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Pós-Graduação em Direito Constitucional Lato Sensu Online Disciplina: Direitos Fundamentais I Leitura Obrigatória Aula 1

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Constitucional

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  • Ps-Graduao em Direito Constitucional

    Lato Sensu Online

    Disciplina: Direitos Fundamentais I

    Leitura Obrigatria Aula 1

    LEITURA OBRIGATRIA AULA 1

    NARLON GUTIERRE NOGUEIRA

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    O SUPORTE FTICO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

    MARCELO NOVELINO1

    1. INTRODUO O suporte ftico pode ser definido como o conjunto de condies previstas por

    uma norma que, quando verificadas, geram uma determinada consequncia jurdica. Esta uma noo bastante utilizada em alguns ramos do direito, embora com outras denominaes, tais como tipo (direito penal) e hiptese de incidncia ou fato gerador (direito tributrio).

    No Brasil, o conceito de suporte ftico era praticamente desconhecido no mbi-to do direito constitucional,2 at ser introduzido por Virglio Afonso da Silva, em sua obra Direitos fundamentais: contedo essencial, restries e eficcia, publicada em 2009. A pouca relevncia conferida ao conceito de suporte ftico pela doutrina brasilei-ra pode ser atribuda, basicamente, a dois aspectos centrais. De um lado, est relacio-nada experincia pr-Constituio de 1988, cujo foco principal se dirigia organiza-o do Estado e dos Poderes, e no aos direitos fundamentais, onde este conceito tipicamente empregado. De outro, decorrente da pouca tradio no emprego do m-todo de trabalho analtico, no qual a definio de suporte ftico se torna mais relevante e necessria.3

    Em que pese a pouca ateno conferida ao tema, a anlise do suporte ftico se revela importante para o estudo dos direitos fundamentais, especialmente, no que se refere s questes relacionadas sua estrutura normativa (princpios ou regras), for-ma de aplicao (subsuno ou ponderao), contedo essencial (teoria absoluta ou relativa) e limitaes/restries (teoria interna ou externa).

    2. OS ELEMENTOS DO SUPORTE FTICO A conceituao e a terminologia utilizadas no mbito dos direitos fundamentais,

    por serem bastante diversificadas, tornam as tentativas de sistematizao das vrias concepes uma tarefa extremamente complexa e exige um cuidado analtico no que se refere fixao de determinados conceitos e sentidos nos quais os termos so uti-lizados.

    Os direitos de defesa, enquanto direitos a aes negativas por parte do desti-natrio do direito fundamental, so divididos por Alexy em trs grupos: 1) direitos ao no-embarao de aes do titular do direito fundamental (por exemplo: ao no-embarao da escolha de uma profisso); 2) direitos no-afetao de caractersticas e situaes (por exemplo: no afetao da esfera privada fsica); e, 3) direitos no-eliminao de posies jurdicas de direito ordinrio (por exemplo: direitos no-eliminao de determinadas posies jurdicas como proprietrio). Os conceitos utili-

    1 Doutorando em Direito Pblico pela UERJ. Coordenador da Ps-Graduao em Direito

    Constitucional/LFG. Professor de Direito Constitucional exclusivo dos Cursos LFG. Procurador

    Federal. 2 Por aqui, a abordagem do tema se restringia s obras de autores estrangeiros como, e.g., Robert Alexy

    que trata do tema de forma sistemtica dentro do Captulo 6 de sua Teoria dos direitos fundamentais (p.

    301-332). 3 Direitos fundamentais: contedo essencial, restries e eficcia, p. 66-67.

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    zados na formulao desses direitos so sintetizados em apenas dois: o conceito de bens protegidos e o conceito de interveno.4

    No caso das normas que garantem direitos de defesa, a fim de abranger todos os pressupostos materiais para a ocorrncia da consequncia jurdica, o conceito de suporte ftico (em sentido estrito)5 deve compreender dois elementos: o mbito de proteo (bem protegido) e a interveno.6

    2.1. mbito de proteo A parte central do suporte ftico , sem dvida, o mbito de proteo do direito

    fundamental. Em um sentido estrito,7 este corresponde ao bem protegido, o qual pode ser definido como o conjunto de aes, caractersticas ou situaes, ou ainda posi-es de direito ordinrio, que no podem ser embaraadas, afetadas ou eliminadas. A liberdade de locomoo, por exemplo, o bem protegido pela norma consagrada no art. 5, XV, da Constituio de 1988.8 A vida humana em seu sentido biolgico o bem protegido pela norma que consagra a inviolabilidade do direito vida (CRFB/88, art. 5, caput).

    2.2. Interveno Para que a consequncia jurdica de uma norma de direito fundamental possa

    ser acionada o suporte ftico deve ser preenchido. Para que isso ocorra, no sufici-ente a simples realizao no plano ftico de uma situao protegida pela norma. Para que a consequncia jurdica seja ativada necessrio que ocorra uma interveno no bem protegido, decorrente de um ato estatal ou de um particular. Por isso, apesar de contraintuitiva, a incluso da interveno entre os elementos do suporte ftico indis-pensvel.9

    A interveno consiste na afetao, embarao ou eliminao dos bens protegi-dos pelo direito de defesa. Embora possuam uma relao bastante estreita, o mbito

    4 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais, p. 303. A partir desta anlise conceitual, Alexy

    define os direitos de defesa como direitos no-realizao de intervenes em determinados bens prote-gidos, aos quais corresponde o correlato dever de no realizar essas intervenes. 5 O suporte ftico em sentido amplo compreende tanto o suporte ftico em sentido estrito, como a clusu-

    la de restrio. Esta clusula, que pode ser escrita ou no escrita, faz parte da norma completa de direito

    fundamental, a qual estabelece como aquilo que, prima facie, garantido pelo suporte ftico do direito fundamental foi ou pode ser restringido. (ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais, p. 281). Esta acepo ampla, embora til para demonstrar a contraposio de conceitos elementares no mbito dos

    direitos fundamentais, no a mais utilizada. 6 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais, p. 305: A necessidade de que o conceito de inter-

    veno seja incorporado ao conceito de suporte ftico demonstrada tambm pelo fato de que a abran-

    gncia da proteo prima facie depende, em igual medida, da extenso do conceito de bem protegido e da

    extenso do conceito de interveno. 7 Este o sentido referido por Martin BOROWSKI (La estructura de los derechos fundamentales, p. 121) e

    por Virglio Afonso da Silva (Direitos fundamentais: contedo essencial, restries e eficcia, p. 72). 8 CF, art. 5, XV. livre a locomoo no territrio nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa,

    nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens. 9 Virgilio Afonso da SILVA utiliza o seguinte exemplo para ilustrar esta necessidade: Aquele que todos

    os dias, antes de dormir, ora em agradecimento ao seu deus exerce algo protegido pela liberdade religiosa.

    A ao orar antes de dormir abarcada, sem dvida alguma, pelo mbito de proteo da liberdade reli-giosa (CF, art. 5, VI). Mas a consequncia jurdica tpica de um direito de liberdade como o caso da liberdade religiosa no ocorre. Como direito de defesa, essa conseqncia a exigncia de cessao de uma interveno. Isso simplesmente porque o suporte ftico dessa liberdade no foi preenchido, pois no

    houve qualquer interveno naquilo que protegido pela liberdade religiosa (Direitos fundamentais: contedo essencial, restries e eficcia, p. 71-72).

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    de proteo e o conceito de interveno se diferenciam pelo ponto de partida: enquan-to aquele determina o que est protegido, este define aquilo contra o qu se protege.10 Em um sentido estrito, a interveno ocorre apenas quando representa uma afetao final, imediata e que tem forma jurdica dos bens protegidos por um direito de defesa. Este conceito clssico de interveno, por ter se revelado demasiadamente reduzido, vem sendo substitudo por um conceito mais amplo e moderno, no qual est compre-endida toda atuao estatal que afete os bens protegidos por um direito fundamen-tal.11

    O conceito de interveno pode ser utilizado em dois sentidos diversos. Quan-do constitucionalmente fundamentada, a interveno se constitui em uma restrio (interveno restritiva) juridicamente legtima norma de direito fundamental. Neste caso, a consequncia jurdica no ser acionada. No obstante, como elemento do suporte ftico contraposto ao conceito de bem protegido, a palavra interveno utili-zada em outro sentido, qual seja, o de violao (interveno violadora). Se a conse-quncia jurdica de uma norma de direito fundamental a cessao da interveno (declarao de inconstitucionalidade e retorno ao status quo ante),12 para que ela possa ser acionada, ser necessrio que a interveno seja desprovida de fundamen-tao constitucional, isto , que seja uma interveno violadora desta norma. Isso por-que, se houver uma fundamentao constitucional para a interveno, est no acio-nar a conseqncia jurdica da norma de direito fundamental, mas sim excluir a si-tuao do mbito de proteo do direito fundamental. Nesse sentido, Alexy afirma que normas so restries a direitos fundamentais somente se forem compatveis com a Constituio. Se forem inconstitucionais, tero a natureza de uma interveno, mas no de uma restrio.13

    A guisa de exemplo pode ser mencionada a interveno na liberdade das comuni-caes telefnicas (CF, art. 5., XII).14 A interceptao telefnica, que uma forma de interveno no mbito de proteo deste direito fundamental, pode ser caracterizada como restrio ou como violao. Quando atende os requisitos constitucionalmente exigidos i.e., decorre de ordem judicial, nas hipteses e na forma estabelecida pela Lei 9.296/1996, para fins de investigao criminal ou instruo processual penal -, a interceptao se revela uma interveno legtima e, portanto, caracteriza-se como uma hiptese de restrio liberdade das comunicaes telefnicas. No obstante, uma interceptao feita sem autorizao judicial ser carente de fundamentao constitu-cional e, portanto, ser caracterizada como uma interveno ilegtima no mbito de proteo desta liberdade. Neste caso, no h que se falar em restrio, mas sim em violao do direito fundamental, a qual dever acionar a consequncia jurdica (cessa-o da interceptao e sua desconsiderao como prova lcita).

    Em sntese: quando constitucionalmente fundamentada a interveno sin-nimo de restrio do mbito protegido pelo direito fundamental; quando no fundamen-tada constitucionalmente, a interveno corresponde a uma violao da norma de di-reito fundamental e, portanto, deve acionar sua consequncia jurdica.

    2.3. Ausncia de fundamentao constitucional

    10

    BOROWSKI, Martin. La estructura de los derechos fundamentales, p. 125. 11

    BOROWSKI, Martin. La estructura de los derechos fundamentales, p. 121-122. 12

    SILVA, Virgilio Afonso da. Direitos fundamentais: contedo essencial, restries e eficcia, p. 74. 13

    ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais, p. 281. 14

    CF, art. 5., XII inviolvel o sigilo da correspondncia e das comunicaes telegrficas, de dados e das comunicaes telefni-cas, salvo, no ltimo caso, por ordem judicial, nas hipteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigao criminal ou

    instruo processual penal.

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    A legitimidade constitucional de uma interveno no mbito de proteo de um direito fundamental depende, portanto, de sua justificao luz da Constituio, ou seja, necessrio que exista uma norma constitucional (explcita ou implcita) que fundamente as intervenes no direito fundamental afetado. Caso no haja uma fun-damentao constitucional para a interveno, ocorrer uma violao do direito fun-damental qual dever ser imputada a sano jurdica correspondente.15

    Diante da necessidade da ausncia de fundamentao constitucional na inter-veno para que a sano seja ativada, Virglio Afonso da Silva sustenta a necessida-de de um modelo alternativo de suporte ftico que inclua a fundamentao constitu-cional entre os seus elementos. Sob este prisma de anlise, acrescentado um tercei-ro elemento (ausncia de fundamentao constitucional) ao conceito de suporte fti-co, uma vez que a consequncia jurdica (declarao de inconstitucionalidade e retor-no ao status quo ante) somente ocorre quando a interveno no mbito de proteo do direito fundamental no se apoia em uma fundamentao constitucional.16

    3. ESPCIES DE SUPORTE FTICO As teorias jusfundamentais podem ser agrupadas de acordo com a amplitude

    conferida ao suporte ftico. A seguir, sero analisadas algumas das concepes mais relevantes e as principais crticas que lhes so opostas.

    3.1. Suporte ftico restrito As teorias de suporte ftico restrito se caracterizam por excluir aprioristicamen-

    te determinadas condutas ou formas de exerccio que poderiam ser subsumidas no mbito de proteo da norma. Em geral, esta excluso feita atravs de uma interpre-tao constitucional ou, em alguns casos menos controversos, com base em critrios abstratos de intuio ou evidncia voltados proteo da essncia do direito funda-mental.17

    Em algumas concepes, a possibilidade de coliso completamente afastada em virtude da delimitao precisa do mbito de proteo de cada direito fundamen-tal.18 Neste caso, todos os direitos fundamentais tero uma estrutura de regra, ou seja, devero ser cumpridos na medida exata de suas prescries (nem mais, nem me-nos).19

    15

    BOROWSKI, Martin. La estructura de los derechos fundamentales, p. 123. 16 SILVA, Virgilio Afonso da. Direitos fundamentais: contedo essencial, restries e eficcia, p. 74:

    Ora, se suporte ftico so os elementos que, quando preenchidos, do ensejo realizao do preceito da norma de direito fundamental, facilmente perceptvel que no basta a ocorrncia desses dois elementos

    para que a consequncia jurdica de um direito de liberdade seja acionada. ainda necessrio que no

    haja fundamentao constitucional (no FC) para a interveno. Se houver fundamentao constitucional

    para a interveno estar-se- diante no de uma violao, mas de uma restrio constitucional ao direito

    fundamental, o que impede a ativao da consequncia jurdica (declarao de inconstitucionalidade e

    retorno ao status quo ante). 17

    PAULA, Felipe de. A (de)limitao dos direitos fundamentais, p. 54-55. 18 Virglio Afonso da SILVA assinala dois pontos em comum que, em geral, esto presentes nas concep-

    es que adotam um suporte ftico restrito: a busca pela essncia de determinado direito fundamental e a

    rejeio da ideia de coliso entre direitos fundamentais. (Direitos fundamentais: contedo essencial, res-

    tries e eficcia, p. 82). 19 Nas palavras de Robert Alexy, as regras so normas que so sempre satisfeitas ou no satisfeitas. Se uma regra vale, ento, deve se fazer exatamente aquilo que ela exige, nem mais, nem menos. Regras con-

    tm determinaes no mbito daquilo que ftica e juridicamente possvel (Teoria dos direitos funda-mentais, p. 91).

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    3.1.1. A teoria do alcance material de Friedrich Mller As estratgias para definir o contedo de uma norma de direito fundamental a

    partir de um suporte ftico restrito so bastante diversificadas. Uma das mais impor-tantes a teoria do alcance material, desenvolvida por Friedrich Mller. Em sua obra Die Positivitt der Grundrechte, o jurista alemo procura estabelecer uma delimitao precisa da amplitude do mbito da norma, tarefa que considera como a mais importan-te a ser desenvolvida pela dogmtica dos direitos fundamentais. Partindo de dois pressupostos aparentemente contraditrios (os direitos fundamentais no so absolu-tos e, ao mesmo tempo, no podem sofrer restries externas),, Mller prope critrios a serem utilizados na delimitao daquilo que est protegido (ou no) por cada direito fundamental (definio dos limites), a fim de evitar possveis colises entre eles.20

    De acordo com a teoria do alcance material, devem fazer parte do mbito nor-mativo do direito fundamental apenas as formas de exerccio que possuem uma co-nexo material com sua estrutura (modalidades especficas de ao). As formas que no so estruturalmente necessrias ao exerccio, por serem intercambiveis por ou-tras especficas e equivalentes, devem ser rejeitadas (modalidades no especficas). Diferencia-se, portanto, o exerccio dos direitos fundamentais das circunstncias acidentais casualmente associadas a um exerccio de direito fundamental (teste da intercambialidade). A proibio de uma modalidade no-especfica no considerada uma restrio, mas apenas uma delimitao do direito. A distino entre as formas de exerccio especficas e no-especficas esclarecida por Mller com o exemplo do artista que resolve pintar um quadro em um movimentado cruzamento virio: se o ato de pintar est protegido pela Constituio alem, o mesmo no ocorre com o ato de pintar em um cruzamento virio.21 Por isso, a proibio legal desta atividade inserida nos arredores da liberdade artstica no restringiria qualquer modalidade especfica de ao protegida pelo direito fundamental e, portanto, no representaria uma interven-o, o que dispensaria a necessidade de reserva legal.22

    3.1.2. A concepo de Jos Carlos Vieira de Andrade A concepo proposta por Jos Carlos Vieira de Andrade, apesar de suas par-

    ticularidades, costuma ser classificada como uma teoria que adota um suporte ftico restrito. Na viso do constitucionalista portugus, os limites imanentes aos direitos fundamentais compreendidos como as fronteiras definidas pela prpria Constituio que os cria ou recria -, devem ser estabelecidos por meio de uma atividade interpreta-tiva realizada no mbito constitucional que exclua, de plano, os contedos constitucio-nalmente inadmissveis, ainda quando no estejam expressamente ressalvados no texto. Embora rejeite um modelo pr-formativo capaz de revelar, desde logo, todas as limitaes possveis de um direito, Vieira de Andrade entende que uma delimitao substancial realizada a priori teria a vantagem prtica de evitar que situaes de confli-to meramente aparente, nas quais no existe nenhum direito constitucionalmente pro-tegido, sejam consideradas como uma hiptese de coliso. A restrio do mbito de proteo aparentemente consagrado no dispositivo por meio da interpretao, contri-buiria para assegurar plenamente o ncleo essencial (domnio garantido) dos outros

    20

    SILVA, Virglio Afonso da. Direitos fundamentais: contedo essencial, restries e eficcia, p. 86-88. 21

    A Lei Fundamental de Boon estabelece que a arte e a cincia, a investigao e o ensino cientfico so livres (LFB, art. 5, 3, 1). Alexy critica a debilidade dessa construo, afirmando que no pode haver dvidas de que por meio desse dispositivo, independentemente do que mais ele protege, so permitidas no

    mnimo aes que configurem uma expresso artstica. Portanto, estaria sendo negada proteo a uma conduta (pintar em um cruzamento virio) que claramente se subsume no dispositivo. 22

    ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais, p. 312-313.

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    direitos fundamentais e tambm dos valores comunitrios bsicos, reforando o valor normativo da dignidade da pessoa humana que neles se projeta.23

    Os limites impostos ao contedo dos direitos fundamentais so definidos em quatro situaes que ocorrem em momentos distintos: I) delimitao do mbito de pro-teo; II) leis restritivas; III) limitao dos direitos; e, IV) situaes especiais de restri-o legislativa e de coliso.

    A delimitao do mbito de proteo constitucional teria por finalidade definir o objeto e o contedo principal do direito, distinguindo-se os bens ou esferas de ao abrangidos e protegidos pelo preceito que prev o direito das figuras e normas adja-centes.24 Vieira de Andrade faz uma distino entre dois tipos de contedos presentes nos direitos fundamentais.

    De um lado, o (a) contedo principal abrange as faculdades ou garantias espe-cficas de cada hiptese normativa, dividindo-se em duas partes: o (a.1) ncleo essen-cial, no qual esto contidas as faculdades tpicas que integram o direito, tal como definido na hiptese normativa e que correspondem projeo da ideia de dignidade humana individual na respectiva esfera da realidade; e, as (a.2) camadas envolventes, que incluem outros valores (bens, comportamentos, garantias) que aquele direito tambm visa assegurar, mas que correspondem a aspectos em que, por serem menos tpicos, mais relativos ou menos importantes, a proteo constitucional deve ser consi-derada de menor intensidade.

    De outro, o (b) contedo instrumental compreende outras faculdades ou deve-res que no constituem o programa normativo do direito em si e que visam assegurar o seu respeito, a sua proteo ou a sua promoo. Este contedo seria formado, em grande medida, por deveres aos quais no correspondem necessariamente posies jurdicas subjetivas (instrumentais) do titular do direito. O domnio de proteo de um direito fundamental deve ser entendido como um continuum de intensidade normativa decrescente a partir do ncleo essencial, cujo permetro exterior definido (delimita-do) pelos seus limites intrnsecos ou imanentes.25

    O problema das restries do contedo do direito por meio de intervenes le-gislativas realizadas para salvaguardar outros valores constitucionais de direitos fun-damentais, deve ser analisado apenas aps a delimitao do mbito de proteo reali-zada mediante interpretao no nvel constitucional.26

    Por advogar a necessidade de delimitao do mbito de proteo, com a defi-nio dos limites imanentes do direito atravs de uma interpretao capaz de excluir os contedos constitucionalmente inadmissveis, o modelo utilizado por Vieira de An-drade costuma ser enquadrado dentro das caractersticas das teorias de suporte ftico restrito. No entanto, ao rejeitar expressamente um modelo pr-formativo capaz de estabelecer aprioristicamente todos os limites do direito, esta concepo pode ser si-tuada, dentro de uma escala contnua, em um ponto intermedirio quando comparada com as teorias de suporte ftico (restrito ou amplo) mais extremadas. Esta impresso fica evidenciada quando o autor admite que, aps a delimitao do mbito de proteo e das leis restritivas, pode surgir, ainda, a necessidade de limitao ou harmonizao diante dos possveis conflitos entre os direitos fundamentais (colises autnticas) ou entre estes e os valores constitucionais comunitrios (colises inautnticas).27

    23 Os direitos fundamentais na Constituio portuguesa de 1976, p. 277-282. 24

    Os direitos fundamentais na Constituio portuguesa de 1976, p. 277. 25

    Os direitos fundamentais na Constituio portuguesa de 1976, p. 172. 26 ANDRADE, J. C. Vieira de. Os direitos fundamentais na Constituio portuguesa de 1976, p. 288-292. 27

    Ao colocar as hipteses de coliso como uma terceira etapa no processo de definio dos limites do

    direito, a concepo formulada por Vieira de Andrade se afasta claramente da teoria dos princpios, que

    parte de um mbito de proteo mximo do preceito. O constitucionalista portugus entende que na cons-

    truo formulada por Robert Alexy, a limitao de direitos fundamentais, associada ao mtodo da pon-derao, toma um sentido muito amplo, que tende a consumir na coliso de direitos ou de direitos e valo-

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    Os problemas de coliso, que implicam uma limitao recproca dos direitos co-lidentes, ocorrem em dois nveis distintos. No nvel legislativo, em abstrato, diante da inexistncia expressa de restrio, da necessidade ir alm das restries legislativas previstas ou da incompatibilidade estrutural de direitos e valores previstos na Constitu-io. Nessas hipteses, os conflitos so resolvidos, de maneira geral e abstrata, por leis harmonizadoras.28 No nvel de aplicao do direito, em uma determinada situa-o concreta, diante de uma coliso de direitos simultaneamente protegidos pela Constituio ou da aplicao de leis reguladoras que utilizem clusulas gerais ou conceitos indeterminados para estabelecer critrios ou padres de soluo de confli-tos.29

    Como adverte Jane Reis, ao sustentar que a ponderao pode ser empregada pelo legislador, quando se tratar de restringir direitos sujeitos reserva legal; e pelo juiz, quando se trata de solucionar conflitos concretos entre direitos e bens constitu-cionais, Jos Carlos Vieira de Andrade acaba por formular uma tese que, em ltima anlise, implica em afirmar que os direitos so irrestringveis pelo legislador no plano abstrato, mas restringveis pelo juiz no plano concreto. Esse entendimento vai de en-contro ao que, em geral, costuma ser defendido no mbito doutrinrio: a deferncia do poder judicirio s ponderaes feitas pelo legislador.30

    3.1.3. Crticas As teorias que adotam um suporte ftico restrito costumam ser criticadas pela

    ausncia de critrios consistentes para excluir, em abstrato e de maneira definitiva, determinadas condutas que se subsumem ao dispositivo jusfundamental.31 Esta exclu-so ocorre, em muitos casos, sem uma adequada justificao, impossibilitando o a-cesso s verdadeiras razes que levaram quela concluso e dificultando o controle intersubjetivo. No existem caractersticas inerentes ao mbito de proteo de um di-reito fundamental identificveis por si ss, independentes de uma anlise da relao entre as razes favorveis e contrrias proteo de algum objeto. A nica forma da teoria restrita escapar desse problema observa Alexy - aceitar que, embora a ex-cluso de algo do suporte ftico tenha alguma relao com o jogo de razes e contrar-razes, nos casos de excluso a prevalncia da contrarrazo clara e torna o sope-samento suprfluo. Isso a torna muito rudimentar pois, apesar aceitar uma excluso ou sustentar uma proteo em casos extremos, nos casos intermedirios, que so aque-les juridicamente mais interessantes e nos quais necessrio um sopesamento, a teoria restrita ou no tem nenhuma resposta, ou contraditria, ou conduz a constru-es excessivamente complicadas. Por isso, a excluso definitiva da proteo de cer-tas condutas como o resultado da aplicao de critrios supostamente independentes do sopesamento, e no com base em um jogo de razes e contrarrazes, apontada

    res, alm dos casos de harmonizao, a declarao de limites imanentes (neste modelo, necessariamente,

    a posteriori) e a restrio legislativa (Os direitos fundamentais na Constituio portuguesa de 1976, p. 278). 28

    Vieira de Andrade esclarece que na restrio legislativa o legislador est autorizado a operar predo-minantemente atravs de critrios de ponderao e pode estabelecer preferncias, enquanto na resoluo

    abstrata de conflitos, o legislador tem de pautar-se obrigatoriamente por critrios de mera harmonizao

    e deve, em regra, utilizar conceitos flexveis, que permitam a considerao das circunstncias concretas

    nos casos em que as leis venham a aplicar-se (Os direitos fundamentais na Constituio portuguesa de 1976, p. 281). 29 ANDRADE, J. C. Vieira de. Os direitos fundamentais na Constituio portuguesa de 1976, p. 277-278. 30

    PEREIRA, Jane Reis Gonalves. Interpretao constitucional e direitos fundamentais: uma contribui-

    o ao estudo das restries aos direitos fundamentais na teoria dos princpios, p. 157-158. 31 SILVA, Virglio Afonso da. Direitos fundamentais: contedo essencial, restries e eficcia, p. 97.

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    como um dos pontos fracos das teorias restritas.32 Outro aspecto problemtico a distino entre regulamentao e restrio. A-

    lm da dificuldade de uma diferenciao conceitual entre as duas ideias, alguns casos de restrio acabam sendo tratados como regulamentao, com a perigosa conse-quncia de no ser necessria uma justificao adequada e nem a observncia dos critrios exigidos para as restries a direitos fundamentais impostas pelos poderes pblicos (limites dos limites).33

    Especificamente em relao aos critrios (especificidade e intercambialidade) propostos por Mller para a definio daquilo que pertence ao mbito da norma, ainda que sejam capazes de compatibilizar, de forma coerente, a premissa de que os direi-tos fundamentais no so ilimitados ou absolutos com a rejeio da necessidade de restries externas, no deixam de apresentar alguns problemas quanto sua real utilidade na determinao dos resultados obtidos. Com relao ao critrio da especifi-cidade, Alexy questiona: a ao de pintar no cruzamento seria tambm uma modali-dade no-especfica, e, com isso, excluda da proteo do direito fundamental, mesmo se ele estivesse bloqueado aos veculos isto , mesmo se pintar no cruzamento no incomodasse ningum -, ou seja, se no houvesse qualquer motivo razovel para sua excluso do mbito de proteo?. No que se refere ao critrio da intercambialidade, observa que se fosse possvel a retirada do pintor do cruzamento virio sob o funda-mento de que o lugar seria intercambivel, ento toda e qualquer ao poderia ser proibida sempre que houvesse uma possibilidade de realiz-la em outro lugar, outro horrio e de outra forma. Esse entendimento acabaria por impedir o titular do direito fundamental de definir autonomamente a forma de usar sua liberdade fundamental, que uma posio essencial do direito fundamental.34 A partir dessas considera-es, Alexy assinala que a proteo desta modalidade de ao foi excluda, no por ser no-especfica e intercambivel, mas sim em razo dos direitos de terceiros e interesses coletivos como a segurana e a fluidez do trfego virio. A rigor, o que tor-na correto o resultado obtido com os critrios propostos por Mller so as razes rele-vantes para restries que esto por trs deles. Em sendo assim, a racionalidade da argumentao jurdica exige que essas razes sejam declaradas.35

    3.2. Suporte ftico amplo A opo por um suporte ftico amplo significa uma interpretao ampla tanto

    do mbito de proteo, como da restrio aos direitos fundamentais. O mbito de pro-teo deve ser interpretado do modo mais amplo possvel no sentido de compreender qualquer ao, fato, estado ou posio jurdica que, isoladamente considerados, pos-sam ser subsumidos no mbito temtico de um direito fundamental. No se exclui, a priori, qualquer conduta do mbito de proteo do direito. Esta proteo extremamente ampla ocorre, no entanto, apenas prima facie e no de forma definitiva. Por sua vez, a interpretao ampla do conceito de interveno significa no fazer distines entre a

    32

    ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais, p. 320-322. 33

    Sobre o tema limites dos limites, cfr. PEREIRA, Jane Reis Gonalves. Interpretao constitucional e direitos fundamentais, p. 297 e ss. 34

    ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais, p. 314-315. 35

    ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais, p. 315-316: a proteo de um direito fundamental sempre depende da relao entre uma razo a favor dessa proteo e uma razo admissvel contrria

    proteo, e no de alguma caracterstica do mbito de proteo identificvel independentemente dessa

    relao de razes e contrarrazes, de algum objeto protegido que deve ou no ser includo nesse mbito,

    ou de leis gerais.

  • 10

    regulamentao e a restrio de um direito fundamental.36 A adoo de um suporte ftico amplo exige que as normas de direitos funda-

    mentais sejam concebidas com a estrutura de princpios, e no de regras como fazem as teorias do suporte ftico restrito. Isso porque a delimitao ampla do mbito de pro-teo define apenas aquilo que est protegido prima facie.37 Enquanto nas teorias de suporte ftico restrito a delimitao definitiva do direito ocorre a priori nas de suporte ftico amplo esta definio somente possvel a posteriori, em geral, aps a pondera-o dos princpios eventualmente colidentes.38

    Neste modelo haver, portanto, uma ampliao dos casos de coliso entre di-reitos fundamentais e a necessidade de restries posteriores em determinadas situa-es. Por isso, a opo por esta espcie de suporte ftico impe uma interpretao ampla no apenas do mbito de proteo do direito fundamental, mas tambm do conceito de interveno. Sendo o suporte ftico composto pelo bem protegido e pela interveno, este conceito tambm deve ser concebido de uma forma ampla, de modo a abranger hipteses que, em concepes mais estritas, seriam consideradas meras regulamentaes.

    3.2.1. A concepo institucional de Peter Hberle Desenvolvida sob a influncia da teoria institucional de M. Hauriou e E. Kauf-

    mann, a abordagem de Peter Hberle considerada uma das mais influentes estrat-gias argumentativas do pensamento juspublicista europeu. Principal articulador da crtica sistemtica dirigida teoria externa a partir da dcada de sessenta, Hberle sustenta que o pensamento de interveno e limites, por ter uma compreenso equi-vocada da recproca integrao entre liberdade e Direito, ignora a tarefa estatal de criao das condies para a liberdade real e adota uma viso incorreta da relao entre o contedo e os limites dos direitos fundamentais.39

    A concepo institucional possui uma particularidade que permite classific-la entre as teorias de suporte ftico amplo: o recurso ponderao de bens para deter-minar o contedo, fixar os limites e resolver conflitos envolvendo direitos fundamen-tais.40

    36 SILVA, Virglio Afonso da. Direitos fundamentais: contedo essencial, restries e eficcia, p. 41. 37 SILVA, Virglio Afonso da. Direitos fundamentais: contedo essencial, restries e eficcia, p. 109-

    110: Exemplo: o que protegido pelo direito livre manifestao do pensamento (CF, art. 5., IV)? Toda e qualquer manifestao de pensamento, no importa o contedo (ofensivo ou no), no importa a

    forma, no importa o local, no importam o dia e o horrio. O mesmo vale para todos os direitos funda-

    mentais. 38

    ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais, p. 321: Isso no significa que em todos os casos

    seja necessria a realizao de extensos sopesamentos. Mas significa que mesmo os casos claros de no-

    proteo so o produto de um sopesamento, que a possibilidade de um sopesamento deve ser mantida

    para todos os casos e que em nenhum caso o sopesamento pode ser substitudo por evidncias de qualquer

    espcie. 39

    NOVAIS, Jorge Reis. As restries aos direitos fundamentais no expressamente autorizadas pela

    Constituio, p. 310. 40 No obstante tais expresses serem utilizadas sem o devido rigor metodolgico, sobretudo no mbito

    jurisprudencial, no se deve confundir a ponderao de bens (Hberle) com a ponderao de princ-pios (Alexy). Enquanto o princpio norma que consagra um direito prima facie, o bem jurdico o objeto imediato do direito. Quando referidos na sua vinculao com o sujeito que os pretende obter, os

    bens jurdicos so denominados de interesses. Por sua vez, valores e princpios esto intimamente relacionados, a ponto de Robert Alexy transformar os enunciados sobre valores do Tribunal Constitucio-

    nal Federal alemo em enunciados sobre princpios. Segundo o jusfilsofo alemo a diferena entre eles

    reduzida a um ponto: aquilo que, no modelo de valores (conceito axiolgico), o melhor, no modelo de

    princpios (conceito deontolgico), o devido (Teoria dos direitos fundamentais, p. 144) Na medida em

    que indicam que algo bom e, por isso, digno de ser buscado ou preservado, os valores constituem o

  • 11

    A institucionalizao dos direitos fundamentais torna necessria a determina-o, configurao e realizao desses direitos atravs do legislador ordinrio, que de-ve ter em conta sua funo social, assim como suas relaes de condicionamento recproco com outros bens jurdicos constitucionalmente protegidos.41 A frmula da significao institucional dos direitos fundamentais contm, nas palavras de Hberle, enunciados gerais e totalmente determinados sob o aspecto material que se impem obrigatoriamente ao legislador e protegem os direitos fundamentais de um modo abso-luto. O carter institucional dos direitos fundamentais, ao mesmo tempo em que signi-fica uma autorizao para a conformao e limitao legislativa da liberdade, tambm impede que o legislador viole ou questione o significado desses direitos enquanto insti-tutos.42

    Na concepo institucional, a liberdade no considerada algo natural ou pr-existente ao direito, mas algo desenvolvido dentro do mbito jurdico e a partir dele. A viso liberal de liberdade negativa e individual substituda por uma concepo de liberdade real, normativamente conformada e ordenada, que s se justifica enquanto liberdade integrada, limitada e vinculada aos interesses da comunidade. A legislao deixa de ser vista como uma ameaa liberdade e passa a ser compreendida como condio para sua existncia no Estado, como um meio para assegurar a realizao da liberdade na medida em que a conforma e a delimita juridicamente. Os interesses de liberdade s so considerados constitucionalmente relevantes quando se mantm dentro dos limites inerentes sua funo social e natureza institucional.43

    Para Hberle os direitos fundamentais devem ser analisados como um sistema unitrio e objetivo cujo significado deve ser determinado em relao totalidade da Constituio.44 Esses direitos se caracterizam pela interrelao entre interesses pbli-cos e particulares decorrente do fato de serem constitutivos tanto para o indivduo co-mo para a comunidade. Na medida em que um direito fundamental violado, os inte-resses pblicos tambm so atingidos. A garantia desses direitos se d, no apenas em favor do indivduo, mas tambm pela funo social que desempenham e por cons-titurem o fundamento funcional da democracia.45

    O significado dos direitos fundamentais se apoia, portanto, em trs pressupos-tos: I) sua relao de condicionamento recproco com os outros bens jurdico-constitucionais; II) sua funo social; e, III) sua importncia enquanto base funcional da democracia.

    O professor da Universidade de Bayreuth defende a necessidade de os direitos serem reconduzidos a uma coincidncia de interesses e no a uma contraposio ou coexistncia de interesses diversos. Isso no significa a impossibilidade de ocorrncia de verdadeiros conflitos jurdicos, mas apenas a necessidade de conciliao das ant-

    aspecto axiolgico das normas. J os princpios, alm de demonstrarem que algo vale a pena ser busca-do, determinam que esse estado de coisas deve ser promovido. Constituem, assim, o aspecto deontolgi-co dos valores. O exemplo formulado por Humberto vila ajuda a ilustrar esta distino: a liberdade e a

    autonomia so bens jurdicos protegidos pelo princpio da livre iniciativa. Quando em funo de determi-

    nadas circunstncias, algum sujeito se encontra em condies de usufruir dessa liberdade e autonomia,

    tais valores normativamente consagrados passam a integrar a esfera de interesses do sujeito (Teoria dos

    princpios, p. 95). 41

    GAVARA DE CARA, Juan Carlos. Derechos fundamentales y desarrollo legislativo, p. 104. 42

    HBERLE, Peter. La garanta del contenido esencial de los derechos fundamentales en la Ley Fun-

    damental de Bonn: Una contribuicin a la concepcin institucional de los derechos fundamentales y a la

    teoria de la reserva de la ley, p. 121. 43

    NOVAIS, Jorge Reis. As restries aos direitos fundamentais no expressamente autorizadas pela

    Constituio, p. 310-311 e p. 314. 44

    GAVARA DE CARA, Juan Carlos. Derechos fundamentales y desarrollo legislativo, p. 99. 45

    HBERLE, Peter. La garanta del contenido esencial de los derechos fundamentales en la Ley Fun-

    damental de Bonn, p. 23.

  • 12

    teses e incompatibilidades existentes. A relao entre os bens jurdico-constitucionais deve ser de coordenao e condicionamento recproco, e no de supra ou subordina-o no sentido de que uns podem ser utilizados contra os outros.46 Nas palavras de Hberle, se os direitos fundamentais se integram reciprocamente formando um siste-ma unitrio, se configuram como elementos constitutivos do conjunto constitucional e esto em uma relao de recproco condicionamento com os outros bens jurdico-constitucionais, ento se conclui que seu contedo e seus limites devem ser determi-nados tendo em conta tambm outros bens constitucionais reconhecidos junto a e-les.47 O meio a ser utilizado na determinao do contedo e dos limites dos direitos fundamentais e atravs do qual so resolvidos os conflitos entre bens constitucionais, o princpio da ponderao de bens.48 Devido sua significao jurdico-constitucional, evidenciada pelo fato de que a ordem dos valores seria uma ordem hierrquica e de relao entre eles, a ponderao de bens caracterizado como um princpio imanente Constituio.49

    Hberle designa como leis gerais aquelas que so legitimadas pela Constitui-o como de igual ou superior valor frente ao direito fundamental afetado. Esses mandamentos so ditados no interesse da coletividade.50 A generalidade material representa o resultado de um sopesamento entre, de um lado, razes contidas no m-bito de proteo do direito e que militam a favor de sua proteo definitiva; de outro, razes contidas no mbito das restries contrrias a essa proteo do direito. Portan-to, o conceito de generalidade material um conceito dependente do sopesamento que, por sua vez, depende da avaliao de ser a conduta abarcada prima facie pelo mbito de proteo do direito. Isso significa, segundo Alexy, que a teoria da generali-dade material no pode ser considerada uma teoria restrita do suporte ftico. 51

    O contedo essencial dos direitos fundamentais no considerado uma medi-da fixa que deve ser deduzida em si, independentemente da totalidade Constituio. Em sua determinao, realizada atravs da ponderao de bens, deve ser levado em conta o contedo essencial dos outros bens jurdico-constitucionais.52

    46

    HBERLE, Peter. La garanta del contenido esencial de los derechos fundamentales en la Ley Fun-

    damental de Bonn, p. 39-40. 47

    HBERLE, Peter. La garanta del contenido esencial de los derechos fundamentales en la Ley Fun-

    damental de Bonn, p. 33. 48

    Na apresentao da obra de Peter Hberle, Francisco Fernndez Segado observa que a idia de equil-brio cobra especial vigor na operao de ponderao, pois desta resta excluda toda relativizao dos

    direitos fundamentais, devendo proceder-se a delinear como ncleo inviolvel da liberdade aquele mbi-to dentro do qual j no h inquestionavelmente nenhum bem jurdico de igual ou superior grau legiti-

    mamente limitador do direito. Segundo Hberle, o resultado de tal ponderao o mbito protegido de um modo absoluto do direito fundamental. Nosso autor vem a estabelecer desta forma uma espcie de clusula de fechamento que, em alguma medida, poderia considerar-se um contrapeso frente ao dina-mismo e abertura da operao ponderadora (La garanta del contenido esencial de los derechos funda-mentales en la Ley Fundamental de Bonn, p. LIX) 49

    HBERLE, Peter. La garanta del contenido esencial de los derechos fundamentales en la Ley Fun-

    damental de Bonn, p. 33. 50

    HBERLE, Peter. La garanta del contenido esencial de los derechos fundamentales en la Ley Fun-

    damental de Bonn, p. 34. 51

    ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais, p. 317. 52

    HBERLE, Peter. La garanta del contenido esencial de los derechos fundamentales en la Ley Fun-

    damental de Bonn, p. 63-64: O contedo essencial no perde a substancialidade se determinado em ateno a outros bens jurdicos de igual ou superior grau, uma vez que estes bens jurdicos, por sua parte,

    tm substncia em um modo a determinar. A relao recproca entre os singulares bens jurdico-

    constitucionais no os priva de sua substncia, mas conduz precisamente a esta. Tendo em conta os men-

    cionados pontos de vista, que tm por objetivo desvirtuar a imaginvel objeo da relativizao dos direitos fundamentais por meio da ponderao de bens aqui seguida, desautoriza-se totalmente tal crtica (p. 64)

  • 13

    O dficit relativo de racionalidade de fundamentao na teoria de Hberle pro-vm da facilidade de serem estabelecidas preferncias de bens, valores ou interesses encobertas por uma retrica argumentativa reduzida invocao de limites imanentes. Ao no exigir que os interesses em confronto sejam claramente identificados e que os resultados obtidos sejam adequadamente fundamentados, o recurso ideia de limites imanentes acaba por favorecer a legitimao de qualquer atuao dos poderes consti-tudos.53 A ponderao proposta por Hberle como meio para a determinao do con-tedo dos direitos fundamentais, ao utilizar como objeto bens jurdicos em detrimento dos princpios, confere um foco excessivo na proteo definitiva do direito, ofuscando injustificadamente as normas prima facie objeto da ponderao. No parece adequada a imposio de um dever jurdico a partir de uma ponderao que tenha como objeto qualquer outra coisa que no seja uma norma jurdica, como no caso de normas mo-rais, ticas, divinas, inferiores ou supraconstitucionais.54 Outro aspecto problemtico da concepo institucional que contribui para um controle menos eficaz das atividades dos poderes pblicos que afetam desvantajosamente os direitos fundamentais viso do legislador democrtico como amigo dos direitos e a pouca importncia atribuda aos perigos reais da interveno estatal.55

    3.2.2. A teoria dos princpios de Robert Alexy Nos termos da teoria dos princpios, as disposies de direitos fundamentais

    adquirem um carter duplo, pois ao mesmo tempo em que so consideradas como uma positivao e uma deciso a favor de princpios, expressam tambm uma ten-tativa de estabelecer determinaes em face das exigncias de princpios contrapos-tos, [...] na medida em que apresentam suportes fticos e clusulas de restrio dife-renciados.56 O carter duplo das disposies de direitos fundamentais significa que, por meio da interpretao dos enunciados normativos jusfundamentais, podem ser extradas duas espcies de normas: os princpios e as regras.57

    53

    NOVAIS, Jorge Reis. As restries aos direitos fundamentais no expressamente autorizadas pela

    Constituio, p. 319-320: Sempre que num contexto argumentativo se invoca a existncia de limites imanentes a um direito fundamental a decorrncia prtica naturalmente inevitvel a da conseqente

    legitimao da ao restritiva do poder pblico. Porm, esse resultado baseado exclusivamente na afir-mao da existncia imperativa de limites imanentes dificilmente acessvel ao crivo da anlise crtica, j que, ao contrrio do que acontecia no modelo da teoria externa, se esconde o jogo de interesses opos-tos em disputa e das correspondentes razes e contra-razes que, na realidade, determinaram a deciso. 54

    BOROWSKI, Martin. La restriccin de los derechos fundamentales, p. 43-44: Se se parte de normas jurdicas no escritas de grau supraconstitucional, no existiria nenhuma deciso autorizativa do constitu-

    inte que tivesse que se sujeitar quem pondera. Seria um assunto totalmente aberto, que princpios valeri-

    am e como deveriam ser sopesados. No mbito dos direitos fundamentais, no qual confluem em boa me-

    dida as controvrsias sobre a viso de mundo e a concepo de Estado, isso conduziria a uma notria

    insegurana jurdica. 55

    NOVAIS, Jorge Reis. As restries aos direitos fundamentais no expressamente autorizadas pela

    Constituio, p. 321. 56 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais, p. 139. 57

    ALEXY, Robert. Coliso e ponderao como problema fundamental da dogmtica dos direitos funda-

    mentais, p. 8: A teoria dos princpios no diz que o catlogo dos direitos fundamentais no contm re-gras; isto , no contm definies precisas. Ela afirma no apenas que os direitos fundamentais, enquan-

    to balizadores de definies precisas e definitivas tm a estrutura de regras, como tambm acentua que o

    nvel de regras precede prima facie ao nvel dos princpios. O seu ponto decisivo o de que atrs e ao

    lado das regras existem princpios. O contraponto para a teoria dos princpios no , portanto, uma teoria

    que supe que o catlogo dos direitos fundamentais tambm contm regras, seno uma teoria que os direi-

    tos fundamentais contm somente regras. Somente essas teorias devem ser consideradas como teorias de

    regras (Regeltheorien).

  • 14

    Nas palavras de Alexy, quando, por meio de uma disposio de direito funda-mental, fixada alguma determinao em relao s exigncias de princpios coliden-tes, ento, por meio dela no estabelecido somente um princpio, mas tambm uma regra.58 Vale dizer: se o constituinte originrio estabeleceu uma disposio que con-tm uma determinao resultante da primazia de um princpio em relao aos demais, significa que da interpretao desta determinao possvel extrair tanto a regra es-pecfica quanto o princpio que lhe serviu de fundamento. Isso significa que, atrs e ao lado de toda regra de direito fundamental, sempre existem princpios. nesse sentido que interpretamos a afirmao, feita por Robert Alexy no posfcio de sua obra, de que a tese central deste livro a de que os direitos fundamentais, independentemente de sua formulao mais ou menos precisa, tm a natureza de princpios e so manda-mentos de otimizao.59 Mesmo no caso das disposies de direitos fundamentais que consagram regras, consagram tambm um princpio, motivo pelo qual a norma resultante da interpretao do dispositivo, neste caso, ter um carter duplo: ser ao mesmo tempo um princpio e uma regra.

    No mbito dos direitos fundamentais, as determinaes contidas em uma regra nem sempre so suficientes para se chegar, em todo e qualquer caso, a uma deciso independente de sopesamentos. Este aspecto revela um carter incompleto da regra em questo.60 Considerando que princpios e regras so espcies de normas e que estas so o produto da interpretao, parece correto afirmar que uma regra somente poder ser considerada completa ou incompleta aps a interpretao do dispositivo de direito fundamental em um determinado caso. Conforme se apresentar a situao de fato, possvel que a regra, por si s, fornea uma razo decisiva,61 revelando-se co-mo uma regra completa (mandamento definitivo). Nos casos mais difceis envolvendo outras normas, pode ser que uma regra fornea apenas razes contributivas para a deciso,62 tornando-se necessrio o recurso a procedimentos formais intermedirios a fim de que possa ser definido se a regra ser aplicada ou no (mandamento prima facie). Isso significa que de uma mesma disposio de direito fundamental pode-se extrair, dependendo das caractersticas da situao ftica, dois tipos diferentes de re-gras: I) uma regra completa apta a solucionar o caso concreto sem a necessidade de recurso a uma ponderao de princpios (razo decisiva); ou, uma regra incompleta que, insuficiente para oferecer isoladamente uma soluo definitiva, fornecer apenas razes contributivas para uma determinada deciso exigindo, desse modo, um recurso ao nvel dos princpios.63

    58 Teoria dos direitos fundamentais, p. 139-140. 59

    Teoria dos direitos fundamentais, p. 575. 60

    Como corretamente adverte Peczenick, no mundo real, o uso de disposies legais pode variar. Na maioria dos casos, disposies legais so aplicadas se suas condies so satisfeitas e geram razes deci-

    sivas. No entanto - completa o autor - em casos difceis, quase todas as disposies legais podem ser derrotadas com base em um sopesamento de razes contributivas pr e contra a sua aplicao (...). Ento

    o comportamento lgico das disposies legais se assemelha mais ao dos princpios do que ao das regras (PECZENIK, Aleksander; HAGE, Jaap. Law, morals and defeasibility, p. 313). 61

    PECZENIK, Aleksander; HAGE, Jaap. Law, morals and defeasibility, p. 306: Razes decisivas determinam suas concluses. Se uma razo decisiva para uma concluso obtida, a concluso tambm

    deve ser obtida. 62

    PECZENIK, Aleksander; HAGE, Jaap. Law, morals and defeasibility, p. 307: Razes contributivas, ao contrrio, no determinam suas concluses por si mesmas. Podem contribuir razes que advogam pr e

    contra uma determinada concluso. o conjunto de todas as razes relativas a uma determinada conclu-

    so, tanto razes favorveis como contrrias, que determina se a concluso se mantm. 63 Teoria dos direitos fundamentais, p. 140: Se a regra no aplicvel independentemente de sopesa-mentos, ento, ela , enquanto regra, incompleta. Na medida em que ela for incompleta nesse sentido, a

    deciso constitucional pressupe um recurso ao nvel dos princpios, com todas as incertezas que esto a

    ele vinculadas.

  • 15

    Por essas razes, Alexy parece estar correto ao apontar a insuficincia de uma compreenso das normas de direitos fundamentais apenas como regras ou apenas como princpios. O desenvolvimento de um modelo compatvel com a complexidade dos direitos fundamentais deve reunir os dois nveis (princpios e regras) em uma mesma norma de carter duplo.64 O surgimento das normas de direitos fundamentais de carter duplo ocorre - explica o jusfilsofo alemo - sempre que aquilo que es-tabelecido diretamente por uma disposio de direito fundamental transformado, com o auxlio de clusulas que se referem a um sopesamento, em normas subsum-veis.65

    Alexy defende, explicitamente, uma teoria ampla do suporte ftico como uma teoria estrutural.66 Na definio deste autor, uma teoria ampla do suporte ftico uma teoria que inclui no mbito de proteo de cada princpio de direito fundamental tudo aquilo que milite em favor de sua proteo.67 Por aceitar como tpica qualquer razo que milita em favor da proteo de cada princpio de direito fundamental, inde-pendentemente da fora das razes contrrias, Alexy considera que uma teoria ampla oferece uma soluo mais consistente e simples que as teorias restritas, as quais ge-ralmente se valem de construes excessivamente complicadas.68

    Alexy menciona duas das principais estratgias utilizadas para a incluso de si-tuaes no mbito de proteo. A primeira considera como tpico tudo aquilo que a-presentar uma caracterstica que considerada isoladamente seja suficiente para a subsuno ao suporte ftico, independentemente de qualquer outra varivel. o que ocorre, por exemplo, com a ao de pintar em um cruzamento virio. A segunda, con-sidera que no campo semntico dos conceitos de suporte ftico devem ser adotadas interpretaes amplas.69

    Vale notar que a teoria dos princpios adota um conceito semntico de norma,70 cujo ponto de partida a diferena entre o enunciado normativo (disposio legal) e a

    64 Teoria dos direitos fundamentais, p. 144. Em outro trecho de sua obra, Alexy reitera esta concepo:

    as normas de direitos fundamentais tm um duplo carter, como regras e princpios. Na medida em que o legislador constituinte tenha tomado decises na forma de regras, elas so vinculantes, a no ser que seja

    possvel introduzir razes constitucionais suficientes contra essa vinculao (p. 554). 65

    ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais, p. 143: Sob dois aspectos essa norma tem inteira-mente o carter de uma regra. Ela aplicvel sem que seja necessrio sopes-la contra outra norma e a ela

    possvel se subsumir. Aquilo que abarcado pelo suporte ftico mas no satisfaz a clusula restritiva

    proibido. Mas, por outro lado, ela no tem o carter de uma regra, na medida em que faz, na clusula de

    restrio, explcita referncia a princpios e a seu sopesamento. Normas com essa forma podem ser deno-

    minadas como normas constitucionais de carter duplo. 66

    ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais, p. 307. 67

    ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais, p. 322-323: No suporte ftico composto pelo bem protegido e pela interveno a extenso do suporte ftico no depende apenas da extenso do conceito de

    bem protegido, mas tambm da extenso do conceito de interveno. 68

    ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais, p. 321. 69 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais, p. 322. Em que pese este autor no adotar de forma

    expressa nenhuma das duas estratgias, na viso de Virglio Afonso da Silva, Alexy defende que toda ao, estado, ou posio jurdica que tenha alguma caracterstica que, isoladamente considerada, faa

    parte do mbito temtico de determinado direito fundamental deve ser considerada como abrangida por seu mbito de proteo, independentememte da considerao de outras variveis (Direitos fundamen-tais: contedo essencial, restries e eficcia, p. 161). 70

    ALEXY observa que o conceito de norma um dos temas centrais da Cincia do Direito. Por implicar

    decises sobre o prprio carter do Direito, trata-se de um tema extremamente controvertido e no qual as

    controvrsias so infindveis. Segundo Alexy, este conceito teria a vantagem no apenas ser compatvel com as mais variadas teorias da validade como, tambm, ser pressuposto por elas. Apresentaria, ao mesmo tempo, a solidez necessria para servir de base para suas anlises e a fragilidade exigida para ser

    compatvel com o maior nmero possvel de decises. Apesar de reconhecer que o conceito semntico de

    norma no igualmente adequado a todas as finalidades, Alexy considera que quando se trata de pro-

  • 16

    norma, enquanto resultado da interpretao. Sendo o suporte ftico da norma compos-to pelo bem protegido e pela interveno, a interpretao do dispositivo legal deslo-cada para um momento posterior, o da fundamentao constitucional da interveno no bem protegido.

    3.2.3. Crticas As teorias que adotam um suporte ftico amplo so alvo de crticas variadas. A

    primeira no sentido de que a ampliao excessiva do suporte ftico teria dois efeitos extremos: ou garantiria uma proteo excessiva ao direito fundamental, engessando a legislao e ameaando os outros bens jurdicos; ou no levaria a srio a vinculao ao texto da Constituio. Os inconvenientes resultantes de consideraes extremadas, no entanto, podem ser evitados com a utilizao do postulado da proporcionalidade, ferramenta indispensvel na ponderao dos princpios colidentes.71

    A segunda crtica no sentido de que, ao eliminar por meio das restries aqui-lo que anteriormente estava protegido pelo suporte ftico, a teoria do suporte ftico amplo criaria uma iluso desonesta.72 Isso porque, em muitos casos, aquilo que est prima facie garantido pelo suporte ftico, acabaria no sendo assegurado de forma definitiva. Esta crtica parece no considerar de uma forma adequada, a distino en-tre proteo prima facie e proteo definitiva. Por certo, a garantia de uma posio prima facie no significa qualquer promessa de uma garantia definitiva desta posi-o.73 Apesar de reconhecer que a adoo de um suporte ftico restrito tem a vanta-gem de evitar clusulas restritivas no-escritas, Alexy adverte que, para isso, neces-srio pagar um alto preo: excluir condutas que, nos termos do texto constitucional, estariam abrangidas pelo suporte ftico e que, portanto, seriam condutas tpicas.74

    A terceira crtica se baseia no argumento de que quanto mais ampla for a defi-nio do suporte ftico, maior ser o nmero de casos envolvendo direitos fundamen-tais e, consequentemente, maiores sero as hipteses de coliso entre direitos fun-damentais. Esses fatores conduziriam a uma constitucionalizao excessiva do direito e a uma perigosa ampliao tanto das competncias do Tribunal Constitucional, como do nmero de casos nos quais a soluo exigiria um sopesamento de razes.75 Sobre tais crticas, mais uma vez, vale lembrar que a ampliao da proteo prima facie no significa uma necessria ampliao da proteo definitiva, mas apenas uma ampliao do nmero de casos em que se exige um sopesamento entre as razes e contrarra-zes, a fim de justificar a excluso de determinadas condutas do mbito de proteo do direito. Esta ampliao das hipteses de sopesamento, todavia, pode ser vista de forma negativa por causar um deslocamento suprfluo e confuso da argumentao jurdica ordinria para a argumentao constitucional. Alexy tenta refutar esta objeo

    blemas da dogmtica jurdica e da aplicao do direito sempre mais adequado que qualquer outro con-

    ceito de norma (Teoria dos direitos fundamentais, p. 51 e ss.). 71

    ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais, p. 325-326: mais honesto e convincente se a no garantia de uma proteo no mbito dos direitos fundamentais for fundamentada com base na existncia

    de direitos fundamentais de outras pessoas ou interesses comunitrios constitucionalmente protegidos. 72

    ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais, p. 324. 73

    BOROWSKI, Martin. La estructura de los derechos fundamentales, p. 135: o que parece verdadei-ramente carente de honestidade denegar a proteo a uma certa posio de direito fundamental, utili-

    zando uma teoria estrita do suporte ftico, e aduzindo sem ponderar, que dita posio se encontra exclu-

    da ab initio do mbito de proteo definitivo do direito, sem que esta negao possa ser fundamentada

    claramente na literalidade da Constituio ou na vontade do constituinte. 74

    ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais, p. 325-326: mais honesto e convincente se a no garantia de uma proteo no mbito dos direitos fundamentais for fundamentada com base na existncia

    de direitos fundamentais de outras pessoas ou interesses comunitrios constitucionalmente protegidos. 75

    ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais, p. 326.

  • 17

    fazendo uma distino entre casos de direitos fundamentais reais e potenciais. Nos casos potenciais, embora possvel, a argumentao no mbito dos direitos fundamen-tais seria dispensvel, diante da inexistncia de qualquer dvida acerca da compatibi-lidade da argumentao jurdica ordinria com os direitos fundamentais.76 Nesta viso, a teoria ampla do suporte ftico conduziria a um modelo de dois mbitos: o dos casos reais, abarcando tudo aquilo que polmico e duvidoso; e, o dos casos potenciais, em que qualquer pessoa minimamente bem-informada e razovel decidiria com total cer-teza pela no-proteo (Exemplo: A liberdade geral de ao prima facie constitucio-nalmente protegida pelo princpio da liberdade de ao. No caso de furto esse princ-pio , sem dvida, corretamente superado por princpios colidentes). A maioria das normas pertence ao mbito dos casos meramente potenciais.77

    Alexy sustenta, ainda, que em razo do postulado segundo o qual todos os pontos de vista relevantes para um determinado caso devem ser levados em conside-rao, o aumento do nmero de colises e concorrncias no seria algo necessaria-mente negativo. Para evitar uma sobrecarga no mbito da argumentao jusfunda-mental, deve-se contrapor o postulado da racionalidade, segundo o qual aquilo que no duvidoso, ou aquilo sobre o qual h consenso, no necessita de fundamenta-o.78

    A quarta crtica se dirige ao aumento exacerbado da jurisdio constitucional em detrimento, no apenas da jurisdio ordinria, mas do prprio legislador. Para refutar esta objeo, Alexy recorre aos princpios formais que fazem parte do grupo de princpios contrapostos: extrapolar ou no extrapolar determinadas competncias no depende da construo da fundamentao, mas da definio do peso dos princpios envolvidos e, com isso, do contedo da fundamentao.79

    4. CONCLUSO A anlise das duas teorias referentes extenso do suporte ftico da norma de

    direito fundamental revela que o ponto distintivo fundamental se encontra, no nos resultados a serem obtidos os quais, na maior parte das vezes sero os mesmos, mas sim no momento em que ocorre a justificao do resultado e nas diferentes estratgias utilizadas para sua definio.

    A principal tarefa das teorias de suporte ftico restrito consiste em fundamen-tar, a priori, a excluso de determinadas situaes do mbito de proteo (em sentido estrito) do direito fundamental e definir a amplitude do conceito de interveno estatal. Valem-se, para isso, de uma interpretao que busca definir o bem jurdico protegido pelo direito fundamental de modo a evitar colises com os demais direitos, tornando a ponderao aparentemente desnecessria. As normas de direitos fundamentais so concebidas com a estrutura tpica de regras.

    As teorias de suporte ftico amplo deslocam o aspecto decisivo da interpreta-o para um momento posterior, quando da argumentao desenvolvida no momento

    76

    ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais, p. 326-328: A teoria ampla do suporte ftico tem vantagens claras. Ela pode tratar os casos em que no h dvidas acerca da no-proteo como casos

    meramente potenciais, nos quais uma fundamentao no mbito dos direitos fundamentais, embora poss-

    vel, seria totalmente dispensvel. Com isso, ela evita o risco de um deslocamento excessivo da argumen-

    tao jurdica ordinria na direo de uma argumentao constitucional. 77

    ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais, p. 328-329: Se houver alguma dvida, um caso pode deixar o mbito do induvidoso, ou seja, o mbito dos casos potenciais; da mesma forma, o outrora

    duvidoso pode, por meio de deciso, argumentao e/ou prxis, deixar o mbito dos casos reais e voltar a

    ser um caso potencial. A possibilidade de ultrapassar a fronteira de um lado para outro deve permanecer

    aberta em ambos os sentidos. 78

    ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais, p. 330. 79

    ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais, p. 331.

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    da fundamentao constitucional da interveno. O foco deslocado da definio do bem jurdico protegido (mbito de proteo em sentido estrito) e daquilo que caracte-riza uma interveno para um momento seguinte: o da fundamentao constitucional da interveno.80 Ao inclurem no mbito de proteo da norma de direito fundamental tudo aquilo que milite a favor de sua proteo, acabam por lhe conferir uma estrutura de princpio, exigindo um sopesamento das razes contrapostas para se chegar a um resultado definitivo.

    A incluso, a priori, de tudo aquilo que milite em favor da proteo de um prin-cpio de direito fundamental tem uma inegvel vantagem de exigir que qualquer inter-veno no referido direito tenha que ser devidamente justificada com base em uma argumentao constitucional. A exposio das razes favorveis e contrrias exclu-so de certas situaes confere, em tese, maior transparncia ao raciocnio utilizado para fundamentar uma interveno no bem jurdico protegido pelo direito fundamental (mbito de proteo em sentido estrito). Isso permite uma maior controlabilidade dos argumentos , permitindo ainda que sejam fornecidas razes em sentido contrrio. Es-se jogo de razes e contrarrazes, ao possibilitar um dilogo intersubjetivo mais slido e consistente, parece ser o melhor caminho para se chegar a bons resultados.

    No obstante, por mais amplas que sejam as interpretaes adotadas parti-da, nem sempre se faz necessrio chegar etapa da ponderao. Em diversos casos ser possvel (e desejvel) excluir, a priori, determinadas condutas ou situaes do mbito de proteo da norma, sem que isso ocorra com base em critrios intuitivos ou pouco controlveis.81 Aqui, como em quase tudo na vida, a virtude parece estar no meio, ou seja, em teorias intermedirias capazes de excluir, a priori, determinados tipos de conduta, deixando a ponderao apenas como ltimo recurso metodolgico, para os casos em que as colises forem insuperveis pela interpretao.

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    cos. 3. ed. So Paulo: Malheiros, 2004.

    80 SILVA, Virglio Afonso da. Direitos fundamentais: contedo essencial, restries e eficcia, p. 94. 81

    Exemplificando: ainda que toda e qualquer manifestao do pensamento possa ser includa no mbito

    de proteo do enunciado normativo do art. 5, IV, no nos parece adequado dizer que se inclui no mbi-

    to de proteo da norma consagrada neste dispositivo uma manifestao que claramente se caracterize

    como racista, em face do disposto no art. 5, XLII (a prtica do racismo constitui crime inafianvel e imprescritvel, sujeito pena de recluso, nos termos da lei). Diversamente do que defende VAS, esta excluso deve ocorrer a priori, no sendo necessria a ponderao. Isso porque, uma interpretao siste-

    mtica do art. 5 no permitiria incluir esta hiptese no mbito de proteo da norma. Pensar de modo

    diverso seria esvaziar, por completo, o procedimento de interpretao que deve servir de ponte entre o

    dispositivo e a norma, o que no nos parece ser coerente com o conceito semntico de norma e, muito

    menos, uma estratgia adequada a ser adotada.

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