66
Leandro Batista Morgado Dinâmica de semimartingales com saltos: decomposição e retardo CAMPINAS 2015 i

Leandro Batista Morgado - repositorio.unicamp.brrepositorio.unicamp.br/.../1/Morgado_LeandroBatista... · Leandro Batista Morgado Dinâmica de semimartingales com saltos: decomposição

  • Upload
    others

  • View
    2

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Leandro Batista Morgado

Dinâmica de semimartingales com saltos:decomposição e retardo

CAMPINAS2015

i

ii

Ficha catalográficaUniversidade Estadual de Campinas

Biblioteca do Instituto de Matemática, Estatística e Computação CientíficaMaria Fabiana Bezerra Muller - CRB 8/6162

Morgado, Leandro Batista, 1977- M82d MorDinâmica de semimartingales com saltos : decomposição e retardo / Leandro

Batista Morgado. – Campinas, SP : [s.n.], 2015.

MorOrientador: Paulo Regis Caron Ruffino. MorTese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de

Matemática, Estatística e Computação Científica.

Mor1. Equações diferenciais estocásticas. 2. Sistemas dinâmicos diferenciais. 3.

Geometria estocástica. 4. Fluxo estocástico. I. Ruffino, Paulo Regis Caron,1967-.II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Matemática, Estatística eComputação Científica. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Dynamics of semimartingales with jumps : decomposition and delayPalavras-chave em inglês:Stochastic differential equationsDifferentiable dynamical systemsStochastic geometryStochastic flowÁrea de concentração: MatemáticaTitulação: Doutor em MatemáticaBanca examinadora:Paulo Regis Caron Ruffino [Orientador]Pedro José CatuognoEduardo GaribaldiMarcelo SobottkaFabiano Borges da SilvaData de defesa: 25-05-2015Programa de Pós-Graduação: Matemática

Powered by TCPDF (www.tcpdf.org)

iv

vi

Abstract

The main subject of this thesis is the theory of stochastic differential equations drivenby semimartingales with jumps. We consider applications in the decomposition of stochasticflows in differentiable manifolds, and geometrical aspects about these equations. Initially,in a differentiable manifold endowed with a pair of complementary distributions, we discussthe decomposition of continuous stochastic flows, that is, flows generated by SDEs drivenby Brownian motion. Previous results guarantee that, under some assumptions, there existsa decomposition in diffeomorphisms that preserves the distributions up to a stopping time.Using the so called Marcus equation, and a technique that we call ‘stop and go’ equation, weconstruct a stochastic flow close to the original one, with the property that the constructedflow can be decomposed further on the stopping time. After, we deal with the decompositionof stochastic flows in the discontinuous case, that is, processes generated by SDEs driven bysemimartingales with jumps. We discuss the existence of this decomposition, and obtain theSDEs for the respective components, using an extension of the Itô-Ventzel-Kunita formula.Finally, we propose a model of stochastic differential equations including delay and jumps.The idea is to describe some phenomena such that the information comes to the receptorby different channels: continuously, with some delay, and in discrete times, instantaneously.We deal with geometrical aspects related with this subject: parallel transport in càdlàgcurves, and lifting of solutions of these equations to the linear frame bundle of a differentiablemanifold.

vii

.

viii

Resumo

Este trabalho aborda alguns aspectos da teoria de equações diferenciais estocásticas emrelação a semimartingales com saltos, suas aplicações na decomposição de fluxos estocásticosem variedades, bem como algumas implicações de natureza geométrica. Inicialmente, emuma variedade munida de distribuições complementares, discutimos o problema da decom-posição de fluxos estocásticos contínuos, isto é, gerados por EDE em relação ao movimentoBrowniano. Resultados anteriores garantem a existência de uma decomposição em difeomor-fismos que preservam as distribuições até um tempo de parada. Usando a assim denominadaequação de Marcus, bem como uma técnica que denominamos equação ’stop and go’, vamosconstruir um fluxo estocástico próximo ao original, com a propriedade adicional que o fluxoconstruído pode ser decomposto além do tempo de parada inicial. Em seguida, trataremosda decomposição de fluxos estocásticos no caso descontínuo, isto é, para processos geradospor uma EDE em relação a um semimartingale com saltos. Após uma discussão sobre a exis-tência da decomposição, obtemos as EDEs para as componentes respectivas, a partir de umaextensão que propomos da fórmula de Itô-Ventzel-Kunita. Finalmente, propomos um modelode equações diferenciais estocásticas com retardo incluindo saltos. A ideia é modelar certosfenômenos em que a informação pode chegar ao receptor por diferentes canais: de formacontínua, mas com retardo, e em tempos discretos, de forma instantânea. Vamos abordaraspectos geométricos relacionados ao tema: transporte paralelo em curvas diferenciáveis comsaltos, bem como possibilidade de levantamento de uma solução do nosso modelo de equaçãopara o fibrado de bases de uma variedade diferenciável.

ix

x

Sumário

Dedicatória xiii

Agradecimentos xv

Introdução 1

1 Preliminares e equação de Marcus 51.1 Elementos básicos de cálculo estocástico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51.2 Integrais estocásticas de Itô e Stratonovich . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71.3 EDE em relação a semimartingales no sentido de Marcus . . . . . . . . . . . 9

2 Extensão no tempo da decomposição de fluxos estocásticos contínuos 132.1 O problema da decomposição de fluxos estocásticos . . . . . . . . . . . . . . 132.2 Extensão da decomposição via equação de Marcus . . . . . . . . . . . . . . . 15

2.2.1 Exemplo inicial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 152.2.2 Resultados principais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16

2.3 Extensão da decomposição via equação ‘stop and go’ . . . . . . . . . . . . . 212.3.1 Resultado principal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22

3 Decomposição de fluxos estocásticos com saltos 253.1 Generalidades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 253.2 Uma extensão da fórmula de Itô-Ventzel Kunita . . . . . . . . . . . . . . . . 263.3 Decomposição de fluxos estocásticos gerados por EDEs com saltos . . . . . . 29

3.3.1 Existência da decomposição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 293.3.2 Descrição das EDEs de Stratonovich para as componentes . . . . . . 31

xi

4 Equações diferenciais estocásticas com retardo e saltos 334.1 Equações diferenciais estocásticas com retardo em variedades . . . . . . . . . 344.2 Transporte paralelo ao longo de uma curva com saltos . . . . . . . . . . . . . 354.3 Modelo de equação diferencial estocástica com retardo e saltos . . . . . . . . 36

4.3.1 Caso determinístico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 364.3.2 Caso estocástico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38

4.4 Aspectos geométricos de uma EDE com retardo e saltos . . . . . . . . . . . . 404.4.1 Fibrado de bases e levantamento horizontal . . . . . . . . . . . . . . . 404.4.2 Resultados principais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42

Bibliografia 46

xii

Dedico este trabalho aos meus amoresMichelle, Gabriel e Lucas,

que sempre me apoiaram nesta longa jornada.

xiii

xiv

Agradecimentos

Agradeço a Deus pela maravilhosa oportunidade de realizar um sonho.

Agradeço aos meus queridos amigos de Doutorado, em especial Steve, Leandro, Rodrigo,Charles, entre tantos outros, pela parceria nos estudos e momentos alegres que compartilha-mos durante todo este período.

Agradeço ao meu orientador e amigo, Paulo Ruffino, por todo o incentivo, paciência, par-ceria, e pela oportunidade única de trabalhar ao seu lado nesses anos.

Agradeço aos professores Jorge Mujica, Pedro Catuogno, Eduardo Garibaldi, Luiz SanMartin, Ricardo Miranda, Plamen Koshlukov, Márcio Rosa e Fernando Torres, que passei aadmirar pelas excelentes aulas ministradas.

Agradeço ao pessoal da secretaria pela simpatia e disponibilidade.

Agradeço a FAPESP pelo apoio financeiro ao projeto.

xv

xvi

Introdução

Apesar da importância e aplicações do movimento Browniano como ruído de equaçõesdiferenciais estocásticas, a continuidade de seus caminhos limita a sua aplicação em algumassituações práticas. Isso porque a presença de saltos é comum em fenômenos naturais e osci-lações de mercado financeiro que, por vezes, pretendemos modelar via processos estocásticos.

Nesse sentido, considerar a teoria das equações diferenciais estocásticas em relação aprocessos descontínuos representa uma extensão natural, com relevância em diversas áreasdo conhecimento.

Em Matemática Financeira, verificamos que os modelos que permitem saltos (Processosde Levy, por exemplo) apresentam uma alternativa em relação àqueles restritos ao MovimentoBrowniano com um certo ‘drift’ (Applebaum [2]). De fato, no mercado financeiro, o valordas ações pode apresentar grandes variações de forma praticamente instantânea, o que podeser descrito por meio de descontinuidades no modelo correspondente.

Em Biologia, as Cadeias de Markov em tempo contínuo (que são processos estocásticosde puro salto), possuem diversas aplicações em modelos de nascimento-morte de populações,controle de epidemias, predador-presa, entre outros (a esse respeito Allen [1]). Em Física, onível de energia de uma partícula pode ser alterado instantaneamente a partir de choques oureações com outras partículas cuja emissão é aleatória, fenômeno este que também representaum salto no processo estocástico correspondente (veja por exemplo Van Kampen [18]).

Nesse contexto, o presente trabalho aborda alguns aspectos da teoria de equações diferen-ciais estocásticas em relação a semimartingales com saltos, suas aplicações na decomposiçãode fluxos estocásticos em variedades diferenciáveis, bem como algumas implicações de natu-reza geométrica.

Inicialmente, no primeiro capítulo, apresentaremos as noções iniciais e pré-requisitos paraque a discussão posterior possa ser feita. A Seção 1.1 trata de aspectos básicos de cálculoestocástico, podendo eventualmente ser omitida por um leitor com experiência nessa área.

Em seguida, na Seção 1.2, após comentários gerais sobre integrais de Itô e Stratono-vich, abordaremos a interpretação tradicional de uma integral de Itô em relação a processosdenominados semimartingales, onde a presença de saltos já é permitida.

1

A Seção 1.3 é de importância central para este trabalho. Nela discutimos uma interpre-tação alternativa para as soluções de uma EDE em relação a um semimartingale. Trata-seda assim denominada equação de Marcus, que tem como característica principal o fato deque os saltos da solução ocorrem na direção do fluxo determinístico gerado pelo campo devetores. Veremos posteriormente que essa interpretação possibilita considerar tais equaçõesem um contexto de variedades diferenciáveis mergulhadas no espaço Euclideano, assunto dospróximos capítulos.

No segundo capítulo, nossa intenção principal será estender a decomposição de fluxosestocásticos contínuos, isto é, gerados por EDE em relação a um movimento Browniano.

Veremos, na Seção 2.1, que resultados em Catuogno, Silva e Ruffino [6] garantem, em umambiente de variedades diferenciáveis, a existência de uma decomposição cujas componentespreservam certas folheações. No entanto, essa decomposição somente se verifica até um tempode parada. Ocorre que, para estudos sobre o comportamento assintótico do fluxo estocásticocorrespondente, prosseguir quando possível a decomposição além deste tempo de parada podeser muito útil.

Nesse contexto, na Seção 2.2, assumindo certas condições em relação ao campo de vetores,usamos as EDEs com saltos no sentido de Marcus para construir um fluxo arbitrariamentepróximo ao original, com a propriedade adicional de admitir a referida decomposição paratodo tempo.

No caso geral, discutido na Seção 2.3, que trata de campos de vetores que não comutamentre si, introduzimos uma ferramenta adicional denominada equação ‘stop and go’, que nospermite construir um processo que também é decomponível e próximo ao fluxo original.

No terceiro capítulo, nossa intenção é tratar do mesmo tema de decomposição de fluxos,só que agora no caso descontínuo, ou seja, com foco em processos estocásticos gerados poruma EDE em relação a um semimartingale com saltos no sentido de Marcus.

Inicialmente, na Seção 3.1, descrevemos o nosso ambiente de trabalho neste capítulo, queconsiste em uma variedade diferenciável compacta munida de um par de distribuições (nosentido de seções no fibrado Grassmaniano) que geram os subgrupos de difeomorfismos emque ocorre a decomposição do fluxo correspondente.

Na Seção 3.2, apresentamos uma importante ferramenta para os resultados posteriores.Trata-se de uma generalização da fórmula clássica de Itô-Ventzel-Kunita, para composiçãode fluxos gerados por EDE em relação ao mesmo semimartingale com saltos.

Em seguida, na Seção 3.3, última seção deste capítulo, discutimos a existência da de-composição para este tipo de fluxos estocásticos, além de exibir as respectivas equaçõesdiferenciais estocásticas no sentido de Marcus para cada uma das componentes.

Finalmente, no último capítulo, vamos propor um modelo de equações diferenciais es-

2

tocásticas com retardo incluindo saltos. A ideia é descrever certos fenômenos em que ainformação pode chegar ao receptor por diferentes canais: de forma contínua (mas com umcerto retardo), e em tempos discretos, de uma forma praticamente instantânea.

Na Seção 4.1, relembramos alguns aspectos da teoria de equações diferenciais com retardoem uma variedade diferenciável. Aqui, a conexão tem um papel essencial, pois permitetransportar vetores de um espaço tangente para outro ao longo de uma curva diferenciável.

O objetivo da Seção 4.2 é definir o transporte paralelo ao longo de curvas càdlàg comsaltos. Nesse contexto, consideramos que esse transporte será feito em relação a uma famíliade curvas diferenciáveis que, concatenadas de forma apropriada, ‘preenchem as lacunas’ nospontos de descontinuidade da curva original.

Em seguida, na Seção 4.3, tratamos especificamente de aspectos geométricos de nossomodelo de equações diferenciais com retardo e saltos, em especial estudando a possibilidadede levantamento de soluções para o fibrado de bases da variedade diferenciável em questão.

Vale considerar que, nos Capítulos 3 e 4, assumimos que o número de saltos do integradorda equação diferencial estocástica é quase sempre finito em intervalos limitados. Esta ideiatem paralelo na teoria de conjuntos controláveis por cadeia (a esse respeito veja, por exemplo,Patrão e San Martin [38]).

Finalmente, ressaltamos que os Capítulos 2, 3 e 4 desta tese foram baseados, respectiva-mente, nas referências [33], [28] e [34].

3

4

Capítulo 1

Preliminares e equação de Marcus

1.1 Elementos básicos de cálculo estocástico

Considere um espaço de probabilidade dado por (Ω,F,P), onde Ω é um conjunto, F éuma 𝜎-álgebra e P uma medida de probabilidade. Uma família {F𝑡 : 𝑡 ≥ 0} de sub 𝜎-álgebrasde F é uma filtração se F𝑠 ⊆ F𝑡 quando 𝑠 ≤ 𝑡. Um espaço de probabilidade munido de umafiltração é denominado um espaço de probabilidade filtrado. Nesse contexto, definimos aclasse de processos estocásticos adaptados:

Definição 1.1.1. Seja 𝑋 = {𝑋𝑡 : 𝑡 ≥ 0} um processo estocástico definido em um espaço deprobabilidade filtrado (Ω,F,F𝑡,P). Dizemos que 𝑋 é adaptado se para todo 𝑡 ≥ 0, 𝑋𝑡 é F𝑡

mensurável.

Temos que 𝑋 é adaptado a sua filtração natural, definida por F𝑋𝑡 = 𝜎{𝑋𝑠 : 0 ≤ 𝑠 ≤ 𝑡}, que

é a menor filtração que torna 𝑋 um processo adaptado. Em nossos resultados, assumiremosas assim denominadas hipóteses usuais em uma filtração, ou seja, completude (F0 contémtodos os conjuntos de P-medida zero) e continuidade a direita.

Outra classe de processos importante para integração estocástica é a de processos predizí-veis. Nesse sentido, seja 𝒟 a classe das funções 𝑓 : [0,∞) × Ω ↦→ R, satisfazendo as seguintescondições:

• 𝑓 é ℬ × F mensurável, onde ℬ é a 𝜎-álgebra dos borelianos restrita a [0,∞);

• 𝑓(𝑡, ·) é mensurável segundo F𝑡 para todo 𝑡 ∈ [0,∞);

• 𝑓(𝑡, ·) é contínua a esquerda para todo 𝜔 ∈ Ω.

Agora, seja 𝒫 a menor sub 𝜎-álgebra de ℬ×F na qual todas as funções em 𝒟 são mensuráveis.Nesse sentido, definimos:

5

Definição 1.1.2. Um processo estocástico 𝑋 = {𝑋𝑡 : 𝑡 ≥ 0} em um espaço de probabilidadefiltrado (Ω,F,F𝑡,P) é predizível se a aplicação (𝑡, 𝜔) ↦→ 𝑋(𝑡, 𝜔) é mensurável segundo 𝒫 .

Como exemplo de processos predizíveis, temos os processos adaptados contínuos a es-querda. Mais exemplos e discussões adicionais podem ser encontrados em Marques e SanMartin [27]. Destacamos ainda a noção de quando podemos considerar que dois processosestocásticos constituem essencialmente o mesmo processo. Nesse sentido, temos os conceitosde modificação e indistinguibilidade, dados por:

Definição 1.1.3. Sejam 𝑋 = {𝑋𝑡 : 𝑡 ≥ 0} e 𝑌 = {𝑌𝑡 : 𝑡 ≥ 0} processos estocásticos.Dizemos que 𝑋 é modificação de 𝑌 se para todo 𝑡 ≥ 0, 𝑋𝑡 e 𝑌𝑡 coincidem quase sempre. Se,por outro lado, existe 𝑁 ⊆ Ω, com P(𝑁) = 0, tal que se 𝜔 /∈ 𝑁 , então 𝑋(𝑡)(𝜔) = 𝑌 (𝑡)(𝜔)para todo 𝑡 ≥ 0, dizemos que os processos 𝑋 e 𝑌 são indistinguíveis.

Neste trabalho, estamos interessados na integração estocástica em relação a uma classe deprocessos denominados semimartingales. Por definição, tais processos são aqueles que podemser expressos como uma soma entre processos mais elementares (variação finita e martingalelocal), cujas definições relembramos a seguir. Inicialmente, apresentamos a importante noçãode martingale:

Definição 1.1.4. Seja 𝑋 um processo adaptado tal que E(|𝑋𝑡|) < ∞ para todo 𝑡 ≥ 0.Dizemos que 𝑋 é martingale se dado 𝑠 < 𝑡, temos E(𝑋𝑡 | F𝑠) = 𝑋𝑠. Nas mesmas condições, oprocesso 𝑋 é denominado submartingale (supermartingale) se dado 𝑠 < 𝑡, temos E(𝑋𝑡 | F𝑠) ≥𝑋𝑠 (E(𝑋𝑡 | F𝑠) ≤ 𝑋𝑠).

Seja 𝜏 um tempo de parada, e 𝑋 um processo estocástico. Considere o processo paradodado por 𝑋𝜏 = 𝑋𝑡∧𝜏 , ou seja, 𝑋𝜏 é idêntico ao processo original até o tempo de parada, apartir do qual permanece constante. Nesse contexto, obtemos a noção de martingale local,dada por:

Definição 1.1.5. Seja 𝑋 um processo adaptado. Dizemos que 𝑋 é martingale local se existeuma sequência de tempos de parada 𝜏𝑛 tal que lim𝑛→∞ 𝜏𝑛 = ∞ q.s., e para todo 𝑛 ∈ N, oprocesso 𝑋𝜏𝑛 é uma martingale.

Dado um processo estocástico 𝑋, definimos a sua variação sobre o intervalo [0, 𝑇 ] por𝑉𝑋([0, 𝑇 ]) = sup∑𝑛

𝑖=1|𝑋𝑡𝑖− 𝑋𝑡𝑖−1|, onde o supremo é tomado sobre as partições da forma

0 = 𝑡0 < 𝑡1 < . . . < 𝑡𝑛 = 𝑇 para algum 𝑛 ∈ N. Se 𝑉𝑋([0, 𝑇 ]) < ∞ q.s., dizemos que o processoé de variação finita no intervalo [0, 𝑇 ]. E finalmente, conectando as noções apresentadas,definimos:

6

Definição 1.1.6. Seja 𝑍𝑡 um processo càdlàg adaptado. Dizemos que 𝑍𝑡 é um semimartingalese este pode ser representado como uma soma de dois processos: um martingale local 𝑀𝑡 eum processo de variação finita 𝐴𝑡, com 𝑀0 = 𝐴0 = 0. Nesse caso, escrevemos:

𝑍𝑡 = 𝑍0 +𝑀𝑡 + 𝐴𝑡. (1.1.1)

De fato, como veremos na seção seguinte, a representação acima é usada para definirintegração estocástica em relação a um semimartingale. Em outras palavras, para integrarum processo em relação a um semimartingale, basta integrar este processo em relação àmartingale local e ao processo de variação finita correspondentes. Um detalhe importante éa possível presença de descontinuidades (saltos) em 𝑍𝑡. Como exemplos de processos comesta propriedade, destacamos os processos de Levy. Nesse sentido:

Definição 1.1.7. Seja 𝑋 = {𝑋(𝑡) : 𝑡 ≥ 0} um processo estocástico. Dizemos que 𝑋 éprocesso de Levy quando satisfaz as seguintes condições:

• 𝑋(0) = 0 quase sempre;

• 𝑋 tem incrementos independentes e estacionários;

• 𝑋 é estocasticamente contínuo, ou seja, ∀𝑎 > 0, ∀𝑠 ≥ 0, temos

lim𝑡→𝑠

P(|𝑋(𝑡) −𝑋(𝑠)|> 𝑎

)= 0.

Um resultado fundamental na teoria de processos de Levy é a decomposição de Levy-Itô(a esse respeito, veja Applebaum [2]). Este resultado permite decompor um processo de Levycomo a soma entre um termo linear, um movimento Browniano, um martingale descontínuo(pequenos saltos) e uma componente com saltos finitos em intervalos de tempo compactos.Portanto, segue diretamente da decomposição de Levy-Itô que os processos de Levy sãoexemplos de semimartingales.

1.2 Integrais estocásticas de Itô e Stratonovich

Nesta seção, apresentamos alguns comentários gerais sobre teoria de integração estocás-tica, tópico fundamental na área de análise estocástica. Mais detalhes e resultados podemser encontrados em Protter [39], Revuz e Yor [40], entre outros.

Note inicialmente que a teoria de integração de Stieltjes exclui como possíveis integradoreso movimento Browniano, em função das trajetórias destes processos não terem variaçãolimitada em um conjunto de probabilidade total. Por outro lado, a teoria estocástica de Itôpermitiu dar um significado preciso para estas integrais.

7

Nesse sentido, dado um processo adaptado 𝑋𝑡, podemos definir a integral de Itô de 𝑋𝑡

em relação a um semimartingale contínuo 𝑌𝑡, denotada por∫ 𝑇

0 𝑋𝑡 𝑑𝑌𝑡. A ideia é definira respectiva integral inicialmente para processos simples, e considerar uma sequência deprocessos simples que convergem em probabilidade para o processo 𝑋𝑡 em questão.

Precisamente, tomando uma sequência de partições (𝑃𝑛)𝑛∈N do intervalo [0, 𝑇 ], com apropriedade que a norma das partições desta sequência convirja a zero, temos que:

∫ 𝑇

0𝑋𝑡 𝑑𝑌𝑡 = lim

𝑛→∞

∑𝑡𝑖∈𝑃𝑛

𝑋𝑡𝑖(𝑌𝑡𝑖+1 − 𝑌𝑡𝑖

).

No entanto, como neste trabalho nosso foco é a dinâmica dos fluxos gerados por equaçõesdiferenciais estocásticas, é interessante considerar a integração no sentido de Stratonovich,que satisfaz algumas propriedades básicas do cálculo usual, tais como regra da cadeia emudança de variáveis.

Nesse sentido, mantendo a notação anterior, a integral estocástica de Stratonovich 𝑋𝑡 emrelação a 𝑌𝑡 é dada por:∫ 𝑇

0𝑋𝑡 ∘ 𝑑𝑌𝑡 = lim

𝑛→∞

∑𝑡𝑖∈𝑃𝑛

12(𝑋𝑡𝑖

+𝑋𝑡𝑖+1) · (𝑌𝑡𝑖+1 − 𝑌𝑡𝑖).

Destacamos ainda que podemos passar da integral de Stratonovich para a integral de Itôpor uma fórmula de conversão, onde o termo de correção é dado pela variação quadráticaentre os processos. Nesse sentido, temos que:∫ 𝑇

0𝑋𝑡 ∘ 𝑑𝑌𝑡 =

∫ 𝑇

0𝑋𝑡 𝑑𝑌𝑡 + 1

2[𝑋, 𝑌 ]𝑇 .

Essa teoria pode ser estendida para martingales em geral, bem como martingales locais,em função da existência de variação quadrática nesses processos. Nessa extensão, a classe dosprocessos que podem ser integrados é mais restrita, limitando-se aos processos predizíveis.

A integral estocástica de Itô em relação ao semimartingale 𝑍𝑡 é definida usando a suarepresentação em (1.1.1). Nesse sentido, se 𝐻𝑡 é um processo predizível, temos que:∫ 𝑇

0𝐻𝑡 𝑑𝑍𝑡 =

∫ 𝑇

0𝐻𝑡 𝑑𝑀𝑡 +

∫ 𝑇

0𝐻𝑡 𝑑𝐴𝑡,

onde a integração em relação ao processo de variação finita 𝐴𝑡 é feita trajetória a trajetória(integral de Stieltjes), e a integral em relação ao martingale local 𝑀𝑡 é uma extensão daintegral clássica de Itô mencionada anteriormente.

Como a representação de um semimartingale não é única, é importante verificar que aintegração acima está bem definida. De fato, se são válidas as representações dadas por𝑍𝑡 = 𝑍0 +𝑀1

𝑡 +𝐴1𝑡 e 𝑍𝑡 = 𝑍0 +𝑀2

𝑡 +𝐴2𝑡 , temos que o processo (𝑀1 −𝑀2)𝑡 é um martingale

8

local de variação finita. Mas, nesse caso, a integral em relação ao martingale local coincidecom a integral de Stieltjes, e assim segue que:∫ 𝑇

0𝐻𝑡 𝑑𝑀

1𝑡 +

∫ 𝑇

0𝐻𝑡 𝑑𝐴

1𝑡 =

∫ 𝑇

0𝐻𝑡 𝑑𝑀

2𝑡 +

∫ 𝑇

0𝐻𝑡 𝑑𝐴

2𝑡 .

Temos também que∫ 𝑇

0 𝐻𝑡 𝑑𝑍𝑡 é um semimartingale. Isso segue do fato que a integralem relação a um processo de variação finita é também um processo de variação finita, ea mesma propriedade vale para integração em relação a um martingale local (veja Protter[39]). Ademais, temos que os pontos de descontinuidade da integral ocorrem precisamentenos saltos do semimartingale 𝑍𝑡. Mais especificamente, destacamos o seguinte resultado em[39]:

Teorema 1.2.1. Seja 𝑍𝑡 semimartingale, e 𝐻𝑡 um processo predizível. O processo estocásticode saltos Δ

( ∫ 𝑡0 𝐻𝑡 𝑑𝑍𝑡

)𝑠

é indistinguível do processo 𝐻𝑠(Δ𝑍𝑠).

Essa caracterização dos saltos na integral de Itô será importante para determinar comoocorrem os saltos das soluções de uma equação diferencial estocástica no sentido de Marcus,assunto da próxima seção.

1.3 EDE em relação a semimartingales no sentido deMarcus

Em [26], o engenheiro elétrico Steven Marcus apresentou uma interpretação alternativapara as soluções de equações diferenciais estocásticas em relação a um semimartingale comsaltos. Resultados importantes sobre unicidade, existência, regularidade das soluções, bemcomo vantagens dessa interpretação podem ser encontrados em Kurtz, Pardoux e Protter [22].Nesta seção, apresentaremos alguns aspectos da assim denominada ‘equação de Marcus’, queusaremos nos capítulos posteriores. Nesse sentido, considere:

𝑑𝑥𝑡 =𝑚∑

𝑖=0𝑋 𝑖(𝑥𝑡) ◇ 𝑑𝑍𝑖

𝑡 , (1.3.1)

com condição inicial 𝑥(0) = 𝑥0. A sua forma integral é dada por:

𝑥𝑡 = 𝑥0 +𝑚∑

𝑖=0

∫ 𝑡

0𝑋 𝑖(𝑋𝑠) ◇ 𝑑𝑍𝑖

𝑠 =: 𝑥0 +∫ 𝑡

0𝑋(𝑥𝑠) ◇ 𝑑𝑍𝑠 (1.3.2)

onde 𝑥𝑡 é processo estocástico adaptado tomando valores em R𝑑; o integrador {𝑍𝑖𝑠 : 𝑠 ≥ 0} é

um semimartingale (possivelmente com saltos) e 𝑋 𝑖 são campos de vetores diferenciáveis em

9

R𝑑 para todo 𝑖 ∈ {0, 1, . . . ,𝑚}. A solução da equação de Marcus deve ser interpretada comoum processo estocástico que satisfaz a equação:

𝑥𝑡 = 𝑥0 +∫ 𝑡

0𝑋(𝑥𝑠−) 𝑑𝑍𝑠 + 1

2

∫ 𝑡

0𝑋 ′𝑋(𝑥𝑠) 𝑑[𝑍,𝑍]𝑐𝑠

+∑

0<𝑠≤𝑡

{𝜙(𝑋Δ𝑍𝑠, 𝑥𝑠−) − 𝑥𝑠− −𝑋(𝑥𝑠−)Δ𝑍𝑠

}.

(1.3.3)

Passamos à análise de cada um dos termos respectivos: o primeira integral do lado direitoda equação (1.3.3) é uma integral de Itô do processo predizível {𝑋(𝑥𝑡−)} com respeito aosemimartingale 𝑍𝑡, com a interpretação da seção anterior. Por outro lado, o segundo termofunciona como termo de correção entre as integrais de Itô e Stratonovich. Trata-se de umaintegral de Stieltjes com respeito à parte contínua da variação quadrática de 𝑍𝑡.

Finalmente, no terceiro termo, 𝜙(𝑋Δ𝑍𝑠, 𝑥𝑠−) indica a solução em tempo 𝑡 = 1 da EDOcom campo de vetores 𝑋Δ𝑍𝑠, e condição inicial 𝑥𝑠− .

Conforme o Teorema 1.2.1, o possível salto de∫ 𝑡

0 𝑋(𝑥𝑠−) 𝑑𝑍𝑠 em um tempo 𝑡0 é descrito por𝑋(𝑥𝑡0−)·Δ𝑍𝑡0 , a menos de indistinguibilidade. Nesse sentido, a ideia do último termo do ladodireito da equação 𝑋(𝑥𝑠−) · Δ𝑍𝑠 é precisamente anular os saltos da primeira integral. Assim,os saltos da equação de Marcus ocorrem exclusivamente na direção do fluxos determinísticosdados pelos campos de vetores 𝑋Δ𝑍𝑠. Assim, se o processo estocástico 𝑥𝑡 é solução daequação de Marcus, o seu processo de saltos é dado por:

(Δ𝑥)𝑣 = 𝜙(𝑋Δ𝑍𝑣, 𝑥𝑣−) − 𝑥𝑣− . (1.3.4)

Essa propriedade é fundamental para que possamos considerar um processo estocástico geradopela equação de Marcus em um contexto de variedades diferenciáveis. Nesse sentido, se 𝑀 éuma subvariedade mergulhada em um espaço Euclideano, e os campos de vetores da equação(1.3.1) pertencem ao seu fibrado tangente então, dada uma condição inicial em 𝑀 , a soluçãopermanece em 𝑀 quase sempre. Nesse sentido é o resultado que transcrevemos de [22]:

Proposição 1.3.1. Seja 𝑀 uma variedade classe 𝐶2 mergulhada em 𝑅𝑑 e suponha que{𝑋 𝑖(𝑥) : 𝑥 ∈ 𝑀} são campos de vetores ao longo de 𝑀 para todo 𝑖 ∈ {0, 1, . . . ,𝑚}. Entãodado um processo 𝑌𝑡 solução da equação (1.3.1) com a propriedade que P(𝑌0 ∈ 𝑀) = 1,segue que P(𝑌𝑡 ∈ 𝑀, 𝑡 ≥ 0) = 1.

Ademais, condições de regularidade nos campos de vetores 𝑋 e suas derivadas impli-cam que existe um único fluxo estocástico de difeomorfismos 𝜙𝑡 que é solução da equação(1.3.1). Nesse contexto, destacamos os importantes resultados, cuja demonstrações podemser encontradas em [22]:

10

Teorema 1.3.2. Suponha que os campos de vetotes 𝑋 e 𝑋 ′𝑋 em (1.3.1) sejam globalmenteLipschitz. Então existe um único processo càdlàg que é solução da equação (1.3.1), e esteprocesso é um semimartingale.

Teorema 1.3.3. Suponha que os campos de vetores 𝑋 em (1.3.1) sejam 𝐶∞, e que todas asderivadas de 𝑋 e 𝑋 ′𝑋 sejam limitadas. Então o fluxo 𝜑 : 𝑦 ↦→ 𝑥𝑡(𝑦, 𝜔) da solução da equação(1.3.1) é um difeomorfismo em R𝑑.

Agora, sejam 𝑋, 𝑌 campos de vetores diferenciáveis em R𝑑, e considere 𝐺𝑡 o processo𝑑-dimensional que é solução da equação de Marcus dirigida pelo semimartingale 𝑍𝑡, comrespeito ao campo de vetores 𝑌 , ou seja, 𝑑𝐺𝑡 = 𝑌 (𝐺𝑡) ◇ 𝑑𝑍𝑡. Recordamos a definição daintegral de Stratonovich de 𝑋(𝐺𝑡) com respeito a 𝑍𝑡 (Definição 4.1 em [22] para o casoparticular em que 𝑋 é campo de vetores diferenciável):∫ 𝑡

0𝑋(𝐺𝑠) ◇ 𝑑𝑍𝑠 :=

∫ 𝑡

0𝑋(𝐺𝑠−) 𝑑𝑍𝑠 + 1

2 Tr∫ 𝑡

0𝑋 ′(𝐺𝑠)𝑑[𝑍,𝑍]𝑐𝑠 𝑌 (𝐺𝑠)𝑡

+∑

0<𝑠≤𝑡

(∫ 1

0[𝑋(𝜑(𝑌Δ𝑍𝑠, 𝐺𝑠−, 𝑢)) −𝑋(𝐺𝑠−)] 𝑑𝑢

)Δ𝑍𝑠,

(1.3.5)

onde 𝜑(𝑌Δ𝑍𝑠, 𝐺𝑠−, 𝑢) tem uma interpretação similar a anterior: é a solução da EDO notempo 𝑡 = 𝑢, gerada pelo campo de vetores 𝑌Δ𝑍𝑠 e condição inicial 𝐺𝑠−. Mais uma vez,temos que o último termo 𝑋(𝐺𝑠−) ·Δ𝑍𝑠 anula os saltos de

∫ 𝑡0 𝑋(𝐺𝑠−) 𝑑𝑍𝑠, e assim, o processo

de saltos da integral definida em (1.3.5) é dado por:

Δ(∫ 𝑡

0𝑋(𝐺𝑠) ◇ 𝑑𝑍𝑠

)𝑣

=(∫ 1

0𝑋(𝜑(𝑌Δ𝑍𝑣, 𝐺𝑣−, 𝑢))𝑑𝑢

)Δ𝑍𝑣.

A interpretação dinâmica da expressão acima é que, após abrir um intervalo unitário comuma ‘curva fictícia’ que conecta 𝑋(𝐺𝑡0−) e 𝑋(𝐺𝑡0), o salto da integral é dado pela média de𝑋 ao longo desta curva multiplicado pelo salto do semimartingale 𝑍𝑡.

Nos capítulos seguintes, assumimos que o número de saltos no integrador 𝑍𝑡 é q.s. finitoem intervalos limitados. Nesse sentido, note que apesar de não conter os processos de Levyem geral, esta hipótese inclui a classe de processos denominada ‘Levy-jump diffusion’

𝑍𝑡 = 𝐵𝑡 +𝑁𝑡∑

𝑘=0𝐽𝑘,

onde 𝐵𝑡 é movimento Browniano, 𝑁𝑡 é um processo de Poisson e as variáveis aleatórias (𝐽𝑘)são i.i.d. (veja e.g. Applebaum [2]).

11

12

Capítulo 2

Extensão no tempo da decomposiçãode fluxos estocásticos contínuos

2.1 O problema da decomposição de fluxos estocásticos

Seja 𝜙𝑡 um fluxo estocástico de difeomorfismos locais em uma variedade diferenciável 𝑀 .Em muitas circunstâncias, a decomposição de 𝜙𝑡 em componentes que pertencem a subgruposde Diff(𝑀) evidencia certas propriedades dinâmicas ou geométricas do sistema.

Na literatura, este tipo de decomposição tem sido estudada em diversos trabalhos, comenfoque em diferentes subgrupos. Entre outros, destacamos Bismut [3], Kunita [20], [21],Ming Liao [25], Ruffino [41], Colonius e Ruffino [8], bem como Catuogno, Silva e Ruffino[5]. Nos últimos trabalhos mencionados, assumindo certas condições geométricas em umavariedade Riemanniana, foi demonstrada a existência de uma decomposição, onde a primeiracomponente pertence ao subgrupo de isometrias ou transformações afins.

Em particular, em Catuogno, da Silva and Ruffino [6], os autores consideram um par dedistribuições complementares em uma variedade diferenciável compacta 𝑀 , no sentido quecada espaço tangente é decomposto em uma soma direta de dois subespaços que dependemdiferenciavelmente dos pontos em 𝑀 . Essas distribuições foram denominadas distribuiçãohorizontal e vertical. Neste artigo, os autores mostram que localmente, até um tempo deparada, um fluxo estocástico 𝜙𝑡 pode ser decomposto na forma 𝜙𝑡 = 𝜉𝑡 ∘ 𝜓𝑡, caracterizandoas componentes respectivas. Nesse sentido, vale transcrever o resultado em questão:

Teorema 2.1.1. Sejam Δ𝐻 e Δ𝑉 duas distribuições complementares em 𝑀 que preservama transversalidade ao longo de Diff(Δ𝐻 ,𝑀). Dado um fluxo estocástico contínuo 𝜙𝑡, até umtempo de parada 𝜏 existe uma decomposição da forma 𝜙𝑡 = 𝜉𝑡 ∘ 𝜓𝑡, onde 𝜉𝑡 é uma difusãoem Diff(Δ𝐻 ,𝑀) e 𝜓𝑡 é um processo em Diff(Δ𝑉 ,𝑀).

Vale ressaltar também que o tempo de parada 𝜏 mencionado acima (que restringe o

13

tempo em que o fluxo pode ser decomposto) deve-se a uma explosão na equação de uma dascomponentes. Assim, esse fenômeno ocorre em função da escolha das distribuições, e nãoem função de propriedades intrínsecas do fluxo estocástico 𝜙𝑡. Dessa forma, podem existirintervalos de tempo consideráveis após esse tempo de parada que permitam a decomposiçãodo fluxo respectivo nas componentes 𝜓𝑡 e 𝜉𝑡.

Neste capítulo, a ideia principal é apresentar técnicas para construir um novo fluxo es-tocástico 𝜙𝑡 que aproxima o fluxo original, com a propriedade que 𝜙𝑡 pode ser decompostopara todo 𝑡 > 0. Essa construção permite, entre outras coisas, estudar o comportamentoassintótico das componentes da decomposição original.

Aqui, trabalhamos em uma ambiente simplificado em relação a [6]. Assumimos, inicial-mente, que as distribuições são integráveis, ou seja, que a variedade 𝑀 possui localmente umpar de folheações complementares. Trata-se de uma estrutura natural, visto que qualquersistema de coordenadas em 𝑀 gera tais folheações.

Ademais, temos que localmente a variedade é difeomorfa a um conjunto aberto emR𝑛 = R𝑝 × R𝑛−𝑝, onde 𝑝 e 𝑛 − 𝑝 são as dimensões das folheações horizontal e vertical,respectivamente. Por meio dessa mudança de coordenadas, considere um difeomorfismo𝜙 : 𝑈 ⊂ R𝑝 ×R𝑛−𝑝 → 𝜙(𝑈) ⊂ R𝑝 ×R𝑛−𝑝, em que 𝑈 é um conjunto aberto de R𝑛.

Escrevemos em coordenadas 𝜙 = (𝜙1(𝑥, 𝑦), 𝜙2(𝑥, 𝑦)). Então, pelo teorema da funçãoinversa, existe uma decomposição local do fluxo se e somente se a matriz 𝜕𝜙2(𝑥,𝑦)

𝜕𝑦, de ordem

(𝑛− 𝑝) × (𝑛− 𝑝), é invertível. Mais precisamente, esta decomposição é dada por:

𝜙 = (𝜉1(𝑥, 𝑦), 𝐼𝑑2) ∘ (𝐼𝑑1, 𝜙2(𝑥, 𝑦)),

onde 𝐼𝑑1 e 𝐼𝑑2 representam a identidade em R𝑝 e R𝑛−𝑝, respectivamente. Assim, com amesma notação acima, definimos:

Definição 2.1.2. Um difeomorfismo 𝜙 : 𝑈 ⊂ R𝑝 × R𝑛−𝑝 → 𝜙(𝑈) ⊂ R𝑝 × R𝑛−𝑝 é𝑝-decomponível em uma vizinhança de (𝑥, 𝑦) se det 𝜕𝜙2(𝑥,𝑦)

𝜕𝑦= 0.

O tempo de explosão 𝜏 da decomposição do fluxo estocástico está relacionado com o fatoque 𝜙𝜏 não possui a propriedade acima. Para ilustrar essa situação, consideremos o exemplobásico de uma rotação linear, cuja decomposição é dada por:

𝜙𝑡 =(

cos 𝑡 − sin 𝑡sin 𝑡 cos 𝑡

)=(

sec 𝑡 − tan 𝑡0 1

)(1 0

sin 𝑡 cos 𝑡

).

Dessa forma, temos que 𝜙𝑡 não é 1-decomponível quando 𝑡 = 𝜋2 +𝑘𝜋, com 𝑘 ∈ Z. O tempo

de parada descrito em [6] é dado por 𝜏 = 𝜋2 . No entanto, é evidente que a decomposição

pode ser feita em intervalos de tempo arbitrariamente grandes maiores que 𝜏 .Note que, neste exemplo, imediatamente após este tempo de parada, cos 𝑡 troca de si-

nal e 𝜓𝑡 inverte a orientação. Quando isso ocorre, essa componente deixa o subgrupo dos

14

difeomorfismos gerados pelos campos de vetores verticais, mas ainda pertence ao subgrupodos difeomorfismos que preservam as folhas verticais da folheação, não necessariamente nacomponente conexa da identidade. Portanto, aqui Diff(Δ𝐻 ,𝑀) e Diff(Δ𝑉 ,𝑀) incluem dife-omorfismos que não preservam a orientação.

Uma das motivações para esta decomposição é que ela mostra se o sistema respectivo estápróximo de preservar as folhas horizontais, e isso acontece quando a componente vertical estápróxima da identidade.

A extensão da decomposição no tempo é descrita por meio de duas técnicas: na primeira(Seção 2.2), assumimos que os campos de vetores do sistema comutam entre si. Neste caso,usamos, de forma apropriada, os saltos de uma equação diferencial no sentido de Marcus paraconstruir um fluxo 𝜙𝑡 próximo ao original, que evita os difeomorfismos que não podem serdecompostos. Esse fluxo construído possui a propriedade de ser 𝑝-decomponível para todo𝑡 ≥ 0, e coincide com o original a menos de um conjunto com probabilidade arbitrariamentepequena (Teorema 2.2.1).

O caso geral, isto é, quando os campos de vetores não comutam entre si, é abordado naSeção 2.3. Por meio de uma técnica (que denominamos equação ‘stop and go’), construímosum processo que segue o processo original nas ‘zonas favoráveis’ à decomposição, e perma-nece estacionário nas ‘zonas desfavoráveis’ (Proposição 2.3.1). Posteriormente, daremos umsignificado preciso a essas regiões.

2.2 Extensão da decomposição via equação de Marcus

2.2.1 Exemplo inicial

Apresentamos um exemplo simples que ilustra a técnica utilizada na demonstração dosresultados principais da Seção 2.2.2. Conforme mencionado anteriormente, a ideia é usara equação estocástica de Marcus para construir um novo fluxo 𝜙𝑡, decomponível para todo𝑡 ≥ 0, e ao mesmo tempo próximo do fluxo original 𝜙𝑡. Considere novamente a rotação linearno plano, cujo fluxo é dado por:

𝜙𝑡 =(

cos 𝑡 − sin 𝑡sin 𝑡 cos 𝑡

).

Temos que 𝜙𝑡 é solução da equação linear 𝑑𝑥𝑡 = 𝐴𝑥𝑡 𝑑𝑡, onde 𝐴 é anti-simétrica. Vamosconstruir um integrador 𝑍𝑡 de modo que o fluxo solução 𝜙𝑡 da equação de Marcus

𝑑𝑥𝑡 = 𝐴𝑥𝑡 ◇ 𝑑𝑍𝑡

salta os tempos em que o fluxo original não é decomponível, com a propriedade adicional que𝜙𝑡 difere de 𝜙𝑡 em um conjunto de tempos 𝑡 com medida de Lebesgue na reta arbitrariamente

15

pequena.Vale lembrar que, neste exemplo, os pontos em que o fluxo original não é decomponível

ocorrem em 𝑡 = 𝜋2 + 𝑘𝜋, onde 𝑘 ∈ Z. Nesse sentido, fixe 𝜀 > 0 e escolha uma sequência de

pontos 𝑝𝑛 que pertecem aos intervalos a seguir:

𝑝𝑛 ∈ (𝜋2 + 𝑛𝜋 − 𝜀

2𝑛,𝜋

2 + 𝑛𝜋)

para todo inteiro não negativo 𝑛.Intuitivamente, tais pontos indicam o início do que chamamos (na demonstração do pró-

ximo teorema) ‘zona vermelha’ da decomposição correspondente, região esta que contém ospontos onde o fluxo não é decomponível. Assim, defina:

𝑍𝑡 =⎧⎨⎩𝑝𝑛 se 𝑡 ∈ [𝑝𝑛, (2𝑛+ 1)𝜋 − 𝑝𝑛);𝑡 caso contrário.

Temos que 𝑍𝑡 é um semimartingale, pois é soma de um processo de variação finita e umprocesso de puro salto, e a solução da equação

𝑑𝑥𝑡 = 𝐴𝑥𝑡 ◇ 𝑑𝑍𝑡

interpretada no sentido de Marcus é dada por:

𝜙𝑡 =(

cos(𝑍𝑡) − sin(𝑍𝑡)sin(𝑍𝑡) cos(𝑍𝑡)

).

Por construção, temos que 𝜙𝑡 é 1-decomponível para todo 𝑡 ≥ 0 e, dependendo da escolhados pontos 𝑝𝑛, está arbitrariamente próximo de 𝜙𝑡.

2.2.2 Resultados principais

Nesta seção, assumimos que o fluxo estocástico 𝜙𝑡 é gerado pela seguinte equação dife-rencial estocástica de Stratonovich:

𝑑𝑥𝑡 = 𝑋0(𝑥𝑡) 𝑑𝑡+𝑚∑

𝑖=1𝑋 𝑖(𝑥𝑡) ∘ 𝑑𝐵𝑖

𝑡

onde (𝐵1𝑡 , . . . , 𝐵

𝑚𝑡 ) ∈ R𝑚 é um movimento Browniano em um espaço de probabilidade filtrado

(Ω,ℱ ,ℱ𝑡,P); 𝑋 𝑖, com 𝑖 ∈ {0, 1, 2, . . . ,𝑚} são campos de vetores diferenciáveis em R𝑛. Aqui,assumimos também que os fluxos determinísticos gerados por tais campos de vetores, quedenotamos por 𝜑𝑋𝑖

𝑡 , comutam entre si.

16

Dado 𝑢 = (𝑡0, 𝑡1, . . . , 𝑡𝑚) ∈ R𝑚+1, considere 𝜑(𝑢) a composição de tais fluxos determinís-ticos. Precisamente, temos que:

𝜑(𝑢) = 𝜑𝑋0𝑡0 ∘ 𝜑𝑋1

𝑡1 ∘ . . . ∘ 𝜑𝑋𝑚𝑡𝑚.

Escrevemos (𝑥, 𝑦) ∈ R𝑝 × R𝑛−𝑝 = R𝑛 e 𝜑(𝑢)(𝑥, 𝑦) = (𝜑(𝑢)1, 𝜑(𝑢)2). Dada uma condiçãoinicial, considere 𝑃 = {𝑢 ∈ R𝑚+1 : det 𝜕𝜑(𝑢)2

𝜕𝑦= 0}, o conjunto associado aos difeomorfismos

que não são 𝑝-decomponíveis.

Teorema 2.2.1. Assuma que 𝑃 tem medida de Lebesgue nula. Então, dados 𝜀 > 0 e𝑎 > 0, existe um semimartingale 𝑍𝑡 ∈ R𝑚+1 tal que o fluxo solução 𝜙𝑡 da equação diferencialestocástica 𝑑𝑥𝑡 =

𝑚∑𝑖=0

𝑋 𝑖(𝑥𝑡) ◇ 𝑑𝑍𝑖𝑡 é 𝑝-decomponivel para todo 𝑡 ≥ 0. Ademais, o conjunto

𝐶(𝜔) = {𝑡 ≥ 0 : 𝜙𝑡(𝜔) = 𝜙𝑡(𝜔)} é Lebesgue mensurável quase sempre e P[𝜇(𝐶) > 𝑎] ≤ 𝜀.

Demonstração. Inicialmente, fixe 𝜀 > 0 e 𝑎 > 0. Dado 𝑡 ≥ 0, considere o processo𝑈𝑡 = (𝑡, 𝐵1

𝑡 , . . . , 𝐵𝑛𝑡 ). Como por hipótese 𝑃 tem medida de Lebesgue nula, dado 𝛿 > 0,

existe um conjunto aberto 𝐴𝛿, tal que 𝐴𝛿 ⊇ 𝑃 e 𝜇(𝐴𝛿) < 𝛿. Por propriedades do movimentoBrowniano, dado 𝑑 > 0, temos que:

P [ 𝑈𝑠 ∈ 𝐴𝛿 ∀𝑠 ∈ [𝑡, 𝑡+ 𝑑] | 𝑈𝑡 ∈ 𝐴𝛿] → 0 quando 𝛿 → 0.

Dessa forma, para cada 𝑘 ∈ N, existe um conjunto aberto 𝐴𝑘 que contém 𝑃 com medida deLebesgue suficientemente pequena tal que:

P[𝑈𝑠 ∈ 𝐴𝑘 ∀𝑠 ∈ [𝑡, 𝑡+ 𝑎

2𝑘] | 𝑈𝑡 ∈ 𝐴𝑘

]<

𝜀

2𝑘.

Podemos assumir que a sequência de conjuntos (𝐴𝑘)𝑘∈N é decrescente. Ademais, como0 /∈ 𝑃 , também assumimos que 0 /∈ 𝐴𝑘 para todo 𝑘 ∈ N.

Aplicando o lema de Urysohn, obtemos funções contínuas 𝐹𝑘 : R𝑚 → [0, 1] tais que𝐹−1

𝑘 (1) = (𝐴𝑘)𝐶 e 𝐹−1𝑘 (0) = 𝑃 . Para cada 𝑘 ∈ N, considere a seguinte partição de R𝑚+1 nas

regiões a seguir:

• ‘Zona verde’ 𝐺𝑘 := 𝐹−1𝑘 (1);

• ‘Zona amarela’ 𝑌𝑘 = 𝐹−1𝑘 (1

2 , 1);

• ‘Zona vermelha’ 𝑅𝑘 = 𝐹−1𝑘 [0, 1

2 ].

17

Figura 2.1: Esboço das zonas verde, amarela e vermelha em R2.

A zona vermelha corresponde a um conjunto em que, por meio de tempos de parada,não permitiremos que a dinâmica do sistema original atue, a fim de garantir que o fluxoconstruído via equação de Marcus seja 𝑝-decomponível.

Por outro lado, a zona verde contém uma certa margem de segurança em relação aospontos críticos da decomposição, e assim deixamos a dinâmica do sistema original agir livre-mente. Finalmente, a zona amarela representa uma região de transição entre as anteriores.

Por construção, a origem de R𝑚+1 pertence a zona verde para todo 𝑘 ∈ N. Ademais, azona verde é um conjunto crescente com 𝑘. Definimos por indução a seguinte sequência detempos de parada: 𝑇 0 = 0, 𝑇𝑖 = inf{𝑡 > 𝑇 𝑖−1 : 𝑈𝑡 ∈ 𝑅𝑖} e 𝑇 𝑖 = inf{𝑡 > 𝑇𝑖 : 𝑈𝑡 ∈ 𝐺𝑖}. Azona amarela garante que as desigualdades entre os tempos de parada são estritas, ou seja,𝑇 𝑖−1 < 𝑇𝑖 < 𝑇 𝑖 para todo 𝑖 ∈ N.

Em seguida, definimos o semimartingale {𝑍𝑡 : 𝑡 ≥ 0} como segue:

𝑍𝑡 =⎧⎨⎩𝑈𝑡, se 𝑡 ∈ [𝑇 𝑘−1, 𝑇𝑘) para algum 𝑘 ∈ 𝑁 ;𝑈𝑇𝑘

, se 𝑡 ∈ [𝑇𝑘, 𝑇 𝑘).

Note que 𝑍𝑡 é constante desde o tempo em que 𝑈𝑡 atinge a zona vermelha, até regressarà zona verde; nos outros tempos, 𝑍𝑡 coincide com 𝑈𝑡. Agora, considere a equação diferencial

18

estocástica em relação ao semimartingale 𝑍𝑡, interpretada no sentido de Marcus:

𝑑𝑥𝑡 =𝑚∑

𝑖=0𝑋 𝑖(𝑥𝑡) ◇ 𝑑𝑍𝑖

𝑡 ,

cujo fluxo solução é dado por:

𝜙𝑡 = 𝜑𝑍𝑡 = 𝜑𝑋0𝑍0

𝑡∘ 𝜑𝑋1

𝑍1𝑡

∘ . . . ∘ 𝜑𝑋𝑚𝑍𝑚

𝑡.

Segue diretamente da construção que 𝜙𝑡 é 𝑝-decomponível para todo 𝑡 ≥ 0. Em relaçãoà parte final do teorema, note que 𝐶(𝜔) é Lebesgue mensurável quase sempre, pois 𝜙𝑡 e 𝜙𝑡

são mensuráveis com respeito a 𝜎-álgebra produto em R⊗ Ω. Além disso, 𝜙𝑡(𝜔) = 𝜙𝑡(𝜔) se𝑈𝑡(𝜔) = 𝑍𝑡(𝜔), e assim:

𝐶(𝜔) ⊆⋃

𝑘∈N(𝑇𝑘(𝜔), 𝑇 𝑘(𝜔)).

Finalmente, uma condição necessária para 𝜇(𝐶(𝜔)) > 𝑎 é que, para algum 𝑘 ∈ N, tenha-mos 𝑇 𝑘(𝜔) − 𝑇𝑘(𝜔) > 𝑎

2𝑘 . Então, segue que:

P[𝜇(𝐶) > 𝑎] ≤ P

⎡⎣ ⋃𝑘∈N

{𝜔 : (𝑇 𝑘 − 𝑇𝑘) > 𝑎

2𝑘

}⎤⎦≤

∑𝑘∈N

P[(𝑇 𝑘 − 𝑇𝑘) > 𝑎

2𝑘

]

≤∑𝑘∈N

𝜀

2𝑘= 𝜀.

(2.2.1)

Observação 2.2.2. Genericamente, na topologia 𝐶1, quando a equação diferencial estocás-tica possui um único campo de vetores, o conjunto 𝑃 ⊂ R tem medida de Lebesgue nula.De fato, a condição na segunda componente dada por det 𝜕𝜑2

𝑡

𝜕𝑦= 0 não se mantém mediante

pequenas perturbações nas suas derivadas. Além disso, para campos de vetores lineares,𝑃 ⊂ R é discreto pois det 𝜕𝜑2

𝑡

𝜕𝑦é função analítica não nula.

No caso em que o conjunto 𝑃 (com a mesma notação acima) possui uma medida de Le-besgue arbitrária, vale uma versão mais fraca do resultado. Nesse sentido, ainda é possívelconstruir um semimartingale 𝑍𝑡 próximo ao processo 𝑈𝑡, de forma que os fluxos correspon-dentes 𝜙𝑡 and 𝜙𝑡 também estejam próximos.

O problema é que nesse caso perdemos a abordagem probabilística, no sentido de controlara medida do conjunto 𝐶(𝜔). Assim, com a mesma notação, considere a seguinte proposição:

19

Proposição 2.2.3. Dado 𝜀 > 0 e um conjunto aberto 𝐴 ⊇ 𝑃 tal que 𝜇(𝐴 ∖ 𝑃 ) < 𝜀, existeum semimartingale 𝑍𝑡 satisfazendo as seguintes propriedades:

1. O fluxo solução da equação 𝑑𝑥𝑡 =𝑚∑

𝑖=1𝑋 𝑖(𝑥𝑡) ◇ 𝑑𝑍𝑖

𝑡 é 𝑝-decomponível para todo 𝑡 ≥ 0;

2. Se 𝑈𝑡(𝜔) /∈ 𝐴, então 𝑍𝑡(𝜔) = 𝑈𝑡(𝜔), e portanto 𝜙𝑡(𝜔) = 𝜙𝑡(𝜔).

Demonstração. Como 0 /∈ 𝑃 , podemos assumir (reduzindo 𝐴, se necessário), que 0 /∈ 𝐴.Aplicando o Lema de Urysohn, existe uma função contínua 𝐹 : R𝑚+1 → [0, 1], tal que𝐹−1(1) = 𝐴𝐶 e 𝐹−1(0) = 𝑃 . De maneira análoga à prova do Teorema 2.2.1, considere umapartição de R𝑚+1 dada por:

• ‘Zona verde’ 𝐺 = 𝐹−1(1);

• ‘Zona amarela’ 𝑌 = 𝐹−1(12 , 1);

• ‘Zona vermelha’ 𝑅 = 𝐹−1[0, 12 ].

Note que, diferente do teorema anterior, neste resultado as zonas verde, amarela e ver-melha permanecem fixas durante todo o processo, pois a necessidade de modificá-las a cadapasso decorria da aproximação em probabilidade. Por indução, considere a seguinte sequênciade tempos de parada: 𝑇 0 = 0, 𝑇𝑖 = inf{𝑡 > 𝑇 𝑖−1 : 𝑈𝑡 ∈ 𝑅} e 𝑇 𝑖 = inf{𝑡 > 𝑇𝑖 : 𝑈𝑡 ∈ 𝐺}.

Defina o semimartingale com saltos {𝑍𝑡 : 𝑡 ≥ 0} como segue:

𝑍𝑡 =⎧⎨⎩𝑈𝑡, se 𝑡 ∈ [𝑇 𝑘−1, 𝑇𝑘) para algum 𝑘 ∈ 𝑁 ;𝑈𝑇𝑘

, se 𝑡 ∈ [𝑇𝑘, 𝑇 𝑘).

Finalmente, note que se 𝑈𝑡(𝜔) /∈ 𝐴, então 𝑈𝑡(𝜔) está contido na zona verde. Dessa forma,neste caso temos 𝑈𝑡(𝜔) = 𝑍𝑡(𝜔) e 𝜙𝑡(𝜔) = 𝜙𝑡(𝜔).

Exemplo 2.2.4. Apresentamos aqui um exemplo em que o conjunto 𝑃 não tem medida deLebesgue nula. Seja 𝑓 : R → [−𝜋/2, 𝜋/2] uma função diferenciável tal que: 𝑓(𝑥) = −𝜋/2 se𝑥 ≤ −𝜋/2 e 𝑓(𝑥) = 𝜋/2 se 𝑥 ≥ 𝜋/2. Considere a seguinte EDO determinística em R3:⎛⎜⎝ 𝑥′

𝑦′

𝑧′

⎞⎟⎠ =

⎛⎜⎝ −𝑓 ′(𝑧)𝑦𝑓 ′(𝑧)𝑥

1

⎞⎟⎠cuja solução em pontos do plano horizontal (𝑥0, 𝑦0, 0) é dada por:

20

𝜙(𝑡)(𝑥0, 𝑦0, 0) =

⎛⎜⎜⎝cos 𝑓(𝑡) − sin 𝑓(𝑡) 0sin 𝑓(𝑡)

0cos 𝑓(𝑡) 0

0 1

⎞⎟⎟⎠⎛⎜⎝ 𝑥0𝑦0𝑡

⎞⎟⎠ .Considere agora a 1-decomposição do fluxo em R × R2. O determinante da submatriz

destacada acima corresponde a det 𝜕𝜑2𝑡

𝜕𝑦na definição do conjunto 𝑃 . Dessa forma, dada uma

condição inicial no plano horizontal (𝑥, 𝑦, 0), temos que 𝑃 = [𝜋/2,∞). Geometricamente,a dinâmica do plano horizontal {(𝑥, 𝑦, 0);𝑥, 𝑦 ∈ R} é simplesmente uma rotação por 𝑓(𝑡)ao longo do eixo 𝑧, com velocidade crescente nesta coordenada. Portanto, no tempo 𝑡 ≥ 𝜋

2 ,a imagem de 𝑒1 intersecta o plano {(0, 𝑦, 𝑧); 𝑦, 𝑧 ∈ R} = R2, que corresponde à folheaçãovertical.

2.3 Extensão da decomposição via equação ‘stop andgo’

Inicialmente, vale considerar que, no caso geral, isto é, quando os campos de vetores nãocomutam entre si, a técnica da seção anterior (via equação diferencial estocástica no sentidode Marcus) não permite gerar um fluxo de difeomorfismos 𝜙𝑡 próximo ao fluxo original coma propriedade de ser 𝑝-decomponível.

De fato, os saltos na equação de Marcus ocorrem na direção do fluxo determinístico,não alcançando, por exemplo, as direções de colchetes de Lie entre os campos. Em outraspalavras, via equação de Marcus, não podemos garantir que 𝜙𝑡 e 𝜙𝑡 estejam próximos apenascontrolando os semimartingales 𝑍𝑡 e 𝑈𝑡.

A ideia desta seção é propor uma ferramenta para gerar um processo 𝜙𝑡, de forma que,quando necessário, permaneça estacionário em um certo ponto e, em tempos apropriados,salte para alcançar o fluxo original 𝜙𝑡.

Esta ferramenta, que denominamos equação ‘stop and go’, nos permite obter um resultadoanálogo à Proposição 2.2.3 para o caso geral de campos de vetores que não comutam entre si.Usando a mesma notação anterior, considere a equação diferencial estocástica de Stratonovichem relação ao movimento Browniano dada por:

𝑑𝑥𝑡 = 𝑋0(𝑥𝑡) 𝑑𝑡+𝑚∑

𝑖=1𝑋 𝑖(𝑥𝑡) ∘ 𝑑𝐵𝑖

𝑡, (2.3.1)

cuja solução é dada pelo fluxo de difeomorfismos 𝜙𝑡. Considere uma sequência arbitrária 𝑇de tempos de parada dada por:

𝑇 : 0 = 𝑇 0 ≤ 𝑇1 < 𝑇 1 ≤ 𝑇2 < 𝑇 2 < . . . .

21

Denotamos a equação ‘stop and go’ como segue:

𝑑𝑥𝑡 =𝑚∑

𝑖=0𝑋 𝑖(𝑥𝑡) �𝑇 𝑑𝑈 𝑖

𝑡 , (2.3.2)

onde, novamente 𝑈𝑡 = (𝑡, 𝐵1𝑡 , . . . , 𝐵

𝑚𝑡 ) e cuja solução deve ser interpretada, em termos de

ação de difeomorfismos, como o processo:

𝜙𝑡 =⎧⎨⎩𝜙𝑡, if 𝑡 ∈ [𝑇 𝑗, 𝑇𝑗+1);𝜙𝑇𝑗

, if 𝑡 ∈ [𝑇𝑗, 𝑇 𝑗).

A partir da equação acima, vamos construir na próxima seção um processo 𝑝-decomponível𝜙𝑡 que aproxime o fluxo de difeomorfismos correspondente.

2.3.1 Resultado principal

Considere uma equação da forma (2.3.1) e o seu fluxo estocástico correspondente 𝜙𝑡. Dadauma condição inicial, para cada 𝜔 ∈ Ω, defina o conjunto 𝑃 (𝜔) = {𝑡 ∈ R : det 𝜕𝜙2

𝑡

𝜕𝑦(𝜔) = 0},

que é um conjunto aleatório (ao contrário da seção anterior). Nessas condições, vale o seguinteresultado:

Teorema 2.3.1. Dado 𝜀 > 0, e um conjunto aberto aleatório 𝐴(𝜔) ⊇ 𝑃 (𝜔) tal que 𝜇(𝐴(𝜔) ∖𝑃 (𝜔)) < 𝜀, existe uma sequência 𝑇 de tempos de parada tal que:

• O processo 𝜙𝑡, solução da equação ‘stop and go’ (2.3.2), tem a propriedade de ser𝑝-decomponível para todo 𝑡 ≥ 0;

• 𝜙𝑡(𝜔) = 𝜙𝑡(𝜔) se 𝑡 /∈ 𝐴(𝜔).

Demonstração. Como 0 /∈ 𝑃 (𝜔) para todo 𝜔 ∈ Ω, podemos assumir (reduzindo o conjunto𝐴(𝜔), se necessário), que 0 /∈ 𝐴(𝜔). Definimos uma partição aleatória de R de maneiraanáloga aos resultados anteriores. Tome, para cada 𝜔, uma função contínua 𝐹𝜔 : R → [0, 1]com a propriedade que 𝐹−1

𝜔 (1) = 𝐴𝐶(𝜔) e 𝐹−1𝜔 (0) = 𝑃 (𝜔), e defina:

• ‘Zona verde’ 𝐺𝜔 = 𝐹−1𝜔 (1);

• ‘Zona amarela’ 𝑌𝜔 = 𝐹−1𝜔 (1

2 , 1);

• ‘Zona vermelha’ 𝑅𝜔 = 𝐹−1𝜔 [0, 1

2 ].

22

Defina por indução uma sequência de tempos de parada 𝑇 , da seguinte maneira: 𝑇 0 = 0,𝑇𝑖(𝜔) = inf {𝑡 > 𝑇 𝑖−1(𝜔) : 𝑡 ∈ 𝑅𝜔} e 𝑇 𝑖(𝜔) = inf {𝑡 > 𝑇𝑖(𝜔) : 𝑡 ∈ 𝐺𝜔}.

Note que a sequência 𝑇 foi construída de forma que det 𝜕𝜙2𝑡

𝜕𝑦(𝜔) não se anula. Nesse

sentido, o processo gerado pela equação ‘stop and go’ 𝜙𝑡 é p-decomponível para todo 𝑡 ≥ 0.Em relação à segunda parte do resultado, note que se 𝑡 /∈ 𝐴(𝜔), então:

𝑡 /∈⋃

𝑘∈N(𝑇𝑘(𝜔), 𝑇𝑘(𝜔)),

e neste caso 𝜙𝑡(𝜔) = 𝜙𝑡(𝜔).

23

24

Capítulo 3

Decomposição de fluxos estocásticoscom saltos

3.1 Generalidades

Neste capítulo, voltamos ao assunto da decomposição de fluxos, mas agora com focona existência da decomposição para o caso descontínuo. Assim, seja 𝑀 uma variedadediferenciável compacta, e Diff(𝑀) o grupo de Lie de dimensão infinita dos difeomorfismos em𝑀 , gerado pela álgebra de Lie dos campos de vetores diferenciáveis.

Considere 𝜙𝑡 um fluxo gerado por uma equação diferencial estocástica em relação a um se-mimartingale com saltos 𝑍𝑡. Assumimos que este semimartingale tem a propriedade de saltosfinitos em intervalos de tempo compactos, como descrito no capítulo inicial. Nossa inten-ção aqui é estudar a decomposição do fluxo 𝜙𝑡 em componentes que pertencem a subgruposespecíficos de Diff(M).

Tais subgrupos são similares aos considerados em Catuogno, Ruffino e Silva [6]. Nessesentido, consideramos que a variedade diferenciável 𝑀 possui (localmente) um par de distri-buições no sentido de seções no fibrado Grassmaniano de 𝑀 . A primeira delas será deno-minada distribuição horizontal, que denotamos por Δ𝐻 : 𝑈 ⊆ 𝑀 → 𝐺𝑟𝑘(𝑀), e a segundaserá denominada distribuição vertical, dada por Δ𝑉 : 𝑈 ⊆ 𝑀 → 𝐺𝑟𝑛−𝑘(𝑀). Ademais, assu-mimos também que as distribuições horizontal e vertical são complementares, ou seja, paracada 𝑥 ∈ 𝑈 , Δ𝐻(𝑥) ⊕ Δ𝑉 (𝑥) = 𝑇𝑥𝑀 .

Dessa forma, dois subgrupos de Lie de Diff(𝑀) surgem naturalmente: Diff(Δ𝐻 ,𝑀) eDiff(Δ𝑉 ,𝑀), que correspondem aos difeomorfismos gerados pelos campos de vetores quepertencem às distribuições horizontal e vertical, respectivamente.

Nesse contexto, estamos interessados na decomposição do fluxo estocástico como𝜙𝑡 = 𝜉𝑡 ∘ 𝜓𝑡, onde 𝜉𝑡 ∈ Diff(Δ𝐻 ,𝑀) e 𝜓𝑡 ∈ Diff(Δ𝑉 ,𝑀). Na seção final deste capítulo,

25

após uma breve discussão sobre a existência da decomposição até um tempo de parada (quedecorre do caso contínuo), vamos exibir ainda as EDEs no sentido de Marcus para cada umadas componentes respectivas.

Um dos pontos principais para obter as equações referentes às componentes 𝜉𝑡 e 𝜓𝑡 éuma extensão da fórmula clássica de Itô-Ventzel-Kunita, resultado que apresentaremos napróxima seção. Esta extensão aplica-se a fluxos gerados por EDEs de Stratonovich em relaçãoao mesmo semimartingale com saltos. Vale acrescentar ainda que, para obter essa extensão,apresentamos uma generalização da definição de integração de Marcus com respeito a umamudança de variáveis em Kurtz, Pardoux and Protter [22].

3.2 Uma extensão da fórmula de Itô-Ventzel Kunita

No caso contínuo, temos a clássica fórmula de Itô-Ventzel-Kunita, que consiste em umresultado para a composição de dois processos estocásticos. Inicialmente, recordamos estafórmula para integrais de Stratonovich. Neste sentido, seja 𝜙𝑡 um fluxo estocástico de difeo-morfismos, solução da seguinte EDE de Stratonovich:

𝑑𝑥𝑡 =𝑚∑

𝑖=0𝑋 𝑖(𝑥𝑡) ∘ 𝑑𝑁 𝑖

𝑡 ,

onde 𝑁𝑖 são semimartingales contínuos, e 𝑋 𝑖 são campos de vetores diferenciáveis em R𝑑,para 𝑖 ∈ {0, 1, . . . ,𝑚}. Sejam 𝑈𝑡 = (𝑈1

𝑡 , . . . , 𝑈𝑑𝑡 ) semimartingales contínuos. Então:

Teorema 3.2.1. (Itô-Ventzel-Kunita fórmula para o caso contínuo)

𝜙𝑡(𝑈𝑡) = 𝜙0(𝑈0) +𝑚∑

𝑖=0

∫ 𝑡

0𝑋 𝑖

𝑠(𝑈𝑠) ∘ 𝑑𝑁 𝑖𝑠 +

𝑑∑𝑖=1

∫ 𝑡

0

𝜕𝜙𝑠

𝜕𝑥𝑖

(𝑈𝑠) ∘ 𝑑𝑈 𝑖𝑠. (3.2.1)

Para uma demonstração deste resultado, veja por exemplo Kunita [21]. Um coroláriodireto da fórmula acima é uma espécie de ‘regra de Leibniz’ para a composição de fluxosestocásticos de difeomorfismos no caso contínuo. Mais precisamente, podemos escrever

𝑑(𝜙 ∘ 𝑈)𝑡 = 𝑑𝜙𝑡 ∘ 𝑈𝑡 + (𝜙𝑡)* ∘ 𝑑𝑈𝑡,

onde a forma diferencial é tomada no sentido de integrais do tipo Stratonovich. Na provado resultado principal desta seção, precisamos de uma extensão dessa regra de Leibniz parafluxos gerados por EDE de Stratonovich em relação a semimartingales com saltos.

Nesse sentido, sejam 𝜓𝑡 e 𝜉𝑡 fluxos de difeomorfismos gerados por equações de Marcuscom respeito ao mesmo semimartingale com saltos 𝑍𝑡, ou seja:

◇𝑑𝜓𝑡 = 𝑋(𝜓𝑡) ◇ 𝑑𝑍𝑡 e ◇ 𝑑𝜉𝑡 = 𝑌 (𝜉𝑡) ◇ 𝑑𝑍𝑡,

26

onde 𝑋, 𝑌 são campos de vetores diferenciáveis. Generalizando a fórmula de composição(1.3.5) de Kurtz, Pardoux e Protter [22], definimos a seguinte integral:

∫ 𝑡

0𝜓𝑠*𝑌 (𝜉𝑠) ◇ 𝑑𝑍𝑠 :=

∫ 𝑡

0𝜓𝑠*𝑌 (𝜉𝑠−)𝑑𝑍𝑠

+12

∫ 𝑡

0(𝑋 ′(𝑌 (𝜉𝑠)) + 𝜓𝑠*(𝑌 ′𝑌 )) 𝑑 [𝑍,𝑍]𝑐𝑠

+∑

0≤𝑠≤𝑡

{𝜑(𝑋Δ𝑍𝑠, 𝜑(𝑌Δ𝑍𝑠, 𝜓𝑠−(𝜉𝑠−))) − 𝜓𝑠−(𝜉𝑠−)

−(∫ 1

0𝑋(𝜑(𝑌Δ𝑍𝑠, 𝜉𝑠− , 𝑢))𝑑𝑢− 𝜓𝑠− *(𝑌 (𝜉𝑠−))

)Δ𝑍𝑠

}.

(3.2.2)

Explicamos brevemente o sentido de cada uma das parcelas acima. O primeiro termono lado direito de (3.2.2) é a integral padrão de Itô do processo predizível 𝜓𝑠*(𝑌 (𝜉𝑠−)). Osegundo termo corresponde a uma integral de Stieltjes em relação a parte contínua da variaçãoquadrática de 𝑍𝑡. Aqui vale considerar que este termo é compatível com a fórmula clássicade Itô-Ventzel-Kunita (3.2.1).

No somatório, usamos a notação 𝜑(𝑋, 𝑥0, 𝑢) para a solução da EDO com respeito aocampo de vetores 𝑋 e condição inicial 𝑥0 no tempo 𝑢 (se este último parâmetro for omitido,consideramos 𝑢 = 1). Vale considerar que a definição da equacão (3.2.3) estende a definiçãode uma EDE de Stratonovich no sentido de Marcus (equação 1.3.3): se 𝜓𝑡 é a identidade,então 𝑋 ≡ 0 e recuperamos a equação correspondente.

Nesse sentido, temos que o processo de saltos da integral (3.2.2) é dado por:

Δ(∫ 𝑡

0𝜓𝑠*𝑌 (𝜉𝑠) ◇ 𝑑𝑍𝑠

)𝑣

= 𝜑(𝑋Δ𝑍𝑣, 𝜑(𝑌Δ𝑍𝑣, 𝜓𝑣−(𝜉𝑣−))) − 𝜓𝑣−(𝜉𝑣−)

−(∫ 1

0𝑋(𝜑(𝑌Δ𝑍𝑣, 𝜉𝑣− , 𝑢))𝑑𝑢

)Δ𝑍𝑣.

(3.2.3)

Agora, com a mesma notação anterior, apresentamos uma extensão da fórmula de Itô-Ventzel-Kunita dada por:

Teorema 3.2.2. (Itô-Ventzel-Kunita para EDE de Stratonovich com saltos) Suponha queos fluxos estocásticos 𝜓𝑡 e 𝜉𝑡 estão definidos no intervalo [0, 𝑎]. Então, para todo 𝑡 ∈ [0, 𝑎]:

𝜓𝑡(𝜉𝑡) = 𝜓0(𝜉0) +∫ 𝑡

0𝑋(𝜉𝑠) ◇ 𝑑𝑍𝑠 +

∫ 𝑡

0𝜓𝑠*(𝑌 (𝜉𝑠)) ◇ 𝑑𝑍𝑠. (3.2.4)

27

Demonstração. Considere

𝑡0 = sup {𝑠 ∈ [0, 𝑎] tal que a relação acima é válida em [0, 𝑠]}.

Vamos mostrar que 𝑡0 = 𝑎. A prova segue por contradição considerando dois casos: quando ointegrador 𝑍𝑡 é contínuo em 𝑡0, ou quando 𝑡0 é ponto de descontinuidade de 𝑍𝑡. No primeirocaso, se 𝑡0 < 𝑎, existe q.s. 𝜀 > 0 de forma que o processo 𝑍𝑡 é contínuo em [𝑡0, 𝑡0 + 𝜀). Então,pela fórmula de Itô-Ventzel-Kunita para o caso contínuo, a relação é válida até o tempo 𝑡0 +𝜀,e assim, temos uma contradição.

Em relação ao segundo caso, se o processo 𝑍𝑡 tem uma descontinuidade em 𝑡0, e 𝑡0 < 𝑎,vamos mostrar que a relação também é válida para 𝑡0 acrescido de um certo 𝜀. De fato:

𝜓𝑡0(𝜉𝑡0) = 𝜓𝑡−0

(𝜉𝑡−0

) + 𝜑(𝑋Δ𝑍𝑡0 , 𝜑(𝑌Δ𝑍𝑡0 , 𝜓𝑡−0

(𝜉𝑡−0

))) − 𝜓𝑡−0

(𝜉𝑡−0

)

= 𝜓0(𝜉0) +∫ 𝑡−

0

0𝑋(𝜉𝑠) ◇ 𝑑𝑍𝑠 +

∫ 𝑡−0

0𝜓𝑠*(𝑌 (𝜉𝑠)) ◇ 𝑑𝑍𝑠

+(∫ 1

0𝑋(𝜑(𝑌Δ𝑍𝑡0 , 𝜉𝑡0− , 𝑢))𝑑𝑢

)Δ𝑍𝑡0

+𝜑(𝑋Δ𝑍𝑡0 , 𝜑(𝑌Δ𝑍𝑡0 , 𝜓𝑡−0

(𝜉𝑡−0

)))

− 𝜓𝑡−0

(𝜉𝑡−0

) −(∫ 1

0𝑋(𝜑(𝑌Δ𝑍𝑡0 , 𝜉𝑡0− , 𝑢))𝑑𝑢

)Δ𝑍𝑡0

= 𝜓0(𝜉0) +∫ 𝑡0

0𝑋(𝜉𝑠) ◇ 𝑑𝑍𝑠 +

∫ 𝑡0

0𝜓𝑠*(𝑌 (𝜉𝑠)) ◇ 𝑑𝑍𝑠.

(3.2.5)

Então, a fórmula também é válida para 𝑡 = 𝑡0. Como estamos assumindo que o integradortem a propriedade de saltos finitos, existe quase sempre um 𝜀 > 0 tal que 𝑍𝑡 é contínuo em(𝑡0, 𝑡0 + 𝜀). Aplicando novamente a fórmula clássica de Itô-Ventzel-Kunita, chegamos a umacontradição. Logo, 𝑡0 = 𝑎.

Lembre que, por hipótese, estamos assumindo que 𝑍𝑡 tem a propriedade de saltos finitos.Nesse sentido, existe quase sempre 𝜀 > 0 tal que o processo 𝑍 é continuo em (𝑡0, 𝑡0 + 𝜀),com (𝑡0 + 𝜀) < 𝑎. Aplicando a fórmula de Itô-Ventzel-Kunita para o caso contínuo, temosnovamente uma contradição, e portanto devemos ter 𝑡0 = 𝑎, como queríamos mostrar.

De nossa generalização da fórmula de Itô-Ventzel-Kunita, segue diretamente o seguintecorolário:

Corolário 3.2.3. Sejam 𝜓 e 𝜉 fluxos gerados por EDEs do tipo Stratonovich no sentido deMarcus, com respeito ao mesmo semimartingale 𝑍𝑡, que assumimos com a propriedade desaltos finitos. Então:

◇𝑑(𝜓 ∘ 𝜉)𝑡 = ◇𝑑𝜓𝑡 ∘ 𝜉𝑡 + (𝜓𝑡)* ∘ ◇𝑑𝜉𝑡. (3.2.6)

28

Como mencionamos anteriormente, este corolário, que pode ser visto como uma espéciede regra de Leibniz para fluxos estocásticos de Marcus, será usado na próxima seção paradeterminar as equações diferenciais estocásticas das componentes em nossa decomposição dofluxo original.

3.3 Decomposição de fluxos estocásticos gerados porEDEs com saltos

Nesta seção, seguindo o ambiente geométrico de [22], assumimos que a variedade 𝑀 estámergulhada no espaço Euclideano. Dessa forma, campos de vetores diferenciáveis em 𝑀podem ser estendidos a campos de vetores em uma vizinhança tubular de 𝑀 .

Seja 𝜙𝑡 um fluxo estocástico de difeomorfismos locais em 𝑀 , gerado por uma equaçãodiferencial estocástica de Stratonovich no sentido de Marcus, onde o integrador tem a pro-priedade de saltos finitos em intervalos de tempo compactos, descrita no capítulo inicial.

Vamos assumir, conforme a descrição contida na Seção 3.1, que a variedade 𝑀 encontra-semunida localmente com um par de distribuições diferenciáveis, que denominamos horizontale vertical, denotadas por Δ𝐻 : 𝑈 ⊆ 𝑀 → 𝐺𝑟𝑘(𝑀) e Δ𝑉 : 𝑈 ⊆ 𝑀 → 𝐺𝑟𝑛−𝑘(𝑀), respecti-vamente. Assumimos também que tais distribuições são complementares, ou seja, para cada𝑥 ∈ 𝑈 , vale que Δ𝐻(𝑥) ⊕ Δ𝑉 (𝑥) = 𝑇𝑥𝑀 .

Ademais, considere os subgrupos Diff(𝑀) que também foram descritos na Seção 3.1:Diff(Δ𝐻 ,𝑀), gerado pela exponencial dos campos de vetores que pertencem à distribuiçãoΔ𝐻 , e Diff(Δ𝑉 ,𝑀), gerado pela exponencial dos campos de vetores que pertencem à distri-buição Δ𝑉 .

3.3.1 Existência da decomposição

Estamos interessados em decompor o fluxo estocástico mencionado acima na forma𝜙𝑡 = 𝜉𝑡 ∘ 𝜓𝑡, onde 𝜉𝑡 pertence a Diff(Δ𝐻 ,𝑀) e 𝜓𝑡 pertence a Diff(Δ𝑉 ,𝑀). Inicialmente,apresentamos as seguintes definições, que tem um papel importante nos resultados posterio-res:

Definição 3.3.1. (Distribuição adjunta) Seja Δ : 𝑈 ⊆ 𝑀 → 𝐺𝑟𝑝(𝑀) uma distribuição em𝑀 , e tome 𝜉 ∈ Diff(𝑀). Então, a distribuição 𝐴𝑑(𝜉)Δ : 𝑈 ⊆ 𝑀 → 𝐺𝑟𝑝(𝑀) é dada por:

𝐴𝑑(𝜉)Δ(𝑥) = 𝜉*Δ(𝜉−1(𝑥)).

29

Definição 3.3.2. Sejam Δ𝐻 e Δ𝑉 um par de distribuições locais, complementares na vari-edade 𝑀 . Dizemos que Δ𝐻 e Δ𝑉 preservam a transversalidade ao longo de Diff(Δ𝐻 ,𝑀) se,para cada 𝜉 ∈ Diff(Δ𝐻 ,𝑀), as distribuições Δ𝐻 e 𝐴𝑑(𝜉)Δ𝑉 são localmente complementares.

Assumindo a condição de transversalidade nas distribuições Δ𝐻 e Δ𝑉 , temos um resultadoem [6] sobre a decomposição de um fluxo estocástico contínuo 𝜙𝑡, gerado por uma EDEdiferencial estocástica de Stratonovich em relação ao movimento Browniano. Trata-se doTeorema 2.1.1, transcrito no capítulo anterior.

Nesta seção, usamos este resultado para obter um extensão direta sobre a existência dadecomposição para o fluxo estocástico 𝜙𝑡, gerado por uma EDE de Stratonovich dirigida pelosemimartingale 𝑍𝑡 com a propriedade de saltos finitos:

Proposição 3.3.3. Suponha que as distribuições Δ𝑉 e Δ𝐻 preservam a transversalidadeao longo de Diff(Δ𝐻 ,𝑀). Então, até um tempo de parada 𝜏 , 𝜙𝑡 pode ser decompostona forma 𝜙𝑡 = 𝜉𝑡 ∘ 𝜓𝑡, onde 𝜉𝑡 é uma difusão em Diff(Δ𝐻 ,𝑀) e 𝜓𝑡 é um processo emDiff(Δ𝑉 ,𝑀). Ademais, seja 𝑡0 um ponto onde o processo 𝑍𝑡 é descontínuo. Se 𝑡0 ≤ 𝜏 , eexiste a decomposição para o difeomorfismo 𝜙𝑡0 , então 𝑡0 < 𝜏 quase sempre.

Demonstração. Por hipótese, a primeira descontinuidade do integrador 𝑍𝑡 ocorre em umtempo de parada 𝑡1 > 0 q.s.. Portanto, o Teorema 2.1.1 garante a existência da decomposiçãoao menos até o tempo 𝑡1. Para a última afirmação, considere 𝛿 > 0 tal que o integrador 𝑍𝑡 écontínuo em (𝑡0, 𝑡0 + 𝛿) e aplique novamente o teorema mencionado.

Vale considerar que, na última afirmação da proposição acima, a hipótese da existênciada decomposição do difeomorfismo 𝜙𝑡0 não pode ser retirada: de fato, pode ocorrer que adecomposição exista para todo tempo 𝑡 < 𝑡0, e o processo salte para um difeomorfismo 𝜙𝑡0

que não pode ser decomposto na forma correspondente.Como um exemplo básico para ilustrar essa possibilidade, tome as folheações horizontal e

vertical canônicas em R2. Seja 𝐴 o campo de vetores cujo fluxo determístico é a rotação pura,e considere a equação 𝑑𝑥𝑡 = 𝐴𝑥𝑡 ◇ 𝑑𝑍𝑡, onde 𝑍𝑡 é um semimartingale com a propriedadeque 𝑍𝑡 /∈ {𝜋/2 + 𝑘𝜋, 𝑘 ∈ Z} for 𝑡 < 𝑡0. O fluxo correspondente, acompanhado da respectivadecomposição para 𝑡 < 𝑡0 é dado por:

𝜙𝑡 =(

cos𝑍𝑡 − sin𝑍𝑡

sin𝑍𝑡 cos𝑍𝑡

)=(

sec𝑍𝑡 − tan𝑍𝑡

0 1

)(1 0

sin𝑍𝑡 cos𝑍𝑡

).

Se, no tempo 𝑡0, o processo salta para 𝑍𝑡0 ∈ {𝜋/2 + 𝑘𝜋, 𝑘 ∈ Z}, então 𝜙𝑡0 não admitedecomposição em componentes que preservam as folheações horizontal e vertical.

Por outro lado, se o fluxo estocástico salta para um difeomorfismo 𝜙𝑡0 que pode ser de-composto, então a decomposição também pode ser feita ao menos em um 𝛿 > 0 adicional

30

além do tempo 𝑡0. Note que esta ideia foi usada no capítulo anterior, para construir um fluxoestocástico 𝜙𝑡 gerado por uma equação diferencial de Stratonovich com saltos controlados,que aproxima arbitrariamente outro fluxo estocástico gerado por uma EDE contínua de Stra-tonovich. Vale acrescentar que o fluxo construído 𝜙𝑡 admitia a referida decomposição paratodo tempo 𝑡 > 0.

3.3.2 Descrição das EDEs de Stratonovich para as componentes

Usando a extensão que apresentamos anteriormente da fórmula de Itô-Ventzel-Kunitapara EDE com saltos, podemos obter as equações diferenciais no sentido de Marcus para ascomponentes 𝜉𝑡 e 𝜓𝑡 na decomposição considerada.

Inicialmente, note que, na terminologia de grupos de Lie, 𝜙𝑡 satisfaz a seguinte equaçãoinvariante a direita:

𝑑𝜙𝑡 =𝑚∑

𝑖=0𝑅𝜙𝑡*𝑋

𝑖 ◇ 𝑑𝑍𝑖𝑡 ,

onde 𝑅𝜙𝑡* é a derivada da translação a direita de 𝜙𝑡 no elemento identidade do grupo de LieDiff(M). De fato, temos que que para todo 𝑖 ∈ {0, 1, . . . ,𝑚}, vale que 𝑅𝜙𝑡*(𝑋 𝑖) = 𝑋 𝑖(𝜙𝑡),pois se 𝛾 é uma curva em Diff(M), satisfazendo 𝛾(0) = 𝐼𝑑 e 𝛾′(0) = 𝑋 𝑖, então:

𝑅𝜙𝑡*(𝑋 𝑖) = 𝑑

𝑑𝑠(𝛾(𝑠) ∘ 𝜙𝑡)|𝑠=0 = 𝑋 𝑖(𝜙𝑡).

Por hipótese assumida na Proposição (3.3.3), consideramos que Δ𝐻 e Δ𝑉 preservam atransversalidade ao longo de Diff(Δ𝐻 ,𝑀). Portanto, dado 𝜉 ∈ Diff(Δ𝐻 ,𝑀), as distribuiçõesΔ𝐻 e 𝐴𝑑(𝜉)Δ𝑉 são complementares.

Nesse sentido, para cada 𝑥 ∈ 𝑈 e 𝑖 ∈ {0, 1, . . . ,𝑚}, existe uma única decomposição dovetor 𝑋 𝑖(𝑥) nos subespaços correspondentes, dada por:

𝑋 𝑖(𝑥) = 𝑋 𝑖(𝑥) + 𝑣𝑖(𝜉, 𝑥),

onde 𝑋 𝑖(𝑥) ∈ Δ𝐻(𝑥) e 𝑣𝑖(𝜉, 𝑥) ∈ 𝐴𝑑(𝜉)Δ𝑉 (𝑥). Agora, considere a equação diferencial autô-noma de Stratonovich no subgrupo Diff(Δ𝐻 ,𝑀), dada por:

𝑑𝑥𝑡 =𝑚∑

𝑖=0

𝑋 𝑖(𝑥𝑡) ◇ 𝑑𝑍𝑖𝑡 ,

com condição inicial 𝑥0 = 𝐼𝑑. Definimos 𝜉𝑡 como a solução desta equação. Dessa forma, naterminologia de grupos de Lie, temos que o fluxo estocástico 𝜉𝑡 satisfaz:

𝑑𝜉𝑡 =𝑚∑

𝑖=0𝑅𝜉𝑡*

𝑋 𝑖 ◇ 𝑑𝑍𝑖𝑡 . (3.3.1)

31

Pelo teorema do suporte, concluímos que 𝜉𝑡 ∈ Diff(Δ𝐻 ,𝑀). Finalmente, definimos𝜓𝑡 = 𝜉−1

𝑡 ∘ 𝜙𝑡. Usando o Corolário 3.2.3, obtemos a seguinte expressão para 𝑑𝜉−1𝑡 :

𝑑𝜉−1𝑡 =

𝑚∑𝑖=1

−𝐿𝜉−1𝑡 *

𝑋 𝑖 ◇ 𝑑𝑍𝑖𝑡 , (3.3.2)

onde 𝐿𝜉−1𝑡 * é a derivada da translação a esquerda de 𝜉−1

𝑡 no elemento identidade do grupo deLie Diff(Δ𝐻 ,𝑀). De fato, basta derivar no tempo os dois lados da igualdade 𝜉𝑡 ∘ 𝜉−1

𝑡 = 𝐼𝑑.Usando novamente o Corolário 3.2.3, podemos obter uma expressão para a derivada do

processo 𝜓𝑡, verificando assim que este pertence ao subgrupo dos difeomorfismos que preser-vam a distribuição vertical. Nesse sentido, escrevemos:

𝑑𝜓𝑡 =𝑚∑

𝑖=1

(𝜉−1

𝑡 𝑋 𝑖 𝜉𝑡 𝜓𝑡 − 𝜉−1𝑡𝑋 𝑖 𝜉𝑡 𝜓𝑡

)◇ 𝑑𝑍𝑖

𝑡 =

=𝑚∑

𝑖=1𝐴𝑑(𝜉−1

𝑡 ) (𝑋 𝑖 − 𝑋 𝑖) 𝜓𝑡 ◇ 𝑑𝑍𝑖𝑡 =

=𝑚∑

𝑖=1𝐴𝑑(𝜉−1

𝑡 ) 𝑣𝑖(𝜉𝑡) 𝜓𝑡 ◇ 𝑑𝑍𝑖𝑡 .

(3.3.3)

Agora note que, por construção, temos 𝑣𝑖(𝜉𝑡, 𝑥) ∈ 𝐴𝑑(𝜉𝑡)Δ𝑉 (𝑥). Dessa forma, segue que𝐴𝑑(𝜉−1

𝑡 )𝑣𝑖(𝜉𝑡, 𝑥) ∈ Δ𝑉 (𝑥) para todo 𝑥 ∈ 𝑈 , e usando novamente o teorema do suporte, pode-mos concluir que 𝜓𝑡 ∈ Diff(Δ𝑉 ,𝑀), como queríamos. Assim, com essa discussão, provamoso seguinte resultado (com a mesma notação anterior):

Teorema 3.3.4. As componentes 𝜉𝑡 e 𝜓𝑡 na decomposição referida podem ser descritas,respectivamente, como soluções da seguintes EDEs de Stratonovich no sentido de Marcus emrelação a semimartingale 𝑍𝑡:

𝑑𝑥𝑡 =𝑚∑

𝑖=1

𝑋 𝑖(𝑥𝑡) ◇ 𝑑𝑍𝑖𝑡 𝑑𝑦𝑡 =

𝑚∑𝑖=1

𝐴𝑑(𝜉−1𝑡 ) 𝑣𝑖(𝜉𝑡)(𝑦𝑡) ◇ 𝑑𝑍𝑖

𝑡 .

Vale considerar que essas EDEs de Stratonovich no sentido de Marcus constituem oprincipal resultado desta seção para a teoria de decomposição de fluxos estocásticos. Issoporque a existência da decomposição até um tempo de parada (mencionada na Proposição3.3.3) segue diretamente do caso contínuo, assumindo a propriedade de saltos finitos.

No entanto, supondo que nos pontos de descontinuidade, o processo salte para um difeo-morfismo que admita a decomposição referida, as equações do Teorema 3.3.4 para as compo-nentes 𝜉𝑡 e 𝜓𝑡 permanecem válidas, podendo ser usadas para um estudo sobre comportamentoassintótico, por exemplo.

32

Capítulo 4

Equações diferenciais estocásticas comretardo e saltos

Muitos fenômenos naturais apresentam retardo com respeito aos dados de entrada: ma-tematicamente, trata-se de uma teoria conhecida e fundamentada na literatura. De fato,abordagens sobre a teoria de equações diferenciais com retardo podem ser encontradas noclássico Hale [16] e suas referências. Modelos para esse tipo de equações são apresentados emOliva [36], e perturbações estocásticas são consideradas em Langevin, Oliva e Oliveira [23],Mohammed [30], Scheutzow [31], Caraballo, Kloeden e Real [4] para equações diferenciaisparciais estocásticas, entre outros. Mais recentemente, equações diferenciais com retardoaleatório foram consideradas em Garrido-Atienza, Ogrowsky and Schmalfuss [15].

Por outro lado, conforme mencionado anteriormente, outra característica que usualmenteencontramos em sistemas na Biologia, Física, Economia, Climatologia, etc., é a presença desaltos. Neste capítulo, pretendemos estudar estas duas características (saltos e retardo) nomesmo modelo matemático.

Nesse sentido, vamos exibir um modelo de equação diferencial estocástica com retardoem relação a um semimartingale com saltos. Em nosso modelo, a parte contínua da soluçãoé dirigida por campos de vetores com um retardo fixo, e assumimos que os saltos provém deuma fonte distinta, sem retardo. Esta ideia inspira-se no fato que, em diversos fenômenosnaturais, as informações chegam ao receptor por diferentes canais de comunicação. Em umatempestade, por exemplo, os relâmpagos são percebidos quase que instantaneamente, mas ostrovões chegam com um certo retardo.

O objetivo da seção seguinte é relembrar alguns aspectos básicos de equações diferenci-ais com retardo, principalmente no contexto de variedades, onde o transporte paralelo temimportância manifesta.

33

4.1 Equações diferenciais estocásticas com retardo emvariedades

Seja 𝑀 uma variedade diferenciável, e ∇ uma conexão em 𝑀 . Assumimos, da mesmaforma que em [22], que a variedade encontra-se mergulhada um espaço Euclideano. Nessesentido, campos de vetores em 𝑀 podem ser estendidos para campos de vetores em umavizinhança tubular de 𝑀 .

A estrutura (𝑀,∇) permite transportar vetores de um espaço tangente de um pontoem uma curva diferenciável para o espaço tangente de outro ponto desta curva. Para fixarnotações, considere uma curva diferenciável 𝛼 : 𝐼 → 𝑀 definida em um intervalo 𝐼 ⊂ R.Para 𝑠, 𝑡 ∈ 𝐼, relembramos a definição:

Definição 4.1.1. O transporte paralelo induzido por ∇ ao longo de 𝛼, entre os pontos 𝛼(𝑠)e 𝛼(𝑡), é a isometria linear denotada por 𝑃∇

𝑠,𝑡(𝛼) : 𝑇𝛼(𝑠)𝑀 → 𝑇𝛼(𝑡)𝑀, tal que a derivadacovariante de 𝑡 ↦→ 𝑃∇

𝑠,𝑡(𝛼) é nula.

Mais detalhes sobre a existência e propriedades do transporte paralelo podem ser en-contrados em Kobayashi and Nomizu [19], por exemplo. Se 𝛼 é contínua e diferenciávelpor partes, o transporte paralelo correspondente é construído combinando os transportesparalelos ao longo de cada segmento diferenciável.

Neste trabalho, vamos abordar equações diferenciais com retardo fixo. Nesse sentido,considere 𝑑 ∈ (0, 1] o retardo correspondente, 𝑋 um campo de vetores diferenciável e 𝛼 :[−𝑑, 0] ↦→ 𝑀 uma condição inicial. Temos então a seguinte equação diferencial com retardo,ainda restrita ao caso determinístico:

⎧⎨⎩𝑥′(𝑡) = 𝑃∇𝑡−𝑑,𝑡(𝑥) 𝑋(𝑥(𝑡− 𝑑))

𝑥(𝑡) = 𝛼(𝑡) para todo 𝑡 ∈ [−𝑑, 0].(4.1.1)

A solução da equação acima é uma curva 𝛾(𝑡) com a propriedade que a sua derivada édada pelo transporte paralelo do vetor 𝑋(𝛾(𝑡 − 𝑑)) entre os espaços tangentes 𝑇𝛾(𝑡−𝑑)𝑀 e𝑇𝛾(𝑡)𝑀 , satisfazendo a condição inicial dada pela curva 𝛼 no intervalo [−𝑑, 0].

Introduzindo uma perturbação estocástica, por meio de um martingale contínuo 𝑀𝑡, porexemplo, podemos considerar a EDE com retardo dada por:

⎧⎪⎪⎨⎪⎪⎩𝑑𝑥𝑡 =

𝑚∑𝑖=0

𝑃∇𝑡−𝑑,𝑡(𝑥) 𝑋 𝑖(𝑥𝑡−𝑑) ∘ 𝑑𝑀 𝑖

𝑡

𝑥𝑡 = 𝛼𝑡 for all 𝑡 ∈ [−𝑑, 0],(4.1.2)

onde 𝑋𝑗, com 𝑗 ∈ {0, . . . ,𝑚}, são campos de vetores na variedade 𝑀 , e a curva 𝛼𝑡 é umacondição inicial determinística em 𝑀 . Um processo estocástico adaptado 𝜙𝑡 é uma solução

34

local da equação (4.1.2) se satisfaz a condição inicial e se existe um tempo de parada 𝜏 > 0tal que para todo 𝑡 < 𝜏 , e para qualquer 𝑓 ∈ 𝐶∞(𝑀), temos que:

𝑓(𝜙𝑡) = 𝑓(𝜙0) +𝑚∑

𝑖=0

∫ 𝑡

0𝑃∇

𝑠−𝑑,𝑠(𝜙) 𝑋 𝑖(𝜙𝑠−𝑑)𝑓(𝜙𝑠) ∘ 𝑑𝑀 𝑖𝑠 (4.1.3)

Vale considerar que a existência e unicidade de soluções em EDEs com retardo é um casoparticular da teoria de equações diferenciais estocásticas funcionais. A esse respeito, vejaLéandre and Mohammed [24].

Usando a ideia de saltos da equação de Marcus, ou seja, assumindo que estes ocorrem nadireção do fluxo determinístico do campo de vetores associado à equação, vamos apresentarnosso modelo de EDE com retardo no caso em que a perturbação estocástica é dada por umsemimartingale com saltos, generalizando assim a equação (4.1.2).

Nesse contexto, será preciso definir uma noção de transporte paralelo ao longo de umacurva càdlàg com saltos 𝛾, o que faremos na próxima seção.

4.2 Transporte paralelo ao longo de uma curva comsaltos

Seja 𝛾 : 𝐼 → 𝑀 uma curva càdlàg, com descontinuidades em um conjunto enumerável,discreto e fechado 𝐷 = {𝑡1, 𝑡2, . . .}, possivelmente finito. Vamos assumir que no interior dosintervalos de continuidade, a curva 𝛾 é diferenciável.

Para definir transporte paralelo ao longo 𝛾, a ideia principal é considerar uma famíliade curvas diferenciáveis fictícias, com extremos nos limites laterais dos pontos de descon-tinuidade, que intuitivamente ‘preenchem as lacunas’ de 𝛾. Concatenando essas curvas deforma conveniente, obtemos uma curva diferenciável por partes, e assim podemos definir otransporte paralelo de um vetor ao longo de 𝛾.

Nesse sentido, considere ℬ = (𝛽𝑛)𝑛∈N uma família de curvas diferenciáveis 𝛽𝑛 : [0, 1] → 𝑀tal que, para cada 𝑛 ∈ N:

𝛽𝑛(0) = lim𝑠→𝑡𝑛−

𝛾(𝑡𝑛) e 𝛽𝑛(1) = 𝛾(𝑡𝑛).

Nesse contexto, podemos definir o transporte paralelo ao longo de 𝛾 com respeito a famíliade curvas ℬ. Precisamente, fixe um subintervalo [𝑠, 𝑡] ⊆ 𝐼 e tome 𝐽 = 𝐷 ∩ (𝑠, 𝑡]. Temos que𝐽 é o conjunto dos tempos em que os saltos ocorrem em (𝑠, 𝑡]. Por hipótese, 𝐽 é finito e, comabuso de notação, vamos denotar 𝐽 = {𝑡1 < 𝑡2 < . . . < 𝑡𝑘}.

Em seguida, defina a curva (𝛾 ∨ ℬ)𝑠,𝑡 : [𝑠, 𝑡+ 𝑘] → 𝑀 que concatena 𝛾 com os elementosda família {𝛽𝑖, 𝑖 = 1, . . . , 𝑘} da seguinte maneira:

35

(𝛾 ∨ ℬ)𝑠,𝑡(𝑢) =

⎧⎪⎪⎪⎪⎪⎪⎪⎪⎪⎪⎪⎪⎪⎪⎨⎪⎪⎪⎪⎪⎪⎪⎪⎪⎪⎪⎪⎪⎪⎩

𝛾(𝑢), se 𝑢 ∈ [𝑠, 𝑡1)𝛽1(𝑢− 𝑡1), se 𝑢 ∈ [𝑡1, 𝑡1 + 1]𝛾(𝑢− 1), se 𝑢 ∈ [𝑡1 + 1, 𝑡2 + 1)𝛽2(𝑢− 𝑡2 − 1), se 𝑢 ∈ [𝑡2 + 1, 𝑡2 + 2]

...𝛽𝑘(𝑢− 𝑡𝑘 − 𝑘 + 1), se 𝑢 ∈ [𝑡𝑘 + 𝑘 − 1, 𝑡𝑘 + 𝑘]𝛾(𝑢− 𝑘), se 𝑢 ∈ [𝑡𝑘 + 𝑘, 𝑡+ 𝑘].

Como a curva construída (𝛾 ∨ ℬ)𝑠,𝑡 é contínua e diferenciável por partes, definimos otransporte paralelo ao longo de 𝛾 com respeito à família ℬ por:

𝑃∇,ℬ𝑠,𝑡 (𝛼) := 𝑃∇

𝑠,𝑡+𝑘

((𝛼 ∨ ℬ)𝑠,𝑡

).

Vale ressaltar que o domínio de (𝛾 ∨ ℬ)𝑠,𝑡 foi artificialmente estendido em função dascurvas fictícias em ℬ que preenchem as lacunas de 𝛾. Nas próximas seções deste capítulo, aescolha da família ℬ não será arbitrária, mas sim determinada pelo fluxo gerado pelos camposde vetores da equação diferencial correspondente, seguindo a ideia da equação de Marcus.

Agora, com a definição de transporte paralelo ao longo de uma curva com saltos, podemosapresentar o nosso modelo de EDE com retardo e saltos, assunto da próxima seção.

4.3 Modelo de equação diferencial estocástica com re-tardo e saltos

Apresentamos nosso modelo de equações diferenciais com retardo e saltos, incluindo oscasos determinístico e estocástico. As soluções para tais equações serão construídas porindução no número de saltos. Entre os saltos consecutivos, usaremos a teoria clássica deequações diferenciais com retardo (sem saltos). Começamos descrevendo o contexto maissimples:

4.3.1 Caso determinístico

Vamos, inicialmente construir o integrador descontínuo (càdlàg) 𝑆𝑡 do nosso modelo parao caso determinístico.

Nesse sentido, seja (𝑡𝑛)𝑛∈N uma sequência crescente, discreta e fechada em R>0, queindicará os pontos de descontinuidade do integrador. Seja (𝐽𝑛)𝑛∈N a sequência em R, quecorresponde aos incrementos dos saltos de 𝑆𝑡.

36

Defina a função de contagem do número de saltos até o tempo 𝑡 por 𝑁𝑡 = max{𝑛 : 𝑡𝑛 ≤ 𝑡},com a convenção de que o máximo do conjunto vazio é zero. Nesse sentido, 𝑆 : R≥0 → R édado por:

𝑆𝑡 = 𝑡+𝑁𝑡∑

𝑘=0𝐽𝑘.

A seguir, denotamos nosso modelo de equação diferencial com retardo e saltos em 𝑀 por:

𝑑𝑥(𝑡) = 𝑃∇𝑡−𝑑,𝑡(𝑥) 𝐹 (𝑥(𝑡− 𝑑)) 𝑑𝑆𝑡 (4.3.1)

com condição inicial dada pela curva diferenciável 𝛽0 : [−𝑑, 0] → 𝑀 , onde 𝑑 ∈ (0, 1] é tempofixo do retardo e 𝐹 é um campo de vetores diferenciável na variedade 𝑀 . Por indução nonúmero de saltos, construímos a solução 𝛾(𝑡) da equação (4.3.1) na forma descrita a seguir:

∙ Solução antes do primeiro salto:Para 𝑡 ∈ [0, 𝑡1), a curva 𝛾(𝑡) é dada pela solução da equação diferencial com retardo (e

sem saltos) descrita por:⎧⎨⎩𝑥′(𝑡) = 𝑃∇

𝑡−𝑑,𝑡(𝑥) 𝐹 (𝑥(𝑡− 𝑑))𝑥(𝑡) = 𝛽0(𝑡), ∀𝑡 ∈ [−𝑑, 0].

∙ Solução nos pontos em que ocorrem saltos:Suponha que a solução esteja definida no intervalo [0, 𝑡𝑚). Vamos definir a solução no

tempo 𝑡𝑚, correspondente ao 𝑚-ésimo salto, bem como construir a família de curvas que seráusada no passo seguinte. Para cada 𝑛 ∈ N, 𝑛 ≤ 𝑚, considere a equação diferencial ordináriadada por:

𝑦′𝑛(𝑡) = 𝐽𝑛𝐹 (𝑦𝑛),

Denotamos os fluxos dessas equações por 𝜙𝑛𝑡 . Em relação a condição inicial da EDO corres-

pondente, para cada 𝑛 ∈ N, com 𝑛 ≤ 𝑚, tome 𝑧𝑛 = lim𝑠→𝑡𝑛−

𝛾(𝑠). Agora, tome ℬ𝑚 = (𝛽𝑛)𝑛≤𝑚

a família de curvas diferenciáveis, dadas por:

𝛽𝑛(𝑡) = 𝜙𝑛𝑡 (𝑧𝑛)|[0,1],

e defina 𝛾(𝑡𝑚) = 𝛽𝑚(1).

∙ Solução no intervalo entre os saltosNeste caso, definimos a solução usando o transporte paralelo ao longo de 𝛾, com respeito à

família ℬ𝑚, construída no passo anterior. Nesse sentido, para 𝑡 ∈ (𝑡𝑚, 𝑡𝑚+1), 𝛾(𝑡) é a soluçãoda seguinte equação diferencial com retardo:

37

⎧⎨⎩𝑥′(𝑡) = 𝑃∇,ℬ𝑚

𝑡−𝑑,𝑡 (𝑥) 𝐹 (𝑥(𝑡− 𝑑))𝑥(𝑡) = 𝛾(𝑡), ∀𝑡 ∈ [−𝑑, 𝑡𝑚].

Note que, apesar da possível existência de saltos na condição inicial da equação acima, osresultados da teoria clássica de equações diferenciais com retardo permanecem válidos, emrelação a existência e unicidade da solução. De fato, esta condição inicial é usada apenaspara o transporte paralelo do campo de vetores correspondente, e este tipo de transporte (emrelação a uma curva com saltos) foi definido na seção anterior.

Portanto, por indução no número de saltos, a solução está bem definida para todo 𝑡 ≥ 0.Ademais, a unicidade decorre do fato de que a solução é única em cada passo da construção.

Note que as curvas fictícias que usamos nesta construção não são arbitrárias, como naseção anterior, mas sim definidas em função do fluxo determinístico do campo de vetores (semretardo). Para referência futura, denominamos esta família específica de curvas diferenciáveispor ℬ𝐹 = {ℬ𝑛, 𝑛 ∈ N}.

Este modelo reflete a motivação principal de que, em alguns fenômenos físicos, as informa-ções chegam ao receptor por diferentes fontes (canais de comunicação), e consequentementecom retardos diversos. Em nosso modelo, note que as informações contínuas tem um retardofixo 𝑑, e as informações descontínuas (referentes ao saltos) não tem retardo.

4.3.2 Caso estocástico

Da mesma forma que no caso anterior, vamos inicialmente construir o nosso integradorpara o modelo de EDE com retardo e saltos no caso estocástico.

Nesse sentido, seja (𝐵1𝑡 , . . . , 𝐵

𝑚𝑡 ) um movimento Browniano em um espaço de probabi-

lidade filtrado (Ω,ℱ ,ℱ𝑡,P). Seja (𝑁𝑡)𝑡≥0 um processo de contagem aleatório que indica onúmero de saltos até o tempo 𝑡, satisfazendo as propriedades que 𝑁0 = 0 e 𝑁𝑡 é finito (quasecertamente) para todo 𝑡 ≥ 0.

Em seguida, considere uma sequência (𝐽𝑘)𝑘∈N de variáveis aleatórias em R𝑚+1. Tomando𝐵0

𝑡 = 𝑡, o integrador 𝐿𝑡 = (𝐿0𝑡 , 𝐿

1𝑡 , . . . , 𝐿

𝑚𝑡 ) do nosso modelo estocástico é dado por:

𝐿𝑖𝑡 = 𝐵𝑖

𝑡 +𝑁𝑡∑

𝑘=0𝐽 𝑖

𝑘.

Destacamos que um exemplo deste tipo de processo é o chamado Levy-jump diffusion(veja, por exemplo, Applebaum [2]). Neste caso particular, 𝑁𝑡 é um processo de Poisson e(𝐽𝑘) são variáveis aleatórias independentes e identicamente distribuídas.

38

Agora, denotamos o nosso modelo de equação diferencial com retardo e saltos no casoestocástico por:

𝑑𝑥𝑡 = 𝑃∇𝑡−𝑑,𝑡𝐴(𝑥𝑡−𝑑) ◇ 𝑑𝐿𝑡, (4.3.2)

onde 𝐴0, 𝐴1, . . . , 𝐴𝑚 são campos de vetores diferenciáveis em 𝑀 , tomando como condiçãoinicial a curva diferenciável 𝛽0 : [−𝑑, 0] → 𝑀 .

Definimos a soulção desta equação de maneira análoga ao caso determinístico. Nessesentido, fixando 𝜔 ∈ Ω, nos intervalos entre os saltos respectivos, a solução é dada pelaequação diferencial estocástica com retardo a seguir:

𝑑𝑥𝑡 =𝑚∑

𝑖=0𝑃∇

𝑡−𝑑,𝑡 𝐴𝑖(𝑥𝑡−𝑑) ∘ 𝑑𝐿𝑖

𝑡,

no sentido de Stratonovich, e com condição inicial apropriada. Ademais, nos tempos em queocorrem os saltos, a solução salta instantaneamente na direção da solução (no tempo 1) daseguinte EDO (sem retardo):

⎧⎪⎪⎨⎪⎪⎩𝑦′(𝑡) =

𝑚∑𝑘=0

𝐽𝑘𝑛𝐴

𝑘(𝑦)

𝑦(0) = lim𝑠→𝑡𝑛−

𝛾(𝑠),

Dessa forma, com a mesma notaçao apresentada, temos o seguinte resultado para o nossomodelo de EDE com retardo e saltos:

Teorema 4.3.1. Existe uma única solução 𝛾 para a EDE com retardo e saltos (4.3.2) definidaem 𝑡 ∈ [−𝑑,∞), com condição inicial dada pela curva diferenciável 𝛽0 : [−𝑑, 0] → 𝑀 .

Demonstração. A existência segue por construção análoga ao caso determinístico, que apre-sentamos na subseção anterior. Ademais, a unicidade segue do fato que, em cada passoda construção, a respectiva solução é única, pela teoria clássica de equações diferenciais or-dinárias e equações diferenciais estocásticas com retardo, como em Léandre e Mohammed[24].

Neste caso, para cada 𝜔 ∈ Ω, temos uma família de curvas diferenciáveis estabelecida pelofluxo determinístico do campo de vetores da equação. Para referências na próxima seção,chamamos esta família aleatória de curvas associadas a 𝛾 por ℬ𝐹 (𝜔) = {ℬ𝑛(𝜔), 𝑛 ∈ N}.

Vale acrescentar que a ideia de saltar na direção do fluxo determinístico (no tempo 1 daEDO correspondente) vem da equação diferencial estocástica de Marcus, onde o integradoré uma semimartingale com saltos (mais detalhes na Seção 1.3 do deste trabalho).

39

4.4 Aspectos geométricos de uma EDE com retardo esaltos

Em [7], trabalhando no caso contínuo, Catuogno e Ruffino consideram uma abordagemgeométrica para uma equação diferencial estocástica com retardo em uma variedade 𝑀 .Nesse sentido, os autores provam que o levantamento horizontal da solução de uma EDE comretardo ao fibrado de bases 𝐵𝑀 é, novamente, uma solução de uma EDE correspondente em𝐵𝑀 , com respeito a uma conexão horizontal ∇𝐻 em 𝐵𝑀 .

Nesta seção, nosso objetivo é mostrar um resultado análogo para o levantamento hori-zontal de uma EDE com retardo e saltos na variedade 𝑀 . Trata-se de uma extensão dosresultados em geometria estocástica iniciados por Itô [17] e Dynkin [12] ao nosso modeloapresentado na seção anterior.

Inicialmente, recordamos brevemente alguns aspectos geométricos sobre o fibrado de basesde uma variedade diferenciável que serão usados posteriormente (para mais detalhes, vejaElworthy [13], Kobayashi and Nomizu [19], entre outros).

4.4.1 Fibrado de bases e levantamento horizontal

Seja 𝑀 uma variedade diferenciável, com dimensão 𝑛. O fibrado de bases associadoa essa variedade, que denotamos por 𝐵𝑀 , é o conjunto de todos os isomorfismos lineares𝑝 : 𝑅𝑛 → 𝑇𝑥𝑀 para 𝑥 ∈ 𝑀 . A projeção 𝜋 : 𝐵𝑀 → 𝑀 mapeia 𝑝 ao correspondente 𝑥 ∈ 𝑀 .𝐵𝑀 é um fibrado principal sobre 𝑀 , com ação a direita do grupo de Lie 𝐺𝐿(𝑛,R), dadopela composição com os isomorfismos lineares.

Dado 𝑝 na variedade diferenciável 𝐵𝑀 , cada espaço tangente 𝑇𝑝𝐵𝑀 pode ser decompostocomo uma soma direta de subespaços horizontal e vertical, que denotamos por 𝐻𝑝𝐵𝑀 e𝑉𝑝𝐵𝑀 , respectivamente. O subespaço vertical é determinado por 𝑉𝑝𝐵𝑀 = 𝐾𝑒𝑟(𝜋*(𝑝)),onde 𝜋* denota a derivada da projeção 𝜋. Por outro lado, o subespaço horizontal 𝐻𝑝𝐵𝑀 ficaestabelecido pela conexão ∇ em 𝑀 .

Neste contexto, podemos considerar o levantamento horizontal de um vetor 𝑣 ∈ 𝑇𝑥𝑀 em𝑝 ∈ 𝜋−1(𝑥) como o único vetor tangente 𝑣𝐻 ∈ 𝐻𝑝𝐵𝑀 tal que 𝜋*(𝑝)(𝑣𝐻) = 𝑣.

Dizemos que a curva diferenciável 𝛼 : 𝐼 → 𝐵𝑀 é horizontal quando sua derivada pertenceao subespaço 𝐻𝛼(𝑡)𝐵𝑀 para todo 𝑡 ∈ 𝐼. De fato, dada uma curva diferenciável por partes,um resultado importante é a existência do seu levantamento horizontal segundo a conexão∇, que transcrevemos a seguir (veja [13]):

Proposição 4.4.1. Seja 𝛽 : [0, 𝑇 ) → 𝑀 uma curva diferenciável por partes, e fixe umponto 𝑝 ∈ 𝜋−1(𝛽(0)). Então, existe uma única curva horizontal 𝛽𝐻 : [0, 𝑇 ) → 𝐵𝑀 com

40

a propriedade que 𝜋(𝛽𝐻(𝑡)) = 𝛽(𝑡) para todo 𝑡 no domínio. A curva 𝛽𝐻 é denominada olevantamento horizontal de 𝛽.

Mais precisamente, temos que o levantamento horizontal de uma curva diferenciável 𝛽 noponto 𝑝 é a curva no fibrado de bases 𝐵𝑀 dada por 𝛾𝐻

𝑝 (𝑡) := 𝑃∇0,𝑡(𝛾) ∘ 𝑝, onde 𝑃∇

0,𝑡 representao transporte paralelo de vetores ao longo da curva 𝛽 entre os tempos 0 e 𝑡 segundo a conexão∇ (veja [7]).

Vale considerar que, se 𝛾 é uma curva càdlàg com saltos, com o transporte paralelo sobre𝛾 que definimos anteriormente, faz sentido falar em levantamento horizontal ao fibrado debases desta curva, desde que fixada uma família de curvas que ‘preenchem suas lacunas’.

Destacamos ainda que cada elemento 𝐴 na álgebra de Lie 𝒢𝑙(𝑛,R) correspondente aogrupo de Lie 𝐺𝐿(𝑛,R) determina um campo de vetores vertical em 𝐵𝑀 em um ponto𝑝 ∈ 𝐵𝑀 , dado por:

𝐴*(𝑝) = 𝑑

𝑑𝑡(𝑝 · exp𝐴𝑡)|𝑡=0.

A função 𝒢𝑙(𝑛,R) ↦→ 𝑉𝑝𝐵𝑀 é claramente sobrejetiva.Nosso resultado principal desta seção caracteriza o levantamento da solução de uma EDE

com retardo e saltos em 𝑀 como a solução de uma EDE com retardo no fibrado de bases𝐵𝑀 . No entanto, para que possamos definir uma equação deste tipo em 𝐵𝑀 , precisamos deuma conexão nesta variedade.

Existem muitas maneiras de estender uma conexão ∇ de 𝑀 ao fibrado de bases 𝐵𝑀 .Neste trabalho, estamos particularmente interessados na conexão ∇𝐻 , denominada levanta-mento horizontal de ∇, que é definida (para uma conexão ∇ livre de torção), como a únicaconexão em 𝐵𝑀 que satisfaz: ⎧⎪⎪⎪⎪⎪⎪⎨⎪⎪⎪⎪⎪⎪⎩

∇𝐻𝐴*𝐵* = (𝐴𝐵)*

∇𝐻𝐴*𝑋𝐻 = 0

∇𝐻𝑋𝐻𝐴* = 0

∇𝐻𝑋𝐻𝑌 𝐻 = (∇𝑋𝑌 )𝐻

(4.4.1)

Mais detalhes sobre esta conexão podem ser encontrados em Cordero, Dodson e de Leon[10]. Uma propriedade importante da conexão ∇𝐻 é que o transporte paralelo comuta como levantamento horizontal. Mais precisamente, tomando uma curva diferenciável 𝛼 em 𝐵𝑀 ,para qualquer vetor 𝑣 ∈ 𝑇𝜋∘𝛼(0)𝑀 , temos que 𝑃∇𝐻

0,𝑡 (𝛼)(𝑣𝐻) = (𝑃∇0,𝑡(𝜋∘𝛼)(𝑣))𝐻 (a esse respeito,

veja [7]).A partir desta propriedade, Catuogno e Ruffino provam que, no caso contínuo, o levan-

tamento horizontal da solução de uma EDE com retardo é também solução de uma EDE nocorrespondente fibrado de bases 𝐵𝑀 , em relação à conexão ∇𝐻 . Nesse sentido, transcrevemoso seguinte resultado de [7]:

41

Proposição 4.4.2. Seja 𝛼 solução da seguinte equação diferencial com retardo no casodeterminístico: ⎧⎨⎩

𝑑𝑥𝑑𝑡

(𝑡) = 𝑃∇𝑡−𝑑,𝑡(𝑥) 𝑋(𝑥(𝑡− 𝑑))

𝑥(𝑡) = 𝛼(𝑡) for 𝑡 ∈ [−𝑑, 0],(4.4.2)

onde ∇ é uma conexão em 𝑀 , 𝑋 é campo de vetores em 𝑀 e 𝛼 : [−1, 0] → 𝑀 é uma curvadiferenciável. Então o levantamento horizontal 𝛼𝐻

𝑝 é solução de:⎧⎨⎩

𝑑𝑥𝑑𝑡

(𝑡) = 𝑃∇𝐻

𝑡−𝑑,𝑡(𝑥) 𝑋𝐻(𝑥(𝑡− 𝑑))𝑥(𝑡) = 𝛼𝐻

𝑝 (𝑡) for 𝑡 ∈ [−𝑑, 0].(4.4.3)

Na próxima seção, generalizamos esse resultado para soluções do nosso modelo de EDEcom retardo em relação a um semimartingale com saltos.

4.4.2 Resultados principais

Assim como na seção anterior, inicialmente tratamos de sistemas determinísticos. Nessesentido, usando a conexão estendida ∇𝐻 definida anteriormente, vamos mostrar que o le-vantamento horizontal de nosso modelo determinístico de equações com retardo e saltos ésolução de uma equação correspondente em 𝐵𝑀 .

Seja 𝐹 : 𝑀 → 𝑇𝑀 um campo de vetores diferenciável, e 𝛽0 : [−𝑑, 0] → 𝑀 uma curvadiferenciável (condição inicial). Considere 𝛾 a solução da seguinte equação diferencial comretardo e saltos em 𝑀 :

⎧⎨⎩𝑑𝑥(𝑡) = 𝑃∇𝑡−𝑑,𝑡(𝑥) 𝐹 (𝑥(𝑡− 𝑑)) 𝑑𝑆𝑡

𝑥(𝑡) = 𝛽0(𝑡) for 𝑡 ∈ [−𝑑, 0],

Esta solução induz naturalmente a família ℬ𝐹 de curvas ao longo do fluxo determinísticonos saltos, como definimos na seção 4.3.1. Fixe 𝑝 ∈ 𝜋−1(𝛾(−𝑑)). Considere 𝛽𝐻

0 : [−𝑑, 0] →𝐵𝑀 o levantamento horizontal de 𝛽0 no ponto 𝑝, e seja 𝐹𝐻 o levantamento horizontal docampo de vetores 𝐹 . Nessas condições:

Teorema 4.4.3. O levantamento horizontal 𝛾𝐻,ℬ𝐹𝑝 é solução da seguinte equação diferencial

com retardo e saltos em 𝐵𝑀 com respeito a conexão ∇𝐻 :⎧⎨⎩𝑑𝑢(𝑡) = 𝑃∇𝐻

𝑡−𝑑,𝑡(𝑢) 𝐹𝐻(𝑢(𝑡− 𝑑)) 𝑑𝑆𝑡

𝑢(𝑡) = 𝛽𝐻0 (𝑡) for 𝑡 ∈ [−𝑑, 0].

(4.4.4)

42

Demonstração. Seja (𝑡𝑛)𝑛∈N a sequência crescente de descontinuidades do integrador 𝑆𝑡. Seja𝑢 : [0,∞) → 𝐵𝑀 a solução da equação (4.4.4), cuja existência e unicidade é garantida naSeção 4.3.1. Vamos mostrar, por indução no número de saltos, que 𝑢(𝑡) = 𝛾𝐻,ℬ𝐹

𝑝 (𝑡) para todotempo 𝑡 ≥ 0.

Note que, para 𝑡 ∈ [0, 𝑡1), a solução 𝑢(𝑡) é dada por uma equação diferencial com retardoe sem saltos. Dessa forma, podemos aplicar diretamente a Proposição 4.4.2 para o casocontínuo, e obtemos a igualdade. Em particular, defina 𝑝1 := lim

𝑠→𝑡1−𝑢(𝑠) = lim

𝑠→𝑡1−𝛾𝐻,ℬ𝐹

𝑝 (𝑠).

No tempo 𝑡1, quando o primeiro salto ocorre, tome a curva 𝛽1 ∈ ℬ𝐹 . Vale recordar queesta curva é solução da EDO 𝑦′(𝑡) = 𝐽1𝐹 (𝑦), com condição inicial 𝑦(0) = 𝜋(𝑝1). Considereo seu levantamento horizontal 𝛽𝐻

1 em 𝑝1. Como 𝛽𝐻1 é a solução de 𝑧′(𝑡) = 𝐽1𝐹

𝐻(𝑧), comcondição inicial 𝑧(0) = 𝑝1, temos que 𝑢(𝑡1) = 𝛾𝐻,ℬ𝐹

𝑝 (𝑡1). Agora, argumentando por indução,suponha que 𝑢(𝑡) = 𝛾𝐻,ℬ𝐹

𝑝 (𝑡) para todo 𝑡 ∈ [−𝑑, 𝑡𝑚], com 𝑚 ≥ 1.

Afirmamos que essa igualdade também é válida no intervalo (𝑡𝑚, 𝑡𝑚+1]. Seja 𝑘 o númerode saltos no intervalo (𝑡𝑚 − 𝑑, 𝑡𝑚). Vamos considerar duas possibilidades, de acordo com otempo decorrido entre os saltos 𝑚− 1 e 𝑚.

Inicialmente, para o caso (𝑡𝑚+1 − 𝑡𝑚) > 𝑑, temos:

𝑡𝑚 < 𝑡𝑚−𝑘 + 𝑑 < . . . < 𝑡𝑚−1 + 𝑑 < 𝑡𝑚 + 𝑑 < 𝑡𝑚+1,

e aqui é suficiente analisar cada um desses (𝑘 + 2) subintervalos. Para o primeiro deles, ouseja, (𝑡𝑚, 𝑡𝑚−𝑘 + 𝑑), consideramos uma equação diferencial com retardo (𝑑 + 𝑘 + 1), onde acondição inicial é dada pela concatenação das seguintes curvas:

• 𝑢𝑡, no intervalo [𝑡𝑚 − 𝑑, 𝑡𝑚−𝑘);

• 𝛽𝐻𝑚−𝑘, no intervalo [0,1];

• 𝑢𝑡, no intervalo [𝑡𝑚−𝑘, 𝑡𝑚−𝑘+1);

• 𝛽𝐻𝑚−𝑘+1, no intervalo [0,1];

...

• 𝑢𝑡, no intervalo [𝑡𝑚−1, 𝑡𝑚);

• 𝛽𝐻𝑚 , no intervalo [0,1].

Dessa forma, para 𝑡 ∈ (𝑡𝑚, 𝑡𝑚−𝑘+𝑑), temos uma equação diferencial com um retardo maiorque o original, mas sem saltos. Aplicando a Proposição 4.4.2, concluímos que a igualdade éválida neste subintervalo.

43

Para o 𝑛-ésimo subintervalo, com 𝑛 < (𝑘 + 2), a ideia é similar. Considere a equaçãodiferencial com retardo (e sem saltos), onde a condição inicial concatena de forma apropriada𝑢𝑡 e 𝛽𝐻

𝑖 , com 𝑖 ∈ {𝑚− 𝑘 + 𝑛− 1, . . . ,𝑚}.Para o último subintervalo, (𝑡𝑚 + 𝑑, 𝑡𝑚+1), tome a equação diferencial com retardo 𝑑 e

condição inicial 𝑢𝑡, e novamente vale a igualdade desejada.

No outro caso, ou seja, quando (𝑡𝑚+1−𝑡𝑚) ≤ 𝑑, o argumento é essencialmente o mesmo. Adiferença é que aqui consideramos um número menor de subintervalos. Portanto, concluímosque 𝑢(𝑡) = 𝛾𝐻,ℬ𝐹

𝑝 (𝑡) para 𝑡 ∈ (𝑡𝑚, 𝑡𝑚+1). Em particular, tome:

𝑝𝑚+1 := lim𝑠→𝑡−

𝑚+1

𝑢(𝑠) = lim𝑠→𝑡−

𝑚+1

𝛾𝐻,ℬ𝐹𝑝 (𝑠).

Finalmente, considere 𝛽𝐻𝑚+1 o levantamento horizontal da curva diferenciável 𝛽𝑚+1 no

ponto 𝑝𝑚+1. A igualdade em 𝑡𝑚+1 também se verifica: 𝑢(𝑡𝑚+1) = 𝛾𝐻,ℬ𝐹𝑝 (𝑡𝑚+1), pelo mesmo

argumento usado no primeiro salto, o que conclui a demonstração.

Usando o princípio da transferência (veja, por exemplo, Emery [14], podemos obter umresultado similar para o caso estocástico. Neste sentido, com a mesma notação anterior, seja𝛼 a solução da equação diferencial estocástica com retardo e saltos na variedade 𝑀 :

⎧⎨⎩𝑑𝑥(𝑡) = 𝑃∇𝑡−𝑑,𝑡(𝑥) 𝐹 (𝑥(𝑡− 𝑑)) ◇ 𝑑𝐿𝑡

𝑥(𝑡) = 𝛽0(𝑡) for 𝑡 ∈ [−𝑑, 0],

Como vimos na Seção 4.3.2, esta solução induz uma família aleatória ℬ𝐹 (𝜔) de curvasdiferenciáveis ao longo do fluxo determinístico em cada um dos saltos. Portanto:

Teorema 4.4.4. O levantamento horizontal 𝛼𝐻,ℬ𝐹 (𝜔)𝑝 de 𝛼 é a solução da seguinte equação

diferencial estocástica com retardo e saltos em 𝐵𝑀 , com respeito à conexão ∇𝐻 :⎧⎨⎩𝑑𝑢(𝑡) = 𝑃∇𝐻

𝑡−𝑑,𝑡(𝑢) 𝐹𝐻(𝑢(𝑡− 𝑑)) ◇ 𝑑𝐿𝑡

𝑢(𝑡) = 𝛽𝐻0 (𝑡) for 𝑡 ∈ [−𝑑, 0].

(4.4.5)

Demonstração. No demonstração do resultado similar para o caso determinístico, verificamosque, em cada passo, a solução é dada por uma equação diferencial com retardo (sem saltos), eo seu levantamento é a solução da equação correspondente em 𝐵𝑀 . Então, usando a mesmaideia de [7], basta aplicar sucessivamente o princípio da transferência antes do primeiro salto,em cada um dos saltos, bem como no intervalo entre os saltos para obter o resultado no casoestocástico.

44

Vale acrescentar que os teoremas desta seção possibilitam obter uma abordagem geomé-trica sobre equações diferenciais com retardo e saltos, por meio do levantamento da equaçãoao fibrado de bases correspondente. Nossa intenção neste capítulo não é esgotar o assunto,mas abrir possibilidades em geometria estocástica.

45

46

Bibliografia

[1] L. J. S. Allen – An Introduction to Stochastic Processes with Applications to Biology. 2ed. CRC Press, 2011.

[2] D. Applebaum – Lévy processes and stochastic calculus. Cambridge University Press,2004.

[3] J. M. Bismut – Mécanique aléatoire, Lecture Notes in Math., 866. Springer-Verlag,Berlin-New York, 1981.

[4] T. Caraballo, P.E. Kloeden e J. Real – Pulback and forward attractors for a dampedwave equation with delays. Stochastic and Dynamics, vol. 4, n. 3, 405-423, 2004.

[5] P. J. Catuogno, F. B. da Silva e P. R. Ruffino – Decomposition of stochastic flows withautomorphism of subbundles component. Stochastics and Dynamics 12 (2012), no. 2,1150013, 15 pp.

[6] P. J. Catuogno, F. B. da Silva e P. R. Ruffino – Decomposition of stochastic flows inmanifolds with complementary distributions. Stochastics and Dynamics 13 (2013), no.4, 1350009, 12 pp.

[7] P. J. Catuogno, e P. R. Ruffino – Geometry of stochastic delay differential equations.Electronic Communications in Probability 10 (2005), p. 190-195.

[8] F. Colonius e P. R. Ruffino – Nonlinear Iwasawa decomposition of control flows. DiscreteContinuous Dyn. Systems, (Serie A) Vol. 18 (2) p. 339-354, 2007.

[9] S. Cohen – Géométrie différentielle stochastique avec sauts. Stochastics Stochastics Rep.56, n. 3-4, 205-225, 1996.

[10] L. Cordero, C. Dodson e M. de Leon – Differential Geometry of Frame Bundles. KluwerAcademic Publishers (1989).

[11] K. Dareiotis, C. Kumar e S. Sabanis – On Tamed Euler Approximations of SDEs withRandom Coefficients and Jumps. Arxiv 1403.0498.

47

[12] E. B. Dynkin – Diffusion of tensors, Soviet Math. Dokl. 9, 532-535, 1968.

[13] K. D. Elworthy – Geometric aspects of diffusions on manifolds, Ecole d’ Eté Probabilitésde Saint Flour XVII, July 1987, Lect. Notes in Math. 1362, 276-425 (1989).

[14] M. Emery – On two transfer principles in stochastic differential geometry, Séminaire deProbabilités XXIV, Lect. Notes in Math. 142 (1990).

[15] M.J. Garrido-Atienza, A. Ogrowsky e B. Schmalfuss – Random differential equationwith random delays. Stochastic and Dynamics, vol. 11, n. 2 and 3, 369-388, 2011.

[16] J. K. Hale e S. M. Verduyn Lunel – Introduction to Functional-Differential Equations,vol. 99 Applied Mathematical Sciences. Springer-Verlag, New York, 1993.

[17] K. Itô – Stochastic parallel displacement. Lecture Notes in Mathematics, Vol. 451, pp.1-7, Springer-Verlag, Berlin, 1975.

[18] N.G. Van Kampen – Stochastic Processes in Physics and Chemistry. 3 ed. Elsevier, 2007.

[19] S. Kobayashi e K. Nomizu – Foundations of Differential Geometry, Vol.1. IntersciencePublishers, 1969.

[20] H. Kunita – Stochastic differential equations and stochastic flows of diffeomorphisms, in:École d’Eté de Probabilités de Saint-Flour XII - 1982, ed. P.L. Hennequin, pp. 143–303.Lecture Notes on Maths. 1097 (Springer,1984).

[21] H. Kunita – Stochastic flows and stochastic differential equations, Cambridge UniversityPress, 1988.

[22] T. Kurtz, E. Pardoux e P. Protter – Stratonovich stochastic differential equations drivenby general semimartingales. Annales de l’I.H.P., section B, tome 31, n. 2, 1995. p. 351-377.

[23] Langevin, R., W. M. Oliva e J.C.F. Oliveira – Retarded functional-differential equationswith white noise perturbations. Ann. Inst. H. Poincaré Phys. Théor. 55 (1991), no. 2,671–687.

[24] R. Léandre e S.E.A. Mohammed – Stochastic functional differential equations on mani-folds. Probab. Theory Related Fields 121(1) 117–135 (2001).

[25] M. Liao – Decomposition of stochastic flows and Lyapunov exponents, Probab. TheoryRel. Fields 117 (2000) 589-607.

[26] S. I. Marcus – Modeling and approximation of stochastic differential equations drivenby semimartingales. Stochastics, 4 (1981), 223–245.

48

[27] M. Marques e L.A.B. San Martin – Cálculo Estocástico. Impa, Rio de Janeiro, 1991.

[28] A. Melo, L. Morgado e P. Ruffino. Decomposition of stochastic flows generated by Stra-tonovich SDEs with jumps. Arxiv 1504.06562.

[29] J. Milnor – Remarks on infinite dimensional Lie groups. In: Relativity, Groups andTopology II, Les Houches Session XL, 1983. North Holland, Amsterdam, 1984.

[30] S.E.A. Mohammed – Stochastic functional differential equations. Pitman (Advanced Pu-blishing Program), Boston, MA, 1984.

[31] S.E.A. Mohammed e M. Scheutzow – The stable manifold theorem for non-linear sto-chastic systems with memory. II. The local stable manifold theorem. J. Funct. Anal. 206(2004), no. 2, 253–306.

[32] S.E.A. Mohammed e M. Scheutzow – The stable manifold theorem for non-linear sto-chastic systems with memory. I. Existence of the semiflow. J. Funct. Anal. 205 (2003),no. 2, 271–305.

[33] L. Morgado e P. Ruffino. Extension of time for decomposition of stochastic flows inspaces with complementary foliations. Arxiv 1408.6765.

[34] L. Morgado e P. Ruffino. Stochastic delay differential equations with jumps in differen-tiable manifolds. Arxiv 1503.05772.

[35] Neeb, K-H – Infinite Dimesional Lie Groups. Monastir Summer Schoool, 2009. Availablefrom hal.archives-ouvertes.fr/docs/00/39/.../CoursKarl-HermannNeeb.pdf

[36] W.M. Oliva – Retarded equations on the sphere induced by linear equations. J. Diffe-rential Equations 49 (1983), no. 3, 453–472.

[37] H. Omori – Infinite dimensional Lie groups. Translations of Math Monographs 158,AMS, 1997.

[38] M. Patrão e L.A.B. San Martin – Semiflows on topological spaces: chain transitivityand semigroups. J. Dynam. Differential Equations 19 (2007), no. 1, 155–180.

[39] P. Protter. Stochastic Integration and Differencial Equations. Springer-Verlag, Berlin,Heidelberg, New York, 1990.

[40] D. Revuz e M. Yor. Continuous martingales and Brownian motion. Springer-Verlag,Berlin, Heidelberg, 1991.

[41] P. R. Ruffino – Decomposition of stochastic flow and rotation matrix. Stochastics andDynamics, Vol. 2 (2002) 93-108.

49

50