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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO – MESTRADO
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO EM DEMANDAS SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS
Leila Eliana Hoffmann Ritt
A FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO COMO INSTRUMENTO DE EFE TIVAÇÃO
DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Santa Cruz do Sul, maio de 2007
1
UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - UNISC
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO – MESTRADO
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO EM DIREITOS SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS
Leila Eliana Hoffmann Ritt
A FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO COMO INSTRUMENTO DE EFE TIVAÇÃO
DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Dissertação apresentada à banca examinadora do programa de Pós-Graduação em Direito – Mestrado, da Universidade de Santa Cruz do Sul, como requisito para a obtenção do título de Mestre. Orientador: Prof. Dr. Jorge Renato dos Reis
Santa Cruz do Sul, maio de 2007
2
Aos meus pais, Euclides e Lúcia, graças a vocês e a Deus estou aqui! Ao meu marido, Jorge Luís, pelo amor e incentivo permanente. À minha filha Nathália, pelo carinho e compreensão pelos momentos que deixei de passar ao seu lado. E à futura bebê, sempre muito ativa...
3
AGRADECIMENTOS
A presente dissertação representa muito mais que o resultado de estudos e
pesquisas acerca da “A FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO COMO
INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS ”, com
especial destaque à influência dos princípios constitucionais – que irradiam sua
eficácia sobre todo o ordenamento infraconstitucional – de modo a vincular todas as
esferas da sociedade aos valores axiológicos da Constituição Federal de 1988. Mas
mais do que isso, este trabalho marca mais uma fase da vida da autora, de muita
dedicação, estudos e esforços.
Durante o seu desenvolvimento, várias pessoas exerceram uma atividade
imprescindível, no sentido de terem participado da formação do caráter da autora,
prestando apoio moral e orientação técnica para que fosse possível a sua
conclusão. Assim, não se pode deixar de lembrá-las, e o mínimo que se pode fazer é
expressar a mais profunda gratidão, eis que não há dinheiro que retribua tais ações.
Então, seguramente a primeira pessoa a quem dedico este trabalho é ao Prof.
Dr. Jorge Renato dos Reis – meu orientador de longa data, desde a época da
graduação, pós-graduação Lato Sensu e, agora, no Mestrado – sempre transmitiu
seus conhecimentos com dedicação, sabedoria, paciência e compreensão.
Realmente, a sua orientação foi fundamental, sem o qual este trabalho não teria
chegado ao seu fim. Essas lições dificilmente serão apagadas, e sempre terei como
paradigma a sua conduta exemplar.
4
Também não posso deixa de mencionar o nome de pessoas, ressalte-se, muito
especiais, que ajudaram na formação sociocultural da autora: Jorge (valeu por mais
essa!), a Nathália (tudo tem o porquê de ser, nada é por acaso!), ao bebê (que
espero com tanto carinho), o Sr. Euclides e a D. Lúcia (sem vocês não estaria aqui!),
o Mauro e o Fabinho (valeu, brothers), Suzana Maria (Sus), Sr. Egon e D. Marlene
(valeu pelo auxílio). A todas essas pessoas: vielen dank, vom mein herzen, und ich
wünsche ihnen alles gute. Das Gott immer mit ihnem sold bleibe. Ich vergessen nicht
was sie gemacht habben zu mir.
Agradeço aos excelentes professores que ministraram aulas no curso de Pós-
Graduação Stricto Sensu, em especial aos doutores Jorge Reis (Orientador), Clóvis
Gorczeviski, Hugo Thamir Rodrigues, Bolzan de Morais, Mônia Hennig Leal, Inácio
Helfer, Pedro Scuro, João Telmo Vieira, José Alcebíades de Oliveira Jr, Rogério
Gesta Leal, e aos professores espanhóis, Doutores Sanchez Bravo e Alfonso de
Julios-Campuzano.
Além desses, foi uma grande satisfação ter conhecido os colegas do curso,
que possibilitaram uma interação com os inúmeros casos que o Direito oferece, e
desta forma, contribuíram com o aperfeiçoamento e desenvolvimento das aulas.
Obrigada pelas preciosas amizades!
Não poderia deixar de agradecer aos componentes do grupo de estudos “A
Constitucionalização do Direito privado”, em especial na pessoa do colega Max
Moller e Eduardo Ferreira Fischer, que possibilitaram algumas discussões acerca da
situação atual e perspectivas do Direito privado contemporâneo.
A lista de agradecimentos não ficaria completa sem a citação dos nomes de
amigas e funcionárias do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu, Sra. Rosana
Maria Fabra e Gisele Delaveri, que não mediram esforços na concretização de mais
esta importante etapa, desempenhando esta função tão relevante.
A todos, muito OBRIGADA , e que Deus os abençoe!
5
“A história tem apenas o sentido que nós, em cada ocasião concreta, de acordo com a oportunidade, com nossos desejos e nossas esperanças, atribuímos a ela. E, portanto, não tem um único sentido”.
Norberto Bobbio
6
LISTA DE ABREVIAÇÕES
Ac. – Acórdão
Ag. – Agravo de Instrumento
Ap. – Apelação
Art. – Artigo
CC – Código Civil
CDC – Código de Defesa do Consumidor
CF – Constituição Federal
Code – Código Civil francês
CPC – Código de Processo Civil
D.J. – Data do Julgamento
J. – julgado
LICC – Lei de Introdução ao Código Civil
Rel. - Relator
RT – Revista dos Tribunais
STF – Supremo Tribunal Federal
STJ – Superior Tribunal de Justiça
TJSC – Tribunal de Justiça de Santa Catarina
TJRS – Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul
7
RESUMO
A noção de contrato, oriunda do liberalismo, foi superada pela funcionalização
deste instituto, em que os princípios clássicos do individualismo e da autonomia de
vontade foram revistos pela moderna teoria contratual, a qual estabelece uma leitura
constitucional do direito privado, tendo como base os direitos fundamentais, a fim de
evitar abusos, desigualdade e injustiça nas avenças intersubjetivas. Objetiva-se,
portanto, verificar as relações contratuais estabelecendo a evolução desde a época
da concepção do direito liberal-individualista e patrimonialista, do início do século
XIX. Para tanto, fez-se necessário verificar as dimensões dos direitos fundamentais,
bem como os modernos princípios contratuais, em especial, a função social do
contrato (art. 421 do Código Civil), notadamente em face de que a dignidade da
pessoa humana passou a ser o vértice do ordenamento jurídico, constituindo-se no
elemento central das relações jurídicas, em especial, das relações contratuais.
Utilizou-se nesta pesquisa a abordagem do método hipotético-dedutivo.
Palavras-chave : Constitucionalização – Direito privado – princípios - direitos
fundamentais.
.
8
ABSTRACT
The notion of contract, originated from liberalism, has been surpassed by the
functionality of this institute, in which the classic principles of individualism and of the
autonomy of will were reviewed by modern contractual theory, which establishes a
constitutional reading of the Private Law, based on the fundamental rights, in order to
avoid abuse, inequality, and social injustice in the struggles between subjects.
Therefore, the objective is to verify the contractual relations, demonstrating the
evolution since the time of the liberal-individualistic Law from the beginning of the XIX
century. So, it was necessary to verify the dimensions of the fundamental rights, as
well as the modern contractual principles, in particular, the function of social contract
(art. 421 of the Civil Code), especially because the dignity of the person became the
vertex of the judicial organization, consisting on the central elements of judicial
relations, in special, of the contractual relations. We used the hypothetical-deductive
method approach in this research.
Key-words : Constitutionalization – Private Law – principles - fundamental rights.
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..............................................................................................
10
1 AS RELAÇÕES CONTRATUAIS SOB A ÉGIDE DO ESTADO LIBERAL............................................ ...........................................................
14
1.1 O conceito de contrato............................................................................ 1.2 As relações contratuais tradicionais........................................................
17 22
1.3 A dicotomia entre Direito privado e o Direito público.............................. 28 1.4 Os princípios contratuais tradicionais...................................................... 30 1.4.1 O princípio da autonomia da vontade.................................................. 31 1.4.2 Princípio da pacta sunt servanda ou força obrigatória dos pactos....... 37 1.4.3 O princípio do consensualismo............................................................ 38 1.4.4 O princípio da relatividade dos efeitos do contrato.............................. 39 2 A VINCULAÇÃO DOS PARTICULARES AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES INTERPRIVADAS............ ..................
42
2.1 A supremacia da Constituição Federal................................................... 43 2.2 As dimensões dos direitos fundamentais................................................ 49 2.3 As teorias de eficácia dos direitos fundamentais nas relações entre particulares....................................................................................................
60
2.3.1 A eficácia horizontal e vertical.............................................................. 62 2.3.2 A eficácia indireta (ou mediata) e direta (ou imediata)......................... 64 2.3.3 A eficácia subjetiva e objetiva.............................................................. 75 2.4 Os conflitos entre regras e colisão de princípios constitucionais............ 2.5 O princípio da proporcionalidade............................................................
78 81
3 A INFLUÊNCIA DA CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO PRIVADO NAS RELAÇÕES CONTRATUAIS .............................................
92
3.1 O princípio da dignidade da pessoa humana......................................... 3.2 Os modernos princípios contratuais derivados da função social do contrato.........................................................................................................
106 115
3.2.1 O princípio da função social do contrato.............................................. 119 3.2.1.1 A função social do contrato e a sua função econômica.................... 127 3.2.2 O princípio da boa-fé objetiva.............................................................. 130 3.2.3 O princípio do equilíbrio econômico ou justiça contratual.................... CONCLUSÃO ...............................................................................................
141 148
BIBLIOGRAFIA .............................................................................................
154
10
INTRODUÇÃO
Na presente dissertação pretende-se abordar a função social do contrato
como instrumento de efetivação dos direitos fundamentais e como uma das
principais conseqüências decorrente do fenômeno da Constitucionalização do Direito
privado. Com o advento da Constituição Federal de 1988, novas diretrizes e
perspectivas foram impostas à vida jurídica do país, constituindo-se, esta, na norma
máxima do Estado, com uma forte tendência social em razão dos direitos
fundamentais que vinculam o ordenamento jurídico infraconstitucional na sua
totalidade.
O problema proposto na presente dissertação é o de estabelecer de que forma
a função social do contrato é instrumento de efetivação dos direitos fundamentais
nas relações interprivadas.
Para responder ao questionamento proposto, utilizar-se-á do método dedutivo1,
partindo-se de uma formulação geral e prévia sobre o objeto da pesquisa, com a
utilização de elementos legais, doutrinários e jurisprudenciais “com o prévio
compromisso científico de, ao organizar e compor o material recolhido, atender à
formulação geral que previamente estabeleceu”.2
1 O método hipotético-dedutivo foi proposto por POPPER: “[...] quando os conhecimentos disponíveis
sobre determinado assunto são insuficientes para a explicação de um fenômeno, surge o problema. Para tentar explicar as dificuldades expressas no problema, são formuladas conjecturas ou hipóteses. Das hipóteses formuladas, deduzem-se conseqüências que deverão ser testadas ou falseadas. Falsear significa tornar falsas as conseqüências deduzidas das hipóteses. Enquanto no método dedutivo se procura a todo custo confirmar a hipótese, no método hipotético-dedutivo, ao contrário, procuram-se evidências empíricas para derrubá-la.” Cf. GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 3 ed. São Paulo: Atlas, 1996, p. 30.
2 PASOLD, César Luiz. Prática da pesquisa jurídica – idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito. 5. ed. rev. e atual. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2001, p. 95.
11
O Direito Civil, de um modo geral, sofreu uma mudança de paradigma, com a
funcionalização dos institutos herdados do Direito romano. Assim, o contrato - cerne
das relações privadas - acompanha as mudanças sociais, eis que está diretamente
relacionado à vontade das partes contratantes, sofrendo, em conseqüência,
profundas mudanças estruturais. Isto porque os estudos de Direito Privado sofreram
avanços significativos no que se refere à interpretação e à aplicação das normas
constitucionais, com a prevalência dos princípios constitucionais.
Portanto, objetiva-se analisar a influência do fenômeno da constitucionalização
do direito privado nas relações contratuais - decorrente força normativa da
Constituição - de maneira que a função social do contrato seja instrumento de
efetivação dos direitos fundamentais, bem como estudar as inovações
principiológicas previstas no ordenamento privado e as teorias de vinculação dos
particulares aos direitos fundamentais.
Justifica-se a importância do presente estudo em razão de o contrato constituir-
se num instrumento jurídico de utilização diária, motivo pelo qual exerce relevante
influência no contexto social, sendo o grande responsável pela caracterização do
capitalismo, ainda, nos dias atuais, face a sua finalidade precípua de realizar a
transferência de valores/riquezas.
Como o País não tem tradição constitucionalista aumenta a importância do
presente trabalho no sentido de estabelecer a conexão entre o Direito constitucional
e o Privado. Os princípios contratuais originados da influência constitucional - a
função social do contrato, a boa-fé objetiva e o equilíbrio econômico ou da justiça
contratual – constituem-se numa inovação que vem ao encontro dos objetivos do
Estado Democrático de Direito, pois preconizam, sobretudo, a dignidade da pessoa
humana.
Portanto, o contrato exerce fundamental importância no contexto jurídico e
social, e portanto, passa a ser visto não somente como instrumento limitador e
regulador da vontade das partes envolvidas, mas também como mecanismo capaz
de efetivar o bem comum. Assim, com as inovações principiológicas previstas no
12
ordenamento privado, o contrato não mais pode ser visto como um instrumento que
interessa tão somente às partes contratantes, desvinculado do restante da
sociedade.
A importância desta temática é ainda mais evidente num Estado Social,
caracterizado pela sociedade de massas, em que o contrato é global e atinge a
todos indistintamente. Desta forma, a ruína de um dos contratantes além de afetá-lo
diretamente, causando, muitas vezes, graves injustiças, desigualdades e exploração,
repercute, em toda a comunidade na qual ele está inserido (efeito cascata).
Inegavelmente, se um dos contratantes é lesado, toda a comunidade sofre os
prejuízos; da mesma forma, quando ambas as partes são beneficiadas pelo pacto, a
vantagem igualmente é comum. Por isso, o contrato passa a ser visto, enfim, como
uma “instituição social”, que exerce influência direta na sociedade.
Nesta perspectiva, todo o ordenamento infraconstitucional, bem como a
moderna hermenêutica constitucional deve estar de acordo com a “força normativa
da Constituição”3 - norma máxima do Estado que vincula todas as demais normas
infraconstitucionais - a fim de preservar o princípio fundamental máximo da
dignidade humana, do qual irradia-se o da solidariedade e da justiça social, que
vinculam qualquer regra positivada ou relação que se estabeleça no País. É a
chamada supremacia da Constituição Federal.
Infelizmente, a cultura jurídica que norteia os contratos ainda está calcada sob
uma ótica patrimonialista, que tem na autonomia da vontade o seu valor
preponderante. Portanto, é necessária a tomada de consciência dos operadores do
Direito, e em tal sentido reside a importância do estudo que se pretende
desenvolver.
3 “Força normativa da Constituição” é expressão também é conhecida como die normative Kraft der
Verfassung, dá título à aula inaugural que Konrad Hesse proferiu na Universidade de Freiburg, em 1959, traduzida para o português por Gilmar Ferreira Mendes (In: HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1991, p. 9).
13
Neste contexto, o princípio da dignidade da pessoa humana é o vértice do
ordenamento jurídico, constituindo-se no elemento central das relações jurídicas, e
base do Estado Democrático de Direito, instituído pela Constituição Federal de 1988,
que, aliás, influenciou a todas as esferas do Direito, através de seus princípios éticos
e morais.
A fim de se poder analisar tais aspectos do contrato, abordar-se-á, no primeiro
capítulo, acerca das relações contratuais sob a égide do Estado Liberal, com ênfase
na verificação dos princípios contratuais tradicionais. No segundo capítulo, analisar-
se-á a vinculação dos particulares aos direitos fundamentais nas relações
interprivadas, com análise das dimensões dos direitos fundamentais, do princípio da
supremacia da Constituição Federal e as teorias de eficácia dos direitos
fundamentais; ao passo que no terceiro capítulo estudar-se-á as inovações
principiológicas previstas no ordenamento privado, oriundas da Constitucionalização
do Direito privado nas relações contratuais: a função social do contrato (e sua função
econômica), a boa-fé objetiva, o princípio do equilíbrio econômico (ou justiça
contratual), os quais são instrumentos inerentes à função social do contrato, e visam
a efetivação dos direitos fundamentais, em especial, da dignidade da pessoa
humana.
14
1 AS RELAÇÕES CONTRATUAIS SOB A ÉGIDE DO ESTADO LI BERAL 4
A teoria liberal/individualista foi desenvolvida nos fins do século XVIII, todo o
século XIX e parte do século XX. Nasceu da doutrina do contrato social e dos
princípios de direito natural positivados em Códigos e Constituições. A liberdade
formal era indefinida e sempre subjetiva, sem compromisso com determinados fins
ou objetivos; era um direito e não obrigação, um atributo da personalidade e não
uma prescrição do Estado.5
Uma das metas do programa liberal clássico era o de estabelecer limites
jurídicos e políticos ao poder do Estado. Alguns eventos históricos foram decisivos
para o triunfo liberal: a Carta de João sem Terra, a Revolução Gloriosa inglesa
(1688), seguida do Bill of Rights (1689); a Independência das Colônias Inglesas da
América do Norte (1776), seguida da Constituição dos Estados Unidos da América
(1787) e o Bill of rights (1791); e a Revolução Francesa, de 1789 e a primeira
Constituição Francesa (1791). Esses fatos foram decisivos para a construção de um
Estado Liberal de Direito ou ‘Estado burguês de Direito’, na concepção de Carl
Schmitt, ou ‘Estado de Direito’ (Rechtsstaat, na Escola de Direito público alemã, do
século XIX).6
O reconhecimento dos direitos fundamentais e a separação dos poderes
(sistema de freios e contrapesos, na concepção de Montesquieu) foram dois pilares
4 Preferiu-se, para fins deste estudo, analisar as relações contratuais a partir do estado liberal-
burguês, mas antes desta fase, houve a influência da filosofia da formação do Estado e na formação de teoria contratual clássica. Assim, na primeira fase da filosofia moderna – destaca-se o pensamento de René Descartes (1596-1650), Thomas Hobbes (1588-1679), John Locke (1632-1704). Já a segunda fase da filosofia moderna – destaca-se o pensamento de Montesquieu (1689-1755) - “O espírito das leis”, Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), Immanuel Kant (1724-1804), Emmanuel Joseph Sieyès (1748-1836). Cf. GOMES, Rogério Zuel. Teoria contratual contemporânea: função social do contrato e boa-fé. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 5-30, passim.
5 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 12 ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 565-566. 6 STEINMETZ, Wilson Antônio. A vinculação dos particulares a Direitos Fundamentais. São Paulo:
Malheiros, 2004, p. 65-67. No Estado absoluto, das monarquias do início da Idade Moderna, o Estado não tinha limites.
15
para a limitação do poder estatal, conforme previsão expressa no art. 16 da
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789: “toda sociedade na qual
a garantia dos direitos não é assegurada nem a separação dos poderes determinada
não tem constituição.” Os direitos fundamentais iniciais correspondiam aos direitos
naturais, e eram limites externos ao poder do Estado7, pois, segundo Bobbio: “estes
direitos são direitos naturais que, preexistindo ao Estado, dele não dependem, e,
não dependendo do Estado, o Estado tem o dever de reconhecê-los e garanti-los
integralmente.”8
Já a separação dos poderes correspondia aos limites internos ao poder do
Estado e, como tal, está ligada aos direitos fundamentais, pois: “onde não há
separação de poderes, não há garantia de que o exercício dos direitos fundamentais
será respeitado e protegido pelo Estado.”9 A separação dos poderes tinha a
finalidade precípua de conter o poder estatal, pois era necessário proteger o
indivíduo do despotismo do Estado, garantindo-lhe o máximo de liberdade.
A idéia de contrato social é própria dos pensadores iluministas, como por
exemplo, Locke, Kant e Rousseau.10 Este enfatizava a importância da democracia e
da soberania popular (maioria decide). No seu contrato social, os indivíduos
alienavam toda a sua liberdade a um corpo social ao qual todos pertenciam. No
modelo de contrato social de Locke, os indivíduos não alienavam todos os seus
direitos, mas retinham direitos naturais, inatos e inalienáveis, que os governantes
tinham que respeitar. O mais essencial direito era a propriedade. Estas idéias
iluministas do século XVIII foram decisivas para os seguintes eventos: a
Independência e formação das 13 colônias americanas, e para a Revolução
Francesa.11,12
7 Ibidem, p. 67-68. 8 BOBBIO, Norberto. Direito e Estado no pensamento de Emanuel Kant. Trad. de Alfredo Fait.
Revisão de Estevão Rezende Martins. 2. ed. Brasília: UnB, 1992, p. 15-16. 9 STEINMETZ, op. cit., p. 68-69. 10 O ideal de democracia, de Rousseau, foi por muito tempo postergada, já que direitos políticos
foram conferidos apenas à burguesia (voto censitário). A igualdade era formal e havia exclusão de direitos políticos das classes sociais menos favorecidas.
11 O dinheiro não mais estava nas mãos do clero e da nobreza mas nas dos donos dos meios de produção, entretanto estes ainda não detinham o poder político, capaz de abalar as estruturas da monarquia. Inevitavelmente, tal incapacidade foi fatal para a sua sobrevivência, Em face disso a elite econômica voltou-se contra a nobreza , a qual contava com privilégios (isenções fiscais), o que determinava uma exploração da população mais pobre em benefício da monarquia e da nobreza
16
No entanto, na concepção do Estado Liberal prevalecia outra teoria: a de que
nas relações entre Estado e indivíduo valia a Constituição, ao passo que nas
relações privadas prevalecia o Código Civil, com base na autonomia privada. Dentro
deste paradigma, os direitos fundamentais foram concebidos como limites ao poder
do Estado, em prol da liberdade dos governados. Isto não significa que os direitos
fundamentais, no constitucionalismo liberal oitocentista, eram diretamente aplicáveis
às relações entre indivíduos e Estado, vinculando os três poderes públicos. Na
verdade, o Estado Liberal era visto como inimigo dos indivíduos e da sociedade civil.
Além dos direitos fundamentais e da separação dos poderes, havia um terceiro
mecanismo de limitação do poder estatal: o princípio da legalidade. A lei era limite ao
poder do Estado e vinculava os poderes públicos.13
Desta forma, o Direito Civil pátrio foi influenciado pela concepção liberal-
individualista, oriunda do Código napoleônico.14 Assim, a primeira concepção -
clássica ou liberal - é aquela do século XIX, que surgiu numa época marcada pelo
liberalismo na economia e individualismo nas relações jurídicas, baseada no
absolutismo da autonomia da vontade, que predominou no Código Napoleônico. Já
pela teoria moderna ou social dos contratos sofreu, inegavelmente uma intervenção
maior do Estado nas relações contratuais, ou seja, foi mitigada a liberdade e a
autonomia da vontade em prol dos direitos fundamentais. Em conseqüência,
que a circundava. Em 1789, calcula-se que cerca de 80.000 pessoas morreram de fome, e um em cada cinco franceses era indigente. Com a pressão da burguesia e da população, Luiz XVI decide convocar os Estados Gerais em Assembléia Nacional. A nobreza visava manter seus privilégios, motivo pelo qual o Terceiro Estado separou-se, proclamando-se o legítimo representante da nação. Isso ocasionou a queda da Bastilha, quando os camponeses saquearam e destruíram castelos. O General Napoleão Bonaparte, apoiado pelo exército e pela burguesia, toma o poder. A burguesia passou a gerir o novo Estado e determinou o liberalismo econômico. Na prática, o povo perdeu ainda mais, pois não podia votar ou fazer greve; direitos sociais foram desconsiderados, pois importava somente o lucro e a produtividade. O novo refletiu o pensamento dominante, fundando-se nos princípios individualistas, como a liberdade contratual, o direito de propriedade e a autonomia da vontade. O liberalismo foi gerado com as revoluções francesa e inglesa, de acordo com o pensamento de Adam Smith, com sua obra “Riqueza das Nações” (1723-1790). A liberdade era sinônimo de crescimento econômico. Desta forma, qualquer intervenção do Estado seria indesejável. Cf. SANTOS, Eduardo Sens dos. A função social do contrato. Florianópolis: OAB/SC editora, 2004, p. 30-33.
12 SARMENTO, 2004, p. 22-25, passim. 13 STEINMETZ, 2004, p. 69-73, passim. 14 O Direito deve ser dividido em dois sistemas: o romano-germânico e a anglo saxão ou da common
law. Com as colonizações, a família romano-germânica deixou as fronteiras da Europa e foi recepcionada por vários países da América Latina. Já o sistema da common law – mais comum em países de língua inglesa - foi criado por juízes ingleses que, ao decidirem litígios particulares, criava precedentes aplicáveis a casos semelhantes, por força do costume. Cf. SANTOS, op. cit., p. 22.
17
passou-se de uma concepção de Estado Liberal para um Estado Social15, que visa,
sobretudo, a dignidade da pessoa humana e o bem-estar social.
1.1 O conceito de contrato 16
É no período liberal/individualista que o contrato adquire seu conceito de forma
de transmissão de riquezas, e é nesse período que se estabelece as teorias
conceituais do contrato. Portanto, para estabelecer o conceito de contrato, é preciso
considerar que o fato jurídico produz efeitos jurídicos, tendo, assim, eficácia jurídica.
Os elementos gerais são indispensáveis à existência de todo e qualquer negócio,
como a forma, o objeto e a declaração de vontade (art. 104 do Código Civil).17
A validade deve estar de acordo com as regras jurídicas, indica a qualidade de
um negócio existente. "Válido” é o adjetivo com que se qualifica o negócio jurídico
formado de acordo com as regras jurídicas. Os requisitos são aqueles caracteres
que a lei exige nos elementos do negócio para que este seja válido. Há certo
paralelismo entre existência (plano de substâncias: o negócio existe) e validade
15 O Estado social caracteriza-se por controlar e intervir em setores da vida privada, que antes eram
submetidos à ação pública pelas constituições liberais. No plano do direito, é todo aquele que tem incluída na Constituição a regulação da ordem econômica e social. Além da limitação ao poder político, limita-se o poder econômico e projeta-se para além dos indivíduos a tutela dos direitos, como o trabalho, a educação, a cultura, a saúde, a seguridade social, o meio ambiente, todos com inegáveis reflexos nas dimensões materiais do direito civil. A ideologia do social, que consiste em valores de justiça social ou distributiva, passou a dominar o cenário constitucional do século XX. A sociedade exige o acesso aos bens e serviços produzidos pela economia, motivo pelo qual é necessária a atuação do Estado, para fazer prevalecer o interesse coletivo, evitar os abusos e garantir a dignidade humana. Os alicerces do Estado social permaneceram fortes, apesar dos efeitos da globalização e do neoliberalismo, surgindo, inclusive, novos direitos, como a legislação de proteção do consumidor. Porém, os códigos civis permaneceram ancorados na ideologia do Estado liberal, centrada em valores patrimoniais, apesar de a Constituição ter evoluído. Cf. LÔBO, Paulo Luiz Netto. Constitucionalização do Direito Civil. Disponível na Internet: <http://www.mundojuridico.adv.br>. Acesso em 20 de fevereiro de 2007, p. 2-4.
16 A concepção tradicional de contrato segue as premissas de Savigny: “o contrato é a união de dois ou mais indivíduos para a declaração de vontade em consenso, através da qual se define a relação jurídica entres estes (‘vertrag ist die vereiningung mehrerer zu einer übereinstimmenden willenserklärung, wordurch ihre rechtesverhältnisse bestimmt werden’. Cf. MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora RT, 2005, p. 53-54. Na tradução livre: “O contrato é a reunião de mais de uma vontade, por meio do qual são estabelecidos os direitos das partes.”
17 Art. 104. A validade do negócio jurídico requer: I - agente capaz; II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III - forma prescrita ou não defesa em lei.
18
(plano de adjetivos: o negócio é válido e os requisitos são as qualidades que os
elementos devem ter).18
Pela verificação da presença dos pressupostos, se saberá que o contrato
existe, sendo que pela verificação da idoneidade dos requisitos é que o contrato
produzirá efeitos. Assim, os três planos indispensáveis ao exame completo de
qualquer ato jurídico, notadamente do contrato: o plano da existência (refere-se aos
elementos essenciais à sua configuração, o suporte fático), o plano da validade e o
plano da eficácia.19
Desta forma, são elementos básicos que caracterizam a concepção tradicional
de contrato: a vontade do indivíduo, livre, definindo, criando direitos e obrigações
protegidos e reconhecidos pelo Direito. Na verdade, que a teoria clássica do contrato
está diretamente ligada à doutrina da autonomia da vontade e ao princípio da
liberdade contratual. Para essa linha de pensamento, a vontade dos contraentes,
declarada ou interna, é o elemento principal do contrato. A vontade representa não
só a gênesis, como também a legitimação do contrato e de seu poder vinculante e
obrigatório.20
O contrato é, assim, não só fonte das obrigações entre indivíduos, ele é a base de toda a autoridade. Mesmo o Estado retira sua autoridade de um contrato; logo, a própria lei estatal encontra aí sua base. O contrato não obriga porque assim estabeleceu o direito, é o direito que vale porque deriva de um contrato. O contrato, tornando-se um a priori do direito, revela possuir uma base outra, uma legitimidade essencial e autônoma em relação às normas: a vontade dos cidadãos. A teoria do contrato social conduz, portanto, à idéia de importância da vontade do homem.21
A doutrina, a legislação e a jurisprudência centram o seu esforço em torno da
realização dessa autonomia de vontade, pois segundo esta concepção, somente a
vontade22 livre e real, isenta de vícios ou defeitos23, pode dar origem a um contrato
18 AZEVEDEO, Antônio Junqueira de. Negócio jurídico: existência, validade e eficácia. 3. ed. rev. São
Paulo: Saraiva, 2000, p. 41. 19 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Direito Civil: estudos. Belo Horizonte: Del Rey,
2000, p. 93. 20 MARQUES, 2005, p. 53- 54. 21 MARQUES, op. cit., p. 58. 22 Todo e qualquer ato jurídico depende da vontade humana livre, séria e consciente, a qual se
constitui o elemento essencial, que pode levar à anulação de determinado ato jurídico, tornando-o ineficaz. Assim: “O ato jurídico é o ato lícito da vontade humana capaz de gerar relações na órbita do direito. Se o ato jurídico é fundamentalmente um ato de vontade, para que ele se aperfeiçoe
19
válido, fonte de obrigações e de direitos. No sistema liberal/individualista não cabia
ao juiz interferir e alterar o que as próprias partes haviam deliberado acerca de seus
interesses, pois contavam com a mesma liberdade de contratar.
Nesse sentido, a função da ciência do direito será a de proteger a vontade criadora e de assegurar a realização dos efeitos queridos pelas partes contratantes. A tutela jurídica limita-se, nesta época, portanto, a possibilitar a estruturação pelos indivíduos de relações jurídicas próprias através dos contratos, desinteressando–se totalmente pela situação econômica e social dos contraentes e pressupondo a existência de uma igualdade e uma liberdade no momento de contrair a obrigação.24
Nesta perspectiva, para conceituar o contrato propriamente dito, parte-se da
distinção entre fato e ato jurídico. Isso porque os efeitos jurídicos, em determinados
casos, independem da vontade humana, enquanto que em outros, resultam da
manifestação dessa vontade. Há os fatos jurídicos lato sensu, que são todo
acontecimento com repercussão no mundo do Direito. Este divide-se em: a) Fato
jurídico stricto sensu - independem de qualquer manifestação da vontade, pois não
há interferência do homem, eis que são fatos naturais. Os fatos jurídicos são
acontecimentos em virtude dos quais as relações de direito nascem e se extinguem.
Alguns desses fatos são acontecimentos naturais, que produzem efeitos jurídicos; b)
Atos jurídicos - decorrem da vontade humana, com o intuito de criar, modificar ou
extinguir direitos de acordo com o preceito legal. O ato jurídico é espécie do fato
jurídico, ou seja, o fato jurídico é gênero, do qual o ato jurídico é a espécie. Aqueles
que podem ou não ser voluntários, enquanto estes, sempre decorrem da vontade
humana.
Os atos jurídicos, por sua vez, ainda se subdividem em atos bilaterais e atos
unilaterais, ou seja, os primeiros dependem da manifestação da vontade de duas ou
mister se faz que essa vontade se externe livre e consciente. Se tal inocorre, falta o elemento primordial do ato jurídico, que, por conseguinte, é suscetível de ser tornado sem efeito. De fato, se o consentimento, reflexo da manifestação volitiva, vem inquinado de um vício que o macula, a lei, no intuito de proteger quem o manifestou, permite-lhe promover a declaração de ineficácia do ato gerado pela anuência defeituosa”. Cf. RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil - Parte geral. V. 1. 30. ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 183-184.
23 Pode acontecer que a vontade tenha existido, mas contaminada por algum vício de consentimento, que incide sobre a vontade do agente, impedindo-o de manifestar conscientemente essa vontade, ou seja, há uma disparidade entre a vontade do agente e a declaração. Portanto, os vícios de consentimento são: o erro ou ignorância (art. 138-144), dolo (art. 145-150) e coação (art. 151-155), todos previstos no Código Civil.
24 MARQUES, op. cit., p. 54-55.
20
mais partes contratantes, enquanto que os atos unilaterais dependem da vontade de
apenas uma das partes. Como manifestação dos primeiros, tem-se os contratos; e
dos segundos, tem-se como exemplo a promessa de recompensa.
Para existir e valer, o contrato não dispensa a dupla manifestação de vontades
na sua formação. Superada a fase da existência, o contrato pode ser classificado
como contrato unilateral ou bilateral (sinalagmático), conforme gere obrigações para
apenas um ou para todos os contratantes, respectivamente.
Assim, dentro da teoria dos negócios jurídicos, há distinção entre os atos
unilaterais25 e os bilaterais: aqueles se aperfeiçoam pela manifestação da vontade
de uma das partes, enquanto estes dependem da coincidência de dois ou mais
consentimentos. Os negócios bilaterais são os que decorrem de acordo de mais de
uma vontade, são os contratos. Portanto, o contrato é espécie do gênero negócio
jurídico. Para complementar, “o contrato é o acordo de vontades para o fim de
adquirir, resguardar, modificar ou extinguir direitos”.26
Resta destacar, que o contrato é o negócio jurídico (espécie de ato jurídico)
bilateral que tem por finalidade gerar obrigações entre as partes. Sob esse aspecto,
portanto, o acordo de vontades a que chegam as partes tem objetivo certo, efeito
este antevisto pelas partes (intuito negocial) que se consubstancia na criação,
modificação ou extinção de direitos.27
Com efeito, os atos jurídicos são todos os atos do homem, que se vinculam à
existência de um direito, e que podem por efeito criar uma relação jurídica, ampliar,
conservar ou proteger um direito já existente. Consiste na manifestação da vontade,
que visa a produção de efeitos jurídicos.
25 Conforme a doutrina de França, a declaração unilateral de vontade “é o ato jurídico em que a
manifestação da vontade do sujeito é feita com a intenção de se obrigar por si mesma, independentemente da aceitação do destinatário". Cf. FRANÇA, Rubens Limogi. Instituições de Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 867. E mais adiante considera, ainda que é “uma declaração unilateral da vontade (obrigatória por si mesma) em que o sujeito, publicamente, declara dever a quem quer que seja uma contraprestação, mediante a execução de ato ou fato”. Ibidem, p. 873).
26 RODRIGUES, 1999, p. 9. 27 SAMPAIO, Rogério Marrone. Direito Civil – contratos. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1999, p. 17.
21
Em linhas gerais, o contrato é um instrumento hábil que visa a auto-
regulamentação de interesses privados, via de regra contrapostos. A vontade deve
ser manifestada por dois pólos emissores, para que o encontro destas
manifestações seja capaz de gerar o contrato, conforme querido pelas partes, válido
e eficaz.
Efetivamente, o contrato é o instrumento jurídico que possibilita e regulamenta
o movimento de riquezas dentro da sociedade, ou seja, objetiva uma troca de
prestações entre as partes, um receber e prestar recíprocos. O contrato de compra e
venda, por exemplo, é um sinalagma, em que um contratante assume a obrigação
de pagar certo preço para alcançar a qualidade de proprietário, enquanto o outro
assume a obrigação de transferir um direito seu de propriedade. Essa idéia de troca,
de reciprocidade de obrigações e de direito serve para proporcionar o equilíbrio
mínimo das prestações e contraprestações, isto é, de direitos e deveres. Trata-se de
um instrumento que viabiliza os objetivos almejados pelas partes, pois a vontade
destina-se a um certo fim.28 Para a teoria jurídica, o contrato:
É um negócio jurídico por excelência onde por um consenso de vontade dirige-se para um determinado fim. É ato jurídico vinculante, que criará ou modificará direitos e obrigações para as partes contraentes, sendo tanto o ato como os seus efeitos permitidos e, em princípio, protegidos pelo direito.29
Porém, o contrato sofreu uma sensível evolução, numa sociedade massificada,
de consumo e industrializada como a atual, passando a ter não só uma função
econômica - centrada na teoria da vontade - mas é visto como instrumento jurídico
mais social, controlado e submetido a uma série de imposições cogentes, mais
eqüitativas,30 que serão analisadas a seguir.
1.2 As relações contratuais tradicionais
28 MARQUES, op. cit., p. 50. 29 Ibidem, p. 50-51. 30 Ibidem, p. 51.
22
A teoria liberal teve início com o Código Napoleônico, originário dos ideais
revolucionários franceses, o qual influenciou com seus valores e princípios as
codificações dos demais países - chamadas oitocentistas – eis que elaboradas,
precipuamente, nos anos de 1.800.31/32
O Código de Napoleão preconizava, sobretudo, a máxima liberdade individual,
mas, por outro lado, com a crescente industrialização que surgiu de forma
desordenada em face da não-intervenção do Estado, logo mostra a sua faceta
nefasta: a exploração da propriedade era irrestrita e incondicional, com o objetivo de
concentrar capital nas mãos de poucos, que, através do poder e do monopólio dos
meios de produção , estabeleciam unilateralmente as condições dos contratos,
tornando a liberdade de contratar num verdadeiro cárcere ao menos favorecidos,
que viam mitigadas as opções para a satisfação de suas necessidades (de trabalho
e de consumo), pois passaram a ser dependentes de grandes indústrias.33
A teoria clássica de contrato – individualista, liberal e centrada na idéia de
vontade - influenciou no pensamento jurídico, refletindo diretamente no Código Civil
de 1916. Na verdade, a concepção clássica de contrato não é fruto de um único
momento histórico, mas representa a evolução teórica do Direito após a Idade
31 O primeiro Código Civil Brasileiro não foi fruto do século XX, mas do século anterior. A Carta
Imperial de 1824 a previu como programa de governo, apesar de ter sido concluída em 1899, e remetido ao Congresso, em 1900. Sua base tem como fundamento o liberalismo de 1824. A primeira carta Republicana de 1891, igualmente liberal, pois esse era o modelo econômico vigente à época,, com destaque da propriedade imobiliária rural, própria da burguesia latifundiária da cafeicultura. Nestas bases, surge o Código Civil brasileiro. Cf. NALIN, Paulo. Do contrato: conceito pós-moderno em busca de sua formulação na perspectiva civil-constitucional. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2006, p. 41-42.
32 Em 1804 entrou em vigor, na França, o Código de Napoleão. Trata-se de um acontecimento fundamental, que teve ampla repercussão e produziu uma profunda influência no desenvolvimento do pensamento jurídico moderno e contemporâneo. Na verdade, a codificação surgiu por obra do pensamento iluminista, na segunda metade do século XVIII, ou seja, há apenas dois séculos o direito se tornou codificado. As duas codificações que tiveram grande influência no desenvolvimento da nossa cultura foi a justianiana e a napoleônica. Na obra de Justiniano foi fundado o direito comum romano na idade média e na moderna; o Código de Napoleão, por sua vez, teve influência na codificação dos dois últimos séculos. Cf. BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. Compiladas por Nello Morra; Tradução e notas Márcio Pugliesi, Edson Bini, Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 1995, p. 63. Para complementar, a Revolução Francesa foi um marco histórico que influenciou diretamente no Direito Civil brasileiro e nas demais codificações do mundo, com idéias individualistas e voluntaristas, ou seja, a autonomia da vontade era o valor preponderante, supremo daquela época.
33 BIERWAGEN, Mônica Yoshizato. Princípios e regras de interpretação dos contratos no novo Código Civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 37-38.
23
Média, bem como a evolução social e política do século XVIII e XIX, com o
nacionalismo crescente e o liberalismo econômico.34
O Código Civil estava amparado no princípio da liberdade e da igualdade
formal35 de um período de estabilidade social, política e econômica. O Direito
privado tratava de regular, do ponto de vista formal, os sujeitos de Direito,
principalmente o contratante e o proprietário, para poder contratar, fazer circular
riquezas, adquirir bens, sem restrições ou entraves legais.36
Na concepção contratual clássica – do liberalismo e voluntarismo no direito - as
leis tinham a função principal de proteger a vontade e os efeitos dos contratos.
Portanto, a lei limitava-se a proteger uma teórica autonomia, igualdade e liberdade
no âmbito formal, desconsiderando por completo a situação econômica e social dos
contraentes. Esta concepção infuenciou as grandes codificações do Direito e
repercutiu no pensamento jurídico do Brasil, sendo aceita e positivada pelo Código
Civil Brasileiro de 1916.37,38
34 Toda concepção individualista do Direito nasceu no século XVIII, com a Revolução Francesa, que
teve entre seus objetivos a defesa dos direitos do homem, reduzindo os privilégios da realeza e do clero.
35 A liberdade formal culminou, em verdade, com a ‘exploração do mais fraco pelo mais forte. Estando o Estado ausente da regulação econômica e possuindo as pessoas, consideradas iguais, aqui considerado unicamente o seu caráter formal, ampla liberdade de contratar. [...] Consumou-se, em conseqüência aquilo que Lôbo chama de darwinismo jurídico, com a hegemonia dos economicamente mais fortes, até porque as constituições deste período limitavam-se a determinar o Estado mínimo, sem maiores interferências no plano econômico e nada regulando sobre as relações privadas.’ Cf. REIS, Jorge Renato dos. A Constitucionalização do direito privado e o novo Código Civil. In: LEAL, Rogério Gesta. (Org.). Direitos Sociais e Políticas Públicas: desafios contemporâneos. Tomo 3. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2003, p. 775-776.
36 TEPEDINO, 1999, p. 2. 37 MARQUES, 2005. p. 52. 38 Todas as influências do Iluminismo jusracionalista permearam o Código Civil de 1916, apesar da
influência da escola pandectística alemã (parte especial e parte geral). Do ponto de vista material, prevaleceu a influência do Código Napoleônico, notadamente no que diz respeito ao direito das obrigações. Ambas as escolas serviram ao interesse da mesma classe. Para a Constituição Imperial do Brasil, de 1824, Teixeira de Freitas foi convidado para consolidar as leis civis brasileiras, em fevereiro de 1855. Em 1860 é trazido um esboço do Código Civil. O fato é que em 1872 foi rescindido o contrato entre o Império e Teixeira de Freitas, o qual havia formulado uma concepção considerada moderna. Clóvis Bevilácqua – que foi influenciado pelos ideais liberais - foi convidado em 1899 para elaborar o novo projeto do Código Civil brasileiro, o qual foi apresentado no mesmo ano e sofreu duras críticas de Ruy Barbosa. Em 1.900 iniciou sua tramitação no Congresso Nacional, sendo sancionado somente em 1916 pelo então presidente Wenceslau Brás, entrando em vigor em 01.01.1917. A organização política no Brasil era formada basicamente por uma sociedade colonial, constituída por famílias que detinham a propriedade territorial e o monopólio do mando, o que fez com que o Código Civil daquela época refletisse os interesses da elite (classe senhoral). Cf. GOMES, Rogério Zuel. Teoria contratual contemporânea: função social do contrato e boa-fé. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 39-41.
24
Sendo assim, afirmava-se que o Código Civil era a Constituição do Direito
privado, pois era o instituto que regulava as relações patrimoniais, resguardando-se
contra a ingerência do poder público ou de particulares que dificultassem a
circulação de riquezas. O Direito Constitucional não interferiria na esfera privada,
sendo o Código Civil o estatuto único e monopolizador das relações privadas. O
Código almejava a completude, regulando-se todos os possíveis centros de
interesse jurídico de que o sujeito privado viesse a ser titular.39
Desta forma, as codificações do século XIX e, portanto, o Código Civil de 1916
foi caracterizado pela completude, ou seja, ‘o mundo da segurança’40, que
descartava a utilização de fontes de integração heteronômicas, constituindo-se num
modelo fechado, completo e auto-suficiente.
Segurança – é de sublinhar – não no sentido dos resultados que a atividade privada alcançaria, senão quanto à disciplina dos resultados que a atividade privada alcançaria, senão quanto à disciplina balizadora dos negócios, quanto às regras do jogo. Ao direito civil cumpriria garantir à atividade privada, e em particular ao sujeito de direito, a estabilidade proporcionada por regras quase imutáveis quase imutáveis nas suas relações econômicas. Os chamados riscos do negócio, advindo do sucesso ou do insucesso das transações, expressariam a maior ou menor inteligência, a maior ou menor capacidade de cada indivíduo.41
Esta teoria econômica preconizava a livre movimentação das riquezas na
sociedade, sendo que essa movimentação somente era possível com a garantia de
liberdade contratual como valor máximo, ou seja, o contrato traria uma natural
eqüidade, proporcionalidade e harmonia social e econômica, se fosse assegurada a
liberdade contratual. O contrato seria justo e eqüitativo por sua própria natureza.42
O modelo do synalagma serve como base para esta visão econômica do contrato, a qual reafirmará ser este precipuamente um instrumento de troca do “inútil” pelo “útil”, visando a realização dos interesses individuais daqueles que contrataram. Note-se aqui uma dupla função econômica: instrumentalizar: a livre circulação das riquezas na sociedade, e ao mesmo tempo indicar o valor de mercado de cada objeto cedido (sua nova “utilidade”). Evolui-se, assim, para considerar o contrato menos um
39 TEPEDINO, 1999, p. 3. 40 Expressão utilizada por TEPEDINO, op. cit., p. 3. 41 Ibidem, p. 3. 42 MARQUES, 2005, p. 59.
25
instrumento de troca de objetos, mas sim uma troca de valores .43 (grifo nosso).
A expressão atribuída a Fouillé, no século XIX, segundo a qual qui dit
contractuel, dit juste44, representa bem o paradigma liberal, a economia liberal
reclamava modelo jurídico que, assentando sobre a liberdade formal dos indivíduos,
garantisse ampla liberdade contratual, instrumento de acesso da burguesia à
propriedade e instrumento da contratação da mão-de-obra necessária ao comércio e
à indústria, que substituíam o perfil econômico agrário do feudalismo.45
Não se pode olvidar, que o Código francês serviu de base para legislação de
inúmeros países, constituindo-se numa grandiosa novidade e um grande avanço
para a sociedade. Todavia, não foi eterno, como preconizava Napoleão, ao afirmar
que “Minha glória não é ter vencido 40 batalhas; que me ofuscará, o que viverá
eternamente, é meu Código Civil”. Talvez o grande erro de Napoleão tenha sido o de
exagerar a nova concepção da propriedade, o que era necessário para rechaçar a
concepção feudal. Esses excessos são plenamente compreensíveis a emoção do
momento histórico, que levou o imperador francês a decretar de modo absoluto,
irrestrito e incondicional o direito de propriedade.46
O Código de Napoleão era o código dos fortes, o qual desconhecia o interesse dos débeis, a epopéia dos burgueses, era a vontade dessa classe que se manifestava no seu conteúdo sob o pálio da autonomia da vontade. Neste contexto histórico-filosófico de repúdio à justiça distributiva é que a teoria contratualista fez brotar os fundamentos do direito privado moderno, que se desenvolveram e vigoram até o início do século XX.47
Outra contribuição decisiva para a visão clássica do contrato foi a do direito
canônico, ao defender a validade e a força obrigatória da promessa, em detrimento
do formalismo exagerado e da solenidade que caracterizava o direito romano, de
modo que a palavra declarada conscientemente criava uma obrigação de caráter
moral e jurídico para o indivíduo.48
43 Ibidem, p. 59-60. 44 A expressão significa: “quem diz contratual, diz justo.” 45 GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. Função social do contrato: os novos princípios contratuais. São
Paulo: Saraiva, 2004, p. 31. 46 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Direito Civil: estudos. Belo Horizonte: Del Rey,
2000, p. 102. 47 GOMES, 2004, p. 35 48 MARQUES, 2005, p. 55-56.
26
A função das leis referentes aos contratos era a de proteger esta vontade
criadora e assegurar a realização dos efeitos pretendidos pelas partes contratantes,
sendo que a tutela jurídica era muito limitada, ou seja, protegia apenas a teórica
autonomia, a igualdade e a liberdade no momento de contratar, desconsiderando-se,
por completo, o aspecto social e econômico das partes envolvidas.49
O contrato, inegavelmente, foi, nessa época, fundamental ao grande progresso
econômico mundial, em especial dos países ocidentais, ao possibilitar mais
segurança nos negócios, incrementando a lei da oferta e da procura, embora não
tivesse protegido os socialmente mais fracos, o que se verifica pelas acentuadas
diferenças sociais e econômicas existentes à época nos países europeus. O
liberalismo do século XIX e XX fez do contrato o mais importante dos negócios
jurídicos realizados entre pessoas, vinculando as partes juridicamente, mas nem
sempre de forma equânime, justa e ética.50
As concepções burguesas de igualdade e liberdade formal-jurídica são os
pensamentos fundamentais de seu direito patrimonial. Ele conhece somente sujeitos
jurídicos; apenas pessoas, considerando-as livres, cada uma comprometida por sua
livre decisão. As obrigações são contraídas de livre e espontânea vontade, como um
grande mercado, no qual tudo pode se transformar em mercadoria. A liberdade do
contrato é um dos pensamentos fundamentais do direito patrimonial, o outro a
liberdade de propriedade, a liberdade de fazer com sua propriedade o que bem
quiser. Porém, se desconhece que a liberdade contratual e propriedade privada não
são combináveis entre si. Esses valores não significam um poder sobre as coisas,
mas uma força sobre os homens, e que liberdade contratual significa liberdade para
aqueles que possuem esse poder, mas impotência contra aquele a quem se dirige.51
Para essa teoria tradicional e/ou clássica do contrato, que preconiza o
liberalismo econômico, o contrato era considerado um dos mais importantes 49 Ibidem, p. 52. 50 DONNINI, Rogério Ferraz. A Constituição Federal e a concepção social do contrato. In: VIANA, R.
G. C.; NERY, R. M. A. (Org.). Temas atuais de Direito Civil na Constituição Federal. São Paulo: RT, 2000, p. 70.
51 RADBRUCH, Gustav. Introdução à ciência do direito. Tradução de Vera Barkow. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 79.
27
institutos jurídicos, pois permitia a circulação de riquezas. A idéia de liberdade
contratual permitiu que os indivíduos agissem de maneira autônoma e livre no
mercado, criando a livre concorrência. De outro lado, em face de uma economia livre
e descentralizada, deveria ser assegurada a cada contratante a maior
independência possível para se auto-obrigar nos limites que desejasse, ficando
apenas adstrito à observância da pacta sunt servanda. O consenso, a vontade do
indivíduo e os limites desta vontade (interna ou declarada), eram considerados o
centro das relações jurídicas. Além disso, de acordo com o dogma da liberdade
contratual, encontrava-se a função ‘protetora’, ou seja, na visão liberal, o Estado
deveria abster-se de qualquer intervenção nas relações entre indivíduos.52
Neste contexto, é que surgem os direitos fundamentais de primeira dimensão
ou geração, que protegem o homem em seu estado individual, buscando a
preservação da sua dignidade e de sua liberdade. O Estado Liberal surge
absenteísta (não intervencionista), com uma obrigação negativa, pois o homem
passa a ser o centro das decisões políticas e, em oposição ao Estado absolutista,
não aceita qualquer ingerência estatal na sua esfera particular, salvo em raros
momentos e com grande restrição. Portanto, “O liberalismo se apresentou como uma
teoria antiestado. O aspecto central de seus interesses era o indivíduo e suas
iniciativas. A atividade estatal, quando se dá, recobre um espectro reduzido e
previamente reconhecido.”53
Os direitos fundamentais de primeira dimensão surgem, nas primeiras constituições, com o objetivo de proteger o indivíduo frente ao Estado. Tem sua origem no pensamento liberal-individualista-burguês do direito francês, caracterizado como um direito de defesa, determinando a não-intervenção do Estado.54
Estes direitos não eram nada mais que deveres de abstenção do Estado – que
deveria manter-se inerte para não viola-los, eis que o mesmo era visto como um
adversário da liberdade. Nota-se, pois, que a noção desses direitos teve origem na
garantia de liberdade do indivíduo frente ao Estado (ente superior em relação aos
titulares dos direitos a ele subordinados), com uma eficácia vertical.
52 MARQUES, 2005, p. 61. 53 MORAIS, J. L. B.; STRECK, L. L. Ciência Política e Teoria Geral do Estado. 3. ed. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2003. p. 56. 54 REIS, 2004, p. 995.
28
A finalidade principal do Estado de Direito oitocentista – o Estado Liberal de
Direito – era a de impedir a arbitrariedade (abuso de poder) do Estado contra os
indivíduos e a sociedade civil. Os direitos fundamentais e a separação dos poderes
apresentavam-se como mecanismos constitucionais que limitavam o poder do
Estado. Outra característica era o princípio da legalidade, que concebia a lei como
instrumento de garantia dos direitos individuais. Nesta perspectiva, os direitos
fundamentais não operavam direta e imediatamente (não eram autônomos); eram
concebidos como diretrizes ou pautas políticas e menos como normas jurídicas
vinculantes.55
Assim, o Estado aparece como mínimo, ou seja: “O papel do Estado é
negativo, no sentido da proteção dos indivíduos. Toda a intervenção do Estado que
extrapole estas tarefas é má, pois enfraquece a independência e a iniciativa
individuais.”56 Segundo esta concepção, o contrato é sempre justo, porque, se foi
querido pelas partes, resultou da livre apreciação, presumindo-se o equilíbrio das
prestações. Partindo-se da idéia de que o contrato é justo, os contratantes contavam
com uma ampla liberdade de contratar, que só era limitada por normas de ordem
pública e pelos bons costumes. Daí surgiu o princípio da legalidade, segundo o qual
é “permitido tudo que não é proibido”.57, 58 À vista do exposto, a atividade do juiz
limita-se a apuração da vontade dos contratantes, em um processo de pura
reconstituição.
1.3 A dicotomia entre o Direito público e o Direito pri vado
A época liberal-individualista-patrimonialista foi caracterizada pela dicotomia
existente entre o Direito público e o Direito privado, pois o primeiro era o ramo que
disciplinava o Estado, sua estruturação e funcionamento, ao passo que o Direito
55 STEINMETZ, 2004, p. 73. 56 MORAIS, J. L. B; STRECK, L. L., 2003, p. 56. 57 Assim é que surgem as expressões: “Tudo o que não é proibido, é permitido” (no Direito privado),
ao passo que “Tudo o que não for permitido por lei, é proibido” (no Direito público). 58 BESSONE, Darcy. Do contrato: teoria geral. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 25-26.
29
privado era compreendido como o ramo que disciplinava as relações entre as
pessoas privadas, a sua capacidade, estado, família, propriedade, sob o signo da
liberdade.
A doutrina liberal dos direitos humanos consolidou dois sistemas diferentes
para a proteção da liberdade humana, ou seja, nas relações entre Estado e indivíduo
– valia a Constituição, enquanto que no campo privado, prevalecia o Código Civil,
que desempenhava a função de constituição da sociedade civil.59
À Constituição caberia ordenar as relações públicas, onde participasse o poder
público, e proteger o indivíduo frente ao poder de império do Estado. Isto explica que
as normas constitucionais não se supunham aplicáveis às relações entre
particulares, dotados de igual capacidade jurídica. Assim, o paralelismo entre o
Direito Civil e o Direito Constitucional ficava representado por duas “Constituições”: a
Constituição era dirigida à disciplina da vida pública, ao passo que o Código Civil
disciplinava as relações privadas, sendo reconhecido, portanto, como a Constituição
privada, baseada na propriedade e no contrato.60
Este era o denominado “modelo da incomunicabilidade”, ou seja, Constituição
e Código Civil andavam paralelos, como mundos que não se tocavam, senão sob o
aspecto formal. Afora esses pontos de contato formais, os dois principais estatutos
normativos da vida na cives pouco se relacionavam, pois configuravam campos
diversos: um, o estatuto do Estado e do homem político, outro, o estatuto da
sociedade civil e do cidadão-proprietário. Os objetivos eram diversos, como diversas
eram as matérias que continham: conformavam dois mundos apartados, e apartados
eram também valorativamente, à Constituição cabendo tratar de interesse do
Estado, ao Código Civil, cuidar dos interesses do indivíduo.61
1.4 Os princípios contratuais tradicionais
59 SARMENTO, 2004, p. 27. 60 NEGREIROS, 2006, p. 49. 61 COSTA, Judith Martins. Os direitos fundamentais e a opção culturalista do novo Código Civil. In:
SARLET, Ingo Wolfgang. (Org.). Constituição, direitos fundamentais e direito privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 65-66.
30
Inegavelmente, os princípios contratuais da época liberal diferem bastante dos
princípios atuais, no que se refere ao seu conteúdo e objetivos, motivo pelo qual se
faz necessário estudá-los, a fim de traçar um paralelo entre eles. De forma breve, há
que se estabelecer o que significa “princípio”.
Princípios são noções basilares e genéricas de um sistema, que condicionam e determinam a interpretação, o controle e a própria criação de novas normas, mais específicas, permitindo um raciocínio estruturado e coerente, sem, no entanto, permitir um fechar-se em si mesmo. Como valores que são, provêm do estudo da sociedade, do meio em que estão inseridos.62
Na visão clássica havia, basicamente, três princípios fundantes da disciplina do
Direito contratual: a liberdade das partes (ou da autonomia da vontade), que
compreende a plena liberdade de contratar, do que contratar e de com quem
contratar. Indiscutivelmente, a autonomia da vontade foi a base de um conceito
absoluto, constituindo-se num instrumento de afirmação econômica da classe
burguesa.
Nesta fase, predominavam, também, o princípio da força obrigatória do
contrato (pacta sunt servanda ou da intangibilidade dos contratos) e o princípio da
relatividade de seus efeitos, ou seja, o contrato não prejudica nem favorece
terceiros, além das partes contratantes. Para alguns autores, haveria de se
acrescentar ainda o princípio do consensualismo ou da supremacia do interesse
público.
1.2.1 O princípio da autonomia da vontade 63
62 SANTOS, Eduardo Sens dos. A função social do contrato. Florianópolis: OAB/SC editora, 2004, p.
70. 63 Importante destacar, desde o início, que a Constituição atual não contêm disposição com referência
expressa e direta à autonomia privada ou à liberdade contratual, o que não significa que a autonomia privada não tenha fundamento constitucional, ou seja, não quer dizer que não seja um princípio ou bem constitucionalmente protegido. STEINMETZ, 2004., p. 199.
31
Em primeiro lugar, faz-se necessário destacar que as expressões “autonomia
privada” e “autonomia da vontade” não se confundem, apesar de a doutrina não ter
chegado a um consenso, seja quanto ao seu significado, seja quanto a sua origem.
Nesta perspectiva, há um nexo entre a autonomia privada e liberdade contratual, de
modo que na doutrina pátria, toma-se uma pela outra.
A autonomia privada, reportada ao Direito contratual, consiste no poder
atribuído às pessoas de, por meio de contratos, auto-regularem os seus interesses,
estando relacionada ao princípio da liberdade contratual. Exprimem uma mesma
realidade, embora o princípio da autonomia da vontade sempre esteve presente no
modelo clássico de contrato, no qual o poder era exacerbado. Portanto, a expressão
“autonomia privada” é mais genérica, não estando essencialmente associada ao
voluntarismo e ao individualismo jurídicos.64
Un vicio más pernicioso aun, puesto que parece una excelente virtud, es el principio de autonomia de la voluntad predominante en nuestro Código civil, que constituye la herencia del individualismo. [...] La voluntad es libre; ella constituye las obligaciones, las disuelve a su grado; su solo límite es lo inmoral, lo ilícito, justamente prohibidos. Los admiradores del Código, principalmente en esta parte, manifestan su entusiasmo. En esto se funda el gran principio económico de la oferta y la demanda, aplicable lo mismo con respecto al capital que en materia de trabajo. El Código civil, siendo como es un Código burgués, ha establecido en este punto algunas restricciones, pero solamente á favor del capital; por ejemplo, en la rescisión por lesión.65
Assim, a ‘autonomia da vontade’ designa uma construção ideológica, datada
dos finais do século XIX, por alguns juristas para opor-se aos excessos de
liberalismo econômico, ao passo que a ‘autonomia privada’ é um poder reconhecido
pelo ordenamento jurídico aos particulares, e nos limites traçados pela ordem
jurídica, de auto-regular os seus interesses, estabelecendo certos direitos e
obrigações, seja as normas criadas pela autonomia privada – as quais tem conteúdo
64 NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato: novos paradigmas. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006,
p. 3 (em nota de rodapé). 65 LA GRASSERIE, Raoul de. Principios Sociológicos del Derecho Civil. Hijos de Réus editores:
Madrid, 1908, p. 541. Conforme a tradução livre que fizemos: “Um vício, que parece uma excelente virtude, é o princípio da autonomia da vontade predominante em nosso Código Civil, que constitui a herança do individualismo. [...] A vontade é livre, ela constitui as obrigações, e as dissolve a seu grau; seu único limite é o imoral, o ilícito, justamente proibidos. Os admiradores do Código, principalmente nesta parte, manifestam seu entusiasmo. Nisso se funda o grande princípio econômico da oferta e a demanda, aplicavel ao mesmo tanto com relação ao capital que em matéria de trabalho. O Código Civil, como sendo um código burguês, tem estabelecido neste ponto algumas restrições, mas somente a favor do capital; por exemplo, na rescisão por lesão.”
32
próprio, determinado pelas normas estatais (normas heterônomas, legais ou
jurisdicionais) que as limitam, subtraindo ao poder privado autônomo certas matérias
reservadas à regulação pelo Estado.66
Nesta concepção, Steinmetz utiliza a expressão “autonomia privada” como
princípio fundamental. Trata-se de um poder atribuído pela ordem jurídica aos
particulares para que, livres e soberanos, auto-regulamentem os seus próprios
interesses; como um poder de autodeterminação e de autovinculação dos
particulares. Manifesta-se com maior ou menor intensidade nos diferentes âmbitos
materiais de regulação do Direito privado. Fica evidente que esse princípio não é
uniforme, não tendo sempre a mesma relevância.67
De acordo com Rodrigues, o princípio da autonomia da vontade “consiste na
prerrogativa conferida aos indivíduos de criarem relações na órbita do direito, desde
que se submetam às regras impostas pela lei e que seus fins coincidam com o
interesse geral, ou não o contradigam”. Ocorre que a liberdade concedida ao
indivíduo – de contratar o que entender – sempre encontrou limitação na idéia de
ordem pública, eis que prevalece o interessa da comunidade, em caso de colisão de
interesses.
A autonomia privada é a capacidade de determinar seu próprio comportamento
individual, envolve aspectos ligados a escolhas existenciais.68 Não cabe ao Estado,
à coletividade ou mesmo à Constituição estabelecer os fins que cada pessoa deve
perseguir, mas cabe a cada pessoa determinar os rumos de sua existência, de
acordo com as preferências subjetivas. É uma dimensão ampla de liberdade.69
Portanto, a autonomia privada recebe a proteção da ordem constitucional, que
é muito mais visível quanto às escolhas existenciais do que no campo
patrimonial/econômico, como é o caso, por exemplo, de uma relação de um
66 MARTINS-COSTA, Judith. Mercado e solidariedade Social entre Cosmos e Táxis: a Boa-fé nas
relações de Consumo. In: ______ (Org.). A reconstrução do Direito Privado. São Paulo: RT, 2002, p. 614-615.
67 STEINMETZ, 2004, p. 189-191, passim. 68 Temos como exemplo de liberdades existenciais, a privacidade, a liberdade de comunicação e
expressão, de religião, de associação e de profissão – indispensáveis para uma vida digna. 69 SARMENTO, 2004, p. 174-175.
33
hipossuficiente com outro mais poderoso, ou seja, até que ponto esta relação é
produto da liberdade, ou se trata do produto de constrangimentos externos, de
origem econômica e social?70
Esta é uma idéia essencial da dignidade da pessoa humana e pressuposto da
democracia, pois sem ela, não pode o cidadão fazer suas escolhas. No entanto, a
autonomia privada não é absoluta, e tem de ser conciliada com o direito de outras
pessoas, e também valores próprios de um Estado Democrático de Direito. Caso
contrário, todos seriam condenados a viver na anarquia.71
Do exposto, deduz-se que a autonomia da vontade possui uma conotação
mais subjetiva, psicológica, presente na concepção clássica dos contratos,
nitidamente liberal. Já a autonomia privada é um poder mais genérico, objetivo,
concreto e real, portanto, mais moderno.
Na ciência jurídica do século XIX, a autonomia da vontade era a pedra angular do Direito. A concepção de vínculo contratual está centrada na idéia de valor da vontade, como elemento principal, como fonte única e como legitimação para o nascimento de direitos e obrigações oriundas da relação jurídica contratual.72
Segundo a teoria liberal, a função das leis era a de proteger a vontade e
assegurar a realização de seus efeitos, desconsiderando-se, por completo, a
situação econômica ou social das partes envolvidas. O Código Civil de 2002 ainda
mantém algumas características da linha voluntarista, no que se refere às
obrigações contratuais em geral, como os vícios de vontade, que têm o intuito
principal de proteger a vontade. Portanto, “somente a vontade livre e real, isenta de
vícios ou defeitos, pode dar origem a um contrato válido, fonte de obrigações e de
direitos.”73
A doutrina da autonomia da vontade preconiza que a tem por única fonte a
vontade das partes, a qual é considerada o elemento nuclear, a fonte de legitimação
70 Ibidem, p. 176. 71 Ibidem, p.188-189. No que concerne à autonomia negocial, as intervenções legislativas são
necessárias, principalmente numa sociedade desigual e de massas, em que se torna imperativo proteger as partes fracas da relação, e, assim, corresponder aos interesses da coletividade.
72 MARQUES, 2005, p. 51. 73 MARQUES, 2005, p. 54.
34
da relação jurídica contratual. Desta forma, a força obrigatória dos contratos
originou-se a partir da vontade, sendo que a lei colocava à disposição das partes os
instrumentos que asseguravam o cumprimento das promessas, pois a vontade
criadora do contrato tinha que ser livre de vícios74 ou defeitos. Daí originou-se a
teoria do vícios de consentimento.75
Desta forma, a validade e a eficácia do contrato dependem da vontade, sendo
que até mesmo a anulabilidade, prevista no art. 171 do Código Civil, refere-se à
teoria da vontade, pois, ao contrário da nulidade – que pode ser declarada de ofício -
, a anulabilidade requer o interesse da parte, antes da prescrição.76
Para Roppo, esta ideologia da liberdade de contratar (que se desenvolveu a
partir do jusnaturalismo e do Iluminismo), corresponde a valores positivos de
progresso. De um lado, desamarra o indivíduo das corporações, dos vínculos
feudais, garantindo-lhe a abstrata possibilidade, igual para todos (sob o aspecto
formal), de desenvolver a livre iniciativa. De outro lado, configura um instrumento
funcionalizado para operar do modo de produção capitalista, realizando o interesse
capitalista (e não o interesse geral de toda a sociedade).77
Na teoria do Direito, a liberdade contratual encontra obstáculo apenas nas
regras imperativas, mas no direito contratual tradicional essas regras são raras e têm
74 Todo e qualquer ato jurídico depende da vontade humana livre, séria e consciente, a qual se
constitui o elemento essencial, que pode levar à anulação de determinado ato jurídico, tornando-o ineficaz. “O ato jurídico é o ato lícito da vontade humana capaz de gerar relações na órbita do direito. Se o ato jurídico é fundamentalmente um ato de vontade, para que ele se aperfeiçoe mister se faz que essa vontade se externe livre e consciente. Se tal inocorre, falta o elemento primordial do ato jurídico, que, por conseguinte, é suscetível de ser tornado sem efeito. De fato, se o consentimento, reflexo da manifestação volitiva, vem inquinado de um vício que o macula, a lei, no intuito de proteger quem o manifestou, permite-lhe promover a declaração de ineficácia do ato gerado pela anuência defeituosa. Cf. RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil - Parte geral. 30. ed. São Paulo: Saraiva, 2000, v. 1. p. 183-184). Aliás, todos os atos que tem sua declaração de vontade viciada estão sujeitos à anulação, conforme o disposto no art. 171, inciso II, do Código Civil brasileiro. Neste sentido, os vícios de consentimento são os seguintes: erro substancial (art.138-144), dolo (art. 145-150), coação (art. 151-155). Além destes, ainda há os vícios sociais, em que há perfeita correspondência entre a vontade interna e a sua declaração, mas desvia-se da lei e da boa-fé, com o intento de prejudicar terceiros, enquanto que nos vícios de consentimento há disparidade entre a vontade do agente e a sua declaração. Incluem-se nessa modalidade a simulação (art.167), a fraude contra credores (art. 158-165). Além desses vícios, ainda foram inseridos mais dois tipos: a lesão (art.157) e o estado de perigo (art.156).
75 Ibidem, p. 60. 76 Ibidem, p. 63 77 ROPPO, Enzo. O contrato. Tradução de Ana Coimbra e M. Januário C. Gomes, Coimbra:
Almedina, 1988, p. 36-39, passim.
35
a função de proteger a vontade dos indivíduos, pois se restringirem a fornecer
parâmetros para a interpretação correta da vontade das partes e a oferecer regras
supletivas.78
Com efeito, o princípio da autonomia da vontade parte do pressuposto de que
os contratantes se encontram em condições de igualdade, e que, portanto, são livres
de aceitar ou rejeitar os termos do contrato. Mas isso nem sempre é verdadeiro, pois
a igualdade que reina no contrato é puramente teórica e, via de regra, enquanto o
contratante mais fraco, no mais das vezes, não pode fugir à necessidade de
contratar79, o contratante mais forte levava uma sensível vantagem no negócio, pois
é ele quem ditava as condições do ajuste.
Segundo Consetini, citado por Bessone: “há igualdade de direito e
desigualdade de fato”. Por isso, a liberdade não deve ser o princípio supremo dos
contratos. Para que o contrato seja realmente livre, é necessário repartir,
eqüitativamente, a liberdade entre os contratantes. A igualdade (efetiva) deve ser,
pois, o corretivo da liberdade. A liberdade constitui-se num privilégio da minoria e um
meio de opressão, em prejuízo da maioria. É necessário que a liberdade não seja
um capricho, nem o exercício de uma força individual, nem uma faculdade ilimitada
de satisfazer suas próprias utilidades, mas, ao contrário, que se subordine sempre
aos interesses sociais, às relações da vida em comum, e reconheça um valor
absoluto à personalidade humana. Por isso, não se pode conceber que pessoas de
poder desigual sejam tratadas do mesmo modo, sob pena de consolidar a
desigualdade e impossibilidade de realizar-se a verdadeira justiça. Assim, o critério
de justiça é a igualdade de direitos. Os princípios da igualdade e da liberdade devem
ser compreendidos em consonância com as necessidades sociais. Deve haver uma
harmonia entre a autonomia individual e a solidariedade social que repousa o grande
ideal da sociedade humana. Deve ser levado em consideração a finalidade social do
Estado e a harmonia entre a moral individualista com a moral social, transformando
os Códigos de puro Direito privado em Códigos de Direito privado social.80
78 MARQUES, 2005, p. 62. 79 Destaca-se as grandes empresas que detém o monopólio de serviços básicos, como a energia
elétrica, caso em que a parte hipossuficiente ou mais vulnerável não pode se abster de contratar. 80 COPSETINI apud BESSONE, 1997, p. 34-35.
36
A mudança nas relações contratuais fez com que surgissem pactos que não
refletissem o real pensamento de um contratante. Conseqüência da necessidade
econômica ou da situação de inferioridade em que se encontra determinado
contratante, não realizando, assim, um pacto por livre e espontânea vontade.81
Para a concepção do contrato era necessário o requisito da liberdade de
contratar ou de se abster de escolher o parceiro contratual, o conteúdo e a forma do
contrato. É a chamada liberdade contratual.
A liberdade contratual – a idéia de autonomia de vontade está estreitamente ligada à idéia de uma vontade livre, dirigida pelo próprio indivíduo sem influências externas imperativas. A liberdade contratual significa, então, a liberdade de contratar ou de se abster de contratar, liberdade de escolher o seu parceiro contratual, de fixar o conteúdo e os limites das obrigações que quer assumir, liberdade de poder exprimir a sua vontade na forma que desejar, contando sempre com a proteção do direito.82
Portanto, a teoria tradicional, mesmo com a igualdade das partes, permitia
vantagens a favor da parte mais forte da relação contra a parte hipossuficiente,
gerando um flagrante desequilíbrio contratual. Cumpre observar que o individualismo
contratual ou formalismo entrou em decadência, porque não correspondeu às
expectativas da sociedade, e tampouco conferiu a segurança necessária às relações
jurídicas, visto que preconizou a igualdade formal (idealizada pela teoria do
absolutismo da vontade nas relações contratuais), a qual difere bastante da
igualdade real/material.
1.2.2 O princípio da pacta sunt servanda ou força obrigatória dos pactos
No direito egípcio e mesopotâmico, a palavra dada obrigava as partes quando
era invocado o nome do Faraó, que, caso não fosse cumprido, implicava em severas
penas. O não-cumprimento despertava a crença de que a ira dos deuses poderia
desencadear males maiores, como secas, enchentes, pragas, motivo pelo qual o
81 ZINN, Rafael Wainstein. O contrato em perspectiva principiológica. In: ARONNE, Ricardo. (Org.).
Estudos de Direito Civil – constitucional. V. I. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 114. 82 MARQUES, 2005, p. 60.
37
inadimplente era sacrificado. O credor poderia transformar o devedor em escravo,
conforme o Código de Manu. A forma também era importante, pois com a repetição
de certas frases é que se alcançava a proteção divina.83
O contrato, uma vez estabelecidos os requisitos legais tornava-se obrigatório
entre as partes, ou seja, “o contrato vai constituir uma espécie de lei privada entre as
partes, adquirindo força vinculante igual a do preceito legislativo, pois vem munido
de uma sanção que decorre das norma legal, representada pela possibilidade de
execução patrimonial do devedor”.84
Assim, o princípio da pacta sunt servanda ou força obrigatória dos pactos
fundamenta-se na segurança das relações jurídicas e na idéia de que o contrato faz
lei entre as partes, já que no momento em que for declarada essa vontade, não mais
era permitido escusar ao seu cumprimento. O próprio Estado criava leis, a fim de
tornar obrigatório o cumprimento daquilo que foi acordado entre as partes, pois
dentro da visão clássica ou liberal do contrato, a força obrigatória era reconhecida
pelo Direito e imposta à tutela jurisdicional, ou seja, as cláusulas contratuais não
podiam ser alteradas pelo juiz.
Há um velho aforisma jurídico que se constitui em um dos fundamentos do direito: pacta sunt servanda. Essa regra emana da própria essência da relação contratual e justifica o próprio liberalismo do século XX, pois, se as partes optaram por se vincularem livremente, devem honrar o que pactuaram. Ou seja, a força vinculante do contrato tem seu cerne em duas importantes combinações: na expressão da liberdade de os indivíduos regularem seus próprios interesses e na boa fé que impõe o cumprimento do acordo de vontades.85
Morin já dizia que a força obrigatória do contrato geraria uma anarquia social
se o único princípio de disciplina social fosse o de que o indivíduo depende somente
dele próprio. O homem tende a ser menos ligado a si mesmo e mais ligado aos
outros.86
83 SANTOS, 2004, p. 20. 84 RODRIGUES, 1999, p. 17. 85 ELESBÃO, Elsita Collor. Princípios informativos das obrigações contratuais civis. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2000, p. 155. 86 MORIN apud BESSONE, 1997, p. 35.
38
Caso houvessem motivos que determinassem a apreciação do contrato pelo
juiz, este deveria limitar-se à determinação de sua nulidade ou de sua resolução,
jamais à modificação do seu conteúdo. Eventual intervenção judicial no contrato
feriria a própria liberdade de contratar. A regra era o cumprimento daquilo que foi
acordado, sob pena de acarretar sanção de ordem patrimonial (perdas e danos),
contra o inadimplente. Esse princípio tinha fundamento na liberdade de contratar.
1.2.3 O princípio do consensualismo
Os contratos consensuais eram a exceção no Direito romano, sendo que a
regra do consensualismo se desenvolveu de fato, por influência do Direito Canônico.
Por meio deste princípio, o contrato se perfaz pelo acordo de vontades.
A regra geral determina que não se exige forma especial, “senão quando a lei
expressamente a exigir”, consoante o disposto no art. 107 do Código Civil.87
Conforme as premissas desse princípio, o simples acordo de vontades é suficiente
para a formação do contrato. A regra é que não há forma especial para validade do
contrato, ou seja, a forma só é exigida quando a lei expressamente a exigir. Este
princípio significou uma evolução, eis que se divorciou do Direito romano, que
preconizava a forma em detrimento dos objetivos das partes contratantes.88
O consensualismo contratual pressupõe a existência de duas ou mais
declarações de vontade – isentas de vícios. No caso, uma parte promete, e a outra,
aceita, dando lugar a uma nova e única vontade, com a finalidade de estabelecer
uma vontade comum ou vontade contratual. Este é o resultado, e não a soma, das
vontades singulares, constituindo uma entidade nova, capaz de gerar efeitos
jurídicos.89
87 Art. 107. A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a
lei expressamente a exigir. 88 REIS, 2001, p. 120. 89 ELESBÃO, 2000, p. 139.
39
A vontade deve ser emitida, para que a outra parte tome conhecimento. Isto se
denomina de ‘troca de vontades’, pois trata-se de um acordo recíproco, uma dupla
declaração, em que duas partes, com interesses particulares, eventualmente,
também opostos90, buscam um fim comum. Assim, o consentimento exige um lado
interno – um ato de vontade deliberado; e um lado externo – forma pela qual se
exterioriza essa vontade. Finalmente, a conformidade da oferta e da aceitação.91
1.2.4 O princípio da relatividade dos efeitos do co ntrato
Por este princípio, os efeitos do contrato somente surtirão sobre as partes
contratantes92, de modo a não afetar positiva ou negativamente a terceiros, limitando
a sua eficácia exclusivamente às partes contratantes. Para Gomes: “Em síntese,
ninguém pode tornar-se credor ou devedor contra a vontade se dela depende o
nascimento do crédito ou da dívida”.93 Neste diapasão, Pereira considera que “o
contrato obriga porque as partes livremente o aceitam”.94
Para Rodrigues, “os efeitos do contrato só se manifestam entre as partes, não
aproveitando nem prejudicando terceiros”. Isso é lógico, pois “o vínculo contratual
emana da vontade das partes, é natural que terceiros não possam ficar atados a
uma relação jurídica que lhes não foi imposta pela lei, nem derivou de seu querer”.95
Portanto, a regra é que os contratos não podem criar direitos e obrigações para
uma terceira pessoa que não participou da relação contratual. Porém, este princípio
não é absoluto, pois há contratos que são exceção à regra, estendendo seus efeitos
a terceiros que não os contratantes, criando-lhe direitos ou obrigações. A doutrina
90 Nos contratos, em regra, os interesses são opostos, como por exemplo, na compra e venda, uma
das partes dispõe-se a pagar o preço, ao passo que a outra, compromete-se a entregar o bem. 91 Ibidem, p. 139-140. 92 “Parte do contrato é aquele cuja vontade deu origem ao vínculo contratual; é terceiro’ aquele cuja
vontade, pelo contrário, é um elemento estranho à formação do contrato em causa”. Cf. NEGREIROS, 2006, p. 218.
93 GOMES, Orlando. Contratos. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1991, p. 44. 94 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 2. ed. V. III, Rio de Janeiro: Forense,
1990, p. 12. 95 RODRIGUES, 1999, p. 17.
40
clássica cita como exemplos a estipulação em favor de terceiros, o contrato de
seguro de vida, o fideicomisso inter vivos e o contrato coletivo de trabalho. Esses
são exemplos de contratos em que os beneficiários, que são terceiros à relação
obrigacional do contrato, podem exigir os direitos oriundos da relação contratual,
como verdadeiros credores.96
Também insere-se como exceção dessa modalidade o contrato por terceiro –
art. 43997 e 44098 do Código Civil – em que duas pessoas celebram um negócio
jurídico tendo por objeto uma prestação que deverá ser cumprida por terceiro, alheio
ao contrato. O papel do devedor primário é o de obter o consentimento do terceiro
em realizar a prestação (obrigação de fazer). Assim, o terceiro passa a ser o
destinatário da parte passiva do contrato, não da parte ativa como ocorre na
estipulação em favor de terceiros.99
Ocorre que em razão do princípio da função social pode se alterar este quadro,
desafiando a dogmática clássica e enfatizando os contornos sociais do contrato.
Nesse contexto, a coletividade ou terceiros não estão, nem devem estar,
indiferentes.100
À vista do que foi dito, hoje não mais se pode sustentar a possibilidade de os
contratos atingirem somente os contratantes diretamente envolvidos, pois no Estado
social, com uma sociedade massificada, o contrato é global: afeta a todos
indistintamente. Toma-se como exemplo as cláusulas abusivas de um financiamento
rural, que afetam diretamente o agricultor e, indiretamente, toda a comunidade que o
rodeia: a família perde renda; o dono do armazém não vende mais a mesma
quantidade de produtos e deixa de lucrar; esse lucro afeta o dono do posto de
combustíveis, o supermercado, etc.101
96 REIS, 2001, p. 121. 97 Art. 439. Aquele que tiver prometido fato de terceiro responderá por perdas e danos, quando este o
não executar. Parágrafo único. Tal responsabilidade não existirá se o terceiro for o cônjuge do promitente, dependendo da sua anuência o ato a ser praticado, e desde que, pelo regime do casamento, a indenização, de algum modo, venha a recair sobre os seus bens.
98 Art. 440. Nenhuma obrigação haverá para quem se comprometer por outrem, se este, depois de se ter obrigado, faltar à prestação.
99 SANTIAGO, Mariana Ribeiro. O princípio da função social do contrato. Curitiba: Juruá, 2005, p. 41. 100 NEGREIROS, 2006, p. 219. 101 Exemplo tirado do livro de: SANTOS, 2004, p. 55.
41
Trata-se, pois, de um “efeito cascata”: se uma parte é beneficiada, toda a
comunidade sente os seus efeitos; da mesma forma, se uma das partes é lesada,
toma a comunidade igualmente sente os efeitos. Por isso é que o contrato se trata
se uma “instituição social”, irradiando os seus efeitos econômicos, jurídicos e sociais
(benéficos ou maléficos) a toda a sociedade – o que será melhor analisado nos
próximos capítulos.
42
2 A VINCULAÇÃO DOS PARTICULARES AOS DIREITOS FUNDAM ENTAIS NAS
RELAÇÕES INTERPRIVADAS 102
No que tange à “vinculação dos particulares aos direitos fundamentais nas
relações interprivadas”, optou-se por essa expressão para definir a vinculação dos
particulares aos direitos fundamentais nas relações entre particulares, em razão de
que o prefixo “inter” significa “interação” e “reciprocidade”. Portanto, é objeto de
análise a vinculação dos particulares aos direitos fundamentais, tendo como partes
somente os entes privados.
Para Steinmetz, há duas questões a serem questionadas e resolvidas no que
se refere à vinculação dos particulares a direitos fundamentais: os direitos
fundamentais são limites à autonomia privada e, se são, como e em que medida o
são e, por fim, quais as conseqüências dessa eficácia tanto para os direitos
fundamentais como para a autonomia privada? Nas relações contratuais estão em
jogo, de um lado, um ou mais direitos fundamentais e, de outro, a autonomia privada
exteriorizada na liberdade contratual – que também é protegida constitucionalmente.
Neste caso, há uma colisão em sentido amplo.103 Então, nos próximos itens tentar-
se-á responder a estas indagações, começando a analisar o princípio da supremacia
da Constituição Federal - responsável por influenciar o ordenamento
infraconstitucional.
2.1 A supremacia da Constituição Federal 104
102 Utiliza a expressão “relação interpivadas”, ao passo que existem outras expressões, como
“relações privadas” ou “relações interindividuais”. Esta última, na concepção do autor, peca por excluir qualquer ente coletivo, em especial, as pessoas jurídicas. Já a expressão “relações privadas” peca por excluir, por exemplo, as relações trabalhistas, que, apesar de serem relações entre pessoas privadas, não podem ser classificadas como tal. Cf. SILVA, Virgílio Afonso da. A Constitucionalização do Direito: os direitos fundamentais nas relações entre particulares. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 54.
103 STEIMMETZ, 2004, p. 186-188, passim. 104 Importante destacar que não se pode conceber a idéia de que os princípios constitucionais são
apenas princípios políticos. Por isso, há que se eliminar do vocabulário jurídico a expressão “carta
43
O paralelismo entre o Direito Civil e o Direito Constitucional – como se dois
mundos separados e distanciados fossem – passou a dar lugar à convergência, em
que a Constituição conquistou a condição de suprema fonte do Direito, tanto no
âmbito público como no privado.105 Este fenômeno também é conhecido como a
“força normativa da Constituição”.106
Aliás, o primeiro fundamento em favor da eficácia dos direitos fundamentais
nas relações entre particulares é o princípio da supremacia da Constituição.
Principalmente após a II Guerra Mundial, a Constituição tornou-se fonte direta e
imediata dos direitos fundamentais, capaz de vincular os Poderes Executivo,
Legislativo e Judiciário. Todos os atos devem ser de acordo ou não-contrários à
Constituição, a qual confere unidade ao ordenamento jurídico.107
Assim, ao contrário do que se poderia supor, os Estados da Antigüidade e da
Idade Média também possuíam uma “Constituição”, como um estatuto definidor da
unidade e ordenação dos respectivos poderes. Para Queiroz, valendo-se das
palavras de Aristóteles, a Constituição era considerada um “estatuto de ordenação
dos poderes no Estado”. Esse conceito “institucional” de Constituição corresponde a
toda a comunidade dotada de um mínimo de organização política. Segundo Queiroz,
ao utilizar as idéias de Jellinek, se se suprime a Constituição cessa o Estado, dando
lugar à “anarquia”.108
A Constituição Federal de 1988 - definida como uma Constituição do Estado
Social - os problemas constitucionais referentes a relações de poderes e exercício
de direitos subjetivos têm que ser examinados e resolvidos à luz dos conceitos
política”, que acaba por relegar a um programa longínquo de ação, destituindo-a de seu papel unificador do Direito privado. Cf. TEPEDINO, 2004, op. cit., p. 18.
105 O problema da dicotomia pode ser claramente vislumbrado no fato da clássica afirmação da supremacia do Direito público sobre o Direito privado.
106 A expressão, que também é conhecida como die normative Kraft der Verfassung, dá título à aula inaugural que Konrad Hesse proferiu na Universidade de Freiburg, em 1959, traduzida para o português por Gilmar Ferreira Mendes. (In: HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1991, p. 9).
107 STEINMETZ, 2004, p. 103-104. 108 QUEIROZ, Cristina M.M. Direitos fundamentais – teoria geral. Coimbra: Coimbra, 2002, p. 37.
44
derivados daquela modalidade de ordenamento. Uma coisa é a Constituição do
Estado Liberal, outra é a constituição do Estado Social.109 A primeira é uma
Constituição antigoverno e anti-Estado; a segunda, uma Constituição de valores
refratários ao individualismo no Direito e ao absolutismo no Poder.110
Na verdade, a Constituição ganhou sentido no plano do Direito no século XVIII.
Ela é a parte essencial da organização política do Estado, de acordo com a obra
clássica de Montesquieu111 (“O espírito das leis”), na qual há a previsão de uma
estreita relação entre Constituição, poder e liberdade.112 Tem como objeto a
organização do governo e de seus órgãos – reflexo da influência liberal – o que é
necessário à limitação do poder.
A Constituição Federal113 é, pois, o espaço que garante as relações
democráticas entre o Estado e a sociedade. A Constituição, nas palavras de Streck,
“significa constituir alguma coisa; é fazer um pacto, um contrato, no qual toda a
sociedade é co-produtora. Desse modo, violar a Constituição ou deixar de cumpri-la
é descumprir essa constituição do contrato social”. Ela é a materialização do
109 A falta de efetividade das sucessivas Constituições no Brasil decorreu do não-reconhecimento de
força normativa aos seus textos e da falta de vontade política de dar-lhes aplicabilidade direta e imediata. A lei fundamental foi vista como mero programa de ação, convocação ao legislador ordinário e aos poderes públicos. Por isso, as Cartas Brasileiras deixaram de se efetivar na prática.
110 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 336. 111 A teoria da separação dos poderes, proposta por Montesquieu - também conhecida como a “teoria
dos freios e contrapesos” - constitui-se num instrumento de limitação entre um poder e outro, bem como possibilita que haja um controle das ações de cada poder.
112 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Estado de Direito e constituição. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 73-74.
113 Os princípios de interpretação da Constituição são: 1) O princípio da unidade da Constituição – significa que a Constituição deve ser interpretada de forma a evitar contradições (antinomias, antagonismos) entre as suas normas, isto é, a Constituição serve como ‘ponto de orientação’, obrigando o intérprete a considerar a Constituição na sua globalidade e a procurar harmonizar os conflitos; 2) O princípio do efeito integrador: na resolução dos problemas jurídico-constitucionais deve-se dar primazia aos critérios que favoreçam a integração política e social e o reforço da unidade política; 3) O princípio da máxima efetividade (também conhecido como princípio da eficiência ou da interpretação efetiva; 4) O princípio da ‘justeza’ ou da conformidade funcional tem em vista impedir a alteração da repartição das funções constitucionais; 5) O princípio da concordância prática ou da harmonização – impõe a coordenação e combinação dos bens jurídicos em conflito de forma a evitar o sacrifício total de uns em relação aos outros; 6) O princípio da força normativa da Constituição que prevê a primazia às soluções hermenêuticas que possibilitam, a atualização normativa, garantindo a sua eficácia e permanência. Cf. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e teoria da constituição. 2. ed. Coimbra: Almedina, 1998, p. 1096-1098, passim.
45
contrato social, colocando à disposição mecanismos para a concretização de seus
objetivos.114
A Carta Magna não decorre da vontade arbitrária do poder constituinte, mas da
vontade de um poder constituinte limitado pelo Direito, fundado no Direito natural.
Não é propriamente criação do constituinte, mas especificação de uma organização
no âmbito do justo natural. A Constituição impõe obediência e respeito ao Direito,
bem como fixa procedimentos ou formalidades para manter os poderes e órgãos
secundários.115
Uma constituição, porém, já é o sistema normativo de grau mais elevado na ordenação jurídica do país. Situa-se no vértice das demais fontes formais do Direito. Regula a produção das demais normas da ordem jurídica. Norma e confere validade a todo o ordenamento normativo nacional, cuja unidade, coesão e conexão de sentido encontram nela seu fundamento. As demais normas jurídicas que dela discordarem ou divergirem são ilegítimas, inválidas, inconstitucionais, e devem ser ineficazes juridicamente, em princípio.116
É certo que a Constituição, não é de hoje, o instrumento político-jurídico mais
importante da organização social, sendo sua superioridade hierárquica amplamente
reconhecida. Contudo, seu conteúdo e caracteres sofreram alterações ao longo do
tempo – fruto das influências de cada momento histórico.117 Portanto, ela está em
plena fase de mutação, refletindo a realidade e as conquistas sociais de cada
momento.
A idéia constitucional significa, pois, em síntese, a tentativa de – através de uma lei formal – limitar e controlar o poder político e vincular o exercício desse poder a normas bilateralmente vinculantes para os detentores do poder político e para os cidadãos. Esta viragem deixa transparecer, por seu turno, uma transformação na compreensão da Constituição, que já não se apresenta mais como mera ordenação da vida em sociedade, mas, mais do que isso, é ato constitutivo dessa ordenação, que inaugura uma nova realidade jurídica e política.118
114 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do
Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999, p. 214-215. 115 FERREIRA FILHO, 1999, p. 82. 116 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 3. ed. rev., ampl. e atual. São
Paulo: Malheiros, 1998, p. 55. 117 LEAL, Mônia Clarissa Hennig. A Constituição como princípio. Barueri, São Paulo: Manole, 2003, p.
1. 118 LEAL, 2003, p. 29.
46
Segundo Hesse, a Constituição é dotada de “força normativa”, sendo que a
concretização plena da força normativa constitui meta a ser almejada pela ciência do
Direito Constitucional, o qual deve explicitar as condições sob as quais as normas
constitucionais podem adquirir maior eficácia possível, propiciando, assim, o
desenvolvimento da dogmática e da interpretação constitucional. Compete, pois, ao
Direito Constitucional realçar, despertar e preservar a vontade da Constituição (wille
zur verfassung) que, indubitavelmente, constitui a maior garantia de sua força
normativa.119
[...] a norma constitucional seria um mero ‘limite’ ou ‘barreira’ à norma ordinária. Os enunciados normativos ordinários, enquanto não ofenderem um interesse constitucionalmente protegido, assumem autonomamente, significado e fundamento, como expressão de um sistema completo e totalmente legítimo. Neste caso, a norma constitucional atuaria excepcionalmente e de forma residual, mas sempre sem incidir sobre a atividade interpretativa dos enunciados normativos ordinários. [...] O recurso à noção de limite impede, outrossim, que a norma constitucional possa ser utilmente reconhecida como verdadeira norma por parte dos operadores jurídicos. Seria consentido a estes tão-somente interpretar e aplicar a norma ordinária, mediante o esquema da subsunção.120
A Constituição fixa a fronteira entre o lícito e o ilícito, entre o constitucional e o
inconstitucional, provocando uma distinção entre o Direito Constitucional e o Direito
infraconstitucional. Ela atribui a si própria a primazia, rompendo com a regra
tradicional de que lex posterior derrogat legi priori.121 Esta supremacia constitui em si
uma regra de resolução de conflitos.122
Trata-se de uma força hierarquicamente superior123, tendo um papel de
elemento unificador do sistema, através do princípio da constitucionalidade ou do
119 HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto
Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1991, p. 27. 120 PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil – Introdução ao Direito Civil constitucional. 2. ed. Rio
de Janeiro: Renovar, 2002, p. 10. 121 Conforme o disposto no Art. 2º, §1º da Lei de Introdução ao Código Civil: “a lei posterior revoga a
anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível”. Isto significa que as normas infraconstitucionais – como, por exemplo, a legislação civil – que for incompatível com o texto constitucional são automaticamente revogadas; as compatíveis são recepcionadas, continuam em vigor. Esta observação se faz necessária, a fim de que sejam concretizados, de forma eficaz, os princípios constitucionais.
122 QUEIROZ, 2002, p. 41. 123 A força normativa da Constituição não reside, tão-somente, na adaptação a uma determinada
realidade. Embora a Constituição não possa, por si só, realizar nada, ela pode impor tarefas. A Constituição conter-se-á em força normativa se presentes, na consciência geral, notadamente, na consciência dos principais responsáveis pela ordem constitucional, não só a vontade do poder (Wille zur Macht), mas também a vontade de Constituição (Wille zur Verfassung). HESSE, 1991, p. 19.
47
princípio da conformidade, que exige a consonância de todos os atos dos poderes
públicos com as regras e os princípios da Constituição. Portanto, ela garante a
unidade, não como ‘norma do centro’ ou ‘norma dirigente fundamental do Estado’,
mas como “estatuto de justiça do político, ou seja, como quadro moral e racional do
discurso político conformador da ordem normativo-constitucional através de um
conjunto de princípios e regras incorporadores de ‘valores básicos’ do ordenamento
jurídico”.124 Neste paradigma, os princípios constitucionais funcionam como ideais de
justiça, pois é através deles que se alcança uma leitura moral do antigo direito
natural.125
Com efeito, a Carta Magna é a norma máxima do Estado, que vincula todas as
demais normas infraconstitucionais. Daí que surgem princípios de interpretação: a)
O princípio da prevalência da Constituição impõe, que dentre várias possibilidades
de prevalência da constituição – deve escolher-se uma interpretação não contrária
ao texto e programa da norma constitucional; b) O princípio da conservação de
normas – a norma não deve ser declarada inconstitucional quando, ela pode ser
interpretada conforme a Constituição; c) O princípio de que a norma não pode
contrariar o sentido da interpretação conforme a Constituição.126
Segundo Andrade: “a Constituição vale por si, prevalece e vincula
positivamente o legislador, de modo que uma lei só terá valor jurídico se estiver
conforme com a norma constitucional que consagra um direito.”127 A norma legal
pode ser desaplicada ou mesmo retirada do ordenamento jurídico por ofender o
conteúdo de um preceito constitucional relativo a um direito fundamental. Além
disso, do princípio da superioridade normativa da Constituição pode-se extrair a
obrigatoriedade para poderes estaduais de, ao aplicarem a lei, as interpretarem em
conformidade com os direitos fundamentais. Desta forma, as normas legislativas
devem ser interpretadas criticamente em função do sentido próprio das normas
constitucionais respectivas.128
124 CANOTILHO, 1998, p. 1026-1027. 125 SARMENTO, 2004, p. 79. 126 CANOTINLHO, op. cit., p. 1099-1100. 127 ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos fundamentais na Constituição portuguesa de 1976.
3. ed. Coimbra: Almedina, 2004, p. 206. 128 ANDRADE, 2004, p. 207.
48
Uma constituição, porém, já é o sistema normativo de grau mais elevado na ordenação jurídica do país. Situa-se no vértice das demais fontes formais do Direito. Regula a produção das demais normas da ordem jurídica. Norma e confere validade a todo o ordenamento normativo nacional, cuja unidade, coesão e conexão de sentido encontram nela seu fundamento. As demais normas jurídicas que dela discordarem ou divergirem são ilegítimas, inválidas, inconstitucionais, e devem ser ineficazes juridicamente, em princípio.129
Os direitos fundamentais nela instituídos exprimem uma ordem de valores que
se irradia por todos os campos do ordenamento, inclusive sobre o Direito privado,
cujas normas têm de ser interpretadas ao seu lume. Assim, “toda interpretação
constitucional, bem como a interpretação da legislação ordinária conforme a
Constituição, leva à concretização dos direitos fundamentais, admitindo-se sua
eficácia nas relações interprivadas [...] .130
Para a sua aplicação, é necessário uma leitura moral da Constituição Federal.
Nesta abertura constitucional ao mundo dos valores, os princípios desempenham
papel primordial, pois operam uma ligação entre o universo jurídico e o plano
moral.131
[...] o sistema jurídico necessita de princípios (ou valores que eles exprimem) como os da liberdade, igualdade, dignidade, democracia, Estado de direito; são exigências de optimização abertas a várias concordâncias, ponderações, compromissos e conflitos. Em função da sua ‘referência’ a valores ou da sua relevância ou proximidade axiológica (da ‘justiça’, da ‘ideia de direito’, dos ‘fins de uma comunidade’), os princípios têm uma ‘função normogenética’ e uma ‘função sistémica’: são os fundamentos de regras jurídicas e têm idoneidade irradiante que lhes permite ‘ligar’ ou cimentar objectivamente todo o sistema constitucional. Compreende-se, assim, que ‘regras’ e os ‘princípios’, para serem activamente operantes, necessitam de procedimentos e processos que lhes dêem operacionalidade prática [...]: o direito constitucional é um sistema aberto de normas e princípios que, através de processos judiciais, procedimentos legislativos e administrativos, iniciativas dos cidadãos, passa de uma law in the book para uma law in action para uma ‘living constitution’.132
As premissas constitucionais não podem ser vistas como meros programas,
mas políticas de governo, efetivas no âmbito social. Em relação às normas
programáticas, é reconhecido hoje um valor jurídico constitucionalmente idêntico ao
129 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 3. ed. rev., ampl. e atual. São
Paulo: Malheiros, 1998, p. 55. 130 TUTIKIAN, 2004, p. 21. 131 SARMENTO, 2004, p. 152-153. 132 CANOTILHO, 1998, p. 1037.
49
dos restantes preceitos da Constituição. Não deve, pois falar-se de simples eficácia
programática (ou diretiva), porque qualquer norma constitucional deve considerar-se
obrigatória perante quaisquer órgãos do poder político. Estas normas justificam a
necessidade de intervenção dos órgãos legiferantes.133
A Carta Magna desempenha um papel unificador do ordenamento, de
modo a garantir o alcance dos objetivos nela fixados, pois as normas
constitucionais ocupam o ápice de uma pirâmide normativa, ou seja, ocupam
uma posição privilegiada em relação às demais normas do ordenamento
jurídico. Assim, no próximo item serão analisadas as dimensões dos direitos
fundamentais, previstas constitucionalmente.
2.2 As dimensões 134 dos direitos fundamentais
Antes de abordar sobre as dimensões dos direitos fundamentais135, não se
pode deixar de estabelecer, nem que seja de forma sucinta, a problemática da
definição do que sejam os direitos fundamentais, haja vista que a discussão é
133 Ibidem, p. 1050. 134 Recomenda-se a substituição da expressão “gerações”, “eras” ou “fases” por “dimensões Cf.
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos fundamentais. 3. ed. rev. atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 50. É importante que se esclareça, desde logo, que é utilizado o termo “dimensão”, em razão das críticas que vêm sendo feitas pela doutrina pátria, sob o argumento que o termo antes utilizado – “geração” – desencadeava uma falsa idéia de substituição, de alternância. Portanto, a “dimensão dos direitos fundamentais” é mais propícia, pois significa cumulação.
135 Os direitos fundamentais têm sido chamados de garantias de liberdade, direitos individuais, direitos participativos, direitos humanos ou direitos personalíssimos. Eles referem-se a valores que eles supõem, e que correspondem ao homem, enquanto tal, independente da ordem jurídica onde vive. Cf. LORENZETTI, Ricardo Luiz. Fundamentos do Direito Privado. Trad. Vera Maria Jacob de Fradera. São Paulo: RT, 1998, p. 283. Cumpre observar que há uma evidente ‘inflação’ de direitos fundamentais, haja vista que antes eram conhecidos como direitos do homem, hoje, passaram a ser de muitas categorias de indivíduos e em situações diversas, como por exemplo, direitos do homem, da criança e adolescente, do idoso, do trabalhador, do preso, da mulher, dos homossexuais, dos animais. Por um lado, tem-se a idéia de que, desta forma, as pessoas viverão melhor e haverá mais protegidos. Por outro lado, o efeito pode ser contrário: quanto mais se multiplica a relação dos direitos humanos, menos força terão como exigência, tornando-se inócuos, ‘moeda desvalorizada’, sendo efeito disso, a ineficácia. (Ibidem, p. 162).
50
constante na doutrina. Além disso, vários são os conceitos e expressões utilizados
para a sua definição.136
A Constituição Federal Brasileira, embora tenha conseguido enormes avanços
na conquista desses direitos, também comete, em várias passagens, esta confusão
terminológica. É o que conclui Sarlet:
[...] a exemplo do que ocorre em outros textos constitucionais, há que reconhecer que também a Constituição de 1988, em que pesem os avanços alcançados, continua a se caracterizar por uma diversidade semântica, utilizando termos diversos ao referir-se aos direitos fundamentais. A título ilustrativo, encontramos em nossa Carta Magna expressões como: a) direitos humanos (art. 4º, inc. II); b) direitos e garantias fundamentais (epígrafe do Título II, e art. 5º, § 1º); c) direitos e liberdades constitucionais (art. 5º, inc. LXXI) e d) direitos e garantias individuais (art. 60, § 4º, inc. IV).137
Não obstante as confusões terminológicas, pode-se afirmar que os direitos
fundamentais se diferenciam dos direitos humanos138 e dos direitos naturais pela
característica da positivação139 na esfera do Direito Constitucional140, ou seja, os
primeiros estão muito ligados à característica da Constitucionalização, que acaba
por repercutir, também, no aspecto espacial, pois as constituições possuem uma
forte ligação com o conceito de Estado Nacional. Esta também é a posição de Pérez
Luño apud Lopes :
Los derechos humanos suelen venir entendidos como un conjunto de facultades e instituciones que, en cada momento histórico, concretan las exigencias de la dignidad, la libertad y la igualdad humanas, los cuales deben ser reconocidos positivamente por los ordenamientos jurídicos a nivel nacional e internacional. En tanto que con la noción de los derechos fundamentales se tiende a aludir a aquellos derechos humanos garantizados por el ordenamiento jurídico positivo, en la mayor parte de los casos en su normativa constitucional y que suelen gozar de tutela reforzada.141
136 A dificuldade em se diferenciar os direitos fundamentais resulta da circunstância de se
empregarem várias expressões para designá-los: como, por exemplo, direitos naturais, direitos humanos, direitos do homem, direitos individuais, direitos públicos subjetivos, liberdades fundamentais, liberdades públicas e direitos fundamentais do homem.
137 SARLET, 2003, p. 31. 138 Pode-se afirmar que os direitos humanos surgiram a partir dos deveres, como provam os 10
mandamentos, a lei das XII Tábuas, o Código de Hamurabi. 139 Segundo o enunciado do grupo de estudos “a Constitucionalização do Direito privado”, os direitos
fundamentais são aqueles positivados na Constituição Federal. 140 SARLET, op. cit., p. 33. 141 Em tradução livre: “Os direitos humanos devem ser entendidos como um conjunto de faculdades e
instituições que, em cada momento histórico, concretizam as exigências da dignidade, da liberdade
51
No entanto, a diferenciação conceitual não implica, necessariamente, que
determinado direito não possa ser, ao mesmo tempo, direito natural, humano e
fundamental. Ocorrem, assim, especializações conceituais progressivas. O direito à
vida, por exemplo, insere-se nas três dimensões: é direito natural (inerente ao
indivíduo e anterior a qualquer contrato social), porquanto pressuposto fático à
própria existência do Direito; é direito humano, pois reconhecido internacionalmente
como inerente ao ser humano na Declaração Universal dos Direitos do Homem142 e,
ainda, é direito fundamental, porque reconhecido em determinado ordenamento
constitucional.
Os direitos humanos estão previstos em documentos internacionais, e referem-
se ao ser humano como tal, pelo simples fato de ser pessoa humana, ao passo que
os direitos fundamentais porque positivados nas constituições concernem às
pessoas como membros de um ente público concreto. No que concerne aos direitos
naturais – estes compreendem os direitos inerentes a natureza do homem, são
direitos inatos, que cabem ao homem só pelo fato de ser homem.143
Os direitos humanos consistem num fenômeno que acompanha a evolução e o
progresso da sociedade, são flexíveis e dinâmicos. No século XVIII, a preocupação
preponderante era sobre o direito à vida e à liberdade, mas nem sequer era
mencionada, por exemplo, qualquer discussão acerca da questão ambiental, dos
avanços da Medicina e da internet.144
e da igualdade humanas, as quais devem ser reconhecidas positivamente pelos ordenamentos jurídicos a nível nacional e internacional. Enquanto que a noção de direitos fundamentais aludem àqueles direitos humanos garantidos pelo ordenamento jurídico positivo, na maior parte dos casos na Constituição e que devem gozar de proteção diferenciada.” LOPES, Ana Maria D’Ávila. Os Direitos Fundamentais como Limites ao Poder de legislar. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 2001, p.41.
142 A Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10 de dezembro de 1948, consubstanciou-se num marco histórico da conquista dos direitos sociais, após a Segunda Guerra Mundial.
143 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 98.
144 Esses “novos direitos” materializam as exigências permanentes da própria sociedade diante das condições emergentes da vida e das crescentes prioridades determinadas socialmente. Em face da universalidade e da ampliação dos direitos, que surgem em função das necessidades sociais e são decorrentes da evolução do ser humano, objetivando precisar seu conteúdo, titularidade, efetivação e sistematização, tem originado direitos e garantias sucessivas e cumulativas. Daí surgem os direitos fundamentais de terceira, quarta e quinta dimensão.
52
[...] os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos de certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas.145
Assim, com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, passou-se a
distinguir entre direitos do homem e direitos do cidadão: os primeiros pertencem ao
homem enquanto tal; os segundos pertencem ao homem enquanto ser social
(homem que vive em sociedade). Os direitos naturais são inerentes ao indivíduo e
anteriores a qualquer contrato social.146
Nesta perspectiva, Bonavides, ao adotar o modelo de conceituação de Schmitt,
considera que os direitos fundamentais são dos direitos ou garantias nomeados e
especificados no instrumento constitucional. Além disso, acrescenta que são aqueles
direitos que receberam da Constituição um grau mais elevado de garantia ou de
segurança, tanto que são imutáveis (unabaenderliche) ou pelo menos a sua
mudança é dificultada (erschwer), somente alteráveis mediante emenda à
Constituição.147
Os direitos fundamentais surgem como “herdeiros históricos” dos direitos
humanos148, sendo que à época liberal, foram concebidos como limites ao poder do
Estado. São, pois, direitos jurídicos positivados na ordem constitucional vigente.
Para Vieira de Andrade, os “direitos fundamentais são, na sua dimensão natural,
direitos absolutos, imutáveis e intemporais, inerentes à qualidade de homem de seus
titulares, e constituem núcleo restrito que se impõe a qualquer ordem jurídica”.
Começaram por ser obra do pensamento humano e duram como explicitações,
condicionados em cada época, da autonomia ética do homem, por isso, vão muito
além do direito positivado.149
145 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. 14º tiragem. Rio de
Janeiro: Campus, 1992, p. 5. 146 CANOTILHO, 1998, p. 359-360. 147 BONAVIDES, 2002, p. 515. 148 BORNHOLDT, Rodrigo Meyer. Métodos para resolução do conflito entre direitos fundamentais.
São Paulo: RT, 2005, p. 53. 149 VIEIRA DE ANDRADE, 2004, p. 19
53
A positivação de direitos fundamentais significa a incorporação na ordem jurídica positiva dos direitos considerados ‘naturais’ e ‘inalienáveis’ do indivíduo. Não basta uma qualquer positivação. É necessário assinalar-lhes a dimensão de fundamental Rights colocados no lugar cimeiro das fontes do direito: as normas constitucionais. Sem esta positivação jurídica, os ‘direitos do homem são esperanças, aspirações, ou, até por vezes, mera retórica política’, mas não são direitos constitucionalmente protegidos sob a forma de normas (regras e princípios) de direito constitucional.150
Em linhas gerais, as principais características dos direitos fundamentais são: a)
historicidade - nascem, modificam-se e desaparecem. Surgiram com a Revolução
burguesa e evoluem, ampliam-se com o decorrer dos tempos. Sua historicidade
rechaça toda fundamentação baseada no direito natural, na essência do homem ou
na natureza das coisas; b) Inalienabilidade – são direitos transferíveis, inegociáveis,
porque não são conteúdo econômico-patrimonial. São conferidos a todos pela ordem
constitucional, e deles não se pode desfazer, porque são indisponíveis; c)
Imprescritibilidade – o exercício de boa parte dos direitos fundamentais ocorre só no
fato de existirem reconhecidos na ordem jurídica. Não importam em prescrição, ou
seja, nunca deixam de ser exigíveis. A prescrição refere-se apenas à exigibilidade
dos direitos de caráter patrimonial, e não a exigibilidade de direitos personalíssimos,
ainda que não individualistas. Se são sempre exercíveis e exercidos, não há
intercorrência temporal de não exercício que fundamente a perda da exigibilidade
pela prescrição; d) Irrenunciabilidade151 – não se renunciam a direitos fundamentais.
Alguns deles podem até não ser exercidos, mas não se admite que sejam
renunciados.152
150 CANOTILHO, 1998, p. 347. 151 Em relação a esta última característica, Silva acrescenta que a renúncia é conhecida desde o Direito Romano, e mesmo se não exercido, ainda que por um longo período, não quer dizer que houve renúncia. Para descobrir se é possível renunciar ou não a determinado direito fundamental é preciso recorrer ao objeto dos direitos fundamentais em espécie, a fim de testar a sua solidez. O autor exemplifica esta característica com a renúncia do direito à vida por meio do suicídio, caso em que é colocado em xeque a irrenunciabilidade, inalienabilidade e imprescritibilidade. As características dos direitos fundamentais podem ser questionadas com os seguintes exemplos: aquele que, após a prolatação da sentença de primeiro grau deixa de recorrer à instância superior, negociando com a parte contrariam seu direito fundamental ao duplo grau de jurisdição; a renúncia ao sigilo do voto, quando aluem diante da televisão, exibe sua cédula de votação; quando um padre ou freira renunciam a seu direito de constituir família; aquele que aprovado para o cargo de juiz, renuncia a seu direito fundamental ao livre exercício de qualquer trabalho; todo aquele que celebra contrato renuncia a uma parcela de sua liberdade. Cf. SILVA, Virgílio Afonso. A constitucionalização do Direito: os direitos fundamentais nas relações entre particulares. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 61-63, passim. 152 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito constitucional positivo. Malheiros: São Paulo, 2005, p.
180-181.
54
A partir do elemento histórico, os direitos fundamentais podem ser
classificados em três dimensões:I) dimensão negativa – compreende os direitos
fundamentais de primeira dimensão; II) dimensão prestacional – corresponde aos
direitos fundamentais de segunda dimensão; III) e dimensão difusa – refere-se aos
direitos fundamentais de terceira dimensão. Porém, a doutrina constitucional
concebeu, como critério de classificação não mais o momento histórico, mas o
conteúdo do direito e a função do Estado diante de sua efetivação. Assim, há duas
categorias jurídicas distintas: uma, refere-se às liberdades negativas – corresponde
à postura omissiva do Estado, a qual consiste não em fazer ou não fazer alguma
coisa, mas também não se submeter a interferências da autoridade na própria esfera
da liberdade; de outro lado, estão as liberdades positivas – que encontram sua
realização na função promocional do Estado, ou seja, por meio de condutas
concretas por parte do poder público, a fim de realizar determinados direitos.153
A classificação ocorre não somente em virtude de os direitos não serem previstos na geração anterior, mas porque os direitos emergentes trazem estruturalmente, um elemento preponderante ausente nos direitos anteriormente classificados. Se assim não fosse, cada surgimento de um direito novo deveria ser acompanhado da formulação de uma nova geração dos direitos fundamentais, num movimento infinito e improdutivo cientificamente.154
Todavia, o desenvolvimento e a mudança social estão diretamente vinculados
com o nascimento, a ampliação e a universalização de “novos direitos”, por três
razões: I) aumentou a quantidade de bens considerados merecedores de tutela; II)
estendeu-se a titularidade de alguns direitos típicos a sujeitos diversos do homem;
III) o homem não mais é concebido como ser genérico, abstrato, mas é visto como
cidadão, independentemente de qualquer condição.155
153 SCHÄFER, Jairo. Classificação dos direitos fundamentais no sistema geracional ao sistema
unitário – uma proposta de compreensão. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 39-40. O autor, valendo-se das idéias de De Vergotini, propõe que se considere, na classificação dos direitos fundamentais, dentro do âmbito da liberdade negativa, dois fenômenos distintos, mas complementares: a liberdade do Estado – refere-se aos direitos exercitáveis contra o poder público, os quais têm a função de impedir interferências indevidas nas esferas privadas dos cidadãos; e a liberdade no Estado – refere-se à participação ativa da pessoa na atividade política, ou seja, a liberdade negativa tem a função de salvaguardar o perfil privado da pessoa humana, ao passo que os direitos políticos garantem a interação do cidadão no contexto social e político de sua comunidade. (grifo nosso). Ibidem, p. 42-43.
154 Ibidem, p. 39. 155 WOLKMER, Antonio Carlos. Introdução aos fundamentos de uma teoria geral dos “novos” direitos.
In: ______; LEITE, J. R. M. (Org.). Os novos direitos no Brasil: natureza e perspectivas. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 4.
55
Assim, o direito deve ser visto em sua dinâmica como uma realidade que está em perpétuo movimento, acompanhado das relações humanas, modificando-se, adaptando-se às novas exigências e necessidades da vida, inserindo-se na história, brotando do contexto cultural. A evolução da vida social traz em si novos fatos e conflitos, de maneira que os legisladores, diariamente, passam a elaborar novas leis; juízes e tribunais constantemente estabelecem novos precedentes e os próprios valores sofrem mutações, devido ao grande e peculiar dinamismo da vida.156
Feitas essas considerações, cabe mencionar as categorias de direitos
fundamentais, que, aqui, são representadas por cinco dimensões157. Em relação aos
direitos fundamentais de primeira dimensão158, o Direito Constitucional surgiu como
forma de estabelecer limites à atuação do soberano, a fim de preservar a liberdade
social. Desta forma, era necessária a proteção do cidadão frente ao Estado
absolutista (Leviatã, na concepção de Hobbes), pois a liberdade era o pressuposto
para o exercício de outras faculdades. Assim, com a concepção de contrato social
surgiram direitos irrenunciáveis e estabeleceu-se uma nova relação entre a
sociedade civil e o poder público.
Nesta modalidade, estão incluídos os direitos civis e políticos, isto é, os direitos
individuais vinculados à liberdade, à igualdade, à propriedade, à segurança, e à
resistência às diversas formas de opressão. São direitos inerentes ao indivíduo,
atributos naturais básicos de todo ser humano, inalienáveis e imprescritíveis, que
tem o objetivo de proteger o indivíduo contra a intervenção do Estado. Portanto, são
chamados de negativos.
156 DINIZ, Maria Helena. As lacunas no direito. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 72. 157 Muitos autores classificam os direitos fundamentais somente até a terceira dimensão ou geração.
Assim, os direitos fundamentais de quarta dimensão, em que se inclui o direito à paz mundial, possuem todas as características que o colocam junto aos direitos fundamentais de terceira dimensão. No mesmo sentido, o direito ao meio-ambiente ecologicamente equilibrado está inserido nos direitos de terceira dimensão, mas sabe-se que a sua efetivação depende de um esforço conjunto da comunidade internacional.
158 Esta modalidade de direitos surgiu durante os séculos XVIII e XIX como expressão dos jusnaturalismo, do racionalismo iluminista, do liberalismo e do individualismo, do capitalismo concorrencial. É o período que consolida a hegemonia da classe burguesa, que alcança o poder por meio das revoluções norte-americana (1776) e francesa (1789), sendo concebidos nas respectivas Constituições. Esses direitos individuais sintetizam as teses do Estado Democrático de Direito, da teoria da tripartição dos poderes, do princípio da soberania popular e da doutrina da universalidade dos direitos e garantias fundamentais. Pro fim, recorda-se que o mais importante código privado dessa época – fiel tradução do espírito liberal-individualista – foi o Código Napoleônico de 1804. Cf. WOLKMER, op. cit., p. 7-8.
56
Os direitos da primeira geração são os direitos da liberdade, os primeiros a constarem do instrumento normativo constitucional, a saber, os direitos civis e políticos, que em grande parte correspondem, por um prisma histórico, àquela fase inaugural do constitucionalismo do Ocidente.159
Os elementos caracterizadores dos direitos fundamentais de primeira
dimensão são: direito-chave: liberdade; função do Estado: omissão; eficácia
vinculativa principal da norma: Estado; Espécie de direito tutelado: individual;
concepção política do Estado: liberal.160
De fato, o Estado Liberal não resguarda os direitos do homem na sua
igualdade material, apenas formal.161 Esse quadro de desigualdades e exploração
fez com que fosse necessária a atuação interventiva do Estado social, através da
imposição de deveres que pudessem garantir ao indivíduo condições mínimas para
uma vida digna, que são chamados de direitos fundamentais de segunda
dimensão.162 Assim surge a doutrina da função social, em que a concepção de
propriedade, como mero objeto de apropriação humana – passa ser compreendido
como um bem de produção a serviço do bem-estar e da justiça sociais.163
O estado social, por sua própria natureza, é um Estado intervencionista, que requer sempre a presença militante do poder político nas esferas sociais, onde cresceu a dependência do indivíduo, pela impossibilidade em que este se acha, pela impossibilidade em que este se acha, perante fatores alheios à sua vontade, de prover certas necessidades existenciais mínimas. 164
Os direitos fundamentais de segunda dimensão165 compreendem os direitos
sociais, econômicos e culturais, fundados no princípio da igualdade e com alcance
positivo. São direitos do indivíduo em relação à coletividade – inerentes ao princípio
da igualdade. Surgiram nas Constituições do segundo pós-guerra. Para a sua
efetivação, cabe ao Estado determinadas prestações materiais, motivo pelo qual
carecem de efetivação. Por isso, em quase todos os sistemas jurídicos, prevalecia a
159 BONAVIDES, 2002, p. 517. 160 SCHÄFER, 2005, p. 21. 161 Esse quadro foi agravado pela Revolução Industrial, caracterizada pela exploração econômica,
provocou uma grande demanda de mão-de-obra e o crescimento do protelariado. 162 No Brasil, esses direitos prestacionais foram reconhecidos pela primeira vez, na Constituição
Federal de 1934. O Estado, neste período, passou a ser devedor de direitos sociais. 163 BIERWAGEN, 2003, p. 38. 164 BONAVIDES, 1996, p. 200. 165 O capitalismo e a crise do modelo de Estado liberal possibilitou o surgimento do Estado de Bem-
Estar Social (Welfare State) – reflexo da crise do Estado Liberal – o qual não correspondeu às expectativas sociais, e que passa a arbitrar as relações sociais.
57
idéia de que apenas dos direitos de liberdade imediata, mas os direitos sociais
tinham aplicabilidade apenas mediata.166
Não se trata “de liberdade do e perante o Estado, e sim de liberdade por
intermédio do Estado”.167 Estes direitos exigem para a sua efetivação uma postura
ativa do Estado, no sentido de garantir direito ao trabalho, à saúde, à educação, etc.
O titular continua sendo o homem na sua individualidade, assim como ocorre nos
direitos de primeira dimensão.
Neste sentido, para os avanços sociais foram importantes: a posição da Igreja
Católica, com sua doutrina social (a encíclica Rerum Novarum, de Leão XIII, de
1891); os efeitos políticos das revoluções Mexicana (1911) e Russa (1917); os
impactos econômicos do Keynesianismo e o intervencionismo estatal do New Deal.
Cria-se a Organização Internacional do Trabalho (OIT, em 1919), o movimento
sindical ganha força internacional, a socialização alcança a política e o direito (nasce
do Direito do Trabalho e o Direito Sindical).168
Observa-se, pois, que no Estado Liberal surgiram os direitos fundamentais
de primeira dimensão e, em uma segunda etapa, com o advento do Estado social,
foram consagrados os direitos de segunda dimensão, ao passo que com a
instituição do Estado Democrático de Direito, influenciado pelos problemas sociais
advindos da bioteconologia e da cibernética – capaz de afetar os direitos difusos e
coletivos (transindividuais) e, conseqüentemente, os direitos fundamentais de
terceira, quarta e quinta dimensão. 169 Em vista disto, o Estado Democrático de
Direito:
[...] teria a característica de ultrapassar não só a formulação do Estado Liberal de Direito, como também a do Estado Social de Direito – vinculado ao welfare state neo-capitalista – impondo à ordem jurídica e à atividade estatal um conteúdo utópico e transformador da realidade. Dito de outro
166 BONAVIDES, 2002, p. 518-519. 167 SARLET, 2003, p. 52. 168 WOLKMER, 2003, p. 8-9. 169 Entretanto, esses direitos estão encontrando grande dificuldade de execução e tutela pelo Estado
Democrático de Direito no contexto contemporâneo, caracterizado por uma sociedade massificada, caso em que o espaço político esta cedendo ao espaço econômico, fazendo com que o Estado torne-se incapaz de concretizar esses direitos.
58
modo, o Estado Democrático é plus normativo em relação às formulações anteriores.170
Desta forma, nos direitos fundamentais de terceira dimensão estão incluídos os
direitos metaindividuais, direitos coletivos, difusos171, direitos de solidariedade. O
titular não mais é o indivíduo, mas a coletividade/categorias, grupos de pessoas (a
família, povo, nação). Compreende os direitos à solidariedade ou fraternidade,
incluem-se aqui os direitos relacionados ao desenvolvimento, à paz, ao meio
ambiente sadio, à qualidade de vida da humanidade, direito à comunicação.172
Alguns autores questionam a validade e a eficácia desta dimensão de direitos
fundamentais, haja vista que não dependem apenas do Estado nacional, mas da
cooperação de todos os demais Estados, exigindo um esforço em nível
Internacional.
A nota distintiva destes direitos de terceira geração reside basicamente na sua titularidade coletiva, muitas vezes indefinida e indeterminável, o que se revela, a título de exemplo, especialmente no direito ao meio ambiente e qualidade de vida, o qual, em que peses ficar preservada sua dimensão individual, reclama novas técnicas de garantia e proteção. A atribuição da titularidade de direitos fundamentais ao próprio Estado e à Nação (direito à autodeterminação, paz e desenvolvimento) tem suscitado sérias dúvidas no que concerne à própria qualificação de grande parte destas reivindicações como autênticos direitos fundamentais.173
Esses direitos começaram a ganhar impulso no período pós segunda Guerra
Mundial (1945-1950). A explosão das bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki,
as mutilações e extermínio de vidas humanas, a destruição ambiental e os danos
causados à natureza pelo desenvolvimento tecnológico desencadearam a criação de
instrumentos normativos no âmbito internacional. Igualmente uma política
170 MORAIS, J. L. B.; STRECK, L. L., 2003, p. 94. 171 Direitos coletivos é uma categoria que se situa entre os direitos individuais e os direitos difusos. Há
uma indeterminabilidade relativa entre o direito e seu titular, na medida em que, sendo direitos transindividuais, não possuem titularidade individual, mas reporta a uma relação que une diversos titulares. São direitos de grupos sociais determinados, que somente podem ser exercidos coletivamente, sendo possível estabelecer uma relação entre o direito e o grupo a que pertence. Já os direitos difusos são direitos transindividuais, nos quais se constata uma indeterminação absoluta de titulares, em que não é possível identificar uma titularidade individual para esta espécie de direito. São os chamados novos direitos, relacionados com a massificação da sociedade contemporânea. Cf. SCHÄFER, 2005, p. 17.
172 BONAVIDES, 2002, p. 523. 173 SARLET, 2003, p. 54.
59
governamental em defesa dos consumidores foi sendo estabelecida nas décadas de
1970 e 1980 nos Estado Unidos e na Europa.174
As transformações sociais ocorridas nas últimas décadas, a amplitude dos
sujeitos coletivos, as formas novas e específicas de subjetividade e a diversidade na
maneira em que a sociedade se apresenta têm projetado e intensificado outros
direitos que podem ser inseridos na “terceira dimensão”, como direitos de gênero
(dignidade da mulher), direitos da criança, direitos do idoso, direitos dos deficientes
físicos e mentais, os direitos das minorias e os novos direitos da personalidade
(intimidade, honra, imagem).
São, pois, os direitos de titularidade coletiva e difusa, adquirindo crescente
importância o Direito Ambiental e o Direito do Consumidor175, a Lei da Ação Civil
Pública176, o Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA177, etc.
Os direitos fundamentais de quarta dimensão compreendem “novos” direitos
referentes à biotecnologia, à bioética, à regulação da engenharia genética. Trata dos
direitos específicos que têm vinculação direta com a vida humana, coma reprodução
humana assistida (inseminação artificial), aborto, eutanásia, cirurgia intra-uterinas,
transplante de órgãos, engenharia genética (clonagem), contracepção e outros.
São direitos da quarta geração o direito à democracia, o direito à informação e o direito ao pluralismo. Deles depende a concretização da sociedade aberta do futuro, em sua dimensão de máxima universalidade, para a qual parece o mundo inclinar-se no plano de todas as relações de convivência.178
Houve um progresso muito grande das ciências biomédicas e as verdadeiras
revoluções tecnológicas no campo da saúde humana projetaram preocupações
sobre a regulamentação ética envolvendo a Biologia, Medicina e a vida humana. Em
conseqüência, surge a Bioética e o Biodireito, como forma de normalizar as
174 WOLKMER, 2003, p. 10. 175 A Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990 dispõe sobre a proteção e defesa do Consumidor. 176 A Lei 7.347, de 24 de julho de 1985 disciplina a Ação Civil Pública de responsabilidade por danos
causados ao meio-ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.
177 A Lei 8.069, de 13 de julho de 1990 dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente. 178 BONAVIDES, 2002, p. 525.
60
exigências valorativas, controlar a descobertas científicas. Deve haver regras, limites
e formas de controle que conduzem a uma prática normativa objetivando o bem-
estar e não uma ameaça ao ser humano. Esses “novos” direitos necessitam de uma
legislação regulamentadora e de uma teoria jurídica, capaz de captar as novidades e
assegurar a proteção à vida humana.179,180
Feita esta análise geral acerca dos direitos fundamentais e suas dimensões,
passa-se a analisar as teorias de eficácia desse direitos.
2.3 As teorias de eficácia dos direitos fundamentai s nas relações interprivadas
Vigência, validade e eficácia são três predicados da norma jurídica. A vigência
é a propriedade que torna exigível a observância da norma jurídica, tornando-a
obrigatória em determinado espaço em determinado tempo, enquanto não for
declarada inválida ou não for ab-rogada. É necessário, portanto, a sua promulgação
e publicação e existência de cláusula específica ou geral, informadora da data inicial
e, eventualmente, da data final de vigência.181
A validade, por sua vez, é a conformidade ou adequação da norma jurídica a
normas de hierarquia jurídica superior. A conformidade pode ser formal ou material,
daí o porque da ‘validade formal’e ‘validade material’. A primeira é determinada pela
observância das competências pessoal, procedimental e material, fixadas por
normas constitucionais, para a criação e introdução da norma no sistema jurídico
positivo. A validade material é determinada pela não-contradição entre o conteúdo
da norma inferior e o da norma(s) superior(es).182
179 WOLKMER, 2003, p. 13-14. 180 Há autores que classificam os direitos fundamentais até a quinta dimensão, que são os direitos
advindos das tecnologias de informação (internet), do ciberespaço e da realidade virtual em geral. Ver mais na obra de WOLKMER, op. cit., p. 15-16 e OLIVEIRA JUNIOR, José Alcebíades de. Teoria Jurídica e Novos Direitos. Rio de Janeiro: Lumes Iuris, 2000, p. 85 et. seq.
181 STEINMETZ, 2004, p. 40-41. 182 Ibidem, p. 41-42.
61
Já a eficácia refere-se à capacidade técnica de produzir efeitos jurídicos. Para
Steinmetz, ao contrário de outros autores183, não há diferença entre aplicabilidade e
eficácia:
[...] se por aplicabilidade se entende a qualidade do que é aplicável – isso e nada mais do que isso – e por eficácia a propriedade que habilita a norma jurídica a produzir seus efeitos jurídicos, então, não há razão suficiente para distinguir eficácia de aplicabilidade.184
Feitas essas considerações, utiliza-se as expressões Drittwirkung e State
Action para definir a eficácia dos direitos fundamentais. A doutrina e a jurisprudência
germânicas preferem associar a Drittwirkung ao problema da irradiação da ordem
constitucional dos direitos fundamentais para a ordem jurídica civil. Nesta
perspectiva, a doutrina alemã exaustivamente discorreu sobre a possibilidade de os
direitos fundamentais constituírem regra de observância obrigatória não só pelo
Estado, mas também pelos particulares nas suas relações contratuais.
A questão de oponibilidade dos direitos fundamentais aos terceiros denomina-
se Drittwirkung der Grundrechte185, cuja tradução literal significa “Efeito frente a
terceiros dos direitos fundamentais”, que consiste na aplicabilidade direta dos
direitos fundamentais a todas as relações jurídicas, o que divide a doutrina e a
jurisprudência. Assim, os direitos fundamentais protegem o indivíduo em duas
esferas: contra o Estado, e, em seguida, na esfera privada, pois criam deveres para
as partes, por meio da interpretação das cláusulas gerais à luz dos direitos
fundamentais.
183 No caso, Steinmetz faz uma análise crítica das definições de José Afonso da Silva, no já clássico
“Aplicabilidade das normas constitucionais”, em que estabelece diferenças entre eficácia e aplicabilidade. (STEINMETZ , op. cit., p. 42-46).
184 Ibidem, p. 45. 185 Relevante foi o posicionamento da Bundesverfasungsgericht (Tribunal Constitucional Federal)
que numa decisão em 1986 – caso Lüth – tratou da seguinte forma o efeito direto dos direitos fundamentais nas relações interprivadas: “Os direitos fundamentais não obrigam diretamente o juiz em sua atividade de solução de litígios de direito privado, contudo eles o obrigam na medida em que a Lei fundamental dispôs, simultaneamente, na secção consagrada aos direitos fundamentais, elementos de uma ordem jurídica objetiva. O conteúdo jurídico dos direitos fundamentais age sobre um ramo do direito por intermédio de disposições que o governam diretamente, especialmente pelas cláusulas gerais e outros conceitos que, suscetíveis de interpretação e integração, devem ser interpretados no sentido desse conteúdo jurídico, o que denominados efeito de irradiação ou de aplicação aos terceiros dos direitos fundamentais”. Cf. BverfG 23.4.1986, cit. por C. Witz, La Convention, cit. 42, citado na obra de FRADERA, Véra Maria Jacob de. O direito dos contratos no século XXI: a construção de uma noção metanacional de contrato decorrente da globalização, da integração regional e sob a influência da doutrina comparatista. DINIZ, M. H., LISBOA, R. S. (coordenação). O Direito Civil no século XXI. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 558.
62
Durante muito tempo, a discussão acerca da eficácia dos direitos fundamentais
nas relações entre particulares foi um assunto que se limitou aos debates
doutrinários e jurisprudenciais. Assim, o grande dilema é o de saber se a existência
ou não de uma previsão constitucional acerca da vinculação dos particulares aos
direitos fundamentais altera, de alguma forma, o tratamento do tema, bem como se a
vinculação deve ser direta ou indireta.186
Desta forma, algumas teorias de eficácia explicam a temática: a eficácia
horizontal e a vertical; a eficácia indireta (ou mediata) e o direta (ou imediata); a
eficácia subjetiva e a objetiva. Além destes, ainda pode-se mencionar outro modelo:
o que recusa qualquer efeito dos direitos fundamentais às relações entre cidadão e
Estado, ou seja, que recusa qualquer influência dos direitos fundamentais nas
relações que se dão exclusivamente entre os particulares (eficácia negativa).187 que
não será objeto deste estudo, face a sua ineficácia no contexto jurídico e social.
2.3.1 A eficácia horizontal e vertical 188
Uma das principais mudanças de paradigma no âmbito do Direito
Constitucional é a que se refere ao fato de que, ao contrário do quer a crença
sustentava, “não é somente o Estado que pode ameaçar os direitos fundamentais
dos cidadãos, mas também outros cidadãos, nas relações horizontais entre si”.189
186 A Constituição portuguesa de 1976, previu, em seu artigo 18º./1 a vinculação das entidades
privadas aos direitos fundamentais, mas não diz em que termos se processa essa vinculação, e não estabelece se é (ou não) idêntica àquela que obriga as entidades públicas. ANDRADE, 2004, p. 259.
187 Segundo a negação da eficácia (State Action) os direitos fundamentais surgem à época do Estado Liberal, justamente para proteger os indivíduos contra as violações por parte do Estado. Os autores que defendem esta teoria rejeitam qualquer efeito dos direitos fundamentais nos outros ramos do direito, alegando que são os direitos exercidos única e exclusivamente direitos do cidadão contra o Estado, não produzindo efeitos nas relações dos particulares entre si. Cf. SILVA, 2005, p. 70-71.
188 Para fins deste estudo, utilizam-se as expressões “eficácia vertical” – para definir as relações entre o cidadão e o Estado, como ente superior; e “eficácia horizontal” – para denominar as relações entre os particulares. Mas, segundo SARLET, a eficácia “vertical” dos direitos fundamentais não se restringe unicamente às relações entre o cidadão e o Estado, porque esta eficácia também pode estabelecer-se entre os particulares, quando houver manifesta desigualdade, caso em que se estabelece uma relação similar a que se estabelece entre o indivíduo e o Estado. (SARLET, 2000, p. 128).
189 SILVA, 2005, p. 52.
63
Nesta esteira, se nas relações interprivadas houver desigualdade fática entre
os envolvidos, destaca-se que: “quanto maior a desigualdade, mais intensa será a
proteção ao direito fundamental em jogo, e menor a tutela da autonomia privada.” Já
numa situação em que houver mais igualdade entre as partes: “a autonomia privada
vai receber uma proteção mais intensa, abrindo espaço para restrições mais
profundas ao direito fundamental com ela em conflito.”190
Destas afirmações, deduz-se que a igualdade material justifica a ampliação da
proteção dos direitos fundamentais na esfera privada. Ao contrário, quando o
ordenamento jurídico estabelece liberdade entre o forte e o fraco, esta só se torna
efetiva para o primeiro, pois a parte mais vulnerável acaba “curvando-se” diante do
arbítrio do mais poderoso.191 Portanto, a autonomia privada não pode ser ilimitada,
sob pena de violar os valores constitucionais que tutelam a pessoa humana.
A partir do momento em que o Estado deixa espaços amplos à autonomia
privada, como empresas que exercem grande influência no contexto
socioeconômico, gerando reflexos negativos, faz-se necessário o desenvolvimento
de uma teoria voltada para a vinculação horizontal dos direitos fundamentais nas
relações privadas.
Assim, a eficácia horizontal pode ser definida como aquilo que os particulares
têm em comum do ponto de vista jurídico-formal; que são igualmente titulares de
direitos fundamentais; direitos e obrigações, nas relações que mantém entre si, que
são regidos, preponderantemente, pelo Direito privado; no âmbito dos negócios
jurídicos e de outros atos jurídicos da vida privada. A autonomia privada é a
faculdade de livremente autodeterminar-se para a consecução do auto-interesse,
opera como princípio fundamental; os particulares não podem usar, entre si, a
violência legal, porque essa competência é exclusiva do Estado.192 Isto significa que,
os particulares estão num mesmo “horizonte”, em condições idênticas.
190 SARMENTO, 2004, p. 303. 191 Ibidem, p. 304-305. 192 STEINMETZ, 2004, p. 58.
64
De fato, a expressão “eficácia horizontal” tem sido rejeitada, principalmente em
face da desigualdade, sendo comparada com a relação que o particular estabelece
com o Estado, e, portanto, é de natureza vertical. Segundo Sarlet, a existência de
algum detentor de poder privado num dos pólos da relação jurídico privada poderá
justificar uma maior intervenção e controle no âmbito do exercício do dever de
proteção imposto ao Estado. Uma maior intensidade na vinculação destes sujeitos
privados bem como uma maior proteção do particular mais frágil.193Desta forma,
pode-se considerar que entre os particulares pode-se estabelecer duas relações: a
horizontal, em que as partes estão nas mesmas condições; e vertical, em que uma
das partes se encontra numa condição de superioridade.
Consoante o disposto, a eficácia horizontal ocorre, via de regra, nas relações
entre particulares, mas nem sempre as partes encontram-se no mesmo grau de
igualdade, pois uma pode ser mais forte economicamente que a outra, motivo que
pode gerar abusos, exploração e desigualdade social. Logo, mesmo nessas
relações, pode-se verificar uma eficácia vertical. Portanto, a eficácia “vertical” dos
direitos fundamentais no âmbito do Direito privado ocorre sempre que estiver em
questão a vinculação das entidades estatais (públicas) aos direitos fundamentais. É
a vinculação do legislador privado e os órgãos do poder Judiciário, no exercício da
atividade jurisdicional.194
2.3.2 A eficácia indireta (ou mediata) e direita (o u imediata) 195
Não restam dúvidas de que as duas mais importantes teorias, que se
contrapõem, são a da eficácia indireta196 e a da eficácia direta dos direitos
fundamentais na seara privada.197
193 SARLET, 2000, p. 155. 194 Ibidem, p. 109. 195 A teoria da eficácia imediata não logrou grande aceitação na Alemanha, mas é majoritária na
Espanha e em Portugal. Conforme Canaris, há diferença entre “eficácia imediata em relação a terceiros” e a “imediata vigência dos direitos fundamentais”, pois se não for assim, também a vinculação imediata do legislador aos direitos fundamentais poderia ser designada como uma eficácia imediata em relação a terceiros, o que é um contra-consenso. (CANARIS, 2003, p. 54). Autores como Bilbao Ubillos, Pedro Vega Garcia, Perez Luño, Rafale Naranjo da Cruz e outros manifestam-se pela aplicação da eficácia direta dos direitos fundamentais.
65
A teoria da eficácia indireta foi desenvolvida originariamente na doutrina alemã,
tendo como principal representante, Günter Dürig, em obra publicada em 1956, que
se tornou a concepção dominante no Direito germânico, sendo hoje adotada pela
maioria dos juristas daquele país e pela sua Corte constitucional. Trata-se de uma
construção intermediária entre a teoria que simplesmente nega a vinculação dos
particulares aos direitos fundamentais, e aquela que sustenta a incidência destes
direitos na esfera privada.198
Segundo Dürig, citado na obra de Sarmento, a autonomia privada pressupõe
que o indivíduo possa renunciar a direitos fundamentais no âmbito privado, o que
seria inadmissível nas relações com o Poder Público. A eficácia irradiante dos
direitos fundamentais acabaria por ser realizada na ausência de normas privadas, de
forma indireta, por meio da interpretação e integração das cláusulas gerais e
conceitos indeterminados do Direito privado à luz dos direitos fundamentais. O
legislador tem a tarefa de realizar, no âmbito de sua liberdade de conformação, a
aplicação às relações jurídico-privadas. Assim, “a teoria da eficácia mediata liga-se à
concepção de Constituição como ordem de valores, centrada nos direitos
fundamentais e, em especial, na dignidade da pessoa humana.” 199
Neste caso, os direitos fundamentais não são diretamente oponíveis, como os
direitos subjetivos nas relações entre particulares, mas carecem de intermediação,
196 A teoria de eficácia indireta não se confunde com a teoria dos deveres de proteção (schutzpflicht)
surgiu na Alemanha, e parte do pressuposto de que as normas definidoras de direitos fundamentais impõem ao Estado um dever de proteção dos entes privados contra as agressões aos seus direitos fundamentais. Portanto, o Estado é o destinatário principal dos direitos fundamentais, e deve intervir, de forma preventiva ou repressiva, inclusive quando se tratar de agressão derivada de outro particular. SARLET, 2000, p. 127. Ambas as teorias necessitam da mediação do legislador. A teoria dos deveres de proteção baseia-se na idéia de que a conciliação entre a autonomia privada e os direitos fundamentais deve incumbir ao legislador e não ao Judiciário. Ela resguarda a possibilidade de intervenção do Judiciário, através do controle de constitucionalidade das normas de direito privado, quando o legislador não proteger adequadamente o direito fundamental em questão ou quando não conferir o devido peso à proteção da autonomia privada dos particulares. Esta teoria também se sujeita a críticas de diversas procedências, porque desta forma, seriam concedidos poderes em demasia ao juiz constitucional, permitindo que este, com base em valorações pouco objetivas, implantasse a confusão entre as categorias tradicionais do Direito privado, aumentando a insegurança jurídica. Cf. SARMENTO, 2004, p. 260-261.
197 Para fins deste estudo, com o objetivo de facilitar a compreensão, prefere-se utilizar as expressões “eficácia indireta” e “eficácia direta”.
198 Ibidem, p. 238. 199 Ibidem, p. 238-239.
66
de uma transposição a ser efetuada precipuamente pelo legislador e, na ausência de
normas legais privadas, pelos órgãos judiciais, por meio de uma interpretação
conforme aos direitos fundamentais e, eventualmente, por meio de uma integração
jurisprudencial de eventuais lacunas, cuidando-se de uma espécie de recepção dos
direitos fundamentais pelo Direito privado.200
No âmbito das relações contratuais, a aplicação mediata significa que as
normas de direitos fundamentais preservam a autonomia privada, e traz como
exemplo o art. 13 do Código Civil: “salvo por exigência médica, é defeso o ato de
disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade
física, ou contrariar os bons costumes.” Se a aplicação foi indireta, e a norma é
constitucional, não cabe ao juiz ponderar o caso concreto, o que já foi feito pelo
legislador. Seria este um caso de Direito Civil, e não de Direito Constitucional.201
Assim, a teoria da eficácia mediata nega a possibilidade de aplicação direta
dos direitos fundamentais nas relações privadas, porque, segundo seus adeptos, a
incidência direta acabaria exterminando a autonomia da vontade e, em
conseqüência, o Direito privado seria desfigurado, ao convertê-lo numa mera
concretização do Direito Constitucional. Além disso, o poder Judiciário contaria com
um poder desmensurado, face ao grau de indeterminação das normas
constitucionais.202
Para Hesse, há uma resistência à aplicação direta dos direitos fundamentais,
pois as questões podem ser resolvidas por meio da ponderação, a fim de evitar o
risco de uma “praga” ou de uma “inflação” dos direitos fundamentais no âmbito do
Direito privado. Segundo ele, todos gozam de uma proteção dos direitos
fundamentais, que atuam contra e a favor de todos, incumbindo ao legislador
infraconstitucional a tarefa de compor estes conflitos e achar um ponto de equilíbrio,
por meio da ponderação. Há a necessidade de resolver o problema da
200 SARLET, 2000, p. 123. 201 STEINMETZ, 2004, p. 197. 202 SARMENTO, 2004, p. 239.
67
compatibilidade dos princípios constitucionais indeterminados com a necessidade de
regras claras e determinadas no domínio do Direito privado (cabe ao legislador).203
Todavia, Sarlet rebate a idéia de Hesse, afirmando que não é a existência nas
relações entre particulares, que irá afastar uma vinculação direta dos sujeitos aos
direitos fundamentais. É bem verdade que as cláusulas indeterminadas - dotadas de
abertura e indeterminação – vinculam diretamente o poder público em todas as suas
manifestações, gerando direitos subjetivos, mas não se pode negar o
reconhecimento dos direitos fundamentais como direitos subjetivos oponíveis entre
os particulares.204
Segundo Hesse, na esteira de Dürig e outros, a vinculação direta representaria
uma ameaça direta à perda de identidade e autonomia do Direito privado, colocando
em risco o próprio princípio da autonomia privada – igualmente fundamental – já que
as pessoas não poderiam renunciar às normas de direitos fundamentais
indisponíveis ao poder público. Isso geraria o fim do Direito privado, restando,
apenas, a Constituição Federal.205
Hesse defende uma vinculação indireta, em que a atuação dos órgãos
judiciais, ao aplicarem os direitos fundamentais às relações jurídico-privadas,
assumem uma função supletiva, liberando o juiz da aplicação direta, desafogando a
sua carga de responsabilidade. Todavia, ressalva-se a função de exercer o controle
de constitucionalidade das normas jurídico-privadas (infraconstitucionais), bem como
a tarefa de interpretá-las em conformidade com a Constituição, observando as
normas de direitos fundamentais como princípios objetivos, na concretização e
preenchimento dos conceitos indeterminados e interpretação das cláusulas gerais
do Direito privado.206
Para Canaris, os sujeitos de Direito privado e o seu comportamento não estão
sujeitos à vinculação imediata aos direitos fundamentais, pois estes desenvolvem os
seus efeitos por intermédio da sua função como imperativos de tutela. Os
203 HESSE apud SARLET, 2000, p. 143. 204 SARLET, op. cit., p. 144. 205 Ibidem, p. 144-145. 206 HESSE apud SARLET, 2000, p. 145.
68
destinatários das normas sobre direitos fundamentais são apenas o Estado e seus
órgãos, e não os sujeitos do Direito privado. Certamente que há exceções, mas
exigem uma fundamentação especial, que em raros casos é possível. Assim, só se
deveria falar de “eficácia direta em relação a terceiros” se os direitos fundamentais
se dirigem contra sujeitos de Direito privado como destinatários da norma.207
Desta forma, caberia ao legislador um papel principal, enquanto que ao juiz
caberia um papel coadjuvante, o que determinaria maior segurança jurídica. Além
disso, com a aplicação da teoria de vinculação indireta seria preservada a
democracia, a clássica teoria da tripartição de poderes (de Montesquieu) ou teoria
dos freios e contrapesos.208
Já a teoria da eficácia direta ou mediata foi defendida inicialmente na
Alemanha por Hans Nupperdey, na década de 50. Segundo ele, embora alguns
direitos fundamentais previstos na Constituição Federal alemão vinculam apenas o
Estado, outros, pela sua natureza, podem ser invocados diretamente nas relações
privadas, independentemente de qualquer mediação por parte do legislador, com
eficácia erga omnes. Isto porque não só o Estado pode ser uma ameaça para os
direitos fundamentais, como também os poderes sociais e terceiros em geral.209
207 CANARIS, 2003, p. 132-133. 208 Como bem lembra Ingeborg Maus, em artigo polêmico, a afirmação de superioridade intelectual
dos magistrados permitiu, no momento de enfraquecimento dos demais Poderes, que esses ao assumirem, por transferência, o papel de um superego de um macro sujeito social. Assim, mais que "guardiões" da Constituição, os membros do Tribunal Constitucional se tornaram "guardiões" de tudo o que fosse anterior à Constituição, o que incluem compreensões meramente axiológicas. Tal retorno aos valores da nação alemã acaba funcionando como mecanismo de integração da sociedade, que até antes era ocupado pelo monarca, e que perde sua força com o fortalecimento Parlamento. Para a autora: “Quando a Justiça ascende ela própria à condição de mais alta instância moral da sociedade passa a escapar de qualquer mecanismo de controle social; controle ao qual normalmente deve subordinar toda instituição do Estado em uma forma de organização política democrática. No domínio de uma justiça que contrapõe um direito “superior”, dotado de atributos morais, aos simples direitos dos outros poderes do Estado e à sociedade é notória a regressão a valores pré-democráticos de parâmetros de integração social”. MAUS, Ingeborg. O judiciário como superego da sociedade sobre o papel da atividade jurisprudencial na “sociedade de órfã.” In: Anuário dos cursos de Pós-Graduação em Direito da Universidade de Pernambuco, 2000, p. 129. Diante de tal assertiva, questiona-se: a justiça tomou o lugar dos monarcas, e desta forma, pode-se afirmar que há uma regressão ao absolutismo? Na verdade, o Judiciário tem o poder em suas mãos ao se deparar com a possibilidade de interpretação e criação jurisprudencial. A criação jurisprudencial é reflexo do autoritarismo dos juízes, e desta forma, qual o critério de legitimidade que sustenta a sua função? A transformação da constituição em uma “ordem de valores” confere às determinações constitucionais individuais, através da abertura, uma imprecisão tal, capaz de suprir e ampliar os princípios constitucionais positivados. MAUS, op. cit., p. 153.
209 SARMENTO, 2004, p. 245.
69
Esta teoria parte do pressuposto de que a vinculação apenas indireta ainda
está muito atrelada à época do Estado Liberal, e como a dignidade da pessoa
humana foi elevada ao grau máximo na pirâmide axiológica constitucional, os
direitos fundamentais vinculam diretamente os particulares.
Pode-se afirmar que o modelo indireto preconiza apenas a influência das
normas de direitos fundamentais na interpretação das normas de direito
infraconstitucional, ou seja, há uma reinterpretação do Direito infraconstitucional, não
há uma verdadeira aplicação da norma de direito fundamental às relações entre
particulares. Já o modelo direto sustenta a aplicabilidade das normas de direitos
fundamentais às relações entre particulares.210
O principal autor defensor da teoria direta é Ubillos, o qual afirma que existem
direitos fundamentais na Constituição, cuja estrutura pressupõe a eficácia horizontal
imediata, como por exemplo, os direitos à honra, à intimidade, à imagem e à
liberdade de religião. Outros, pela sua natureza, vinculam apenas ao Estado. Na
verdade, não existe uma homogeneidade entre os direitos fundamentais, de modo
que se torna necessária uma análise de cada caso, a fim de verificar a existência e a
extensão de sua eficácia horizontal. Há a necessidade de ponderar caso a caso, o
direito fundamental com a autonomia privada, o que resultará numa proteção
diferenciada dos direitos fundamentais no campo das relações públicas e
privadas.211 Portanto, ambas as modalidades são perfeitamente compatíveis.
Outro autor que apóia a vinculação direta é Vega Garcia, que considera a
eficácia direta como um mecanismo essencial de correção de desigualdades sociais,
e critica que a liberdade constitucional não pode ser confundida com a autonomia
contratual, pois numa situação de flagrante desigualdade entre as partes, não existe
efetiva liberdade.212
Isto porque a própria Constituição impõe que nas relações interprivadas sejam
tutelados os valores existenciais ameaçados pelo desequilíbrio advindo da
210 SILVA, 2005, p. 58-59. 211 BILBAO UBILLOS apud SARMENTO, op. cit., p. 247. 212 VEGA GARCIA apud SARMENTO, 2004, p. 247. A teoria da eficácia imediata não teve muita
aceitação na Alemanha, mas é majoritária na Espanha e Portugal.
70
desigualdade social, a qual se justifica historicamente, em face de desequilíbrios
análogos àquele desequilíbrio fundamental entre o Estado e o indivíduo.213
Esta teoria fundamenta-se nos princípios da “força normativa da Constituição”
e da “unidade do ordenamento jurídico”. Esta incidência é defendida por Perlingieri:
“a norma constitucional pode, também sozinha (quando não existirem normas
ordinárias que disciplinem a fattispecie em consideração), ser fonte da disciplina de
uma relação jurídica de direito civil”, o que é compatível com a preeminência das
normas constitucionais - e dos valores por elas expressos – em um ordenamento
unitário, caracterizado por tais conteúdos. A norma constitucional torna-se razão
primária e justificadora, mas não a única, se houver a possibilidade de se aplicar
determinada norma ordinária ao caso concreto. Portanto, “a normativa constitucional
não deve ser considerada sempre e somente como regra de hermenêutica, mas
também como norma de comportamento, idônea a incidir sobre o conteúdo das
relações entre situações subjetivas, funcionalizando-as aos novos valores”.214
Segundo Sarlet, as normas definidoras de direitos e garantias fundamentais
têm aplicação imediata (art. 5º, § 1º da Constituição Federal de 1988)215, o que, por
si só, já bastaria para demonstrar o tratamento diferenciado e privilegiado que os
direitos fundamentais reclamam no âmbito das relações entre direitos fundamentais
e o Direito privado. Se a influência sobre a ordem jurídico-privada não é prerrogativa
dos direitos fundamentais, também não há como negligenciar que existem fortes
razões para sustentar uma natureza qualitativamente diferenciada.216
De acordo com Sarlet, tanto o Estado quanto os particulares têm o dever de
respeitar os direitos fundamentais, uma vez que ambos podem violar esses direitos,
sendo que as violações provindas de particulares não podem ser imputadas ao
Estado. O problema não é a vinculação direta dos particulares aos direitos
fundamentais, mas a intensidade desta vinculação e quais as conseqüências
práticas a serem extraídas do caso concreto, em face do reconhecimento da
213 NEGREIROS, 2006, p. 101. 214 PERLINGIERI, 2002, p. 11-12. 215 O art. 5º, parágrafo 1º consta que: “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais
têm aplicação imediata”. 216 SARLET, 2000, p. 108.
71
peculiaridade destas relações (entre particulares), decorrentes da circunstância da
relação entre titulares de direitos fundamentais.217
As normas de direitos fundamentais não são homogêneas, tendo diversos
graus de eficácia gerando efeitos peculiares, importa em reconhecer uma eficácia
direta, mas sem feições absolutas. Por isso, é inviável advogar a existência de
soluções uniformes, pois a eficácia direta e a intensidade da vinculação destes
direitos fundamentais deve ser pautada de acordo com as circunstâncias do caso
concreto, insuficientes os modelos tradicionais adotados pela doutrina e
jurisprudência. A inviabilidade de uma eficácia direta “absoluta” e a necessidade de
se adotar soluções diferenciadas decorre também da estrutura normativa e da
natureza principiológica das normas definidoras de direitos e garantias
fundamentais. Quando houver conflitos ou situações de tensão, de acordo com o
caso concreto, o problema deve ser resolvido por meio da ponderação.218
À vista do exposto, desde que presentes os pressupostos de fato para sua
efetivação (econômicos, financeiros, e institucionais), esses direitos podem ser
considerados de aplicação imediata. Com isso, reconhece-se a existência de
eficácia jurídica obrigatória aos direitos sociais, retirando-se da exclusiva esfera
programática, contribuindo-se decisivamente à efetivação sociais desses direitos.219
Não há maiores problemas quando se trate de direitos de abstenção do
Estado, pois estes direitos não carecem, em geral, de intervenção legislativa. Então,
“o princípio da aplicabilidade directa implica sobretudo que os poderes públicos não
possam invocar a falta de regulamentação legal para proibir ou recusar o exercício
destes direitos pelos indivíduos”. Quando houver essa falta de regulamentação pelo
Estado, os preceitos constitucionais são imediatamente exeqüíveis, ainda que não
exista uma intervenção legislativa prévia. Cabe ao juiz interpretar os conceitos
imprecisos contidos nas normas jurídicas. 220
217 SARLET, 2000, p. 156. 218 Ibidem, p. 157. 219 SCHÄFER, 2005, p. 53. 220 VIEIRA DE ANDRADE, 2004, p. 208-209. Segundo o autor, o juiz pode preencher os conceitos
indeterminados, retirando dos preceitos soluções que não estejam expressamente previstas, e traz como exemplos alguns casos que aconteceram no Tribunal alemão: retirou-se da liberdade religiosa a licitude da recusa de juramento em tribunal; da liberdade de imprensa – o direito dos jornalistas de
72
Todavia, a aplicação direta de princípios constitucionais é fonte de incerteza e
de insegurança. Além da vagueza da lei, há uma quebra não só da segurança
jurídica, mas também de redução do papel da lei e dos processos democráticos,
que, desta forma, passam a ser absorvidos pelo poder Judiciário.221 Porém, a esta
teoria contrapõe-se o fato de que a segurança jurídica é um valor a ser construído
mais pela prática social, do que pela técnica legislativa. De fato, na base da
segurança jurídica está o sentimento constitucional, que consiste num consenso em
torno dos princípios básicos, que devem guiar a atividade pública e a atividade
privada. O importante é que se cumpra a Constituição, seja por meio da legislação
infraconstitucional, seja pela incidência direta de suas normas às relações
jurídicas.222
No entanto, segundo Sarmento, a questão da segurança na aplicação do
direito não pode ser encarada sob uma perspectiva ultrapassada, em que o
ordenamento jurídico era fechado, de regras prontas a uma mecânica subsunção. A
segurança não é o único valor almejado pelo Direito, e talvez nem mesmo seja o
mais importante. Ao lado ou até acima dela está a Justiça.223
Além disso, há várias formas para reduzir as incertezas, como o
estabelecimento de standards para a aplicação de cada direito fundamental nas
relações privadas, identificando os casos em que devem prevalecer sobre a
autonomia privada, bem como os casos em que deve ocorrer o contrário. Esta
ponderação é feita pela doutrina e jurisprudência, na ausência de leis, reduzindo as
margens de subjetividade, fortalecendo a segurança jurídica.224
Outro argumento é o de que a aplicação direta da Constitucionalização, sem
mediação do legislador infraconstitucional, esvazia os processos democráticos,
tendo como conseqüência a substituição da função legislativa pela função
jurisdicional. No entanto, segundo Sarmento, a idéia de Constituição como norma e
não revelarem as fontes de informação; da intimidade da vida privada – a nulidade das provas obtidas por escuta; da liberdade sindical – a capacidade judiciária dos sindicatos. Cf. Ibidem, p. 209.
221 HESSE apud NEGREIROS, 2006, p. 85. 222 NEGREIROS, 2006, p. 86. 223 SARMENTO, 2004, p. 285-286. 224 SARMENTO, 2004, p. 286.
73
o Poder Judiciário como seu guardião, derruba o argumento da ilegitimidade
democrática da incidência direta dos direitos fundamentais.225
Portanto, os motivos contrários à eficácia direita dos direitos fundamentais são
as seguintes: a) Compromete em demasia a autonomia privada; b) É
antidemocrática, pois importa em atribuição de poder excessivo ao juiz, em
detrimento do legislador, o qual deve ponderar os direitos e interesses
constitucionais em jogo; c) Gera mais insegurança jurídica; d) Coloca em risco a
autonomia e a identidade do direito privado, permitindo sua “colonização” pelo direito
constitucional; e) As funções do juiz constitucional e do juiz civil passam a se
confundir, ou seja, caberia ao segundo cuidar da sua especialidade, deixando as
questões constitucionais para o Tribunal constitucional.226 Tais objeções são, para
os defensores da teoria direta, improcedentes, pelos motivos anteriormente
expostos.
Ambas têm em comum é a superação liberal burguesa de que os direitos
fundamentais são oponíveis apenas e sempre contra o Estado, com a necessidade
de assegurar aos indivíduos um espaço de liberdade e autonomia, assim como para
garantia de certos direitos fundamentais contra as ingerências indevidas do poder
público, ao mesmo na sua condição de direitos de defesa. Essas teorias partem do
pressuposto de que os direitos fundamentais expressam uma ordem de valores
objetiva, cujos efeitos normativos alcançam todo o ordenamento jurídico, no âmbito
do que se convencionou chamara de “eficácia irradiante”. Tanto os adeptos a teoria
da eficácia indireta quanto os que sustentam a eficácia direta dos direitos
fundamentais nas relações privadas, tem reconhecido uma vinculação direta no caso
de entidades dotadas de poder social – particular/Estado.227
Segundo Vieira de Andrade, a “aplicabilidade direta dos preceitos relativos aos
direito, liberdades e garantias não visa apenas garantir a prevalência destes
preceitos ao nível da validade, mas também ao nível da aplicação, incluindo,
portanto, a sua eficácia imediata”. O problema é o de saber em que sentido e com
225 Ibidem, p. 284 226 Ibidem, p. 281-282. 227 SARLET, 2000, p. 140.
74
que alcance. A aplicação direta caberia nos casos em que não exista legislação
sobre a matéria ou quando esta for deficitária, no caso de falta ou insuficiência de
lei. Neste caso, o princípio da aplicabilidade direta valerá como indicador da
exeqüibilidade potencial das normas constitucionais, presumindo-se a sua
“perfeição”. É atribuída uma função interpretativa aos juízes e aos demais
operadores jurídicos.228 Portanto, esse autor português vale-se de uma posição
intermediária.
Se o princípio da dignidade da pessoa é o centro de gravidade da ordem
jurídica, que legitima, condiciona e modela o direito positivado, então deve ser aceita
a teoria direta.229 Os adeptos desta teoria não negam a existência de
especificidades, motivo pelo qual, não se trata de uma teoria radical, pois é
reconhecido certo grau de disponibilidade e de renunciabilidade, o que não afasta
uma vinculação direta dos particulares. Assim, ambas as teorias podem prevalecer,
e que não são, portanto, excludentes.
Por derradeiro, defende-se aqui a opinião de que a eficácia nas relações
contratuais não deve ser direta nem indireta, mas, sim, uma teoria de eficácia
intermediária (e não radical), que tenha nos princípios constitucionais o seu valor
principal. Portanto, defende-se uma eficácia residual, ou seja, a eficácia direta seria
utilizada somente quando houvesse a falta de alguma lei infraconstitucional (lacuna),
ou, havendo a lei regulamentadora, mas esta é contrária aos parâmetros e princípios
constitucionais. Não se pode olvidar, que o juiz230 é obrigado a emitir uma decisão
fundamentada, não podendo eximir-se desta importante responsabilidade.
2.3.3 Eficácia subjetiva e objetiva
A partir do caso Lüth é que surgiram os conceitos de “ordem de valores
objetiva” e “normas objetivas”, como princípios objetivos ordenativos básico que
228 VIEIRA DE ANDRADE, 2004, p. 207-208. 229 SARMENTO, 2004, p. 288. 230 Nota-se a importância da hermenêutica jurídica no momento de interpretar e aplicar as normas ao
caso concreto.
75
vinculam todos os poderes públicos, incluindo o legislador, e que influenciam ou
“iluminam” na interpretação de todo o Direito, inclusive a esfera privada, levando
esse Tribunal a determinar, pela primeira vez, a “força expansiva” ou “irradiante” dos
direitos fundamentais.231 Foi inaugurada, desta forma, uma nova fase, ou seja, a
possibilidade de se aplicar a dimensão objetiva dos direitos fundamentais nas
relações privadas. Nesse caso ficou bem clara a vinculação do Direito privado à
Constituição.
Como a dimensão objetiva está ligada a uma idéia de “eficácia irradiante” das
normas constitucionais que os prevêem, pode-se falar de uma efeito “externo”, que
vai além das relações entre os particulares e o Estado (efeito interno), e que exprime
uma eficácia “fora do âmbito dessas relações”.232
A eficácia irradiante faz parte do processo de constitucionalização do direito
infraconstitucional, sobre o qual passam a incidir os valores da Constituição Federal.
Neste sentido, o aplicador do Direito passa a ter um papel relevante, no que
concerne à interpretação e aplicação dos valores constitucionais. Em relação à
eficácia irradiante:
Esta significa que os valores que dão lastro aos direitos fundamentais penetram por todo o ordenamento jurídico, condicionando a interpretação das normas legais e atuando como impulsos e diretrizes para o legislador, a administração e o Judiciário. A eficácia irradiante, neste sentido, enseja a ‘humanização’ da ordem jurídica, ao exigir que todas as suas normas sejam, no momento da aplicação, reexaminadas pelo operador do direito com novas lentes, que terão as cores da dignidade humana, da igualdade substantiva e da justiça social, impressas no tecido constitucional.233
Esta eficácia manifesta-se na interpretação e aplicação das cláusulas gerais e
conceitos jurídicos indeterminados, presentes na legislação infraconstitucional. Por
exemplo, conceitos de boa-fé, ordem pública, interesse público, abuso de direito,
bons costumes – devem ser interpretados à luz dos direitos fundamentais.234
231 QUEIROZ, 2002, p. 269. 232 VIEIRA DE ANDRADE, 2004, p. 145-146. 233 SARMENTO, 2004, p. 155. 234 Ibidem, p. 158.
76
Assim, a dimensão objetiva prevê não apenas como direitos subjetivos de
defesa, mas como normas objetivas. Os efeitos diretos são, pois: a irradiação dos
direitos fundamentais em todos os âmbitos do direito; os direitos fundamentais como
direitos à proteção (deveres de proteção do Estado); e a eficácia de direitos
fundamentais nas relações interprivadas. Os direitos fundamentais na sua dupla
dimensão objetiva e subjetiva também se fazem presentes tanto na condição de
direitos e prestações (positivas), quanto na forma de proteção de direitos de defesa
(negativos). As normas de direitos fundamentais impõem ao Estado deveres gerais e
específicos de proteção, gerando a dimensão prestacional, o direito à proteção. A
função defensiva negativa se faz presente na proteção da liberdade pessoal e
demais bens fundamentais contra ingerências indevidas por parte dos poderes
públicos e também de agressões oriundas de outros sujeitos particulares.235 Tanto
os particulares quanto os poderes estatais, principalmente o legislador e os órgãos
jurisdicionais, estão vinculados diretamente pelas normas definidoras dos direitos
fundamentais, os quais tem um dever de proteção.
Na verdade, a dimensão objetiva serviu de ponto de partida para o
desenvolvimento da teoria dos deveres de proteção do Estado, simultaneamente
autorizando e impondo ações do poder público no sentido de proteger os direitos
fundamentais também de agressões oriundas de particulares, poderosos ou não.
Sob a teoria jurídico-subjetiva, verifica-se que cada titular de direitos fundamentais
encontra-se assegurada a possibilidade de opor seu próprio Direito em relação a
terceiros, assim como exigir do Estado que se desincumba do dever de proteção. 236
Para Vieira de Andrade, a “dimensão objetiva reforçaria, assim, a
imperatividade dos ‘direitos’ individuais e alargaria a sua influência normativa no
ordenamento jurídico e na vida da sociedade”.237 E continua:
Só que a doutrina constitucional refere a dimensão objetiva em contextos e com alcances variados: a propósito das ‘garantias institucionais’, da ‘eficácia externa ou horizontal’ dos direitos, do seu ‘efeitos de irradiação’ para toda a ordem jurídica, dos ‘deveres de proteção do Estado contra terceiros, das normas de direito organizatório’ e de ‘direito procedimental’
235 STEINMETZ, 2004, p. 124. 236 SARLET, 2000, p. 158. 237 VIEIRA DE ANDRADE, 2004, p. 115.
77
necessárias ou convenientes para uma efectiva aplicação dos preceitos relativos aos direitos fundamentais.238
Algumas funções e efeitos, no entanto, requerem uma dimensão subjetiva, na
medida em que se aceita haver faculdades ou direitos subjetivos à proteção, à
organização e ao procedimento, bem como direitos a prestações, de participação e
de defesa no âmbito das próprias garantias institucionais. A dimensão objetiva, por
sua vez, engloba a própria dimensão subjetiva, pois as próprias faculdades que
constituem as posições jurídicas subjetivas, resultam das normas. Além disso, há
fortes razões que se autorizem todos os efeitos característicos da dimensão
subjetiva, remetendo para uma dimensão objetiva em sentido estrito apenas aqueles
efeitos que complementam ou transcendem o âmbito específico da categoria ‘direito
subjetivo’.239
Conforme Vieira de Andrade, o direito subjetivo “implica um poder ou uma
faculdade para a realização efectiva de interesses que são reconhecidos por uma
norma jurídica como próprios do respectivo titular”. A dimensão objetiva e
instrumental surge porque a Constituição estabelece ou impõe deveres,
notadamente às entidades públicas, com a função principal e a intenção de garantir,
realizar e promover a dignidade da pessoa humana, centrada em posições
subjetivas. Todavia, o indivíduo não conta com poder ou disponibilidade.240
Desta forma, destaca-se a dupla dimensão dos direitos fundamentais. Nesta
perspectiva, o Estado passou a ter um dever de proteção dos direitos fundamentais,
a vinculação dos poderes estatais aos direitos fundamentais não se limitaria ao
cumprimento do dever principal, mas implicaria o dever de promoção e de proteção
dos direitos perante quaisquer ameaças, a fim de assegurar a sua efetividade. A
primitiva idéia de que os direitos de defesa das relações indivíduo-Estado não
permitiria conceber o Estado como protetor efetivo dos direitos fundamentais.241
238 Ibidem, p. 115-116. 239 Ibidem, p. 116. 240 Ibidem, p. 142-143. 241 Ibidem, p. 146-147. Importante ressaltar que as funções que o Estado sempre desempenhou uma
função de proteção às liberdade, porém, na concepção de Estado-prestador, passou-se de uma concepção passiva para uma postura ativa do Estado, no sentido de garantir de forma efetiva os direitos fundamentais.
78
Portanto, cabe ao Estado instituir políticas públicas, a fim de promover os
direitos humanos e fundamentais, pois assumiu o compromisso de proteger seus
titulares, diante de lesões e ameaças de terceiros.
2.4 Os conflitos entre regras e a colisão de princí pios constitucionais
O conflito de normas242,243,244(gênero), compreende a possibilidade de conflitos
de regras – conhecida como antinomia, e a colisão245 de princípios constitucionais.
No primeiro caso – conflito de regras - é preciso que as duas sejam válidas, caso em
que o aplicador do Direito ficará num dilema, pois terá que escolher entre uma das
normas conflitantes, a partir de critérios normativos, princípios jurídico-positivos.
Os critérios para a solução de antinomias no Direito interno são o hierárquico –
lex superior derogat legi inferiori246 – baseado na superioridade de uma fonte de
produção jurídica sobre a outra, ou seja, num conflito entre diferentes níveis, a lei de
nível mais alto terá preferência sobre a de nível mais baixo. O outro critério é o
242 Aqui é utilizado o conceito de norma como gênero, em que as regras e os princípios são as
espécies. 243 No constitucionalismo contemporâneo é muito normal a existência de colisões de normas
constitucionais, tanto as de princípios como as de direitos fundamentais , pois as Constituições modernas consagram bens jurídicos que se contrapõem. Assim, por exemplo, há um choque entre a promoção do desenvolvimento e a proteção ambiental, entre a livre-iniciativa e a proteção do consumidor; a liberdade religiosa de um indivíduo pode conflitar-se com a de outro, o direito de privacidade e a liberdade de expressão vivem em tensão contínua, a liberdade de reunião de alguns pode interferir com o direito de ir e vir dos demais. Muitas vezes, inclusive, duas normas de mesmo valor hierárquico podem chocar-se, caso em que entra o papel do intérprete criará o Direito aplicável ao caso concreto. Cf. BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito. O triunfo tardio do Direito Constitucional no Brasil. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 851, 1 nov. 2005. Disponível em: WWW.jus.com.br. Acesso em: 15 out. 2006, p. 7-8.
244 Exemplo clássico de conflito entre Constituição e direito ordinário, é a pretensão de um filho, concebido fora do casamento, dirigida contra a mãe, a fim de obter informações acerca do seu pai biológico. Nesta esteira, há um conflito entre o direito fundamental do filho. No plano do direito civil, ou seja, digamos que a mãe tenha mantido relações sexuais com diversos homens, e que estes vivam no momento, casamentos intactos. Por um lado, a filha tem direito de saber a identidade do seu pai; de outro, a privacidade da mãe (e dos parceiros) deve ser respeitada. Ver mais detalhes em: CANARIS, 2003, p. 91-93.
245 Exemplo clássico de colisão de princípios é da livre concorrência e o princípio da defesa do consumidor, ambos do art. 170 da Constituição Federal. Outra colisão é o do princípio da privacidade – art. 5º, inciso X – e a liberdade de comunicação social – art. 220, ambos da Constituição Federal. O passo é a tentativa de conciliação entre ambos os princípios em choque. Em segundo lugar, a pertinência e o de peso maior – o que é discutível, já que a Carta Magna não estabeleceu uma escala de valores axiológicos. Cf. FERREIRA FILHO, 1999, p. 395.
246 A expressão significa que “a lei superior revoga a lei inferior.”
79
cronológico – lex posterior derogat legi priori247 – significa que a norma editada
posteriormente prevalece sobre a anterior, fixada em primeiro lugar e que a
contradiz. Esse princípio também poderá ser aplicado quando normas antinômicas
forem estabelecidas por órgãos diferentes.
Ao lado destes, ainda há o critério da especialidade – lex specialis derogat legi
generali – com recuso aos meios interpretativos. Uma norma é especial se possui
todos os elementos previstos numa lei geral e mais alguns de natureza objetiva ou
subjetiva, denominados especializantes. A norma especial acrescenta alguns
elementos previstos na norma geral, tendo prevalência sobre esta, afastando-se o
“bis in idem”, pois o comportamento só se enquadrará na norma especial, embora
também previsto na norma geral.
Assim, o conflito de regras pode ser resolvido com a introdução de uma
cláusula de exceção, mas também é possível proceder de acordo com a importância
das regras em conflito. A decisão é, pois, acerca da validade da regra (a validade
não é gradual, pois ou a norma é válida, ou não).248
Una norma vale o no vale jurídicamente. Que una regla vale y es aplicable a un caso significa que vale también su consecuencia jurídica. Cualquiera que sea la forma como se los fundamente, no puede ser el caso que valgan dos juicios concretos de deber ser recíprocamente contradictorios. Si se constata la aplicabilidad de dos reglas con consecuenciais recíprocamente contradictorias en el caso concreto y esta contradicción no puede ser eliminada mediante la introducción de una cláusula de excpeción, hay entonces que declarar inválida, por lo menos, a una de las reglas.249
Já a solução para a colisão dos princípios é bem diferente da solução do
conflito de regras. Quando os princípios entram em colisão, ou seja, quando um
princípio proíbe e o outro permite, um deles tem que ceder ao outro. Isto não
significa que um dos princípios passa a ser inválido, nem que seja incluída uma
cláusula de exceção. Um dos princípios precede ao outro. Na verdade, os princípios 247 A expressão significa que “a lei posterior revoga a anterior.” 248 ALEXY, 1993, p. 88. 249 Ibidem, p. 88. Na tradução livre: “Uma norma vale ou não juridicamente. Que uma regra vale e é
aplicável a um caso significa que vale também sua conseqüência jurídica. Qualquer que seja a forma de fundamento, não pode ser o caso que vale dos juízos concretos do dever ser reciprocamente contraditórios. Se se constata a aplicabilidade de as regras com conseqüências reciprocamente contraditórias no caso concreto e esta contradição não pode ser eliminada mediante a introdução de uma clausula de exceção, então deve ser declarada inválida, pelo menos, uma das regras.”
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possuem diferentes pesos e que prevalece o de maior peso.250 Portanto, no conflito
de regras prevalece a validade, ao passo que no conflito entre princípios prevalece o
de maior peso.
Desta diferença, surgiu o diferente comportamento entre conflito e colisão, ou
seja: “los principios han sido definidos como mandatos de optimización y las reglas
como normas que sólo pueden ser cumplidas o no. De esta diferencia surgió el
diferente comportamiento de conflicto y colisión”.251
Dworkin defende um modelo em que as regras, quando valem, são aplicadas
de uma maneira de “todo-o-nada”, no entanto, os princípios possuem uma razão que
indica uma direção, que tem como conseqüência uma determinada decisão. No caso
das regras, é possível inserir uma cláusula de exceção.252
Para distinguir princípios e regras, considera-se que “si colisionando con una
determinada norma cede siempre o triunfa siempre, es que estamos ante una regla;
si colisionando con otra norma cede o triunfa según los casos, es que estamos ante
un principio”.253
Todavia, a ponderação ou balanceamento utilizada via de regra na colisão de
princípios, também é possível quando duas regras entram em conflito. Isto porque
nem sempre uma das regras é inválida, caso em que cabe a atribuição de um peso
maior a uma delas. A referida matéria, no entanto, deve ser repensada não é
pacífica, pois pode haver casos em que as duas regras são perfeitamente válidas.
Para Ávila: “as regras entram em conflito sem que percam sua validade, e a solução
para o conflito depende de atribuição de peso maior a uma delas”.254
250 ALEXY, 1993, p. 89. 251 Ibidem, p. 98. Na tradução livre: “Os princípios têm sido definidos como mandados de otimização,
e as regras, como normas que só podem ser cumpridas ou não. Desta diferença, surgiu o diferente comportamento de conflito e colisão”.
252 Ibidem, p. 99-100. 253 SANCHÍS, Luis Prieto. Ley, principios, derechos. Instituto de derechos humanos “Bartolome de las
casas”, Universidad Carlos II de Madrid, Dykinson, Madrid, 1998, p. 58. Na tradução livre: “Se numa colisão com uma determinada norma cede sempre ou triunfa sempre, é que estamos diante de uma regra; se numa colisão com outra norma cede ou triunfa segundo os casos, é que estamos diante de um princípio”.
254 ÁVILA, 2005, p. 44. O autor ainda traz os seguintes exemplos, em que nenhuma das regras é inválida, motivo pelo qual também caberia a aplicação da ponderação de valores: uma regra do
81
A par disso, Ávila considera que, em primeiro lugar, deve-se verificar a
diferença hierárquica entre as normas, pois podem ser constitucionais ou
infraconstitucionais, caso em que deve prevalecer a norma hierarquicamente
superior, seja ela princípio ou regra. Para o autor, ao contrário da maioria, no caso
de conflito entre regra constitucional e um princípio legal – deve prevalecer a
primeira. Se houver conflito entre uma regra geral e um princípio constitucional –
deve prevalecer o segundo, o que demonstra a primazia da Constituição Federal, ou
seja, nessas hipóteses, não depende da espécie normativa, mas da hierarquia.
Todavia, se as normas forem de mesmo nível hierárquico, deve ser dada primazia à
regra.255 O que importa é a concretização dos fins previstos pela Carta Magna.
2.4 O princípio da proporcionalidade 256
Em primeiro lugar, podemos considerar que as expressões257 “adequação”,
“ponderação” ou “harmonização” são todos sinônimos do princípio da
proporcionalidade. Estes são os mecanismos necessários à solução de conflitos
Código de Ética Médica determina que o médico deve dizer para seu paciente toda verdade sobre sua doença, e outra regra estabelece que o médico deve utilizar todos os meios disponíveis para curar seu paciente. O fato é que a doença pode se agravar se o paciente souber da verdade. Como solucionar esse caso, se as duas regras são válidas? Caberia, nesse caso, uma atividade de sopesamento entre razões. Além desse, o autor, ainda traz outros dois exemplos, em que é viável a aplicação do ponderação no conflito entre regras, mas que não será objeto principal do presente estudo. Ibidem, p. 254.
255 O autor ainda traz como exemplo o conflito entre o princípio da liberdade de manifestação de pensamento e a regra da imunidade dos livros, deve prevalecer a segunda. Assim, “a interpretação da regra depende da simultânea interpretação do princípio, e vice-versa”. A única hipótese plausível de se atribuir “prevalência” a um princípio constitucional em detrimento de uma regra constitucional seria por uma razão extraordinária que impedisse a aplicação da regra. Por exemplo, no conflito em que de um lado está a dignidade da pessoa humana, e de outro, a regra que estabelece ordem de pagamento dos precatórios. Neste caso seria mais correto falar em inexistência de conflito, pois não haveria duas normas a serem aplicadas. Então, a regra deixaria de ser aplicada por uma razão extraordinária, tendo em vista o princípio da razoabilidade. Cf. ÁVILA, 2005, p. 85.
256 Importante destacar, de início, que para os fins da presente dissertação adotamos a expressão “princípio da proporcionalidade”, que possui como subprincípios a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito, que é a ponderação propriamente dita.
257 Não se deve confundir, como faz grande parte da doutrina, o princípio da proporcionalidade com a simples exigência de razoabilidade, derivada do direito norte-americano. A proporcionalidade confere um maior poder ao Judiciário, quando da análise de uma colisão entre princípios constitucionais, de uma lei ou de um ato administrativo. Não basta que a medida seja razoável; será necessário que a proporção que se conferiu a cada interesse (ou direito) em jogo não seja ultrapassada. Cf. BORNHOLDT, 2005, p. 166.
82
entre princípios e regras.258 Na verdade, a idéia de “proporcionalidade” decorreu de
uma limitação do poder estatal em benefício da garantia de integridade física e moral
dos que lhe estão sub-rogados.
O princípio da proporcionalidade aparece como uma variável importante para o
controle de constitucionalidade das restrições resultantes de atos normativos ou
fáticos estatais (legislativos, judiciais e administrativos). Este princípio focaliza uma
dimensão ou função de restrição das restrições (limite dos limites) a direitos
fundamentais e/ou bens constitucionalmente protegidos no âmbito das relações
entre indivíduo e Estado.259
É de se verificar que o princípio da proporcionalidade preconiza a estruturação
de uma relação meio-fim, na qual o fim é o objetivo ou finalidade perseguida pela
restrição e o meio é a própria decisão normativa – legislativa, administrativa, judicial
ou contratual – limitadora que pretende tornar possível o alcance ou a promoção do
fim almejado. Esse princípio ordena que a relação entre o fim que se pretende e o
meio utilizado dever se adequado, necessário e proporcionado.260
Sem uma relação meio/fim não se pode realizar o exame do postulado da proporcionalidade, pela falta de elementos que o estruturem. Neste sentido, importa investigar o significado de fim: fim consiste num ambicionado resultado concreto (extrajurídico); um resultado que possa ser concebido mesmo na ausência de normas jurídicas e de conceitos jurídicos, tal como obter, aumentar ou extinguir bens, alcançar determinados estados ou
258 O conceito mais utilizado pelos juristas brasileiros é o “princípio da proporcionalidade” em
detrimento a outras denominações. Esta expressão também é encontrada na Lei 9.784, de 29 de janeiro de 1999, art. 2º, caput – Lei que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal. Não se sabe até o momento, se as diferenças conceituais têm alguma repercussão no plano hermenêutico-constitucional.
259 STEINMETZ, 2005, p. 12-13. 260 Porém, o princípio da proporcionalidade não se confunde com o de razoabilidade: “A
razoabillidade como dever de harmonização do geral com o individual (dever de eqüidade) atua como instrumento para determinar as circunstâncias de fato devem ser consideradas com a presunção de estarem dentro da normalidade, ou para expressar que a aplicabilidade da regra geral depende de enquadramento do caso concreto. Nessas hipóteses, princípios constitucionais sobrejacentes impõem verticalmente determinada interpretação. Não há, no entanto, nem entrecruzamento horizontal de princípios, nem relação de causalidade entre um meio e um fim. Não há espaço para afirmar que uma ação promove a realização de um estado de coisas.” A razoabilidade como dever de vinculação de duas grandezas (dever de equivalência), semelhante à exigência de congruência, impõe uma relação de equivalência entre a medida adotada e o critério que a dimensiona. Exige-se uma relação entre critério e medida (e não entre meio e fim, como ocorre na proporcionalidade). É plausível enquadrar a proibição do excesso e a razoabilidade no exame da proporcionalidade em sentido estrito, pois nesta, há amplo dever de ponderação de bens, princípios e valores, em que a promoção de um não implica a aniquilação de outro, sendo a proibição do excesso incluída no exame da proporcionalidade. Cf. ÁVILA, 2005, p. 110-111.
83
preencher determinadas condições, dar causa a ou impedir a realização de ações. [...] Fim significa um estado desejado de coisas. Os princípios estabelecem, justamente, o dever de promover fins. Para estruturar a aplicação do postulado da a proporcionalidade é indispensável a determinação progressiva do fim. Um fim vago e indeterminado pouco permite verificar se ele é, ou não, gradualmente promovido pela adoção de um meio. Mais do que isso, dependendo da determinação do fim, os próprios exames se modificam; uma medida pode ser adequada, ou não, em função da própria determinabilidade do fim.261
Estes fins ainda podem ser: a) Internos – refere-se à própria pessoa ou
situação objeto de comparação e diferenciação ou b) Externos – referem-se a
finalidades atribuídas ao Estado, e que possuem uma dimensão extrajurídica, ou
seja, são aqueles que podem ser empiricamente dimensionados, de modo que se
possa dizer que determinada medida seja maio para atingir determinado fim (relação
causal). São fins externos os fins sociais e econômicos.262
Como se observa, a proporcionalidade263 é o método que consiste em adotar
uma decisão de preferência entre os direitos ou bens em conflito; o método que
determinará qual o direito ou bem, e em que medida, prevalecerá, solucionando a
261 ÁVILA, 2005, p. 114. 262 Ibidem, p. 114-115. 263 Um exemplo clássico de aplicação do princípio da proporcionalidade foi o julgamento do Habeas
Corpus no 82.424, do Rio Grande do Sul, no Supremo Tribunal Federal, envolvendo crime de racismo e anti-semitismo, em que figurava como paciente, o editor Siegfried Ellwanger, e a autoridade co-autora, o Superior Tribunal de Justiça. Em síntese, a ementa diz o seguinte: EMENTA: HABEAS-CORPUS. PUBLICAÇÃO DE LIVROS: ANTI-SEMITISMO. RACISMO. CRIME IMPRESCRITÍVEL. CONCEITUAÇÃO. ABRANGÊNCIA CONSTITUCIONAL. LIBERDADE DE EXPRESSÃO. LIMITES. ORDEM DENEGADA. 1. Escrever, editar, divulgar e comerciar livros "fazendo apologia de idéias preconceituosas e discriminatórias" contra a comunidade judaica constitui crime de racismo sujeito às cláusulas de inafiançabilidade e imprescritibilidade (CF, artigo 5º, XLII). [...] Concepção atentatória dos princípios nos quais se erige e se organiza a sociedade humana, baseada na respeitabilidade e dignidade do ser humano e de sua pacífica convivência no meio social. [...] A Constituição Federal de 1988 impôs aos agentes de delitos dessa natureza, pela gravidade e repulsividade da ofensa, a cláusula de imprescritibilidade [...] Discriminação que, no caso, se evidencia como deliberada e dirigida especificamente aos judeus, que configura ato ilícito de prática de racismo, com as conseqüências gravosas que o acompanham. 13. Liberdade de expressão. Garantia constitucional que não se tem como absoluta. Limites morais e jurídicos. O direito à livre expressão não pode abrigar, em sua abrangência, manifestações de conteúdo imoral que implicam ilicitude penal. 14. As liberdades públicas não são incondicionais, por isso devem ser exercidas de maneira harmônica, observados os limites definidos na própria Constituição Federal (CF, artigo 5º, § 2º, primeira parte). O preceito fundamental de liberdade de expressão não consagra o "direito à incitação ao racismo", dado que um direito individual não pode constituir-se em salvaguarda de condutas ilícitas, como sucede com os delitos contra a honra. Prevalência dos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade jurídica. 15. "Existe um nexo estreito entre a imprescritibilidade, este tempo jurídico que se escoa sem encontrar termo, e a memória, apelo do passado à disposição dos vivos, triunfo da lembrança sobre o esquecimento". No Estado de Direito Democrático devem ser intransigentemente respeitados os princípios que garantem a prevalência dos direitos humanos. Decisão: O Tribunal, por maioria, resolvendo a questão de ordem, não viu condições de deferimento do habeas-corpus de ofício. Fonte: www.stf.gov.br. Acessado em 31 de março de 2006.
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colisão. Para a aplicação da ponderação são necessários alguns pressupostos: a
colisão de direitos fundamentais e bens constitucionalmente protegidos; e a
inexistência de uma hierarquia entre os direitos em colisão.
As idéias de ponderação (Abwägung) ou de balanceamento surgem quando há
a necessidade de ‘encontrar o direito’ para resolver ‘casos de tensão’ entre bens
juridicamente protegidos. Fala-se, portanto, em “ponderação no direito
constitucional”.264
[...] no momento da ponderação está em causa não tanto atribuir um significado normativo ao texto da norma, mas sim equilibrar e ordenar bens conflitantes (ou pelo menos, em relação de tensão) num determinado caso. Neste sentido, o balanceamento de bens situa-se a jusante da interpretação. A actividade interpretativa começa por uma reconstrução e qualificação e qualificação dos interesses ou bens normativos a aplicar. Por sua vez, a ponderação visa elaborar critérios de ordenação para, em face dos dados normativos e factuais, obter a solução justa para o conflito de bens.265
Para a aplicação deste princípio é necessário o pressuposto de dois bens ou
direitos conflitantes que, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, não
podem ser ‘realizadas’ ou ‘optimizadas’ em todas as suas potencialidades. Excluem-
se relações de preferência, pois nenhum bem é excluído. Isto implica a verificação e
ordenação, em cada caso, de esquemas de prevalência parciais ou relativos,
porque, em alguns casos, a prevalência pode pender para um lado, noutros para
outro, segundo as ponderações ou balanceamentos efetuados. É indispensável a
justificação e motivação da regra de prevalência parcial assente na ponderação, com
observância dos princípios constitucionais da igualdade, da justiça, da segurança
jurídica.266
A análise do conteúdo dessa lei mostra que a ponderação consiste em três passos. Primeiro: determinação (‘mensuração’) do grau de não-satisfação ou de não-realização de um princípio (o princípio restringido). Trata-se de ‘quantificar’ o grau da intensidade da intervenção ou da restrição. Segundo: avaliação da importância (‘peso’) da realização do outro princípio (o princípio oposto). Terceiro: demonstração de se a importância da realização do princípio oposto justifica a não-realização do princípio restringido.267
264 CANOTILHO, 1998, p. 1109. 265 Ibidem, p. 1110. 266 Ibidem, p. 1112-1113. 267 STEINMETZ, 2004, p. 214.
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Desta forma, para a aplicação da ponderação, algumas etapas são
fundamentais: a primeira é a fase da preparação da ponderação –
(Abwägungsvorbereitung) – em que devem ser analisados todos os elementos e
argumentos, o mais exauriente possível; na segunda etapa é feita a realização da
ponderação (Abwägung), em que se vai fundamentar a relação estabelecida entre
os elementos objeto de sopesamento. No caso da ponderação de princípios – deve
ser indicada a primazia de um sobre o outro. Na terceira etapa – é feita a
reconstrução da ponderação (Rekonstruktion der Abwägung), mediante a
reformulação de regras de relação, inclusive é estabelecida a primazia entre os
elementos objeto de sopesamento, com a pretensão de validade.268
A ponderação269 pode ser descrita como uma técnica de decisão própria para a
solução de casos difíceis (também conhecidos como hard cases), para os quais o
raciocínio tradicional da subsunção não é adequado. A subsunção pode ser descrita
como: premissa maior – o enunciado normativo, que incide sobre a premissa menor
– fatos, produzindo como conseqüência a aplicação da norma ao caso concreto.270
Hoje, incidem sobre os casos difíceis o que ocorre é que diversas premissas maiores
igualmente válidas e de mesma hierarquia, indicam soluções normativas diversas e
muitas vezes contraditórias para o mesmo caso, em que a subsunção271 clássica
não é suficiente.272
Na aplicação do princípio da proporcionalidade são inevitáveis as restrições a
direitos fundamentais que se chocam. Os princípios fundamentais exigem uma
proteção mais ampla possível de bens protegidos. Segundo Alexy:
268 ÁVILA, 2005, p. 95-96. 269 Aqui, a ponderação é utilizada como sinônimo de proporcionalidade. 270 Não se pode olvidar que, até recentemente, a ponderação estava relacionada apenas àqueles
casos em que dois ou mais princípios de mesma hierarquia entravam em conflito, como a liberdade de expressão e de imprensa versus os direitos à honra, à intimidade e à vida privada. Nestes casos, a subsunção simples era suficiente para a solução da controvérsia. Hoje, porém, o intérprete passou a ter as suas responsabilidades ampliadas, notadamente a força da argumentação jurídica foi ampliada.
271 Hoje, no entanto, a subsunção clássica, baseada no princípio cronológico e da especialidade, não é suficiente, motivo pelo qual, numa sociedade complexa, globalizada e massificada, destaca-se o princípio da proporcionalidade.
272 BARCELLOS, Ana Paula. Alguns parâmetros normativos para a ponderação constitucional. In: BARROSO, Luís Roberto. (Org.) A nova interpretação constitucional – Ponderação, Direitos Fundamentais e Relações Privadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 55.
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Por ello, una restricción de um bien protegido es siempre también una restricción de una posición prima facie concedida por el principio de derecho fundamental. [...] las restricciones de derechos fundamentales son normas. [...] Una norma puede ser una restricción de derecho funfamental sólo si es constitucional.273
Determinada norma pode deixar de ser aplicada em face das razões
substanciais consideradas pelos aplicador/intérprete, mediante condizente
fundamentação.274 Deve ser examinada, pois, a própria regra ou se examina a razão
que fundamenta a própria regra para compreender, restringindo ou ampliando, o
conteúdo de sentido da hipótese normativa, ou se recorre a outras razões, baseadas
em outras normas, para justificar o descumprimento daquela regra. Isto é o bastante
para demonstrar que não é adequado afirmar que as regras “possuem” um modo
absoluto “tudo ou nada” de aplicação. Há regras que contêm expressões que não
estão bem delimitadas, ficando o intérprete encarregado de decidir pela incidência
ou não da norma no caso concreto. Nesses casos o caráter absoluto da regra se
perde em favor de um modo “mais ou menos” de aplicação.275
Assim, conforme Ávila, a ponderação não é método privativo de aplicação para
solução de colisão de princípios. A ponderação ou balanceamento (weighing and
balancing abwägung), enquanto sopesamento de razões e contra-razões que
surgem com a interpretação, também pode estar presente no caso da aplicação das
regras. Neste sentido, a regra geral – de que o conflito de regras deve ser
solucionado no plano da validade, ao passo que o conflito entre princípios deve ser
resolvido no plano de maior peso – deve ser repensada – porque, conforme o autor,
em alguns casos as regras entram em conflito sem perder a sua validade, sendo que
a solução está na atribuição de um peso maior a uma delas.276
Nesta esfera, a solução de conflito entre normas constitucionais, adotando a
ponderação de valores, implica solução presidida pelas circunstâncias do caso
concreto, não podendo, em conseqüência, estabelecer uma hierarquia abstrata entre
273 ALEXY, 1993, p. 272. Na tradução livre: “Por isso, uma restrição de um bem protegido é sempre
também uma restrição de uma posição concedida pelo princípio de direito fundamental. [...] As restrições de direitos fundamentais são normas. [...] uma norma pode ser uma restrição de direito fundamental só se é constitucional”.
274 Ver mais exemplos em que a aplicação das regras, de forma absoluta, é incompatível com os princípios da justiça e da eqüidade, na obra de ÁVILA, 2005, p. 36-42.
275 Ibidem, p. 38-39. 276 Ibidem, p. 44.
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diversos direitos constitucionalmente estabelecidos, o que levaria à absolutização de
alguns direitos em detrimento de outros. Por isso, um princípio que teve sua
prevalência determinada em caso julgado pode ceder esta posição frente a outras
circunstâncias, em outro processo.277 O que vale mesmo para a aplicação do
princípio da ponderação são as circunstâncias do caso concreto.
A conclusão a que se pode chegar é a de que há casos excepcionais,
situações de ruptura, em que a aplicação da regra cria uma grave incompatibilidade
com o sistema constitucional, sendo necessária a ponderação para a aplicação em
um caso concreto, além de permitir a conservação da Constituição:
[...] la conservación integra de la Constitución exige ponderar porque sólo así es posible conservar en pie de igualdad abstracta normas o derechos que reflejan valores heterogéneos propios de una sociedad plural que, sin embargo, se quiere unida y consensuada en torno de la Constitución.278
Os casos típicos de ponderação são aqueles nos quais se identificam
confrontos de razões, de interesses de valores ou de bens tutelados por normas
constitucionais. A ponderação tem a finalidade de solucionar esses conflitos de
forma menos traumática possível para o sistema como um todo. Ela se presta a
organizar o raciocínio e a argumentação diante de situações nas quais, mediante um
esforço do intérprete, haverá uma ruptura do sistema e disposições normativas terão
sua aplicação negada em casos específicos.279
Diante deste fato, o cidadão não pode depender da decisão discricionários de
cada intérprete, motivo pelo qual devem se estabelecidos parâmetros.
Se a ponderação é inevitável, por conta da complexidade da sociedade contemporânea, da estrutura estatal e da própria Constituição, isso não condena os cidadãos dependerem cegamente de cada intérprete e de suas concepções pessoais. Parâmetros – e aqui se estará tratando de parâmetros normativos – não só podem como devem ser buscados para
277 SCHÄFER, 2005, p. 25. 278 SANCHÍS, 1998, p. 61. Na tradução livre: “[...] a conservação íntegra da Constituição exige
ponderar, porque só assim é possível conservar em pé de igualdade abstrata normas ou direitos que reflitam valores heterogêneos próprios de uma sociedade plural que, todavia, se quer unida e em consenso em torno da Constituição”.
279 BARCELLOS, Ana Paula. Alguns parâmetros normativos para a ponderação constitucional. In: BARROSO, Luís Roberto. (Org.) A nova interpretação constitucional – Ponderação, Direitos Fundamentais e Relações Privadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 57.
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balizar e controlar a interpretação jurídica, de modo a assegurar, ao menos, a aplicação isonômica da norma.280
A ponderação poderá se desenvolver, primeiramente, em abstrato, quando a
doutrina poderá construir parâmetros gerais e particulares para ponderação, os
quais servirão de modelo para o intérprete diante do caso concreto. Além dos
parâmetros gerais e particulares, será necessária uma ponderação específica281,
particular para aquela hipótese: “um modelo de alta costura, cosido sob medida, e
não um modelo prêt-à-porter”.282 Assim, não há um modelo pré-fabricado no
ordenamento jurídico.
Na obra clássica Teoria de los Derechos Fundamentales, Alexy destaca que
muitas vezes há objeções à aplicação do princípio da ponderação, justamente em
função do grau de subjetivismo das decisões judiciais.
Los valores y princípios no regulan por si mismos su aplicación, es decir, la ponderación quedaría sujeta al arbirio de quien la realiza. Allí donde comienza la ponderación, cesaría el control a través de las normas y el método. Se abriria así el campo para el subjetivismo y decisionismo judiciales.283
Portanto, a crítica refere-se ao fato de a interpretação sujeitar-se ao arbítrio de
quem a realiza com abertura ao subjetivismo e, conseqüentemente, ao totalitarismo
280 BARCELLOS, 2003, p. 68. 281 No segundo exemplo trata-se de um caso de aplicação de ponderação e do emprego da dignidade
humana como critério a ser observado no julgamento, pelo Supremo Tribunal de Justiça, do Habeas Corpus nº 12.547 – Distrito Federal, relatado pelo Ministro Ruy Rosado Aguiar. Trata-se da figura de um devedor, com mais de 60 anos de idade, que firmou contrato de alienação fiduciária em garantia de um táxi. Em menos de 2 anos o valor do débito quadruplicou em função da incidência de juros. O relator destacou que “a provável renda líquida mensal de R$ 500,00, obtida com a exploração do táxi, consumirá o total de sua renda pelo resto da vida (prevista de acordo com as tabelas de expectativa de vida vigentes no país), para pagar juros bancários do contrato de alienação fiduciária de uma automóvel de aluguel”. O carro foi furtado e, por conta do não pagamento da dívida, foi decretada a prisão do devedor por quatro meses, sendo o Habeas Corpus impetrado contra essa decisão. O relator alegou, entre outros, a dignidade humana. Adiante, concluiu que “a necessidade da ponderação dos valores em colisão com o caso particular dos autos, o que, penso, deve ser resolvido com a limitação dos direitos do credor, que pouco perde, ou nada perde, porquanto não se lhe nega o direito de cobrar o ilícito, em comparação com a perda que decorreria da execução da ordem de prisão por quatro meses, só por si infamante, agravada pelas condições subumanas de nossos presídios”. Exemplo extraído do artigo de BARCELLOS, op. cit., p. 113-116, onde é melhor detalhado e cuja consulta é sugerida.
282 BARCELLOS, op. cit., 63. 283 Na tradução livre: “Os valores e princípios não regulam por si mesmos sua aplicação, a
ponderação estaria sujeita ao arbítrio de quem a realiza. Ali de onde começa a ponderação, cesa o controle através das normas e o método. Abriria campo para o subjetivismo e decisionismo judiciais.” ALEXY, 1993, p. 157.
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e à ditadura. Cada vez mais, o princípio da proporcionalidade serve de instrumento
de controle de atos do poder público, mas sua aplicação tem suscitado problemas. O
primeiro refere-se à própria palavra “proporção”, a qual passa a ter diversos
sentidos, conforme o assunto.284 O segundo problema refere-se ao seu
funcionamento, ou seja, ao exigir o exame da adequação, da necessidade e da
proporcionalidade em sentido estrito.285
Desta forma, o princípio da proporcionalidade não pode ser visto como se
fosse uma espécie de “varinha mágica”, capaz, por si só, para resolver colisões
entre direitos fundamentais, sem grandes considerações substanciais sobre os
direitos envolvidos286, e o pior: sem qualquer preocupação com a influência destas
decisões no sistema jurídico pátrio.
Todavia, a doutrina e a jurisprudência defendem, de um modo geral, a
aplicação da proporcionalidade quando houver antinomias, sendo que em
consonância com o princípio da unidade está o princípio da interpretação conforme a
Constituição. Assim, uma lei não pode ser declarada nula quando possível
interpretá-Ia de acordo com a Constituição, em razão do princípio da força normativa
da Constituição, destinado à compreensão da eficácia dos princípios como um todo.
Nesta esteira, importante destacar os ensinamentos de Aristóteles:
A razão é que toda lei é de ordem geral, mas não é possível fazer uma afirmação universal que seja correta em relação a certos casos particulares. Nestes casos, então, em que é necessário estabelecer regras gerais, mas não é possível fazê-lo completamente, a lei leva em consideração a maioria dos casos, embora não ignore a possibilidade de falha decorrente desta circunstância e nem por isto a lei é menos correta, pois a falha não é da lei nem do legislador, e sim da natureza do caso particulares, pois a natureza da conduta é essencialmente irregular. Quando a lei estabelece uma regra geral, e aparece em sua aplicação um caso não previsto por esta regra, então é correto, onde o legislador é omisso e falhou por excesso de simplificação, suprir a omissão, dizendo o que o próprio legislador diria se estivesse presente, e o que teria incluído em sua lei se houvesse previsto o caso em questão. Por isto o eqüitativo é justo e melhor que uma simples
284 Na teoria geral do Direito fala-se em proporção como concepção do Direito, que tem a função de
atribuir a cada um a sua proporção. E na avaliação da intensidade do gravame provocado fala-se em proporção entre vantagens e desvantagens, entre ganhos e perdas, entre restrição de um direito e promoção de um fim, etc. A idéia de proporção perpassa todo o direito, sem limites ou critérios. Portanto, o postulado da proporcionalidade não se confunde com a idéia de proporção em suas mais variadas manifestações. Cf. ÁVILA, 2005, p. 112.
285 Ibidem, p. 113. 286 SILVA, 2005, p. 108.
90
espécie de justiça, embora não seja melhor que a justiça irrestrita (mas é melhor que o erro oriundo da natureza irrestrita de seus ditames). Então, o eqüitativo é, por sua natureza, uma correção da lei onde esta é omissa devido à sua generalidade. De fato, a lei não prevê todas as situações porque é impossível estabelecer uma lei a propósito de algumas delas, de tal forma que às vezes se torna necessário recorrer a um decreto. Com efeito, quando uma situação é indefinida a regra também tem de ser indefinida [...] Agora podemos ver claramente a natureza do eqüitativo, e perceber que ele é justo e melhor que uma simples espécie de justiça. E igualmente óbvio, diante disto, o que vem a ser uma pessoa eqüitativa; quem escolhe e pratica atos eqüitativos se não se atém intransigentemente aos seus direitos, mas se contenta com receber menos do que lhe caberia, embora a lei esteja a seu lado, é uma pessoa eqüitativa, e esta disposição é a eqüidade, que é uma espécie de justiça e não uma disposição da alma diferente.287
E para resolver o grande dilema da interpretação constitucional, preconiza-se o
recurso a um “princípio dos princípios”. O princípio da proporcionalidade determina a
busca de uma “solução de compromisso, na qual se respeita mais, em determinada
situação, um dos princípios em conflito, procurando desrespeitar o mínimo possível
os outros princípios e seu ‘núcleo essencial’, onde se acha insculpida a dignidade da
pessoa humana.288
Nesta perspectiva, o princípio da proporcionalidade está vinculado aos direitos
constitucionais por via dos direitos fundamentais289, e visa, sobretudo, a dignidade
da pessoa humana. Portanto, não pode o intérprete anular um princípio em
detrimento ao outro, mas deve ele preservar, na medida do possível, as garantias
estabelecidas, sem privar qualquer delas de sua substância elementar.
287 ARISTÓTELES apud BARCELLOS, 2003, p. 101-102. 288 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Princípio da proporcionalidade e teoria do direito. In: GRAU, E.
R.; GUERRA FILHO, W. S. (Org.). Direito Constitucional – estudos em homenagem a Paulo Bonavides. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 269.
289 EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSTITUCIONAL, PROCESSUAL CIVIL E CONSUMIDOR. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. PROTEÇÃO À SANIDADE DO SISTEMA DE ENERGIA ELÉTRICA E À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. COLISÃO DE DIREITOS. REGRAS DA PROPORCIONALIDADE E DA CONCORDÂNCIA PRÁTICA. Na colisão de direitos igualmente relevantes (de um lado, aquele que relaciona econômica e juridicamente a sociedade em geral à sanidade do sistema de fornecimento de bem e serviços tidos por indispensáveis, e, de outro, o resultante do vínculo moral e jurídico da Administração Pública com a manutenção de bem essencial à dignidade da pessoa humana), a solução é ditada pelo confronto dos interesses envolvidos, orientado pelas regras da proporcionalidade e da concordância prática. Agravo desprovido. (Agravo de Instrumento Nº 70013228036, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Mara Larsen Chechi, Julgado em 22/12/2005). (grifo nosso). Fonte: http://www.tj.rs.gov.br. Acesso em 22 de março de 2006.
91
3 A INFLUÊNCIA DA CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO P RIVADO290 NAS
RELAÇÕES CONTRATUAIS
Tratou-se anteriormente, acerca da clássica dicotomia entre o Direito público e
o Direito privado. Ocorre que esta barreira foi derrubada devido à influência dos
princípios constitucionais na seara privada. Isto foi possível devido à força normativa
da Constituição.291 Assim, o poder público distancia-se da sua posição anterior,
caracterizada pelo absenteísmo na esfera econômica, e passa a assumir um papel
mais ativo, ou seja, o Estado Liberal transforma-se no Estado Social, preocupando-
se não apenas com a liberdade, mas também com o bem-estar do cidadão. A
intervenção do Estado nas relações contratuais recebeu o nome de dirigismo
contratual.
290 A influência da constitucionalização do direito privado estendeu-se não somente às relações contratuais, como exerceu decisiva alteração da dogmática jurídica, na hermenêutica jurídica de diversos institutos de Direito Civil, como na família, na propriedade e na posse, atribuindo a cada um desses institutos uma função social. No caso, a função social da posse é semelhante à função social da propriedade. Exemplo da funcionalização social do direito de posse e que revela a autonomia da posse frente aos direitos reais, em âmbito legislativo, é a usucapião, prevista no art. 1238 a 1244 do Código Civil e art. 941 a 945 do Código de Processo Civil. A funcionalização social do instituto da posse é ditado pela necessidade social, pela necessidade da terra para o trabalho, para a moradia, ou seja, necessidades básicas que pressupõem o valor de dignidade do ser humano, o conceito de cidadania, o direito de proteção à personalidade e à própria vida. Segundo Albuquerque: “A função social da posse, enquanto vinculada aos princípios estruturantes de justiça, igualdade e dignidade da pessoa humana, responde à concretização dos mais altos valores sociais que o ordenamento visa proteger, como a liberdade e a vida, impondo tarefas ao Estado e mostrando a face positiva dos direitos fundamentais”. Trata-se de um “princípio constitucional positivado, além de atender à unidade e completude do ordenamento jurídico, é exigência da funcionalização das situações patrimoniais atender às exigências de moradia, de aproveitamento do solo, bem como aos programas de erradicação da pobreza, elevando o conceito da dignidade da pessoa humana a um plano substancial e não meramente formal”. (Cf. ALBUQUERQUE, Ana Rita Vieira. A função social da dogmática jurídica. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2002, p. 31-40, passim). 291 A partir daí assiste-se a um crescente intervencionismo estatal em prol da parte mais fraca das
relações sociais. O Direito do Trabalho, por exemplo, desmembra-se do Direito Civil, a fim de regular a matéria trabalhista de forma mais minuciosa e protetiva ao trabalhador (parte mais fraca).
92
Neste sentido, apesar de serem tratados como sinônimos, os conceitos de
Constitucionalização do Direito privado292 e de publicização do Direito Civil não são
sinônimos. A segunda expressão é o processo de intervenção estatal, caracterizada
também pelo dirigismo contratual, principalmente no âmbito do Poder Legislativo,
limitando a autonomia privada, a fim de proteger a parte hipossuficiente da relação,
enquanto que a Constitucionalização do Direito Civil é mais do que um critério
hermenêutico, pois constitui etapa mais importante do processo de transformação ou
de mudanças de paradigmas do Estado Liberal para o Estado Social.293
Para Canotilho, a Constitucionalização consiste na incorporação de direitos
subjetivos do homem em normas formalmente básicas, subtraindo-se o seu
reconhecimento e garantia pelo legislador ordinário. Tem como principal
conseqüência a proteção dos direitos fundamentais, mediante o controle jurisdicional
da constitucionalidade dos atos normativos reguladores destes direitos. Portanto, os
direitos fundamentais devem ser compreendidos, interpretados e aplicados como
normas jurídicas vinculativas.294
Já o dirigismo contratual incide nas relações contratuais de forma mais indireta,
à medida que procura pelo poder do Estado, equilibrar as relações contratuais na
busca da justiça contratual. Na verdade, tornou-se necessário precisamente porque
houve um progresso contratual quantitativo e qualitativo, em que não só os contratos
se tornaram inumeráveis, mas sua eficácia se tornou maior. Com o desenvolvimento
do comércio e da indústria surgiram novas categorias de contrato, além de cláusulas
engenhosas que aparecem a todo momento. A própria técnica dos contratos se
modificou, dando ensejo ao contrato de adesão, pois a gama de contratos torna-se,
assim, cada vez mais extensa e rica.295
292 Em relação à função social da propriedade, os seguintes autores influenciaram no
amadurecimento deste princípio: Augusto Comte, São Basílio, Santo Agostinho, Tomás De Aqulno, A Doutrina Social Da Igreja, Rousseau E Léon Duguit. A diferenciação básica que se pode assinalar é que nestes últimos a matéria ganha tratamento de forma mais direta e melhor definida em alguns deles, inclusive recebendo o reconhecimento de verdadeiro princípio e sistematização consagrada como é o caso extraído da teoria de Duguit. Cf. ORRUTEA, Rogério Moreira. Da propriedade e sua função social no direito constitucional moderno. Londrina: Ed. UEL, 1998, p. 121-159, passim.
293 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Constitucionalização do Direito Civil. http://www.jus.com.br. Acesso em 17 de outubro de 2005.
294 CANOTILHO, 1998, p. 348. 295 JOSSERAND apud BESSONE, 1997, p. 39.
93
O embate entre o liberalismo e o intervencionismo ou socialismo repercute nos
textos das constituições contemporâneas, com seus princípios de direitos
econômicos e sociais, comportando um conjunto de disposições concernentes tanto
aos direitos dos trabalhadores como à estrutura da economia e ao estatuto dos
cidadãos. O conjunto desses princípios formam o conteúdo social das Constituições,
surgindo o conceito de constituição-dirigente. Claro que muitas normas estão
previstas de forma genérica, como simples programas, sendo necessária a atividade
dos legisladores ordinários.296
Essa mudança de paradigma desencadeou-se por meio da implementação de
princípios constitucionais no ordenamento privado. Ao invés da autonomia da
vontade e da igualdade formal, sobrepõem-se os interesses de proteção de uma
população que aguarda providências e prestações estatais. Estes valores, que antes
estavam centrados no Direito Civil, passam a constar nas Constituições.
Foi atribuída uma ‘função social’ aos direitos fundamentais, com o conseqüente
abandono da ‘visão unilateral’ da liberdade como direito individual.297 O Estado
comprometia-se a não intervir na seara privada, apenas garantia os direitos que
pressupunham uma prestação meramente negativa - os direitos de não-intervenção -
como a liberdade de expressão, de crença, de opinião, de associação, etc. Ocorre,
no entanto, uma progressiva ampliação destes direitos, condicionados à
implementação de políticas públicas e a prestações positivas imputadas ao Estado e
à sociedade civil.
Surge, assim, a segunda dimensão de direitos fundamentais, já analisada
anteriormente, que impunha ao Estado o cumprimento de prestações positivas, que
tinham de ser asseguradas através de políticas públicas interventivas.298 A função do
Estado não mais pode se limitar à igualdade perante a lei, mas também no plano
prático. Não bastava mais o mero reconhecimento formal das liberdades humanas,
296 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 3. ed. rev., ampl. e atual. São
Paulo: Malheiros, 1998, p.136. 297 QUEIROZ, 2002, p. 147. 298 Não se pode olvidar que determinados negócios jurídicos provocam um forte impacto social,
motivo pelo qual há a necessidade de o Poder público intervir na seara privada, como é o caso das locações, os contratos bancários e da compra e venda de mercadorias tabeladas (em que o devedor não pode pedir preço superior ao tabelado nem o comprador obter o produto por preço inferior).
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sendo necessário assegurar condições materiais mínimas para que tais liberdades
pudessem ser efetivamente desfrutadas pelos seus titulares.299
Neste contexto também surgem os microssistemas, ou seja, diante da inflação
legislativa não mais foi possível manter a unidade legislativa, sendo agregadas ao
Código Civil inúmeras “leis especiais”. Segundo Perlingieri, numerosas leis especiais
têm disciplinado, embora de modo fragmentado e por vezes incoerente, setores
relevantes. O Código Civil certamente perdeu a centralidade de outrora. O papel
unificador do sistema é desempenhado de maneira cada vez mais incisiva pelo texto
constitucional.300
Assim, não mais foi possível acomodar, num mesmo e harmônico leito, todos
os interesses, porque não há apenas um único sujeito social a ser ouvido, na esteira
da Revolução Francesa, mas às leis especiais cabe a função de regular interesses e
situações que se especializam, porque as partes se desagregam do todo. Elas
acabam com a idéia de um código “total”. Essa concepção de unidade legislativa
ruiu, em face da estreita relação entre o Direito público e o Direito privado, devido à
crescente atuação do Estado na regulação de matérias privadas – mediante,
inclusive, o estabelecimento de políticas públicas e a elaboração de normas
diretivas, e à aceitação efetiva da força normativa da Constituição sobre o Direito
privado, inclusive para a aplicação direta de seus princípios na legislação
ordinária.301
Desta forma, a ação intervencionista do legislador nas questões privadas –
caracterizadora da publicização do Direito privado - fez com que algumas matérias
sejam reguladas por leis especiais302 (microssistemas), como é o caso do Código de
Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90)303, o Estatuto da Terra (Lei 4.504/64), a Lei de
299 SARMENTO, 2004, p. 35. 300 PERLINGIERI, 2002, p. 6. 301 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado – sistema e tópica no processo obrigacional.
São Paulo: RT, 1998, p. 282. 302 Diante da chamada crise do Estado social – provocada pela multiplicidade de fontes normativas,
cada vez mais supranacionais, inclusive, e de hipercomplexidade das relações econômicas e sociais, surgem legislações esparsas como forma de superar esta crise. Além disso, a função do juiz passa a ser vista como um instrumento de garantia, de escolhas valorativas, que prestigiem os direitos do homem.
303 Em relação ao Código de Defesa do Consumidor – vários de seus dispositivos estão de acordo com os objetivos previstos pelos princípios constitucionais, como é o caso do art. 4º, que determina
95
locações (Lei 8.245/91)304, a Lei dos Direitos Autorais (Lei 9.610/98), o Estatuto da
Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90), o Estatuto do idoso (Lei 10.741/2003), o
Direito do Trabalho, por meio da Consolidação das Leis Trabalhistas - CLT, que
utiliza os ditames do Direito Civil de forma subsidiária). Esta interferência estatal,
estabelecendo ou proibindo cláusulas contratuais e determinando os limites da
contratação, limitando, conseqüentemente a autonomia privada, faz parte dos
contratos dirigidos. Estas normas de limites à contratação são conhecidas como
normas cogentes, obrigatórias para as partes, limitadas às normas de ordem pública.
Diante do avanço da massificação da sociedade, foram instituídas novas
formas de contratação, como os contratos de adesão, os padronizados e os
eletrônicos e, em conseqüência, o modelo clássico para as modernas relações
contratuais não mais foi eficaz. Essa crise no sistema contratual da sociedade
moderna fez com que se chegasse a proclamar a morte do contrato. No entanto, o
que houve foi sua transformação, que se deu pela interferência direta do Direito
público sobre o Direito privado, com a criação de normas cogentes para regular
algumas avenças.
Constata-se, pois, que o Código Civil era dotado de uma idéia de completude,
de exclusividade. Essas leis extracodificadas corroboravam o papel constitucional do
Código, permitindo que situações não previstas fossem reguladas excepcionalmente
pelo Estado. A legislação de emergência pretendia-se episódica, casuística, fugaz,
não sendo capaz de abalar os alicerces da dogmática do Direito Civil. Esta é a
a política nacional das relações de consumo, em consonância com o art. 5º, inciso XXXII, e 170, inciso V, da Constituição Federal. Está bem clara a idéia de proteção da dignidade do consumidor, em favor de valores extrapatrimonais, sendo, inclusive, concebida a expressão “hipossuficiente”, que leva em consideração não apenas o aspecto financeiro, mas o aspecto técnico e cultural. Além disso, foi instituída a inversão do ônus da prova, no art. 6º, inciso VIII, como forma de proteger o consumidor, a sua dignidade, saúde, segurança, a qualidade de vida, os interesses econômicos entre outros.
304 A Lei de locações não pode prever todas as hipóteses de conflito entre as partes contratantes, mas fixou limites por meio dos princípios, no intuito de conciliar a atividade econômica com valores extraptrimoniais, como o direito à moradia, do trabalho, especialmente, prevalece o princípio da dignidade da pessoa humana. No art. 30, por exemplo, estabelece a preferência em favor do locatário mais idoso. Em relação a tal hipótese, alguns magistrados manifestam-se no sentido de que esta regra é inconstitucional, por violar o princípio da isonomia e da igualdade entre as partes. Mas segundo Tepedino, essa preferência está em conformidade com o art. 230 da Constituição Federal, que estabelece o dever de o Estado proteger os idosos, correspondendo ao princípio máximo fundamental, que é a dignidade da pessoa humana. Cf. TEPEDINO, 2004, p. 16.
96
primeira fase da ação intervencionista do Estado, que teve início logo após o Código
Civil de 1916.305
Através de tais normas, conhecidas como leis especiais – justamente por sua técnica, objeto e finalidade de especialização, em relação ao corpo codificado -, o legislador brasileiro levou a cabo longa intervenção assistencialista, expressão da política legislativa do Welfare State que se corporifica a partir dos anos 30, tem assento constitucional em 1934 e cuja expressão, na teoria das obrigações, se constitui no fenômeno do dirigismo contratual.306
Inegavelmente, a legislação especial é instrumento dessa profunda alteração
social. O Código Civil preocupava-se em garantir as regras do jogo, ou seja, a
estabilidade das normas, ao passo que as leis especiais as alteram, a fim de garantir
os objetivos sociais e econômicos definidos pelo Estado. O Poder público passa a
intervir, desenvolvendo programas sociais, valendo-se do dirigismo contratual. O
legislador busca atender as demandas sociais. Fala-se, então, de uma ‘orgia
legiferante’.307
Houve, desta forma, uma forte alteração na dogmática, identificando-se sinais
de esgotamento das categorias de Direito privado.308 Esta crise afetou a estrutura
das formas jurídicas do individualismo e a realidade econômica posterior. A
realidade social exige uma postura que tenha uma finalidade social no
desenvolvimento da atividade econômica.
Resta evidente que o Código Civil deixa de ser a Constituição de Direito
privado. Os textos constitucionais definem princípios relacionados a temas antes
reservados exclusivamente ao Código Civil e ao império da vontade, como a função
305 Ibidem, p. 4-5. 306 Ibidem, p. 6. 307 Ibidem, p. 7. 308 Em função das inúmeras questões originadas pela realidade econômica e não suscitadas pelo
Código Civil, além de conflitos sociais, fizeram com que fosse alterada tal postura. Assim, a partir da década de 30 é que surgiram inúmeras leis extravagantes, que já não eram excepcionais, como na idéia de anterior. O Código, pois perdeu seu caráter de exclusividade na regulação das relações patrimoniais privadas. Verifica-se que após 1930 houve uma mudança na concepção de Estado, que antes estava muito adstrito às idéias liberais-individualistas e patrimonialistas. Prova disso é a Constituição Brasileira de 1946, que é um exemplo da tendência social, assim como a Constituição Italiana de 1948. O Código Comercial, por exemplo, concede exagerada atenção para a figura do comerciante, mas hoje, passa a ter uma concepção social ao dar ênfase aos atos de comércio e à empresa, seus riscos e impacto disso na sociedade.
97
social da propriedade309, os limites da atividade econômica, a organização da
família310, matérias típicas do direito privado, passam a ser vistos sob a ótica
constitucional. O próprio Direito Civil, através da legislação extracodificada, desloca
sua preocupação central – antes reservada ao indivíduo – para as atividades por ele
desenvolvidas e os riscos delas decorrentes. A intensificação desse processo
intervencionista subtrai do Código Civil vários institutos/matérias, que antes estavam
vinculados a características próprias do período liberal-individualista e
patrimonialista. Esta é a era da legislação extravagante ou extracodificada,
conhecida como a “era dos estatutos”.311
Estes diplomas legais não se limitam a tratar do direito substantivo, mas
introduzem dispositivos legais, inclusive, tipos penais, normas de direito
administrativo e estabelecem princípios interpretativos, configurando-se num
verdadeiro arcabouço normativo de matérias antes regulamentadas exclusivamente
pelo Código Civil.
Esse longo percurso histórico, cujo itinerário não se poderia aqui palmilhar, caracteriza o que se convencionou chamar de processo de descodificação do direito civil, com o deslocamento do centro de gravidade do direito
309 A Constituição Federal anterior já previa o princípio da função social da propriedade. O que
diferencia o texto atual do anterior é que a propriedade e a função social tornem-se princípios fundamentais, constituindo-se em garantias individuais, e não apenas princípios de ordem econômica. O Código Civil de 1916, inclusive, não abordou sobre a função social da propriedade. Importante salientar que os conceitos não podem ser interpretados isoladamente, mas à luz dos valores constitucionais. O art. 185 da Constituição Federal torna insuscetível de desapropriação não apenas a propriedade economicamente produtiva, mas a propriedade que mesmo sendo produtiva, cumpra a sua função social, em conformidade com os princípios constitucionais.
310 À família é atribuída proteção especial na medida em que a Constituição prevê o seu papel na promoção da dignidade da pessoa humana. Reflexo de sua importância está consubstanciado na evolução do tratamento legislativo e jurisprudencial das relações concubinárias. Assim, vários direitos foram reconhecidos neste tipo de relação. Vejamos: a indenização do companheiro morto por acidente de trabalho, desde que este não fosse casado e a(o) tivesse incluído(a) como beneficiário(a) – Dec.-lei nº 7.036/44; e nº 6.367/75 e Lei nº 8213/91.Consolidaram-se os direito previdenciários do(a) companheiro(a) – Lei nº 4.297/63 e Lei nº 6.194/74. A lei dos Registros Públicos – art. 57, parágrafos 2º e 3º, da Lei 6015/73, com redação dada pela Lei 6216, de 30 de junho de 1975, passou a autorizar à companheira a adotar o sobrenome do companheiro(a), após cinco anos de vida em comum ou na existência de prole, desde que nenhum deles tenha vínculo matrimonial válido. Na lei de locações - Lei nº 8.245/91 e na lei nº 6.649/79, há a previsão da continuação da locação, pelo companheiro(a) sobrevivente, celebrada pelo de cujus. Além disso, os direitos patrimoniais são plenamente reconhecidos. Não se pode olvidar que à união estável, como entidade familiar, são reconhecidos todos os efeitos jurídicos próprios da família, não há, pois, distinção entre a entidade familiar constituída pelo casamento daquela constituída pela conduta espontânea e continuada pelos companheiros. Já no Estatuto da Criança e do Adolescente prevê a igualdade de todos os filhos, sejam eles legítimos ou não, conforme o disposto no art. 227, parágrafo 6º, da Carta Magna.
311 TEPEDINO, 2004, p. 7-8.
98
privado, do Código Civil, antes um corpo legislativo monolítico, por isso mesmo chamado de monossistema, para uma realidade fragmentada pela pluralidade de estatutos autônomos. Em relação a estes o Código Civil perdeu qualquer capacidade de influência normativa, configurando-se um polissistema, caracterizado por um conjunto crescente de leis tidas como centros de gravidade autônomos e chamados, por conhecida corrente doutrinária, de microssistemas.312
Com a fragmentação do Direito privado, passa-se de um sistema monolítico
(monossistema), representado pelos códigos totalizantes do século XIX, para um
polissistema ou plurissistema, também conhecido com “era dos estatutos”, o que
demonstra a insuficiência do Código Civil para regular determinadas relações
jurídicas do âmbito privado, que passam a exigir uma disciplina especial. Isto é
reflexo do Welfare State ou Estado do Bem Estar Social, que desencadeou uma
forte intervenção estatal, comprimindo a autonomia da vontade. Esta nova
normatividade impôs a proteção de uma das partes envolvidas na relação jurídica,
considerada hipossuficiente, de modo a reequilibrar a igualdade no sentido
material.313 Há, portanto, uma ressistematização do Direito Civil.
Há, dessa forma, não uma invasão do direito constitucional sobre o civil, mas sim uma interação simbiótica entre eles, funcionando ambos para melhor servir o todo, estado e sociedade, dando as garantias para o desenvolvimento econômico, social e político, mas respeitadas determinadas premissas que nos identificam como seres coletivos.314
Na verdade, o Código Civil perdeu a capacidade de apresentar-se como norma
superior e de regular a infinidade de matérias da esfera privada, não mais sendo
possível conceber uma ordem centrada num único Código. Assim, os
microssistemas são estruturas autônomas, que se convertem em fontes de uma
nova ordem. A solução tem sido sempre recorrer a uma ordem superior, a
Constituição.
A explosão do Código produziu um fracionamento da ordem jurídica, semelhante ao sistema planetário. Criaram-se microssistemas jurídicos que, da mesma forma como os planetas, giram com autonomia própria, sua vida é independente; o Código é como o sol, ilumina-os, colabora em suas vidas, mas já não pode incidir diretamente sobre eles.315
312 TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil-Constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 5. 313 FINGER, Julio César. Constituição e direito privado: algumas notas sobre a chamada
constitucionalização do direito civil. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). A Constituição concretizada: construindo pontes com o público e o privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 91.
314 TARTUCE, 2005, p. 64. 315 LORENZETTI, 1998, p. 45.
99
Desta forma, “o Código é o centro antigo da cidade, a que se acrescentam
novos subúrbios, com seus próprios centros e características de bairro. Poucos são
os que se visitam uns aos outros, vai-se ao centro de quando em quando para
contemplar as relíquias históricas”.316 Opera-se, pois, uma mudança de paradigma
do Direito privado: ao invés da proteção patrimonial ditada pelo ideal burguês, do
sistema liberal, passa-se a proteger a pessoa humana. Ocorre, pois, o fenômeno da
despatrimonialização do Direito privado,317 em obediência à sua
Constitucionalização, com a predominância do o princípio da dignidade humana.
Nesta esteira, norteia-se uma nova proposta hermenêutica de modo a viabilizar a
concretização dos direitos fundamentais constitucionais. Porém, como caminho
desta realização, a Constituição assume o caráter de “princípio maior”.
Conforme Perliengieri, a despatrimonialização consiste numa lenta opção
normativa, que se caracteriza entre o personalismo (superação do individualismo e o
patrimonialismo (superação da patrimonialidade como fim em si mesma, do
produtivismo, antes, e do consumismo, depois). Não é suficiente insistir na afirmação
da importância dos ‘interesses da personalidade no direito privado’; é preciso
predispor-se a reconstruir o Direito Civil não como uma redução ou um aumento de
tutela das situações patrimoniais, mas com uma tutela qualitativamente diversa.318
Na verdade, com a despatrimonialização surge, conseqüentemente, a
repersonalização do Direito Civil,319 no sentido de repor o indivíduo e seus direitos
no topo da regulação jurídica. Assim, o Direito Civil constitucionalizado passa a ter
um fundamento ético, que não exclua o homem de seus interesses não-patrimoniais,
na regulação patrimonial que sempre pretendeu ser.
316 WITTGESTEIN apud LORENZETTI, 1998, p. 45. 317 O entrelaçamento entre regras e princípios, que formam um conjunto de normas em diferentes
graus, vem propiciando significativas alterações no sistema objetivo do direito privado, até mesmo com gradativa despatrimonialização do Direito Civil, como forma de possibilitar o livre desenvolvimento da pessoa.
318 PERLINGIERI, 2002, p. 33-34. 319 Note-se que com o fenômeno da Constitucionalização do Direito privado surgiram inúmeras novas
expressões analisadas na presente dissertação.
100
Assim, “as Constituições contemporâneas, em lugar do sujeito abstrato, levam
em conta as necessidades concretas de uma pessoa concreta, situada socialmente,
isto é, na sua relação com os seus diferentes semelhantes”.320 Isto significa que no
contexto do Estado Social, a produção de normas jurídicas se multiplica,
ocasionando uma verdadeira inflação legislativa. A tradicional dicotomia, de origem
romana, Direito Público/Direito Privado, sofre grande impacto em razão da
progressiva publicização do Direito privado. Se no Estado Liberal havia o primado do
privado sobre público, este modelo inverte-se no âmbito do Estado Social, com a
prevalência do Público sobre o Privado, com o aumento da intervenção estatal e
pela regulação valorativa dos comportamentos individuais e dos grupos
intermediários.321
A Constituição passou a ser a lei máxima do Estado, que vincula o Direito
infraconstitucional a observar os seus ditames. O princípio máximo a ser obedecido
por todos os ramos do Direito é o da dignidade da pessoa humana, diante de uma
mudança de concepção do homem-proprietário, passando a receber a efetiva tutela
do Estado o homem detentor de dignidade.
No Código Civil de 2002, vários de seus dispositivos sofreram alterações, em
especial, a família, a propriedade322 e o contrato – o que não é conseqüência de
investigações teóricas, mas que surgem em decorrência de mudanças empíricas, no
mundo dos fatos, tornando em leis as decisões e doutrinas jurídicas pela pressão
dos acontecimentos sociais. A coerência e a univocidade das transformações
ocorridas nestas três bases do Direito privado são alcançadas por meio da
compreensão de tais transformações no Direito Civil constitucionalizado, informado
pelos princípios estabelecidos na Constituição, dentre os quais a dignidade da
pessoa humana. Desta forma, “a perspectiva civil-constitucional busca emoldurá-las
320 NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato: novos paradigmas. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar,
2006, p. 54. 321 SARMENTO, 2004, p. 41. 322 A propriedade, inclusive a empresarial, deverá realmente atender a sua função social, sendo
exercida a atividade de fornecimento de produtos e serviços no mercado de consumo em um sistema econômico na qual prevalece a livre concorrência sem o abuso da posição dominante de mercado, proporcionando-se meios para a efetiva defesa do consumidor e a redução das desigualdades sociais. LISBOA, Roberto Senise. Responsabilidade civil nas relações de consumo. São Paulo: RT, 2001, p. 16.
101
axiologicamente, ou seja, busca conferir-lhes um significado valorativo capaz de
agrupar em torno de um “valor-fonte”: a dignidade da pessoa humana”.323
Com efeito, os contratos passaram a ter uma concepção social, com a
harmonização entre os interesses privativos dos contratantes e os interesses de toda
coletividade. O Direito Civil constitucional pode ser definido como o
sistema de normas e princípios normativos institucionais integrados na Constituição, relativos à proteção da própria pessoa e nas dimensões fundamentais familiar e patrimonial, na ordem de suas relações jurídicas privadas gerais, e concernentes àquelas outras matérias residualmente consideradas civis, que tem por finalidade fixar as bases mais comuns e abstratas da regulamentação de tais relações e matérias, as quais podem ser eventualmente aplicadas de forma imediata ou podem servir de marco de referência da vigência, validade e interpretação da normativa aplicável ou de pauta para seu desenvolvimento.324
É, pois, imprescindível uma releitura do Código Civil à luz dos valores
constitucionais, notadamente segundo os ditames do próprio preâmbulo.325 Assim, a
Constitucionalização do Direito privado mostra-se evidente na concepção da função
social da propriedade326, da empresa, da posse, a própria família327, a
responsabilidade por atos ilícitos, tendente à objetivação, nos direitos da
personalidade, e notadamente o contrato recebeu uma relevante função social.
Defende-se uma proposta sistemática de um Direito Civil ordenado em torno de
princípios diversos, ou seja, o conjunto de princípios deve ser utilizado em
consonância com as normas constitucionais.
323 NEGREIROS, 2006, p. 60-61. A dignidade da pessoa humana está prevista expressamente no art.
1º, inciso III da Constituição Federal de 1988. 324 FLOREZ-VALDES apud LORENZETTI, 1998, p. 253. 325 O preâmbulo da Constituição Federal institui “um Estado Democrático, destinado a assegurar o
exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias,” bem como as disposições dos artigos 1º, inciso III (dignidade da pessoa humana) e 3º, inciso I (solidariedade).
326 Não se pode olvidar que o princípio da função social da propriedade fere o conteúdo e a estrutura do tradicional direito subjetivo de propriedade ou, então, que os deveres/obrigações e ônus são expressivos do conteúdo do direito mesmo. Não se limita aos deveres do titular do direito de propriedade, pois esta é apenas uma das várias formas de manifestação do princípio da função social: “modelar o conteúdo do direito de propriedade segundo as exigências sociais de cada época e a idoneidade do objeto do direito”. Cf. MORAES, José Diniz de. A função social da propriedade e a Constituição Federal de 1988. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 125.
327 O instituto de direito de família recebeu atenção especial, constituindo-se num direito fundamental de terceira dimensão. O Ministério Público pode intervir em questões que envolvem interesse da entidade familiar. A igualdade dos cônjuges (art. 1511) e dos filhos. O direito sucessório também recebeu tutela especial. Portanto, aduz-se um princípio de sociabilidade em sentido amplo.
102
Submergiu a idéia de “pessoa” na de “indivíduo” (ao senso egoísta do termo) e
não-visualizada a de “personalidade” pela preeminência do conceito técnico de
“capacidade” traçaram-se as tramas semânticas que acabaram por fundir o “ser
pessoa” com o “ser capaz de adquirir direitos e contrair obrigações”. Em outras
palavras, instrumentalizou-se a personalidade humana, reproduziu-se, na sua
conceituação, a lógica do mercado, para torná-la mero instrumento da técnica do
direito“. Nesta perspectiva, pergunta-se: o que há de tão diferente na concepção do
Direito Civil do século XXI – tão distante dos objetivos do Direito Civil do século XIX?
Segundo Martins-Costa, a grande ‘novidade’ foi, pois o reconhecimento da dignidade
humana, embora o termo “dignidade” fosse conhecida na teoria de Kant, que ganhou
relevância principalmente com a barbárie nazista e com o avanço da biomedicina.328
A Constitucionalização do Direito privado implica a substituição do seu centro
valorativo – em lugar do indivíduo surge a pessoa, e no lugar da liberdade individual
ganha significado e força jurídica a solidariedade social. Com a Constitucionalização,
pretende-se assegurar a dignidade humana, impondo ao Estado e à sociedade o
compromisso de erradicar a pobreza e as desigualdades, diferentemente do objetivo
do Direito Civil codificado, em que o indivíduo era visto como um ser atomizado e
mesmo pré-social (com direitos inatos, garantidos pelos pactos social e jurídico – o
“contrato social” -, na concepção de Hobbes, Locke e Rousseau.329
Entre os particulares não havia a obrigação de cumprir com os deveres sociais,
mas estes só foram estabelecidos nas relações entre o indivíduo e o Estado, e não
em relação aos demais indivíduos. Isto porque o Direito Civil codificado - sob forte
influencia burguesa - apresenta-se como instrumento de proteção ao indivíduo,
como titular de vontade, garantindo-lhe proteção patrimonial, em que a propriedade
está calcada na liberdade, igualdade e livre exercício da autonomia negocial.
Desta forma, o Código Civil era a “autobiografia” do indivíduo burguês, o que
influenciou não apenas o Direito Civil, mas todo o Direito da modernidade tem como
328 MARTINS-COSTA, Judith. Os danos à pessoa no direito brasileiro e a natureza da sua reparação.
In: ______. (Org.). A reconstrução do direito privado. São Paulo: RT, 2002, p. 411-413, passim. 329 NEGREIROS, 2006, p. 11-12.
103
ponto de partida o individualismo e o liberalismo. Assim, “as relações do indivíduo
frente à sociedade e frente ao Estado são, respectivamente, de indiferença e de
resistência”.330
A personalidade humana não é redutível, nem mesmo por ficção jurídica,
apenas à sua esfera patrimonial, mas é valorizada em si, como fim e não como
meio, o que justifica a própria existência do ordenamento jurídico.
Essa especificação ocorreu com relação seja ao gênero, seja às várias fases da vida, seja à diferença entre estado normal e estados excepcionais na existência humana. Com relação ao gênero, foram cada vez mais reconhecidas as diferenças entre a mulher e o homem. Com relação às várias fases da vida, foram-se progressivamente diferenciando os direitos da infância e da velhice, por um lado, e os do homem adulto, por outro. Com relação aos estados normais e excepcionais, fez-se valer a exigência de reconhecer direitos especiais aos doentes, aos deficientes, aos doentes mentais, etc.331
O “ter”, característico da hegemonia dos valores liberais da burguesia, é um
elemento de paridade em oposição ao “ser”. A idéia de Estado absoluto pode ser
constatado nas expressões clássicas: “O Estado sou eu” (Luiz XIV) e “O inferno são
os outros” (Sartre), caracterizando o absolutismo e o individualismo. Havia uma
exacerbação da liberdade individual.332
Assim, no novo sistema de Direito Civil, fundado pela Constituição, a
prevalência é de ser atribuída às situações jurídicas não-patrimoniais, com a
prevalência da pessoa humana, ou seja, com o primado do ser sobre o ter. Estes
são, em linhas gerais, os ideais e as propostas da perspectiva civil-constitucional.
Evidentemente, o princípio da igualdade formal, característico da época do
Estado Liberal - foi uma tentativa no sentido de reduzir as desigualdades sociais.
Todavia, tal fato não aconteceu. Portanto, o Direito é um dos principais legados da
modernidade – visto como “instrumento de transformação social e não como
obstáculo às mudanças sociais – formalmente encontrou guarida na Constituição de
330 NEGREIROS, 2006, p. 15. 331 BOBBIO, 1992, p. 62-63. 332 NEGREIROS, op. cit., p. 16.
104
1988”, por meio da instituição do Estado Democrático de Direito333, que, porém, está
longe de ser efetivado. Evidentemente, o Estado Social-Providência (ainda) não
ocorreu no Brasil. O Estado interveio na economia para concentrar riquezas. Foi e
continua sendo utilizado para sustentar uma função meramente
ordenadora/absenteísta.334
Após o advento da II Guerra Mundial, a idéia de um ordenamento jurídico
indiferente a valores éticos e da lei como estrutura meramente formal, “uma
embalagem para qualquer produto”, já não tinha mais aceitação. A superação do
jusnaturalismo e o fracasso político do positivismo abriram caminho para um amplo e
inacabado conjunto de reflexões acerca do Direito, sua função social e interpretação.
O pós-positivismo é a designação provisória e genérica de um ideário difuso, no qual
se incluem a definição das relações entre valores, princípios e regras, que fazem
parte da nova hermenêutica constitucional, e a teoria dos direitos fundamentais,
edificado sobre a dignidade da pessoa humana. Além disso, há uma valorização dos
princípios, sua incorporação implícita e explícita pelos textos constitucionais e o
reconhecimento de sua normatividade fazem parte da reaproximação entre Direito e
Ética.335
Hodiernamente, a inspiração do código moderno vem da Constituição: “farta
em modelos jurídicos abertos”. Trata-se de um Código não-totalitário tem janelas
abertas para a mobilidade da vida, pois dotado de cláusulas gerais e conceitos
abertos e à incidência dos direitos fundamentais e dos princípios constitucionais,
como a função social do contrato e a boa-fé objetiva.
A abertura do sistema à inserção dos direitos fundamentais, na seara privada,
é vista como positiva à eficácia dos direitos:
333 O preâmbulo da Constituição Federal de 1988 determina que: “Nós, representantes do povo
brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL”.
334 STRECK, 1999, p. 205. 335 BARROSO, L. R.; BARCELLOS, A. P. de. O Começo da História: a Nova Interpretação
Constitucional e o Papel dos Princípios no Direito Brasileiro. In: SILVA, Virgílio Afonso da. (Org.). Interpretação Constitucional. São Paulo, Malheiros, 2005, p. 335-336.
105
La importancia de este cauce de apertura exceda de las dimensiones normativas de comprensión, de interpretación y de aplicación que se sitúan en el ámbito de la validez del Derecho, y de su coherencia y su plenitud, para afectar a dimensiones de eficacia de los derechos. La apertura del sistema constitucional a la realidad social, es una forma razonable y sensata de favorecer la eficacia y la actualización de los derechos.336
De acordo com a cultura jurídica, o primeiro modelo pode ser definido como um
modelo fechado – próprio da época liberal, em que havia a prevalência do
positivismo. Já a sistemática aberta:
[...] relativiza la existencia de una única respuesta correcta. Se acepta que el sistema está abierto a la sociedad y a la moralidad, y que el lenguaje de las normas es el natural, por lo que es vago y ambiguo. Aquí, la interpretación tiene una gran importancia y se crea Derecho, desde la mismo, dentro de los márgenes del Ordenamiento jurídico. El juez no es la boca muda que pronuncia las palabras de la ley sino que, en ocasiones, la completa. Razón y voluntad están presentes en esta forma de entender lo jurídico. La interpretación de los derechos que aquí manejamos es coherente con la visión que hemos denominado como sistemática abierta.337
Há, pois, uma imprecisão de seu significado. Trata-se de uma linguagem
‘aberta’, ‘fluída’ ou ‘vaga’, com ampla extensão de seu campo semântico, cabendo
ao juiz atribuir-lhe um valor, a partir da criação de normas jurídicas com observância
de elementos que podem estar fora do sistema. Esses elementos servem para
fundamentar a decisão, sendo possível e ressistematização deste elementos
extrajurídicos no interior do ordenamento jurídico, para que sejam aplicados ao caso
concreto. Por isso, essas janelas representadas pelas cláusulas gerais, permitem,
pela vagueza semântica de termos, a incorporação de princípios, diretrizes e
máximas de conduta. Um enunciado é geral, “quando não diz algo que vale, ao
mesmo tempo, para todos os objetos que pertencem a uma determinada classe,
sem nenhuma exceção.”338
No domínio contratual, a aplicação da técnica legislativa das cláusulas gerais,
seguiu a tendência das modernas legislações. Neste sentido, uma das principais
conseqüências da Constitucionalização do Direito privado são os princípios
336 MARTINEZ, Gregório Peces-Barba. Lecciones de Derechos Fundamentales. Editorial Dykinson,
Madrid, 2004, p. 259. 337 Ibidem, p. 301. 338 Ibidem, p. 303-305.
106
previstos, inclusive, expressamente no Código Civil, que a seguir passam a ser
analisados.
3.1.1 O princípio da dignidade da pessoa humana
Antes de adentrar no tema da dignidade propriamente dito, faz-se necessário
mencionar, de forma breve, algumas considerações acerca do papel da Filosofia na
questão da dignidade humana. Desta forma, segundo Mirandola, a dignidade do
homem está longe de ser algo de dado ou acabado mecanicamente fixo. Ela é mais
uma conquista, porque a natureza humana é perfectível. O homem se faz. Como
esta perfectibilidade está condicionada pela liberdade, é na dinâmica do processo de
conquista de si e de autodignificação crescente que o homem precisa da Filosofia.339
Para o referido autor, o homem é o centro do universo, é o maior de todas as
maravilhas do Criador, e, portanto, era necessário encontrar uma forma de colocá-lo
acima das hierarquias angélicas. O que há no homem de único, específico e
estupendo, não é simplesmente a sua racionalidade, conforma a opinião de
Aristóteles, nem a imortalidade, como pregava o cristianismo, e, sim, a prerrogativa
de autocriar-se livremente. Ele é o único ser que livremente pode ser mais do que já
é por natureza, pois uma vez constituído (ser e existir), o homem continua
inacabado, imperfeito, mas dispondo de larga margem de perfectibilidade e
acabamento. Ele é o protagonista da própria história.340
De acordo com Rousseau, o homem é naturalmente bom, porque nasceu livre,
mas sua maldade ou sua deterioração adveio com a sociedade que, em sua
organização, não só permitiu, mas impôs a servidão, a escravidão, a tirania e
inúmeras leis que favorecem uma classe dominante em detrimento da grande
maioria, instaurando a desigualdade em todos os segmentos da sociedade.341
339 MIRANDOLA, Pico Della. A dignidade do Homem. São Paulo, Escala: s/d., p. 19. 340 Ibidem, p. 24. 341 ROUSSEAU, Jean-Jacques. A origem da desigualdade entre os homens. São Paulo: Escala, s/d.,
p. 31-56, passim.
107
No estado de natureza342, todos se nutrem dos mesmos alimentos, vivem da
mesma maneira e fazem exatamente as mesmas coisas, daí que se denota a
diferença de homem para homem deve ser menor no estado de natureza do que na
sociedade, e quanto a desigualdade natural deve aumentar na espécie por isso, o
mundo natural é um conceito que não se sustenta, e que só faz sentido falar nele
como um mundo que já sempre é para nós, isto é, que está inserido no processo em
que o ser é formador de mundo. É no processo de introdução da diferença
ontológica, onde se gera a dimensão organizadora, estrutural, processual e
transcendental, que deve ser inserida qualquer referência filosófica ao mundo
natural. Não é ele o organizador de nossas crenças, mas o sentido que nós
projetamos se torna organizador do mundo natural. Não é ele o organizador de
nossas crenças, mas o sentido que nós projetamos se torna organizador do mundo
natural.343
A igualdade não quer dizer que o legislador tenha que colocar a todos nas
mesmas posições jurídicas nem que tenha que procurar que todos apresentem as
mesmas propriedades naturais e se encontram nas mesmas situações fáticas. A
igualdade não pode exigir a igualdade em todas as propriedades naturais e em
todas as situações fáticas nas que se encontram os indivíduos. Há diferença em
relação à saúde, à inteligência, à beleza - questões essas que podem ser reduzidas
ou compensadas - mas sua eliminação contrairia os limites naturais. A igualdade em
todas essas questões, teria como conseqüência, que todos queriam fazer o mesmo.
Portanto, o princípio geral da igualdade dirigido ao aplicador não pode exigir que
todos devam ser iguais em todos os sentidos.344
342 As concepções cristãs medievais estabeleceram a diferença entre lei divina, lei natural, e lei
positiva, abrindo o caminho para a necessidade de submeter o direito positivo às normas jurídicas naturais, fundadas nas própria natureza dos homens. Hobbes chega ao Leviatã (1651), partindo da idéia de que os indivíduos abandonam seus direitos e liberdades ao soberano absoluto que deve proteger os cidadãos, legitimando o poder absoluto. Já Locke, a partir da idéia de contrato, reage contra o processo de absolutização do poder, pois desta forma, a nobreza usufruía privilégios dos quais a burguesia se sentia marginalizada. Ele defendia a autonomia privada cristalizada no direito à vida, á liberdade e |à propriedade. Essa concepção, influenciou, em parte, a teoria liberal dos direitos fundamentais, sempre como direitos de defesa do cidadão perante o estado, devendo este abster-se da invasão da autonomia privada. CANOTILHO, 1998, p. 350-353, passim.
343 STEIN, Ernildo. Pensar é pensar a diferença: filosofia e conhecimento empírico. Ijuí: Unijuí, 2002, Coleção Filosofia, 2, p. 118-119.
344 ALEXY, 1993, p. 384-385.
108
De acordo com o pensamento clássico e do ideário cristão, o ser humano era
um valor intrínseco, uma vez que o ser humano foi “criado à imagem e semelhança
de Deus, premissa da qual o cristianismo extraiu a conseqüência”, mas que
lamentavelmente foi renegada essa teoria pelas instituições cristãs e seus
integrantes.345
O ponto de partida para o estudo da dignidade da pessoa, é a teoria filosófica
de Kant, tal como esboçada na obra “fundamentação da metafísica dos costumes”,
de 1785. O objetivo é o de descobrir o princípio supremo da moralidade. O homem é
um ser racional, não é coisa, objeto ou meio, mas num fim em si mesmo.346
Para Kant, a dignidade põe-se infinitamente acima de todo preço, e não pode
ser ela posta em cálculo ou confronto com qualquer coisa que tivesse preço, sem de
qualquer modo ferir a sua santidade.347 A pessoa humana é considerada valor
supremo de qualquer ordem filosófica ou jurídica.
Este princípio tem sido consagrado em diversas constituições, ganhando
destaque após a segunda Guerra Mundial, diante das atrocidades e abusos
cometidos contra seres humanos. Trata-se de um direito fundamental máximo do
Estado Democrático de Direito, previsto no art. 1º, inciso III348 e no art. 3º constam
mais alguns objetivos.349
Esta nova realidade contratual se distancia do individualismo e da grande valoração patrimonial que marcava o Código Civil de 1916 e que ainda se encontra presente no atual Código Civil, buscando adequar os contratos atuais aos princípios e direitos fundamentais previstos na Constituição Federal. É através desta nova visão dos contratos que se busca estabelecer o conceito de contrato pós-moderno. Contrato este que deve ser funcionalizado e permeado pela ótica solidarista da Carta Magna.350
345 SARLET, Ingo Wolgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição
Federal de 1988. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 30. 346 STEINMETZ, 2004, p. 114-115. 347 SARLET, op. cit., p. 33-34. 348 O Art. 1º, inciso III da Constituição Federal de 1988 determina que: “A República Federativa do
Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III - a dignidade da pessoa humana;”.
349 Art. 3º: “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.
350 ZINN, 2004, p. 88.
109
O princípio fundamental consagrado pela Constituição Federal da dignidade da
pessoa humana apresenta-se em uma dupla concepção. Primeiramente, prevê um
direito individual protetivo, seja em relação ao próprio Estado, seja em relação aos
demais indivíduos. Em segundo lugar, estabelece verdadeiro dever fundamental de
tratamento igualitário dos próprios semelhantes. Esse dever configura-se pela
exigência do indivíduo respeitar a dignidade de seu semelhante tal qual a
Constituição Federal exige que lhe respeitem a própria. A noção de dever
fundamental resume-se a três princípios de direito romano: honestere vivere (viver
honestamente), alterum non laedere (não prejudique ninguém) e suum cuique
tribuere (dê a cada um o que lhe é devido).351
No plano da interpretação constitucional, pode-se dizer que o princípio
constitucional fundamental da dignidade da pessoa ordena352: a) O respeito à
pessoa como ser autônomo, livre e valioso em si mesmo; b) O reconhecimento de
cada pessoa, independentemente das particularidades/características e vicissitudes
pessoais ou sociais, como ser singular, único e irrepetível; c) O reconhecimento de
cada pessoa como uma manifestação concreta da humanidade; d) A criação de
condições, oportunidades e instrumentos para o livre desenvolvimento pessoal. Em
contrapartida, o princípio constitucional da dignidade da pessoa proíbe: a) A
“coisificação” ou “objetualização” da pessoa; b) A “funcionalização” (política, social,
econômica, religiosa, científica, técnica) da pessoa; c) A privação da pessoa, de
condições e de meios para uma sobrevivência livre, autônoma e decentes; d) A
humilhações ou vexações da pessoa; e) A submissão da pessoa a uma posição 351 MORAES, Alexandre de. Direito Humanos Fundamentais. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1998, p. 60-61. 352 É de se observar que o art. 10 da lei nº 7.783/89, referente ao exercício de greve, e que
regulamenta o disposto no art. 9º da Constituição Federal – traz um rol exemplificativo de disposições condizentes com o princípio da dignidade da pessoa humana: “São considerados serviços ou atividades essenciais: I - Tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis; II- Assistência médica e hospitalar; III- distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos; IV - funerários; V - transporte coletivo; VI - Captação e tratamento de esgoto e lixo; VII - Telecomunicações; VIII - Guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares; IX - Processamento de dados ligados a serviços essenciais; X - Controle de tráfego aéreo; XI Compensação bancária. Já o art. 11, da referida lei, assim determina: “Nos serviços ou atividades essenciais, os sindicatos, os empregadores e os trabalhadores ficam obrigados, de comum acordo, a garantir, durante a greve, a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade. Parágrafo único. São necessidades inadiáveis, da comunidade aquelas que, não atendidas, coloquem em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população. Portanto, o valor da pessoa humana deve ser o centro valorativo do Direito Civil contemporâneo, em que o valor da pessoa humana passa a ser preservado mesmo sem a sua vontade”.
110
servil; f) A eliminação total da vontade e da possibilidade de livre escolha da
pessoa.353
Segundo Sarmento, o princípio traduz um norte para a conduta estatal,
impondo às autoridades um dever de ação, a fim de proteger o desenvolvimento da
personalidade humana, assegurando condições mínimas para uma vida digna,
mesmo que determinados direitos não estejam previstos constitucionalmente, como
por exemplo, direito à alimentação. Deve o Estado impedir atentados à dignidade,
cometidos por terceiros.354
Bodin de Moraes, citada na obra de Sarmento, desdobra o princípio em
questão em quatro postulados: a) direito à igualdade formal e material355, em que o
Estado tem a obrigação de corrigir desigualdades socieconômicas; b) tutela da
integridade psicofísica – compreende aspectos negativos, como a vedação de
tortura e de tratamentos degradantes, e aspectos positivos, como um salário mínimo
que assegure uma vida digna, bem como os direitos de quarta geração; c) direito à
liberdade – que decorre da autonomia moral da pessoa humana; d) direito da
solidariedade social.356,357
Para Albuquerque, a ‘dignidade constitucional’ pode ser definida como direitos
e liberdades fundamentais, ou seja, é o conjunto de prerrogativas (individuais ou
coletivas), que constituem manifestações de valores essenciais que individualizam
uma determinada ‘cultura jurídico-política’. Consiste, pois, na liberdade de comércio
e de indústria, a liberdade de associação, o direito à reserva da vida familiar e 353 STEINMETZ, 2004, p. 116. 354 SARMENTO, 2004, p. 113-114. 355 Para Alexy é verdadeiro ditado segundo o qual “Hay que tratar igual a lo igual e desigual a lo
desigual”. Segundo essa expressão, o legislador está proibido de tratar ‘o igual desigualmente’, ‘o essencialmente igual desigualmente’ e ‘o essencialmente igual arbitrariamente desigual’. A primeira fórmula significa a igualdade valorativa. Na segunda fórmula a igualdade essencial deve ser entendida como a igualdade valorativa, que proíbe o tratamento desigual. No terceiro caso, dois casos podem ser essencialmente iguais sem serem tratados igualmente. Portanto, não vale a máxima de que os essencialmente iguais devem ser tratados igualmente. Não está proibido o tratamento desigual de casos essencialmente iguais. ALEXY, 1993, p. 389-390.
356 SARMENTO, op. cit., p. 114. 357 O princípio da solidariedade é antigo, constando nas primeiras comunidades cristãs. Na Idade
Média, a Igreja Católica pregava o respeito a esse princípio, que, hoje, é elevado à qualidade constitucional. Ao lado dos demais princípios constitucionais, como a liberdade, a igualdade e dignidade da pessoa, está a solidariedade, que é também, originariamente, um conceito moral. Assim, a solidariedade é uma norma-constitucional-objetivo no sentido de uma norma-constitucional-princípio, sendo, desta forma, um princípio constitucional. Cf. STEINMETZ, op. cit., p. 118.
111
privada, o direito ao desenvolvimento da personalidade e o direito a um processo
rápido e eqüitativo.358
Em relação à igualdade como critério de dignidade, Perlingieri considera que a
da noção de “igual dignidade social” como instrumento que confere a cada um o
direito ao respeito inerente à qualidade de homem, assim como pretensão de ser
colocado em condições idôneas de exercer as próprias aptidões pessoais,
assumindo a posição a estas correspondentes. Não há, desta forma, igual dignidade
social entre cidadãos quando um pode escolher o trabalho de acordo com a própria
vocação e quem, ao contrário, não conta com as mesmas condições. Cabe ao
Estado agir contra situações econômicas, culturais e morais degradantes e que
tornaram os sujeitos indignos do tratamento social reservado à generalidade, a fim
de prevalecer a igual dignidade social.359
Numa comunidade há pessoas que têm maior dignidade social do que outras,
mas deve ser assegurada igual dignidade a todas as pessoas independentemente
da classe social, ainda que ligadas a diferentes condições sociais.
Na realidade, o princípio da igualdade e da justiça social se complementam,
pois o valor da justiça social deve incidir sobre o Direito Civil contribuindo, em sede
interpretativa para individuar o conteúdo que devem assumir as cláusulas gerais,
como a eqüidade, a lealdade, o estado de necessidade à lesão, da diligência da
boa-fé, etc. O preceito da igualdade poderá incidir sobre o conteúdo das cláusulas
gerais que contribuem para a definição dos institutos fundamentais do Direito Civil,
como a ‘função social’ a da propriedade e a ‘utilidade social’ para a iniciativa
econômica privada, de forma a efetuar uma harmonização entre interesse individual
e geral.360
Ademais, a dignidade da pessoa, além da dimensão individual, tem uma dimensão social, intersubjetiva. Há casos em que a lesão da dignidade de uma ou de mais pessoas se projeta também sobre o sentimento de dignidade das demais pessoas integrantes da comunidade humana. Nessa perspectiva, a dignidade da pessoa é um ‘bem individual’ e ‘um bem social’
358 QUEIROZ, 2002, p. 272. O referido princípio ficou bem evidente na decisão do caso Lüth, que
reforçou o princípio da força jurídica vinculante dos direitos e liberdades fundamentais. 359 PERLINGIERI, 2002, p. 37. 360 Ibidem, p. 49.
112
da comunidade, da humanidade. Por isso, a proteção e promoção desse bem deve ser obrigação de todos e de (no) interesse de todos.361
Outro critério para se alcançar a dignidade é o princípio da solidariedade362.
Segundo Steinmetz, este princípio requer, entre outros, o bem-estar social das
pessoas e grupos, ao atendimento das necessidades básicas para uma existência
digna, à garantia do mínimo vital. Tem como titulares todas as pessoas que se
encontram econômica, social e culturalmente em posição ou situação de
desvantagem. O destinatário principal é o Estado, exigindo dele: a) A garantia
efetiva dos direitos fundamentais sociais; b) A promoção do bem-estar das pessoas;
c) A criação de mecanismos e incentivos de cooperação social e de ajuda mútua
entre os particulares – fomento da solidariedade nas relações horizontais. Exige-se,
para a sua concretização, de ações positivas por parte do Estado.363
Como se observa, a Constituição Federal é a estrutura básica do Estado e da
sociedade, motivo pelo qual a solidariedade se projeta sobre as relações entre
particulares também, conforme o princípio da unidade. Os direitos fundamentais são
concretizações mais específicas do princípio da solidariedade representam. Desta
forma: a) A realização dos direitos fundamentais depende de pressupostos sociais,
como por exemplo, a garantia de um mínimo vital para todos; b) Não é uma
sociedade solidária aquela em que o Estado respeita os direitos fundamentais de
liberdade que este mantém com as pessoas, mas não respeitado pelos particulares
entre si.364
A noção de solidariedade está relacionada à responsabilidade social, ou seja,
o respeito à solidariedade não é de exclusividade do Estado, mas é um dever de
responsabilidade social, embora incida com mais força sobre o Estado. São,
361 STEINMETZ, 2004, p. 116. 362 O lema da “Liberdade, Igualdade e Fraternidade” da Revolução Francesa, demonstra que o
constitucionalismo liberal não foi sensível à idéia de fraternidade e à idéia de solidariedade, a qual só se manifestou na fase do constitucionalismo social, com a incorporação de documentos constitucionais, como foi o caso da Constituição Mexicana, de 1917 e a Constituição de Weimar de 1919. Esse princípio consolidou-se na década de 30, na Europa, com a formação e o desenvolvimento do Estado Social – Welfare State. Constitui-se numa resposta ao individualismo liberal e burguês previsto no constitucionalismo dos séculos XVIII e XIX.
363 Ibidem, p. 119-120. 364 Ibidem, p. 120.
113
portanto, exemplos mais evidentes de responsabilidade, os artigos 205365, 221,
caput, e IV366, e art. 230367. Isto demonstra que este princípio é um reforço à
vinculação dos particulares aos direitos fundamentais.368
O Direito Civil voltado à tutela da dignidade da pessoa humana369, consiste em
tutelar os direitos não de um sujeito de direito abstrato dotado de capacidade
negocial, mas sim a uma pessoa situada concretamente nas relações econômico-
sociais (como por exemplo, o locatário, o consumidor, etc.). Com efeito, a dignidade
da pessoa humana corresponde aos direitos individuais, mas igualmente aos direitos
sociais. De igual forma, compreende os direitos e os deveres sociais.370
Esse princípio vincula não só os poderes públicos, mas também os
particulares, pois a Constituição Federal normatiza, ao menos principiologicamente,
âmbitos da vida nos quais o Estado não participa diretamente. Além disso, é
inegável que os próprios são “potenciais violadores da dignidade da pessoa”.371
Trata-se, pois, de uma qualidade intrínseca e indissociável de todo e qualquer
ser humano, e é certo de que a destruição de um implicaria a destruição do outro,
pois a dignidade constitui-se numa meta permanente da humanidade, do Estado e
365 Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e
incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
366 Art. 221. A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios: IV - respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.
367 Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.
368 STEINMETZ, 2004, p. 121. 369 O seguinte exemplo serve para ilustrar a aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana
no direito brasileiro: EMENTA: ENERGIA ELÉTRICA. CORTE NO FORNECIMENTO. AÇÃO ANTERIOR DE DESCONSTITUIÇÃO DO DÉBITO SUB JUDICE. RESTITUIÇÃO EM DOBRO. DANO MORAL. I. Não há direito à restituição em dobro quando a concessionária não age de má-fé na cobrança de valores e o consumidor não pagou a quantia cobrada. II. Não se revela lícito o procedimento da concessionária de energia elétrica que suspende o fornecimento de energia a imóvel residencial enquanto o pedido de desconstituição de débito encontra-se em fase recursal, já com sentença de procedência, a qual foi posteriormente confirmada, bem como sem provar que notificou prévia e formalmente o consumidor. III. Fato que violou a auto-estima e a dignidade humana do consumidor, privando-o de bem essencial, justificando a reparação do dano moral disso decorrente. Recurso parcialmente provido. Unânime. (Recurso Cível Nº 71000810481, Primeira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais - JEC, Relator: João Pedro Cavalli Junior, Julgado em 16/02/2006). Fonte www.tj.rs.gov.br. Acesso em 22 de março de 2006.
370 NEGREIROS, 2006, p. 19-20. 371 STEINMETZ, op. cit., p. 116-117.
114
do Direito.372 A pessoa humana, em função da sua racionalidade, ocupa lugar
privilegiado em relação aos demais seres vivos. Segundo este princípio, a pessoa
humana é vista como fim e não como meio, repudiando-se toda e qualquer espécie
de coisificação e instrumentalização do ser humano.373
A dignidade da pessoa humana – continua, talvez mais do que nunca, a ocupar um lugar central no pensamento filosófico, político e jurídico, do que da conta a sua referida qualificação como valor fundamental da ordem jurídica, para expressivo número de ordens constitucionais, pelo menos para as que nutrem a pretensão de constituírem um Estado democrático de Direito.374
Na esfera atual, a dignidade da pessoa humana deve-se ao papel
desempenhado pelos princípios constitucionais no Direito Civil, pois além de se
constituírem normas jurídicas atuantes nas relações de Direito público, têm
incidência especial em todo o ordenamento jurídico, inclusive, nas relações entre
particulares. Ao mesmo tempo, estes princípios estão expressos em cláusulas
gerais, permitindo o desenvolvimento jurisprudencial de novas hipóteses, ampliando
as possibilidades de determinado direito.375
Importante registrar o entendimento de Vieira de Andrade, para quem “a
dignidade da pessoa humana, enquanto conteúdo essencial absoluto do direito,
nunca pode ser afetada – pois está é a garantia mínima que se pode retirar da
Constituição”.376 Assim, a dignidade da pessoa humana possui uma estreita relação
com a vinculação entre a dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais,
teoria sobre a qual se assenta o direito contemporâneo.
[...] onde não houver respeito pela vida e pela integridade física e moral do ser humano, onde as condições mínimas para uma existência digna não forem asseguradas, onde não houver limitação do poder, enfim, onde a liberdade e a autonomia, a igualdade (em direito e dignidade) e os direitos fundamentais não forem reconhecidos e minimamente assegurados, não haverá espaço para a dignidade da pessoa humana e esta( a pessoa), por sua vez, poderá não passar de um mero objeto de arbítrio e injustiças.377
372 SARLET, 2001, p. 27-28. 373 Ibidem, p. 34-35. 374 Ibidem, p. 36-37. 375 MARTINS-COSTA, Judith. Os danos à pessoa no direito brasileiro e a natureza da sua reparação.
In:______. (Org.). A reconstrução do direito privado. São Paulo: RT, 2002, p. 414-415. 376 VIEIRA DE ANDRADE, 2004, p. 293. 377 SARLET, op. cit., p. 59.
115
Ocorre, porém, que nem sempre o princípio da dignidade da pessoa humana é
um princípio máximo, pois há que se cogitar das condições em que a dignidade foi
violada.378 De acordo com Bonavides, a observância, a prática e a defesa dos
direitos sociais formam hoje o pressuposto mais importante com que fazer eficaz a
dignidade da pessoa humana, numa organização democrática da sociedade e do
poder. Assim, os direitos sociais devem ser interpretados de um modo que se lhes
reconheça o mesmo quadro de proteção e garantia aberto pelo constituinte em favor
do conteúdo material do parágrafo 4º, do art. 60 (cláusulas pétreas), “ao qual eles
pertencem pela universalidade mesma da expressão direitos e garantias
individuais”.379
3.1 Os modernos 380 princípios contratuais efetivadores da função soci al
do contrato
Na doutrina pátria, não há uma homogeneidade no que concerne aos
modernos princípios contratuais. Sem desconsiderar os princípios da época liberal,
que foram reestruturados, de acordo com os ditames atuais, elegemos como
princípios basilares da moderna teoria contratual: a função social do contrato (art.
421), a boa-fé objetiva (art. 422) e o equilíbrio econômico ou justiça contratual (art.
478).
Com a ruptura do Estado Liberal, o problema é o de definir o modo como os
princípios liberais clássicos devem interagir com os modernos princípios contratuais.
A conciliação entre antigos e novos princípios ocorre naturalmente: os modernos
378 Segundo Alexy, citado por Bornholdt, em caso julgado pelo Tribunal Constitucional Federal
alemão, sobre a escuta indevida, baseada no princípio da dignidade humana, fez com que prevalecesse o interesse do Estado. Apenas quando o princípio da dignidade humana, em face das circunstâncias do caso concreto, possui precedência, que a regra da dignidade humana será violada. Outro caso pertinente é o relativo à constitucionalidade da prisão perpétua, em que se afirma que a dignidade não foi violada quando a periculosidade do agente exige este tipo de medida, para a proteção da comunidade estatal. Cf. BORNHOLDT, 2005, p. 92-93.
379 BONAVIDES, 2002, p. 594-595. 380 Utiliza-se, aqui, a expressão “moderno” no sentido de corresponder ao período posterior à
promulgação da Constituição Federal de 1988.
116
princípios podem ser considerados um reforço aos princípios tradicionais, como
podem ser vistos como complementares. Aparentemente, os modernos princípios
contrapõem-se aos princípios clássicos, mas é tarefa do intérprete fazer com que
ambos os modelos convivam simultaneamente. Há, assim, um alargamento da
responsabilidade do intérprete, tendo ele a função de propiciar o equilíbrio entre os
princípios, em consonância com os princípios constitucionais.
Isto porque a crise gerada pelo individualismo e o liberalismo econômico do
século XIX e início do século XX, ensejou uma reformulação dos princípios
clássicos, que passaram a ser mais sociais, como o princípio da autonomia da
vontade – que cedeu parte de seu espaço para o dirigismo contratual – buscou
resgatar a igualdade das partes diante da massificação das relações contratuais; o
princípio da obrigatoriedade foi amenizado diante do desequilíbrio contratual; o
princípio da relatividade dos efeitos do contrato foi remodelado por força do
reconhecimento de uma função social dos contratos. Por fim, o princípio da
intangibilidade foi relativizado, a fim de permitir a intervenção do Estado em casos de
interesse social.381
Todavia, a nova organização principiológica não exclui princípios clássicos do
direito contratual, como, por exemplo, o da liberdade de contratar, a pacta sunt
servanda, mas, sim, permite que os princípios convivam, porém, com uma feição
contemporânea do contrato, sob a influência de uma visão constitucional. “O
contrato deve ser justo, mas sem se afastar de sua utilidade específica.”382
É bem verdade, que grande parte dos modernos princípios constitucionais são
considerados conceitos indeterminados383 e cláusulas gerais384, pois a lei não define
381 BIERWAGEN, 2003, p. 49. 382 THEODORO JÚNIOR, 2003, p. 5. 383 Segundo Grau: não existem “conceitos indeterminados”. Se é indeterminado o conceito, não é
conceito. O mínimo que se exige de uma suma de idéias, para que seja um conceito, é que seja determinada. Assim, a expressão “indeterminação dos conceitos” não é deles, mas sim dos termos que os expressam. O conceito é signo de uma significação determinada. In: GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 147-148.
384 Na concepção de Steinmetz, no Direito contratual contemporâneo, o número de normas imperativas é proporcionalmente maior ao que era previsto no Direito contratual clássico e, em conseqüências, a quantidade de normas dispositivas – interpretativas e supletivas – é proporcionalmente menor. Também foi ampliado o rol de cláusulas gerais no Código Civil: ordem
117
precisamente o seu conteúdo. Essas mudanças no âmbito do contrato foram
implementadas no Código Civil, pelas cláusulas gerais. A função social é cláusula
geral e cabe ao juiz preenchê-la com valores jurídicos, sociais, econômicos e morais.
Há que se destacar que os princípios385 não são meras fontes subsidiárias às
normas, mas funcionam como verdadeiras normas chave do sistema normativo,
informando o Direito positivo por um lado, e, por outro, com aplicação direta e
imediata; como função orientadora do trabalho interpretativo, funcionam como elos
de coerência do sistema, tornando possível ao juiz exercer uma função de controle
difuso de constitucionalidade das normas infraconstitucionais, conforme os valores e
princípios constitucionais expressos ou tácitos; e, finalmente, os princípios garantem
a unidade do sistema jurídico, de forma a estender sua eficácia para impedir o vazio
normativo em caso de lacunas.386
Originariamente, os princípios foram concebidos como meras normas
programáticas, de caráter político e não-vinculatório, com fundamento na vontade
divina e, posteriormente, na própria vontade humana.387 Esta é a fase jusnaturalista,
que é seguida pelas fases positivista e pós-positivista, segundo Bonavides.388
Na segunda fase - conhecida como positivista – os princípios foram concebidos
como fonte normativa subsidiária, ou seja, desempenhavam uma função supletiva,
no sentido de preencher um eventuais lacunas (‘vazio normativo’).389 Eram tidos
pública (arts. 20 e 122), bons costumes (art. 13, 122 e 187), boa-fé (arts. 113-187 e 422; e no Código de Defesa do Consumidor, art. 51, inciso IV), probidade (art. 422); e Código de Defesa do Consumidor, art. 51, inciso IV), eqüidade (art. 7º, Código de Defesa do Consumidor), abuso de direito e excesso de poder (art. 28, caput do Código Civil), finalidade econômica (art. 187), finalidade social (art. 187 e 421) e usos do lugar (art. 113 e 429). Porém, este levantamento não é exaustivo. Cf. STEINMETZ, 2004, p. 193.
385 Os princípios fundamentais expressos em nossa Constituição, previstos principalmente no art. 5º, segundo a terminologia proposta por Gomes Canotilho, inspirados no modelo germânico, podem ser, segundo uma ordem crescente de abstratividade, princípios constitucionais especiais (por exemplo, a igualdade entre homens e mulheres), princípios constitucionais gerais (por exemplo, o princípio da insonomia) e princípios estruturantes, estes últimos a base de toda de ordem constitucional, quais sejam o princípio democrático, o princípio federativo e o princípio republicano. Cf. ALBUQUERQUE, 2002, p. 25.
386 Ibidem, p. 24-25. 387 LEAL, 2003, p. 72. 388 BONAVIDES, 2002, p. 232. 389 LEAL, 2003, p. 73. Esta é a concepção prevista na Lei de Introdução ao Código Civil, art. 4º:
“Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito.”
118
como meras “pautas programáticas”, o que evidenciou a sua carência de
normatividade e irrelevância jurídica.390
Segundo a teoria constitucional contemporânea, os princípios desfrutam de
uma mesma força normativa, assim como as demais normas, pois derivam do
próprio Direito Positivo. Este fenômeno da “normatividade dos princípios”391, significa
que, antes do fenômeno da Constitucionalização, os princípios eram apresentados
como meros caminhos, orientações, fontes para a aplicação das regras, mas com os
ideais de justiça contratual, podem ser aplicados diretamente, assim como as
demais regras jurídicas. Isto porque os princípios são tidos como espécie do gênero
norma jurídica, ao lado das regras jurídicas.
A palavra princípios leva a engano, tanto que é velha a questão entre os juristas se os princípios gerais são normas. Para mim não há dúvida: os princípios gerais são normas como todas as outras. [...] Para sustentar que os princípios são normas, os argumentos são dois, e ambos válidos: antes de mais nada, se são normas aquelas das quais os princípios gerais são extraídos, através de um procedimento de generalização sucessiva, não se vê por que não devam ser normas também eles: se abstraio da espécie animal obtenho sempre animais, e não flores ou estrelas. Em segundo lugar, a função para a qual são extraídos e empregados é a mesma cumprida por todas as normas, isto é, a função de regular um caso. E com que finalidade são extraídos em caso de lacuna? Para regular um comportamento não-regulamentado: mas então servem ao mesmo escopo a que servem as normas expressas. E por que não deveriam ser normas?392
Assim, com a normatividade dos princípios, não mais é necessário recorrer a
uma fonte de direito exterior ao sistema para resolver questões não previstas no tipo
legal.393 Na terceira fase é a do pós-positivismo ou neopositivista as constituições
promulgadas acentuam a hegemonia axiológica dos princípios, sobre os quais
baseia-se todo o ordenamento jurídico.394
Na verdade, o princípio funciona como mandamento nuclear de um sistema,
um alicerce, é o que confere sentido harmônico ao sistema normativo. Trata-se de
390 BONAVIDES, 2002, p. 236. 391 O jurista italiano, Vezio Crisafulli, contribuiu decisivamente para consolidar a teoria da
normatividade dos princípios. Para ele, os princípios têm dupla eficácia: imediata e mediata (programática).
392 BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Tradução de Cláudio de Cicco e Maria Celeste C. J. Santos. São Paulo: Polis; Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1989, p. 158-159.
393 LEAL, 2003, p. 74-75. 394 BONAVIDES, op. cit., p. 237.
119
uma disposição fundamental que irradia sobre diferentes normas, atribuindo-lhes o
espírito e servindo de critério para a compreensão do sistema normativo. Portanto:
“violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma. A desatenção ao
princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório mas a
todo o sistema de comandos.”395
Com a influência dos princípios constitucionais, alterou-se todo o alicerce do
Direito contratual, pois ao lado dos princípios que gravitam em volta da autonomia da
vontade, surgiram outros condizentes com a função social do contrato, como a boa-
fé objetiva, o equilíbrio econômico do contrato e a função social do contrato.
Portanto, o grande desafio do jurista, hoje, é o de definir como os princípios atuais
devem interagir com os princípios clássicos, pois estes não desapareceram, mas
foram limitados em seu alcance e seu conteúdo, de acordo com as exigências de
ordem pública.
3.1.1 O princípio da função social do contrato 396
Com a moderna teoria dos contratos, o juiz faz a revisão dos contratos,
atenuando o rigor dos princípios clássicos, em especial o da autonomia da vontade,
a da pacta sunt servanda ou força obrigatória dos pactos, o do consensualismo e da
relatividade dos efeitos do contrato, de modo a proteger e amparar os
hipossuficientes na relação, a fim de manter o equilíbrio negocial.
Destaca-se, desde logo, que função quer dizer "papel a desempenhar",
"obrigação a cumprir, pelo indivíduo ou por uma instituição”. E social qualifica o que
é "concernente à sociedade", "relativo à comunidade, ao conjunto dos cidadãos de
um país". Logo, só se pode pensar em função social do contrato, quando este
395 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Elementos de Direito Administrativo. São Paulo: RT, 1980, p.
230. 396 Várias normas previstas no Código Civil de 2002 afastam o caráter absoluto da força obrigatória
dos contratos, como se pode verificar nos seguintes artigos, que estão relacionados com a função social do contrato: o art. 108, 157, 170, 187, 406, 413, 423, 424 e 2.035, parágrafo único.
120
instituto jurídico interfere no domínio exterior aos contratantes, isto é, no meio social
em que estes realizam o negócio de seu interesse privado.397
Mister se faz ressaltar, que o contrato é o centro da vida dos negócios, pois
constitui-se num instrumento prático que harmoniza interesses não coincidentes, a
partir da declaração de vontade das partes. Desta forma, há uma estreita relação do
contrato com a instituição jurídica da propriedade, pois o contrato é instituição
genuína do Direito privado, e passou a ganhar maior relevância com o
desenvolvimento do comércio, sendo o grande responsável pela expansão do
capitalismo. O atributo da função social é inerente ao contrato e à propriedade.
A função social do contrato deve ser extraída do caput do art. 170 da
Constituição Federal398, de modo que os contratos devem estabelecer-se numa
ordem social harmônica.399 Na lei civil, a função social do contrato foi inserida no
artigo 421400, o que foi de grande relevância jurídica e, especialmente, social, pois
propõe uma nova significação para as regras atinentes à liberdade contratual, de
397 THEODORO JÚNIOR, 2003, p. 13. 398 Art. 170 – A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa,
tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
III – a função social do contrato; 399 O exemplo a seguir, serve para ilustrar a aplicação prática da função social do contrato na
jurisprudência pátria: EMENTA: SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. REVISIONAL DE CONTRATO. FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO. CDC. CONTRATO DE ADESÃO. ABUSIVIDADE. JUROS LIMITADOS. TABELA PRICE. TR. POUPANÇA. PERCENTUAL SOBRE RENDA. JUROS. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. VEDADA A CUMULAÇÃO DE CORREÇÃO MONETÁRIA COM COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. 1. REVISÃO DOS CONTRATOS. No Estado constitucional e democrático de Direito, o contrato é importante instrumento funcionalizador de direitos subjetivos sociais, cabendo ao Poder Judiciário adequá-lo à realidade sócio-cultural, podar os abusos e equilibrá-lo. [...] A pendência de litígio acerca do débito de mútuo hipotecário torna controvertida a liquidez da dívida e a mora, conferindo verossimilhança ao alegado direito à sustação da execução, para proteção da moradia, indispensável à operacionalização da garantia constitucional à dignidade humana, que se sobrepõe a direitos meramente patrimoniais. [...] RECURSO PROVIDO EM PARTE. (Apelação Cível Nº 70007720204, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Nereu José Giacomolli, Julgado em 07/04/2004). Fonte: WWW. tj.rs.gov.br. Acesso em 22 de março de 2006.
400 No projeto de Lei nº 6.960/2002, em relação ao princípio da função social do contrato constam dois reparos de ordem terminológica, e que de deverão dar nova redação ao art. 421, se aprovados: “A liberdade contratual será exercidos nos limites da função social do contrato”. Neste projeto de lei estão previstas as seguintes alterações: a) Substituir a expressão “liberdade de contratar” por “liberdade contratual”; b) Suprimir a expressão “em razão”, como forma de reforçar a idéia de limite de exercício da liberdade contratual. Na verdade, estas alterações v constituem-se numa melhoria redacional, bem como num verdadeiro aprimoramento do texto legal. Isto porque o princípio da autonomia da vontade se exterioriza por meio do exercício de três liberdades: de contratar, com quem contratar e de estabelecer o conteúdo do contrato. Logo, como a chamada liberdade de contratar não possui restrições, constata-se que o art. 421 refere-se à liberdade contratual – limitada às normas de ordem pública, como a própria função social do contrato.
121
modo que todo o regime contratual privado passa a ser influenciado por este
princípio. Assim, não somente o interesse do titular é tutelado, mas também àquele
da coletividade, o que exprime a configuração solidarista do nosso ordenamento
constitucional.401,402
Os interesses individuais das partes do contrato devem ser exercidos em
conformidade com os interesses sociais. Não pode haver conflito entre eles, pois
prevalecem os interesses sociais. No Estado liberal, a dimensão social do contrato
era desconsiderada para que não prejudicasse a realização individual, a qual era o
valor supremo, em que os únicos limites negativos eram os de ordem pública e bons
costumes, e não cabia ao Estado e ao Direito considerações de justiça social.403
Assim, a função social do contrato, quando concebida como um princípio,
significa que o contrato não deve ser concebido como uma relação jurídica que
interessa só às partes contratantes, impermeável às condicionantes sociais que o
cercam e que são por ele afetadas. Constitui-se num condicionamento adicional
imposto à liberdade contratual. O referido princípio encontra fundamento
401 EMENTA: RESPONSABILIDADE CIVIL. CONTRATO DE SEGURO. LEGITIMIDADE PASSIVA
DA RÉ. REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS. SENTENÇA CONFIRMADA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS O seguro contempla cobertura para danos materiais sofridos por terceiros. E, tendo em conta a função social do contrato, prevista no art. 421, do Código Civil, que tem sua inspiração no princípio constitucional da solidariedade, contemplado no art. 3º, I, da Constituição Federal, não pode a recorrente afirmar que não apresente qualquer responsabilidade em face do terceiro prejudicado por seu segurado. A responsabilidade da seguradora pelos danos causados a terceiros decorre do próprio contrato de seguro, independentemente da existência de culpa. Recurso improvido. (Recurso Cível Nº 71000799726, Primeira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Ketlin Carla Pasa Casagrande, Julgado em 16/02/2006).
402 EMENTA: PLANO DE SAÚDE EM BENEFÍCIO DE EMPREGADOS DE EMPRESA. CONTRATO FIRMADO ENTRE A COOPERATIVA MÉDICA E EMPREGADORA. CONTRATO EM FAVOR DE TERCEIROS. FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO QUE FLEXIBILIZA O PRINCÍPIO DA RELATIVIDADE CONTRATUAL. POSSIBILIDADE DO EMPREGADO AGIR DIRETAMENTE CONTRA A COOPERATIVA MÉDICA. PROCEDIMENTO CIRÚRGICO AUTORIZADO, APESAR DE HAVER RESTRIÇÃO CONTRATUAL À SUA COBERTURA. DEVER DE SUPORTAR TODOS OS CUSTOS RELACIONADOS AO PROCEDIMENTO AUTORIZADO. RECURSO DESPROVIDO, EMBORA POR OUTROS FUNDAMENTOS. Pode o beneficiário de plano de saúde contratado pelo empregador em benefício de seus empregados agir diretamente contra a empresa gestora do plano, não havendo necessidade de agir contra a própria empregadora. Uma das aplicações práticas do princípio da função social do contrato, ora positivado no novo Código Civil (art. 421), consiste justamente na flexibilização do clássico princípio da relatividade dos contratos. Havendo prova documental da autorização de procedimento cirúrgico que em princípio estaria excluído da cobertura (tratamento especializado que necessite utilizar qualquer tipo de vídeo, em geral), deve a gestora do plano arcar com todos os custos do procedimento autorizado, salvo demonstração de concordância do beneficiário em arcar com parte dos custos. (Recurso Cível Nº 71000546648, Terceira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Eugênio Facchini Neto, Julgado em 20/07/2004).
403 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Princípios contratuais. In:______, LYRA JÚNIOR, E. M. G. (coordenadores). A teoria do contrato e o Novo Código Civil. Recife: Nossa Livraria, 2003, p. 15-16.
122
constitucional no princípio da solidariedade, pois exige que os contratantes e os
terceiros colaborem entre si, respeitando as situações jurídicas anteriormente
constituídas.404
A função social do contrato405 pode ser vislumbrada sob dois aspectos:
individual ou intrínseco – relativo aos contratantes, que se valem do contrato para
satisfazer seus interesse próprios; e público ou extrínseco, que é o interesse da
coletividade sobre o contrato. Desta forma, a função social do contrato só restará
atendida se a sua finalidade – a distribuição de riquezas – for atingida de forma
justa, ou seja, quando o contrato representar fonte de equilíbrio social.406 Portanto,
tem a função de promover a igualdade, o equilíbrio e a justiça contratual, negando,
sobretudo, o enriquecimento imotivado.407
Segundo Caio Mário, a função social do contrato serve de instrumento para
limitar a autonomia da vontade, quando tal autonomia esteja em confronto com o
interesse social e este deva prevalecer, ainda que esta limitação possa atingir a
404 NEGREIROS, 2006, p. 208-209. 405 CIVIL. CONTRATOS DE OBRAS. APELAÇÃO. DNER. PAGAMENTO DE FATURAS.ATRASO.
CORREÇÃO MONETÁRIA. EXPURGOS INFLACIONÁRIOS.1 - Os expurgos inflacionários gerados em decorrência do atraso dos pagamentos das faturas relativas aos contratos de obras são devidos, em vista da execução dos serviços de obras que foram prestados ao órgão apelante, que produz obrigação inconteste de reparar o ilícito (art. 37, § 6º da Constituição Federal), dada a função social do contrato e os princípios de probidade e boa-fé. 2 - Incide a Lei 8.880/94 se comprovado que os contratos foram celebrados anteriormente, e ainda se assim não fosse, mesmo com o advento do plano real, a correção monetária em virtude do atraso no pagamento das obrigações contratuais continua sendo devida. 3 - Havendo significativa desvalorização da moeda e conseqüente alteração do poder de compra com os sucessivos planos econômicos que foram implantados desde janeiro de 1998, e sua respectiva inflação, não constitui a inclusão dos expurgos, acréscimo ou penalidade, mas, ao contrário, busca apenas a recuperação real do valor da moeda, corroída pela inflação. 4 - Apelação da EMPA S/A SERVIÇOS DE ENGENHARIA parcialmente provida. 5 - Apelação do DNER e remessa oficial improvidas. (TRF 1º Região. AC 2000.01.00.109587-0/DF; APELAÇÃO CIVEL. Relator: Dês. mMaria do Carmo Cardoso. 6º Turma. Data da decisão: 02/06/2003. Data de Publicação: 30/06/2003.
406 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: contratos e atos unilaterais. V. III. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 6.
407 O Código Civil prevê nos artigos 884 a 886 sobre o enriquecimento sem causa, que exige os seguintes pressupostos: a ocorrência de enriquecimento de uma das partes; o conseqüente empobrecimento da outra; o nexo casual entre esse dois eventos; que o acréscimo seja sem justa causa; que não haja outro meio para a restituição do indevido. Está previsto nos artigos 884 a 886: Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários. Parágrafo único. Se o enriquecimento tiver por objeto coisa determinada, quem a recebeu é obrigado a restituí-la, e, se a coisa não mais subsistir, a restituição se fará pelo valor do bem na época em que foi exigido. Art. 885. A restituição é devida, não só quando não tenha havido causa que justifique o enriquecimento, mas também se esta deixou de existir. Art. 886. Não caberá a restituição por enriquecimento, se a lei conferir ao lesado outros meios para se ressarcir do prejuízo sofrido.
123
própria liberdade de não contratar, como ocorre nas hipóteses de contrato
obrigatório. Tal princípio desafia a concepção clássica de que os contratantes tudo
podem fazer, porque estão no exercício da autonomia da vontade. Essa constatação
tem como conseqüência, por exemplo, possibilitar que terceiros, que não são
propriamente parte do contrato, possam nele influir em razão de serem direta ou
indiretamente por ele atingidos.408
Portanto, se uma das partes for prejudicada com uma cláusula que torne o
cumprimento do contrato excessivamente oneroso, levando a parte ao
empobrecimento, a lei determina a resolução do contrato ou a revisão de seus
termos, conforme a atual teoria contratual, a fim de restabelecer o equilíbrio
contratual.
De fato, a pessoa não é protegida pelo Direito somente pela sua existência
material, mas, também, pela sua feição espiritual. É objeto de um Direito natural
tanto a integridade do corpo quanto a integridade moral da pessoa, a atividade física
e a atividade do pensamento. Além das manifestações diretas, o valor absoluto de
pessoa se revela em todo o Direito, refletindo-se, inclusive, em disposições
particulares. Ainda que sejam numerosos os vínculos jurídicos impostos aos
indivíduos, presume-se que a regra é a imunidade de vínculo.409
A leitura do Direito Civil sob a ótica constitucional atribui novos fundamentos e
novos contornos à liberdade contratual. Em meio ao processo de
despatrimonialização ou de funcionalização do Direito Civil, a noção de autonomia
da vontade sofre as modificações no âmbito do contrato, isto é: a livre determinação
do conteúdo encontra-se condicionada à observância de regras e de princípios
constitucionais, o que significa “conceber o contrato como um instrumento a serviço
da pessoa, sua dignidade e desenvolvimento”. São observados valores como a
justiça social, solidariedade, erradicação da pobreza, proteção ao consumidor, entre
outros, o que indica que o direito dos contratos não está à parte do projeto social
408 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 11. ed. atual. por Regis Fichtner. Rio
de Janeiro: Forense, 2003, V. III, p. 13-14. 409 DEL VECCHIO, Giorgio. Princípios Gerais do Direito. Belo Horizonte: Líder, 2003, p. 49-50.
124
articulado pela ordem jurídica pátria. Com a instituição de novos princípios410 foi
quebrada a hegemonia atribuída à autonomia negocial.411
Diante da função promocional que o contrato possui, cabe instituir valores que
interessam a toda a sociedade, de forma que o contrato possui uma função que vai
muito além da esfera jurídica dos contratantes, apenas. Além disso, numa sociedade
de consumo e de massa, o contrato deve facilitar o acesso a esses bens, cumprindo
um papel distributivo. Para Aristóteles, por sua vez, havia a necessidade de
assegurar um equilíbrio que garantisse a igualdade entre os particulares, mediante a
atuação de uma justiça corretiva de desigualdades.412
A funcionalidade serve como elemento auxiliar na construção e definição de
standards de comportamento, como importante contraponto a impedir os efeitos
nefastos da autonomia da vontade. Desta forma, as cláusulas contratuais são
submetidas ao teste da inserção social e da ponderação de princípios
constitucionais, e só após este processo é que são consideradas adequadas, ou
não, à ordem jurídica.413
Desse modo, o negócio jurídico tem relevante papel na ordem econômica
indispensável ao desenvolvimento e aprimoramento da sociedade. Os terceiros
também têm o direito de evitar reflexos danosos e injustos que o contrato, desviado
de sua natural função econômica e jurídica, possa ter na esfera de quem não
participou de sua pactuação.414
Nessa ordem, são tendências do Direito privado não só a compatibilização do
princípio da liberdade com o da igualdade, mas também a busca da expansão da
410 Estes novos princípios encontram fundamento na Constituição Federal, seja com desdobramentos
da cláusula geral da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III), seja com princípios instrumentais da ótica solidarista (art. 3º, inciso I), seja como corolário do valor da livre iniciativa (art. 1º, inciso IV), seja na condição de princípios componentes da ordem econômica constitucional (art. 170 e seguintes), da qual a ordem contratual faz parte.
411 NEGREIROS, 2006, p. 107-108. 412GHESTIN, Jacques e ARISTÓTELES ambos citados na obra de GODOY, Cláudio Luiz Bueno de.
Função social do contrato: os novos princípios contratuais. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 35. 413 BRAGA NETTO, Felipe Peixoto. A responsabilidade civil e a hermenêutica contemporânea: uma
nova teoria contratual? In: LÔBO, P. L. N.; LYRA JÚNIOR, E. M. G. (coordenadores). A teoria do contrato e o Novo Código Civil. Recife: Nossa Livraria, 2003, p. 271.
414 GODOY, op. cit., p. 30.
125
personalidade individual de forma igualitária e o desenvolvimento da comunidade
como um todo, mesmo que ao custo de diminuir a esfera da liberdade individual.415
Na nova concepção, o contrato passa a ser um instrumento jurídico e social,
para a qual não só importa a manifestação da vontade (consenso), mas os efeitos
do contrato na sociedade é que são levados em conta, e onde a condição social,
cultural e econômica das pessoas nele envolvidas ganha destaque. Na sociedade de
consumo atual, busca-se o equilíbrio nas relações contratuais, sendo que o Direito
destacará o papel da lei como limitadora e como verdadeira legitimadora da
autonomia da vontade. A lei passará a proteger determinados interesses sociais,
valorizando a confiança depositada no vínculo, as expectativa e a boa-fé das partes
contratantes.416
Em vista desta situação, foram inseridos no ordenamento privado vários
instrumentos417jurídicos capazes de mitigar os efeitos nocivos de um contrato,
proporcionando equilíbrio e justiça contratual: a função social do contrato (art. 421);
a boa-fé objetiva (art. 113, 187); a desproporção (art. 317)418, a teoria da
onerosidade excessiva (art. 478), o ato ilícito (art. 187)419, a desconsideração da
personalidade jurídica (art. 50)420, o estado de perigo (art. 156)421, a lesão422 (art.
415 TARTUCE, Flávio. A função social dos contratos: do Código de Defesa do Consumidor ao novo
Código Civil. São Paulo: Método, 2005, p. 23. 416 MARQUES, 2005, p. 210. 417 No presente estudo, foram escolhidos apenas alguns destes instrumentos. 418 Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da
prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.
419 Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
420 Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.
421 Art. 156. Configura-se o estado de perigo quando alguém, premido da necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa.
Parágrafo único. Tratando-se de pessoa não pertencente à família do declarante, o juiz decidirá segundo as circunstâncias.
422 A Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor) combate a lesão nos contratos de consumo, em seu Art. 6º, inciso V, dizendo que o consumidor tem direito: “a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais”, e no Art. 39, inciso V capitulou como prática abusiva “exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva”. Além disso, o Art. 51, inciso IV estabeleceu a nulidade.
126
157)423, o contrato de adesão (art. 423424 e 424)425, a resilição unilateral (art. 473)426
e o enriquecimento sem causa (art. 884)427. Assim, Código Civil ampliou o rol de
vícios contratuais, a fim de mitigar os efeitos nocivos dos contratos às partes e à
coletividade.
Os instrumentos de realização da função social do contrato são considerados
um claro progresso da legislação, na tentativa de se adequar às exigências
econômicas e sociais da realidade. Atualmente, é necessária uma intervenção
legislativa mais abrangente, no sentido de coibir o excesso de autonomia de
vontade, a fim de reequilibrar a comutatividade dos contratos e proporcionar a justiça
contratual.
Neste contexto, permite-se uma maior atuação da hermenêutica, haja vista que
o Código Civil está repleto de cláusulas gerais e de conceitos abertos e
indeterminados, sendo possível a efetivação dos direitos fundamentais nas relações
privadas. Assim, há uma possibilidade maior de adaptar o Código à realidade social,
com vistas a ensejar a formação de modelos jurídicos inovadores, abertos, contínuos
e flexíveis.
A hermenêutica está comprometida com os ideais de eqüidade, solidariedade,
as teorias humanizadoras do Direito – a da lesão, a da imprevisão, a do abuso de
direito, a do enriquecimento sem causa. É um trabalho de abrandamento da rigidez
423 Art. 157. Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se
obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta. § 1o Aprecia-se a desproporção das prestações segundo os valores vigentes ao tempo em que foi
celebrado o negócio jurídico. § 2o Não se decretará a anulação do negócio, se for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte
favorecida concordar com a redução do proveito. 424 Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a
interpretação mais favorável ao aderente. 425 Art. 424. Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do
aderente a direito resultante da natureza do negócio. 426 Art. 473. A resilição unilateral, nos casos em que a lei expressa ou implicitamente o permita, opera
mediante denúncia notificada à outra parte. Parágrafo único. Se, porém, dada a natureza do contrato, uma das partes houver feito investimentos
consideráveis para a sua execução, a denúncia unilateral só produzirá efeito depois de transcorrido prazo compatível com a natureza e o vulto dos investimentos.
427 Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.
Parágrafo único. Se o enriquecimento tiver por objeto coisa determinada, quem a recebeu é obrigado a restituí-la, e, se a coisa não mais subsistir, a restituição se fará pelo valor do bem na época em que foi exigido.
127
contratual, pelo fato de que os princípios tradicionais – individualistas e severos –
sofrem freqüentes derrogações, em proveito da justiça contratual e da
interdependência das relações entre os homens. Com isso, as intervenções
legislativas se multiplicam, ou seja, tudo vai sendo regulamentado com minúcia. Por
exemplo, os preços das utilidades são tabelados; o inquilino é protegido contra o
proprietário; os agricultores são beneficiados com as moratórias e o reajustamento
econômico; a usura é coibida; a compra de bens a prestações é regulada de modo a
resguardar os interesses do adquirente. Essas medidas são contrárias à autonomia
da vontade e aos princípios clássicos, em especial, a pacta sunt servanda.428
Em relação às cláusulas gerais, conceitos abertos e indeterminados - o
Judiciário passou a desempenhar um papel relevantíssimo e teve suas funções
ampliadas, de modo a corresponder às demandas sociais, competindo-lhe
interpretar e aplicar os direitos fundamentais à luz dos valores axiológicos da
Constituição Federal.
3.1.1.1 A função social do contrato e a função econ ômica
A função social do contrato e a função econômica do contrato são coisas
distintas, e devem coexistir harmonicamente. O lucro não é vedado em nosso
sistema civil, sendo até regulamentado de forma limitada, nas relações
interprivadas.429 A propriedade e a iniciativa econômica, mesmo que voltada à
satisfação dos interesses particulares, não perdem essa característica, mas
submetem-se a uma funcionalização a objetivos constitucionais430, voltando-se à
prossecução de interesses heteroindividuais.431
428 BESSONE, 1997, p. 36. 429 O Supremo Tribunal Federal é a Corte que tem como principal função a de interpretar a
Constituição Federal, mas reiteradamente vem decidindo pela não auto-aplicação do art. 192, parágrafo 3º, justificando que o mesmo precisa ser antes regulamentado por lei ordinária.
430 A Constituição Federal de 1988 instituiu o Estado Democrático de Direito, sendo que no seu preâmbulo constam as diretrizes do mesmo: “[...] assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias”.
431 GODOY, 2004, p. 25.
128
Conforme Bierwagen, o contrato possui três principais funções: uma
econômica, pois é instrumento de circulação de riquezas e difusão de bens; outra
regulatória, pois através deste instrumento são constituídos direitos e obrigações; e
por fim, social – dirige-se à satisfação de interesses sociais.432
É evidente que a função econômica está implícita no âmbito da livre iniciativa,
a qual é considerada legalizada, tão-somente, se cumprida a explícita função (social)
de dignificação dos sujeitos contratantes. A função econômica do contrato nem
sempre pode se revelar na relação jurídica contratual, não sendo a patrimonialidade
o pressuposto de sua eficácia.433
Assim, a função social que se atribui ao contrato não pode ignorar sua função
primária e natural, que é a econômica. Ao contrato cabe uma função social, mas não
uma função de ‘assistência social’. O contrato não será o remédio para tal carência,
por mais que o indivíduo mereça assistência social. O instituto é econômico e tem
fins econômicos a realizar, que não podem ser ignorados pela lei e muito menos
pelo aplicador da lei.434
Nesta perspectiva, pode-se afirmar que a função social não se apresenta como
meta do contrato, mas como limite da liberdade do contratante de promover a
circulação dos bens patrimoniais (Código Civil, art. 421),435 mas como um limite que
interfere profundamente no conteúdo do negócio, pelo papel importante que o
contrato tem de desempenhar na sociedade.436 Para que o contrato atinja a sua
função social deve haver uma ponderação de valores, através do princípio da
proporcionalidade, a ser realizada pelo juiz.
Assim, deve haver uma aproximação entre a segurança e justiça, ou seja, a
segurança deve deixar de se identificar com a mera noção de legalidade ou de
432 BIERWAGEN, 2003, p. 41. 433 NALIN, Paulo. Do contrato: conceito pós-moderno em busca de sua formulação na perspectiva
civil-constitucional. 6º tiragem. Curitiba: Juruá, 2006, p. 245. 434 THEODOR JÚNIOR, 2003, p. 98. 435 Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do
contrato. 436 Ibidem, p. 99-100.
129
positividade do Direito para se conectar com bens jurídicos básicos sociais e
necessários. “A justiça deve perder sua dimensão ideal e abstrata para incorporar as
exigências igualitárias e democratizadoras, que informam seu conteúdo no Estado
social de direito”.437
Originariamente, o contrato surgiu como um instrumento de concretização da
vontade das partes, tendo por objetivo a circulação de riquezas, motivo pelo qual
possui estreita relação com a propriedade: “a propriedade é o segmento estático da
atividade econômica, enquanto que o contrato é seu segmento dinâmico”.438
Um exemplo bem característico refere-se à possibilidade de penhora do bem
de família do fiador439, em que divergem tanto a doutrina e a jurisprudência: uma
corrente de pensamento considera o inciso VII, do art. 3º da Lei 8.009/90
plenamente constitucional440, o que autoriza a possibilidade de penhora do bem de
437 LUÑO, Perez apud SANTIAGO, Mariana Ribeiro. O princípio da função social do contrato. Curitiba:
Juruá, 2005, p. 125. 438 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Princípios contratuais. In: ______, LYRA JÚNIOR, E. M. G.
(coordenadores). A teoria do contrato e o Novo Código Civil. Recife: Nossa Livraria, 2003, p. 16-17. 439 Importante destacar que há uma evidente diferença entre a concepção de bem de família do
Código Civil, hoje regulado pelos artigos 1711 e seguintes, e o bem de família da Lei 8.009/90, que remete a uma idéia mais social deste relevante bem – fundamental para as necessidades e a dignidade humanas. Os bens devem ser classificados conforme a sua necessidade no que diz respeito à dignidade humana, podendo ser essenciais, úteis e supérfluos. Então, a vida digna é o parâmetro de interpretação e aplicação das normas de Direito Civil.
440 Neste sentido, seguem as seguintes decisões: Locação – Fiança – Penhora – Bem de família. Sendo proposta a ação na vigência da Lei 8.245/1991, válida é a penhora que obedece seus termos, excluindo o fiador em contrato locatício da impenhorabilidade do bem de família. Recurso provido. STJ – REsp 299663/RJ – j. 15.03.2001 – 5.ª Turma, Rel. Min. Felix Fischer, Data do julgamento 02.04.2001, p. 334.Execução – Penhora – Bem de família – Fiador – Inconstitucionalidade do art. 3.º, inciso VII, da Lei 8.009/1990 – Não reconhecimento. Não é inconstitucional a exceção prevista no inciso VII do art. 3.º, da Lei 8.009/1990, que autorizou a penhora do bem de família para a satisfação de débitos decorrentes de fiança locatícia. 2.º TACSP, Ap. c/ Rev. 656.658-00/9 – 1.ª Câm. – Rel. Juiz Vanderci Álvares – j. 27.05.2003. LOCAÇÃO. FIANÇA. BEM DE FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE. EXCEÇÃO. ARTIGO 82, LEI 8.245/91. ARTIGO 3º, LEI 8.009/90. NOVA REDAÇÃO. O ordenamento jurídico pátrio possui como regra a impenhorabilidade do bem de família. Porém, com as disposições trazidas pela Lei 8.245/91, em seu artigo 82, que não confere ao referido bem, ainda que seja o único, o caráter da impenhorabilidade, nova redação foi dada ao artigo 3º da Lei 8.009/90, mormente pela introdução do inciso VII em seu rol. Configura-se válida a penhora do bem de família para garantir débitos decorrentes de fiança locatícia. Precedentes do STJ. Esta Corte tem como recomendação mais adequada a orientação segundo a qual o bem, se for indivisível, será levado por inteiro à hasta pública, cabendo à outra metade proprietária, 50% do preço alcançado. REsp 583.484/GO, 6ª Turma, Rel. Min. PAULO MEDINA, DJ de 29/03/2004. A decisão do Supremo Tribunal Federal, inclusive, foi no sentido de considerar a penhora do bem de família do fiador plenamente constitucional (ver recurso extraordinário nº 407688, de fevereiro de 2006), pois a falta de fiança torna inviável a locação. Desta forma, pode ser afetada a dignidade e o direito fundamental à moradia de milhares de inquilinos, que necessitam deste tipo de garantia. Além disso, a fiança é considerada uma das principais formas de garantia aceita no direito pátrio.
130
família do fiador, ao passo que a outra considera o único bem de família do fiador
uma lei inconstitucional e, portanto, é impenhorável.441
Com o fenômeno da Constitucionalização do Direito privado e com a influência
direta dos princípios constitucionais, o contrato passou a ter uma função a mais além
da circulação de riquezas, desempenhando, precipuamente, um relevante papel
social.
3.1.2 O princípio da boa-fé objetiva 442
Inicialmente, há que se destacar que a boa-fé443 encontra sua origem no
Direito romano, e constitui-se sobre a base lingüística e conceitual da fides romana.
441 No entanto, uma pequena parcela, orienta-se no sentido de considerar inconstitucional o inciso VII,
do art. 3º da Lei 8.009 de 1990, introduzido pela Lei 8.245 de 1991, eis que não foi recepcionado pelo art. 6º da Constituição Federal, conforme a redação dada pela Emenda Constitucional de nº 26/2000. O Supremo Tribunal Federal, em decisão inédita no país, considerou-o inconstitucional: EMENTA: CONSTITUCIONAL. CIVIL. FIADOR: BEM DE FAMÍLIA. IMÓVEL RESIDENCIAL DO CASAL OU DE ENTIDADE FAMILIAR. IMPENHORABILIDADE. Lei nº 8.009/90, arts. 1º e 3º. Lei 8.245, de 1991, que acrescentou o inciso VII, ao art. 3º, ressalvando a penhora “por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação”: sua não- recepção pelo art. 6º, C.F., com a redação da EC 26/2000. Aplicabilidade do princípio isonômico e do princípio de hermenêutica: ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositio: onde existe a mesma razão fundamental, prevalece a mesma regra de Direito. Recurso extraordinário conhecido e provido. REsp. 352.940/SP, de 25 de abril de 2005. Rel. Min. Carlos Velloso. A partir da análise dessas decisões, pode-se constatar que com a penhora do bem de família do fiador há uma violação direta ao princípio fundamental máximo da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III), do direito à moradia (art. 6º). Desta forma, há dois aspectos a serem relevados: por um lado, a corrente favorável à impenhorabilidade está em sintonia com as premissas de um Estado Social, que prevê a força normativa da Constituição e pressupõe o bem-estar social; por outro lado, os locadores, com essa orientação, podem começar a exigir outras modalidades de garantia, com a qual nem sempre o locatário vai dispor.
442 Para fins deste estudo, será abordado com maior ênfase a grande novidade do Código Civil: a boa-fé objetiva – que passa a ter uma função que vai muito além da mera intenção, pois passa a ser uma norma de conduta.
443 Neste sentido, segue a seguinte jurisprudência: EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. NEGÓCIO JURÍDICO BANCÁRIO. CONTRATOS DE EMPRÉSTIMO. POSSIBILIDADE DA REVISÃO DO CONTRATO. O alcance da justiça social, sob o pálio da igualdade de direitos e deveres, tem sua dimensão e peso na institucionalização da defesa do consumidor, como princípio insculpido na ordem econômica da Carta Política de 1988 (art. 170, inciso V). Desse modo, incumbe ao Poder Judiciário impedir o desequilíbrio na relação de consumo. APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. DECLARAÇÃO DE NULIDADE DE CLÁUSULAS ABUSIVAS. A proteção de determinados interesses sociais passa a ser exigência do ordenamento jurídico baseado na relação de consumo, de molde a valorizar a boa-fé contratual e a legítima confiança do consumidor ou, mesmo, a afastar a lesividade como fator do desequilíbrio negocial. Aplicação da Súmula nº 297 do STJ, cuja redação do verbete é a seguinte: O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras. [...] (Apelação Cível Nº 70009374422,
131
Especialmente após o período de expansão do Império romano, verificou-se uma
expansão de seu conteúdo, em decorrência das influências filosóficas recebidas
pelos juristas romanos, e em conformidade com a mutação de seus diversos
institutos jurídicos.444
Há quem afirme que o princípio da boa-fé teve origem no Direito alemão, em
que se pode identificar tanto a boa-fé subjetiva (guter glauben) como a boa-fé
objetiva (Treu und Glauben), que designa a lealdade por confiança. Entre os
germânicos, a boa-fé assumiu o conteúdo de juramento de honra como forma de
reforçar a responsabilidade pessoal do devedor, garantindo a manutenção e o
cumprimento da palavra. Assim, dois aspectos passam a ser observados: a
lealdade, mediante o cumprimento exato da obrigação contratual; e a necessidade,
ou seja, observar os interesses da outra parte.445
O princípio da boa-fé446 sempre fez parte da teoria clássica dos contratos, mais
precisamente dos princípios fundamentais, juntamente com os princípios da
autonomia da vontade, do consensualismo (em que o acordo de vontades era
suficiente para a perfeição dos contratos), da força obrigatória dos pactos (princípio
da intangibilidade contratual), além do princípio da relatividade dos efeitos dos
contratos (efeitos que vinculam apenas as partes). Mas a ausência de uma regra
específica sobre a boa-fé serviu, infelizmente, de justificativa para a sua
inaplicabilidade, embora esse argumentos seja infundado.447
Por óbvio, a falta de previsão expressa no Código Civil não é motivo para a sua
inutilização. O princípio da força obrigatória dos pactos (pacta sunt servanda), por
exemplo, também não foi inserido expressamente, mas foi utilizado com absoluto
Décima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Catarina Rita Krieger Martins, Julgado em 27/04/2006).
444 GOMES, 2004, p. 117. 445 LISBOA, 2002, p. 61. 446 O Código Civil de 1916 não previu regra geral de boa-fé, embora tenha constado em vários
dispositivos, como por exemplo, nos arts. 112 (fraude contra redores), 221 (casamento nulo e anulável), 255, parágrafo único (direitos e deveres da mulher), 490, 491, 514, 516 (posse), 549 (construções e plantações), 551 (usucapião ordinário), 612 (especificação), 622 (tradição), 935 (pagamento), 968 (pagamento indevido, 1272 (depósito, 1318 (extinção de mandato), 1382 (contrato de sociedade), 1404 (dissolução da sociedade), 1443 (contrato de seguro), 1477 (dívidas de jogo) e 1507 (títulos ao portador).
447 DONNINI, 2004, p. 75.
132
rigor, ao longo de muitas décadas em nosso país, como se fosse o único da teoria
contratual.448 O fato é que antes da entrada em vigor do Código Civil, prevaleceu um
pensamento capitalista, centrado na segurança dos negócios e sua circulação,
inexistindo, assim, uma preocupação acentuada com relação à justiça nas relações
jurídicas.
Relevante destacar que há dois tipos de boa-fé: a subjetiva – presente no
Código Civil de 1916, refere-se a aspectos internos dos sujeitos, ao estado de
desconhecimento ou compreensão equivocados acerca de determinado fato; e a
objetiva449 – que é a grande novidade prevista no Código Civil de 2002 – prevista no
artigo 113450, art. 187451 e art. 422.452 – que estabelece um padrão de
comportamento externo, impõe um padrão de conduta inerente ao homem leal,
honesto, correto.453
A boa-fé subjetiva tem essa denominação porque para o exegeta é levado em
consideração o intuito, a convicção, o estado psicológico desse sujeito. Trata-se do
convencimento do indivíduo de que está a agir de acordo com o Direito. Ao
intérprete cabe a análise do estado psicológico, da convicção de um princípio geral,
do exame se existia ou não o desconhecimento, a ignorância do vício.454 A
característica principal dessa modalidade é a intenção da pessoa, uma situação ou
fato psicológico.
Já a boa-fé objetiva desliga-se do elemento vontade, pois parte-se do
pressuposto que ao lado dos vínculos criados pelo acordo de vontades, há deveres
paralelos criados pelo acordo de vontade, que a doutrina chama de deveres
acessório.
448 DONNINI, 2004, p. 75-76. 449 Deve-se ressaltar que a boa-fé objetiva não teve sua estréia no Código Civil, mas no Código de
Defesa do consumidor – Lei 8.078/90, que, além deste, ainda traz muito outros princípios constitucionais.
450Art. 113- Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme e boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.
451 Art. 187- Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico e social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
452 Art. 422- Os contratantes são obrigados a guardar, assim, na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.
453 BIERWAGEN, 2003, p. 52. 454 DONNINI, op. cit., p. 67.
133
[...] a boa-fé objetiva distancia-se da noção subjetiva, pois consiste num dever de conduta contratual ativo, e não de um estado psicológico experimentado pela pessoa do contratante; obriga a um certo comportamento, ao invés de outro; obriga à colaboração, não se satisfazendo com a mera abstenção, tampouco se limitando à função de justificar o gozo de benefícios que, em princípio, não se destinariam àquela pessoa. No âmbito do contrato, portanto, o princípio da boa-fé impõe um padrão de conduta a ambos os contratantes no sentido da recíproca cooperação, com consideração dos interesses um do outro, em vista de se alcançar o efeito prático que justifica a existência jurídica do contrato celebrado.455
Não é possível determinar com absoluta exatidão o que vem a ser um
comportamento leal, honesto, correto, cabendo ao intérprete456 estabelecer o seu
sentido e conteúdo, mas o que vale é verificar o padrão objetivo da conduta, em
determinado momento histórico e meio social.
Por isso, é considerado uma cláusula geral - preceito genérico e aberto - eis
que a lei não define uma padrão de conduta ou determina o que é a boa-fé, cujo
conteúdo haverá de ser completado e definido casuisticamente pelo juiz, exigindo-
lhe um trabalho de adaptação a ser cumprido por meio da hermenêutica, da
interpretação.457
De fato, é difícil definir um conceito único de boa-fé, pois o mesmo apresenta
vários sentidos, relacionando-se à idéia de justiça, ora como regra de conduta (boa-
fé objetiva), ora estado de espírito (boa-fé subjetiva), mas cada um destes sentidos
deve ser construída a partir de critérios próprio, que não permitem a unificação num
único conceito.458
Com efeito, o princípio da boa-fé representa, no modelo atual de contrato, o valor da ética: lealdade, corrreção e veracidade compõem o seu substrato, o que explica a sua irradiação difusa, o seu sentido e alcance alargados, conforme todo o fenômeno contratual e, assim, repercutindo sobre os demais princípios, na medida em que todos eles assoma o repúdio ao abuso da liberdade contratual a que tem dado lugar a ênfase excessiva no individualismo e no voluntarismo jurídico.459
455 NEGREIROS, 2006, p. 122-123. 456 Trata-se, pois, de uma cláusula geral, um conceito aberto ou indeterminado, passível de
interpretação, o que, segundo os críticos, pode gerar incertezas, haja vista que o magistrado tem a possibilidade de estabelecer uma norma ao caso concreto, de forma autoritária e discricionária.
457 THEODORO JÚNIOR, 2003, p. 17. 458 BIERWAGEM, 2003, p. 50. 459 NEGREIROS, op. cit., p. 116.
134
A fundamentação constitucional do princípio da boa-fé assenta na cláusula
geral de tutela da pessoa humana, em consonância ao ditame constitucional, que
determina como objetivo fundamental da República a construção de uma sociedade
solidária, na qual o respeito ao ser humano é fundamental a toda e qualquer relação
jurídica. Há, pois, uma valorização da dignidade da pessoa humana em substituição
à autonomia do indivíduo, na medida em que as relações obrigacionais passam a
constituir-se num espaço à concretização da cooperação e solidariedade entre as
partes e, sobretudo, de desenvolvimento da personalidade humana.460
A boa-fé pode funcionar como instrumento para suprimento de lacunas,
desenvolvendo, assim, uma ‘função integradora’. Determina obrigações que não
foram explicitamente estabelecidas pelas partes, mas que decorrem das legítimas
expectativas que os contratantes nutrem em relação ao contrato.461
São três as finalidades principais imputadas à boa-fé objetiva: a) A de servir de
cânone hermenêutico-integrativo contratual – essa função pode ser subdividida em
duas diretivas: a.1) como elemento hábil para preenchimento de lacunas existentes
nas relações contratuais e, a.2) deve ser entendida como inclusa nas relações
contratuais, independentemente da vontade das partes; b) A de norma criadora de
deveres jurídicos entre as partes contratantes – determina o comportamento
adequado, em vista do fim contratual. Esses deveres vinculam as partes
contratantes, salvaguardando o próprio ajuste contratual, obrigando-as a respeitar as
exigências das relações econômico-social em que se encontram, levando em
consideração o interesse não só das partes diretamente envolvidas, mas da
sociedade; c) Servir de norma limitadora do exercício de direitos subjetivos – que é
conseqüência lógica da segunda, ou seja, ao criar deveres para as partes,
correlativamente, na maioria das situações, a boa-fé estará limitando ou restringindo
o direitos das mesmas.462
460 NEGREIROS, 2006, p. 117-118. 461 BIERWAGEN, 2003, p. 55. A autora, na mesma obra e página, traz o exemplo: determinado
supermercado encomenda ovos de Páscoa, mas deixa de fixar data para entrega. Não poderá o fornecedor alegar que a não-designação da data permitia-lhe determinara data de entrega, fazendo-a após a festividade. Supõe-se que há um dever de cooperação imposto pela boa-fé objetiva.
462 LEAL, Larissa. Boa-fé contratual. In: Lôbo, P. L. N.; Lyra Júnior (coordenadores). A teoria do contrato e o Novo Código Civil. Recife: Nossa Livraria, 2003, p. 29-30.
135
De acordo com a concepção subjetiva - o que vale não é a teoria da vontade,
mas há primazia da “vontade real” (efetiva) do declarante, ao passo que na
concepção objetiva – o que vale não é a vontade real, mas o sentido desta vontade.
Desta forma, a previsão segundo o qual os contratos devem ser executados de boa-
fé significa que “o espírito vem prevalecendo sobre a letra”, obrigando ao que neles
está expresso, de acordo com a eqüidade, o costume e a lei, bem como deve ser
levado em consideração, a real intenção das partes contratantes, o que demonstra a
valorização jurídica do elemento interior ou psíquico das relações humanas.463
Inegavelmente, os princípios da boa-fé, da justiça contratual e da autonomia
privada se relacionam e, aliados à função social, se completam, ou seja, guardam
entre si, uma relação de complementação e de necessária harmonização (e não de
limitação. A liberdade contratual necessita de justiça contratual, como corretivo, tanto
quanto a justiça contratual pressupõe a liberdade contratual.464
O princípio em questão também impõe deveres instrumentais465, denominados
laterais ou anexos, os quais não estão abrangidos pela prestação principal que
compõe o objeto do vínculo obrigacional, mas caracterizam a correção do
comportamento dos contratantes, haja vista que o vínculo obrigacional deve traduzir
uma ordem de cooperação, exigindo de ambos os obrigados que atuem em favor da
consecução da finalidade que justificou a formação daquele vínculo.466
463 DEL VECCHIO, 2003, p. 63. 464 GODOY, 2004, p. 33. O autor utilizou algumas lições de Karl Larenz, da obra Derecho Civil: parte
general, tradução de Miguel Izquierdo y Macías-Picavea, Madrid: EDERSA, 1978, p. 64. 465 Recurso especial. Civil. Indenização. Aplicação do princípio da boa-fé contratual.Deveres anexos
ao contrato. O princípio da boa-fé se aplica às relações contratuais regidas pelo CDC, impondo, por conseguinte, a obediência aos deveres anexos ao contrato, que são decorrência lógica deste princípio. O dever anexo de cooperação pressupõe ações recíprocas de lealdade dentro da relação contratual. A violação a qualquer dos deveres anexos implica em inadimplemento contratual de quem lhe tenha dado causa. A alteração dos valores arbitrados a título de reparação de danos extrapatrimoniais somente é possível, em sede de Recurso Especial, nos casos em que o quantum determinado revela-se irrisório ou exagerado. Recursos não providos. REsp 595631 / SC ; RECURSO ESPECIAL. Relator(a): Ministra NANCY ANDRIGHI. Órgão Julgador: T3 - Terceira Turma. Data do Julgamento: 08/06/2004. Data da Publicação/Fonte DJ 02.08.2004, p. 391.
466 NEGREIROS, 2006, p. 150. A autora considera como “deveres instrumentais”, como exemplo, um contrato de locação – é o dever principal, por parte do locador a entrega do bem em condições de ser utilizado pelo locatário, ao passo que a este último cabe o pagamento do preço ajustado. Porém, nesta relação, podem ser atribuídos diversos deveres aos contratantes, de modo que o contrato de locação atinja sua finalidade. Também constituem-se exemplos de boa-fé o dever de o locatário comunicar ao locador a existência de cupinzeiros, que no futuro possam causar danos ao imóvel. Ao proprietário, cabe o dever de, ainda na fase das tratativas, dar ao futuro locatário informação correta
136
Desta forma, a existência de deveres instrumentais (especificações do
princípio da boa-fé), significa que incidem valores diversos dos individualistas. Há
um alargamento do conteúdo do contrato, que resulta de uma intervenção
heterônoma (legal ou judicial), de forma que o contrato atenda as finalidades sociais.
Assim, a boa-fé atenua a distinção existente entre as responsabilidades contratual e
extracontratual.467
A boa-fé não pode ficar restrita à contratação e à execução do contrato, mas
deve se espraiar sobre todo o iter contratual, como por exemplo, sonegando
informação relevante sobre o negócio e nas etapas de conclusão e execução agir de
forma honesta e correta, para então, findo o contrato, na fase pós-contratual
conduzir-se como se nenhum negócio houvesse existido, ao revelar segredo do qual
teve conhecimento em virtude de contrato ou não garantindo à outra parte a fruição
do resultado.468
[...] o princípio da boa-fé, exigindo comportamento leal e tendo por objetivo proporcionar aos sujeitos de qualquer relação obrigacional aquela confiança que é necessária à relações sociais de intercâmbio de bens e serviços, já é uma antecipação do princípio da justiça contratual, que prevê, substancialmente, o equilíbrio entre os compromissos assumidos e beneficentes esperados.469
Assim, a boa-fé é o dever de conduta do homem médio, exigível no âmbito do
direito das obrigações, que não se confunde pela situação ou fato psicológico da
boa-fé. É um dever de conduta que deve estar presente em todas as fases do
contrato, desde as contratações preliminares, passando pela formação e execução
do contrato, até mesmo após a sua extinção.470
acerca de circunstâncias específicas que possam influir na decisão de contratar ou não. Os deveres anexos ou instrumentais diferem caso a caso, conforme a função social e econômica do negócio. Na compra e venda de um automóvel, por exemplo, há deveres de informação com diferentes níveis de intensidade. Cf. NEGREIROS, 2006, p. 150-154, passim.
467 NEGREIROS, op. cit., p. 155. 468 BIERWAGEN, 2003, p. 58. 469 ELESBÃO, 2000, p. 158-159. 470 Como exemplo de aplicação da boa-fé objetiva na fase pós-contratual, Tartuce apresenta os
seguintes: a prática do recall (muito comum entre as empresas fabricantes de veículos, que chamam os consumidores para troca de peças, visando evitar prejuízos futuros; a reciclagem de pneu velho, a cada pneu novo comercializado, conforme a resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA. Além disso, os fabricantes devem comprovar o destino de cada pneu recolhido para reciclagem, denotando a responsabilidade pós-contratual; outra resolução desse Conselho dispõe sobre o uso de pilhas e baterias, que tenham em suas estruturas produtos não-substituíveis. No
137
Deve prevalecer a lealdade, a honestidade e a confiança recíproca entre o
credor e o devedor, a fim de que seja almejada a justiça contratual, evitando, dessa
forma, o enriquecimento injusto.471 Portanto, a boa-fé objetiva constitui:
[...] um estado de espírito, que leva o sujeito a praticar um negócio em clima de aparente segurança. Assim, desde o início devem os contratantes manter seu espírito de lealdade, esclarecendo os fatos relevan tes e as situações atinentes à contratação, procurando razoa velmente equilibrar as prestações, expressando-se com clarez a e esclarecendo o conteúdo do contrato, evitando eventuais interpre tações divergentes, bem como cláusulas leoninas, só em favor de um dos contratantes, cumprindo suas obrigações nos moldes pactuados, objetivando a realização dos fins econômicos e sociais do contratado; tudo para que a extinção do contrato não provoque resíduos ou situações de enriquecimento indevido, sem causa .472(grifo nosso).
Trata-se, pois, de um princípio ético, fundamental para proporcionar a
segurança das relações jurídicas e a reciprocidade entre as partes. O dever de agir
de acordo com a boa-fé está presente em todas as fases da vida do contrato. Ela
tem uma primeira manifestação logo nas negociações que precedem o contrato,
resultando da sua violação a responsabilidade pré-contratual, mas a sua importância
só revelada, em plenitude, na conclusão do pacto, na sua interpretação e execução.
É justa causa para justificar a extinção de obrigações, com resolução de
contratos.473
Neste sentido, apesar de o art. 422 do Código Civil prever a boa-fé, não faz
menção à boa-fé na fase pós-contratual.474 Bastava copiar o Código de Defesa do
caso, há evidente responsabilidade doas fabricantes e comerciantes a retirada de produtos do mercado, tendo em vista o impacto ambiental que este produtos podem causar, demonstrando a evidente responsabilidade, que é ampliada para depois da efetivação do contrato. TARTUCE, op. cit., p. 181-182.
471 Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.
Parágrafo único. Se o enriquecimento tiver por objeto coisa determinada, quem a recebeu é obrigado a restituí-la, e, se a coisa não mais subsistir, a restituição se fará pelo valor do bem na época em que foi exigido.
472 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Teoria Geral dos Contratos Típicos e Atípicos. São Paulo: Atlas, 2002, p. 26.
473 ELESBÃO, 2000, p. 160. 474 Por tal razão, o projeto nº 6.960/2002, de autoria do Deputado Ricardo Fiúza, propõe a alteração
do art. 422, o qual passaria a ter a seguinte redação: “os contratantes são obrigados a guardar, assim nas negociações preliminares e conclusão do contrato, como em sua execução e fase pós-contratual, os princípios de probidade e boa-fé e tudo mais que resulte da natureza do contrato, da lei, dos usos e das exigências da razão e da eqüidade”. Cf. TARTUCE, 2005, p. 180. Infelizmente,
138
Consumidor475, neste particular. Na prática, este princípio já vinha sendo aplicado de
maneira ampla, mas que com a previsão (incompleta) a interpretação e aplicação até
pode ser mitigada.476
Com estas alterações, coteja-se as seguintes alterações: a extensão do
princípio da probidade e de boa-fé às negociações preliminares e à fase pós-
contratual e o dever de os contratantes observarem não só tais princípios, mas
também “tudo mais que resulte da natureza do contrato, da lei, dos usos e das
exigências da razão e da eqüidade”.477,478
Inegavelmente, contraria a boa-fé permitir que, em nome da intangibilidade da
vontade negocial, seja distorcida a finalidade econômico-social do contrato ou
determinada cláusula contratual seja desconsiderada pelo julgador. Nestes termos, a
boa-fé é o fundamento próximo e imediato, ao passo que a finalidade social da lei é
o fundamento remoto.479
essa proposta foi rejeitada pela Comissão de Constituição, Justiça e Redação da Câmara de Deputados.
475 A boa-fé objetiva está prevista no Código de Defesa do Consumidor, sob a forma de uma cláusula geral, no artigo 51: São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: [...] IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade; [...] ”. Ocorre, porém, que com a inserção do princípio da boa-fé no Código Civil, a sua aplicação vai muito além das relações de consumo.
476 TEPEDINO, 2006, p. 359. 477 O juízo da eqüidade é restrito às hipóteses em que houver expressa autorização legal (art. 127 do
Código de Processo Civil). No Código Civil, a eqüidade está prevista, por exemplo, no art. 924 – que autoriza o juiz a reduzir o montante da cláusula penal proporcionalmente ao cumprimento da obrigação. Hoje, porém, o juiz tem o dever de proceder à redução eqüitativa da penalidade. Consoante a análise da jurisprudência pátria, constata-se que há decisões apoiadas na eqüidade em hipóteses não abrangidas por permissivos legais expressos. Em matéria de cláusula penal, por exemplo, a posição do Supremo Tribunal de Justiça é no sentido de que a cláusula penal poderia ser reduzida judicialmente, mesmo quando não tivesse verificado o cumprimento parcial da obrigação, ou seja, mesmo fora da hipótese previstas no art. 924 do Código Civil de 1916. Hoje, porém, a redução por eqüidade aos casos em que a multa seja “manifestamente excessiva”, independentemente de se ter verificado o cumprimento parcial da obrigação. É invocado, à falta de previsão legal para decidir por eqüidade, o art. 5º da lei de Introdução ao Código Civil – Decreto-lei nº 4.657/42, que trata dos “fins sociais”. Cf. NEGREIROS, 2006, p. 135-136. Neste sentido, o art. 5º da lei de Introdução ao Código Civil (LICC) determina o seguinte: “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”.
478 BIERWAGEN, 2003, p. 58-59. 479 NEGREIROS, op. cit., p. 136-137.
139
Importante destacar ainda, que a boa-fé está diretamente relacionada à teoria
do abuso de Direito.480 No ordenamento jurídico brasileiro, eles complementam-se,
operando aquela como parâmetro de valoração do comportamento dos contratantes:
“o exercício de um direito será irregular, e nesta medida abusivo, se consubstanciar
quebra de confiança e frustrações de legítimas expectativas”, ou seja, o
comportamento formalmente lícito, que consiste no exercício de um direito, passa a
dar lugar a um comportamento contrário à boa-fé – sujeito ao controle da ordem
jurídica.481
A boa-fé, em nível concreto (negocial), é instrumento que efetiva o princípio
constitucional da solidariedade.482 A transparência (chiarezza, precisione e
transparenza) decorre do princípio da boa-fé objetiva, pois impõe ao contratante que
fixa o conteúdo do contrato a necessidade de informar o outro contratante, que, por
ser o aderente, é considerado o mais vulnerável. O dever de informação significa
consapevolenza (ciência ou conhecimento).483 Esta teoria da objetividade reforça a
idéia de que não só basta a declaração de vontade, pois, “muitas vezes, aquilo que
é abusivo é aquilo que é desconhecido”.484
A transparência está em harmonia e consagra a confiança negocial, pois, quando o predisponente não informa com adequação os termos da avença, levando o aderente a assumir deveres contrários aos seus interesses patrimoniais e existenciais, caracteriza-se a violação da confiança depositada no outro e na sua postura contratual. E a confiança contratual nunca se fez tão importante, uma vez que cresce o desestímulo à leitura de instrumento previamente redigido, em face da incapacidade do aderente em altera-lo, pois inexistente o poder de negociação. Do que adianta ler, se não posso modifica-lo? Assino-o e consumo o bem da vida! A confiança negocial há de ser garantida pelo respeito ao princípio da transparência.485
Dentro da boa-fé objetiva está prevista também a boa-fé subjetiva.486 Convém
ressaltar que a boa-fé objetiva atua como guardiã do sinalagma contratual,
480 No Direito português, há uma relação entre o princípio da boa-fé e o abuso de direito, conforme o
disposto no art. 334: “É legítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou econômico desse direito”.
481 NEGREIROS, 2006, p. 141. 482 NALIN, 2006, p. 129-130. Na verdade, o princípio da boa-fé objetiva não surge com o Código de
Defesa do Consumidor, mas surge com a nova ordem constitucional. Faz parte, pois, do programa contratual-constitucional, inserido no pensamento sistemático.
483 Ibidem, p. 146. 484 Expressão de QUADRI apud NALIN, 2006, p. 147. 485 NALIN, op. cit., p. 148. 486 TARTUCE, 2005, p. 178-179.
140
impedindo que o contratante que descumpriu norma legal ou contratual venha a
exigir do outro que, ao contrário, seja fiel ao programa contratual: é o caso do
contratante. Por exemplo, o contratante em mora, que pretende a extinção do
negócio; ou ainda o condômino que violou convenção de condomínio, pretende
exigir dos outros condôminos que a respeitem. Nesses casos, a boa-fé pode ser
alegada contra o contratante faltoso.487,488
Como exemplo de boa-fé na fase pré-contratual, apesar de o Código Civil não
ter feito referência a respeito, está “o caso dos tomates”, ou seja, uma empresa
distribuiu sementes a agricultores gaúchos, fazendo-os crer que adquiriria a safra,
deixando, porém, de fazê-lo, ao argumento, afinal desacolhido, de que não havia a
tanto obrigado. Várias foram as decisões proferidas a respeito da questão.489 Além
desse caso de responsabilidade pré-contratual, ainda há outro exemplo: o caso do
posto de gasolina.490
Neste contexto, o princípio da boa-fé passa a ter um papel importante na
efetivação do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, pois impõe
às partes um padrão de conduta, que determina e assegura o equilíbrio de suas
prestações.
487 NEGREIROS, 2006, p. 143-144. 488 Exemplar é a seguinte decisão: “’Seguro de assistência médico-hospitalar – Plano de assistência
integral (cobertura total)’, assim nominado no contrato. As expressões ‘assistência integral’ e ‘cobertura total’ são expressões que têm significado unívoco na compreensão comum, e não podem ser referidas num contrato de seguro, esvaziadas do seu conteúdo próprio, sem que isso afronte o princípio da boa-fé nos negócios. Recurso especial não conhecido. (REsp. 26.456-2/SE, rel. Min. Ari Pargendler, j. 13.08.2001).
489 TJRS, Ap. Civ. 591028285, 5º Câm Civ., rel. Des. Ruy Rosado de Aguiar Júnior. J. 6-6-1991, RJTJRS, 154/378, objeto dos EI 591083357, 3º Grupo, j. 1º-11-1991). Caso citado na obra de GODOY, 2004, p. 73 (em nota de rodapé). O mesmo exemplo também, pode ser encontrado na obra de MARTINS-COSTA, 1998, p. 473-477.
490 Ap. Cív. 591017058, Porto Alegre, TJRGS, 5º Câm. Civ., rel. Dês. Ruy Rosado de Aguiar Jr., j. em 25.04.1991, unânime, publicado in RJTSRGS 152/605. O caso é o de um proprietário de um posto de gasolina, que decidiu vendê-lo a um potencial adquirente. Para as tratativas do negócio, o proprietário contratou um advogado para preparar o contrato. Antes de sua conclusão, porém, o “potencial adquirente” desistiu do negócio. Inconformado, o proprietário ingressou com ação de indenização, a fim de buscar o ressarcimento das despesas que teve com a contratação de advogado para a confecção do contrato. Em sede de contestação, o “potencial adquirente” sustentou que a assistência profissional contratada pelo autor não pode ser-lhe imputada, pois é de único interesse do proprietário. Alegou ainda, que não lhe foi avisado que o proprietário não é único, havendo outros sócios. Em primeiro grau, a ação foi julgada improcedente. Em sede de apelação, foi acatada a justificativa do “potencial adquirente”, porque o que foi acertado não correspondia à realidade. Esse exemplo consta na obra de MARTINS-COSTA, op. cit., p. 477-480, passim.
141
3.1.3 O princípio do equilíbrio econômico ou justiç a contratual 491
De acordo com a justiça contratual clássica, para que o contrato tenha validade
e obrigatoriedade, basta a livre manifestação da vontade, segundo o ditado ‘...tout
contrat libre est un contrat juste’.492 Este princípio baseia-se na equivalência da
prestação devida e da contraprestação correspondente, gerando equilíbrio entre as
partes. Na realidade, o tratamento equânime ou igualitário é uma ilusão, pois jamais
haverá igualdade absoluta, em função das diferenças sociais e culturais existentes
entre os indivíduos, porém, as desigualdades podem ser atenuadas. Com a
finalidade de combater o desequilíbrio contratual, a teoria da igualdade formal sofreu
um notável declínio, e em seu lugar busca-se a igualdade real, por ser mais eficaz às
necessidades atuais.
O princípio da justiça contratual se manifesta, nos contratos que chama de recíprocos, em rigor bilaterais, sinalagmáticos e comutativos, quer pela equivalência objetiva entre prestação e contraprestação, quer pela eqüitativa distribuição dos ônus e riscos contratuais entre as partes contratantes.493
Mesmo garantida a equivalência objetiva, em que a prestação equivale a uma
contraprestação494, de forma objetiva e não meramente em função das partes,
remanesce a dificuldade de identificar qual a justa extensão desse balanceamento
(justum pretium), qual o justo valor retributivo da prestação de cada uma das partes.
Inexiste, pois, um critério definitivo para identificar o preço justo.495 No que concerne
à comutatividade, as prestações não precisam ser rigorosamente de mesmo valor,
491 Grande parte da doutrina enquadra o princípio do equilíbrio contratual ou da justiça contratual no
campo da boa-fé contratual objetiva, o qual determina um padrão de correção, de lealdade, de solidarismo, de cooperação e colaboração.
492 A expressão significa que “todo contrato livre é um contrato justo”, e consta na obra de GHESTIN apud NALIN, 2006, p. 139.
493 KARL LARENZ apud GODOY, 2004, p. 36. 494 São vários os exemplos em nosso ordenamento jurídico, de casos em que a prestação equivale a
uma contraprestação, como: a responsabilidade, incluído o abatimento do preço; os vícios da coisa – evicção.
495 GODOY, op. cit., p. 37.
142
mas devem corresponder às expectativas que as partes tinham (equivalência
subjetiva).496
Compreende-se que o sinalagma contratual leva a ordem jurídica a proteger o
contratante contra a lesão e a onerosidade excessiva. No primeiro caso, torna-se
anulável o contrato ajustado, por quem age, sob premente necessidade ou por
inexperiência, obrigando-se a prestação manifestamente desproporcional ao valor
da prestação oposta (Código Civil, art. 157)497.
Na hipótese de superveniência de acontecimentos extraordinários, que tornem
a prestação excessivamente onerosa para uma das partes contratantes e
extremamente vantajosa para a outra, o que a lei faz é permitir a resolução do
contrato ou a revisão de seus termos, para restabelecer o equilíbrio econômico entre
prestação e contraprestação.498
Na verdade, o rigor da autonomia privada e da força obrigatória dos pactos foi
limitada pela interferência do Estado nas relações contratuais. No entanto, esta
interferência estatal, conhecida como “dirigismo contratual”, foi mais evidente entre a
Primeira e a Segunda Guerras mundiais, a fim de mitigar os abusos em algumas
relações contratuais.499 Portanto, foi necessária a revisão dos contratos realizados
antes desses eventos, pois as condições se agravaram bastante após a eclosão da
guerra. Isto porque um fato extraordinário pode agravar a posição do devedor de
prestações sucessivas, derivadas de contratos ultimados antes de sua eclosão,
tornando pesadíssimo e impossível o seu cumprimento, ameaçando conduzir à ruína
os devedores.
Assim, a legislação contemporânea implementou a rebus sic stantibus, a qual é
apresentada sob o nome de “teoria da imprevisão”, prevista no artigos 478500, 479501
496 BIERWAGEN, 2003, p. 70. 497 Art. 157. Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se
obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta. 498 THEODORO JÚNIOR, 2003, p. 11-12. 499 DONNINI, Rogério Ferraz. A Constituição Federal e a concepção social do contrato. In: VIANA, R.
G. C.; NERY, R. M. A.(Org.). Temas atuais de Direito Civil na Constituição Federal. São Paulo: RT, 2000, p. 71.
500 Art. 478- Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos
143
e 480502 do Código Civil. Todavia, para se utilizar esta teoria, há necessidade de que
em razão de um fato imprevisto e superveniente, a obrigação, de trato sucessivo,
tenha se tornado excessivamente onerosa, porém, a sua aplicação deve ser
moderada.503
Quando houver essa desproporção (exagerada), cabe a resolução do contrato
ou o reajuste de suas condições, como ocorre nos contratos celebrados com lesão
de uma das partes ou em estado de perigo, ou nos contratos de execução
continuada, que se submetem a uma alteração radical de suas condições.
Importante destacar, que a resolução é medida extrema muitas vezes não desejada
pela parte prejudicada pela onerosidade excessiva, mas preferem dar continuidade
ao contrato desde que reajustado a níveis razoáveis. Nestes casos, pode ser
aplicado o art. 478 (resolução) ou 479 (poder revisional), ao passo que o art. 480 é
aplicado nos contratos unilaterais.504
No entanto, apesar de a resolução contratual por onerosidade excessiva
representar um verdadeiro avanço, a sua interpretação é subjetivista, vinculada a
acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, atrelada à resolução do contrato,
sem autorizar o magistrado à revisão contratual, como dispõe o Código de Defesa
do Consumidor.505
O tradicional princípio da pacta sunt servanda passou a ser um obstáculo,
levando ao cumprimento da obrigação, independentemente do fato de levar à ruína
extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.
501 Art. 479- A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar eqüitativamente as condições do contrato.
502 Art. 480 – Se no contrato as obrigações couberem apenas a uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterando o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva.
503 33168156 – SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO (SFH) – TEORIA DA IMPREVISÃO DERIVADA DA CLÁUSULA REBUS SIC STANTIBUS – 1. A teoria da imprevisão somente é aplicável quando fatos posteriores ao contrato, imprevistos e imprevisíveis pelas partes e a elas não imputáveis, modificam profundamente o equilíbrio contratual. 2. Inocorrência desses pressupostos, na hipótese dos autos, pois a existência de inflação e a implantação periódica de planos econômicos governamentais não constitui fato imprevisto e imprevisível pelas partes contratantes. 3. Apelação improvida. (TRF 1ª R. – AC 199601245855 – AM – 3ª T.S. – Rel. Juiz Conv. Leão Aparecido Alves – DJU 23.01.2002 – p. 19).
504 BIERWAGEN, 2003, p. 70-80, passim. 505 TEPEDINO, 2006, p. 359.
144
um dos contratantes ou levar a um sacrifício chocante e, sem dúvida, injusto.
Segundo esta teoria, o contrato é instrumento de segurança e estabilidade nas
relações jurídicas, não sendo concebido que, em virtude de alterações, as
obrigações pudessem ser afetadas, prevalecendo a vontade dos contratantes. Por
outro lado, o contrato faltaria à própria finalidade social se se tranformasse, em
função de circunstâncias novas e imprevisíveis, em meio de aniquilamento
econômico. É certo que em todo contrato há certa dose de álea, mas tudo tem seu
máximo e o seu mínimo, e a previsão do homem médio se faz dentro desses limites.
A rigidez do pacta sunt servanda conduziria a situações de injustiça.506
O contrato como instrumento jurídico não pode deixar de sofrer a influência decisiva do tipo de organização político-social a cada momento afirmada. Tudo isto se exprime através da fórmula da relatividade do contrato (como aliás de todos os institutos jurídicos): o contrato muda a sua disciplina, as suas funções, a sua própria estrutura segundo o contexto econômico-social em que está inserido.507
Com efeito, a noção de equilíbrio no contrato reflete a preocupação com o
justo, como critério de paritário de distribuição dos bens. Aristóteles define: “O justo
é, pois, uma espécie de termo proporcional” e “[...] a ação justa é intermediária entre
o agir injustamente e o ser vítima de injustiça”.508
Justo é o contrato cujas prestações de um e de outro contratante, supondo-se interdependentes, guardam entre si um nível razoável de proporcionalidade. Uma vez demonstrada a exagerada ou a excessiva discrepância entre as obrigações assumidas por cada contratante, fica configurada a injustiça daquele ajuste, exatamente na medida em que configurada está a inexistência de paridade.509
Diante do exposto, questiona-se: quais são os critérios que devem ser levados
em consideração para estipular os verdadeiros valores ou o justo preço? O Código
Civil não estabelece parâmetros, por isso, a apuração objetiva deste valor é uma
dificuldade, mas vale lembrar que a desproporção deve ser considerável, ou seja,
deve haver um significativo desnível entre a prestação e a contraprestação. Essa
lacuna na lei deixa claro que se trata de um conceito aberto e indeterminado,
cabendo ao juiz decidir a respeito. 506 BESSONE, 1997, p. 217-218. 507 ROPPO, Enzo. O contrato. Tradução de Ana Coimbra e M. Januário C. Gomes, Coimbra:
Almedina, 1988, p. 24. 508 ARISTÓTELES apud NEGREIROS, 2006, p. 169. 509 NEGREIROS, op. cit., p. 168-169.
145
A desproporção entre as prestações deve ser considerável. É comum a desproporção mínima entre as prestações dada a situação na qual as partes celebraram o negócio jurídico. Entretanto, a desproporcionalidade acentuada é algo fora da normalidade do comércio jurídico.510
No que concerne à lesão511, esta pode ser definida como “a obtenção de
vantagem indevida, mediante o aproveitamento da situação de inexperiência,
leviandade ou premência da vítima, acarretando-lhe prejuízo, em prol do agente ou
terceiro”.512 A lesão513,514 consiste na vantagem que a parte contratante tem em
função do pagamento de preço desproporcional ao real valor da coisa, ou seja, uma
das partes é prejudicada no momento em que não recebe da outra parte valor igual
ao da prestação que forneceu.
A lesão surgiu com o intuito de inibir a incidência de prestações
manifestamente desproporcionais, caso contrário, o ato será viciado e poderá ser
510 LISBOA, 2002, p. 372. 511 A preocupação com o equilíbrio das prestações contratuais esteve presente nas civilizações
antigas, como exigência mortal. No Direito romano, em 286 d. C. a lesão foi referida pela primeira vez como fundamento para a rescisão contratual, assim se mantendo em 294 (laesio enormis), e mais tarde, transcrita no Corpus Iuris Civillis, chegando aos dias de hoje. De acordo com a sistemática original, o vendedor contava com a faculdade de exigir a devolução do bem imóvel, mediante a devolução do que recebera, ou poderia propor ao comprador que complementasse o pagamento de forma a ser alcançado o justo preço. Importante destacar que a lei não estabeleceu o critério de determinação do que deveria ser considerado o justo preço ou preço verdadeiro. A própria moral religiosa tornou célere a luta contra a usura, sendo condenada a cobrança de juros. Por influência do Cristinanismo, a lesão era considerada um pecado. Desta forma, o seu conteúdo foi ampliado na Idade Média, ao mesmo tempo em que se criou a lesio enormissima, conforme a intensidade da desproporção. Porém, o instituto entrou em declínio no final da Idade Média, em face da força do liberalismo e do individualismo – fenômeno que trouxe novos valores. O Código de Napoleão, inclusive, rejeitava a lesão, pois o importante era manter-se fiel à palavra dada. Nesse contexto, foi deixado pouco lugar para a teoria da lesão. Cf. NEGREIROS, 2006, p. 171-174, passim.
512 LISBOA, op. cit., p. 370. 513 A Lei 8078, de 11-9-1990 (Código de Defesa do Consumidor) combate a lesão nos contratos de
consumo, em seu Art. 6º, inciso V, dizendo que o consumidor tem direito: “a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais”, e no Art. 39, inciso V capitulou como prática abusiva “exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva.”. Além disso, o Art. 51, inciso IV estabeleceu a nulidade.
514 No Brasil, após a independência, o instituto da lesão esteve previsto à época das Ordenações Manuelinas (1521) e nas Ordenações Filipinas (1603), que acolheram a orientação do Direito romano e do Direito canônico. O Código Comercial de 1850 aboliu a aplicação da lesão, por entenderem, naquela época, em que o lucro é uma característica própria do comércio. Porém, não foi contemplado pelo Código Civil de 1916 – eivado do espírito individualista. A Constituição de 1934 proibia a usura, porém, como o Direito Civil e o Direito Constitucional eram considerados territórios jurídicos estanques, não houve significativo avanço. NEGREIROS, op. cit., p. 178-179.
146
anulado, conforme prevê o Art. 171 do Código Civil.515 O Código Civil, porém,
condicionou a anulação do negócio à demonstração de que a parte prejudicada se
encontrava numa situação de inferioridade, ao contrário do Código de Defesa do
Consumidor, que estabelece a presunção de vulnerabilidade do consumidor.
Outro vício contratual recepcionado pelo Código Civil, que afeta o equilíbrio
econômico, é o estado de perigo ou de necessidade. Alguns doutrinadores
denominam-o de coação, mas configura-se quando alguém, ameaçado por perigo
iminente, anui em pagar preço desproporcional para obter socorro. O estado de
perigo consta no artigo 156 do Código Civil.516A necessidade, no entanto, não
precisa ser econômica. A situação de inferioridade como elemento de lesão é
caracterizada pela “inexperiência, leviandade, dependência e outras situações
típicas de inferioridade, constituindo-se desta forma uma lista que, não devendo ser
considerada exaustiva”.517
Segundo Monteiro, são requisitos para o estado de perigo: a) O agente, ou
pessoa de sua família encontra-se prestes a sofrer grave dano; b) O dano deve ser
imediato e grave; c) O dano provém de terceiro ou da outra parte, que dele tem
conhecimento; d) O dano é mais oneroso que a obrigação assumida; e) Esta é
excessivamente onerosa, e disso a vítima tem conhecimento. O autor continua: “O
estado de perigo leva a crer que se trata de situação que diga respeito mais a um
dano físico, a risco à integridade física do agente, do que a um dano moral”.518
Assim, o desequilíbrio real e injustificável entre as vantagens obtidas por um e
por outro dos contratantes é vedado, pois afeta o sinalagma e, conseqüentemente, o
princípio da igualdade substancial – pressuposto da justiça social. O contrato não
515 Art. 171. Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio jurídico: I - por
incapacidade relativa do agente; II - por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores.
516 O artigo 156 do Código Civil determina que: “Configura-se o estado de perigo quando alguém, premido da necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa. Parágrafo único. Tratando-se de pessoa não pertencente à família do declarante, o juiz decidirá segundo as circunstâncias”.
517 NEGREIROS, 2006, p. 196-197. 518 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil: parte geral. 39. ed. rev. e atual. por
Ana Cristina Barros Monteiro França Pinto. V. 1. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 245. O exemplo trazido pelo autor é o do caso em que a vítima, para custear dispendioso e inadiável tratamento médico de que necessita seu filho, submete-se a pagar um valor considerável ao médico, muitas vezes superior ao peço normal. (Ibidem, p. 245).
147
deve servir de instrumento para que as prestações em favor de um contratante
acarretem lucro exagerado a uma das partes em detrimento da outra.519
Isto porque a justiça social é um ideal a ser concretizado com instrumentos não
só do Direito Civil, mas de todos os demais ramos do Direito, conforme o princípio da
unidade e supremacia dos direitos fundamentais. O princípio do equilíbrio
econômico520 incide sobre o programa contratual, servindo como parâmetro para a
avaliação do seu conteúdo e resultado, mediante a avaliação das vantagens e
encargos atribuídos a cada uma das partes contratantes. O princípio da igualdade
substancial expressa uma preocupação com a parte mais vulnerável. Assim, “a
justiça contratual torna-se um dado relativo não somente ao processo de formação e
manifestação da vontade dos declarantes, mas sobretudo relativo ao conteúdo e aos
efeitos do contrato”.521
Desta forma, a concepção de justiça – antes centrada na liberdade e na
autonomia da vontade – passa a dar lugar ao princípio da paridade e equilíbrio
econômico, ou seja, a desproporção entre as prestações fornecidas pelas partes,
viola a eqüidade, que deve existir nos contratos comutativos. Há abuso do poder
econômico de uma das partes, em detrimento da parte hipossuficiente na relação
jurídica, atingindo o equilíbrio econômico entre as prestações.
519 NEGREIROS, 2006, p. 157-158. 520 O princípio do equilíbrio econômico também é conhecido como “princípio do sinalagma”. 521 Ibidem, p. 159.
148
CONCLUSÃO
À luz do exposto na presente dissertação, conclui-se que a concepção clássica
do contrato é aquela oriunda do século XIX, que surgiu numa época marcada pelo
liberalismo na economia e individualismo nas relações jurídicas, baseada no
absolutismo da autonomia da vontade, na liberdade e igualdade formal, que
predominou no Código Napoleônico e repercutiu no Código Civil brasileiro de 1916.
Esta fase era caracterizada pela dicotomia entre o Direito público e o Direito
privado: o primeiro era o estatuto do Estado, da sociedade, ao passo que o segundo,
era o estatuto do homem-proprietário, sendo que o Código Civil era a Constituição
do Direito Privado, que regulava as relações patrimoniais, resguardando-se contra
as ingerências do Estado, que dificultassem a livre circulação de riquezas. Este era o
chamado modelo da incomunicabilidade, em que ambos os estatutos andavam em
mundos paralelos, que não se tocavam.
A meta do programa liberal clássico era o de estabelecer limites jurídicos e
políticos ao poder do Estado, motivo pelo qual surgiram os direitos fundamentais
limite externo) e a separação dos poderes (limite interno). Era necessário proteger o
indivíduo do despotismo do Estado - considerado inimigo da liberdade. Portanto, a
eficácia dos direitos fundamentais era vertical (indivíduo contra o Estado), de onde
surgem os direitos de liberdade de primeira dimensão ou geração.
As relações contratuais eram regidas pela liberdade das partes ou autonomia
da vontade – que compreende a liberdade de contratar, do que contratar e com
quem contratar; a força obrigatória dos contratos (pacta sunt servanda) - que se
149
traduz na força de lei atribuída às suas cláusulas; e a relatividade dos efeitos
contratuais, segundo o qual o contrato só vincula as partes da convenção, não
beneficiando nem prejudicando terceiros.
Assim, o contrato era fonte de obrigações entre os indivíduos, com força de lei,
desde que decorrente da livre manifestação de vontade, isenta de vícios. Cabia ao
Estado tão somente a função de proteger a plena autonomia de vontade e a plena
liberdade de contratar, desconsiderando-se, por completo, as condições sociais das
partes contratantes.
De fato, o Estado Liberal não resguarda os direitos do homem na sua igualdade
material, apenas formal. Esse quadro de desigualdades e exploração fez com que
fosse necessária uma atuação interventiva do Estado social. Posteriormente, com o
surgimento da Constituição Federal, que instituiu o Estado Democrático de Direito,
passou-se a verificar a sua supremacia ou “força normativa”.
Conseqüentemente, surgem as teorias de eficácia dos direitos fundamentais
nas relações interprivadas. No caso, defende-se a opinião de que a eficácia nas
relações contratuais não deve ser direta nem indireta, mas, sim, uma teoria de
eficácia intermediária (e não radical, mas residual), que tenha nos princípios
constitucionais o seu valor principal. Assim, a eficácia direta seria utilizada somente
quando houvesse a falta de alguma lei infraconstitucional (lacuna), ou, havendo a lei
regulamentadora, mas esta é contrária aos parâmetros e princípios constitucionais.
O que importa é que sempre prevaleça a supremacia da Constituição Federal.
Nesta sistemática, o princípio da proporcionalidade constitui-se também num
instrumento de efetivação dos direitos fundamentais na seara privada, pois tem o
dever de realização e proteção máxima de valores que se imbricam, de modo a
alcançar um equilíbrio entre o fim que se pretende alcançar e o meio utilizado –
adequado, necessário e proporcional. Portanto, está diretamente relacionado aos
direitos fundamentais e, sobretudo, visa a máxima efetivação da dignidade da
pessoa humana.
150
Ademais, o reconhecimento da força normativa da Constituição e do caráter
vinculativo de seus princípios, contribuiu para que fosse desencadeado o processo
de Constitucionalização do Direito privado. O poder público distancia-se da sua
posição anterior, caracterizada pelo absenteísmo na esfera econômica, e passa a
assumir um papel mais ativo, ou seja, o Estado Liberal transforma-se num Estado
social e interventor, no sentido de recolocar o indivíduo no centro do ordenamento
jurídico. Essa intervenção estatal nas relações contratuais recebeu o nome de
dirigismo contratual.
A intensificação desse processo intervencionista subtrai do Código Civil inteiros
institutos, que antes estavam vinculados a características próprias do período liberal-
individualista e patrimonialista. Esta é a era da legislação extravagante ou
extracodificada, conhecida como a “era dos estatutos”, ou seja, passou-se de um
monossistema para um plurissistema, em que o Código Civil perdeu o seu caráter de
exclusividade na regulação das relações patrimoniais privadas.
Desta forma, o patrimonialismo, o individualismo e a autonomia de vontade vêm
sendo revistas pela moderna teoria contratual, em que os contratos passam a ter
uma leitura constitucional. Isto porque o Direito Contratual sofreu uma contundente
mudança estrutural, em decorrência de uma sociedade massificada, em que
predominam os contratos de adesão, os pactos de massa e o evidente desequilíbrio
entre as partes.
Assim, opera-se uma mudança de paradigma do Direito privado: ao invés da
proteção patrimonial ditada pelo ideal burguês, do sistema liberal, passa-se a
proteger a pessoa humana e seus valores existenciais. Assim ocorre o fenômeno da
despatrimonialização e a repersonalização do Direito Civil, em que no lugar do
indivíduo surge a pessoa (o “ter” passa a dar lugar ao “ser”).
Hodiernamente, os princípios são considerados espécie do gênero norma
jurídica, ao lado das regras jurídicas. Eram concebidos como mera fonte normativa
subsidiária, desempenhando uma função supletiva, no sentido de preencher um
eventuais lacunas. Todavia, segundo a teoria constitucional contemporânea, os
princípios desfrutam de uma mesma força normativa, assim como as demais
151
normas. Este fenômeno da “normatividade dos princípios”. Na verdade, permitem a
infiltração dos direitos fundamentais na seara privada.
Nesta abertura constitucional ao mundo dos valores, os princípios
desempenham papel primordial, eis que podem operar esta ligação entre o
universo jurídico e o plano moral. Portanto, numa sociedade massificada, em que
prevalece o contrato de adesão, o sistema jurídico não mais pode ser concebido
como fechado - em que o Código Civil era completo e acabado - mas aberto à
mobilidade das relações sociais, pois os princípios contratuais atuais diferem
bastante dos princípios liberais clássicos, em que o voluntarismo era considerado
um valor supremo, sem ser levado em conta as condições sociais, culturais e
econômicas das partes contratantes.
Na seara dos contratos, surgiram modernos princípios que, diante da
hipercomplexidade social, devem ser harmonizados com os princípios clássicos: a
função social do contrato (e sua função econômica), a boa-fé objetiva, o princípio do
equilíbrio econômico (ou justiça contratual), os quais são instrumentos inerentes à
função social do contrato, e visam a efetivação dos direitos fundamentais, em
especial, o da dignidade da pessoa humana. Por meio destas cláusulas gerais e
conceitos abertos ou indeterminados é possível a efetivação dos direitos
fundamentais nas relações privadas.
É bem verdade que os princípios contratuais clássicos não desapareceram,
mas foi restringido o seu limite e conteúdo, atribuída uma função social. O juiz faz a
revisão dos contratos, atenuando o rigor dos princípios clássicos, em especial
autonomia da vontade, a pacta sunt servanda ou força obrigatória dos pactos, o
consensualismo e a relatividade dos efeitos do contrato, de modo a proteger a parte
hipossuficiente, adaptando o direito à realidade. Além de uma relevantíssima função
social, o contrato possui uma função econômica, pois ainda é o principal instrumento
de circulação de riquezas.
Desta forma, o Estado intervém e relativiza os antigos dogmas, deixando de ser
instrumento de realização da vontade das partes, mas os efeitos do contrato na
sociedade é que são levados em consideração, além das condições sociais e
152
econômicas das partes envolvidas. O contrato é global: afeta a todos
indistintamente, gerando um “efeito cascata”, ou seja, se uma parte é beneficiada,
toda a comunidade sente os seus efeitos; se é lesada, toda a comunidade
igualmente sente os efeitos. Portanto, o contrato é “instituição social”, irradiando os
seus efeitos econômicos, jurídicos e sociais (benéficos ou maléficos) a toda a
sociedade.
Neste diapasão, a moderna teoria contratual prevê a cláusula geral da função
social do contrato, que tem a função precípua de corresponder aos anseios da
sociedade, com o fim de evitar a exploração da parte hipossuficiente, o
enriquecimento sem causa, a desigualdade na contratação e execução do contrato,
mitigando-se, ao máximo, o empobrecimento imotivado. O objetivo da função social
do contrato é o de retirar a máxima eficácia de direitos tidos por fundamentais, de
modo a observar não apenas o desenvolvimento daquele contratante diretamente
envolvido, mas de se obter o desenvolvimento da sociedade/coletividade.
Na verdade, a função social do contrato visa, sobretudo, a efetivação dos
direitos fundamentais previstos na Carta Magna, a fim de alcançar as metas
previstas no seu preâmbulo: assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais,
a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a corresponder à
igualdade (formal e material) e à justiça como valores supremos de uma sociedade
fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social, bem como
erradicar a pobreza, reduzir a desigualdade social, conferir o direito à moradia.
Possui uma concepção solidarista, à medida que afeta os direitos da coletividade, de
um grupo indeterminado de pessoas, que podem ser beneficiadas ou prejudicadas
com os efeitos do contrato. Assim, o contrato está a serviço da pessoa humana, sua
dignidade e desenvolvimento.
Há prevalência do interesse coletivo em detrimento do interesse meramente
individual, com a finalidade é a de promover a inclusão social dos excluídos e,
conseqüentemente, alcançar um dos objetivos fundamentais da República
Federativa do Brasil: erradicar a pobreza e a marginalização, bem como reduzir as
desigualdades sociais e regionais. Os valores essenciais passaram a ser a
153
cooperação e o solidarismo, notadamente a dignidade da pessoa humana, que
repudia qualquer coisificação ou instrumentalização do ser humano.
Assim, no Estado Constitucional e Democrático de Direito, o contrato é
importante instrumento funcionalizador de direitos subjetivos sociais, cabendo ao
Poder Judiciário uma relevantíssima função, qual seja a de romper com o paradigma
liberal-individualista e adequá-lo à realidade sócio-cultural, inibir os abusos e
proporcionar o equilíbrio contratual, para proteção da indispensável
operacionalização da garantia constitucional à dignidade humana, que se sobrepõe
a direitos meramente patrimoniais.
Neste contexto, fica evidente a importância da hermenêutica, eis que o Código
Civil está repleto de cláusulas gerais e conceitos indeterminados, que devem ser
interpretados de acordo com os ideais de eqüidade, de solidariedade, as teorias
humanizadores do Direito. Cumpre destacar, que cabe aos operadores do Direito
interpretar o Código Civil segundo a Constituição Federal, e não o contrário.
Por derradeiro, não restam dúvidas que a função social do contrato é um dos
principais instrumentos de efetivação dos direitos fundamentais na seara privada.
Para tanto, o Código Civil traz uma série de instrumentos para a sua efetivação: a
boa-fé objetiva, a desproporção, a teoria da onerosidade excessiva, o ato ilícito, a
desconsideração da personalidade jurídica, o estado de perigo, a lesão, o contrato
de adesão, a resilição unilateral e a vedação do enriquecimento sem causa. Nota-se
que o Código Civil ampliou o rol de vícios contratuais, a fim de mitigar os efeitos
nocivos dos contratos às partes e à coletividade, combatendo ao máximo a má-fé, o
desequilíbrio entre as partes, em face de um bem maior: a dignidade da pessoa
humana.
154
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