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50 - MAIO 2017 Mirian Fabiana da Silva*, Julio Cesar Pascale Palhares** e Augusto Hauber Gameiro*** O esterco do rebanho pode estar avaliado em quase R$ 90.000,00 BALANÇO DE NUTRIENTES Leite O s sistemas pecuários devem ob- jetivar o aumento de sua eficiên- cia em transformar os alimentos, principalmente os nutrientes nitrogênio e fósforo e os recursos naturais reno- váveis e não-renováveis, em produtos. Para isso, os paradigmas produtivos devem mudar. Devemos entender o sistema produtivo como uma unidade complexa, aberta a influências externas e internas. Quanto melhor a eficiência de uso de insumos, melhor a eficiência ambiental, menor o passivo a ser ma- nejado, maiores os impactos positivos na sociedade e na economia. O manejo adequado dos nutrientes presentes nos resíduos (estercos e efluentes) pode reduzir o uso de insumos, melhorar a ciclagem de elementos químicos fun- damentais e minimizar as perdas para o ambiente. O balanço de nutrientes é um con- ceito validado pelas ciências naturais e socioeconômicas. Ele tem sido apli- cado em pesquisas agronômicas e am- bientais e, ultimamente, incorporado em legislações e programas de adesão voluntária direcionados ao meio ru- ral. O balanço é uma ferramenta im- portante para realizar a estimativa da diferença entre as entradas e saídas de nutrientes em qualquer atividade. Es- sas informações podem ser adotadas como medidas de controle e monito- ramento dos fluxos de nutrientes, com a finalidade de minimizar as fontes de Fotos: Fábio Fatori

Leite BALANÇO DE NUTRIENTES - paineira.usp.brpaineira.usp.br/.../2017/07/AG_Mirian_Balanco_Nutrientes_Maio_2017.pdf · 52 - MAIO 2017 perda por volatilização do nitrogênio de

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50 - MAIO 2017

Leite

Mirian Fabiana da Silva*, Julio Cesar Pascale Palhares** e Augusto Hauber Gameiro***

O esterco do rebanho pode estar avaliado em quase R$ 90.000,00

BALANÇO DE NUTRIENTES

Leite

Os sistemas pecuários devem ob-jetivar o aumento de sua eficiên-cia em transformar os alimentos,

principalmente os nutrientes nitrogênio e fósforo e os recursos naturais reno-váveis e não-renováveis, em produtos. Para isso, os paradigmas produtivos devem mudar. Devemos entender o sistema produtivo como uma unidade complexa, aberta a influências externas e internas. Quanto melhor a eficiência de uso de insumos, melhor a eficiência

ambiental, menor o passivo a ser ma-nejado, maiores os impactos positivos na sociedade e na economia. O manejo adequado dos nutrientes presentes nos resíduos (estercos e efluentes) pode reduzir o uso de insumos, melhorar a ciclagem de elementos químicos fun-damentais e minimizar as perdas para o ambiente.

O balanço de nutrientes é um con-ceito validado pelas ciências naturais e socioeconômicas. Ele tem sido apli-

cado em pesquisas agronômicas e am-bientais e, ultimamente, incorporado em legislações e programas de adesão voluntária direcionados ao meio ru-ral. O balanço é uma ferramenta im-portante para realizar a estimativa da diferença entre as entradas e saídas de nutrientes em qualquer atividade. Es-sas informações podem ser adotadas como medidas de controle e monito-ramento dos fluxos de nutrientes, com a finalidade de minimizar as fontes de

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contaminação ambiental e melhoria na viabilidade econômica da atividade leiteira.

Nesse sentido, apresenta-se um es-tudo de caso do balanço de nutrientes em uma produção de leite em sistema de confinamento, considerando so-mente o período de lactação das vacas leiteiras. O balanço de nutrientes foi calculado com base nos dados da pes-quisa realizada por Silva et al. (2016). A pesquisa foi conduzida no Laborató-rio de Pesquisa em Bovinos de Leite do Departamento de Nutrição e Produção Animal da Faculdade de Medicina Ve-terinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo, em Pirassununga. As va-cas da raça Holandesa foram mantidas em confinamento com instalação tipo free-stall. A ração completa foi forne-cida duas vezes ao dia, às 7h e às 13h. As vacas foram ordenhadas mecanica-mente duas vezes ao dia (6h e 16h).

O Laboratório de Pesquisa em Bovinos de Leite possui um rebanho leiteiro com 95 vacas em lactação. A produção total de leite no período foi de 904.020 kg, sendo 9.516 kg de leite/vaca. A dieta das vacas foi composta por 50% de silagem de milho, 27,8% de milho moído, 14,4% de farelo de soja, 5,15% de soja em grão, 0,13% de ureia, 0,13% de sulfato de amônia, 0,74% de calcário, 1,62% de mistura mineral e vitamina e 0,04% de sal co-mum na matéria seca.

Os dados utilizados para o cálculo do balanço foram composição e con-sumo da dieta e produção de leite. O período de análise foi de 305 dias, ou seja, o período de lactação. Para o cál-culo considerou os elementos nitro-gênio (N), fósforo (P) e potássio (K),

sendo as entradas os ingredientes da dieta e a saída o produto leite (Tabela 1). Os cálculos foram feitos com base na matéria seca. Não foi considerada a aquisição e a venda de animais. O balanço foi calculado pela diferença entre a quantidade de N, P e K que en-trou através dos alimentos e a saída por meio da produção de leite.

Os cálculos das entradas de N, P e K foram gerados considerando as médias desses elementos nas análises dos produtos utilizados na dieta. A pro-dução de leite total foi calculada pela média de produção por vaca por dia, multiplicando pelo número de vacas em lactação e pelo período de lactação (305 dias). As quantidades dos nutrien-tes presentes no leite foram calculadas multiplicando a produção total pelos teores de N, P e K. A composição dos alimentos foi obtida por meio das ta-belas brasileiras de composição de ali-mentos para bovinos (CQBAL, 2016) e a composição do leite pela Tabela de composição de alimentos da Univer-sidade Estadual de Campinas (Nepa – Unicamp, 2011).

O valor estimado do esterco no pe-ríodo foi calculado com base no pre-ço médio de mercado dos fertilizantes equivalentes, como ureia (45% N), superfosfato simples (18% P2O5) e cloreto de potássio (60% K2O), utili-zaram-se os preços médios no ano de 2016 de acordo com o Instituto de Eco-nomia Agrícola (Ipea, 2017).

A Tabela 2 apresenta as entradas, a saída e o balanço de nutrientes da produção de leite. O balanço foi po-sitivo para os três nutrientes, ou seja, as entradas foram maiores que a saída, apresentando sobra de 12.412,77 kg

de N, 1.546,80 kg de P e 5.462,48 kg de K no período de 305 dias de lacta-ção. A quantidade da entrada de N foi de 16.788,23 kg, sendo que 45% des-se valor foi constituído pelo farelo de soja. A entrada de P foi de 2.288,09 kg, verificando-se que 28% são provenien-tes da silagem de milho, 24% do fare-lo de soja, 20% do milho moído, 20% da mistura mineral e vitamina e 8% da soja em grão. Já a entrada de K foi de 6.664,82 kg e 48% desse valor repre-sentado pela silagem de milho.

A saída foi representada pela pro-dução de leite, contendo 4.375,46 kg de N, 741,30 kg de P e 1.202,35 kg de K. Considerou-se que as diferenças entre entradas e saída ficou no sistema sob a forma de resíduos, que devem ser manejados a fim de o sistema de produção ter seu potencial poluidor reduzido. Sabe-se que parte dessas diferenças são utilizadas na formação de ossos, tecidos e outros processo fi-siológicos, ou seja, parte das sobras de nutrientes não serão resíduos.

O balanço por vaca foi de 130,66 kg de N, 16,28 kg de P e 57,50 kg de K. Portanto, para minimizar a perdas de nutrientes, deve-se estabelecer um manejo nutricional, que busca melho-ria na eficiência de uso das dietas.

A quantidade estimada de N no esterco foi de 8.937,20, considerou a

TABELA 1 – DADOS DA PRODUÇÃO DE LEITE

Dados Unidade Quantidade

Período do balanço Dia 305

Produção média de leite L/vaca/dia 31,2

Vaca em lactação nº 95

Peso corporal médio kg 658

Consumo de matéria seca kg/dia 23,1

Consumo de nitrogênio g/dia 579,4

Consumo de fósforo g/dia 79,0

Consumo de potássio g/dia 230,0

Segundo Mirian Fabiana, o valor total estimado do esterco no período do

experimento foi de R$ 88

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perda por volatilização do nitrogênio de 28% de acordo com Xiccato et al. (2005). Para os outros nutrientes, fo-ram 1.546,80 kg de P e 5.462,48 kg de K no período de 305 dias (Tabela 3).

O valor total estimado do esterco no período foi de R$ 88.127,07, sen-do R$ 38.596,18 para o N em equiva-lente-ureia, R$ 27.795,61 para o P em equivalente-superfosfato simples e R$ 21.735,28 para o K em equivalente-clo-reto de potássio (Tabela 3). O valor do esterco por vaca foi de R$ 927,65 por lactação e de R$ 0,10 por litro de leite. Esses valores demonstram a importân-cia econômica da produção de esterco na propriedade leiteira e que sua corre-ta utilização representa impactos posi-tivos na economia e no ambiente.

Leite Leite

Sombra gera benefícios para o gado

Os resultados demonstram que o manejo de resíduos deve ser parte da rotina produtiva. Esse é definido como o uso cotidiano de conhecimentos, prá-ticas e tecnologias que reduzem o im-pacto ambiental da atividade e melho-ram a eficiência de uso de nutrientes.

As estratégias de manejo alimentar e nutricional têm demonstrado melho-ria no aproveitamento dos nutrientes pelas vacas em lactação, sendo útil para melhorar o balanço de nutrientes da produção de leite e minimizar as preocupações ambientais. Várias pes-quisas relatam que a redução de pro-teína bruta da dieta e o balanceamento correto da energia, podem aumentar a eficiência de uso do nitrogênio dos alimentos, proporcionando redução na

Tabela 2 - Balanço de nitrogênio (N), fósforo (P) e potássio (k) no período de lactação (305 dias)

Item kg/período

ENTRADAS (Insumos) N P K

Silagem de milho 3.876,72 635,86 3.212,75

Milho moído 2.694,40 465,19 669,88

Farelo de soja 7.510,76 549,31 1.917,78

Soja em grão 2.119,99 182,59 647,68

Ureia 399,86 0,00 0,00

Sulfato de amônia 186,51 0,00 0,00

Mistura mineral 0,00 455,14 216,73

Total entrada 16.788,23 2.288,09 6.664,82

SAÍDAS (Produtos) N P K

Leite 4.375,46 741,30 1.202,35

BALANÇO (Entradas – Saídas) 12.412,77 1.546,80 5.462,48

excreção de nitrogênio, sem compro-meter a produtividade. Da mesma for-ma, a redução da ingestão dos minerais pode reduzir as suas excreções.

O bem-estar dos animais também contribui na melhoria do balanço de nutrientes, pois o aumento do estres-se em geral conduzirá ao aumento das exigências nutricionais das vacas. O manejo e o fornecimento de condições adequadas de conforto aos animais po-dem reduzir a demanda por alimentos.

Outra alternativa é utilizar o ester-co na produção de milho para silagem ou mesmo vendê-lo após manejo. O uso do esterco na lavoura de milho pode reduzir a quantidade de adubo comercial a ser comprado no merca-do. Assim, estará contribuindo com o meio ambiente, reduzindo o custo da produção de silagem de milho ou ge-rando uma receita a mais com a ven-da de esterco. Como demonstrado, o esterco apresentou um valor relativa-mente considerável, ou seja, R$ 0,10 por litro de leite.

*Mirian Fabiana é zootecnista e doutoranda pelo Programa de Pós-gra-duação em Nutrição e Produção Ani-mal, FMVZ/USP - [email protected]

**Julio Cesar é zootecnista e pesqui-sador da Embrapa Pecuária Sudeste - [email protected]

***Augusto Gameiro é engenheiro--agrônomo e professor do Departa-mento de Nutrição e Produção Animal, FMVZ/USP - [email protected]. Consul-te bibliografia com os autores!

Tabela 3 - Quantificação do nitrogênio (N), fósforo (P) e potássio (K) e a valoração do esterco no período de lactação (305 dias)

Item N (kg) P (kg) K (kg)

Esterco 12.412,77 1.546,80 5.462,48

Perdas por volatilização 3.475,58 0,00 0,00

Quantidade aproveitável 8.937,20 1.546,80 5.462,48

Valor estimado do esterco no período (R$) 38.596,18 27.795,61 21.735,28

Adubo Ureia (45% N)Superfosfato simples (18%

P2O5)

Cloreto de potássio (60% K2O)

Preço médio de mercado do fertilizante equivalen-te (R$/Kg) 1,94 1,39 1,98

Fonte: IEA (média do preço no ano de 2016)