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7/23/2019 Legibilidade e Controle http://slidepdf.com/reader/full/legibilidade-e-controle 1/57 Legibilidade eControle: Temasna Obra de James C. Scott Nota doTradutor  –Eis como o autor define ‘rent’, palavra queprefiro manter em inglês: ‘Mais ou menos o que os economistas significampor “quase-renda”: o excedente doprodutor, oureceita mais elevadado que aqueseria necessária como incentivo para trazer um bem aomercado (isto é, umpreço consistentemente mais elevado do que o custo marginal de produção). Chama-se‘rent’ por analogia, a partir da lei da renda/aluguel (rents) da terra de Ricardo.’ Opacidade e Legibilidade. EmVendoComo umEstado, Scott desenvolve o tema central de“legibilidade,” que estará envolvido na maior parte de nossas linhas de análise abaixo. Refere-se a tentativa de umestado de tornar a sociedade legível, de organizar a população de tal maneira quefiquemsimplificadas as funções clássicas doestadodetributação, conscriçãoe prevenção de rebelião. Havendocomeçadoa pensar nesses termos, comecei a ver a legibilidadecomo um problema central doestadismo. Oestado premoderno era, sob muitos aspectos cruciais, parcialmente cego; sabia muito pouco acerca de seus súditos, sua riqueza, propriedade de terras eprodução, sua localização, sua própria identidade. Não dispunha de qualquer coisa parecida com um“mapa” minudente de seu território ede seu povo. Carecia, de maneira geral, de uma forma de mensurar, uma métrica, que lhe permitisse “traduzir” o que sabia num padrãocomum necessário para uma visãosinóptica. Em decorrência, suas intervenções eramamiúde cruase autodestrutivas. …. Como fez o estado para gradualmente obter claro entendimento deseus súditos e do ambiente deles? Subitamente processos tãodíspares quanto acriação de sobrenomes permanentes, a estandardizaçãodepesos e medidas, o estabelecimento de levantamento cadastral de bens de raiz e de registros de população, a invenção da posse realda terra, a estandardizaçãodalinguagem e do discursojurídico, o projeto de cidades, e a organização do transporte pareceram inteligíveis como tentativas de legibilidade e simplificação. Emcada umdos casos citados, as autoridades tomarampráticas sociais excepcionalmente complexas, ilegíveis elocais, tais como costumes de posseda terra ou de atribuição de nomes, e criaram uma gradepadronizadapor meio da qualelas poderiamser registradas e monitoradas centralizadamente…. [1] Como fizeram os agentes doestado para começar a mensurar e a codificar, aolongo de cada região de umreino inteiro, sua população, suas propriedades de terra, suas colheitas, sua riqueza, o volume do comércio, e assimpor diante? …

Legibilidade e Controle

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Legibilidade e Controle: Temas na Obra

de James C. Scott

Nota do Tradutor – Eis como o autor define ‘rent’, palavra que prefiro manter eminglês: ‘Mais ou menos o que os economistas significam por “quase-renda”: o

excedente do produtor, ou receita mais elevada do que a que seria necessária como

incentivo para trazer um bem ao mercado (isto é, um preço consistentemente mais

elevado do que o custo marginal de produção). Chama-se ‘rent’ por analogia, a partir

da lei da renda/aluguel (rents) da terra de Ricardo.’

Opacidade e Legibilidade.

Em Vendo Como um Estado, Scott desenvolve o tema central de “legibilidade,” que

estará envolvido na maior parte de nossas linhas de análise abaixo. Refere-se atentativa de um estado de tornar a sociedade legível, de organizar a população de tal

maneira que fiquem simplificadas as funções clássicas do estado de tributação,

conscrição e prevenção de rebelião. Havendo começado a pensar nesses termos,

comecei a ver a legibilidade como um problema central do estadismo. O estado

premoderno era, sob muitos aspectos cruciais, parcialmente cego; sabia muito pouco

acerca de seus súditos, sua riqueza, propriedade de terras e produção, sua

localização, sua própria identidade. Não dispunha de qualquer coisa parecida com

um “mapa” minudente de seu território e de seu povo. Carecia, de maneira geral, deuma forma de mensurar, uma métrica, que lhe permitisse “traduzir” o que sabia num

padrão comum necessário para uma visão sinóptica. Em decorrência, suas

intervenções eram amiúde cruas e autodestrutivas.

…. Como fez o estado para gradualmente obter claro entendimento de seus súditos

e do ambiente deles? Subitamente processos tão díspares quanto a criação de

sobrenomes permanentes, a estandardização de pesos e medidas, o

estabelecimento de levantamento cadastral de bens de raiz e de registros de

população, a invenção da posse real da terra, a estandardização da linguagem e dodiscurso jurídico, o projeto de cidades, e a organização do transporte pareceram

inteligíveis como tentativas de legibilidade e simplificação. Em cada um dos casos

citados, as autoridades tomaram práticas sociais excepcionalmente complexas,

ilegíveis e locais, tais como costumes de posse da terra ou de atribuição de nomes,

e criaram uma grade padronizada por meio da qual elas poderiam ser registradas e

monitoradas centralizadamente…. [1]

Como fizeram os agentes do estado para começar a mensurar e a codificar, ao longo

de cada região de um reino inteiro, sua população, suas propriedades de terra, suascolheitas, sua riqueza, o volume do comércio, e assim por diante? …

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Cada empreendimento… exemplificava um padrão de relações entre, de um lado, o

conhecimento e as práticas locais e, de outro, rotinas administrativas do estado….

Em cada caso as práticas locais de mensuração e propriedade da terra eram

“ilegíveis” para o estado em sua forma bruta. Exibiam diversidade e complexidade

que refletiam grande variedade de interesses puramente locais, não do estado. Valedizer, não poderiam ser assimiladas numa grade administrativa sem ser ou

transformadas ou reduzidas a uma forma taquigráfica conveniente, ainda que

parcialmente ficcional. A lógica por trás da taquigrafia requerida era fornecida…

pelas prementes exigências materiais dos governantes: recebimentos fiscais,

pessoal para as forças armadas, e segurança do estado. Por sua vez, essa

taquigrafia não funcionava… como apenas uma descrição, por mais inadequada.

Escorada por poder estatal por meio de registros, tribunais e, em última análise,

coerção, essas ficções do estado transformavam a realidade que presumidamenteobservavam, embora nunca de modo completo a ponto de fechar a grade de modo

preciso. [2]

Não fica claro em que medida o conceito de Scott de legibilidade está diretamente

influenciado pela análise de Michel Foucault em Disciplina e Punição. Parece,

contudo, provável significativa influência. Scott cita aquele livro diversas vezes em

Vendo Como um Estado, inclusive uma vez de maneira que sugere relação direta

com seu próprio tratamento da legibilidade:

O que é novo no alto modernismo, acredito eu, não é tanto a aspiração deplanejamento abrangente. Muitos estados imperiais e absolutistas tiveram

aspiraçõies similares. Novos são, isso sim, a tecnologia administrativa e o

conhecimento social que tornam plausível imaginar organizar uma sociedade inteira

como antes só haviam sido organizados a caserna ou o mosteiro. No tocante a isso,

a argumentação de Michel Foucault emDisciplina e Punição… é persuasiva. [3]

De qualquer forma, a análise de Foucault,, em algumas passagens, antecipa-se a

Scott quase palavra por palavra, a ponto até de usar a palavra “legibilidade”

essencialmente no mesmo sentido.O Panopticon de Bentham, como descrito por Foucault, é apenas um exemplo de

uma instituição arquiteturalmente projetada para tornar seus reclusos tão legíveis

quanto possível para os em posições de autoridade. Foucault aplica o mesmo

princípio panóptico de legibilidade a mosteiros, formações e acampamentos

militares, hospitais, asilos, escolas e fábricas. Em todos os casos o princípio básico é

a compartimentação, para ser eliminada ambiguidade e ser organizada a instituição

— ou sociedade — na base de “Cada indivíduo tem seu próprio lugar; e cada lugar

seu indivíduo.”

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Evitar distribuições em grupos; desintegrar inclinações coletivas; analisar

pluralidades confusas, maciças ou transientes. O espaço disciplinar tende a ser

dividido em tantas secções quanto corpos ou elementos a serem distribuídos. É

preciso eliminar os efeitos de distribuições imprecisas, o desaparecimento

descontrolado de indivíduos, sua circulação difusa, seu ajuntamento não usável eperigoso; era uma tática de antideserção, antinomadismo, anticoncentração. Seu

objetivo era deixar claras presenças e ausências, saber onde e como localizar

indivíduos, estabelecer comunicações úteis, interromper outras, ser capaz de, em

cada momento, supervisar a conduta de cada indivíduo, avaliá-la, julgá-la, para

calcular suas qualidades ou méritos. [4]

Na fábrica, isso significava “distribuir os indivíduos num espaço no qual fosse

possível isolá-los e mapeá-los…” [5] O leiaute da fábrica de Oberkampf em Jouy, tal

como projetado por Toussaint Barre em 1791, por exemplo, era tal que tornavapossível efetuar supervisão ao mesmo tempo geral e individual: detectar a presença

e a aplicação do trabalhador e a qualidade de seu trabalho; comparar os

trabalhadores uns com os outros, classificá-los conforme habilidade e velocidade;

acompanhar os estágios sucessivos do processo de produção. Todas essas

serializações formavam uma grade permanente: a confusão ficava eliminada: vale

dizer, a produção era subdividida e o processo de trabalho tornava-se articulado, de

um lado, de acordo com seus estágios ou operações elementares e, do outro, de

acordo com os indivíduos, os corpos específicos, que os realizavam: cada variaveldesse grupo — força, prontidão, habilidade, constância — seria observado, e

portanto categorizado, avaliado, computado e relacionado com o indivíduo que era

seu agente específico. Assim, pois, distribuída de maneira perfeitamente legível por

toda a série de corpos individuais, a força de trabalho pode ser analisada em

unidades individuais. Quando do surgimento da indústria de larga escala descobre-

se, por baixo do processo de divisão da produção, a fragmentação individualizadora

do poder de trabalho; as distribuições do espaço disciplinar amiúde asseguravam

ambos. [6]A instituição era, sempre, um “observatório” no qual poder e disciplina resultavam da

capacidade de ver:

O exercício da disciplina pressupõe um mecanismo que exerce coerção por meio da

observação; um aparato no qual as técnicas que tornam possível ver induzem efeitos

de poder e no qual, inversamente, os meios de coerção tornam aqueles nos quais

são aplicados claramente visíveis. [7]

A arquitetura era projetada de forma a “tornar as pessoas dóceis e cognoscíveis,” a

“permitir controle interno, articulado e detalhado—”

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para tornar visíveis os que estejam dentro dela; em termos mais gerais, uma

arquitetura a operar para transformar os indivíduos: atuar sobre os que abriga,

exercer poder sobre sua conduta, levar os efeitos do poder até eles, tornar possível

conhecê-los, alterá-los. [8]

“O perfeito aparato disciplinar,” em suma, “tornaria possível a um simples olhar a fito

ver tudo constantemente.” [9] Esse era, essencialmente, o propósito do Panopticon

de Bentham: “induzir no recluso um estado de visibilidade cônscia e permanente que

assegura o funcionamento automático do poder.” [10]

Esse princípio aplicava-se acima de tudo ao relacionamento entre o estado e os

cidadãos da sociedade em geral. O jornal fourieristaLa Phalange, com deliberada

ironia, descreveu a filosofia implícita por trás das observações de um juiz a um

andarilho processado em seu tribunal:

Havia necessidade de haver um lugar, uma localização, uma inserção compulsória:

‘A pessoa dorme em casa, disse o juiz, porque, na verdade, para ele, tudo tem de ter

uma casa, algum lugar para morar, esplêndido ou modesto; a tarefa dela não é

proporcionar moradia, e sim forçar todo indivíduo a viver numa residência.’ Mais que

isso, uma pessoa tem de ter uma posição na vida, uma identidade reconhecível,

uma individualidade fixada vez por todas: qual é sua posição? Essa pergunta é a

expressão mais simples da ordem estabelecida na sociedade; tal nomadismo é

repugnante para ele, perturba-o; uma pessoa precisa ter uma posição estável,

contínua, de longo prazo, pensamentos acerca do futuro, um futuro seguro, paraficar a salvo de todos esses ataques.’ Em suma, uma pessoa deve ter um senhor,

ser apanhada por e situada dentro de uma hierarquia; a pessoa só existe quando

inserida em relações definidas de dominação…. [11]

Outra obra cuja análise superpõe-se consideravelmente à de Scott é a de E.P.

Thompson “Tempo, Disciplina de Trabalho e Capitalismo Industrial.” O tratamento de

Scott da legibilidade do processo de trabalho, como auxílio do controle gerencial,

pode ser proveitosamente comparado com o tratamento de Thompson dos sistemas

objetivos e legíveis de Scott de marcação de tempo — como o relógio e o ritmo domaquinário — como meio de imprimir ao trabalho o padrão de ritmo da gerência de

preferência ao padrão tradicional de alternar estirões de trabalho intenso e de

ociosidade, da “Santa Segunda-Feria,” do calendário de dias santos etc., preferido

pelo trabalho dos trabalhadores que se autoempregam. [12]

O surgimento de um sistema objetivo e legível de marcação de tempo, como descrito

por Thompson, é análogo aos sistemas legíveis de título da terra, pesos e medidas,

dinheiro, sobrenomes etc., impostos pelos estados. E o propósito era exatamente o

mesmo —aumentar a quantidade de trabalho apropriável. No caso de sistemaslegíveis de marcação do tempo, isso significou acabar com “os antigos hábitos de

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trabalho das pessoas,” [13] nos quais os trabalhadores, normalmente, trabalhavam

apenas o suficiente para comprar o necessário — apenas três ou quatro dias por

semana. À medida que as classes trabalhadoras foram sendo privadas de seu antigo

acesso independente aos meios de subsistência e de produção por expedientes tais

como os Cercados [Enclosures], e o sistema de fábricas substituiu o autoemprego,“[a]s classes que gozavam de lazer começaram a perceber o problema… do lazer

das massas.” As classes de donos de propriedades e de empregadores ficaram

horrorizadas com o fato de tantos trabalhadores manuais, depois de findarem seu

dia de trabalho, ainda terem “diversas horas do dia para gastar praticamente como

quisessem.” [14]

Como exemplo dos novos sistemas de marcação legível do tempo impostos,

Thompson citou o Livro Legal da Fundição de Ferro de Crowley, o qual determina

(Ordem 103): “Para o fito de indolência e vilania serem identificadas e os justos ediligentes serem recompensados, concebi criar uma conta de tempo por meio de um

Monitor….” O Monitor deveria manter uma folha de controle de tempo para cada

empregado. [15]

De todos esses modos — pela divisão do trabalho; a supervisão do trabalho; multas;

campainhas e relógios; incentivos em dinheiro; doutrinação e instrução; a supressão

de feiras e esportes — novos hábitos de trabalho foram formados, e uma nova

disciplina referente ao tempo foi imposta. [16]

Scott e Hayek:Mētise Conhecimento Oculto.

O conceito de Scott de “mētis” (Μ τις), emῆ  Vendo Como um Estado é a culminância

de longa linha de pensamento anterior.Mētis é “conhecimento prático,” ou

“conhecimento embutido em experiência local,” por oposição a techne(corpo

sistemático de conhecimento formal, geral e abstrato dedutível de princípios

fundamentais). [17] “Representa largo séquito de habilidades práticas e inteligência

adquirida na resposta a ambiente natural e humano em constante mudança.” [18]

Qualquer praticante de uma habilidade ou ofício desenvolverá vasto repertório de

manobras, juízos visuais, sentido de tato ou gestalt discriminadora para avaliar otrabalho, bem como um espectro de intuições precisas, nascidas da experiência,

difíceis de serem comunicados à parte da prática. [19]

Mētisé adquirido por meio — e é aplicável a —“situações similares no geral mas

nunca exatamente idênticas que requerem rápida e experiente adaptação que se

torna quase segunda natureza do praticante.” “Resiste a simplificação a princípios

dedutivos que possam ser transmitidos bem-sucedidamente por aprendizado

livresco…” [20]

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O exemplo clássico demētisé a amplamente tida por veraz história de Squanto (ou

pela variante Massasoit) oferecendo aos colonos ingleses conhecimento local de

clima e tempo, solo e ciclos de crescimento de plantas nativas, desse modo

impedindo que ocorresse inanição em massa. [21]

Isso deverá soar familiar a qualquer estudioso de Friedrich Hayek. Em seu clássico

ensaio “O Uso do Conhecimento na Sociedade,” Hayek escreveu acerca de

“conhecimento distribuído”:

Se possuirmos toda informação relevante,se pudermos começar a partir de dado

sistema de preferências, esedispusermos de conhecimento completo dos meios

disponíveis, o problema remanescente será puramente de lógica. Isto é, a resposta à

pergunta de qual é o melhor uso dos meios disponíveis estará implícita em nossas

assunções. As condições que a solução desse problema colocado nos termos mais

favoráveis tem de satisfazer já foram completamente equacionadas e melhorpoderão ser enunciadas em forma matemática: dito do modo mais sucinto, são que

as taxas marginais de substituição entre duas mercadorias ou fatores têm de ser as

mesmas em todos os seus diferentes usos. [O que bem resume o ponto de vista

neoclássico da firma como “caixa preta” guiada por uma função de produção que é

um dado.—K.C.]

Esse, entretanto,não é, enfaticamente, o problema econômico com o qual a

sociedade se defronta….

O caráter peculiar do problema de uma ordem econômica racional é determinadoprecisamente pelo fato de que o conhecimento das circunstâncias das quais temos

de fazer uso nunca existe em forma concentrada ou integrada, e sim tão-somente

como os fragmentos dispersos de conhecimento incompleto e amiúde contraditório

que todos os indivíduos separadamente possuem. O problema econômico da

sociedade não é pois meramente um problema de como alocar recursos “dados” —

se “dados” for entendido como uma mente única que deliberadamente resolve o

problema colocado por esses “dados.” É, antes, o problema de como assegurar o

melhor uso de recursos conhecidos por qualquer dos membros da sociedade, parafins cuja importância relativa só esses indivíduos conhecem. Ou, para dizer de

maneira resumida, é um problema da utilização de conhecimento não dado a

ninguém em sua totalidade. [22]

Hoje em dia é quase heresia sugerir que o conhecimento científico não constitua a

soma de todo conhecimento. Mesmo pouca reflexão, entretanto, mostrará haver,

sem sombra de dúvida, um corpo de conhecimento muito importante mas não

organizado ao qual não há como chamar de científico no sentido de conhecimento

de regras gerais: o conhecimento das circunstâncias específicas de tempo e lugar. Éno tocante a isso que praticamente todo indivíduo tem vantagem sobre todos os

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demais, por possuir informação exclusiva de qual o uso benéfico que poderia ser

feito, mas cujo uso só poderá ser feito se as decisões respectivas forem deixadas

para aquele indivíduo tomar, ou forem tomadas com sua cooperação ativa. Só

precisamos lembrar do quanto temos de aprender em qualquer ocupação depois de

termos completado nosso treinamento teórico, de quanto é grande a extensão denossa vida de trabalho gasta no aprendizado de atividades específicas, e do quanto

constitui ativo valioso em toda profissão o conhecimento das pessoas, das condições

locais, e de circunstâncias especiais. [23]

Se pudermos concordar com que o problema econômico da sociedade diz respeito,

principalmente, a rápida adaptação a mudanças nas circunstâncias específicas de

tempo e lugar, poderíamos dizer parecer seguir-se que as decisões últimas tenham

de ser deixadas para as pessoas familiarizadas com as circunstâncias, com

conhecimento direto das mudanças relevantes e dos recursos imediatamentedisponíveis para lidar com elas. Não podemos esperar que esse problema seja

resolvido mediante primeiro a comunicação de todo esse conhecimento a uma

diretoria centralizada que, depois de integrar todo o conhecimento, emita suas

ordens. [24]

Mētissuperpõe-se em medida considerável ao que Michael Polanyi chama de

“conhecimento tácito”: habilidades adquiridas por meio de memória de habilidades

motoras ou também de prática, que só com dificuldade (ou nunca) pode ser reduzida

a uma fórmula verbal e transmitida em forma de instrução falada ou escrita.25 Scottdá o exemplo de “tentar escrever instruções explícitas acerca de como andar de

bicicleta….” [26] Assim, pois, “a maior parte das artes e ofícios que requeiram

sensibilidade em relação a implementos e materiais têm sido, tradicionalmente,

ensinada mediante longos períodos de aprendizado oriundo de mestres artífices.”

[27]

Alex Pouget sugere um motivo pelo qual tanto conhecimento situacional resiste

redução a fórmula verbal. Alguns neurologistas acreditam que as funções do cérebro

funcionam como um dispositivo de cálculo bayesiano, “tomando diversos fragmentosde informação, sopesando seu valor relativo, e chegando rapidamente a uma boa

conclusão”:

…[S]e desejarmos fazer algo, tal como pular por sobre um regato, precisamos extrair

dados não inerentemente parte daquela informação. Precisamos processar todas as

variáveis que vemos, inclusive a largura aparente do regato, quais poderiam ser as

consequências de cair dentro dele, e quão longe sabemos poder saltar. Cada

neurônio responde a uma variável específica e o cérebro decidirá da conclusão

acerca do conjunto total de variáveis, usando inferência bayesiana.

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Ao a pessoa chegar a decisão, haverá muito transtorno para colocar em palavras a

maioria das variáveis que o cérebro acabou de processar para a pessoa.

Analogamente, a intuição bem poderá consistir menos numa explosão de percepção

do que em um consenso tosco entre os neurônios. [28]

Uma observação interessante de Scott é mētis não ser, em absoluto,

necessariamente questão de conhecimento puramente tradicional, nem ser

conservador. Em verdade, ele evita expressões tais como “conhecimento tradicional.”

[29] Antes, mētis frequentemente reflete muito engenho e invenção em alto grau. As

inovações e expedientes produzidos por meio de mētis são amiúde uma resposta a

uma situação apresentada mais racional e eficaz do que aquelas mediadas por uma

hierarquia gerencial.

Como destaca Scott, “os pobres e marginalizados estão amiúde na vanguarda de

inovações que não requeiram muito capital. Isso não é, em absoluto, surpreendenteao se considerar que, para os pobres, uma aposta arriscada frequentemente faz

sentido quando as práticas atuais deles estão fracassando.” [30] Ele aponta para o

exemplo hipotético de dois pescadores,

ambos os quais dependem de um rio para ganhar a vida. Um dos pescadores vive à

beira de um rio onde a captura é estável e abundante. O outro mora ao lado de um

rio onde o apanho é variável e esparso, proporcionando apenas magra e precária

subsistência. O mais pobre dos dois claramente terá interesse imediato, de vida ou

morte, em conceber novas técnicas de pescar, observando intimamente os hábitosdos peixes, situando cuidadosamente armadilhas e redes retentoras de peixes,

registrando épocas e sinais de migrações sazonais de diferentes espécies, e assim

por diante. [31]

Isso vai de par com minha própria linha de análise alhures. São as classes

privilegiadas, com suas grandes propriedades, e as grandes corporações, com seus

insumos fortemente subsidiados, que têm condições de expandir a produção

mediante acréscimo extensivo de insumos e de ser relativamente ineficientes em

termos de produção por unidade de insumo. Os produtores de pequena escala, poroutro lado, sem acesso a grandes montantes de capital, têm de, necessariamente,

ser extremamente criativos em encontrar meios de fazer uso mais intensivo de

insumos limitados. Assim vem a ocorrer que a contraeconomia, ou economia

informal e caseira, seja a fonte de muita inovação em tecnologias de baixo overhead

e baixo custo. EmTeoria da Organização: Uma Perspectiva Libertária, escrevi:

…[A]s classes proprietárias usam formas menos eficientes de produção

precisamente por o estado dar-lhes acesso preferencial a grandes tratos de terra e

subsidiar os custos de ineficiência da produção em larga escala. As pessoasengajadas na economia alternativa, por outro lado, farão o uso mais intensivo e

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eficiente dos limitados terra e capital disponíveis para elas. Assim, o equilíbrio de

forças entre a economia alternativa e a capitalista não estará nem perto de ser tão

desigual quanto a distribuição de propriedade poderia sugerir.

Se toda pessoa capaz de beneficiar-se da economia alternativa participar dela, e

fizer uso pleno e eficiente dos recursos já disponíveis, no final teremos uma

sociedade onde a maior parte do que a pessoa média consome será produzido

numa rede de produção de autoempregados ou de propriedade de trabalhadores, e

as classes proprietárias serão deixadas com grandes tratos de terra e fábricas com

falta de funcionários quase inúteis para elas por tornar-se extremamente caro

empregar trabalho, exceto pagando preço não lucrativo. A essa altura a correlação

de forças terá mudado até que capitalistas e proprietários de terras se tornem ilhas

num mar cooperativo — e suas terras e fábricas se tornem a última coisa a cair, do

mesmo modo que a Embaixada Estadunidense em Saigon. [32]Esse é o mesmo princípio geral que John Robb, recorrendo à terminologia da

engenharia, chama de “compressão STEMI,” que Bucky Fuller chamou de

“efemerização,” que Mamading Ceesay chama de “economia da agilidade,” e Nathan

Cravens chama de “recursão produtiva.” Todas essas expressões equivalem, em

termos práticos, a extração mais eficiente de produção a partir dos insumos. [33]

O relato oficial, a versão tida por verdadeira/correta, oriunda de autoridades como

Schumpeter e Galbraith, diz-nos que a grande organização, altamente capitalizada,

gerencial, é fundamental para o progresso tecnológico; a ideologia altomodernistadas classes gerenciais inclui um “reflexo” de “desdém pela história e pelo

conhecimento do passado.” [34] Como escreveu Schumpeter:

…[H]á vantagens que, embora não estritamente inatingíveis no nível competitivo da

empresa, são, na prática, asseguradas apenas por exemplo no nível de monopólio,

porque monopolizar pode aumentar a esfera de influência dos melhores cérebros e

diminuir a esfera de influência dos cérebros inferiores, ou pelo fato de o monopólio

gozar de condição financeira desproporcionalmente mais elevada….

Não pode haver qualquer dúvida razoável de que, nas condições de nossa época, talsuperioridade é, na prática, a característica preeminente da unidade de controle de

larga escala. [35]

E Galbraith, desenvolvendo o mesmo tema, atribuiu a “uma benigna Providência” a

ascensão da “moderna indústria de umas poucas grandes firmas” como “excelente

instrumentalidade para induzir mudança técnica.”

…. O desenvolvimento técnico tornou-se há longo tempo domínio do cientista e do

engenheiro. A maioria das invenções baratas e simples já foram… feitas. Não

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apenas o desenvolvimento é mais sofisticado e dispendioso mas tem de ter escala

suficiente para sucessos e fracassos não destoarem muito entre si.

Pelo fato de o desenvolvimento ser dispendioso, segue-se só poder ser levado a

efeito por uma firma que disponha dos recursos vinculados a tamanho considerável.

Ademais, a menos de a firma dispor de substancial fatia do mercado, não terá

grande incentivo para empreender grandes gastos de desenvolvimento….

…[N]a moderna indústria compartilhada por umas poucas grandes firmas, porte e as

recompensas que se acrescem ao poder de mercado compõem-se para assegurar

que os recursos para pesquisa e desenvolvimento técnico fiquem disponíveis. O

poder que habilita a firma a ter alguma influência sobre os preços assegura que os

ganhos resultantes não sejam passados para o público por imitadores… antes de o

desembolso relativo ao desenvolvimento poder ser reembolsado….

O substantivo de tudo isso é ter de haver algum elemento de monopólio numa

indústria, para que ela possa ser progressista. [36]

Entretanto, quase sempre a verdade é o oposto. Como Hayek sugeriu (ver abaixo na

secção “Vendo Como Chefe e A Arte de Não Ser Gerido”), e como confirmado por

evidência empírica apresentada por escritores tais como Harvey Leibenstein e Barry

Stein, [37] adaptações e mudanças na configuração de maquinário existente, e

organização mais eficiente da produção de fábrica e equipamento já existentes —

coisas que custam pouco em termos de investimento novo, e que os trabalhadores

usualmente são quem tem melhores condições de determinar — podem resultar emmaiores aumentos de produtividade do que a introdução de uma nova geração de

maquinário. Grande parcela de inovação técnica consiste em mesclas criativas de

tecnologias já existentes e à venda, usadas como blocos de construção. E fatia

desproporcional dessa inovação provém de grupos trabalhando de maneira não

convencional que procuram reproduzir a pequena oficina dentro de uma burocracia

corporativa.

Tão amiúde quanto não (ou mais amiúde do que não), são as grandes corporações

oligopolistas capital-intensivas quem suprime ativamente a competição detecnologias de menor escala, menor custo e mais eficientes.

E é precisamente por causa de seu acesso privilegiado — e subsidiado — a grande

quantidade de terra, capital e outros recursos que os produtores em larga escala

podem dar-se ao luxo de ser ineficientes. Ao longo da maior parte do século 20, a

indústria estadunidense aumentou principalmente por meio de acréscimo extensivo

de insumos em vez de por extração intensiva de mais produção por unidade de

insumo. As práticas de cultivo intensivo do camponês do Terceiro Mundo ou do

pequeno agricultor estadunidense normalmente produzem várias vezes mais poracre do que a grande hacienda que mantém 80% de sua terra sem cultivo, ou do

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que a grande operação de agronegócio que ganha mais dinheiro mantendo terra

ociosa como investimento imobiliário apoiado pelo Departamento de Agricultura dos

Estados Unidos – USDA do que efetivamente cultivando-a. A despeito da retórica de

“nós alimentamos o mundo” do complexo USDA-agronegócios, o uso mais produtivo

da terra é o sistema biointensivo de John Jeavons de agricultura de canteiros maiselevados que o solo em volta, que pode alimentar uma pessoa com apenas um

décimo de acre.

Na verdade, contrariamente a Galbraith, é amiúde o poder de mercado da grande

organização que permite a ela suprimir inovação. Os produtores grandes e

ineficientes, havendo cartelizado um setor industrial entre eles próprios mediante

erguerem barreiras à entrada contra técnicas mais eficientes, desse modo se

isolaram dos maus efeitos da ineficiência competitiva. Com a indústria dividida entre

um punhado de grandes produtores com as mesmas técnicas ineficientes e asmesmas culturas organizacionais patológicas, não há penalidade competitiva para a

ineficiência porque todo mundo é igualmente ineficiente. As firmas dominantes

podem concordar em postergar a adoção de nova tecnologia até que suas fábricas e

equipamentos existentes se exauram — uma situação na qual, nas palavras de Paul

Goodman, “[t]rês ou quatro fabricantes controlam o mercado de automóveis,

competindo com preços fixados independentemente dos custos reais de produção, e

de aperfeiçoamentos dosadamente procedidos.” [38]

De acordo com Walter Adams e James Brock, a consolidação de númerorelativamente grande de firmas de tamanho médio nas Três Grandes – Big Three

depois da Segunda Guerra Mundial levou diretamente a significativa desaceleração

do ritmo de inovação. Elas atrasaram inovações tais como a tração dianteira, freios

de disco, injeção de combustível e coisas da espécie, durante anos. [39] Para tomar

um exemplo, os maiores fabricantes de automóveis entraram num acordo no final

dos anos 1950 segundo o qual nenhuma companhia anunciaria ou instalaria

qualquer inovação em dispositivos exaustores antipoluição sem a concordância das

outras; elas trocaram patentes e concordaram quanto a uma fórmula paracompartilhar os custos de patentes adquiridas de terceiros. [40]

A maior parte do código regulamentador consiste de medidas para todos os intentos

e propósitos escritas por grandes firmas das próprias indústrias regulamentadas,

para criminalizar a introdução de técnicas novas e mais eficientes.

Scott e R. A. Wilson: Poder e Comunicação.

Dominação e a Arte da Resistência [41], de Scott, é um estudo acerca de como a

comunicação é distorcida pelas relações de poder. Os pobres e subordinados, como

ele diz no Prefácio, dizem uma coisa na presença dos ricos ou de seus superiores eoutra entre eles próprios. O foco do livro é principalmente nesse fenômeno tal como

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ocorre nas relações de classe da sociedade como um todo e em relacionamentos de

produção agrária quase-feudais tais como escravidão, servidão e meeiros — não em

hierarquias burocráticas como as do órgão do governo ou da grande corporação. E o

caráter da comunicação ele próprio que é distorcido envolve precipuamente a

legitimidade da ordem de classes em vez de as informações necessárias paraprojeto ótimo de políticas ou organização de tarefas. O princípio geral que ele

descreve, contudo, é certamente aplicável a nossa presente área de interesse. Não

é preciso levar muito adiante a linha de análise dele para chegar-se ao dito de R. A.

Wilson de que ninguém diz a verdade a um homem com uma arma de fogo. Como

argumentou Wilson em “Treze Corais para o Divino Marquês,”

Uma civilização baseada em autoridade e submissão é uma civilização sem meios

de autocorreção. A comunicaçãoeficazflui apenas de um modo: do grupo dos

senhores para o grupo dos servos. Qualquer ciberneticista sabe que tal canal de umúnico sentido de comunicação carece de feedback e não tem como comportar-se

“inteligentemente.”

O epítome da autoridade-e-submissão é o Exército, e a rede de controle e

comunicação do Exército tem todos os defeitos que um pesadelo de ciberneticista

poderia conjurar. Seus padrões típicos de comportamento estão imortalizados no

folclore como SNTF (situação normal: todos fornicados), FAQE (fornicados além de

qualquer esperança) e ACERF (as coisas estão realmente fornicadas). Em forma

menos extrema, mas igualmente nosológica, estão as condições típicas de qualquergrupo autoritário, seja ele uma corporação, uma nação, uma família, ou toda uma

civilização. [42]

A comunicação de sentido único cria opacidade a partir de cima; a comunicação de

sentido duplo cria legibilidade horizontal. Para citar Michel Bauwens:

A capacidade de cooperar é verificada no próprio processo de cooperação. Portanto,

os projetos estão abertos a todos os chegantes, desde que tenham as habilidades

necessárias para contribuir para o projeto. Essas habilidades são verificadas, e

comunalmente validadas, no próprio processo de produção. Isso fica claro emprojetos abertos de publicação tais como o jornalismo participativo: qualquer pessoa

pode afixar os, e qualquer pessoa pode verificar a veracidade dos, artigos. São

usados sistemas de reputação para validação comunal. A filtragem dá-se a

posteriori, não a priori. O anticredencialismo contrasta pois com a revisão tradicional

por iguais, onde as credenciais são pré-requisito essencial para participar.

Os projetos P2P são caracterizados por holoptismo. O holoptismo envolve a

capacidade implícita e o projeto de processos entre iguais, permitindo aos

participantes livre acesso a todas as informações acerca dos outros participantes;não em termos de privacidade, mas em termos da existência e das contribuições

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deles (isto é, informações horizontais) e acesso aos objetivos, à métrica e à

documentação do projeto como um todo (isto é, informações verticais). Isso pode ser

contrastado com o panoptismo, característico dos projetos hierárquicos: os

processos são projetados para reservar o conhecimento ‘total’ para uma elite,

enquanto os participantes só têm acesso àquilo que é ‘indispensável saber’.Entretanto, nos projetos P2P, a comunicação não é de cima para baixo e baseada

em regras de relato estritamente definidas, e sim o feedback é sistêmico, integrado

no protocolo do sistema cooperativo. [43]

Wilson (com Robert Shea) desenvolveu o mesmo tema emO Illuminatus! Trilogia.

“….[E]m uma hierarquia rígida, ninguém questiona ordens que parecem vir de cima,

e aqueles bem no cimo estão de tal modo isolados da situação real de trabalho que

nunca vêem o que está acontecendo abaixo.” [44]

Um homem com arma de fogo só fica sabendo do que as pessoas consideram não oprovocará a puxar o gatilho. Visto que toda autoridade e governo estão baseados na

força, a classe senhorial, com sua carga de onisciência, vê a classe servil, com seu

fardo de necedade, precisamente como um assaltante de estrada vê sua vítima. A

comunicação só é possível entre iguais. A classe senhorial nunca obtém da classe

servil informação suficiente para saber o que realmente está acontecendo no mundo

onde a produtividade real da sociedade acontece…. O resultado só pode ser

deterioração progressiva entre os que mandam. [45]

Como veremos adiante na secção “Vendo Como Chefe e a Arte de Não Ser Gerido,”essa incapacidade da classe senhorial de abstrair informação suficiente, e essa

percepção da gerência pelos trabalhadores como “um assaltante de estrada,” resulta

no amealhamento de informação por aqueles que estão por baixo e o uso dessa

informação como fonte de rents.

O teórico da organização radical Kenneth Boulding, em veia similar, escreveu do

valor da “análise da maneira pela qual a estrutura organizacional afeta o fluxo de

informação,”

portanto afeta o insumo da informação para o tomador de decisão…. Há muitaevidência de que todas as estruturas organizacionais tendem a produzir falsas

imagens no tomador de decisões, e de que quanto maior e mais autoritária a

organização maior será a probabilidade de que seus tomadores de decisão de alto

escalão estejam operando em mundos puramente imaginários. [46]

Ou na incisiva frase de Bertram Gross: “Uma pessoa com grande poder não obtém

informação válida em absoluto.” [47]

Em sua discussão domētis, Scott traça uma conexão entre ele e a mutualidade

—“enquanto oposta a coordenação imperativa e hierárquica”—e reconhece sua

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dívida para com pensadores anarquistas como Kropotkin e Proudhon por essa

percepção. [48]Mētissó floresce num ambiente de comunicação nos dois sentidos

entre iguais, onde a pessoa em contato com a situação — a pessoa que realmente

faz o trabalho — está em situação de igualdade.

Interessantemente, R.A. Wilson havia anteriormente notado a mesma conexão entre

mutualidade — comunicação bilateral entre iguais — e informação precisa — em

“Treze Corais.” E incluiu sua própria alusão a Proudhon, não menos:

Proudhon era grande analista da comunicação, nascido 100 anos cedo demais para

ser compreendido. Seu sistema de associação voluntária (anarquia) está baseado

nos princípios simples de comunicação de que um sistema autoritário significa

comunicação num só sentido, ou estupidez, e um sistema libertário significa

comunicação em dois sentidos, ou racionalidade.

A essência da autoridade, como ele via, era a Lei — isto é, faça-se — isto é,

comunicação eficaz num sentido apenas. A essência de um sistema libertário, como

ele também via, era Contrato — isto é, acordo mútuo — isto é, comunicação eficaz

em ambos os sentidos. (“Redundância de controle” é a expressão técnica

cibernética.)

Em seu livro A Realidade de Quem Conta? Colocação do Primeiro em Último,

Robert Chambers descreve como as relações de autoridade distorcem o fluxo de

informação na elaboração da política de desenvolvimento do Terceiro Mundo.

O foco central de seu livro é o que ele chama de erros “enrustidos” (por oposição a

“aceitos”). Aceito é um erro o qual, na presença de mecanismo saudável de

feedback, é reconhecido e usado como ferramenta de aprendizado para corrigir

futuras tentativas de elaboração de políticas. Erros enrustidos, por outro lado,

“tendem a espalhar-se, a se autoperpetuar, e a se entranhar.” Fazem isso porque “se

adaptam ao que as pessoas poderosas querem acreditar,” [49] e pelo fato de as

pessoas poderosas estarem insuladas em relação a feedback eficaz.

Não apenas os erros enrustidos se adaptam ao que as pessoas poderosas querem

acreditar, mas os poderosos têm interesse velado na perpetuação de tais erros namedida em que eles reforçam o poder e os recursos disponíveis para eles. A

perpetuação do erro depende, em parte, de “quem ganha materialmente com aquilo

que as pessoas acreditam.”

Quanto o mito dá apoio a políticas, projetos e programas, muitos ficam em posição

de ganhar. Tanto indivíduos quanto organizações: burocratas, políticos, empreiteiros,

consultores, cientistas, pesquisadores e aqueles que financiam pesquisa; e suas

organizações — burocracias nacionais e internacionais, sistemas políticos,

companhias, firmas ou consultores, institutos de pesquisa e órgãos de financiamento

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de pesquisa. Qualquer um, ou diversos, ou todos esses podem beneficiar-se com a

aceitação de ideias, projetos ou políticas errados. [50]

Na presença de relações de poder hierárquicas, o fluxo de informação é distorcido —

além dos interesses velados — por diversos fatores que de algum modo se

imbricam. Primeiro o profissionalismo, no qual “crenças errôneas [ficam] embutidas

nos conceitos, valores, métodos e comportamento normalmente dominantes em

disciplinas e profissões.” Os erros enrustidos refletem “valores e crenças dominantes

atuais” reforçados pela cultura profissional e por contato entre pares profissionais.

[51]

Segundo, a “distância,” no sentido de aqueles no poder estarem “física,

organizacional, social e cognitivamente distantes das pessoas e condições em

relação às quais [estejam] analisando, planejando e prescrevendo, e acerca das

quais estejam fazendo previsões.” As pessoas no poder estão amiúde fisicamentedistantes, “situadas centralmente, em sedes, em escritórios, em laboratórios e em

postos de pesquisa,” muito longe das realidades com as quais suas políticas são

formuladas para lidar. [52]

Terceiro, o poder. Um cargo de poder — estar em posição superior de autoridade,

tendo controle do financiamento ou das perspectivas de carreira daqueles de quem

recebem relatórios etc. — tende a condicionar as percepções daqueles no cimo,

impedindo que aprendam. [53]

Para o aprendizado, o poder é uma deficiência. Parte da explicação do erropersistente reside nas relações interpessoais de poder. Profissionais poderosos

podem impor suas realidades…. O aprendizado dos que estão em cima é tolhido por

domínio pessoal, distância, negação, e responsabilização da vítima. De sua parte,

os que estão em baixo defendem-se por meio do que selecionam para mostrar e

contar, da diplomacia, e da tapeação. Autoengano e engano mútuo sustentam os

mitos. Pesquisas por questionário tendem a confirmar as realidades dos que estão

em posição superior, impondo seus constructos e refletindo suas realidades… Todo

poder tapeia, e poder excepctional tapeia excepcionalmente….….Todos os que são poderosos são por definição pessoas que estão no alto, por

vezes muitas vezes no alto. As outras pessoas relacionam-se com eles na condição

de pessoas que estão por baixo. Em suas vidas diárias muitos dos que estão no alto

ficam vulneráveis a aquiescência, deferência, lisonja e aplacamento. Não são

facilmente contraditos ou corrigidos. ‘A palavra deles prevalece’. Torna-se fácil e

tentador para eles… impor suas realidades e negar as dos outros. Torna-se difícil

para eles aprender. [54]

Vendo Como Chefe, e A Arte de Não Ser Gerido: Opacidade eMētis naHierarquia Corporativa.

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Hayek, em “O Uso do Conhecimento na Sociedade,” tratou o mercado como o

mecanismo principal para agregar conhecimento disperso ou oculto. O problema é

que os atores dominantes do mercado — grandes corporações — são ilhas de

planejamento centralizado num mar de mercado. E em grande parte da economia

são ilhas muito grandes, com o domínio do mecanismo de preços do mercadorelegado a estreitos canais entre elas.

Ora, como argumentou Ronald Coase, num livre mercado as fronteiras entre

planejamento centralizado e relações de preços no mercado seriam traçadas no

ponto onde o aumento de benefícios decorrentes de controle administrativo

cessasse de anular as ineficiências resultantes da perda do mecanismo de mercado.

Mas o que existe não é um livre mercado. É uma economia corporatista na qual o

estado subsidia os custos operacionais do grande porte e protege enormes

corporações ineficientes da pressão competitiva, de tal maneira que as ilhas deplanejamento central ficam muitas vezes maiores — e mais ineficientes — do que

provavelmente seriam num livre mercado.

Uma hierarquia corporativa interfere nas avaliações do que Hayek chamou de “as

pessoas no lugar,” e na coleta de conhecimento disperso de circunstâncias,

exatamente da mesma maneira que o estado faz.

A maioria das atividades de produção envolve considerável quantidade demētis, e

depende da iniciativa de trabalhadores para improvisar, aplicar habilidades de novas

maneiras, diante de eventos ou totalmente imprevisíveis ou não totalmenteprevisíveis. [55] Hierarquias rígidas e regras rígidas de trabalho funcionam num

ambiente previsível. Quando o ambiente é imprevisível, a chave do sucesso reside

na posse de poder e de autonomia por aqueles em contato direto com a situação.

As organizações hierárquicas são — para tomar de empréstimo uma frase luzente

de Martha Feldman e James March—sistematicamente estúpidas. [56] Por todas as

mesmas razões hayekianas que tornam uma economia planificada

insustentável,nenhumindivíduo é “genial” o suficiente para administrar uma grande

organização hierárquica.Ninguém —  nem Einstein, nem John Galt — possui asqualidades para fazer uma hierarquia burocrática funcionar racionalmente. Ninguém

é genial a esse ponto, do mesmo modo que ninguém é genial o bastante para

administrar eficientemente o Gosplan — essa é toda a questão. Como disse Matt

Yglesias,

Creio ser digno de nota que a classe empresarial, como conjunto, tem uma visão

curiosa e de certo modo incoerente do capitalismo e de por que ele é uma coisa boa.

Na verdade, é, sob a maioria dos aspectos, uma visão retrógrada que contrasta

fortemente com a abordagem da ciência econômica ou política acerca de por que osmercados funcionam.

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A visão básica dos empresários está muito concentrada no papel fundamental

doexecutivo. Firmas boas, lucrativas, em crescimento são administradas por

executivos brilhantes. E a capacidade da firma de crescer e ser lucrativa é evidência

do brilho de seus executivos. Esse é parte do motivo pelo qual os salários dos

Executivos Principais – CEO precisam estar sempre subindo — recrutar o melhor éessencial para o sucesso. Os líderes de grandes firmas tornam-se figuras

reverenciadas…. Seu sucesso decorre de genialidade total….

O problema disso é que, se isso fosse geralmente verdade — se os CEOs da lista

das 500 da Fortune fossem brilhantes videntes econômicos — então faria muito

sentido implantar-se o socialismo. Socialismo real. Nada de tributação progressiva

para financiar um levemente redistributivo estado assistencialista. E sim “vamos

deixar Vikram Pandit e Jeff Immelt planejarem centralizadamente a economia —

afinal de contas, eles realmente são brilhantes!”No mundo real, porém, a questão dos mercados não é que os executivos sejam

espertos e os burocratas sejam broncos. A questão é queninguém é tão brilhante

assim. [57]

Não importa o quanto sejam esclarecidos e capazes, não importa o quanto

competentes, como seres humanos na lide com a realidade efetiva, ainda assim, por

sua própria natureza, as hierarquias insulam aqueles que estão no cume da

realidade do que está acontecendo abaixo, eforça-osa funcionar em mundos

imaginários onde toda a sua inteligência se torna inútil. Não importa o quanto osgerentes sejam inteligentes enquantoindivíduos, uma hierarquia burocrática torna a

inteligência deles menosusável. A única solução é dar discricionariedade àqueles

em contato direto com a situação. Como escreve Bruce Schneier no tocante a

segurança contra ataque:

A boa segurança tem como encarregadas pessoas. As pessoas são resilientes. As

pessoas conseguem improvisar. As pessoas conseguem ser criativas. As pessoas

conseguem desenvolver soluções adaptadas ao local específico…. As pessoas são

o ponto mais forte num processo de segurança. Quando um sistema de segurança ébem-sucedido perante ataque novo ou coordenado ou devastador, isso geralmente

se deve aos esforços das pessoas. [58]

O problema das relações de autoridade numa hierarquia é que, dado o conflito de

interesses criado pela presença do poder, aqueles com autoridade não

podem permitir-sedar discricionariedade àqueles em contato direto com a situação.

Resulta estupidez sistemática, inevitavelmente, de uma situação na qual uma

hierarquia burocrática tem de desenvolver alguma métrica para avaliar as

habilidades ou a qualidade do trabalho de uma força de trabalho acerca de cujotrabalho real ela nada sabe, e cujos interesses materiais militam contra sanar a

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ignorância da gerência. Quando a gerência não sabe (nas palavras de Paul

Goodman) “o que significa um bom trabalho,” é forçada a confiar em métrica

arbitrária.

A maior parte do constantemente crescente fardo de papelada existe para dar a

ilusão de transparência e controle a uma burocracia que está fora de contato com o

real processo de produção. A maioria da nova papelada é acrescentada para

compensar o fato de a papelada já existente refletir métrica pobremente concebida

que transmite pobremente a informação que supostamente mensura. “Se tão-

somente conseguirmos conceber o formulário perfeito, saberemos finalmente o que

está acontecendo.”

Numa hierarquia, os gerentes são forçados a ver “por espelho, em enigma” um

processo necessariamente opaco para eles porque eles não estão diretamente

envolvidos nele. Eles são forçados a realizar a tarefa impossível de desenvolvermétrica precisa para avaliar o comportamento dos subordinados, com base em

autorrelato de pessoas em relação às quais eles têm conflito fundamental de

interesses. Toda a carga de papelada que a gerência impõe aos trabalhadores

reflete tentativa de tornar legível um conjunto de relações sociais que, por sua

natureza, tem de ser opaco e vedado a ela, porque ela está fora dele. Cada novo

formulário visa a melhorar o até agora imperfeito autorrelato dos subordinados. A

necessidade de nova papelada está baseada na premissa de que o cumprimento

precisa ser verificado porque as pessoas que estão sendo monitoradas têm conflitofundamental de interesses com aqueles que elaboram as políticas, e portanto não se

pode confiar nelas; ao mesmo tempo, porém, a papelada depende do autorrelato

como principal fonte de informação. Toda vez que nova evidência é apresentada

mostrando que esta ou aquela tarefa não está sendo desempenhada de modo

satisfatório para a gerência, ou que tal política não está sendo observada, a despeito

das já existentes resmas de papelada, a reação da gerência é conceber mais outro

— e igualmente inútil — formulário.

Regras weberianas de trabalho resultam como consequência inevitável quandométricas de desempenho e qualidade não estão ligadas a feedback direto oriundo do

próprio processo de trabalho. Representam uma métricadetrabalho para alguém

que não é nem criador/fornecedor nem usuário final. E são necessárias — repetindo

— porque aqueles no cume da pirâmide não podem permitir-se deixar aqueles no

sopé terem liberdade para usar seu próprio bom senso. Uma burocracia não pode

permitir-se conceder a seus subordinados tal autonomia, porque alguém com

discricionariedade para fazer as coisas mais eficientemente também terá

discricionariedadel para fazer algo mau. E como o subordinado tem conflitofundamental de interesses com o superior, e não internaliza os benefícios de aplicar

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sua inteligência, não se torna confiável quanto a usar sua inteligência para benefício

da organização. Em tal relacionamento de soma zero, qualquer discricionariedade

pode levar a abuso.

Daí o pesadelo burocrático— como algo diretamente saído deBrazil— que Paul

Goodman descreveu no sistema de escolas públicas de Nova Iorque.

Quando os meios sociais ficam vinculados a organizações assim complicadas, torna-

se extraordinariamente difícil e por vezes impossível fazer uma coisa simples

diretamente, embora fazê-lo seja questão de bom senso e vá contar com aprovação

geral, como quando nem o filho, nem o progenitor, nem o bedel, nem o diretor da

escola podem retirar a trava de porta que está atrapalhando. [59]

Enquanto isso, “[u]m tipo antiquado de ferragem está especificado para todos os

novos edifícios, mantido em produção apenas para o sistema de escolas de Nova

Iorque.” [60] Você tem um Formulário 27-B?

Por outro lado, os subordinados não podem permitir-se contribuir com o

conhecimento necessário para projeto de um processo eficiente de trabalho. É boa a

analogia do “ladrão de estrada” de R.A. Wilson acima citada. Os trabalhadores veem

os gerentes como assaltantes que usarão contra eles qualquer informação que

obtenham. Gary Miller, emDilemas Gerenciais, argumentou que a confiança era a

característica mais distinta das empresas que faziam uso mais produtivo do capital

humano. Citou obras de economistas comportamentais e de teóricos de jogos

mostrando que as relações de confiança são construídas ao longo de interaçõesrepetidas, quando as partes sabem que lidarão uma com a outra no futuro. Ele usou

a remuneração por peça como ilustração. No curto prazo, a gerência poderia ter

incentivo racional para obter maior esforço mediante pagamento por peça fabricada,

cortando, mais tarde, esse tipo de remuneração. No longo prazo, porém, só será

possível extrair maior esforço se os trabalhadores confiarem em que a gerência não

mudará as regras do jogo, prejudicando-os; caso contrário, a estratégia racional

será, no caso dos trabalhadores, fugir das obrigações e evitar produzir acima da

média. A gerência poderá extrair maior esforço por meio de medidas prolongadas deconstrução de confiança demonstrando não ter a intenção de expropriar os ganhos

de produtividade decorrentes de maiores esforços. A gerência só conseguirá extrair

investimento de esforço e de habilidade dos trabalhadores em favor da produtividade

da empresa se lhes der direitos de propriedade de longo prazo na parcela deles dos

ganhos de produtividade, com garantias fidedignas contra expropriação. E os

relacionamentos de confiança sobre os quais repousa a disposição do trabalhador

para investir em esforço e habilidade, para revelar seus conhecimentos ocultos, são

todos extremamente frágeis e passíveis de fácil rompimento se a gerência trair essaconfiança. [61] Relacionamentos de confiança penosamente construídos ao longo do

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tempo podem ser destruídos do dia para a noite pelo idiota típico com mestrado em

administração de empresas que acha poder aumentar sua remuneração em opções

de ações mediante demitir metade da força de trabalho.

Sob esse aspecto, a prática japonesa (pelo menos até recentemente) de oferecer

garantias vitalícias de trabalho, e a segurança no emprego relativamente forte no

Capitalismo de Consenso Estadunidense, não foram propriamente o estofo da

“cultura de direitos assegurados” e de ineficiência que a direita sugere. Foram quase

ideais para a gerência de capital humano como investimento de longo prazo, e para

extrair os esforços, as habilidades e o conhecimento oculto da força de trabalho.

Como Waddell e Bodek destacam, as pessoas “não trabalharão mais arduamente se

a gerência tiver definido como meta final uma fábrica completamente automatizada,

enquanto incursiona pela fábrica caçando empregos a eliminar e pessoas a demitir.

As pessoas… não trabalharão mais arduamente para alguém que as tenha definidocomo custo variável.” [62] Quando os trabalhadores são definidos como custo

variável, “criam segurança no emprego mediante darem um jeito de o trabalho nunca

ser completado.” [63] Para mencionar apenas um exemplo, antes de uma fábrica da

Range Rover no Reino Unido fazer promessa de emprego vitalício, no início dos

anos 90, apenas 11% dos empregados entravam na competição anual de sugestões

de empregados, por medo de o aumento de eficiência levar a demissões. Depois da

garantia, a cifra subiu para 84%. E só uma dessas sugestões valeu para a empresa,

em economia, um milhão de libras. [64]Sanford Grossman e Oliver Hart oferecem base teórica para isso, argumentando que

a atribuição de direitos de propriedade pela firma afeta a produtividade porque a

atribuição de condição de requerente residual a uma parte reduz o incentivo da outra

para investir na firma. A parte requerente residual “usará [seu] controle dos direitos

residuais para obter fatia maior do excedente após excluídas as incertezas,” o que

levará a parte sem direito residual a subinvestir. Portanto, os direitos residuais devem

ser distribuídos de acordo com contribuições para a produtividade. [65] Dado que as

ações, numa corporação típica, valem diversas vezes o valor contábil dos haveresfísicos, e dada a enorme contribuição do capital humano para a produtividade, a

implicação fica clara.

De acordo com Gary Miller, remuneração adequada serve não apenas como salário

acima da média para reduzir rotatividade de capital humano como, também, extrai

conhecimento oculto que de outra maneira poderia ser explorada sob forma de rents

de informação. O problema é o relacionamento de soma zero entre gerência e

trabalhadores:

Visto que os salários de subordinados são custos para o dono dos lucros residuais, amaximização do lucro pelo centro é um obstáculo à resolução eficiente do problema

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tanto da informação oculta quanto da ação oculta. O desejo dos donos de maximizar

receitas deduzidos os pagamentos de salários para os membros da equipe

continuamente os induz os a optar por esquemas de incentivo que estimulam

fornecimento capcioso de informações estratégicas e métodos de produção

ineficientes por parte dos subordinados….

O dilema central numa hierarquia é pois como restringir o interesse próprio daqueles

com algo a ganhar ou perder no inevitável resíduo gerado por um sistema de

incentivos eficiente…. Haverá disponível, para o dono, um conjunto de alternativas

gerenciais que fará decrescer o tamanho total do bolo, aumentando contudo a fatia

do dono nesse bolo….

…. Uma empresa ficará melhor se puder garantir a seus subordinados seguro

“direito de propriedade” em dado plano de incentivos e o direito de controlar certos

aspectos de seu ambiente de trabalho e ritmo de trabalho…. A segurança dessesdireitos de propriedade pode dar aos empregados motivo para fazer investimentos

de tempo, energia e relacionamentos sociais que produzem crescimento econômico.

[66]

Isso quase nunca acontece porque, como argumenta Miller, a gerência percebe

como de seu interesse lançar-se à busca de interesses próprios mesmo a expensas

da produtividade total da firma. Portanto os trabalhadores, no modelo padrão do

capitalismo selvagem conduzido pelo mestre em administração de empresas, acaba

essencialmente refletindo as estratégias dos camponeses de Zomia (ver a secçãoabaixo “Espaços Estatais e Não Estatais”), tentando minimizar sua legibilidade em

relação à gerência e minimizar a probabilidade de aumento de produtividade

resultante de seu conhecimento oculto ser usado contra eles ou expropriado. O

conhecimento oculto — ouamealhado — dos trabalhadores é diretamente análogo

aos tubérculos dos camponeses zomianos escondidos no subsolo para impedir

confisco via incursões dos exércitos do estado.

Os rents que resultam de conhecimento privado detido por trabalhadores peritos,

dado o relacionamento de soma zero entre gerência e trabalhadores, são barreirainaceitável impeditiva de apropriação do produto do trabalho.

O aumento do controle do processo de trabalho pela gerência, e portanto a

apropriabilidade da produção — tornando a organização mais legível de maneira a

aumentar o produto líquido apropriável — é a real agenda no cerne das estratégias

de redução do nível de qualificação dos trabalhadores, como o taylorismo. Para

repetir a metáfora de Miller, quando tendo opção entre eficiência e controle — entre

um bolo maior e uma fatia maior de um bolo menor — a gerência usualmente prefere

maximizar o tamanho de sua fatia em vez de o tamanho do bolo. Como Scottargumenta, o controle leva a melhor sobre a eficiência:

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Como mostrou convincentemente a obra inicial de Stephen Marglin, o lucro

capitalista requer não apenas eficiência mas aconjugação de eficiência e controle.

As inovações cruciais da divisão do trabalho no nível de subproduto e a

concentração da produção na fábrica representam os passos decisivos para colocar

o processo de trabalho sob controle unitário. Eficiência e controle podem coincidir,como no caso da fiação e da tecelagem mecanizadas do algodão. Por vezes, porém,

podem não estar relacionados e até ser contraditórios. “A eficiência, na melhor das

hipóteses, cria um lucro potencial,” observa Marglin. “Sem controle o capitalista não

tem como materializar tal lucro. Assim, pois, formas organizacionais que aumentem

o controle capitalista poderão aumentar os lucros e ganhar o favor de capitalistas

mesmo se afetarem adversamente a produtividade e a eficiência. Inversamente,

maneiras mais eficientes de organizar a produção que reduzam o controle capitalista

poderão acabar reduzindo os lucros e sendo rejeitadas pelos capitalistas.”Quando a produção artesanal era mais eficiente, era “difícil para o capitalista

apropriar-se dos lucros de uma população dispersa de artífices.” [67]

Na agricultura, do mesmo modo, “a mera eficiência de uma forma de produção não é

suficiente para assegurar a apropriação de tributos ou lucros.”

A agricultura do pequeno proprietário independente poderá… ser o modo mais

eficiente de plantar. Contudo, tais formas de agricultura, embora possam apresentar

possibilidades para tributação e lucro quando seus produtos são juntados,

processados e vendidos, são relativamente ilegíveis e difíceis de controlar. Como nocaso de artesãos autônomos e lojistas pequeno-burgueses, monitorar os sucessos

comerciais de peixes pequenos é um pesadelo administrativo. As possibilidades de

evasão e resistência são numerosas, e o custo de conseguir dados precisos anuais

é alto, se não proibitivo. [68]

A produção dispersa via métodos artesanais quase sempre representou obstáculo

em relação a controle e apropriação. O objetivo do taylorismo era abolir o

conhecimento oculto e os rents que o acompanhavam. O taylorismo era um modo

pelo qual “o trabalho humano como sistema mecânico… podia ser decomposto emtransferências de energia, movimento, e física do trabalho.” Essa “simplificação do

trabalho em problemas isolados de eficiências mecânicas” facilitava “o controle

científico de todo o processo de trabalho.” E controle científico significava legibilidade

e expropriabilidade.

Para o gerente da fábrica ou o engenheiro, as novas linhas de montagem inventadas

tornavam possível o uso de trabalho não qualificado e de controle sobre não apenas

o ritmo de produção mas de todo o processo de trabalho. [69]

O gênio dos modernos métodos de produção em massa, Frederick Taylor, entendeucom grande clareza o problema de destruir mētis e de tornar uma população

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resistente, quase autônoma, de artesãos em unidades mais adequadas, ou

“empregados de chão de fábrica.” “Na gerência científica… os gerentes assumem…

o ônus de coletar todo o conhecimento tradicional que, no passado, era possuído

pelos artífices e, em seguida, de classificar, tabular e reduzir esse conhecimento a

regras, leis, fórmulas…. Assim, pois, todo o planejamento que, no antigo sistema,era feito pelos artífices precisa, inevitavelmente, ser feito pela gerência, em acordo

com as leis da ciência.” Na fábrica taylorizada apenas o gerente da fábrica tinha o

conhecimento e o comando do processo total, e o trabalhador era reduzido à

execução de uma pequena, amiúde minúscula, parte do processo total.

Isso poderia, por vezes, resultar em aumento de eficiência, disse Scott — mas

foisempre“um grande benefício para o controle e o lucro.” [70]

O taylorismo não apenas tirou poder dos trabalhadores; tão importante quanto isso,

deu poder aos gerentes e técnicos. Foi uma subespécie do que Scott chama de“ideologia altomodernista,” e mais especificamente de sua vertente estadunidense (o

movimento Progressista do início do século 20, precursor direto do liberalismo de

meados do século 20). O Progressismo e seu componente taylorista refletiam, e

serviam como instrumento de legitimação de, o desejo de poder das classes

gerenciais-profissionais de colarinho branco. A indústria deveria ser governada por

um conjunto de “melhores práticas,” regras weberianas de trabalho, melhor

conhecidas pelos especialistas no alto da hierarquia. E o regime de eficiência e

racionalidade — o que Scott chama de “autoritarismo de régua de cálculo —substituiria o conflito de classes pela “colaboração de classes” mediante crescentes

produção e racionalidade promovendo os interesses comuns de todos. [71]

Sob esse aspecto, o taylorismo dentro da corporação era um microcosmo da

ideologia altomodernista do Progressismo na sociedade em geral.

As ideologias altomodernistas incorporam preferência doutrinária por certas formas

de organização social… A maioria das preferências pode ser deduzida dos critérios

de legibilidade, apropriação e centralização de controle. Na medida em que os

arranjos institucionais possam ser facilmente monitorados e dirigidos a partir docentro e possam ser facilmente tributados (no mais amplo sentido de tributação),

provavelmente serão fomentados. [72]

Esse conjunto de preferências é tão verdadeiro da gerência corporativa quanto do

sistema político e social como um todo.

Se houve um apóstolo do modelo de meados do século 20 da organização industrial

— o modelo associado à organização política-econômica chamada ou de

“liberalismo corporativo” ou de “capitalismo de consenso” — foi Alfred Chandler.

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Onde a tecnologia subjacente de produção permitiu, o aumento da produção-por-

período-de-tempo [throughput] por meio de inovação tecnológica, o aperfeiçoamento

do projeto organizacional e o aperfeiçoamento das habilidades humanas levaram a

agudo decréscimo do número de trabalhadores necessários para produzir cada

unidade produzida. A proporção de capital em relação aos trabalhadores, demateriais em relação aos trabalhadores e de gerentes em relação aos trabalhadores,

para cada unidade produzida, tornou-se maior. Tais indústrias de alto volume logo se

tornaram intensivas em termos de capital, energia e gerência. [73]

Suspeito, porém, de que tais métodos de produção em massa intensivos em termos

de capital não eram tão eficientes em tantos casos quanto Scott imagina. Tais

métodos, como ressaltado por autores que escreveram sobre produção enxuta como

John Womack, ou William Waddell e Norman Bodek, tendem a ser mais eficientes

em cada estágio individual da produção — minimizando o custo unitário de cadamáquina específica e maximizando sua [?] — criando ao mesmo tempo aumento de

custo mais do que anulador daquela economia, oriundo de estoque, overhead e

marketing e distribuição em geral.

De qualquer forma,mētis e conhecimento disperso nunca podem ser completamente

taylorizados a partir do processo de produção. Tentativas daqueles em posição de

autoridade de minimizar a discricionariedade mediante redução das tarefas a rotinas

padronizadas e previsão de todas as contingências possíveis em regras só podem

redundar em séria degradação da eficiência, precisamente por ser impossível prevertodas as contingências ou conceber regras gerais que não requeiram exceções

diante de circunstâncias inesperadas.

O sonho utópico da taylorização — uma fábrica na qual todo par de mãos fosse mais

ou menos reduzido a movimentos automáticos, à moda de robôs programados —

era irrealizável. Não que isso não tenha sido tentado. David Noble descreveu a bem-

financiada tentativa de fabrico de máquinas operatrizes por meio de controles

numéricos porque isso prometia “emancipação em relação ao trabalhador humano.”

O fracasso final aconteceu precisamente porque o projeto do sistema havia excluídomētis — os ajustes práticos que um trabalhador experiente faria para compensar

pequenas mudanças em material, temperaturas, a fadiga ou irregularidades na

máquina, mau funcionamento mecânico, e assim por diante. Como disse um

operador, “Pretende-se que os controles numéricos sejam como mágica, mas tudo o

que se consegue produzindo automaticamente é sucata.” Essa conclusão poderia

ser generalizada. Numa brilhante etnografia das rotinas de trabalho de operadores

de máquina cujas tarefas pareciam ter sido completamente destituídas de

qualificação, Ken Kusterer mostrou como os trabalhadores, todavia, tiveram dedesenvolver habilidades individuais as quais eram absolutamente indispensáveis

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para produção bem-sucedida, mas que nunca poderiam ser reduzidas a fórmulas

que um novato pudesse usar imediatamente.

No incidente a que Scott aludiu, como descrito por Noble, “[o]s trabalhadores cada

vez mais recusaram-se a tomar qualquer iniciativa”

— para fazer manutenção simples (tal como tirar fiapos do leitor de fita), ajudar a

diagnosticar mau funcionamento, consertar ferramentas quebradas, e até evitar uma

colisão. A taxa de produção de refugo disparou… juntamente com tempo de

máquinas paradas, e baixo moral produziu as taxas mais altas de absenteísmo e

rotatividade de pessoal. Tornou-se comum empregados ausentarem-se do local de

trabalho e, sob constante assédio dos supervisores, os operadores desenvolveram

engenhosos métodos secretos de manter alguma medida de controle do próprio

trabalho, inclusive uso astuto de controles manuais interferentes no funcionamento

automático de máquinas.

….A parte da fábrica com o equipamento mais sofisticado tornara-se a parte da

fábrica com mais alta taxa de refugo, de rotatividade de pessoal, e de mais baixa

produtividade…. [74]

Na verdade, as organizações hierárquicas dependem, para continuação de

funcionamento, da disposição dos trabalhadores para tratar regras baseadas em

autoridade como uma forma de irracionalidade e passar ao largo delas. Scott dá o

exemplo da URSS, onde num congresso de especialistas em agricultura durante

a perestroikade Gorbachev

houve quase unanimidade dos participantes na exasperação acerca do que três

gerações haviam feito com as habilidades, a iniciativa e o conhecimento dos

kolkhozniki…. Subitamente uma mulher de Novosibirsk os repreendeu: “Como vocês

acham, para começo de conversa, que as pessoas do campo sobreviveram durante

sessenta anos de coletivização? Se elas não tivessem usado sua iniciativa e

sagacidade, não teriam chegado até aqui! [75]

Exatamente. Para nossos objetivos, a União Soviética pode ser tratada como um

caso em que uma única corporação era dona de uma economia nacional inteira, como Politburo como diretoria, a KGB como os sabotadores dos movimentos dos

trabalhadores e os ministérios industriais como divisões de produção dentro de uma

gigantesca estrutura de formato multidivisional. Pelo fato de a economia soviética

inteira ser de propriedade de um único conglomerado, com barreiras autárquicas à

competição vinda de fora, os únicos limites ao nível de ineficiência que ela podia

tolerar eram estabelecidos pela necessidade de impedir colapso econômico ou

político. Ou, para inverter a comparação, a grande corporação é um microcosmo da

economia planificada soviética, na qual os trabalhadores usam sua iniciativa paracontornar a irracionalidade burocrática imposta de cima.

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A grande corporação tacitamente depende dos trabalhadores que desenvolvem

meios de contornar e de desprezar regras irracionais para manterem a produção em

andamento a despeito da gerência, do mesmo modo que o Ministério de Serviços

Centrais, em Brazil, dependia de pessoas como Harry Tuttle. O desaparecimento do

mercado paralelo e da atividade nalevo teria tido o mesmo efeito na URSS que umagreve tipo operação padrão numa corporação.

Scott escreve ser impossível, devido à natureza das coisas, toda pessoa implicada

no processo de produção ser destilada, formalizada ou codificada em forma legível

pela gerência.

…[A] ordem formal codificada nos projetos de engenharia social inevitavelmente

deixa de fora elementos essenciais a seu funcionamento real. Se a fábrica [da

Alemanha Oriental] fosse forçada a funcionar apenas dentro da raia dos papéis e

funções especificados no projeto simplificado, rapidamente pararia. Economias decomando coletivizado praticamente em toda parte só conseguiram avançar mal e

mal graças à amiúde desesperada improvisação de uma economia informal

totalmente fora de sua representação diagramática.

Enunciado de forma um tanto diferente, todos os sistemas socialmente engendrados

de ordem formal são, na verdade, subsistemas de um sistema maior do qual são, em

última análise, dependentes, para não dizer parasitários. O subsistema depende de

uma gama de processos — frequentemente informais ou antecedentes — que

sozinho ele não consegue criar ou manter. Quanto mais esquemática, enxuta esimplificada a ordem formal, menos resiliente e mais vulnerável fica ela a

perturbações externas a seus estreitos parâmetros….

É, acredito, característico de grandes sistemas formais de coordenação serem

acompanhados de aparentes anomalias as quais, porém, quando inspecionadas

mais de perto, revelam-se parte integrante daquela ordem formal. Grande parte

disso poderia ser chamado de “mētis em operação de socorro….” Uma economia de

comando formal… depende de comércio miúdo, escambo e acordos normalmente

ilegais…. Em cada caso, a prática em desacordo com as normas é condiçãoindispensável para a ordem formal. [76]

… Em cada caso, o necessariamente delgado, esquemático modelo de organização

e produção social inspirador do planejamento era inadequado como conjunto de

instruções para criação de uma ordem social bem-sucedida. Por si próprias, as

regras simplificadas nunca conseguem gerar uma comunidade, cidade ou economia

que funcione. A ordem formal, para ser mais explícito, é sempre e em algum grau

considerável parasitária de processos informais, que o esquema formal não

reconhece, sem os quais não conseguiria existir, e que sozinho não consegue criarou manter. [77]

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O mesmo é verdade, naturalmente, na “economia de comando coletivizado” da

grande corporação ocidental. Bom exemplo é o conhecimento oculto de

trabalhadores de central telefônica de um serviço público privatizado.

À medida que surgiram sucessivos problemas nos sistemas, ficou claro para a

equipe que as pessoas que haviam projetado os sistemas tinham conhecimento

inadequado do conteúdo do trabalho dos funcionários, achando ser ele muito menos

complexo do que em realidade era. De certo modo ironicamente, a introdução de

sistemas visantes a simplificar e padronizar o trabalho dos funcionários em realidade

chamou a atenção dos funcionários para o fato de eles emprestarem à empresa

determinado tipo de competência técnica que não pode facilmente ser escrito dentro

de um programa de computador. Como observou um funcionário, “Cada secção

envolvia conhecimento que tem de ser obtido pela experiência, que não pode ser

embutido nos sistemas”…. Um funcionário de suprimento explicou:…. Não acredito termos entendido, antes, o quanto a gerência depende do que nós

conhecemos acerca do trabalho…. Ela supunha saber tudo o que nós fazíamos,

dizia “Sabemos os procedimentos, temo-los por escrito.” Acredito ter sido forte

choque para ela descobrir que não sabia, que o procedimento escrito não é

necessariamente como a gente faz o trabalho, as descrições de tarefas não têm

como abranger tudo.” [78]

E, desobediência formal à parte, a diferença entre o que Oliver Williamson chamou

de “cooperação consumada” e apenas “cooperação perfunctória — distinção quegira em torno da contribuição ativa, pelo trabalhador, de seu conhecimento disperso

ou mētis para o processo de produção, por oposição a fazer apenas o mínimo

necessário para evitar ser demitido — faz enorme diferença para o nível de

funcionamento de referido processo.

A cooperação consumada é uma atitude de trabalho afirmativa — de incluir o uso do

discernimento, preencher lacunas, e tomar iniciativa de maneira fundamental. A

cooperação perfunctória, em contraste, envolve desempenho de trabalho de tipo

minimamente aceitável…. O resultado é que os trabalhadores, ao passarem a adotarum modo de desempenho perfunctório, ganham condições de “destruir” ganhos

idiossincrásicos de eficiência. [79]

Como argumenta J. E. Meade, trata-se de simples comportamento de maximização

de utilidade: Empregado assalariado “terá de observar o padrão mínimo de trabalho

e esforço a fim de manter seu emprego; mas não terá motivo financeiro pessoal

imediato… para comportar-se de modo que promova a lucratividade da empresa….

[Q]ualquer lucro extra devido a seu esforço extra será creditado, em princípio, ao

empresário….” [80]

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E conhecimento oculto significa, escreve Williamson, ser impossível “descobrir se os

trabalhadores põem sua energia e inventividade no trabalho de maneira que

possibilite ser plenamente materializada economia de custos específica de

tarefas….” [81] Nas palavras de Paul Milgrom e John Roberts, “apenas o agente tem

conhecimento da ação que praticou na persecução de seus próprios objetivos oudos do chefe, ou apenas o agente tem acesso ao conhecimento específico no qual

sua ação está baseada.” [82]

Os conceitos de Williamson de cooperação consumada e perfunctória estão

implícitos nesta passagem de Hayek:

Conhecer e colocar em uso uma máquina não completamente empregada, ou a

habilidade de alguém que poderia ser melhor utilizada, ou estar consciente de um

excedente de estoque ao qual se possa recorrer durante uma interrupção do

suprimento, é socialmente tão útil quanto o conhecimento de técnicas alternativasmelhores. [83]

…. Será verdade que, uma vez tendo sido construída uma fábrica, o resto é mais ou

menos mecânico, determinado pelo caráter da fábrica, ficando pouco por ser

mudado na adaptação às sempre cambiantes circunstâncias do momento?

…. Numa indústria competitiva, de qualquer forma… a tarefa de impedir que os

custos subam requer luta constante, absorvendo grande parte da energia do

gerente. O quanto é fácil para um gerente eficiente dissipar os diferenciais sobre os

quais repousa a lucratividade e o ser possível, com as mesmas facilidades técnicas,produzir com grande variedade de custos contam-se entre os lugares-comuns da

experiência de negócios que não parecem ser igualmente encontradiços no estudo

do economista. [84]

E Oliver Williamson escreveu, na mesma tecla, que “[q]uase todo trabalho envolve

algumas habilidades específicas.”

Mesmo os mais simples trabalhos de guarda/manutenção são facilitados pela

familiaridade com o ambiente físico específico do local de trabalho nos quais estejam

sendo realizados. O funcionamento aparentemente rotineiro de máquinaspadronizadas pode ser auxiliado, de modo importante, pela familiaridade com o

equipamento operacional específico…. Em alguns casos os trabalhadores são

capazes de prever o problema e diagnosticar sua origem graças a sutis mudanças

no som ou cheiro do equipamento. Ademais, o desempenho em alguns empregos de

produção ou de gerência envolve um elemento de equipe, e constitui habilidade

crítica a capacidade de trabalhar eficazmente com os membros existentes da

equipe…. [85]

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A disposição da força de trabalho de cooperar consumadamente em vez de

perfunctoriamente, de contribuir com seu conhecimento disperso, é possivelmente o

principal fator determinante na amplitude potencial de custos de determinado

conjunto de recursos técnicos. E o capital humano da empresa — conhecimento e

repertório ocultos de habilidades específicas de tarefa dos quais a gerênciararamente sequer tem conhecimento pelo fato de não haver como comunicá-los por

meio de hierarquia, a rede de relacionamentos pessoais da qual a produção

depende — é a fonte de grande parte do patrimônio de uma firma, e responde pela

lacuna entre seu valor patrimonial e seu valor escriturado nos livros (isto é, o valor de

mercado de seus haveres físicos). Nada obstante, como veremos adiante, a

gerência, dentro das convenções da contabilidade sloanista, trata o trabalhador e

suas habilidades como custo direto, em vez de haver de capital que custa dinheiro

para substituir, e faz tudo o que pode para periodicamente dizimar seu capitalhumano.

Quando resolvem parar de escorar o sistema mediante desconsiderar suas regras

irracionais os trabalhadors podem, com efeito, por meio de sua própria obediência,

ficar imóveis e permitir que ele se destrua por meio de sua própria irracionalidade. Já

vimos a descrição de David Noble de os trabalhadores retirarem sua cooperação

consumada no caso de maquinário numericamente controlado. Mais geralmente,

Scott destaca a greve tipo operação padrão como aplicação prática, do ponto de

vista do trabalhador, da dependência da organização formal do sistema mais amplode processos informais:

Numa ação de operação padrão… os empregados começam a executar suas

atividades mediante observarem meticulosamente cada uma das regras e

regulamentações, cumprindo apenas as obrigações enunciadas nas descrições de

suas tarefas. O resultado, plenamente deliberado nesse caso, é que o trabalho para,

ou pelo menos anda a passos lentos…. Na longa operação padrão contra a

Caterpillar, a grande fabricante de equipamentos, por exemplo, os trabalhadores

reverteram à observância dos ineficientes procedimentos especificados pelosengenheiros, sabendo que eles custariam à empresa valiosos tempo e qualidade,

em vez de continuarem a usar as práticas mais rápidas e eficazes que havia longo

tempo tinham concebido para as atividades. Basearam-se na assunção testada de

que trabalhar estritamente de acordo com as normas é necessariamente menos

produtivo do que trabalhar com iniciativa. [86]

Infelizmente, trabalhadores que tentam degradar a eficiência da produção mediante

trabalhar de acordo com as regras poderão descobrir que não conseguem competir

com a gerência. A prática de redução corporativa de pessoal para reduzir custos[downsizing] em anos recentes tem equivalido a destruição sistemática — pela

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gerência! — do conjunto de processos informais do qual a produtividade da

organização depende.

David Jenkins, em 1973, argumentou que os “[a]dmiráveis resultados de curto prazo”

conseguidos pelo downsizing geralmente acontecem ao preço de “uma catástrofe no

longo prazo.”

Tal conduta, diz [Rensis] Likert, é estimulada por sistemas empresariais de

recompensa que “permitem a um gerente que seja um ‘artista da pressão’ obter altos

ganhos em poucos anos, enquanto destrói lealdades, atitudes favoráveis,

motivações cooperativas etc. entre os membros supervisores e não supervisores da

organização.”….

O que acontece nesses casos, com efeito, é recursos valiosos estarem sendo

descartados, e estar sendo dado impulso artificial de curto prazo aos ganhos.

Nenhuma gerência concordaria com tratamento assim desdenhoso em relação a

haveres físicos…. Como os recursos humanos não aparecem na folha de balanço,

podem ser destroçados à vontade por gerentes voltados para “os finalmente” …para

efeito de uma injeção espúria nos ganhos. [87]

Duas décadas depois, durante a onda de downsizing dos anos 1990, Kim Cameron

arrolou os problemas que normalmente resultavam do downsizing:

…(1) perda de relacionamentos pessoais entre empregados e clientes; (2)

destruição de confiança e lealdade entre empregados e clientes; (3) ruptura de

rotinas tranquilas e previsíveis na firma; (4) aumento de formalização (dependência

de regras), estandardização, e rigidez; (5) perda de conhecimento interunidades e

interníveis que advém de longevidade e interações ao longo do tempo; (6) perda de

conhecimento acerca de como reagir a aberrações fora da rotina enfrentadas pela

firma; (7) decréscimo de documentação e portanto menos compartilhamento de

informação acerca de mudanças; (8) perda de produtividade do empregado; e (9)

perda de cultura organizacional comum. [88]

Alex Markels cita consultor de gerência dizendo que, em ocorrendo downsizing,

“uma empresa tem gravemente afetado seu progresso por causa de perda de‘conhecimento e capacidade de tomada de decisões acertadas adquiridos ao longo

dos anos.’” [89]

Bom exemplo é a prática de contratação na área de varejo. Há quarenta anos o

pessoal de vendas em lojas de roupas e sapatos era geralmente formado de

empregados de carreira que ganhavam salário suficiente para viver, e que

conheciam os gostos dos clientes e as linhas de produtos por dentro e por fora.

Daquela época em diante, os donos de lojas substituíram aqueles empregados de

carreira por trabalhadores de salário mínimo egressos do curso médio.

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Esse foi essencialmente o desempenho de Bob Nardelli, do Home Depot – HD, pelo

qual ganhou $210 milhões de dólares na rescisão de contrato. De acordo com Tom

Blumer, do BizzyBlog, o meio pelo qual Nardelli aumentou os ganhos de curto prazo

envolveu o seguinte:

A consolidação que ele fez da função de compras e de muitas outras funções em

Atlanta, a partir de diversas regiões, levou compradores a perderem contato com as

pessoas que vendiam para eles….

A demissão de pessoas com conhecimento e experiência em favor de novatos

desinformados e empregados em tempo parcial reduziu grandemente os custos de

folha de pagamento e de benefícios, mas no final fez a empresa perder clientes, e

deu à empresa reputação altamente merecida de desempenho medíocre. [90]

Nardelli e seus subordinados manipularam toda contabilidade, aquisição e

esquemas de meia-sola que puderam para manter os números parecendo bons,

enquanto deixavam os negócios deteriorarem-se. [91]

Desde então fiquei sabendo que Nardelli, nos últimos meses antes de ir-se, tirou a

função de compras inteiramente para fora de Atlanta e a transferiu para… a Índia —

dentre todas as possibilidades de terceirização estrangeira.

Dizem-me que “sem contato” nem começa a descrever o quanto as coisas estão

ruins agora entre as lojas do HD e Compras, e entre Compras do HD e os

fornecedores.

Não apenas há uma barreira de dialeto linguístico como, também, as pessoas que

trabalham em compras na Índia não conhecem a “língua” dos equipamentos

estadunidenses — e nem sabem sequer como é a metade dos produtos que lojas e

fornecedores descrevem.

Dizem-me que incrível quantidade de tempo, dinheiro e energia está sendo gasta —

tudo em nome do que era, de toda verossimilhança, meta alimentada por

recompensas para corte de pessoal e para fazer as despesas gerais e

administrativas parecerem baixas (“parecerem” baixas porque as despesas foram

empurradas para baixo para as lojas e fornecedores). [92]

Essa prática foi parodiada em Rei da Colina na pessoa do adolescente com cara

coberta de espinhas e vestindo guarda-pó azul do “Megalo-Mart,” que não se fazia a

menor ideia de onde Hank poderia encontrar um martelo. Infelizmente, não se tratou,

em realidade, de uma paródia. Já vi isso com meus próprios olhos no departamento

de jardinagem da Lowe’s. A resposa invariável do pessoal a pedido de qualquer

ajuda para achar um produto é algo como “Não sei. Acho que se o senhor não está

vendo, é porque não tem.”

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Esse tipo de diminuição deliberada da competência dos trabalhadores de serviços a

expensas da qualidade, para transferir recursos para cima, tirando-os da equipe de

apoio ao cliente em favor dos salários e bônus do Executivo Principal, só pode

ocorrer numa área na qual a competição em qualidade de serviços ao cliente tenha

sido suprimida pela cartelização. Quando o mercado é controlado por um punhadode firmas oligopolistas gigantescas com a mesma cultura disfuncional, as firmas

podem permitir-se serviço reles e de meia-tigela.

Como mencionado anteriormente, tudo isso reflete a métrica sloanista pela qual a

gerência corporativa superior mensura custo e eficiência, em termos aproximados

comparável à métrica pela qual os integrantes do Gosplan tentavam gerir a

economia soviética.

Ludwig von Mises argumentou, em Burocracia, que a hierarquia corporativa

enquanto tal não era uma burocracia em sentido estrito. A burocracia,necessariamente, era uma gerência baseada em regras, com processos definidos ao

longo de linhas weberianas, em vez de gerência baseada no lucro, por não produzir

nenhum produto comercializável e por sua produção não ter preço de mercado. A

grande empresa comercial, por outro lado, era — graças ao milagre da escrituração

por partidas dobradas — uma extensão da vontade do empresário. O empresário

podia rastrear os lucros e prejuízos de cada subdivisão e atuar de acordo com os

dados para transferir o investimento de uma divisão para outra e disciplinar ou

substituir gerentes. [93] Isso equivalia a um reflexo da abordagem neoclássica detratar a firma como ator unitário no mercado e seu funcionamento interno como caixa

preta.

A ênfase de Mises quanto à natureza empresarial da corporação negligencia

diversos fatos. Primeiro, o preço de transferência interno da corporação equivale ao

proposto pelo socialista de mercado Oskar Lange, que Mises desqualificou como

“dando uma de capitalista.” Pelo fato da maioria dos bens intermediários produzidos

por uma firma — componentes de produto e coisas que tais — serem específicos de

produto, não há mercado externo para eles. Portanto, os preços de transferênciainternos têm de ser estimados indiretamente, em base de acréscimo sobre o custo,

muito longe de quaisquer preços reais de mercado — exatamente do mesmo modo

que os planejadores econômicos soviéticos dependiam indiretamente de

informações de preços de mercado das economias ocidentais para estabelecer seus

próprios preços. [94]

Segundo, a gerência das grandes corporações típicas não é formada, de facto, por

servos contratados do empreendedor ou investidor. No mundo real, lutas entre

representantes/procuradores quase sempre fracassam, tomadas hostis tornaram-seraras desde que a gerência desenvolveu contramedidas nos anos 1980, e a maior

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parte do investimento novo — em contraste com fusões e aquisições — é financiada

internamente por meio de ganhos retidos. Em realidade, o acionista é apenas outra

classe de requerente contratual com direito a que dividendo a gerência considerar

adequado emitir (se considerar) e a participar do ritual vazio da reunião de

acionistas. O real requerente residual, pelo menos em grandes “corporaçõesconsumadas” de propriedade do público onde a propriedade das ações é difusa, é a

gerência superior. Na prática, a gerência de tais corporações é uma oligarquia que

se autoperpetua, em controle de massa livremente flutante de capital sem dono —

de modo muito parecido com a gerência burocrática da antiga URSS. Assim, a

gerência superior, como os gerentes da fábrica socialista de Lange, está “dando uma

de empresária” — fazendo jogos de azar com capital para o qual não contribui a

partir de seus próprios esforços do passado, e não correndo o risco de prejuízos

pessoais, tendo por outro lado a possibilidade de ganhar muito dinheiro se a apostader certo.

Terceiro, não existe métrica politicmente neutra ou imaculada, seja a “escrituração

por partidas dobradas” ou o que mais seja. As funções de processamento de

informação de uma hierarquia amiúde tolhem a agregação de conhecimento

disperso — na corporação, tanto quanto no estado. A métrica de eficiência, lucro e

prejuízo numa grande corporação reforça os interesses da gerência. No modelo

dominante de contabilidade gerencial sloanista, como descrito por William Waddell e

Norman Bodek, o trabalho é praticamente o único custo direto variável que agerência tenta minimizar. Custos administrativos como salários da gerência,

overhead geral, custos de armazenamento de estoque etc., são tratados como

custos diretos fixos. Maximizar o retorno sobre o investimento – ROI de cada estágio

da produção, mediante maximizar o fluxo e minimizar as horas diretas de trabalho é

praticamente a única medida de corte de custos considerada. Salários da gerência e

outros custos administrativos, desembolsos desperdiçadores ou irracionais de capital

etc. não contam porque, como overhead, são incorporados (pelo milagre da

“absorção de overhead”) aos preços de transferência de bens acabados que são“vendidos” ao estoque. E, na contabilidade sloanista, o estoque é um haver líquido

que se acresce ao valor escriturado da empresa — mesmo que não haja

encomendas dele e ele acabe tendo o preço baixado e sendo vendido com prejuízo,

ou até baixado como de venda impossível. Essa prática equivale a “aumentar os

números mediante varrer o overhead para baixo do tapete e para dentro do estoque.”

[95]

Assim, a despeito do fato de os salários e benefícios dos trabalhadores de produção

representarem normalmente dez por cento ou menos do custo unitário total,

sistematicamente vemos mestres em administração de empresas – MBA

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obsessivamente manejando a peneira para eliminar todo segundo livre de trabalho

direto — enquanto deixam passar batido overhead oriundo de custos administrativos

e buracos de ratazanas de gastos de capital em quantidade oceânica. [96] Os custos

administrativos da corporação e a organização de estilo Rube Goldberg tipicamente

parecem-se com aqueles do Ministério de Serviços Centrais de Brazil, e a alocaçãode investimentos em fábricas e equipamentos físicos tipicamente assemelham-se ao

desenvolvimento irregular de uma economia centralizadamente planificada.

Os investimentos irracionais de capital na grande corporação guardam semelhança

com as predições de Mises relativas ao planejamento sob o socialismo de estado —

isto é, “envolveriam operações o mérito das quais não poderia nem ser previsto

antecipadamente nem ser aferido depois de terem ocorrido.” [97] Como Richard

Ericson disse dos regimes comunistas, a corporação tem como realizar grandes

feitos de engenharia sem considerar o custo.Quando o sistema persegue um poucos objetivos prioritários, independentemente

dos sacrifícios ou prejuízos em áreas de menor prioridade, os responsáveis últimos

não têm como saber se alcançar o sucesso valeu a pena. [98]

Vejo regularmente exemplos disso no hospital onde trabalho. O dinheiro é despejado

em expansões multimilionárias da Sala de Emergência, e em reformas de andares

inteiros que alteram radicalmente os leiautes — limitadas apenas pela presença de

paredes mestras — de maneiras que os tornam menos funcionais. A gerência

adquire maquinário enormemente dispendioso como o robô cirúrgico Da Vinci, eexpande seu leque de procedimentos dispendiosos de alta tecnologia tais como

cateterismo cardíaco — tudo em busca de valor de prestígio público — enquanto faz

cortes na equipe de enfermagem e transforma as alas de cuidados aos pacientes em

pocilgas infectas e com falta de pessoal de atendimento, levando os custos

decorrentes de quedas e de estafilococos áureos resistentes à meticilina para as

alturas.

Em suma, a alocação interna de capital na grande corporação segue um padrão

muito parecido com a descrição de Hayek da economia planificada do socialismo deestado:

Não há motivo para esperar que a produção pare, ou que as autoridades tenham

dificuldade em usar os recursos disponíveis de alguma forma, ou mesmo que a

produção seja permanentemente menor do que era antes do início da planificação….

[Devemos esperar] é o desenvolvimento excessivo de algumas linhas de produção a

expensas de outras e o uso de métodos inadequados consideradas as

circunstâncias. Devemos esperar encontrar superdesenvolvimento de algumas

indústrias a um custo não justificável pela importânica do aumento de sua produçãoe ver incontida a ambição do engenheiro de aplicar os mais recentes progressos

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alhures, sem considerar se economicamente adequados face à situação. Em muitos

casos o uso dos métodos mais recentes de produção, que não poderiam ter sido

aplicados sem planejamento centralizado, seria então sintoma de mau uso do

recursos em vez de prova de sucesso.

Um exemplo que ele cita — “a excelência, do ponto de vista tecnológico, de algumas

partes do equipamento industrial russo, que amiúde impressiona o observador

superficial e é comumente vista como evidência de sucesso” — é diretamente

comparável ao acima mencionado robô Da Vinci. [99]

O problema que Hayek descreve é complicado pelo fato de a própria “produção” ser

uma métrica sem sentido nessas circunstâncias. Na “absorção de overhead”

sloanista, do mesmo modo que no planejamento centralizado soviético, o sistema de

preços de transferência internos baseado no consumo de insumos, e o repasse de

custos para o consumidor via margem acrescida ao custo, significa que qualquerconsumo de insumos que possa ser incorporado ao “preço” dos bens acabados —

na acepção da palavra — é produção.

Os atores dominantes de um mercado oligopolizado podem ficar impunes em

relação a todas essas formas de irracionalidade — a supressão de tecnologias mais

novas e eficientes, a desqualificação da força de trabalho e a substituição de mētis

por techne porque os grandões compartilham da mesma cultura organizacional.

A Arte de Não Ser Governado: Espaços Estatais e Não Estatais.

O que Scott chama de “espaços estatais e espaços não estatais” é o tema central de

A Arte de Não Ser Governado. Os espaços estatais, escreveu Scott em Vendo Como

um Estado, são regiões geográficas com população de alta densidade e agricultura

de grãos de alta densidade, “produzindo um excedente de grãos… e de trabalho de

apropriação relativamente fácil pelo estado.” As condições dos espaços não estatais

eram exatamente o inverso, “daí limitando severamente as possibilidade de

apropriação fidedigna pelo estado.” [100]

Essa poderia ter servido como a sentença resumidora de seu livro seguinte, A Arte

de Não Ser Governado. Na verdade, de acordo com Scott, [101] Vendo Como umEstado foi em realidade uma ramificação da pesquisa que por fim levou a A Arte de

Não Ser Governado. A linha original de investigação dele era “compreender por que

o estado sempre pareceu ser inimigo das ‘pessoas que se locomovem’….” Em seus

estudo das “perenes tensões entre, de um lado, povos móveis das colinas, de

agricultura de corte e queimada, de um lado, e reinos dos vales encharcados

produtores de arroz, de outro,” juntamente com diferentes tipos de nômades e de

escravos foragidos, Scott foi desviado para um estudo da legibilidade como motivo

das políticas estatais de sedentarização. Havendo desenvolvido esse tópico, voltou aseu foco original em A Arte de Não Ser Governado.

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Nesse livro posterior, Scott vistoria as populações de “Zomia,” as áreas altas que se

estendem pelos países do Sudeste Asiático, as quais se situam, em grande parte,

fora do alcance dos governos da região. Ele sugere pontos em comum entre os

zomianos e pessoas em áreas não estatais em todo o mundo, povos de terras altas

e de fronteira como os cossacos, habitantes das terras altas escocesas e “caipiras”estadunidenses, povos nômades tais como ciganos e itinerantes

escoceses/irlandeses, e comunidades de escravos foragidos em regiões pantanosas

inacessíveis do sul dos Estados Unidos.

Os estados tentam maximizar a apropriabilidade de colheitas e de trabalho

delimitando o espaço estatal de maneira a “garantir, para o governante, excedente

substancial e fidedigno de mão de obra e de grãos a custo o mais baixo possível…”

Isso é conseguido por meio de concentração geográfica da população e uso de

formas concentradas, de alto valor, de cultivo, a fim de serem minimizados o custode governar a área e bem assim os custos de transação de apropriação de trabalho

e de produtos da terra. [102] Os espaços estatais tendem a abranger grandes

“áreas-cernes” de grande produção concentrada de grãos “a poucos dias de marcha

a partir do centro da corte,” não necessariamente contíguas ao centro mas pelo

menos “relativamente acessíveis a autoridades e soldados oriundos do centro via

estradas ou águas navegáveis.” [103] As áreas governáveis são principalmente

áreas de produção agrícola de alta densidade ligadas ou por terreno plano ou por

cursos de água. [104]O espaço não estatal é inversão direta do espaço estatal: “repele o estado,” isto é,

“representa um cenário agroecológico singularmente desfavorável às estratégias

amealhadoras de mão de obra e de grãos dos estados. Os estados “hesitarão em

incorporar tais áreas, visto que o retorno, em mão de obra e grãos, provavelmente

será menor do que os custos administrativos e militares de apropriação.” [105]

Quanto maior a dispersão das plantações, mais difícil é coletar sua produção, do

mesmo modo que uma população dispersa é mais difícil de sequestrar. Na medida

em que tais plantações sejam parte do portfólio de um produtor usuário da técnicade corte e queimada, nesse grau revelar-se-ão fiscalmente estéreis para estados e

predadores e julgadas “não pagar a pena” ou, em outras palavras, constituirão

espaço não estatal. [106]

Os espaços não estatais beneficiam-se de diversas formas de “fricção/atrito” que

aumentam os custos de transação de apropriação do trabalho e da produção, e da

extensão do alcance do braço impositor do estado até tais regiões. Essas formas de

fricção incluem a fricção da distância107 (equivalente a um tributo incidente sobre a

distância para o controle centralizado), a fricção do terreno ou da altitude, e a fricçãodo tempo sazonal.108 No tocante a essa última, por exemplo, a população local

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poderá “esperar pelas chuvas, quando as linhas de suprimento se rompem (ou são

mais fáceis de ser rompidas) e a guarnição terá de optar entre morrer de fome ou

retirar-se.” [109]

Em Zomia, como Scott descreve:

Praticamente tudo concernente ao meio de vida, organização social e ideologias

dessas pessoas …pode ser visto como posicionamentos estratégicos projetados

para manter o estado à distância. A dispersão física delas em terreno acidentado, a

mobilidade delas, suas práticas agrícolas, sua estrutura de relacionamento familiar,

suas identidades étnicas maleáveis e sua devoção a líderes proféticos, de índole

milenária, servem, com efeito, para impedir a incorporação em estados e para

impedir que estados se lancem sobre elas. [110]

Para evitar tributos, trabalho recrutado e conscrição, praticavam a “agricultura de

escape: formas de cultivo concebidas para impedir apropriação pelo estado.”

Analogamente, sua estrutura social “estava projetada para facilitar dispersão e

autonomia e para proteger contra subordinação política.” [111]

Sugiro que os conceitos de “espaço estatal” e “espaço não estatal,” se removidos do

contexto espacial imediato de Scott e aplicados, por analogia, a esferas da vida

social e econômica mais ou menos dúcteis para efeito de controle estatal, podem ser

úteis para nós nos tipos de sociedades ocidentais onde, de toda aparência, não

existem espaços geográficos situados além do controle do estado.

Os espaços estatais em nossa economia são setores estreitamente aliados do e

legíveis pelo estado. Os espaços não estatais são aqueles difíceis de monitorar e

onde as regulamentações são difíceis de ser feitas cumprir. Os espaços estatais,

especificamente, estão associados a formas legíveis de produção. Nas economias

ocidentais, os setores econômicos mais legíveis pelo e mais estreitamente aliados

do estado são aqueles dominados pelas largas corporações nos mercados

oligopolizados.

De modo geral o estado guarda forte afinidade com formas de produção organizadas

centralizadamente. No caso da agricultura, escreve Scott:

Na agricultura, como na indústria, a mera eficiência de uma forma de produção não

é suficiente para assegurar a apropriação de tributos e lucros. A agricultura do

pequeno proprietário independente pode, como já observamos, ser a forma mais

eficiente de cultivar muitas lavouras. Tais formas de agricultura, porém, embora

possam apresentar possibilidades de tributação e lucro quando seus produtos são

ajuntados, processados e vendidos, são relativamente ilegíveis e difíceis de

controlar. Como no caso de artífices autônomos e lojistas pequeno-burgueses, o

monitoramento das fortunas comerciais de pequenas propriedades rurais é um

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pesadelo administrativo. As possibilidades para evasão e resistência são numerosas,

e o custo de obtenção de dados anuais precisos é alto, se não proibitivo.

Um estado preocupado principalmente com apropriação e controle considerará a

agricultura sedentária preferível ao pastorialismo ou à agricultura itinerante. Pelos

mesmos motivos, tal estado geralmente preferirá a grande propriedade à pequena e,

por seu turno, a plantação maciça ou a agricultura coletiva a ambas aquelas….

Embora a coletivização e a agricultura de plantio maciço raramente sejam muito

eficientes, representam… as mais legíveis e pois apropriáveis formas de agricultura.

[112]

O estado guarda afinidade similar com a grande forma corporativa em geral, e não

apenas em agricultura, de acordo com Benjamin Darrington. Se a grande corporação

depender, para sua sobrevivência, do estado, este — mesmo à parte o fato de ser

ele próprio em grande parte composto de representantes da classe corporativadominante — tem interesse racional em promover a grande corporação como forma

econômica dominante.

Grandes firmas centralizadamente organizadas facilitam a tarefa do governo de

manter sua posição hegemônica na sociedade. A capacidade do governo de

regulamentar eficazmente a economia depende da existência de instituições

econômicas com estruturas organizacionais que possam ser facilmente monitoradas

e controladas. A regulamentação de grande número de pequenas empresas requer

maior duplicação de esforços para fiscalizar registros financeiros, assegurarobediência às normas, e coletar tributos. É mais difícil punir pequenas organizações

por não cooperarem com a lei porque elas têm menos valor total para ser confiscado

e os proprietários mais provavelmente combaterão o governo visto ser deles o

dinheiro e a empresa diretamente em jogo, para não mencionar o fato de as

pequenas empresas gozarem de maior estima junto à população do que

corporações aparentemente sem face e distantes. O equipamento usado pelas

pequenas empresas não se presta facilmente a certificação, regulamentação e

testes de segurança, e o trabalho empregado não favorece fiscalização/repressãoeficaz no tocante a leis concernentes a coisas tais como negociações trabalhistas,

salário mínimo, licenciamento profissional, quotas raciais e sexuais, exigências de

cidadania, horas máximas de trabalho etc. Relações informais e econômicas de

pequena escala situam-se quase além do âmbito dos esforços do governo para fazer

cumprir seus éditos e para coletar tributos. Mediante tornar a empresa agente de

política o estado também cria útil bode expiatório para desviar a ira do público

voltada para a iniquidade e exploração das relações econômicas existentes e cria

condições para o estado atuar como “cavaleiro do bem” protetor do público evingador das perversidades e excessos da “empresa privada.” [113]

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Os mesmos efeitos conseguidos por meio de distância e isolamento espaciais e os

altos custos do transporte físico na Zomia de Scott podem ser logrados em nossa

economia, sem toda a inconveniência, por meio de expedientes tais como

criptografia e uso de darknets. Recentes progressos tecnológicos expandiram

drasticamente o potencial para versões não espaciais, não territorialmente sediadasdos espaços não estatais que Scott descreve. As pessoas podem retirar-se do

espaço estatal por meio da adoção de tecnologias e métodos de organização que as

tornam ilegíveis para o estado, sem qualquer movimento real no espaço.

Tais tecnologias e métodos de organização incluem moedas eletrônicas tais como

Ripple e Bitcoin como meio de trocas em economias darknet, os “phyles” de Daniel

de Ugarte (sociedades civis distribuídas que oferecem plataformas redeadas para

apoio a empresas de negócios, mecanismos de certificação e reputacionais,

serviços de arbitramento e adjudicação, serviços de seguros e jurídicos etc.), e a“Economia como Serviço de Software” de John Robb. [114]

No domínio da produção física, novas tecnologias de microfabricação oferecem

potencial sem precedentes para escape da imposição dle patentes industriais e

outras barreiras estatais similares à entrada no mercado. No caso da indústria

tradicional de produção em massa, os custos de transação de fiscalizar/reprimir no

tocante a patentes foram diminuídos por um estado de coisas no qual um punhado

de fabricantes oligopolistas de uma área cartelizada havia passado a produzir leque

limitado de produtos competidores (amiúde restringindo ainda mais a competiçãoentre os produtos mediante consórcio ou troca de patentes entre eles próprios),

comercializando suas linhas limitadas de produtos por meio de um punhado de

varejistas com cadeias nacionais. Quando o equivalente a $10.000 dólares de

ferramentas de controle numérico por computador – CNC numa fábrica de garagem

consegue produção comparável à de uma fábrica de um milhão de dólares, em

pequenos lotes distribuídos por meio de mercados de bairro, os custos de transação

de suprimir cópias piratas disparam — exatamente no mesmo momento em que a

economia de abundância destrói a base tributária do estado usada paraimposição/exação.

Outras tecnologias acessíveis a produção caseira de pequena escala, juntas com

trocas informais via rede de escambo, oferecem novo potencial para microempresas

sediadas em casa, de baixo overhead — por exemplo micropadarias caseiras

usando forno comum de cozinha, serviços de táxi usando carro da família etc. —

para evasão do zoneamento, licenciamento, códigos de “saúde” e de “segurança”

locais.

Os custos de transação de superar a opacidade e a ilegibilidade, e de imporobediência numa atmosfera de não obediência, funcionam como um tributo,

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tornando alguns “espaços” (isto é, setores ou áreas da vida) mais dispendiosos de

governar do que valem. Scott argumenta que, para um governante, a métrica

relevante não é o PIB, e sim o “Produto Acessível pelo Estado” (PAE). Quanto maior

a distância de uma área em relação ao centro, maior terá de ser a concentração de

valor ou a relação valor monetário/peso de uma unidade de produção para que aapropriação e o transporte para a capital valham a pena. Quanto mais longe do

centro estiver uma área, maior será a parcela de sua economia que custará mais do

que vale a pena explorar.115 É algo de certa forma análogo ao conceito de EROEI

[energia retornada em relação a energia investida] na área de energia; se a intenção

do estado é extrair um excedente em benefício de uma classe privilegiada, o “tributo

de governança” reduz o montante do excedente extraído por insumo de esforço para

fiscalizar/reprimir.

Qualquer coisa que reduza a “EROEI” do sistema, o tamanho do excedente líquidoque o estado consegue extrair, levá-lo-á a encolher-se para uma escala de equilíbrio

de atividade menor. Quanto maior for o custo de fiscalizar/reprimir e menor a receita

que o estado (e seus aliados corporativos, como no caso de fazer cumprir a lei de

copyright digital ou reprimir a pirataria chinesa) possa obter por unidade de esforço

de fiscalizar/reprimir, mais vazio tornar-se-á o sistema capitalista de estado ou

corporatista e de mais áreas da vida ele se retirará, considerando-as não valerem o

custo de governar.

Nossa estratégia, ao atacarmos a capacidade de fiscalizar/reprimir do estado comoponto fraco do capitalismo de estado, deve ser criar espaços não estatais

metafóricos tais como as darknets, bem como formas de produção física de escala

pequena demais e demasiado dispersas para valerem custos de fiscalização e

repressão sérios, desse modo alterando a correlação de forças entre “espaços” não

estatais e estatais.

De nosso ponto de vista, as tecnologias de libertação reduzem o custo e a

inconveniência da evasão. Na obra de Scott, para as pessoas que vivem em

espaços estatais, quanto mais trabalho elas tiverem enterrado em seus campos aolongo de gerações, mais relutantes estarão em sair a fim de escapar da tributação

do estado.116 Em Zomia, “não ser governado” frequentemente envolvia adotar

“estratégias de subsistência voltadas para escapar de detecção e maximizar a

mobilidade física para o caso de ser forçado a fugir de novo de um momento para o

outro.” Isso podia envolver real sacrifício em qualidade de vida, em termos das

categorias de bens que não poderiam ser produzidos, das categorias de alimentos

que se tornariam indisponíveis, etc.117 Historicamente, quando não ser governado

requeria distância espacial e inacessibilidade, criar um espaço não estatal significavauma escolha de tecnologias de vida baseada na necessidade de ser menos legível.

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Em muitos casos isso se traduzia em “abandonar cultivo fixo para adotar agricultura

itinerante e cata de comida,” a escolha deliberada de estilo de vida mais “primitivo”

para efeito de autonomia, e a escolha consciente de métodos de cultivo menos

produtivos e de excedente menor. [118]

Para dizê-lo em termos ocidentais, as tecnologias libertadoras agora oferecem o

potencial para eliminação da necessidade desse compromisso entre autonomia e

padrão de vida. Desejamos tornar-nos tão ingovernáveis quanto o povo de Zomia,

sem a inconveniência de viver nas montanhas e charcos ou de viver em grande

parte comendo raízes. Quanto mais áreas da vida econômica forem tornadas

ilegíveis para o estado por meio de tecnologia de libertação, menor o diferencial de

padrão de vida entre áreas estatais e não estatais.

Scott nomeia a mobilidade como seu “segundo princípio de evasão.” Mobilidade, “a

capacidade de mudar de localização,” torna uma sociedade inacessível por meio doexpediente de “mudar para local mais remoto e vantajoso.” É “uma capacidade

relativamente não atritiva de mudar de lugar….” [119] Em termos de nossos

análogos “espaços não estatais” não espaciais nas sociedades ocidentais, isso se

reflete na agilidade, resiliência e flexibilidade das redes.

Diferentemente da corporação e do estado, que requerem laborioso processamento

de informação e de propostas através de uma hierarquia burocrática, a organização

em rede facilita a adoção quase instantânea de novas informações e técnicas onde

for útil. As redes eliminam os custos administrativos e outros custos de transaçãoenvolvidos em levar ideias àqueles que possam beneficiar-se delas.

Muitos pensadores do código aberto, remontando a Eric Raymond em A Catedral e o

Bazar, já assinalaram a natureza dos métodos de código aberto e de organização

em rede como multiplicadores de força. [120] As comunidades de projeto de código

aberto tomam as inovações dos membros individuais e rapidamente as distribuem

para onde forem necessárias, com o máximo de economia. Essa é uma

característica da organização stigmérgica que consideramos anteriormente.

Esse princípio está em ação no movimento do compartilhamento de arquivos, comodescrito por Cory Doctorow. Inovações individuais tornam-se imediatamente parte do

repositório comum de inteligência, universalmente disponíveis para todos.

Levante sua mão se você estiver pensando em algo como, “Mas a gestão de direitos

digitais – GDD não tem de ser prova contra atacantes geniais, só contra indivíduos

médios!…”

… Não tenho de ser um cracker para vazar sua GDD. Só preciso saber como

pesquisar no Google, ou Kazaa, ou qualquer outra máquina de pesquisa de

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livro de Eric Raymond “A Catedral e o Bazar” oferecem um ponto de partida para

análise ulterior. Eis aqui alguns fatores que se aplicam (da perspectiva dos

guerrilheiros):

* Libere logo e frequentemente. Tente novas formas de ataque contra diferentes tipos

de alvos logo e frequentemente. Não espere até conseguir um plano perfeito.

* Dado um grupo suficientemente grande de codesenvolvedores, qualquer problema

difícil será visto como óbvio por alguém. No final algum participante do bazar

descobrirá um jeito de subverter algum alvo particularmente difícil. Tudo o que você

precisará fazer será copiar o processo que ele usou.

* Seus codesenvolvedores (testadores beta) são seu recurso mais valioso. As outras

redes de guerrilheiros do bazar são seus aliados mais valiosos. Eles acrescentarão

inovações a seus planos, pulularão em volta dos pontos fracos que você identificar e

protegerão você criando ruído de sistema. [124]

A rápida inovação em Dispositivos Explosivos Improvisados (IED) conseguida por

redes de guerra de código aberto no Iraque e no Afeganistão é um caso ilustrativo.

[125] Qualquer inovação desenvolvida por uma célula específica da Al Qaeda do

Iraque, se bem-sucedida, é rapidamente adotada pela rede inteira.

No movimento de compartilhamento de arquivos, não é bastante que a gestão de

direitos digitais – DDD seja suficientemente difícil de burlar para dissuadir o usuário

médio. As fendas [cracks] desenvolvidas por aficcionados em computador [geeks]

para burlar a GDD tornam-se rapidamente parte do repositório comum de recursos.

CDs e DVDs craqueados por um geek hoje ficam disponíveis de graça num site

torrent para download amanhã por qualquer usuário médio que saiba como usar o

Google.

Considerem este exemplo prático da agilidade e responsividade do Bazar em

funcionamento, de Thomas Knapp:

Durante a reunião de cúpula do G-20 na área de Pittsburgh, na semana passada, a

polícia deteve dois ativistas. Esses ativistas, especificamente, não estavam

quebrando vitrines. Não estavam incendiando carros. Não estavam sequer

desfilando balançando bonecos gigantes e entoando slogans anticapitalistas.

Na verdade, estavam num num quarto de hotel em Kennedy, Pennsylvania, a milhas

de distância dos protestos “não sancionados” em Lawrenceville … ouvindo rádio e

aproveitando-se da conexão sem fio Wi-Fi do hotel. Agora estão sendo acusados de

“dificultar detenção de outras pessoas, uso criminoso de recurso de comunicação e

posse de instrumentos de crime.”

A rádio que eles estavam ouvindo era (alegadamente) um escaneador da polícia.

Estavam (alegadamente) usando seu acesso à Internet para divulgar boletins acerca

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dos movimentos da polícia em Lawrenceville para ativistas que participavam dos

protestos, usando o Twitter….

O governo, tal como o conhecemos, está engajado numa batalha por sua própria

sobrevivência, e essa batalha, como já mencionei, parece-se muito, em aspectos

fundamentais, com a luta da Associação da Indústria de Gravação dos Estados

Unidos – RIAA contra as redes ponto-a-ponto [entre pares, par-a-par] de

“compartilhamento de arquivos”. A RIAA pode exercer — e está exercendo — a

repressão mais dura de que é capaz, de todas as maneiras que consegue conceber,

mas está perdendo a luta e simplesmente não há cenário plausível no qual possa

esperar terminar vitoriosa. A indústria da gravação, como a conhecemos, ou mudará

seu modelo de negócios ou será extinta.

Os Dois de Pittsburgh são esplendidamente análogos ao pessoal da P2P. A

detenção deles acaba equivalendo, para todos os intentos e propósitos, a umasessão pública de depuração de programa. Os Dois de Pittsburgh 2.0 montarão suas

estações de monitoramento mais longe do local da ação (atravessando linhas

 jurisdicionais), usarão um sistema de relés para trazer a informação a tais estações

de maneira tempestiva, e depois retransmitirão essa informação usando servidores

proxies [‘procuradores’] estrangeiros anonimizadores. Os policiais não chegarão

sequer a 50 milhas dos Dois de Pittsburgh 2.0, e o que fizerem para contrapor-se à

eficácia deles será por sua vez anulado em versões seguintes. [126]

Dois outros exemplos relativamente recentes são o uso do Twitter no Condado deMaricopa para alertar a comunidade latina de incursões do Xerife Joe Arpaio e para

alertar motoristas acerca de barreiras montadas para controle do cumprimento da lei

seca. [127]

Robb usa a expressão “superatribuição individual de poder” para descrever a

mudança radical no equilíbrio de recursos entre um e [ou] alguns indivíduos[, de um

lado,] e as grandes organizações hierárquicas tradicionais[, do outro]. A revolução do

desktop teve enorme efeito em toldar a distinção em qualidade entre trabalho feito

dentro de grandes organizações e o feito por indivíduos em casa. O indivíduo temacesso a amplo espectro de infraestruturas antes só disponível por meio de grandes

organizações. Como escreve Felix Stalder:

Há vasta quantidade de infraestrutura — transporte, comunicação, financiamento,

produção — abertamente disponível que, até recentemente, só era acessível a

organizações muito grandes. Agora são precisas relativamente poucas pessoas —

umas poucas pessoas dedicadas e com conhecimento — para conectar essas

partes numa poderosa plataforma a partir da qual agir. [128]

O resultado, nas palavras de Robb: “a capacidade de um só indivíduo de fazer aquiloque só podia ser feito, há poucas décadas, por uma grande empresa ou órgão do

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governo…” [129] A guerra de código aberto “capacita indivíduos e grupos a enfrentar

inimigos de porte muito maior,” visto

o poder dos indivíduos e pequenos grupos ser ampliado via acesso a redes abertas

(que aumentam de valor de acordo com a lei de Metcalfe = Crescimento da Internet

+ redes sociais correndo em paralelo) e tecnologia posta à venda normalmente (que

aumenta rapidamente de poder devido ao paroxismo do cumprimento da lei de

Moore e à implacável produtização do mercado). [130]

As economias de agilidade são análogas ao princípio do âmbito militar — nas

palavras de Saxe — de que a vitória tem a ver com pernas, mais do que com

braços/armas [trocadilho em inglês: arms significa tanto ‘braços’ quanto ‘armas’]. As

insurgências de código aberto de Robb são uma forma de guerra assimétrica — e há

motivo para esta ser chamada de “assimétrica.” Um lado é muito maior do que o

outro, e muito mais forte pela métrica convencional de força militar. Quando Goliassupera numericamente Davi em dez para um, e Davi combate usando as táticas

convencionais de Golias, Golias geralmente vence cerca de sete vezes em dez.

Quando Davi adota técnicas não convencionais que exploram os pontos fracos de

Golias, Davi vence seis vezes em dez. E o Bazar é local incomparável para facilitar o

rápido e disseminado compartilhamento de conhecimentos acerca dos pontos fracos

de Golias e a adoção das táticas mais eficazes para visar tais fraquezas. [131]

A organização em rede e o projeto de código aberto conseguem resiliência a partir

de redundância e de modularidade. O projeto modular é uma forma de extrair maisbenefício de cada dólar em pesquisa e desenvolvimento – R&D mediante a

maximização do uso de dada inovação ao longo da ecologia de um produto inteiro,

construindo ao mesmo tempo redundância no sistema por meio de peças

intercambiáveis. [132]

Como se costuma dizer, a Internet trata a censura como prejuízo, e passa ao largo

dela. Redes muitos-para-muitos conseguem contornar qualquer nodo específico que

seja fechado. Quando o Napster foi fechado, seus sucessores reagiram mediante

eliminar sua dependência de servidores centrais. O sequestro dos nomes dedomínio do Wikileaks resultou na proliferação global de sites-espelhos e provocadora

linkagem direta com seus endereços numerados IP.

Já discutimos a extração mais eficiente de produção a partir de insumos na

economia alternativa, como matéria de pura necessidade. Isso, juntamente com

maiores velocidade e agilidade, é um tremendo multiplicador de forças.

A economia alternativa geralmente faz uso melhor e mais eficiente das tecnologias

que a economia capitalista de estado desenvolveu para seus próprios propósitos.

[Fazendo uso de projeto modular] Incrível quantidade de inovação resulta de

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mesclas de tecnologias baratas à venda que podem ser modularizadas e misturadas

e combinadas para qualquer objetivo. De acordo com Cory Doctorow,

Não é que toda invenção já tenha sido inventada, mas seguramente temos muitas

peças básicas por aí, só esperando para ser configuradas. Pegue um semicondutor

programável FPGA de $200 dólares e você poderá gravar seus próprios microchips.

Arraste e solte alguns códigos-objetos em torno de você e poderá gerar algum

software para executar naqueles. [133]

Murray Bookchin, em Anarquismo Pós-Escassez, previu o mesmo princípio há quase

quarenta anos:

Suponhamos que, há cinquenta anos, alguém tivesse proposto um dispositivo capaz

de fazer um automóvel seguir uma linha branca no meio da estrada,

automaticamente e mesmo que o motorista pegasse no sono…. Teriam rido dele, e

sua ideia teria sido chamada de descabida…. Suponhamos, porém, que alguém hoje

dissesse precisar desse dispositivo, e estar disposto a pagar para tê-lo, deixando de

lado a questão de se ele teria qualquer uso genuíno que fosse. Certo número de

empresas se disporia a receber a encomenda e atendê-la. Não seria necessária

qualquer invenção real. Há milhares de jovens do sexo masculino no país para os

quais o projeto de tal dispositivo seria um prazer. Eles simplesmente comprariam

algumas fotocélulas, tubos termiônicos, servomecanismos, relés e, se instados,

fabricariam o que chamam de um modelo placa de ensaio, e funcionaria. A questão

é que a presença de uma porção de engenhocas versáteis, fidedignas e baratas, e apresença de homens que conhecem todos os modos baratos de usá-las tornaram a

fabricação de dispositivos automáticos quase direta e rotineira. Não mais se trata de

se é possível fabricá-las, é questão de se vale a pena fabricá-las. [134]

Scott contra o Mercado.

Na Introdução de Vendo Como um Estado, Scott expressa alguma preocupação com

seu livro vir a ser visto, à luz do colapso do bloco soviético e o desaparecimento do

socialismo de estado e do planejamento de estado como ideologia viável, como, em

grande parte, irrelevante. Ele destaca que “o capitalismo de larga escala é umagente de homogeneização, uniformidade, enquadramento e simplificação heroica

tanto quanto o estado,” e implicitamente iguala a “politicamente desimpedida

coordenação do mercado” de Hayek a “capitalismo de larga escala e padronização

impulsionada pelo mercado.” [135]

Scott boamente admite que alguma destruição de mētis é desejável, resultando do

progresso tecnológico. Fora antiquários com interesse puramente histórico, ninguém

lamenta o desaparecimento do recurso consistente em lavagem de roupa mediante

uso de pedras ou de tábua de lavar roupa, depois de as máquinas de lavar terem-setornado disponíveis — especialmente aqueles que tinham de lavar roupa à moda

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antiga. Scott porém nega que toda destruição de mētis seja desse tipo. “A destruição

de mētis e sua substituição por fórmulas padronizadas só legíveis a partir do centro

está praticamente insculpida nas atividades tanto do estado quanto no capitalismo

burocrático de larga escala.” [136] E, como sugerido anteriormente, em seu uso da

obra de Marglin acerca da desqualificação de empregados, a destruição de mētis éimpelida pela necessidade de tornar a corporação internamente mais legível e

controlável, e portanto para tornar o produto do trabalho mais apropriável.

O problema é que Scott faz pouca distinção entre o “capitalismo burocrático de larga

escala,” de um lado, e o mercado enquanto tal.

Ele comenta de modo direcionado acerca da “curiosamente retumbante unanimidade

a respeito deste ponto [isto é, problemas de cálculo no planejamento centralizado

socialista], e não a respeito de outros, entre críticos direitistas da economia de

comando como Friedrich Hayek e críticos esquerdistas do autoritatismo comunistacomo o Príncipe Peter Kropotkin” (ênfase minha). [137] O “não a respeito de outros,”

presumivelmente, é uma estocada na cegueira de Hayek para o fato de fracasso

semelhante de planejamento explicar a incerteza e a complexidade dentro do

“capitalismo burocrático de estado.” Mesmo quando a crítica de Hayek do

planejamento centralizado do estado coincide com a do próprio Scott, o

reconhecimento deste de que Hayek estava correto — até o ponto em que o fez — é

de má vontade. Havendo descrito, com aparente — embora resmungadora —

aprovação a percepção da “economia política liberal” de que “a economia eracomplexa demais para algum dia chegar a ser gerida em detalhe por uma

administração hierárquica,” [138] ele comenta sarcasticamente numa nota de rodapé

que Hayek era “o queridinho dos que se opunham ao planejamento pós-guerra e ao

estado assistencialista.” [139]

Interessante que Brad DeLong, num exame de Vendo Como um Estado, estrutura as

alternativas quase da mesma forma que Scott (isto é, “processos impulsionados pelo

mercado são tão nocivos à liberdade humana quanto o alto modernismo liderado

pelo estado”). Apenas que, para DeLong, “processos impulsionados pelo mercado,”embora essencialmente equivalentes a capitalismo corporativo, são uma boa coisa.

Como pode a padronização impulsionada pelo mercado ter as mesmas

consequências dos comandos de arquitetos que nunca residiram nas cidades que

projetam, ou que a coletivização da agricultura soviética, ou que a “vilaização”

forçada dos camponeses tanzanianos?

Isso não é claro.

“…[Q]uando olhamos para o capitalismo burocrático moderno de larga escala,”

continua ele, “vemos em toda parte aquilo que Scott chama de ‘metis’.”. [140]

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O notável aqui é que DeLong concorda com Scott em que os “tomates de

borracha(*)” são um exemplo de “padronização impulsionada pelo mercado,” e em

que o que Scott chama de “capitalismo burocrático de larga escala” ser

essencialmente o mercado. A diferença é que DeLong trata-os como exemplo

positivo da ordem espontânea do mercado e vê tal capitalismo burocrático de largaescala como amigável em relação a mētis. As pessoas compram tomates de

borracha, diz ele, porque eles são mais baratos — requerem menos trabalho para

ser cultivados. (* A expressão me era desconhecida. Depois de muita pesquisa,

entendo ser referência aos tomates da agricultura industrial/estandardizada, capazes

de sofrer quedas da carreta que os transporta na estrada sem se estragarem, mas

também sem nutrientes e sem sabor. Algumas das referências que

encontrei:http://www.grist.org/industrial-agriculture/2011-06-20-the-indignity-of-

industrial-tomatoes-florida http://www.cato-unbound.org/2010/09/24/tim-lee/of-hayek-and-rubber-tomatoes/ http://delong.typepad.com/delong_economics_only/2007/10/ru

bber-tomato-b.html )

Nunca ocorre a nenhum dos dois que o “capitalismo burocrático de larga escala” e

as patologias que cria — tal como o tomate de borracha — têm mais ou menos tanto

a ver com mercados genuínos quanto tinha o estado altomodernista de Lênin. O que

quer que pensemos de maciços subsídios para estradas que reduzem o custo

relativo de embarcar hortifrutigranjeiros por meio de grandes carretas, ou do acesso

de larga escala a água de irrigação subsidiada, é difícil discordar de eles mudarem oequilíbrio da agricultura local apoiada pela comunidade e da fazenda de produção de

verduras para o mercado em favor do agronegócio de larga escala. E esse não é

exatamente um fenômeno de “livre mercado”.

E Scott em particular negligencia o potencial de aplicação de análise do livre

mercado a uma crítica do capitalismo corporativo — isto é, “usar as ferramentas do

senhor para demolir a casa do senhor” — e a real existência de uma cepa diversa de

versões socialistas ou anticapitalistas de análise do livre mercado. Conceitos de livre

mercado genuíno oferecem enorme potencial de reutilização como armas contra oneoliberalismo e a dominação corporativa. Há importante conjunto de obras, no

amplo espectro que inclui a ala amigável em relação ao mercado do socialismo

clássico e a ala esquerda do liberalismo clássico, que trata escassez artificial,

direitos artificiais de propriedade e privilégio como sendo a causa fundamental da

exploração econômica. Tais pensadores incluem Thomas Hodgskin, que é

convencionalmente inserido entre os socialistas ricardianos mas foi figura influente

no liberalismo clássico precoce;141 Henry George, com suas teorias do rent da

terra; o inicial, esquerdista, Herbert Spencer (cujos mentores incluem Hodgskin);

anarquistas de Boston como Benjamin Tucker (o dos Quatro Monopólios);142 o

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georgista Franz Oppenheimer (responsável pela distinção entre “meios econômicos”

e “meios políticos” para a riqueza);143 pensadores como Albert Jay Nock e Ralph

Borsodi,144 que desenvolveram as ideias econômicas de George e de Oppenheimer

no contexto do capitalismo industrial estadunidense; e o anarquista individualista

R.A. Wilson, que viu o privilégio como o fator distintivo entre capitalismo e mercadosverdadeiramente livres.

Conclusão.

Vimos como os principais conceitos de Scott — legibilidade e opacidade, mētis,

espaços estatais e não estatais — samblam-se e relacionam-se um com o outro.

Todos eles refletem um tema subjacente comum: os conflitos de interesse e as

contradições sociais criados pela autoridade.

O poder, ou a autoridade, cria um conflito de interesses fundamental. Do mesmo

modo que o problema do conhecimento oculto e da ação oculta — os problemas de

informação e de ação de uma hierarquia corporativa — resulta do conflito de

interesses criados pelo poder, a autoridade do estado cria um conflito de interesses

no qual os cidadãos têm interesse em tornarem-se tão opacos quanto possível. O

poder, seja numa hierarquia corporativa ou numa sociedade governada por um

estado, é uma forma de externalizar custos para os outros e apropriar-se das

vantagens para si próprio.

O estado e a classe dominante que o controla têm interesse em maximizar sua

extração de rents e de tributos, mesmo ao custo de tornar a sociedade menosprodutiva em sentido absoluto, do mesmo modo que a gerência de uma corporação

tem interesse em maximizar seus salários e benefícios a expensas da produtividade

geral. Os que se encontram em posição de autoridade, em ambos os casos, tentam

estruturar a instituição ou sociedade como um todo de maneira a maximizarem a

legibilidade dela e o montante líquido absoluto de riqueza extraída — mesmo ao

custo de eficiência subótima. E o povo de uma sociedade governada pelo estado, do

mesmo modo que os trabalhadores de produção de uma corporação, fazem o

melhor que podem para tornarem-se opacos em relação a seus superiores ereduzirem sua vulnerabilidade à extração de riqueza — mesmo ao custo de usarem

técnicas menos produtivas.

Em todos os casos, o poder distorce o fluxo de informação e o incentivo para

produzir tão eficientemente quanto possível. A existência de pessoas em autoridade

que existem num relacionamento de soma zero economicamente com aqueles de

quem extraem rents, seja no estado ou na hierarquia que governa as instituições,

cria incentivo para os que estão abaixo minimizarem sua legibilidade (e portanto a

extratividade de rents) em relação aos que estão acima. Cria incentivo paraestruturarem sua atividade produtiva de maneira a minimizar a extratividade de rents,

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mesmo ao custo de produzir menos eficientemente. Num relacionamento de soma

zero, os produtores — tanto quanto os parasitas — têm incentivo para maximizar o

tamanho de sua fatia do bolo a expensas do tamanho do bolo como um todo.

Em suma a autoridade, longe de ser a solução para a guerra de todos contra todos,

é a causa dela. E, ao sê-lo, destrói racionalidade, conhecimento, e cooperação.

Estudo original publicado porKevin Carson em 26 de maio de 2011.

Traduzido do inglês porMurilo Otávio Rodrigues Paes Leme.

* * *

Notes:

[1] James Scott, Vendo Como um Estado (New Haven e Londres: Imprensa da

Universidade de Yale, 1998), p. 2.

[2] Ibid., p. 24.[3] Ibid., p. 378n11.

[4] Michel Foucault, Disciplina e Punição: O Nascimento da Prisão, Traduzido por

Alan Sheridan, 1977. Edição Second Vintage (Nova Iorque: Vintage Press, 1995), p.

143.

[5] Ibid., p. 144.

[6] Ibid., p. 145.

[7] Ibid., pp. 170-171.

[8] Ibid., p. 172.

[9] Ibid., p. 173.

[10] Ibid., p. 201.

[11] Ibid., p. 291.

[12] E. P. Thompson, “Tempo, Disciplina de Trabalho e Capitalismo Industrial,”

Passado e Presente 37 (1968): pp. 56-97.

[13] Ibid., p. 85.

[14] Ibid., p. 90.[15] Ibid., pp. 81-82.

[16] Ibid., p. 90.

[17] Scott, Vendo Como um Estado, pp. 311, 320.

[18] Ibid., p. 313.

[19] Ibid., p. 329.

[20] Ibid., pp. 315-316.

[21] Ibid., pp. 311-312.

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[22] Friedrich Hayek, “O Uso do Conhecimento na Sociedade,” Individualismo e

Ordem Econômica (Chicago: Imprensa da Universidade de Chicago,1948), pp. 77-

78.

[23] Ibid., p. 80.

[24] Ibid., pp. 83-84.

[25] Michael Polanyi. Conhecimento Pessoal: Rumo a uma Filosofia Pós-Crítica

(University of Chicago Press, 1958).

[26] Scott, Vendo Como um Estado, p. 313.

[27] Ibid., p. 314.

[28] Alex Pouget, “Misterioso ‘ruído neural’ em realidade prepara o cérebro para

desempenho máximo,” EurekAlert, 10 de novembro de

2006 <http://www.eurekalert.org/pub_releases/2006-11/uor-mn111006.php>.[29] Scott, Vendo Como um Estado, p. 331.

[30] Ibid., p. 429n65.

[31] Ibid., p. 324.

[32] Carson, Teoria da Organização: Uma Perspectiva Libertária (Booksurge, 2008),

p. 475.

[33] Todos esses conceitos são discutidos na primeira secção do Capítulo Sete em

meu livro A Revolução Industrial Gestada em Casa:Um Manifesto de Baixo

Overhead (CreateSpace, 2010).

[34] Scott, Vendo Como um Estado, p. 305.

[35] Joseph A. Schumpeter, Capitalismo, Socialismo, e Democraccia (Nova Iorque e

Londres: Publicadora Harper & Brothers, 1942), pp. 100-101.

[36] John Kenneth Galbraith, Capitalismo Estadunidense: O Conceito de Poder

Compensatório (Boston: Houghton Mifflin, 1962), pp. 86-88.

[37] Harvey Leibenstein, “Eficiência Alocativa versus Eficiência X,’” Revista

Econômica Estadunidense 56 (Junho 1966); Barry Stein, Porte, Eficiência e Empresa

Comunitária (Cambridge: Centro para Desenvolvimento Econômico Comunitário,

1974).

[38] Paul Goodman, Pessoas ou Pessoal, em Pessoas e Pessoal e Como uma

Província Conquistada (New York: Vintage Books, 1963,1965), p. 58.

[39] Walter Adams e James Brock, O Complexo de Tamanho: Indústria, Trabalho e

Governo na Economia Estadunidense. Segunda edição (Stanford: Imprensa da

Universidade de Stanford, 2004), pp. 48-49.

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[40] Mark J. Green, Beverly C. Moore, Jr., e Bruce Wasserstein, O Sistema de

Empresa Fechada: Estudo de Grupo de Ralph Nader acerca de Fazer Cumprir o

Antitruste (Nova Iorque: Publicadora Grossman, 1972), pp. 254-256.

[41] James C. Scott, Dominação e a Arte da Resistência: Transcrições Ocultas (New

Haven e Londres: Imprensa da Universidade de Yale, 1990).

[42] R. A. Wilson, “Treze Corais para o Divino Marquês,” de Coincidance – A Head

Test (1988) <http://www.deepleafproductions.com/wilsonlibrary/texts/raw-

marquis.html>.

[43] Michel Bauwens, “A Economia Política da Produção por Pares,” Ctheory.net, 1o.

de dezembro de 2005 <http://www.ctheory.net/articles.aspx?id=499>.

[44] Robert Shea e Robert Anton Wilson, O Illuminatus! Trilogia (New York: Dell

Publishing, 1975), p. 388.

[45] Ibid., p. 498.

[46] Kenneth Boulding, “A Economia do Conhecimento e o Conhecimento de

Economia,” Revista Econômica Estadunidense 56:1/2 (March 1966), p. 8.

[47] Citado em Hazel Henderson, “Para Lidar Com Choque Organizacional Futuro,”

Criação de Futuros Alternativos: O Fim da Economia (New York: G. P. Putnam’s

Sons, 1978), p. 225.

[48] Scott, Vendo Como um Estado, pp. 6-7.

[49] Robert Chambers, A Realidade de Quem Conta? Colocação do Primeiro emÚltimo Lugar (London: Intermediate Technology Publications, 1997), p. 15.

[50] Ibid., p. 30.

[51] Ibid., p. 31.

[52] Ibid., p. 31.

[53] Ibid., p. 32.

[54] Ibid., p. 76.

[55] Scott, Vendo Como um Estado, p. 314.

[56] Martha S. Feldman e James G. March, “Informação em Organizações como

Sinal e Símbolo,” Ciência Administrativa Trimestral 26 (abril 1981).

[57] Matthew Yglesias, “Duas Visões do Capitalismo,” Yglesias, 22 de novembro de

2008 <http://yglesias.thinkprogress.org/2008/11/two_views_of_capitalism/>.

[58] Bruce Schneier, Além do Medo: Pensamento Sensato Acerca de Segurança

num Mundo Incerto (New York: Copernicus Books, 2003), p. 133.

[59] Goodman, Pessoas ou Pessoal, p. 88.

[60] Ibid., p. 52.

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[61] Gary Miller, Dilemas Geranciais: A Economia Política da Hierarquia (Nova

Iorque: Imprensa da Universidade de Cambridge, 1992), pp. 201-202.

[62] William Waddell e Norman Bodek, O Renascimento da Indústria Estadunidense

(Vancouver: PCS Press, 2005), p. 158.

[63] Ibid., p. 169.

[64] John Micklethwait e Adrian Wooldridge, Os Médicos Feiticeiros: Como Entender

os Gurus da Administração (Nova Iorque: Livros Times, 1996), p. 209.

[65] Sanford J. Grossman e Oliver D. Hart, “Custos e Benefícios da Condição de

Proprietário: Uma Teoria da Integração Vertical e Lateral,” Jornal de Economia

Política 94:4 (1986), pp. 716-717.

[66] Miller, Dilemas Gerenciais, pp. 154-155, 157.

[67] Scott, Vendo Como um Estado, p. 336.[68] Ibid., pp. 337-338.

[69] Ibid., p. 98.

[70] Ibid., pp. 336-337.

[71] Ibid., p. 99.

[72] Ibid., p. 219.

[73] Alfred D. Chandler, Jr., A Mão Visível: A Revolução Gerencial na Empresa

Estadunidense (Cambridge e Londres: Imprensa Belknap da Imprensa da

Universidade de Harvard, 1977), p. 241.

[74] David F. Noble, Forças de Produção: História Social da Automação Industrial

(Nova Iorque: Alfred A. Knopf, 1984), p. 277.

[75] Scott, Vendo Como um Estado, p. 350.

[76] Ibid., pp. 351-352.

[77] Ibid., p. 310.

[78] Julia O’Connell Davidson, “As Fontes e Limites de Um Serviço Público

Privatizado,” em J. Jermier e D. Knight, eds., Resistência e Poder nas Organizações(Londres: Routledge, 1994), pp. 82-83.

[79] Oliver Williamson, Mercados e Hierarquias, Análise e Implicações Antitruste:

Estudo nas Economias de Organização Interna (Nova Iorque: Imprensa Livre, 1975),

p. 69.

[80] J.E. Meade, “A Teoria das Firmas Geridas por Trabalhadores e de

Compartilhamento de Lucros,” em Jaroslav Vanek, ed., Autogerência: Libertação

Econômica do Homem (Hammondsworth, Middlesex, Inglaterra: Penguin Education,

1975), p. 395.[81] Williamson, Mercados e Hierarquias, p. 69.

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[82] Paul Milgrom e John Roberts, “Uma Abordagem Econômica para Influenciar

Atividades nas Organizações,” Jornal de Sociologia Estadunidense, suplemento ao

vol. 94 (1988), p. S155.

[83] Hayek, “O Uso do Conhecimento na Sociedade,” p. 80.

[84] Ibid., p. 82.

[85] Williamson, Mercados e Hierarquias, pp. 62-63.

[86] Scott, Vendo como um Estado, pp. 310-311.

[87] David Jenkins, Poder do Emprego: Democracia de Colarinho Azul e Branco

(Garden City, Nova Iorque: Doubleday & Company, Inc., 1973), p. 237.

[88] Kim S. Cameron, “Downsizing, Qualidade e Desempenho,” em Robert E. Cole,

ed., A Morte e a Vida do Movimento de Qualidade Estadunidense (Nova Iorque:

Imprensa da Universidade de Oxford, 1995), p. 97.[89] Alex Markels e Matt Murray, “Chamem Isso de Estupidisizing: Por Que Algumas

Empresas Arrependem-se do Corte de Custos,” Wall Street Journal, 14 de maio de

1996 <http://www.markels.com/management.htm>.

[90] Tom Blumer, “Para Desarmar os Defensores de Nardelli Parte I,” BizzyBlog, 8 de

 janeiro de 2007 <http://www.bizzyblog.com/2007/1/08/disarming-nardellis-defenders-

part-1/>.

[91] Blumer, “Para Desarmar os Defensores de Nardelli Parte 3,” BizzyBlog, 8 de

 janeiro de 2007 <http://www.bizzyblog.com/2007/1/08/disarming-nardellis-defenders-part-3/>.

[92] Comentário de Blumer abaixo de Kevin Carson, “Cálculo Econômico na

Comunidade Corporativa, Parte II: Hayek vs. Mises acerca de Conhecimento

Distribuído (Excerto),” Blog Mutualista: Anticapitalismo de Livre Mercado, 16 de

março de 2007 <http://mutualist.blogspot.com/2007/03/economic-calculation-in-

corporate.html>.

[93] Ludwig von Mises, Burocracia. Editado e com Prefácio de Bettina Bien Greaves

(Imprensa da Universidade de Yale, 1944: renovado por Liberty Fund, 1972; EdiçõesEditoriais Liberty Fund, 2007).

[94] Ver Capítulo Sete (“Cálculo Econômico na Comunidade Corporativa: A

Corporação Enquanto Economia Planificada”)

[95] Ver Waddell e Bodek, pp. 135-140, 143.

[96] Voltando aos Noventa, David Noble disse que os custos do trabalho situavam-se

normalmente em torno de 10% do custo unitário total nas indústrias de metalurgia,

em comparação com 35% de overhead. Mas 75% do esforço de corte de custos pela

gerência dirigiam-se para cortar trabalho, em comparação com 10% para cortar

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overhead. Noble, Progresso Sem Pessoas: Nova Tecnologia, Desemprego e a

Mensagem de Resistência (Toronto: Entre as Linhas, 1995), p. 105.

[97] Ludwig von Mises, Socialismo: Análise Econômica e Sociológica. Traduzido por

J. Kahane. Nova edição, ampliada por um Epílogo (New Haven: Imprensa da

Universidade de Yale, 1951). [Procure o número da página.]

[98] Richard Ericson, “A Economia Clássica de Tipo Soviético: Natureza do Sistema

e Implicações para Reforma,” Jornal de Perspectivas Econômicas 5:4 (1991), p. 21.

[99] Friedrich Hayek, “Cálculo Socialista II: O Estado e o Debate (1935),” em Hayek,

Individualismo e Ordem Econômica (Chicago: Imprensa da Universidade de

Chicago, 1948), pp. 149-150.

[100] Scott, Vendo Como um Estado, p. 186.

[101] Ibid., pp. 1-2.[102] James C. Scott, A Arte de Não Ser Governado: História Anarquista das Terras

Altas do Sudeste Asiático (New Haven & Londres: Imprensa da Universidade de

Yale, 2009), pp. 40-41.

[103] Ibid., p. 53.

[104] Ibid., p. 58.

[105] Ibid., p. 178.

[106] Ibid., p. 196.

[107] Ibid., p. 51.

[108] Ibid., p. 61.

[109] Ibid., p. 63.

[110] Ibid., x.

[111] Ibid., p. 23.

[112] Scott, Vendo Como um Estado, p. 338.

[113] Benjamin Darrington, “Economias de Escala Criadas pelo Governo e

Especificidade de Capital” Paper apresentado na Conferência dos AcadêmicosEstudantes Austríacos, 2007 (Por favor veja o link no original deste artigo; se

inserido aqui, ele distorce a tabela.)

[114] Daniel de Ugarte, Phyles: Democracia Econômica no Século XXI

<http://deugarte.com/gomi/phyles.pdf>; “Phyles,” P2P Foundation Wiki

<http://p2pfoundation.net/Phyles>. John Robb, “EaaS (ECONOMIA como

SERVIÇO),” Guerrilheiros Globais, 7 de novembro de 2010

<http://globalguerrillas.typepad.com/globalguerrillas/2010/11/eaas-economy-as-

aservice.html>. Phyles e Economy como Serviço de Software são discutidos noCapítulo Dois de minha minut manuscrit online Governo de Código Aberto, sob a

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subsecção “Legibilidade, Mecanismos de Reputação e de Verificação”

<http://dl.dropbox.com/u/4116166/Open%20Source

%20Government/2.%20%20Open%20Source%20Regulatory%20State.pdf>.

[115] Scott, A Arte de Não Ser Governado, p. 73.

[116] Ibid., p. 65.

[117] Ibid., p. 181.

[118] Ibid., p. 188.

[119] Ibid., p. 184.

[120] Eric S. Raymond, A Catedral e o Bazar

<http://catb.org/~esr/writings/homesteading>.

[121] Doctorow, “Palestra de Pesquisa GDD Microsoft,” em Conteúdo: Ensaios

Seletos sobre Tecnologia, Criatividade, Copyright, e o Futuro do Futuro (SãoFrancisco: Publicações Táquion, 2008), pp. 7-8.

[122] Doctorow, “É a Economia da Informação, Estúpido,” em Ibid., p. 60.

[123] Schneier, Além do Medo, p. 95.

[124] John Robb, “A PLATAFORMA DE CÓDIGO ABERTO DO BAZAR,”

Guerrilheiros Globais, 24 de setembro de 2004 (Por favor veja o link no texto original;

por algum motivo, se inserido aqui, ele muda a largura da tabela.)

[125] Adam Higginbotham, “Instituição Militar dos Estados Unidos Aprende a

Combater as Armas Mais Letais,” Wired, 28 de julho de 2010 (Por favor veja o link notexto original)

[126] Thomas L. Knapp, “A Revolução Não Será Proclamada no Twitter,” Centro por

uma Sociedade Sem Estado, 5 de outubro de 2009 (Por favor veja o link no texto

original)

[127] Katherine Mangu-Ward, “Lá Vem o Xerife! Lá Vem o Xerife!” Razão Bata e

Corra, 6 de janeiro de 2010 (Por favor veja o link no texto original) Branan, “Polícia:

Twitter usado para evitar barreiras da lei seca,” Seattle Times, 28 de dezembro de

2009 (Por favor veja o link no texto original)

[128] Felix Stalder, “Vazamentos, Denunciantes e a Ecologia das Notícias

Redeadas,” n.n., 6 de novembro de 2010 (Por favor veja o link no texto original)

[129] John Robb, “Julian Assange,” Guerrilheiros Globais, 15 de agosto de 2010 (Por

favor veja o link no texto original)

[130] Robb, “Guerra Aberta e Replicação,” Guerrilheiros Globais, 20 de setembro de

2010 (Por favor veja o link no texto original)

[131] Malcolm Gladwell, “Como Davi Vence Golias,” O Novaiorquino, 11 de maio de

2009 (Por favor veja o link no texto original)

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