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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
LEANDRO CARLOS PEREIRA
A TEOLOGIA DA CRUZ NA CRISTOLOGIA LATINO AMERICANA
MESTRADO EM TEOLOGIA
SÃO PAULO
2014
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
LEANDRO CARLOS PEREIRA
A Teologia da Cruz na Cristologia latino Americana
MESTRADO EM TEOLOGIA SISTEMÁTICA
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para obtenção do título de
MESTRE em Teologia Sistemática sob a
orientação do Prof. Dr. Antonio Manzatto.
BANCA EXAMINADORA
_______________________________________
__________________________________________
_______________________________________
__________________________________________
_______________________________________
Agradeço a Deus pelo chamado, e a todos os que
têm me dirigido suas palavras essenciais no
percurso de minha caminhada, fazendo-me nascer
no mundo.
“O Céu faz conosco o que nós fazemos com as
tochas;
Que não acendemos para elas mesmas; porque se
nossas virtudes não irradiam fora de nós, é como
se não as tivéssemos.
SHAKESPEARE
RESUMO
A Teologia da cruz sempre teve profunda relação existente entre o povo latino
americano com Jesus Cristo que sofreu e morreu na cruz, apontando os elementos de uma
cristologia libertadora da cruz. Pois, os sofrimentos do Cristo crucificado hoje nos nossos
pobres, nossos operários mal assalariados, nas crianças subnutridas, desamparadas e
exploradas sexualmente, nos jovens desnorteados e explorados pelo tráfico de drogas e
excluídos do campo da educação, do trabalho e das oportunidades, e dos idosos que são
descartados pela cultura do utilitário que os identifica com “sucata” a ser descartada.
Nosso estudo procura identificar a compreensão da cruz na cristologia latino
americana a partir dos povos crucificados da história, pois inútil e infrutuosa seria a reflexão
sobre a cruz do Cristo histórico, se não olhássemos e apontássemos para estes povos
crucificados que prosseguem sua caminhada rumo ao calvário, em nossa querida e amada
América Latina marcada pela exploração dos mais ricos em relação aos mais pobres. No
entanto, se a cruz é símbolo que conduz para fora da Igreja e do anelo religioso para dentro da
comunhão com os crucificados da história. Em sentido reverso, ela é símbolo que chama os
oprimidos e os ímpios para a Igreja, e por meio dela, para a comunhão com o Deus
crucificado que se fez o Deus conosco. Tornar a cruz presente em nossa cultura significa não
se acomodar nesta sociedade aos seus ídolos e tabus, temores e fetiches, mas em nome
daquele que no passado foi sacrificado pela religião, sociedade e Estado, se solidariza com as
vitimas atuais da religião, sociedade e Estado, fazendo-se, tal como Jesus crucificado, irmão e
libertador delas.
Palavras e conceitos chaves: cruz, crucificados, pobres, excluídos, marginalizados, redenção,
solidariedade, esperança.
ABSTRACT
The Theology of the cross has always had deep existing relationship between the
Latin American people with Jesus Christ who suffered and died on the cross, pointing to the
elements of a liberating christology of the cross. Because the sufferings of Christ crucified
today in our poor, on our workers poorly paid, in malnourished children, helpless and
sexually exploited, in young people disoriented and exploited by the drug trade and excluded
from the field of education, of the working and opportunities, and the elderly that are
discarded by the culture of utility by identifying them with the "junk" to be discarded.
Our study seeks to identify the understanding of the cross in Latin American
Christology from the crucified peoples of history, because would be useless and fruitless
reflection on the cross of the historical Christ, if we do not look and point out to these
crucified peoples which they pursue their pursuit towards Calvary in our dear and beloved
Latin America characterized by the exploitation of the richest towards the poorest. However,
if the cross is a symbol that leads out of the Church and religious yearning down into the
communion with the crucified of history. In the reverse direction, it is a symbol that calls the
oppressed and the impious for the Church, and through it, to communion with the crucified
God who made himself God with us. Make present the cross in our culture means not
accommodate this society to their idols and taboos, fears and fetishes, but in the name of him
which in the past was sacrificed by religion, society and state, sympathizes with the current
victims of religion, society and State, making himself as Jesus crucified, brother and
liberating them.
Key words and concepts: cross, crucified, poor, excluded, marginalized, redemption,
solidarity, hope.
SUMÁRIO:
I – A TEOLOGIA DA CRUZ NA CRISTOLOGIA LATINO AMERICANA
1.1 - A Teologia da Cruz no contexto latino americano: Vaticano II, Medellín, Puebla,
Santo Domingo e Aparecida
1.2 - A morte de cruz de Jesus, a idolatria do mercado e os povos crucificados
1.3 - As reflexões cristológicas em contribuição à Teologia da cruz no contexto latino
americano
1.4 - A teologia da cruz para os teólogos da América Latina: Jon Sobrino, Juan Luiz
Segundo e Leonardo Boff
II – A CRUZ DE CRISTO É LUZ PARA OS POVOS CRUCIFICADOS
2.1 - O significado da cruz e da morte de Jesus no Novo Testamento
2.2 - A compreensão da cruz e da morte de Jesus na tradição teológica
2.3 - Onde acontece a salvação, a redenção, a libertação?
2.4 - Articulação das Imagens para exprimir a ação salvadora
2.5 - Do Deus crucificado ao povo crucificado: redenção, salvação e solidariedade com os
pobres
III - A IGREJA: SACRAMENTO DE CRISTO E SOLIDÁRIA AOS POVOS
CRUCIFICADOS
3.1 - A Igreja na América Latina nos convida a contemplar os pobres e crucificados pela
cruz de Cristo
3.2 - A Igreja na América Latina é Igreja Samaritana: comprometida com a cruz dos
pobres e marginalizados
3.3 - A Igreja na América Latina é portadora da esperança e da cruz redentora de
Cristo
9
INTRODUÇÃO
A Nossa pesquisa tem como objetivo examinar a compreensão da teologia da cruz na
cristologia latino americana. Ao longo deste nosso estudo descobriremos que a cruz é
instrumento que denuncia o sistema opressor que pratica injustiças e gera desigualdade,
exclusão, todo tipo de discriminação e pobreza. A cruz nos convida não apenas a reflexão,
mas à conversão.
Ela é símbolo que conduz, para fora da Igreja e do anelo religioso para dentro da
comunhão com os oprimidos e perdidos. E no sentido reverso, ela é símbolo que chama os
oprimidos e os ímpios para a Igreja, e por meio dela, para a comunhão com o Deus
crucificado. A segunda metade do século XX foi um período muito fértil na teologia, foi um
período de muita criatividade com um grande esforço para contextualizar o pensamento
teológico, e assim poder dialogar com o mundo moderno. Dentro deste momento e deste
movimento, é que a cristologia latino americana é situada e contribuiu muito com a teologia
dando sua contribuição original. Vamos analisar um dos aspectos desta cristologia – a
compreensão da teologia da cruz na Cristologia latino americana.
Nosso trabalho está organizado em três capítulos, e no primeiro capítulo procuramos
compreender: qual a compreensão da cruz de Jesus Cristo na cristologia latino americana, ou
seja, qual a compreensão da cruz de Jesus Cristo na cristologia dos documentos das
Conferências Gerais do CELAM – Conferências influenciadas pelo Concílio Vaticano II – e
qual o resultado desta compreensão na cristologia latino americana?
Pois, foi no espírito do Concílio Vaticano II é que aconteceram as conferências do
CELAM em Medellín (1968) e Puebla (1979), bem como as conferências de Santo Domingo
10
e também de Aparecida, tais conferências foram necessárias para apresentar os desafios, no
Continente latino americana.
A partir destas conclusões do magistério, a reflexão teológica desenvolvida em nosso
Continente vai afirmando que a cruz sempre foi identificada como símbolo que denuncia a
exploração e a opressão dos mais pobres e excluídos da sociedade. Dando origem a célebre
frase: “opção preferencial pelos pobres.”
Os teólogos que melhor desenvolveram a cristologia na América Latina forma: Juan
Luiz Segundo, Jon Sobrino e Leonardo Boff. Estes teólogos buscam a fundamentação para
suas reflexões nas Sagradas Escrituras, nos documentos do Magistério, sobretudo nos
documentos das Conferências Gerais do CELAM, nas ciências sociais.
Para Juan Luiz Segundo, Jesus agiu como um bom político e seus adversários regiram
politicamente eliminando-o. A vida de Jesus, sua morte e ressurreição, são vistas a partir deste
binômio: a prática política e a libertação dos pobres. Para Segundo a vitória sobre a morte é
vitória sobre as situações que produzem morte: injustiça, a opressão, a violência, a pobreza, a
exclusão, a discriminação, etc. A fé na ressurreição incluía a fé na vitória sobre a morte, e
nesse sentido é afirmada a ação política dos cristãos, seu agir para promover a libertação dos
pobres.
Para Jon Sobrino, a imagem bíblica do Deus da vida que luta contra os deuses da
morte manifesta na cruz redentora de Jesus Cristo, onde Deus é aquele que age em favor da
vítima e assim gera esperança para as vítimas. Para Sobrino esta experiência com a cruz de
Cristo motiva muitos cristãos latino americanos a caminharem na solidariedade junto com os
injustiçados do Continente Latino Americano, entregando eles também, suas próprias vidas. A
partir da idéia do Jesus histórico, afirma-se sua prática como o anúncio e concretização do
Reino de Deus. A noção de Reino, que é a libertação para os pobres, explica a vida e a prática
de Jesus e aponta também para as causas históricas de sua morte. A ressurreição de Jesus,
11
portanto, é vista como vitória sobre a morte e, sobretudo vitória sobre as forças que impedem
a instauração do Reino de Deus. Portanto, o combate de Jesus é um combate contra o anti-
reino, e esse deve ser o combate dos cristãos nos dias de hoje. O Reino de Deus, que é uma
realidade presente na história, cresce em direção à sua plenificação com a prática da justiça
dos cristãos. O sentido do Reino de Deus deve ser buscado na prática histórica de Jesus de
Nazaré, com a libertação dos pobres. A salvação que Deus oferece em Jesus Cristo inclui a
libertação dos crucificados de hoje: a libertação dos pobres das situações, e condições de
injustiça. Os cristãos se comprometem com a transformação do mundo através das
reivindicações e ações políticas, em favor dos pobres.
Para Leonardo Boff, a morte de Jesus na cruz, que é examinada desde a perspectiva da
violência opressiva que no Brasil e na América Latina suscita a violência revolucionária. A
morte violenta de Jesus na cruz é anúncio em realidades de opressão. É a partir do Jesus
histórico que se compreende os principais eventos de sua vida: sua pregação do Reino de
Deus, sua morte e ressurreição. A partir da cruz de Cristo, a práxis libertadora e a
solidariedade com os injustiçados da história – os crucificados – adquirem novo sentido. Pois
a sentença e morte de Jesus Cristo revelam um Deus solidário com os injustiçados. A
transformação do mundo é sinal da salvação definitiva, e a ação política dos cristãos como
meio eficaz de realizá-la. Jesus não é simplesmente um revolucionário, pois procura ver o
anúncio do Reino de Deus, como anúncio não só espiritual, pois as implicações históricas do
Reino de Deus são apresentadas, como caminho apara a compreensão da ação de Jesus e
consequentemente, como eixo articulador do projeto do Reino está em clara contradição com
a situação vivida no momento histórico, momento este marcado pela pobreza, exploração e
violência. Segundo Boff, é preciso recuperara a coerência com o Jesus histórico, ou seja, a
ação de Jesus de Nazaré lança luzes para uma releitura coerente, pois somente assim será
12
possível compreender a direção que se deve ter a ação dos cristãos, transformando o mundo
concretizará a utopia.
No segundo capítulo veremos que a teologia da cruz é uma realidade que vai se
fazendo com a vida, partilhada de situações dolorosas. Todos os elementos da vida vão
influenciando a teologia da cruz e, para a América Latina, não é uma teologia pela teologia,
mas para ter uma incidência sobre realidade.
A cruz é o marco do Jesus histórico, e uma das maiores características da teologia latino
americana é a afirmação decidida da humanidade de Jesus. Sem a cruz a ressurreição é
idealista; a utopia da ressurreição cristã só se torna real a partir da cruz. A morte de Jesus na
cruz é um dos fatos mais bem atestados do Novo Testamento, pois além das fontes bíblicas,
temos as informações de outras fontes históricas da época, por Tácito, Flávio Joséfo, Plínio o
Moço, Suetônio, contextualizando os motivos da morte de Jesus na cruz ligados às tensões
econômicas, sociais, políticas e religiosas. Através dos textos, podemos constatar que Jesus
morre como zelota, como revolucionário político (Lc 23, 2-5; Mt 26, 63; At 10, 34-43), fruto
de tensões econômicas, sociais, políticas e religiosas da época (cf. Mt 2, 1-3,6), pois a morte
na cruz revela também a dependência da Palestina em relação a Roma. Os motivos mostram
também a interpenetração do religioso e do político, muito própria do contexto de liberdade
cercada em que vivia a terra de Jesus. Ligado aos grupos de resistência, também o grupo de
Jesus não via com bons olhos a dominação romana, com a cobrança dos impostos, a
escravisação (cf. Lc 23, 2-5). Como profeta e lider popular, Jesus, como tantos outros
profetas, tem sua vida ameaçada. Porém como é coerente com seu projeto, não tem medo de
enfrentar os conflitos da época e vai até o enfrentamento final. Sob esta ótica, a morte de
Jesus se insere na lista dos profetas e líderes populares que lutavam pela liberdade do povo
frente aos poderes dominantes. A morte violenta não lhe sobrevirá como um destino
13
arbitrário, mas como algo que sempre esteve presente no horizonte. Jesus tem consciência de
uma morte provável, mas manteve-se firme na perseguição.
Quando olhamos a morte de Jesus como conseqüência de sua vida, de sua prática
histórica e de sua mensagem do Reino, temos a firme convicção que sua vida desafiou a
situação de injustiça, e seu caminho se torna um caminho teológico. A cruz de Jesus manifesta
a presença de Deus misericordioso que quer vida plena para todos (cf. Jo 10,10; Mt 9, 36; 25,
31-46). Na medida em que Jesus se torna um estranho para a sociedade, a cruz corre o risco
de ser dulcificada e desvinculada dos reais problemas que atingem os seres humanos e a
própria natureza. Não é mais considerada como consequência de uma prática histórica
concreta e passa a ser vista de forma abstrata, acarretando um distanciamento da história.
Uma tal visão da morte de Jesus inviabiliza compreender que hoje a cruz real é o pobre, o
excluído, que são eliminados por um sistema que continua matando para poder se manter.
Toda tentativa de desvincular a morte de Jesus das causas e motivos históricos dificulta
também compreender as causas e razões históricas das mortes de hoje, que são apresentadas
como destino trágico, como determinismo ou como sacrifícialismo compulsório.
Ao aproximar a morte de Jesus das mortes dos mártires e excluídos de nosso tempo,
tentamos tirar a legitimidade dos sacrifícios que se apresentam como inevitáveis e buscamos
encontrar motivos para quebrar a legitimidade da lógica da exclusão. A morte de Jesus mostra
que Deus não ficou indiferente às vítimas e sofredores da história. Por isso, ela deve se tornar
motivo de esperança e de engajamento solidário na construção de uma convivência humana
respeitadora de toda vida.
Jesus é apresentado como critério para a sociedade e para a Igreja, na medida em que o
crucificado é para elas um “estranho ou o Senhor.” (Puebla, 31). Aí se joga todo o sentido da
fé cristã, pois é a partir da identidade com o crucificado que se julgará a vida da Igreja e da
14
própria sociedade, na medida em que respondem ou não ao seu projeto. A articulação entre a
cruz e libertação mostra-nos alguns aspectos fundamentais que não podem ser ignorados.
No terceiro e último capítulo vamos examinar a partir da cruz de Cristo a Igreja como
sacramento universal de salvação e solidariedade com os pobres e excluídos – os crucificados
da história. Pois a partir da cruz de Cristo a Igreja nos convida a contemplar os crucificados
da história e assim, nos solidarizarmos com estes pequeninos (cf. Mt 25, 40).
A cruz é instrumento que julga e denuncia as injustiças e todo tipo de exclusão,
opressão e crucificação dos pobres e pequeninos; e ao mesmo tempo a cruz nos remete a um
agir, ou seja, irmos ao encontro dos pobres e excluídos – os crucificados da história; a
conseqüência será não partirmos sozinhos, mas como Igreja da misericórdia, servidora e
solidária.
A partir da cruz de Cristo somos enviados como discípulos e missionários há seguir os
passos do mestre Jesus e partindo do mundo da pobreza, indo aproximar-se do outro sem
longos rodeios para evitar encontrar-se frente a frente com a injustiça e o sofrimento que os
pobres sofrem, podemos compreender as diferentes dimensões da opção preferencial pelos
pobres: espiritual, teológica e evangelizadora. Vivê-las, na sua complexidade e interação,
pressupõe aquilo que o Evangelho da cruz chama de conversão, metanóia (At 2, 38).
O propósito desta nossa pesquisa é, sem dúvida, muito amplo. De fato cada documento
conclusivo das Conferências Gerais do Episcopado Latino Americano, bem como cada
teólogo latino-americano citado, mereceria sem dúvida uma análise mais profunda.
Procuramos desenvolver nossa dissertação tendo como referência o método: ver, julgar e agir.
Em primeiro lugar apresentamos quais foram às luzes do Concílio Vaticano II, sobre os
documentos conclusivos do CELAM, e as contribuições dos teólogos que melhor
desenvolveram a teologia da cruz na cristologia latino-americana.
15
Os pobres, os excluídos da ordem econômica internacional atual são contados entre
essas vítimas e são os crucificados de hoje. A Igreja na América Latina é enviada pelo seu
Senhor a levar a esperança a todos os povos de nosso continente, sem restrição e sem
exclusão, a aproximar-se do pobre, do excluído, do marginalizado, do crucificado e entrar em
relação com ele e com o seu sofrimento. É necessário que exista amizade cotidiana com o
pobre e uma valorização da diversidade de seus desejos e necessidades como ser humano, ou
seja, conhecer melhor o que eles querem e do que eles necessitam.
Uma tarefa fundamental da Igreja na América Latina no anúncio do Evangelho da Cruz
hoje é contribuir para dar sentido à vida, pois no momento presente, é necessário inquietar-se
pelas bases mesmas da condição humana e da vida de fé, sobretudo, o compromisso com o
pobre, como opção central do amor gratuito de Deus, pois “o amor a Deus e ao próximo
resume a mensagem de Jesus, toda a lei e os profetas (cf. Mt 22, 37-40).”
A cruz nos remete a Deus; não aquele que está entre dois castiçais sobre o altar, mas ao
que foi crucificado entre dois ladrões no calvário dos perdidos, diante dos portões da cidade.
Ele não apenas convida a reflexão, mas à transformação do pensamento. A cruz é, portanto,
um símbolo que conduz, para fora da Igreja e do anelo religioso para dentro da comunhão
com os oprimidos e perdidos. E no sentido reverso, ela é símbolo que chama os oprimidos e
os ímpios para a Igreja, e por meio dela, para a comunhão do Deus crucificado.
O propósito desta nossa pesquisa é, sem dúvida, muito amplo. De fato cada documento
conclusivo das Conferências Gerais do Episcopado Latino Americano, bem como cada
teólogo latino-americano citado, mereceria sem dúvida uma análise mais profunda.
Procuramos desenvolver nossa dissertação na linha de pesquisa bibliográfica e pesquisa
online, tendo como referência o método: ver, julgar e agir.
A cruz é instrumento que julga e denuncia as injustiças e todo tipo de exclusão,
opressão e crucificação dos pobres e pequeninos; e ao mesmo tempo a cruz nos remete a um
16
agir, ou seja, irmos ao encontro dos pobres e excluídos – os crucificados da história; a
conseqüência será não partirmos sozinhos, mas como Igreja da misericórdia, servidora e
solidária.
17
A TEOLOGIA DA CRUZ NA CRISTOLOGIA LATINOAMERICANA
I – A TEOLOGIA DA CRUZ NA CRISTOLOGIA LATINO AMERICANA
Neste primeiro capítulo vamos verificar a influência das reflexões pré-conciliares do
Vaticano II, suas conclusões, bem como os textos dos documentos conclusivos dos Bispos da
América Latina e do Caribe nas Conferências Gerais deste Continente, ou seja, a compreensão
da cruz de Jesus Cristo na cristologia destes documentos e qual o resultado desta compreensão
na cristologia latino-americana.
Pois, como bem recordou Moltmann em sua obra “O Deus Crucificado”:
O símbolo da cruz remete a Deus; não àquele que está além de si. [...] O símbolo da
cruz remete a Deus; não aquele que está entre dois castiçais sobre o altar, mas ao que
foi crucificado entre dois ladrões no Calvário dos perdidos, diante dos portões da
cidade. Ela não apenas convida a reflexão, mas à transformação do pensamento. A
cruz é um símbolo que conduz, para fora da Igreja e do anelo religioso para dentro
da comunhão com os oprimidos e perdidos. E no sentido reverso, ela é símbolo que
chama os oprimidos e os ímpios para a igreja e, por meio dela, para a comunhão do
Deus crucificado. Esquecida a contradição da cruz e sua inversão dos valores
religiosos, ela deixa de ser um símbolo e se torna um ídolo que não convida mais à
reflexão, mas que fomenta o fim da reflexão em uma auto-aprovação. Presentificar a
cruz em nossa cultura significa não se acomodar nesta sociedade aos seus ídolos e
tabus, temores e fetiches, mas, em nome daquele que no passado foi sacrificado pela
religião, sociedade e Estado, se solidarizar com as vítimas atuais da religião,
sociedade e Estado, fazendo-se, tal como o Crucificado, irmão e libertador delas. 1
Como afirmou acima Moltmann, O Deus crucificado não apenas nos convida a
reflexão, mas à conversão que nos lança para fora da Igreja e do anelo religioso para o
encontro com os crucificados da história: os oprimidos e perdidos, na pobreza e na miséria.
Mas, a cruz no sentido reverso, ela atrai os crucificados da história: oprimidos e os ímpios
para a comunhão com Ele na Igreja. Nesta perspectiva, vejamos a seguir a influência do pré-
1MOLTMANN, Jürgen. O Deus crucificado. A Cruz de Cristo como base e crítica da Teologia cristã. Tradução
de Juliano Borges. Santo André: Academia Cristã, 2011, p. 62.
18
concílio, das conclusões dos documentos conciliares e, as conclusões dos documentos das
Conferências Gerais do CELAM sobre a teologia da cruz na cristologia latino-americana.
1.1 - A Teologia da Cruz no contexto latino americano: Vaticano II, Medellín, Puebla,
Santo Domingo e Aparecida
O ponto central da fé cristã afirma que Jesus de Nazaré, o Filho de Deus, morreu
crucificado. Foi este dado da fé cristã que desde o princípio marcou a diferença entre a nova
fé em Cristo e as diversas concepções religiosas do mundo circundante. O apóstolo Paulo está
consciente de que o anúncio de um messias crucificado foi e continua sendo loucura para
gregos ilustres e escândalo para os judeus ortodoxos (1Cor 1,23). “A cruz de Jesus constituiu
desde o princípio a linha divisória entre a existência cristã e qualquer outro tipo de religião,
mesmo quando entre elas existiam também crenças em deuses ressuscitados.”
Na América Latina a cruz se constituiu tradicionalmente no ponto central das festas
populares. Em geral os camponeses e os oprimidos realizavam tradicionalmente sua festa
cristã na sexta-feira santa e não tanto no domingo da ressurreição ou no dia de natal. Para
Sobrino, o que aí existe de intuição profunda teve, por outro lado, sua contrapartida real na
adoção da sexta-feira santa como substitutivo da responsabilidade libertadora.
O aproveitamento da sexta-feira é uma intuição autêntica sobre a verdade da fé cristã,
muitas vezes só percebida passivamente. Segundo ele, a situação da América Latina,
principalmente nos grupos mais comprometidos com a mudança social, permitiu um novo
enfoque, mais ativo do ponto de vista cristão, sobre a cruz de Cristo. A ressurreição continua
sendo o paradigma de libertação e a cruz não são simplesmente o símbolo do sofrimento nem
apenas o momento dialético negativo do qual surge imediatamente o momento positivo de
libertação, pois esta requer uma série de análises para sua vitalidade. Mas, de qualquer
maneira, na tentativa de libertação surge uma experiência que não pode prescindir da cruz de
19
Jesus, se ela for realmente cristã.2 Ou seja, a cruz nos conduz para fora da Igreja e do anelo
religioso e nos lança nas estradas da vida para o encontro com os crucificados: os violentados
pela injustiça, os oprimidos, os excluídos, os pobres e miseráveis. Embora a violência tenha
diversas modalidades e causas, mas uma delas é a “exclusão social dentro da sociedade e
entre os povos.” 3
Um sistema social e econômico injusto é uma forma de violência, “um mal
embrenhado nas estruturas de uma sociedade sempre contém um potencial de dissolução e de
morte.” 4 A cruz de Cristo nos convida a experiência da mística do viver juntos, “misturar-
nos, encontrar-nos, dar o braço, apoiar-nos, pois a experiência do viver juntos se fundamenta
na mística da encarnação, “a verdadeira fé no Filho de Deus feito carne é inseparável do dom
de si mesmo, da pertença à comunidade, do serviço, da reconciliação com a carne dos outros.”
5 Na sua encarnação, o Filho de Deus convidou-nos à “revolução da ternura.”
6
Diante da reflexão anterior sobre a teologia da cruz podemos verificar que a partir da
década de sessenta (60) emerge uma consciência social e eclesial em decorrência dos
inúmeros desafios presentes na sociedade latino-americana.7Os documentos do CELAM
podem nos ajudar a perceber qual foi o papel da Igreja em vistas destes desafios sociais e
posteriormente apontar qual seria a conduta cristã para com os menos favorecidos de nossa
sociedade, isto é os crucificados.8
Desta forma, dentro do contexto latino americano, a teologia da cruz nos serve como
uma forma de reflexão teológica que nos pode nortear há uma consciência mais madura e
dinâmica dentro da Igreja. Ao perceber o sofrimento dos mais necessitados, dos oprimidos e
marginalizados, nos faz perceber que tal sofrimento corresponde com o sofrimento de Cristo
2SOBRINO, J. Cristologia a partir da América Latina. Petrópolis: Vozes, 1983, p. 191-192
3 FRANCISCO. Evangelli Gaudium. n.59
4 Ibid.
5 Ibid.. n. 88.
6 Ibid.
7 Cf. BOFF, Clodovis e Leonardo. Como fazer teologia da libertação. Petrópolis. Vozes, 1998.
8Deus não ficou indiferente às vítimas e aos sofredores da história, pois por amor e solidariedade se fez um
pobre, um condenado, um crucificado. Cf. Jo3,16
20
(cf. Lc 4,18-19). Não se pode negar que no momento da encarnação o Verbo se fez homem9 e
sendo homem se fez solidário a humanidade mesmo na dor e no sofrimento.10
Da teologia da
cruz brotam duas realidades: a primeira nasce da humanidade de Cristo feito homem, a
segunda, da morte na cruz a humanidade conhece a salvação.11
Assim, dentro do contexto
latino-americano torna-se necessário identificar quem são aqueles que sofrem, e levar até eles
a boa-nova da salvação.
Como Cristo nos fez conhecer a salvação pela sua morte de cruz a Igreja, como
sacramento de Cristo, tem o compromisso em anunciar a boa-nova levando a esperança para
quem não tem esperança: “Devemos apresentar Jesus de Nazaré compartilhando a vida, as
esperanças e as angústias do seu povo e mostrar que ele é o Cristo crido, proclamado e
celebrado pela Igreja”.12
Achegar-se a Deus é achegar-se aos oprimidos (cf. Mt25, 46 et seq.),
pois “se Deus nos amou desta maneira, devemos também amar-nos uns aos outros” (1Jo 4,11)
e vice-versa.A teologia da cruz é uma teologia da esperança, pois Deus não fica indiferente
aos crimes, não deixa a chaga ficar aberta até à manifestação de sua justiça no fim do mundo,
com a encarnação do Verbo Deus intervém e justifica em Jesus ressuscitado a todos os
empobrecidos e crucificados da história. Esperam-se pela dignidade, pela fraternidade,
virtudes estas que só percebemos pelas ações de Cristo: “Ele sabe muito bem o que hoje tanto
se cala na América Latina: que se deve libertar a dor pela dor, isto é, assumindo a cruz e
convertendo-a em fonte de vida pascal”.13
Não é de se admirar que na América Latina sufocada pelos “males do capitalismo” 14
fez com que surgissem movimentos que visavam à libertação sócio-política e à mudança do
9 DENZINGER-HÜNERMANN. Compêndio dos símbolos, definições e declarações de fé e moral. Tradução de
José Marino Luz e Johan Konings. São Paulo: Paulinas, 2007. n.125-126, para Nicéia e n.301-302, para
Calcedônia. 10
Cf. Gaudium et Spes, n. 1. 11
Ibid. 12
Ibid., n. 176, p. 95. 13
Ibid., n. 228, p. 117. 14
“No contexto latino-americano, a palavra ‘capitalismo reflete um estilo de vida que, a critério último do agir
humano, tende para o enriquecimento pessoal desenfreado. Essa espécie de capitalismo não tem nada a ver com
21
sistema econômico. Contudo, tais movimentos foram reprimidos com mão de ferro e as
mudanças estruturais foram evitadas a custo de milhares de vidas humanas. O povo se via
crucificado pelas injustiças e opressões causadas por forças maiores. Faltava-lhes esperança
por uma vida mais digna e honesta.15
Diante deste movimento histórico de repressão, surgiram na América Latina uma práxis
e uma reflexão teológica, que conseguiram revelar algumas significações ocultas daquele
momento histórico.
O Cardeal Müller em sua obra recente, nos diz que:
A teologia da libertação, assim como está desenvolvida por Gutiérrez, não é uma
sociologia vestida de teologia. A Teologia da Libertação é teologia em sentido
estrito. Ela não prega a luta de classes, mas superação do antagonismo realmente
existente entre classes e grupos de poder e também do racismo, elementos estes dos
quais nascem à pobreza e o desprezo pela dignidade da maior parte da
humanidade.16
Com efeito, o Cardeal Müller apresenta os fundamentos da Teologia da Libertação
juntamente com alguns princípios metodológicos que podem nortear o desenvolvimento desta
mesma teologia:
uma livre economia de empresa, de mercado, na qual as pessoas investem o seu trabalho e as suas capacidades
cooperando para a edificação e o funcionamento de uma economia social, no contexto de um estado de direito
constituído democraticamente. Diante do fracasso deste sistema capitalista em estado puro e da correspondente
mentalidade de desprezo dos direitos humanos, a Teologia da Libertação continua com uma atualidade candente.
O elemento que distingue fundamentalmente a Teologia da libertação do sistema marxista e do sistema
capitalista é, ao contrário, exatamente aquele que une profundamente esses dois sistemas, mesmo com todas as
contraposições que definem a sua relação. Ou seja, aquela concepção do homem e da sociedade comum a ambos,
segundo a qual Deus, Jesus Cristo e o Evangelho não podem ter papel algum na humanização do homem, nem
sob o aspecto individual, nem sob o aspecto social. Contudo, a Teologia da Libertação não morrerá enquanto
houver homens que se deixem contagiar pelo agir libertador de Deus e que façam solidariedade com os
sofredores, cuja vida é espezinhada, a medida da sua fé é a mola do seu agir na sociedade. Teologia da
Libertação significa, em suma, crer em Deus como Deus da vida e como fiador de uma salvação entendida na
sua inteireza, a qual resiste a deus e ídolos responsáveis por mortes prematuras, pobreza e degradação do
homem.” MÜLLER, G. L. Pobre para os pobres: a missão da Igreja. Tradução de Jaime A. Clasen. São Paulo:
Paulinas, 2014, p. 33-34. 15
BOFF, Leonardo. Jesus Cristo Libertador. 20. ed. Petrópolis: Vozes, 2009, p. 14-37. 16
MÜLLER, Gerhard Ludwig. Pobre para os pobres: A missão da Igreja. São Paulo: Paulinas, 2014, p.41. O
Cardeal Müller é hoje o atual Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé.
22
O fundamento da Teologia da Libertação é a fé que Deus criou o homem à sua
imagem e que, no seu Filho Jesus Cristo, se ocupa do homem a ponto de Jesus
aceitar a morte à qual os seus adversários o condenaram. O objetivo é tornar Deus
reconhecível como Deus da vida e como vencedor da morte em todas as dimensões
da existência humana. A Teologia da Libertação supera todo dualismo que quer
relegar a um além e reduzir a salvação à mera dimensão interior. Desse modo,
resulta para a teologia um tríplice passo metodológico.
Primeiro: na fé e no seguimento de Jesus os cristãos participam ativamente na práxis
libertadora de Deus pela dignidade pessoal do homem e pela sua salvação. Na
análise da sociedade, a Teologia da Libertação utiliza-se também dos métodos das
ciências humanas e sociais. Nisso se diferencia da teologia clássica, dialogando não
só com a filosofia. Exatamente nesse ponto se justificam as observações feitas pela
Congreção para a Doutrina da Fé (Libertatis nuntius, 1984). Como isso se quer
evidenciar a necessidade de distinguir entre os resultados sociais, por um lado, e por
outro, os desvios ideológicos provenientes deles. Como se sabe, a segunda instrução
para a Doutrina da Fé (Libertatis consciência, de 1986) valoriza lato sensu uma
teologia da liberdade retamente entendida.
Daí resulta como segundo passo metodológico, a análise social, ou reflexão crítica e
racional à luz do Evangelho e da revelação sobre as causas nacionais, bem como
sobre as dimensões históricas e estruturais da pobreza maciça.
Um terceiro passo, enfim, está dirigido a uma transformação ativa, pensada
criticamente, da realidade empírica. Porque o objetivo é o domínio de Deus na terra
assim como anunciado por Jesus. O domínio de Deus deve ser entendido aqui como
princípio dinâmico que, na concretização da condição dos homens que sofrem os
efeitos do estranhamento de Deus, se torna princípio transformador na vida humana,
social e individual na terra. Daqui deriva a opção preferencial pelos pobres e pelas
pessoas privadas da sua dignidade humana.
A opção pelos pobres não exclui os ricos. Porque também eles são destinatários do
agir libertador de Deus, libertados da angústia de se sentirem obrigados a realizar a
sua vida somente arrancando a dos outros para si. Tanto com respeito aos pobres
como aos ricos, o agir libertador de Deus tende a uma transformação deles em
autênticos sujeitos humanos, portanto, a serem libertados de qualquer forma de
opressão e de dependência. 17
17
MÜLLER, 2014, p.41-43.
23
O Concílio Vaticano II dava uma nova perspectiva na vida eclesial e esta novidade, que
chegou até a América Latina, onde o Concílio fora muito bem recebido, sendo, nos anos
subseqüentes sumas referência constante para a Igreja e, evidentemente, para a teologia, que
se desenvolveu no contexto latino americano, e nesta a reflexão sobre a cruz.
Ao olharmos a história é possível a princípio percebermos as luzes do Concílio
Vaticano II, pois a idéia conciliar teve como ponto de partida em 11 de setembro de 1962,
quando os bispos latino-americanos faziam as malas para viajar para Roma, ouviu o Papa
João XXIII falar, pelo rádio, de alguns “pontos luminosos” 18
relativos ao Concílio. E, no
contexto de que “a Igreja sente o dever de honrar suas responsabilidades diante das exigências
e necessidades atuais dos povos” 19
, ouviram-no dizer: “Outro ponto luminoso: diante dos
países subdesenvolvidos, a Igreja apresenta-se tal como é, e quer ser a Igreja de todos, mas,
particularmente, a Igreja dos pobres”.20
Ora “os pobres são vítimas do sistema injusto que os
crucifica, são os que sofrem violência são desumanizados e ofendidos em seus direitos.” 21
A
repercussão de maior impacto na aula conciliar sobre a “Igreja dos pobres” 22
foi à
intervenção do Cardeal arcebispo de Bolonha (Itália), Giácomo Lercaro, quando o Concílio
ainda buscava seu rumo no final de sua agitada primeira sessão, exatamente no dia 6 de
dezembro de 1962.
Em sua extensa intervenção, o Cardeal Lercaro reclamou que faltava ao Concílio “um
princípio vivificador e unificador” 23
de todos os seus temas. E propôs um com estas três
dimensões: “O Mistério de Cristo nos pobres, a eminente dignidade dos pobres no Reino de
18
ALBERIGO, G. (Org.). História do Concílio Vaticano II. Petrópolis: Vozes, 2000, v. 2, p. 192. 19
Ibid. 20
Ibid. 21
BOFF, L. Como pregar a cruz hoje numa sociedade de Crucificados. Petrópolis, Vozes, 1972, p. 127. 22
LERCARO, G. Intervenção na Congregação Geral de 6 de novembro de 1962. In: Acta Synodalia Sacrasancti
Concilii Ecumenici Vaticani II. v. I, periodus prima, pars IV, 327-330. Bologna: Centro Editoriale Dehoniano,
1985, p. 327-330. 23
Ibid.
24
Deus e na Igreja e o anúncio do Evangelho aos pobres” 24
. Discorreu teológica, eclesial e
histórica e disse: “Esta é à hora dos pobres, dos milhões de pobres que estão por toda a terra:
esta é à hora do Mistério da Igreja mãe dos pobres, esta é a hora do Mistério de Cristo no
pobre.” 25
E pediu aos padres conciliares “que o centro articulador de todas as temáticas” 26
fosse “o Mistério de Cristo nos pobres da terra e o Mistério da Igreja mãe dos pobres” 27
.
Cobrou “prioridade para formular a doutrina evangélica sobre a eminente dignidade dos
pobres no Reino de Deus e na Igreja” 28
e pediu que os padres conciliares estabelecessem “o
primado eclesial da evangelização dos pobres”.29
Os estudiosos, afirmam que o Concílio Vaticano II foi um concílio de preocupações
pastorais, pois o próprio Papa Paulo VI afirma em seu discurso de encerramento do Concílio
que a preocupação principal do mesmo é o homem contemporâneo e sua situação. 30
Apesar
de não ter sido um concílio que buscava definições dogmáticas novas, o Vaticano II teve
como pano de fundo o patrimônio teológico da Igreja, acumulado ao longo dos séculos. 31
E
isto pode ser verificado nas questões cristológicas, pois as perspectivas cristológicas presentes
nos textos do Vaticano II remetem às afirmações tradicionais da Igreja sobre a pessoa de Jesus
Cristo, assumidas nos primeiros concílios da Igreja, como Nicéia (325 d. C.) e, sobretudo,
Calcedônia (381 d. C.).32
Sobre o Concílio Manzatto escreve o seguinte:
Fiel à tradição teológica sobre o Cristo, o Vaticano II o apresenta, em primeiro lugar
como o Salvador. A questão soteriológica é extremamente importante na cristologia,
24
Ibid. 25
Ibid. 26
Ibid. 27
Ibid. 28
Ibid. 29
Ibid. 30
Ibid. 31
Veja-se a monumental obra na atualidade de: GRILLMEIER. Le Christ tradicion chrétienne. Paris: Cerf, 1973-1976. 4 v. Veja-se também: SESBOÜÉ, B. (Dir.). História dos Dogmas. Tradução de Marcos Bagno. São Paulo: Loyola. 2002. Tomo 1-4. 32
DENZINGER & HÜNERMANN, op. cit., n. 125-126, Nicéia; n. 301-302, Calcedônia.
25
não se podendo nunca separar a pessoa de Jesus de seu serviço à salvação da
humanidade. Desde os primeiros textos conciliares nota-se essa preocupação dos
padres: afirmar o Cristo como o Redentor da humanidade, como transparece, por
exemplo, na grande constituição dogmática sobre a Igreja, Lumem Gentium (LG).
Esse Cristo Salvador, no entanto, não é simplesmente um mito, mas tem história. A
presença do eterno na história humana é afirmada desde o Antigo Testamento, mas o
Concílio quer lembrar que, em Jesus, essa presença se dá pela realidade da
encarnação: ’O Verbo se fez carne e habitou entre nós e nós vimos a sua glória’ (Jo
1,14).
A historicidade vivida por Jesus, isto é, seu contexto histórico concreto, passa a ser
não apenas valorizada, mas vista como a maneira escolhida por Deus para realizar a
salvação do gênero humano, e isso aparece claramente na grande constituição
pastoral obre a Igreja no mundo de hoje, a Gaudium et Spes (GS). A história é lugar
de salvação, e a história de Jesus a realiza. 33
O Concílio compreende Jesus como o Salvador34
, pois Jesus Cristo é aquele que
possibilita ao humano reencontrar o sentido de sua vida e de sua história em Deus, é aquele
que restabelece a comunicação entre Deus e o humano, é o revelador de Deus ao humano,
mostra-lhe seu desejo de salvação, assim como é também o exemplo do humano que aceita a
proposta de Deus, afirmando o humano como possível de relacionamento com Deus.35
“Mais
ainda, o Concílio se preocupa em dizer que a salvação não é apenas endereçada a indivíduos
isolados, mas constituídos em um povo.” 36
Nesta mesma perspectiva afirma Manzatto, que:
33
MANZATTO, A. O Paradigma cristológico do Vaticano II e sua incidência na cristologia latino-americana. In.
GONÇALVES. Paulo Sérgio; BOMBONATTO, Vera Ivanise. Concílio Vaticano II: análise e prospectivas. São
Paulo: Paulinas, 2004, p.209. 34
Veja-se: “a salvação não concerne apenas ao aspecto espiritual do homem, mas abrange toda a sua realidade,
inclusive o material, nas suas dimensões política econômica e social, como bem precisa a Gaudium et Spes. ‘A
pessoa deve ser salva e a sociedade, consolidada. [...] O ser humano na sua totalidade (GS, 3) é o destinatário da
obra do amor de Deus. A salvação encontra o humano no centro de sua existência, e de lá o convida a ser mais
(GS, n. 21 e 77), a reencontrar sua dignidade de ser humano amado por Deus. 35
Ibid., p.211. 36
Cf. Lumen Gentium, n. 9 e 13; Gaudium et Spes, n. 32
26
Se a mensagem de salvação de Jesus é simbolizada na imagem do Reino de Deus
(Mc 1,15),37
se ela é resumida no novo mandamento do amor, a Deus e ao próximo
(Mc 12, 29-31), ela não pode ser entendida apenas como espiritual, mas deve tocar o
homem todo e todos os homens, já que todos formam o novo Povo de Deus.
Ultrapassa-se, assim, uma visão privatizante da fé para compreendê-la como
profundamente relacionada ao concreto da existência. 38
Todavia, a cruz histórica de Jesus não é um desígnio arbitrário de Deus, mas é
conseqüência da opção originária de Deus: a encarnação. “A cruz é conseqüência de uma
encarnação situada num mundo de pecado que se revela como poder contra o Deus de
Jesus.”39
No espírito do Concílio Vaticano II é que acontecem as conferências do CELAM em
Medellín (1968) e Puebla (1979), tais conferências foram necessárias para apresentar os
desafios na sociedade latino-americana. O sofrimento do povo de Deus, um povo crucificado
com suas angustias e dores clamavam por uma vida mais digna. Não faltavam expressões que
testemunhavam o empenho eclesial por uma sociedade mais justa. O povo crucificado pelos
desafios sociais via sua esperança renascer pelos movimentos sociais. A direção do CELAM e
37
A teologia latino-americana busca retomar a idéia de Reino de Deus não apenas a partir da perspectiva
apocalíptica, mas também em seu enfoque profético, já que ambos estão presentes no ensinamento de Jesus.
Segundo esse pensamento, não é apenas este mundo que vai a Deus, mas é Deus que vem a este mundo,
conforme a afirmação de Jesus, que a teologia latino-americana relembra. Não é apenas o mundo que vai ao céu,
mas é o céu que vem ao mundo, ou seja, organizar o mundo segundo o governo de Deus. Ao buscar uma
compreensão de Reino mais ampla, que não reduza ao mundo do além, ela aponta para as implicações sociais da
pregação de Jesus e da Igreja, e também da prática dos cristãos. Compreenderá melhor a figura de Jesus, suas
ações e os conflitos que ele viveu, assim como poderá melhor iluminar a prática dos cristãos no mundo atual,
marcado pela divisão da sociedade. O grito em favor dos pobres será, assim, clara conseqüência da cristologia
iniciada com o reconhecimento da humanidade de Jesus, sua historicidade e a concretude de seu anúncio do
Reino de Deus, com suas implicações sociais. [...] O Reino comporta a idéia de mundo futuro, mas também
presente, onde Deus realiza seu governo em benefício dos pobres. [...] O evangelho de Jesus, que é anúncio de
salvação, é compreendido como Boa-Noticia para os pobres (Lc 4, 16 et seq.). Salvação passa a ser vista como
ligada a um conceito bem mais histórico e concreto, o de libertação. [...] Jesus anunciava a vinda do Reino de
Deus, mas mais que isso, ele queria implantá-lo, historicizá-lo, e por diversas formas: pelo perdão, pela acolhida
dos pecadores e pagãos, pela a tenção com os doentes, pelo cuidado com os pobres. Sua pregação e sua ação
apontavam para uma nova história, um novo começo do mundo, “novos céus e nova terra”. [...] A antiga aliança,
afirmada no Sinai, inclui uma forma de relacionamento das pessoas com Deus e entre si; ela será substituída por
uma nava Aliança, que ainda será Aliança, ou seja, comportará uma maneira de a humanidade relacionar-se com
Deus e entre si, afirmada por Jesus nos dois principais mandamentos, o amor a Deus e ao próximo (Mc 12, 29-
31). Cf. MANZATTO, 2007, p. 46. 38
MANZATTO, 2004, p.213. 39
SOBRINO, 1983, p. 212.
27
o episcopado latino-americano no Concílio tiveram acolhimento e inspiração no Papa Paulo
VI, que em seu primeiro discurso ao abrir a segunda sessão do Concílio, assim afirmou:
A Igreja, aberta ao mundo humano, olha com especial interesse os pobres, os
necessitados; olha para toda a humanidade que sofre e chora. Esta lhe
pertence por direito evangélico, e comprazemo-nos em repetir a quantos a
integram: ‘Venham a mim todos os que sofrem’ (Mt11, 28). 40
.
O próprio Papa Paulo VI,quando regressou a Roma, para a Assembléia Conciliar,
dirigiu-se aos bispos latino-americanos, de uma forma incisiva, exortando-os em seu discurso
sobre a paz na ONU, em cinco de outubro de 1965: “A paz”, disse Ele aos bispos:
A paz, deve se fundar na justiça tornamo-nos advogados da justiça; de justiça tem o
mundo grande necessidade, e de justiça quer Cristo que sintamos fome e sede. E nós
sabemos que a justiça é progressiva, e que, à medida que a sociedade progride,
torna-se mais profundamente consciente da sua imperfeita composição vindo, então,
à luz, os gritos e os clamores suscitados pelas desigualdades que continuam a
atormentar a humanidade. Não é o fato de verificarem-se desigualdades entre classe
e classe, entre nação e nação, a mais grave ameaça feita à paz? Todas essas coisas
são bem conhecidas. E, agora, elas nos convidam a reconsiderar o que podemos
fazer para remediá-las. As condições em que se encontram as populações em vias de
desenvolvimento devem ser objeto da nossa consideração – ou, digamos com mais
propriedade, da nossa caridade [...] Possa o Senhor permitir que estejamos
habilitados a fazer seguir ao testemunho da palavra o testemunho da ação. 41
Duas afirmações do Papa em sua alocução no encerramento do Concílio, em sete de
dezembro de 1965, repercutiram nas duas seguintes conferências gerais do episcopado latino-
americano:
40
PAULO VI, Discurso de 29 de setembro de 1963. In: VATICANO II. Mensagens Discursos Documentos.
Tradução Francisco Catão. 2 ed. São Paulo: Paulinas, 2007, p.58. 41
Ibid.
28
Nunca, talvez, como no tempo deste Concílio, a Igreja sentiu-se na necessidade de
conhecer, avizinhar, julgar retamente, penetrar, servir e transmitir a mensagem
evangélica, e, por assim dizer, atingir a sociedade humana que a rodeia, seguindo-a
na sua rápida e contínua mudança.E “no rosto de todo ser humano, sobretudo se si
tornou transparente pelas lágrimas ou pelas dores, devemos descobrir o rosto de
Cristo (Mt25,40). 42
Desta forma, vemos a preocupação da Igreja em vista das dificuldades dos mais
necessitados, dos crucificados deste mundo. Suscitava-se no seio da Igreja o empenho por
uma sociedade mais justa e fraterna. O sofrimento dos mais pobres, dos marginalizados e dos
oprimidos pela classe dominante se assemelhava ao sofrimento de Cristo, o Cristo
crucificado. A teologia da cruz começava a desenvolver-se dentro do contexto Latino
Americano e aliviar a dor daqueles que sofriam era o mesmo que tentar aliviar as dores e o
sofrimento de Cristo em seus momentos de angústia, sobretudo sua paixão e crucificação.
Com efeito, no décimo aniversário da criação do CELAM, em 24 de novembro de 1965
(duas semanas antes do encerramento do Concílio Vaticano II), o Papa Paulo VI reuniu a
direção e as equipes do CELAM e todos os bispos latino-americanos que participavam do
Concílio. E exortou-os a assumirem, como Igreja na América Latina:
Uma sociedade em movimento sujeita a mudanças rápidas e profundas, onde
defender o que existe já não basta, porque a massa da população ganha consciência
cada vez maior de suas difíceis condições de vida e cultiva um desejo irrefreável e
bem justificado de mudanças satisfatórias. 43
Nessa exortação, lamentou-se o Papa Paulo VI por:
Aqueles que permanecem fechados ao sopro renovador dos tempos e mostram-se
carentes de sensibilidade humana e de uma visão crítica dos problemas que agitam
42
Ibid., p. 124. 43
PAULO VI. In. Concilio Vaticano II. Madrid: BAC, 1996, p. 773, n. 252.
29
ao seu redor. Disse aos bispos que a fé do povo latino-americano deve alcançar
maior maturidade. E animou-os a orientar a evangelização para transformar as
paróquias em verdadeiras e autênticas comunidades eclesiais, nas quais ninguém se
sinta estranho e das quais todos sejam parte integrante e a passar à ação social: A
súplica dolorosa de tantos que vivem em condições indignas de seres humanos não
pode deixar de afetarmos, veneráveis irmãos, e não pode deixar-nos inativos, já que
não pode nem deve ficar desatendida e insatisfeita. Devemos assumir um
compromisso solene a fim de que a Igreja, movida e inspirada, sempre pela caridade
de Cristo, que fecha a via a solução de desordem e violência, tome suas
responsabilidades para a consecução de uma sã ordem de justiça social para todos. 44
Era evidente que a teologia da cruz se acentuava cada vez mais no contexto latino-
americano em decorrência dos inúmeros desafios presentes na sociedade. Desafios estes que
foram suficientes para a edificação de uma teologia que pudesse alimentar o desejo de uma
libertação, de uma salvação ou até mesmo um resgate daquele povo de Deus, sofredor e
crucificado pelas injustiças e pela exploração de uma classe que se considerava superior. 45
Dos pontos luminosos de João XXIII, de Paulo VI e do Cardeal Lercaro, que
iluminaram a experiência eclesial e espiritual do Concílio Vaticano II em Roma, serviram
para dar um novo alento às interpretações das conferências do Episcopado latino americano,
vêem-se poucos vestígios nos documentos conciliares.46
Mas sua luz estende-se pelos
documentos de Medellín, de Puebla, Santo Domingo e até o Documento de Aparecida. Esses
44
PAULO VI. 1996, p. 773, n. 252.
45 “Já no Antigo Testamento, na experiência do êxodo, se mostra como a redenção é entendida como agir
libertador. Deus não manda os israelitas escravizados para um além melhor, mas os conduz para a terra da
promessa, que é a terra da liberdade. O agir libertador de Deus culmina na vida de Cristo. Jesus anuncia o Reino
de Deus como evangelho para os pobres, para os excluídos, para os doentes. Além disso, demonstrou o agir
libertados de Deus também diante da resistência dos pecadores, ao dar prova, até sua própria morte, do amor de
Deus como fundamento da existência humana, na vida e na morte. Através da cruz e da morte de Jesus, Deus
elevou o mundo à categoria de realidade, na qual vai se impondo a nova criação. Por isso a cruz é reveladora da
opção de Deus por aqueles que sofrem, pelos deserdados, pelos torturados, pelos assassinados.” MÜLLER,
2014, p. 31-44. 46
Podemos ver três alusões significativas em LG, n. 8; AG, n. 3; PO, n. 6.
30
pontos luminosos concentram-se em muitas páginas dos documentos de Medellín, sobretudo
nos textos relativos à “Pobreza da Igreja”, “Paz” e “Promoção Humana”.47
No documento de Puebla, dão luz e força profética à “visão sociocultural da realidade
da América Latina” e “da realidade eclesial”; acentuadamente nos números 24-50, com os
rostos latino-americanos que são “traços sofredores do rosto de Cristo”, e até o n. 149. “E,
sobretudo, a opção preferencial pelos pobres” (n. 1.134-1.165).
As reflexões de Santo Domingo vêem-se em “novos sinais dos tempos no campo da
promoção humana”. Sobretudo, “empobrecimento e solidariedade” com os “novos rostos
sofredores” (n. 178-181). Também nos “desafios das culturas indígenas, afro-americanas e
mestiças” (n. 228-262). E nas “Linhas pastorais prioritárias”, de maneira particular em “Uma
promoção humana integral dos povos latino-americanos e caribenhos” e “Uma evangelização
inculturada” (n. 296-301).
Por sua vez, no Documento de Aparecida seguindo a reflexão pós-conciliar de Puebla,
apresenta a Igreja também como “comunhão e participação” (n. 213, 368), “comunidade de
amor” (n. 159), como “Igreja comunhão” e como “comunhão de Igreja” (n. 156) e como
discípula de Cristo a Igreja se torna samaritana: “Iluminados pelo Cristo, o sofrimento, a
injustiça e a cruz nos desafiam a viver como Igreja samaritana (Cf. Lc 10, 25-37), recordando
que a evangelização vai unida sempre à promoção humana e à autêntica libertação cristã”.48
E assume “como Igreja a causa dos pobres” (DAp, n. 94), os bispos do CELAM em
Aparecida em sintonia com o Concílio Vaticano II, e os documentos anteriores do Episcopado
Latino Americano procuraram dar ênfase a uma pastoral do seguimento de Jesus Cristo:
Conhecer a Jesus Cristo pela fé é nossa alegria; segui-lo é uma graça, e transmitir
esse tesouro aos demais é uma tarefa que o Senhor nos chama e nos escolhe. Com os
47
PARADA, H. Crônica de Medellín. Bogotá: Indo-American Press Service, 1975, p. 237-238. 48
DOCUMENTO DE APARECIDA. Texto conclusivo da V Conferência Geral do Episcopado Latino-
Americano e do Caribe. São Paulo: Paulo; Paulinas, 2007, n. 26. A partir das próximas citações vamos usar a
sigla: DAp.
31
olhos iluminados pela luz de Jesus Cristo Ressuscitado, podemos e queremos
contemplar o mundo, a história, os nossos povos da America Latina e do Caribe, e
cada um de seus habitantes. 49
Hoje temos diante de nós a situação econômica conduzida pelo mercado e o fenômeno
da globalização, a qual:
Comporta o risco dos grandes monopólios e de converter o lucro em valor supremo,
sendo assim como em todos os campos da atividade humana, a globalização deve
reger-se também pela ética, colocando tudo a serviço da pessoa humana, criada à
imagem e semelhança de Deus. 50
A injustiça e opressão, ainda estão presentes no documento de Aparecida que acentua a
teologia da cruz pelo sofrimento humano (sobretudo a violência urbana), fazendo
correspondência ao sofrimento de Cristo. Os pobres e sofredores não estão à margem do
Documento de Aparecida, mas sim é um dos temas mais relevantes, pois:
Na globalização, a dinâmica do mercado absolutiza com facilidade a eficácia e a
produtividade como valores reguladores de todas as relações humanas. Esse caráter
peculiar faz da globalização um processo promotor de iniqüidades e injustiças
múltiplas. A globalização, tal como está configurada atualmente, não é capaz de
interpretar e reagir em função de valores objetivos que se encontram além do
mercado e que constituem o mais importante da vida humana: a verdade, a justiça, o
amor, e muito especialmente a dignidade e os direitos de todos, inclusive daqueles
que vivem à margem do próprio mercado. 51
Diante disto, o discípulo e missionário seguindo os passos do mestre Jesus, segundo o
documento de Aparecida, é chamado a ser sal e luz (Mt 5, 13-14), fermento na massa, pois:
49
Ibid. n. 11. 50
Ibid. n. 26. 51
Ibid.
32
Frente a essa forma de globalização, sentimos forte chamado para promover uma
globalização diferente, que esteja marcada pela solidariedade, pela justiça e pelo
respeito aos direitos humanos, fazendo da América Latina e do Caribe não só o
Continente da esperança, mas também o continente do amor como propôs SS, Bento
XVI no discurso inaugural desta Conferência. 52
Não encontramos nos referidos documentos fruto das Conferências Gerais do
Episcopado Latino Americano e Caribenho, uma cristologia sistematizada sobre a cruz, mas
percebemos que esta teologia se encontra de maneira difusa aí, pois a cruz nos remete à:
violência, injustiça, opressão, sofrimento, abandono, exclusão, etc.
Sendo assim, à luz destes documentos fruto das Conferências Gerais do Episcopado
Latino Americano e Caribenho vamos verificar o desenvolvimento da teologia da cruz e sua
compreensão na cristologia em nosso Continente Latino Americano.
Quem lê os documentos dessas conferências gerais do episcopado latino-americano
percebe neles a mesma primazia dos “pobres e crucificados” 53
que se encontra no evangelho
de Jesus Cristo, e se constitui uma missão para a Igreja; encontra aquilo que o cardeal Lercaro
chamou de “o Mistério de Cristo e da Igreja nos pobres” 54
ou “a eminente dignidade dos
pobres no Reino de Deus e na Igreja” 55
, o ponto luminoso que João XXIII apresentou ao
dizer que, “nos povos subdesenvolvidos, a Igreja de todos há de ser, particularmente, Igreja
dos pobres”.56
Em suma, algo sem o que a Tradição eclesial deixaria de ser a tradição da
Igreja de Jesus Cristo.
Tais eventos marcaram a práxis eclesial latino americana, exatamente neste mesmo
espírito que se desenvolvem as comunidades eclesiais de base e a teologia da libertação,
52
Ibid. 53
A Teologia da Libertação nasceu do desafio que representa para a fé a maciça e desumana pobreza existente
na América Latina e no Caribe. “Miséria desumana” (Medellín, Pobreza, n. 1), “pobreza anti-evangélica”
(Puebla, n. 1159), “o flagelo mais devastador e humilhante que vivem a América Latina e o Caribe” ( Santo
Domingo, n. 179). 54
LERCARO, op. cit., p. 327-330. 55
Ibid. 56
ALBERIGO, op. cit., p. 192.
33
responsáveis por um florescimento eclesial nunca antes visto na história latino-americana. É
no espírito do Concílio que a Igreja se compromete com os fracos, formulando a sua opção
preferencial pelos pobres, e que ela contempla o aumento significativo do número de seus
mártires. O processo de teologização desta práxis teve o “humano” e o “histórico” como
chave hermenêuticas importantes.
A renovação instaurada pelo Concílio Vaticano II é a responsável pela afirmação dessa
identidade teológica da Igreja latino americana:
Todos aqueles que são oprimidos pela pobreza, fraqueza, doença ou outras
dificuldades, saibam estar unidos especialmente a Cristo, que sofre para a salvação
do mundo. Unam-se também a ele os que sofrem perseguição por causa da injustiça
e que o Senhor proclama bem aventurados no Evangelho. ‘Depois de sofrerem um
pouco, Deus, fonte de toda graça, que os chamou em Cristo Jesus para sua glória
eterna, os restabelecerá, firmará e fortalecerá’ (1Pd5,10). 57
A cristologia Latino Americana, por sua vez se desenvolve a partir dos desafios da
sociedade latino-americana.58
De acordo com o contexto latino-americano, foi desenvolvida
uma metodologia própria, um método59
já presente nos documentos do CELAM, é o método:
ver–julgar–agir.60
Tal método facilita perceber os desafios sociais vinculados a uma teologia
Bíblica, em que a partir de então podemos dar uma referência a uma prática pastoral. Têm
também suas preocupações específicas, as do contexto latino americano, marcado pela
violência, pela pobreza e pela fé. Dispõe a pensar, exatamente, a incidência dessa fé sobre a
situação vivida e as possibilidades de sua mudança. Privilegia assim a ação dos cristãos,
57
DAp., n. 11. 58
Sobre a história, método ou evolução da teologia da libertação, seus temas mais relevantes ver: BOFF,
Clodovis e Leonardo. Como fazer teologia da Libertação. Petrópolis, Vozes,1998. LIBANIO, João Batista.
Teologia da libertação: roteiro didático para um estudo. São Paulo: Loyola, 1987. RODRIGUEZ, Saturnino.
Pasado y futuro de la teologia de la liberación. Estella: Verbo Divino,1992. COMBLIN, José; GONZALES
FAUS, José I.; SOBRINO, Jon (Ed.). Cambio social y pensamiento Cristiano en América latina. Madrid: Trotta,
1993. RICHARD, Pablo. Força ética e espiritual da teologia da libertação. São Paulo: Paulinas, 2006. 59
LIBÂNIO, op. cit. 60
“Em continuidade com as Conferências Gerais anteriores do Episcopado Latino-americano, este documento faz
uso do método ‘ver, julgar e agir’.” DAp., n. 19.
34
voltando-se para a prática da Igreja, e indicando caminhos, até de ação política, para que essa
prática efetivamente transforme a realidade vivida e a aproxime da promessa do Reino de
Deus.
A pessoa de Jesus diante deste contexto é mais do que exemplar. Se, de um lado, a
valorização da história e do contexto permite refazer a compreensão da vida de Jesus, de outro
a compreensão da densidade de sua humanidade permite situar no tempo presente, a
incidência de seu projeto. Busca-se uma compreensão do que significa a ação prática de Jesus,
“relendo-a dentro do contexto latino americano.” 61
Novas luzes iluminam, então, a reflexão teológica: uma melhor compreensão da
predileção pelos pobres e suas ações de libertação em favor deles; a ligação entre a prática de
Jesus e sua morte, que já não é mais vista como querida por Deus, mas sim como imposta pela
resistência à sua pregação sobre o Reino; a ligação entre a ressurreição de Jesus e sua prática,
no sentido de confirmá-la e de deixá-la como legado à Igreja nascente; afirma-se, assim uma
possível articulação entre as libertações históricas experimentadas na sociedade e a salvação
escatológica realizada por Jesus.62
Assim, a teologia Latino americana tendo como base “a pessoa de Jesus, nutrindo-se das
pesquisas bíblicas e históricas,” 63
pode perceber a esperança se tornar a via de acesso ao
Reino de Deus. Mesmo com sofrimento humano refletindo nas diversas circunstâncias da
vida, o homem espera em Deus e confia nele. Desta forma, a Igreja se torna aquela que
manifesta a solidariedade de Cristo, leva o amor de Deus aos mais necessitados, aflitos e aos
61
MANZATTO, 2007, p. 40. 62
Cf. FERRARO, Benedito. A Significação Política e Teológica da Morte de Jesus. Petrópolis: Vozes, 1977, p.
101. 63
MANZATTO, 2007, p. 33-34.
35
mais pobres. “A cruz de Cristo é também o nosso sofrimento.” 64
“Ser a luz de Cristo não é
levar a dor e o sofrimento, mas sim a esperança por uma vida mais digna e fraterna”.65
Pois:
Iluminados pelo Cristo, o sofrimento, a injustiça e a cruz nos desafiam a viver como
Igreja Samaritana (cf. Lc10, 25-37), recordando que ‘a evangelização vai unida
sempre à promoção humana e a autentica libertação cristã. ’Damos graças a Deus e
nos alegramos pela fé, solidariedade e alegria características de nossos povos,
transmitida ao longo do tempo pelas avós e avôs, as mães e pais, os catequistas, os
rezadores e tantas pessoas anônimas, cuja caridade mantém viva a esperança em
meio às injustiças. 66
Deus assume a cruz em solidariedade e amor com os que sofrem na cruz. A cruz não é
amor, nem é fruto do amor, mas é o lugar onde se mostra aquilo do que o amor é capaz, ou
seja, “a cruz não está para ser compreendida. Está aí para ser assumida e andar no caminho do
Filho do Homem que a assumiu e por ela nos redimiu” 67
e, portanto, a cristologia latino-
americana não parte dos dogmas cristológicos como o fazem algumas cristologias
tradicionais. Ela “parte da tradição primeira, o texto do Novo Testamento interpretado com a
hermenêutica a partir dos povos crucificados,” 68
1.2 - A morte de cruz de Jesus, a Idolatria do mercado e os povos crucificados
Em nossa profissão de fé há uma afirmação fundamental e que não podemos deixar de
lado sem comprometer o mistério da encarnação: “E por nós homens-mulheres
64
DOCUMENTO DE PUEBLA. A evangelização no presente e no future da América Latina. 7 ed. Petrópolis:
Vozes, 1987. n. 278, 333, 339. A partir das próximas citações vamos usar a sigla: PUEBLA. 65
BOFF, LEONARDO. Paixão de Cristo Paixão do Mundo. Petrópolis: Vozes, 1977, p. 158-162. 66
DAp, 2007, n. 26. 67
BOFF, L. Paixão de Cristo Paixão do mundo. Petrópolis: Vozes, 1977, p. 144. 68
SOBRINO, 1983, p. 23 et seq.
36
(e para nossa salvação, desceu dos céus e se encarnou pelo Espírito Santo, no
seio da Virgem Maria, e se fez homem (humano – humanatus est).” 69
Ora isto quer dizer que
Jesus de Nazaré entra na conflitividade humana e sua vida e morte só podem ser
compreendidas dentro do contexto sócio-histórico de sua época.
Como afirma a GS, 22:
Com efeito, por sua encarnação, o Filho de Deus uniu-se de algum modo a todo
homem. Trabalhou com mãos humanas, pensou com inteligência humana, agiu com
vontade humana, amou com coração humano. Nascido da Virgem Maria tornou-Se
verdadeiramente um de nós, semelhante a nós em tudo, exceto no pecado.
Toda tentativa de tirar Jesus das implicações econômicas, políticas e sociais de sua
época é um atentado contra a encarnação. É uma nova forma de docetismo que nega o fato de
Jesus ter assumido verdadeiramente a história humana. Segundo os evangelhos, Deus não
quer que o Filho morra para satisfazê-lo, mas que ele não se evada magicamente da condição
humana, que seja coerente e que assuma a conflitividade de sua história até o fim, como
“conseqüência de sua opção pelos pobres, oprimidos, marginalizados e excluídos de seu
tempo.” 70
Portanto, desvincular a morte de Jesus das suas motivações humanas e causas
históricas é favorecer uma má compreensão do sentido desta morte, como se fosse um simples
destino trágico ou determinismo que isenta todos de qualquer responsabilidade frente ao
crime cometido que é a morte violenta na cruz.
O que significa a morte violenta de Jesus na cruz, para as autoridades romanas? A morte
de Jesus é compreendida como manutenção da ordem do Império, ou seja, ordem sagrada e
mantida pelos deuses e que não poderia ser, de modo algum, atacada. Eis como Flávio Joséfo
mostra a impossibilidade de enfrentá-las, pois lutar contra os romanos seria lutar contra Deus:
69
CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. (CIC). 2. Ed. Petrópolis: Vozes, 1993, n. 184. 70
GALHARDO, C. B. Jesus homem em conflito. São Paulo: Paulinas, 1997, p. 253.
37
A fortuna, de fato, tinha de todos os cantos vindos para eles (romanos), e Deus, que
percorrera a rota das nações, trazendo a cada uma o bastão do império, agora
descansava sobre a Itália... Vocês não estão guerreando contra Deus... A divindade
escapou dos lugares sagrados e assumiu Sua posição ao lado daqueles contra quem
vocês agora estão lutando. 71
Para os dirigentes judeus, a morte violenta na cruz de Jesus é vista como cumprimento
da lei: “Nós temos uma lei, e conforme esta lei ele deve morrer, porque se fez Filho de Deus”
(Jo 19,7). Na verdade é uma forma de sacrifício para purificar a cidade. É também uma forma
de manutenção do status quo favorável ao grupo dominante: “Vós nada entendeis. Não
compreendeis que é de vosso interesse que um só homem morra pelo povo e não pereça a
nação toda?” (Jo 11, 49-50). Estamos diante da legitimação do sacrifício pela Lei e que
encobre toda e qualquer responsabilidade (cf. Lc 4, 22-30).
Para o mercado globalizado: hoje, estamos diante de uma sociedade que diviniza o
mercado. Os dominantes de hoje fazem muitas promessas, tentando conquistar a cabeça e o
coração das pessoas. Há um processo de divinização e sacralização do mercado:
Quando se pretende revalorizar a religião como instrumento de criação de confiança
ou objetivos em vista do aumento da eficiência e, em última instância, da riqueza,
está negando a religião o que lhe é mais próprio: a referência à transcendência e,
portanto, a revitalização de todas as instituições humanas. Esta instrumentalização
da religião ou a redução da religião a um instrumento de acumulação econômica só é
possível e compreensível com a absolutização de algo que é exterior à experiência
religiosa e que é inteiramente humano: mercado. A lógica do mercado, com sua lei
da concorrência e a sobrevivência do mais eficaz, é elevada à condição de absoluto
que sustenta todo sistema. 72
71
Apud CROSSAN, J. Quem matou Jesus? Rio de Janeiro: Imago, 1995, p. 27. 72
SUNG, J. Desejo, mercado e religião. Petrópolis: Vozes, 1998, p. 129-130.
38
Por isso os dominantes exigem a fé no mercado que por sua vez promete realizar a
felicidade de todos. Proclamam que fora do mercado não há salvação! Tudo que possa
contrariar o livre desenvolvimento do mercado é perigoso e deve ser imediatamente extirpado.
Na verdade, é isso que estamos presenciando no Brasil e na América Latina:
Dentro dessa ampla preocupação pela dignidade humana, situa-se nossa angústia
pelos milhões de latino-americanos e latino-americanas que não podem levar uma
vida que corresponda a essa dignidade. A opção preferencial pelos pobres é uma das
peculiaridades que marca a fisionomia da Igreja latino-americana e Caribenha. 73
Com a implementação do sistema neoliberal: crianças de rua, índios, favelados,
presidiários, trabalhadores sem-terra, os idosos, são estorvo74
e devem ser removidos, pois
estão atrapalhando o livre desenvolvimento do mercado. Neste sentido é que podemos
compreender que a morte destas pessoas é o sacrifício exigido pela dinâmica do mercado para
resolver a crise econômica brasileira. A eliminação das crianças da Candelária, o massacre
dos Yanomami, dos favelados de Vigário Geral, dos presidiários do Carandiru, dos sem-terra
de Corumbiara e Eldorado de Carajás, segue esta lógica da lucratividade. Estas pessoas só dão
prejuízo, e por isso não têm o direito de viver. Quem as mata está prestando um serviço à
nação, pois está limpando a cidade e colaborando com a sociedade. As vítimas se tornam
culpadas. Até as crianças entram na lógica da eliminação, pois ou são trombadinhas ou se
tornarão! Sendo assim, é preciso eliminá-las imediatamente para preservar o futuro da
sociedade! O mesmo se dá em toda a América Latina.
73
DAp., n. 391. 74
“Mas sobretudo será necessário abandonar uma mentalidade que considera os pobres – pessoas e povos –
como um fardo e como importunos maçadores, que pretendem consumir tudo o que os outros produziram. Os
pobres pedem o direito de participar no usufruto dos bens materiais e de fazer render sua capacidade de trabalho,
criando assim um mundo mais justo e mais próspero para todos. A elevação dos pobres é uma grande ocasião
para o crescimento moral, cultural e até econômico da humanidade inteira.” JOÃO PAULO II. Centesimus
Annus. São Paulo:Paulinas, 1991, n. 28).
39
Fazemos esta comparação da morte violenta de cruz de Jesus de Nazaré com a morte
dos crucificados de hoje, exatamente para mostrar que desvincular a morte de Jesus de suas
causas históricas podem nos levar à legitimação do sacrifício como algo inevitável. Ora, do
mesmo modo, se desvincular a morte das crianças de rua, dos presos, dos índios, dos
favelados, dos sem-teto e dos sem-terra dos motivos econômicos e políticos, estará também
legitimando a lógica da eliminação. Ninguém se sente responsável por estes massacres e a
própria sociedade nada faz para que os responsáveis sejam identificados. Há, na verdade, um
acordo tácito, escondido, que se torna aceitação do sacrifício de inocentes e vítimas de uma
organização social injusta e insolidária.
1.3 - As reflexões cristológicas em contribuição a Teologia da cruz no contexto latino
americana
Os anos que antecederam o Concílio Vaticano II e no período que imediatamente o
sucedeu vislumbraram um grande fervilhar teológico. Na América Latina as reflexões
cristológicas ganharam novos acentos, inclusive sobre o desenvolvimento da teologia da cruz.
Ainda que, sem dúvida alguma seja um tema clássico e presente em outras escolas teológicas,
sempre foi um tema preferido pelos teólogos do continente latino-americano exatamente
porque através da cristologia, torna-se possível uma melhor articulação do tema central:
profissão de nossa fé cristã “a morte de cruz, e a ressurreição de Jesus Cristo” 75
, com as
questões contextuais da vida, da história e da realidade cotidiana e concreta dos povos latino-
americanos.
Os grandes temas de teologia latino-americana, tais como a eclesiologia, com a
realidade das comunidades eclesiais de base; a soteriologia, como a questão da libertação e a
75
BOFF, L. Paixão de Cristo Paixão do Mundo. Petrópolis: Vozes, 1977, p.112.
40
opção preferencial pelos pobres, bem como a mística do reino de Deus, sempre giraram em
torno da cruz e ressurreição de Jesus. Tais temáticas sempre estiveram presentes, no campo de
reflexão teológica latino-americana, a partir do qual se situam as grandes contribuições de sua
reflexão teológica para o conjunto da teologia de toda a Igreja.76
Grandes temas e categorias aprofundados pela reflexão teológica latino-americana
contribuíram para o desenvolvimento da reflexão teológica realizados em outros continentes.
Tais como: a afirmação da humanidade de Jesus, a opção preferencial pelos pobres, as
comunidades eclesiais de base, as reflexões sobres estes temas iluminaram os trabalhos e
reflexões sobre a fé em outros continentes, e isto coincidiu com a nova busca do Jesus
histórico77
, que é uma exigência, e característica para o trabalho cristológico em qualquer
parte do mundo.
Não obstante, a noção de reino de Deus é de suma importância no desenvolvimento da
teologia latino-americana, pois os seus teólogos, ao desenvolverem esta noção, contribuíram e
muito para que o tema “Reino de Deus” fosse também trabalhada, pesquisada, e desenvolvida
nos quatro cantos do mundo. O mesmo se deu com o tema seguimento de Jesus, e
conseqüentemente os desdobramentos da mesma nos campos da moral e da espiritualidade.
Tais temas foram também, muito desenvolvidos pelos teólogos da América Latina, a partir da
cristologia, que transformou os respectivos temas em um valioso patrimônio de toda a Igreja.
Somente a partir de uma sólida base cristológica vinculada a um soteriologia, é que podemos
refletir uma teologia da cruz na sociedade Latino Americana.
Desta forma, as pesquisas cristológicas latino-americana tem se dedicado a estudar o
Jesus histórico: sua vida, sua ação, ou seja, a compreensão de sua pessoa. E as, referidas
76
Cf. MANZATTO, 2007, p. 25-26. 77
As pesquisas históricas sobre o Jesus histórico de grandes teólogos: MEIER, John. Um judeu marginal.
Tradução de Laura Rumchinsky. Rio de Janeiro: Imago, 1993-2003. 4 v. THEISSEN, Gerd; MERZ, Annette. O
Jesus histórico. São Paulo: Loyola, 2002. CROSSAN, J. D. Jesus histórico. Tradução de André Cardoso. Rio de
Janeiro: Imago. 1994. PAGOLA, José Antonio. Jesus uma Aproximação histórica. Tadução de Gentil Avelino
Titton. Petrópolis: Vozes. 2011. PUIG, Armand. Jesus uma biografia. Tradução de Lara Almeida Dias. Lisboa:
Paulo, 2010.
41
pesquisas, tem despertado permanente preocupação na Igreja latino-americana, e isto é
constatável em todos os níveis de atuação das comunidades eclesiais de base e na prática
teológica. Sendo assim, pode-se afirmar o quanto os temas de teologia na América - Latina se
articulam em torno da cristologia, e isto não poderia ser de outra forma, para quem professa a
fé em Jesus Cristo crucificado e ressuscitado.
Sobre isto nos diz Manzatto:
A cristologia latino-americana insere-se na tradição teológica eclesial, prolongando-
a até nós e contextualizando-a em sua situação concreta. Pois, inserido no contexto
latino-americano, esse estudo recebe influencia de outros horizontes. A própria
busca do Jesus histórico realizada em outros lugares e as pesquisas sobre o contexto
da Palestina do século I influenciaram, claro, o desenvolvimento da cristologia.
Assim também acontece com a teologia do político, que tantos frutos produziram
pelo mundo afora, com a Doutrina Social da Igreja e com a questão soteriológica.
Esses elementos deixam sua marca no pensamento teológico latino-americano e o
ajudam a desenvolver-se. 78
Assim, podemos perceber que as grandes temáticas contribuem para uma teologia
Latino Americana em que o “sofrimento do mais pobre corresponde com o sofrimento de
Jesus, através da encarnação: ‘o verbo assumiu a humanidade’, e em sua humanidade ele
sofreu, padeceu, morreu nos trazendo a salvação e a plenitude do Reino.” 79
O cristão
“configurado a Cristo pelo batismo” 80
, também é enviado por Cristo para aliviar a dor
daqueles que sofrem, conduzindo-os à esperança por uma vida melhor.
Se “Cristo liberta a humanidade da escravidão do pecado e da injustiça, o cristão é
capaz de levar a boa-nova do Reino e a esperança para quem não tem esperança.” 81
78
MANZATTO, 2007, p. 26 et seq. 79
BOFF, L. Jesus Cristo Libertador. 20 ed. Petrópolis: Vozes, 2009, p. 48-59. 80
PUEBLA, n. 333. 81
Ibid., n. 330-332.
42
A teologia da cruz vai surgindo na América Latina, onde a Igreja fez muitas opções e,
especialmente, a ‘opção preferencial pelos pobres’82
que vai se concretizando de muitas
formas, pois a teologia da cruz é uma realidade que vai se fazendo com a vida, partilhada de
situações dolorosas. É sua maior originalidade. Todos os elementos da vida vão influenciando
a teologia da cruz e, para a América Latina, não é uma teologia pela teologia, mas para ter
uma incidência sobre a realidade. É necessária uma teologia do Cristo crucificado para evitar
o risco de esvaziar e desvirtuar o poder da cruz, transformando-a em uma ideologia que
termine por legitimar as situações de pecado social e estrutural. É oportuna uma séria teologia
da cruz para evitar que o Cristo crucificado seja manipulado e “apareça ‘bem-dizendo’ o que
não pode ser ‘bendito’.” 83
Para evitar, que “a pregação da cruz fomente uma espiritualidade
de resignação, tão oposta à espiritualidade do povo de Deus. Para evitar, que a cruz força
máxima de compromisso e seguimento de Cristo, não se transforme em anestesia dos
povos.”84
1.4- A teologia da cruz para os teólogos da América Latina: Jon Sobrino, Juan
Luiz Segundo o e Leonardo Boff
Diante da vasta produção dos teólogos de nosso Continente latino americano, sobretudo
na área cristológica, percebemos que a teologia da cruz se desenvolveu com grande expressão
em nosso Continente Latino Americano. Estamos aqui diante de um período fecundo e de
grande criatividade na América Latina. Dentre muitos teólogos três se destacam quando
pensamos numa cristologia latino americana: Juan Luis Segundo, Jon Sobrino e Leonardo
Boff; ainda que outros possam também ser apontados como importantes.
82
Ibid., n. 1134. 83
DELANEY, E. Teologia da Cruz “na” e “para” a realidade da América Latina. In. BROVETTO. Costante. et
al. A Cruz: teologia e espiritualidade. São Paulo: Paulinas, 1983, p.115. 84
Ibid.
43
Diante da cristologia desenvolvida por eles, nos perguntamos: qual a compreensão da
cruz de Jesus Cristo na cristologia destes autores? Qual o resultado desta compreensão na
cristologia latino americana?
Os mencionados teólogos buscam a fundamentação para suas reflexões nas Sagradas
Escrituras, nos documentos do magistério: sobretudo os documentos das Conferências Gerais
do CELAM e nas ciências sociais, esta última foi uma novidade para a teologia latina
americana, mas suas obras se situaram bem dentro dos parâmetros da práxis teológica de sua
época.
Estes três, grandes teólogos latino americanos dialogam bem com a modernidade e
adotam perspectivas hermenêuticas próprias, priorizando, como foi mencionado, o humano e
o histórico, confrontando as fontes tradicionais da teologia com a realidade latino americana.
A apresentação se inicia contemplando cada um destes teólogos a partir do respectivo
horizonte hermenêutico, mostrando como a práxis de Jesus e sua conseqüência, a morte na
cruz, ocupa um lugar importante no esquema cristológico de cada um. Na “ótica da cruz o
Deus imutável é aquele que leva suas decisões até o fim, comprometido, que não muda sua
decisão de optar pelo homem.” 85
Juan Luis Segundo, inicialmente não se ocupa da cristologia de maneira direta. É
indiretamente que ele mergulha no estudo do significado da pessoa e da ação de Jesus Cristo.
Sua preocupação maior é o lugar da teologia no pensamento moderno e dentro da Igreja, e
suas relações com as ideologias vigentes na sociedade. É exatamente neste nível que se situam
suas contribuições mais significativas.86
No que se refere à cristologia, sua obra de referência
é sem dúvida o grande estudo em três volumes intitulado O homem de hoje diante de Jesus de
85
Ibid. 86
Cf. SEGUNDO, Juan Luis. Libertação da teologia. São Paulo: Loyola, 1978. Veja-se sobre isso: SOARES,
Afonso Maria de Ligório (Org.). Juan Luis Segundo: uma teologia com sabor de vida. São Paulo: Paulinas, 1997.
44
Nazaré87
, cujo conteúdo será mais tarde resumido em outro texto88
. O Jesus histórico dos
sinóticos é analisado e interpretado pelo teólogo a partir de uma chave hermenêutica política.
Ele justifica a escolha desta chave hermenêutica baseando-se na práxis de Jesus e seu
resultado – a morte na cruz. Ou seja, Jesus agiu como um bom político e seus adversários
reagiram politicamente eliminando-o.
Ao situar as relações entre fé e ideologia, Juan Segundo quer estabelecer o interesse
pelo estudo da pessoa de Jesus. Com efeito, o estudo Jesus de Nazaré pode partir de algum
interesse ideológico, e nesse caso ele será usado para justificar o status quo. A fé, portanto,
embora não livre de ideologias, é requisito necessário para a aproximação do Jesus histórico
como fundamento da maneira de ver o mundo. A partir disso o autor retoma o caminho
percorrido pelas comunidades de fé realizadas ao longo do tempo. Sua compreensão é que a
teologia, mesmo aquela realizada pelas primeiras comunidades, como compreensão do
significado da pessoa de Jesus, e não como simples narrativa “desinteressada” de sua atuação
na história. Essa teologia nutre-se do conhecimento do Jesus histórico, e destaca a dimensão
política da prática de Jesus para o estabelecimento do Reino de Deus como libertação dos
pobres. A vida de Jesus, sua morte e ressurreição, são vistas a partir deste binômio: a prática
política e a libertação dos pobres.
Para Segundo, a cruz de Jesus Cristo foi um grande momento hermenêutico da história
humana. O Deus que se revela nessa experiência é bem diferente d’Aquele que geralmente é
usado para justificar o status quo opressivo. Ora, esse caminho de reflexão o leva a encontrar-
se com o pensamento de Paulo, para colocar a questão em termos de pecado, liberdade e
vitória sobre a morte. Portanto, o pecado que escraviza o ser humano também é o pecado da
87
SEGUNDO, Juan Luis. O homem de hoje diante de Jesus de Nazaré. São Paulo: Paulinas, 1985. 3 v. A data do
original é 1982. 88
Id. A história perdida e recuperada de Jesus de Nazaré. São Paulo: Paulus, 1997. A data do original em
espanhol é 1991.
45
estrutura da sociedade, e a vida de Jesus, isto é, sua ação é vista como uma maneira de não
apenas denunciá-lo profeticamente, mas de posicionar-se contrário.
A liberdade, que é um dom de Deus pelo Espírito, não é simplesmente um absoluto que
se possui, mas um processo histórico no qual se vive, donde a compreensão de libertação, ou
seja, o processo de conquista da liberdade. Logo, a vitória sobre a morte, anunciada a partir da
ressurreição de Jesus, é também vitória sobre as forças da morte, isto é aquilo que impede o
humano de viver, sobretudo os pobres, os excluídos, os crucificados da história. A vitória
sobre a morte é vitória sobre as situações que produzem morte: a injustiça, a opressão, a
violência, a pobreza, a exclusão, a discriminação, etc. A fé na ressurreição inclui a fé na
vitória sobre a morte, e nesse sentido é afirmada a ação política dos cristãos, seu agir para
promover a libertação dos pobres.
Jon Sobrino, o teólogo centro-americano de El Salvador, partindo da situação de morte
sangrenta da guerra civil de seu país, procura compreender o sentido da violência e da morte
aparentemente desnecessárias, inspirando-se na práxis libertadora de Jesus. Para Sobrino, a
imagem bíblica do Deus da vida que luta contra os deuses da morte se manifesta na cruz
redentora de Jesus Cristo, onde Deus é Aquele que age em favor da vítima e assim gera
esperança para as vítimas. Esta experiência com a cruz de Cristo motiva muitos cristãos
latinos americanos a caminharem na solidariedade junto com os injustiçados do continente
latino americano, entregando, eles também, suas próprias vidas. Sua obra clássica de
cristologia é “Cristologia a partir da América Latina.” 89
Nesta o autor coloca os três
elementos essenciais da Cristologia Latino Americana: a afirmação do Jesus histórico como
ponto de partida da cristologia; a recuperação da noção de reino de Deus como chave para a
compreensão da ação e da pessoa de Jesus; e a vida dos cristãos de hoje diante do seguimento
89
SOBRINO, J. Cristologia a partir da América Latina. Petrópolis: Vozes, 1983. A edição original é de 1976.
46
de Jesus e seu discipulado. O pensamento que ilumina a construção da cristologia de Sobrino
é a história e sua importância, no que ele segue os grandes teólogos do momento.90
Ao partir da idéia do Jesus histórico, afirma-se sua prática como o anúncio e a
concretização do Reino de Deus. A noção de Reino, que é a libertação para os pobres, explica
a vida e a prática de Jesus e aponta também para as causas históricas de sua morte. A
ressurreição de Jesus é vista como vitória sobre a morte e, sobretudo vitória sobre as forças
que impedem a instauração do Reino de Deus. Portanto, o combate de Jesus é um combate
contra o anti-reino, e esse deve ser o combate dos cristãos nos dias de hoje. O Reino de Deus,
que é uma realidade presente na história, cresce em direção à sua plenificação com a prática
da justiça dos cristãos. Tais elementos de seu pensamento serão mais bem articulados em sua
obra seguinte, de 1992: “Jesus na América Latina.” 91
Nesta obra o autor retoma as afirmações
centrais da obra anterior, mas aqui as torna mais clara. Sobrino evidência a relação do Reino
de Deus, ou seja, o sentido deste deve ser buscado na prática histórica de Jesus de Nazaré,
com a libertação dos pobres. Sobrino vê a salvação que Deus oferece em Jesus Cristo,
incluindo a expectativa libertadora dos pobres das situações, e condições de injustiça, pois
estes são os crucificados de hoje. Na mesma linha o autor afirma a perspectiva do seguimento
de Jesus Cristo, como sendo a maneira coerente de viver o cristianismo nos dias de hoje, isto
é, os cristãos comprometem-se com a transformação do mundo através das reivindicações e
ações políticas, em favor dos pobres.
A propósito, Manzatto diz o seguinte:
Talvez o trabalho sobre a noção de seguimento de Jesus, que será até retomada em
seus outros escritos, seja o grande contributo de Jon Sobrino à teologia latina
americana. Ele não é o único a trabalhar esta questão, nem é seu iniciador, mas é
90
São referidos explicitamente no texto os trabalhos de Karl Rhaner, WolfhartPannenberg e Jürgen Moltmann.
Cf. SOBRINO, Jon, 1983. Ressaltante o trabalho sobre a história realizada por Ellacuría, que muito influencia o
pensamento de Sobrino.Cf. ELLACURÍA, Ignácio. Filosofia de la realidad histórica. Madrid: Trotta, 1991. 91
SOBRINO, Jon. Jesus na América Latina. São Paulo: Vozes;Loyola, 1985.
47
quem melhor situa sua importância e suas implicações históricas. Claro que seu
pensamento não se resume a esse aspecto, mas ele é fundamental para que se
compreenda o lugar central que essa noção terá não apenas na teologia, mas também
na espiritualidade e na prática dos cristãos do continente. 92
.
Quando Sobrino fala de “o povo crucificado”, influenciado pelo pensamento de
Ellacuría que levava em consideração a realidade é possível verificar:
Entre tantos sinais que, como sempre, ocorrem, uns chamativos e outros apenas
perceptíveis, há em cada tempo um que é o principal, a cuja luz todos os outros
devem ser discernidos e interpretados. Esse sinal é sempre o povo historicamente
crucificado, que à permanência junta à forma histórica sempre distinta de sua
crucificação. Esse povo é a continuação histórica do servo de Javé, ao qual o pecado
do mundo continua tirando toda figura humana, ao qual os poderes desse mundo
continuam despojando de tudo, ao qual continuam arrebatando tudo, até a vida. 93
Leonardo Boff, o teólogo brasileiro organiza seu pensamento, que quer ser de
“cristologia crítica” 94
; ele leva em consideração o Jesus histórico e sua prática libertadora,
juntamente com sua conseqüência: a morte de Jesus na cruz, que é examinada desde a
perspectiva da violência opressiva que no Brasil e na América Latina suscita a violência
revolucionária. Leonardo Boff põe em questão a facticidade da cruz, a morte violenta a qual
Jesus foi submetido, a sua linguagem e anúncio em realidades de opressão.
As questões de hermenêutica são colocadas, inicialmente, para poder fundamentar uma
“releitura” da pessoa de Jesus, ou seja, a partir de sua história e de seu contexto. Os aspectos
históricos, sociais, políticos e econômicos de seu tempo são enfatizados, e é dentro deles que
se compreendem os principais eventos da vida de Jesus, sua pregação do Reino, morte e
92
MANZATTO, 2007, p. 32. 93
SOBRINO, J. Fora dos pobres não há salvação. São Paulo: Paulinas, 2008, p. 20. 94
Apud MANZATTO, 2007, p. 30.
48
ressurreição. Portanto, a partir da cruz de Cristo, a práxis libertadora e a solidariedade com os
injustiçados da história – os crucificados - adquirem novo sentido. Tudo isso porque, a
sentença e morte injusta de Jesus Cristo revelam um Deus solidário com os injustiçados,
solidariedade que possibilita a manifestação do “novo Adão”, revelado no “novo
engajamento" histórico em curso na América Latina. Pode-se assim, fazer uma atualização do
que significa Jesus para os cristãos hoje, e do cristianismo para o mundo hoje.
No pensamento de Leonardo Boff, aparece como pano de fundo, a preocupação com a
transformação do mundo, esta vista como sinal da salvação definitiva, e ação política dos
cristãos como meio eficaz de realizá-la. A vida de Jesus é lida a partir desta ótica, ou seja,
concretizando sua humanidade; assim tornam-se presentes os elementos essenciais do que
será o desenvolvimento da cristologia da libertação, indicando assim a importância da
compreensão do contexto vivido por Jesus como maneira de entender sua vida, ação e
mensagem do Reino.
Para Boff, Jesus de Nazaré não é simplesmente um revolucionário, pois procura ver o
anúncio do Reino de Deus, como um anúncio não só espiritual, pois as implicações históricas
do Reino de Deus são apresentadas, como caminho para a compreensão da ação de Jesus e
conseqüentemente, como eixo articulador do projeto e da ação dos cristãos no mundo. O
mundo anunciado pela pregação do Reino está em clara contradição com a situação vivida no
momento histórico, momento este marcado pela pobreza, exploração e violência. Faz-se
urgente recuperar a coerência com o Jesus histórico, ou seja, a ação de Jesus de Nazaré lança
luzes para uma releitura coerente, pois somente assim será possível compreender a direção
que se deve ter a ação dos cristãos, a qual, transformando o mundo, concretizará a utopia.
Não obstante, desde sua origem a teologia latina americana da libertação colocou a
cristologia sempre no centro de suas reflexões. O primeiro teólogo Latino Americano a usar o
termo Teologia da Libertação, foi Gustavo Gutiérrez, em 1971 em sua obra: “Teologia da
49
Libertação.” 95
Logo em 1972, o teólogo brasileiro Leonardo Boff publicou um dos maiores
clássicos da Teologia da Libertação: “Jesus Cristo libertador”.96
Logo, no alvorecer da
chamada Teologia da Libertação está à chamada Cristologia da libertação, não sendo
simplesmente uma conseqüência desta, mas contribuindo decisivamente de seu rumo e
desenvolvimento.
No centro da fé cristã está à afirmação que Jesus é o Kyrios; esta verdade de fé será pela
teologia latina americana invertida, pois para os que crêem, o Kyrios é Jesus, aí está à
novidade da cristologia de nosso continente, a valorização do Jesus histórico, sua realidade
terrena através da qual Deus se revela à humanidade oferecendo-lhe a salvação. Vislumbra-se
a importância da revelação de Deus Salvador em Jesus de Nazaré, destaca-se a importância
que terá sua história e o contexto no qual ele vive na Palestina do século I.97
Após este olhar panorâmico sobre a teologia da cruz no contexto Latino Americano, e
as luzes que influenciaram a teologia da cruz e sua práxis em nosso continente, pois o Deus
que se identificou com nossa situação, o Deus que se solidariza com os crucificados: os
pequenos, os enfermos, os marginalizados, os pobres, é o Deus de Jesus de Nazaré, o Deus
que ressuscitou seu Filho venceu a morte, o pecado e tudo o que aliena o ser humano.98
Assim vemos que no momento da encarnação que o Verbo se fez homem99
e sendo
homem se fez solidário a toda a humanidade mesmo na dor e no sofrimento.100
E assim como
Cristo, nos fez conhecer a salvação pela sua morte na cruz, a Igreja como sacramento de
Cristo, tem o dever e o compromisso de anunciar a esperança a todos os povos, sobretudos os
povos crucificados. A teologia da cruz é luz para os povos crucificados, é a teologia da
95
GUTIÉRREZ, Gustavo. Teologia da libertação: perspectivas. Petrópolis: Vozes, 1975. 96
BOFF, Leonardo. Jesus Cristo Libertador. 20 ed. Petrópolis: Vozes, 2009. 97
JEREMIAS, J. Jerusalém no Tempo de Jesus. Santo André: Academia Cristã, Paulus, 2010, p. 98
BOFF, LEONARDO. Jesus Cristo Libertador. Petrópolis: Vozes. 2009, p.30. 99
DENZINGER-HÜNERMANN, op. cit.. 100
MANZATTO, 2004, p. 221.
50
esperança, pois esperam pela dignidade, pela fraternidade e pela solidariedade, é nesta linha
de pensamento que vamos procurar desenvolver os próximos capítulos.
51
2 – A CRUZ DE CRISTO É LUZ PARA OS POVOS CRUCIFICADOS
O ponto central da fé cristã afirma que Jesus de Nazaré, o Filho de Deus morreu na
Cruz.“Os judeus pedem sinais, e os gregos andam em busca de sabedoria; nós, porém,
anunciamos Cristo Crucificado, que para os judeus, é escândalo, para os gentios é loucura,
mas para aqueles que são chamados, tanto judeus como gregos, é Cristo poder de Deus e
sabedoria de Deus” (1Cor 1,22-25). Desde os primeiros escritos do Novo Testamento, bem
como nos primeiros séculos do cristianismo já encontramos as profissões de fé: “foi
crucificado sob Pôncio Pilatos” 101
está na cruz à autêntica originalidade da fé cristã, pois
prega um “Deus crucificado.” 102
A morte de Jesus na cruz faz parte de nossa profissão de fé: “Padeceu sob Pôncio
Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado.” 103
Para compreendê-la melhor, vamos analisar os
motivos históricos da condenação de Jesus à morte de cruz e, levando em consideração a
ligação histórica e os motivos teológicos presentes no Novo Testamento e as luzes desta na
cristologia Latino Americana.
A cruz é o marco do Jesus Histórico, e umas das maiores características da teologia
latino americana é a afirmação decidida da humanidade de Jesus104
. Nesse sentido a figura de
Jesus é mais do que exemplar, pois se de um lado, a valorização da história e do contexto
permite refazer a compreensão da vida de Jesus, de outro a compreensão da densidade de sua
humanidade permite re-situar a incidência de seu projeto. Busca-se uma compreensão do que
significa a ação prática de Jesus, relendo-a internamente no contexto latino-americano. Sendo
assim, compreende-se a ligação entre deixá-la como legado à Igreja nascente. Assim, afirma-
101
DENZINGER & HÜNERMANN, op. cit., n. 125-126, Nicéia; n. 301-302, Calcedônia. 102
Esta expressão foi usada por J. Moltmann em seu livro “O Deus crucificado”, 2011. 103
DENZINGER & HÜNERMANN, op. cit., n. 125-126, Nicéia; n. 301-302, Calcedônia. 104
O ponto de partida da cristologia é o Jesus histórico, não se nega em absoluto a importância do Cristo da fé,
mas se privilegia a história de Jesus como fundamento para a fé. No cristianismo, aliás, criação, salvação e
escatologia são eventos históricos, e é por isso que o cristianismo é afirmado como religião da história. Cf.
MANZATTO, A. Cristologia latino-americana. SOUZA, Ney (org.). Temas de teologia latino-americana. São
Paulo: Paulinas, 2007, p.34.
52
se uma possível articulação entre as libertações históricas experimentadas na sociedade e a
salvação escatológica realizada por Jesus.
2.1-O significado da cruz e da morte de Jesus no Novo Testamento
A morte de Jesus na cruz é um dos fatos mais bem atestados do Novo Testamento.
Além das fontes bíblicas, temos as informações de outras fontes históricas da época, por
Tácito, Flávio Josefo, Plínio, o moço, Suetônio, contextualizando os motivos da morte de
Jesus na cruz ligados às tensões econômicas, sociais, políticas e religiosas.105
Através dos
textos, podemos constatar que Jesus morre como zelota, como revolucionário político (cf. Lc
23, 2-5; Mt 26, 63; At 10, 34-43), fruto de tensões econômicas, sociais, políticas e religiosas
da época (cf. Mc 2, 1 – 3, 6)106
, pois a morte na cruz era reservada aos considerados
revoltosos pelo império Romano. Além disso, a morte na cruz revela também a dependência
da Palestina em relação a Roma, pois os romanos chamavam a si o direito da sentença de
morte.
Os motivos mostram também a interpenetração do religioso e do político, muito própria
do contexto de liberdade cerceada em que vivia a terra de Jesus. Ligado aos grupos de
resistência, também o grupo de Jesus não via com bons olhos a dominação romana, com a
cobrança dos impostos, a escravização (cf. Lc 23, 2-5). Como profeta e líder popular, Jesus,
como tantos outros profetas, tem sua vida ameaçada. Porém como é coerente com seu projeto,
não tem medo de enfrentar os conflitos da época e vai até o enfrentamento final. “Sob esta
ótica, a morte de Jesus se insere na lista dos profetas e líderes populares que lutavam pela
105
FERRARO, B. Cristologia. Petrópolis: Vozes, 2011, p. 122. 106
SOBRINO, J. Jesus, o Libertador. São Paulo: Vozes, 1994, p. 287.
53
liberdade do povo frente aos poderes dominantes.” 107
Ela se insere no drama histórico e tem
causas históricas bem definidas.
Como se sabe, os evangelhos fornecem uma narração muito detalhada da paixão de
Jesus.108
Os evangelhos mostram que Jesus foi progressivamente perseguido.109
Os que
perseguiam (os fariseus, os sumos sacerdotes, os escribas, os saduceus e os herodianos)
exerciam algum tipo de poder. As causas desta perseguição são variadas (umas históricas e
outras teologizadas, principalmente em João), mas no fundo, não são outras senão oriundas
das “denúncias de Jesus contra o poder opressor, diretamente o poder religioso, em cujo nome
se justifica outros poderes.” 110
Para Boff, Segundo e Sobrino Jesus certamente tinha
consciência do conflito provocado e de suas prováveis consequências, sobre isto afirma
Ferraro:
Sua morte é vista como conseqüência normal de sua missão. Por sustentar até o fim
sua pregação que retrata e proclama a vontade de Deus, ele morre para realizar sua
função de enviado de Deus. Assim, sua morte é aceita tanto por Jesus, como pela
comunidade primitiva que transmite os seus anúncios, como uma marcha consciente,
como algo previsto, livremente aceito e necessário. Mas, por outro lado, a morte de
Jesus é considerada como crime e como uma injustiça cometida contra o enviado de
107
FERRARO, B. 2011, p. 121. 108
Marcos 14-15; Mateus 26-27; Lucas 22-23; João 18-19; Evangelho [apócrifo] de Pedro (fragmento de um
evangelho perdido em que se conserva o relato da paixão a partir da interpretação de Herodes). Até o momento
ninguém apresentou uma teoria que explique de maneira convincente a relação entre estes escritos. De modo
geral, reconhece-se a importância de Marcos como fonte de Mateus e de Lucas. Concretamente, Mateus o segue
bem de perto, acrescentando alguns retoques. Lucas tem uma originalidade mais marcada, e por isso há quem
opine que seu autor, além de utilizar Marcos, conta também com outra tradição particular. Discute-se se João
representa uma fonte diversa de Marcos ou não. Recentemente J. D. Crossan reconstruiu, a partir do Evangelho
[apócrifo] de Pedro, um texto breve a que dá o nome de Evangelho da cruz, e que seria, segundo ele, a fonte
única de todos os relatos da paixão que conhecemos. Sua hipótese encontrou algum eco apenas entre os
membros do Jesus Seminar. CROSSAN, J. Em busca de Jesus- debaixo das pedras, atrás dos textos. São Paulo:
Paulinas, 2007. 109
São situações em que Jesus corre perigo de morte: “No relato sobre o pagamento do tributo a César (Mt
12,13-17), os fariseus e os herodianos são enviados “para o pegarem pela palavra”. No relato sobre a
ressurreição dos mortos (Mc 12,18-23), os saduceus procuram desacreditá-lo. A passagem da expulsão do
templo (Mc 11, 15-19), conclui com a delibaração dos sumos sacerdotes e escribas em matá-lo. Também a
passagem da parábola dos vinhateiros homicidas (Mc 12, 1-12), conclui com a intenção de prendê-lo porque
compreenderam que se dirigia contra eles. Por último, Marcos e Mateus intraduzem neste lugar a passagem
sobre o mandamento principal (Mc 12, 28-34; Mt 2, 34-35) e apresentam a cena também como tentação insidiosa
contra Jesus.” (cf. SOBRINO,J. A fé em Jesus Cristo, ensaio a partir das vítimas. Petrópolis: Vozes, 1999, 291). 110
Ibid., p. 294.
54
Deus. Em outras palavras, se Jesus aceita sua morte como sendo a vontade de Deus,
ele a sente também como uma injustiça dos homens que são incapazes, por causa da
incredulidade, de ver em sua vida e mensagem a proclamação da vontade de Deus
que oferece a salvação a todos. Assim, o maior pecado, a maior injustiça está no fato
de recusa da salvação oferecida como um dom de Deus. 111
Sem pretendermos resolver a questão tão difícil da “consciência messiânica de
Jesus”112
, queremos insistir no fato de que Jesus, através dos textos evangélicos, anunciou sua
morte e sua paixão. Através do próprio desenrolar de sua vida, sem excluir nele toda luz
sobrenatural, deve-se reconhecer que sua simples lucidez humana poderia discernir a
aproximação do drama: a hostilidade das autoridades religiosas de seu povo, a deserção das
massas decepcionadas por suas exigências, a complicação da situação política da Palestina de
seu tempo, conduzindo-o normalmente à morte.113
Podemos saber o que ocorreu nos últimos
dias de Jesus? Um dado é seguro: Jesus foi condenado à morte durante o reinado de Tibério
pelo governador Pôncio Pilatos 114
. Assim nos informa Tácito, o célebre historiador romano.
A mesma coisa afirma Flávio Joséfo, acrescentando dados de grande interesse: Jesus atraiu
muitos judeus e muitos de origem grega. 115
E quando Pilatos, por causa de uma acusação
feita pelos homens principais dentre nós, o condenou à cruz, os que o haviam amado não
deixaram de fazê-lo.116
Estes dados coincidem com o que sabemos pelas fontes cristãs.117
Ou seja:
Não devemos reter-nos apenas nos três anúncios clássicos da paixão (cf. Mc 8, 31;
Mc 9, 31 e Mc 10, 33-34) para compreendermos a morte de Jesus, mas devemos
perscrutar todo o comportamento de Jesus, através de várias imagens, parábolas e
111
FERRARO, 1977, p. 103-104. 112
Sobre a “consciência messiânica de Jesus”, cf. BOFF, L. Paixão de Cristo Paixão do Mundo. Petrópolis:
Vozes. 2007, p. 60-72. SEGUNDO, J. L. A história perida e recuperada de Jesus de Nazaré. São Paulo, Paulo,
2011, p. 263-303. SCHILLEBEECKS,E. Jesus, a história de um vivente. São Paulo: Paulo, 2008, p.267- 314.
SOBRINO,J. Cristologia a partir da América Latina. Petrópolis: Vozes, 1983, p.191-244. 113
BOFF, L. Paixão de Cristo Paixão do Mundo. Petrópolis: Vozes.2007, p.60-72. 114
Cf. PAGOLA, J. A. Jesus uma aproximação histórica. Petrópolis:Vozes, 2011, p. 443. 115
Ibid. 116
Ibid. 117
Ibid.
55
palavras que refletem uma tomada de consciência de Jesus diante de seu trágico
fim.118
A morte violenta não lhe sobrevirá como um destino arbitrário, mas como algo que
sempre esteve presente no horizonte. Jesus tem consciência de uma morte provável, mas
manteve-se firme na perseguição. Isto confirma sua fidelidade a Deus e a sua misericórdia
para com os homens. Por causa desse fato, sua morte foi interpretada como assumida com
liberdade e, por isso, como expressão de amor. Porém, ela mostra também que Jesus conhece
e assume a luta dos deuses e a força negativa da história que aniquila o profeta. “O caminho
para Jerusalém, apesar da perseguição e através dela, é a tradução geográfica da fidelidade de
Jesus no meio da luta dos deuses. ”119
O processo do julgamento e condenação de Jesus à morte tem um aspecto religioso e
outro político. Entre as autoridades houve uma percepção consensual de que era uma ameaça
a ser eliminada. As autoridades religiosas conseguem convencer Pilatos, o governador
romano, de que Jesus oferecia mais perigo político do que Barrabás e, consequentemente,
Pilatos redigiu em termos políticos a condenação de Jesus. A qual podemos assim resumir:
“Jesus foi executado numa cruz; a sentença foi ditada pelo governador romano; houve uma
acusação anterior por parte das autoridades judaicas; só Jesus foi crucificado, ninguém se
preocupou em eliminar seus seguidores. Isto significa que Jesus foi considerado perigoso
porque, com sua atuação e mensagem, denunciava pela raiz o sistema vigente, mas nem as
autoridades judaicas nem as romanas viram nele “o cabeça” de um grupo de rebeldes; se fosse
assim, teriam agido contra todo o grupo. 120
Bastava eliminar o líder, mas era preciso fazê-lo
118
FERRARO, 1977, p. 101. 119
JEREMIAS, J. Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Paulinas, 1990, p. 48. 120
Assim aconteceu por volta do ano 45 com Teudas e seus seguidores, contra os quais o governador Fado
enviou esquadrão de cavalaria, provocando inúmeras mortes (Antiguidades dos judeus 20,98). Entre os anos 53 e
55, Félix mandou seus soldados contra um profeta popular chamado Egípcio, matando quatrocentos de seus
seguidores (Antiguidade dos judeus 18, 85-89). Cf. PAGOLA, J. A. 2011, p. 444.
56
aterrorizando seus seguidores e simpatizantes. Nada podia ser mais do que sua crucificação
pública diante das multidões que enchiam a cidade.” 121
A crucificação122
é vista como consequência normal de sua missão. Por sustentar até o
fim sua pregação que retrata e proclama a vontade de Deus, ele morre para realizar sua função
de enviado de Deus. Assim, sua morte é aceita tanto por Jesus, como pela comunidade
primitiva que transmite os seus anúncios, como marcha consciente, como algo previsto,
livremente aceito e necessário.
A compreensão neo-testamentária da cruz e da morte de Jesus originou-se num contexto
litúrgico.123
Para Leonardo Boff entre os temas usados no Novo Testamento para dizer o
significado do mistério da cruz, destacam-se o de Filho do Homem e o de servo sofredor124
.
A diversidade desses títulos já justifica, no entender do teólogo brasileiro, o desenvolvimento
de uma hermenêutica própria da América Latina. Segundo Leonardo Boff, Paulo apresenta o
Cristo morto na cruz como a crise de todos os projetos humanos. Na carta aos Gálatas, o
apóstolo diz: “Deus nos libertou da maldição fazendo nascer Jesus sob a condição de pecado e
de maldição” (Gl 4, 4; 3,13). A fé em Jesus Cristo, que assumiu nossa situação e nos libertou,
é o que nos salva (Gl 5,1). A liberdade para a qual fomos libertos nos leva ao serviço dos
outros (Gl 5, 13), fazendo-nos produzir obras boas, fraternidade, alegria e misericórdia (Gl
5,6). Boff identifica aí uma nova dimensão no cristianismo: a do cristão liberto para a
121
Cf. PAGOLA, 2011, p. 444-445 122
Crudelissimum teterrimum que supplicium (A Verres 2, 5, 165). A crucificação era praticada em muitos povos
da antiguidade. Persas, Assírios, Celtas, Germanos e Cartagineses a utilizaram de diversas maneiras. Roma a
aprendeu de Cartago e fez dela o suplício preferido para castigar os piores criminosos. É impressionante o estudo
de M. Hengel recolhendo minuciosamente os testemunhos e informações do mundo antigo sobre a crucificação.
Cf. HENGEL, M. Crucifixion in the ancient world and the folly of the message of the cross. Filadélfia: Forteress
Press,1997. 123
Boff menciona o contexto cúltico-litúrgico para preparar o terreno que abre a possibilidade de se pensar de
outra forma o significado da morte de Jesus num contexto vital diferente. Cf. BOFF, L. Paixão de Cristo, paixão
do mundo. Petrópolis: Vozes, 1977, p. 17-18. 124
A teologia Latino Americana resgata a imagem do “servo sofredor”, ou “justo sofredor.” Este tema é bem
desenvolvido nas obras dos diversos teólogos Latino Americanos: BOFF, L. Jesus Cristo Libertador. 20 ed.
Petrópolis: Vozes, 2009. FERRARO, B. A Significação Política e Teológica da morte de Jesus. Petrópolis:
Vozes, 1977. SOBRINO, J. Cristologia a partir da América Latina. Petrópolis: Vozes. 1983. SEGUNDO, J. L..
A História Perdida e recuperada de Jesus de Nazaré – dos sinóticos a Paulo. São Paulo: Paulus, 2011.
SCHERER, Odilo Pedro. Justo sofredor – uma interpretação do caminho de Jesus e do discípulo. São Paulo:
Loyola, 1995.
57
construção do mundo. A piedade, a oração e a religião são manifestações do amor de Deus já
recebido e da salvação já comunicada.
A comunidade da Carta aos Hebreus está abatida e sem esperança, o autor escreve
fazendo uma dupla argumentação:
“Crer inclui também o sofrimento e a morte como modos de entrar na plenitude celeste
(Hb 12)” 125
; A salvação definitiva para todos veio com Jesus. O autor da carta apresenta
Cristo Sacerdote, não segundo a ordem de Araão, que foi estabelecida no templo, mas
apresenta Cristo Sacerdote segundo a Ordem de Melquisedec, que está para além do Templo
(Hb7, 11-28). 126
Sobrino comunga do mesmo pensamento de Boff, pois segundo ele a morte de Jesus é
consequência da sua própria missão, do tipo de vida que levou, do que disse e fez. Para
responder à pergunta sobre o porquê da morte de Jesus, o Novo Testamento tem dois tipos de
textos: os que tentam explicar e os que buscam compreender seu significado. O primeiro
passo, o da tentativa de explicar, considera a cruz como o destino do profeta (1Ts 2,14s; Rm
11,3). Jesus morre como um profeta. O passo seguinte, o do tipo apologético, foi dado quando
se afirmou que a cruz e a morte foram preditas nas escrituras. Mas como este passo não
ofereceu luminosidade suficiente, entendeu-se que o significado, ou o porquê da cruz estaria
escondido em Deus, ou seja, fazia parte do desígnio Divino. Para Sobrino, isso revela que o
absurdo não é a última palavra sobre a história e que a esperança continua sendo uma
possibilidade, pois o sentido da história está em Deus.127
125
BOFF, L. Paixão de Cristo, paixão do mundo. Petrópolis: Vozes, 1977, p. 106. 126
Leonardo Boff destaca então como principais elementos da compreensão neotestamentária da cruz e da morte
de Jesus os que emergem das categorias: Filho do Homem e Servo Sofredor, e as que são elaboradas por Paulo e
pelo autor da Carta aos Hebreus. Tais elementos mostram a diversidade com a qual o Novo Testamento entende
o mistério da cruz. Cf. BOFF, L. Paixão de Cristo, Paixão do mundo. Petópolis: Vozes, 2007, p. 106. 127
Sobrino sustenta que, em última instância, a esperança não tem como fonte o “saber” do mistério, mas a “fé”
no Deus concreto com um desígnio concreto histórico. Cf. SOBRINO, Jon. Jesus na América Latina. São Paulo:
Vozes;Loyola, 1985, p. 321-323.
58
Destarte, Jesus foi perseguido ao longo de sua vida e punido com a morte porque
ameaçava os interesses dos poderosos. No entanto, paulatinamente o significado mais
profundo deste evento, aparentemente tão comum, começou a moldar-se na comunidade.
Jesus morre na cruz. O bem que Deus realiza através da cruz foi muito cedo
caracterizado como “salvação”. Esta foi compreendida ao longo da história como “salvação
do pecado”. Pois bem, para Sobrino esta concentração no aspecto espiritual desvirtuou o que
havia de escândalo na cruz de Jesus e as cruzes da história. 128
2.2 - A compreensão da cruz e da morte de Jesus na tradição teológica
“Sem a cruz a ressurreição é idealista; a utopia da ressurreição cristã só se torna real a
partir da cruz.” 129
Pois, como vimos anteriormente à morte de cruz de Jesus é um dos fatos
mais bem atestados do Novo Testamento, no entanto os textos do Novo Testamento são
interpretações das comunidades primitivas do cristianismo, o como as comunidades
compreenderam e viveram sua fé na pessoa de Jesus. É preciso retomar a história e,
consequentemente, a tradição da Igreja e, nosso caso, a tradição teológica, onde podemos ver
consignada esta compreensão de forma mais sistematizada. Isto requer de nós retomarmos a
dinâmica da transmissão da fé que nos liga ao Jesus da história. Por isso é importante
relembrar o que nos diz Boff: “O Jesus histórico só nos é acessível na mediação do Cristo de
nossa fé. Em outras palavras: entre o Jesus histórico e nós existem as interpretações
interessadas dos primeiros cristãos.” 130
Mas é muito importante levar em consideração o que nos afirma J. Comblin:
128
Para Sobrino, todas as vezes que os fracos são injustiçados, se levantam mais cruzes na história. Ele usa
diversas expressões como: vítimas, o povo crucificado, etc. para descrever aqueles sobre os quais o anti-reino
aparentemente triunfa. Na sua mediação sobre “o povo crucificado”, ele compara ao “servo sofredor” (Is 42, 1-
7), e diz: “a sorte do povo crucificado, portanto, participa hoje analogamente do destino do servo.” Cf.
SOBRINO, J. Fora dos pobres não há salvação. São Paulo: Paulinas, 2008, p. 23. SOBRINO, J. Jesus o
Libertador. São Paulo: Vozes, 1994, p. 287. 129
SOBRINO, J. Cristologia a partir da América Latina. 1983, p. 193. 130
BOFF, L. Paixão de Cristo, paixão do mundo. 1977, p. 92.
59
O ponto de partida do conhecimento de Jesus é a ação cristã de hoje. É a partir dela
que os métodos teológicos de toda espécie vão à busca de Jesus, Mas o Jesus que
irão encontrar será, necessariamente, projeção do Jesus atual. Neste caso, não se
trata de uma deformação, mas de verdadeiro Conhecimento do Cristo pelo Espírito.
O Cristo não pode ser separado de seu povo. De nada serviria conhecer um Cristo
separado de sua ação atual em seu corpo total. 131
Com estas referências poderemos compreender as interpretações da morte de Jesus na
tradição teológica, tendo sempre em vista que:
O vocabulário empregado para exprimir libertação de Jesus Cristo traduz situações
sociais, trai interesses ideológicos e articula tendências de uma época. Uma
mentalidade marcadamente jurídica irá falar em termos jurídicos e comerciais de
resgate, redenção dos direitos de domínio que Satanás possuía sobre o pecador, de
satisfação, mérito, substituição penal, etc. Uma mentalidade cúltica irá se exprimir
em termos de sacrifício. Outra, preocupada com a relevância social e cultural da
alienação humana, pregará a libertação de Jesus Cristo. Não basta repetir
fetichisticamente as fórmulas antigas e sagradas. Precisamos procurar compreendê-
las e tentar captar a realidade que elas tentam traduzir. Esta realidade salvífica pode
e deve ser expressa de muitas formas; sempre tem sido assim no passado e também
no presente. 132
2.3- Onde acontece a salvação, a redenção, a libertação?
Teologia na mentalidade grega: Uma teologia que se deixa influenciar pela mentalidade
grega, acaba concentrando na encarnação todo o peso da salvação, da redenção, da libertação:
Pela encarnação irrompe no mundo a redenção porque, em Jesus Cristo, Deus
imortal e infinito se encontra com a criatura mortal e finita. Basta a constituição
131
COMBLIN, 1982, p. 94. 132
BOFF, 1977, p. 108-109.
60
deste ponto matemático da encarnação para que toda a criação seja atingida e
redimida. Não interessa tanto o homem concreto Jesus de Nazaré, seu caminho
pessoal, o conflito que provocou, mas a humanidade universal que ele representa.
Deus é o grande agente da redenção. É ele que se auto-comunica à criação,
elevando-a e divinizando-a. Verifica-se uma abstração do histórico em Jesus de
Nazaré. A encarnação é entendida esteticamente, como o primeiro momento da
concepção virginal de Jesus, Deus-Homem. Aí está tudo. 133
Teologia na mentalidade romana ético-jurídica – Uma teologia com esta mentalidade
de caráter mais jurídico, o ponto central da redenção será colocado na paixão e morte de
Jesus:
Para o pensar romano o mundo é imperfeito não tanto pelo fato ontológico da
criação, mas pela presença do pecado e da liberdade abusada do homem. Este
ofendeu a Deus e à reta ordem da natureza. Deve reparar o mal causado. Daí ser
necessário o mérito, o sacrifício, a conversão e reconciliação. Somente a ordem
antiga será restabelecida e vigorará a tranqüilidade da ordem. Deus vem ao encontro
do homem: envia seu próprio Filho para que de forma substitutiva repare com sua
morte a ofensa infinita perpetrada pelo homem. Cristo veio para morrer e reparar. A
encarnação e a vida de Jesus só possuem valor enquanto preparam e antecipam sua
morte. O protagonista não é tanto Deus, mas o homem Jesus que, com sua graça,
com sua ação, repara o mal causado. Não se trata de introduzir algo de novo, com a
divinização, mas de restaurar a primitiva ordem justa. 134
Teologia Latino Americana: Para a mentalidade da libertação Latino Americana
começa-se a pensar a salvação, redenção, libertação a partir de toda a vida de Jesus. Toda sua
vida é libertadora (cf. Lc 4,18). Neste sentido, pensa-se toda a vida de Jesus como libertadora,
na grande solidariedade a que todos estamos ligados pela vida. Tudo em Jesus é salvífico e
libertador.
Toda a sua vida é um caminho de solidariedade: nascimento, prática, paixão, morte,
ressurreição:
133
BOFF, 1977, p. 110. 134
Ibid..
61
Jesus de Nazaré, na concreteza de sua caminhada pessoal, por obra e graça do
Mistério, pôde acolher e ser acolhido de tal maneira por Deus que formava com Ele
uma unidade sem confusão e sem distinção, unidade concreta e não abstrata que se
manifestava na vida do dia a dia do operário de Nazaré, e do profeta ambulante na
Galiléia, nos anúncios que proclamava, nas polêmicas que provocava, no conflito
moral que suportou, na cruz e na ressurreição. Nesse caminho histórico do Jesus de
Nazaré ocorreu a máxima comunicação de Deus e máxima revelação da abertura do
homem. Esse ponto alcançado pela história humana é irreversível e escatológico,
quer dizer, representa o termo de chegada do processo humano em direção a Deus.
Deu-se a unidade, sem perder a identidade de nenhuma das partes, entre Deus e o
homem. Esse ponto ômega significa a máxima hominização e também a plenitude
da salvação e da libertação do homem. 135
2.4 - Articulações das Imagens para exprimir a ação salvadora
Expiação-sacrifício – Esta imagem é tirada da experiência ritual e cúltica dos sacrifícios
no Templo. Com a encarnação de Jesus, Filho de Deus, criou-se a possibilidade de um
sacrifício perfeito. Esta imagem aponta para o limite da representação que é a figura de Deus
Pai exigindo a morte de seu Filho. E por outro lado, mostra seu valor, na medida em que a
vida humana tem uma estrutura sacrifical.136
Redenção – resgate - libertação: Esta imagem está ligada ao modo de produção
escravocrata. Pois, libertar é alforriar, pagar um resgate, para que a pessoa possa retomar a
liberdade. O limite desta representação é tomar a redenção como um drama que se passa entre
Deus e o demônio. A pessoa se torna mero expectador. Seu valor reside no fato de que
135
Ibid.. p. 125. 136
Ibid., p. 116-117.
62
necessitamos, continuamente, ser salvos. Pois a libertação acontece no terreno de uma
captividade profunda em que se encontra a humanidade.137
Satisfação representativa: Esta é a imagem que traduz a visão jurídica do direito romano
e tem sua raiz em Tertuliano, Agostinho e Anselmo. Traduz a necessidade irrevogável da
encarnação para que a satisfação frente ao pecado possa se realizar. Seu limite está no fato de
beber do modo de produção feudal, onde Deus é apresentado como um Senhor Feudal
absoluto que quer cobrar a dívida a qualquer custo. Seu valor reside no fato da pessoa ser
sempre um ser insatisfeito.138
2.5 - Do Deus crucificado ao povo crucificado: redenção, salvação e solidariedade com os
pobres
Jesus é apresentado pela Igreja primitiva como aquele que tem a última palavra sobre a
história e seu sentido (cf. n. 2.1). E na medida em que o crucificado é proclamado como o
Senhor, à sociedade pode se orientar pelos valores da prática histórica de Jesus e buscar
caminhos de libertação dos pobres e excluídos (Puebla, 31-39; Santo Domingo, 178-179;
DAp, n.391-405).
Sobre isto, diz Medellín:
A paz é, antes de tudo, obra da justiça (GS, 73). A paz na América Latina, não é,
portanto, a simples ausência de violências e derramamento de sangue. O
desenvolvimento integral do homem, a passagem de condições menos humanas para
condições mais humanas é o nome novo da paz. ‘uma paz autêntica implica luta,
capacidade inventiva, conquista permanente’ (cf. Paulo VI 1967). A paz não se acha,
há que construí-la. O cristão é um artesão da paz (Mt 5,9). A paz é, finalmente, fruto
do amor. (GS, 78), expressão de uma real fraternidade entre os homens. Fraternidade
137
Ibid., p. 118-119. 138
Ibid., p. 119-123.
63
trazida por Cristo, príncipe da paz, ao reconciliar todos os homens com o Pai. A
solidariedade humana não pode ser realizada senão em Cristo, que dá a paz que o
mundo não pode dar (cf. Jo 14,27). O amor é a alma da justiça. O cristão que
trabalha pela justiça social deve cultivar sempre a paz e o amor em seu coração. A
paz com Deus é o fundamento último da paz interior e da paz social. Por isso
mesmo, onde a paz social não existe, onde há injustiças, desigualdades sociais,
políticas, econômicas e culturais, rejeita-se o dom da paz do Senhor; mais ainda,
rejeita-se o próprio Senhor (Mt 25, 31-46). 139
Quando olhamos a morte de Jesus como conseqüência de sua vida, de sua prática
histórica e de sua mensagem do Reino, temos a firme convicção que sua vida desafiou a
situação de injustiça, e seu caminho histórico se torna um caminho teológico. A cruz de Jesus
manifesta a presença do Deus misericordioso que quer vida plena para todos (cf. Jo 10,10; Mt
9, 36; 25, 31-46). Na medida em que Jesus se torna um estranho para a sociedade, a cruz corre
o risco de ser dulcificada e desvinculada dos reais problemas que atingem os seres humanos e
a própria natureza. Não é mais considerada como consequência de uma prática histórica
concreta e passa a ser vista de forma abstrata, acarretando um distanciamento da história. Tal
visão da morte de Jesus inviabiliza compreender que hoje a cruz real é o pobre, o excluído,
que são eliminados por um sistema que continua matando para poder se manter. Toda
tentativa de desvincular a morte de Jesus das causas e motivos históricos dificulta também
compreender as causas e razões históricas das mortes de hoje, que são apresentadas como
“destino trágico, como determinismo ou como sacrifícialismo compulsório.” 140
Ao aproximar a morte de Jesus das mortes dos mártires e excluídos de nosso tempo,
tentaremos tirar a legitimidade dos sacrifícios de nosso tempo, tentamos tirar a legitimidade
139
DOCUMENTO DE MEDELLIN. São Paulo: Paulinas, 1977, p. 27-28.
140 VEDOATO,M. G. Teologia da cruz e sacrificialismo: uma leitura à luz da cristologia da libertação.
Disponível em: htpp: //www. Funcab.br/baú/artigos/TEOLOGIA_DA_CRUZ_E_SACRIFICIALISMO. pdf.>.
Acesso em: 10 de set. 2014.
64
dos sacrifícios que se apresentam como inevitáveis e buscamos encontrar motivos para
quebrar a legitimidade da lógica da exclusão. A morte de Jesus mostra que Deus não ficou
indiferente às vítimas e sofredores da história. Por isso, ela deve se tornar motivo de
esperança e de engajamento solidário na construção de uma convivência humana respeitadora
de toda vida.
Jesus é apresentado como critério para a sociedade e para a Igreja, na medida em que o
crucificado é para elas um “estranho ou o Senhor.” 141
Aí se joga todo o sentido da fé cristã,
pois é a partir da identidade com o crucificado que se julgará a vida da Igreja e da própria
sociedade, na medida em que respondem ou não ao seu projeto. A articulação entre a cruz e
libertação mostra-nos alguns aspectos fundamentais que não podem ser ignorados.
Esta ligação é de suma importância na medida em que levamos a sério a vida e a prática
de Jesus de Nazaré. Não podemos pensar a morte de Jesus desvinculada de seu projeto de
trazer vida abundante para todos e todas (Jo 10,10).
Sendo assim, há alguns elementos fundamentais a serem considerados na compreensão
da cruz:
Primeiro não se pode separar ou desligar a cruz da pessoa de Deus.142
Isto exige não se
apegar única e exclusivamente ao sentido soteriológico (salvífico) da cruz.
Segundo é preciso olhar a cruz como conseqüência da vida e da história de Jesus. Isto
significa compreender o caminho de Jesus como um caminho teológico. Tal perspectiva nos
indica o sentido do seguimento.143
141
Cf. Puebla, 31-39. 142
Sobre este tema trataram as seguintes obras: BOFF, L. Jesus Cristo Libertador. 20ª ed. Petrópolis: Vozes,
2009. BOFF, L. Paixão de Cristo, Paixão do Mundo. Petrópolis: Vozes, 1977. BOFF, L. Como pregar a cruz de
Cristo em um mundo de Crucificados. Petrópolis: Vozes, 1977. FERRARO, B. A significação política e
teológica da morte de Jesus. Petrópolis: Vozes, 1977. MOLTMANN, J. O Deus crucificado. Santo André:
Academia Cristã, 2011. 143
BOFF, L. Paixão de Cristo Paixão do Mundo. 1977, p.132
65
Terceiro a cruz coloca a questão da presença ou ausência de Deus: estabelece-se a partir
da cruz uma verdadeira revolução do conceito de Deus. Há uma exigência de se ultrapassar o
conceito de um Deus grego, negador da corporeidade e negador das diferenças e das
mudanças (cf. Mt 9, 35- 36; Ex 3, 7-10; DH. 116-122). “A cruz não é a última palavra sobre
Jesus, como a ressurreição não é a última palavra sobre a história.” 144
Quarto a cruz continua sendo loucura e escândalo (cf. 1Cor 1, 17-223). A partir desta
constatação, temos que ultrapassar a preocupação da salvação pessoal e colocar a questão da
libertação do homem-mulher-pobre-excluídos em relação à sociedade em que vivemos. Isto
exige refazer a memória de um Deus crucificado numa sociedade otimista que esmaga sob
seus pés tantos cadáveres. Hoje isso exige compreender, à luz da morte de Jesus, a exclusão
dos pobres pelo sistema neoliberal, cuja filosofia é essencialmente individualista. Na verdade,
“a cruz real é o pobre” 145
(índio, negro, mulher, excluídos). É o crucificado – pobre o critério
teológico, na medida em que aí se dá o lugar da experiência de Deus. É por isso que a fé em
Deus por meio de “Jesus Cristo que nos liberta realmente para os verdadeiros problemas do
mundo” 146
e nos indica o caminho para empenharmos todas as forças não para acumular obras
de piedade, mas para construir um mundo mais de acordo com o projeto do Reino anunciado
por Jesus Cristo, onde haverá a libertação da lei, do pecado e da morte (cf. Rm7-8;
Gl5,1.6.13). “Tal libertação deve ocorrer em todas as dimensões da vida, isto é: o homem
todo e todo o homem. Tal articulação nos possibilita pensar o relacionamento entre a cruz e os
caminhos de libertação.” 147
Jesus de Nazaré, com o seu modo de viver, ou seja, por sua prática, suscitou esperança
de mudança e apontou para a libertação do ser humano em todas as dimensões da vida. Desta
144
Ibid.,133. 145
Cf. SOBRINO, J. Jesus o libertador-I: A história de Jesus de Nazaré. São Paulo: Vozes, 1994, p. 48-50. 146
Cf. BOFF, L. Paixão de Cristo Paixão do mundo. 1977, p. 105. 147
Seguimos nesta reflexão a linha de pensamento de MOLTMANN, J. O Deus crucificado. Santo André,
Academia Cristã, 2011, p. 370-378.
66
forma, a cruz de Jesus está ligada ao processo de libertação que os seres humanos buscam na
história. Portanto, esta libertação se relaciona com todas as dimensões da vida.
A libertação na dimensão da economia: Isto é para a satisfação das necessidades
básicas do ser humano. Tal perspectiva nos indica a necessidade de se optar por um modelo
de sociedade onde estas necessidades sejam colocadas em primeiro lugar.
Sobre isto afirma Hinkelammert:
Uma sociedade diferente não pode ser senão uma sociedade orientada à satisfação
das necessidades básicas de todos. A satisfação das necessidades torna a vida
possível. A satisfação dos desejos a torna mais agradável. Mas para ser agradável,
ela tem antes de ser possível. 148
A crise de sentido desestabiliza tanto as populações de miséria como as populações
abastadas. Necessário é reelaborar a questão da utopia. Sobretudo a utopia a partir dos pobres
e excluídos. Ou seja, a partir da certeza de que Deus, em Jesus Cristo, não abandona seus
filhos e filhas e que a própria natureza espera sua libertação (Rm8, 22-23), podemos assim
dizer que:
A pobreza - miséria: diante desta Deus não morreu, Ele se faz pão. Neste sentido
podemos afirmar a função biológica da fé na defesa da vida.
A violência – Nesta perspectiva Deus é experimentado como libertação devolvendo ao
homem-mulher-pobres-excluído, ou seja, os crucificados da história; sua dignidade e
conferindo-lhe responsabilidade. Mesmo na miséria o pobre não perde sua dignidade.
A alienação – Deus é sentido na experiência da identidade e do reconhecimento mútuo.
148
HINKELAMMERT, Franz J. Critica da razão utópica. São Paulo: Paulinas, 1986, p. 217.
67
A destruição – Deus é experimentado na alegria de existir e na paz entre o homem e a
natureza.
Absurdo e esquecimento – Deus vem ao encontro do homem-mulher-pobre- excluído
sob a figura do crucificado que lhe comunica a “coragem de ser.” Estes caminhos de
libertação dos povos crucificados nos revelam o processo trinitário acontecendo na história
através da circularidade trinitária (pericorese) que está associada à presença real de Deus
como Pai-Mãe da vida. Deus Pai-Mãe como Origem, Amor Fontal e grande Ecônomo da
criação e da História, a fraternidade de Jesus Cristo como participação sofredora e ativa deste
Deus. Seu ser Filho de Deus é apresentado como caminho de igualdade e fraternidade entre os
seres humanos. E, por fim com o Espírito Santo como força que geme e liberta, suscitando a
liberdade e a interioridade. Assim, a realização plena, a consumação de Deus, que é
Comunhão de Pessoas, se efetiva no Reino do Deus Trindade, libertando todas as coisas e
enchendo-as de sentido (cf. Rm 8,1-30; 1Cor 15, 24-28).
Não podemos negar que a reflexão sobre o contexto latino-americano nos leva a
perceber não só os inúmeros desafios presentes na sociedade, mas também uma práxis
libertadora. Tal atitude nos leva a refletir em inúmeras propostas em superação das
dificuldades enfrentadas pelo povo latino-americano. A cruz de Cristo como sinal do
sofrimento e de limitação humana se torna também sinal de esperança em suportar as
dificuldades presentes na sociedade. Com efeito, no capítulo seguinte vamos expor o
empenho da Igreja em acentuar a esperança deste povo sofrido, muitas vezes angustiado e
abandonado pelo sistema opressor. Se da cruz toda a humanidade foi redimida, salva pela
pessoa de Cristo, ela se torna também esperança para quem não tem esperança.
68
3 - A IGREJA: SACRAMENTO DE CRISTO E SOLIDÁRIA AOS POVOS
CRUCIFICADOS
A Igreja Latino Americana, solidária àqueles que são os crucificados de hoje, “deve
exprimir seu testemunho e seu serviço neste continente, que enfrenta problemas angustiosos
como os de integração, desenvolvimento, profundas modificações e miséria.” 149
A Constituição Dogmática Conciliar do Vaticano II Lumen Gentium, n. 284 exorta que:
“A Igreja é em Cristo como que o sacramento ou o sinal e instrumento da união com Deus e
da unidade de todo o gênero humano.” Com efeito, a Igreja na América Latina e no Caribe é
enviada pelo Senhor a dar testemunho de Cristo, anunciando seu Evangelho – A cruz de
Cristo – e oferecer seu serviço de caridade principalmente aos mais pobres. “No esforço por
promover sua dignidade, do acesso e também no empenho de promoção humana nos campos
da saúde, da economia solidária, da educação, do trabalho, do acesso a terra, da cultura, da
habitação e assistência.” 150
A Igreja seguindo o seu mestre e Senhor: prega a cruz, abraça a
cruz e anuncia a cruz, pois a cruz é um “símbolo que conduz, para fora da Igreja e do anelo
religioso para dentro da comunhão com os oprimidos, perdidos, excluídos e crucificados da
história.” 151
Pois a verdadeira espiritualidade cristã não é vivida distante do mundo, mas
mergulhada nele, em seus conflitos e situações. O cristão atraído pelo Cristo crucificado, e
assumindo a sua cruz ele não foge do mundo para refugiar-se no abrigo da espiritualidade. Ao
contrário, é ela mesma quem o atira para o mundo, lá onde ela vai viver sua fé e a missão de
anunciar e fazer crescer o Reino que Jesus inaugurou. O Papa Bento, na homilia da missa de
abertura da V Conferência Geral do Episcopado da América Latina, disse que:
149
DOCUMENTO DE MEDELLÍN. Bispos da América Latina. São Paulo: Paulinas, 1977, p. 131. As próximas
citações vamos colocar a sigla MEDELLÍN. 150
DAp, n. 98 151
MOLTMANN. 2011, P. 62.
69
[...] como Cristo ‘atrai todos a si’ com a força do seu amor, que
culminou no sacrifício da Cruz, assim a Igreja cumpre sua missão à medida que,
associada a Cristo, cumpre a sua obra, conformando-se em espírito e concretamente
com a caridade do seu Senhor.152
3.1 - A Igreja na América Latina nos convida a contemplar os pobres e crucificados pela
cruz de Cristo
PAULO VI já afirmara que “A América Latina apresenta uma sociedade em
movimento, sujeita a transformações rápidas e profundas”.153
Desta forma, o Episcopado
Latino-Americano “não pode ficar indiferente ante as tremendas injustiças sociais existentes
na América Latina, que mantêm a maioria de nossos povos numa dolorosa pobreza, que em
muitos casos chega a ser miséria desumana.”154
A Igreja comunidade solidária aos povos crucificados:
Unida à de outras instituições nacionais e mundiais, tem ajudado a dar orientações
prudentes e a promover a justiça, os direitos humanos e a reconciliação dos povos.
Isso tem permitido que a Igreja seja reconhecida socialmente em muitas ocasiões
como instância de confiança e credibilidade. Seu empenho a favor dos pobres e sua
luta pela dignidade de cada ser humano têm ocasionado, em muitos casos, a
perseguição e inclusive a morte de alguns de seus membros, os quais consideraram
testemunhas da fé. Queremos recordar o testemunho valente de nossos santos e
santos, e aqueles que, inclusive sem terem sido canonizados, viveram com
radicalidade o Evangelho e ofereceram sua vida por Cristo, pela Igreja e por seu
povo. 155
152
BENTO XVI. Palavras do Papa Bento XVI no Brasil. São Paulo: Paulinas, 2007, p. 89 et seq. 153
MEDELLÍN, p. 131. Exortação de Paulo VI ao CELAM, 24 de novembro de 1965, IV 8 154
Ibid., p.143. 155
MEDELLIN, p.145.
70
Em Medellin, os Bispos assumiram o compromisso de que todos os membros da Igreja
são chamados a viver a pobreza evangélica156
:
Uma Igreja que denuncia a carência injusta dos bens deste mundo e o pecado que
engendra; Uma Igreja que prega e vive a pobreza espiritual como atitude de infância
espiritual e abertura para o Senhor.
Uma Igreja que se compromete ela mesma com a pobreza material. A pobreza da
Igreja é, com efeito, uma constante na história da salvação. 157
“A Igreja é em Cristo como que o sacramento ou o sinal e instrumento da união com
Deus e da unidade de todo o gênero humano.” 158
Ora a Igreja é este sacramento através da
ação de cristãos evangelicamente comprometidos, a Igreja pode completar sua missão de
sacramento de salvação tornando-se instrumento do “Senhor, que dinamize eficazmente em
direção a Ele a história dos homens e dos povos.” 159
Jesus não é o anunciador de uma mística separada de toda referência com o mundo ou
um ascetismo desencarnado. No ensinamento e na ação de Jesus há, pelo contrário, a unidade
entre dimensão transcendente e dimensão imanente da salvação. Também a sua morte de cruz
não pode de modo algum ser considerada como religiosidade destacada do mundo, que separa
a criação da redenção. Ao contrário, Jesus morreu na cruz para demonstrar o amor libertador
de Deus que transforma o mundo. A morte de Jesus na cruz conferiu ao mundo e à história a
156
Em Medellin, exortaram os Bispos do CELAM: “O exemplo e o ensinamento de Jesus, a situação angustiosa
de milhões de pobres na América Latina, as iniciativas exortações do Papa e do Concílio. Põem a Igreja latino-
americana ante um desafio e uma missão a que não pode fugir e à qual deve responder com a diligência e
audácia adequadas à urgência dos tempos. Cristo, nosso Salvador, não só amou aos pobres, mas também, ‘sendo
rico se fez pobre’, viveu na pobreza, centralizando sua missão no anúncio da libertação aos pobres e fundou sua
Igreja como sinal dessa pobreza entre os homens.” [...] “A Igreja na América Latina, dadas as condições de
pobreza e subdesenvolvimento do continente, sente a urgência de traduzir esse espírito de pobreza em gestos,
atitudes e normas, que tornem um sinal mais lúcido e autêntico do senhor. A pobreza de tantos irmãos clama por
justiça, solidariedade, testemunho, compromisso, esforço e superação para o cumprimento pleno da missão
salvífica confiada por Cristo. A situação atual exige, pois dos bispos, sacerdotes, religiosos e leigos o espírito de
pobreza que ‘rompendo as amarras da posse egoísta dos bens temporais, estimula o cristianismo a dispor
organicamente da economia e do poder em beneficio da comunidade’ (Paulo VI, 23/07/ 68). ‘A pobreza da Igreja
e de seus membros na América Latina deve ser sinal e compromisso. Sinal do valor inestimável do pobre aos
olhos de Deus; compromisso de solidariedade com os que sofrem. p. 145-146 157
MEDELLÍN, p. 145. 158
LG, 284. 159
MEDELLÍN, p. 146.
71
característica de um campo no qual vai se impondo a Nova Criação, desde aqui e agora.
Assim a salvação, a libertação, com respeito à sua realização histórica, não se inicia no
momento da nossa morte individual ou no fim da história da humanidade no seu conjunto,
quando o bom Samaritano voltará: “este é o momento da consumação dela, na contemplação
de Deus, na eterna comunhão com ele: inicia agora e aqui, à beira da estrada.” 160
Jesus Cristo
morreu na cruz, a fim de que o homem experimente Deus como salvação e vida, em todos os
âmbitos da existência. Portanto, se a Igreja, junto com todo o gênero humano e na história,
está a serviço deste desígnio, então “ela pode ser Igreja, apenas se for Igreja para os
outros.”161
Exprime assim a Gaudium et spes; “a alegria e a esperança, a tristeza e a angústia dos
homens do tempo atual, sobretudo dos pobres e de todos os aflitos, são também a alegria e a
esperança, a tristeza e a angústia dos discípulos de Cristo” ou “não é verdadeiramente
discípulo de Jesus;” 162
ou ainda: “ou a Igreja, nesta perspectiva, se apresenta não como uma
comunidade religiosa separada do mundo e auto suficiente, mas como sacramento universal
de salvação,” 163
ou a “Igreja, em sua natureza e missão, não é plenamente Igreja.” 164
A Igreja
é “verdadeiramente tal se for fiel à sua missão libertadora para a salvação integral do mundo,
a qual tem a sua origem na mensagem de liberdade e de libertação de Jesus e no próprio agir
de Jesus.” 165
A Igreja na América Latina é Igreja dos pobres e crucificados na medida em que ela
segue os passos do seu mestre e Senhor, numa época na qual a hostilidade e avidez se
tornaram superpotências, numa época em que, como nunca, temos necessidade do Deus vivo
que nos amou até a morte de cruz, o Bom Samaritano que, no seu amor desmedido, na
160
MÜLLER, G. L. Pobre para os pobres a missão da Igreja. São Paulo: Paulinas, 2014, p. 15 161
Ibid., p.16 162
Ibid. 163
Cf. Constituição Dogmática Lumen Gentium e Catecismo da Igreja Católica, n. 721. 164
MÜLLER, G. L. Pobre para os Pobres. 2014, p. 17. 165
Ibid., p. 17.
72
carnalidade da existência concreta, se inclina sobre os crucificados: os sofredores, os
oprimidos e os necessitados de salvação; numa época, enfim, na qual temos necessidade de
uma Igreja que: “seja capaz de redescobrir as entranhas maternas da misericórdia. Sem a
misericórdia pouca possibilidade tem hoje de inserir-nos em um mundo de ‘feridos’, que têm
necessidade de compreensão, de perdão, de amor.” 166
A opção preferencial pelos pobres sempre foi assumido pelo Episcopado Latino
Americano em todos os documentos conclusivos das conferências Gerais. No entanto, esse
argumento, de grande inspiração evangélica, surge, como sabemos, em Puebla (n. 31-39). A
sua recepção nas comunidades cristãs do continente e em muitas das suas celebrações
litúrgicas foi enorme. Santo Domingo o retomou, ampliando a lista daqueles rostos e pedindo
que fosse depois enriquecida.
O Documento de Aparecida deu este passo ao retomar essa idéia da tradição eclesial
latino-americana das últimas décadas, aliás, o passo foi bem maior, pois em Aparecida há
duas listas dos pobres e crucificados nos quais devemos “reconhecer o rosto de Cristo.” 167
Sustenta-se com precisão e firmeza que o desafio que provém desses rostos sofredores penetra
as coisas em profundidade: “Eles desafiam o núcleo do trabalho da Igreja, da pastoral e de
nossas atitudes cristãs (DAp, n. 393). A razão é clara e exigente, pois “tudo o que tenha
relação com Cristo tem relação com os pobres, e tudo o que está relacionado com os pobres
clama por Jesus Cristo: ‘Tudo quanto vocês fizeram a um destes meus irmãos mais
pequeninos, a mim o fizestes’(Mt 25,40).” 168
Há, portanto, uma estreita relação entre Cristo e
o pobre e o texto crucial é o de Mateus 25, extremamente presente na história da
166
FRANCISCO. Pronunciamentos do Papa Francisco no Brasil. São Paulo: Paulo; Loyola, 2013, p.54. 167
Cf. DAp. n. 65, 402 e 407-430. Aí se fala, entre outros, de migrantes, deslocados, vítimas de HIV/ AIDS,
meninas e meninos vítimas de prostituição infantil, dos excluídos por causa do analfabetismo tecnológico, dos
drogados, dos doentes de tuberculose, dos presos em condições desumanas. São mencionadas também, ainda
uma vez, as mulheres indígenas, afro-americanas, que Aparecida considera com maior atenção do que as
conferências precedentes. 168
DAp, n.393.
73
evangelização e na solidariedade com os pobres deste continente, é o fundamento dessa
perspectiva.
Referente à citação de Mateus, o próprio Papa João Paulo II destacou que este texto
bíblico “ilumina o mistério de Cristo.” 169
“Porque em Cristo o grande se fez pequeno, o forte
se fez fraco, o rico se fez pobre” (DAp, n.393). De fato, o texto de Mateus não se limita a uma
pura questão de comportamento por parte do cristão, a um fato de ética de inspiração
evangélica; mas nos indica um caminho a seguir para compreender o Emanuel, o Deus
Conosco, o Deus presente na história humana. “Se não chegarmos até este ponto, não
podemos compreender a sua profundidade e alcance. Os contrastes que a frase citada
apresenta são particularmente significativos e evocativos.” 170
A cruz de Jesus nos convida a contemplar os crucificados de nosso continente, pois:
“No rosto de Jesus Cristo, morto e ressuscitado, maltratado por nossos pecados e glorificado
pelo Pai, nesse rosto doente e glorioso,” 171
com o “olhar da fé podemos ver o rosto humilhado
de tantos homens e mulheres de nossos povos e, ao mesmo tempo, sua vocação à liberdade
dos filhos de Deus, á plena realização de sua dignidade pessoal e à fraternidade entre todos. A
Igreja está a serviço de todos os seres humanos, filhos e filhas de Deus.” 172
O Santo Padre o Papa Bento XVI em seu discurso inaugural de Aparecida insiste no
Deus de rosto humano e, conseqüentemente, na sua presença na história: “Deus é a realidade
fundante, não um Deus só pensado ou hipotético, mas o Deus de rosto humano; é o Deus-
conosco, o Deus do amor até a cruz.” 173
O tema mateano do Emanuel – de origem vetero
testamentária – penetra as suas palavras e oferece um sólido apoio para falar dos
169
JOÃO PAULO II. Novo Millennio Ineunte. São Paulo: Paulus ; Loyola, 2001, n. 49. 170
MÜLLER, G. L. Pobre para os pobres a missão da Igreja. São Paulo: Paulinas. 2014, p. 112. 171
JOÃO PAULO II. Novo millennio Ineunte. São Paulo: Paulo; Loyola, 2001, n.25 e 28. 172
DAp, n.32. 173
Ibid., n.3.
74
compromissos que os cristãos e a Igreja no seu conjunto devem assumir diante da situação da
América Latina e do Caribe.
O Santo Padre o Papa Bento XVI, no início de seu discurso, com uma linguagem que
no passado, alguns olhariam com desconfiança, ele afirma que: “O Verbo de Deus, fazendo-se
carne em Jesus Cristo, tornou-se também história e cultura.” 174
Ou seja, fazendo-se homem,
entra na história humana e se coloca numa cultura. Trata-se de dimensões necessárias e
carregadas de conseqüências para uma compreensão apropriada da mensagem cristã: “uma
mensagem que se realiza na história e que, ao mesmo tempo a transcende.” 175
Ser Igreja Missionária e Samaritana é a vocação da Igreja na América Latina, para os
pobres e crucificados. Isto é ao mesmo tempo um convite para professarmos a nossa fé, pois a
fé cristã nos faz sair do individualismo e cria uma comunhão com Deus e, por conseguinte,
entre nós: “A fé nos liberta do isolamento do eu, porque nos leva à comunhão: o encontro
com Deus é, em si mesmo e como tal, encontro com os irmãos, um ato de convocação, de
unificação, de responsabilidade para com o outro e para com os demais.” 176
A opção pelos pobres é uma caminhada para a comunhão e encontra nela o seu
significado mais profundo e exigente. Continua Bento XVI: “Nesse sentido, a opção
preferencial pelos pobres está implícita na fé cristológica naquele Deus que se fez pobre por
nós, para enriquecer-nos com sua pobreza (2Cor 8,9).” 177
é a fé num Deus que se fez um
conosco e que se manifesta no testemunho do amor prioritário de Jesus Cristo pelos pobres e
crucificados.
Sobre isto diz o Cardeal Müller:
É nesse modelo de encarnação que o texto aparece citado em Aparecida: “Nossa fé
proclama que – afirma baseando-se numa frase da exortação Eclesia in America (n.
174
Ibid., n.1, p. 269. 175
MÜLLER, G. L. Pobre para os pobres. A missão da Igreja. São Paulo: Paulinas, 2014, p. 108. 176
DAp., disc. N. 3, p. 273. 177
Ibidem.
75
67). ‘Jesus Cristo é o rosto humano de Deus e o rosto divino do homem’. Continua
depois com a citação do discurso do Papa: “Por isso, a opção preferencial pelos
pobres está implícita na fé cristológica naquele Deus que se fez pobre por nós, para
nos enriquecer com sua pobreza” (discurso, n.3). O “por isso”, que equivale ao
“neste sentido” do discurso do Papa, bem como a menção do rosto, humano e
divino, de Cristo, reafirmam do mesmo modo o fundamento desta opção: a fé em
Cristo. Esta é a raiz de tudo. 178
Essa opção nasce de nossa fé em Jesus Cristo, “o Deus feito homem, que se fez nosso
irmão (Hb2, 11-12).” 179
A fraternidade entre o Cristo crucificado e os povos crucificados, a
comunhão da qual falava o discurso inaugural, é acentuada em Aparecida com referência à
carta aos Hebreus. O mesmo documento dois números depois retoma a idéia da opção
preferencial pelos pobres, como implícita na fé cristológica e como nascida dela: “De nossa fé
em Cristo nasce também à solidariedade como atitude permanente de encontro, irmandade e
serviço” (DAp, n. 394). Esses termos diferentes sublinham a relação entre Cristo e a opção
pelos pobres e crucificados.
Assim, tal ligação é recordada também na reflexão teológica que acompanhou essas
considerações e que encontramos nas três conferências latino-americanas precedentes. Nelas
aparece claramente o fundamento cristológico da “opção pelos pobres,” 180
ou seja, os
crucificados. Além disso, todas fazem referência ao mesmo texto de 2Cor 8, 9, ao qual
aludem tanto Bento XVI quanto Aparecida. Sem dúvida, porém, a formulação que
encontramos nos seus textos confere precisão, atualidade e grande vigor a uma perspectiva
que pôs um selo indelével sobre a vida da Igreja no continente e também além dele. Desse
modo, a “opção pelos pobres e crucificados se estrutura como pilar do Documento de
178
MÜLLER, G. L. Pobre para os Pobres. São Paulo: Paulinas, 2014, p. 110. 179
DAp., n. 392. O documento acrescenta uma frase a este texto: “Opção, no entanto, não exclusiva, nem
excludente”, para enfatizar o sentido que a palavra “preferencial” encerra. 180
Cf. Medellín. Pobres, n. 4c e 7, Puebla, n. 1.145 e n1.145 e 1.147 e Santo Domingo, n. 178 e 164.
76
Aparecida, e é verdadeiramente exata porque se trata de um pilar de vida e de reflexão para o
discípulo de Jesus.” 181
3.2 - A Igreja na América Latina é Igreja Samaritana: comprometida com a cruz dos
pobres e marginalizados
No primeiro capitulo desta dissertação já mencionamos o discurso de convocação para o
Concílio proferido pelo Papa João XXIII, o Discurso do Cardeal Lercaro e o discurso do Papa
Paulo VI e as luzes que os documentos do próprio Concílio Vaticano II, e as luzes que estes
trouxeram para a teologia da cruz na América Latina e Caribe, particularmente a partir da II
Conferência Geral realizada em Medellín (Colômbia), em 1968, ou seja, apenas três anos
depois do Concílio, cujo tema foi: “A Igreja na transformação atual da América Latina à luz
do Concílio”. Essa conferência foi a primeira e, em certos aspectos, a única recepção
continental da mensagem conciliar, que impregnou as suas conclusões com evidentes
repercussões em vários setores da Igreja universal, em particular nos países pobres. Essa
recepção foi, em geral, um exemplo de fidelidade e criatividade.
181 É interessante observar, a propósito disso, que um primeiro esboço da mensagem apresentava numa só frase a
opção preferencial pelos pobres e pelos jovens. No entanto, houve uma intervenção que recordou o caráter
bíblico e global, em virtude da sua raiz evangélica, da opção pelos pobres e da condição de linha pastoral da
opção pelos jovens; por isso decidiu separar estas duas afirmações e o texto foi redigido como segue: “Manter
como renovado esforço a nossa opção preferencial e evangélica, da opção pelos pobres” e, em seguida,
“Acompanhar os jovens na sua formação e busca de identidade, vocação e missão, renovando a nossa opção por
eles”. Esse acompanhamento é um aspecto pastoral, certamente importante, do qual o documento final fala no
contexto da pastoral juvenil (cf. DAp, n. 446a).
77
Os Papas João XXIII e Paulo VI, o Vaticano II e Medellín abriram, portanto, um
caminho que muitos cristãos, e a Igreja no seu conjunto, percorreram nestes anos, não sem
dificuldades e incompreensões, oferecendo um testemunho que, em muitos casos, foi
caracterizado pelo sangue do martírio daqueles que se comprometeram com os pobres, os
marginalizados, ou seja, os crucificados da nossa sociedade. Neste sentido assim se expressou
Müller: “Esta é uma confirmação dolorosa do fato de que essas perspectivas pastorais e
teológicas não eram questões abstratas.” 182
Por sua vez, o Documento de Aparecida afirmou: “Iluminados pelo Cristo, o
sofrimento, a injustiça e a cruz nos desafiam a viver como Igreja samaritana (cf. Lc 10, 25-
37), recordando que ‘a evangelização vai unida sempre à promoção humana e à autêntica
libertação cristã’.” 183
A menção da “história do samaritano” 184
é reveladora porque indica
como viver o seguimento de Jesus. O gesto do samaritano deve inspirar a prática da caridade
nos discípulos de Jesus. Pois nele se mostra a supremacia do outro e a necessidade de
abandonar o seu caminho para ir ao encontro dele; esta é uma das linhas de força da
mensagem de Jesus. Embora esta seja a atitude a ter em relação a toda pessoa, ele se torna
ainda mais exigente no caso daqueles que vivem numa situação de crucificados:
marginalização social. Trata-se de um texto estritamente ligado àquilo que o sentido da cena
do juízo final contada por Mateus 25, nos indica. É esta a mesma ligação que Paulo VI faz no
seu discurso.
A parábola é contada depois de um diálogo sobre o amor a Deus e o amor ao próximo
que leva o doutor da lei a perguntar a Jesus: “Quem é o meu próximo?”. A resposta que ele
182
MÜLLER, G. L. Pobre para os pobres. São Paulo: Paulinas, 2014, p. 132. 183
DAp, n.26. 184
Coloca-se em discussão a condição de parábola desse trecho porque, para ser exato, não é uma comparação e
porque não parece fazer alusão ao Reino de Deus. Realmente, é muito singular. Apesar disso, embora o Reino
não seja mencionado explicitamente, o testemunho do samaritano com o seu serviço ao próximo, ao pobre e ao
marginalizado, denuncia a sua presença na cotidianidade da história humana. Portanto, pode ser considerado
como um “relato exemplar”, um gênero que se encontra também em outros lugares do evangelho de Lucas. Cf.
GUTIÉRRES, G. A espiritualidade do acontecimento conciliar. In: MÜLLER, G. L. Pobre para os pobres. São
Paulo: Paulinas, 2014, p. 132.
78
recebe não é uma definição conceitual, mas um relato de motivações, o relato de uma pessoa
ferida por mão humana e de três personagens dos quais apenas um se aproxima para ajudá-lo.
No final, Jesus apenas volta a fazer a pergunta inicial, com um movimento que oferece a
chave para entender o significado da parábola: “Quem destes três se tornou o próximo
daquele que caiu nas mãos dos assaltantes?”. O doutor da lei respondeu que foi o samaritano,
ou seja, aquele que se aproximou e ajudou o homem necessitado e maltratado fazendo-se
assim o seu próximo, próximo do outro.
Somos convidados a tomar consciência do fato que o próximo não é aquele que está
perto de nós, mas é aquele de quem nos aproximamos. Fazer com que o próximo seja o outro
quer dizer aproximar-se do ferido, coisa que os dois primeiros viajantes não fizeram, mas
apenas o samaritano, porque só ele foi afetado pela situação e “abandonou o seu caminho para
cuidar do ferido.” 185
A cruz de Jesus nos chama a abandonar o universo focalizado no eu
egocêntrico, no verdadeiro sentido do termo, e deste modo entrar no mundo do outro, no tu.
Isso vale não só para as pessoas individualmente, mas, sobretudo para a comunidade cristã.
Como nos exortou o Papa Francisco, é preciso pôr “a Igreja em movimento de saída de si
mesma, de missão centrada em Jesus Cristo, de entrega aos pobres” (EG, n. 97).
Desta forma, a parábola do bom samaritano nos convida a mudar de orientação e
assumir tudo o que implica levar uma vida verdadeiramente humana e de fé, ou seja, é preciso
ir além do compatriota, daquele que é próximo de nós por razões étnicas, culturais ou
religiosas, para tirar da cruz os crucificados: cuidar dos necessitados, qualquer que seja a sua
condição social ou religiosa, não estando ninguém excluído. Trata-se de uma universalidade
que interroga que vai além dos compartimentos estanques, mas que, ao mesmo tempo, indica
a prioridade daqueles que sofrem o peso da cruz: marginalizações e injustiças.
185
É conhecida a atitude de Lucas para com os samaritanos; ver, por exemplo, o relato do “bom samaritano” que
agradece a Jesus pela cura recebida em Lucas 17, 18. Cf. GUTIÉRRES, G. A espiritualidade do acontecimento
conciliar. In: MÜLLER, G. L. Pobre para os pobres. São Paulo: Paulinas, 2014, p. 133.
79
O próximo não é simplesmente a pessoa que encontramos nas nossas paragens ou no
nosso caminho, mas é aquele com quem nos encontramos à medida que abandonamos o nosso
caminho e entramos no caminho do outro, no seu mundo. Trata-se de tornar próximo aquele
que está longe, aquele que não se encontra no nosso âmbito geográfico, social ou cultural.
Para sermos exatos, podemos dizer que não temos próximos, nós fazemos mediante
iniciativas gestos e compromissos que nos tornam próximos daqueles de quem estamos longe.
A parábola do samaritano põe em evidência a supremacia do outro no comportamento
daquele que segue Jesus: ser discípulo quer dizer agir e amar como ele. “Amai-vos uns aos
outros como eu vos amei”, disse o Senhor (Jo 15,12). Agir como o samaritano quer dizer
fazer-se próximo daquele que sofre e é marginalizado: os crucificados. O samaritano não só
teve compaixão, mas praticou a misericórdia, a última palavra de Jesus ao escriba – e, através
dele, a nós – é: “Vai e faze tu o mesmo” (Lc 10,37). É um envio em missão, que equivale a
dizer dá a vida, pratica a misericórdia, ou seja, coloca o teu coração, através de gestos
concretos, no cuidado do miserável, do indefeso, do crucificado. Isto vale para todos os
discípulos do Senhor, ou seja, para toda a Igreja.
O Concílio Vaticano II nos convida a tornar nossa a antiga história do samaritano, como
bem afirmou o Papa Paulo VI. Isto é, caminhar segundo o Espírito (Rm 8,4). Foi este o
testemunho de Oscar Romero e de muitos outros nestas últimas décadas, e é exatamente para
isto que o Papa Francisco nos convoca ao enfatizar o tema central da misericórdia. É
exatamente nessa mesma perspectiva que se coloca a Conferência de Aparecida quando fala
de uma Igreja samaritana.
Os Bispos da América Latina e do Caribe em Aparecida, em 2007, adotaram uma
posição clara, pois insistiram na compreensão cristológica da “opção preferencial pelos
80
pobres” 186
que são os crucificados da história, fazendo do samaritano uma figura emblemática
para exprimir a tarefa de evangelização e de humanização da Igreja. Pois, “iluminados pelo
Cristo, o sofrimento, a injustiça e a cruz nos desafiam a viver como Igreja samaritana (cf. Lc
10,25-37)” 187
; ou noutras palavras, a serviço dos últimos e dos esquecidos, noutras palavras
os crucificados da história. Portanto, “Recordando que a evangelização vai unida à promoção
humana e à autêntica libertação cristã.” 188
Dar testemunho da cruz de Cristo significa compartilhar a alegria da presença do “amor
de Deus nas nossas vidas.” 189
Esta é a Boa-nova do amor gratuito de Deus, que pede que nos
empenhemos na promoção da justiça, na libertação de todo tipo de opressão e na comunhão
com o Deus da vida. Trata-se do amor a Deus e ao próximo (Mt 22,37), que constituem uma
só realidade. O amor gratuito não é algo arbitrário, mas no sentido de não motivado pelos
méritos éticos e humanos em geral, mas, antes de tudo, pela sua simples existência e
necessidade, como no caso dos crucificados da história, como o ferido da parábola do
samaritano. É nesse contexto que se coloca a afirmação de João: “Deus nos amou primeiro”
(1Jo 4, 19); é Ele quem toma a iniciativa.
A Conferência de Aparecida em sintonia com Paulo VI, afirma que responder a Jesus
que nos chama a seguir os seus passos “exige entrar na dinâmica do Bom Samaritano (Lc 10,
29-37), que nos dá o imperativo de nos fazer próximos, especialmente com quem sofre, e gera
uma sociedade sem excluídos, seguindo a prática de Jesus” (DAp, n. 135).” 190
Tornar-se
próximo significa tomar a iniciativa de nos aproximarmos do, como vimos na parábola, ou
186
DAp, n. 392, que assume e comenta o que Bento XVI disse na assembléia. 187
Ibid., n.26. 188
Ibid., n.26. 189
“saber que o Senhor nos ama, acolher o dom gratuito de seu amor é a fonte profunda da alegria daquele que
vive da Palavra. Comunicar essa alegria é evangelizar. É comunicar a Boa-nova do Amor de Deus que mudou
nossa vida.” GUTIÉRREZ, G. Práxis de liberación y fe cristiana. In: R. GIBELLINI, R. [Ed.]. La nueva frontera
de la teologia em América Latina. Salamanca: Sígueme, 1977, p. 13-40. 190
Segue o texto: “come com publicanos e pecadores (cf. Lc5, 29-32), que acolhe os pequenos e as crianças (Mc
10, 13-16), que cura os leprosos (Mc 1, 40-45), que perdoa e liberta a mulher pecadora (Lc 7, 36-49; Jo 8,1-11),
que fala com a samaritana (Jo 4, 1-26).”
81
seja, “ir como bons samaritanos, ao encontro das necessidades dos pobres que sofrem e criar
as estruturas justas que são uma condição sem a qual não é possível uma ordem justa na
sociedade”,191
a fim de que o nosso continente seja “a nossa casa comum” (DAp, n.537).
Noutro ponto, com respeito à tarefa de evangelização e à opção preferencial pelos pobres, isto
é os crucificados da história, Aparecida fala “do amor apaixonado por Cristo [...] ardente e
infatigável em sua caridade samaritana” (DAp, n. 491). Esta caridade samaritana é a alma da
espiritualidade que o Concílio Vaticano II propõe, um amor que deve conferir força e
profundidade à realização da justiça e ao respeito pela dignidade humana de cada pessoa.
A expressão “Igreja Samaritana” não é apenas evocativa, mas enfatiza, também, os
percursos a seguir para anunciar a presença inicial do Reino de Deus na história. A partir de
Medellín, e inspirados pelo Vaticano II, muitos em nosso continente Latino Americano
adotaram essa atitude. Compreendeu-se que pregar a cruz de Cristo como boa nova de
salvação, destinada a toda pessoa, leva à solidariedade prioritária com os crucificados da
história: os pobres, os oprimidos e a rejeitar a situação de injustiça na qual eles vivem, dado
que é contrário ao desígnio do Deus amor. Esse processo desemboca na prática do povo de
Deus que, recolhida nas conclusões da Conferência de Aparecida, adquire um novo impulso e
se abre a novas perspectivas.
A supremacia do outro – e ninguém representa mais claramente esta condição do
crucificado que é o pobre e o marginalizado – é um elemento crucial da palavra libertadora do
Evangelho da cruz. Já nos recordou isso o Papa Francisco:
Com a Cruz Jesus se une a todas as pessoas que sofrem fome, num
mundo que, por outro lado, se permite o luxo de jogar a cada dia
toneladas de alimentos. Com a Cruz, Jesus está junto a tantas mães e
pais que sofrem ao ver seus filhos vítimas de paraísos artificiais, como
a droga. Com a Cruz, Jesus se une a quem é perseguido por sua
191
DAp. Bento XVI. Discurso Inaugural de Aparecida, n. 4, p. 238.
82
religião, por suas idéias, ou simplesmente pela cor de sua pele; na
Cruz, Jesus está junto a tantos jovens que perderam sua confiança nas
instituições políticas porque vêem o egoísmo e a corrupção, ou que
perderam sua fé na Igreja, e inclusive em Deus, pela incoerência dos
cristãos e dos ministros do Evangelho. Quanto faz nossas
incoerências! Na Cruz de Cristo está o sofrimento, o pecado do
homem, também o nosso, e Ele acolhe tudo com os braços abertos,
carrega sobre suas costas nossas cruzes e nos diz: coragem! Você não
está sozinho. Eu a levo com você e eu venci a morte e vim dar-lhe
vida (cf. Jo 3,16). 192
A opção solidária pelos crucificados: o esquecido, o maltratado implica colocar-se no
seu caminho, na sua direção, torná-lo nosso hóspede, vê-lo não apenas como necessitado e
vítima, mas também como semelhante, por mais diferente que possa ser. No pleno respeito
pelo seu direito de ser gente da sua história, fazendo nossas as suas reivindicações pela justiça
e as suas aspirações a uma vida mais humana, sigamos o que nos exorta o apóstolo Paulo:
“Acolhei-vos uns aos outros, como Cristo vos acolheu para a glória de Deus” (Rm 15,7). De
fato, o fundamento último e a referência decisiva para a conduta do cristão é o “seguimento de
Jesus.” 193
A partir da cruz de Cristo somos enviados como discípulos e missionários há seguir os
passos do mestre Jesus e partindo do mundo da pobreza, indo aproximar-se do outro sem
longos rodeios para evitar encontrar-se frente a frente com a injustiça e o sofrimento que os
pobres sofrem, podemos compreender as diferentes dimensões da opção preferencial pelos
192
FRANCISCO. Discurso do Papa Francisco no Brasil. Via-sacra com os jovens no Rio de Janeiro. São
Paulo: Paulo e Loyola. 2013, p.34
193 Este conceito foi explicado por B. Häring no seu livro: “A lei de Cristo.” São Paulo: Herder, 1960. Tomo I, II
e III, que, reatando com as perspectivas bíblicas, renovou a teologia moral há algumas décadas.
83
pobres: espiritual, teológica e evangelizadora. Vivê-las, na sua complexidade e interação,
pressupõe aquilo que o Evangelho da cruz chama de conversão, metanóia (At 2, 38).
Nos escritos do Novo Testamento, isso significa abandonar um caminho para enveredar
por outro. Nesse caso, é a via o caminho – e o mundo – do pobre, com toda a sua
complexidade e sua exigência de fidelidade à palavra de Jesus. Este é o ponto de partida e a
condição indispensável para aceitar o Reino de Deus e caminhar nos passos de Jesus, o Cristo,
que proclamou o Reino e chamou à conversão e a crer na Boa-Nova (Mc 1, 15). Por esta
razão é que a parábola do bom samaritano foi definida como “parábola de conversão.” 194
Portanto, o texto de Mateus torna ainda mais evidente e eloquente o gesto do samaritano
em relação aos crucificados: marginalizados, os pobres e necessitados da história (Mt 25,40).
Pois contemplando a cruz redentora de Jesus, e neste esforço por conhecer a mensagem de
Cristo a partir do evangelho da cruz e torná-la guia da própria vida, é preciso recordar que a
evangelização esteve sempre unida à promoção humana e à autêntica libertação cristã. “Amor
a Deus e amor ao próximo fundem-se num todo: no mais pequenino encontramos o próprio
Jesus, e em Jesus, encontramos Deus.” 195
194
DELORME, J. Au risque de la parole. Paris: Seuil, 1991, p. 231, n. 30. 195
BENTO XVI, Deus é amor. São Paulo: Paulo; Loyola, 2006, n.15.
84
3.3 - A Igreja na América Latina é portadora da esperança e da cruz redentora de
Cristo
Assim, como Cristo nos fez conhecer a salvação pela sua morte de cruz, a Igreja, como
sacramento de Cristo, tem o compromisso em anunciar a Boa-Nova levando a esperança para
quem não tem esperança: “Devemos apresentar Jesus de Nazaré compartilhando a vida, as
esperanças e as angústias do seu povo e mostrar que ele é o Cristo crido, proclamado e
celebrado pela Igreja”.196
Achegar-se a Deus é achegar-se aos oprimidos (Mt 25,46 et seq.),
pois “se Deus nos amou desta maneira, devemos também amar-nos uns aos outros” (1Jo 4,11)
e vice-versa.
A teologia da cruz é uma teologia da esperança, pois Deus não fica indiferente aos
crimes, não deixa a chaga ficar aberta até a manifestação de sua justiça no fim do mundo.
Com a encarnação do Verbo, Deus intervém e justifica em Jesus ressuscitado a todos os
empobrecidos e crucificados da história. Esperam-se pela dignidade, pela fraternidade,
virtudes estas que só percebemos pelas ações de Cristo: “Ele sabe muito bem o que hoje tanto
se cala na América Latina: que se deve libertar a dor pela dor, isto é, assumindo a cruz e
convertendo-a em fonte de vida pascal”.197
Na encarnação o Verbo se fez homem198
e sendo homem se fez solidário a toda a
humanidade, mesmo na dor e no sofrimento.199
E assim como Cristo, nos fez conhecer a
salvação pela sua morte na cruz. A Igreja, como sacramento de Cristo, tem o dever e o
compromisso de anunciar a esperança a todos os povos, sobretudos os povos crucificados. A
teologia da cruz é luz para os povos crucificados, é a teologia da esperança, pois esperam pela
dignidade, pela fraternidade e pela solidariedade. Pois, através da cruz e da morte de Jesus,
196
Ibid, n176; p.95. 197
Ibid, n228; p.117. 198
DENZINGER-HÜNERMANN,op. Cit., n.125-126, para Nicéia; e n.301-302, para Calcedônia. 199
MANZATTO, 2004. p. 207-225.
85
Deus elevou o mundo à categoria de realidade, na qual vai se impondo a nova criação. “Por
isso a cruz é a revelação da opção de Deus por aqueles que sofrem, pelos deserdados, pelos
torturados, pelos assassinados,” 200
ou seja, os crucificados da história. Na ressurreição de
Jesus dos mortos, Deus mostrou de modo original e exemplar aquilo que é propriamente a
vida, “mostrou como a liberdade pode se realizar num ser-para-os outros e numa luta para a
consecução de condições de vida dignas do homem.” 201
Em uma de suas obras mais conhecidas, diz Gutiérrez:
Se a reflexão teológica não levar a vitalizar a ação da comunidade cristã no mundo,
a tornar mais pleno e radical o compromisso da caridade; se, mais concretamente, na
América Latina, não levar a Igreja a se colocar claramente e sem restrições
mediatizantes do lado das classes oprimidas e dos povos dominados, essa reflexão
terá servido de pouco.
[...] É preciso cuidar-se para não cair numa auto-satisfação intelectual, num tipo de
triunfalismo feito de eruditas e avançadas “novas” visões do cristianismo. O único
realmente novo é acolher dia a dia o dom do Espírito que nos faz amar em nossas
opções concretas para construir uma verdadeira fraternidade humana, em nossas
iniciativas históricas por subverter uma ordem de injustiça, com plenitude com que
Cristo nos amou. Parafraseando o conhecido texto de Pascal, podemos dizer que
todas as teologias políticas, da esperança, da revolução, da libertação, não valem um
gesto autêntico de solidariedade com as classes sociais exploradas. Não valem um
ato de fé, de caridade e de esperança comprometido – de uma maneira ou de outra –
numa participação ativa por libertar o homem de tudo o que o desumaniza e o
impede de viver segundo a vontade do Pai. 202
200
MÜLLER, G. L. Pobre para os pobres a missão da Igreja. São Paulo: Paulinas, 2014, p. 43. 201
Ibidem, p.43. 202
GUTIÉRREZ, G. Teologia de la Liberazione. 5. ed. Brescia: Queriniana, 2012, p. 70.
.
86
Com base na afirmação de que a cruz de Jesus Cristo se torna luz e esperança para o
homem, podemos lançar uma questão fundamental. Diante de condições de vida que lesam a
dignidade humana, como pode se tornar eficaz, na vida dos indivíduos e da comunidade, a
mensagem do amor de Deus e a força transformadora do Evangelho?
O Evangelho da Cruz é um anúncio de luz e libertação aos pobres e crucificados, pois o
“Evangelho, por sua própria natureza, é mensagem de liberdade e de libertação,” 203
a Igreja
pode fazer suas aquelas aspirações. Um olhar nas Escrituras mostra que a história da aliança é
história de libertação, com uma opção de Deus – que emerge sempre mais claramente – pelos
pobres, pelos necessitados, pelos explorados, ou seja: os crucificados, de modo que, pela
soteriologia, se exige também uma ética, “A missão libertadora da Igreja” 204
- diz o quarto
capítulo da instrução – tem a sua origem de liberdade e de libertação de Jesus no próprio agir
de Jesus.
A Igreja afirma de maneira positiva “os fundamentos da justiça na ordem temporal” 205
,
e assim “a Igreja é fiel à sua missão quando denuncia os desvios, as servidões e as opressões
de que os homens são vítimas.” 206
A Igreja prega a cruz de Cristo, quando ela condena de
acordo com sua missão, todos os métodos com os quais se responde à violência com
violência, ao terror com terror, a supressão dos direitos com a supressão dos direitos.
Nos males espirituais e materiais que afligem grande parte da humanidade por meio de
sistemas injustos, a Igreja faz “a opção preferencial pelos pobres” 207
não para desencadear
203
CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ. Instrução sobre a liberdade Cristã e a libertação.
Brasilia: CNBB, 2011, p. 250, n. 1. Essa Instrução da Congregação para a Doutrina da Fé identificou, o conteúdo
positivo das novas abordagens teológicas e mostrou como ‘uma Teologia da Libertação autêntica’ (João Paulo
II) [Cf. Discurso Inaugural da IV Conferência Geral do Episcopado Latino Americano. Santo Domingo, 12 de
outubro de 1992. In. GUTIÉRRES, G.; MÜLLER, G. L. Ao lado dos pobres. Teologia da libertação. Tradução
de Paulo F. Valério. São Paulo: Paulinas, 2014, p. 26; e a Doutrina Social da Igreja Católica são essenciais para
o serviço da Igreja ao mundo. Todos devem visar tornar operante a doutrina cristã da liberdade e da dignidade do
homem. 204
Ibid., n.62. 205
Ibid., n. 65 206
Ibid., n. 65 207
Ibid., n. 66-68.
87
conflitos, mas a fim de lançar luzes para derrubar as barreiras entre as classes e fazer
solidariedade, da dignidade humana e da subsidiariedade dos fundamentos da ordem social.
Sobre isto diz o Cardeal Müller:
Com respeito à relação entre pecado pessoal e estrutural, é preciso dizer que existe
‘uma estrutura de pecado’(cf. João Paulo II, Carta Encíclica Sollitudo rei socialis, 30
de dezembro de 1987. O Papa usa a expressão ‘estrutura de pecado’ sempre no
plural, nos n. 36, 37, 39, 40), como resultado de desenvolvimentos coletivos errados
e como expressão de mentalidades falsas. Essas estruturas podem ser chamadas de
pecado porque é fruto do pecado e conduzem ao pecado.
Ma isso não exclui a responsabilidade individual da pessoa. Ninguém pode
justificar-se dizendo que foi constrangido pelo sistema a explorar os outros seres
humanos e a arruiná-los para que pudesse garantir a própria sobrevivência. 208
O Evangelho da Cruz ilumina a nossa história no tempo presente, pois os chamados
processos historicamente necessários não determinam, por assim dizer, de maneira fatalista o
homem, ao tirar dele o livre uso da sua responsabilidade perante Deus. Não é o destino e não
são as leis da história, mas a providência Divina é que determina o curso da história com
respeito à liberdade humana e à sua consumação no amor, tanto pelo que diz respeito a esta
vida como com relação à vocação sobrenatural do homem.
A Cruz Redentora de Jesus Cristo sempre nos lembra que, o que permanece é a
prioridade da pessoa sobre a estrutura. Por isso, a práxis libertadora dos cristãos -que deriva
da libertação do pecado e da comunicação da graça – tem como consequência tanto a
mudança e o contínuo melhoramento das condições materiais e sociais da vida, quanto o
encontro pessoal entre pessoa e pessoa no amor de Cristo e como coração do ser cristão
misericordioso. Nesse sentido assim se expressa Müller:
Um desafio sem precedente é lançado aos cristãos que se esforçam por realizar
aquela ‘civilização do amor’ que reúne toda a herança ético-social do Evangelho.
208
MÜLLER, 2014, p. 48.
88
Essa tarefa exige uma reflexão nova sobre aquilo que constitui a relação entre
mandamento supremo do amor e ordem social, considerada em toda a sua
complexidade. 209
A Igreja deve esforçar-se para ser uma Igreja samaritana e solidária para com os povos
crucificados, pois requer “um imenso esforço de educação: educação para a civilização do
trabalho, educação para a solidariedade, acesso de todos à cultura.” 210
Como discípula e
missionária de Jesus Cristo a Igreja num esforço assim, será de grande ajuda e luz para os
pobres, os indigentes e os crucificados do mundo inteiro. É na esperança que fomos salvos –
diz o Apóstolo Paulo aos Romanos (Rm 8,24) e, sobre isto nos diz o Papa Bento XVI:
A ‘redenção, a salvação, segundo a fé cristã, não é um simples dado de fato. A
redenção nos é oferecida no sentido que nos foi dada a esperança, uma esperança
fidedigna, graças à qual podemos enfrentar o nosso tempo presente: o presente,
ainda que custoso, pode ser vivido e aceito, se levar a uma meta e se pudermos estar
seguros desta meta, se esta meta for tão grande que justifique a canseira do caminho.
[...] devemos escutar com um pouco mais de atenção o testemunho da Bíblia sobre a
esperança. Esta é de fato, uma palavra central da fé bíblica, a ponto de, em várias
passagens, se possível intercambiar os termos ‘fé’ e ‘esperança’. [...] Sendo assim,
podemos agora dizer: o cristianismo não era apenas uma ‘boa nova’, ou seja, uma
comunicação de conteúdos até então ignorados. Em linguagem atual, dir-se-ia: a
mensagem cristã não era só ‘informativa’. Isso significa que o Evangelho não é
apenas uma comunicação de realidades que se podem saber, mas uma comunicação
que gera fatos e muda a vida. A porta tenebrosa do tempo, do futuro, foi
escancarada. Quem tem esperança vive diversamente; foi-lhe dada uma vida nova.
[...] Chegar a conhecer Deus, o verdadeiro Deus: isto significa receber esperança. 211
209
MÜLLER, 2014, p. 48. 210
DOCUMENTA. Congregação para a Doutrina da Fé. Instrução sobre a liberdade Cristã e a libertação.
Brasilia: Edições CNBB, 2011, p. 250, n.81 211
BENTO XVI. Spe Salvi.. 30 nov. 2007. Disponível em: <htt://WWW.
Vatican.va/holy_father/Benedict_xvi/documents/hf_ben-xvi_enc_20071130_spe-salvi_po.html>.2007, n.2-3.
89
Os Evangelhos, os quais são a Carta Magna dos acontecimentos referentes à fé e a
esperança cristã para os crucificados, são, para os cristãos, o itinerário que revela o Mestre
que devem encontrar e seguir. Dessa maneira irá reencontrá-lo nos homens e mulheres de seu
tempo, sobretudo naqueles que vivem nas periferias existenciais, onde há os pobres, os
excluídos, os crucificados. É o que nos exorta o Papa Francisco: “sair da própria comodidade
e ter a coragem de alcançar todas as periferias que precisam da luz do Evangelho.” 212
Com efeito, nos Evangelhos, muitos homens e mulheres encontraram-se com Jesus de
Nazaré. E, ao se familiarizarem com ele, reconhecem pouco a pouco que nesse homem,
através dos seus gestos e das suas palavras, o seu rosto se mostra bem diferente. Naquele
homem presente e próximo da vida deles reconhece o Mistério que faz todas as coisas, aquele
a quem a tradição religiosa da humanidade chama “Deus”.
Portanto, frequentando aquele homem, com a ajuda da sua presença, das suas palavras,
dos seus olhares, a razão deles faz aquela passagem que os leva a reconhecerem nele,
exatamente naquele homem, o próprio Deus. Com Jesus, eles são conduzidos a dar, quase sem
se perceberem, aquele salto que a razão humana muitas vezes acha impossível e paradoxal, a
saber: “reconhecer que o Universal se faz presente e vem coincidir num particular histórico
bem identificado.” 213
De fato, isso acontece quando aqueles que estão mais perto dele
começam a reconhecer no homem Jesus já àquele que depois da sua morte na cruz e
ressurreição se revelará a eles como “Senhor e Deus.” (Jo 20, 28).
Ora, desde a surpresa de ver aquele que muda a água em vinho em Caná da Galileia
até a multiplicação dos pães e dos peixes, desde o passeio sobre as águas do lago de
Tiberíades até reaparecer vivo depois de sua morte cruenta no madeiro ignominiosos da cruz,
uma certeza brotava da realidade que eles conheciam e abria caminho na sua razão, tornando-
se, esperança e fé.
212
FRANCISCO. Evangelii Gaudium. São Paulo: Paulus ; Loyola, 2013, n. 20. 213
MÜLLER, L. G. Pobre para os pobres. São Paulo: Paulinas, 2014, p. 59.
90
A trajetória dessa certeza seja talvez melhor documentada ainda mais pelos grandes
encontros com Jesus que os Evangelhos narram sobre os crucificados que se encontram nas
periferias existenciais: desde o paralítico ao cego de nascimento, desde a adúltera até a
samaritana, até o bom ladrão na cruz. Aqui, a experiência da ternura com a qual Jesus se
aproxima de maneira especial dos desamparados, dos fracos, de quem quer que fosse
necessitado e, sobretudo a misericórdia com a qual ele abordava os pecadores, os perdoava e
os convidava à conversão, manifestam nele um olhar totalmente humano, totalmente à medida
do coração do homem, que se revela de maneira sobre-humana capaz de abraçá-lo com
totalidade, ou seja: o homem todo, e todo o homem.
Justamente aquele homem Jesus de Nazaré: é Deus. Nele o Antigo e o Novo
Testamento se unem em aliança, nele céu e terra se unem e, graças a ele, o céu – o
fundamento da realidade que, de outro modo, permaneceria inacessível ao homem, apesar de
desejado – tornar-se finalmente “aberto”. Esta é a certeza à qual “os olhos da fé” conduzem.
Conversatus est cum hominibus – isto é, não apenas falou de modo humano com os
homens:
O Deus invisível, levado por seu grande amor, fala aos homens como amigos e
entretém-se com eles para convidá-los e recebê-los em sua comunhão. [...] O
conteúdo íntimo da verdade comunicada por esta revelação a respeito de Deus e da
salvação do homem se manifesta a nós em Cristo, que é ao mesmo tempo mediador
e plenitude de toda salvação. 214
No reconhecimento de Deus, que em Jesus de Nazaré se faz homem no meio de nós e,
na adesão a ele, se encontra o coração da fé cristã, pois:
O que era desde o princípio, o que ouvimos o que vimos com os nossos olhos, o que
contemplamos e o que nossas mãos apalparam do Verbo da vida – porque a vida
214
CONSTITUIÇÃO “DEI VERBUM”. In. COMPÊNDIO DO VATICANO II: constituições, decretos,
declarações. 14. Ed. Petrópolis: Vozes, 1968, n. 2..
91
manifestou-se: nós a vimos e dela vos damos testemunho e vos anunciamos esta
Vida eterna, que estava voltada para o Pai e que nos apareceu. (1Jo 1, 1-2)
O ouvir, o ver e o tocar são os verbos que descrevem o acontecer da fé no homem que
em Cristo reconhece a Deus. Em Jesus Cristo, o qual deu sua vida na cruz “até o fim” (Jo 13,
1), por amor dos pobres excluídos e crucificados, revela-se a vontade salvadora e universal de
Deus para com todos os homens.
O Papa Francisco diz que a Igreja deve estar em constante movimento de saída, como
Igreja samaritana e misericordiosa:
A Igreja sabe ‘envolver-se’. Jesus lavou os pés aos seus discípulos. O Senhor
envolveu-Se e envolveu os seus, pondo-Se de joelhos diante dos outros para lavá-
los; mas, logo a seguir, diz aos discípulos: “sereis felizes se o puserdes em prática”
(Jo 13, 17). Com obras e gestos, a comunidade missionária entra na vida diária dos
outros, encurta as distâncias, abaixa-se – se for necessário – até a humilhação e
assume a vida humana, tocando a carne sofredora de Cristo no povo. Os
evangelizadores contraem assim o “cheiro de ovelha”, e estas escutam a sua voz. Em
seguida, a comunidade evangelizadora dispõe-se a “acompanhar”. Acompanha a
humanidade em todos os seus processos, por mais duros e demorados que sejam. 215
Ao ser portador da esperança e da cruz de Jesus Cristo, a Igreja na América Latina
deverá ser, conforme escreveu Bento XVI:
A verdadeira e grande esperança do homem, que resiste apesar de toda desilusões, só
pode ser Deus – o Deus que nos amou, e ama ainda agora ‘até o fim’, ‘até a plena
consumação’ (cf. Jo 13, 1 e 19, 30). Quem é atingido pelo amor começa a intuir em
que consistiria propriamente a ‘vida’. Começa a intuir o significado da palavra de
esperança que encontramos no rito do Batismo: da fé espero a ‘vida eterna’ – a vida
verdadeira que, inteiramente e sem ameaças em toda a sua plenitude é simplesmente
vida. Jesus, que disse de si mesmo ter vindo ao mundo para que tenhamos em
215
FRANCISCO, 2013b, n.24.
92
plenitude, em abundância (cf. Jo 10,10), também nos explicou o que significa ‘vida’:
‘a vida eterna consiste nisto: que conheçam a ti, o Deus único e verdadeiro, e a Jesus
Cristo, que enviaste’ (Jo 17, 3). A vida, no verdadeiro sentido, não possui cada um
em si próprio sozinho, nem mesmo por si só: ela é uma relação. E a vida na sua
totalidade é relação com aquele que é a fonte da vida. Se estivermos em relação com
aquele que morre, que é a própria vida e o próprio amor, então estamos na vida.
Então ‘vivemos. ’ 216
Desta forma, no coração do sermão da montanha, encontra-se um versículo que, de
certo modo, o resume: “Buscai, em primeiro lugar, o Reino de Deus e a sua justiça, e todas
essas coisas vos serão acrescentadas” (Mt 6, 33). Essa busca confere sua razão de ser à vida
cristã. Assim, de um modo preciso e com alcances que é preciso levar em conta, Mateus
apresenta-nos a ‘marca’ de toda a Sagrada Escritura, ou seja, tudo vem de Deus. Deus é o
santo, o totalmente Outro, aquele cujos “desígnios são insondáveis e impenetráveis seus
caminhos (...) porque tudo é dele, por ele e para ele” (Rm 11, 33. 35). Fonte de vida e de amor
(Ex 3, 14; 1Jo 4, 16). Um Deus distante e próximo, ao mesmo tempo, que nos chama à
amizade com ele, fundamento da amizade que deve existir entre os seres humanos. O Deus
santo também o Deus encarnado; acolher seu amor em nossas vidas deve traduzir-se em
gestos de vida para com os outros, sobretudo os pobres, os excluídos e crucificados.
O Papa Bento XVI na encíclica Spe Salvi, sobre isto diz o seguinte:
A relação com Deus estabelece-se pela comunhão com Jesus – sozinhos e apenas
com as nossas possibilidades não o conseguimos. Mas a relação com Jesus é uma
relação com aquele que se entregou a si próprio em resgate por todos nós (Cf. 1Tm
2,6). O fato de estarmos em comunhão com Jesus Cristo envolve-nos em seu ser
‘para todos’, fazendo disso o nosso modo de ser. Ele compromete-nos a ser para os
216
BENTO XVI, 2007, n. 27.
.
93
outros, mas só na comunhão com Ele é que se torna possível sermos
verdadeiramente para os outros, para a comunidade. 217
Ora, no “face a face com Deus” (1Cor 13, 12), a existência humana atinge sua
plenitude. É a esperança e a experiência dos místicos, a união com Deus de que falam com
frequência. “Viram-te meus olhos”, proclama Jó (42, 5), quando compreende que o amor
gratuito de Deus, sem limites nem restrições, é o fundamento do mundo, e não sua estreita
concepção de justiça do “toma-lá-dá-cá”. Chegado ao final do caminho, diz São João da Cruz:
“quedei-me, rosto reclinado sobre o Amado; cessou tudo e deixei-me, largando meu cuidado,
por entre as açucenas olvidado.” 218
Os místicos sempre encontraram na poesia uma linguagem mais apropriada para
expressar o mistério do amor. Não existe nada mais contrário à busca de Deus e de seu reino e
de sua justiça do que o serviço a um ídolo fabricado por mãos humanas. A idolatria, conforme
a Sagrada Escritura narra, é entregar sua vida e colocar a sua confiança em algo ou em alguém
que não é Deus. Ora, isto é um risco permanente na vida do cristão, pois hoje, no contexto
neoliberal, o mercado, o lucro são objetos de um culto idolátrico. Já nos alertou sobre isto, o
Papa João Paulo II, na Centesimus annus, n. 40: “idolatria do mercado”. À idolatria do
dinheiro se une a do poder que passa por cima de todo direito humano. A esses ídolos se
oferecem vítimas, os crucificados de hoje; por isso é que os profetas bíblicos ligam sempre a
idolatria ao assassinato.
Os pobres, os excluídos da ordem econômica internacional atual são contados entre
essas vítimas e são os crucificados de hoje. A Igreja na América Latina é enviada pelo seu
Senhor a levar a esperança a todos os povos de nosso continente, sem restrição e sem
217
BENTO XVI, 2007, n. 28.
218 JOÃO DA CRUZ. Subida do Monte Carmelo. In. IRMÃS CARMELITAS DESCALÇAS CONVENTO
SANTA TEREZINHA DO RIO DE JANEIRO E PORTUGAL. Obras Completas. 7 ed. Petrópolis: Vozes,
2002.
94
exclusão, a aproximar-se do pobre, do excluído, do marginalizado, do crucificado e entrar em
relação com ele e com o seu sofrimento. É necessário que exista amizade cotidiana com o
pobre e uma valorização da diversidade de seus desejos e necessidades como ser humano, ou
seja, conhecer melhor o que eles querem e do que eles necessitam.
Uma tarefa fundamental da Igreja na América Latina no anúncio do Evangelho da Cruz
hoje é contribuir para dar sentido à vida, pois no momento presente, é necessário inquietar-se
pelas bases mesmas da condição humana e da vida de fé, sobretudo, o compromisso com o
pobre, como opção central do amor gratuito de Deus, pois “o amor a Deus e ao próximo
resume a mensagem de Jesus, toda a lei e os profetas (cf. Mt 22, 37-40).” 219
Pois, Deus é o
fundamento da esperança – “não um Deus qualquer, mas aquele Deus que possui um rosto
humano e que nos amou até o fim: cada indivíduo e a humanidade no seu conjunto.” 220
Seu
reino não é um além imaginário, colocado num futuro que nunca mais chega; “seu reino está
presente onde ele é amado e onde seu amor alcança.” 221
Somente seu amor nos dá a
possibilidade de perseverar com toda a sobriedade dia após dia, “sem perder o seu ardor da
esperança, num mundo que, por sua natureza, é imperfeito.” 222
Portanto, se crer significa aderir a Deus que se revela e assim, de algum modo e de
maneira incoativa, começa a olhar o mundo “com os olhos de Deus” 223
, esse olhar se torna
presente e atual em todo tempo mediante “o olhar do Corpo Ressuscitado de Cristo no mundo,
ou seja, da Igreja.” 224
É então nesse nível – “não ideológico, nem coletivista em sentido
despersonalizante e alienante” 225
que se coloca “a obediência da fé” (Rm 16, 26), a qual –
embora muitas vezes encontre a liberdade humana reticente – é, na realidade, identificação
219
COMBLIN, J. Cristãos rumo ao século XXI: nova caminhada de libertação. São Paulo: Paulus, 1996. 220
BENTO XVI. Spe Salvi. São Paulo: Paulo; Loyola, 2007, n. 30. 221
Ibid. 222
Ibid. 223
BENTO XVI. Carta Apostólica Porta Fidei. São Paulo: Paulus, 2011, n. 6. 224
MÜLLER, L. G. Pobre para os pobres. São Paulo: Paulinas, 2014, p.67. 225
Ibid.
95
com esse olhar e com esses olhos novos que vivem no Cristo Ressuscitado e no seu Corpo. É
ver e pensar “segundo Cristo” (Gl 2,20) e ver e pensar todas as coisas “Nele” (Gl 2,20).
A fé implica então uma obediência que, se for entendida assim, não é humilhante para
liberdade, não é passiva ou vai logo embora, mas pede para ser livremente assumida, exige
um seguimento que provoca, envolve e valoriza toda a liberdade humana. A fé que emana da
Cruz Redentora de Cristo é luz, é uma luz que resplandece da humanidade ressuscitada de
Cristo e lança uma luz benéfica autenticamente humana sobre a nossa existência. Naquele
escuro que, especialmente em certas circunstâncias históricas, o mundo parece estar, essa luz
representa uma orientação segura. O próprio livro do Apocalipse faz alusão a Jesus falando da
“estrela da manhã” (Ap 22,28), esta “estrela anuncia o fim da noite e o início da aurora, a
chegada de um novo dia, de uma nova estação do tempo.” 226
Ao abrir nossos olhos para a fé, deixamos que essa luz invada com nova esperança o
nosso coração e encha de novas obras as nossas mãos. È permitir que Deus, que em seu Filho
Jesus Cristo, nos tome pelas mãos, e solidários damo-nos as mãos uns aos outros e, bem
conscientes das nossas pobrezas, deixemos que essa luz boa nos conduza para o novo dia que,
desde sempre, Deus não cessa de preparar para nós.
Faço aqui minhas as palavras de Gutiérrez:
Devo confessar que estou menos preocupado pelo interesse ou pela sobrevivência da
teologia da Libertação que pelos sofrimentos e pelas esperanças do povo a que
pertenço, e especialmente pela comunicação da experiência e da mensagem de
salvação de Jesus Cristo. Esta última é matéria de nossa caridade e de nossa fé. Uma
teologia, por mais relevante que seja seu papel, não passa de um meio para
aprofundar-se nesse amor e nessa fé. Por essa razão, trata-se, efetivamente, de
proclamar a esperança ao mundo no momento que vivemos como Igreja. 227
226
Ibid. 227
GUTIÉRREZ, 2014, p.160.
96
CONCLUSÃO
Neste nosso trabalho abortamos o tema: “A Teologia da Cruz na Cristologia Latino
Americana”, e concluímos que a cruz é um símbolo que conduz, para fora da Igreja e do anelo
religioso para dentro da comunhão com os oprimidos e perdidos. E no sentido reverso, ela é
símbolo que chama os oprimidos e os ímpios para a Igreja, e por meio dela, para a comunhão
do Deus crucificado. Jesus é apresentado como critério para a sociedade e para a Igreja, na
medida em que o crucificado é para elas um “estranho ou o Senhor.” (Puebla, 31). Aí se joga
todo o sentido da fé cristã, pois é a partir da identidade com o crucificado que se julgará a
vida da Igreja e da própria sociedade, na medida em que respondem ou não ao seu projeto. A
articulação entre a cruz e libertação mostra-nos alguns aspectos fundamentais que não podem
ser ignorados.
E ao aproximar a morte de Jesus das mortes dos mártires e excluídos de nosso tempo,
tentamos tirar a legitimidade dos sacrifícios que se apresentam como inevitáveis e buscamos
encontrar motivos para quebrar a legitimidade da lógica da exclusão. A morte de Jesus mostra
que Deus não ficou indiferente às vítimas e sofredores da história. Por isso, ela deve se tornar
motivo de esperança e de engajamento solidário na construção de uma convivência humana
respeitadora de toda vida.
Pois, a cruz nos remete a Deus; não aquele que está entre dois castiçais sobre o altar,
mas ao que foi crucificado entre dois ladrões no calvário dos perdidos, diante dos portões da
cidade. Ele não apenas convida a reflexão, mas à transformação do pensamento.
Por seu caráter acadêmico, vários aspectos da compreensão da cruz não foram tratados
nesta dissertação. Pois, o propósito desta nossa pesquisa é, sem dúvida, muito amplo. De fato
cada documento conclusivo das Conferências Gerais do Episcopado Latino Americano, bem
como cada teólogo latino-americano citado, mereceria sem dúvida uma análise mais profunda.
97
Este trabalho foi muito importante para o nosso crescimento e compreensão da teologia
da cruz na cristologia latino americana, pois a cruz é o marco do Jesus histórico e, está é
afinal a grande característica da teologia latino americana. E isto nos permitiu confrontar a fé
com a realidade que nos circunda.
A partir destas conclusões do magistério, a reflexão teológica desenvolvida em nosso
Continente vai afirmando que a cruz sempre foi identificada como símbolo que denuncia a
exploração e a opressão dos mais pobres e excluídos da sociedade. Dando origem a célebre
frase: “opção preferencial pelos pobres.” A partir da cruz a Igreja presente na América Latina
se torna uma Igreja samaritana, a Igreja dos crucificados da história: os pobres e os excluídos;
ela é portadora da esperança e da luz que brota da cruz de Cristo, para iluminar a vida do
nosso povo, sendo a Igreja da misericórdia.
98
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