preditores do

futuro sucesso escolar (Peterson, Josso, e McCabe, cit. in Freitas, 2005).

Spinillo e Martins (cit. in Fabíola Gonçalves & Dias, 2003) num estudo com crianças entre

os 6 e os 7 anos de idade, de nível sócio-economico médio mas com distintos níveis de

alfabetização (crianças em fase pré-escolar sem alfabetização; crianças em fase de aquisição da

leitura e da escrita e crianças alfabetizadas), pretenderam examinar o efeito da escolaridade ao

nível da coerência das histórias orais produzidas pelas crianças, através de um sistema de

análise elaborado pelos próprios autores. Os resultados revelaram que a maior dificuldade

encontrada nas crianças consistiu em relacionar e integrar o desfecho da história com os

eventos anteriormente narrados, no entanto, esta dificuldade revelou ser menos evidente nas

crianças alfabetizadas. Fabíola Gonçalves e Dias (2003), utilizando o mesmo sistema de análise,

estenderam o estudo a uma amostra de jovens e adultos com idades compreendidas entre os

15 e os 45 anos de idade e com dois níveis de alfabetização distintos: um grupo cujos

participantes se encontravam a iniciar o processo de alfabetização, com pouco ou nenhum

domínio da leitura e da escrita e outro grupo de alunos alfabetizados que já haviam adquirido as

habilidades da leitura e da escrita. No geral, os resultados apontam no sentido de que os jovens

e adultos em processo de iniciação da alfabetização apresentam mais dificuldades do que o

grupo alfabetizado pelo que as autoras colocam a hipótese da escolarização formal e

sistemática, especialmente no que diz respeito à aquisição da leitura e da escrita, permitir que o

aluno desenvolva a habilidade de produzir oralmente textos mais coerentes. As autoras realçam,

46

ainda, o facto de a maior dificuldade encontrada por aqueles que apresentavam menor

escolarização ter sido, à semelhança das crianças, o relacionamento do desfecho da história

com o evento principal e com os episódios narrados ao longo da história. Não obstante estes

resultados, as autoras ressaltam o facto das narrativas orais dos jovens e adultos sem

escolarização se situarem em níveis mais elaborados de coerência do que as narrativas orais das

crianças, mesmo as com níveis de escolaridade superior, o que parece indicar que, para além

da escolaridade, possivelmente, outros factores são pertinentes, como sugerem as autoras, o

conhecimento do mundo, o conhecimento partilhado, factores pragmáticos, etc., influenciando a

produção de histórias mais coerentes.

Num outro estudo realizado com adultos por Kemper e colaboradores (1999), foram

igualmente encontradas diferenças nos sujeitos com maior número de anos de educação formal

e com mais vocabulário no que respeita à produção de frases maiores e narrativas com um

maior número de ideias integradas. Uma outra investigação com adultos entre os 35 e os 65

anos de idade revelou que o nível de educação se encontrava modestamente correlacionado

com a coerência da história de vida, embora não se correlacione com o nível de satisfação com

a vida (Breager & McAdams, 1999). Neste mesmo estudo, a variável idade não se revelou

significativa na observação de diferenças quanto à estrutura.

Quanto ao papel da variável sexo, os estudos com adultos realizados por Kemper e

colaboradores (1999) e por Breager & McAdams (1999) não encontraram diferenças

significativas entre o sexo feminino e masculino quanto à estrutura das narrativas. Nos dois

estudos que analisam as dimensões da matriz narrativa anteriormente citados, com crianças

(Freitas, 2005) e adolescentes (Rocha, 2005) apresentam-se valores mais elevados para as

raparigas do que para os rapazes, embora essas diferenças apenas se revelem significativas

para os adolescentes. Mais especificamente, nos adolescentes, essa diferença é mais evidente

ao nível da Estrutura, uma vez que está presente em todas as Sub-dimensões. No que toca ao

Processo, as diferenças colocam-se apenas ao nível da Objectivação e da Subjectivação

Cognitiva, e quanto ao Conteúdo, apenas se verificam diferenças significativas para as Acções.

Em todo o caso, alguns autores defendem que estas diferenças encontradas em diversas

investigações poderão estar associadas ao facto dos pais tenderem a contar histórias acerca de

acontecimentos passados a crianças do sexo feminino e do sexo masculino de formas distintas

(Fivush, 1994; Mackeough e Generaux, 2003), sendo que os pais tenderiam a contar às

47

raparigas, mais do que aos rapazes, histórias com maior conteúdo emocional (Fivush, 1994;

Chance e Fiese, cit. Rocha, 2005;) e com mais informação acerca de significados pessoais

(Fivush, 1994).

Em suma, os resultados parecem ser modestos embora apontem para que a

escolarização poderá ser um dos factores que contribui para a produção de narrativas mais ricas

ou, mais especificamente, mais coerentes. Por outro lado, crianças cujas narrativas são mais

ricas parecem ter maior probabilidade de obterem melhores resultados escolares. No que toca

ao sexo, os estudos parecem ser indicadores de as diferenças, com vantagem para o sexo

feminino, se iniciarem na infância, embora só se acentuem de forma significativa durante a

adolescência. Na idade adulta as investigações apontam para que as diferenças por sexo não

tenham relevância na produção narrativa.

No próximo capítulo iremos apresentar e discutir a investigação empírica do presente

estudo com uma amostra de adultos entre os 20 e os 45 anos de idade, do sexo feminino e

masculino e com distintos níveis sócio-culturais. Os resultados serão sujeitos a uma posterior

comparação com os dados obtidos pelos já citados estudos que recorreram ao mesmo sistema

de codificação na análise de narrativas de crianças e de adolescentes, por um lado, e de sujeitos

com diagnóstico psicopatológico, por outro.

48

Parte II

Análise da Organização Narrativa em Adultos

Comparação com Grupos Clínicos e com Diferentes Etapas do Desenvolvimento

50

51

1. Introdução

A presente investigação oferece a possibilidade de explorar a matriz narrativa dos adultos

ao nível das três dimensões Estrutura, Processo e Conteúdo e analisar em que medida as

variáveis sexo, idade e nível sócio-cultural influenciam a organização narrativa.

Tendo em conta a natureza normativa da amostra do presente estudo, temos condições

de a apresentar como grupo de controlo de amostras de sujeitos com diagnóstico clínico. Assim,

propomos a comparação da amostra normativa com dois grupos clínicos analisados em dois

estudos distintos quanto à sua organização narrativa, nomeadamente, com sujeitos

diagnosticados com agorafobia e com sujeitos diagnosticados com dependência de opiáceos. De

acordo com a perspectiva de que a psicopatologia surge como manifestação da dificuldade em

construir de forma variada e flexível e, sem prejuízo da coerência, os episódios múltiplos e

contraditórios que caracterizam a nossa experiência (Gonçalves, 2000), espera-se uma maior

riqueza nas narrativas produzidas pelo grupo normativo comparativamente com as narrativas

produzidas pelos referidos grupos clínicos.

Por último, e atendendo ao facto de que estudos semelhantes foram anteriormente

produzidos com crianças (Freitas, 2005) e adolescentes (Rocha, 2005), teremos ainda

oportunidade de aumentar o conhecimento da organização narrativa numa perspectiva

desenvolvimental, ao compararmos os resultados obtidos com as amostras de crianças, de

adolescentes e de adultos sem problemas de desenvolvimento ou perturbação psicológica. Tal

análise traz a possibilidade de explorar como evolui a produção narrativa ao longo das diferentes

faixas etárias e, ainda, de verificar em que medida as variáveis sexo e nível sócio-cultural

exercem um efeito distinto consoante a etapa de desenvolvimento em que se apresentam. Com

base em estudos anteriores sobre o desenvolvimento narrativo, esperamos encontrar diferenças

evolutivas, especialmente até ao início da idade adulta, interessando-nos, sobretudo perceber, de

que forma tal evolução se manifesta ao nível das três dimensões da matriz narrativa Estrutura,

Processo e Conteúdo.

52

2. Método

2.1 Participantes

A amostra da presente investigação é constituída por 126 adultos, 63 do sexo masculino

(50%) e 63 do sexo feminino (50%) com idades compreendidas entre os 20 e os 45 anos (M =

29,75; DP = 6,75), sem história de psicopatologia passada ou actual. Os sujeitos estão

distribuídos equitativamente por três Grupos Etários (20-25; 26-30; 35-45) e por três Níveis

Sócio-culturais (NSC). O NSC foi definido tendo em conta o grau de escolaridade dos sujeitos da

seguinte forma: NSC Baixo (grau de escolaridade até ao 9º ano inclusive); NSC Médio (grau de

escolaridade entre o 10º e o 12º ano) e NSC Alto (ensino superior, a frequentar ou concluído).

A tabela 1 apresenta uma síntese da amostra por Grupo Etário, por NSC e por Sexo.

Tabela 1. Distribuição da amostra por idade, sexo e nível sócio-cultural. Grupo Etário NSC Baixo NSC Médio NSC Alto

20 – 25 7 M e 7 F 7 M e 7 F 7 M e 7 F

26 – 30 7 M e 7 F 7 M e 7 F 7 M e 7 F

35 – 45 7 M e 7 F 7 M e 7 F 7 M e 7 F

M= Masculino; F= Feminino

A selecção dos sujeitos decorreu em diferentes locais: numa Escola Superior de

Enfermagem de Coimbra1, onde foi realizado um pedido de colaboração formal ao então

Presidente do Concelho Directivo (anexo 1), numa Escola de Formação Profissional, em

Coimbra2, onde foi realizado um pedido de colaboração informal à Presidente da Escola e, por

último, através de um sistema de rede de amigos e conhecidos que indicaram outros sujeitos

(na zona de Coimbra, Esposende, Vila do Conde, Évora, Viseu e Setúbal).

1 Escola Superior de Enfermagem Dr. Ângelo da Fonseca 2 ABC do Cabeleireiro e da Estética. Escola Profissional de Cabeleireiros e Estética, Lda.

53

2.2 Instrumentos

2.2.1 Instrumentos de recolha de dados relativos aos sujeitos

O primeiro contacto com os sujeitos foi realizado pessoal ou telefonicamente, servindo

para aferir dados como o sexo, a idade, a disponibilidade e interesse em participar no estudo e,

quando possível nesta primeira fase, para despistar a existência de psicopatologia prévia ou

actual, uma vez que esta constituiu um factor de exclusão de participação no estudo. O segundo

contacto foi efectuado em horário e local previamente combinado (em casa do participante, em

consultório do entrevistador ou em local público) onde o sujeito preencheu o Protocolo de

Participação Voluntária (anexo 2) e, posteriormente, a Ficha de Identificação e de Despiste de

Psicopatologia (anexo 3). Esta última, para além de integrar questões relativamente aos dados

demográficos e sócio-culturais do sujeito, inclui as seguintes questões de forma a complementar

o despiste da existência de perturbação emocional: a) Já recorreu a ajuda psicológica ou

psiquiátrica? b) Actualmente, encontra-se em acompanhamento psiquiátrico ou psicológico? c)

Actualmente está a fazer tratamento com medicação psiquiátrica?

Os sujeitos que, após o preenchimento da Ficha de Identificação e de Despiste de

Psicopatologia não corresponderem aos critérios definidos, não passaram à fase de

administração dos instrumentos ou, se o fizeram, os seus dados não foram incluídos no estudo.

Os sujeitos que revelaram critérios adequados ao estudo submeteram-se às tarefas de recolha

de narrativas, através dos dois instrumentos explicitados no ponto que se segue.

2.2.2 Instrumentos de recolha das narrativas

A recolha das narrativas dos sujeitos foi realizada através de duas tarefas, pela seguinte

ordem:

a) Indução de narrativa espontânea de questão única, sendo a narrativa áudio gravada na

presença do entrevistador. Este procedimento baseia-se no modelo de Entrevista de Elicitação de

Narrativas Autobiográficas proposto por O. Gonçalves e Henriques e composto por um total de

54

três questões (acontecimento de vida; acontecimento de vida positivo; acontecimento de vida

negativo). No presente estudo recorreu-se apenas à primeira questão, uma vez que não se

registaram diferenças nas características das narrativas associadas a acontecimentos positivos e

de narrativas de acontecimentos negativos.

A questão foi lida inicialmente pelo entrevistador e, posteriormente, facultada ao

entrevistado por escrito. Passamos a transcrever a questão:

Pedimos-lhe que procure recordar-se de um acontecimento da sua vida. Pode

ser um acontecimento qualquer. Tanto pode ser algo que aconteceu há pouco

tempo, como algo que já tenha acontecido há muito tempo. E tanto pode ser um

acontecimento que não gosta de recordar, como pode ser um que gosta de

recordar. É à sua escolha. Depois de o recordar, pedimos-lhe que o conte para o

gravador. Pode usar as palavras que quiser e levar o tempo que precisar.

b) Utilização do livro “Frog, where are you” (Mayer, 1979), constituído apenas por

imagens, para indução de narrativa de ficção.

Este instrumento, inicialmente usado por Bamberg (1986), tem sido utilizado em vários

estudos de competência linguística dada a multiplicidade de processos, conteúdos, e elementos

estruturais sugeridos pelas imagens. (e.g., Reilly, Bates, & Marchman, 1998). O livro “Frog,

where are you?”, de 24 páginas, refere-se à história de uma rapaz, um cão e um sapo e está

idealmente estruturado tendo em conta aquilo que as crianças e os adultos consideram ser uma

história. De acordo com Wigglestworth (1997) o número de imagens permite ao participante

envolver-se com a história, não sendo extenso a ponto de provocar cansaço e aborrecimento.

A sequência do procedimento utilizado obedeceu à seguinte instrução: “gostaria que

folheasse o livro, visualizando todas as figuras. Quando terminar, conte a história do livro, à

medida que visualiza de novo as imagens”.

2.2.3 Instrumentos de análise das narrativas

Com vista à análise das narrativas posteriormente transcritas, foram usados os seguintes

sistemas de codificação:

55

- Sistema de Codificação da Coerência Estrutural Narrativa (Gonçalves, Henriques &

Cardoso 2001; 2006).

Este sistema de Codificação baseia-se no modelo de estrutura narrativa de Labov &

Walesky (1967) e inspirado na formulação de Baerger e McAdam’s (1999) de avaliação da

coerência de histórias de vida. Estudos anteriores relataram níveis elevados de fidelidade inter-

observadores (i.e., 96%) e de consistência interna (valores Alpha entre.79 e.92) (Gonçalves,

Henriques, Alves e Soares, 2002). A avaliação da Estrutura e Coerência Narrativa será feita

relativamente a quatro Parâmetros ou Sub-dimensões: Orientação, Sequência Estrutural,

Comprometimento Avaliativo e Integração, descritas anteriormente no enquadramento teórico.

- Sistema de Codificação da Complexidade do Processo Narrativo (Gonçalves, Henriques,

Alves & Rocha, 2001, 2006).

Este sistema de codificação, inspirado na proposta de Lynne Angus e colaboradores

(1996), permite a avaliação do grau de complexidade do Processo narrativo através da cotação

da diversidade da experiência sensorial, da complexidade dos estados subjectivos (emocionais e

cognitivos) e da multiplicidade dos significados revelados pelo sujeito ao produzir as suas

narrativas. Para tal, a avaliação é igualmente feita nos quatro Parâmetros anteriormente

descritos: Objectivação, Subjectivação Emocional, Subjectivação Cognitiva e Metaforização. Para

este instrumento encontraram-se elevados níveis de fidelidade inter-observadores (i.e., 89%) e de

consistência interna (valores de Alpha entre .66 e .87) (Gonçalves, Henriques, Alves e Soares,

2002).

- Sistema de Codificação da Diversidade do Conteúdo Narrativo (Gonçalves, Henriques,

Soares & Monteiro, 2001, 2006)

Este sistema de codificação procura avaliar a diversidade do Conteúdo narrativo, sendo

operacionalizado através da cotação dos quatro parâmetros que constituem o Conteúdo e

diversidade narrativa e descritos no enquadramento teórico da presente investigação: diversidade

de Personagens, diversidade de Cenários, diversidade de Acontecimentos e diversidade de

Temas. A escala apresenta bons níveis de fidelidade inter-observadores (i.e., 94%) e de

consistência interna (valores de Alpha entre .86 e .90) (Gonçalves, Henriques, Alves e Soares,

2002).

56

Os Sistemas de Codificação das Narrativas apresentados são cotados de acordo com um

conjunto de critérios comuns, mediante seis leituras de cada narrativa a cotar. A primeira leitura

visa estabelecer um contacto inicial global com o discurso do sujeito, avaliando-se, na segunda

leitura, a existência ou não de uma narrativa, de acordo com o critério proposto por Labov &

Waletsky (1967) que postula a ligação de duas unidades de discurso no tempo. As quatro

restantes leituras têm como objectivo a codificação dos quatro parâmetros de cada uma das

Dimensões de análise, de acordo com o grau de presença na narrativa em causa, avaliado

através de uma escala de Likert de cinco pontos: 1 – nada ou muito pouco; 2 – pouco; 3 –

moderado; 4 – elevado; 5 – muito elevado. Este sistema de avaliação permite ainda um score

global, (que varia entre 0 e 80) como resultado da soma de cada um dos índices para os

respectivos desvios.

2.3 Procedimentos

Os participantes no estudo procederam a duas tarefas de elicitação de narrativas (uma de

narrativa autobiográfica e outra de narrativa de ficção), tal como explicitado anteriormente. Os

entrevistadores neste processo foram quatro licenciados em psicologia, treinados para

procederem à recolha de dados de identificação, à indução das duas tarefas de recolha das

narrativas e à posterior transcrição das mesmas. As histórias narradas foram áudio gravadas,

transcritas (todas as narrativas e transcrições correspondentes foram revistas pela autora do

estudo de forma a uniformizar o mais possível os critérios de transcrição) e posteriormente

codificadas e analisadas nas três dimensões narrativas Estrutura e Coerência narrativa, Processo

e Complexidade narrativa e Conteúdo e Diversidade narrativa. Os Juízes responsáveis pela

codificação das narrativas foram constituídos por nove psicólogos treinados no uso dos sistemas

de codificação referidos e ingénuos quanto aos dados de identificação dos sujeitos (sexo, idade e

nível sócio-cultural). Os Juízes foram distribuídos da seguinte forma: 2 pares para a cotação do

Processo narrativo; 2 pares para a cotação da Estrutura narrativa e 1 par para a cotação do

Conteúdo narrativo. O cálculo do acordo inter-observadores foi efectuado sobre as narrativas

cotadas por cada par, através do cálculo do coeficiente de correlação intra-classes para variáveis

ordinais (Everitt & Hay, 1992). Os valores de acordo obtidos fixaram-se entre os 70% e os 100%

para as Sub-dimensões analisadas.

57

3. Apresentação dos Resultados

Os resultados obtidos na presente investigação serão sujeitos a uma análise intra-amostra

e, posteriormente, a uma análise inter-amostras, onde serão comparados com os resultados

obtidos em outras investigações já referenciadas no capítulo anterior.

Assim, a apresentação dos resultados será realizada em três grandes momentos distintos:

1) Caracterização e comparação das narrativas autobiográficas e das narrativas de ficção

da amostra estudada.

Neste primeiro momento, iniciaremos pelo estudo dos perfis das narrativas

autobiográficas, seguido do estudo dos perfis das narrativas de ficção, sendo que a apresentação

de ambos obedece à seguinte ordem: apresentação das Notas Globais da Estrutura, Processo e

Conteúdo, seguida da análise das respectivas Sub-dimensões. Posteriormente, os resultados das

narrativas autobiográficas e das narrativas de ficção serão comparados entre si pela mesma

ordem: análise das Notas Globais, seguida da análise das notas das Sub-dimensões.

2) Comparação dos resultados das narrativas autobiográficas da amostra normativa de

adultos, recolhida na presente investigação, com os resultados das narrativas autobiográficas de

amostras clínicas (amostra de sujeitos diagnosticados com agorafobia e amostra de sujeitos

diagnosticados como dependentes de opiáceos), recolhidas em dois estudos anteriores.

Esta análise será apresentada da seguinte forma: comparação das Notas Globais e das

notas das Sub-dimensões da amostra normativa com os respectivos resultados da amostra

clínica (resultados dos pacientes com agorafobia e dos pacientes com dependência de opiáceos,

como um todo); comparação das Notas Globais e das respectivas Sub-dimensões entre a

amostra normativa, a amostra de pacientes com agorafobia e a amostra de pacientes

dependentes de opiáceos.

3) Comparação das médias das Notas Globais obtidas nas narrativas de ficção recolhidas

na presente investigação, com as médias das Notas Globais das narrativas de ficção de uma

amostra normativa de crianças com idades compreendidas entre os 3 e os 10 anos e outra de

58

adolescentes com idades compreendidas entre os 11 e os 18 anos, recolhidas em investigação

anteriores.

A apresentação destes resultados será iniciada pela comparação dos resultados de cada

uma das Etapas de Desenvolvimento (3-10, 11-18 e 25-45 anos de idade). Posteriormente,

serão tidos em conta os resultados dos distintos Grupos Etários existentes dentro de cada uma

dessas fases (para as crianças: 3-4, 6-7 e 9-10 anos de idade; para os adolescentes: 11-12, 14-

15 e 17-18 anos de idade; para ao adultos: 20-25, 26-30 e 35-45 anos de idade), mas apenas

para ilustrar a tendência evolutiva da produção narrativa, uma vez que o número de sujeitos das

amostras não é suficiente para realizar análises estatísticas válidas com tantos sub-grupos de

sujeitos.

3.1 Caracterização e comparação das narrativas autobiográficas e das

narrativas de ficção da amostra normativa de adultos

3.1.1 Caracterização dos perfis das narrativas autobiográficas

a) Apresentação das Notas Globais da Estrutura, do Processo e do Conteúdo

A tabela 2 apresenta as medidas descritivas (médias e desvios-padrão) das Notas Globais

das narrativas autobiográficas, igualmente ilustradas na figura 1. Verificamos que a média mais

elevada corresponde à Estrutura (M = 52,27; DP = 14,30), seguida do Conteúdo (M = 37,97; DP

= 19,32) e do Processo (M = 21,81; DP = 14,11).

Tabela 2. Médias, desvios-padrão e teste T das notas globais das narrativas autobiográficas. Estrutura Processo Conteúdo

Máximo

Mínimo

Média

Desvio-padrão

80

12

52,27

14,30

64

0

21,81

14,11

74

0

37,97

19,32

Pares t

Estrutura/Processo

Estrutura/Conteúdo

Processo/Conteúdo

21,32***

8,95***

-9,19***

*** p < .001

59

52,27

21,81

37,97

0

5

10

15

20

25

30

35

40

45

50

55

60

65

70

75

80

Estrutura Processo Conteúdo

Figura 1. Médias e desvios-padrão das notas globais da estrutura, processo e conteúdo das narrativas

autobiográficas.

Para comparar as Notas Globais entre si, foi usado um Teste T e encontraram-se

diferenças estatisticamente significativas entre os três pares de Dimensões Estrutura/Processo (t

= 21,32, p < 0,001), Estrutura/Conteúdo (t = 8,95, p < 0,001), Processo/Conteúdo (t = -9,19,

p < 0,001).

b) Apresentação da Notas das Sub-dimensões da Estrutura

No que respeita à Estrutura e Coerência narrativa, a tabela 3 apresenta, para cada uma

das Sub-dimensões, as médias e os desvios-padrão, igualmente ilustrados na figura 2.

Apresenta, ainda, os valores encontrados no teste de Friedman.

60

Tabela 3. Médias, desvios-padrão e teste de Friedman das sub-dimensões da estrutura das narrativas autobiográficas.

Orientação Sequência

Estrutural

Comprometimento

Avaliativo

Integração

Média

Desvio-padrão

3,74

0,87

3,57

0,96

3,67

0,94

3,73

0,97

X2

5,28 n.s.

n.s. = não significativa

3,743,57

3,67 3,73

0

0,5

1

1,5

2

2,5

3

3,5

4

4,5

5

Orientação Seq. Estrutural Comp. Av. Integração

Figura 2. Médias e desvios-padrão das notas das sub-dimensões da estrutura: orientação, sequência estrutural,

comprometimento avaliativo e integração das narrativas autobiográficas.

Constata-se que, em todos os parâmetros ou Sub-dimensões, as médias atribuídas às

narrativas se encontram acima do valor moderado. A média mais elevada encontra-se na

Orientação (M = 3,74; DP = 0.87), seguida da média da Integração com valores muito

aproximados (M = 3.73; DP = 0.97); em terceiro encontra-se o Comprometimento Avaliativo (M

= 3,67; DP = 0,94) e, por fim, a Sequência Estrutural (M = 3,57; DP = 0,96).

A fim de analisar a existência de diferenças significativas entre as Sub-dimensões, foi

usado um teste de Friedman, revelador da não existência de diferenças significativas.

61

c) Apresentação das Notas das Sub-dimensões do Processo

No que respeita ao Processo e Complexidade narrativa, a tabela 4 apresenta, para cada

uma das Sub-dimensões, as médias e os desvios-padrão, igualmente ilustradas na figura 3.

Verificamos que, em todos os parâmetros, as médias atribuídas às narrativas encontram-

se abaixo do nível moderado. A Objectivação é o parâmetro com média mais elevada (M = 2,65;

DP = 0,96), seguindo-se a Subjectivação Cognitiva (M = 2,11; DP = 0,99), a Metaforização (M =

1,73 DP = 1,05) e, finalmente, a Subjectivação Emocional com o valor médio mais baixo (M =

1,63; DP =0,90).

Tabela 4. Médias, desvios-padrão, teste de Friedman e teste de Wilcoxon das sub-dimensões do processo das narrativas autobiográficas.

Objectivação Subjectivação

Emocional

Subjectivação

Cognitiva

Metaforização

Média

Desvio-padrão

2,65

0,96

1,63

0,90

2,11

0,99

1,73

1,05

Wilcoxon

Friedman

Obj.

S. Em.

Obj.

S. Cog.

Obj.

Metaf.

S. Em.

S. Cog.

S. Em.

Metaf.

S. Cog.

Metaf.

X2

107,99***

Z

-7,72***

-4,84***

-6,32***

-4,66***

-0,77n.s.

-4,74***

**p < .008; ***p < .001; n.s. = não significativa Nota: no teste de Wilcoxon, o valor a partir do qual se considera a existência de diferença significativa é p < .008 uma vez que se realizou a correcção de Bonferroni.

62

2,65

1,63

2,11

1,73

0

0,5

1

1,5

2

2,5

3

3,5

4

4,5

5

Objectivação Sub Emocional Sub Cognitiva Metaforização

Figura 3. Médias e desvios-padrão das notas das sub-dimensões do processo: objectivação, subjectivação

emocional, subjectivação cognitiva e metaforização das narrativas autobiográficas.

Na tabela 4 encontram-se, igualmente, os resultados obtidos no teste de Friedman, que

demonstram existirem diferenças significativas entre as médias das Sub-dimensões do Processo

(X2(2) = 107,99; p < 0,001), seguidos dos resultados do Teste de Wilcoxon para determinar em

que pares das Sub-dimensões se localizam as diferenças encontradas. Encontramos diferenças

significativas entre todos os pares: Objectivação e Subjectivação Emocional (z = -7,72; p <

0,001), Objectivação e Subjectivação Cognitiva (z = -4,84; p < 0,001), Objectivação e

Metaforização (z = -6,32; p < 0,001), Subjectivação Emocional e Subjectivação Cognitiva (z = -

4,66; p < 0,001) e Subjectivação Cognitiva e Metaforização (z = -4,74; p < 0,001), com

excepção do par Subjectivação Emocional e Metaforização cujas diferenças não se revelam

significativas.

d) Apresentação das Notas da Sub-dimensões do Conteúdo

No que respeita ao Conteúdo e Complexidade narrativa, a tabela 5 apresenta, para cada

uma das Sub-dimensões, as médias e os desvios-padrão, igualmente ilustradas na figura 4.

Podemos observar que as médias atribuídas às narrativas das Sub-dimensões do

Conteúdo se encontram dispostas pela seguinte ordem decrescente: Personagens (M = 3,52; DP

63

= 1,25), Acções (M = 3,24; DP = 1,42), Cenários (M = 2,87; DP = 1,57) e Temas com o valor

médio mais baixo (M = 1,83; DP = 0,76).

Tabela 5. Médias, desvios-padrão, teste de Friedman e teste de Wilcoxon das sub-dimensões do conteúdo das narrativas autobiográficas.

Personagens Cenários Acções Temas

Média

Desvio-padrão

3,52

1,25

2,87

1,57

3,24

1,42

1,83

0,76

Wilcoxon

Friedman

Person.

Cenários

Person.

Acções

Pers.

Temas

Cenários

Acções

Cenários

Temas

Acções

Temas

X2

158,03***

Z

-4,30***

-2,02 n.s.

-9,00***

-2,87**

-7,11***

-8,78***

**p < .008; ***p < .001; n.s. = não significativa Nota: no teste de Wilcoxon, o valor a partir do qual se considera a existência de diferença significativa é p < .008 uma vez que se realizou a correcção de Bonferroni.

3,52

2,87

3,24

1,83

0

0,5

1

1,5

2

2,5

3

3,5

4

4,5

5

Personagens Cenários Acções Temas

Figura 4. Médias e desvios-padrão das notas das sub-dimensões do conteúdo: personagens, cenários, acções e

temas das narrativas autobiográficas.

Na tabela 5 observamos os resultados do Teste de Friedman que revelam a existência de

diferenças significativas entre as médias das Sub-dimensões do Conteúdo (X2(3) = 158,03; p <

64

0,001). Os resultados do Teste de Wilcoxon determinam a existência de diferenças significativas

entre todos os pares, à excepção do par Personagens e Acções: Personagens e Cenários (z = -

4,30; p < 0,001), Personagens e Temas (z = -9,00; p < 0,001); Cenários e Acções (z = -2,87; p

< 0,008); Cenários e Temas (z = -7,11; p < 0,001) e Acções e Temas (z = -8,78; p < 0,001).

3.2.1 Caracterização dos perfis das narrativas de ficção

a) Apresentação das Notas Globais da Estrutura, Processo e Conteúdo

A tabela 6 apresenta as medidas descritivas (médias e desvios-padrão) relativas às Notas

Globais das narrativas de ficção, igualmente ilustradas na figura 5, revelando uma média mais

elevada ao nível da Estrutura (M = 54,94; DP = 13,64), seguida do Conteúdo (M = 37,57; DP =

14,49) e do Processo (M = 22,75; DP =12,99). Apresenta, ainda, os resultados do teste T para

determinar as diferenças existentes entre as Notas Globais das narrativas de ficção.

Tabela 6. Médias, desvios-padrão e teste T das notas globais das narrativas de ficção. Estrutura Processo Conteúdo

Máximo

Mínimo

Média

Desvio-padrão

80

6

54,94

13,64

74

0

22,75

12,99

74

0

37,57

14,49

Pares t

Estrutura/Processo

Estrutura/Conteúdo

Processo/Conteúdo

29,12***

15,77***

-12,43***

*p < .05; **p < .01; ***p < .001; n.s. = não significativa

65

54,94

22,75

37,57

0

5

10

15

20

25

30

35

40

45

50

55

60

65

70

75

80

Estrutura Processo Conteúdo

Figura 5. Médias e desvios-padrão das notas globais da estrutura, processo e conteúdo das narrativas de ficção.

O Teste T revela a existência de diferenças estatisticamente significativas entre os três

pares das notas Globais: Estrutura/Processo (t = 29,12; p < 0,001), Estrutura/Conteúdo (t =

15,77; p < 0,001) e Processo/Conteúdo (t = -12,43; p < 0,001).

b) Apresentação da Notas das Sub-dimensões da Estrutura

As médias e desvios-padrão das notas obtidas para as sub-dimensões da Estrutura e

coerência narrativa encontram-se descritos na tabela 7 e ilustradas na figura 6.

Verificamos que, em todos os parâmetros, as médias atribuídas às narrativas se

encontram entre o valor moderado e elevado. A média mais elevada corresponde à Integração

(M = 4,03; DP = 0,87), seguida, com valores muito aproximados, da média da Orientação (M =

3,90; DP = 0.77). Em seguida e também com valores muito aproximados entre si, encontram-se

o Comprometimento Avaliativo (M = 3,70; DP = 0,91) e a Sequência Estrutural (M = 3,69; DP =

0,82).

66

Tabela 7. Médias e desvios-padrão das sub-dimensões da estrutura das narrativas de ficção. Orientação Sequência

Estrutural

Comprometimento

Avaliativo

Integração

Média

Desvio-padrão

3,90

0,77

3,69

0,82

3,70

0,91

4,03

0,87

Wilcoxon

Friedman

Orient.

S. Estrt.

Orient.

C. Aval.

Orient.

Integ.

S. Estrt.

C. Aval.

S. Estrt.

Integ.

C. Aval.

Integ.

X2

33,50***

Z

-3,41**

-3,20**

-2,10n.s.

-0,14n.s.

-4,51***

-4,05***

**p < .008; ***p < .001; n.s. = não significativa Nota: no teste de Wilcoxon, o valor a partir do qual se considera a existência de diferença significativa é p < .008 uma vez que se realizou a correcção de Bonferroni.

3,9

3,69 3,7

4,03

0

0,5

1

1,5

2

2,5

3

3,5

4

4,5

5

Orientação Seq. Estrutural Comp. Av. Integração

Figura 6. Médias e desvios-padrão das notas das sub-dimensões da estrutura: orientação, sequência estrutural,

comprometimento avaliativo e integração das narrativas de ficção.

Na tabela 7 encontram-se os resultados do Teste de Friedman, revelando existirem

diferenças significativas entre as médias das Sub-dimensões da Estrutura das narrativas de

ficção (X2(3) = 33,50; p < 0,001) e os resultados do Teste de Wilcoxon, cujos valores

determinam existirem diferenças significativas em quatro pares de Sub-dimensões: Orientação e

67

Sequência Estrutural (z = -3,41; p < 0,008), Orientação e Comprometimento Avaliativo (z = -

3,20; p < 0,008), Sequência Estrutural e Integração (z = -4,51; p < 0,001) e Comprometimento

Avaliativo e Integração (z = -4,05; p < 0,001).

c) Apresentação das Notas das Sub-dimensões do Processo

No que respeita ao Processo e Complexidade das narrativas de ficção, a tabela 8 e a figura

7 apresentam, para cada uma das Sub-dimensões, as médias e os desvios-padrão.

Com excepção da média da Objectivação (M = 3,29; DP = 0,86) que se encontra dentro

do valor moderado, todas as restantes Sub-dimensões se encontram abaixo do nível moderado,

pela seguinte ordem decrescente: Subjectivação Emocional (M = 2,07; DP = 1,07),

Subjectivação Cognitiva (M =1,76; DP =0,83) e Metaforização (M = 1,23 DP =0,62).

Tabela 8. Médias, desvios-padrão, teste de Friedman e teste de Wilcoxon das sub-dimensões do processo das narrativas de ficção.

Objectivação Subjectivação

Emocional

Subjectivação

Cognitiva

Metaforização

Média

Desvio-padrão

3,29

0,86

2,07

1,07

1,76

0,83

1,23

0,62

Wilcoxon

Friedman

Obj.

S. Em.

Obj.

S. Cog.

Obj.

Metaf.

S. Em.

S. Cog.

S. Em.

Metaf.

S. Cog.

Metaf.

X2

248,82***

Z

-8,61***

-9,35***

-9,65***

-3,23***

-6,64***

-6,61***

**p < .008; ***p < .001; n.s. = não significativa Nota: no teste de Wilcoxon, o valor a partir do qual se considera a existência de diferença significativa é p < .008 uma vez que se realizou a correcção de Bonferroni.

68

3,29

2,07

1,76

1,23

0

0,5

1

1,5

2

2,5

3

3,5

4

4,5

5

Objectivação Sub Emocional Sub Cognitiva Metaforização

Figura 7. Médias e desvios-padrão das notas das sub-dimensões do processo: objectivação, subjectivação

emocional, subjectivação cognitiva e metaforização, das narrativas de ficção.

Na tabela 8 encontram-se descritos os resultados dos testes de significância realizados

para comparar as Sub-dimensões do Processo nas narrativas de ficção. De acordo com o Teste

de Friedman, encontram-se diferenças significativa entre as Sub-dimensões do Processo (X2 (3) =

248,82; p < 0,001) e, de acordo com o teste de Wilcoxon, encontram-se diferenças significativas

entre todos os pares de Sub-dimensões: Objectivação e Subjectivação Emocional (z = -8,61; p <

0,001), Objectivação e Subjectivação Cognitiva (z = -9,35; p < 0,001), Objectivação e

Metaforização (z = -9,65; p < 0,001), Subjectivação Emocional e Subjectivação Cognitiva (z = -

3,23; p < 0,001), Subjectivação Emocional e Metaforização (z = -6,64; p < 0,001) e

Subjectivação Cognitiva e Metaforização (z = -6,61; p < 0,001).

d) Apresentação das Notas das Sub-dimensões do Conteúdo

No que respeita ao Conteúdo e Complexidade narrativa, a tabela 9 e a figura 8

apresentam, para cada uma das Sub-dimensões, as médias e os desvios-padrão.

As médias atribuídas às narrativas em todas as Sub-dimensões do Conteúdo encontram-se

dentro dos valores moderados, à excepção dos Temas que apresentam o valor médio mais baixo

(M = 1,94; DP = 0,60). As restantes três Sub-dimensões revelam uma média muito aproximada,

69

encontrando-se o valor mais elevado nas Acções (M = 3,17; DP = 0,94), seguido dos Cenários

(M = 3,13; DP = 1,08) e das Personagens (M = 3,12; DP = 1,04).

Tabela 9. Médias, desvios-padrão, teste de Friedman e teste de Wilcoxon das sub-dimensões do conteúdo das narrativas de ficção.

Personagens Cenários Acções Temas

Média

Desvio-padrão

3,12

1,04

3,13

1,08

3,17

0,94

1,94

0,60

Wilcoxon

Friedman

Personagens

Cenários

Personagens

Acções

Personagens

Temas

Cenários

Acções

Cenários

Temas

Acções

Temas

Z 208,21***

Z

-0,25 n.s.

-0,53 n.s

-8,96***

-0,27 n.s.

-9,00***

-9,40***

**p < .008; ***p < .001; n.s. = não significativa Nota: no teste de Wilcoxon, o valor a partir do qual se considera a existência de diferença significativa é p < .008 uma vez que se realizou a correcção de Bonferroni.

3,12 3,13 3,17

1,94

0

0,5

1

1,5

2

2,5

3

3,5

4

4,5

5

Personagens Cenários Acções Temas

Figura 8. Médias e desvios-padrão das notas das sub-dimensões do conteúdo: personagens, cenários, acções e

temas das narrativas de ficção

70

Na tabela 9 observamos os resultados do Teste Friedman que revelam a existência de

diferenças significativas entre as médias das Sub-dimensões do Conteúdo (X2(3) = 208,21; p <

0,001), bem como os resultados do Teste de Wilcoxon, através dos quais identificamos que

essas diferenças se aplicam apenas quando comparamos cada um dos parâmetros com os

temas: Personagens e Temas (z = -8,96; p < 0,001); Cenários e Temas (z = -9,00; p < 0,001) e

Acções e Temas (z = -9,40; p < 0,001).

3.1.3 Comparação dos perfis das narrativas autobiográficas com os perfis

das narrativas de ficção

a) Comparação das Notas Globais da Estrutura, do Processo e do Conteúdo entre as

narrativas autobiográficas e as narrativas de ficção

52,27

21,81

37,97

54,94

22,75

37,57

0

5

10

15

20

25

30

35

40

45

50

55

60

65

70

75

80

Estrutura Processo Conteúdo

Média Nr. AutobiográficasMédia Nr. Ficção

Figura 9. Médias das notas globais: estrutura, processo e conteúdo das narrativas autobiográficas e das narrativas

de ficção

De acordo com a Figura 9, verificamos que as médias das narrativas autobiográficas se

apresentam ligeiramente abaixo das médias das narrativas de ficção nas Dimensões Estrutura

(M = 52,27; M = 54,94; narrativas autobiográficas e de ficção, respectivamente) e Processo (M

71

= 21,81; M = 22,75, narrativas autobiográficas e de ficção, respectivamente). A excepção

encontra-se no Conteúdo cuja média das narrativas autobiográficas se encontra ligeiramente

acima da média das narrativas de ficção (M = 37,97; M =37,57, narrativas autobiográficas e de

ficção, respectivamente). Apesar das diferenças, os resultados do Teste T revelam não existirem

diferenças significativas entre as Notas Globais das narrativas autobiográficas e das narrativas de

ficção, como podemos verificar na tabela 10.

Tabela 10. Teste T para as notas globais das narrativas autobiográficas e das narrativas de ficção. Dimensões t

Estrutura

Processo

Conteúdo

- 1,77 n.s.

-0,69 n.s.

3,84 n.s

n.s. = não signifcativo

b) Comparação das Notas das Sub-dimensões da Estrutura entre as narrativas

autobiográficas e as narrativas de ficção

A figura 10 dá-nos conta das médias das Sub-dimensões da Estrutura das narrativas

autobiográficas em contraste com as médias das correspondentes Sub-dimensões das narrativas

de ficção (já apresentadas separadamente nas tabelas 3 e 7, respectivamente).

Podemos verificar que, em todas as Sub-dimensões, as médias das narrativas

autobiográficas se encontram ligeiramente abaixo das médias das narrativas de ficção:

Orientação (M = 3,74; M = 3,90, narrativas autobiográficas e de ficção, respectivamente),

Sequência Estrutural (M = 3,57; M = 3,69, narrativas autobiográficas e de ficção,

respectivamente), Comprometimento Avaliativo (M = 3,67; M = 3,70, narrativas autobiográficas

e de ficção, respectivamente) e Integração (M = 3,73; M = 4,03, narrativas autobiográficas e de

ficção, respectivamente).

72

3,743,57

3,67 3,733,9

3,69 3,7

4,03

1

1,5

2

2,5

3

3,5

4

4,5

5

Orientação Seq. Estrutural Comp. Av. Integração

Média Nr. AutobiográficasMédia Nr. Ficção

Figura 10. Médias das notas das sub-dimensões da estrutura: orientação, sequência estrutural,

comprometimento avaliativo e integração das narrativas autobiográficas e das narrativas de ficção As setas representam os pares onde foram encontradas diferenças significativas.

Através de um Teste de Friedman, cujos resultados se encontram apresentados na tabela

11, verificou-se a existência de diferenças significativas entre os pares das Sub-dimensões da

Estrutura das narrativas autobiográficas com as correspondentes Sub-dimensões da Estrutura

das narrativas de ficção (X2(7) = 33,85; p < 0,001). Os resultados do Teste de Wilcoxon,

representados na mesma tabela, permitem discriminar em quais dos pares de Sub-dimensões

se revelaram diferenças significativas, verificando-se que a diferença se regista apenas ao nível

da Integração (z = -2,63; p < 0,008).

Tabela 11. Teste de Friedman e Teste de Wilcoxon das notas das sub-dimensões da estrutura das narrativas autobiográficas e das narrativas de ficção.

Wilcoxon

Friedman Orientação Sq. Estrutural Comp. Avaliativo Integração

X2 33,85***

Z

-1,79 n.s.

-1,17 n.s.

-0,57 n.s

-2,63**

**p < .008; ***p < .001; n.s. = não significativa Nota: no teste de Wilcoxon, o valor a partir do qual se considera a existência de diferença significativa é p < .013 uma vez que se realizou a correcção de Bonferroni.

73

c) Comparação das Notas das Sub-dimensões do Processo entre as narrativas

autobiográficas e as narrativas de ficção

2,65

1,63

2,11

1,73

3,29

2,07

1,76

1,23

1

1,5

2

2,5

3

3,5

4

4,5

5

Objectivação Sub Emocional Sub Cognitiva Metaforização

Média Nr. AutobiográficasMédia Nr. Ficção

Figura 11. Médias das notas das sub-dimensões do processo: objectivação, subjectivação emocional,

subjectivação cognitiva e metaforização das narrativas autobiográficas e das narrativas de ficção. As setas representam os pares onde foram encontradas diferenças significativas.

As médias das Sub-dimensões do Processo das narrativas autobiográficas e das narrativas

de ficção encontram-se já descritas nas tabelas 4 e 8, respectivamente. Observando agora a

figura 11, verificamos que em duas Sub-dimensões do Processo, as notas das narrativas

autobiográficas se encontram abaixo das notas das narrativas de ficção, nomeadamente a

Objectivação (M = 2,65; M = 3,29, narrativas autobiográficas e de ficção, respectivamente) e a

Subjectivação Emocional (M = 1,63; M = 2,07, narrativas autobiográficas e de ficção,

respectivamente). Para as restantes Sub-dimensões a relação inverte-se, sendo que as notas das

narrativas autobiográficas se encontram acima das notas das narrativas de ficção: Subjectivação

Cognitiva (M = 2,11; M = 1,76, narrativas autobiográficas e de ficção, respectivamente) e

Metaforização (M = 1,73; M = 1,23, narrativas autobiográficas e de ficção, respectivamente).

Os resultados apresentados na tabela 12 revelam, de acordo com o Teste de Friedman, a

existência de diferenças significativas ao nível das Sub-dimensões da Estrutura entre as

74

narrativas autobiográficas e as narrativas de ficção (X2(7) = 381,81; p < 0,001) e, de acordo com

o Teste de Wilcoxon, que tais diferenças se manifestam ao nível das quatro Sub-dimensões:

Objectivação (z = -6,04; p < 0,001), Subjectivação Emocional (z = -3,53; p < 0,001),

Subjectivação Cognitiva (z = -3,85; p < 0,001) e Metaforização (z = -4,70; p < 0,001).

Tabela 12. Teste de Friedman e teste de Wilcoxon das notas das sub-dimensões do processo das narrativas autobiográficas e das narrativas de ficção.

Wilcoxon

Friedman

Objectivação Sub. Emocional

Sub. Cognitiva Metaforização

X2 381,81***

Z

-6,04***

-3,53***

-3,85***

-4,70***

**p < .008; ***p < .001; n.s. = não significativa Nota: no teste de Wilcoxon, o valor a partir do qual se considera a existência de diferença significativa é p < .013 uma vez que se realizou a correcção de Bonferroni.

d) Comparação da Notas da Sub-dimensões do Conteúdo entre as narrativas

autobiográficas e as narrativas de ficção

As médias das Sub-dimensões do Conteúdo das narrativas autobiográficas e das narrativas

de ficção encontram-se já descritas nas tabelas 5 e 9, respectivamente. Através da figura 12

verifica-se que em duas das Sub-dimensões, as notas das narrativas autobiográficas se

encontram acima das notas das narrativas de ficção, nomeadamente nas Personagens (M =

3,52; M = 3,12, narrativas autobiográficas e de ficção respectivamente) e nas Acções (M = 3,24;

M = 3,17, narrativas autobiográficas e de ficção, respectivamente), situação que se inverte para

os Cenários (M = 2,87; M = 3,13, narrativas autobiográficas e de ficção, respectivamente) e para

os Temas (M = 1,83; M = 1,94, narrativas autobiográficas e de ficção, respectivamente).

75

3,52

2,87

3,24

1,83

3,12 3,13 3,17

1,94

1

1,5

2

2,5

3

3,5

4

4,5

5

Personagens Cenários Acções Temas

Média Nr. Autobiográficas

Média Nr. Ficção

Figura 12. Médias das notas das sub-dimensões do conteúdo: personagens, cenários, acções e temas das

narrativas autobiográficas e das narrativas de ficção As setas representam os pares onde foram encontradas diferenças significativas.

A tabela 13 dá-nos conta dos resultados obtidos no Teste de Friedman, reveladores da

existência de diferenças significativas ao nível das Sub-dimensões do Conteúdo das narrativas

autobiográficas quando comparadas com as respectivas Sub-dimensões das narrativas de ficção

(X2 (7) = 317,73; p < 0,001), bem como dos resultados do Teste de Wilcoxon que revelam que

tais diferenças se manifestam exclusivamente ao nível da Sub-dimensão Personagens (z = -

3,20; p < 0,008).

Tabela 13. Teste de Friedman e teste de Wilcoxon para as notas das sub-dimensões do conteúdo das narrativas autobiográficas e das narrativas de ficção

Wilcoxon

Friedman

Personagens

Cenários Acções Temas

X2 317,73***

Z

-3,20**

-1,66 n.s.

-0,63 n.s.

-1,77 n.s.

**p < .008; ***p < .001; n.s. = não significativa Nota: no teste de Wilcoxon, o valor a partir do qual se considera a existência de diferença significativa é p < .013 uma vez que se realizou a correcção de Bonferroni.

76

3.2 Comparação das narrativas autobiográficas da amostra normativa com as

narrativas autobiográficas das amostras clínicas

3.2.1 Comparação da amostra normativa com a amostra clínica

Iremos agora proceder à análise comparativa dos resultados das narrativas autobiográficas

dos adultos entrevistados para a presente investigação, com os resultados das narrativas

autobiográficas de dois estudos com sujeitos com diagnósticos de perturbação psicológica,

agorafobia e dependência de opiáceos, respectivamente.

Como já referimos, os dados da nossa amostra correspondem a um total de 126 sujeitos,

distribuídos por 63 mulheres (50%) e 63 homens (50%), com idades compreendidas entre os 20

e os 45 anos (M = 29,75; D.P = 6,75) e sem diagnóstico de perturbação psicológica prévio ou

actual. O número da amostra dos estudos com sujeitos diagnosticados com agorafobia

(Gonçalves, Henriques & col., 2002) e com sujeitos diagnosticados com dependência de

opiáceos (Gonçalves, Henriques, & col., 2003) é de 104 e de 67, respectivamente.

a) Comparação das Notas Globais da Estrutura, do Processo e do Conteúdo da amostra

normativa com as Notas Globais da amostra clínica

Tabela 14. Médias, desvios-padrão e Analise da Variância Multivariada (MANOVA) das notas globais das narrativas da amostra normativa e da amostra clínica.

Amostra Estrutura Processo Conteúdo

Normativa Média

Desvio-padrão

52,27

14,30

21,81

14,11

37,97

19,32

Média 38,04 16,89 23,48 Clínica

Desvio-padrão 14,72 14,20 13,89

F

61,77***

7,77**

47,99***

*p < .05; **p < .01; ***p < .001; n.s. = não significativa

77

52,27

21,81

37,9738,04

16,89

23,48

0

5

10

15

20

25

30

35

40

45

50

55

60

65

70

75

80

Estrutura Processo Conteúdo

Amostra NormativaAmostra Clínica

Figura 13. Médias das notas globais da estrutura, processo e conteúdo das narrativas da amostra normativa e da

amostra clínica. As setas representam os pares onde foram encontradas diferenças significativas.

Os resultados registados na tabela 14 e ilustrados na figura 13, revelam que as médias

das Notas Globais da amostra normativa se encontram acima da média das Notas Globais da

amostra clínica em todas as Dimensões: Estrutura (M = 52,27; M = 38,04, amostras normativa

e clínica, respectivamente); Processo (M = 21,81; M = 16,89, amostras normativa e clínica,

respectivamente) e Conteúdo (M = 37,97; M = 23,48, amostras normativa e clínica,

respectivamente). Tal como já verificámos anteriormente para a amostra normativa, as médias

das Notas Globais da amostra clínica, apresentam-se pela mesma ordem decrescente: Estrutura

(M = 38,04), Conteúdo (M = 23,48) e Processo (M = 16,89).

De forma a comparar as Notas Globais das narrativas da amostra normativa com as Notas

Globais das narrativas da amostra clínica utilizámos uma Análise da Variância Multivariada

(MANOVA), seguida do teste Wilks-Lambda para determinar as diferenças significativas entre as

amostras. Os resultados da Análise da Variância Multivariada (MANOVA) (Wilks Lambda = .77,

F(3,253) = 25,71; p < 0,001), revelam que existem diferenças significativas entre a amostra

normativa e a amostra clínica. De acordo com a tabela 14, podemos verificar que essas

diferenças são significativas para as três dimensões: Estrutura (F = 61,77; p < 0,001); Processo

(F = 7,77; p < 0,01) e Conteúdo (F = 47,99; p < 0,001).

78

b) Comparação das Notas das Sub-dimensões da Estrutura entre as narrativas da amostra

normativa e as narrativas da amostra clínica

Os resultados da tabela 15 e da figura 14 são reveladores de que a média das notas das

Sub-dimensões da Estrutura da amostra normativa se encontra acima da média das notas da

amostra clínica: Orientação (M = 3,74; M = 2,53, amostras normativa e clínica,

respectivamente); Sequência Estrutural (M = 3,57; M = 2,87, amostras normativa e clínica,

respectivamente), Comprometimento Avaliativo (M = 3,67; M = 3,46, amostras normativa e

clínica, respectivamente), Integração (M = 3,73; M = 3,03, amostras normativa e clínica,

respectivamente).

Tabela 15. Médias das sub-dimensões da estrutura da amostra normativa e da amostra clínica. Amostra Orientação Sequência

Estrutural

Comprometimento

Avaliativo

Integração

Normativa

Clínica

Média 3,74

2,53

3,57

2,87

3,67

3,46

3,73

3,03

3,743,57

3,67 3,73

2,53

2,87

3,46

3,03

1

1,5

2

2,5

3

3,5

4

4,5

5

Orientação Seq. Estrutural Comp. Av. Integração

Amostra NormativaAmostra Clínica

Figura 14. Médias das notas das sub-dimensões da estrutura: orientação, sequência estrutural,

comprometimento avaliativo e integração das narrativas da amostra normativa e da amostra clínica. As setas representam os pares onde foram encontradas diferenças significativas.

79

Tabela 16. Ordem média, teste de Kruskal-Wallis e teste de Mann-Whitney das notas das sub-dimensões da estrutura das narrativas da amostra normativa e da amostra clínica.

Kruskal-Wallis Mann-Whitney

Sub-dimensões Amostra Normativa

Ordem Média

Amostra Clínica

Ordem Média

X2(1)

Z

Orientação 167,56 91,92 40,96*** -8,424***

Seq. Estrutural 151,79 107,08 25,16*** -5,02***

Comp. Avaliativo 136,69 121,60 2,97n.s. -1,72n.s.

Integração 153,75 105,20 29,95*** -5,46***

*p < .05; **p < .01; ***p < .001; n.s. = não significativa

Os resultados do teste de Mann-Whitney descritos na tabela 16 relativamente às Sub-

dimensões da Estrutura para a amostra clínica e para a amostra normativa revelam a existência

de diferenças significativas ao nível da Orientação (Z = -8,424, p < 0,001), da Sequência

Estrutural (Z = -5,02, p <0,001) e da Integração (Z = -5,46, p < 0,001), apenas não se

encontrado diferenças significativas entre as amostras para o Comprometimento Avaliativo.

c) Comparação das Notas das Sub-dimensões do Processo entre as narrativas da amostra

normativa e as narrativas da amostra clínica

De acordo com os valores apresentados na tabela 17 e na figura 15, verificamos que em

duas das Sub-dimensões do Processo a amostra normativa se encontra acima da média da

amostra clínica, nomeadamente na Objectivação (M = 2,65; M = 1,72, amostras normativa e

clínica, respectivamente) e na Subjectivação Cognitiva (M = 2,11; M = 2,01, amostras normativa

e clínica, respectivamente). Verifica-se o inverso, isto é, uma média mais baixa na amostra

normativa relativamente à amostra clínica para a Subjectivação Emocional (M = 1,63; M = 1,73,

amostras normativa e clínica, respectivamente) e para a Metaforização (M = 1,73; M = 1,77,

amostras normativa e clínica, respectivamente).

80

Tabela 17. Médias das sub-dimensões do processo da amostra normativa e da amostra clínica. Amostra Objectivação Subjectivação

Emocional

Subjectivação

Cognitiva

Metaforização

Normativa

Clínica

Média 2,65

1,72

1,63

1,73

2,11

2,01

1,73

1,77

2,65

1,63

2,11

1,731,72 1,73

2,01

1,77

1

1,5

2

2,5

3

3,5

4

4,5

5

Objectivação Sub Emocional Sub Cognitiva Metaforização

Amostra NormativaAmostra Clínica

Figura 15. Médias das notas das sub-dimensões do processo: objectivação, subjectivação emocional,

subjectivação cognitiva e metaforização das narrativas da amostra normativa e da amostra clínica As setas representam os pares onde foram encontradas diferenças significativas

Tabela 18. Ordem Média, teste de Kruskal-Wallis e teste de Mann-Whitney das notas das sub-dimensões do processo das narrativas da amostra normativa e da amostra clínica.

Kruskal-Wallis Mann-Whitney

Amostra Não Clínica

Ordem Média

Amostra Clínica

Ordem Média

X2(1)

Z

Objectivação 163,78 95,55 59,38*** -7,71***

Sub. Emocional 126,50 131,40 0,35ns.. -0,59n.s.

Sub. Cognitiva 134,65 123,57 1,57n.s. -1,25n.s.

Metaforização 128,50 129,48 0,01n.s. -0,12n.s.

*p < .05; **p < .01; ***p < .001; n.s. = não significativa

81

Na tabela 18 encontram-se descritos os valores da ordem média obtida para as Sub-

dimensões do Processo tanto para a amostra normativa como para a amostra clínica e, ainda, a

sinalização das diferenças significativas encontradas entre ambas as amostra, para cada uma

das Sub-dimensões. De acordo com os referidos resultados podemos verificar a existência de

diferenças significativas apenas ao nível da Objectivação (Z = -7,71, p < 0,001).

d) Comparação das Notas das Sub-dimensões do Conteúdo entre as narrativas da amostra

normativa e as narrativas da amostra clínica

Os dados apresentados na tabela 19 e na figura 16 demonstram que, à excepção dos

Temas cuja média da amostra normativa se encontram ligeiramente abaixo da média da

amostra clínica (M = 1,83; M = 1,86, amostras normativa e clínica, respectivamente), todas as

outras Sub-dimensões apresentam uma média mais elevada para a amostra normativa quando

comparadas com a amostra clínica: Personagens (M = 3,52; M = 2,56, amostras normativa e

clínica, respectivamente), Cenários (M = 2,87; M = 1,78, amostras normativa e clínica,

respectivamente), Acções (M = 3,24, M = 2,27, amostras normativa e clínica, respectivamente).

Tabela 19. Médias das sub-dimensões do conteúdo da amostra normativa e da amostra clínica. Amostras Personagens Cenários Acções

Temas

Normativa

Clínica

Média 3,52

2,56

2,87

1,78

3,24

2,27

1,83

1,86

82

3,52

2,87

3,24

1,83

2,56

1,78

2,27

1,86

1

1,5

2

2,5

3

3,5

4

4,5

5

Personagens Cenários Acções Temas

Amostra NormativaAmostra Clínica

Figura 16. Médias das notas das sub-dimensões do conteúdo: personagens, cenários, acções e temas das

narrativas da amostra normativa e da amostra clínica. As setas representam os pares onde foram encontradas diferenças significativas.

Na tabela 20 encontramos os valores da ordem média obtida para as Sub-dimensões do

Conteúdo da amostra normativa e da amostra clínica. Figuram, ainda, as diferenças significativas

encontradas para cada uma das Sub-dimensões entre cada uma das amostras.

Tabela 20. Ordem Média, teste de Kruskal-Wallis e teste de Mann-Whitney para as notas das sub-dimensões do conteúdo das narrativas autobiográficas da amostra normativa e da amostra clínica.

Kruskal-Wallis Mann-Whitney

Sub-dimensões Amostra Não Clínica

Ordem Média

Amostra Clínica

Ordem Média

X2((1)

Z

Personagens 157,43 101,66 38,60*** -6,21***

Cenários 155,00 103,99 33,01*** -5,75***

Acções 154,46 104,51 32,40*** -5,69***

Temas 126,31 131,58 0,42n.s. -0,65n.s.

*p < .05; **p < .01; ***p < .001; n.s. = não significativa

Os resultados da tabela 20 revelam que se encontram diferenças significativas ao nível das

Personagens (Z = -6,21, p < 0,001), dos Cenários (Z = -5,75, p < 0,001) e das Acções (Z = -

5,69, p < 0,001), não se encontrando diferenças significativas ao nível dos Temas.

83

3.2.2) Comparações entre a amostra normativa, a amostra de pacientes

diagnosticados com agorafobia e a amostra de pacientes diagnosticados como

dependentes de opiáceos

a) Comparação das Notas Globais da Estrutura, do Processo e do Conteúdo entre a

amostra normativa, a amostra de pacientes com agorafobia e a amostra de pacientes

dependentes de opiáceos

Tabela 21. Médias e desvios-padrão das notas globais das narrativas da amostra normativa, da amostra de pacientes com agorafobia e da amostra de pacientes com dependência de opiáceos.

Amostras Estrutura Processo Conteúdo

Normativa Média

Desvio-padrão

52,27

14,30

21,81

14,11

37,97

19,32

Média 38,43 18,63 23,62 Pacientes com

Agorafobia Desvio-padrão 15,84 14,65 15,27

Pacientes com Média 36,52 10,15 22,96

Toxicodependência Desvio-padrão 9,28 9,94 6,38

Os dados apresentados na tabela 21 e ilustrados na figura 17, revelam que, para as três

amostras, a média mais elevada é a da Estrutura, seguida do Conteúdo e do Processo. No que

respeita à comparação das três amostras entre si, verificamos que, em todas as Dimensões, as

médias mais elevadas se situam ao nível da amostra normativa, seguida da amostra de

pacientes com agorafobia e, por último da amostra de pacientes dependentes de opiáceos:

Estrutura (M = 52,27; M = 38,43; M = 36,52, amostras normativa, de pacientes com agorafobia

e de pacientes dependentes de opiáceos, respectivamente), Processo (M = 21,81; M = 18,63; M

= 10,15, amostras normativa, de pacientes com agorafobia e de pacientes dependentes de

opiáceos, respectivamente); Conteúdo (M = 37,97; M = 23,62; M = 22,96, amostras normativa,

de pacientes com agorafobia e de pacientes dependentes de opiáceos, respectivamente).

84

52,27

21,81

37,9738,43

18,63

23,62

36,52

10,15

22,96

0

5

10

15

20

25

30

35

40

45

50

55

60

65

70

75

80

Estrutura Processo Conteúdo

Amostra Normativa

Amostra P. Agorafobia

Amostra P. Dep. Opiáceos

Figura 17. Médias das notas globais da estrutura, do processo e do conteúdo das narrativas das amostras

normativa, de pacientes com agorafobia e de pacientes dependentes de opiáceos. As setas representam o sentido das diferenças estatisticamente significativas

Tabela 22. Análise da Variância Multivariada (MANOVA) das narrativas da amostra normativa, da amostra de pacientes com agorafobia e da amostra de pacientes com dependência de opiáceos.

Scheffe

F(2,123)

Normativa

Vs

P. Agorafobia

Normativa

vs

P. Toxicodependência

P. Agorafobia

vs

P. Toxicodependência

Estrutura 30,99*** *** *** n.s

Processo 7,95*** n.s ** *

Conteúdo 23,89*** *** *** n.s.

*p < .05; **p < .01; ***p < .001; n.s. = não significativa

De acordo com os resultados da Analise da Variância Multivariada (MANOVA),

encontramos diferenças significativas entre as três amostras no que respeita às Notas Globais

(Wilks Lambda = .740 (6,504) F = 13,64; p < 0,001). De acordo com a tabela 22, percebemos

que essas diferenças são estatisticamente significativas nas três dimensões: Estrutura (F =

30,99; p < 0,001); Processo (F = 7,95; p < 0,001) e Conteúdo (F = 23,89; p < 0,001).

Com o objectivo de distinguirmos os pares cujas diferenças se revelam estatisticamente

significativas, realizámos um teste Post Hoc (Scheffè), cujos resultados apresentados na mesma

tabela revelam o seguinte: na Estrutura, a amostra normativa revela diferenças significativas

85

tanto com a amostra de pacientes com agorafobia como com a amostra de pacientes

dependentes de opiáceos, o mesmo não se verificando quando se comparam as duas amostras

clínicas. Para o Processo, verificamos que se encontram diferenças significativas entre a amostra

normativa e a amostra de pacientes diagnosticados como dependentes de opiáceos e entre as

duas amostras clínicas, no entanto não foram encontradas diferenças estatisticamente

significativas entre a amostra normativa e a amostra de pacientes com agorafobia. Quanto ao

Conteúdo, repete-se o padrão encontrado para a Estrutura: a amostra normativa revela

diferenças significativas quando comparada com as duas amostra clínicas, enquanto que, entre

estas duas não se verificam diferenças significativas.

a) Comparação das Notas das Sub-dimensões da Estrutura entre as narrativas da amostra

normativa, da amostra de pacientes com agorafobia e da amostra de pacientes dependentes de

opiáceos

Tabela 23. Ordem Média e teste de Kruskal-Wallis das notas das sub-dimensões da estrutura das narrativas da amostra normativa, da amostra de pacientes com agorafobia e da amostra de pacientes dependentes de opiáceos.

Kruskal-Wallis

Sub-dimensões Amostra Normativa

Ordem Média

Amostra Agorafobia

Ordem Média

Amostra Dep. Opiáceos

Ordem Média

X2 (2)

Orientação 167,56 94,29 82,78 71,51***

Seq. Estrutural 151,79 108,59 101,30 25,39***

Comp. Avaliativo 136,69 129,26 92,11 8,99*

Integração 153,75 109,35 89,22 31,57***

*p < .05; **p < .01; ***p < .001; n.s. = não significativa

86

3,743,57

3,67 3,73

2,55

2,88

3,55

3,08

2,44

2,81

3,11

2,85

1

1,5

2

2,5

3

3,5

4

4,5

5

Orientação Seq. Estrutural Comp. Av. Integração

Amostra Normativa

Amostra P. Agorafobia

Amostra P. Dep. Opiáceos

Figura 18. Médias das notas das sub-dimensões da estrutura: orientação, sequência estrutural,

comprometimento avaliativo e integração das narrativas da amostra normativa, da amostra de pacientes com agorafobia e da amostra de pacientes dependentes de opiáceos.

As setas representam o sentido das diferenças estatisticamente significativas

Na tabela 23 encontramos descritos os valores da ordem média e os resultados obtidos no

Teste de Kruskal-Wallis para as Sub-dimensões da Estrutura para as amostras normativa,

pacientes com agorafobia e pacientes dependentes de opiáceos. Verificamos a existência de

diferenças significativas em todas as sub-dimensões: Orientação (X2(2) = 71,51, p < 0,001);

Sequência Estrutural (X2(2) = 25,39, p < 0,001); Comprometimento Avaliativo (X2(2) = 8,99, p <

.05); e Integração (X2(1) = 31,57, p < 0,001).

Tabela 24. Teste de Mann-Whitney nas notas das sub-dimensões da estrutura das narrativas das amostras normativa, de pacientes com agorafobia e de pacientes dependentes de opiáceos.

Mann-Whitney

Sub-dimensões Amostra Normativa

vs

Amostra Agorafobia

Amostra Normativa

vs

Amostra Dep. Opiáceos

Amostra Agorafobia

vs

Amostra Dep. Opiáceos

Orientação -7,55*** -6,02*** -0,31n.s.

Seq. Estrutural -4, 56*** -3,37** -0,44n.s.

Comp. Avaliativo -0,83n.s. -2,92** -2,55*

Integração -4,68*** -4,37*** -1,22n.s.

*p < .017; **p < .01; ***p < .001; n.s. = não significativa Nota: no teste de Wilcoxon, o valor a partir do qual se considera a existência de diferença significativa é p < .017 uma vez que se realizou a correcção de Bonferroni

87

Visualizando a figura 18 e os resultados do Teste de Mann-Whitney descritos na tabela 24,

verificamos que as notas da amostra normativa são significativamente mais elevadas do que as

notas da amostra de dependentes de opiáceos em todas as Sub-dimensões (Orientação: z = -

6,02, p < 0,001; Sequencia Estrutural: z = 3,37 p < 0,01; Comprometimento Avaliativo: z = -

2,92, p < 0,01; Integração: z = -4,37 , p < 0,001) e mais elevadas do que as notas dos

pacientes com agorafobia, sendo a diferença significativa em todas as Sub-dimensões à

excepção do Comprometimento Avaliativo (Orientação: z = -7,55, p < 0,001; Sequencia

Estrutural: z = -4,56, p < 0,001; Integração: z = -4,68, p < 0,001). É precisamente ao nível do

Comprometimento Avaliativo que as duas amostras clínicas revelam a existência de diferenças

significativas entre si, com valores mais elevados para a amostra de pacientes com agorafobia

(Comprometimento Avaliativo: z = -2,55, p < 0,017).

b) Comparação das Notas das Sub-dimensões do Processo entre as narrativas da amostra

normativa, da amostra de pacientes com agorafobia e da amostra de pacientes dependentes de

opiáceos

Tabela 25. Ordem Média e teste de Kruskal-Wallis das notas das sub-dimensões do processo das narrativas da amostra normativa, da amostra de pacientes com agorafobia e da amostra de pacientes dependentes de opiáceos.

Kruskal-Wallis

Sub-dimensões Amostra Normativa

Ordem Média

Amostra Agorafobia

Ordem Média

Amostra Dep. Opiáceos

Ordem Média

X2 (2)

Objectivação 163,78 86,44 97,91 59,94***

Sub. Emocional 126,50 139,97 98,43 8,73*

Sub. Cognitiva 134,65 129,79 99,61 5,47n.s.

Metaforização 128,50 136,17 103,72 5,12n.s.

*p < .05; **p < .01; ***p < .001; n.s. = não significativa

88

2,65

1,63

2,11

1,731,751,85

2,11

1,88

1,59

1,3

1,63

1,33

1

1,5

2

2,5

3

3,5

4

4,5

5

Objectivação Sub Emocional Sub Cognitiva Metaforização

Amostra Normativa

Amostra P. Agorafobia

Amostra P. Dep. Opiáceos

Figura 19. Médias das notas das sub-dimensões do processo: objectivação, subjectivação emocional, subjectivação

cognitiva e metaforização das narrativas da amostra normativa, da amostra de pacientes com agorafobia e da amostra de pacientes dependentes de opiáceos.

As setas representam o sentido das diferenças estatisticamente significativas.

Na tabela 25 encontramos descritos os valores da ordem média e os resultados obtidos no

Teste de Kruskal-Wallis para as sub-dimensões do Processo para as amostras normativa, de

pacientes com agorafobia e de pacientes dependentes de opiáceos. Verificamos a existência de

diferenças significativas nas Sub-dimensões Objectivação (X2(2) = 59,94, p < 0,001) e

Subjectivação Emocional (X2(2) = 8,73, p < 0,05). O mesmo não se verifica para a Subjectivação

Cognitiva, nem para a Metaforização.

Tabela 26. Teste de Mann-Whitney das notas das sub-dimensões do processo nas narrativas da amostra normativa, da amostra de pacientes com agorafobia e da amostra de pacientes dependentes de opiáceos.

Mann-Whitney

Sub-dimensões Amostra Normativa

vs

Amostra Agorafobia

Amostra Normativa

vs

Amostra Dep. Opiáceos

Amostra Agorafobia

vs

Amostra Dep. Opiáceos

Objectivação -6,92*** -5,31*** -0,58n.s.

Sub. Emocional -1,52n.s. -2,10n.s. -2,83**

Sub. Cognitiva -0,48n.s. -2,43* -1,88n.s.

Metaforização -0,87n.s. -1,81n.s. -2,23n.s.

*p < .017; **p < .01; ***p < .001; n.s. = não significativa Nota: no teste de Wilcoxon, o valor a partir do qual se considera a existência de diferença significativa é p < .017 uma vez que se realizou a correcção de Bonferroni

89

Como podemos verificar na tabela 26, os resultados do Teste de Mann-Whitney distinguem

os pares de amostras onde se verificam as referidas diferenças. Tendo em conta estes valores,

os da ordem média apresentados na tabela 25 e os valores das médias ilustrados na figura 19,

verificamos que, entre a amostra normativa e a amostra de pacientes com agorafobia, apenas se

registam diferenças significativas ao nível da Objectivação (z = -6,92, p < 0,001), com os valores

mais elevados para a primeira amostra. Quando comparamos a amostra normativa com a

amostra de pacientes dependentes de opiáceos verificamos que, para além das diferenças

encontradas ao nível da Objectivação (z = -5,31, p < 0,001) encontramos ainda diferenças

significativas ao nível das Subjectivação Cognitiva (z = -2,43, p < 0,017), com valores mais

elevados para a amostra normativa em ambas as situações. No que toca ao par que compara as

duas amostras clínicas, verificamos que não existem diferenças significativas entre as Sub-

dimensões, com excepção para a Subjectivação Emocional cujos valores da amostra de

pacientes agorafóbicos revela ser significativamente superior em relação à amostra de pacientes

dependentes de opiáceos (z = - 2,83, p < 0,01).

c) Comparação das Notas das Sub-dimensões do Conteúdo das narrativas da amostra

normativa, da amostra de pacientes com agorafobia e da amostra de pacientes dependentes de

opiáceos

Tabela 27. Ordem Média e teste de Kruskal-Wallis das notas das sub-dimensões do conteúdo das narrativas da amostra normativa, da amostra de pacientes com agorafobia e da amostra de pacientes dependentes de opiáceos.

Kruskal-Wallis

Sub-dimensões Amostra Normativa

Ordem Média

Amostra Agorafobia

Ordem Média

Amostra Dep. Opiáceos

Ordem Média

X2 (2)

Personagens 157,43 106,19 84,19 40,61***

Cenários 155,00 103,74 104,96 33,02***

Acções 154,46 106,82 95,61 32,94***

Temas 126,31 128,21 144,59 1,758n.s.

*p < .05; **p < .01; ***p < .001; n.s. = não significativa

90

3,52

2,87

3,24

1,83

2,63

1,79

2,32

1,85

2,26

1,74

2,11

1,93

1

1,5

2

2,5

3

3,5

4

4,5

5

Personagens Cenários Acções Temas

Amostra Normativa

Amostra P. Agorafobia

Amostra P. Dep. Opiáceos

Figura 20. Médias das notas das sub-dimensões da conteúdo: personagens, cenários, acções e temas das

narrativas da amostra normativa, da amostra de pacientes com agorafobia e da amostra de pacientes dependentes de opiáceos.

As setas representam o sentido das diferenças estatisticamente significativas.

Na tabela 27 apresentamos os valores da ordem média e os resultados obtidos no Teste

de Kruskal-Wallis para as sub-dimensões do Conteúdo para as amostras normativa, pacientes

com agorafobia e pacientes dependentes de opiáceos. Verificamos que existem diferenças

significativas ao nível das Personagens (X2(2) = 40,61, p < 0,001), dos Cenários (X2(2) = 33,02,

p < 0,001) e das Acções (X2(2) = 32,94, p < 0,001), não se verificando diferenças significativas

quanto aos Temas.

Tabela 28. Teste de Mann-Whitney das notas das sub-dimensões do processo das narrativas da amostra normativa, da amostra de pacientes com agorafobia e de pacientes dependentes de opiáceos.

Mann-Whitney

Sub-dimensões Amostra Normativa

vs

Amostra Agorafobia

Amostra Normativa

vs

Amostra Dep. Opiáceos

Amostra Agorafobia

vs

Amostra Dep. Opiáceos

Personagens -5,32*** -4,85*** -1,38n.s.

Cenários -5,38*** -3,37*** -0,21ns.

Acções -5,04*** -3,87*** -0,81n.s.

Temas -0,24n.s. -1,24n.s. -1,32n.s.

*p < .017; **p < .01; ***p < .001; n.s. = não significativa Nota: no teste de Wilcoxon, o valor a partir do qual se considera a existência de diferença significativa é p < .017 uma vez que se realizou a correcção de Bonferroni

91

A fim de determinarmos os pares com diferenças significativos, realizou-se um Teste de

Mann-Whitney cujos valores estão descritos na tabela 28. De acordo com estes resultados e

analisando os valores da ordem média apresentados na tabela 27 ou os valores médios na figura

20, verificamos que a amostra normativa se apresenta com valores significativamente mais

elevados em três das Sub-dimensões, tanto quando comparada com amostra de pacientes com

agorafobia (Personagens: z = -5,32, p < 0,001; Cenários: z = -5,38, p < 0,001; e Acções: z = -

5,04, p < 0,001) como quando comparada com a amostra de pacientes dependentes de

opiáceos (Personagens: z = -4,85, p < 0,001; Cenários: z = -3,37, p < 0,001; e Acções: z = -

3,87, p < 0,001). Quanto à sub-dimensão Temas, embora os toxicodependentes apresentem os

valores mais elevados, seguido da amostra de pacientes com agorafobia e, por fim da amostra

normativa, as diferenças não são significativas.

No que diz respeito ao par de amostras clínicas, embora os valores das Sub-dimensões do

Conteúdo dos pacientes com agorafobia sejam ligeiramente mais elevados do que os valores dos

pacientes com dependência de opiáceos, não se verificam diferenças significativas.

3.3 Caracterização do desenvolvimento narrativo

O estudo do perfil das narrativas de ficção em adultos sem psicopatologia surgiu da

possibilidade de comparação com o perfil das narrativas de ficção de crianças e adolescentes,

descrito em estudos anteriores por Alexandra Freitas (2005) e Carla Rocha (2005),

respectivamente. Seguindo a mesma linha de análise dos estudos acima citados, iremos

proceder à caracterização das narrativas de ficção dos adultos da nossa amostra, por Grupo

Etário, por Sexo e por NSC, antes de procedermos à comparação entre as amostras das

crianças, adolescentes e adultos.

3.3.1 Caracterização das Notas Globais das narrativas de ficção dos adultos

por Grupo Etário

Para comparar as Notas Globais das narrativas de ficção por Grupo Etário (20-25 anos;

26-30 anos; 35-45 anos) utilizámos uma Análise da Variância Multivariada (MANOVA), seguida

do teste Wilks-Lambda para determinar as diferenças significativas entre os grupos.

92

Tabela 29. Média, desvios-padrão e Análise da Variância Multivariada (MANOVA) das notas globais das narrativas de ficção por grupo etário.

Grupo Etário

Média (dp)

20-25 26-30 35-45 F(2, 123)

Estrutura 54,14 (13,77) 54,57 (13,21) 56,10 (14,18) ,24n.s.

Processo 21,48 (11,19) 22,29 (13,29) 24,48 (14,41) ,60n.s.

Conteúdo 36,43 (14,73) 36,33 (13,72) 39,95 (15,04) , 85n.s.

n.s. = não significativa

54,14 54,5756,1

36,43 36,33 39,95

21,48 22,29 24,48

0

5

10

15

20

25

30

35

40

45

50

55

60

65

70

75

80

20-25 26-30 35-45

Processo

Conteúdo

Estrutura

Figura 21. Médias das notas globais da estrutura, processo e conteúdo das narrativas de ficção por grupo etário.

De acordo com os dados apresentados na tabela 29 verificamos que, para os três Grupos

Etários dos adultos na produção das narrativas de ficção, a média da Nota Global da Estrutura

se apresenta a mais elevada, seguida da média da Nota Global do Conteúdo e da média da Nota

Global do Processo: Grupo 20-25 (Estrutura, M = 54,14; Conteúdo, M = 36,33; Processo, M =

21,48); Grupo 26-30 (Estrutura, M = 54,57; Conteúdo, M = 36,33; Processo, M = 22,29); Grupo

35-45 (Estrutura, M = 56,10; Conteúdo, M = 39,95; Processo, M = 24,48). Verificamos, ainda,

que os Grupos Etários mais elevados apresentam as Notas Globais mais elevadas quanto à

93

Estrutura (20-25 anos, M = 54,14; 26-30 anos, M = 54,57; 35-45 anos, M = 56,1) e ao

Processo (20-25 anos, M = 21,48; 26-30 anos, M = 22,29; 35-45- anos, M = 24,48); com uma

pequena excepção no Conteúdo cujos sujeitos entre os 26 e 30 anos revelam um valor

ligeiramente inferior aos sujeitos entre os 20 e 25 anos, embora os sujeitos mais velhos sejam

os que apresentem os valores mais elevados (20-25 anos, M = 36,43; 26-30 anos, M = 36,33;

35-45 anos M = 39,95). Não obstante este padrão, a Análise da Variância Multivariada

(MANOVA) revelou que as diferenças das Notas Globais por Grupo Etário não são significativas.

3.3.2 Caracterização das Notas Globais das narrativas de ficção por Sexo

Tabela 30. Análise da Variância Multivariada (MANOVA) das notas globais das narrativas de ficção por sexo.

Sexo

Média (dp)

Feminino Masculino F(1, 124)

Estrutura 53,30 (15,14) 56,57 (11,85) 1,82n.s.

Processo 22,92 (14,11) 22,57 (11,88) ,02n.s.

Conteúdo 36,44 (13,92) 37,70 (15,08) ,76n.s.

n.s. = não significativa

53,3 56,57

36,44 37,7

22,92 22,57

05

101520253035404550556065707580

Femenino Masculino

Processo

Conteúdo

Estrutura

Figura 22. Médias das notas globais da estrutura, processo e conteúdo das narrativas de ficção por sexo.

94

Os valores apresentados na tabela 30 revelam que, para o sexo feminino e masculino,

uma média mais elevada para a Estrutura, seguida da média do Conteúdo e, por último, da

média do Processo. Verificamos que, à excepção do Processo, cuja média do Sexo Feminino (M

= 22,92, DP = 14,11) se encontra ligeiramente acima da média do Sexo Masculino (M = 22,57,

DP = 11,88), nas restantes Dimensões, as médias do Sexo Masculino se encontram ligeiramente

acima das médias do Sexo Feminino: Estrutura (M = 56,57; DP = 11,85; M=53,30, DP = 15,14,

Sexo Masculino e Sexo Feminino, respectivamente); Conteúdo (M = 37,70; DP = 15,08; M =

36,44; DP = 13,92, Sexo Masculino e Sexo Feminino, respectivamente). No entanto, os

resultados da Análise da Variância Multivariada (MANOVA) demonstram que as diferenças não se

revelam significativas.

3.3.3 Caracterização das Notas Globais das narrativas de ficção por NSC

Tabela 31. Análise da Variância Multivariada (MANOVA) das notas globais das narrativas de ficção por NSC. NSC

Média (dp)

Scheffe

Baixo

(4º - 9º)

Médio

(10º-12º)

Alto

(+12º)

F(2,123)

Baixo

vs

Médio

Médio

vs

Alto

Alto

vs

Baixo

Estrutura 46,71 (14,93) 57,52 (11,17) 60,57 (10,52) 14,57*** ** n.s ***

Processo 16,00 (9,74) 22,48 (10,23) 29,76 (14,75) 14,32*** * * ***

Conteúdo 28,71 (12,63) 39,62 (14,25) 44,38 (12,07) 15,99*** ** n.s ***

*p<.05; **p<.01; ***p<.001; n.s. = não significativa

95

29,76

44,38

60,57

22,48

39,62

57,52

16

28,71

46,71

0

5

10

15

20

25

30

35

40

45

50

55

60

65

70

75

80

Processo Conteúdo Estrutura

Baixo

Médio

Alto

Figura 23. Médias das notas globais da estrutura, processo e conteúdo das narrativas de ficção por NSC.

As setas representam as diferenças significativas.

A tabela 31 representa os resultados obtidos na Análise da Variância Multivariada

(MANOVA) para comparação das notas Globais entre os diferentes Níveis Sócio-Culturais (Baixo,

Médio e Alto) da amostra e os resultados do teste de Scheffè para determinar em quais dos

pares se encontram as diferenças significativas.

Os resultados demonstram que, em todas as dimensões, os resultados superiores

correspondem ao NSC Alto, seguido do NSC Médio e, por fim, com valores inferiores, o NSC

Baixo: Estrutura (M = 46,71; M = 57,52; M = 60,57; Baixo, Médio e Alto, respectivamente),

seguida da média do Conteúdo (M = 28,71; M = 39,62; M = 44,38; Baixo, Médio e Alto,

respectivamente) e da média do Processo (M = 16,00; M = 22,48; M = 29,76; Baixo, Médio e

Alto, respectivamente). Tais diferenças revelam-se estatisticamente significativas, como podemos

verificar através dos resultados da Análise da Variância Multvariada (MANOVA) (Wilks-Lambda =

.71, F(6,242) = 7,49, p < 0,001), verificando-se, através de Testes Univariados, que as

diferenças se encontram ao nível das três dimensões: Estrutura (F (2,123) = 14,57; p < 0,001);

Processo (F(2,123) = 14,32; p < 0,001) e Conteúdo (F(2,123) = 15,99; p < 0,001). A fim de

discriminar quais os pares em que se encontram tais diferenças, realizou-se um Teste de Scheffè

cujos resultados são os seguintes: encontramos diferenças significativas em todas as Dimensões

quando comparamos o NSC Baixo com o NSC Alto e com o NSC Médio, funcionando estes

últimos como um grupo homogéneo, à excepção do Processo, no qual se encontram diferenças

significativas também para este par.

96

Traçada a caracterização das narrativas de ficção dos adultos, por idade, sexo e NSC

passemos à comparação das narrativas de ficção dos adultos com as narrativas de ficção das

crianças e adolescentes.

a) Comparação das Notas Globais das narrativas de ficção por Etapa de Desenvolvimento

(crianças, adolescentes e de adultos)

A fim de comparar as Notas Globais das narrativas de ficção de amostras que

representam três Etapas de Desenvolvimento diferentes (crianças dos 3 ao 10 anos de idade,

adolescentes dos 11 aos 17 anos de idade e adultos dos 20 aos 45 anos de idade), utilizámos

uma Análise da Variância Multivariada (MANOVA), seguida do teste Wilks-Lambda para

determinar as diferenças significativas entre os grupos e um Post Hoc (Scheffè) para determinar

entre quais dos grupos se situam as diferenças.

Tabela 32. Análise da Variância Multivariada (MANOVA) das notas globais por etapa de desenvolvimento Etapa do Desenvolvimento

Média (dp)

Scheffe

Crianças

3-10 anos

Adolescentes

11-18 anos

Adultos

20-45 anos

F(2,364) Crianças

vs

Adolesc.

Adolesc.

vs

Adultos

Adultos

vs

Crianças

Estrutura 19,48 (16,99) 40,90 (15,75) 54,94 (13,64) 159,30*** *** *** ***

Processo 4,85 (4,85) 16,52 (12,87) 22,75 (12,99) 80,59*** *** *** ***

Conteúdo 29,98 (14,09) 36,17 (10,20) 37,57 (14,49) 11,39*** ** n.s. ***

n.s. = não significativa; *p<.05; **p<.01; ***p<.001

97

19,48

40,9

54,94

4,85

16,52

22,75

29,98

36,17 37,57

0

5

10

15

20

25

30

35

40

45

50

55

60

65

70

75

80

Estrutura Processo Conteúdo

Crianças Adolescentes Adultos Crianças Adolescentes Adultos Crianças Adolescentes Adultos

Figura 24. Médias das notas globais da estrutura, processo e conteúdo das crianças, adolescentes e adultos

das narrativas de ficção. As setas representam as diferenças significativas.

Tal como verificámos anteriormente para a amostra de adultos, os resultados que figuram

na tabela 32 revelam que, nos adolescentes a média mais elevada se situa ao nível da Estrutura

(M = 40,90; DP = 15,75); seguida do Conteúdo (M = 36,17; DP = 10,20) e, por fim, do

Processo (M = 16,52; DP = 12,87). O mesmo não se verifica na amostra das crianças, cuja

média mais elevada se situa ao nível do Conteúdo (M = 29,98; DP = 14,09), seguida da média

da Estrutura (M = 19,48; DP = 16,99) e, por fim, da média do Processo (M = 4,85; DP = 16,52).

Verificamos, ainda, que as médias das Notas Globais das Crianças são sempre as mais baixas,

seguindo-se as médias das Notas Globais dos Adolescentes e, por último, com valores mais

elevados, as médias das Notas Globais dos Adultos: Estrutura (M = 19,48; DP = 16,99; M =

40,90; DP = 15,75; M = 54,94; DP = 13,64; crianças, adolescentes e adultos respectivamente);

Processo (M = 4,85; DP = 4,85; M = 16,52; DP = 12,87; M = 22,75; DP = 12,99; crianças,

adolescentes e adultos respectivamente); Conteúdo (M = 29,98; DP = 14,09; M = 36,17; DP =

10,20; M = 37,57; DP = 14,49; crianças, adolescentes e adultos respectivamente).

A Análise da Variância Multivariada (MANOVA) revelou que as diferenças encontradas são

significativas (Wilks-Lambda = .44, F(6,724) = 59,85; p < 0,001) e Testes Univariados

demonstram que as diferenças se encontram ao nível das três dimensões: Estrutura (F(2,364) =

159,30; p < 0,001); Processo (F(2,364) = 80,59; p < 0,001) e Conteúdo (F(2,364) = 11,39; p <

98

0,001). De acordo com o Teste de Scheffè, verificamos que tais diferenças são significativas em

todos os pares (Crianças/Adolescentes; Adolescentes/Adultos; Adultos/Crianças), à excepção do

par Adolescentes/Adultos para o Conteúdo.

b) Caracterização da tendência evolutiva das Notas Globais das narrativas de ficção por

Grupo Etário

A fim de caracterizar o desenvolvimento narrativo de uma forma mais detalhada, iremos

proceder à apresentação das Notas Globais das narrativas de ficção tendo em conta os três

Grupos Etários dentro de cada das amostras de crianças, de adolescentes e de adultos, (3-4, 6-

7, 9-10; 11-12, 14-15, 17-18; 20-25, 26-30, 35-45, respectivamente). No entanto, não será

possível efectuar testes estatísticos acerca da diferença de médias entre os nove Grupos Etários,

dado que o número de sujeitos por célula assim distribuídos é insuficiente para os comparar. Por

esse motivo, apresentaremos, apenas, a evolução tendencial dos resultados.

Tabela 33. Médias e desvios-padrão das notas globais da estrutura, processo e conteúdo por grupos etários. Crianças

Adolescentes

Adultos

3-4 6-7 9-10 11-12 14-15 17-18 20-25 26-30 35-45

Estrutura

1,93

(3,40)

21,70

(15,38)

31,36

(13,14)

35,19

(10,19)

37,67

(15,65)

49,90

(15,75)

54,14

(13,77)

54,57

(13,21)

56,10

(14,18)

Processo

0,72

(1,98)

5,85

(5,33)

7,17

(3,84)

10,95

(6,92)

14,71

(11,86)

23,90

(15,03)

21,48

(11,19)

22,29

(13,29)

24,48

(14,41)

Conteúdo

16,42

(9,36)

33,36

(13,10)

37,51

(10,11)

34,81

(7,39)

33,71

(11,45)

40,00

(10,40)

36,43

(14,73)

36,33

(13,72)

39,95

(15,05)

Os resultados que figuram na tabela 33 revelam que, os Grupos Etários mais baixo

correspondem aos valores mais baixos obtidos nas Notas Globais no que respeita à Estrutura e

ao Processo, embora neste último se encontre uma excepção para o Grupo dos 17 aos 18 anos,

cuja média é mais elevada do que a média dos dois Grupos Etários seguintes dos adultos (20-25

e 26-30 anos). No que respeita ao Conteúdo verificamos que existe um aumento da média das

99

Notas Globais em todos os Grupos Etários dentro da amostra das crianças (3-4, 6-7, 9-10), mas

o mesmo não acontece nos outros Grupos Etários. O valor mais baixo situa-se no Grupo Etário

dos 3 aos 4 anos (M = 16,42; DP = 9,36), seguido do valor do Grupo Etário dos 6 aos 7 anos (M

= 33,36; DP = 13,10). A partir deste Grupo Etário deixamos de encontrar uma progressão

através da idade, sendo que, o valor da Nota Global do Conteúdo das crianças dos 9 aos 10 (M

= 37,51; DP = 19,11) revela-se superior aos valores encontrados para os adolescentes dos 11

aos 12 (M = 34,81; DP = 7,39), dos 14 aos 15 anos (M = 33,71; DP = 11,45), para os adultos

dos 20 aos 25 (M = 36,43; DP = 14,73) e dos 26 aos 30 anos (M = 36,33; DP = 13,72). Por

outro lado, esse mesmo grupo dos 9 aos 10 anos, revela valores inferiores aos apresentados

pelos adultos dos 35 aos 45 (M = 39,95; DP = 15,05) e dos adolescentes dos 17 aos 18 (M =

40,00; DP = 10,40), sendo este último Grupo Etário o que apresenta o valor mais elevado na

Nota Global do Conteúdo.

Os gráficos que se seguem apresentam, para a Estrutura, Processo e Conteúdo, a

tendência evolutiva das narrativas para cada Etapa de Desenvolvimento e para cada um dos

Grupos Etários anteriormente descritos.

1,93

21,7

31,36

35,1937,67

49,9

54,14 54,5756,1

0

5

10

15

20

25

30

35

40

45

50

55

60

65

70

75

80

3-4 anos 6-7 anos 9-10 anos 11-12 anos 14-15 anos 17-18 anos 20-25 anos 26-30 anos 35-45 anos

Figura 25. Médias das notas globais da estrutura das narrativas de ficção pelos nove grupos etários.

100

0,72

5,85 7,17

10,95

14,71

23,921,48 22,29

24,48

0

5

10

15

20

25

30

35

40

45

50

55

60

65

70

75

80

3-4 anos 6-7 anos 9-10 anos 11-12 anos 14-15 anos 17-18 anos 20-25 anos 26-30 anos 35-45 anos

Figura 26. Médias das notas globais do processo das narrativas de ficção pelos nove grupos etários.

16,42

33,36

37,5134,81 33,71

40

36,43 36,33

39,95

0

5

10

15

20

25

30

35

40

45

50

55

60

65

70

75

80

3-4 anos 6-7 anos 9-10 anos 11-12 anos 14-15 anos 17-18 anos 20-25 anos 26-30 anos 35-45 anos

Figura 27 Médias das notas globais do conteúdo das narrativas de ficção por grupo etário.

101

4. Discussão dos resultados

Após a apresentação dos resultados passemos então à sua discussão, dando-lhes um

sentido e tentando dar resposta às questões levantadas pela presente investigação.

Seguindo os passos da apresentação dos resultados, iniciaremos esta discussão

caracterizando o perfil narrativo de adultos sem psicopatologia através das narrativas auto-

biográficas e das narrativas de ficção, passando, de seguida, à comparação entre ambas.

Posteriormente, importará estabelecer de que forma o perfil das narrativas autobiográficas se

distingue dos resultados obtidos em estudos anteriores realizados com adultos com diagnóstico

psicopatológico, de agorafobia e de dependência de opiáceos, respectivamente. Por último, com

o objectivo de aumentar o conhecimento quanto à evolução e desenvolvimento da matriz

narrativa (com base nas narrativas de ficção), teremos oportunidade de nos debruçar sobre os

resultados dos adultos obtidos nesta investigação na sua relação com os resultados de crianças

e de adolescentes, recolhidas em estudos anteriores, já descritos na parte teórica deste estudo.

Tendo em conta esses dados, será ainda possível perceber de que forma as mesmas variáveis

sócio-demográficas (Sexo e Nível Sócio-cultural) se manifestam nas diferentes etapas de

desenvolvimento.

4.1 O perfil narrativo de adultos

Iremos introduzir esta discussão com a análise dos perfis narrativos do discurso

autobiográfico e de ficção de 126 adultos sem perturbação psicológica. O facto dos resultados

das duas tarefas narrativas serem semelhantes, permite-nos fazer uma análise conjunta.

Os resultados indicam-nos que a Estrutura é a dimensão caracterizada por uma maior

riqueza, revelando que a capacidade de narrar histórias coerentes e organizadoras é uma

característica importante na matriz narrativa destes adultos. Em ambas as narrativas, os quatro

parâmetros da Estrutura (Orientação, Sequência Estrutural, Comprometimento Avaliativo e

Integração) revelam-se superiores ao nível moderado, permitindo afirmar que estes adultos

demonstram: uma boa capacidade de orientação e clarificação do contexto em que as

personagens se movem e do espaço em que ocorrem os acontecimentos, permitindo uma boa

102

compreensão da narrativa; uma boa capacidade de sequenciar temporalmente os

acontecimentos; uma riqueza quanto à forma como se envolvem emocionalmente ao narrarem

os factos, dando um cunho afectivo à narrativa e uma boa capacidade de integração da

informação, dotando a narrativa de um fio condutor que permite aos ouvintes partilharem um

sentido comum.

Na análise comparativa entre as duas tarefas narrativas, percebemos que o valor da

Integração nas narrativas de ficção revelou ser significativamente mais elevado do que o valor da

Integração nas narrativas autobiográficas, facto que pode ter sido facilitado pela visualização do

livro no momento de narrar, contribuindo para aumentar a capacidade de integrar a narrativa

num todo coerente.

O Conteúdo apresenta-se como a segunda Dimensão mais elevada onde as Personagens e

os Acontecimentos se apresentam acima do nível moderado nas duas narrativas e ainda os

Cenários nas narrativas de ficção, conotando com diversidade de conteúdos as experiências

narradas. Quanto ao parâmetro Temas, o facto de se situar abaixo do nível moderado em ambas

as narrativas, parece poder ser bem explicado devido às tarefas de elicitação de narrativas

propostas, puderem condicionar o sujeito a limitar-se a um ou dois temas centrais. Apenas as

Personagens revelam diferenças estatisticamente significativas com um valor mais elevado para

as narrativas autobiográficas. Tal resultado pode parecer surpreendente tendo em conta que o

número de personagens existentes no livro que serviu de instrumento à tarefa de indução das

narrativas de ficção ser elevado. No entanto, por esse mesmo motivo, a cotação do Conteúdo

nas narrativas de ficção foi definida por critérios qualitativos, em contraste com os critérios

quantitativos de cotação do Conteúdo das narrativas autobiográficas, de forma a evitar uma

grande disparidade na cotação das Sub-dimensões devido às características inerentes à própria

tarefa. Ou seja, os critérios que definiram a pontuação das Personagens das narrativas de ficção

(que se estabeleceram mais pela riqueza e relevância atribuída à personagem dentro da história,

sendo que a mera nomeação da personagem não seria suficiente para lhe atribuir um ponto)

poderão ter beneficiado a cotação das personagens nas narrativas autobiográficas cuja

nomeação seria tida em conta, desde que a personagem se mostrasse relevante para a história,

não significando, este resultado, que as narrativas autobiográficas tenham o número de

personagens literalmente superior às outras.

103

Por fim, situa-se o Processo, com valores sempre abaixo do nível moderado, à excepção

da Objectivação nas narrativas de ficção que se encontra ligeiramente acima do nível moderado.

Podemos assim perceber que os elementos de expressão das variáveis internas ao nível

sensorial, mas principalmente, ao nível das emoções e dos sentimentos, ao nível da atitude

reflexiva e ao nível da significação da experiência serão aqueles que, embora existentes, serão

menos representativos ou menos expressos na matriz narrativa. Embora a Nota Global do

Processo das duas tarefas narrativas não revele diferenças estatisticamente significativas,

podemos perceber, através de uma análise mais fina, que existem diferenças em todos os pares

das Sub-dimensões, sendo que, o grau de Metaforização e de Subjectivação Cognitiva é mais

elevado nas narrativas autobiográficas e que o contrário sucede para a Subjectivação Emocional

e para a Objectivação. Assim, parece-nos que estes sujeitos quando narram acontecimentos que

experienciaram, apresentam uma maior tendência ou facilidade em narrar aspectos e detalhes

do discurso interno, tais como pensamentos, ideias, desejos, sonhos, hipóteses interpretativas e

em atribuir um significado ao episódio de vida em causa. Por outro lado, encontrou-se uma

maior facilidade na diferenciação de aspectos sensoriais e emocionais nas narrativas de ficção, o

que talvez se possa atribuir ao facto de esses elementos se encontrarem bem representados nas

imagens do livro.

4.2 Comparação das narrativas dos adultos sem psicopatologia e dos adultos

com diagnóstico de perturbação psicológica

Os resultados das narrativas dos adultos sem psicopatologia recolhidas pela presente

investigação foram comparados com dois grupos clínicos, primeiramente, tidos como se de um

só grupo clínico se tratasse e, num segundo momento, tidos como dois grupos com diagnóstico

distinto, nomeadamente, agorafobia e dependência de opiáceos. Para ambas as situações foram

analisadas as Notas Globais e as notas das Sub-dimensões.

Os resultados que decorreram das comparações revelam um padrão equivalente nas três

amostras que reflecte uma maior riqueza da Estrutura, seguida do Conteúdo e, por fim do

Processo. Não obstante a correspondência a nível deste padrão, podemos verificar que os

sujeitos sem perturbação clínica apresentam uma maior riqueza narrativa, distinguindo-se na

104

forma como dão coerência à Estrutura narrativa, como diversificam os Conteúdos narrativos e

como complexificam o Processo narrativo. Este resultado vem ao encontro da nossa expectativa

baseada no pressuposto de que a autoria se encontra inibida quando existe perturbação

emocional. Também de acordo com o esperado, tais diferenças verificam-se tanto quando os

grupos clínicos são comparados como um todo, como quando são tidos como amostras

distintas. Neste caso, como já tivemos oportunidade de ver, os valores dos sujeitos sem

psicopatologia são os mais elevados, seguindo-lhes os sujeitos diagnosticados com agorafobia e,

por fim, os sujeitos com dependência de opiáceos. Ainda assim, verifica-se que as diferenças ao

nível das duas amostras clínicas só têm relevância estatística quanto ao Processo, sendo

precisamente esta a Dimensão a única em que não encontramos diferenças significativas entre o

grupo normativo e o grupo de pacientes com agorafobia. Por este motivo, parece claro que, ao

nível da Estrutura e do Conteúdo as duas amostras clínicas parecem aproximar-se e que, ao

nível do Processo a amostra de sujeitos com agorafobia parece aproximar-se da amostra dos

sujeitos sem psicopatologia que, por sua vez, revela uma maior distância entre a amostra de

sujeitos dependentes de opiáceos.

Vejamos agora com mais detalhe, como esses resultados se traduziram ao nível das Sub-

dimensões.

Ao nível da Estrutura, as diferenças encontradas entre as Sub-dimensões do grupo

normativo e do grupo clínico tido como um todo, são sempre significativas, à excepção do

Comprometimento Avaliativo. Assim sendo, parece claro que os sujeitos diagnosticados com

perturbação clínica apresentaram maior dificuldade em organizar a experiência de forma

coerente, organizada e integrada, embora não difiram dos sujeitos sem psicopatologia, na forma

como se envolvem na narrativa que escolheram para narrar, fazendo adivinhar que esta

capacidade não se encontra comprometida no grupo clínico. Note-se, ainda, que para o grupo

clínico, a Sub-dimensão mais elevada foi precisamente o Comprometimento Avaliativo, enquanto

que no grupo normativo, ainda que as diferenças não tenham relevância estatística, as Sub-

dimensões mais elevadas foram a Orientação e a Integração.

Quanto ao Processo, uma análise mais fina pelas Sub-dimensões, permite-nos verificar

que é apenas ao nível da Objectivação que as narrativas se revelam significativamente mais ricas

para os sujeitos sem psicopatologia. Tal resultado pode revelar uma maior dificuldade dos

105

sujeitos com perturbação clínica em explorar de forma diversificada o mundo sensorial. É ainda

de notar que, ao nível da Subjectivação Emocional e da Metaforização, as notas do grupo clínico

se revelaram superiores às notas do grupo normativo, ainda que sem relevância estatística. Esta

superioridade parece dever-se particularmente ao grupo de sujeitos com agorafobia já que,

quando comparados os três grupos esta amostra é mais elevada dos que as outras amostras no

que toca à Metaforização e à Subjectivação Emocional e é semelhante ao grupo normativo

quanto à Subjectivação Cognitiva. Embora estes valores mais elevados na amostra de pacientes

agorafóbicos possa parecer uma contradição, é importante ter em conta que tais diferenças não

são significativas, enquanto que, a Objectivação se revela significativamente mais elevada na

amostra normativa em relação às duas amostras clínicas e a Subjectivação Cognitiva se revela

significativamente mais elevada na amostra normativa em relação aos sujeitos dependentes de

opiáceos. Ainda que, de uma forma geral, os resultados das várias amostras ao nível do

Processo sejam pobres, os resultados ao nível da Objectivação, sugerem uma maior dificuldade

dos sujeitos com estes diagnósticos clínicos em descrever aspectos externos da experiência e

em explorar a multiplicidade do mundo sensorial e dos sujeitos com diagnóstico de dependência

de opiáceos em apresentarem uma acentuada pobreza, quanto à exploração de pensamentos,

ideias e planos pessoais (Subjectivação Cognitiva).

No que toca à comparação entre as duas amostras clínicas, verificamos que as diferenças

significativas se situam apenas ao nível da Subjectivação Emocional, com valores mais elevados

para os sujeitos com diagnóstico de agorafobia.

Pela análise mais detalhada do Conteúdo, verificamos que os sujeitos com perturbação

clínica revelam uma menor riqueza quanto à diversidade de Personagens, Cenários e Acções,

com valores sempre abaixo do moderado, do que grupo normativo cujos valores se situam no

nível moderado. Quanto à Sub-dimensão Temas, qualquer uma das amostras revela valores

muito abaixo do nível moderado. Tal facto poderá ser justificado pela natureza da tarefa de

Elicitação de Narrativa Autobiográfica utilizada nas três amostras que, ao convidar à narração de

um episódio de vida, parece condicionar o sujeito a limitar-se a um ou dois temas centrais.

Em resumo, podemos afirmar que se verificou uma tendência para uma maior riqueza

narrativa no grupo sem psicopatologia, seguido do grupo dos sujeitos com diagnóstico de

agorafobia e, por fim, o grupo dos sujeitos diagnosticados como dependentes de opiáceos,

106

revelando as narrativas mais pobres em todas as Dimensões. Detalhando essas diferenças

percebemos que é precisamente ao nível das Dimensões cuja riqueza da amostra normativa é

maior, isto é, ao nível da Estrutura e do Conteúdo, que se encontra um maior distanciamento

relativamente às amostras clínicas. Quanto ao Processo que revelou ser a Dimensão cujos

valores foram mais pobres nas três amostras, as diferenças foram menos acentuadas.

O facto de aumentarmos o conhecimento quanto às especificidades de cada uma das

amostras clínicas poderá ser útil na tomada de decisão do terapeuta que adopte como medida

de intervenção a exploração da riqueza das Sub-dimensões da matriz narrativa.

4.3 Análise do desenvolvimento narrativo

A análise do desenvolvimento narrativo teve em conta as diferenças encontradas ao nível

da Estrutura, do Processo e do Conteúdo nas narrativas de ficção em diferentes Etapas de

Desenvolvimento, a infância, a adolescência e a idade adulta, bem como a avaliação da

tendência evolutiva ao longo dos diversos Grupos Etários dentro de cada uma dessas Etapas.

Verificamos uma diferença essencial no que toca aos resultados encontrados entre as

crianças, os adolescentes e os adultos: enquanto que, para os adolescente e adultos a dimensão

mais elevada corresponde à Estrutura, seguida do Conteúdo e por fim do Processo, para as

crianças, a Dimensão com valores mais elevados corresponde ao Conteúdo, seguido da

Estrutura e, por fim, do Processo, este com valores francamente baixos. Isto poderá indicar que,

pelos 11-12 anos de idade o perfil narrativo começa a assemelhar-se ao perfil narrativo dos

adultos, embora ainda com diferenças quanto à sua riqueza, como veremos de seguida. O facto

das crianças até aos 10 anos de idade obterem resultados mais elevados para a Dimensão

Conteúdo coincide com a ideia de que as crianças começam por enumerar e descrever o que

vêem e, só mais tarde, se debruçam sobre os aspectos emocionais e metacognitivos dos

acontecimentos (Peterson & McCabe; Umiker-Sebeok cit. in Freitas, 2005). Poderemos ainda

acrescentar que só mais tarde alcançam mestria nos aspectos organizadores e integradores dos

mesmos, questão igualmente referida pelos autores que assumem que a expressão da evolução

estrutural se encontram essencialmente a partir dos 11 anos de idade (Marchesi; Stein e Glenn,

cit. in Freitas, 2005).

107

Debrucemo-nos, agora, sobre cada uma das Dimensões por Etapa de Desenvolvimento e

por Grupo Etário. Para isso, teremos em conta os resultados obtidos neste estudo, bem como os

resultados obtidos nas já referidas investigações de Alexandra Freitas (2005) com crianças e de

Carla Rocha (2005) com adolescentes.

Relativamente à Estrutura, verificamos uma nítida evolução das narrativas das crianças

para as narrativas dos adolescentes e uma evolução, embora menor, destes para os adultos que

apresentam a pontuação mais elevada. Ao nos debruçarmos sobre os valores de cada um dos

Grupos Etários, observamos que, é esta a Dimensão cuja evolução desde as crianças mais

novas aos adultos mais velhos é maior, bem como uma evolução a par com Grupo Etário

estudado. Embora não tenhamos tido condições para fazer uma análise válida estatisticamente

para os nove Grupos Etários, se relembrarmos os resultados obtidos para as crianças (Freitas,

ibidem), para os adolescentes (Rocha, ibidem) e para os adultos, poderemos tecer as seguintes

considerações: nas crianças existe uma progressão significativa ao nível da Estrutura entre todos

os Grupos Etários (dos 3-4 aos 9-10 anos de idade); nos adolescentes entre os 11-12 e os 14-15

anos existe evolução embora não significativa, passando a sê-lo quando estes são comparados

com os jovens de 17-18 anos; quanto aos adultos, as ligeiras diferenças entre os Grupos Etários

(no sentido ascendente) não são significativas; os valores dos jovens de 17-18 anos não se

apresentam muito distantes dos valores dos adultos de 20-25 anos. Estes dois últimos dados

levam-nos a crer que, ou a partir dos 17-18 ou dos 20-25, pelo menos até aos 45 anos de idade,

as características ao nível da Estrutura não sofrerão grandes alterações. Ainda assim, ao nível

das Sub-dimensões, os adolescentes mais velhos (Rocha, ibidem) revelam valores moderados e

os adultos, como amostra global, valores entre o moderado e o elevado.

No geral, estes dados parecem coincidir com os resultados de estudiosos que indicam

que, pelo terceiro ano de vida parece já emergir uma função narrativa (Russel & Van der Broek;

Reilly e colaboradores, cit. in Freitas, ibidem), que permite à criança a criação de histórias

acerca dos acontecimentos com que se vai confrontando, ainda que a sua coerência estrutural

seja menor do que a de um adulto ou de um adolescente (McKeough & Generaux, 2003;

Berman cit. in Freitas, 2005). Na mesma linha, encontram-se os estudos que indicam que ao

longo da adolescência a coerência narrativa emerge com um maior número de ligações causais

nas narrativas (Habermans & Paha cit. in Rocha, 2005) e com uma maior capacidade para

108

construir narrativas que envolvem múltiplas dimensões e sub-histórias (McKeough & Genereux,

2003).

No que diz respeito ao Processo encontramos, tal como para a Estrutura, uma nítida

evolução das narrativas das crianças para as narrativas dos adolescentes. Em relação a estes

últimos, encontraram-se valores bem distintos quando os jovens de 11-12 e 14-15 são

comparados com os adolescentes mais velhos que, por sua vez, revelam valores quase idênticos

aos apresentados por todos os Grupos Etários dos adultos e, no caso dos adultos, embora os

valores progridam ligeiramente entre si, os de 20-25 e os de 26-30 anos apresentam valores até

ligeiramente abaixo dos valores dos adolescentes mais velhos. Desta forma, parece que, a

evolução nesta Dimensão se faz sentir até ao final da adolescência, momento a partir do qual

parece estabilizar-se. Assim sendo, a diferença estatisticamente significativa entre os

adolescentes e os adultos, para o Processo, parece ser melhor explicada pelos valores mais

baixos apresentados pelos adolescentes mais novos. Tal como referem MacKeough e Generoux

(2003) entre os 10, 12, 14 e 17 anos de idade percebe-se um salto na compreensão sócio-

psicológica narrativa, passando da compreensão intencional para uma maior compreensão

interpretativa, nomeadamente, os adolescentes de 17 anos apresentam maior facilidade em

adoptar uma meta-posição da experiência humana de forma consciente e deliberada, mais do

que adolescentes de 14 anos.

Quanto ao Conteúdo, a análise comparativa entre as três Etapas de Desenvolvimento

mostra que as crianças se distanciam significativamente dos adolescentes e dos adultos que,

por sua vez, funcionam como um grupo homogéneo. Esta é a Dimensão que mais se distingue

das outras duas pela tendência evolutiva parecer ser, por um lado, menos linear em relação aos

Grupos Etários e, por outro, menos evidente, devido à menor variabilidade entre as notas. Por

exemplo, as notas das crianças de 6-7 anos, não revelam uma grande distância entre as notas

dos adolescentes e as dos adultos. Assim, sabemos existir uma progressão significativa entre as

crianças de 3-4 e as de 6-7 anos, mas o mesmo não acontece destas para as de 9-10 anos,

onde os valores aumentam mas sem relevância estatística (Freitas, 2005). Por outro lado, os

valores dos adolescentes de 11-12 e 14-15 anos são muito semelhantes aos valores das

crianças de 6-7 anos e até ligeiramente inferiores aos das crianças de 9-10 anos. Por esse

motivo, pensamos não existir progressão dos 6-7 aos 14-15 anos. Os adolescentes de 11-12

anos revelam um valor ligeiramente superior do que os de 14-15 anos, verificando-se apenas

uma ligeira evolução significativa entre estes dois grupos e o de 17-18 anos de idade, embora as

109

diferenças com os de 11-12 sejam apenas marginalmente significativas (Rocha, 2005). Os

resultados dos adultos apresentam-se ligeiramente inferiores aos dos adolescentes mais velhos,

embora algo aproximados, sendo os adolescentes mais velhos e os adultos mais velhos, os que

apresentam um valor global mais elevado e muito aproximado. Os adolescentes de 17-18 anos

apresentam valores das Sub-dimensões entre o baixo, o moderado e elevado (Freitas, 2005) e os

adultos no geral, situam-se nos valores moderados, à excepção dos Temas para ambas as

Etapas de Desenvolvimento, que apresentam valores baixos, provavelmente pelos motivos já

expostos. Assim, temos condições para supor que existe uma tendência evolutiva dos 3-4 aos 6-

7 anos, que se estabilizará até aos 14-15 e uma nova progressão até aos 17-18 anos, sem

grandes alterações até aos 45 anos de idade.

Ainda a propósito das diferenças na matriz narrativa ao longo do desenvolvimento, importa

referir a influência das variáveis sócio-demográficas Sexo e NSC (nível sócio-cultural). O Sexo

parece não determinar a riqueza das narrativas nas crianças (Freitas, ibidem), embora os valores

mais elevados nas raparigas, adivinhem já as diferenças que passam a ser um factor de

influência significativa na riqueza narrativa dos adolescente (Rocha, ibidem), sendo mais

evidente ao nível da Estrutura, onde todas as Sub-dimensões são estatisticamente superiores

nas raparigas. Como defendem alguns autores, estas diferenças entre os sexos poderão estar

mais associadas ao facto dos pais tenderem a contar histórias acerca de acontecimentos

passados a crianças do sexo feminino e do sexo masculino de formas distintas (Fivush, 1994;

Mackeough e Generaux, 2003), sendo que os pais tenderiam a contar às raparigas, mais do que

aos rapazes, histórias com maior conteúdo emocional (Fivush, 1994; Chance e Fiese, cit. in

Rocha, ibidem;) e com mais informação acerca de significados pessoais (Fivush, 1994).

Quanto aos adultos, verificamos valores masculinos ligeiramente superiores aos femininos,

no entanto sem qualquer relevância estatística. Este resultado parece consistente com alguns

estudos com adultos onde a influência da variável sexo não se manifestou significativa,

nomeadamente ao nível da estrutura e coerência (Kemper e colaboradores, 1999; Breager e

McAdams, 1999).

Quanto à variável NSC (medida pelo número de anos de estudo dos pais), revelou não ser

determinante na produção narrativa nas crianças (Freitas, 2005) e nos adolescentes (Rocha,

2005). No entanto, o NSC (medido pelo número de anos de estudos dos próprios) manifestou

110

ter um efeito na determinação das narrativas dos adultos, onde os resultados foram indicadores

de que na Estrutura e no Conteúdo, o NSC Médio e Alto funcionam como um grupo homogéneo

(embora o NSC Alto detenha os valores mais elevados) traduzindo-se em narrativas mais ricas do

que as narrativas dos sujeitos de NSC Baixo. Quanto ao Processo existem diferenças

significativas em todos os grupos sendo que, aos NSC mais elevados correspondem valores

superiores de complexidade narrativa. Da mesma forma, num estudo realizado com adultos por

Kemper e colaboradores (1999), os sujeitos com maior número de anos de educação formal e

com mais vocabulário produziram frases maiores e narrativas com um maior número de ideias

integradas. Num outro estudo realizado por Breager e McAdams (1999) com adultos, os

resultados revelaram que o nível de educação se encontrava modestamente correlacionado com

a coerência da história de vida. Spinillo e Martins (cit. in Fabíola Gonçalves & Dias, 2003) ao

analisarem narrativas de crianças entre os 6 e os 7 anos de idade, de nível socio-económico

médio mas com distintos níveis de alfabetização revelaram que a dificuldade encontrada em

todas as crianças em relacionar e integrar o desfecho da história com os eventos anteriormente

narrados, foi menos evidente nas crianças alfabetizadas. Fabíola Gonçalves e Dias (2003)

através do mesmo sistema de análise do estudo anterior, verificaram, numa amostra de jovens e

adultos com dois níveis de alfabetização distintos, que os resultados eram consistentes com a

ideia de que a escolarização formal e sistemática (especialmente no que diz respeito à aquisição

da leitura e da escrita), permite o desenvolvimento da habilidade de produzir oralmente textos

mais coerentes. As autoras realçam, ainda, o facto de, tanto os adultos que apresentavam

menor escolarização, como as crianças de uma forma geral, mas especialmente as menos

escolarizadas, terem apresentado como maior dificuldade o relacionamento do desfecho da

história com o evento principal e com os episódios narrados ao longo da história. Não obstante

estes resultados, as autoras ressaltam o facto de as narrativas orais dos jovens e adultos sem

escolarização se situarem em níveis mais elaborados de coerência do que as narrativas orais das

crianças, mesmo as com níveis de escolaridade superior, supondo que, para além da

escolaridade, outros factores, de que são exemplo, o conhecimento do mundo, o conhecimento

partilhado, factores pragmáticos, etc., influenciam a produção de histórias mais coerentes.

É ainda se salientar que alguns autores referem as competências narrativas das crianças

ao nível do pré-escolar como excelentes preditores do futuro sucesso escolar (Peterson, Josso, e

McCabe, cit. in Freitas, 2005). Por estes motivos, permitimo-nos colocar a hipótese de que os

resultados da presente investigação que apontam no sentido de que o número de anos de

111

estudo contribuiu para uma maior riqueza da matriz narrativa, poderá ser reflexo de duas

influências distintas, mas que podem interferir dialecticamente: 1) que um maior número de

anos de estudo influencia positivamente a expressão narrativa e/ou 2) que sujeitos cuja riqueza

narrativa é mais acentuada, tenderão a ter mais sucesso escolar, aumentando assim a

probabilidade de prosseguirem os estudos.

Passemos agora a resumir os resultados, dando destaque àqueles que nos parecem mais

pertinentes no quadro da presente investigação.

Ao nível da organização narrativa dos adultos o perfil encontrado tanto nas narrativas

autobiográficas como nas narrativas de ficção evidenciou a Estrutura como a dimensão mais

elevada, (e com valores das Sub-dimensões acima do moderado), seguindo-se o Conteúdo e por

fim o Processo. Ao nível da comparação com adultos com diagnósticos clínicos, nomeadamente

de agorafobia e de dependência de opiáceos, verificou-se, de acordo com o esperado, que,

embora o referido perfil seja idêntico, a amostra normativa apresenta valores significativamente

mais elevados nas três dimensões. Encontra-se uma excepção no Processo quando

comparamos a amostra normativa com a amostra de sujeitos com agorafobia, pois, embora os

valores da primeira sejam mais elevados, a diferença não se revelou significativa.

Sobre o desenvolvimento da matriz narrativa, podemos dizer que este estudo será,

provavelmente, o único que, até ao momento, permite verificar a tendência evolutiva da

organização narrativa desde a infância até à vida adulta. Assim, verificou-se que o perfil

encontrado para os adultos ao nível das Dimensões dá continuidade ao encontrado nas

narrativas de ficção dos adolescentes (Rocha, 2005) e se distingue do encontrado nas crianças

(Freitas, 2005), nas quais o Conteúdo é a dimensão mais elevada, seguida da Estrutura e, por

fim do Processo. Ao compararmos as três Etapas de Desenvolvimento, podemos afirmar que, de

uma forma geral, existe uma progressão significativa ao nível da Estrutura e do Processo, sendo

que, ao nível do Conteúdo, a progressão significativa se verificou apenas entre as crianças e os

outros dois grupos, adolescentes e adultos. Na análise da tendência evolutiva ao nível dos nove

Grupos Etários estudados, verificamos que, na Estrutura os valores mais elevados correspondem

aos Grupos Etários mais elevados. Por outro lado, sabemos que, entre os três Grupos Etários

dos adultos essa progressão não é significativa ao nível das três Dimensões, indo ao encontro de

estudos anteriores que apontam para a não existência de variações da produção narrativa em

112

adultos, em função da idade (e.g., Breager e McAdams, 1999). Já ao nível do Processo e do

Conteúdo narrativos a tendência evolutiva parece finalizar pelos 17-18 anos.

Quanto à influência de outras variáveis, no que toca ao sexo, os estudos parecem ser

indicadores de as diferenças com vantagem para o sexo feminino se iniciarem na infância

(Freitas, 2005), acentuarem na adolescência (Rocha, 2005) e se esbaterem na idade adulta. No

que diz respeito ao NSC, este revelou-se sem influência em amostras de crianças (Freitas, 2005)

e adolescentes (Rocha, 2005) quando é tido em conta o nível de escolaridade dos pais, embora

se tenha revelado significativo nos adultos, mostrando que o seu grau de escolarização poderá

ter como efeito a produção de narrativas mais ricas.

Conclusões

114

115

CONCLUSÕES

Um mestre (…) é alguém que vê o dia como uma oportunidade no tempo para criar

avenidas de realidade, emoções que ainda não surgiram, realidades que ainda não

nasceram, de modo tal que o dia se converta numa fecundação de infinitas manhãs.

Excerto do documentário

What the Bleep Down the Rabbit Hole do We Know?

Terminado mais um percurso na investigação e no desejo de que tudo o que foi dito se

enquadrará, um dia, noutros percursos vindouros, cabe agora tecer algumas conclusões e traçar

outras considerações que deitem um olhar sobre o futuro.

Pretendemos com a presente investigação conhecer de que forma os adultos organizam

narrativamente a sua experiência ao nível das três Dimensões centrais da narrativa, propostas

por Gonçalves (2000), Estrutura, Processo e Conteúdo. Propusemo-nos, ainda, a distinguir estes

sujeitos daqueles que revelam um diagnóstico clínico, tentando perceber de que forma as

diferenças esperadas se faziam sentir. Por fim, considerámos a necessidade de desenhar a

tendência evolutiva da organização narrativa ao longo de diferentes idades, mais

especificamente, desde a infância até à vida adulta, sem esquecer de que forma variáveis como

o Sexo e o Nível Sócio-cultural (NSC) exerceram uma influência diferente de acordo com a faixa

etária estudada.

Os dados obtidos pela análise de adultos entre os 20 e os 45 anos de idade que se

submeteram às tarefas de Elicitação de Narrativa Autobiográfica e de Indução de Narrativa de

Ficção, indicam-nos que o seu perfil narrativo se caracteriza por uma maior riqueza ao nível da

Estrutura, dotando-a de elementos que revelam uma boa orientação e clarificação do contexto

em que as personagens se movem e do espaço em que ocorrem os acontecimentos, uma boa

capacidade para sequenciar temporalmente os acontecimentos, uma riqueza quanto ao cunho e

envolvimento afectivo no acto de narrar e, por fim, uma boa capacidade de integrar os diferentes

episódios que compõe a narrativa num todo coerente. O Conteúdo mostrou-se a segunda

dimensão mais elevada, revelando riqueza na diversidade de Personagens, de Acontecimentos e

de Cenários narrados. O facto dos Temas terem sido excepção a esta regra, parece-nos prender-

116

se com questões metodológicas relacionadas com as tarefas de elicitação e de indução

narrativas que, como já referimos, parecem restringir a diversidade temática. O Processo

revelou-se a dimensão com valores mais pobres ao nível da organização da matriz narrativa,

deixando adivinhar que os elementos de expressão das variáveis internas (sensações, emoções,

pensamentos e significação da experiência) serão aqueles que, embora existentes, se encontram

menos representados.

Consideramos que a utilidade da análise da organização do discurso ao nível das

narrativas autobiográficas em adultos sem psicopatologia, se prende com a possibilidade de

comparação com grupos clínicos. Neste contexto efectuámos comparações com sujeitos com

diagnóstico de agorafobia e com sujeitos com diagnóstico de dependência de opiáceos. Embora

nas três amostras a Estrutura se apresente como a Dimensão mais rica, seguida do Conteúdo e

do Processo, foi possível verificar diferenças consideráveis entre a amostra normativa e as

amostras clínicas. Assim, indo ao encontro da teoria preconizada por Gonçalves (2000) que

defende que da incapacidade do sujeito para construir a sua experiência de uma forma múltipla

e criativa, emerge a perturbação psicológica, podemos dizer que:

- de uma forma geral, os adultos sem perturbação psicológica distinguiram-se pela forma

mais rica como dão coerência à Estrutura narrativa, como diversificam os Conteúdos narrativos e

como complexificam o Processo narrativo. É de referir que as duas amostras clínicas parecem

aproximar-se substancialmente no que toca à Estrutura e ao Conteúdo, enquanto que, no que diz

respeito ao Processo, estes dois grupos distanciam-se de forma significativa. Por outro lado, o

grupo normativo não se chega a diferenciar significativamente dos valores dos pacientes com

agorafobia ao nível do Processo;

- especificamente, no que toca à Estrutura, os sujeitos diagnosticados com as referidas

perturbações clínicas apresentaram maior dificuldade em organizar a experiência de forma

coerente, organizada e integrada. Curiosamente, verificámos que, no que toca à sub-dimensão

Comprometimento Avaliativo os sujeitos com psicopatologia parecem não diferir dos adultos sem

perturbação psicológica na forma como se envolvem na produção narrativa;

- ao nível do Processo, a análise das Sub-dimensões revela que a amostra normativa

obteve valores de Objectivação mais elevados do que as duas amostras clínicas e que a

Subjectivação Cognitiva se manifestou mais elevada em relação aos sujeitos dependentes de

opiáceos. Embora de uma forma geral, os resultados da amostra normativa ao nível do Processo

117

se tenham revelado pobres, estas diferenças encontradas ao nível das Sub-dimensões

transparecem uma maior dificuldade dos sujeitos com estes diagnósticos clínicos em descrever

aspectos externos da experiência e em explorar a multiplicidade do mundo sensorial e, ainda,

uma maior dificuldade dos sujeitos com diagnóstico de dependência de opiáceos em explorar

pensamentos, ideias e planos pessoais;

- por fim, a análise mais detalhada do Conteúdo diz-nos que os sujeitos com perturbações

clínicas revelaram uma menor riqueza quanto à diversidade de Personagens, Cenários e Acções

do que o grupo normativo, o mesmo não se verificando quanto aos Temas, provavelmente pelo

motivo já explicitado, de que a tarefa de elicitação de um episódio de vida, condicione a narrativa

a uma ou duas temáticas. Estes resultados reforçam a ideia de que, da dificuldade ou da

incapacidade de construir narrativas dotadas de diversidade de Conteúdo emergem narrativas

menos flexíveis e menos adaptadas, conferindo-lhe a prototipia típica da perturbação psicológica

(Gonçalves, 2000).

No futuro, grupos de sujeitos com diferentes diagnósticos poderão ser alvo de comparação

com os resultados dos adultos sem diagnóstico clínico, possibilitando perceber, igualmente, o

que os distingue ao nível das Dimensões e Sub-dimensões da matriz narrativa. O facto de

aumentarmos o conhecimento quanto às especificidades de cada uma das amostras clínicas

poderá ajudar o terapeuta que adopte como medida de intervenção a exploração da riqueza da

matriz narrativa. Outra possibilidade de análise futura poderá prende-se com o estudo da relação

entre os valores das dimensões da matriz narrativa com medidas de satisfação e bem-estar

psicológico, tal como foi já realizado noutras investigações, embora com sistemas de análise

narrativa diferente, nomeadamente ao nível da coerência narrativa (e.g., McAdams, Lensky,

Daple & Allen, cit. in Baerger e McAdams, 1999; Baerger e McAdams, 1999; Russel e Wandrei,

cit. in Henriques, 2000). Seria ainda interessante estudar em que medida a estimulação das

diferentes Dimensões em distintas formas de prototipia narrativa contribui para uma melhoria do

estado emocional.

Uma segunda utilidade da análise da organização narrativa dos adultos, prende-se com o

facto de permitir traçar de que forma evoluímos quanto ao modo de significar a experiência ao

longo da vida. Como sabemos, vários autores apontam a tendência evolutiva do acto de narrar,

sugerindo que, pelo três anos de idade emerge uma função narrativa que se complexifica e

enriquece até ao final da adolescência (e.g., Reilly et al., 1998; McKeough & Generoux, 2003)

118

Embora pareça existir quase um vazio quanto ao estudo da organização narrativa em adultos,

alguns autores salientam que o contar de histórias não sofre variações ao longo da vida adulta

(Breager e McAdams, 1999). Da mesma forma, o nosso estudo revelou que, entre os três

Grupos Etários estudados nos adultos (20-25, 26-30, 35-45 anos de idade) não se encontraram

diferenças significativas na matriz narrativa.

A análise das narrativas de ficção de adultos permitiu procedermos à comparação com as

narrativas de ficção de crianças e de adolescentes cujos resultados se encontram apresentados

nos estudos de Alexandra Freitas (2005) e de Carla Rocha (2005), respectivamente. Desta

forma, foi possível traçar a tendência evolutiva das três Dimensões da matriz narrativa em

crianças desde os 3-4 anos de idade até adultos entre os 35-45 anos de idade. Globalmente, os

dados apontam no sentido de uma tendência de evolução positiva na forma como a coerência da

Estrutura, a complexidade do Processo e a multiplicidade do Conteúdo são articuladas desde os

três anos de idade até à idade adulta, muito embora o Conteúdo pareça não se distinguir na sua

riqueza quando comparamos os adolescentes com os adultos, sendo a dimensão cuja evolução

ao longo do desenvolvimento parece ser menos vincada. Mais especificamente, a Estrutura

parece ser a dimensão cuja evolução é mais evidente: se até aos 10-11 anos esta dimensão se

apresenta em segundo lugar de destaque, com vantagem para o Conteúdo, (Freitas, 2005), a

partir dos 11-12 anos de idade, tanto adolescentes (Freitas, 2005) como adultos apresentam

valores mais elevados ao nível da Estrutura, seguida do Conteúdo e por fim do Processo. Os

valores obtidos por cada um dos nove Grupos Etários revelam que a coerência da Estrutura

obtém valores superiores a par com a idade, que os valores da complexidade do Processo vão

aumentando até aos 17-18 anos e de novo aos 35-45 anos e que, a diversidade do Conteúdo

parece aumentar durante a infância e, posteriormente, aos 17-18 anos de idade. Uma vez que o

número de sujeitos das amostras não possibilitou a realização de análises estatísticas válidas

para tantos sub-grupos de sujeitos, esperamos que, outros estudos que se debrucem na

comparação entre os nove grupos etários estudados, por alargamento das respectivas amostras

e ainda, numa análise mais detalhada das diferenças apresentadas ao nível das Sub-dimensões,

possam elucidar quanto à melhor forma de conceptualizar essa tendência. Seria ainda

interessante alargar o estudo das três dimensões centrais da matriz narrativa a uma amostra de

sujeitos com mais de 45 anos, verificando de que forma difere a organização narrativa em

adultos mais velhos.

119

Por fim, importa salientar outros aspectos que foram alvo de análise e que poderão,

igualmente, trazer novas perspectivas de investigação. A análise de variáveis como o Sexo e o

Nível Sócio-cultural nas crianças, adolescentes e adultos permitiu-nos considerar os seguintes

aspectos: a riqueza das narrativas das crianças não parece variar em função do sexo (Freitas,

2005) embora valores mais elevados nas raparigas, adivinhem as diferenças significativas que

se vêm a encontrar entre rapazes e raparigas na adolescência (Rocha, 2005), com maior

destaque para a Estrutura. Já nos adultos, verificámos valores dos homens ligeiramente

superiores aos das mulheres, embora sem qualquer relevância estatística. Estes resultados vão

ao encontro das investigações que realçam as diferenças encontradas por sexo, na produção

narrativa de crianças e de adolescentes e que tendem a ser explicadas como resultado da

tendência dos pais para contarem as histórias do passado de forma distinta consoante o façam

a crianças do sexo feminino ou do sexo masculino (e.g., Fivush, 1994; Mackeough e Generaux,

2003) e, ainda, de outras que referem que a variável sexo não determina diferenças na

organização narrativa dos adultos, nomeadamente ao nível da coerência (e.g., Kemper e

colaboradores, 1999; Breager e McAdams, 1999). Estudos ulteriores talvez nos permitam

perceber o que conduz a que esta tendência se acentue na adolescência e se esbata na vida

adulta.

Quanto à outra variável estudada, NSC, os resultados também não foram consistentes ao

longo do desenvolvimento e parece encontrar-se mais do que uma tendência nas investigações.

O NSC revelou não produzir um efeito significativo na produção das dimensões da matriz

narrativa das crianças (Freitas, 2005) e dos adolescentes (Rocha, 2005), no entanto, manifestou

influenciar a produção narrativa dos adultos, sendo que, no geral, os sujeitos dos níveis médio e

alto revelaram narrativas mais ricas do os de nível baixo. Outros estudos que tiveram em conta o

número de anos de estudos dos adultos encontraram relações entre um maior número de anos

de educação formal e de maior riqueza de vocabulário com a produção de frases maiores e de

narrativas com um maior número de ideias integradas (Kemper e colaboradores, 1999) e, ainda,

com uma maior coerência da história de vida (Breager e McAdams, 1999). Neste ponto, importa

referir que, o facto de alguns estudos, nomeadamente os que acabámos de referir realizados

com crianças e adolescentes operacionalizarem o NSC através da escolaridade dos pais,

enquanto que outros, nomeadamente na nossa amostra de adultos, o fazerem através do nível

de escolaridade ou anos de estudo dos próprios sujeitos, poderá determinar resultados

diferentes dos encontrados para aquelas faixas etárias. Por outro lado, o facto de ser difícil

120

encontrar crianças da mesma idade com níveis de escolaridade distintas sem que entrem em

jogo outro tipo de variáveis (tais como dificuldades de aprendizagem, deficiência mental, ou

outras que adivinhem trajectórias de desenvolvimento difíceis) dificulta perceber se as diferenças

se devem ou não à forma como a variável NSC foi operacionalizada. Ainda assim, estudos que

avaliaram a produção narrativa em crianças entre os 6-7 anos de idade (Spinillo e Martins, cit. in

Fabíola Gonçalves & Dias, 2003) e em adultos (Fabíola Gonçalves e Dias, 2003) com níveis de

escolarização distinta, corroboram a ideia de que os sujeitos menos alfabetizados revelaram

maior dificuldade em relacionar e integrar o desfecho da história com os eventos anteriormente

narrados. No entanto, como defendem as autoras, o facto de as narrativas orais dos jovens e

adultos sem escolarização se situarem em níveis mais elaborados de coerência do que as

narrativas orais das crianças, mesmo as mais escolarizadas, parece indicar que, para além da

escolaridade, outros factores, como o conhecimento do mundo, o conhecimento partilhado,

factores pragmáticos, etc., influenciam a produção de narrativas mais coerentes. Para além

disso, é ainda de salientar o facto das competências narrativas das crianças ao nível do pré-

escolar serem excelentes preditores do futuro sucesso escolar (Peterson, Josso, e McCabe, cit.

in Freitas, 2005) facto que poderá, em parte, condicionar o ingresso em níveis de escolarização

média ou superior daqueles sujeitos que apresentam, à partida, uma maior riqueza narrativa.

Desta forma, consideramos a influência da escolarização na organização narrativa ainda um

tema ambíguo, almejando que futuros estudos possibilitem novas conceptualizações.

Em conclusão, esperamos que, ao aumentarmos o conhecimento sobre a tendência

evolutiva da organização narrativa ao longo da vida e sobre a influência protagonizada por conta

de diferentes variáveis, estejamos a contribuir para a identificação do que é esperado em

determinada idade ao nível da produção narrativa. Por outro lado, na medida em que

possibilitámos a existência de um grupo de controlo e, em consequência disso, o conhecimento

do que distingue o acto narrativo de sujeitos com e sem psicopatologia, esperamos ter dado um

passo na compreensão da psicopatologia e na selecção de melhores opções terapêuticas. Nesta

linha de raciocínio, antevemos a possibilidade futura de se estabelecerem medidas cada vez

mais adequadas a sujeitos cujas diferenças na matriz narrativa, sugerem distintas formas de

disfuncionamento psicológico ou prototipia.

121

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Anexos

Anexo 1

130

Organização Narrativa em Adultos

Óscar Gonçalves & Laura Bettencourt Universidade do Minho

& Margarida Rangel Henriques

Universidade do Porto

Exmo. Sr.

Presidente do Conselho Directivo da

Escola Superior de Enfermagem Dr. Ângelo da Fonseca

Professor Doutor António Couto

Vimos por este meio solicitar a Vossa colaboração num projecto de investigação que está a ser desenvolvido

no âmbito do grupo de estudos “3N Project: Nurturing Nature with Narrative” coordenado pelo Professor Doutor

Óscar Gonçalves da Universidade do Minho e pela Professora Doutora Margarida Rangel Henriques da Universidade

do Porto, o qual se tem dedicado à compreensão do desenvolvimento narrativo e das suas perturbações. Mais

especificamente, trata-se de um estudo a ser desenvolvido pela licenciada Laura Bettencourt Ferreira, cujo objectivo

é estudar a forma como os adultos contam histórias e experiências da sua vida em diferentes faixas etárias.

A realização do estudo implica o recrutamento de sujeitos com idade compreendida entre os 20 e 45 anos,

para que lhes seja realizada uma entrevista de recolha de narrativas (com a duração aproximada de 30 minutos), a

qual será audio-gravada. Todos os dados recolhidos são de carácter confidencial e apenas serão divulgados os

resultados globais por grupos de indivíduos.

Assim, solicitamos a V. Ex.a, autorização para o recrutamento de sujeitos na ESEAF, através de um contacto

directo com funcionários da escola ou alunos, bem como, do contacto com grupos de alunos no início das sessões

lectivas, a fim de recolhermos o consentimento de participação voluntária no estudo e os dados sócio-demográficos

dos participantes. Solicitamos, ainda, a utilização das V. Instalações para a aplicação das referidas tarefas, em data

e hora a combinar, de acordo com a disponibilidade dos sujeitos e sem prejuízo do bom funcionamento da Escola.

Atenciosamente,

P’la Equipa de Investigação O Presidente do Conselho Directivo

___________________________ ___________________________

Coimbra, ____ de ____________ de 2006

Anexo 2

Organização Narrativa em Adultos

Óscar Gonçalves & Laura Bettencourt

Universidade do Minho &

Margarida Rangel Henriques Universidade do Porto

Declaração de Participação Voluntária

Um grupo de investigadores do Instituto de Psicologia e Educação da Universidade do Minho encontra-se a

realizar uma investigação sob coordenação do Prof. Doutor Óscar Gonçalves e da Professora Doutora Margarida

Rangel Henriques, cujo objectivo é estudar a forma como os adultos contam histórias e experiências da sua vida em

diferentes faixas etárias.

Vimos solicitar a sua colaboração para a administração de tarefas de elicitação de narrativas (que serão

audio-gravadas), com a duração aproximada de 30 minutos.

Todos os dados recolhidos são de carácter confidencial pelo que, apenas serão divulgados os resultados

globais por grupos de indivíduos. A participação é de carácter voluntário, pelo que poderá retirar-se do estudo a

qualquer momento, se o desejar.

Agradecemos desde já a sua disponibilidade,

Atenciosamente,

P’la equipa de investigação O/A Voluntário(a)

_________________________ ________________________

_____________, __ de ____________ de ____

Anexo 3

n.º ____ ____

Ficha de Identificação

Nome: _____________________________________________________________

Morada: ______________________________________________________________

Telefone: _______________________ Telemóvel: _______________________

Data de Nascimento (dia/mês/ano): ___ / ___ / ______ Idade _______

Naturalidade: _________________________________________________________

Estado Civil: __________________________________________________________

Profissão: ____________________________________________________________

Situação Actual: estudante desempregado

empregado à procura de emprego

Habilitações Literárias: _________________________________________________

Por favor, responda às seguintes questões, colocando uma cruz (X)

1. Já recorreu a ajuda psicológica ou psiquiátrica?

Sim Não

2. Actualmente, encontra-se em acompanhamento psiquiátrico ou psicológico?

Sim Não

3. Actualmente está a fazer tratamento com medicação psiquiátrica?

Sim Não