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sos Íntimos de Gente Importante) e académicos com demasiado po- der e sem ninguém a quem prestar contas. São pessoas que viciam o sistema e deixam que os outros paguem o preço. Em nenhum momento da história existiu tanta gente que, sem qualquer risco, ou seja, não se expondo pessoalmente, tivesse tanto poder. O principal mandamento é o seguinte: Não deverás ter antitragili - dade à custa da fragilidade dos outros. (…) O Fragilista A nossa ideia é evitar a interferência com coisas que não compreen- demos. Ora algumas pessoas têm propensão para o contrário. O fra- gilista pertence àquela categoria de pessoas que usa habitualmente fato e gravata, com frequência mesmo às sextas-feiras; escuta as nossas piadas com uma solenidade gélida e tende a ter problemas da coluna prematuramente, por estar sentado a uma secretária, via- jar de avião e ler jornais exaustivamente. Participa com frequência num ritual estranho, algo habitualmente designado por «reunião». Para além destas características, por princípio acredita que aquilo que não vê não é real, ou que aquilo que não compreende não existe. Em resumo, cai no erro de confundir o desconhecido com o inexis- tente. O fragilista caiu na ilusão soviético-Havard, na sobreavaliação (não científica) do alcance do conhecimento científico. Devido a esta ilusão, tornou-se aquilo que se designa como racionalista ingénuo, racionalizador, ou por vezes apenas racionalista, no sentido em que acredita que as razões na origem das coisas lhe são automatica- mente acessíveis. E não confundamos racionalizante com racional – os dois conceitos são quase sempre o oposto exato um do outro. Exceto na Física, e geralmente em áreas complexas, as razões na ori - “A antifragilidade está para além da resiliência ou da robustez. O resiliente resiste aos choques e permanece o mesmo; o antifrágil melhora com eles. Esta característica está presente em tudo o que mudou com o tempo: a evolução, a cultura, as ideias, as revoluções, os sistemas políticos, as inovações tecnológicas, os sucessos cultu- rais e económicos, a sobrevivência das empresa s (…). (…) (…) uma boa parte do nosso mundo moderno e estruturado tem- -nos agredido com decisões políticas unilaterais e geringonças (apelidadas neste livro «ilusões soviético-Harvard») que têm preci - samente o seguinte efeito: afrontar a antifragilidade dos sistemas. (…) Vantagens à Custa de Outros Isto conduz-nos ao maior fator de fragilização da sociedade, e prin- cipal fator gerador de crises, o não «arriscar a pele». Algumas pesso- as tornam-se antifrágeis à custa de outros, obtendo vantagens (ou lucros) da volatilidade, variações e desordem, e expondo os outros às desvantagens dos riscos ou prejuízos. E esta antifragilidade-à- -custa-da-fragilidade-dos-outros está oculta – devido à incapacidade de ver a antifragilidade dos círculos intelectuais soviético-Harvard, esta assimetria raramente é identificada e (até agora) nunca foi en- sinada. Além disso, como descobrimos no decurso da crise financeira que teve início em 2008, estes riscos para os outros de explosão são facilmente escondidos devido à crescente complexidade das institui- ções modernas e das questões políticas. Enquanto no passado as pes- soas de uma certa classe ou estatuto eram aquelas – e as únicas – que assumiam riscos, que podiam sofrer as desvantagens dos seus atos, e heróis eram aqueles que o faziam para o bem dos outros, atualmente é precisamente o inverso que acontece. Estamos a assistir à ascensão de um novo tipo de heróis ao contrário, isto é, burocratas, banqueiros, frequentadores de Davos, membros da APIGI (Associação dos Preten- Lazer Momento de leitura Extrato de “Antifrágil - coisas que beneficiam da desordemde Nassim Nicholas Taleb (autor de “O Cisne Negro”) 54 REVISORES AUDITORES JANEIRO_MARÇO 2016

Lazer - oroc.pt · resiliente resiste aos choques e permanece o mesmo; o antifrágil melhora com eles. Esta característica está presente em tudo o que mudou com o tempo: a evolução,

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54 RevisoRes AuditoRes JANEIRO_MARÇO 2016

sos Íntimos de Gente Importante) e académicos com demasiado po-der e sem ninguém a quem prestar contas. São pessoas que viciam o sistema e deixam que os outros paguem o preço.

Em nenhum momento da história existiu tanta gente que, sem qualquer risco, ou seja, não se expondo pessoalmente, tivesse tanto poder.

O principal mandamento é o seguinte: Não deverás ter antitragili-dade à custa da fragilidade dos outros.

(…)

O Fragilista

A nossa ideia é evitar a interferência com coisas que não compreen-demos. Ora algumas pessoas têm propensão para o contrário. O fra-gilista pertence àquela categoria de pessoas que usa habitualmente fato e gravata, com frequência mesmo às sextas-feiras; escuta as nossas piadas com uma solenidade gélida e tende a ter problemas da coluna prematuramente, por estar sentado a uma secretária, via-jar de avião e ler jornais exaustivamente. Participa com frequência num ritual estranho, algo habitualmente designado por «reunião». Para além destas características, por princípio acredita que aquilo que não vê não é real, ou que aquilo que não compreende não existe. Em resumo, cai no erro de confundir o desconhecido com o inexis-tente.

O fragilista caiu na ilusão soviético-Havard, na sobreavaliação (não científica) do alcance do conhecimento científico. Devido a esta ilusão, tornou-se aquilo que se designa como racionalista ingénuo, racionalizador, ou por vezes apenas racionalista, no sentido em que acredita que as razões na origem das coisas lhe são automatica-mente acessíveis. E não confundamos racionalizante com racional – os dois conceitos são quase sempre o oposto exato um do outro. Exceto na Física, e geralmente em áreas complexas, as razões na ori-

“A antifragilidade está para além da resiliência ou da robustez. O resiliente resiste aos choques e permanece o mesmo; o antifrágil melhora com eles. Esta característica está presente em tudo o que mudou com o tempo: a evolução, a cultura, as ideias, as revoluções, os sistemas políticos, as inovações tecnológicas, os sucessos cultu-rais e económicos, a sobrevivência das empresa s (…).

(…)

(…) uma boa parte do nosso mundo moderno e estruturado tem--nos agredido com decisões políticas unilaterais e geringonças (apelidadas neste livro «ilusões soviético-Harvard») que têm preci-samente o seguinte efeito: afrontar a antifragilidade dos sistemas.

(…)

Vantagens à Custa de Outros

Isto conduz-nos ao maior fator de fragilização da sociedade, e prin-cipal fator gerador de crises, o não «arriscar a pele». Algumas pesso-as tornam-se antifrágeis à custa de outros, obtendo vantagens (ou lucros) da volatilidade, variações e desordem, e expondo os outros às desvantagens dos riscos ou prejuízos. E esta antifragilidade-à--custa-da-fragilidade-dos-outros está oculta – devido à incapacidade de ver a antifragilidade dos círculos intelectuais soviético-Harvard, esta assimetria raramente é identificada e (até agora) nunca foi en-sinada. Além disso, como descobrimos no decurso da crise financeira que teve início em 2008, estes riscos para os outros de explosão são facilmente escondidos devido à crescente complexidade das institui-ções modernas e das questões políticas. Enquanto no passado as pes-soas de uma certa classe ou estatuto eram aquelas – e as únicas – que assumiam riscos, que podiam sofrer as desvantagens dos seus atos, e heróis eram aqueles que o faziam para o bem dos outros, atualmente é precisamente o inverso que acontece. Estamos a assistir à ascensão de um novo tipo de heróis ao contrário, isto é, burocratas, banqueiros, frequentadores de Davos, membros da APIGI (Associação dos Preten-

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Momentode leitura

Extrato de “Antifrágil - coisas que beneficiam da desordem” de Nassim Nicholas Taleb (autor de “O Cisne Negro”)

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práticos (ou pessoas que fazem as coisas) costumam compreender isto à primeira.

(…)

Acontece que a incerteza, a desordem e o desconhecido são total-mente equivalentes nos seus efeitos: os sistemas antifrágeis bene-ficiam deles (até certo ponto) e os frágeis são prejudicados por qua-se todos estes fatores – mesmo que os encontremos em edifícios separados dos campus universitários e algum filósofo de pacotilha que nunca tenha corrido riscos em toda a sua vida, ou, pior, nunca tenha tido uma vida, nos informe que «não são obviamente a mes-ma coisa».

(…)

Nassim Nicholas Taleb in “Antifrágil – Coisas que beneficiam da desordem”, D. Quixote,

ed. 2014

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gem das coisas têm tido tendência a ser menos óbvias para todos nós, e menos ainda para o fragilista. Esta característica de as coisas da natureza não virem acompanhadas de um manual do utilizador não é, infelizmente, um grande obstáculo: alguns fragilistas irão cer-tamente juntar-se para escreverem eles próprios o manual, graças à sua definição de «ciência».

Deste modo, graças ao fragilista, a cultura moderna tem-se tornado cada vez mais cega ao misterioso, ao impenetrável, àquilo que Niet-zsche designava como os aspetos dionisíacos da vida.

Ou, para traduzir Nietzsche para o vernáculo não menos expressi-vo de Brooklyn, isto é o que o nosso personagem Fat Tony designa como um «jogo viciado».

Em resumo, o fragilista (na medicina, economia, sociologia) é al-guém que nos faz participar em políticas e ações, todas elas arti-ficiais, nas quais os benefícios são reduzidos e visíveis, e os efeitos colaterais potencialmente graves e invisíveis.

(…)

Na estranha profissão de gente que trabalha com a volatilidade existem dois tipos de pessoas. Na primeira categoria estão os aca-démicos, os autores de relatórios e os comentadores que estudam os acontecimentos futuros e escrevem livros e comunicações; e, na segunda, os práticos que, em vez de estudar os acontecimentos futuros, procuram compreender a forma como as coisas reagem à volatilidade (os práticos estão habitualmente demasiado ocupados com o seu trabalho para escrever livros, artigos, comunicações, dis-cursos, equações, teorias ou para receber honrarias da parte de Ve-neráveis Membros com Prisão de Ventre das Academias). A diferen-ça entre estas duas categorias é fundamental: como vimos, é muito mais fácil compreender se algo é prejudicado pela volatilidade – e portanto frágil – do que tentar prever acontecimentos prejudiciais, como estes Cisnes Negros de grandes dimensões. Mas apenas os