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1 Leitura: uma porta aberta na formação do cidadão 1 Caciací Santos de Santa Rosa 2 RESUMO O presente artigo faz uma breve abordagem acerca da relação existente entre leitura, escola e cidadania, demonstrando a importância da leitura como prática social na formação do cidadão. Apresenta algumas práticas voltadas para o ensino da leitura que vem sendo desenvolvidas em escolas de ensino fundamental brasileiras. Enfoca o papel da leitura como fonte de informação e disseminação de cultura. Aborda a relação dos alunos do ensino fundamental com a leitura escolar, trazendo um estudo de caso com crianças que cursam a 4ª. Série do ensino fundamental em uma escola da rede pública da cidade de Salvador. PALAVRAS – CHAVE: Leitura. Escola. Informação. Cidadania. 1. Introdução Com o desenvolvimento científico e tecnológico que é característica marcante da sociedade contemporânea, nota-se que a leitura cada vez mais tem se tornado um elemento indispensável para a inserção social do individuo e conseqüentemente para a formação da cidadania, uma vez que através dela ele terá acesso a uma enorme gama de informações e novos conhecimentos que serão de fundamental importância para que possa interagir de uma forma mais consciente na sociedade. Segundo Silva (1991), a leitura é um ato de conhecimento, pois ler significa perceber e compreender as relações existentes no mundo. Nesse sentido podemos definir leitura como “[...] um ato individual, voluntário e interior [...]”, (SANDRONI; MACHADO, 1998, p. 22), que se inicia com a decodificação dos signos lingüísticos que compõem a linguagem escrita convencional, mas que não se restringe à mera decodificação desses signos, pois, a leitura exige do sujeito leitor a capacidade de interação com o mundo que o cerca. A leitura é uma atividade ao mesmo tempo individual e social. É individual porque nela se manifestam particularidades do leitor: suas características intelectuais, sua 1 Artigo apresentado às Faculdades Jorge Amado - FJA, como trabalho de conclusão do curso de graduação em Normal Superior Anos Iniciais do Ensino Fundamental, realizado através da parceria FJA/SMEC. Aprovado em junho de 2005. 2 Professora da Rede Municipal de Ensino de Salvador, licenciada em Anos Iniciais do Ensino Fundamental (Curso Normal Superior) pelas Faculdades Jorge Amado - SSA /BA. Graduanda em biblioteconomia pelo Instituto de Ciência da Informação - ICI/UFBA. Pós-graduanda no curso de Especialização em Novas Tecnologias Aplicadas à Educação pela Faculdade São Salvador - SSA/BA. E-mail: [email protected] .

leitura - uma porta aberta

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Leitura: uma porta aberta na formação do cidadão1

Caciací Santos de Santa Rosa2

RESUMO O presente artigo faz uma breve abordagem acerca da relação existente entre leitura, escola e cidadania, demonstrando a importância da leitura como prática social na formação do cidadão. Apresenta algumas práticas voltadas para o ensino da leitura que vem sendo desenvolvidas em escolas de ensino fundamental brasileiras. Enfoca o papel da leitura como fonte de informação e disseminação de cultura. Aborda a relação dos alunos do ensino fundamental com a leitura escolar, trazendo um estudo de caso com crianças que cursam a 4ª. Série do ensino fundamental em uma escola da rede pública da cidade de Salvador. PALAVRAS – CHAVE: Leitura. Escola. Informação. Cidadania.

1. Introdução

Com o desenvolvimento científico e tecnológico que é característica marcante da

sociedade contemporânea, nota-se que a leitura cada vez mais tem se tornado um elemento

indispensável para a inserção social do individuo e conseqüentemente para a formação da

cidadania, uma vez que através dela ele terá acesso a uma enorme gama de informações e

novos conhecimentos que serão de fundamental importância para que possa interagir de uma

forma mais consciente na sociedade.

Segundo Silva (1991), a leitura é um ato de conhecimento, pois ler significa perceber e

compreender as relações existentes no mundo. Nesse sentido podemos definir leitura como

“[...] um ato individual, voluntário e interior [...]”, (SANDRONI; MACHADO, 1998, p. 22),

que se inicia com a decodificação dos signos lingüísticos que compõem a linguagem escrita

convencional, mas que não se restringe à mera decodificação desses signos, pois, a leitura

exige do sujeito leitor a capacidade de interação com o mundo que o cerca.

A leitura é uma atividade ao mesmo tempo individual e social. É individual porque nela se manifestam particularidades do leitor: suas características intelectuais, sua

1 Artigo apresentado às Faculdades Jorge Amado - FJA, como trabalho de conclusão do curso de graduação em Normal Superior Anos Iniciais do Ensino Fundamental, realizado através da parceria FJA/SMEC. Aprovado em junho de 2005. 2 Professora da Rede Municipal de Ensino de Salvador, licenciada em Anos Iniciais do Ensino Fundamental (Curso Normal Superior) pelas Faculdades Jorge Amado - SSA /BA. Graduanda em biblioteconomia pelo Instituto de Ciência da Informação - ICI/UFBA. Pós-graduanda no curso de Especialização em Novas Tecnologias Aplicadas à Educação pela Faculdade São Salvador - SSA/BA. E-mail: [email protected].

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memória, sua história; é social porque está sujeita às convenções lingüísticas, ao contexto social, à política. (NUNES 1994, p.14)

Ler é atribuir sentido ao texto, relacionando-o com o contexto e com as experiências

previas do leitor. Para Kleiman (2002), a leitura é um processo que se evidencia através da

interação entre os diversos níveis de conhecimento do leitor: o conhecimento lingüístico; o

conhecimento textual e o conhecimento de mundo. Sendo assim, o ato de ler caracteriza-se

como um processo interativo.

Apesar de hoje já ter se tornado evidente a importância da leitura enquanto prática

social, ainda é bem comum observarmos crianças que freqüentam classes regulares de escolas

públicas de ensino fundamental afirmarem não gostar de ler. Isso se torna algo ainda mais

evidente na medida em que procuramos fazer uma análise reflexiva acerca do ensino de

leitura no Brasil desde o século XIX até os dias atuais.

Para tanto, faz-se necessário conhecermos um pouco sobre os materiais de leitura que

vem sendo oferecidos pelos professores aos alunos do ensino fundamental, como também, é

importante conhecermos algumas práticas leitoras que estão sendo desenvolvidas nas salas de

aulas das escolas públicas de ensino fundamental, que atendem prioritariamente a uma

clientela de alunos oriundos das classes populares, alunos esses que já não encontram em seu

ambiente familiar um contexto de letramento que favoreça a ampliação de seus recursos

lingüísticos e a formação do hábito de ler.

Segundo Molina (1992), a partir do momento em que se reconhece o papel da escola

na formação do leitor, apesar de todos os limites concretos, torna-se possível uma mudança de

práticas, com o objetivo de dar ao aluno a competência em utilizar a leitura como um

instrumento útil em sua vida, além da escola. Nesse sentido, observa-se que a escola poderá

exercer um importante papel na formação de um leitor mais competente.

Com base na visão de leitura enquanto prática social que deverá ser promovida pela

escola, porém exercida pelo aluno além da vida escolar, em suas múltiplas relações que

entrelaçam a cadeia do mundo globalizado é que foi elaborado este trabalho com o objetivo de

demonstrar a importância da leitura como fonte de informação e disseminação de cultura,

reconhecendo o papel da escola como mola propulsora na formação do desejo e hábito de ler

nos alunos.

Vale a pena ressaltar que pretende-se com este trabalho fazer uma breve reflexão

acerca de alguns aspectos mais relevantes presentes na relação que há entre a escola, a leitura

e os sujeitos leitores, no que diz respeito não só a simples decodificação do código escrito que

se caracteriza formalmente como leitura, mas ao sentido mais amplo que se refere ao ato de

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ler, pois, “a compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica a percepção

das relações entre o texto e o contexto”. (FREIRE, 1997, p.11).

Nesse sentido caberá a escola enquanto espaço formal de articulação e promoção das

práticas leitoras possibilitar ao educando condições favoráveis para que ele possa exercer o

ato de ler de forma plena, sendo capaz de praticá-lo com autonomia e criticidade, no sentido

de saber estabelecer múltiplas relações entre texto e contexto de uma forma dinâmica e

construtiva.

2. Leitura como prática social: uma porta aberta na formação do cidadão

O conceito de leitura enquanto prática social vai muito além da simples decodificação

da linguagem verbal escrita, pois nele está inserido a idéia de que ler é atribuir sentido ao

texto, relacionando-o com o contexto e com as experiências prévias do sujeito leitor. Nesse

sentido cabe afirmar que esse tipo de leitura sempre será precedida de uma finalidade

concreta, que atenderá a um objetivo presente no contexto real em que o leitor está inserido. A

leitura como prática social é um meio que poderá conduz o leitor a resolver um problema

prático, responder a um objetivo concreto ou a uma necessidade pessoal.

Pensar em leitura enquanto prática social pressupõe pensar nas múltiplas relações que

o sujeito-leitor exerce na interação com o universo sócio-cultural a sua volta; é pensar em um

leitor apto a usar a leitura como fonte de informação e disseminação de cultura, pois,

Ler significa ser questionado pelo mundo e por si mesmo, significa que certas respostas podem ser encontradas na escrita, significa poder ter acesso a essa escrita, significa construir uma resposta que integra parte das novas informações ao que já se é. (FOUCAMBERT, 1994, p.5).

Portanto, para que o sujeito leitor possa fazer o uso social da leitura não bastará apenas

que ele seja alfabetizado, no sentido de apenas ter adquirido as habilidades necessárias para

saber decodificar a linguagem escrita, porém se faz necessário que além de ser alfabetizado

ele seja também letrado.

Segundo Soares (1999), passamos a enfrentar uma nova realidade social em que não

basta apenas saber ler e escrever é preciso também fazer uso do ler e do escrever, para saber

responder às exigências de leitura e de escrita que a sociedade faz continuamente, daí surge o

termo letramento, ressignificando a idéia principal que se tinha do saber ler e escrever,

buscando definir um novo padrão de usuário da língua que se mostre apto a atender às

demandas da sociedade contemporânea. Quando afirmamos que um individuo além de

alfabetizado precisa ser letrado estamos incorporando a ele valores que definem a maneira que

esse individuo interage com a complexidade lingüística e cultural do mundo a sua volta, pois

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dessa forma ele passará de um mero decodificador da língua escrita a um usuário ativo da

mesma.

Em nossa sociedade os conteúdos informacionais circulam quase exclusivamente via

meios escritos, através da Internet3, da televisão, dos outdoors com informes publicitários, dos

jornais, das revistas, dos panfletos, dos catálogos e muitos outros veículos de comunicação.

Sendo assim, o processo de apropriação da informação e da construção de novos

conhecimentos se configura como um processo ativo que está intimamente ligado à leitura.

Por isso, o uso social da leitura é algo contextualizado que acontece em diferentes espaços e

não obedece a nenhuma regra específica e nem a um padrão sociolingüístico pré-definido.

Quando estamos em um ponto de ônibus a esperar o transporte que irá nos conduzir a

um determinado lugar e conseguimos ler e compreender o itinerário do coletivo que se

aproxima estamos, mesmo que inconscientemente, fazendo o uso social da língua; quando

lemos a bula de um medicamento a fim de verificar se sua indicação coincide com a

prescrição feita pelo nosso médico, estamos fazendo o uso social da língua; quando

procuramos uma vaga de emprego nos anúncios classificados de um jornal ou até mesmo

quando verificamos se o nome de um amigo consta na lista de aprovados do vestibular,

estamos fazendo o uso social da língua. Sendo assim, a leitura enquanto prática social adquire

um caráter dinâmico que se incorpora de uma forma natural às atividades cotidianas dos

indivíduos.

Segundo Kleiman (1998), ao lermos um texto, qualquer texto, colocamos em ação

todo o nosso sistema de valores, crenças e atitudes que refletem o grupo social em que se deu

nossa sociabilização primária, isto é, o grupo social em que nascemos e fomos educados. Por

isso, podemos afirmar que a leitura enquanto prática social é algo bastante complexo, pois

está intimamente ligado às nossas raízes sócio-culturais e conseqüentemente à formação da

nossa cidadania.

Nesse sentido é importante fazermos algumas definições acerca da palavra cidadania.

A palavra cidadania deriva-se da palavra cidadão. No sentido etimológico a palavra cidadão

deriva-se de civitas, que em latim significa cidade.

Segundo Ximenes (2000, p.170), “cidadania é a condição de cidadão” e “cidadão é o

individuo no pleno gozo de seus direitos políticos e civis”. Quando falamos a palavra

3 Rede mundial de computadores interligados por meio de programas especiais, servidores e

provedores de acesso, e que oferece serviços de e-mail, acesso a sites diversos, download de programas, educação a distancia, etc.

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cidadania estamos interligando a ela a idéia de construção da consciência crítica, política e

social do individuo, pois,

A cidadania expressa um conjunto de direitos que dá à pessoa a possibilidade de participar ativamente da vida e do governo de seu povo. Quem não tem cidadania está marginalizado ou excluído da vida social e da tomada de decisões, ficando numa posição de inferioridade dentro do grupo social. (DALLARI, 1998, p. 14)

Sendo assim, a leitura e uma porta aberta na formação do cidadão e conseqüentemente

na construção da cidadania, uma vez que através da leitura o individuo terá a possibilidade de

construir novas relações com as informações presentes no espaço global de uma forma

dinâmica, crítica e autônoma, tornando-se sujeito construtor de sua própria história e da

história coletiva de seu país.

Formar o cidadão não significa ‘preparar o consumidor’. Significa capacitar as pessoas para a tomada de decisões e para a escolha informada acerca de todos os aspectos na vida em sociedade que as afetam, o que exige acesso à informação e ao conhecimento e capacidade de processá-los judiciosamente, sem se deixar levar cegamente pelo poder econômico ou político. (TAKAHASHI, 2000, p. 45)

Segundo Takahashi (2000), com a universalização de acesso às tecnologias de

informação e comunicação (TICs) surgiu um novo paradigma global no qual o acesso aos

serviços informacionais tem se tornado, cada vez mais, condição necessária para inserção

social dos indivíduos como cidadãos.

Vale ressaltar que a maioria dos conteúdos informacionais que são disseminados

diariamente via Internet são prioritariamente documentes escritos e por isso requer do leitor

um mínimo de conhecimento lingüístico e textual para ter acesso a eles. Isso torna ainda mais

evidente a importância da leitura como prática social na construção da cidadania.

3. Leitura na escola fundamental: o que temos oferecido aos nossos alunos

Segundo Galvão e Batista (2000), desde o século XIX a escola primaria brasileira,

hoje escola de ensino fundamental, via a formação do leitor como um processo que se

restringia basicamente à transmissão das habilidades básicas de leitura e escrita, bem como

das regras ortográficas do português, havia também uma forte preocupação com a transmissão

dos conteúdos instrutivos e das regras e modelos de comportamento, ou seja, eram ensinados

aspectos morais e ideológicos da sociedade, nesse sentido além dos livros didáticos eram

usados como materiais de leitura o Código Criminal e a Bíblia.

A partir de meados do século XX observou-se na escola primária brasileira uma

suposta evolução em relação ao ensino da leitura, buscando contemplar o uso social da língua

escrita, na diversidade dos modos de ler e nos diferentes gêneros textuais, através da

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introdução de todo um conjunto de textos que antes era proibido nas escolas como:

quadrinhos, rótulos, listas, quadros e tabelas, placas, publicidade entre outros. No sentido de

tornar a leitura escolar algo contextualizado que tivesse um caráter prático e motivador do

desejo de ler nos alunos.

Apesar das pesquisas apontarem essa suposta evolução no ensino da leitura nas

escolas, nota-se que ainda hoje isso é algo que ficou mais no discurso e só foi incorporado na

prática de pouquíssimas escolas brasileiras, em sua maioria aquelas que adotam uma proposta

de trabalho nos moldes construtivista, pois as que seguem uma linha pedagógica tradicional,

persistem utilizando prioritariamente o livro didático como o único ou principal elemento para

sistematização das práticas leitoras.

Mesmo com a existência de fatores de mudança e transformação das práticas leitoras

nas escolas, o desejo de ler ainda é algo que está bastante distanciado da maioria dos alunos,

principalmente daqueles oriundos das classes populares que só encontram prioritariamente na

escola acesso às práticas de leitura e escrita.

O desafio é formar pessoas desejosas de embrenhar-se em outros mundos possíveis que a literatura nos oferece, dispostas a identificar-se com o semelhante ou a solidarizar-se com o diferente e capazes de apreciar a qualidade literária. (LERNER, 2002, p. 28)

A fim de tornar mais evidente a relação que tem se estabelecido na atualidade, entre os

alunos do ensino fundamental e a leitura escolar foi feito um estudo de caso com um grupo de

30 alunos, na faixa etária entre oito e doze anos que cursam a 4ª. série em uma escola da rede

pública, situada em um bairro do subúrbio ferroviário, região periférica da Cidade de

Salvador.

Para tanto foi feita uma entrevista onde esses alunos tiveram a oportunidade de

expressar de forma espontânea a sua relação com a leitura escolar e seu sentimento em relação

à leitura na sua vida cotidiana.

Porém, antes de apresentarmos os dados coletados na pesquisa de campo, faz-se

necessário fazermos um breve comentário sobre o trabalho com leitura que vem sendo

desenvolvido pela professora da turma de 4ª. série na qual os alunos foram entrevistados.

Durante a pesquisa observou-se que a professora desenvolve um trabalho com leitura

bastante interessante no sentido de mostrar aos alunos a importância da leitura para sua vida

social. Ela parte do pressuposto de que o trabalho com a leitura na sala de aula deve ser

desenvolvido de forma prazerosa, dinâmica e contextualizada, onde os alunos possam

compreender que poderão recorrer aos textos escritos tanto para buscar respostas para os

problemas do cotidiano, como também para utilizá-los como fonte de lazer e entretenimento.

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Em suas aulas de língua portuguesa a professora disponibiliza aos alunos uma vasta

diversidade textual, que vai de um simples encarte de jornal até obras clássicas da literatura

infanto-juvenil. Segundo Lerner (2002), cabe a escola fazer as crianças participarem de

situações de leitura e da escrita, colocando ao dispor delas materiais escritos variados.

A professora costuma organizar na sala de aula o cantinho da leitura e a gibiteca4,

ambos vem despertando grande interesse dos alunos.

[...] se quisermos inculcar o hábito da leitura precisamos ir além das necessidades e interesses das várias fases de desenvolvimento e motivar a criança a ir ajustando o conteúdo de suas leituras à medida que suas necessidades intelectuais e condições ambientais forem mudando. (BAMBERGER, 1995, p. 20).

A prática dessa professora vem despertando grande interesse dos alunos em relação à

leitura o que para nós pesquisadores foi uma grande surpresa diante do levantamento inicial

que fizemos acerca do ensino de leitura no Brasil.

Dos trinta alunos entrevistado 100% afirmaram gostar de ler. A aluna J.U.S.C, de 10

anos nos disse que gosta de ler porque através da leitura ela aprende muitas coisas novas, ela

demonstrava grande interesse pela leitura, afirmando que adorava as aulas de português

porque nelas podia ter acesso a diversos livros que não possuía em casa.

Perguntamos aos alunos se eles sabiam para que servia a leitura e 90% deles

afirmaram que a leitura servia para aprender e se informar. Isso demonstra a importância de

conscientizar os alunos sobre o caráter e relevância social da leitura como fonte de

informação e transmissão de cultura. W.M.B, de 9 anos afirmou que a leitura serve para

aprender e para exercitar a mente. Constatamos que dos 30 alunos entrevistados apenas 10%

não compreendiam a importância e a funcionalidade da leitura.

Para que a instituição escolar cumpra com sua missão de comunicar a leitura como prática social, parece imprescindível uma vez mais atenuar a linha divisória que separa as funções dos participantes na situação didática. Realmente para comunicar às crianças os comportamentos que são típicos do leitor, é necessário que o professor os encarne na sala de aula, que proporcione a oportunidade a seus alunos de participar em atos de leitura que ele mesmo está realizando, que trave com eles uma relação ’de leitor para leitor’. (LERNER, 2002, p. 95)

A maioria dos alunos entrevistados afirmou gostar dos materiais de leitura oferecidos

pela professora e da forma com que ela conduz o trabalho, eles mostravam-se bastante

entusiasmados acerca dos livros de história infantis e das revistas em quadrinhos que ela

disponibilizava. Muitos deles disseram que em suas casas possuíam como materiais de leitura

apenas a bíblia e os livros didáticos que recebiam na escola, e por isso costumavam tomar

4 Espécie de mine-biblioteca que contém em seu acervo apenas gibis, ou seja, revistas em

quadrinhos.

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emprestados os livros de histórias infantis da professora para ler em casa, já que sua escola

não dispõe de uma biblioteca. Segundo Lerner (2002), o empréstimo de livros permitirá que

as crianças possam continuar lendo em sua casa, local que em alguns casos, poderá ser mais

apropriado para uma leitura individual e privada do que a sala de aula.

Esse estudo de caso é apenas uma pequena amostra acerca das práticas de leitura que

estão sendo desenvolvidas dentro das salas de aula das escolas públicas de ensino

fundamental brasileiras, não é algo substancial diante da vastidão territorial do nosso país e da

diversidade sócio-cultural e pedagógica que norteia o ensino da leitura no Brasil, porém, ajuda

a tornar mais evidente que o ensino de leitura no Brasil realmente vem mudando no sentido de

atender à demanda informacional e cultural dos alunos. Hoje o grande desafio da escola é

incentivar a leitura despertando nas crianças o gosto e o desejo de ler.

O desafio é formar praticantes da leitura e da escrita e não apenas sujeitos que possam ‘decifrar’ o sistema de escrita. É - já o disse – formar leitores que saberão escolher o material escrito adequado para buscar a solução de problemas que devem enfrentar e não alunos capazes apenas de oralizar um texto selecionado por outro. (LERNER, 2002, p.27.)

A demanda informacional e cultural da sociedade contemporânea faz aumentar ainda

mais a necessidade de se criar na escola uma comunidade de usuários ativos da língua. Para

que isso ocorra será preciso despertar nos alunos o desejo de ler e “ninguém gosta de fazer

aquilo que é difícil demais, nem aquilo do qual não consegue extrair o sentido” (KLEIMAN,

1998, p.16). Por isso as atividades de leitura na escola deverão ser promovidas de acordo com

o nível de desenvolvimento cognitivo do aluno, afim de que ele possa estabelecer sentido ao

que ler.

5. Considerações finais sobre leitura, escola e cidadania.

A leitura é um dos pilares da educação escolar, pois é prioritariamente no ambiente

escolar que as práticas de leitura e escrita são sistematizadas formalmente. Sendo assim, “a

escola pode colaborar na formação do leitor, e sua colaboração será maior ou menor na

dependência dos pressupostos que fundamentam o seu currículo” (MOLINA, 1992, p.12).

Constatamos que as práticas leitoras desenvolvidas pela escola fundamental refletem

diretamente na formação do leitor, uma vez que muitos dos alunos que freqüentam classes

regulares do ensino fundamental só encontram no ambiente escolar espaço propicio para

realizar o ato de ler de forma plena, ou seja, interagindo de forma consciente com o texto

escrito.

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Mas muitos professores do ensino fundamental continuam ignorando a necessidade de

fazer com que a leitura na escola se torne algo prazeroso, capaz de motivar o aluno a desejar

ter um maior contato com a prática da leitura além do ambiente escolar. Isso ainda acontece

porque muitos desses professores não dispõem de uma formação adequada para o ensino de

língua portuguesa que os possibilitem criar uma outra concepção acerca do ensino de leitura.

As práticas desmotivadoras, perversas até, pelas conseqüências nefastas que trazem, provêm, basicamente, de concepções erradas sobre a natureza do texto e da leitura, e, portanto, da linguagem. Elas são práticas sustentadas por um entendimento limitado e incoerente do que seja ensinar português, entendimento este tradicionalmente legitimado tanto dentro como fora da escola. (KLEIMAN, 1998, p. 16)

Porém observamos que já existem professores efetivando uma prática diferenciada no

ensino de leitura na educação fundamental brasileira, visando despertar nos alunos o gosto

pela leitura e mostrando a eles a importância da leitura como fonte de informação e

disseminação de cultura. Esses professores mostram-se conscientes de que a formação do

leitor reflete diretamente na construção de sua cidadania e a construção da cidadania traz

grandes impactos políticos e sociais para o nosso país. Uma vez que um cidadão consciente de

seus deveres e direitos políticos e civis poderá trazer mudanças sociais significativas para a

macro-estrutura político-governamental de seu país.

O uso da leitura como prática social tem caráter relevante no processo emancipatório

do sujeito, vez que os conteúdos informacionais que circulam diariamente na cadeia global

são prioritariamente escritos, por isso um sujeito que não tenha acesso a esses conteúdos

provavelmente ficará a margem da informação e do conhecimento.

Segundo Takahashi (2000, p. 45) “a educação é o elemento-chave na construção de

uma sociedade baseada na informação, no conhecimento e no aprendizado”, considerando que

a leitura é um dos pilares da educação urge a necessidade de se reconhecer o papel da escola

na formação do leitor, pois é através da leitura que o individuo terá acesso a uma enorme

gama de informações e conhecimentos que possibilitará a ele interagir na sociedade de forma

crítica, autônoma e consciente, exercendo plenamente seu papel de cidadão.

O estudo que possibilitou a elaboração desse artigo tem caráter preliminar, pois servirá

de subsídio para novas pesquisas acerca da temática relacionada a: leitura, escola e cidadania,

uma vez que no novo paradigma educacional, impulsionado pelas TICs essa temática assume

um caráter relevante e com inesgotáveis possibilidades de novos estudos e pesquisas.

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REFERÊNCIAS

BAMBERGER, Richard. Como incentivar o hábito de leitura. 6ª ed. São Paulo: Ática, 1995. DALLARI, Dalmo. Direitos humanos e cidadania. São Paulo: Moderna, 1998. FOUCAMBERT, Jean. A leitura em questão. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994. FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 46ª ed. São Paulo: Cortez, 1997. GALVÃO, A. M. O.; BATISTA, A. A. G. A leitura na escola primária brasileira: alguns elementos históricos. In.: Projeto memória de leitura. São Paulo, v. 2, 2002. Disponível em: http://www.unicamp.br/iel/memoria/ensaios/escolaprimaria.htm. Acesso em: 25/04/2004. KLEIMAN, Angela. Oficinas de leitura: teoria e prática. São Paulo: Pontes, 1998. _____. Texto e leitor: aspectos cognitivos da leitura. 8ª ed. Campinas, SP: Pontes, 2002. LERNER, Delia. Ler e escrever na escola: o real, o possível e o necessário. Porto Alegre: Artmed, 2002. MOLINA, Olga. Ler para aprender: desenvolvimento de habilidades de estudo. São Paulo: E.P.U., 1992. NUNES, José Horta. Formação do leitor brasileiro: imaginário da leitura no Brasil colonial. São Paulo: UNICAMP, 1994. SANDRONI, L. C.; MACHADO, L. R.(orgs). A criança e o livro: Guia prático de estímulo à leitura. 4ª ed. São Paulo: Ática, 1998. SILVA, Ezequiel Theodoro da. Leitura na escola e na biblioteca. 3ª ed. São Paulo: Papirus, 1948. SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 1999. TAKAHASHI, Tadao. (org). Sociedade da informação no Brasil: livro verde. Brasília: Ministério da Ciência e Tecnologia, 2000. XIMENES, Sergio. Minidicionário da língua portuguesa. 2ª ed. rev. e ampl. São Paulo: Ediouro, 2000.

OBRAS CONSULTADAS

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KUPFER, Maria Cristina. Freud e a educação. São Paulo: Scipione, 1997. OLIVEIRA, Marta Kohl. Vygotsky: aprendizado e desenvolvimento um processo sócio-histórico. São Paulo: Scipione, 1997. ORLAND, Eni Puccinelli (org.). A leitura e os leitores. São Paulo: Pontes, 1998. ZILBERMAN, Regina. (org.). Leitura em crise na escola: as alternativas do professor. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1993.