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LEMBRANDO KEYNES EM ÉPOCA DE TURBULÊNCIA CAPITALISTA Ricardo Vélez Rodríguez Coordenador do Centro de Pesquisas Estratégicas “Paulino Soares de Sousa”, da UFJF. [email protected] SUMÁRIO Introdução I - IDÉIA SUMÁRIA DA DOUTRINA KEINESIANA 1) Aspectos bio-bibliográficos 2) Conceitos fundamentais de Keynes em Teoria Geral do Emprego, do Juro e do Dinheiro a - Por que Teoria Geral? b - Eqüivalência entre o volume de renda poupado e o volume do novo investimento líquido c - Fatores incidentes sobre o montante real da produção e o nível real do emprego d - Calculabilidade dos níveis de renda e de emprego, doutrina do multiplicador e teoria do emprego e - Teoria da taxa de juros f - Teoria da moeda e dos preços g - Superação da teoria de Jean-Baptiste Say de que a demanda é criada pela oferta h - Teoria do ciclo econômico i - O fenômeno da crise econômica j - Influência orientadora do Estado e pleno emprego gerador da paz II - PRINCIPAIS RESULTADOS DA APLICAÇÃO DA DOUTRINA DE KEYNES 1) A influência de Keynes no meio universitário britânico e norte-americano 2) A essência das reformas empreendidas na Conferência de Bretton Woods (1944)

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LEMBRANDO KEYNES EM ÉPOCA DE TURBULÊNCIA CAPITALISTA

Ricardo Vélez Rodríguez

Coordenador do Centro de Pesquisas Estratégicas “Paulino Soares de Sousa”, da UFJF.

[email protected]

SUMÁRIO

Introdução I - IDÉIA SUMÁRIA DA DOUTRINA KEINESIANA 1) Aspectos bio-bibliográficos 2) Conceitos fundamentais de Keynes em Teoria Geral do Emprego, do Juro e do Dinheiro a - Por que Teoria Geral? b - Eqüivalência entre o volume de renda poupado e o volume do novo investimento líquido c - Fatores incidentes sobre o montante real da produção e o nível real do emprego d - Calculabilidade dos níveis de renda e de emprego, doutrina do multiplicador e teoria do emprego e - Teoria da taxa de juros f - Teoria da moeda e dos preços g - Superação da teoria de Jean-Baptiste Say de que a demanda é criada pela oferta h - Teoria do ciclo econômico i - O fenômeno da crise econômica j - Influência orientadora do Estado e pleno emprego gerador da paz II - PRINCIPAIS RESULTADOS DA APLICAÇÃO DA DOUTRINA DE KEYNES 1) A influência de Keynes no meio universitário britânico e norte-americano 2) A essência das reformas empreendidas na Conferência de Bretton Woods (1944)

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3) Superação das crises cíclicas do capitalismo e constituição do welfare state nos Estados Unidos e na Europa Ocidental III - A CRÍTICA AO KEINESIANISMO 1) O sentido das críticas ao keinesianismo 2) Joan Robinson: Keynes e os keinesianos bastardos 3) Ludwig von Mises: Keynes e o iluminismo burocrático 4) Harry G. Johnson: a não revolução keinesiana 5) John Kennet Galbraith: as razões da revolução keinesiana 6) Friedrich A. Hayeck: os preconceitos cientificistas do keinesianismo 7) Milton Friedman: intervencionismo X liberdade 8) Henri Lepage: a crítica liberal ao keinesianismo a - A teoria das "antecipações racionais" b - As teses dos "freio fiscal" c - Uma nova concepção do papel do Estado Conclusão Bibliografia

INTRODUÇÃO

Este ensaio foi publicado, em 1999, pela Editora Massao Ohno, de São Paulo, com o título de: Keynes, doutrina e crítica. A obra integrou a coleção “Cadernos Liberais”, iniciativa sob patrocínio do Instituto Tancredo Neves. Considero que, diante da tsunami financeira que arrasa as bolsas e bancos pelo mundo afora, as críticas nele contidas ao denominado “fundamentalismo de mercado”, contêm elementos aproveitáveis. Não se trata, evidentemente, de fazer regredir o relógio da história. Mas o estudo detalhado do que foi o keinesianismo, pode ilustrar os espíritos acerca dos riscos e das saídas possíveis, para salvar o capitalismo de mais essa crise. Ajudando-o a adotar, sem dúvida, um rosto mais humano, com o abandono, certamente, da variante especulativa, como peça-chave da economia mundial, e retornando a um sistema econômico que valorize deveras a produção de riqueza, no contexto da liberdade de iniciativa e respeitando o direito de propriedade. O objetivo deste ensaio é duplo: em primeiro lugar, apresentar, de forma sintética, os aspectos mais importantes da doutrina keinesiana, bem como das realizações conseguidas à luz dela, entre 1944 e 1970, período que passou a ser denominado de "Os Trinta Gloriosos". Em segundo lugar, pretendemos resumir as principais críticas à teoria de Keynes, feitas a partir dos anos setenta até nossos dias.

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Embora não acreditemos muito no princípio da História como mestra da vida (levando em consideração a teimosa recusa do ser humano para aprender as lições dos seus antepassados), consideramos válida, no entanto, a convicção do próprio Keynes, no sentido de que algumas idéias mestras podem ajudar uma geração a enxergar as reformas básicas que devem ser feitas. Essa fé na capacidade norteadora dos ideais, foi a que inspirou o professor de Cambridge para tentar vender a sua proposta de reformulação do sistema capitalista às lideranças políticas da Inglaterra e dos Estados Unidos. Uma fé semelhante inspirou, na França do século XIX, aos doutrinários, notadamente a Guizot, na complicada missão de tentar superar os vícios da Revolução Francesa, preservando o seu ideal libertário. Atitude semelhante inspirou a Tocqueville, no seu esforço em prol de alargar a todos os franceses as conquistas liberais que os doutrinários tinham garantido à burguesia. Em todos eles encontramos a serena atitude que Hegel identificava como a essência da meditação filosófica: nos momentos de crise, pensava o mestre alemão, o espírito humano, em lugar de sair procurando alhures a solução para os problemas, recolhe-se a si mesmo, e aí, na intimidade do silêncio da razão, o espírito desenha com a ousadia que lhe confere a liberdade, os contornos do novo mundo por ele enxergado no interior de si mesmo. Um aspecto parece-nos essencial na caracterização da personalidade intelectual de Keynes: o enraizamento das suas análises econômicas no chão firme dos estudos humanísticos. Longe estava o mestre de Cambridge de atribuir à ciência econômica o caráter de dogma insofismável com que os vendedores de bugigangas tecnocráticas tentam revestir as suas receitas. Da saudável herança humanística haurida na sua formação, Keynes soube retirar a convicção do caráter probabilístico da economia. Essa convicção o levaria a colocar as suas propostas na prateleira de um debate aberto à comunidade científica e à sociedade em geral. Muitas coisas escreveram-se a respeito da atitude um tanto aristocrática de Keynes na divulgação das suas idéias, que o tornaria infenso ao debate das mesmas. Nada mais falso, como teremos oportunidade de demonstrar ao longo destas páginas. Se alguma aristocracia havia no nosso autor, era a da busca diuturna da verdade, mediante o diálogo incessante com os estudiosos e pressupondo o confronto com a experiência. Na exposição acerca da influência que as idéias keinesianas exerceram na segunda pós-guerra, enfatizaremos as implicações políticas e institucionais das mesmas. Keynes não pensou apenas uma nova Teoria Econômica que pôs fim às crises cíclicas do capitalismo, como também elaborou os mecanismos que conduziriam à aplicação da mesma no complicado cenário mundial dos anos quarenta. Como toda Teoria Econômica endereçada a resolver problemas conjunturais, as propostas keinesianas tornaram-se insuficientes para inspirar os rumos da economia de um mundo diferente: o que emergiu dos choques do petróleo, nos anos 70. O nosso estudo das críticas ao keinesianismo tem como finalidade focalizar com a maior objetividade possível esse momento. Na Conclusão apontaremos alguns aspectos que indicam a atualidade, não propriamente da política desenhada em Bretton Woods (o que seria tratar de fazer retroceder infantilmente o relógio da história), mas do caminho geral indicado pelo economista britânico, no sentido de mostrar a necessidade de políticas claramente definidas que pautem o funcionamento do capitalismo. O "Cassino Global" em que se tornou o conjunto das finanças internacionais neste conturbado final de milênio, está a exigir dos Sete Grandes a definição de algumas políticas para o jogo econômico, talvez ressuscitando

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uma idéia muito cara a Keynes: a de um grande Banco Central que colocasse ordem na ciranda monetária, jogo que o próprio Keynes conhecida de perto.

I - IDÉIA SUMÁRIA DA DOUTRINA KEINESIANA

1) Aspectos bio-bibliográficos1

John Maynard Keynes nasceu em Cambridge (Inglaterra) em 1883 e faleceu em Sussex, em 1946. Caracterizou-se por um excepcional desempenho em vários terrenos: negócios, administração de companhias de seguros e investimento, serviço público, mecenato, produção teatral, editoração, jornalismo, diplomacia e docência universitária. Mas a atividade em que mais sobressaiu foi a de teórico da economia. Keynes recebeu uma refinada educação, no ambiente destinado às elites na Inglaterra vitoriana. Estudou Filosofia e Humanidades em Eton, uma das mais importantes public schools inglesas. Realizou os seus estudos superiores na Universidade de Cambridge, tendo freqüentado ali cursos de Matemática, Política, Administração Pública e Economia. Teve como professores, nesta última, importantes figuras do pensamento econômico clássico como Alfred Marshall (1842-1924) e Arthur Cecil Pigou (1877-1959). Além do contexto histórico em que se situou o nosso autor, foi importante a influência exercida pela sua família na formação da sua personalidade intelectual, como destaca com propriedade Tamás Szmrecsányi: "A gênese e a evolução do pensamento de Keynes foram condicionadas, em primeiro lugar, pela situação sócio-econômica e política do período e do país em que ele viveu. Ao lado desses condicionantes de caráter histórico, que são bastante conhecidos e sobre os quais já existe uma vasta bibliografia, podem-se mencionar num segundo plano -- mas não necessariamente num plano secundário -- influências de natureza mais pessoal, advindas da hereditariedade e do meio ao qual ele pertencia. Costuma-se dizer que o estilo é o homem. Ora, o estilo inconfundível que permeia toda a obra de Keynes remete o leitor, quase que instantaneamente, de volta às origens familiares em Cambridge. Foi nesta velha cidade universitária que ele nasceu e se formou, num ambiente que nunca chegou a abandonar por inteiro, mesmo residindo alhures, ou estando preocupado com problemas de natureza mais universal. Esse ambiente moldou a visão do mundo de Keynes, funcionando como um quadro de referência durante toda a sua vida e para a maioria, se não a totalidade, dos seus trabalhos"2. O aspecto mais marcante da vida familiar dos Keynes era, de um lado, o refinamento cultural e, de outro, a

1 Cf. Silva, Adroaldo Moura da. "Apresentação: Keynes e a Teoria Geral", in: Keynes, Teoria Geral do Emprego, do Juro e do Dinheiro - Inflação e Deflação. (Tradução a cargo de Mário R. da Cruz e Rudolf Kunz; revisão técnica de Cláudio Roberto Contador; apresentação de Adroaldo Moura da Silva). São Paulo: Abril Cultural, 1983, coleção "Os Economistas". Pg. VII-XXV. Temos consultado também Paim, Antônio. "Emergência da questão social e posição anterior a Keynes. O Keinesianismo", in: A. Paim (organizador). Evolução histórica do Liberalismo. Belo Horizonte: Itatiaia, 1987, pg. 69-77. Drucker, Peter F. "Keynes: a economia como sistema mágico", in: Os novos mercados. (Tradução de Wamberto H. Ferreira). Rio de Janeiro: Expressão e Culturam, 1973, pg. 243-260. 2 Szmrecsányi, Tamás, "Introdução", in: Keynes, John Maynard. Economia. (Coletânea de textos de J. M. Keynes selecionados e organizados por Tamás Szmrecsányi; tradução a cargo de Miriam Moreira Leite). 2a. edição. São Paulo: Ática, 1984, p. 10.

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valorização do livre debate das idéias. Esse pano de fundo de humanismo liberal certamente foi decisivo para a abertura intelectual do joven John. A mãe do nosso autor, Florence Ada Keynes, filha do Reverendo John Brown, depois de ter sido uma das primeiras mulheres a se formar na Universidade de Cambridge, foi Prefeita da cidade e o seu pai, John Neville Keynes, obteve renome como economista, tendo desempenhado, também, o importante cargo de Secretário da Universidade. É de autoria dele importante texto básico sobre a metodologia da ciência econômica, intitulado The Scope and Method of Political Economy (1891). Os dois irmãos de John Maynard Keynes, Geoffrey e Margaret, mais moços do que ele, destacaram-se também. O primeiro foi médico e editor das obras de William Blake. Margaret sobressaiu como assistente social de idosos3. Quais as idéias que, do ângulo filosófico, mais influenciavam os jovens que estudavam em Cambridge, na época em que Keynes ali recebeu a sua formação?, Quatro eram os mais importantes autores estudados: De um lado, os tradicionais Thomas Hill Green (1836-1882) e Francis Herbert Bradley (1848-1923), típicos representantes do que alguns estudiosos denominam de "idealismo neo-hegeliano", uma versão empirista do criticismo de Hegel4. A influência deles na geração de Keynes foi mitigada e se concentrou no campo da teoria do conhecimento e, secundariamente, no da filosofia política. De outro lado, Henry Sidgwick (1838-1900) e George Edward Moore (1873-1958), cuja influência foi bem maior entre os jovens estudantes de Cambridge, porquanto submeteram à crítica contundente os princípios transcendentais defendidos pelos dois primeiros, tendo formulado doutrinas no terreno da filosofia social e da moral. Destaquemos, em primeiro lugar, a influência dos ensinamentos de Hill Green sobre a geração à que pertenceu Keynes. Thomas Hill Green foi o primeiro, em Oxford, a se consagrar exclusivamente ao ensino da Filosofia. Tinha estudado a obra de Kant (1724-1804) e conhecia as idéias de Hegel (1770-1831). As suas principais obras foram a Introdução ao tratado da natureza humana de Hume (1874), os Prolegómenos à Etica (1883) e as Lições sobre os princípios da obrigação política (1866), sendo que estes dois últimos livros passaram a integrar o curriculum das Universidades inglesas ao longo dos cinqüenta anos seguintes. Em que pese o fato da inspiração de Green em Kant e Hegel, o pensador inglês ultrapassou o ponto de vista estritamente crítico dos filósofos alemães, em função dos pressupostos de típico sabor empirista (herdeiros das teses da Escola Escocesa do Senso Comum) em que se alicerçava. Valorizando a experiência do eu interno, na trilha do empirismo de Locke e de Hume, Green considerava, incorporando a concepção da razão pura kantiana, que "não poderíamos ter nenhuma experiência da continuidade e do desenvolvimento de nossas idéias e de nossas impressões, se não houvesse em nós um eu suscetível de efetivar a unidade que estabeleça a ligação entre o que se produziu antes com o que vem a seguir. Nada pode ser objeto da experiência fora da atividade coordenadora da

3 Cf. Szmrecsányi, Tamás. "Introdução". In: Keynes, John Maynard.Economia. Ob. cit., pg. 7-42. 4 Cf. Sorley, W. R. Historia de la Filosofía Inglesa. (Versão espanhola a cargo de Teodora Efrón e Julieta Gómez Paz). Buenos Aires: Losada, 1951, pg. 309 seg.

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mente"5. A idéia que emerge desses ensinamentos é a de um empirismo moderado pela perspectiva transcendental. É interessante anotar, de outro lado, a importância atribuída por Hill Green ao Estado no controle da vida econômica. Certamente aí encontramos a influência hegeliana. Para Green, como frisa Harry Burrows Acton, "a ação governamental não pode tornar os homens moralmente melhores, mas pode dar-lhes os meios para conseguir isso por si mesmos"6. Green contribuiu a deitar as bases éticas, na tradição política inglesa, da intervenção do Estado na economia e da crítica ao laissez-faire, idéias que John Maynard Keynes desenvolveu a partir dos anos 20. A influência recebida de Francis Herbert Bradley pela geração à que pertenceu Keynes, contribuiu a solidificar a idéia de um empirismo mitigado pela perspectiva crítica. Bradley chegou a ser, no sentir de Harry B. Acton, "o filósofo mais conhecido e mais discutido nos países de fala inglesa"7. As suas principais obras foram Os pressupostos da crítica histórica (1874), Estudos éticos (1876), Princípios de Lógica (1883) e Aparência e realidade (1893). Muito influenciado por Thomas Hill Green, o seu pensamento representa uma original interpretação da filosofia hegeliana, do ponto de vista da valorização da experiência. Na sua última obra, Bradley salienta os laços que unem o pensamento à realidade. Ao analisar a questão da aparência, o filósofo examina conceitos como os de coisas, qualidades, relações, espaço e tempo, causalidade, e noções como as de eu ou atividade. Esses conceitos, no sentir dele, implicam oposição de contradição entre si e não devem ser aceitos. O conceito de realidade, que abarca a noção de coerência, exclui esses conceitos situados no terreno da aparência. "Nosso critério, frisa Bradley, exclui a incoerência e postula (...) a existência de uma coerência"8. Ora, a apreensão dessa coerência, frisa Bradley, somente pode se dar no terreno da experiência, na qual a razão trabalha sobre os dados da sensação. Nem sensismo puro, nem racionalismo à la Descartes. A perspectiva que predomina em Bradley é a de um empirismo mitigado pela perspectiva crítica, aberto à apreensão da realidade como uma totalidade (que Bradley denomina de coerência). É evidente a preocupação de Keynes, num dos seus primeiros escritos9 em formular uma lógica aberta à apreensão dessa totalidade, no contexto da teoria da probabilidade. Eis o que o John Maynard Keynes escreve no seu ensaio intitulado "O sentido da Probabilidade" (que resumia a Dissertação apresentada no concurso para professor na Universidade de Cambridge): "Obtemos uma parte do nosso conhecimento diretamente; e outra, através do raciocínio. A teoria da probabilidade refere-se a esta parte que obtemos através do raciocínio; ela trata dos diferentes graus em que os resultados assim obtidos são 5 Cit. por Acton, Harry Burrouws. "La filosofía anglosajona", in: Belaval, Yvon. (coordenador). Historia de la filosofia: las filosofías nacionales - Siglos XIX y XX. (Tradução ao espanhol a cargo de José Miguel Marinas e Eduardo Bustos), 3a. edição em espanhol, México: Siglo XXI Editores, p. 5. 6 Acton, Harry Burrows, "La filosofía anglosajona", in: Belaval, Yvon (coordenador), Historia de la filosofía: las filosofías nacionales - Siglos XIX y XX. Ob. cit., p. 9. 7 Acton, Harry Burrows, "La filosofía anglosajona", in: Belaval, Yvon (coordenador), Historia de la filosofia: las filosofías nacionales - Siglos XIX y XX. Ob. cit., ibid. 8 Bradley, Francis Herbert. Appareance and reality. Cit. por Acton, Harry Burrows, "La filosofía anglosajona", in: Belaval, Yvon, Historia de la filosofía: las filosofías nacionales - Siglos XIX y XX, ob. cit., p. 17. 9 Keynes, John Maynard. "O sentido da probabilidade" (1921). In: Keynes, Economia. (Coletânea de textos organizada por Tamás Szmrecsányi). Ob. cit., p. 70-76.

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ou não conclusivos. Na maioria dos ramos da lógica acadêmica, como a teoria do silogismo ou a geometria do espaço ideal, todos os raciocínios procuram alcançar uma certeza demonstrativa. Eles pretendem ser conclusivos. Mas muitos outros são racionais e pretendem ter certo peso, sem aspirar à certeza. Na metafísica, na ciência e no comportamento, a maioria dos raciocínios em que habitualmente baseamos nossas convicções racionais, é aceita como inconclusiva em maior ou menor grau. Assim, para o tratamento filosófico destes ramos do conhecimento, torna-se necessário o estudo da probabilidade. O rumo dado pela História do Pensamento à trajetória da lógica estimulou o ponto de vista de que raciocínios duvidosos não se incluem no seu âmbito. Mas, no exercício concreto da razão, não nos servimos apenas da certeza, nem consideramos irracional depender de um raciocínio duvidoso. Se a lógica investiga os princípios gerais do pensamento válido, o estudo dos raciocínios, a que é sensato atribuir algum peso, constitui uma parte dela, assim como o estudo daqueles que não são demonstrativos"10. O arrazoado de Keynes é significativo, porquanto o nosso autor considerava que muitos dos postulados da ciência econômica são não conclusivos, sendo portanto impossível alegar, nesse terreno, uma certeza absoluta. O caráter inconclusivo da economia decorre, para Keynes, fundamentalmente do fato de esta ciência lidar com infinitas variáveis, entre elas a liberdade humana. "A reflexão mostrará -- afirmava Keynes em outra parte do ensaio citado -- que esta apresentação se harmoniza com a experiência conhecida. Nada há de novo na suposição de que a probabilidade de uma teoria gira em torno das evidências em que ela se apoia; e é comum afirmar que uma opinião provável, com base nas evidências inicialmente à mão, tornou-se insustentável diante de outras informações. À medida que mudam nosso conhecimento ou nossas hipóteses, nossas conclusões adquirem novas probabilidades, não em si, mas em relação a estas novas premissas (...)"11. Keynes formulava, portanto, uma lógica da probabilidade, que deveria servir de base à ciência econômica, justamente na medida em que os seus postulados eram de caráter inconclusivo. Se considerarmos que a primeira formulação da sua teoria da probabilidade data de 1908 (na dissertação que o nosso autor apresentou à Universidade de Cambridge), podemos concluir que Keynes adiantou-se aos cientistas da época, ao reconhecer à ciência econômica um caráter de indeterminação, que os físicos aplicariam, dezoito anos mais tarde, em 1926, às ciências da natureza12. De outro lado, parece-nos que Keynes recolheu o legado de Bradley quando, na sua Teoria Geral do Emprego, do Juro e do Dinheiro considerava que a visão do economista deve ir além das aparências (que ele identificava com a realidade econômica no plano dos indivíduos), para enxergar, mais

10 Keynes, John Maynard. "O sentido da probabilidade" (1921). In: Keynes, Economia. (Coletânea de textos organizada por Tamás Szmrecsányi). Ob. cit., p. 70. 11 Keynes, John Maynard. "O sentido da Probabilidade" (1921). In: Keynes, Economia. (Coletânea de textos organizada por Tamás Szmrecsányi). Ob. cit., p.74. 12 Cf., a respeito do princípio da indeterminação na física, Lovell, Bernard, "William Herschell e a emergência da cosmologia moderna", in: A emergência da cosmologia, (tradução de V. Ribeiro), Rio de Janeiro: Zahar, 1983, pgs. 111-134. Weisskopf, Victor F. "A Física no século XX", in: Humanidades, Brasília, vol. 2, no. 5 (1983): pg. 117-127. Hawking, Stephen, "O princípio da incerteza", in: Uma breve história do tempo: do Big Bang aos Buracos Negros. (Introdução de C. Sagan; tradução de M. H. Torres). 13a. edição, Rio de Janeiro: Rocco, 1989, pgs. 85-95. Born, Max. "Símbolo e realidade", in: Humanidades, Brasília, vol. 1, no. 2 (1983): pg. 160-169. Segré, Emílio Gino, "Einstein: novas formas de pensar", in: Humanidades, Brasília, vol. 1, no. 4 (1983): pg. 103-116. Holton, Gerald, "As raízes da complementariedade", in: Humanidades, Brasília, vol. 2, no. 9 (1984): pg. 49-71.

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radicalmente, o movimento geral do mercado, o pano de fundo da economia como um todo. É um tipo de hegelianismo soft, como aquele que inspirava a Guizot quando buscava, no fluir dos acontecimentos históricos da civilização européia, o substrato que permanece, identificado com a luta de classes e o confronto entre liberdade e ordem. Da sua formação filosófica o nosso autor certamente herdou a firme fé na força das idéias. Elas, embora lentamente, atuam no seio confuso de interesses egoístas que se entrechocam nas sociedades humanas. Os agentes sociais, políticos, agitadores, líderes populares, revolucionários, panfletários, chefes religiosos, jornalistas, burocratas, parlamentares, diplomatas, etc., utilizam-nas para a sua pregação. Em virtude desse fato, o nosso autor considera de capital importância que, nas sociedades contemporâneas, haja intelectuais dedicados à discussão das idéias e à sua divulgação. É um antecipo da tese da "sociedade aberta" que seria posteriormente formulada por Popper. Uma prova dessas convicções é a forma em que ele termina as suas "Notas Finais sobre a Filosofia Social a que poderia levar a Teoria Geral". Indagando acerca do sucesso que teria a sua proposta reformista do sistema capitalista, escreve Keynes: "Será uma esperança visionária confiar que estas idéias se concretizem? Têm elas raízes insuficientes nos motivos que governam a evolução das sociedades políticas? São os interesses a que elas se opõem mais fortes e mais manifestos do que os que favorecem? Não me cabe responder aqui a essas perguntas. Seria necessário um livro de natureza bem diferente deste para indicar, mesmo em linhas gerais, as medidas práticas que poderiam dar corpo a tais idéias. Contudo, se as idéias são corretas, hipótese na qual o próprio autor tem de basear o que escreve, seria um erro, segundo minha previsão, ignorar a força que com o tempo elas virão a adquirir. Presentemente, há uma expectativa incomum de um diagnóstico mais bem fundamentado: mais do que nunca todos estão prontos a aceitá-lo e desejosos de o experimentar, desde que ele seja pelo menos plausível. Mas, à parte esta disposição de espírito peculiar à época, as idéias dos economistas e dos filósofos políticos, estejam elas certas ou erradas, têm mais importância do que geralmente se percebe. De fato, o mundo é governado por pouco mais do que isso. Os homens objetivos que se julgam livres de qualquer influência intelectual são, em geral, escravos de algum economista defunto. Os insensatos, que ocupam posições de autoridade, que ouvem vozes no ar, destilam seus arrebatamentos inspirados em algum escriba acadêmico de certos anos atrás. Estou convencido de que a força dos interesses escusos se exagera muito em comparação com a firme penetração das idéias. É natural que elas não atuem de maneira imediata, mas só depois de certo intervalo; isso porque, no domínio da filosofia econômica e política, raros são os homens de mais de vinte e cinco ou trinta anos que são influenciados por teorias novas, de modo que as idéias que os funcionários públicos, os políticos e mesmo os agitadores aplicam aos acontecimentos atuais têm pouca probabilidade de ser as mais recentes. Porém, cedo ou tarde, são as idéias, e não os interesses escusos, que representam um perigo, seja para o bem ou para o mal"13 No terreno específico da filosofia social e da moral, como já tivemos oportunidade de frisar, a geração de Keynes recebeu marcante influência de dois filósofos, críticos das idéias transcendentais de Hill Green e de Bradley: Henry Sidgwick e George Edward

13 Keynes, John Maynard. Teoria Geral do Emprego, do Juro e do Dinheiro. Ob. cit., pg. 259.

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Moore. Sidgwick, intimamente ligado à família Keynes, formulou as bases teóricas que deram ensejo à nova pedagogia inglesa, desmontando o rígido formalismo que prevalecia no período vitoriano. Crítico da perspectiva kantiana, Sidgwick inspirava-se num "realismo natural" à la Thomas Reid (1710-1796). A sua concepção ética era uma síntese das opiniões de Clarke (1675-1729) e Butler (1692-1752), com as de Mill (1806-1873)14. Eis os aspectos essenciais da filosofia social de Sidgwick, cuja doutrina, de cunho marcadamente pedagógico semelhante à dos positivistas ilustrados brasileiros, recebeu o nome popular de Pressupostos de Harvey Road: a) O governo da Grã Bretanha deve estar nas mãos de uma aristocracia intelectual, que use o método da persuasão para formar o cidadão; b) em conseqüência, a opinião pública não pode ser manipulada autoritariamente, mas apenas orientada de forma esclarecida; c) as reformas sociais, portanto, devem ser feitas mediante a discussão e a participação dos cidadãos. Como destacou Moggridge, "estes pressupostos constituíram importantes fatores na prática, por Keynes, da persuasão pública"15. No que tange às idéias morais foi marcante, para a geração de Keynes, a filosofia de George Edward Moore. Fazendo-se eco, como Sidgwick, da filosofia do senso comum, Moore acreditava que a visão do mundo nele alicerçada, era perfeitamente certa e, em virtude desse fato, os conceitos filosóficos contrários a ele seriam, sem dúvida, falsos. Na sua obra principal intitulada Principia Ethica (1903), Moore escrevia o seguinte: "O que diz um filósofo deve ser minuciosamente examinado à luz do sentido que correntemente se dá às palavras que usa"16. Essa moral proveniente do senso comum levou os jovens pertencentes ao Clube dos Apóstolos (ao qual se filiou Keynes durante os seus anos de estudo), a formularem uma espécie de religião ética que não deixava de ter as suas semelhanças com o Apostolado positivista (embora sem o dogmatismo que caracterizaria a este). A respeito, escreveu Quentin Bell: "Na Inglaterra vitoriana, os apóstolos do progresso (...) limparam as suas igrejas de sacramentos, altares, sacerdotes e púlpitos, não deixando mais nada do que uma nua estrutura de princípios éticos"17. A religião ética formulada por Keynes e os seus amigos, tinha elevada dose de individualismo libertário, como deixa transparecer o testemunho do próprio Keynes acerca do espírito que animava aos jovens intelectuais congregados ao redor do Bloomsbury Group18: "Nós repudiávamos uma responsabilidade pessoal que nos obrigasse a obedecer regras gerais. Reclamávamos o direito de julgarmos o mérito de cada caso individual e postulávamos que a sabedoria, a experiência e a disciplina pessoal eram os meios para procedermos corretamente. Isto constituiu parte muito importante da nossa fé, violenta e

14 Cf. Sorley, W. R. Historia de la filosofía inglesa. Ob. cit., pg. 304-305. 15 Moggridge, D. E. Keynes. 3a. edição. Londres: Macmillan, 1993, pg. 2. 16 Cit. por Acton, Harry Burrows. "Lógica simbólica, pluralismo y empirismo". In: Belaval, Yvon (organizador), La filosofía en el siglo XX. (Tradução ao espanhol de Catalina Gallego). 5a. edição. México: Siglo XXI, 1981, pg. 39. 17 Bell, Quentin. Bloomsbury. London: Omega Books, 1974, pg. 24. Cit por Moggridge, Keynes, ob. cit., pg. 2. 18 Este grupo tomou o seu nome do distrito londrino onde costumavam se reunir Keynes e os seus amigos. O cerne da ética libertária do Bloomsbury Group foi constituído, sem dúvida, pelos princípios em que acreditava o grupo dos Apóstolos, ao qual pertenceu Keynes durante os seus estudos.

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agressivamente defendida, e para o mundo exterior essa foi a nossa mais óbvia e perigosa caraterística"19. Durante os anos de sua formação, o nosso autor participou , como já foi dito, do Clube dos Apóstolos (tradicional sociedade secreta que tinha sido fundada em 1820), e da qual participavam, na época de Keynes, figuras que iriam ter destaque posteriormente na vida pública inglesa, tais como Bertrand Russell, Desmond MacCarthy, Lytton Strachey, Leonard Woolf, Clive Bell, etc. Estimulado por essas amizades intelectuais, o nosso autor desenvolveu ampla atividade de crítica cultural. Fruto dessa atividade foi a criação do Bloomsbury Group, cujo espírito libertário no terreno da ética acabamos de salientar. O mencionado grupo foi integrado por Keynes junto com Lytton Strachey, Leonard Woolf, Clive Bell, Duncan Grant, Thoby Stephen, Vanessa Bell e Virgínia Woolf. Inspirado pela ideologia apontada, o grupo reuniu intelectuais de sucesso, libertários, debochados, feministas e críticos dos valores herdados da sociedade vitoriana. A. Moura da Silva20 destaca o caráter multifacetado e polêmico da personalidade intelectual de Keynes, com as seguintes palavras: "Por conta dessa multifacetada experiência, Keynes era um homem polêmico, e, para não poucos, arrogante. A sua atuação pública, no entanto, viveu dividida entre o apego e a crítica à herança cultural vitoriana. No convívio exigido pelas suas funções de influente membro do governo, não ficou imune aos valores da classe dirigente inglesa (...). De outro lado, a solidariedade que dedicou ao longo de sua vida aos amigos de adolescência possibilitou-lhe cultivar e aprender a conviver com o novo, representado pelo comportamento socialmente agressivo de seus amigos, vanguarda intelectual e liberal da cosmopolita Londres de então". Keynes não constituía um tipo de intelectual analítico. O seu gosto era pelo estudo da realidade econômica, considerada em sentido amplo, ou seja, com as suas implicações culturais e políticas. Propendia, também, pela busca de técnicas que permitissem modificar a realidade social. Joseph A. Schumpeter escreve a respeito: "Ele era bastante culto e inteligente para desprezar os refinamentos lógicos. Até certo ponto, neles encontrava prazer; ainda em grau maior os tolerava. Mas, após uma linha fronteiriça que ele logo alcançava, perdia a paciência. L'art pour l'art em absoluto fazia parte de seu credo científico. Onde quer que ele se tenha revelado progressista, não o foi no método analítico"21. Keynes ingressou no funcionalismo público britânico, como técnico do Tesouro, em 1906. Mas não o satisfez a imobilidade burocrática. Por isso, paralelamente trabalhava na elaboração de uma dissertação, com a finalidade de voltar à vida acadêmica. O tema das

19 Keynes, cit. por Moggridge, ob. cit., pg. 5. A ética individualista e libertária que caracterizou ao Bloomsbury Group inspirava, sem dúvida, também ao Clube dos Apóstolos, do qual formou parte o autor, como foi frisado, durante os seus estudos. D. E. Moggridge informa que, nos dois últimos anos da sua primeira formação humanística em Eton, Keynes "teve experiências homossexuais". Desse passado restou, na vida do nosso autor, uma "homossexualidade ideológica", que o levou a defender os direitos das minorias. Cf. Moggridge, Keynes, ob. cit., pg. 5. 20 Silva, Adroaldo Moura da. "Apresentação: Keynes e a Teoria Geral", in: Keynes, Teoria Geral do Emprego, do Juro e do Dinheiro. Ob. cit., pg. IX. 21 Schumpeter, Joseph A. Teorias econômicas de Marx a Keynes. (Tradução de Rui Jungman). Rio de Janeiro: Zahar, 1970, pg. 250.

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suas pesquisas era o relacionado com os fundamentos filosóficos da probabilidade. Em 1908, como já foi apontado, apresentou uma primeira versão da dissertação à Universidade de Cambridge, mas o trabalho não foi aceito. Dedicou-se então ao estudo da Economia. Convidado por Marshal e Pigou, passou a lecionar esta disciplina (sem vínculo formal com a Universidade). Junto com as suas aulas, o nosso autor dedicava tempo ao desenvolvimento da sua dissertação sobre Teoria da Probabilidade. O trabalho foi por fim aceito, fato que lhe permitiu assumir, de maneira formal, aos 28 anos de idade, as suas funções docentes na Universidade. Entre 1908 e 1915, Keynes familiarizou-se sobre tudo com os teóricos da ortodoxia econômica (Pigou, Marshall, Stuart Mill, David Ricardo e Adam Smith). O jovem professor entendia a Economia fundamentalmente como ciência moral, "valorizando a intuição em contraste à razão na escolha dos modelos relevantes e cultivando o espírito de controvérsia, umbilicalmente associado à política econômica"22. Desse período data a sua obra intitulada Indian Currency and Finance (1913). No período compreendido entre 1915 e 1919 Keynes voltou a trabalhar na Administração Pública britânica. Participou, em Paris, da Conferência da Paz, na qualidade de representante do Tesouro. Criticou, de forma corajosa, a atitude dos líderes aliados, notadamente Clemenceau, Wilson e Lloyd George. O nosso autor deixou sintetizadas as suas idéias deste período na obra intitulada The Economic Consequences of the Peace (1919). Graças a ela e ao fato de se tornar conhecido pela sua participação na Conferência de Paz, Keynes ganhou enorme notoriedade após o conflito mundial, e passou a dedicar o seu tempo de estudo fundamentalmente à discussão acerca da política econômica, tendo limitado a sua vinculação à Universidade de Cambridge às orientações de pesquisa que impartia, para alguns alunos, no "Clube de Economia Política", por ele fundado. Em 1926 Keynes publicou o ensaio intitulado "O fim do laissez-faire", que inicialmente constituiu o texto de duas palestras pronunciadas em Oxford e na Universidade de Berlim (em 1924 e 1926, respectivamente). O nosso autor criticava de forma decidida o laissezfairismo à la Bastiat, em termos bastante semelhantes a como hoje é criticado o chamado por Soros fundamentalismo de mercado23. A prática do "laissez faire", considerava Keynes, é uma nova versão do darwinismo social, que condena à morte os seres mais fracos, que não conseguem lutar por sobreviver na selva da concorrência. Em relação a este ponto, o nosso autor escrevia: "Isto implica que não deve haver perdão ou proteção para os que empatam o seu capital ou o seu trabalho na direção errada. Este é um método para elevar ao topo os negociantes melhor sucedidos, mediante uma luta cruel pela sobrevivência, que seleciona os mais eficientes através da falência dos menos eficientes. Não se leva em conta o custo da luta, mas apenas os lucros do resultado final, que se supõe serem permanentes. Como o objetivo é colher as folhas dos galhos mais altos, a maneira mais provável de alcançá-lo é deixar que as girafas com os pescoços mais longos façam morrer à míngua as de pescoços mais curtos. (...) Contudo, esta suposição de condições em que a seleção natural explícita leva ao progresso, é apenas uma das duas

22 Silva, Adroaldo Moura da. "Apresentação: Keynes e a Teoria Geral". In: Keynes, Teoria Geral do Emprego, do Juro e do Dinheiro. Ob. cit., pg. IX. 23 Cf. Soros, George. A crise do capitalismo. (Apresentação à edição brasileira de Armínio Fraga; tradução a cargo de Afonso Celso da Cunha Serra). Rio de Janeiro: Campus, 1998.

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suposições provisórias que, tomadas como verdades literais, tornaram-se as escoras gêmeas do laissez-faire. A outra é a eficácia, e, na verdade, a necessidade, da oportunidade de lucros privados ilimitados como incentivo ao máximo esforço. Sob o laissez-faire, o lucro cabe ao indivíduo que, por aptidão ou boa sorte, é encontrado com seus recursos produtivos no lugar certo e na hora certa. Um sistema que permite que o indivíduo apto e de sorte colha todos os frutos dessa conjuntura, evidentemente, oferece um incentivo imenso à prática da arte de estar no lugar certo na hora exata. Um dos motivos humanos mais poderosos, o amor ao dinheiro, é assim acoplado à tarefa de distribuir recursos econômicos da maneira melhor calculada para aumentar a riqueza. O paralelismo entre o laissez-faire econômico e o darwinismo, já observado rapidamente, pode ser visto agora como realmente muito próximo, conforme Herbert Spencer foi o primeiro a reconhecer (...)"24. A crítica de Keynes ao laissez-faire é fundamentalmente de ordem moral: a dignidade dos seres humanos, que deve ser respeitada sem exceção, é desconhecida, nos casos das crises econômicas, pelas leis do mercado. A solução apontada por Keynes, veremos, não é de tipo fundamentalista (do tipo elimine-se o mercado), mas de caráter gradual ou reformista (mudem-se as condições que tornam o mercado contrário à dignidade humana). Mas se a crítica ao laissez-faire, do ângulo social, reveste-se, em Keynes, de uma certa auréola de imperativo kantiano, o nosso autor formulou, de outro lado, já na perspectiva do indivíduo que gozaria das benesses do pleno emprego, uma concepção ética de tipo epicurista, mais afinada com a busca da alegria de viver. Diríamos que o nosso autor se projeta para o futuro, imaginando o que seria uma sociedade em que o lazer ocupasse importante espaço da vida das pessoas. Acerca desse modelo ético para uma sociedade futura, o nosso autor imagina o que seria o comportamento que poderíamos chamar do homem do welfare state. Em relação a esse ponto, Keynes caracterizou no seu ensaio, de 1930, intitulado: "As possibilidades econômicas dos nossos netos"25, o que seria o seu modelo de ética do lazer: "Assim, pela primeira vez desde sua criação, o homem enfrentará seu problema real e permanente: como empregar a liberdade de preocupações econômicas prementes, como ocupar o lazer que a ciência e o juro composto lhe terão conquistado, para viver bem, sábia e agradavelmente. Os ativos e decididos ganhadores de dinheiro podem levar-nos todos ao aconchego da abundância econômica. Mas apenas serão capazes de aproveitar a abundância, quando ela chegar, os que puderem manter viva e cultivar para uma perfeição mais completa a arte de viver, e os que não se vendem pelos meios de vida. Todavia, acho que não existe país ou povo capazes de encarar sem temor uma era de lazer e abundância. Isto porque, durante um período demasiado longo, fomos treinados a lutar e não a gozar. Trata-se de um problema temível para a pessoa comum, sem talentos especiais para se ocupar, principalmente se não estiver mais enraizada na terra, nos hábitos, ou nas queridas convenções de uma sociedade tradicional (...)".

24 Keynes, John Maynard, "O fim do laissez-faire", In: Keynes, Economia. (Coletânea de textos organizada por Tamás Szmrecsányi). Ob. cit., pg. 116-117. 25 Keynes, John Maynard. "As possibilidades econômicas de nossos netos", in: Keynes, Economia, (coletânea de textos organizada por Tamás Szmrecsányi). ob. cit., pg. 156.

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Além da crítica de ordem ética à teoria do laissez-faire, Keynes desenvolvia uma outra argumentação, do ângulo epistemológico. O laissezfairismo é, do ângulo teórico, uma grosseira simplificação, que ancora em princípios irreais. A respeito, Keynes escrevia: "A beleza e a simplicidade dessa teoria são tão grandes que é fácil esquecer que ela decorre não de fatos reais mas de uma hipótese incompleta formulada para fins de simplificação. Além de outras objeções a serem mencionadas mais adiante, a conclusão de que os indivíduos que agem de maneira independente para seu próprio bem produzem maior volume de riqueza, depende de uma série de pressupostos irreais, com relação à inorganicidade dos processos de produção e consumo, à existência de conhecimento prévio suficiente das suas condições e requisitos, e à existência de oportunidades adequadas para obter esse conhecimento prévio (...)"26. Com a publicação, em 1923, da obra Tract on Monetary Reform e, em 1931, de Essays on Persuasion, começa o período que os biógrafos denominam de Keynes, homem de negócios, jornalista e autor de sucesso público27. No seu Tract on Monetary Reform, o nosso autor não antecipava nada da sua posterior Teoria Geral. Limitava-se a seguir o ponto de vista ortodoxo (de Marschal e Pigou), em relação às questões da estabilidade de preços, política cambial e moeda. A problemática do desemprego era tratada de maneira marginal e aparecia num panfleto de 1929, publicado juntamente com Hubert Honderson sob o título de Can Lloyd George it?. Nele, os autores analisavam a questão de um ponto de vista ortodoxo, como faziam Marschall, Pigou ou Viner, tratando-a com os meios tradicionais de geração de programas de obras públicas. A partir de 1925 tem início o período de transição que culminará com a Teoria Geral do Emprego, do Juro e do Dinheiro. Dois eventos são apontados pelos seus biógrafos como marcantes neste período. Em primeiro lugar, Keynes passou a ter uma vida pessoal mais organizada, em decorrência do seu casamento com a bailarina russa Lydia Lopokova, com quem já vivia algum tempo atrás; esse fato levou o nosso autor a um relativo distanciamento do "Bloomsbury Group". Em segundo lugar, no plano acadêmico, o intercâmbio de idéias com Denis Robertson, que preparava o livro intitulado Policy and The Price Level (1926). Esta obra é importante pois tinha em germe a idéia da separação dos atos de poupar e investir e a sua inter-relação com a teoria monetária, na tentativa de explicar as flutuações econômicas. Ao ensejo da leitura do trabalho de Robertson, Keynes começou a redigir o seu livro intitulado A Treatise on Money (1930). Sintetizando a crítica à economia ortodoxa que Keynes empreende neste período, escreve A. Moura da Silva: "Da crítica à Lei de Say (consagradora do laissezfairismo econômico), Keynes caminha em busca de uma explicação analítica para o desemprego e tenta dar fundamento teórico às sugestões de intervenção estatal como geradora de demanda para garantir níveis elevados do emprego. É importante notar que inúmeros economistas de orientação ortodoxa também advogaram gastos públicos para combater o desemprego, a exemplo de Pigou e Robertson.

26 Keynes, John Maynard. "O fim do laissez-faire", in: Keynes, Economia. (Coletânea de textos organizada por Tamás Szmrecsányi). Ob. cit., pg. 117. 27 Cf. Silva, Adroaldo Moura da. "Apresentação: Keynes e a Teoria Geral". In: Keynes, Teoria Geral do Emprego, do Juro e do Dinheiro. Ob. cit., pg. X.

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A crítica de Keynes se concentra na inconsistência entre os fundamentos teóricos desses autores, de um lado, e suas recomendações práticas, de outro"28. As avaliações críticas acerca da sua obra A Treatise on Money, desenvolvidas por importantes autores como Hayek e Robertson, e inclusive por parte dos discípulos de Keynes em Cambridge (Joan e Austin Robinson, Richard Kahn, James Mead, Piero Sraffa e outros), levaram o nosso autor a buscar uma nova explicação para as chamadas flutuações econômicas. Das pesquisas desenvolvidas com esse objetivo entre 1930 e 1935, resultou a publicação da sua magna obra The General Theory of Employment, Interest and Money (Teoria Geral do Emprego, do Juro e do Dinheiro), em 1936. A obra, como não podia deixar de acontecer com uma nova teoria econômica, ensejou ampla controvérsia entre os discípulos de Keynes, de um lado, e os tradicionais autores da ortodoxia econômica, como Pigou, Hayek, Robertson, Hawtrey, etc., de outro. O livro também provocou acirrados debates entre os economistas norte-americanos. No próximo item referir-nos-emos às teses centrais da Teoria Geral de Keynes. Mencionemos apenas, por enquanto, o clima de debate suscitado pelo livro do nosso autor, que defendia, basicamente, a intervenção indireta do Estado na economia, como forma de direcionar a poupança no financiamento de obras públicas, que garantissem o emprego. P. A. Samuelson dá testemunho da agitação intelectual provocada pela obra de Keynes, nos seguintes termos: "Para o estudante moderno é totalmente impossível entender o pleno efeito do que foi convenientemente denominado A Revolução Keynesiana, sobre aqueles que, como nós, foram educados dentro da tradição ortodoxa. O que para os novatos de hoje é visto com freqüência como trivial e óbvio, era para nós então enigmático, novo e herético... The General Theory atingiu a maioria dos economistas em idade abaixo dos trinta e cinco anos e fê-lo com a inesperada virulência de uma doença que pela primeira vez ataca e dizima uma tribo isolada dos mares do sul"29. Evidentemente que o temperamento um tanto excêntrico de Keynes teve parte de responsabilidade nessa agitação causada pela sua obra. O próprio Samuelson advertia, em relação à Teoria Geral: "É um livro mal escrito e mal organizado... Não serve para uso em classe. É arrogante, mal-educado, polêmico e não muito generoso nos agradecimentos. É cheio de falácias e confusões (como por exemplo): desemprego involuntário, unidades de salário, equivalência da poupança e do investimento, caráter intertemporal do multiplicador, interações da eficiência marginal sobre a taxa de juros, poupança forçada, taxas de juros específicas, e muitos outros (conceitos ambíguos)... Depois de entendida a sua análise se mostra óbvia e ao mesmo tempo nova. Em resumo, é um trabalho de gênio"30. A esses aspectos juntava-se, de forma explosiva, a repercussão um tanto imatura que a obra do nosso autor teve no público universitário britânico e norte-americano. John

28 Silva, Adroaldo Moura da. "Apresentação: Keynes e a Teoria Geral", in: Keynes,Teoria Geral do Emprego, do Juro e do Dinheiro, ob. cit., pg. XI. 29 Samuelson, P. A. "The General Theory", in: Lekachman, R (editor). Keyne's General Theory Londres: MacMillan, 1964, cit. por A. Moura da Silva, in: "Apresentação: Keynes e a Teoria Geral", in: Keynes, Teoria Geral do Emprego, do Juro e do Dinheiro, ob. cit., pg. XII. 30 "Samuelson, P. A. "The General Theory", art. cit.

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Kenneth Galbrait31 refere o exagero dos jovens economistas e cientistas políticos da Universidade de Harvard que, com motivo da celebração dos trezentos anos daquela Instituição escolheram, para serem homenageados, os nomes de Leon Trostsky e Keynes, pretendendo estabelecer entre eles uma linha de pensamento comum, a todas luzes inexistente. Poderíamos pensar, a esta altura, que talvez Keynes estivesse desprovido do que hoje se chama modéstia epistemológica. Nada mais falso. O nosso autor era consciente de que trilhava, na sua obra, caminhos novos, aos quais chegara graças à colaboração dos seus discípulos e às constantes discussões com os seus colegas de profissão, os economistas. Considerava que a sua obra deveria ser discutida pela sociedade, não apenas pelos especialistas. A propósito, escrevia Keynes no prólogo à primeira edição inglesa da sua Teoria Geral, em dezembro de 1935: "O autor de um livro como este, trilhando caminhos desconhecidos, terá que apoiar-se muito na crítica e na troca de idéias se quiser evitar uma proporção indevida de erros. É surpreendente em que coisas tolas pode-se acreditar temporariamente se se pensa sozinho por tempo demasiado, particularmente na Economia (bem como nas outras ciências morais), em que muitas vezes é impossível submeter as idéias que se tem a um teste conclusivo, quer formal, quer experimental. Ao escrever este livro, ainda mais do que no caso do meu Tratado sobre a Moeda, apoiei-me constantemente nos conselhos e nas críticas construtivas do Sr. R. F. Kahn. Há muitas coisas neste livro que não teriam assumido a forma que assumiram se não fosse por suas sugestões. Também recebi muito auxílio da Sra. Joan Robinson, do Sr. R. G. Hawtrey e do Sr. R. F. Harrod, que leram todas as provas (...)"32. A perplexidade causada pela Teoria Geral decorria, para Keynes, do fato de que, nela, era superado o arquétipo representado pela teoria ortodoxa, na qual tinha-se formado toda uma geração de economistas, como lembrava Samuelson. Em relação a essa mudança de eixo no pensamento econômico, Keynes apresentava a sua teoria como algo a ser debatido e submetido ao crivo da análise. Conclamava ao debate, em primeiro lugar os seus pares, os economistas, embora considerasse que a sua obra estava aberta ao público em geral. Longe situava-se nosso autor, portanto, do cego dogmatismo ou da pretensão de ter descoberto uma teoria válida de uma vez por todas. O papel do debate consiste justamente, para Keynes, em que ele ajuda a clarear as idéias. O nosso autor não deixava de reconhecer, modestamente, que a sua teoria desagradaria a muitos. Mas deixava claro que buscava, fundamentalmente, novos caminhos que permitissem explicar a realidade do mundo econômico, fazendo uma profissão de fé no seu compromisso ético com a busca da verdade, tornando-se eco do que um outro liberal, que assistiu como ele à assinatura do Tratado de Versailles, Max Weber, tinha escrito a respeito da ciência como vocação33. Em relação a esses aspectos, escrevia Keynes no Prefácio à edição inglesa da Teoria Geral: "Este livro é dirigido principalmente a meus colegas economistas. Espero que ele 31 Galbraith, John Kenneth. "O advento de John Maynard Keynes", in: Moeda: de onde veio, para onde foi. (Tradução de Antônio Zoratto Sanvicente). 2a. edição. São Paulo: Pioneira, 1983, pg. 239. 32 Keynes, John Maynard. Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda. (Apresentação de Adroaldo Moura da Silva). Ob. cit., pg. 4. 33 Cf. Weber, Max. Ciência e política: duas vocações. (Prefácio de Manoel T. Berlinck; tradução de Leônidas Hegenberg e Octany Silveira da Mota). 9a. edição. São Paulo: Cultrix, 1993, pg. 17-54.

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seja inteligível a outros, também, mas o propósito primordial dele é tratar de questões difíceis de teoria e, só em segundo lugar, das aplicações dessa teoria à prática. Se a economia ortodoxa está em desgraça, o erro não se encontra na superestrutura, que foi elaborada com grande cuidado, levando em conta a consistência lógica, mas na falta de clareza e de generalidade das premissas. Assim, só posso conseguir meu objetivo de persuadir os economistas a reexaminarem criticamente certos de seus postulados básicos através de uma argumentação altamente abstrata e também de muita controvérsia. Gostaria que tivesse podido haver menos desta última, mas julguei-a importante, não apenas para explicar meu próprio ponto de vista, como também para demonstrar em que aspectos ele diverge da teoria predominante. Suponho que os que estão fortemente apegados àquilo que chamarei a teoria clássica flutuarão entre a crença de que estou completamente errado e a crença de que não estou dizendo nada de novo. Cabe a outros determinar se uma dessas duas ou ainda uma terceira alternativa está correta. Os trechos de controvérsia objetivam fornecer algum material para resposta e devo pedir perdão se, na busca de distinções claras, meus argumentos são demasiado duros. Eu mesmo defendi com convicção, durante anos, as teorias que agora ataco, e não ignoro, acho, seus pontos fortes. Os assuntos em discussão são da máxima importância. Porém, se minhas explicações estiverem certas, é a meus colegas economistas, e não ao público em geral, que tenho que convencer em primeiro lugar. A esta altura da disputa, o público em geral, embora seja bem-vindo ao debate, apenas observará de fora uma tentativa de um economista no sentido de resolver as profundas divergências de opinião entre seus colegas economistas que quase chegaram a destruir a influência prática da teoria econômica e que continuarão, até que sejam resolvidas, a ter esse efeito"34. John Maynard Keynes teria pouco tempo para explicar a sua Teoria Geral. Em meados de 1937, sofreu um agudo ataque cardíaco, que o afastou dos debates acadêmicos. Continuou, no entanto, a prestar alguns serviços ao seu país. Com o início da II Guerra Mundial, voltou ao Tesouro britânico, onde colaborou na elaboração de uma política que atendesse aos gastos bélicos. Dessa época data o seu opúsculo intitulado How to pay for the War (1940), onde realiza uma aplicação da sua Teoria Geral ao esforço de guerra. A partir de 1943 passou a colaborar com o governo britânico na elaboração de um plano econômico que permitisse aos aliados enfrentar as duras condições da reconstrução da economia mundial, especialmente no cenário europeu. Participou, como representante do Tesouro britânico, da Conferência de Bretton Woods, em 1944, onde foi debatida a sua proposta de reconstrução econômica no pós guerra, junto com a elaborada por um americano, Harry White. Da síntese de ambas as propostas surgiram as bases do Fundo Monetário Internacional. Assistiu, no início de 1946, à Conferência de Savannah, onde foram instituídos o Banco Mundial e o FMI. Morreu pouco depois, em abril do mesmo ano, do mal cardíaco que o afetava há nove anos. Este desenlace foi considerado por alguns dos seus biógrafos efeito de ter corrido para pegar um trem. Talvez se a austeridade britânica lhe tivesse posto ao seu serviço um carro, a Inglaterra tivesse se beneficiado por algum tempo ainda com a sua colaboração. Pouco antes da conferência de Bretton Woods, o nosso autor foi agraciado pela Coroa Britânica com o título de Barão Keynes de Tilton. Era a sagração das suas idéias

34 Keynes, John Maynard. Teoria Geral do Emprego, do Juro e do Dinheiro. Edição citada, pg. 3.

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pela mais alta instância política do seu país. Como frisou John Kenneth Galbraith, "ele havia se tornado um membro perfeitamente qualificado do establishment britânico"35. Sintetizando a herança de Keynes, A. Moura da Silva escreveu: "Seria naturalmente um equívoco desprezar os ensinamentos básicos de sua obra e acreditar que em nada ajudem à compreensão do presente. É certo que Keynes não nos legou uma obra acabada e definitiva; ensinou-nos, no entanto, que a operação de uma economia monetária não pode ser compreendida a partir de modelos analíticos ancorados na Lei de Say. Mais importante ainda, incorporou à Economia a grande descoberta filosófica do século XIX, cristializada na máxima O Homem está só, ou seja, não podemos contar com a mão invisível para garantir o suprimento dos bens e serviços e para gerar todos os empregos requeridos por aqueles que desejam trabalhar. Keynes nos ensinou que a ação do Estado, através da política econômica, é um ingrediente básico do bom funcionamento do sistema capitalista. Ou seja, o ativismo do Estado é um complemento indispensável ao funcionamento dos mercados para se obter o máximo nível de emprego possível e, portanto, maximizar o nível de bem-estar da coletividade. Esta é a mais duradoura contribuição de Keynes"36.

2) Conceitos fundamentais de Keynes em Teoria Geral do Emprego, do Juro e do

Dinheiro A principal obra de Keynes não é de fácil leitura e tem, mesmo para os especialistas em Economia, não poucos pontos obscuros. Isso decorre do caráter aberto, não conclusivo da mesma, bem como do fato, confessado pelo próprio autor, de que pretendia, em primeiro lugar, discutir as suas novas teorias com os economistas britânicos. Consideramos que a melhor exposição dos pontos centrais da obra foi feita pelo próprio Keynes, no prólogo à edição francesa. Talvez por se dirigir a público não familiarizado com os clássicos ingleses, o mestre de Cambridge explicou de forma mais expedita os conceitos centrais da sua Teoria Geral. Neste resumo, alicerçar-nos-emos no mencionado prólogo à edição francesa, ampliando as nossas anotações (que não fazem mais do que sintetizar o pensamento do autor) com algumas citações da Teoria Geral. Em dez pontos pretendemos resumir as idéias básicas de Keynes na sua principal obra. a) Por que Teoria Geral?.- Keynes considerava que a sua obra deveria levar tal nome porque enxergava, nela, o comportamento do sistema econômico como um todo (renda global, lucro global, volume global da produção, nível global de emprego, investimento global e poupança global), deixando por tanto de lado a consideração dessas variáveis do ângulo da indústria, firmas ou indivíduos particulares. A respeito, no primeiro capítulo da Teoria Geral afirmava o nosso autor: "Denominei este livro A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda, dando especial ênfase ao termo geral. O objetivo deste título é contrastar a natureza de meus argumentos e conclusões com os da teoria clássica, na qual me formei, que domina o pensamento

35 Galbraith, John Kenneth. Moeda: de onde veio, para onde foi. (Tradução de Antônio Zoratto Sanvicente). 2a. edição. São Paulo: Pioneira, 1983, pg. 268. 36 Silva, Adroaldo Moura da. "Apresentação: Keynes e a Teoria Geral", in: Keynes, Teoria Geral do Emprego, do Juro e do Dinheiro. Ob. cit., pg. XXII.

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econômico, tanto prático quanto teórico, dos meios acadêmicos e dirigentes desta geração, tal como vem acontecendo nos últimos cem anos. Argumentarei que os postulados da teoria clássica se aplicam apenas a um caso especial e não ao caso geral, pois a situação que ela supõe acha-se no limite das possíveis situações de equilíbrio. Ademais, as características desse caso especial não são as da sociedade econômica em que realmente vivemos, de modo que os ensinamentos daquela teoria seriam ilusórios e desastrosos se tentássemos aplicar as suas conclusões aos fatos da experiência"37. Keynes aponta, aliás, em relação ao termo economistas clássicos o seguinte: "é uma denominação inventada por Marx para designar Ricardo e James Mill e seus predecessores, isto é, os fundadores da teoria que culminou em Ricardo. Acostumei-me, talvez perpetrando um solecismo, a incluir na escola clássica os seguidores de Ricardo, ou seja, os que adotaram e aperfeiçoaram sua teoria, compreendendo (por exemplo) J. S. Mill, Marshall e o Prof. Pigou"38. Já em 1930, no seu ensaio intitulado "As possibilidades econômicas de nossos netos"39, Keynes conclamava os seus contemporâneos para que se levantassem sobre a poeira dos fatos dispersos, geradores de perplexidade e de opções curtas e extremadas, e alçassem vôo às alturas do pensamento que descobre as tendências gerais da sociedade. É inegável o sabor hegeliano (à la Guizot) do texto a seguir: "A vigente depressão mundial, a enorme anomalia do desemprego num mundo cheio de necessidades, os desastrosos erros cometidos, cegam-nos para o que está ocorrendo sob a superfície, para a verdadeira interpretação da tendência das coisas. De minha parte, prevejo que ainda em nossa época deverá ser provado o desacerto dos dois erros opostos de pessimismo que atualmente tanto tumultuam o mundo, o pessimismo dos revolucionários, para quem as coisas vão tão mal que nada nos pode salvar, a não ser violentas transformações, e o pessimismo dos reacionários, para os quais o equilíbrio da vida econômica e social é tão precário, que não nos devemos arriscar em fazer experiências. Meu objetivo neste ensaio, todavia, não é examinar o presente ou o futuro próximo, mas desembaraçar-me de visões curtas e levantar vôo. O que podemos racionalmente esperar daqui a cem anos quanto ao nível de nossa vida econômica? Quais são as possibilidades econômicas de nossos netos?" b) Equivalência entre o volume de renda poupado e o volume do novo investimento líquido.- O nosso autor considerava que num determinado sistema econômico como um todo, o volume de renda que é poupado, no sentido de que não é gasto no consumo, "é e tem necessariamente que ser exatamente igual ao volume do novo investimento líquido"40. Keynes reconhecia que tal assertiva era bastante polêmica na sua época, em decorrência do fato "de que essa relação de igualdade entre poupança e investimento, que necessariamente se verifica com relação ao sistema como um todo, não se verifica com relação a um indivíduo em particular", sendo esta última a perspectiva em que se situava a maior parte dos economistas do seu tempo. No caso do sistema econômico considerado como um todo,

37 Keynes, John Maynard. Teoria Geral do Emprego, do Juro e do Dinheiro. (Tradução de Rolf Kuntz. Apresentação de Adroaldo Moura da Silva). Ob. cit., pg. 15. 38 Keynes, John Maynard. Teoria Geral do Emprego, do Juro e do Dinheiro. (Tradução de Rolf Kuntz; apresentação de Adroaldo Moura da Silva). Ob. cit., pg. 15, nota 1. 39 Keynes, John Maynard. "As possiblidades econômicas de nossos netos", In: Keynes, Economia. (Coletânea de ensaios organizada por Tamás Szmrecsányi). Ob. cit., pg. 151. 40 Keynes, John Maynard. "Prefácio à edição francesa", in: Teoria Geral do Emprego, do Juro e do Dinheiro. Ob. cit., pg. 10.

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pensava Keynes, poder-se-ia estabelecer "uma relação entre a poupança global e o investimento global que pode facilmente ser demonstrada, além de qualquer possibilidade de refutação razoável, como sendo de igualdade exata e necessária"41. c) Fatores incidentes sobre o montante real da produção e o nível real do emprego.- Keynes considerava que era possível identificar os fatores de que dependem, num determinado todo econômico, o montante real da produção, bem como o nível real do emprego. Para o nosso autor, estas duas variáveis dependem de vários fatores: decisões correntes de produzir, decisões correntes de investir e expectativas presentes do consumo corrente e do consumo previsto. d) Calculabilidade dos níveis de renda e de emprego, doutrina do multiplicador e teoria do emprego.- Keynes achava que, conhecidas as variáveis mencionadas no item anterior, seria possível calcular os níveis de renda e de emprego. A respeito, afirmava: "(...) assim que conhecemos a propensão a consumir e a poupar (como eu a batizei), isto é, o resultado para a comunidade como um todo das inclinações psicológicas individuais quanto a como dispor de dadas rendas, podemos calcular que nível de renda, e portanto que nível de produção e de emprego, está em equilíbrio lucrativo com um dado nível de novo investimento"42. A partir desse ponto, o nosso autor formulava a doutrina do multiplicador, que exprimia nos seguintes termos: "torna-se evidente que o aumento da propensão a poupar provocará, caeteris paribus, a contração da renda e do volume da produção, enquanto que um aumento do estímulo a investir fará com que se expandam"43. Keynes considerava que, a partir daqui, poder-se-ia formular uma teoria do emprego, em virtude do fato de estarmos em condições de analisar os fatores que determinam a renda e a produção do sistema como um todo. e) Teoria da taxa de juros.- Segundo Keynes, na sua época muitos economistas achavam que o montante de poupança atual determinava a oferta de capital disponível, que o ritmo de investimento corrente controlava sua demanda e que a taxa de juros era o fator de equilíbrio de preços. No entanto, se a poupança global é igual ao investimento global, essa hipótese não se sustenta. Para responder a esse problema, Keynes formulou a sua teoria da taxa de juros nos seguintes termos: "é função da taxa de juros preservar o equilíbrio não entre a demanda e a oferta de novos bens de capital, mas entre a demanda e a oferta de dinheiro, isto é, entre a demanda pela liquidez e os meios de satisfazer essa demanda"44. O nosso autor confessava que, nesse ponto, inspirava-se em Montesquieu, no seu clássico livro Do Espírito das Leis (Livro 22, capítulo 19). Em relação a esse ponto, escrevia Montesquieu, salientando a idéia de que a função dos juros consiste em preservar o equilíbrio entre a demanda e a oferta de dinheiro: "O

41 Keynes, John Maynard. "Prefácio à edição francesa", in: Teoria Geral do Emprego, do Juro e do Dinheiro. Ob. cit., ibid. 42 Keynes, John Maynard. "Prefácio à edição francesa", in: Teoria Geral do Emprego, do Juro e do Dinheiro. Ob. cit., ibid. 43 Keynes, John Maynard. "Prefácio à edição francesa", in: Teoria Geral do Emprego, do Juro e do Dinheiro. Ob. cit., ibid. 44 Keynes, John Maynard. "Prefácio à edição francesa", in: Teoria Geral do Emprego, do Juro e do Dinheiro. Ob. cit., pg. 11.

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dinheiro é o símbolo dos valores. É óbvio que aquele que tem necessidade deste símbolo deve alugá-lo, como procede com todas as coisas das quais pode ter necessidade. Toda a diferença consiste em que as outras coisas podem ser alugadas ou compradas, ao passo que o dinheiro, que é o preço das coisas, se aluga e não se compra. É efetivamente uma ação muito louvável emprestar a outro dinheiro sem juros, mas percebemos que isto só pode ser um conselho religioso e não uma lei civil. Para que o comércio possa ser bem exercido, cumpre que o dinheiro tenha um preço, mas que esse preço seja pouco considerável. Se for muito alto, o negociante, vendo que esse lhe custaria mais em juros o que poderia ganhar em seu comércio, nada empreenderá. Se o dinheiro não tem preço, ninguém o emprestará, e o negociante tampouco nada empreenderá"45. f) Teoria da moeda e dos preços.- Keynes considerava que incluiu no título da sua principal obra o termo Moeda, porque não poderia explicar cabalmente o funcionamento da moderna economia sem tratar a questão dos preços e do dinheiro. O nosso autor achava que o nível de preços como um todo devia ser determinado da mesma maneira que os preços individuais, ou seja, no contexto da lei da oferta e da demanda. Quais são os fatores que determinam as condições de oferta dos produtos tomados individualmente e dos produtos como um todo? Esses fatores são, para Keynes, os seguintes: as condições técnicas, o nível dos salários, o grau de capacidade ociosa das unidades de produção e da mão-de-obra e o estado do mercado e da concorrência. Já as condições de demanda são determinadas pelas decisões dos empresários (que originam a renda dos produtores tomados individualmente), e pelas decisões desses indivíduos quanto à disposição dada a essa renda. Os preços, por sua vez, (tanto os preços entendidos individualmente, como o nível geral de preços) são resultantes desses dois fatores atrás mencionados. A moeda e a quantidade de moeda, segundo Keynes, não constituem, propriamente, influências diretas. "A quantidade de moeda -- frisa o nosso autor -- determina a oferta de recursos líquidos e, consequentemente, a taxa de juros, e, em conjunto com outros fatores (particularmente a confiança), o estímulo a investir, o que por sua vez fixa o nível de equilíbrio da renda, da produção e do emprego e (a cada etapa em conjunto com outros fatores) o nível de preços como um todo através das influências da oferta e da demanda assim estabelecidas"46. g) Superação da teoria de Jean-Baptiste Say de que a demanda é criada pela oferta.- A famosa "lei dos mercados", frisava, Keynes, inspirava a muita gente ainda na época em que ele escreveu o seu principal livro. O erro fundamental dessa lei é que pressupõe infantilmente que o sistema econômico está sempre operando com sua capacidade máxima, "de forma que uma atividade nova apareceria sempre em substituição e não em suplementação a alguma outra atividade". Tal ponto de vista não se compagina nem com a complexidade dos processos econômicos, nem com a extensão dos mercados. Essa teoria é absolutamente incompetente para lidar com os problemas do desemprego e dos ciclos econômicos. O nosso autor frisava, para o público francês, que a sua Teoria Geral "é uma

45 Montesquieu, Charles Louis de Secondat, baron de la Brède et de, O Espírito das Leis. (Tradução de Fernando Henrique Cardoso e Leoncio Martins Rodrigues). Brasília: Editora da Un. B., 1982, pg.433. 46 Keynes, John Maynard. "Prefácio à edição francesa", In: Teoria Geral do Emprego, do Juro e do Dinheiro. Ob. cit., pg.11.

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ruptura radical com as doutrinas de J. B. Say"", enquanto que na teoria dos juros ela "é um retorno às doutrinas de Montesquieu"47. h) Teoria do ciclo econômico.- Levando em consideração que nas partes anteriores da Teoria Geral Keynes demonstrou quais são os fatores que determinam o volume de emprego em qualquer momento, pode-se deduzir a possibilidade de identificar ciclos econômicos, tendo como ponto central os movimentos de ascensão e queda do sistema produtivo. A tese central defendida por Keynes é a seguinte: "o ciclo econômico deve, de preferência, ser considerado como o resultado de uma variação cíclica na eficiência marginal do capital, embora complicado e freqüentemente agravado por modificações que acompanham outras variáveis importantes do sistema econômico no curto prazo"48. O nosso autor entende o processo econômico não como uma realidade estática, mas dinâmica, à la Hegel, diríamos, como uma espécie de montanha russa, com subidas e descidas. Esse movimento é chamado por Keynes de cíclico. O nosso autor definia, da seguinte forma, o seu caráter: "Por movimento cíclico queremos dizer que, quando o sistema evolui, por exemplo, em direção ascendente, as forças que o impelem para cima adquirem inicialmente impulso e produzem efeitos cumulativos de maneira recíproca, mas perdem gradualmente a sua potência até que, em certo momento, tendem a ser substituídas pelas forças que operam em sentido oposto e que, por sua vez, adquirem também intensidade durante certo tempo e fortalecem-se mutuamente, até que, alcançado o máximo desenvolvimento, declinam e cedem lugar às forças contrárias. Todavia, por movimento cíclico não queremos dizer simplesmente que essas tendências ascendentes e descendentes, uma vez iniciadas, não persistam indefinidamente na mesma direção, mas que acabam por inverter-se. Queremos dizer, também, que existe certo grau reconhecível de regularidade na seqüência e duração dos movimentos ascendentes e descendentes"49. i) O fenômeno da crise econômica.- Definidos os ciclos econômicos como fatos passíveis de identificação, Keynes considerava que era perfeitamente possível identificar os momentos de crise. Por fenômeno da crise o nosso autor entendia "o fato de que a substituição de uma fase ascendente por outra descendente geralmente ocorre de modo repentino e violento, ao passo que, como regra, a transição de uma fase descendente para uma fase ascendente não é tão repentina"50. Keynes fundamentava a sua teoria da crise na análise da história da economia européia do século XIX, bem como no estudo dos problemas enfrentados pela agricultura e pela indústria em vários países nos primeiros lustros do século XX. j) Influência orientadora do Estado e pleno emprego gerador da paz.- O nosso autor considerava que era possível, mediante uma moderada intervenção do Estado na fixação das taxas de juros e na tributação, estimular a economia para superar as crises e garantir o pleno emprego. Keynes estava longe de propor uma socialização, pelo Estado, dos meios de 47 Keynes, John Maynard. "Prefácio à edição francesa", in: Teoria Geral do Emprego, do Juro e do Dinheiro. Ob. cit., pg. 12. 48 Keynes, John Maynard. Teoria Geral do Emprego, do Juro e do Dinheiro. Ob. cit., cap. 22 "Notas sobre o ciclo econômico", pg. 217. 49 Keynes, John Maynard. Teoria Geral do Emprego, do Juro e do Dinheiro. Ob. cit., pg. 217. 50 Keynes, John Maynard. Teoria Geral do Emprego, do Juro e do Dinheiro. Ob. cit., pg. 218.

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produção. O que ele propunha eram algumas medidas limitadas, que garantissem o funcionamento do sistema capitalista, preservando o exercício da liberdade e o sistema representativo. Em escritos anteriores (como, por exemplo, "O fim do laissez-faire", de 1926), o nosso autor já tinha deixada clara a sua concepção moderada acerca da presença e da intervenção do Estado na sociedade. Neste último escrito Keynes afirmava a respeito: "(...) A mais importante Agenda do Estado não diz respeito às atividades que os indivíduos particularmente já realizam, mas às funções que estão fora do âmbito individual, àquelas decisões que ninguém adota se o Estado não o faz. Para o governo, o mais importante não é fazer coisas que os indivíduos já estão fazendo, e fazê-las um pouco melhor ou um pouco pior, mas fazer aquelas coisas que atualmente deixam de ser feitas"51. É, mais palavra menos palavra, a formulação do conservador princípio de solidariedade, decantado pela Doutrina Social da Igreja Católica. Nas suas "Notas finais sobre a Filosofia Social a que poderia levar a Teoria Geral"52, assim se referia o nosso autor ao que ele caracterizava como implicações conservadoras das suas propostas reformistas: "As implicações da teoria exposta nas páginas precedentes são, a outros respeitos, razoavelmente conservadoras. Embora essa teoria indique ser de importância vital o estabelecimento de certos controles sobre atividades que hoje são confiadas, em sua maioria, à iniciativa privada, há muitas outras áreas que permanecem sem interferência. O Estado deverá exercer uma influência orientadora sobre a propensão a consumir, em parte através de seu sistema de tributação, em parte por meio da fixação da taxa de juros e, em parte, talvez, recorrendo a outras medidas. Por outro lado, parece improvável que a influência da política bancária sobre a taxa de juros seja suficiente por si mesma para determinar um volume de investimento ótimo. Eu entendo, portanto, que uma socialização algo ampla dos investimentos será o único meio de assegurar uma situação aproximada de pleno emprego, embora isso não implique a necessidade de excluir ajustes e fórmulas de toda a espécie que permitam ao Estado cooperar com a iniciativa privada. Mas, fora disso, não se vê nenhuma razão evidente que justifique um Socialismo do Estado abrangendo a maior parte da vida econômica da nação. Não é a propriedade dos meios de produção que convém ao Estado assumir. Se o Estado for capaz de determinar o montante agregado dos recursos destinados a aumentar esses meios e a taxa básica de remuneração aos seus detentores, terá realizado o que lhe compete. Ademais, as medidas necessárias de socialização podem ser introduzidas gradualmente sem afetar as tradições generalizadas da sociedade". Prevalece, nas observações feitas por Keynes, um ambiente de moderação. A formulação do princípio do pleno emprego foi colocada por ele, de forma enxuta e com a redação hipotética que deixa o caminho aberto à dúvida, no capítulo 20 da Teoria Geral, nos seguintes termos: "Porém, se a hipótese clássica não for válida, será possível aumentar o emprego fazendo subir as despesas em termos monetários até que os salários reais tenham baixado de modo que se igualem à desutilidade marginal do trabalho, ponto em que, por definição, haverá pleno emprego"53.

51 Keynes, John Maynard. "O fim do Laissez-faire", in: Keynes, Economia. (Edição organizada por Tamás Szmrecsányi), ob. cit., pg. 123. 52 In: Keynes, John Maynard. Teoria Geral do Emprego, do Juro e do Dinheiro. Ob. cit., cap. 24, pg. 256. 53 Keynes, John Maynard. Teoria Geral do Emprego, do Juro e do Dinheiro, ob. cit., pg. 198.

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Embora moderada, a posição de Keynes apontava para mecanismos práticos e eficientes, que permitissem atingir o alvo desejado do pleno emprego. Três mecanismos concretos o nosso autor imaginava, para que o Estado exercesse a função orientadora do processo econômico: em relação à moeda e o crédito, em relação à poupança e ao investimento e em relação à população54. Quanto ao primeiro tipo de mecanismos, o nosso autor escrevia no seu ensaio de 1926 "O fim do Laissez-faire"55: "Creio que a cura desses males deve ser procurada no controle deliberado da moeda e do crédito por uma instituição central, e em parte na coleta e disseminação em grande escala dos dados relativos à situação dos negócios, inclusive a ampla e completa publicidade, se necessário por força da lei, de todos os fatos econômicos que seria útil conhecer. Essas medidas envolveriam a sociedade no discernimento e controle, através de algum órgão adequado de ação, de muitas das complexas dificuldades do mundo dos negócios, embora mantendo desimpedidas a iniciativa e a empresa particulares. Ainda que estas medidas se mostrem insuficientes, elas nos fornecerão um melhor conhecimento do que temos, para dar o próximo passo". Quanto ao segundo tipo de mecanismos, Keynes escrevia, no ensaio citado: "Creio que é preciso haver algum ato coordenado de apreciação inteligente sobre a escala desejável em que a comunidade como um todo deva poupar, a escala em que esta poupança deva ir para o exterior sob a forma de investimentos externos; e sobre se a atual organização do mercado de capitais distribui a poupança através dos canais produtivos mais racionais. Não acho que estas questões possam ser deixadas inteiramente, como estão sendo agora, ao sabor da apreciação particular e dos lucros privados". No que diz respeito aos mecanismos relativos à população, o nosso autor escrevia, no ensaio citado: "Já chegou o tempo em que cada país precisa de uma política considerada nacional do que mais lhe convém quanto ao tamanho da população, seja maior, menor ou igual à atual. E tendo fixado esta norma, precisamos dar os passos necessários para fazê-la funcionar. Poderá chegar o tempo, um pouco mais tarde, em que a comunidade como um todo deverá prestar atenção à qualidade inata, tanto quanto ao simples número dos seus futuros membros". Keynes não perseguia, de forma alguma, o igualitarismo de resultados típico do mundo socialista. Reconhecia que a sociedade deveria ser diferenciada. Era contra, no entanto, as disparidades decorrentes das grandes crises econômicas do capitalismo, que jogavam no lixo do desemprego enormes segmentos da sociedade. A respeito, o nosso autor escrevia: "Do meu ponto de vista, creio haver justificativa social e psicológica para grandes desigualdades nas rendas e na riqueza, embora não para as grandes disparidades existentes na atualidade. Existem valiosas atividades humanas que requerem o motivo do lucro e a atmosfera da prosperidade privada de riqueza para que possam dar os seus frutos. Além disso, a possibilidade de ganhar dinheiro e fazer fortuna pode orientar certas inclinações 54 No seu ensaio de 1930 intitulado: "As possibilidades econômicas dos nossos netos" (in: Keynes, Economia, ob. cit., pg. 159), o nosso autor destacava três meios para garantir o progresso da sociedade: capacidade de controlar a população, determinação em evitar guerras e dissensões civis, disposição de confiar à ciência as questões relativas ao ritmo de acumulação, "fixado pela margem entre a produção e o consumo". 55 Keynes, John Maynard. "O fim do Laissez-faire". In: Keynes, Economia. (Coletânea organizada por Tamás Szmrecsányi), ob. cit., pg. 124.

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perigosas da natureza humana para caminhos onde elas se tornem relativamente inofensivas e, não sendo satisfeitas desse modo, possam elas buscar uma saída na crueldade, na desenfreada ambição de poder e de autoridade e ainda em outras formas de engrandecimento pessoal. É preferível que alguém tiranize seu saldo no banco do que os seus concidadãos e, embora o primeiro caso seja algumas vezes um meio de levar ao segundo, em certos casos é pelo menos uma alternativa. Todavia, não é necessário, para estimular essas atividades e satisfazer essas inclinações, que o jogo seja feito com apostas tão altas como agora. Apostas menores levariam igualmente ao mesmo resultado, desde que os jogadores se habituassem a elas. A tarefa de modificar a natureza humana não deve ser confundida com a de administrá-la. Embora na comunidade ideal os homens possam ser acostumados, inspirados ou ensinados a desinteressar-se do jogo, a sabedoria e a prudência da arte política devem permitir a prática do jogo, embora sob certas regras e limitações, em se considerando que o homem comum, ou mesmo uma fração importante da comunidade, é altamente inclinado à paixão pelo lucro"56. O critério em relação à taxa de juros a ser praticado pelo Estado, é o da moderação. Ela deve ser mantida num patamar conveniente à geração do pleno emprego. A respeito, escrevia o nosso autor: "Há, contudo, um segundo aspecto do nosso argumento cujas conseqüências são muito mais importantes para o futuro das desigualdades de riqueza, a saber, a nossa teoria da taxa de juros. A justificativa de uma taxa de juros moderadamente elevada foi encontrada, até aqui, na necessidade de proporcionar estímulo suficiente à poupança. Demonstramos, porém, que a extensão da poupança efetiva é rigorosamente determinada pelo montante de investimento, e que este montante cresce por efeito de uma taxa de juros baixa, desde que não tentemos levá-lo por esse caminho além do nível que corresponde ao pleno emprego. Assim sendo, o que mais nos convém é reduzir a taxa de juros até o nível em que, em relação à curva da eficiência marginal do capital, se realize o pleno emprego"57. Nesse contexto de moderação, o nosso autor assinalava os limites para a sua teoria intervencionista: a referência à experiência. "Ao mesmo tempo -- frisava -- temos de reconhecer que só a experiência pode mostrar até que ponto convém orientar a vontade popular, incorporada na política do Estado, no sentido de aumentar e suplementar o incentivo a investir, e até que ponto convém estimular a propensão média a consumir, sem abandonar o nosso objetivo de privar o capital de seu valor de escassez em uma ou duas gerações (...)"58. A moderação apregoada por Keynes na sua Teoria Geral aplicava-se, também, aos aspectos teóricos. O nosso autor considerava-se um discípulo da Escola Clássica. Se criticava o fundamentalismo de mercado59 de J. B. Say, unicamente fazia-lo para sarar as

56 Keynes, John Maynard. "Notas Finais sobre a Filosofia Social a que poderia levar a Teoria Geral", in: Teoria Geral do Emprego, do Juro e do Dinheiro, ob. cit., pg.254. 57 Keynes, John Maynard. "Notas Finais sobre a Filosofia Social a que poderia levar a Teoria Geral", in: Teoria Geral do Emprego, do Juro e do Dinheiro, ob. cit., ibid. 58 Keynes, John Maynard. "Notas Finais sobre a Filosofia Social que poderia levar à Teoria Geral", in: Teoria Geral do Emprego, do Lucro e do Dinheiro. Ob. cit., pg. 255. 59 O termo, já o indicamos atrás, é de George Soros, mas aplica-se muito bem à posição de Keynes face à Teoria Clássica.

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lacunas da Teoria Clássica, que do ponto de vista do individualismo e da valorização do sistema produtivo capitalista deveria conservar plena validade. A respeito, o nosso autor escrevia: "Por isso concordo com Gessell em que o preenchimento das lacunas da teoria clássica não leva a abandonar o Sistema de Manchester, mas a indicar a natureza do meio que exige o livre jogo das forças econômicas para ser capaz de realizar toda a potencialidade da produção. Os controles centrais necessários para assegurar o pleno emprego exigirão, naturalmente, uma considerável extensão das funções tradicionais de governo. A par disso, a própria teoria clássica moderna chamou a atenção sobre as várias condições em que pode ser necessário refrear ou guiar o livre jogo das forças econômicas. Todavia, subsistirá ainda uma grande amplitude, que permita o exercício da iniciativa e responsabilidade privadas. Nesse domínio, as vantagens tradicionais do individualismo continuarão ainda sendo válidas"60. As conseqüências mais evidentes que o nosso autor enxergava, em relação às reformas ao sistema capitalista por ele propostas, eram claras: em primeiro lugar, o advento de uma era de prosperidade e, em segundo lugar, a conquista da paz mundial. Em relação ao advento dessa era de prosperidade, vale a pena dizer que Keynes pensava em termos bastante modestos, ao imaginar que ela adviria num prazo de cem anos61. De qualquer forma, vejamos como ele imaginava o welfare state, que se consolidou no segundo pós-guerra: "(...) estou à espera, em dias não muito remotos, da maior mudança que já ocorreu no âmbito material da vida, para os seres humanos no seu conjunto. Mas, naturalmente, isso ocorrerá gradativamente, e não como uma catástrofe. Na verdade, já começou a ocorrer. O curso dos acontecimentos resultará simplesmente na existência de classes cada vez maiores e de grupos de pessoas praticamente livres dos problemas da necessidade econômica. A diferença crítica ocorrerá quando esta diferença tiver se tornado tão geral que se modificará a natureza do dever de cada um para com o seu próximo. Isto porque continuará sendo razoável ter um objetivo econômico significativo para os outros, quando ele já não for razoável para nós mesmos"62. Tanta claridade na previsão do futuro, somente pode ser encontrada na obra de um outro pensador-estadista liberal: Alexis de Tocqueville (1805-1859). No que diz relação à conquista da paz mundial, como participante das reuniões realizadas em Paris antes do Tratado de Versailles, em 1919, Keynes tinha concluído que a guerra era efeito da cobiça por novos mercados, exercida por nações empobrecidas ou por potências sedentas de expansão econômica. O pleno emprego, considerava o nosso autor, conduziria a um ambiente de paz. Arrumado o mercado interno, as nações não procurariam soluções conflituosas além fronteiras.

60 Keynes, John Maynard. "Notas Finais sobre a Filosofia Social que poderia levar à Teoria Geral", in: Teoria Geral do Emprego, do Lucro e do Dinheiro. Ob. cit., pg. 257. 61 A respeito, Keynes (no seu ensaio de 1930 intitulado "As possibilidades econômicas dos nossos netos", in: Keynes, Economia, ob. cit., pg. 158-159) frisava, um tanto de forma pessimista: "(...) pelo menos por mais cem anos, precisamos fingir para nós mesmos e para os outros que o justo é mau e o mau é justo; pois o mau é útil e o justo, não. Ainda por algum tempo, nossos deuses continuarão sendo a avareza, a usura e a precaução. Pois somente eles poderão conduzir-nos de dentro do túnel da necessidade econômica para a luz". 62 Keynes, John Maynard. "As possibilidades econômicas de nossos netos", in: Keynes, Economia, ob. cit., pg. 159.

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Em relação a esse ponto, Keynes escrevia: "A guerra tem diversas causas. Os ditadores e pessoas semelhantes, aos quais a guerra oferece, pelo menos em expectativa, uma excitação deleitável, não encontram dificuldade em fomentar a natural belicosidade de seus povos. Porém, além disso, facilitando seu trabalho de insuflar as chamas do entusiasmo do povo, aparecem as causas econômicas da guerra, ou seja, as pressões da população e a luta acirrada pelos mercados. (...) Mas se as nações podem aprender a manter o pleno emprego apenas por meio de sua política interna (e também, devemos acrescentar, se logran alcançar o equilíbrio na tendência de crescimento de suas populações), não deveria mais haver a necessidade de forças econômicas importantes destinadas a predispor um país contra os seus vizinhos. Haveria o lugar para a divisão internacional do trabalho e para o crédito internacional em condições adequadas (...)"63.

II - PRINCIPAIS RESULTADOS DA APLICAÇÃO DA DOUTRINA DE KEYNES

O keinesianismo teve ampla aplicação, não apenas na Europa e nos Estados Unidos, como também a nível de outros Continentes. Keinesianos da primeira hora, como Lauchlin Currie (1902-1993), professor da Universidade de Harvard e técnico do Tesouro americano, contribuíram à aplicação da doutrina de Keynes em países tão diferentes quanto a Turquia e a Colômbia. Neste último país, por exemplo, Lauchlin Currie foi o autor do documento intitulado "Operação Colômbia" (1960), a partir do qual se originou audacioso projeto de desenvolvimento que geraria 500 mil novos empregos e que permitiria consolidar o desenvolvimento e a paz, após o ciclo de guerra civil conhecido como "La Violencia" (1948-1958). O estudo das repercussões do keinesianismo pelo mundo afora exigiria, no entanto, mais espaço do que o disponível neste trabalho. Em virtude desse fato, vamos nos circunscrever à análise da repercussão da doutrina de Keynes na Europa e nos Estados Unidos. Antes, porém, convém destacar, mesmo que sucintamente, a forma em que as idéias do nosso autor penetraram nos Estados Unidos.

1) A influência de Keynes no meio universitário britânico e norte-americano. Já na Inglaterra as idéias do mestre de Cambridge tornaram-se políticas públicas graças à sua divulgação através da Universidade. Conforme destacou John Kenneth Galbraith, "As idéias keinesianas passaram ao domínio da política governamental através das universidades. Se estava havendo uma revolução, não estava sendo feita nas ruas ou nas fábricas, mas nas salas de seminários. Keynes foi endossado principalmente pelos jovens estudiosos. Os economistas são parcimoniosos, entre outras coisas, de idéias; a maioria vale-se das idéias dos tempos em que fizeram o seu curso. Assim, a mudança não vem da modificação do pensamento de homens e mulheres, mas da passagem de uma geração para outra. Os grandes contemporâneos de Keynes, quase sem exceção, analisaram o seu livro e

63 Keynes, John Maynard. "Notas Finais sobre a Filosofia Social que poderia levar à Teoria Geral", in: Teoria Geral do Emprego, do Juro e do Dinheiro, ob. cit. pg. 258.

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o acharam errado. Esta convicção, com algumas raras exceções, carregaram então para as suas aposentadorias e possivelmente além disso"64 As idéias de Keynes penetraram no panorama norte-americano pelo mesmo caminho: as Universidades. A partir da Cambridge inglesa, os alunos americanos passaram a divulgar as idéias do mestre nos Estados Unidos, tendo se espalhado a sua influência em várias Universidades. Destas, rapidamente migraram as propostas keinesianas para os gabinetes governamentais. Em relação ao caminho universitário percorrido nos Estados Unidos pelas idéias do nosso autor, escreve Galbraith: "O principal centro britânico de discussão keinesiana era, como se poderia esperar, a Universidade de Cambridge; ali as idéias foram brilhantemente examinadas e explicadas por dois colegas mais jovens de Keynes, R. F. Kahn e Joan Robinson. Foi através de Harvard que as idéias keinesianas atingiram os Estados Unidos. Nos meses que se seguiram ao aparecimento de The General Theory, a discussão foi praticamente contínua -- um estudante interessado podia participar praticamente todas as noites de um seminário formal, ou mais freqüentemente, bastante informal, sobre o livro. Os estudantes que haviam entrado em Cambridge, Inglaterra, e tinham conhecido Keynes, tornavam-se pequenos oráculos em Cambridge, Massachusetts (...)"65. Um ex-aluno de Keynes e docente de Harvard, Robert Bryce, saiu da Universidade para ser alto funcionário na área de polícia econômica do governo do Canadá. Alvin H. Hansen, professor de Harvard, foi, como diz Galbraith, "a principal avenida pela qual as idéias de Keynes chegaram a Washington"66. Outros professores universitários que contribuíram decididamente à divulgação do ideario keinesiano foram Seymour E. Harris, Paul A. Samuelson, Richard V. Gilbert, George H. Hildebrand Jr., Arthur W. Stuart, etc. Mas se a intermediação das Universidades foi importante no ingresso das idéias de Keynes nos Estados Unidos, não é menos certo, também, que as dificuldades enfrentadas pela economia nos anos 30, tinham levado alguns altos funcionários do Tesouro americano à conclusão de que era necessária a estruturação de mecanismos reguladores do jogo econômico. Diríamos que o keinesianismo veio responder a uma necessidade sentida pela administração pública americana. Os mais importantes funcionários dos Estados Unidos neste caso foram Marriner Eccles e Lauchlin Currie, respectivamente Presidente e Diretor de Pesquisas do Conselho do Sistema Federal de Reserva. John Kenneth Galbraith sintetizou da seguinte forma o papel desempenhado por esses funcionários: "Da publicação de The General Theory em diante, o centro da pregação keinesiana em Washington passou a ser o Conselho de Governadores do Sistema Federal de Reserva. A história parecia estar desenvolvendo-se de uma maneira excepcionalmente lógica. A política monetária resultava apenas num aumento de reservas excedentes. Os que por ela eram responsáveis estavam voltando-se, assim, à política fiscal, menos passiva e mais segura, que assegurava o uso da moeda criada. Na verdade, o papel do Sistema Federal de

64 Galbraith, John Kenneth. Moeda: de onde veio, para onde foi. (Tradução de Antônio Zoratto Sanvicente). 2a. edição. São Paulo: Pioneira, 1983, pg. 238. 65 Galbraith, John Kenneth. Moeda, de onde veio, para onde foi. Ob. cit., ibid. 66 Galbraith, John Kenneth, ob. cit., pg. 239.

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Reserva foi em grande parte acidental. Lauchlin Currie, tendo se antecipado a Keynes, estava notavelmente aberto às suas idéias. Ele era então o Diretor de Pesquisas do Conselho do Sistema. E o Presidente do Conselho era Marriner Eccles (....).Eccles, meditando sobre a sua própria experiência perigosa como banqueiro e as privações e os riscos dos agriculturos e empresários de Utah durante a Depressão, tinha sido levado independentemente à idéia de que o governo devia intervir na economia segundo as linhas keinesianas. Assim explica-se o surgimento do Sistema Federal de Reserva como cunha de Keynes em Washington, após a publicação de The General Theory. Currie agiu de modo mais prático. Em 1939, ele pasou do Sistema de Reserva para a Casa Branca e, de fato, se não de direito, tornou-se assessor do Presidente para assuntos econômicos, sendo o primeiro de uma longa linha. Na Casa Banca, colocou a si mesmo numa posição em que funcionava como agência de empregos e despachante geral para os economistas do governo. Quando posições importantes surgiam em qualquer ponto do governo, ele esforçava-se para assegurar que fossem ocupadas por pessoas de firmes convicções keinesianas. Ao final da década dos 30, ele havia estabelecido uma rede informal desses prosélitos, alcançando todos os organismos fiscalmente importantes. Todos permaneciam em comunicação regular sobre as idéias e políticas. Nem Currie, nem qualquer dos envolvidos considerava isto como uma conspiração. Simplesmente parecia a coisa necessária e sensata a ser feita"67.

2) A essência das reformas empreendidas na Conferência de Bretton Woods (1944) O Fundo Monetário Internacional (FMI), juntamente com o seu companheiro, o Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (Bird) teve as suas origens em New Hampshire, Estados Unidos, no Hotel Monte Washington em Bretton Woods, em julho de 1944. À Conferência assistiram 735 pessoas representando 44 países. A essência dos acordos assinados foi obra de dois homens excepcionalmente talentosos, cada um dos quais tinha preparado uma proposta detalhada. Keynes era um deles. O outro, como já foi mencionado na primeira parte deste trabalho, era Harry D. White, Secretário-Assistente do Tesouro dos Estados Unidos. Dos dois, White, provavelmente foi a pessoa mais poderosa, em decorrência do apoio financeiro dos Estados Unidos, essencial ao bom andamento da Conferência68. A diferença mais marcante entre Keynes e White consistia em que o primeiro defendia um banco central mundial que presidisse as finanças internacionais, ao passo que o segundo rejeitava essa idéia, receoso de que os Estados Unidos ficassem paralisados pelos regulamentos de tal banco69. De qualquer forma, a preeminência doutrinária nas reformas empreendidas a partir de Bretton Woods, não há dúvida de que foi de Keynes, responsável pela idéia mestra da necessidade da intervenção indireta do Estado na economia, visando à superação das crises cíclicas do capitalismo. Sintetizemos rapidamente os cinco aspectos fundamentais das reformas empreendidas em Bretton Woods, que ensejaram a nova ordem econômica internacional

67 Galbraith, John Kenneth. Moeda: de onde veio, para onde foi? Ob. cit., pg. 240-241. 68 Cf. Galbraith, John Kenneth. Moeda: de onde veio, para onde foi? Ob. cit., pg. 270. 69 cf. Aron, Raymond. Os últimos anos do século. (Tradução a cargo de Heloísa de Melo Martins Costa). Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1987, pg. 43.

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presidida pelas duas instituições criadas na Conferência, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento:70 a) O sistema de Bretton Woods proibia as taxas de câmbio flutuantes, expressava o valor das moedas em ouro e, simultaneamente, em relação ao dólar, comprometia-se a manter a conversibilidade do dólar em ouro. b) Os Estados Unidos constituíam a única entidade política que conservava a liberdade de não adotar medidas restritivas em caso de déficit da balança de pagamentos externos. c) No caso dos Estados Unidos, como os dólares eram identificados com as reservas, o déficit da balança de pagamentos externos colocava à disposição dos bancos centrais (em particular da República Federal Alemã e do Japão) divisas excedentes que eles investiam em bônus do Tesouro americano. Assim, o déficit dos pagamentos não exercia influência alguma para neutralizar as causas do déficit71. d) Todos os países comprometiam-se a manter as suas moedas estáveis -- sujeitas a uma pequena flutuação de 1% -- em relação às dos demais. Se a moeda de um país começasse a cair sob a pressão de importações excessivas e pequeno volume de exportações, o seu banco central compraria essa moeda e apoiaria o seu valor em relação ao das moedas dos outros países. Caso as reservas do banco central, em termos de moedas aceitáveis aos outros países não permitissem tais compras, o país poderia recorrer ao FMI para obter ouro, dólares, ou outras moedas aceitáveis a fim de manter o programa de sustentação. Ao fazer isto, depositaria um montante equivalente de sua própria moeda como garantia. e) O montante máximo que podia ser emprestado por um país junto ao FMI, estava limitado à sua quota (equivalente ao montante da sua contribuição ao Fundo). Uma escala de recursos crescentes com o montante, bem como a duração do empréstimo, eram fatores que estimulavam o país a eliminar as circunstâncias que o conduziram à necessidade de empréstimo. Se o país fosse pequeno, ele seria instruído pelo FMI quanto à conveniência de tais medidas. As missões do FMI adquiriram, assim, uma certa reputação no panorama internacional.

3) Superação das crises cíclicas do Capitalismo e constituição do Welfare State nos Estados Unidos e na Europa Ocidental

A aplicação da doutrina de Keynes, nos Estados Unidos, na Europa Ocidental e no Japão, deu ensejo ao mais amplo e aprofundado processo de bem-estar econômico já conhecido pela Humanidade, ao longo da história. O período que se estende entre 1946 e

70 Para esta síntese temos consultado: Aron, Raymond. Os últimos anos do século. (Tradução de Heloísa de Melo Martins Costa). Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1987, pg. 35-67. Galbraith, John Kenneth, Moeda: de onde veio, para onde foi?, Ob. cit., pg. 265-293. Vries, Margaret Garritsen de, "O FMI 50 anos depois", in: Finanças e Desenvolvimento, Washington, junho de 1995: pg. 43-45. Bayoumi, Tamin. "O progresso econômico no pós-guerra", in: Finanças e Desenvolvimento, Washington, junho de 1995, pg. 48-51. 71 Segundo Jacques Rueff, o padrão de câmbio-ouro estava condenado desde o primeiro dia, porque criava e mantinha a inflação e o déficit dos pagamentos externos dos Estados Unidos. Cf. Aron, Os últimos anos do século, ob. cit., pg. 40.

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1970 é considerado pelos estudiosos dos processos econômicos como os anos de ouro do desenvolvimento. Foi de tal monta o acúmulo de riqueza produzida, que surgiram, nos países pertencentes a esta área do mundo, classes médias muito poderosas e abastadas, que deitaram por chão as previsões fatalistas de Marx em relação ao futuro do Capitalismo. É evidente que o processo econômico foi acompanhado de um outro processo paralelo, não menos importante, de reformas políticas e de desenvolvimento cultural, que permitiram a plena expansão do sufrágio e das instituições do governo representativo. Assim, a Era Keynes (como gosta de caracterizar esse período John Kenneth Galbraith), corresponde a um amadurecimento da democracia e do sistema capitalista. É do mencionado autor a seguinte caracterização do período em apreço: "O período de vinte anos compreendido entre 1948 e 1967 pode muito bem ser caracterizado pelos historiadores como a era mais favorável na história da economia industrial, bem como da Economia. As duas décadas passaram-se livres de pânicos, crises, depressões ou qualquer coisa além de pequenas recessões. Em somente dois anos, 1954 e 1958, a produção deixou de crescer nos Estados Unidos. Foi durante essas décadas que o novo termo Produto Nacional Bruto, ou PNB, passou a fazer parte da linguagem comum; era algo que, como freqüentemente se afirmava, gozava do que sempre era chamado de crescimento saudável. Na verdade, não havia dúvidas quanto ao caráter saudável do crescimento. O desemprego ficou a nível baixo nesses anos, pelo menos segundo os padrões da década de 30 -- em apenas dois anos, 1958 e 1961, alcançou média superior a 6% da força de trabalho. E segundo os padrões mais recentes, não houve inflação apreciável. Durante a década dos 50, os preços industriais apresentaram uma tendência desagradável de elevar-se à medida em que novos níveis de salários eram transferidos a preços mais altos, e estes conduziam a níveis de salários superiores -- a conhecida espiral. Mas, este movimento, embora pouco confortável na época, era pequeno em comparação com os problemas posteriores, e era em parte compensado (exceto para os agricultores) por preços agrícolas declinantes. Em 1948, o índice de preços no atacado estava a 82,8; em 1967, era igual a 100. Este aumento, de aproximadamente dezessete pontos em vinte anos, foi inferior à taxa de aumento anual do mesmo índice no verão de 1974. A partir do início da década dos 60 e prosseguindo por vários anos, os preços permaneceram inteiramente estáveis. Nesses anos, os líderes empresariais americanos reunindo-se em cerimônias públicas e comparando o seu desempenho com o dos países comunistas, eram praticamente esmagados pelos seus próprios elogios. Os economistas, embora reservassem parte do mérito para si mesmos, não discordavam. E, em segredo, nem mesmo muitos comunistas discordavam. Foi uma época muito difícil para os críticos do sistema capitalista"72. As instituições ensejadas pela Conferência de Bretton Woods, em 44, o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, foram as responsáveis pela manutenção e o bom funcionamento do sistema produtivo na Europa, nos Estados Unidos no Japão e, em geral, no mundo ocidental. Mesmo os países situados na periferia do capitalismo, como os africanos, os latino-americanos, os do meio-oriente ou os pertencentes à comunidade de nações do sudeste asiático, experimentaram grande movimento de crescimento econômico e de melhoria nos seus padrões de vida. A ação fiscalizadora do Fundo Monetário

72 Galbraith, John Kenneth. Moeda: de onde veio, para onde foi? Ob. cit., pg. 265-266.

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Internacional e o apoio do Banco Mundial, têm sido instrumentos valiosíssimos nesse processo. A historiadora Margaret Garritsen de Vries caracterizou a atuação do FMI da seguinte forma: "A Conferência de Bretton Woods de 1944, um marco nas relações econômicas internacionais, lançou as bases da cooperação entre as nações para a solução dos problemas monetários mundiais. Os 44 países participantes da conferência concordaram em criar duas novas instituições multilaterais: o Fundo Monétário Internacional (FMI), para supervisionar o novo sistema monetário internacional e servir de fórum de debates e resolução das controvérsias que afetassem o sistema e o Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (Bird), para financiar a reconstrução dos países devastados pela guerra e promover o crescimento econômico dos países em desenvolvimento. Os fundadores do FMI queriam proteger a economia global de colapsos devastadores como o ocorrido nos anos 30. Tinham por objetivo um sistema monetário aberto e estável, caracterizado por conversibilidade monetária, estabelecimento de taxas cambiais fixas e extinção de práticas e restrições prejudiciais, sobretudo controles cambiais e desvalorizações monetárias competitivas. Em seu primeiro quarto de século de existência, o FMI supervisionou o sistema de paridade criado para garantir a estabilidade cambial -- os países pertencentes ao FMI tinham de definir o valor de suas moedas em relação ao dólar norte-americano ou ao ouro e obter a aprovação prévia do FMI sempre que variava a paridade em mais de 10%. Quando se aboliu esse sistema de taxas cambiais fixas mas ajustáveis no início dos anos 70 em prol de taxas flutuantes, simpatizantes e críticos passaram a questionar se o FMI tinha futuro. Mas o papel do FMI não encolheu e sim logo se expandiu, na esteira de uma crise econômica mundial"73. Os benefícios que os países beneficiados pelo Welfare State (Estados Unidos, Canadá, Europa Ocidental, Japão) passaram a garantir aos seus cidadãos erradicaram definitivamente o problema da pobreza (neles, o contingente de pobres é mínimo e, ainda assim, possui o necessário para sobreviver) e consolidaram um padrão de vida confortável e seguro. Antônio Paim sintetizou da seguinte forma os benefícios essenciais do welfare state: "a) A perda do emprego assegura o recebimento de 70% do salário no primeiro ano e percentagens pouco mais reduzidas nos anos subseqüentes, pensão que só é suspensa em face da recusa de oferta de emprego considerada adequada. O seguro-desemprego faculta também bolsas para o aprendizado de uma nova profissão. b) Aposentadoria integal equivalente ao salário médio da categoria respectiva, elevada tanto em função das alterações no salário médio, resultante das novas convenções coletivas, como de perdas reais devidas à inflação. c) Salário-família, que dobra do primeiro para o segundo filho e do segundo para o terceiro. d) Seguro-saúde que garante a reposição de despesas efetuadas com assistência médico-hospitalar. e) Transporte subsidiado, desde que os serviços respectivos acham-se estatizados e não objetivam lucro. f) Educação gratuita, abrangendo

73 Vries, Margaret Garritsen de. "O FMI 50 anos depois", in: Finanças e Desenvolvimento, Washington, junho de 1995: pg. 43.

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inclusive a Universidade em alguns países (Alemanha, por exemplo). g) Programas habitacionais, que contemplam também o subsídio à locação"74. O longo ciclo de prosperidade ensejado com as reformas keynesianas e que, do ponto de vista dos Estados Unidos foi denominado de política do New Deal, conheceu uma primeira crise em 1971, quando foi abolida a conversibilidade do dólar em ouro. Uma segunda crise viria a perturbar o panorama de otimismo em 1973, quando da primeira crise do petróleo, fato que levou o FMI a criar, em 1974, o primeiro serviço financeiro do petróleo. A partir dos anos setenta começaram a se generalizar as críticas ao modelo keinesiano, que no entanto já tinha garantido o enriquecimento sem precedentes dos países desenvolvidos. Mas o keinesianismo já tinha dado a sua contribuição na tarefa de superar as crises cíclicas do capitalismo, tendo mostrado que estas não eram uma realidade apocalíptica que a Humanidade deveria sofrer catastroficamente, mas que era possível esconjurai-las com a ajuda da razão aplicada aos processos produtivos, mediante o papel regulador do Estado na economia. O fato de as idéias de Keynes terem penetrado na elite acadêmica e governamental dos Estados Unidos, foi, como já ficou demonstrado, o fator que conseguiu fazer deslanchar a mais importante política econômica a que ha Humanidade já tinha assistido. Longe de constituir a política traçada em Bretton Woods uma reificação do imperialismo americano (como a desinformação comunista tentou espalhar), o referido fator garantiu o desenvolvimento europeu e espalhou esse benfazejo modelo pelos quatro cantos do planeta. Testemunho valioso foi dado a respeito por Raymond Aron nos seguintes termos: "Seria o regime de Bretton Woods favorável aos norte-americanos em detrimento de seus concorrentes? De 1947 a 1973, os europeus conseguiram reduzir a diferença entre seu nível de vida e o dos norte-americanos, conhecendo a fase mais gloriosa de sua história econômica. Ora, os europeus devem esses trinta gloriosos anos aos norte-americanos. A supervalorização do dólar favoreceu as exportações dos japoneses e dos alemães. O crescimento dos países europeus foi de certa maneira provocado pelas vendas ao exterior. Além do mais, a supervalorização do dólar incentivava as empresas norte-americanas a investirem na Europa. Por uma questão de nacionalismo, os ministros franceses denunciavam, de vez em quando, os investimentos norte-americanos. Os norte-americanos contraíam empréstimos de fundos europeus a curto prazo, enquanto investiam na Europa a longo prazo, comprando empresas falidas ou criando filiais. Ora, abstração feita à política, os investidores norte-americanos contribuíram para o crescimento e prosperidade europeus. Aumentaram o volume dos investimentos, trouxeram consigo técnicas de produção ou administração e incentivaram as empresas nacionais a se esforçarem para melhorar através da concorrência criada por eles. A supervalorização do dólar também favorecia os investimentos; quando o dólar caiu para quatro francos, o fluxo de capital mudou de direção. Os investimentos europeus aumentaram nos Estados Unidos, e os dos Estados Unidos diminuíram na Europa. Sempre considerei o regime monetário que durou até 1973 como sendo o melhor possível para nós, franceses e europeus, em um mundo que eu não chamaria de o pior possível, mas que estava de uma maneira ou de outra dominado momentaneamente pelo dólar"75.

74 Paim, Antônio. O Liberalismo Contemporâneo. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1995, pg. 166-167. 75 Aron, Raymond. Os últimos anos do século. Ob. cit., pg. 43-44.

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Em que pese "os trinta gloriosos anos" de progresso inspirado nas idéias de Keynes, no entanto a Humanidade não solucionou, com isso, todos os seus problemas. Os problemas avolumaram-se a partir dos dois choques do petróleo, ao longo dos anos 70. Mas isso não tira o seu valor às conquistas alcançadas. Se emergiu uma nova "questão social"após o brilhante ciclo keinesiano, ela não foi a simples repetição da problemática vivida pela economia mundial no século passado. Ajustes tornaram-se necessários. Desgastou-se o modelo desenvolvido a partir de Bretton Woods. Mas não se trata de jogar pela janela afora as conquistas atingidas sob o welfare state, lançando Keynes e os seus discípulos às trevas exteriores. Avaliação isenta da nova realidade pós-keinesiana foi traçada por Pierre Rosanvallon na introdução ao seu importante estudo intitulado La nouvelle question sociale. Repenser l'Etat -providence, nos seguintes termos: "A questão social: esta expressão lançada em fins do século XIX, remetia ao mal funcionamento da sociedade industrial nascente. Os dividendos do crescimento e as conquistas das lutas sociais tinham permitido transformar em profundidade a condição do proletariado da época. O desenvolvimento do Estado-providência quase tinha chegado a vencer a antiga insegurança social e a eliminar o temor do amanhã. À saída dos Trinta Gloriosos, em fins da década de 70, a utopia de uma sociedade liberada da necessidade e de um indivíduo protegido dos principais riscos da existência parecia ao alcance da mão. Desde o início dos anos oitenta, o crescimento do desemprego e a aparição de novas formas de pobreza pareceram, pelo contrário, conduzir-nos ao passado remoto. Mas, ao mesmo tempo, vê-se com claridade que não se trata de um simples retorno aos problemas do passado. Os fenômenos atuais de exclusão não remetem às categorias antigas da exploração. Assim, apareceu uma nova questão social"76.

A análise da crítica ao keinesianismo torna-se necessária para avaliar, de forma desapaixonada e objetiva, os termos em que ocorre, ao longo das últimas décadas, essa nova questão social de que nos fala Rosanvallon e para ver em que aspectos perdeu validade a política keinesiana, a fim de identificar os novos caminhos que devem ser trilhados. Mas fazer isto, a partir do horizonte de prosperidade garantido pelos câmbios introduzidos em Bretton Woods, é render uma homenagem válida ao mais importante inspirador dessa mudança, John Maynard Keynes.

III - A CRÍTICA AO KEINESIANISMO

1) O sentido das críticas ao keinesianismo

O pensamento econômico de Keynes sofreu, a partir da Segunda Guerra Mundial, várias críticas. Elas se estendem dos aspectos pessoais ao conjunto da sua obra.. O sobrinho

76 Rosanvallon, Pierre. La nueva cuestión social. Repensar el Estado-providencia. (Tradução ao espanhol de Horacio Pons). Buenos Aires: Ediciones Manantial, 1995, pg. 7.

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do grande economista britânico, Milo Keynes,77 referiu-se à crítica de arrogância que a elite de Cambridge costumava endereçar-lhe, mitigando-a com a equilibrada observação de Harold Nicolson, que o considerava "impaciente, iconoclasta, rude. Contudo, essa crueldade incisiva era posta a serviço do desprezo pelas pessoas importantes, nunca pelos humildes ou jovens". As críticas à doutrina keinesiana percorrem todo o diapasão conceitual a que pode ser submetida uma teoria: vão desde a defesa incondicional (como a efetivada por John Kenneth Gallbraith) até a crítica total, que nada perdoa e nada aceita (como a formulada pelo economista austríaco Ludwig von Mises). Entre um extremo e outro situam-se posições mais moderadas, que ora salientam favoravelmente, ora criticam um ou outro aspecto do pensamento de Keynes. Entre as várias posições estudadas, destacamos uma como a mais completa: a identificada por Henri Lepage na nova geração de economistas norte-americanos, que têm sabido reconhecer a indiscutível contribuição de Keynes ao pensamento econômico, sem deixar de refletir sobre as limitações do autor da Teoria Geral. Se, como frisa Karl Popper,78 o valor de uma hipótese científica decorre da sua aptidão para sobreviver às críticas que lhe são endereçadas, não há dúvida de que a doutrina keinesiana possui a têmpera das grandes obras do pensamento humano. Dificilmente encontraremos uma teoria econômica tão combatida e que ao mesmo tempo tenha contribuído de forma tão decisiva à evolução da economia mundial.

2) Joan Robinson: Keynes e os keinesianos bastardos

Já no relacionado às críticas que visam a obra de Keynes, são múltiplas as apreciações, ora globais, ora parciais sobre ela. Joan Robinson79 considera que, embora a teoria keinesiana tivesse sido formulada de maneira a incorporar a incerteza face ao futuro, bem como renovar a teoria econômica clássica que tinha-se esclerosado ao fazer abstração da história, no entanto terminou sendo simplificada de forma bastante grosseira e dogmática pelos "keinesianos bastardos". A respeito, frisa a citada autora: "(...) os keinesianos de estilo próprio nos Estados Unidos vangloriam-se de haver superado a regra das finanças sadias. A conseqüência tem sido observada na facilidade conferida aos gastos de déficit em armamentos; isso nos permitiu manter a guerra fria e promover guerras incendiárias em todos os pontos do planeta. Parece que a era dos keinesianos bastardos se aproxima do fim em meio a desilusões gerais (...). A revolução keinesiana necessita ainda ser levada a cabo, tanto no ensino da teoria econômica quanto na formação da política econômica"80. Em síntese, a teoria proposta por Keynes tinha elementos valiosos que renovariam a ciência econômica, mas a prática do keinesianismo acabou por invalidar o seu élan renovador.

77 "Maynard e Lydia Keynes", in: Milo Keynes (coordenador). Ensaios sobre John Maynard Keynes. (Tradução de José Fernandes Dias). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977, pgs. 15-23. 78 Cf. Popper, Karl. "Verdade, probabilidade, corroboração", in: Autobiografia intelectual. (Tradução de L. Hegenberg e O. S. da Mota). São Paulo: Cultrix-Edusp; Brasília: Universidade de Brasília, 1977, pg. 111-112. 79 "O que aconteceu à revolução keinesiana". In: Milo Keynes (coordenador), Ensaios sobre John Maynard Keynes. Ob. cit., pg. 101-110. 80 Robinson, Joan. "O que aconteceu à revolução keinesiana", in: Milo Keynes (coordenador). Ensaios sobre John Maynard Keynes. Ob. cit., pg. 110.

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3) Ludwig von Mises: Keynes e o iluminismo burocrático

A doutrina keinesiana foi severamente criticada por Ludwig von Mises, que na sua obra As seis lições81 considera ser Keynes mais um incentivador dos processos inflacionários, ao retomar o pernicioso caminho do intervencionismo do Estado, que tem conduzido invariavelmente à instauração do socialismo, contrário à livre iniciativa. Para Mises não há dúvida de que "nos últimos anos, na maioria dos países, procedeu-se à estatização de um número crescente de instituições e empresas, a tal ponto que os déficits cresceram muito além do montante possível de ser arrecadado dos cidadãos através de impostos. (...) A conseqüência é a inflação (...)"82. O economista austríaco acha que o intervencionismo do Estado na economia procura harmonizar o mercado, interferindo indevidamente nos preços, nos padrões salariais, nas taxas de juros e de lucro. No entanto, tal tipo de política, longe de harmonizar o mercado, o tumultua. Mises parte da hipótese de que o equilíbrio do mercado é encontrado através do livre exercício dos agentes econômicos. Interferir o Estado nele, eqüivale a paralisá-lo. O autor não duvida em frisar, alto e bom som, que "(...) sempre que se interfere no mercado, o governo é progressivamente impelido ao socialismo"83. Nem haveria lugar para o que Keynes identifica como uma intervenção indireta do Estado na economia. A esse respeito, responde Mises: "A idéia de que existe, entre o socialismo e o capitalismo, um terceiro sistema -- como o chamam os seus defensores --, o qual, sendo eqüidistante do socialismo e do capitalismo, conservaria as vantagens e evitaria as desvantagens de um e de outro, é puro contra-senso. Os que acreditam na existência possível desse sistema mítico podem chegar realmente a ser líricos quando tecem loas ao intervencionismo. Só o que se pode dizer é que estão equivocados. A interferência governamental que exaltam dá lugar a situações que desagradariam a eles mesmos"84. A crítica de Mises a Keynes é cáustica, ao ponto de filiar a tendência intervencionista deste à doutrina da superioridade "de um governo paternal e dos poderes sobre-humanos dos reis hereditários", paradoxalmente ressuscitada no século XX por Werner Sombart, para quem "o Führer recebe instruções diretamente de Deus, o Führer do Universo". Sombart, ao contrário de Keynes, era modesto, frisa Mises. Ao passo que o mestre alemão confessava: "Não sabemos como Deus se comunica com o Führer. Mas o fato não pode ser negado", o economista inglês atribuía ao Estado autoritário uma sabedoria absoluta, capaz de se sobrepor aos cidadãos. Depois de Sombart, frisa ironicamente von Mises, "(...) já não nos espantará que mesmo um pequeno burocrata venha, um dia, a se considerar mais sábio e melhor que os demais cidadãos, e deseje interferir em tudo, ainda que ele não passe de um reles burocratazinho, em nada comparável ao famoso professor Werner Sombart, membro honorário de tudo quanto é entidade"85.

4) Harry G. Johnson: a não-revolução keinesiana

81 (Tradução de Maria Luisa X. de A. Borges). Rio de Janeiro: José Olympio-Instituto Liberal, 1985. 82 Ob. cit., pg. 37. 83 Ob. cit., pg. 48 84 Ob. cit., ibid. 85 Ob. cit., pg. 50.

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Este autor considera, por sua vez, que analisadas as coisas de um ponto de vista não britânico, a teoria keinesiana não era necessária, stricto sensu, para solucionar os graves problemas enfrentados apela economia mundial a partir da grande depressão de 192986. Esse fenômeno poderia ter sido muito bem contornado com os instrumentos das chamadas teorias ortodoxas. "Nenhuma revolução keinesiana se fazia realmente necessária -- frisa Johnson87-- (o que se fazia necessário, isso sim, era a aplicação, pelos economistas, da economia que já possuíam). As demais referências se mostram relevantes na medida em que ajudam a explicar a razão pela qual jamais ocorreu qualquer revolução keinesiana (e que, não obstante, poderia ter sido necessária, dada a inabilidade ou recusa dos economistas em aplicar os instrumentos de que dispunham ao mais premente dos problemas sociais e econômicos de seu tempo)". No sentir de Harry Johnson, o desemprego em massa era o fato essencial com que se defrontava a economia inglesa ao longo da década de vinte. Esse fato era efeito de duas forças: de um lado, a perda gradual, por parte da Inglaterra, da supremacia industrial de que tinha desfrutado no século anterior. De outro, a decisão política do retorno do padrão ouro à paridade gozada pela libra na época anterior à guerra, medida que fez com que os bens ingleses se tornassem não-competitivos em termos monetários, o que exigia, por sua vez, uma política monetária restritiva, que possibilitasse o capital e a confiança estrangeiros para a libra. Essa situação gerava desemprego em massa e o agravamento da obsolescência industrial. Ora, frisa Johnson, medidas econômicas ortodoxas teriam permitido superar o problema do desemprego em massa, tanto na Inglaterra quanto nos outros países industrializados. A Teoria Geral de Keynes só se tornou alternativa praticável no terreno da política econômica internacional, em decorrência de dois fatores: primeiro, a incapacidade da Reserva Federal dos Estados Unidos para prevenir um colapso no fornecimento de dinheiro norte-americano. O segundo fator seria o genial oportunismo de Keynes, que era um brilhante teórico aplicado, capaz de pôr em prática uma teoria -- a do pleno emprego --, apresentando-a como contraposta a uma ortodoxia econômica (em que ele, aliás tinha se formado, sob a inspiração do seu ilustre mestre Alfred Marshall e que era apontada como a causa de todos os males). Johnson critica o keinesianismo pela ingenuidade do conceito de pleno emprego, "intimamente relacionado à concepção vitoriana (e essencialmente aristocrática) de Keynes em torno das exigência econômicas de uma sociedade feliz"88. A política de pleno emprego apregoada por Keynes não levava em consideração, segundo Johnson, o fenômeno do desemprego voluntário propiciado pelo welfare state. Concluindo a sua apreciação sobre o keinesianismo, frisa o citado autor: "Keynes constituiu um luxo demasiadamente caro para um país em processo inexorável de declínio de sua importância econômica e social, forçado a fazer face a grandes dificuldades para ser capaz de manter uma sobrevivência digna"89. 86 Johnson, Harry G. "Keynes e a economia inglesa", in: Milo Keynes (coordenador), Ensaios sobre John Maynard Keynes, ob. cit., pg. 83-99. 87 "Keynes e a economia inglesa", ob. cit., pg. 84-85. 88 "Keynes e a economia inglesa", ob. cit., pg. 89. 89 "Keynes e a economia inglesa", ob. cit., pg. 89.

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5) John Kenneth Galbraith: as razões da revolução keinesiana

Embora Henri Lepage90 considere que John Kenneth Galbraith pertença ao grupo dos que, como Rocard, Attali, Gallus, Meister, etc., elaboraram uma explicação não econômica (apenas sociológica) para o fenômeno da inflação causado pelas práticas keinesianas, convém destacar a sua avaliação positiva do pensamento de Keynes, notadamente porque assinala os pontos em que falham os críticos radicais do keinesianismo. Galbraith sintetizou nos seguintes termos o cerne do pensamento de Keynes na sua Teoria Geral: "(...) A economia poderia encontrar seu equilíbrio não ao nível do pleno emprego mas, sim, com uma quantidade de desemprego não especificada. Desse diagnóstico veio o remédio: dever-se-ia levar a demanda agregada até o nível onde todos os trabalhadores que o desejassem pudessem obter empregos, e isso poderia ser concretizado suplementando-se o gasto privado com o dispêndio público. Esta deveria ser a política onde quer que a intenção de poupar superasse a de investir. Levando-se em conta que os gastos públicos não desempenhariam esse papel na presença de taxação compensatória (que não passa de uma modalidade de poupança), os mesmos deveriam ser financiados através de importâncias tomadas de empréstimo, incorrendo-se num déficit (...)"91. No sentir de Galbraith, a revolução keinesiana não constituiu uma imposição da força sobre a teoria, mas um progressivo trabalho de divulgação e de convicção do meio acadêmico sobre o político. O mediador para o ingresso de Keynes no meio norte-americano (e no canadense, também), foram as Universidades, entre as quais se destacam as de Harvard, Cambridge (Massachussetts) e Yale. Já o próprio Keynes tinha divulgado o seu pensamento através da tradicional Universidade de Cambridge (Inglaterra). Nesse processo foi importante a figura do professor Alvin H. Hansen, que se encarregou de divulgar as idéias keinesianas na sua cátedra de Harvard. A revolução keinesiana foi, destarte, segundo Galbraith, mais um fenômeno de convicção. "(...) Todos os que dela participaram possuíam um profundo sentimento de responsabilidade pessoal pelas idéias; sentiam a premência de persuadir os demais, mas nenhum dos membros jamais respondeu a quaisquer planos, ordens, instruções ou quaisquer outras forças que não suas próprias convicções. Esse foi, possivelmente, o traço mais interessante da revolução keinesiana"92. As principais críticas levantadas contra o pensamento de Keynes foram, no sentir de Galbraith, as decorrentes de alguns grupos de inspiração ultra-conservadora, nos Estados Unidos, tais como a Veritas Foundation, a John Birch Foundation ou a Comissão de Estudos chefiada por Clarence Randall. Essas críticas coincidiram em identificar o keinesianismo como o primeiro passo para o socialismo estatizante e o comunismo. No entanto, frisa Galbraith, nenhum desses críticos fez uma leitura direta da obra de Keynes. Talvez porisso, "a universidade não se abalou e o grande número permaneceu indiferente" às críticas feitas. 90 Cf. Lepage, Henri. Demain le Libéralisme. Paris: Pluriel, 1980, pg. 89. 91 Galbraith, John Kenneth. "A chegada de Keynes à America", in: Milo Keynes (coordenador). Ensaios sobre John Maynard Keynes, ob. cit., pg. 114. Cf. de John Kenneth Galbraith, Moeda: de onde veio, para onde foi. 2a. edição, ob. cit., capítulo 16, "O advento de J. M. Keynes", pg. 227-246. 92 Galbraith, John Kenneth. "A chegada de Keynes à América", ob. cit., pg. 118.

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A avaliação que Galbraith faz do keinesianismo é francamente positiva. Tanto Keynes como os seus seguidores norte-americanos (notadamente Hansen), são os responsáveis pela salvação "do que até mesmo os conservadores denominam de capitalismo"93. Em que pese o fato de o keinesianismo ter ignorado o problema da "desumana alocação de recursos entre necessidades privadas e públicas", para Galbraith não há dúvida quanto ao fato de que essa doutrina constitui hoje a nova ortodoxia, "e em todos os lugares os economistas desfrutam de seu novo e prazeroso papel sem que sofram qualquer controvérsia"94. O aspecto negativo da posição de Galbraith face ao keinesianismo está justamente aí: em não identificar as críticas sérias a essa doutrina, fixando a atenção unicamente na alternativa mais fácil de refutar: a ultra-conservadora.

6) Friedrich A. Hayek: os preconceitos cientificistas do keinesianismo

Friedrich A. Hayek criticou a doutrina keinesiana basicamente por dois motivos: em primeiro lugar, porque os processos econômicos não são possíveis de serem esgotados nas categorias macroeconômicas, ao contrário do que pressupunha Keynes. Em segundo lugar, porque essa doutrina é falsa tout court, na medida em que se fecha dogmaticamente na aceitação de certos princípios, poupando-os de um confronto global e sistemático com os dados empíricos. O professor Gerald P. O'Driscoll Jr.,95 da New York University, sintetizou da seguinte forma o primeiro motivo: "Hayek, o primeiro e o mais efetivo crítico de Keynes, discordou acerca da sua formulação do problema das flutuações econômicas, traduzidas nos termos dos conceitos agregados próprios da emergente macroeconomia. Hayek argüiu vigorosamente que esses conceitos seriam apenas construções mentais, mas de forma alguma constituiriam significativas categorias empíricas. Ele frisou que a teoria econômica geral demonstrou amplamente a impossibilidade de relações funcionais estáveis no seio de macrovariáveis tais como consumo e investimento, ou pleno emprego e investimento. No processo de um ciclo de produção devem mudar não somente a magnitude dos coeficientes, mas também os seus signos algebraicos". Em relação ao segundo motivo atrás mencionado, o próprio Hayek argumentou da seguinte forma, para demonstrar a falsidade que afeta à teoria keinesiana: ela teria sido aceita num contexto histórico determinado (a crise da economia inglesa no primeiro pós-guerra), graças à idéia fatalista de Keynes de que "(...) o desemprego decorre principalmente da insuficiência da demanda agregada quando comparada com o total dos salários que deveriam ser pagos, se todos os trabalhadores estivessem empregados nas taxas correntes. Esta fórmula do emprego como uma função direta da demanda total revelou-se válida, só de forma extraordinária, porque pareceu ser confirmada em algum grau pelos resultados dos dados empíricos quantitativos. Pelo contrário, as explicações alternativas, que eu considerava corretas, não tiveram um debate semelhante. Os perigosos efeitos que

93 Galbraith, "A chegada de Keynes à América", ob. cit., pg. 122. 94 Galbraith, "A chegada de Keynes à América", ob. cit., pg. 121. 95 Apresentação à obra de Friedrich A. Hayek, Unemployment and monetary policy, St. Francisco-Califórnia: Cato Institute, 1979, pg. X.

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esse preconceito científico acarretou para esse diagnóstico, foi o tema do meu discurso de Prêmio Nobel em Estocolmo. Em síntese, deparamo-nos com a curiosa situação de que a teoria keinesiana, que é confirmada pelas estatísticas unicamente porque se deixa acontecer o que vai ser testado quantitativamente, é contudo falsa. Todavia, isso é amplamente aceito, só porque a explicação anterior é considerada como verdadeira, e o que eu aceito pacificamente como verdadeiro, graças à sua natureza de verdadeiro, não pode ser testado pelas estatísticas"96.

7) Milton Friedman: intervencionismo X liberdade

Friedman considera que razões políticas e não estritamente econômicas conduziram a economia mundial à grande crise de 1929: "(...) A Grande Depressão, -- frisa o Prêmio Nobel de 1976 -- de modo semelhante a outros períodos de grande desemprego, foi causada pela incompetência do governo, e não pela instabilidade inerente à economia privada (...)"97. Porisso, o verdadeiro remédio para o revigoramento do capitalismo não se situa no intervencionismo apregoado pela teoria keinesiana, mas na volta aos princípios da economia clássica. O intervencionsimo keinesiano, travestido nas políticas de bem-estar social e pleno emprego, revela-se inaceitável de todo ponto de vista. Ele é irmanado por Friedman às piores formas de intervencionismo coletivista. "A justificação paternalista para a atividade governamental -- frisa Friedman 98 -- é a mais incômoda para um liberal; ela envolve a aceitação de um princípio -- o de que alguns podem decidir por todos -- que considera questionável em inúmeros casos e que lhe parece, muito justamente, o ponto caraterístico de seus principais inimigos intelectuais, os proponentes do coletivismo em qualquer uma de suas formas, quer se trate de comunismo, de socialismo ou de estado de bem-estar social (...)". O que esperar, então, do governo? Certamente, algo muito diferente do que pretendia a Teoria Geral de Keynes. A respeito, frisa Friedman: "Um governo que mantenha a lei e a ordem; defina os direitos de propriedades; sirva de meio para a modificação dos direitos de propriedade e de outras regras do jogo econômico; julgue disputas sobre a interpretação das regras; reforce contratos; promova a competição; forneça uma estrutura monetária; envolva-se em atividades para evitar monopólio técnico e evite os efeitos laterais considerados como suficientemente importantes para justificar a intervenção do governo; suplemente a caridade privada e a família na proteção do irresponsável, quer se trate de um insano ou de uma criança; um tal governo teria, evidentemente, importantes funções a desempenhar. O liberal consistente não é um anarquista. Entretanto, fica também óbvio que tal governo teria funções claramente limitadas e não se envolveria numa série de

96 Hayek, Friedrich A. Unemployment and monetary policy, ob. cit., pg. 7. Cf. do mesmo autor, O caminho da servidão, (Tradução de A. M. Capovilla, J. I. Stelle e L. M. Ribeiro), Rio de Janeiro: Instituto Liberal, 1984, (capítulo 13: "Os totalitários em nosso meio"), pg. 169 a 184. 97 Friedman, Milton. Capitalismo e liberdade. (Colaboração de Rose D. Friedman; tradução de Luciana Carli; apresentação de Miguel Colassuono). 2a. edição, São Paulo: Nova Cultural, 1985, pg. 43. 98 Friedman, Milton, ob. cit., pg. 38.

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atividades, agora desenvolvidas pelos Governos Federal e Estadual nos Estados Unidos e pelos órgãos equivalentes em outros países do hemisfério ocidental (...)"99. Em termos econômicos, o monetarismo apregoado por Milton Friedman e pela Escola de Chicago nele inspirada, adota uma versão moderna da teoria quantitativa da moeda e luta em prol da volta do conceito clássico de liberdade de mercado, se opondo, ao mesmo tempo, ao que era fundamental para a teoria keinesiana: a utilização de medidas monetaristas e fiscais, de nítida inspiração intervencionista, para a superação das crises cíclicas do capitalismo100.

8) Henri Lepage: a crítica liberal ao keinesianismo

A mais completa sistematização das críticas feitas do ponto de vista liberal à teoria e à prática do keinesianismo, foi realizada por Henri Lepage na segunda parte da obra intitulada Demain le libéralisme101. Ao tentar responder à pergunta: "Por que Keynes não funciona?", o mencionado autor sintetiza a nova aproximação liberal do tema da política econômica. Longe de desconhecer ao keinesianismo validade teórica e prática (afinal foi essa doutrina que permitiu assegurar um amplo ciclo de crescimento ininterrupto às economias desenvolvidas, ao longo deste século), Henri Lepage considera que aconteceu com o keinesianismo o que se passa no circo quando o público identifica o truque do mágico: os trunfos da surpresa deixam de ter valor porque os espectadores mataram a charada. Coisa semelhante teria acontecido com os mecanismos de previsão e de intervenção indireta do Estado na economia: os atores econômicos, setores empresariais e trabalhadores organizados nos grandes sindicatos, assimilaram o fator surpresa que permitia aos planejadores governamentais efetivar políticas novas, que permitissem garantir o pleno emprego e a inversão pública. Lepage identifica, nestes termos, os principais paradoxos com que se defronta o keinesianismo nos dias que correm: "Dez anos atrás, os economistas e os homens de governo compartilhavam uma ilusão comum. Acreditavam que graças aos progressos obtidos na técnica de formular modelos econométricos, se iniciava uma nova era que daria aos poderes públicos os meios para pilotar a economia como se dirige um carro de passeio, especialmente pelo fato de lhes garantir os instrumentos para escolher à vontade a taxa de inflação e de desemprego desejada. Mas as desilusões chegaram bem cedo. Desde o fim dos anos 60, e especialmente depois do início dos anos 70, ficou claro que a máquina econômica não obedece tão bem como se pensava aos novos comandos. De entrada, se acentua a pendente em direção à inflação; logo vem o que conceitualmente não se chegava a imaginar: a coexistência de uma inflação crescente e de um desemprego também crescente. Mesmo as fantásticas capacidades da informática não impedem que as previsões

99 Friedman, Milton, ob. cit., pg. 39. 100 Cf. a apresentação de Miguel Colassuono à obra, já citada, de Milton Friedman, pg. XX. 101 Paris: Pluriel (Livre de Poche), 1980, pgs. 87 a 122. Cf do mesmo autor, Amanhã, o capitalismo (tradução de Adelino dos Santos Rodrigues), Lisboa: Europa-América, s. d.

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dos modelos econométricos se situem, cada vez mais freqüentemente, mais e mais longe da meta"102 Sem procurar explicações fora do campo da análise econômica (como as de tipo sociológico elaboradas por Galbraith, Rocard, Attali, Gallus, Meister, etc.), Lepage considera que é possível se fazer sob esse ângulo um estudo das razões que tornaram inviável o modelo keinesiano, nos dias que correm. Esse estudo mostra que a "revolução keinesiana" já cumpriu com a sua função e que entrou em declínio, não por causa de que a análise econômica se tenha convertido num instrumento científico ultrapassado, mas pela razão particular de que o marco teórico de Keynes não se adapta mais ao universo econômico e institucional hodierno. Duas séries de razões arrola Lepage para explicar o declínio do keinesianismo: de um lado, a teoria das "antecipações racionais"; de outro, as teses do "freio fiscal". O autor assinala, em terceiro lugar, o papel que corresponde ao Estado numa economia pós-keinesiana. Analisemos esses itens.

a) A teoria das "antecipações racionais"

Esta teoria foi formulada, ao longo da década de 70, por uma plêiade de então jovens economistas norte-americanos, entre os que se contavam Robert Barro, Thomas Sargent, Robert Lucas, Nichel Boskin, Jack Gould, Michael Durby, etc. O cerne dela consiste na tese de que depois de vinte anos de políticas macroeconômicas, os agentes acumularam uma experiência suficiente para desarticular em boa medida a capacidade operacional do Estado intervencionista. Para o economista francês Christian Saint Etienne103, o precursor da teoria das "antecipações racionais" foi o norte-americano John Muth, que levantou em 1961 a hipótese de que grande parte do funcionamento dos mercados é condicionada pela influência determinante de agentes motores (tais como poderes públicos, sindicatos, grandes empresas, bancos e serviços financeiros, etc.), para os quais "as antecipações, enquanto previsões projetadas de eventos futuros, são essencialmente as mesmas previsões da teria econômica correspondente aos fenômenos estudados". Em outros termos, boa parcela do funcionamento da economia se pauta pelas antecipações de agentes capazes de tirar lições relativamente complexas, a partir da manipulação das informações de que dispõem sobre a conjuntura econômica e as políticas praticadas. Na medida em que esses conhecimentos sofisticados se expandem na sociedade, deixando de ser propriedade exclusiva dos agentes governamentais, o seu efeito surpresa se torna previsível, perdendo dessa forma a sua eficácia.

102 Lepage, Henri. Ob. cit., p. 89. 103 Cf. "Les antecipations rationnellles: signification et importance dans l'analyse économique", Vie et sciences économiques, outubro 1979, apud Lepage, ob. cit., pg. 92-93.

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As conclusões a que chega a nova geração de teóricos das "antecipações racionais" chamam a atenção, segundo Lepage, para os seguintes pontos: em primeiro lugar, é salientada a existência de "comportamentos de aprendizagem cuja efetivação permite explicar fenômenos econômicos, que desnorteiam quando se trata de analisá-los com os instrumentos teóricos tradicionais"104. Em segundo lugar, chama-se a atenção para o fato de que os modelos de previsão macroeconômica, por não levarem em consideração esses fenômenos de aprendizagem, conduzem a que "as intervenções conjunturais produzam hoje, sobre as economias ocidentais, efeitos mais desestabilizadores que estabilizantes"105. Acompanhemos os aspectos fundamentais do pensamento de Lepage, a respeito das conclusões anotadas. A fim de ilustrar como funcionam os comportamentos da aprendizagem (que explicam fenômenos inexplicáveis do ponto de vista dos instrumentos teóricos tradicionais), Lepage coloca um exemplo típico do intervencionismo keinesiano. Imaginemos uma economia que funciona regularmente, com um índice de inflação desprezível e com uma certa taxa de desemprego. As autoridades responsáveis querem reduzir essa taxa e partem para efetivar algumas medidas que afetam a estabilidade dos preços, mediante a emissão de moeda pelo Banco Central. Essa súbita monetarização da economia não gera de per se mais riqueza, mas enseja um sentimento de euforia, que leva as empresas a investirem mais. Paralelamente, os consumidores aumentam o seu poder de compra. As atividades econômicas recebem uma chicotada. Observemos mais de perto o que se passa na cabeça dos investidores: cada um deles, não sendo um Ph. D. em economia, não consegue distinguir se a euforia pelo consumo corresponde a um sucesso real dos produtos fabricados pela sua empresa, ou se se trata, melhor, de um surto monetarista. A sua reação natural é considerar que a melhora dos negócios decorre, ao menos em parte, do aumento da demanda dos produtos por ele fabricados. Cada empresário, conseqüentemente, decide produzir mais. Infelizmente, o que cada empresário não sabe é que todos estão fazendo o mesmo raciocínio. Cada um acredita que a melhora nos negócios corresponde a uma demanda do seu produto. E para lucrar com a situação, cada um decide elevar seus preços. Enquanto o influxo do poder de compra inflacionário não se expande por toda a indústria, os preços ficam mais elevados; mas como a estrutura relativa do consumo não aumentou realmente, mediante um verdadeiro acréscimo da riqueza de empresários e consumidores, acontece que as antecipações que cada um acalentava quanto ao real aumento das vendas não se realizam. À sofreguidão consumista inicial, seguem-se os efeitos desagradáveis que todos conhecemos: redução do ritmo da produção, freada dos investimentos, cortes do pessoal contratado na euforia dos primeiros dias, busca de novas formas de economia para compensar os aumentos salariais imprudentemente acelerados. Cada um acreditava que levava vantagem sobre os outros; mas, no fundo, todos se equivocavam. Tal experiência, frisa Lepage, pode-se repetir uma, duas, três vezes, mas não de forma indefinida. "Enquanto os poderes públicos utilizam mais a arma monetária, os agentes econômicos acumulam uma experiência que lhes ensina a não cair nos mesmos

104 Lepage, Henri. Demain le libéralisme. Ob. cit., p. 93. 105 Lepage, Henri. Ob. cit., p. 96.

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erros"106. Todo mundo se torna mais desconfiado. As maiores empresas contratam especialistas. Surgem empresas de serviços, que vendem informações às firmas menos poderosas. Sintetizando o efeito que advém dessa reação, afirma o autor: "(...) a vida econômica se transforma numa verdadeira corrida de velocidade entre os poderes públicos que buscam cada vez mais desesperadamente reduzir o desemprego, aceitando sempre a priori a inflação, e os agentes econômicos que reagem cada vez menos espontaneamente aos estímulos monetários que lhes são aplicados (e que, consequentemente, geram menos empregos que os pretendidos pelos técnicos)"107. Referindo-se à segunda conclusão atrás apontada (os modelos de previsão macroeconômica, por não levarem em consideração os fenômenos de aprendizagem, conduzem a que as intervenções conjunturais produzam hoje, sobre as economias ocidentais, efeitos mais desestabilizadores que estabilizantes), Lepage lembra como funciona a efetivação de uma política econômica. O ponto de partida é constituído pela construção de modelos econométricos cuja função é quantificar as relações existentes entre as variáveis macroeconômicas, das quais depende a realização dos grandes equilíbrios (consumo, investimento, comércio exterior, emprego, taxas de juros, etc.). Esse processo de quantificação se efetiva com a ajuda de regressões estatísticas, na observação de comportamentos passados. A partir daí, os modelos econométricos permitem calcular qual será , por exemplo, bem a incidência sobre a produção ou o emprego de um determinado déficit público suplementar, bem as conseqüências da queda de um ponto nas taxas de juros sobre os investimentos, bem a forma em que o aumento do preço do petróleo afeta a balança comercial. Em seguida, essas relações macroeconômicas são projetadas para o futuro, a partir das grandes hipóteses de base, que servem para a elaboração anual dos orçamentos econômicos e que permitem definir, então, a direção da intervenção conjuntural que deve ser deflagrada, bem como o tipo de instrumentos a serem utilizados ou a amplitude mesma da ação intervencionista dos poderes públicos. Todos esses mecanismos de previsão macroeconômica, segundo os economistas críticos do keinesianismo, possuem eficácia duvidosa, na medida em que os agentes econômicos possuem uma experiência crescente "da vida numa sociedade regulada pela intervenção dos poderes públicos", e incorporam essa variável nas suas projeções. Na medida em que o Estado intervém, esse fato gera um elemento de incerteza suplementar na gestão da empresa; o bom empresário deverá averiguar, de um lado, quais são as condições gerais do mercado e, de outro, quais as distorções que ocorrerão por força da ação intervencionista dos poderes públicos. "O resultado -- frisa Lepage -- é que depois de uma geração de práticas keinesianas, o mundo em que vivemos não tem muita coisa a ver com aquele para o qual foram concebidos os instrumentos de ação conjuntural"108. A conseqüência dessa situação é a seguinte: na medida em que a concorrência leva um número cada vez maior de agentes econômicos a aperfeiçoarem os seus instrumentos de informação, e na medida em que os modelos econométricos que alicerçam a tomada de decisões das autoridades governamentais não levam em consideração esses novos

106 Ob. cit., p. 95. 107 Lepage, Henri. Ob. cit., pg. 95-96. 108 Lepage, Henri. Ob. cit., pg. 97.

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comportamentos, passam a ser tomadas cada vez mais decisões que visam a corrigir os desequilíbrios previstos e que, por sua vez, são neutralizadas pelas projeções dos agentes econômicos, cada vez mais desconfiados face ao poder intervencionista do governo. Assim, como salienta Lepage, "(...) tudo aquilo que é concebido com o propósito de ajudar à estabilização dos ritmos da vida econômica contribui, de fato, para agravar a instabilidade das nossas modernas economias, mais do que a reduzi-la"109.

b) As teses do "Freio Fiscal

Dois professores norte-americanos, Arthur Laffer e Martin Feldstein, chamaram a atenção para o fato de que a pressão fiscal do Estado, típica do keinesianismo, longe de estimular a atividade industrial e, consequentemente, o pleno emprego, cria hoje sérios obstáculos à produção e acarreta a depressão econômica. Henri Lepage sintetizou da seguinte forma a tese central dos mencionados economistas: "(...) eles mostram como, ao fazer do aumento da despesa pública o elemento dominante das nossas políticas conjunturais, as doutrinas keinesianas têm levado a ultrapassar certos limites, para além dos quais o desenvolvimento da intervenção do Estado torna-se um obstáculo à retomada do controle eficaz do crescimento e do emprego (...)"110. A idéia consiste em lembrar que as políticas de intervenção econômica alicerçam-se na teoria da demanda global, que negligencia o papel das motivações individuais na determinação dos níveis de produção e de emprego, e em salientar as três conseqüências que decorrem dessa lacuna, e que seriam as seguintes: b.1) Os instrumentos keinesianos de controle econômico tendem, cada vez mais, a sobrestimar as necessidades reais de estímulo à atividade produtiva, em virtude do fato de o emprego continuar a ser explicado num arcabouço conceptual que se adapta, sem dúvida, à situação prevalecente no tempo de Keynes, mas que não corresponde mais à hodierna realidade econômica. Esta observação vale, é certo, para os países industrializados, em que se consolidou a política do welfare state (que garante ao trabalhador o salário-desemprego) e onde o Estado cobre as necessidades básicas de saúde e previdência de todos os cidadãos. Nesse contexto, frisa Lepage, o desempregado deixou de ser a figura carente e frágil que pressupõe a teoria keinesiana, e se converteu num indivíduo capaz de programar o seu estado de desemprego, enquanto não aparecer a atividade econômica mais consentânea com as suas expectativas salariais e profissionais. Consequentemente, anota Lepage, "(...) vivemos numa sociedade na qual aqueles que possuem o encargo de zelar pelo pleno emprego, confiam em indicadores que lhes revelam permanentemente uma necessidade de manutenção da atividade e do mercado de emprego superior ao que é realmente necessário para responder a uma demanda de trabalho, cuja medida não se identifica com o simples recenseamento do número de pessoas, que se declaram em busca de um emprego. Assim, as nossas chamadas políticas de

109 Lepage, Henri. Ob. cit., pg. 99. 110 Lepage, Henri. Ob. cit., p.g 101.

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pleno emprego perseguem objetivos que contribuem a aumentar a inflação, com o resultado ulterior do aumento ainda maior da taxa de desemprego, que se busca precisamente reduzir"111. Dessa forma,as práticas keinesianas se revelam, nos países desenvolvidos, mais desestabilizadoras do que estabilizantes. b.2) Os modelos econômicos contemporâneos sobrestimam o impacto multiplicador do gasto público, na medida em que não levam em consideração os efeitos das políticas fiscais sobre as motivações individuais, face ao trabalho e à poupança. Henri Lepage anota que nas sociedades hodiernas cada dia é mais claro o princípio de que "o imposto, quando aumenta, consegue destruir o imposto". Isso significa que as crescentes e pesadas cargas tributárias impostas pelas práticas keinesianas, para dotar os Estados dos meios necessários à manutenção do pleno emprego, produzem hoje um efeito exatamente contrário ao pretendido. Um exemplo ilustra o princípio anteriormente formulado: um marceneiro que ganha 100 francos por dia, paga um imposto de 15% sobre essa importância. Restam-lhe, portanto, líquidos, 85 francos. Suponhamos que ele precise fazer alguns consertos na sua casa. O marceneiro pode escolher entre fazer ele mesmo o serviço, ou contratar um trabalhador que lhe cobrará 80 francos. Nessas condições, compensará para ele mandar fazer o serviço, pois lhe custará menos do que vale a sua jornada de trabalho. Imaginemos que a taxa de imposto é elevada para 25%. Assim, o provento líquido do marceneiro será de 75 francos por dia. Nessas condições, compensa ele próprio fazer o conserto em casa, pois o custo da jornada é inferior ao preço cobrado pelo trabalhador contratado. Vejamos agora o balanço do ponto de vista da tributação. Com uma taxa de apenas 15%, o fisco cobra dois impostos: o do marceneiro e o do trabalhador por ele contratado. No entanto, se o imposto passar para 25%, o fisco perde de vez o imposto do marceneiro (que deixa de trabalhar no seu emprego um dia para fazer o serviço em casa) e o que pagaria o trabalhador de fora (que deixou de ser contratado pelo marceneiro). Ao contrário do que tradicionalmente se pensava, no sentido de que os altos impostos somente afetam os ingressos mais altos, a realidade econômica atual revela que todo mundo sofre com isso. Lepage considera que "(...) com um nível de impostos obrigatórios que ultrapassa hodiernamente, tudo incluído, o 50% da produção interna bruta, temos sem dúvida atingido o limite a partir do qual a manutenção de uma despesa pública tão importante, e portanto de uma tributação tão penosa, não somente freia o crescimento econômico, mas torna cada vez mais ineficientes todos os esforços tradicionais de estímulo; somos projetados num círculo vicioso, em que a baixa dos rendimentos da tributação conduz a aumentar sempre mais os impostos dos que continuam trabalhando, para compensar a perda resultante dos menores esforços dos que julgam que com tais impostos não vale a pena continuar trabalhando tanto"112. b.3) Os modelos econômicos de inspiração keinesiana ao negligenciar os efeitos negativos da tributação crescente sobre as motivações individuais para o trabalho e a poupança, levam os poderes públicos a menosprezar um instrumento muito valioso para efetivar o equilíbrio da economia: a redução do imposto.

111 Lepage, Henri. Ob. cit., pg. 104. 112 Lepage, Henri. Ob. cit., pg. 108-109.

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Experiências recentes no seio da economia americana revelam que o mecanismo da redução de impostos é, hodiernamente, um poderoso estímulo à produção e ao crescimento econômico. Lepage lembra duas experiências marcantes: a primeira delas foi protagonizada pelo Estado da Califórnia, onde foi votada em 1978 a famosa Proposition 13, que efetivou uma sensível redução do imposto predial pago pelos proprietários. A medida levou, em primeira instância, à supressão de 100 mil empregos burocráticos no Estado. Mas logo se sentiu o benefício para a economia como um todo: o setor privado criou 550 mil novos empregos. A segunda experiência americana foi a de Porto Rico, onde o governador eleito em 1977 suprimiu uma série de sobretaxas e taxas indiretas, ensejando a partir daí a criação de 107 mil novos empregos, no início dos anos oitenta, tendo equilibrado o orçamento da ilha, que era tradicionalmente deficitário.

c) Uma nova concepção do papel do Estado

A crise do keinesianismo significa que deva desaparecer, nas hodiernas sociedades, a função reguladora do Estado? De forma alguma. Essa crise significa que deve se cogitar uma forma diferente de intervencionismo. "A intervenção do Estado -- frisa Lepage --, tal como é hodiernamente concebida, e mesmo contando com instrumentos aperfeiçoados, só pode levar a flutuações mais e mais acentuadas dos preços, da produção e do emprego. Em outros termos, em lugar de reduzir as flutuações naturais da economia de mercado, a nossa experiência das políticas conjunturais conduz ao renascimento dos ciclos, que se acreditava ter eliminado definitivamente, e ao seu alargamento"113. O novo modelo de intervencionismo apregoado pelos new economists críticos do keinesianismo, consiste em fixar regras de gestão estáveis, definidas para períodos mais longos, por exemplo, adotando mecanismos constitucionais que obriguem a que o orçamento do Estado se equilibre globalmente durante o período de uma legislatura completa, de forma a impedir ao governo a efetivação de mudanças abruptas nas políticas tributárias, que fixem limites ao crescimento das despesas públicas (por exemplo, atrelando-as aos índices de crescimento da economia), etc. Como se vê, não se trata de negar valor ao keinesianismo. "O problema -- frisa Lepage --não consiste em duvidar de que as fórmulas keinesianas possam ser, em certas circunstâncias, particularmente eficazes, mas em esclarecer que o emprego e o desenvolvimento das técnicas keinesianas, têm modificado progressivamente o universo econômico em relação ao qual elas tinham sido concebidas, ao ponto que o que antes era eficaz, hoje é fator gerador de efeitos perversos cada vez mais acentuados, e dos quais só podemos nos libertar mediante uma substituição completa de instrumentos"114.

113 Lepage, Henri. Ob. cit., pg. 114. 114 Lepage, Henri. Ob. cit., pg. 115.

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CONCLUSÃO

A doutrina keinesiana permitiu ao capitalismo superar o problema das crises cíclicas, tendo dado ensejo ao surgimento do Welfare State, no período compreendido entre o final da Segunda Guerra Mundial e o início dos anos 70. No entanto, uma série de fenômenos não previstos por Keynes como o fim da conversibilidade do dólar em ouro, os dois choques do petróleo ensejados pelo surgimento do cartel dos países produtores, o desenvolvimento no mundo capitalista das chamadas antecipações racionais, a crise da dívida em países como o México, a Argentina e o Brasil em 1982, o amplo desenvolvimento da telemática e a aplicação desta ao mercado financeiro, os novos requerimentos do comércio internacional, o crescente protecionismo dos países desenvolvidos em relação aos seus produtos, a polarização norte-sul decorrente, em boa medida, da dinâmica ideológica da Guerra Fria, a ulterior derrubada do Muro de Berlim e o vertiginoso movimento de aglutinação das forças políticas internacionais ao redor de parâmetros diferentes da bi-polaridade leste-oeste, a diminuição do poder dos Estados nacionais, a crise sistêmica dos mercados emergentes a partir de 1995, etc., fizeram com que a ordem econômica internacional surgida de Bretton Woods se tornasse obsoleta. Diríamos que nos últimos trinta anos deste século o sistema capitalista sofreu com a falta da clara definição de uma nova ordem econômica internacional, em que pese os esforços feitos pelas Nações Unidas, pela Organização Internacional do Comércio, pelo FMI, pelo Banco Mundial e pelas sucessivas conferências internacionais de países desenvolvidos e em vias de desenvolvimento. É evidente que os primeiros passos na busca de um novo perfil foram dados com o revigoramento das economias capitalistas, na onda neo-liberal que passou a animar as reformas de Reagan nos Estados Unidos e da primeira ministra Margareth Thatcher na Inglaterra115. Mas se o reforço à livre iniciativa permitiu ao sistema produtivo mundial ir superando a problemática inflacionária ensejada pelo Estado de Bem-Estar Social, tratou-se mais de uma solução intra-muros, que foi contrabalançada com as novas políticas sociais apresentadas pela reflexão social-democrata e comunitarista na Europa e nos Estados Unidos, face ao chamado fundamentalismo de mercado. Mas ficou faltando, na atual quadra da evolução do sistema capitalista mundial, uma ordem institucional que permitisse administrar de forma racional especialmente os intercâmbios financeiros. Os mecanismos de controle continuavam sendo os do pensamento keinesiano e neo-keinesiano. Mecanismos de controle das economias no plano nacional, mas insuficientes para arrumar a casa num agressivo mercado cada vez mais globalizado. Os paradoxos da realidade mundial neste final de milênio têm sido repetidas vezes apresentados à opinião pública e só fazem aumentar a perplexidade, dado o intrincado conjunto de variáveis apresentadas116.

115 Cf., acerca deste ponto, os estudos de Sorman, Guy, intitulados: La revolución conservadora americana (3a. edição, tradução ao espanhol de Maria Nieves Urrutia, Buenos Aires: Atlántida, 1986) e El Estado mínimo (1a. edição. Tradução ao espanhol de Luis F. Coco, Buenos Aires: Atléntida, 1986). 116 Apenas para ilustrar este ponto, do ângulo das perplexidades econômicas cf. Drucker, P. F. Post-Capitalist Society. 1a. edição. New York: Harper Business, 1983. Do ponto de vista das perplexidades políticas, cf. Kennedy, Paul, Preparando para o século XXI. (Tradução de W. Dutra). Rio de Janeiro: Campus, 1993. Do ângulo das perplexidades decorrentes da telemática aplicada aos mercados, cf. Verity, J. F. e Hof, R. D. "The Internet: How it will change the way you do business", in: Businessweek, New York (novembro l4 de 1994):

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Como sugeria Keynes, é necessário levantar-se por cima da infinidade dos detalhes concretos, a fim de enxergar, no pano de fundo do movimento das forças econômicas, as tendências gerais que as animam. O próprio Keynes tinha sugerido, na Conferência de Bretton Woods, a criação de uma instância mundial, à qual todos os Bancos Centrais obedecessem, no sentido de fixar parâmetros às economias capitalistas e ao intercâmbio financeiro internacional. A proposta do mestre de Cambridge, sabemos, não foi aceita, em parte por pressão dos próprios Estados Unidos. É evidente que a economia do pós-guerra, num contexto de nações terrivelmente empobrecidas pela conflagração mundial, não abria muita margem para um mecanismo supra-nacional do tipo proposto por Keynes. Praticamente a riqueza do mundo capitalista repousava nas mãos dos americanos. Isso sem falar da agressividade do mundo comunista e das urgentes tarefas que implicava a reconstrução da Europa. Mas a situação mudou. Hoje, a economia dos países capitalistas desenvolveu-se de forma tal que vários conglomerados concorrem em paridade de circunstâncias. O próprio processo de globalização favoreceu o surgimento de poderosos blocos de comércio, centrados ao redor do Japão, da Europa Ocidental e dos Estados Unidos. A nossa experiência incipiente nesse tipo de aglutinação, com o Mercosul, desvenda a tremenda dinâmica desse novo tipo de realidade. O mundo certamente está mais maduro do que em 1944 para ser discutida a criação de um mecanismo supra-nacional, regulador do jogo econômico entre os países e os vários blocos. Propostas nesse sentido não faltam. Apenas para mostrar a atualidade das idéias de Keynes117 no relacionado ao saneamento das relações econômicas internacionais, vale a pena lembrar uma das propostas colocadas hoje sobre o tapete, de autoria de George Soros. Segundo o megainvestidor hungaro-americano, o FMI tornou-se insuficiente para pautar a complicada realidade da economia internacional. Seria necessária uma nova instituição que obrigasse os países a agir às claras, em matéria de trocas comerciais e de administração das suas economias (pondo em prática, aliás, o ideal kantiano do imperativo da transparência, garantidor da paz entre as nações)118. A respeito, escreve Soros: "(...) A nova instituição, provavelmente uma parte do FMI, garantiria de forma explícita os empréstimos e créditos internacionais até determinados limites. Os países devedores se comprometeriam a fornecer dados sobre todos os empréstimos, públicos ou privados, segurados ou não. Assim, a autoridade teria condições de estabelecer um teto para os valores que estaria disposta a segurar. Até esses limites, os países interessados teriam acesso aos mercados de capitais internacionais, a taxas de juros preferenciais, acrescidas de um pequeno adicional. Além desses limites, os credores estariam em risco. O estímulo e o castigo ajudariam a evitar a orgia e a fome nos fluxos de capitais internacionais. A fixação dos tetos levaria em conta as políticas macroeconômicas e estruturais adotadas pelos diferentes países, assim como as condições econômicas gerais do mundo. Na realidade, a nova instituição funcionaria como

pgs. 38-40. Abarcando as várias perspectivas, cf. Rattner, Henrique (organizador). A crise da ordem mundial. São Paulo: Edições Símbolo, 1978. 117 A respeito da atualidade das idéias de Keynes na presente conjuntura do capitalismo mundial, cf. Arestis Philip e Malcolm Sawyer (organizadores), The relevance of keynesian economic policies today, Londres: McMillan Press/St. Martins Press, 1997. 118 Acerca da atualidade da ética da transparência como pano de fundo das relações internacionais no mundo atual, cf. da nossa autoria, "A ética da transparência: comunicação e cidadania", in: Flávio Beno Siebeneichler (organizador), Ética, filosofia e estética. Rio de Janeiro: Universidade Gama Filho, 1997, pg. 186-214.

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um banco central internacional. Procuraria evitar os excessos em ambas as direções e teria em suas mãos um poderoso instrumento"119. A proposta de Soros vai no mesmo sentido dos mecanismos apresentados pelo Japão e pela Alemanha na última reunião do Grupo dos Sete, no final de 1998. O próprio Presidente do Federal Reserve dos Estados Unidos, Alan Grinspun, tem alertado em várias oportunidades para o excesso de euforia e de hiper-valorização acionária nas bolsas provocada pelos manipuladores financeiros. Não está longe o momento em que os Sete Grandes aceitem a criação dessa instituição reguladora internacional. Uma instituição que, como frisa Soros, teria como finalidade principal garantir o funcionamento do capitalismo em sociedades abertas. Trata-se, portanto, de propostas compatíveis com as conquistas do liberalismo (como são a representação política, as liberdades individuais e o respeito à livre iniciativa em matéria econômica). Infelizmente, no Brasil, como de resto em outros países da América Latina e do mundo em desenvolvimento, a pesada herança da tradição patrimonialista, torna muito difícil aos políticos e à opinião pública em geral, enxergar claramente o caminho a ser seguido. Diante da atual conjuntura de crise das finanças internacionais, não são poucos os que advogam em prol de um reforço do Estado patrimonial, caloteiro, cartorial, improdutivo, confiscador. Velhas e antiquadas lideranças emergem como porta-vozes dessa "novidade", que nos assombra há séculos. O remédio está justamente no contrário: em estudar as soluções liberais, das quais, sem dúvida, as propostas elaboradas por Keynes formam parte importante da tradição política contemporânea.

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