Lei Crime Organizado

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  • A NOVA LEI DE ORGANIZAO CRIMINOSA LEI N. 12.850/20131

    I Introduo - A Posio do Supremo Tribunal Federal

    Como cedio, na sesso do dia 12 de junho doano de 2012, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HabeasCorpus n. 96007, decidiu trancar um processo no qual os pacientes respondiam pelasuposta prtica do crime de lavagem de dinheiro por meio de organizao criminosa,previsto no inciso VII do artigo 1 da Lei 9.613/98. A deciso foi unnime. A dennciado Ministrio Pblico revelava a existncia de uma suposta organizao criminosa,comandada pelos pacientes, que se valeria da estrutura de entidade religiosa e deempresas vinculadas para arrecadar grandes valores em dinheiro, ludibriando os fiismediante variadas fraudes, desviando os numerrios oferecidos para determinadasfinalidades ligadas igreja em proveito prprio e de terceiros, alm de pretensamentelucrar na conduo das diversas empresas, desvirtuando as atividades eminentementeassistenciais e aplicando seguidos golpes. No habeas corpus a defesa alegou que naprpria Lei n. 9.613/98 diz que para se configurar o crime de lavagem de dinheiro necessria a existncia de um crime anterior, que a denncia aponta ser o deorganizao criminosa. Para o advogado, contudo, no existe no sistema jurdicobrasileiro o tipo penal organizao criminosa, o que levaria inpcia da denncia.

    Esta matria voltou novamente a julgamento com aapresentao do voto-vista da Ministra Crmen Lcia Antunes Rocha que, emnovembro de 2009, havia pedido vista dos autos aps os votos dos Ministros MarcoAurlio (relator) e Dias Toffoli, favorveis ao encerramento do processo. Na sesso dodia 12 de junho, a Ministra Crmen Lcia votou da mesma forma, concedendo a ordeme, na sequncia do julgamento, os Ministros Luiz Fux e Rosa Weber tambm se

    1 Rmulo de Andrade Moreira Procurador-Geral de Justia Adjunto para Assuntos Jurdicos doMinistrio Pblico do Estado da Bahia. Foi Assessor Especial da Procuradoria Geral de Justia eCoordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias Criminais. Ex- Procurador da FazendaEstadual. Professor de Direito Processual Penal da Universidade Salvador - UNIFACS, na graduao e naps-graduao (Especializao em Direito Processual Penal e Penal e Direito Pblico). Ps-graduado, latosensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal). Especialista em Processopela Universidade Salvador - UNIFACS (Curso ento coordenado pelo Jurista J. J. Calmon de Passos).Membro da Association Internationale de Droit Penal, da Associao Brasileira de Professores deCincias Penais, do Instituto Brasileiro de Direito Processual e Membro fundador do Instituto Baiano deDireito Processual Penal (atualmente exercendo a funo de Secretrio). Associado ao Instituto Brasileirode Cincias Criminais. Integrante, por quatro vezes, de bancas examinadoras de concurso pblico paraingresso na carreira do Ministrio Pblico do Estado da Bahia. Professor convidado dos cursos de ps-graduao dos Cursos JusPodivm (BA), Praetorium (MG) e IELF (SP). Autor das obras Curso Temticode Direito Processual Penal e Comentrios Lei Maria da Penha (em coautoria com Issac Guimares),ambas editadas pela Editora Juru, 2010 (Curitiba); A Priso Processual, a Fiana, a LiberdadeProvisria e as demais Medidas Cautelares (2011), Juizados Especiais Criminais O ProcedimentoSumarssimo (2013), Uma Crtica Teoria Geral do Processo (2013), publicadas pela EditoraLexMagister, (Porto Alegre), alm de coordenador do livro Leituras Complementares de DireitoProcessual Penal (Editora JusPodivm, 2008). Participante em vrias obras coletivas. Palestrante emdiversos eventos realizados no Brasil.

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  • manifestaram nesse sentido. A Ministra Crmen Lcia ressaltou a atipicidade do crimede organizao criminosa, tendo em vista que o delito no consta na legislao penalbrasileira. Ela afirmou que, conforme o relator, se no h o tipo penal antecedente,que se supe ter provocado o surgimento do que posteriormente seria lavado, no setem como dizer que o acusado praticou o delito previsto no artigo 1 da Lei 9.613/98.De acordo com a Ministra, a questo foi debatida recentemente pelo Plenrio doSupremo, que concluiu no sentido do voto do Ministro Marco Aurlio, ou seja, de quea definio emprestada de organizao criminosa seria acrescentar norma penalelementos inexistentes, o que seria uma intolervel tentativa de substituir o legislador,que no se expressou nesse sentido. No h como se levar em considerao o que foidenunciado e o que foi aceito, concluiu. (Grifo nosso).

    Naquela oportunidade louvamos a acertada decisoda Turma do Supremo Tribunal Federal, pois se atentou para o princpio da legalidade,absolutamente inafastvel em um Estado Democrtico de Direito, ainda mais quando setrata de estabelecer uma exata definio acerca de uma estrutura criminosa que permiteao Estado autorizar contra o indivduo, ainda presumivelmente inocente, atosinvestigatrios invasivos de sua privacidade.

    II As Organizaes Criminosas

    Evidentemente que no se desconhecia nem senegava, poca, a existncia de organizaes criminosas, inclusive em nosso Pas, masera preciso que, antes de qualquer coisa, houvesse um conceito legal para aquelasestruturas criminosas, tal como fazia (porque agora foi modificado), por exemplo, oCdigo Penal, no art. 288, ao conceituar o crime de quadrilha ou bando e a Lei n.11.343/06, no art. 35 (Associao para o Trfico Lei de Drogas, ainda em vigor).

    Obviamente, e at como uma decorrncia dotrfico internacional de drogas e da lavagem de capitais2, mas no somente por causadeles, o crime organizado vem, desde h algum tempo, desenvolvendo-se em todo omundo. Hoje, apenas para citar alguns exemplos, temos os grandes cartis das drogas,inclusive na Amrica Latina, as mfias italiana, japonesa e russa, os traficantes dearmas, o terrorismo, etc, etc., tudo facilitado pela globalizao e pelos seus respectivosinstrumentos de atuao.

    A questo situava-se, no entanto, na grandedificuldade, inclusive doutrinria, de estabelecer exatamente o conceito de crimeorganizado, at para que se pudessem utilizar adequadamente os meios repressivospostos disposio da Polcia e da Justia criminal no combate a este tipo de atividadee, ao mesmo tempo, impedir que fossem aplicados tais atos investigatrios(evidentemente mais drsticos e gravosos) em casos que no eram especificamente deorganizao criminosa.

    2 Kellens (Levolution de la thorie du crime organis), citado por Montalvo, Jos Antonio Chocln, inLa Organizacin Criminal, Madrid: Dykinson, 2000, p. 12, adverte para a estreita vinculao dacriminalidade organizada com a lavagem de dinheiro.

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  • Em trabalho anterior e j vetusto, arriscamo-nos(equivocadamente, hoje reconhecemos), a conceituar crime organizado como umaestrutura criminosa formada por um nmero razovel de integrantes, ordenados deforma estvel e duradoura, tendo como finalidade precpua a prtica de um determinadoilcito penal, continuadamente, utilizando-se quase sempre do mesmo modus operandi,alm de violncia e da alta tecnologia, inclusive blica.

    III A Conveno de Palermo

    verdade que, diante da ento lacuna legislativa,alguns doutrinadores, Juzes e Tribunais, encontravam esta definio legal em nossoordenamento jurdico por fora do Decreto n. 5.015/2004, que promulgou a Convenodas Naes Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, onde se l que seconsidera Grupo Criminoso Organizado aquele estruturado de trs ou mais pessoas,existente h algum tempo e atuando concertadamente com o propsito de cometer umaou mais infraes graves ou enunciadas na presente Conveno, com a inteno deobter, direta ou indiretamente, um benefcio econmico ou outro benefcio material.

    Nunca concordamos com tal entendimento (apesarde respeitarmos quem o fazia), pois entendamos que uma norma internacional decarter incriminadora no podia adentrar o nosso ordenamento jurdico. Neste sentido, aexegese dos 2. e 3. do art. 5. da Constituio Federal.

    A propsito, eis o que dizia Luiz Flvio Gomes:

    1) a definio de crime organizado contida naConveno de Palermo muito ampla, genrica, e viola a garantia da taxatividade (oude certeza), que uma das garantias emanadas do princpio da legalidade; 2) adefinio dada, caso seja superada a primeira censura acima exposta, vale para nossasrelaes com o direito internacional, no com o direito interno; de outro lado, daessncia dessa definio a natureza transnacional do delito (logo, delito interno, aindaque organizado, no se encaixa nessa definio). Note-se que a Conveno exige "(...)grupo estruturado de trs ou mais pessoas, existente h algum tempo e atuandoconcertadamente com o propsito de cometer uma ou mais infraes graves ouenunciadas na Conveno, com a inteno de obter, direta ou indiretamente, umbenefcio econmico ou outro benefcio material". Todas as infraes enunciadas naConveno versam sobre a criminalidade transnacional. Logo, no qualquercriminalidade organizada que se encaixa nessa definio. Sem a singularidade datransnacionalidade no h que se falar em adequao tpica, do ponto de vista formal;3) definies dadas pelas convenes ou tratados internacionais jamais valem parareger nossas relaes com o Direito penal interno em razo da exigncia do princpioda democracia (ou garantia da lex populi). Vejamos: quando se trata das relaes doindivduo com organismos internacionais (com o Tribunal Penal Internacional, v.g.), ostratados e convenes constituem as diretas fontes desse Direito penal, ou seja, elesdefinem os crimes e as penas. o que foi feito, por exemplo, no Tratado de Roma (quecriou o TPI). Nele acham-se contemplados os crimes internacionais (crimes de guerra,

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  • contra a humanidade etc.) e suas respectivas sanes penais. Como se trata de um iuspuniendi que pertence ao TPI (organismo supranacional), a nica fonte (direta) desseDireito penal s pode mesmo ser um Tratado internacional. Quem produz esseespecfico Direito penal so os Estados soberanos que subscrevem e ratificam orespectivo tratado. Cuidando-se do Direito penal interno (relaes do indivduo com oius puniendi do Estado brasileiro) tais tratados e convenes no podem servir de fontedo Direito penal incriminador, ou seja, nenhum documento internacional, em matriade definio de crimes e penas, pode ser fonte normativa direta vlida para o Direitointerno brasileiro. O Tratado de Palermo (que definiu o crime organizadotransnacional), por exemplo, no possui valor normativo suficiente para delimitarinternamente o conceito de organizao criminosa (at hoje inexistente no nosso pas).Fundamento: o que acaba de ser dito fundamenta-se no seguinte: quem tem poder paracelebrar tratados e convenes o Presidente da Repblica (Poder Executivo) (CF, art.84, VIII), mas sua vontade (unilateral) no produz nenhum efeito jurdico enquanto oCongresso Nacional no aprovar (referendar) definitivamente o documentointernacional (CF, art. 49, I). O Parlamento brasileiro, de qualquer modo, no podealterar o contedo daquilo que foi subscrito pelo Presidente da Repblica (em outraspalavras: no pode alterar o contedo do Tratado ou da Conveno). O que resultaaprovado, por decreto legislativo, no fruto ou expresso das discussesparlamentares, que no contam com poderes para alterar o contedo do que foicelebrado pelo Presidente da Repblica. Uma vez referendado o Tratado, cabe aoPresidente do Senado Federal a promulgao do texto (CF, art. 57, 5), que serpublicado no Dirio Oficial. Mas isso no significa que o Tratado j possua valorinterno. Depois de aprovado ele deve ser ratificado (pelo Executivo). Essa ratificaose d pelo Chefe do Poder Executivo que expede um decreto de execuo (interna), que publicado no Dirio Oficial. s a partir dessa publicao que o texto ganha forajurdica interna (Cf. Mazzuoli, Valrio de Oliveira, Curso de Direito InternacionalPblico, 2. ed., So Paulo: RT, 2007, p. 291 e SS). Concluso: os tratados e convenesconfiguram fontes diretas (imediatas) do Direito internacional penal (relaes doindivduo com o ius puniendi internacional, que pertence a organismos internacionais -TPI, v.g.), mas jamais podem servir de base normativa para o Direito penal interno(que cuida das relaes do indivduo com o ius puniendi do Estado brasileiro), porqueo parlamento brasileiro, neste caso, s tem o poder de referendar (no o de criar anorma). A dimenso democrtica do princpio da legalidade em matria penalincriminatria exige que o parlamento brasileiro discuta e crie a norma. Isso no amesma coisa que referendar. Referendar no criar ex novo.3

    Montalvo, aps advertir que o conceito decriminalidade organizada possui contornos muito imprecisos e cheios de relativismos,estabelece algumas condies fundamentais para que bem se caracterize a existncia deuma organizao criminal, a saber: la existencia de un centro de poder, donde setoman las decisiones; actuacin a distintos niveles jerrquicos; aplicacin detecnologa y logstica; fungibilidad o intercambialidad de los miembros;sometimiento a las decisiones que emanan del centro de poder; movilidadinternacional e apariencia de legalidad y presencia en los mercados como medio detransformacin de los ilcitos benefcios.4

    3 Gomes, Luiz Flvio. Definio de crime organizado e a Conveno de Palermo. Disponvel em:http://www.lfg.com.br 06 de maio de 2009.4 Montalvo, Jos Antonio Chocln, La Organizacin Criminal, Madrid: Dykinson, 2000, p. 09.

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  • Exatamente por causa desta mobilidadeinternacional da qual se refere o jurista espanhol e que indiscutivelmente caracteriza aorganizao criminosa, que, como dizia o Juiz italiano Falcone, la correcta poltica-criminal frente a la delicuencia organizada es la destruccin del poder econmico deestas organizaciones a travs de la cooperacin internacional efectiva y eficaz.5

    IV A Lei n. 9.034/90 A Antiga Lei do Crime Organizado (Revogada)

    Em 1995, foi promulgada a Lei n. 9.034/95, quedispunha (pois acaba de ser expressamente revogada, como veremos adiante) sobre autilizao de meios operacionais para a preveno e represso de aes praticadas pororganizaes e associaes criminosas, alm da quadrilha ou bando, definindo eregulando os respectivos meios de prova e procedimentos investigatrios. Por ela,permite-se, em qualquer fase da persecuo criminal, ou seja, tanto na investigaocriminal, quanto na instruo criminal, e sem prejuzo dos meios de prova j previstosna legislao processual brasileira, os seguintes atos investigatrios: 1) A aocontrolada; 2) O acesso a dados, documentos e informaes fiscais, bancrias,financeiras e eleitorais; 3) A captao e a interceptao ambiental de sinaiseletromagnticos, ticos ou acsticos, e o seu registro e anlise, mediantecircunstanciada autorizao judicial e 4) A infiltrao por agentes de polcia ou deinteligncia, em tarefas de investigao, constituda pelos rgos especializadospertinentes, mediante circunstanciada autorizao judicial.

    O seu art. 5. dispunha que a identificao criminalde pessoas envolvidas com a ao praticada por organizaes criminosas seria realizadaindependentemente da identificao civil. Igualmente, nos crimes praticados emorganizao criminosa, a pena seria reduzida de um a dois teros quando a colaboraoespontnea do agente levasse ao esclarecimento de infraes penais e sua autoria(delao premiada).6 O prazo para encerramento da instruo criminal em tais processosseria de 81 (oitenta e um) dias, quando o ru estivesse preso e de 120 (cento e vinte)dias, quando solto.

    Proibia-se a liberdade provisria, com ou semfiana, aos agentes que tivessem tido intensa e efetiva participao na organizaocriminosa e, tambm, o direito do ru de apelar em liberdade, proibies logodesautorizadas por diversas decises do Supremo Tribunal Federal. Por fim, oscondenados por crimes decorrentes de organizao criminosa iniciariam o cumprimentoda pena em regime fechado.

    Ora, com aquela deciso tomada pelo SupremoTribunal Federal (transcrita no incio deste artigo), restava uma pergunta: poderamosainda aplicar os dispositivos da Lei n. 9.034/95 quando se tratasse de organizaocriminosa? A resposta, evidentemente, era negativa, restando apenas as aes praticadas

    5 Apud, Montalvo, ob. cit., p. 13.6A respeito da delao premiada, leia-se o que escrevemos na obra Direito Processual Penal, Curitiba:Juru, 2010.

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  • por quadrilha ou bando (art. 288, Cdigo Penal, que tambm agora desapareceu) ouassociaes criminosas voltadas para o fim de praticar, reiteradamente ou no, qualquerdos crimes previstos nos arts. 33, caput e pargrafo primeiro, e 34 da Lei de Drogas (Lei n. 11.343/06, art. 35).

    V A Lei n. 12.694/2012

    Aps a deciso da Suprema Corte, tratou-se depromulgar a Lei n. 12.694/2012, que (ainda) conceitua (porque no foi revogada,sequer implicitamente, como ocorreu expressamente com a Lei n. 9.034/95) umaorganizao criminosa como a associao, de 3 (trs) ou mais pessoas,estruturalmente ordenada e caracterizada pela diviso de tarefas, ainda queinformalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquernatureza, mediante a prtica de crimes cuja pena mxima seja igual ou superior a 4(quatro) anos ou que sejam de carter transnacional.

    Com esta definio legal (no isenta de reparos,evidentemente - mas este no o escopo deste trabalho), salvava-se, ainda quetardiamente, a lei anterior, promulgada h quase duas dcadas (Lei n. 9.034/95).

    A grande novidade trazida pela nova lei (que norevogava a Lei n. 9.034/95, muito pelo contrrio, reafirmava-a) consiste na faculdadedo Juiz decidir pela formao de um rgo colegiado de primeiro grau (como oConselho de Sentena no Jri, ou o Conselho de Justia na Justia Militar) para aprtica de qualquer ato processual em processos ou procedimentos que tenham porobjeto crimes praticados por organizaes criminosas (com aquela definio),especialmente para a decretao de priso ou de medidas assecuratrias, para aconcesso de liberdade provisria ou revogao de priso, para a prolao da sentenae, inclusive, para incidentes do processo de execuo penal, a saber: progresso ouregresso de regime de cumprimento de pena, concesso de liberdade condicional,transferncia de preso para estabelecimento prisional de segurana mxima e inclusodo preso no regime disciplinar diferenciado. Este rgo jurisdicional ser formado pelojuiz do processo e por dois outros juzes escolhidos por sorteio eletrnico dentre aquelesde competncia criminal em exerccio no primeiro grau de jurisdio. A suacompetncia limita-se ao ato para o qual foi convocado e as suas reunies podero sersigilosas sempre que houver risco de que a publicidade resulte em prejuzo eficcia dadeciso judicial, respeitando-se, obviamente, o princpio constitucional da publicidadedos atos processuais. A reunio do colegiado composto por juzes domiciliados emcidades diversas poder ser feita pela via eletrnica, por meio da videoconferncia.

    Para que se instaure este rgo colegiado, misterque o Magistrado indique os motivos e as circunstncias que acarretam risco suaintegridade fsica em deciso fundamentada, da qual ser dado conhecimento srespectivas Corregedorias.

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  • A fim de que se assegure o sigilo de cada um dosJuzes e, conseguintemente, a segurana do Magistrado, a lei estabelece que as decisesdo colegiado, devidamente fundamentadas e firmadas, sem exceo, por todos os seusintegrantes, sero publicadas sem qualquer referncia a voto divergente de qualquermembro, devendo os Tribunais, no mbito de suas competncias, expedir normasregulamentando a composio do colegiado e os procedimentos a serem adotados para oseu funcionamento.

    Evidentemente que os Ministrios Pblicos, daUnio e dos Estados, devero estabelecer normas que estabeleam junto a estes rgoscolegiados a atribuio, igualmente, de trs membros do parquet, pois no faz sentidogarantir-se a segurana dos Magistrados e no dos acusadores. Esta tarefa caber,certamente, ao Conselho Nacional do Ministrio Pblico, por meio de resoluo.

    Alis, os Tribunais, no mbito de suascompetncias, esto autorizados a tomar medidas para reforar a segurana dos prdiosda Justia, especialmente o controle de acesso, com identificao, aos seus prdios,especialmente aqueles com varas criminais, ou s reas dos prdios com varascriminais; a instalao de cmeras de vigilncia nos seus prdios, especialmente nasvaras criminais e reas adjacentes; a instalao de aparelhos detectores de metais, aosquais se devem submeter todos que queiram ter acesso aos seus prdios, especialmentes varas criminais ou s respectivas salas de audincia, ainda que exeram qualquercargo ou funo pblica (membros do Ministrio Pblico, da Defensoria Pblica, daMagistratura e Advogados), ressalvados os integrantes de misso policial, a escolta depresos e os agentes ou inspetores de segurana prprios.

    A propsito, vale transcrever a opinio de RafaelFecury Nogueira, publicada no Boletim do Instituto Brasileiro de Cincias Criminais,n. 240 (novembro/2012), sob o ttulo Nova Lei 12.694/2012 e o julgamento colegiadode organizaes criminosas: h vantagens nisso?: O pressuposto ftico para aconvocao do colegiado o risco integridade fsica do juiz (art. 1., 1.). Comefeito, havendo circunstncia que acarrete risco para o julgador em determinado feitoenvolvendo organizao criminosa, surge para ele a possibilidade de convocao docolegiado de juzes para deliberar sobre qualquer ato decisrio. No se pode olvidarque a deciso que convoca o colegiado deve ser devidamente motivada com aexposio das razes pelas quais se vislumbrou o risco integridade fsica do juiz apartir da explicitao das circunstncias verificadas que, em regra, giram ao redor deameaas ao magistrado. O primeiro problema prtico da Lei 12.694/2012 surge j naprpria formao do colegiado, pois, o art. 1., 2., prev que o mesmo ser formadopelo juiz do processo e por 2 (dois) outros juzes escolhidos por sorteio eletrnicodentre aqueles de competncia criminal em exerccio no primeiro grau de jurisdio.Esse dispositivo poderia ter melhor redao, justamente por prever que os magistradosque comporo o colegiado sero escolhidos dentre juzes com competncia criminal emexerccio no primeiro grau de jurisdio sem estipular um limite territorial para tanto,o que secundado pelo art. 1., 5., que possibilita a reunio do colegiado compostopor juzes domiciliados em cidades diversas, podendo ser feita pela via eletrnica. Porisso, a ausncia de fixao de critrios de delimitao territorial para a convocaodos juzes componentes do colegiado poder acarretar problemas para a prpriaatividade ordinria dos juzes convocados, pois, tomando-se como exemplo o Estado deSo Paulo, um juiz de direito da capital tem competncia criminal de primeirainstncia tanto quanto a de um juiz da comarca de Sertozinho ou de Bauru, o que a

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  • diferencia a delimitao territorial dessa competncia a partir do local da prtica docrime. Pensando nisso, indaga-se: haver critrio de delimitao territorial paraconvocar um juiz para o colegiado? Caso sim, dever o respectivo Tribunal definir aabrangncia territorial para essa convocao (art. 1., 7.). Caso no, resta apossibilidade de convocar um juiz de uma cidade distante por inexistir delimitao dacompetncia territorial, podendo comprometer a devida prestao jurisdicional,mormente em comarcas de vara nica, em face da possibilidade de ausnciatemporria do juiz.Eis, portanto, uma questo a ser resolvida administrativamentepelos prprios Tribunais. A previso de sigilo das reunies do colegiado em caso derisco de prejuzo eficcia da deciso judicial possui amparo constitucional napossibilidade de restrio da publicidade dos atos processuais (art. 93, IX), lembrando-se que no existe sigilo para o acusado, que dever ter acesso s reunies do colegiadopor meio de seu defensor. Enfim, a questo mais delicada trazida pela Lei 12.694/2012, sem dvida, a previso de publicao das decises do colegiado sem qualquerreferncia a voto divergente de qualquer membro (art. 1., 6.), significando que nose conhecer o voto de cada juiz individualmente caso haja divergncia. Essa lei publicada 1 (um) ano aps o triste episdio que culminou com a morte de umamagistrada carioca. Por isso, desde logo, v-se a motivao que levou edio da lei,que nasce, sobretudo, para proteger o magistrado a partir da formao do colegiadopara julgamento dos crimes envolvendo organizaes criminosas. No entanto, o novodiploma adotou uma prtica meramente retrica e sem efetividade alguma, servindo-sede um expediente que apenas distribui as responsabilidades por um provimentojurisdicional contrrio ao(s) ru(s), que, agora, passa a ser proferido por trs juzes, eno apenas por um, como antes. Isso porque, nos termos da nova lei, os trs juzessero conhecidos, no se tratando propriamente dos juzes sem rosto semelhantesaos modelos previstos em legislaes como a da Itlia, Colmbia e Peru,(1) inexistindopreviso de omisso da identidade dos magistrados, o que leva ao conhecimentopblico dos mesmos.

    No se pode confundir a possibilidade dedecretao de sigilo da reunio do colegiado com a omisso da identidade dos juzesque o compem, haja vista que a prpria CF/1988 expressamente assevera apossibilidade de restrio da publicidade de ato processual, assegurando, contudo, apresena das prprias partes e de seus advogados (art. 93, IX). Com efeito, embora anova lei leve tentao de decretao de sigilo absoluto da reunio do colegiado e daomisso de identidade dos juzes componentes, essa hiptese no resistiria ao textoconstitucional que assim no permite, mesmo porque, em processos sigilosos o que seomite a identidade das partes, e no a do(s) magistrado(s).Alm disso, segundo aredao da nova norma, as decises do colegiado sero devidamente fundamentadas efirmadas, sem exceo, por todos os seus integrantes (art. 1., 6., primeira parte),afastando-se o sigilo da identidade dos juzes. Quanto omisso de eventual votodivergente no colegiado, o problema remanesce, pois, tratando-se de um julgamentocolegiado em sesso pblica (regra), qual a razo prtica em se omitir eventual votodivergente se ele conhecido durante a sesso? Ou a lei flagrantementeinconstitucional nesse ponto ou foi pessimamente redigida, simplesmente por no havercomo assegurar a omisso (sigilo) de um voto divergente. Alm disso, havendodeliberao por um colegiado, no decorrer uma sentena ou um despacho, mas umacrdo, como si ocorrer nos julgamentos colegiados, devendo-se reproduzir o inteiroteor da reunio colegiada com a obrigatria exposio dos votos proferidos, incluindoo voto divergente.

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  • Caso se pense que a reunio sigilosa permita aomisso da identidade do voto divergente, v-se que essa possibilidade sucumbe emface do texto constitucional e da praxe forense da corte mxima do pas, que jamaisomite os votos de seus Ministros. Independentemente disso, tal medida no conferirmais ou menos segurana aos juzes, se realmente for esse o escopo da lei. Eventualameaa que o juiz sofra ou o fundado temor para julgar um caso j possuemmecanismos preventivos, como a arguio de suspeio ex officio, a investigaocriminal especfica para a apurao e punio da ameaa, alm da proteo policial,se for o caso. Na realidade, busca-se solucionar um problema de segurana pblica seservindo do processo penal, instrumento axiolgica e teleologicamente inservvel paratanto. Contudo, respondendo indagao do ttulo, a lei no totalmenteinconstitucional e pode haver vantagens nela, como o prprio julgamento colegiadoque, em tese, proporciona uma melhor discusso do thema decidendum a partir de umdebate judicial plural, razo de ser dos julgamentos colegiados. Entretanto, pensando-se em colegiado apenas como instrumento de segurana, a lei claramente natimortapor ser desprovida de eficcia e efetividade no intento de proteger os juzes de aesdeletrias de quem atente contra esses agentes polticos do Judicirio.Sendo apublicidade processual e a motivao das decises a regra constitucional, o Judiciriodeve conviver com elas e o Estado pensar polticas srias de segurana pblica paraevitar atentados esprios aos juzes, como o do Rio de Janeiro.

    Esta nova lei aproveitou para, acrescentando doispargrafos ao art. 91 do Cdigo Penal, permitir a decretao da perda de bens ou valoresequivalentes ao produto ou proveito do crime quando estes no forem encontrados ouquando se localizarem no exterior, hiptese em que as medidas assecuratrias previstasno Cdigo de Processo Penal podero abranger bens ou valores equivalentes doinvestigado ou acusado para posterior decretao de perda.

    O Cdigo de Processo Penal tambm restoualterado pela nova legislao, acrescendo-se o art. 144-A, segundo o qual o juizdeterminar a alienao antecipada para preservao do valor dos bens sempre queestiverem sujeitos a qualquer grau de deteriorao ou depreciao, ou quando houverdificuldade para sua manuteno (neste caso, o leilo far-se- preferencialmente pormeio eletrnico e os bens devero ser vendidos pelo valor fixado na avaliao judicialou por valor maior. No alcanado o valor estipulado pela administrao judicial, serrealizado novo leilo, em at dez dias contados da realizao do primeiro, podendo osbens ser alienados por valor no inferior a oitenta por cento do estipulado na avaliaojudicial. O produto da alienao ficar depositado em conta vinculada ao juzo at adeciso final do processo, procedendo-se sua converso em renda para a Unio,Estado ou Distrito Federal, no caso de condenao, ou, no caso de absolvio, suadevoluo ao acusado. Quando a indisponibilidade recair sobre dinheiro, inclusivemoeda estrangeira, ttulos, valores mobilirios ou cheques emitidos como ordem depagamento, o juzo determinar a converso do numerrio apreendido em moedanacional corrente e o depsito das correspondentes quantias em conta judicial. No casoda alienao de veculos, embarcaes ou aeronaves, o juiz ordenar autoridade detrnsito ou ao equivalente rgo de registro e controle a expedio de certificado deregistro e licenciamento em favor do arrematante, ficando este livre do pagamento demultas, encargos e tributos anteriores, sem prejuzo de execuo fiscal em relao aoantigo proprietrio. O valor dos ttulos da dvida pblica, das aes das sociedades e dosttulos de crdito negociveis em bolsa ser o da cotao oficial do dia, provada porcertido ou publicao no rgo oficial.

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  • Tambm foi alterado o Cdigo de TrnsitoBrasileiro para, excepcionalmente, mediante autorizao especfica e fundamentadadas respectivas corregedorias e com a devida comunicao aos rgos de trnsitocompetentes, os veculos utilizados por membros do Poder Judicirio e do MinistrioPblico que exeram competncia ou atribuio criminal podero temporariamente terplacas especiais, de forma a impedir a identificao de seus usurios especficos, naforma de regulamento a ser emitido, conjuntamente, pelo Conselho Nacional de Justia- CNJ, pelo Conselho Nacional do Ministrio Pblico - CNMP e pelo ConselhoNacional de Trnsito CONTRAN (Art. 115, 7o.).

    Igualmente o art. 6o do Estatuto do Desarmamentopassou a vigorar acrescido do seguinte inciso XI, segundo o qual: Os tribunais doPoder Judicirio descritos no art. 92 da Constituio Federal e os Ministrios Pblicosda Unio e dos Estados, para uso exclusivo de servidores de seus quadros pessoais queefetivamente estejam no exerccio de funes de segurana, na forma de regulamento aser emitido pelo Conselho Nacional de Justia - CNJ e pelo Conselho Nacional doMinistrio Pblico - CNMP. Muita cautela!

    Outrossim, foi acrescentado ao Estatuto o art. 7o-A,in verbis: As armas de fogo utilizadas pelos servidores das instituies descritas noinciso XI do art. 6o sero de propriedade, responsabilidade e guarda das respectivasinstituies, somente podendo ser utilizadas quando em servio, devendo estas observaras condies de uso e de armazenagem estabelecidas pelo rgo competente, sendo ocertificado de registro e a autorizao de porte expedidos pela Polcia Federal emnome da instituio. 1o A autorizao para o porte de arma de fogo de que trata esteartigo independe do pagamento de taxa. 2o O presidente do tribunal ou o chefe doMinistrio Pblico designar os servidores de seus quadros pessoais no exerccio defunes de segurana que podero portar arma de fogo, respeitado o limite mximo de50% (cinquenta por cento) do nmero de servidores que exeram funes de segurana. 3o O porte de arma pelos servidores das instituies de que trata este artigo ficacondicionado apresentao de documentao comprobatria do preenchimento dosrequisitos constantes do art. 4o desta Lei, bem como formao funcional emestabelecimentos de ensino de atividade policial e existncia de mecanismos defiscalizao e de controle interno, nas condies estabelecidas no regulamento destaLei. 4o A listagem dos servidores das instituies de que trata este artigo dever seratualizada semestralmente no Sinarm. 5o As instituies de que trata este artigo soobrigadas a registrar ocorrncia policial e a comunicar Polcia Federal eventualperda, furto, roubo ou outras formas de extravio de armas de fogo, acessrios emunies que estejam sob sua guarda, nas primeiras vinte e quatro horas depois deocorrido o fato.

    Ainda como garantia das autoridades judiciais edos membros do Ministrio Pblico e de seus familiares, diante de situao de riscodecorrente do exerccio da funo, o fato ser comunicado polcia judiciria, queavaliar a necessidade, o alcance e os parmetros da proteo pessoal. A proteopessoal ser prestada de acordo com a avaliao realizada pela polcia judiciria eaps a comunicao autoridade judicial ou ao membro do Ministrio Pblico,conforme o caso: pela prpria polcia judiciria; pelos rgos de seguranainstitucional; por outras foras policiais; de forma conjunta pelos citados nos incisos I,II e III.

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  • Nada obstante, em caso de urgncia, ser prestadaproteo pessoal imediata. A prestao de proteo pessoal ser comunicada aoConselho Nacional de Justia ou ao Conselho Nacional do Ministrio Pblico,conforme o caso. Verificado o descumprimento dos procedimentos de seguranadefinidos pela polcia judiciria, esta encaminhar relatrio ao Conselho Nacional deJustia ou ao Conselho Nacional do Ministrio Pblico.

    Assim, passamos a entender que com esta leipodamos aplicar os dispositivos da Lei n. 9.034/95 (agora revogada), tratando-se deaes praticadas por quadrilha ou bando (art. 288, Cdigo Penal), por associaescriminosas voltadas para o fim de praticar, reiteradamente ou no, qualquer dos crimesprevistos nos arts. 33, caput e pargrafo primeiro, e 34 da Lei de Drogas Lei n.11.343/06, por fora do seu art. 35 e por organizaes criminosas.

    VI A Nova Lei n. 12.850/2013

    Mas, como o Brasil o Brasil, mais uma lei foipromulgada (haja lei!). Estamos falando agora da Lei n. 12.850/2013, que defineorganizao criminosa e dispe sobre a investigao criminal, os meios de obteno daprova, infraes penais correlatas (crime e contraveno penal) e o procedimentocriminal a ser aplicado, alm de alterar o Cdigo Penal e revogar expressamente a Lein. 9.034/95.

    Para esta nova lei, considera-se organizaocriminosa a associao de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada ecaracterizada pela diviso de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter,direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prtica deinfraes penais (portanto, crime ou contraveno penal conferir art. 1. da Lei deIntroduo ao Cdigo Penal) cujas penas mximas sejam superiores a 4 (quatro) anos,ou que sejam de carter transnacional. (grifo nosso).

    Perceba-se que esta nova definio de organizaocriminosa difere, ainda que sutilmente, da primeira (prevista na Lei n. 12.694/2012) emtrs aspectos, todos grifados por ns, o que nos leva a afirmar que hoje temos duasdefinies para organizao criminosa: a primeira que permite ao Juiz decidir pelaformao de um rgo colegiado de primeiro grau e a segunda (Lei n. 12.850/2013)que exige uma deciso monocrtica. Ademais, o primeiro conceito contenta-se com aassociao de trs ou mais pessoas, aplicando-se apenas aos crimes (e no scontravenes penais), alm de abranger os delitos com pena mxima igual ou superiora quatro anos. A segunda exige a associao de quatro ou mais pessoas (e no trs) e apena deve ser superior a quatro anos (no igual). Ademais, a nova lei bem maisgravosa para o agente, como veremos a seguir; logo, a distino existe e deve serobservada.

    bem verdade que a novel lei aplica-se tambm sinfraes penais (portanto, crimes e contravenes), porm apenas em relao aqueles

    crimes e contravenes penais previstos em tratado ou conveno internacionalquando, iniciada a execuo no Pas, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no

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  • estrangeiro, ou reciprocamente (o que, convenhamos, ser rarssimo, tratando-se dascontravenes).

    A lei tambm aplicvel s organizaesterroristas internacionais, reconhecidas segundo as normas de direito internacional,por foro do qual o Brasil faa parte, cujos atos de suporte ao terrorismo, bem como osatos preparatrios ou de execuo de atos terroristas, ocorram ou possam ocorrer emterritrio nacional.

    VII - O Valor Probatrio dos Novos Meios de Prova

    No seu Captulo II, a lei mais recente trata dainvestigao e dos meios de obteno da prova em qualquer fase da persecuo penal,ou seja, na investigao preliminar e em Juzo; aqui, desde logo, salientamos que nemtodo ato investigatrio meio de prova.

    Como se sabe, na fase investigatria, que inquisitiva, no se permite o exerccio pleno do contraditrio, nem tampouco a ampladefesa o que macula qualquer deciso tomada com base em elementos colhidos naquelafase anterior. Assim, salvo as ressalvas feitas pela lei (as provas cautelares, norepetveis e antecipadas art. 155, CPP), alis, perfeitamente compreensveis, os atosinvestigatrios produzidos na pea informativa devem ser repetidos para que valhamcomo meios de prova idneos para o julgador.7

    Ressalve-se que tais provas irrepetveis, cautelarese antecipadas devem se submeter, quando possvel, ao contraditrio prvio e serproduzidas na presena de um Juiz de Direito, do Ministrio Pblico e de um defensor(seja dativo ou constitudo), salvo absoluta impossibilidade, como no caso da realizaourgente de um exame de corpo de delito; nesta ltima hiptese, difere-se o contraditriopara a fase judicial.

    Prova irrepetvel aquela que no pode mais serreproduzida em Juzo, em razo, por exemplo, de terem desaparecidos os vestgios docrime, o que impossibilitar a realizao de um novo exame de corpo de delito(ressalvando-se, como dito, a possibilidade de contestao do laudo pericial realizado,mesmo porque, segundo o art. 182 do Cdigo de Processo Penal, no se trata de ummeio de prova de idoneidade absoluta); outro exemplo o depoimento da vtimaprestado durante o inqurito policial, quando esta j tenha falecido na poca dainstruo criminal. O 251, 2. do Cdigo de Processo Penal Alemo, expressamente,estabelece que "se uma testemunha, um perito ou um inculpado morrer ou se, por outrarazo, no puder ser inquirido em tempo determinvel, podem ser aproveitados osautos de outro interrogatrio, bem como certides que contenham uma manifestaoescrita provenientes das pessoas mencionadas."

    7 Sobre o valor probatrio dos atos investigatrios produzidos no inqurito policial, veja-se o nosso CursoTemtico de Direito Processual Penal, 2., edio, Curitiba, Editora Juru, 2010.

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  • No art. 225 do Cdigo de Processo Penal temos umexemplo de prova antecipada: Se qualquer testemunha houver de ausentar-se, ou, porenfermidade ou por velhice, inspirar receio de que ao tempo da instruo criminal jno exista, o juiz poder, de ofcio ou a requerimento de qualquer das partes, tomar-lheantecipadamente o depoimento.. Neste caso, a ouvida de uma testemunha de defesaantes de uma de acusao, invertendo-se a ordem determinada pelo Cdigo (art. 400com a redao dada pela Lei n. 11.719/08) e exigida pelo princpio do contraditrio,no gerar nulidade, desde que a providncia tenha sido realmente imprescindvel.

    A propsito, a Primeira Turma do SupremoTribunal Federal negou Habeas Corpus (HC 93157) para M.M.O., acusado pela prticade homicdio qualificado. Ele questionava o fato de o juiz ter interrogadoantecipadamente as testemunhas do caso. Para os Ministros, porm, o Cdigo deProcesso Penal permite ao juiz antecipar a produo de provas. De acordo com o relator,Ministro Ricardo Lewandowski, logo que citou o acusado (foragido) por edital edecretou sua priso preventiva, o juiz decidiu antecipar a produo de provas, semjustificar. O magistrado s fundamentou sua deciso mais tarde, quando solicitado a darinformaes de sua atitude s instncias superiores que julgaram pedidos de habeascorpus ajuizados pela defesa. Na ocasio, o juiz explicou que os fatos criminososinvestigados teriam ocorrido h mais de seis anos, e que se corria o risco de astestemunhas esquecerem os detalhes. Para o Ministro Ricardo Lewandowski, mesmoque o Cdigo de Processo Penal permita a produo antecipada de provas, no se podepermitir o automatismo. Assim, por falta de fundamentao especfica do juiz ajustificar o procedimento, Lewandowski votou pela concesso da ordem para anular osinterrogatrios. O ministro fez questo de frisar que seu voto tinha um vis pedaggico,no sentido de alertar os magistrados para que no tornem esse tipo de condutaautomatizada. Os demais Ministros da Primeira Turma, contudo, divergiram doentendimento do relator. Para eles, o juiz agiu bem. O Ministro Carlos Alberto MenezesDireito revelou que, de acordo com os autos, o que o juiz fez foi aceitar um pedido deantecipao de provas. O juiz tem o poder de determinar essa produo antecipada deprovas, est ao seu alvedrio, disse o Ministro, iniciando a divergncia e votando peloindeferimento do pedido. O Cdigo de Processo Penal, em seus artigos 225 e 366 dorespaldo ao juiz, emendou o presidente da Turma, Ministro Marco Aurlio. ParaCrmen Lcia Antunes Rocha, em certos casos o magistrado deve agir nesse sentido,para assegurar que se cumpra o dever do estado. O Ministro Carlos Ayres Brittocompletou a corrente que definiu o resultado do julgamento, pela rejeio do pedido.

    Como prova de natureza cautelar, cita-se a busca eapreenso disciplinada nos arts. 240 e seguintes do Cdigo de Processo Penal, com asressalvas feitas em alguns daqueles dispositivos, a saber: art. 240, 1., f (cfr. art. 5.,XII da Constituio Federal), art. 241 (quando dispensa a expedio de mandado), art.242 (ordem determinada de ofcio pelo Juiz, ferindo o sistema acusatrio). Obviamenteque como toda medida cautelar, deve-se atentar para os seus conhecidos pressupostos(periculum in mora e fumus commissi delicti), sem os quais ser ela incabvel e, porconseguinte, no valer para subsidiar uma sentena. Ademais, tais provas devem seraquelas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequao eproporcionalidade da medida, segundo complementa o novo art. 156, I.

    A seguir, trata-se da investigao e dos meios deobteno da prova, em qualquer fase da persecuo criminal, o que abrange ainvestigao preliminar e o processo.

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  • VIII A Colaborao Premiada

    Em primeiro lugar consta a famigeradacolaborao premiada, instituto antigo no Brasil. Sobre a colaborao premiada (nomemais elegante para a delao premiada - ou, na expresso feliz de Jos Carlos Dias,extorso premiada), fazemos srias restries, desde que no ano de 1990, maisprecisamente no dia 26 de julho, publicava-se no Dirio Oficial da Unio o texto de umanova lei, vinda como uma resposta aos anseios populares de diminuio da violnciaurbana que, j quela poca, beirava a insuportabilidade (tal como hoje, nada obstanteos vrios anos de sua vigncia). Sancionada pelo ento Presidente da Repblica tentavaem seus treze artigos (dois destes vetados) resolver por intermdio do Direito Penal umproblema que definitivamente no dele.8 Exasperaram penas de determinados crimes,impossibilitando-se, tambm, a concesso de benefcios aos sentenciados, tais como aanistia, a graa e o indulto, alm de proibir o gozo de direitos subjetivos individuais(mesmo estando presentes os requisitos especficos para a sua fruio) como a fiana e aliberdade provisria, tudo a atender ao contagiante clima psicolgico de pavor criadopelos meios de comunicao social e aos interesses imediatos de extratos sociaisprivilegiados, como acentuou Alberto Silva Franco.9 Como no poderia deixar de serinmeras vozes, quase em unssono, levantaram-se contra a sua edio, taxando-a deinoportuna e, sob certos aspectos, inconstitucional. Estamos a falar da Lei n. 8.072/90que dispe sobre os crimes hediondos, nos termos do art. 5o., XLIII, da ConstituioFederal, e determina outras providncias, cujos defeitos no iremos aqui abordar, poisno este o nosso escopo no momento.

    Mas, no s. Em 03 de maio do ano de 1995 foisancionada a Lei n. 9.034/95 dispondo sobre a utilizao de meios operacionais para apreveno e represso de aes praticadas por organizaes criminosas. Esta, agorarevogada expressamente, considerava causa compulsria de diminuio da pena adelao de um dos participantes na organizao criminosa. Alis, na lei dos crimeshediondos o legislador foi mais explcito e utilizou o verbo denunciar como sinnimo

    8 Em conferncia realizada no Brasil, em Guaruj, no dia 16 de setembro de 2001, Zaffaroni contou aparbola do aougueiro: El canicero es un seor que est en una carnicera, con la carne, con un cuchilloy todas esas cosas. Si alguien le hiciera una broma al canicero y robase carteles de otros comrcios quedijeran: Banco de Brasil, Agencia de viages, Mdico, Farmacia, y los pegara junto a la puerta de lacarnicera; el carnicero comenzaria a ser visitado por los feligreses, quienes le pediran pasajes a NuevaZelanda, intentaran dejar dinero en una cuenta, le consultaran: tengo dolor de estmago, que puedehacer?. Y el carnicero sensatamente responderia: no s, yo soy carnicero. Tiene que ir a otro comercio, aotro lugar, consultar a otras personas. Y los feligreses se enojaran: Cmo puede ser que usted estofreciendo un servicio, tiene carteles que ofrecen algo, y despus de no presta el servicio que dice?.Entonces tendramos que pensar que el carnicero se ira volviendo loco y empezaria a pensar que l tienecondiciones para vender pasajes a Nueva Zelanda, hacer el trabajo de un banco, resolver los problemas dedolor de estmago. Y puede pasar que se vuelva totalmente loco y comience a tratar de hacer todas esascosas que no puede hacer, y el cliente termine con el estmago agujereado, el otro pierda el dinero, etc.Pero si los feligreses tambin se volvieran locos y volvieran a repetir las mismas cosas, volvieran alcarnicero; el carnicero se vera confirmado en ese rol de incumbencia totalitaria de resolver todo.Conclui, ento, o mestre portenho: Bueno, yo creo que eso pas y sigue pasando con el penalista.Tenemos incumbencia en todo.9 Cdigo Penal e sua Interpretao Jurisprudencial, So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 5a. ed.,1995, p. 2.074.

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  • de delao, enquanto que nesta segunda norma preferiu a expresso colaboraoespontnea (como agora), como que para escamotear a vergonhosa presena da traiopremiada em um diploma legal. J em 19 de julho de 1995 foi sancionada a Lei n.9.080/95, prevendo, igualmente, a delao como prmio ao co-autor ou partcipe decrime cometido contra o sistema financeiro nacional ou contra a ordem tributria,econmica e as relaes de consumo quando cometidos em quadrilha ou co-autoria.Agora se preferiu a expresso confisso espontnea o que resulta no mesmo. Em 1998,surgiu entre ns a Lei n. 9.613/98, a chamada lei de lavagem de dinheiro,disciplinando, igualmente, a diminuio de pena para o colaborador espontneo.Temos, ainda, como exemplo a Lei n. 9.807/99, de proteo a vtimas e testemunhasameaadas, que tambm prev a delao premiada, alm da Lei n. 8.137/90 (art 16,pargrafo nico). Faz-se referncia tambm Lei n. 11.343/06 (a Lei de Drogas), queno art. 41 dispe de forma semelhante e ao art. 159, 4. do Cdigo Penal.

    Tambm o art. 86 da Lei n. 12.529/2011, queestrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrncia e dispe sobre a preveno erepresso s infraes contra a ordem econmica, estabelece que o ConselhoAdministrativo de Defesa Econmica poder celebrar acordo de lenincia com pessoasfsicas e jurdicas que forem autoras de infrao ordem econmica, desde quecolaborem efetivamente com as investigaes e o processo administrativo e que dessacolaborao resulte: I - a identificao dos demais envolvidos na infrao; e II - aobteno de informaes e documentos que comprovem a infrao noticiada ou sobinvestigao. Tal acordo, segundo o art. 87 da mesma lei, nos crimes contra a ordemeconmica, tipificados na Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos demaiscrimes diretamente relacionados prtica de cartel, tais como os tipificados na Lei no8.666, de 21 de junho de 1993, e os tipificados no art. 288 do Cdigo Penal, determina asuspenso do curso do prazo prescricional e impede o oferecimento da denncia comrelao ao agente beneficirio da lenincia. Cumprido o acordo de lenincia pelo agente,extingue-se automaticamente a punibilidade dos crimes a que se refere o caput desteartigo.

    Pois bem; no espectro do recrudescimento dalegislao processual penal, visto como um reflexo da expanso tresloucada da culturada emergncia, ganhou vigor a figura da delao premiada, sobretudo com a suapropagao no processo criminal italiano e estadunidense.10

    Segundo Damsio de Jesus, a origem da "delaopremiada" no Direito brasileiro remonta s Ordenaes Filipinas, cuja parte criminal,constante do Livro V, vigorou de janeiro de 1603 at a entrada em vigor do CdigoCriminal de 1830. O Ttulo VI do "Cdigo Filipino", que definia o crime de "LesaMagestade" (sic), tratava da "delao premiada" no item 12; o Ttulo CXVI, por suavez, cuidava especificamente do tema, sob a rubrica "Como se perdoar aos malfeitoresque derem outros priso" e tinha abrangncia, inclusive, para premiar, com operdo, criminosos delatores de delitos alheios.11

    10 Natlia Oliveira de Carvalho, A Delao Premiada no Brasil, Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris,2009, p. 78.

    11https://secure.jurid.com.br/new/jengine.exe/cpag?p=jornaldetalhedoutrina&ID=16323&Id_Cliente=10487

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  • J na Inquisio, um filho delator no incorre naspenas fulminadas por direito contra os filhos dos hereges e este o prmio pela suadelao. In proemium delationis.12

    Alguns doutrinadores costumam distinguir adelao13 como aberta ou fechada, aduzindo que naquela primeira o delator aparece e seidentifica, inclusive favorecendo-se de alguma forma com o seu gesto, seja na reduoda pena, seja no recebimento de recompensa pecuniria ou mesmo com o perdojudicial; nesta, ao contrrio, o delator se assombra no manto do anonimato propiciandoauxlio desinteressado e sem qualquer perigo, como assevera Paulo Lcio Nogueira.14

    Afora questes de natureza prtica como, porexemplo, a inutilidade, no Brasil, desse instituto por conta, principalmente, do fato deque o nosso Estado no tem condies de garantir a integridade fsica do delatorcriminis nem a de sua famlia, o que serviria como elemento desencorajador para adelao, aspectos outros, estes de natureza tico-moral informam a profunda eirremedivel infelicidade cometida mais uma vez pelo legislador brasileiro, muitodemagogo e pouco cuidadoso quando se trata dos aspectos jurdicos de seus respectivosprojetos de lei.

    Sem dvidas, o tema da delao premiada desafiadiversos questionamentos: desde sua convenincia poltico-criminal, passando por suaapreciao sob o ponto de vista da quebra da tica nsita ao proceder dentro de umEstado Democrtico de Direito, ou pelas questes relativas ao seu valor probatrio(1),at sua natureza jurdico-penal, sua funo processual penal e as implicaes dadecorrentes para o postulado do devido processo legal em nosso direito positivo. Nestaoportunidade, passaremos os olhos por estes trs ltimos aspectos quanto delaoque tem por objeto a identificao dos demais coautores ou partcipes.15 Como dizHassemer, no permitido ao Estado utilizar os meios empregados pelos criminosos,se no quer perder, por razes simblicas e prticas, a sua superioridade moral.16

    Tambm a propsito, veja-se a opinio de JooBaptista Herkenhoff: A meu ver, a delao premiada associa criminosos eautoridades, num pacto macabro. De um lado, esse expediente pode revelar tessiturasreais do mundo do crime. Numa outra vertente, a delao que emerge do mundo docrime, quando falsa, pode enredar, como vtimas, justamente aquelas pessoas queestejam incomodando ou combatendo o crime. Na maioria das situaes, creio que ouso da delao premiada tem pequena eficcia, uma vez que a prova relevante, noDireito Penal moderno, a prova pericial, tcnica, cientfica, e no a provatestemunhal e muito menos o testemunho pouco confivel de pessoas condenadas pelaJustia. Ao premiar a delao, o Estado eleva ao grau de virtude a traio. Em

    12 Manual da Inquisio, por Nicolau Eymereco, Curitiba: Juru, 2001, (traduo de A. C. Godoy).13 Hoje, inclusive e principalmente a doutrina estrangeira, prefere a expresso colaborao processual,ainda que tal colaborao se d, tambm, na fase pr-processual, como informa Eduardo Arajo da Silva(Boletim do IBCCrim. n. 121, dezembro/2002).14 Crimes Hediondos, LEUD, 4. ed., p. 126.15 Estellita, Helosa. A delao premiada para a identificao dos demais coautores ou partcipes: algumasreflexes luz do devido processo legal. Boletim IBCCRIM : So Paulo, ano 17, n. 202, p. 2-4, set.2009Para ns tremendamente perigoso que o Direito Positivo de um pas permita, e mais do que issoincentive os indivduos que nele vivem prtica da traio como meio de se obter um prmio ou um favorjurdico.16 Apud Paulo Rangel, in Direito Processual Penal, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 7. ed., 2003, p. 605.

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  • pesquisa scio-jurdica que realizamos, publicada em livro, constatei que, entre ospresos, o companheirismo e a solidariedade granjeiam respeito, enquanto a delao considerada uma conduta abjeta (Crime, Tratamento sem Priso, Livraria doAdvogado Editora, pgina 98). Ento, de se perguntar: Pode o Estado ter menos ticado que os cidados que o Estado encarcera? Pode o Estado barganhar vantagens parao preso em troca de atitudes que o degradam, que o violentam, e alcanam, de soslaio,a autoridade estatal?17

    Se considerarmos que a norma jurdica de umEstado de Direito o ltimo refgio do seu povo, no sentido de que as proposiesenunciativas nela contidas representam um parmetro de organizao ou conduta daspessoas (a depender de qual norma nos refiramos se, respectivamente, de segundo ouprimeiro graus, no dizer de Bobbio), definindo os limites de suas atuaes, inaceitvelque este mesmo regramento jurdico preveja a delao premiada em flagranteincitamento transgresso de preceitos morais intransigveis que devem estar, emltima anlise, embutidos nas regras legais exsurgidas do processo legislativo.

    Que no se corra o perigo, j advertido evislumbrado pelo poeta Dante Alighieri, lembrado por Miguel Reale quando afirma queo Direito uma proporo real e pessoal, de homem para homem, que, conservada,conserva a sociedade; corrompida, corrompe-a.18

    Diante dessa sombria constatao, como se podeexigir do governado um comportamento cotidiano decente, se a prpria lei estabelecidapelos governantes permite e galardoa um procedimento indecoroso? Como fica ohomem de pouca ou nenhuma cultura, ou mesmo aquele desprovido de maioresprincpios, diante dessa permissividade imoral ditada pela prpria lei, esta mesma leique, objetiva e obrigatoriamente, tem de ser respeitada e cumprida sob pena de sano?Estamos ou no estamos diante de um paradoxo? Como afirma Paulo Cludio Tovo, adelao premiada de comparsa nos parece uma violao tica com perigosasconsequncias no mundo do crime (...). Este no o verdadeiro caminho da Justia,importa, isto sim, na confisso que o Estado no tem capacidade cientfica de chegar verdade.19

    certo que em outras legislaes, inclusive empases desenvolvidos economicamente (embora possuidores de uma sociedade emdesencanto, como, por exemplo, a americana), a figura da delatio j existe h algumtempo (diga-se de passagem, assegurando-se inquestionavelmente a vida dodenunciante), como ocorre nos Estados Unidos (bargain) e na Itlia (pattegiamento),entre outros pases. So exemplos, contudo, que no deveriam ser seguidos, poisdesprovidos de qualquer carter moral ou tico, como j acentuamos.

    To-somente para se argumentar, pode-se dizer queo bem jurdico visado pela delao (a segurana pblica), justificaria a sua utilizao,ou, em outras palavras, o fim legitimaria o meio. Ocorre que tal princpio de todoamoralista, alis, prprio do sistema poltico defendido pelo escritor e estadistaflorentino Niccol Machiavelli (1469-1527), sistema este dito de um realismo satnico,

    17https://secure.jurid.com.br/new/jengine.exe/cpag?p=jornaldetalhedoutrina&ID=14287&Id_Cliente=10487

    18 Lies Preliminares de Direito, So Paulo: Saraiva, 19a. ed. 1991, p. 60.19 Boletim do Instituto Brasileiro de Cincias Criminais, Ano 13, n. 154, setembro/2005, p. 9.

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  • na definio de Frederico II em seu Antimaquiavel, tornando-se sinnimo, inclusive, deprocedimento astucioso, velhaco, traioeiro, etc., etc...

    O prprio Rui Barbosa j afirmava no se devercombater um exagero (no caso a violncia desenfreada) com um absurdo (a delaopremiada). Em um artigo intitulado Prmio para o dedo duro`, o advogado mineiroTarcsio Delgado afirmou com muita propriedade: Contam uma histria muitoconhecida, aconteceu h muitos e muitos anos e, de gerao em gerao, to sagrada econsagrada, que estabeleceu o mais importante marco no caminho da humanidade.Trata-se da saga de um "Sujeito", altamente perigoso, indisciplinado e subversivo, queandava atormentando e tirando o sono do Poder Soberano. O "Cara" no era mole,dizia defender os fracos e os oprimidos. Fazia at milagre. Formou uma "quadrilha" deseguidores fanticos, e andava com seu "bando", infernizando o Poder constitudo. Norespeitava nem o Imperador. Era uma ameaa permanente s instituies. "Pior" que"Esse", nunca se viu. Precisava peg-lo, mas ele era "danado", se misturava no meiodo povo, e no tinha como prend-lo. Preso, o castigo seria severo e inapelvel. Eis queaparece a figura canhestra do delator, para "colaborar" com a polcia e com osdetentores do Poder. Um dos seus vende-se por trinta dinheiros e articula a priso dochefe: "O traidor tinha combinado com eles um sinal, dizendo: Jesus aquele que eubeijar; prendam" (Mateus, 26, 48). Estava consumada a mais famosa e repugnantetraio de todas as pocas. Judas se transformou em sinnimo de traidor. Podemosfixar aqui a origem da delao premiada, que se confunde com o nascimento de nossaEra. Este famigerado instituto tem vida recente em nosso Direito. Importado dosEstados Unidos e da Itlia, que o recepcionam com grande entusiasmo, foi positivadoem nosso Pas, pela Lei n 8.072/ 90, art.8, nico - O participante que denunciar autoridade o bando ou quadrilha, possibilitando seu desmantelamento, ter penareduzida de 1 (um) a 2/3 (dois teros). O art.159, do Cdigo Penal, no seu 4,estabelece coisa parecida. Como esta legislao contraria a natureza de nossossentimentos, nossas tradies e a formao de nossa cultura, permaneceu durante essesanos como letra morta, sem qualquer aplicao noticiada. S agora, recentemente, foi,imprpria e equivocadamente, cogitada. (...) Faz quase 60 anos, lembro-me muito bem,quando cursava o primeiro grau, certa feita nossa professora enrgica e diligente,magnfica mestra, que saudade!... Surpreendeu um grupo de alunos com um caso gravede indisciplina que, embora praticada por um s, no havia como identific-lo, sem quehouvesse confisso. O indisciplinado calou-se. A professora ameaava punir o grupointeiro, se no aparecesse o responsvel. Eis que surge o "dedo duro" e delata ocolega, apontando aquele dedo de "bom moo" para o culpado. Aquela mestraexemplar passou-lhe uma descompostura. Disse que a indisciplina mais grave praticarao delator do seu colega. Aplicou-lhe a penalidade mais forte, e ensinou que nunca maisdeveria dedurar quem quer que fosse. O resto daquela aula foi sobre o papel sujo econdenvel de delatar. Esta foi uma lio que me marcou para sempre. (...) Por estas epor outras, tenho fundadas e irremovveis restries chamada delao premiada.Repugna-me o acordo de autoridade instituda com bandidos. Parece-me mais umcomodismo de quem tem o dever de investigar, uma reduo de trabalho, um falsopragmatismo utilitarista, que encontra utilidade numa prtica que corrompe e avilta. Oargumento de que os criminosos modernos dispem de tcnicas e arranjos difceis deserem apanhados, nada mais do que a confisso de que o Estado est perdendo umabatalha que no pode perder, sob pena do desmantelamento total da organizaosocial. Pegar um acusado, sem qualquer culpa formada, no incio da apurao depossveis atos criminosos, prend-lo, algem-lo e oferecer-lhe o benefcio da"deduragem" de arrepiar os cabelos. Os momentos em que prevaleceu o crdito

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  • delao no enaltecem a histria, pelo contrrio, so perodos soturnos no caminho dahumanidade. A delao mais conhecida aquela que est na origem de nossa Era,resumidamente descrita na introduo deste artigo. A, os personagens so nominados,a vtima foi simplesmente Jesus Cristo e, o delator, aquele que virou sinnimo detraidor, Judas Iscariote. Todavia, a histria universal est repleta de exemplostenebrosos de milhares de pessoas inocentes e annimas que, por causa da delao,foram queimadas vivas nas fogueiras da inquisio; levadas guilhotina para seremdecapitadas depois da Tomada da Bastilha nos anos que se seguiram RevoluoFrancesa. Alm disso, na Rssia do comunismo Stalinista, por um canto, e no NazismoHitlerista, por outro, a delao desempenhou papel absolutamente fundamental. E nocitamos, ainda, o caso clssico e tpico de delao premiada, que marca a histriaptria com sangue e vergonha, daquele que delatou o "bando perigosssimo"comandado por aquele desvairado de amor Ptria, Tiradentes, na InconfidnciaMineira - o fraco e pusilnime Joaquim Silvrio dos Reis, em troca de vantagenspessoais. A histria registra incontveis casos de delao que, sem nenhuma exceo,marcam sempre os momentos mais obscuros e vergonhosos da humanidade. S quemno quer ver, em virtude de uma formao utilitarista, no reconhece que a delaosempre foi um instrumento do autoritarismo, da violncia, da injustia. Est na teoriaque justifica os meios pelo fim e, ainda assim, no caso, impropriamente, porque, aqui,por meios corrompidos, quase sempre se chega a fim distorcido e injusto. "A rvore mno d bons frutos". Enganam-se os que buscam tirar proveito de quem s pensa em seaproveitar. A prova no pode fundar-se no testemunho daquele que antes fora pegocomo comparsa do crime. Sua palavra suspeita e inconfivel. Todo delator, paraamenizar sua situao no processo, joga a culpa no outro, seu comparsa ou no. No de se acolher, tambm, o argumento dos defensores da adoo deste instituto jurdico,de que hoje ele aplicado com tais cautelas que impossibilitariam qualquer abusocontra inocentes. Claro que, em nossos dias, a delao no levaria ningum fogueiraou guilhotina, mas pode criar constrangimentos e danos morais, ferir direitosinalienveis, que precisam ser respeitados numa sociedade civilizada e livre, durante oprocesso investigatrio, isto para admitir, o que no nosso caso, alguma utilidade oualguma fora moral na aplicao dessa norma positiva. aconselhvel que, em setratando de assuntos desse nvel de especulao e com tantas manifestaes dopensamento universal, procure-se exemplares na vasta doutrina existente. AndrComte-Sponville, desculpando-se por citar poucos, trabalha com conceitos de Kant,Brgson, Camus, Dostoievski, Janklvitch para indagar e responder: "se para salvar ahumanidade fosse preciso condenar um inocente (torturar uma criana, dizDostoievski), teramos de nos resignar e faz -lo? No, respondem eles. A cartada novaleria o jogo, ou antes, no seria uma cartada, mas uma ignomnia. Porque, se ajustia desaparece, coisa sem valor o fato de os homens viverem na Terra. Outilitarismo chega aqui ao seu limite. Se a justia fosse apenas um contrato deutilidade, apenas uma otimizao do bem-estar coletivo, poderia ser justo, para afelicidade de quase todos, sacrificar alguns, sem seu acordo e ainda que fossemperfeitamente inocentes e indefesos", e avana, utilizando-se ainda de Kant e Rawls: "ajustia mais e melhor do que o bem estar e a eficcia, e no poderia ser sacrificada aeles, nem mesmo em nome da felicidade da maioria". Estes conceitos, certamente,soam como devaneios aos "idiotas da objetividade", de Nelson Rodrigues, mas, sassim, poderemos "criar uma sociedade de Homens, no de brutos", como acentuaSpinoza. Premiar o delator premiar o crime. Fonte: JURID Publicaes Eletrnicas 06/09/2005.

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  • Em crnica publicada no jornal O Globo, na ediodo dia 17 de dezembro de 1995, Joo Ubaldo Ribeiro, aps lembrar que as expressesdedo-duro e dedurismo surgiram ou generalizaram-se aps o golpe militar de 1964,escreveu:

    Os prprios militares e policiais encarregadosdos inquritos tinham desprezo pelos dedos-duros como, imagino, todo mundo tem, ano ser, possivelmente, eles mesmos. E, superado aquele clima terrvel seria de seesperar que algo to universalmente rejeitado, eptome da deslealdade, do oportunismoe da falta de carter, tambm se juntasse a um passado que ningum, ou quaseningum, quer reviver. Mas no. O dedurismo permanece vivo e atuante, ameaandoimpor traos cada vez mais policialescos nossa sociedade. E, conclui: Sei que asintenes dos autores da idia so boas, mas sei tambm que vm do desespero e daimpotncia e que terminam por ajudar a compor o quadro lamentvel em que vivemos,pois o buraco bem, mas bem mesmo, mais embaixo.

    Entendemos que o aparelho policial do Estadodeve se revestir de toda uma estrutura e autonomia, a fim de poder realizar seu trabalhoa contento, sem necessitar de expedientes escusos na elucidao dos delitos. O aparatopolicial tem a obrigao de, por si prprio, valer-se de meios legtimos para aconsecuo satisfatria de seus fins no sendo necessrio, portanto, que uma leiordinria use do prmio ao delator (crownwitness), como expediente facilitador dainvestigao policial e da efetividade da punio.

    Ademais, no prprio Cdigo Penal j existe afigura da atenuante genrica do art. 65, III, b, onde a pena ser sempre atenuada quandoo agente tiver procurado, por sua espontnea vontade e com eficincia, logo aps ocrime, evitar-lhe ou minorar-lhe as conseqncias, ou ter, antes do julgamento,reparado o dano, que poderia muito apropriadamente compensar (por assim dizer)uma atitude do criminoso no auxlio autoridade investigante ou judiciria. Alm daatenuante referida h o instituto do arrependimento eficaz que, igualmente, beneficia oagente quando este impede voluntariamente que o resultado da execuo do delito seproduza, fazendo-o responder, apenas, pelos atos j praticados (art. 15 do CdigoPenal).

    Pode-se, ainda, referir-se ao preceito do art. 16,arrependimento posterior, bem verdade que este limitado queles crimes cometidos semviolncia ou grave ameaa pessoa, mas, da mesma forma, compensador de umaatitude favorvel por parte do delinquente, reduzindo-lhe a pena. V-se, destarte, que oordenamento jurdico existente e consubstanciado no Cdigo Penal j permitiabeneficiar o ru em determinadas circunstncias, quando demonstrasse menorendurecimento no querer criminoso, certa sensibilidade moral, um sentimento dehumanidade e de justia que o levam, passado o mpeto do crime, a procurar det-lo emseu processo agressivo ao bem jurdico, impedindo-lhe as consequncias, como jacentuou o mestre Anbal Bruno.20 No necessita, portanto, o legislador, em leiextravagante, vir a prever a delao premiada, como causa de diminuio da pena.Tambm por isso inoportuno.

    A traio demonstra fraqueza de carter, comodenota fraqueza o legislador que dela abre mo para proteger seus cidados. A lei, como

    20 Direito Penal, 4a. ed. Tomo. III, p. 140, 1984.

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  • j foi dito, deve sempre e sempre indicar condutas srias, moralmente relevantes eaceitveis, jamais ser arcabouo de estmulo a perfdias, deslealdades, aleivosias, aindaque para calar a multido temerosa e indefesa (alis, por culpa do prprio Estado) ousetores economicamente privilegiados da sociedade (no caso da represso extorsomediante sequestro). Em nome da segurana pblica, falida devido inoperncia socialdo Poder e no por falta de leis repressivas, edita-se um sem nmero de novoscomandos legislativos sem o necessrio cuidado com o que se vai prescrever.

    Repita-se uma observao de Damsio de Jesus: Apolmica em torno da "delao premiada", em razo de seu absurdo tico, nuncadeixar de existir. Se, de um lado, representa importante mecanismo de combate criminalidade organizada, de outro, parte traduz-se num incentivo legal traio. Ans, estudiosos e aplicadores do Direito, incumbe o dever de utiliz-la cum grano salis,notadamente em razo da ausncia de uniformidade em seu regramento. No se podefazer dela um fim em si mesma, vale dizer, no podem as autoridades encarregadas dapersecuo penal contentarem-se com a "delao", sem buscar outros meiosprobatrios tendentes a confirm-la.

    Incita-se, ento, traio, este mal que j matou osconjurados delatados pelo crpula Silvrio dos Reis; que levou Jesus cruz por conta dafraqueza de Judas e deu novo alento aos invasores holandeses graas ajuda de Calabar(aqui h uma certa polmica histrica, sabemos...). Esses traidores histricos, e tantosoutros poderiam ser citados, so smbolos do que h de pior na espcie humana; serosempre lembrados como figuras desprezveis. Advirta-se, que no estamos a fazercomparaes, pois sequer so neste caso cabveis. Apenas tencionamos mostrar a nossaindignao com a utilizao da ordem jurdica como instrumento incentivador datraio, ainda que se traia um seqestrador, um latrocida ou um estuprador.

    No podemos nos valer de meios esconsos, emnome de quem quer que seja ou de qualquer bem, sob pena, inclusive, de sucumbirmos promiscuidade da ordem jurdica corrompida. Esta nossa posio, sem sombra dedvidas, sofre forte contestao; de toda maneira, valhamo-nos da lio de JacintoNelson de Miranda Coutinho, segundo a qual autores sofrem o peso da falta derespeito pela diferena (o novo a maior ameaa s verdades consolidadas e produzresistncia, no raro invencvel), mas tm o direito de produzir um Direito ProcessualPenal rompendo com o saber tradicional, em muitos setores vesgo e defasado (...).21

    Feitos tais prolegmenos, a lei tratou deregulamentar o instituto da Colaborao Premiada, nestes termos:

    O juiz poder, a requerimento das partes,conceder o perdo judicial, reduzir em at 2/3 (dois teros) a pena privativa deliberdade ou substitu-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetivae voluntariamente com a investigao e com o processo criminal, desde que dessacolaborao advenha um ou mais dos seguintes resultados: I - a identificao dosdemais coautores e partcipes da organizao criminosa e das infraes penais por elespraticadas; II - a revelao da estrutura hierrquica e da diviso de tarefas daorganizao criminosa; III - a preveno de infraes penais decorrentes dasatividades da organizao criminosa; IV - a recuperao total ou parcial do produto ou

    21 O Ncleo do Problema no Sistema Processual Penal Brasileiro, Boletim do Instituto Brasileiro deCincias Criminais, n. 175, junho/2007, p. 11.

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  • do proveito das infraes penais praticadas pela organizao criminosa; V - alocalizao de eventual vtima com a sua integridade fsica preservada.

    Obviamente que no se revogou implicitamente aLei n. 9.807/99, que criou o Programa Federal de Assistncia a Vtimas e aTestemunhas Ameaadas, pois a nova lei trata apenas de autores envolvidos emorganizao criminosa (com a sua definio especfica), restando para os demais casos aLei. n. 9.807/99. Temos, inclusive, que esta lei de proteo a vtima e testemunhaspode ser utilizada subsidiariamente, sempre que houver qualquer lacuna na nova lei (art.3., CPP).

    Continuando, estabelece-se que em qualquercaso, a concesso do benefcio levar em conta a personalidade do colaborador, anatureza, as circunstncias, a gravidade e a repercusso social do fato criminoso e aeficcia da colaborao. A depender da importncia da delao premiada, oMinistrio Pblico, a qualquer tempo, e o delegado de polcia, nos autos do inquritopolicial, com a manifestao do Ministrio Pblico, podero requerer ou representarao juiz pela concesso de perdo judicial ao colaborador, ainda que esse benefcio notenha sido previsto na proposta inicial, aplicando-se, no que couber, o art. 28 doDecreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Cdigo de Processo Penal). Eis maisuma exceo regra da obrigatoriedade da ao penal pblica (j tnhamos a transaopenal, prevista no art. 76, da Lei n. 9.099/95). Assim, dever o Ministrio Pblico,preenchidos os requisitos legais, deixar de oferecer denncia em relao ao delator,ainda que haja justa causa. Alis, isto j acontecia na prtica, contra legem.

    Criou-se uma nova causa de suspenso do prazoprescricional, sempre que o prazo para oferecimento de denncia ou o processo,relativos ao colaborador, for suspenso por at seis meses, prorrogveis por igualperodo, at que sejam cumpridas as medidas de colaborao.

    Ainda como excees regra da obrigatoriedadeda ao penal pblica, o Ministrio Pblico poder (poder-dever) deixar de oferecerdenncia se o colaborador no for o lder da organizao criminosa ou se for o primeiroa prestar efetiva colaborao. Concordamos inteiramente com mais esta exceo regrada obrigatoriedade, cabendo a utilizao de habeas corpus caso o Ministrio Pblicoinsista no oferecimento da pea acusatria e o Juiz a receba. No faz nenhum sentidodenunciar algum quando se sabe de antemo que ser, na sentena final, beneficiadopelo perdo judicial e, consequentemente, com a extino da punibilidade (art. 107, IXdo CP). Faltaria ao Ministrio Pblico uma das condies para o exerccio da ao penal(o interesse de agir, sob o aspecto da utilidade).

    Ainda que a colaborao seja posterior sentena,dispe a lei que a pena poder ser reduzida at a metade ou ser admitida aprogresso de regime ainda que ausentes os requisitos objetivos. Logo, at na fase doprocesso de execuo penal, poder o delator ser beneficiado, ao menos com aprogresso de regime.

    Para a formalizao do acordo de colaborao, queocorrer entre o Delegado de Polcia, o investigado e o defensor, com a manifestao doMinistrio Pblico, ou, conforme o caso, entre o Ministrio Pblico e o investigado ou

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  • acusado e seu defensor, no participar o Juiz das negociaes realizadas. Ainda bem,pois se isso fosse possvel incidiria, desgraadamente, o art. 83 do CPP (preveno verabaixo).

    Aps o acordo, dever ser lavrado termo,acompanhado das declaraes do colaborador e de cpia da investigao, serremetido ao juiz para homologao, o qual dever verificar sua regularidade,legalidade e voluntariedade, podendo para este fim, sigilosamente, ouvir ocolaborador, na presena de seu defensor. O juiz poder recusar homologao proposta que no atender aos requisitos legais, ou adequ-la ao caso concreto. Eapenas nestas hipteses.

    Depois de homologado o acordo, o colaboradorpoder, sempre acompanhado pelo seu defensor, ser ouvido pelo membro do MinistrioPblico ou pelo delegado de polcia responsvel pelas investigaes. Ademais, aspartes (?) podem retratar-se da proposta, caso em que as provas autoincriminatriasproduzidas pelo colaborador no podero ser utilizadas exclusivamente em seudesfavor. Este advrbio deve ser interpretado luz da CF/88, ou seja, o contedo doacordo nunca poder ser utilizado contra o delator. o direito de no autoincriminao,previsto no art. 8., do Pacto de So Jos da Costa Rica.

    Este termo de acordo da colaborao premiadadever ser feito por escrito e conter o relato da colaborao e seus possveis resultados;as condies da proposta do Ministrio Pblico ou do delegado de polcia; a declaraode aceitao do colaborador e de seu defensor; as assinaturas do representante doMinistrio Pblico ou do delegado de polcia, do colaborador e de seu defensor; aespecificao das medidas de proteo ao colaborador e sua famlia, quandonecessrio.

    O pedido de homologao do acordo sersigilosamente distribudo, contendo apenas informaes que no possam identificar ocolaborador e o seu objeto. As informaes pormenorizadas da colaborao serodirigidas diretamente ao Juiz a que recair a distribuio, que decidir no prazo dequarenta e oito horas e o acesso aos autos ser restrito ao Juiz, ao Ministrio Pblico eao Delegado de Polcia, como forma de garantir o xito das investigaes, assegurando-se ao defensor, no interesse do representado, amplo acesso aos elementos de prova quedigam respeito ao exerccio do direito de defesa, devidamente precedido de autorizaojudicial (o que macula o Enunciado da Smula Vinculante 14), ressalvados os referentess diligncias em andamento. O acordo de colaborao premiada deixa de ser sigilosoassim que recebida a denncia, mesmo porque o colaborador ter os seguintes direitos:usufruir das medidas de proteo previstas na legislao especfica; ter nome,qualificao, imagem e demais informaes pessoais preservados; ser conduzido, emjuzo, separadamente dos demais coautores e partcipes; participar das audincias semcontato visual com os outros acusados; no ter sua identidade revelada pelos meios decomunicao, nem ser fotografado ou filmado, sem sua prvia autorizao por escrito;cumprir pena em estabelecimento penal diverso dos demais corrus ou condenados.Alm disso, todos os atos processuais so pblicos, segundo o conhecido mandamentoconstitucional, com as ressalvas previstas na Carta Magna.

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  • Continuando, afirma a lei que ainda quebeneficiado por perdo judicial ou no denunciado, o colaborador poder ser ouvidoem juzo a requerimento das partes ou por iniciativa da autoridade judicial. Sempreque possvel, o registro dos atos de colaborao ser feito pelos meios ou recursos degravao magntica, estenotipia, digital ou tcnica similar, inclusive audiovisual,destinados a obter maior fidelidade das informaes.

    Eis agora uma das maiores inconstitucionalidadesna legislao brasileira: nos depoimentos que prestar, o colaborador renunciar, napresena de seu defensor, ao direito ao silncio e estar sujeito ao compromisso legalde dizer a verdade. (grifo nosso). Ora, onde j se viu o dever, a imposio de renunciara um direito constitucionalmente declarado. bvio que esta disposio s pode ter sadode uma mente em desvario. Claro que o direito ao silncio renuncivel, voluntria eespontaneamente, jamais imposto. Mais uma vez, valendo-se de uma interpretao luzda CF/88, deve-se ler este teratolgico dispositivo da seguinte maneira: nosdepoimentos que prestar, o colaborador poder renunciar, na presena de seu defensor,ao direito ao silncio. Somente assim, estar sujeito ao compromisso legal de dizer averdade.

    Respeitando-se o devido processo legal,estabelece-se que em todos os atos de negociao, confirmao e execuo dacolaborao, o colaborador dever estar assistido por defensor. Que novidade!

    Afirma-se, tambm, que nenhuma sentenacondenatria ser proferida com fundamento apenas nas declaraes de agentecolaborador. Aqui vale as observaes feitas acima, ou seja, a sentena condenatrianunca poder ter como nico fundamento a delao, mesmo porque na maioria dasvezes tratar-se- de mero ato investigatrio e, portanto, de nenhum valor probatrio.

    IX A Captao Ambiental de Sinais Eletrodomagnticos, pticos ou Acsticos

    Esta diligncia de certa forma j estava prevista narevogada Lei n. 9.034/95 (art. 2., IV). Para Luiz Flvio Gomes, entende-se porinterceptao ambiental a captao de uma conversa alheia (no telefnica), feita porterceiro, valendo-se de qualquer meio de gravao. No se trata, como se percebe, deuma conversa telefnica. No o caso. uma conversa no telefnica, ocorrida numgabinete, numa reunio, numa residncia etc. Se nenhum dos interlocutores sabe dacaptao, fala-se em interceptao ambiental em sentido estrito; se um deles temconhecimento, fala-se em escuta ambiental.22

    Segundo Francisco Muoz Conde, la principalfuente de controversias doctrinales y decisiones judiciales sobre el carcter de pruebaprohibida de las obtenidas con violacin de derechos fundamentales, la deparan hoy

    22 Interceptao Telefnica, So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997, p. 111.

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  • las derivadas del empleo de medios audiovisuales.23 Ele ainda adverte que passamosda fase que Michel Foucault chamava de controle do corpo (a tortura), para o controleda alma (por meio do alcance da parte espiritual da personalidade). Este autor (p. 31)distingue provas proibidas (que no podem ser objeto de valorao em nenhum caso),ilcitas (que podem ser objeto de valorao em determinadas circunstncias, seja pelaaplicao do princpio da proporcionalidade ou da boa-f, seja porque no lesionou,direta ou indiretamente, um direito fundamental) e irregulares (aquela obtida sem algunsrequisitos processuais no essenciais e cuja ausncia pode ser sanada posteriormente).

    X Da Ao Controlada

    A ao controlada, tpico ato de investigao, nadamais que do que a no imediata atuao policial, quando se inicia a prtica do delito.Trata-se, aqui, de mais uma hiptese de flagrante diferido ou protelado, cuja previsolegal j existia na Lei n. 9.034/95 (art. 2., II) e ainda hoje consta da Lei n. 11.343/06(art. 53, II). Permite-se, por exemplo, que no se prenda os agentes desde logo, aindaque em estado de flagrncia, quando h possibilidade que o diferimento da medidapossa ensejar uma situao ainda melhor do ponto de vista repressivo. Exemplo: aPolcia monitora um porto espera da chegada de um grande carregamento de cocanapor parte de uma organizao criminosa, quando, em determinado momento, atraca umpequeno bote com dois dos integrantes (j conhecidos) portando um saco plsticotransparente contendo um p branco, a indicar ser cocana. Pois bem: os agentespoliciais, ao invs de efetuarem a priso em flagrante, pois h um crime visto,procrastinam o ato, esperando que a grande carga seja desembarcada em um navioque se sabe vir dentro em breve. o chamado flagrante diferido ou protelado. Emsuma, evita-se a priso em flagrante no momento da prtica do delito, a fim que em ummomento posterior, possa ser efetuada com maior eficcia a priso de todos osparticipantes da organizao criminosa, bem como se permita a apreenso da droga emmaior quantidade.

    H quem faa diferena entre a ao controlada e achamada entrega vigiada, distino que no enxergamos. Assim, Maringela LopesNeistein e Luiz Rascovski diferenciam: A entrega vigiada a tcnica consistente empermitir que remessas ilcitas ou suspeitas de entorpecentes ou outras substnciasproibidas circulem pelo territrio nacional, bem como dele saiam ou nele ingressem,sem interferncia impeditiva da autoridade ou seus agentes, mas sob sua vigilncia.Tudo com o fim de descobrir ou identificar as pessoas envolvidas no cometimento dealgum delito referente ao trfico dessas drogas, bem como prestar auxlio aautoridades estrangeiras nesses mesmos fins. J a ao controlada consiste,conforme artigo 2, da Lei 9.034/95, em retardar a interdio policial do que se supetratar-se de ao praticada por organizaes criminosas ou a ela vinculada, desde quemantida sob observao e acompanhamento para que a medida legal se concretize nomomento mais eficaz do ponto de vista da formao de provas e fornecimento deinformaes. A ao controlada uma exceo ao flagrante obrigatrio previsto em lei

    23 Valoracin de las grabaciones audiovisuales Buenos Aires: Hamurabi, 2004, p. 27.

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  • para a autoridade policial e seus agentes. Refere-se ao chamado flagrante diferido, ouprorrogado ou, ainda, postergado, situao em que o policial, por autorizao legal,pode aguardar o melhor momento para prender uma pessoa em flagrante, paraobteno de um maior nmero de provas. Assim, a ao controlada utilizada para ainvestigao de todo e qualquer crime que praticado por organizaes criminosas. Aocontrrio, a entrega vigiada, conforme salientado, um meio de investigao tpico docrime de trfico internacional de entorpecentes, em que autorizada o controle dotrfego de drogas que circulem dentro ou fora do pas.24

    Do ponto de vista da nova lei, consiste a aocontrolada em retardar a interveno policial ou administrativa relativa aopraticada por organizao criminosa ou a ela vinculada, desde que mantida sobobservao e acompanhamento para que a medida legal se concretize no momento maiseficaz formao de provas e obteno de informaes. Este retardamento dainterveno policial ou administrativa ser previamente comunicado ao Juiz competenteque, se for o caso, estabelecer os seus limites e comunicar ao Ministrio Pblico. Parans, alis, sempre ser o caso de estabelecer os limites (para que no haja abusos) e paraa comunicao ao Ministrio Pblico que, afinal de contas, o destinatrio dainvestigao preliminar e exerce o controle externo da atividade policial (art. 129, VII,da CF/88). Estranhamente a lei estabelece que a comunicao ser sigilosamentedistribuda de forma a no conter informaes que possam indicar a operao a serefetuada. Aqui ficou claramente explicitada certa desconfiana na discrio e naresponsabilidade dos membros do Ministrio Pblico (estaria o legislador com arazo?).

    At o encerramento da diligncia, o acesso aosautos ser restrito ao Juiz, ao Ministrio Pblico e ao Delegado de Polcia, como formade garantir o xito das investigaes e, ao seu final, ser elaborado auto circunstanciadoacerca da ao controlada.

    Por fim, se a ao controlada envolver transposiode fronteiras, o retardamento da interveno policial ou administrativa somente poderocorrer com a cooperao das autoridades dos pases que figurem como provvelitinerrio ou destino do investigado, de modo a reduzir os riscos de fuga e extravio doproduto, objeto, instrumento ou proveito do crime. E, claro, problemas diplomticos.

    XI - Do Acesso a Registros de Ligaes Tefnicas e Telemticas, a Dados CadastraisConstantes de Bancos de Dados Pblicos ou Privados e a Informaes Eleitorais ouComerciais

    Nestas hipteses, o delegado de polcia e oMinistrio Pblico tero acesso, independentemente de autorizao judicial, apenasaos dados cadastrais do investigado que informem exclusivamente a qualificao

    24 Alguns aspectos referentes entrega vigiada no Direito Brasileiro - Fonte: Informativo Eletrnico doInstituto Brasileiro de Cincias Criminais - IBCCrim (julho de 2007).

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  • pessoal, a filiao e o endereo mantidos pela Justia Eleitoral, empresas telefnicas,instituies financeiras, provedores de internet e administradoras de carto decrdito.

    Por sua vez, as empresas de transportepossibilitaro, pelo prazo de cinco anos, acesso direto e permanente do juiz, doMinistrio Pblico ou do delegado de polcia aos bancos de dados de reservas eregistro de viagens e as concessionrias de telefonia fixa ou mvel mantero, pelomesmo prazo, disposio da autoridade policial e do Ministrio Pblico, registros deidentificao dos nmeros dos terminais de origem e de destino das ligaes telefnicasinternacionais, interurbanas e locais.

    XII Infiltrao, por Policiais, em Atividade de Investigao

    Este procedimento amplamente usado, e desde hmuito, nos Estados Unidos (operao undercover). o tambm chamado agenteencoberto, que pode ser conceituado como um funcionario policial o de las fuerzas deseguridad que hace una investigacin dentro de una organizacin criminal, muchasveces, bajo una identidad modifi