LE GUILLANT a Neurose Das Telefonistas

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O texto mostra como, ainda nos anos 1960, a longa jornada de um trabalho que, além de outras questões, produz pessoas neuróticas

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A Neurose das Telefonistas*

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A Neurose das Telefonistas*LE GUILLANT, ROELENS, BEGOIN, BQUART, HANSEN e LEBRETON.Centro de Tratamento e Readaptao Social de WilleJuif.[ Introduo dos tradutores: Hoje, mais do que antes, o assunto de neuroses, fadiga, stress, etc. desperta interesse na maioria das pessoas, sejam elas "homens comuns" ou estudiosos do comportamento humano. As ideologias, as diferentes conceituaes ao abordar a psicopatologia so as mais variadas e cada qual apresenta "de per si" riquezas e contribuies que no podem deixar de ser avaliadas seno sob o prisma histrico de uma sociedade, seu marco social e os recursos da poca. exatamente sob esta tica que traduzimos a clssica experincia relatada na "neurose das telefonistas" que ainda hoje, em 2002 (**), 48 anos aps sua 1 publicao, mantm sua atualidade.Hoje as condies de trabalho das telefonistas brasileiras continuam sendo muito semelhantes s das francesas daquela poca, o que nos faz crer que, infelizmente, o quadro brilhantemente descrito por Le Guillant mantenha sua validade. Esperamos que este texto seja til a todos aqueles que se vm preocupando em estabelecer relaes entre as condies de trabalho e a sade mental dos trabalhadores, e, principalmente, que investigaes dessa natureza prossigam (***). ]A escolha deste trabalho foi feita a partir de duas consideraes: de um lado, a frequncia bem conhecida e crescente de alteraes mentais e "nervosas" menores nesta categoria de empregadas (1), e, de outro lado, a natureza de suas atividades profissionais. Estas so particularmente caractersticas de certas condies de trabalho que o progresso tcnico tende a instaurar, cada vez mais, nos escritrios e nas fbricas. (2).Estas condies so definidas antes de tudo por uma diminuio, pelo menos relativa, dos gastos de energia muscular e por uma acelerao correlativa de rapidez dos atos de trabalho, das cadncias, causando um aumento s vezes considervel dos esforos de ateno, preciso e velocidade. A "fadiga nervosa" (esta expresso, mesmo imperfeita, melhor que outras e provisoriamente ser utilizada) que resulta disto, embora geralmente pouco conhecida, nos parece constituir, ao lado de certos fatores psicolgicos, um aspecto essencial da patologia do trabalho moderno._______________________________________________________________________(*) Publicado originalmente em "La presse medicale", 1956, n 13, p. 274-277.(**)Trabalho publicado na Revista Brasileira de Sade Ocupacional n 47, Volume 12, Julho, 1984. Data atualizada na digitalizao deste texto. (***) Traduo e reviso cientfica: Denise Monetti e Leda Leal Ferreira, Fundacentro, SP.

As alteraes observadas nas telefonistas e nas mecanografistas nos parecem fazer parte de uma "Sndrome Geral de Fadiga Nervosa" comum e mal conhecida, neste caso manifestadas muito claramente. Em uma primeira etapa, esforamo-nos por recolher dados clnicos indispensveis. Estes nos pareceram suficientemente concordantes para que pudssemos tentar descrever formas particulares desta sndrome nas telefonistas: a antiga "Neurose das Telefonistas", da qual vamos examinar sucintamente os traos essenciais. necessrio lembrar, porm que se trata de fatos conhecidos h muito tempo, mas em geral negligenciados, minimizados ou interpretados de um modo sumrio ou inexato. J em 1910 o Dr. Julliard, na "REVUE SUISSE DES ACCIDENTS DU TRAVAIL", escrevia: "os choques de extra-corrente so s vezes fortes o suficiente para que a telefonista, j nervosa pelo seu trabalho que exige uma grande tenso de esprito, comece a chorar e no queira mais trabalhar. Tudo isto, acrescentado fadiga, tenso nervosa, ao aborrecimento de receber observaes injustificadas mais ou menos grosseiras de clientes, contribui para produzir, quando o sujeito est predisposto, verdadeiras neuroses que devem ser consideradas como doenas profissionais".Estas frases so citadas e retomadas por autores suos, Fontegne e Solari, num estudo de junho de 1918 sobre "0 Trabalho da Telefonista'". Esses autores ressaltaram tambm a importncia dos sinais de fadiga ligados a esta profisso (cefalias, insnia, dificuldade para refletir e para fixar sua ateno, humor as vezes massacrante, violento nervosismo), sndrome descrita correntemente sob o nome de "Neurose das Telefonistas".O Dr. Schiff, na "Enciclopdia Francesa", infelizmente classificou esta neurose como sendo de responsabilidade da desclassificao social e da frequncia e irregularidade das solicitaes psquicas sofridas pelas telefonistas. Segundo ele, esta neurose "dita profissional" teria desaparecido completamente com a instalao de aparelhos automticos. Nos ltimos anos, a neurose das telefonistas se desenvolveu muito e apareceu na literatura medico-psicolgica. S. Pacaud, em particular, num estudo psicolgico muito interessante da carreira de telefonista analisou com muita preciso e sutileza certos mecanismos desta fadiga nervosa.Trata-se de um quadro polimorfo, com uma sintomatologia rica e variada, mas onde algumas alteraes dominantes se encontram de uma maneira constante e superposta em todos os sujeitos. Pode-se estabelecer uma sistematizao aproximada, descrevendo essencialmente: Uma "sindrome subjetiva comum" de fadiga nervosa; Alteraes do humor e do carater. Alteraes do sono; Um conjunto de manifestaes somticas variveis; A repercusso destas diferentes alteraes sobre a vida das trabalhadoras. _______________________________________________________________________1. Estes fatos no poderiam ser contestados seriamente. Porm as estatsticas oficiais permanecem confidenciais. A revista PTT Solidarit, rgo da Associal de Pessoal do PTT afastado por doena, publicou recentemente um grfico impressionante a respeito, mostrando que o nmero de agentes do PTT afastados por alteraes nervosas mentais (artigo 93 do estatuto dos funcionrios) passou de 75 em 1918 a 629 em 1955. preciso fazer algumas observaes sobre o alcance destes dados: o acmulo de casos a partir da aplicao do artigo 93 (pelo fato da durao do afastamento se dar at 5 anos) desempenha a um papel no desprezvel. Mas este acmulo no pode ser responsvel por um crescimento to importante e to persistente. No fim dos cinco primeiros anos de aplicao do estatuto, a curva ascendente apenas sofre uma queda muito ligeiramente. Ns no pudemos obter maior preciso. Esperamos que a administrao do PTT termine com essa discrio.2. Ver a esse respeito: "Le Guillant: Quelques Perspectives Nouvelles Sur la Pathologie du Travail. Bulletin du C Claude Bernard, Sep/Oct. 1954"._______________________________________________________________________A - A "Sndrome Subjetiva Comum" da Fadiga Nervosa (*)a) Pode-se dizer que no h uma s telefonista que no sinta esta fadiga, em graus diversos. Trata-se (em 33% dos casos) (*) de uma impresso de lassido profunda, de verdadeira "aniquilamento" no fim do trabalho. Durante o trabalho, as telefonistas so mantidas pelo prprio ritmo de trabalho, permanecendo "com os nervos flor da pele", como dizem. Mas quando saem, tm um sentimento de abatimento profundo. Ficam com a "cabea vazia". No podem estabelecer conversaes, no suportam que se lhes dirijam a palavra. s vezes esquecem seus objetos pessoais, tomam o metr na direo oposta e s percebem no fim da linha. Algumas disseram que vrias vezes quase foram atropeladas quando estavam neste estado de obnubilao. Para lutar contra estas manifestaes recorrem a dois procedimentos: algumas vo para casa o mais cedo possvel para se deitar e se esforam para dormir (36% dos casos), outras tm uma necessidade imperiosa de caminhar durante longo tempo, de se cansar fisicamente: vo para casa a p, ou fazem um longo percurso por Paris (25% dos casos).b) Esta astenia profunda torna-se para algumas um estado permanente fora do trabalho. Elas dizem no saber mais organizar sua atividade em casa, "um vai-e-vem sem fazer nada", desinteressam-se completamente de trabalhos domsticos, "deixando tudo em desordem", enquanto que anteriormente elas eram preocupadas e ordeiras em casa. Esta atitude acompanhada de uma espcie de indiferena, de um "desgosto de tudo".c) O trabalho intelectual lhes impossvel. Quase todas se queixam de uma queda significativa de suas faculdades intelectuais. Tm alteraes de memria e de ateno, dificuldade em conversar; no encontram argumentos nas discusses, precisam procurar os nomes, as datas e mesmo as palavra, mais correntes. Tm a impresso de no saber mais nada, de nunca ter aprendido nada. Freqentemente a leitura difcil, a de um romance, quase sempre impossvel; limitam-se a livros ilustrados e at mesmo a histrias infantis, que so mais fceis. Outras renunciam completamente leitura. Muitas tm dificuldade em ler jornais, onde s vem "palavras umas ao lado das outras". Uma delas nos disse que ficou um ano sem poder ler um artigo de jornal e 3 anos sem poder fazer qualquer leitura um pouco mais difcil.d) Quase todas as telefonistas que tentaram dar luz sem dor, segundo o mtodo psicoprofiltico, no conseguiram. Parece-nos este um fato bastante demonstrativo da importncia de perturbaes globais da atividade nervosa superior causada pelas condies de trabalho.e) frequente as telefonistas empregarem, por engano, na vida cotidiana, expresses profissionais que lhes vm automaticamente aos lbios. A mais comum "Al, aguarde um instante", que pronunciam em mltiplas ocasies, por exemplo, quando se lhes dirigem bruscamente a palavra. Entrando em algum lugar, elas se anunciam: "Paris 380", por exemplo. Ou dizem, ao tocar uma campainha ou dar uma descarga no banheiro, "Fim da ligao". Entre elas isto provoca risos, mas no raro desencadeia crises de choro. As telefonistas se anunciam em voz alta no metr, quando toca a campainha de partida. Na bilheteria, sem perceberem pedem '2 unidades" em vez de 2 bilhetes de metr, e se aborrecem quando se lhes pedem para repetir. Uma verdadeira intoxicao por frases profissionais se observa em 20% dos sujeitos examinados.____________________________________________________________(*) as porcentagens estabelecidas sobre uma base estatstica insuficiente no tm mais do que um valor indicativo. Elas mostram, porm, a frequncia de certas alteraes nos sujeitos examinados.________________________________________________________________B - Alteraes do Humor e do Carter: a) Mais facilmente percebidas, elas so quase to constantes como as precedentes (44% durante o trabalho e 52% depois do trabalho). Muitas das telefonistas tm a impresso de ter mudado profundamente sob este ponto de vista. Anteriormente eram calmas, tmidas, agora se tornaram nervosas, irritadas, agressivas; no podem suportar a menor contrariedade "sem fazer um drama". Respondem rudemente a seus superiores e ficam estupefatas em seguida. Contrariadas, elas do respostas que ultrapassam seus limites e em seguida no se recordam mais. Com o pblico ou seus colegas elas se mostram muitas vezes irritadas e pouco pacientes.Tudo isto as leva a verdadeiras "crises de nervos": atiram seus fones para longe, no meio da sala, quando uma nova dificuldade aparece, e precisam sair por alguns minutos para se acalmar. Ou ento so crises sbitas de choro (29% dos sujeitos examinados) s vezes vertigens, desmaios repetidos ... e toda espcie de incidentes que levam a breves visitas enfermaria.Este nervosismo mantido pelo prprio trabalho que ao mesmo tempo o exige e o cria: certas telefonistas atingem rendimentos considerveis (140% a 150% em relao mdia), no por excesso de empenho, mas porque o prprio trabalho, dizem elas, as irrita e "quanto mais se irritam, mais se apressam". Pode-se dizer, sem exagero, que o nervosismo das telefonistas , nas condies atuais, uma doena necessria ao cumprimento de suas tarefas profissionais; so as mais nervosas as que apresentam um melhor rendimento. O sistema de controle e anotao piora este estado de coisas.b) Ao sair do trabalho, elas no suportam que se lhes dirijam a palavra: isso as irrita. Sentem, como j dissemos, a necessidade de andar; isso as acalma. Algumas se alegram por ter um longo trajeto a percorrer antes de chegar em casa, caso contrrio sero capazes, dizem elas, de quebrar o que lhes vier mo.Em casa elas so nervosas e irritveis com tudo que as rodeia. Com o marido, ora acontecem cenas injustificadas, ora perodos de mutismo completo. Uma delas nos disse que assim que volta para casa seu marido e ela no se falam; eles esperam que ela fique calma, o que leva em mdia meia hora, as vezes mais. Somente aps isso a situao melhora.Elas no suportam que os filhos faam o mnimo rudo; precisam controlar-se para no bater neles. Seus filhos so, na maioria, muito nervosos, sujeitos a caprichos e crises de birra frequentes, tendo pavores noturnos.c) O rudo particularmente mal suportado, qualquer que seja ele, mas sobretudo o so os rudos violentos e inesperados: batidas de portas, arranque de um veculo, buzina de automveis (a proibio de buzinas noite, em Paris, tem sido para alguns um alvio considervel). Os rudos repetidos e montonos, o rdio, so absolutamente intolerveis e podem desencadear verdadeiras crises de nervos. Ns notamos, por vezes, uma hipersensibilidade muito particular ao rudo: h momentos em que o sujeito tem a impresso de que a cabea est "como uma caverna" onde ressoam os menores rudos, chegando o simples atrito de papel a causar um estado de "inquietao nervosa terrvel"; enquanto que em outros momentos, ao contrrio, o sujeito tem a impresso de ser surdo e faz repetir tudo aquilo que lhe disseram. Por outro lado, as telefonistas apresentam freqentemente (32% dos casos) perodos de depresso, humor triste, em que a astenia se complica com desgosto de viver, com idias de suicdio mais ou menos explcitas, por vezes mesmo com tentativas de suicdio. Quase todas apresentam hiperemotividade e ansiedade latente. A menor contrariedade suficiente, freqentemente, para desencadear uma crise dechoro, que pode tambm surgir sem razo aparente, da mesma forma que risos incontidos inexplicados. Ns pudemos constatar esta hiperemotividade; muitas nos confessaram ter dvidas quanto a conversar com um mdico sobre seus problemas, sabendo que isso exigiria delas um esforo muito grande. Muitas vezes, enquanto nos descreviam o que sentiam, estavam prximas de desatar em soluos; a evoluo de suas dificuldades e de suas consequncias era suficiente para despertar esse estado de nervosismo e de emotividade.C - Distrbios do SonoEles representam tambm um elemento vital, quase constante ( o sono s normal em 14% dos sujeitos examinados ). Trata-se essencialmente de:a) Hipersonia diurna (34% dos casos): elas tm constantemente vontade de dormir durante o dia. Uma nos disse que seu desejo era ser "uma rainha preguiosa, constantemente deitada em sua cadeira". Algumas chegam a dormir 1 ou 2 horas ao voltar para casa e assim recuperam, em parte, suas foras. A maioria no consegue.b) Insnia noturna: o sono quase sempre perturbado em graus variveis: - adormecimento tardio e difcil, sono leve, despertar fcil e precoce;- sono agitado, pouco repousante (53% dos casos), com sonhos, relacionados profisso ou no, com pesadelos;- insnia quase total (38% dos casos), pelo menos em certos perodos, que podem durar muitos meses.Os tratamentos prescritos pelos mdicos consultados para estas insnias so freqentemente mal tolerados. Os sonferos ou os sedativos as fazem dormir, mas na manh seguinte deixam um estado de obnubilao e de "embrutecimento" tal que atrapalha o trabalho e obriga a interrupo do tratamento. Por outro lado, o caf consumido abundantemente: "a gente gosta de tomar caf quando est no interurbano", disse-nos uma delas. Uma nos disse que havia tentado tomar o "Maxiton" durante o dia quando tinha sono, mas que teve que renunciar a essa prtica pois ela causava uma necessidade de dormir ainda maior.

D - Alteraes SomticasTrata-se de manifestaes "crtico-viscerais" evidentes, que exprimem as repercuss5es orgnicas do esgotamento nervoso, aparecendo e, pelo menos inicialmente, desaparecendo com ele.No decorrer do nosso trabalho, as telefonistas referiram-se a uma srie de indisposies mais ou menos intensas: angstias, palpitaes, dores pr-cordiais, sensaes de opresso torcica, "bolas" no estmago etc.Tambm se queixavam de cefalias, as vezes relacionadas ao uso dos fones, que davam a algumas a impresso de queimaduras violentas. Mais raramente, vertigens, tremores, nuseas. Muito freqentemente, sncopes (desmaios).Fora do trabalho, notaram-se:- sobretudo alteraes digestivas: anorexia (35% dos casos) quase sempre importantes; dores gstricas, tendo por vezes um horrio e uma periodicidade que lembra as dores de lceras, vmitos, emagrecimento;- cefalias persistentes, frequentes (34% dos casos);- alteraes cardiovasculares: sncopes, palpitaes, vertigens, zumbido nos ouvidos, alteraes da viso, que davam a algumas medo de ter uma hipertenso arterial, se bem que nenhum sinal objetivo tenha sido observado nas nossas doentes;- alteraes menstruaisTodas essas alteraes se distribuem de maneira varivel, segundo os sujeitos. comum serem encontradas associadas, embora algumas predominem. Por exemplo, as telefonistas se queixaram sobretudo das alteraes do sono ou de nervosismo, ou de diversas alteraes somticas. Embora se trate, em geral e a primeira vista, de indisposies em si pouco graves, parece-nos que terminam, muito freqentemente, por tornar a existncia das telefonistas absolutamente intolervel, por lhes suprimir toda a possibilidade de calma e felicidade. A intensidade e a permanncia das alteraes chega a constituir uma verdadeira neurose.Algumas tm verdadeiramente levado, durante muitos meses e at mesmo muitos anos, uma existncia totalmente perturbada, conseguindo somente executar seu trabalho, mas no podendo ter absolutamente nenhuma outra atividade, e experimentando em certos momentos a impresso de "tornarem-se loucas" e de perderem completamente o controle de si mesmas. Foi apenas muito lentamente, por meio de um trabalho de readaptao progressiva muito prudente e graas a um posto de trabalho menos cansativo, que elas puderam vencer uma situao verdadeiramente dramtica.Muitas vezes nos disseram: "Eu no sei viver". E, de fato, elas tm, quase todas, uma vida social muito reduzida: poucas distraes, poucos passeios e centros de interesses. o oposto de uma vida leviana ou de orgia, como algumas, com uma rara inconscincia, poderiam ter pretendido. Elas levam, em geral, uma existncia muito limitada, pobre, da qual a maior parte tem conscincia e pela qual sofrem muito. Elas perderam o seu dinamismo, tornaram-se indiferentes, sem energia. Recusam o que anteriormente lhes atraa, a msica, o teatro, os esportes, os estudos. Tudo lhes parece acima de suas foras e quando elas tentam reagir, pagam caro, com uma fadiga que lhes custa muitos dias para compensar.Elas experimentam freqentemente a necessidade de atividades ao ar livre: algumas fazem acampamento aos domingos, sentem a necessidade absoluta de sair de Paris para conseguir relaxar um pouco. Algumas nos disseram da ajuda que tm encontrado em interesses e mesmo nas tarefas pesadas extra-profissionais, subentendidos peias fortes convices, por objetivos claros que lhes permitem dominar na ao uma vida que em outras reas est atrofiada pela fadiga, dedicada por vezes, inteiramente reparao de suas foras. Estas influncias, em aparncia paradoxais - por outros bem conhecida dentro das outras neuroses, mereceriam longas consideraes psicofisiolgicas que ultrapassam o quadro desse artigo. Muitas telefonistas nos exprimiram a certeza de que, sem essas atividades e essas perspectivas, elas no teriam podido resistir, que poderiam ter sido mesmo levadas ao suicdio.A gravidade real desses estados de esgotamento nervoso aparece no fato de que o dia de descanso semanal , no raro, insuficiente para fazer desaparecer os sintomas: "A gente nem se apercebe de que houve um dia de repouso", dizem elas. Somente algumas afetas a postos privilegiados, disseram-nos que no dia em que no trabalham so mais calmas, mais relaxadas. Os dois primeiros dias da semana elas vo bem; somente a partir de 4a-feira sentem que se tomam cansadas e nervosas. Mas a maioria delas necessita, para se recuperar, de um repouso de ao menos duas semanas, mudando completamente de ambiente. Ento, rapidamente, o sono e a calma retomam. Mas, quando voltam ao trabalho, so suficientes poucos dias para que toda a sndrome se reconstitua, exatamente como antes. Um perodo na praia , em geral, nefasto, por vezes mesmo catastrfico. O repouso no campo e sobretudo na montanha , ao contrrio, multo mais eficaz. Assinalamos que muito poucas tiram licena por doena ou para repouso, mesmo quando elas esto no limite de suas foras. Essas licenas tm, de fato, repercusso nas suas avaliaes e prejudicam suas promoes.A data de aparecimento das alteraes em relao ao inicio do trabalho das telefonistas difcil de estabelecer-se de maneira precisa. Quase todas que examinamos exerciam suas funes havia vrios anos e lhes foi difcil traar a cronologia de manifestaes, por vezes j antigas. Parece, porm, que no primeiro ano as alteraes sejam limitadas: repetio automtica de frases profissionais, sonhos relacionados com seu trabalho, anorexia, leve emagrecimento, ligeira insnia. Estas alteraes desaparecem depressa com o repouso e no conduzem a perturbaes importantes na vida das principiantes. Entretanto, pouco a pouco, o repouso se torna insuficiente para recolocar tudo em ordem, as alteraes se tornam permanentes, se agravam e se multiplicam. Aparece ento o nervosismo, a insnia, a astenia profunda, a diminuio das possibilidades intelectuais, uma repercusso mais ou menos grave sobre o estado geral.Certos fatores acentuam os sintomas de maneira muito clara: So o perodo menstrual e a gravidez, quando o agravamento se produz de maneira muito precoce, desde as primeiras semanas, e s termina depois do parto. As dificuldades pessoais, os conflitos afetivos e familiares desempenham tambm, naturalmente, um papel agravante muito ntido, mas no determinante, como alguns podem pretender.Ns tentamos determinar quais eram os elementos do trabalho mais patognicos. impressionante constatar que o trabalho em si mesmo - isto , sua natureza particular entre outras atividades profissionais, as operaes ou mesmo as relaes com os usurios que ele comporta - bem pouco questionado pelas empregadas. Raras foram aquelas que assinalaram - sem que insistssemos - a fadiga devida aos gestos necessrios, as dificuldades a vencer, ao uso do fone, ao rudo das salas, defeitos do material, falta de aerao, iluminao etc.Todas, ao contrrio, insistiram nas condies gerais nas quais se efetua o trabalho, na sua atmosfera. Os dois elementos fundamentais incriminados foram o rendimento e o controle.O rendimento, a rapidez das operaes que ele exige foram unanimemente julgados como excessivos. este ritmo, como o de mltiplos outros postos de trabalho semi-automatizados das empresas modernas, que sobrecarrega os processos nervosos, excede as possibilidades normais de adaptao e se traduz na telefonista por esta impresso subjetiva de estar partida, pressionada, sobrecarregada, enervada pela execuo de tarefas que, todavia, so fceis de serem cumpridas. O modo de clculo deste rendimento contribui muito a dar ao ritmo seu carter penoso. Ele determinado em relao a uma mdia efetuada sobre o grupo de operadoras e em seguida cada uma obrigada a efetuar uma porcentagem em relao a esta mdia. As operadoras tem horror desta mdia a ser cumprida, pois caso no a cumpram, pensam, suas notas sero rebaixadas e sua promoo ser comprometida. Este modo de proceder provoca uma competio entre as telefonistas, que disputam entre si as comunicaes, para manter suas mdias. Elas se anunciam vrias vezes sobre a mesma chamada e aquela que grita mais alto que pega a chamada. Elas "provocam rudos nos fones das outras" durante estas pequenas disputas, rudos estes que representam verdadeiros sofrimentos para multas delas. Este sistema provoca o seguinte fato paradoxal: nas horas de menor movimento a competio entre elas mais forte. enquanto que quando h chamadas "para todo mundo", elas se enervam menos e, dizem, sentem uma fadiga "mais fsica".O controle efetuado de vrios modos: sobretudo pelo sistema de "mesas de escuta" e por controladoras que circulam constantemente atrs das operadoras. As "escutas" tem por finalidade verificar se as telefonistas utilizam bem o "modo operatrio" fixado, isto , frases fixas e determinadas por uma espcie de cdigo, as quais devem obrigatoriamente ser pronunciadas em qualquer eventualidade, e de controlar a distrao, a conversa, a "amabilidade", etc. As operadoras ignoram quando so "escutadas"; sabem apenas, atravs de um "clic" no fim da operao, que acabaram de control-las durante 15 minutos ou meia hora. Por outro lado, as controladoras esto l para impulsionar o trabalho, atravs de lembretes como "prestem ateno s luzes... apressem-se, ateno maquete... ateno ao controle... " etc., constantemente repetidos durante todo o dia. As operadoras devem pedir permisso controladora para sair quando tiver necessidade fisiolgica a satisfazer, o que chamado de "ir e vir", com durao de cinco minutos. Quando este tempo ultrapassado, desencadeia interrogatrios cerrados sobre a utilizao do 6 minuto. Tudo isso cria uma atmosfera que, se no chega a ser de medo, pelo menos de apreenso contnua, um "ambiente sufocante", um sentimento de humilhao, a impresso exasperante de serem "dirigidas como crianas", de estarem na escola maternal, de serem incompreendidas e injustamente repreendidas.Outras condies de trabalho so igualmente mencionadas: a automatizao cada vez mais crescente causa uma grande monotonia; as operadoras sofrem por trabalhar como "robs", fazer um trabalho "mecnico", no ter que tomar nenhuma iniciativa, no poder organizar elas mesmas o seu trabalho, no acrescentar nada delas mesmas a este trabalho. Isto provoca desencorajamento, a impresso de trabalhar "bestamente", ou acessos de raiva quando elas percebem at que ponto seu trabalho pouco interessante, sem participao pessoal, sem nenhuma iniciativa. Algumas telefonistas mais idosas nos falaram com saudades das antigas condies de trabalho.No poder ser intil lembrar a esses sujeitos que nossas observaes relativas ao clima no qual desenvolvem seu trabalho e aparecem suas fadigas no so mais que uma ilustrao da importncia dos fatores psicossociais relacionados a fadiga industrial, a qual numerosos autores tm dado ateno (KRAEPELIN, S. MYERS. E.P. CATHEART, B. MAYO, J.M. LAHY, G. FRIEDMAN).Sabemos que a descrio de um quadro clnico to subjetivo, embora todos ns que participamos dos exames das telefonistas no tenhamos dvidas sobre sua realidade, choca-se a um certo nmero de crticas s quais devemos responder. Isto objeto de pesquisas atualmente em curso, as quais pretendemos publicar ulteriormente.a) Primeiramente, pretendemos estabelecer um balano estatstico concernente frequncia da sndrome em grupos suficientemente amplos e representativos do conjunto das telefonistas (ou mecanografistas). Nesse sentido, elaboramos um questionrio bem detalhado para esse fim. A validade das respostas ser assegurada pela comparao com dados obtidos atravs de exames clnicos anteriores.b) Sem dvida, ser necessrio levar em conta o conjunto das condies de vida: idade, situao familiar, condies de moradia, importncia das ocupaes extra-profissionais, adaptao vida parisiense pelas numerosas interioranas do P.T.T., etc. Achamo-nos diante de um enorme complexo de fatores, ficando muito difcil isolarem-se os aspectos determinantes dos aspectos contingentes, o que necessitaria de um levantamento muito longo e detalhado.Nem se precisa dizer que, por outro lado, ser artificial e falso considerar isoladamente a vida profissional e a vida pessoal das telefonistas (de quem quer que seja). bem evidente, de fato, que as alteraes das quais sofrem repercutem inevitavelmente, e por vezes profundamente, nas suas relaes conjugais, familiares etc. A alterao dessas relaes, em troca, as tornam mais intolerantes s suas condies de trabalho.Com essas reservas, nossa impresso atual a de que os fatores extraprofissionais so quase sempre secundrios na gnese das alteraes das telefonistas que examinamos. Encontramos quase os mesmos sintomas quaisquer que sejam as condies de vida, origem parisiense ou no, vida isolada ou em famlia, "antecedentes", etc. seu trabalho, suas condies materiais e "morais" que parecem, no essencial, ser responsveis pela neurose das telefonistas.c) Alm disso, mesmo dentro da profisso, so observadas diferenas muito sensveis segundo o tipo de trabalho efetuado. Certos postos, onde a vigilncia e a exigncia do rendimento so menos rigorosas, onde a maior iniciativa deixada para as operadoras, parecem verdadeiramente privilegiados em relao aos outros. As telefonistas tm muito menos alteraes. Isso para elas um refgio ao qual aspiram por muito tempo e que no deixaro por nada no mundo.A comparao entre telefonistas pertencentes a esses diferentes grupos permitir melhor evidenciar a influncia das diferentes condies "tcnicas" ou psicolgicas do trabalho. Enfim, outras comparaes sero estabelecidas com os grupos "controles" diversos, inteiramente diferentes ou similares.Com efeito, a sndrome que descrevemos no certamente prpria das telefonistas. Ocorre em todos os empregos que exigem, com ou sem fadiga muscular, um ritmo excessivamente rpido de operaes e propiciam condies de trabalho objetiva ou subjetivamente penosas: mecanizao dos atos e monotonia, vigilncia rgida, relaes humanas na empresa alteradas etc.A sndrome geral da fadiga nervosa pode ser provocada por mltiplos prejuzos mais ou menos diretos na atividade nervosa superior. assim que se descreveu a sndrome da "fadiga dos mecnicos da aviao" (submetidos aos intensos rudos dos motores), a "fadiga dos combates", a fadiga dos aviadores", o "nervosismo das tecels" e as mltiplas formas da "fadiga industrial' dos psicotecnicistas anglo-saxes. sabido que a velha "neurastenia" - talvez injustamente esquecida - cujo quadro clnico se aproxima em vrios pontos daquele da neurose das telefonistas, freqentemente acidental, aparecendo na ausncia de toda predisposio e em seguida a causas graves de esgotamento nervoso: choques morais, infeces etc. d) Enfim, ser necessrio objetivar a existncia deste esgotamento nervoso que, no momento em que se torna irreversvel, constitui, como vimos, uma verdadeira neurose. Infelizmente as provas que permitem medir a fadiga em geral e especialmente aquela que causa o esgotamento direto dos processos nervosos no tm, como sabemos, grande valor.Assim, sem renunciar ao exame, nas telefonistas e mecanografistas, do estado dos analisadores sensoriais, dos tempos de reao e a algumas provas psicolgicas elementares (ateno ativa, por exemplo), por outra via que pretendemos orientar nossa pesquisa.Essa via constituda pelos estudos da "atividade nervosa superior" (no sentido pavloviano da expresso), utilizando o mtodo dos reflexos condicionados. No o caso de expormos aqui as grandes linhas deste mtodo. Lembraremos somente seu principio.Sabemos que possvel criar reflexos condicionados tanto no homem como no animal (reflexos positivos ou negativos, com excitadores visuais ou sonoros, simples ou complexos - de uma espcie semelhante queles que entram em jogo no trabalho das telefonistas). Uma vez estabelecidos esses reflexos, muito fcil observar suas modificaes sob influncias diversas (aqui a fadiga). Assim, pensamos colocar em evidncia a existncia de perturbaes importantes e permanentes da atividade nervosa superior, em particular daquelas descritas por Pavlov com o nome de "estado de fase", dentro das "neuroses" provocadas experimentalmente no animal. Nossa hiptese que a "neurose das telefonistas" uma verdadeira "neurose experimental" caracterizada em espcie essencialmente pelo prejuzo dos processos de inibio interna, processos estes os mais experimentados dentro do trabalho das telefonistas e, alis, os mais frgeis. Esta hiptese nos parece fornecer muito bem os dados do quadro clnico.A demonstrao da existncia dessa neurose e de sua patogenia permitir somente tratar de uma maneira racional as causas que as provocam: as condies de trabalho desfavorveis, e de fazer reconhecer como doenas profissionais as afeces nervosas e mentais cada vez mais numerosas, ligadas ao esgotamento nervoso a que as novas formas de trabalho conduzem. FIM.