LEITURA OBRIGATÓRIA_SemióticaGeraldePeirce

Embed Size (px)

Citation preview

  • 8/6/2019 LEITURA OBRIGATRIA_SemiticaGeraldePeirce

    1/13

    Fundao Universidade Federal de Mato Grosso do SulDepartamento de Comunicao e ArteEspecializao em Imagem e SomDisciplina: Semitica da ImagemProfessora: Eluiza Bortolotto GhizziSemitica e a idia de semiose (2000)

    Semitica Geral de Peirce e a idia

    de Semiose

    Eluiza Bortolotto Ghizzi

    As bases da Semitica de Peirce na Fenomenologia

    A Fenomenologia, tambm nomeada por Peirce de Doutrina das Categorias ou Faneroscopia 1, adquiriupara o autor um sentido muito preciso; ele a definiu como a descrio do faneron:[...] por faneron eu entendo ototal coletivo de tudo aquilo que est de qualquer modo presente na mente, sem qualquer considerao se istocorresponde a qualquer coisa real ou no2

    Os fenmenos (fanerons) esto abertos experimentao e a fenomenologia tem por tarefa observar

    suas caractersticas, distribuindo-as em classes gerais capazes de dar conta do todo daquilo que aparece. Afenomenologia est relacionada ao modo como as coisas aparecem na conscincia, independente de sua condiode realidade. No compete Fenomenologia inventariar categorias como modos de ser da realidade, mas daaparncia; do modo como esta possvel realidade , por ns, experienciada quotidianamente. Tambm nocompete a esta cincia aquilo que particular na experincia, visto que o que a entretecer um modo geral deser que permeia toda experincia3. A Fenomenologia, de outro lado, no faz qualquer discriminao entreexperincia interior ou exterior. Assim, um sonho, uma lembrana, uma dor, um pensamento qualquer ou todo omundo exterior so igualmente fenmenos. isto que se deve entender por tudo aquilo que est de qualquermodo presente na mente4.

    Observe-se que a Fenomenologia no busca qualquer anlise especfica do fenmeno, mas apenas domodo pelo qual este aparece mente e experienciado, prescindindo, portanto, de quaisquer recursos especiais.As descobertas da Fenomenologia, como escreve Ibri, podero ser postas prova pelo prprio leitor, j que ouniverso da experincia fenomnica identifica-se com a experincia cotidiana de qualquer ser humano 5.

    Quanto s faculdades que devemos desenvolver para esta tarefa, Santaella sintetiza como sendo: [...] 1) acapacidade contemplativa, isto , abrir as janelas do esprito e ver o que est diante dos olhos; 2) saberdistinguir, discriminar resolutamente diferenas nessas observaes; 3) ser capaz de generalizar asobservaes em classes ou categorias abrangentes.6

    O termo experincia, aqui utilizado, merece algumas consideraes. Para Peirce: em filosofia, aexperincia o inteiro resultado cognitivo do viver7. E de acordo com Ibri, definir a experincia comoresultado cognitivo de nossas vidas, f-la supor capaz de semear conceitos que moldam a conduta humana.8

    O que nos leva a concluir que a Fenomenologia pretende generalizar as caractersticas de tudo aquiloque, independente de corresponder ou no realidade do mundo, incide sobre a mente e pode moldar a conduta.As grandes classes ou categorias peirceanas, relativas aos modos de ser do fenmeno em uma mente qualquer,so: primeiridade, segundidade e terceiridade. Examinemos, ento, cada uma delas:

    Primeiridade

    A primeira categoria traz em si a idia de primeiro: A prpria palavra primeiro sugere que sob estacategoria no h outro 9. idia de primeiro tambm est associada de liberdade. Livre aquilo que no

    1 IBRI, (1992), p. 4.

    2CP, 1.284, apud. IBRI, op. cit., p 4.

    3 IBRI, op. cit., p. 4.

    4 Op. cit., p. 4.

    5 Op. cit., p. 4.

    6 SANTAELLA (1983), p. 33.7CP, 7.527, apud. IBRI, Op. Cit. p. 4.

    8 IBRI, Op. Cit. p. 5.

    9 Op. Cit., p. 10.

    1

  • 8/6/2019 LEITURA OBRIGATRIA_SemiticaGeraldePeirce

    2/13

    Fundao Universidade Federal de Mato Grosso do SulDepartamento de Comunicao e ArteEspecializao em Imagem e SomDisciplina: Semitica da ImagemProfessora: Eluiza Bortolotto GhizziSemitica e a idia de semiose (2000)

    tem outro atrs de si determinando suas aes...10. A liberdade da primeiridade exemplarmente caracterizadaquando adentramos o mundo da Arte. No uma experincia incomum, diante de uma pintura, uma msica, umapea de teatro, uma obra arquitetnica, uma paisagem ... devanearmos. No prprio momento deste devaneio,parece haver um sentimento de total liberdade da mente a vagar por um mundo de mltiplas possibilidades.Como se estivssemos vivenciando uma fuso da mente com aquele objeto e com ele formssemos umaunidade.

    Em que consistiu aquele momento no podemos precisar exatamente, apenas represent-lo de algumaforma em nossa mente, como pura indeterminao, qualquer que tenha sido o objeto de nosso devaneio. evidente que quando isso ocorre, aquele estado j se foi e um outro momento presente tem lugar. quele estadode conscincia, Peirce denomina primeiridade e a pura presentidade uma das idias tpicas a ele associadas:

    Este estado de conscincia de experienciar uma mera qualidade , como uma cor ou um som,caracteriza-se por ser uma experincia imediata em que no h, para esta mesma conscincia, fluxo detempo. [...] Ela uma conscincia que, por ser o que sem referncia a mais nada, est absolutamenteno presente, na sua ruptura com passado e futuro11.As qualidades - cor, som, cheiro, textura, alegria, fria... -, quando sentidas pela mente no seu estado de

    primeiridade, no so percebidas como pertencentes a um objeto qualquer. A sensao de que esta qualidadeexiste em uma coisa que no ela mesma, j prpria da idia desegundidade.

    Segundidade

    Estamos no terreno da segunda categoria, quando quela unidade na mente, segue-se uma sensao dedualidade, dada por algo que lhe externo (segundo) e que se percebe associado quela qualidade (primeira):[...] a qualidade apenas uma parte do fenmeno, visto que, para existir, a qualidade tem de estar encarnadanuma matria12. O vermelho vermelho do sangue, da rosa; o que antes era pura impresso, percebido comopropriedade de alguma coisa. Esses fatos externos, que atingem nossos sentidos, esto ligados, portanto, snossas sensaes, e por esta razo consideramo-los como coisas reais. A nossa experincia de vida est repletade fatos externos contra os quais estamos continuamente reagindo. Enquanto a conscincia de primeiridade,

    associada idia de liberdade, transita sem discriminao pelas meras qualidades dos fenmenos, a conscinciade segundidade forada a experienciar os fatos na sua caracterstica reativa.

    Perceber este mundo que reage confrontar-se com aquilo que ope-se ao meramente aparente,imaginrio,possvel,potencial. assim que esta experincia se d como uma relao de ao e reao, vivida aum s tempo na conscincia:

    Voc tem esse tipo de conscincia de uma maneira pura, com alguma aproximao, quando coloca seuombro contra uma porta e tenta fora-la a se abrir. Voc tem um sentimento de resistncia e, ao mesmotempo, um sentido de esforo. No pode haver resistncia sem esforo; no pode existir esforo semresistncia. Eles so apenas dois modos de descrever a mesma experincia. uma dupla conscincia.13

    Este o territrio prprio daquilo que efetivamente configura-se como alteridade, outro, que reage nossa vontade. Outro, no fenmeno, aquilo que, embora pensvel, independe de ter sido pensado. Esta aconcepo peirceana de real: ele justamente o que independe do que dele pensamos.

    Parece ser evidente que, desde nossa mais precoce experincia de estar no mundo, percebemos que o

    transcurso deste mesmo mundo no se sujeita nossa vontade e, muitas vezes, contraria a idia quedele fazemos.14

    Neste territrio, est tambm toda a experincia pretrita sobre a qual no se tem qualquer podermodificador15. Considere-se que cada evento de nossa vida passada na sua individualidade, reage tambm,contra a conscincia, opondo-se sua liberdade e determinando o rumo do seu pensamento, tal qual os objetosdo mundo o fazem.

    oportuno observar, j introduzindo a terceira categoria fenomenolgica, que o conjunto de fatosindividuais da nossa experincia passada, como colocado acima, difere de uma interpretao da nossaexperincia passada. No primeiro caso, aquela experincia assume o modo de ser da segunda categoria

    10CP, 1.302, apud IBRI, Op. Cit., p. 11.

    11 IBRI, Op. Cit., p. 10, grifos nossos.

    12 SANTAELLA, (1983), p. 47.13CP, 1.324, apud. IBRI, op. cit., p. 7, grifos nossos.

    14 IBRI, op. cit., p. 7.

    15 Op. cit., p 8.

    2

  • 8/6/2019 LEITURA OBRIGATRIA_SemiticaGeraldePeirce

    3/13

    Fundao Universidade Federal de Mato Grosso do SulDepartamento de Comunicao e ArteEspecializao em Imagem e SomDisciplina: Semitica da ImagemProfessora: Eluiza Bortolotto GhizziSemitica e a idia de semiose (2000)

    (segundidade) e no segundo, o modo de ser da terceira categoria (terceiridade). Sob a segunda categoria, os fatos(passados) tem permanncia e independncia de nossa vontade. Independem do modo como os representamos:Se voc se queixar ao Passado que ele est errado e no razovel, ele se rir. Ele no confere a menorimportncia Razo. Sua fora bruta16.. Quando, entretanto, estes fatos particulares so interpretados emuma idia geral do vivido, estamos sob o terreno da terceira categoria (terceiridade).

    Terceiridade

    A terceira categoria traz a idia de um terceiro mediador entre o primeiro e o segundo. A partirdaquela relao (ao/reao), a mente tende a fazer uma mediao: a experincia de mediar entre duascoisas traduz-se numa experincia de sntese, numa conscincia sintetizadora17. Esta conscincia sintetizadorainterpe, entre o primeiro e o segundo, uma idia geral que os representa. A terceira categoria tal qual porser um Terceiro ou Meio entre um Segundo e seu Primeiro. [...] Terceiridade, como eu uso o termo, apenasum sinnimo para Representao...18. A representao interpe, entre aquela liberdade de conscincia e os fatos,

    algo inteligvel. Isso da natureza do pensamento, que parece exercer sua natural tendncia mediao:Experienciar a sntese, [...] traz consigo o sentido de aprendizagem, de deteco de um novo conceitona conscincia fazendo a mediao ser da natureza da cognio. Esta experincia como terceiro mododo fenmeno, traz, ao contrrio das experincias imediatas de primeiro e segundo, um sentido de fluxodo tempo caracterizado na urdidura do processo de cognio19.Como podemos ver, este momento em que nossa conscincia representa uma experincia passada se d

    em umprocesso na mente, que se caracteriza como umprocesso de cognio, como Ibri constata tambm aqui:Todo fluxo de tempo envolve aprendizagem; e toda aprendizagem envolve fluxo de tempo20. Este sentido defluxo de tempo que coloca idia de aprendizagem como um processo no tempo corresponde tambm idiageral de evoluo.

    O vnculo entre mediao (terceiro modo de ser fenomnico), aprendizado e evoluo, como processosno tempo, fica mais evidente quando consideramos a continuidade do pensamento. A conscincia de qualidade -sem qualquer relao ou anlise - primeira, a conscincia do outro - que real e que reage - segunda, e a

    conscincia sintetizadora - que aprende - terceira. Tais estados da conscincia participam de um processo queenvolve fluxo de tempo. No h dvida que o curso da vida est repleto de experincias desta natureza e evidente que tudo isto est de algum modo interligado. Para Peirce, isto s possvel porque h umacontinuidade do pensamento.

    Vimos nesta passagem pela Fenomenologia que qualquer fenmeno, interno ou externo, para sercompreendido, deve produzir uma representao mental ou idia geral. Isto da natureza do pensamento, queverificamos estar sob a terceira categoria. Cabe, aqui, salientar que os estados de conscincia caracterizados naFenomenologia no devem ser entendidos como isolados: enquanto pensamos, estamos simultnea econtinuamente, sentindo e reagindo contra o mundo a nossa volta. Prosseguindo, busquemos compreendermelhor o que se pode entender por uma idia gerale sua gerao, bem como sua relao com aquilo que elarepresenta. Este propsito, entretanto, nos leva a passar da Fenomenologia Semitica.

    Semitica

    A Fenomenologia, como primeira das cincias da Filosofia, constitui a base de todo o pensamentofilosfico de Peirce. A descoberta das trs categorias universais de toda experincia e todo pensamento, lembraSantaella, fez parecer ao prprio Peirce fantasia absurda e detestvel reduzir toda multiplicidade e diversidadedos fenmenos ao nmero de trs e, sobretudo, a uma gradao 1, 2, 3. 21. Entretanto, o prprio autor acaba

    16CP, 2.84, apud. IBRI, op. cit., p. 8.

    17 IBRI, op. cit., p. 13.

    18CP

    , 5.105, apud. IBRI, op. cit., p. 15.

    19 IBRI, op. cit., p. 14.

    20 CP, 7.536, apud. IBRI, op. cit., p. 14.

    21 SANTAELLA (1983), p. 35, grifos nossos.

    3

  • 8/6/2019 LEITURA OBRIGATRIA_SemiticaGeraldePeirce

    4/13

    Fundao Universidade Federal de Mato Grosso do SulDepartamento de Comunicao e ArteEspecializao em Imagem e SomDisciplina: Semitica da ImagemProfessora: Eluiza Bortolotto GhizziSemitica e a idia de semiose (2000)

    convencido de sua descoberta, tendo, como escreve Ibri, demonstrado, em mais de uma passagem, suairredutibilidade e suficincia22.

    A fim de comprovar a veracidade das categorias, o autor realizou diversos estudos, tendo encontradosuas correspondentes em outras cincias, da lgica e psicologia, metafsica, fisiologia e fsica.23Na Lgica,ou Semitica (Lgica em sentido amplo), reside grande parte do potencial desta filosofia para as demaisinvestigaes e, especialmente, para o estudo das linguagens de um modo geral.

    O pesquisador, na Fenomenologia, busca estudar os aspectos mais gerais do modo como o mundoaparece: Como cincia das aparncias, a Fenomenologia nada afirma sobre o que , nem sobre o que deve ser,prescindindo, por isso, de uma Lgica que valide seus argumentos; ela apenas constata aquilo que est de modoubquo diante da conscincia.24

    Como podemos ver, a Fenomenologia no tem qualquer compromisso direto com um mundo real, oucom a busca desta realidade. O inventrio da Fenomenologia apenas pode nos levar a pensar como o mundopode ser, a partir do modo como ele aparece. O caminho para a verdade das coisas, na Filosofia ou em qualquercincia, requer um raciocnio capaz de conduzir tal busca, um raciocnio correto. A Lgica, como Peirce aconcebeu, insere-se neste ponto, como o ramo da Filosofia que tem por tarefa investigar aquilo que de um modogeral, determina como deve sernosso raciocnio para que ele seja correto.

    A Lgica, ou Semitica ocupa, na classificao das cincias de Peirce, o lugar da terceira das cinciasnormativas, ao lado da Esttica e da tica 25. Como observa Santaella26, em toda a classificao das cincias dePeirce, e tambm na ordenao das cincias normativas, h uma importante correspondncia com as categoriasuniversais inventariadas na Fenomenologia. Assim, Esttica, tica e Lgica mantm relaes com aprimeiridade, segundidade e terceiridade, respectivamente. Lgica, coube uma correspondncia com a terceiracategoria e, portanto, com aquilo que da natureza do pensamento. Na sua condio de cincia normativa,evidencia-se, como escreve Ibri, o aspecto normativo em ...lgica a teoria do raciocnio correto, de como oraciocnio deve ser, no de como ele ...27

    Esta concepo do carter normativo da Lgica pode ser tambm compreendida, como escreveSantaella, diferenciando-se entre Lgica utens e Lgica docens28:

    Peirce achava que qualquer pessoa, na vida comum, tem um instinto para o raciocnio ou hbitos deraciocnio com os quais forma sua opinio relativa a muitos assuntos de grande importncia. Alis,para tpicos vitalmente importantes e prticos, no h nada melhor do que uma Lgica do bom senso,

    guiada pela sensibilidade e sentido de eficcia. No apenas temos um instinto de raciocnio, comopossumos uma teoria instintiva dos raciocnios. Essa teoria, anterior e independente de qualquerestudo sistemtico do assunto, se constitui na Lgica utens, ou lgica implcita do homem comum.No entanto, quando o homem se defronta com fatos surpreendentes, no usuais, que reclamam por umacapacidade inventiva, generalizao, teoria, [que], em sntese, exigem aperfeioamento do estado decoisas, a Lgica utens no suficiente, embora ela nos leve a adivinhar corretamente em muitos casos. nesse momento que o estudo dos processos de raciocnio e a investigao dos mtodos, que nos demmais confiana e apressem o avano de nosso conhecimento para os resultados desejados, soexigidos. Essa a Lgica docens.29

    Esta distino, paralelamente ao fato de nos aproximar da concepo da Lgica em Peirce, , tambm,evidenciadora do amplo papel que a Lgica est apta a desempenhar nas mais diversas reas de investigao. Apar desta primeira distino, todavia, outra se faz necessria, para entendermos a Lgica como Semitica; e istopodemos fazer mostrando que h dois sentidos possveis para a Lgica, tal como encontrados nos escritos de

    Peirce: No sentido mais estreito, a cincia das condies necessrias para se atingir a verdade . No sentidomais amplo, a cincia das leis necessrias do pensamento , ou melhor (o pensamento sempreocorrendo por meio de signos), a Semitica geral, que trata no apenas da verdade, mas tambm dascondies gerais dos signos sendo signos...tambm das leis de evoluo do pensamento, que coincide

    22 IBRI, (1992), p. 6.

    23 SANTAELLA, (1995), p. 17.

    24 IBRI, op. cit., p. 20.

    25 Sobre as relaes entre Esttica, tica e Lgica, consultar SANTAELLA (1992), pp. 101-140.

    26 Op. cit., pp. 101-140.27 CP, 2.7, apud. IBRI, op. cit., p. 23.

    28 SANTAELLA, (1992), p. 124.

    29 Op. cit., p. 124.

    4

  • 8/6/2019 LEITURA OBRIGATRIA_SemiticaGeraldePeirce

    5/13

    Fundao Universidade Federal de Mato Grosso do SulDepartamento de Comunicao e ArteEspecializao em Imagem e SomDisciplina: Semitica da ImagemProfessora: Eluiza Bortolotto GhizziSemitica e a idia de semiose (2000)

    com o estudo das condies necessrias para a transmisso de significado de uma mente a outra, e deum estado mental a outro.30

    Santaella, no seu livro O que Semitica, escreve: O nome Semitica vem da raiz grega semeion,que quer dizer signo. Semitica a cincia dos signos31; e ainda A Semitica a cincia geral de todas aslinguagens32. Este paralelo entresigno e linguagem, entretanto, s poder ser compreendido adequadamente seentendermos o termo linguagem do modo mais amplo possvel e, principalmente, se no o restringirmos quelasexpresses por meio de palavras, verbalizadas ou escritas com base na lngua de um povo. Estas, emboraindubitavelmente importantes para a idia de linguagem, cobrem apenas uma parte do que este termo est apto arepresentar. Considere-se que podemos nos referir a inmeras linguagens prprias do homem ou, mesmo, alheiasa ele. Temos a linguagem musical, pictrica, escultrica, arquitetnica, matemtica, de mquina, gestual, dospssaros, do tempo, etc. As linguagens, assim entendidas, permeiam o mundo em todas as instncias e noapenas a vida do homem, como um sentido estrito do termo poderia levar a entender.

    A Semitica aplica-se, ento, ao estudo da linguagem nas mais diversas reas e aos seus processossignificativos. Peirce no desenvolveu nenhuma semitica aplicada, a exemplo de uma semitica da arte oumesmo da cultura. Pelo contrrio, a cincia que desenvolveu uma cincia abstrata, que se preocupou com ossignos e os processos sgnicos de um modo geral e no com um ou outro em particular. E exatamente esta suageneralidade que a torna apta a embasar investigaes em campos to diversos, como os mencionados por Nth:

    Frente ao desenvolvimento de uma rea de investigaes que se estende da semitica da arquitetura,da biosemitica ou da cartosemitica at a zoosemitica, uma resposta possvel e pluralista frente questo [o que semitica?] : a semitica a cincia dos signos e dos processos significativos(semiose) na natureza e na cultura.33

    A escritura de Nth refora a idia de que, em linhas gerais, a Semitica no est apenas preocupadacom a identificao dos tipos possveis de signos, mas, tambm, com seus processos significativos ou com assemioses possveis. na idia de semiose que Peirce localiza aquilo que chamou de ao do signo e que d basepara o entendimento de como, de um modo geral, as linguagens crescem.

    Signo

    Frisamos este aspecto, ainda que vagamente, a fim de justificarmos porque, dentre tantas definies de

    signo formuladas por Peirce, elegemos para iniciar sua discusso exatamente aquela que Santaella considerou amais ricamente evidenciadora da trama lgica da semiose34:

    Umsigno intenta representar, em parte (pelo menos), um objeto que , portanto, num certo sentido, acausa ou determinante do signo, mesmo que o signo represente o objeto falsamente. Mas dizer que elerepresenta seu objeto, implica que ele afete uma mente, de tal modo que, de certa maneira, determinanaquela mente algo que mediatamente devido ao objeto. Essa determinao da qual a causa imediataou determinante o signo e da qual a causa mediata o objeto pode ser chamada de interpretante.35

    Entenda-se por signo algo que tem existncia sempre na relao com uma mente receptora e no umobjeto qualquer exterior a essa mente. O signo participa de um processo mental; o modo pelo qual uma menteestabelece contato com as coisas do mundo. E um signo s pode ser signo se puder representar, estar no lugar dealguma coisa (seu objeto) para uma mente qualquer, ainda que falsamente.

    Guardemos da definio de Peirce, por enquanto, o seguinte: 1 - a idia de que o signo s signo sehouver um objeto; 2 - que ele no o objeto, mas um modo de manifestao deste; 3 - que ele s representa o

    objeto parcialmente (pois representar o objeto totalmente os faria iguais: signo = objeto); 4 - para representar, osigno precisa de um intrprete (que no necessariamente um indivduo) e 5 - o signo deve causar, na mentedesse intrprete, um processo que o relacione (signo - primeiro) com seu objeto (segundo), ou seja, ambosdevem causar um interpretante (terceiro).

    A fim de contribuirmos para a clareza destas idias, preciso conhecer qual a concepo peirceana deobjeto e de interpretante, e em que condies participam desta representao mental. Peirce referiu-se ao objetodo signo da seguinte maneira:

    30 CP, 1.444, apud. SANTAELLA, op. cit., p. 132.

    31 SANTAELLA, (1983), p. 7.

    32 Op. cit., p. 7.33 NTH, (1995), p. 19.

    34 SANTAELLA, (1992), p. 189.

    35 CP, 6.347. Citado em SANTAELLA, op. cit., p. 189, grifos nossos.

    5

  • 8/6/2019 LEITURA OBRIGATRIA_SemiticaGeraldePeirce

    6/13

    Fundao Universidade Federal de Mato Grosso do SulDepartamento de Comunicao e ArteEspecializao em Imagem e SomDisciplina: Semitica da ImagemProfessora: Eluiza Bortolotto GhizziSemitica e a idia de semiose (2000)

    Ora, por um objeto, sem especificar se o objeto de um signo, ou da ateno, ou da viso etc. [...] euquero dizer qualquer coisa que chega mente em qualquer sentido; de modo que qualquer coisa que mencionada ou sobre a qual se pensa um objeto.36

    e ainda,[...] deve-se considerar que o uso comum da palavra objeto como significando uma coisa tambmincorreto. O nome objectum entrou em uso no sculo XIII como um termo da psicologia. Ele significaprimariamente aquela criao da mente na sua relao com algo mais ou menos real, criao esta quese torna aquilo para o qual a cognio se dirige; e secundariamente um objeto aquilo sobre o qualum esforo desempenhado; tambm aquilo que est acoplado a algo numa relao, e maisespecialmente, est representado como estando assim acoplado; tambm aquilo a que qualquer signocorresponde.37

    Da noo de objeto como uma criao da mente, temos que, aquilo que est na mente, como sendoobjeto do signo, pode muito bem ser uma fico. Todavia, a mente s realiza esta criao (fico ou no), narelao com algo mais ou menos real. E este algo deve ser um existente qualquer. Desta distino, entre aquiloque se apresenta mente (que est no signo) e aquilo que lhe externo (o mundo real), Peirce constri adistino entre o que chamou de objeto imediato e objeto dinmico: O objeto tem plenamente duas faces. OObjeto Dinmico o Objeto Real [...]. O Objeto Imediato o Objeto apresentado no Signo 38. O que chamamosde objeto imediato (aquilo que est dentro do signo, representao mental), o modo como o objeto dinmico(que est fora do signo e que, de algum modo, o determina) est nele representado. Se tivermos em conta nossoolhar para uma coisa qualquer, como um mapa, por exemplo, aquilo que imediatamente captado pelo olharem um lapso de tempo e que nos permite uma primeira interpretao daquilo a que o mapa se refere. Este umexemplo de objeto, mais prximo da acepo comum do termo. Contudo, aceitar a concepo adotada por Peirce aceitar que coisas de naturezas diferentes tambm podem ser objeto do signo. Assim, mesmo um pensamentotambm est, potencialmente, apto a afetar uma mente qualquer. Um pensamento, embora seja mental, entendido como objeto do signo se considerarmos que, entre aquilo que o pensamento e o modo como seapresenta a uma mente qualquer, em um dado momento, aplica-se a mesma distino existente entre o objetodinmico e o objeto imediato.

    O outro componente do signo, o interpretante, tambm recebeu, na Semitica peirceana, uma nooprpria. Porinterpretante do signo, no devemos entenderaquele que interpreta. A este, poderemos chamar de

    intrprete. Tambm no se poder limitar o entendimento do interpretante do signo quilo que chamamos deinterpretao. A principal diferena, neste caso, est no fato de que a idia de interpretante est associada a umapropriedade do signo, que extrapola a mera interpretao. Esta ltima , j, restrita atividade mental de umindivduo particular, depende dele:

    O interpretante uma criatura do signo que no depende estritamente do modo como uma mente subjetiva, singular possa vir a compreend-lo. O interpretante no , ainda o produto de umapluralidade de atos interpretativos, ou melhor, no uma generalizao de ocorrncias empricas deinterpretao, mas um contedo objetivo do prprio signo.39

    Vimos na definio de signo, que o interpretante uma determinao do signo, assim como o signo uma determinao do objeto. H aqui duas determinaes. Retomemos, neste ponto, a definio de signo, paramostrar, com clareza, o seguinte: no processo de representao, o signo primeiro. Embora sofra umadeterminao do objeto, aquilo que imediatamente est na mente, que representa para esta mente o objeto, osigno. O objeto afeta a mente, mediatamente, atravs do signo. O signo, por sua vez, tem a propriedade de gerar,

    naquela mente, uma idia que deve ser lida como resultado de um vetor lgico que vai do objeto idia e no daidia ao objeto. Assim entendido, o interpretante no algo que um individual qualquer imponha ao signo e aoseu objeto, mas que o objeto, ele mesmo, atravs do signo (mediado pelo signo), est potencialmente apto adeterminar. Usamos o termo potencialmente, aqui, para evidenciar que aquilo que chamamos de interpretantedo signo se constitui no todo daquilo que ele est apto a determinar e no apenas no que ele efetivamentedetermina em uma mente particular.

    Vimos, nas primeiras constataes a partir da definio de signo que, para representar, o signo precisade um intrprete. Dizer que o signo precisa de um intrprete o mesmo que dizer que ele precisa de umainterpretao,pois tal o papel do intrprete. A ausncia desses elementos, entretanto, no significa que o signono existe; pelo contrrio, sua existncia independe do fato de qualquer pessoa40vir a interpret-lo ou no.

    36 L. 482, apud. SANTAELLA, (1995), p. 47.

    37 MS 693, p. 60, apud. SANTAELLA, op. cit. p. 47.38 MS 339 D, p. 533, apud. SANTAELLA, op. cit., p. 53.

    39 SANTAELLA, op. cit., p. 85.

    40 Usaremos, eventualmente, o termo pessoa ou homem no lugar de intrprete, a fim de tornarmos determinadas explicaes

    6

  • 8/6/2019 LEITURA OBRIGATRIA_SemiticaGeraldePeirce

    7/13

    Fundao Universidade Federal de Mato Grosso do SulDepartamento de Comunicao e ArteEspecializao em Imagem e SomDisciplina: Semitica da ImagemProfessora: Eluiza Bortolotto GhizziSemitica e a idia de semiose (2000)

    Isso tudo, primeira vista, pode parecer um paradoxo: de um lado, o signo tem independncia e, deoutro, depende do fato de que algum o interprete. Desfaz-se a impresso do paradoxo, entendendo que, de umlado, o signo est no mundo, como algo virtual, em relao a uma mente qualquer, podendo vir a se realizar aqualquer momento. Como tal tem em si todas as caractersticas definidas at ento. De outro lado, um signodeixa de ser meramente virtual quando, de fato, afeta uma mente qualquer; quando algum, um intrprete (ou umconjunto de intrpretes) entra em ao. E quando realiza na mente desse intrprete aquilo que est apto arealizar: um interpretante. Isto o mesmo que dizer que o funcionamento do signo, como tal, depende dainterpretao.

    Isto nos leva a compreender divises sutis do interpretante, tais quais aquelas que se mostraramnecessrias entre objeto dinmico e imediato. Na noo de signo virtual, h a de um interpretante virtual quepode vir a se realizar. Quando da ao do signo em uma mente interpretadora, este interpretante se realiza emuma interpretao qualquer. Essa interpretao, embora sofra uma determinao do signo, no , na suaparticularidade, o todo daquilo que o signo est apto a representar (ou conjunto dos interpretantes possveis), masaquilo que, na mente interpretadora, se realiza a partir do signo. Est relacionado a caractersticas particularesdesta mente, que por sua vez exercem uma determinao na escolha do interpretante que ir se realizar.

    A fim de tornarmos isso mais claro, retomemos o exemplo daquele nosso olharpara um mapa qualquer.Traduzido no modo pelo qual conhecemos aquilo a que o mapa se refere, o mapa (ou aquilo que nossa mentecapta dele para a interioridade) pode ser entendido como um signo. Se pudssemos isolar o pequeno fragmentode tempo em que o primeiro signo afetou nossa mente, identificaramos, neste ato singular, a primeira realizaodo interpretante. bvio que qualquer que seja nossa interpretao do mapa naquele momento, ela est longedaquela que um olhar mais prolongado pode nos levar a realizar. E ainda, quanto mais nosso olhar se demora nosigno, mais interpretantes podero ter lugar, podendo o intrprete associ-los em uma idia geral do lugar cadavez mais completa. Esta idia geral tende a, cada vez mais, aproximar-se do todo que o signo est apto arepresentar, ou da realidade que ele, o signo, intenta representar.

    Vemos, nesse exemplo, ressaltados trs momentos do interpretante que podem nos ajudar acompreender as divises do interpretante em: imediato, dinmico e final. Estas denominaes correspondem amomentos do interpretante, a estgios da evoluo do interpretante, e esto relacionadas s categoriasfenomenolgicas: imediato (primeiridade), dinmico (segundidade) e final (terceiridade)41.

    Santaella, em A Teoria Geral dos Signos, traduz vrias passagens da obra de Peirce que podem

    elucidar esta diviso tridica do interpretante. O interpretante imediato, como sua relao com a primeiracategoria j pode nos levar a concluir, uma abstrao consistindo numa possibilidade42ou, [...] consiste naQualidade da Impresso que um signo est apto a produzir, no diz respeito a qualquer reao de fato 43.Reao um termo prprio quilo que est associado ao interpretante dinmico: O Interpretante Dinmico qualquer interpretao que qualquer mente realmente faz do Signo. Este interpretante deriva seu carter dacategoria didica, a categoria da ao [...] O significado de qualquer Signo sobre algum consiste no modocomo esse algum reage ao signo44. E ainda: Meu interpretante Dinmico aquilo que experienciado emcada ato de interpretao e em cada um diferente daquele de qualquer outro [...] O interpretante dinmico um evento real, singular45.

    Observe-se que, no toa, os termos imediato e dinmico, usados na denominao dos doisprimeiros nveis de interpretante so igualmente, utilizados da diviso do objeto do signo. O interpretanteimediato, assim como o objeto imediato, tem existncia dentro do signo, na sua independncia da interpretao ena sua condio potencial, prpria daquilo que da primeira categoria. O interpretante dinmico, assim como o

    objeto dinmico tem, no seu carter de realidade, a ligao com a segunda categoria fenomenolgica.Finalmente, ao terceiro nvel do interpretante, denominado interpretante final, fica destinada acorrespondncia com a terceira categoria fenomenolgica: Meu Interpretante Final o efeito que o Signoproduziria sobre uma mente em circunstncias que deveriam permitir que ele extrojetasse seu efeito pleno46Grifamos os termos produziria e pleno, a fim de ressaltar que este terceiro interpretante deve ser associado aalgo futuro e a um efeito ideal. A noo de que h algo que tende para um futuro ideal, requer que pensemos em

    mais prximas da experincia de cada um, embora o termo intrprete, em Semitica, tenha um sentido mais amplo, podendo

    haver intrpretes que no sejam humanos, tais como animais, clulas, etc.

    41 SANTAELLA, op. cit., p.91.

    42 SS, p. 111, apud. SANTAELLA, op. cit., p. 96.

    43 SS, P. 110, apud. SANTAELLA, op. cit., p. 96.44 8.315, apud. SANTAELLA, op. cit., p. 98.

    45 SS, p. 111, apud. SANTAELLA, op. cit., p. 98.

    46 SS, p. 110, apud. SANTAELLA, op. cit., p. 99, grifos nossos.

    7

  • 8/6/2019 LEITURA OBRIGATRIA_SemiticaGeraldePeirce

    8/13

    Fundao Universidade Federal de Mato Grosso do SulDepartamento de Comunicao e ArteEspecializao em Imagem e SomDisciplina: Semitica da ImagemProfessora: Eluiza Bortolotto GhizziSemitica e a idia de semiose (2000)

    algo que evolui, que muda e se atualiza. Em Filosofia, a idia de atualidade est associada de ato e deatividade:

    A mudana, que para Aristteles apenas uma forma de movimento, seria ininteligvel se o objeto quemuda no possusse, em algum sentido, a potencialidade de mudar. A mudana , pois, a passagem deum estado de potncia ou potencialidade a outro de ato ou atualizao de uma substncia. Podemosdefinir a mudana como a realizao do que existe em potncia enquanto est em potncia.47

    Tendo isso em mente verifiquemos que embora o interpretante final no se confunda com ointerpretante imediato - cuja caracterstica principal sua potencialidade - ou com o interpretante dinmico - quese caracteriza por ser o modo pelo qual aquela potencialidade se realiza em um ato concreto, singular e atual -,tambm no pode prescindir de ambos para existir na sua idealidade. O ideal do interpretante final pode sercompreendido, ento, como aquilo para o qual a contnua realizao da potencialidade do signo tende. Arealizao da potencialidade do signo aquilo que chamamos de ao do signo, que se d na relao com umamente interpretante, em cada ato de interpretao. Cada ato de interpretao , portanto, um estgio deatualizao do interpretante; o que nos leva a compreender por que o interpretante que caracteriza este ato chamado dinmico, uma vez que muda constantemente.

    Note-se ainda que o interpretante dinmico, o nico que tem existncia, apenas o modo como o signose atualiza. Isso o mesmo que dizer que o prprio signo existindo realmente em uma mente. Sendo assim, ointerpretante , ele mesmo um signo representado que Peirce chamou de signo interpretante. Este signointerpretante, todavia realiza a potencialidade do signo apenas em parte, visto que o todo desta potencialidade algo ideal, aproximvel, mas inatingvel48. Dizer que o interpretante realiza a potencialidade do signo apenasem parte dizer que ele representa o objeto do signo apenas parcialmente. Aquele signo, ento, agoratransformado em um signo interpretante, ainda carrega em si uma potencialidade para realizar-se. Potencialidadeesta que se realiza de fato sempre que uma mente interpretante estiver presente. Deste modo, um signo sempre seatualiza em um novo signo interpretante, que sempre uma representao (signo) cada vez mais complexa doobjeto do primeiro signo:

    Um signo, ou representmen, aquilo que, sob certo aspecto ou modo, representa algo para algum.Dirige-se a algum, isto , cria, na mente dessa pessoa, um signo equivalente, ou talvez um signo maisdesenvolvido. Ao signo assim criado denomino interpretante do primeiro signo. O signo representaalguma coisa, seu objeto. Representa esse objeto no em todos os seus aspectos, mas com referncia a

    um tipo de idia que eu, por vezes, denominei fundamento do representmen.49

    A esta ao do signo que o leva a transformar-se sempre em um signo mais complexo, Peirce chamoude semiose. Nesta definio de Signo, o autor refere-se ao que chamou de fundamento do signo ourepresentmen , associando-o idia, indicando que na seqncia de signos de uma semiose, embora cadasigno guarde diferenas em relao aos demais visto que cada um tende a ser mais definido que o anterior, hentre eles uma similaridade que possibilita caracterizar a semiose como a continuidade de uma idia:

    Idia deve aqui ser entendida num certo sentido platnico, muito comum no falar cotidiano; refiro-me quele sentido em que dizemos que um homem pegou a idia de um outro homem; em que, quandoum homem relembra o que estava pensando anteriormente, relembra a mesma idia, e em que, quandoum homem continua a pensar alguma coisa, digamos por um dcimo de segundo, na medida em que opensamento continua conforme consigo mesmo durante esse tempo, isto , a ter um contedo similar, a mesma idia e no, em cada instante desse intervalo, uma nova idia.50

    A semiose um processo contnuo sempre buscando aproximar a representao ao objeto. Ocorre,

    ento, que nosso conhecimento do objeto cresce com a semiose:A ao do signo s se consuma no momento em que ele determina um interpretante, isto , no momentoem que ele gera um outro signo. Este novo signo-interpretante ter como objeto tanto o signo do qualele se gerou, quanto o objeto original, passando ambos a compor um objeto complexo. Concluso, oobjeto no esttico e inerte, mas cresce com a semiose.51

    Este o processo pelo qual o pensamento adquire conhecimento, atualiza-se e evolui. E, como se podefacilmente deduzir, tambm um processo temporal, tal qual aquele que est na idia de terceiridade.

    O processo aqui dissecado se d infinita e ininterruptamente num continuum. Sua lgica pressupecontinuidade do processo, sempre gerando idias mais complexas. Entender isso, que o conhecimento cresce, ver reafirmada sua incompletude - a incompletude dos interpretantes. Em outras palavras, a incompletude dasnossas representaes acerca de alguma coisa e, conseqentemente, do nosso conhecimento. constatar nossa

    47 MORA, (1994), p. 55.

    48 SANTAELLA, op. cit., p 99.49 PEIRCE, (1977), p. 46, pargrafo 228.

    50 Op. cit., p 46, pargrafo 228.

    51 SANTAELLA, (1992), p. 190.

    8

  • 8/6/2019 LEITURA OBRIGATRIA_SemiticaGeraldePeirce

    9/13

    Fundao Universidade Federal de Mato Grosso do SulDepartamento de Comunicao e ArteEspecializao em Imagem e SomDisciplina: Semitica da ImagemProfessora: Eluiza Bortolotto GhizziSemitica e a idia de semiose (2000)

    condio de seres em permanente aprendizado diante do mundo. Podemos viver centenas de anos e nuncateremos parado de aprender, no porque no tenhamos nos esforado o suficiente, mas porque isto foge ao nossocontrole. E foge ao nosso controle porque esta uma lei do mundo, que independe da nossa vontade e sequer danossa existncia enquanto indivduos.

    Apreendemos o signo, na instncia do interpretante dinmico que nas palavras de Santaella, [...] onico interpretante que funciona diretamente num processo comunicativo52. Nessa instncia, o signo pode serrepresentado, gerar interpretantes de naturezas diferentes, de acordo com seu fundamento, de um lado, e com seuintrprete, de outro. Se tivermos em conta que o signo no o objeto, mas um modo de manifestao deste e,ainda, que o objeto do signo aquilo que tem realidade e que o signo aquilo que est na mente, podendo noslevar a alguma forma de conhecimento da realidade (ainda que parcial ou falsamente), teremos, de acordo comaquilo que est na Fenomenologia, uma aproximao da idia de fenmeno (faneron) com a de signo.

    A classificao dos signos

    Dentre seus estudos Peirce destacou trs tipos (tridicos) de diviso dos signos, que so os mais gerais.1) signo em si mesmo

    2) signo - objeto dinmico3) signo - interpretanteAssim, conforme a primeira diviso, um signo pode ser um Qualissigno, uma qualidade que um

    Signo; um Sinssigno, cuja slaba sin considerada em seu significado de uma nica vez, como em singular[...] [e que ] uma coisa ou evento existente e real que um signo. Ou, ainda, um Legissigno, que uma leique um Signo.

    1.1) Qualissigno1.2) Sinssigno1.3) Legissigno

    A segunda tricotomia a que divide os signos em cones, ndices e smbolos, conforme o signo refira-sea seu objeto dinmico:

    O cone no tem conexo dinmica alguma com o objeto que representa; simplesmente acontece que

    suas qualidades se assemelham s do objeto e excitam sensaes anlogas na mente para a qual umasemelhana. Mas, na verdade, no mantm conexo com elas. O ndice est fisicamente conectado comseu objeto; formam ambos um par orgnico, porm a mente interpretante nada tem a ver com essaconexo, exceto o fato de registr-la depois de ter sido estabelecida. O smbolo est conectado a seuobjeto por fora da idia da mente-que-usa-o-smbolo, sem a qual essa conexo no existiria.

    2.1) cone2.2) ndice2.3) Smbolo

    Para a terceira tricotomia, da relao do signo com seu interpretante, ou, ao nvel do raciocnio, o signopode ser denominado Rema, Dicente (ou Dicissigno) ou Argumento. Um Rema um Signo que, para seuInterpretante, um Signo de Possibilidade qualitativa, ou seja, entendido como representando esta ou aquelaespcie de objeto possvel. Um Dicente um Signo que, para seu Interpretante, um Signo de existncia reale um Argumento um Signo que, para seu Interpretante Signo de Lei.

    3.1) Rema3.2) Dicente3.3) Argumento

    Os nmeros 1, 2 e 3 devem sempre ser associados s trs categorias fenomenolgicas. Uma regra acercados signos que podemos retirar da Fenomenologia est na noo de que aquilo que primeiro pode prescindir doque segundo e do que terceiro. Aquilo que segundo, por outro lado, pode prescindir do que terceiro, masno do que primeiro, sem deixar de ser segundo. Aquilo que terceiro, por sua vez, no pode prescindir nemdo primeiro, nem do segundo, sem deixar de ser terceiro. Esta regra nos leva tambm ao seguinte: a apreensodos signos de segundidade (2), pressupe a dos signos de primeiridade (1); e a apreenso de um signo deterceiridade (3), pressupe tanto a do signo de segundidade (2), quanto a do de primeiridade (1). As trstricotomias, combinadas de acordo com as possibilidades lgicas, do origem s dez classes de signos, estudadaspor Peirce.

    A segunda das tricotomias considerada por Peirce como a diviso mais importante dos signos,classificando-os em cones, ndices e Smbolos. Baseada na categoria fundamental da segundidade, a segunda

    52 SANTAELLA, (1995), p. 98.

    9

  • 8/6/2019 LEITURA OBRIGATRIA_SemiticaGeraldePeirce

    10/13

    Fundao Universidade Federal de Mato Grosso do SulDepartamento de Comunicao e ArteEspecializao em Imagem e SomDisciplina: Semitica da ImagemProfessora: Eluiza Bortolotto GhizziSemitica e a idia de semiose (2000)

    tricotomia descreve os signos sob o ponto de vista das relaes entre representmen e objeto. [...] Os trselementos que a compe so determinados conforme as trs categorias fundamentais.

    coneO cone, como Peirce o descreveu , um Signo cuja virtude significante se deve apenas sua

    qualidade Sendo assim, ele mesmo uma qualidade.Esta qualidade (que um signo), entretanto, s pode estar no lugar de outra (seu objeto) por uma

    relao de semelhana. Se algum, por exemplo, faz um crculo em um papel e no temos qualquer indicativoquanto ao que est se referindo, este crculo pode nos remeter idia de um sol, uma lua, uma bola ou prpriafigura geomtrica do crculo. Circular o modo como qualquer um desses objetos nos aparece, sob determinadasperspectivas. E uma figura circular pode referir-se a qualquer um deles ou a muitos outros; nada h, naquelecrculo, que o obrigue a referir-se apenas ao sol ou lua ou a qualquer outra coisa.

    Peirce escreve que qualquer coisa, seja uma qualidade, um existente individual ou uma lei, cone dequalquer coisa, na medida em que for semelhante a essa coisa e utilizado como um seu signo. Isso o mesmoque dizer que um qualissigno, um sinssigno ou um legissigno podem, igualmente, ser um cone. O autor,

    entretanto, faz uma distino entre o qualissigno, que um cone, e os demais. Uma simples possibilidade umcone puramente por fora de sua qualidade e seu objeto s pode ser uma Primeiridade. Sendo assim, emsentido estrito, apenas um qualissigno poderia ser um cone. E ao qualissigno que um cone, Peirce chamou decone puro. Um cone puro ento, seria uma qualidade de uma qualidade ou uma possibilidade de umapossibilidade; o que na realidade no existe na lgica. No dizemos, por exemplo, que um sentimento ainda nodefinido, que ainda pura presentidade, pode ser belo, mas que um existente qualquer nos parece belo, como obelo da face de algum ou da flor e assim por diante.

    Como tais fenmenos de iconicidade reduzida primeiridade no ocorrem na realidade semiticacotidiana [...] Peirce tambm define a idia de um cone puro como sendo um caso de degenerao semitica. Um cone puro seria, pois, um signo degenerado - no no sentido de uma avaliaopejorativa - mas no sentido de estar restrito a participar de apenas um constituinte do signo.Porm, h um sentido mais amplo em que um signo pode ser icnico, isto , pode representar seu

    objeto principalmente atravs de sua similaridade, no importa qual seja seu modo de ser. nesse espao que

    se inserem ossinssignos e legissignos que so cones, sob a denominao de hipocones:Aps esses comentrios sobre a impossibilidade de iconicidade pura, temos de chegar realidadecotidiana dos cones que so signos genunos. Em contraposio ao cone puro, Peirce tambm sereferiu aos cones que participam na segundidade e na terceiridade, denominando-os hipocones[...].Um hipo-cone um sin-signo icnico ou um legi-signo icnico.53

    Hipocones

    Nos seus escritos, Peirce refere-se a eles da seguinte forma:Os hipocones, grosso modo, podem ser divididos de acordo com o modo de Primeiridade de queparticipem. Os que participam das qualidades simples, ou Primeira Primeiridade, so imagens; os querepresentam as relaes, principalmente as didicas, ou as que so assim consideradas, das partes de

    uma coisa atravs de relaes anlogas em suas prprias partes, so diagramas; os que representam ocarter representativo de um representmem atravs da representao de um paralelismo com algumaoutra coisa, so metforas.Acerca das imagens, Santaella analisa:A expresso primeiras primeiridades deve provavelmente significar que a representao na imagemse mantm em nvel de mera aparncia. So as qualidades primeiras - forma, cor, textura, volume etc. -que entram em relaes de similaridade e comparao, tratando-se, portanto, de similares naaparncia.

    [...] uma importante propriedade, peculiar ao cone a de que, atravs de sua observao direta,outras verdades relativas a seu objeto podem ser descobertas alm das que bastam para determinarsua construo.O mesmo se pode observar quanto ao diagrama. Diante de um grfico qualquer como, por exemplo,

    aqueles que esto disponveis nos mais diversos programas de computador, muitas coisas podem ser observadas.Eles, por si s, at que no funcionem como um signo, no representam qualquer coisa em especfico. Masqualquer um que os observe pode associ-los a alguma coisa, desde que haja um fundamento para isso. Nada

    53 NTH, op. cit., p. 81.

    10

  • 8/6/2019 LEITURA OBRIGATRIA_SemiticaGeraldePeirce

    11/13

    Fundao Universidade Federal de Mato Grosso do SulDepartamento de Comunicao e ArteEspecializao em Imagem e SomDisciplina: Semitica da ImagemProfessora: Eluiza Bortolotto GhizziSemitica e a idia de semiose (2000)

    obriga o diagrama a ser representativo desta relao especfica. So infinitas as associaes da mesma naturezaque se pode fazer com um mesmo diagrama.

    ndiceO ndice, escreve Peirce, um Representmen cujo carter Representativo consiste em ser um

    segundo individual. Se a Secundidade for uma relao existencial, o ndice genuno. Se a secundidade for umareferncia, o ndice degenerado. E, em outra passagem: Tudo o que atrai a ateno ndice. Tudo o que nossurpreende ndice, na medida em que assinala a juno entre duas pores de experincia. Um ndice algoque sempre leva a outra coisa com o qual mantm uma relao de fato (dinmica), independente de algum vir ainterpret-lo assim ou no, e nisso difere do cone que, por outro lado, no tem qualquer relao com seu objeto,exceto aquela que aparece no ato da interpretao. Como todo signo, o ndice s funciona como tal quandointerpretado; entretanto ser sempre um ndice daquela coisa com a qual est conectado, quer isso acontea ouno.

    O cata-vento sempre estar indicando a direo do vento quer algum o interprete assim ou no. H, nondice, necessariamente dois envolvidos (signo-objeto), estando o terceiro (interpretante) em uma condio

    potencial no signo. Um cone pode ser um signo em relao a um objeto qualquer, quer este objeto exista ou no.Um ndice, entretanto, implica na existncia de fato de seu objeto:Um cone um signo que possuiria o carter que o torna significante, mesmo que seu objeto noexistisse [...]. Um ndice um signo que de repente perderia seu carter que o torna um signo se seuobjeto fosse removido, mas que no perderia esse carter se no houvesse interpretante.As qualidades participando dos ndices:Embora qualidades sempre participem dos ndices, no so elas que esto no seu fundamento. Santaella

    analisa um caso em que isso pode ficar claro:O ndice possui dois elementos: um deles serve como substituto para o objeto, o outro constitui umcone que representa o prprio signo como qualidade do objeto. Assim, uma pegada, por exemplo, nasua aparncia qualitativa, uma imagem de um p. No esse cone, mesmo que, nesse caso, ele sejasubstancial, que faz esse signo agir como ndice, mas o fato de haver uma conexo dinmica, factual,existencial entre o p e o trao (imagem) por ele deixado. Todo ndice tem um cone embutido. Esse

    cone, no entanto, no precisa necessariamente ser uma imagem do objeto. Ele pode ter caractersticasque so prprias dele, como o caso da fumaa, em nada similar imagem do fogo. Isso basta paracomprovar que o cone, embutido no ndice, no precisa ser uma imagem que esteja numa relaonecessariamente similar imagem do objeto do ndice.A pegada ou o fogo, nesse exemplo, no so tomadas como qualidades (qualissignos), que podem nos

    levar a uma relao com um objeto possvel, mas como fatos (sinssignos) que veiculam uma informao positivasobre a existncia de seu objeto. Nesse caso, tanto a pegada quanto a fumaa so ndices genunos, visto que sorealmente afetados pelo p e pelo fogo, respectivamente, ambos existentes singulares. E alm de serem afetados polo objeto, esto aptos a dar informao sobre ele - a gerar um interpretante da natureza de um dicente.Todavia, um ndice e seu objeto podem ser individuais existentes, sem que ele (o ndice) veicule qualquerinformao inequvoca sobre o objeto. O latido de um co de guarda ao ouvir um barulho qualquer, por exemplo, um ndice daquilo que o levou a latir e nossos sentidos, ao ouvir seu latido, ficam naturalmente aguados a fimde identificar-lhe a causa. Entretanto, se no ouvimos o barulho que o levou a latir, temos apenas o indicativo de

    que alguma coisa o levou a isso. O interpretante, nesse caso, aquilo que o ndice pode realizar em uma mentequalquer, algo ainda vago, da natureza de um rema ou hiptese. E nesse caso, no temos um ndice genuno(sinssigno indicial dicente), mas um ndice degenerado (sinssigno indicial remtico), que mescla a segundidadecom aprimeiridade.

    Peirce escreve que: Nenhuma questo de fato pode ser asseverada sem o uso de algum signo que sirvacomo ndice. Se diante de um cone somos levados a coisas puramente imaginrias, so os ndices que nospermitem proceder investigaes a respeito de serem essas coisas reais ou no. Nos estudos do autor acerca danatureza da assero, encontramos o seguinte:

    O mundo real no pode ser distinguido do mundo fictcio por nenhuma descrio.[...] a realidade inteiramente dinmica, no qualitativa. Consiste em foras. Nada seno um signo dinmico podedistingui-la da fico. verdade que lngua alguma (tanto quanto eu saiba) tem uma forma particularde discurso para indicar que do mundo real que se est falando. Mas isso no necessrio, uma vezque tons de voz e modos de olhar so suficientes para mostrar quando o elocutor fala a srio. Essestons de voz e modos de olhar atuam dinamicamente sobre o ouvinte, levando-o a ouvir realidades. Tonse modos so, portanto, ndices do mundo real. [...]Portanto um fato, tal como a teoria colocou, quepelo menos um ndice deve fazer parte de toda assero.

    11

  • 8/6/2019 LEITURA OBRIGATRIA_SemiticaGeraldePeirce

    12/13

    Fundao Universidade Federal de Mato Grosso do SulDepartamento de Comunicao e ArteEspecializao em Imagem e SomDisciplina: Semitica da ImagemProfessora: Eluiza Bortolotto GhizziSemitica e a idia de semiose (2000)

    verdade que, no exemplo dado, para se fazer essa distino entre realidade e fico preciso que oouvinte saiba decifrar os ndices (tons de voz e modos de olhar), o que depende de um conhecimento prvio, jgeneralizado. E, cremos, exatamente isso que Peirce nos diz com:

    [Um ndice ] Um signo, ou representao, que se refere a seu objeto no tanto em virtude de umasimilaridade ou analogia qualquer com ele, nem pelo fato de estar associado a caracteres gerais queesse objeto acontece ter, mas sim por estar numa conexo dinmica (espacial inclusive) tanto com oobjeto individual, por um lado, quanto, por outro, com os sentidos ou a memria da pessoa a quemserve o signo.

    Smbolo

    O terceiro signo da segunda trilogia o smbolo. Como um terceiro, o smbolo um signo que, emrelao a seu objeto dinmico, um signo de terceiridade, um signo de razo ou de mediao. Nas palavras deNth, no smbolo a relao entre representmen e objeto arbitrria e depende de convenes sociais. So,portanto, categorias da terceiridade - como o hbito, a regra, a lei e a memria - que se situam na relao entrerepresentmen e objeto.

    Acerca do que se quer fazer entender quando se diz que a relao entre representmen e objeto, nosmbolo, se d por uma arbitrariedade ou uma conveno social, deve-se entender que no uma relao como aque prpria ao ndice, cujo signo tem uma relao existencial com o objeto ou refere-se ao objeto, quer ointerpretante o represente assim ou no. O termo fogo um smbolo do fogo por uma conveno, sem que hajaaquela ligao entre representmen e objeto que se requer para o ndice. Embora possa haver regrasintralingsticas que estejam na razo que leva uma palavra a estruturar-se como tal em cada lngua, a relaoentre estas regras intralingsticas e a regra que est no sentido, associado palavra, continuar sendo arbitrria.As palavras so amplamente utilizadas por Peirce como exemplo de smbolo:

    Qualquer palavra comum como dar, pssaro, casamento, exemplo de smbolo. O smbolo aplicvel a tudo o que possa concretizar a idia ligada palavra; em si mesmo, no identifica essascoisas. No nos mostra um pssaro, nem realiza diante de nossos olhos uma doao ou casamento, massupe que somos capazes de imaginar essas coisas, e a elas associar as palavras..A idia peirceana de smbolo, entretanto, no se restringe palavra. Uma infinidade de coisas,

    dependendo do modo como so apreendidos pela mente, pode evidenciar seu aspecto simblico, mais ou menoscomplexo. Dcio Pignatari, no seu Informao, Linguagem, Comunicao, cita o exemplo da cruz, smbolo docristianismo, e o de uma impresso digital, um signo de tipo indicial-icnico, mas que participa tambm dosmbolo quando utilizada, por exemplo, como marca de uma empresa grfica. No caso da impresso digital,dizemos que participa do smbolo quando tem um interpretante simblico, gerado pelo modo como foi utilizada.Na sua condio indicial, o que mais evidente sua relao fsica com a pele da qual foi originada; na suacondio simblica, entretanto, seu poder representativo advm da conveno de que portadora.

    A apreenso de um signo de terceiridade pressupe a apreenso tanto de um signo de segundidadequanto a de um de primeiridade. Ento, assim como um ndice genuno (segundo) tem uma parte ndice e umaparte cone (primeiro), o smbolo genuno (terceiro) deve ter uma parte smbolo, uma parte ndice (segundo) euma parte cone (primeiro). sua parte ndice coube a funo de estabelecer uma conexo entre o geral e oparticular. No que compete sua parte cone e sua parte propriamente simblica, entretanto, ainda h o queesclarecer. Em A Teoria Geral dos Signos, de Santaella, encontramos a seguinte passagem:

    Para significar, o smbolo precisa do cone. Trata-se, no entanto, de um tipo de cone muito especial.No um cone qualquer, mas aquele que est atado a um ingrediente simblico. Esse ingrediente, ouparte smbolo, Peirce chamou de conceito, a parte cone, ele chamou de idia geral.Ransdell (1996, p.184) tambm lida com essa distino com muita clareza. Chama, por sua vez, o conceito de sentido e aidia geral ou cone de significao. O conceito ou sentido o habito no atualizado e a idia geral oucone aquilo que atualiza o hbito, produzindo a significao. por isso que Peirce repetiu, muitasvezes, que o smbolo significa por meio de um hbito e de uma associao de idias.Este cone, que Peirce chamou de idia geral, como uma associao de idias de um tipo especial,

    assim exemplificada por Santaella:[...] nossa idia geral, digamos grosseiramente, de um gato, por exemplo, seria a fuso resultante deimagens decorrentes das situaes repetidas de experincias sensrias mais determinadas e muitodiferenciadas de gatos particulares. A idia geral seria a gestalt, forma ou unidade imediatamentepercebida, isto , cone, um geral entitativo de tipo qualitativo. O cone , assim, a atualizao doconceito.O conceito, ou parte propriamente simblica do smbolo, por outro lado, tido como um hbito no

    atualizado, o mesmo quesentido, regra ou lei. uma abstrao construda ao longo do tempo, a partir de uma

    12

  • 8/6/2019 LEITURA OBRIGATRIA_SemiticaGeraldePeirce

    13/13

    Fundao Universidade Federal de Mato Grosso do SulDepartamento de Comunicao e ArteEspecializao em Imagem e SomDisciplina: Semitica da ImagemProfessora: Eluiza Bortolotto GhizziSemitica e a idia de semiose (2000)

    associao de idias, que capta aquilo que em uma classe regular, que tem permanncia. A caracterstica destasntese, como uma regularidade aos olhos da razo, da terceiridade, faz da generalidade que a carateriza serdiferente da generalidade que caracteriza o que se chamou de idia geral ou cone de significao que, emoposio quela, caracteriza-se por ser uma generalidade qualitativa, de primeiridade, dotada de umaflexibilidade em relao ao objeto e ao interpretante de que a outra no dotada.

    Na realizao de seus interpretantes um smbolo pode no apenas se tornar um smbolo maisdesenvolvido, mas tambm, juntamente com outros signos, especialmente cones, estar na razo que leva aonascimento de um smbolo novo. Um dos escritos de Peirce vem tratar exatamente dessa questo:

    Os smbolos crescem. Retiram seu ser do desenvolvimento de outros signos, especialmente dos cones,ou de signos misturados que compartilham da natureza dos cones e smbolos [...] Se algum cria umnovo smbolo, ele o faz por meio de pensamentos que envolvem conceitos. Assim, apenas a partir deoutros smbolos que um novo smbolo pode surgir. Omne symbolum de symbolo. Um smbolo, uma vezexistindo, espalha-se entre as pessoas. No uso e na prtica, seu significado cresce. Palavras comofora, lei, riqueza, casamento veiculam-nos significados bem distintos dos veiculados para nossosantepassados brbaros. O smbolo pode, como a esfinge de Emerson, dizer ao homem:

    De teu olho sou um olhar.

    13