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LEMINSKI: LINHA MÍNIMA NANCI MARIA GUIMARÃES Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Letras Vernáculas (Literatura Brasileira). Orientador: Prof. Doutor Eucanaã de Nazareno Ferraz. Rio de Janeiro Agosto de 2008

Leminski: Linha Mínima

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Page 1: Leminski: Linha Mínima

LEMINSKI: LINHA MÍNIMA

NANCI MARIA GUIMARÃES

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Letras Vernáculas (Literatura Brasileira). Orientador: Prof. Doutor Eucanaã de Nazareno Ferraz.

Rio de Janeiro

Agosto de 2008

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Guimarães, Nanci Maria. Leminski: Linha Mínima/ Nanci Maria Guimarães. – Rio de Janeiro: UFRJ, FL, 2008. viii, 103 f.: il. Orientador: Eucanaã de Nazareno Ferraz Dissertação (Mestrado em Letras Vernáculas: Literatura Brasileira) – UFRJ/ FL/ Programa de Pós-graduação em Letras Vernáculas, 2008. Referências Bibliográficas: f. 112-115. 1. A poesia de Paulo Leminski. 2. Estratégias de apagamento do escritor. 3. As propostas de Italo Calvino para a literatura do terceiro milênio: leveza, exatidão, rapidez, multiplicidade, visibilidade e consistência. I. Ferraz, Eucanaã de Nazareno (Orient.). II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Programa de Pós-graduação em Letras Vernáculas. III. Título.

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Dedico

aos meus pais, que me ensinaram que

amadurecer é continuar a recriação de si

mesmo.

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AGRADECIMENTOS

Ao meu sobrinho Rafael Guimarães Nogueira pela assessoria na revisão e formatação do meu

texto.

Aos meus amigos pelo incentivo.

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De uma vez por todas, os seres humanos não nascem no dia em que suas mães lhes dão a luz, senão que a vida os obriga uma vez e outra a dar a luz a si mesmos.

Gabriel Garcia Marques

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LEMINSKI: LINHA MÍNIMA

Nanci Maria Guimarães

Orientador: Prof. Doutor Eucanaã de Nazareno Ferraz.

Resumo de Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Letras Vernáculas (Literatura Brasileira).

RESUMO

Em sua busca pelo apagamento da subjetividade, o poeta Paulo Leminski rejeitou a

referencialidade, privilegiou o close e coadunou diferentes estéticas, que ora se

complementam, ora se repelem. Em sua poesia, essas referências entram num jogo de trocas e

de contaminações entre si que promovem o surgimento de um texto híbrido e fragmentado,

numa verdadeira consagração do provisório. Suas incertezas e a tentativa de apagar-se através

da linguagem evidenciam-se a partir de Distraídos venceremos, escolhido como corpus

principal deste trabalho. No entanto, as estratégias de apagamento são recorrentes em toda sua

poética e dialogam com as Seis propostas para o terceiro milênio, de Italo Calvino –

eloqüente apologia da necessidade da poesia numa sociedade que passa por profundas

modificações. Analisada à luz do texto de Calvino, a poesia de Leminski, embora viva de uma

constante tensão entre objetividade e subjetividade, revela a voz do poeta no desejo de

liberdade e no projeto de opor-se à sociedade capitalista através da linguagem.

Palavras-chave: Leminski, Poesia, Apagamento, Subjetividade, Objetividade, Close.

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LEMINSKI: LINHA MÍNIMA

Nanci Maria Guimarães

Orientador: Prof. Doutor Eucanaã de Nazareno Ferraz.

Resumo de Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Letras Vernáculas (Literatura Brasileira).

RESUMÉ

À la recherche de l’effacement de la subjectivité, le poète Paulo Leminski a repoussé

la fonction référentielle, centrée sur le contexte. Il a accordé une importance particulière au

“close” et il a rapproché des différentes esthétiques qui tantôt se complètent, tantôt se

repoussent. L’essai de s’effacer par le langage s’impose dans l’ouvrage “Distraídos

venceremos”, qui a été choisi comme “corpus” principal de ce sujet. Les stratégies

d’effacement dialoguent avec “Seis propostas para o terceiro milênio”, de l’écrivain Italo

Calvino, qui démontre, avec éloquence, le besoin d’avoir de la poésie dans une société qui se

transforme à chaque jour. Analysée sous la lumière du texte de Calvino, la poésie de

Leminski, même si elle vit sous une tension entre l’objectivité et la subjectivité, révèle la voix

d’un poète qui souhaite la liberté et qui déclare, en utilisant le langage, son opposition à une

société capitaliste.

Mot-clés: Leminski, Poésie, Effacement, Subjectivité, Objectivité, “Close”.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO................................................................................................................... 09

2. DISTRAÍDOS VENCEREMOS: A CONCEPÇÃO POÉTICA DESNUDADA ............... 25

3. O MÁXIMO DO MÍNIMO................................................................................................. 49

4. O ENCONTRO DOS CONTRÁRIOS................................................................................ 72

5. O CLOSE: PRAZER DA PURA PERCEPÇÃO................................................................. 90

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................... 105

7. BIBLIOGRAFIA............................................................................................................... 112

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1. INTRODUÇÃO

Para desenvolver este trabalho, seguimos os passos de Raimundo Nonato Soares

(2003), em sua tese “Seis poetas para o próximo milênio”. Também utilizamos, como base

teórica, as considerações de Calvino (1990), apresentadas em seu livro Seis propostas para o

próximo milênio, no qual estão as cinco palestras que seriam ministradas em Harvard (da

última palestra só há apontamentos, pois a morte surpreendeu o escritor).

A obra do escritor ítalo-cubano nos dá o norte para a compreensão da função da

literatura no terceiro milênio. Ela é uma eloqüente e incondicional apologia da necessidade da

poesia na contemporaneidade. Num tempo cada vez mais dominado pela desumanização e

pelo materialismo, a poesia constitui uma afirmação irrevogável do humano e representa um

antídoto contra a visão utilitarista que norteia nossas ações, fazendo-nos valorizar apenas

aquilo que tem utilidade ou valor mercadológico. Assim, a poesia, com seu caráter de

“inutensílio”, quebra os paradigmas da sociedade capitalista.

Enquanto Soares (op. cit.) selecionou um ou dois poetas para ilustrar cada uma das

propostas, optamos por relacionar todas elas a um único escritor: o poeta Paulo Leminski. A

decisão baseou-se em duas observações: a primeira foi a de que as propostas estão

intimamente ligadas; e a segunda foi a percepção, nascida durante a leitura da obra, de que,

ora claramente, ora subliminarmente, a leveza, a rapidez, a visibilidade, a exatidão, a

multiplicidade e a consistência (proposta não escrita) constituem, umas mais que outras, sem

dúvida, a base da poética desse autor.

Sem desconsiderar seus escritos em prosa (cartas, ensaios, traduções, romances,

biografias), privilegiamos a poesia, porque é para ela que obra leminskiana converge. Em sua

produção (suas cartas, biografias e ensaios), existe, a “semente de poesia”, para utilizar uma

expressão de Solange Rebuzzi (2003). Contudo, vale lembrar que, em Leminski, os limites

entre os gêneros são bastante flexíveis: romances, cartas, poemas, contos interligam-se,

repetem-se e, às vezes, repelem-se; porém, o escritor sempre foi, sobretudo, poeta, e é assim

que será considerado neste trabalho.

Convictos de que um autor vale por sua criação, por seus textos, só utilizaremos a

biografia quando ela for indispensável à compreensão da obra. Na maior parte deste trabalho,

buscaremos marcas do autor no corpo do texto poético, porque é lá que elas se revelam

nitidamente.

Este trabalho foi organizado em seis capítulos. No capítulo “Distraídos venceremos: a

concepção poética desnudada”, trataremos de como, no livro, Leminski revela o momento em

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que se encontra, faz uma avaliação de sua trajetória poética e apresenta suas dúvidas, suas

escolhas e sua concepção de poesia.

No capítulo seguinte, “O máximo do mínimo”, demonstraremos como Leminski

coloca em prática três propostas de Calvino (op. cit.) – leveza, rapidez e exatidão – no intuito

de se apagar na linguagem.

Em “O encontro dos contrários”, apresentaremos as estéticas que construíram a

identidade poética do autor e explicitaremos como ele vivenciou a multiplicidade nas suas

divergências e convergências.

O quinto capítulo, “O close: prazer da pura percepção”, versará sobre a opção do poeta

pelo detalhe, pelo banal, buscando dar visibilidade ao que é imperceptível ao olho nu. Ao

mesmo tempo, daremos um close na obra do poeta, para dela apreendermos o conceito de

consistência de que trataria Calvino em sua última palestra.

Finalmente, indicaremos conclusões acerca das tentativas de apagamento do poeta e a

bibliografia utilizada.

Leminski surgiu no cenário literário em 1963. Sua aparição aconteceu na Semana

Nacional de Poesia Concreta, realizada em Belo Horizonte. Ele tinha 18 anos, e seu interesse

pela vanguarda levou-o a esforçar-se para participar do evento. O encontro com o grupo

paulista de poesia concreta consolidou a admiração do jovem poeta pela vanguarda. A

Semana Nacional de Poesia de Vanguarda foi um dos muitos eventos acontecidos no país

naquela época.

Havia, no início dos anos sessenta, uma efervescência social e cultural, que refletia o

surto de desenvolvimento da década anterior (construção de Brasília, industrialização, cultura

de massa, Bossa Nova, Cinema Novo). Embora a velocidade e o tipo de mudanças ocorridas

naquela época não se assemelhem ao modo como as transformações ocorrem na

contemporaneidade, aquele foi um período de intensa movimentação da sociedade.

Essas transformações apontavam para uma modernização da vida política, cultural e

social, a qual imprimia um otimismo crescente nos brasileiros. Na esfera política, vivenciava-

se o fortalecimento da democracia; no campo social, floresciam os projetos coletivos: a

sociedade – estimulada pelos ideais socialistas – organizava-se em associações, sindicatos,

partidos; nas artes, uma intensa e diversa produção revolucionava a música, o cinema e a

literatura.

Concomitantemente, cresce, alavancado pelo crescimento econômico, o processo de

urbanização, e a sociedade de consumo começa a se instaurar. É uma nova dinâmica social,

caracterizada pelos novos meios de comunicação: telefone, rádio, televisão, slogans e

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satélites. Assim, a idéia de contemporaneidade aparece associada à de velocidade da

comunicação e à existência dos meios de comunicação de massa.

Dentro desse contexto, a poesia concreta propõe uma nova arte para um novo mundo.

Ela opta pela exploração rítmica e plástico-visual dos vocábulos, numa tentativa de enveredar

pela “aventura plástica”, proclamada por Décio Pignatari (1979). Sintonizado com o

panorama nacional, Leminski encanta-se com a proposta concretista, porque imagem, som e

texto também compunham a nova linguagem dos jovens. Após o encontro com Haroldo de

Campos, em Belo Horizonte, os dois autores passaram a se corresponder, e Leminski tornou-

se mascote do grupo. Ao mesmo tempo, lia Pound e ouvia os Beatles.

No auge de todo essa renovação, acontece o golpe militar. A ação dos militares,

pretendendo conter “as idéias comunistas”, não conseguiu silenciar o descontentamento de

uma parcela da sociedade. Na literatura, um grupo de poetas, para opor-se à ditadura, optou

por fazer uma poesia engajada, de denúncia; outro grupo decide realizar um trabalho mais

lapidado com a linguagem, acreditando ser essa uma atitude política mais eficaz. Entre as

duas posturas, Leminski preferiu a segunda. Lia Allen Ginsberg e Maiakovski, ao mesmo

tempo em que pensava que não poderia haver arte revolucionária sem forma revolucionária.

Para ele, os verdadeiros subversivos eram os artistas de vanguarda por manipularem as

formas. Ele dizia: “Não é apenas no terreno do conteúdo que se deve ser subversivo e se opor

ao sistema. É, sobretudo, no terreno das formas que esse trabalho deve ser feito. A forma é

realmente revolucionária” (LEMINSKI apud VAZ, 2005, p. 92).

Buscando manipular as formas, Leminski passou a projetar atividades que

envolvessem literatura, cinema, música, programas de rádio e de televisão. Além disso, como

o corpo passara a ser também um veículo que expressava uma linguagem ideológica, adotou

um comportamento hippie – amor livre, barba e cabelos compridos, roupas coloridas, uso de

drogas. Logo, o poeta tinha uma atitude anti-ditadura, mas não escrevia poesia engajada nem

participava de uma militância partidária.

Essa atitude libertária reflete-se em sua poesia, porque, em Leminski, o foco de

interesses, apesar de desaguar na poesia, não está centrado em um cânone restrito. Sua

multiplicidade de interesses recusa modelos estéticos e atrai referências de diversas épocas e

culturas: da literatura grega clássica ao rock’n roll. Ciente de que o mundo estava,

irremediavelmente, ligado pelos meios de comunicação, soube construir laços entre tecidos

culturais diversos.

Talvez tenha sido um dos primeiros poetas a compreender que os tempos já eram

outros e que as transformações das técnicas de comunicação alteraram as relações sociais. Já

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nos anos 80, Leminski compreendia que, apesar da eficácia dos novos meios de comunicação

e de a informação circular velozmente pelo planeta, somos, na modernidade, participantes da

solidão existencial humana. O homem se acha saturado de informações inúmeras e

complexas, mas tão rápidas e fragmentadas que nem sempre é capaz de organizá-las.

Portanto, o poeta reconhece a dificuldade de se estabelecerem relações verdadeiras entre os

indivíduos. Adota, assim, uma postura poética que traz o outro para dentro do poema, criando

uma multiplicidade, que, segundo Calvino (op. cit.), propicia uma “visão plural”. Ao

reconhecer a intertextualidade como condição essencial da criação literária, tanto se insere no

fluxo histórico da humanidade quanto luta para apagar sua subjetividade, sua voz narcísica.

Num mundo em que o egocentrismo e o materialismo ganham espaço, a proposta de

uma poesia permeada de alteridade revela-se como a busca, talvez infrutífera, do nexo perdido

com a realidade. Por outro lado, não nos deixa esquecer nossa inevitável ligação com o outro,

mesmo que ela seja permeada de conflitos.

A prática de leitura de Leminski, sempre marcada por um interesse plural e voraz,

culminou em uma produção poética que permite o convívio de diferentes estéticas. Essa

dissolução de limites entre espaços geográficos e tempos históricos implica, também, o ato de

repensar a inserção do poeta na modernidade. O passado torna-se matéria-prima para uma

reconstrução do presente; por isso, o poeta retoma e reinventa o já inventado. É no resgate do

passado, misturado a uma contemporaneidade, que o autor promove a diversidade. A

multiplicidade do presente é também advinda do passado. E, quanto maior a variedade de

prismas, mais plural será o discurso. O conceito de alta e baixa literatura, já desmitificado

pelo modernismo heróico, é substituído pela deglutição antropofágica dos elementos das

culturas pop, clássica e oriental.

A partir da multiplicidade de vozes percebidas em sua poesia, revela-se uma tessitura

que supõe a descontinuidade, o fragmento, o inacabado. Seu texto, sempre em aberto, para

evitar dicotomias, é uma mistura de passado e presente, oriente e ocidente, individual e

coletivo.

O intenso desejo de explorar a diversidade levou o poeta a afirmar “Tem lugar pra

todo mundo” (LEMINSKI in LEMINSKI & BONVICINO, 1999, p. 73), referindo-se ao

radicalismo de alguns poetas do movimento concretista. Essa não-definição, esse caminho

cheio de desvios e atalhos, revela a preocupação, daquele que já se definiu como um

“cachorro louco”, com as verdades totalizantes, incontestáveis, definitivas.

A necessidade de “programar essa indefinição”, de coibir a multiplicidade, enrijece a

experiência sígnica e cristaliza a idealizada relação entre palavra e pensamento, já identificada

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por Walter Benjamin (1996), em Sobre arte, técnica, linguagem e política. A essa

programação é que se contrapõem a mobilidade, a fragmentação e a abertura da poesia

moderna, presente na poética de Leminski.

Essa escrita fragmentada, incompleta, expressa a necessidade de uma rebelião da

linguagem, de desestabilizar estruturas pré-determinadas. “A linha que nunca termina”

(LEMINSKI, 2006, p. 18), verso de um dos poemas do livro Distraídos venceremos, de 1987,

sintetiza bem uma obra composta por fragmentos.

De um somatório de influências – o rigor concretista, o relaxamento marginal, o

redimensionamento tropicalista, a concisão do haicai, a releitura dos clássicos gregos e a

cultura de massa –, ele construiu sua identidade. Logo, diversos fragmentos, materiais

diversos e formas aparentemente incompatíveis, compõem o mosaico de sua obra. Isso foi

possível porque Leminski escreveu em um momento em que os questionamentos estéticos,

feitos tanto pelo Modernismo quanto pelas vanguardas, já tinham demonstrado que, para

atender a demanda da modernidade, a poesia poderia recorrer a uma linguagem ordenada em

forma de fragmentos aleatórios ou esparsos, justapondo imagens, idéias e conceitos.

Buscando a liberdade da linguagem, percorreu diferentes fontes e não recusou suas

influências.

Num contexto fragmentado, não há como conseguir uma completa unidade. Ao

abarcar, em sua obra, uma multiplicidade de vozes, Leminski valoriza esse conceito, mas,

também, aponta um respeito à particularidade dos criadores. Sem procurar uma direção

inequívoca e sem pretensão de seguir um único caminho, perscruta as potencialidades

poéticas, presentes em diversas vozes. Essa concepção corrobora com o conceito de

fragmento, conforme concebido por Barthes (2003a), por corresponder a idéia de que o

publicado nunca está acabado. Na obra composta por fragmento, estão presentes duas

subjetividades: uma a ser expressa pelo autor, e outra a ser provocada no leitor. A

subjetividade do escritor revela-se na seleção dos fragmentos; e a do leitor, na expansão de

sua capacidade lúdica, para que possa interagir com a obra, compreendendo-a. Isso é

necessário porque a estrutura fragmentada é reconstruída no ato da leitura. Ler um poema é

estar diante de um fragmento da obra do autor e, concomitantemente, o poema é, também,

constituído de fragmentos.

Essa recolha de fragmentos e a releitura presentes nos poemas de Leminski revelam

um poeta que se alimenta de outros poetas, voraz e (in)disciplinadamente. Ele cria a partir de

textos lidos, porque considera que os textos literários são influenciados, principalmente, pelos

escritos que o precederam. Assim, o autor assume-se construído a partir de suas leituras, isto

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é, compreende-se um tradutor da tradição, do Concretismo, dos clássicos, do cânone, com os

quais teceu sua poética. A mesma convicção se expressa em um poema de Caprichos e

relaxos.

Bom dia, poetas velhos. Me deixem na boca o gosto de versos mais fortes que não farei. Dia vai vir que os saiba tão bem que vos cite como quem tê-los um tanto feito também, acredite. (Leminski, 1983, p. 33)

As incertezas do mundo moderno (industrialização, massificação, guerras) impuseram

um sentido de urgência à geração de Leminski. De repente, havia a impressão de que nada

poderia ser deixado para o dia seguinte, simplesmente porque não existia a certeza de que o

amanhã chegaria. No Brasil, agrega-se a isso o golpe militar, que sufocou iniciativas no

campo cultural e social. A morte do sonho de um futuro país igualitário fez com que viver o

momento presente intensamente fosse a única possibilidade viável, fortalecendo, assim, o

individualismo.

O tempo presente passa a ser vivido como limiar e reina absoluto sob todas as coisas.

A pressa está presente em cada ação. Não há mais tempo para perceber o outro. Tudo

começou a acontecer rapidamente e exige uma resposta imediata. Em poucas décadas,

mudanças que levariam séculos aconteceram. A competição e a luta pela sobrevivência

tornaram-se mais acirradas. O capitalismo cresceu assessorado pelo poder da mídia. O

consumismo passou a ser a tônica do cotidiano. A cada dia, é preciso consumir mais e mais,

na mesma velocidade em que os produtos são lançados.

Leminski não descarta a herança do seu tempo. Ele passa a expressar o seu

descontentamento frente à euforia nacional-desenvolvimentista, demonstrando descrença nos

discursos militantes veiculados pela esquerda. Sua poesia propõe uma arte na qual a

valorização da técnica tem a pretensão de, pela forma, atuar política e poeticamente.

Em entrevista concedida a Regis Bonvicino, no ano de 1979, expressa uma certeza:

“Não dá mais tempo para ser ingênuo. Puro. Inocente. Perante a investida multinacional da

tecnocracia, tem que responder com uma plena consciência dos meios, códigos e linguagem.”

(LEMINSKI apud ASSUNÇÃO). Essa percepção o faz incorporar o comportamento da nova

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era à sua poesia: a busca de novas alternativas políticas e estéticas. A linguagem enviesada e

metafórica, fragmentada e rápida, foi uma das saídas encontradas. Ela, no entanto, coexiste

com a sátira, a ironia, a paródia. Logo, embora assumisse um tom predominantemente

coloquial, utilizava uma linguagem diversificada.

tudo dito, nada feito, fito e deito (Leminski, 2006, p. 131)

O poema realiza uma paródia com o ditado popular “dito e feito”, invertendo-lhe o

sentido de coerência entre a palavra e a ação. A inversão refere-se à incoerência tanto do

discurso da esquerda, que fala em igualdade e democracia, mas não aceita as diferenças e se

apresenta como detentor da verdade, quanto do discurso dos militares, que afirmam estar

garantindo a sobrevivência da democracia e instauram um regime totalitário. Se tudo foi dito e

nada foi feito, ao contrário do que apregoa o senso comum, só resta uma terceira via: “fitar e

deitar”, adotando uma atitude marginal.

Se, no mundo moderno, a rapidez está associada à idéia de velocidade da informação,

do deslocamento, daquilo que não se apreende facilmente; na poesia leminskiana, a

velocidade do registro associa-se à necessidade de capturar um instante mágico e fugidio. O

momento capturado é uma impressão distorcida do que está diante do poeta, mas, ao capturar

um detalhe, ele cristaliza o transitório, aquilo que, no momento da escrita, já deixou de existir.

Leminski tinha pressa de viver, de escrever, de registrar, como relata o seu biógrafo Toninho

Vaz (op. cit.), porém, não é a mesma pressa feita de precipitação à qual estamos submetidos.

Ele faz parte de uma geração que teve a sensibilidade moldada pelos modernos meios de

comunicação de massa, como teorizou McLuhan (1972).

Talvez tenha sido um dos primeiros poetas brasileiros a ter plena consciência de que o

mundo estava, irremediavelmente, interligado via satélite. Por isso, adere à rapidez e passa a

construir frases rápidas, telegráficas, musicais. No entanto, elas não são fruto de simples

espontaneísmo. Os versos, que aparentam terem sido feitos a partir da mais pura inspiração,

são registros do rigor. São pequenos disparos que atingem diretamente o leitor. São

verdadeiros detonadores de emoções. Há, em seus poemas, um desafio de síntese: dizer o

máximo com o mínimo. Assim, o que Calvino solicita em sua proposta de rapidez – uma

literatura que se adeqüe à velocidade informacional do contemporâneo, capaz de manter o

desejo do leitor – é perceptível na poesia leminskiana.

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Desse modo, a poesia de Leminski não pode ser reduzida à idéia de velocidade por si

mesma, ou seja, à pressa pós-moderna, visto que coexistem, na sua rapidez, o rigor concretista

e a contemplação zen budista. Do rigor concretista, ele mantém a valorização de uma

comunicação mais norteada pela visualização do que pela verbalização. O som, a letra, a linha

e o próprio espaço inerente à pagina são partes do poema. Do zen budismo, há a ênfase no

detalhe e no inusitado da imagem poética, típica do haicai, e uma ontologia da

transitoriedade. O poema vai se tornando uma experiência que compreende, cada vez mais, o

sensual e o racional. No poema abaixo, publicado em La vie en close, Leminski explora a

ludicidade existente entre os homônimos (homófonos): filme e fell me.

o cine tua sina o filme FEEL ME signema me segure firme cine me ensine a ser sim a ser senda (Leminski, 2004, p. 41)

Há, no poema, inovação no campo léxico – marca concretista – que provoca a

inovação semântica de caráter interlingüístico. A coincidência fônica entre os sintagmas

nominais de idiomas diferentes (filme / fell me) provoca a significação de que o discurso

cinematográfico (filme) derruba, arrasa (fell me) as certezas do indivíduo e estabelece uma

natureza performática para o ser. A partir dessa constatação, o poeta cria o neologismo

“signema” – aglutinando a variante de “sina”, “signa” (sorte, destino) à terminação da palavra

“cinema”, sugerindo que o cinema pode “segurar firme” um mar de momentos fugazes. O

neologismo aponta, ainda, para o cinema novo, que ensina ao poeta uma nova estética, um

novo caminho de prazer de exploração dos sentidos.

Nesse sentido, o autor se identifica com Herbert Marcuse (1997), pensador da escola

de Frankfurt, cujas idéias influenciaram, fortemente, os intelectuais dos anos 70. O autor

alemão sugere que, ao invés de libertar o ser humano e trazer-lhe maior felicidade, os avanços

tecnológicos do mundo moderno acabaram tornando o homem escravo do progresso material

e, portanto, controlando-o e desumanizando-o. A poesia, ao negar o utilitarismo e reinventar o

prazer da contemplação dos fatos cotidianos e belos, resgata o que de mais humano existe em

nós e indica o caminho do prazer nos “tempos congestionados”, a que se refere Calvino

(1990, p. 64).

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Sua escrita rápida, ao mesmo tempo em que captura a “fulguração repentina”

(CALVINO, ibidem, p. 61) – o registro ia para qualquer papel ao alcance da mão –, está à

procura do “mot just”, da frase perfeita, plena de significado. Assim, Leminski trabalha o

flash posteriormente, sem pressa, para atingir a precisão da abordagem.

Essa exatidão, segundo Calvino, nada tem a ver com a univocidade e se aproxima das

noções de definição, de precisão, de nitidez da obra. De um modo geral, esse rigor que se

percebe na poesia de Leminski e que veio explícito em um de seus livros, na palavra

“caprichos”, é a busca por exatidão que confere densidade a seus textos. Embora, para muitos,

esse rigor esteja associado à influência da poesia concreta e da poesia japonesa (haicai), o

autor, em entrevista concedida a Paulo Mohlovski, esclarece esse ponto:

Na realidade, o meu contato com esse rigor veio antes de conhecer a poesia concreta. Veio de outra fonte: a poesia clássica [...] que é uma poesia rigorosa, que visa valores de exatidão. Foi a poesia clássica que me levou à poesia concreta (LEMINSKI apud MARQUES, 2001, p. 91).

Isso se explica porque a poesia clássica tem, no rigor da forma, uma de suas

características principais. São obras escritas dentro de um arranjo de sílabas longas e breves,

as quais dão aos poemas, quando declamados, uma musicalidade característica, um ritmo

lento e solene, ou vivaz e agitado. Portanto, ao utilizar vários metros para conseguir o efeito

desejado, os poetas da Antigüidade estavam submetidos a determinadas exigências formais.

Essa característica da poesia clássica – burilação técnica e formal – levou Leminski ao

encontro da poesia concreta e se fez presente em sua poesia, no esforço de escolher o

vocabulário de seus versos segundo o efeito que desejava produzir. Para isso, Leminski utiliza

alguns recursos léxicos oriundos do experimentalismo concretista: cria neologismos, explora

siglas e termos plurilíngües.

A esse aspecto, foram associados outros: a ludicidade, a ironia, a metalinguagem, mas

todos a serviço da exatidão. Também a revisitação constatada na obra pode ser considerada

uma necessidade de exatidão.

No poema abaixo, publicado em Caprichos e relaxos, o poeta cria neologismos,

utilizando elementos da língua inglesa, que têm traços de palavra-valise e de ideograma

japonês.

PERHAPPNESS

(Leminski, 2002, p. 93)

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Unindo dois elementos lexicais distintos (perhaps – advérbio de dúvida da língua

inglesa – e hapiness – substantivo que, em português, significa felicidade), o poeta

transforma, ironicamente, os signos lingüísticos de uma língua hegemônica em um

ideograma. Isso sugere que, num país de terceiro mundo, subjugado pelo capitalismo e por

uma ditadura, pode haver felicidade, que talvez seja alcançada numa atitude de absorção e de

transformação das influências estrangeiras, como fizeram os tropicalistas.

É dessa constante atenção ao detalhe, tanto da palavra quanto dos fatos, que a proposta

de exatidão vive na poesia de Leminski. Ele coloca “ la vie en close” (LEMINSKI, 2004, p. 5),

e, atentamente, focaliza o detalhe, o mínimo, o sutil. Em sua visão zen, nascida do contato

com a cultura japonesa, o mistério está em todas as coisas e precisa ser homenageado “aqui e

agora”, através da concentração, da exatidão. Sua observação é fruto da emoção e está

presente em todas as suas produções, mas é, ao mesmo tempo, uma emoção contida, que não

permite o extravasamento da subjetividade.

Através do haicai, conforme observa Leminski (1986, p. 88), num breve ensaio, o

egocentrismo desaparece porque ele apresenta um “sujeito oculto, elidido” que contempla a

natureza. No entanto, esse apagamento é uma presença feita de ausências, segundo o conceito

de Rolland Barthes (1984), expresso em A câmara clara. Nesse texto, o escritor francês faz

uma reflexão acerca da fotografia e observa que nela há duas presenças-ausências. Uma é o

ser fotografado, pois sendo ele um ser inanimado ou animado, a foto presentifica aquilo que já

não é, que já está ausente no segundo após o clic da máquina fotográfica. Isso ocorre, mesmo

ao registrar um objeto estático, porque a luz que se incide sobre ele, no segundo subseqüente

ao clic, já não é a mesma. Do mesmo modo, a figura do fotógrafo quase sempre está ausente

da foto. Toda a técnica da fotografia tem o objetivo de criar, no observador, a ilusão perfeita:

contemplar a cena como se ele a tivesse visto. Assim, como Leminski, o fotógrafo procura

ocultar-se, mas ambos, poeta e fotógrafo, têm sua presença desvendada no artefato artístico

que produzem. O primeiro é percebido no foco, no enquadramento, no ângulo escolhido; o

segundo revela-se no detalhe que observa, na escolha lexical, no arranjo das palavras.

Essa observação exata não é conseguida instantaneamente. Ela surge após um longo

processo que inclui tempo e ludicidade, “um bom poema / leva anos / cinco jogando bola”,

estudo, “seis estudando sânscrito”, e esforço, “seis carregando pedra” (LEMINSKI, 2004, p.

9). Prender-se ao detalhe, ao mínimo, limitar o campo de observação é, paradoxalmente,

ampliá-lo.

Enquanto a “pasteurização” tira a expressividade e a originalidade, a exatidão na

literatura, conforme conceituada por Calvino (op. cit.), tem o poder mágico de fazer com que

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19

os olhos embotados pela homogeneização voltem-se para a riqueza de significados que o

detalhe contém.

O anseio maior de Leminski quanto à estrutura de sua poesia talvez tenha sido

condensar com palavras exatas suas idéias; por isso, a exatidão vem associada à concisão.

Todavia, essa idéia de concisão nem sempre se refere ao conceito de brevidade, à extensão do

poema. Em sua obra, um poema com maior número de versos tanto pode ser considerado

conciso quanto um poema curto. A concisão está intimamente atrelada a uma escrita rarefeita,

à necessidade de apagamento do escritor.

Mais do que procurar versos rápidos, diminuindo o máximo possível o número de versos, eliminando a dispersão com densidade, pode se entender por rarefação a própria tentativa do autor de desaparecer. (DICK in DICK & CALIXTO (orgs.), 2004, p. 142)

A princípio, a rarefação da linguagem que o poeta praticava concentrava propostas

anteriores que percorreram a poesia moderna e os movimentos de vanguarda do início do

século XX (Futurismo e Dadaísmo), retomadas pelas linhagens experimentais de 50/60.

Assim, Leminski optava por uma escrita minimalista, na qual os conectivos sintáticos

(conjunções, preposições) e a pontuação eram utilizados com parcimônia. Havia, também, a

atomização das partes do discurso, sua disposição e redistribuição de elementos. Dentre essas

estratégias, principalmente a rarefação dos laços sintáticos do discurso, ocorria em prol de

uma conexão mais direta entre as palavras ou frases, tornando a poesia, fundamentalmente,

mais sintética, na tentativa de eliminar as marcas de sua subjetividade. Essas estratégias de

rarefação aparecem no poema abaixo.

de ouvido di vi di do entre o ver & o vidro du vi do (Leminski, 2002, p. 90)

As estratégias são usadas para expressar a dúvida frente ao mundo moderno. A palavra

“dividido” é fragmentada em suas sílabas conforme o ouvido a capta, e, no novo arranjo das

sílabas, dentro dela, surge o vocábulo “divido”. Portanto, o homem está dividido e ele próprio

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20

também se divide. Se tudo parece dividido, o elemento “vidro” surge como índice de uma

ambigüidade: separa e revela. O vidro protege do toque o que está por traz dele, ou seja,

divide, consistindo, entretanto, em uma proteção frágil. Isso porque há o senso comum de que

o vidro é algo que pode ser facilmente quebrado, mas, também, por sua transparência, revela o

objeto ao nosso olhar. Há, ainda, na composição gráfica do poema, a quebra e a redistribuição

dos elementos que constituem as palavras “dividido” e “duvido”, para enfatizar a

ambigüidade existente no poeta. Ele corta os versos e torna sua escrita uma enunciação

hesitante. A visualização da palavra fragmentada, partida, contribui para que o leitor construa

o sentido do poema.

Observando a obra de Leminski, encontramos “um poeta que se bate com a linguagem

para transformá-la na linguagem das coisas, que parte das coisas e retorna a nós trazendo

consigo toda a carga humana que nela havíamos investido.” (CALVINO, op. cit., p. 88). Essas

palavras de Calvino, aplicadas a Francis Ponge, podem ser extensivas ao escritor curitibano,

no que se refere à constante tentativa de dar voz às coisas que o cercam.

Paulatinamente, a rarefação passa a estar mais ligada ao apagamento do escritor.

apagar-me diluir-me desmanchar-me até que depois de mim

de nós de tudo não reste mais que o charme. (Leminski, 2002, p. 54)

Régis Bonvicino (in LEMINSKI & BONVICINO, 1999, p. 212) observa que

[...] a palavra francesa charme, derivada do latim, significa “fórmula encantatória” ou, também, “poema”, “verso”. Ao rimá-la com desmanchar-me, Leminski indica, entre outras coisas, a condição marginal do poeta em sociedades industriais: o que nada vale, mas continua nomeando.

Se a palavra em francês remete ao poema, em português ela indica um estado sedutor,

algo atraente, mas indefinido, impalpável. Ao desentranhar a palavra “charme” de dentro de

“desmanchar-me”, Leminski sugere que, no poema, sua identidade se desmancha, torna-se

resíduo, rarefação.

Por isso, ele persegue a “linha mínima”, a palavra exata, no intuito de encontrar aquilo

que é pequeno, sutil, delicado, e concentra-se no “close”. É dessa forma que ele se apaga e

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revela seu “charme”. Com essa estratégia, não se furta de encarar a realidade, mas se apropria

dela, via linguagem, retirando-lhe o peso que contém, como propõe Calvino (op. cit.) para o

poeta do terceiro milênio.

É nesse olhar peculiar que reside a força do poeta curitibano. O seu discurso não aceita

a paralisia imposta pela automatização da linguagem e contra ela se rebela, construindo um

“discurso torto” (LEMINSKI, 1986, p. 49) e sutil, no qual exercita sua capacidade de

abstração do peso imposto pela realidade. Sua escrita leve desfigura a realidade, criando

novas percepções, evocando suavidade e buscando a “fórmula encantatória”: a realidade

sendo submetida ao olhar e à medida do poeta, com sua ironia, suas rimas, seus trocadilhos.

Calvino (op. cit.) diz que, através da literatura, poderíamos entrar em contato com a dureza da

realidade, sem nos tornarmos duros como ela. Ser leve não significa, portanto, ignorar a

tragédia do mundo. É apenas estar frente à tragédia de modo flexível, possibilitando ao sujeito

resistir ao peso de viver.

Aproximando-se do final prematuro da carreira, Leminski encontra-se no entrelugar

conceituado por Otávio Paz (1972) como um espaço de percepção sensível das coisas ao

redor, localizado entre a sensação e o pensamento. O poeta que, em grande parte da carreira,

construíra sua leveza com rima, métrica, aliterações e ecos, confessa, em uma palestra

proferida em 1985, que esses valores já não eram o centro de sua poética.

A própria poesia que faço, a que procuro fazer hoje, é uma poesia não imagética, não melopaica, não excluindo esses valores, mas uma poesia sobretudo feita de pensamentos, raciocínios. [...] O redondo rolar daquele pensamento que sai e a procura lógica dele que é a sua poeticidade – é isso que eu venho fazendo. (LEMINSKI apud SYLAB, 2007)

A imagem apresentada por Leminski, de um “redondo rolar”, aproxima-se da imagem

de “pássaro” de Calvino . Em ambas, está claramente expressa a idéia de suavidade, sem

perda de densidade, pois para que haja o rolamento e o vôo, é preciso massa corpórea. Do

mesmo modo, a procura lógica do pensamento implica exatidão.

A leveza, na concepção de Calvino (op. cit.), está relacionada a elementos diversos

que permeiam textos literários, capazes de fazer com que o leitor vivencie esta sensação. Ele

faz considerações sobre a estrutura textual, sinalizando quais são esses elementos: a corrente

filosófica, o ponto de vista, as ferramentas lingüísticas, a definição da idéia e a precisão da

linguagem. A reunião desses instrumentos provoca uma combinação capaz de alcançar a

volatilidade da leveza.

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Na poesia leminskiana, essas características são encontradas em vários poemas e estão

imbricadas. Considerar o mundo sobre uma outra ótica, envolve a redescoberta do “dizer” a

palavra, plena de significados, em oposição à palavra vazia, à linguagem banalizada do

cotidiano. Trabalhando com o significante, seus textos tentam fazer a palavra alcançar a noção

peirciana de primeiridade – momento de primeiro contato entre o signo e seu interpretante, no

qual há o desejo de desvendamento, há uma surpresa. Retirar o peso da linguagem via

recursos fônicos, semânticos e morfológicos da língua exige um trabalho preciso, para que se

estabeleça a primeiridade. Conseqüentemente, a leveza não prescinde da exatidão, pelo

contrário, vive dela.

Dialogando com a modernidade e com a tradição, Leminski elabora poemas que têm,

na leveza, uma força. Ele cria a leveza no ato de escrever, mesmo que o tema seja

pesado/tenso, e ela é conquistada através de um consciente afastamento da referência.

Conforme ocorre com as três propostas anteriores, o distanciamento da realidade é uma forma

de o poeta apagar-se e expressa uma opção pela “margem, porém sem perder de vista o

continente” (MACIEL in DICK & CALIXTO, 2004, p. 172).

Essa opção por uma via transversal no trato das coisas do mundo e do agora evidencia um modo particular de ver a poesia. Ele não a toma como expressão direta do mundo real, nem a confina no mundo supostamente autônomo da linguagem. À margem e à imagem do continente, ao mesmo tempo: esta é, para ele, a condição da poesia. (id., ib.)

Isso significa que o poeta não está se colocando distante do mundo que o cerca, nem

propõe o enclausuramento em um mundo particular e imaginário. Pelo contrário, a aventura

poética da linguagem enraíza a poesia no espaço e no tempo e aprimora o conceito de

humanidade.

O afastamento da referencialidade e a busca pela rarefação não o distancia da

historicidade. Sua poesia traz sempre, direta ou indiretamente, as marcas das condições

concretas em que se efetuou. Leminski sempre carrega a realidade, mas o real passa pelo que

existe dentro do indivíduo e sofre uma transformação, tem seus limites diluídos.

Além disso, as três possíveis definições de leveza apreendidas a partir da leitura de

Calvino estão em perfeita sintonia com a poética leminskiana. A primeira seria o

despojamento da linguagem que pudesse permitir aos significados uma consistência rarefeita.

A segunda relaciona-se com a narração de um raciocínio atravessado por itens que assegurem

a abstração e, por fim, a formação de figuras visuais leves.

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As duas primeiras definições surgem, explicitamente, no prefácio de Distraídos

venceremos: “[...] arrisco crer ter atingido um horizonte longamente almejado: a abolição (não

da realidade, evidentemente) da referência, através da rarefação” (LEMINSKI, 2006, p. 8). A

terceira permeia toda a obra quando seus poemas oferecem ao leitor o poder de dizer “não” ao

peso do mundo moderno que nos atrai para baixo. A leveza dos seus textos possibilita ao

leitor imaginar diante da mancha gráfica. Nesse jogo, o leitor constrói uma rede de relações,

associa dados, integrando a palavra e as imagens a uma memória pessoal em construção

constante.

Inegavelmente inserido nas práticas da sociedade de consumo, principalmente por ter

participado do mundo publicitário, Leminski compreendia as implicações dessa atividade e

afirmava ser preciso conhecer o inimigo para derrotá-lo. Por isso, ele incorpora as estratégias

publicitárias de criação de imagens a sua poética, subvertendo-as com o objetivo de estimular

a imaginação do leitor. O poeta provoca o leitor a entrar em um labirinto e encontrar,

autonomamente, a saída: construir, por si, a imagem proposta pela poesia, já que na arte há

um contrato de comunicação que permite a imaginação, o “como se”, o ato de fingir, não

como representação da realidade, mas como uma diferente visão de mundo (ISER in LIMA,

2002b, p. 957-984).

Afinal, ler é imaginar, inventar uma outra realidade. A imaginação é um elemento

fundamental na formação do sujeito, que se constitui a partir de suas leituras, visto que ler e

imaginar através da mancha das letras impressas no papel propicia ao indivíduo o contato com

a própria fantasia. Logo, ao fazer o leitor entrar nos domínios da imaginação, a poesia realiza

uma ação poderosa, pois torna o outro detentor de um poder construído internamente: o poder

de imaginar, que está intimamente ligado à idéia de liberdade. Leminski, em sua obra, almeja

fazer da linguagem um espaço de resistência contra as verdades absolutas, o pensamento

linear e totalizante, e o alijamento da imaginação como forma de conhecimento.

Quando um enunciador reproduz em seu discurso elementos da formação discursiva dominante, de certa forma, contribui para reforçar as estruturas de dominação. Se se vale de outras formas discursivas, ajuda a colocar em xeque as estruturas sociais. No entanto, pode-se estar em oposição às estruturas econômico-sociais de uma maneira reacionária, em que sonha voltar um mundo em que não mais existe, ou de uma maneira progressista, em que se deseja criar um mundo novo. Sem pretender que o discurso possa transformar o mundo, pode-se dizer que a linguagem pode ser instrumento de libertação ou de opressão, de mudança ou de conservação. (FIORIN, 2003, p. 54)

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Leminski aposta no poder libertário da linguagem e, usando a poesia – gênero que

goza de certa autonomia lingüística e, por isso, exerce um papel ativo na percepção do mundo

–, debruçou-se no trabalho com a materialidade da palavra, para, com ela, tentar construir o

“mundo novo” de que fala Fiorin. No entanto, isso não implica que a poesia seja um espaço

de verdades absolutas e imutáveis. Apenas revela que ela é um campo de batalhas e um palco

de encontros, no qual o poeta tenta encontrar a “liberdade” que tanto anseia. Nela, não cabem

rótulos, nem responsabilidades. Não podendo se excluir do novo capitalismo, a poesia circula

entre os paradoxos da sociedade, como incitante de desvios, de novas realidades.

Por sua intersecção entre culturas, sua fragmentação, sua alteridade e rarefação, a obra

poética de Paulo Leminski, apesar de ter sido escrita no final do segundo milênio, coaduna-se

com as propostas de Calvino (op. cit.) para o terceiro milênio, que seriam apresentadas em

suas palestras em Harvard, principalmente no sentido de fazer da linguagem, através de sua

desautomatização, um campo de resistência ao novo capitalismo.

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2. DISTRAÍDOS VENCEREMOS: A CONCEPÇÃO POÉTICA DESNUDADA

O mundo não quer que eu me distraia, distraído,

estou salvo.

Paulo Leminski

A epígrafe que abre este capítulo é um fragmento de Catatau, romance-idéia de Paulo

Leminski. Esse fragmento tanto é germe do título quanto da idéia central que permeia

Distraídos venceremos, livro escolhido como corpus deste trabalho.

A expressão, além de fazer um trocadilho com o bordão de esquerda “unidos

venceremos”, dialoga com Catatau na sua essência: a intenção de contestar a noção de lógica

fundada na razão cartesiana.

Descartes (1983 apud CARVALHO, 2000), no seu Discurso do método, fundou a

visão ocidental de razão, ao determinar os fenômenos naturais e humanos por leis: “O

propósito dessa racionalidade é eliminar na natureza, a contingência na historia e a fortuna ou

acaso na ética e na política. E a arte? Seria ainda expulsa dessa República?” (CARVALHO, op.

cit., p. 19). Assim, essa razão, ao descartar o acaso, também descarta a arte da República.

Leminski, fazendo trocadilho com o bordão esquerdista e estabelecendo uma relação

entre Catatau e Distraídos venceremos, contesta a soberania do pensamento ocidental e da

razão sobre o acaso. Ao mesmo tempo, alerta que a imposição de uma percepção de mundo,

apenas pela via da razão, é uma forma de reprimir outros modos de conhecimento. Por isso, o

mundo cartesiano-ocidental não quer a distração (a imaginação, a arte), porque ela pode salvar

o indivíduo da ditadura da razão. Essa salvação fundaria uma outra lógica, na qual o acaso

não seria descartado. Razão, corpo e natureza estariam em posição de igualdade, de modo a

oferecer diferentes visões do mundo – todas, igualmente importantes, sem que houvesse a

supremacia de uma visão sobre a outra.

Ao desfazer a frase feita “unidos venceremos”, o poeta acrescenta-lhe múltiplas

possibilidades. Ao substituir “unidos” por “distraídos”, a expressão ganha múltiplas

significações, principalmente se considerarmos que o verbo “distrair” descende do latim

distrahere e significa “puxar para diversas partes”; teremos, de início, o desmonte da idéia de

convergência que a palavra “unidos” contém. Ou seja, mesmo desatentos, inadvertidos,

descuidados, divertidos, alheios, desviados, esquecidos, venceremos, porque a poesia não

precisa ditar regras, sistematizar, e, sim, dispersar, produzir possibilidades.

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Assim, Distraídos venceremos sugere que, através da distração e do afastamento da

referência, é possível ver o real por uma ótica particular, retirando o peso que ele contém. E a

poesia, por sua condição singular, apresenta-se como o instrumento privilegiado para esse

fim. Trabalhar com a palavra em suas múltiplas significações ajuda o homem a construir um

conceito diferente de realidade. Nisso, reside a força da poesia. Ela talvez seja a única forma

de suplantar a razão cartesiana. Como esse pensamento linear está profundamente arraigado

na cultura ocidental, o poeta curitibano vai buscar sustentação nos princípios zen-budistas.

A aproximação com a cultura japonesa começou através da prática do judô, mas, logo

a personalidade de Leminski, que o fazia mergulhar apaixonadamente em tudo, incitou-o a,

segundo seu biógrafo Toninho Vaz (op. cit.), estudar o idioma e a literatura japonesa. Aos

poucos, Leminski abandonou a prática do esporte, porém preservou o interesse pela cultura,

pela “calma alerta que nos torna leves” (PAZ, op. cit., p. 170).

A influência da visão de mundo oriental, em oposição à visão ocidental cartesiana,

revela-se, primeiramente, na estrutura tripartida de Distraídos venceremos. Essa divisão opõe-

se a dicotomia cartesiana e indica a convivência de opostos que não se anulam. Também a

nomenclatura utilizada por Leminski para cada parte do livro (índice, ícone e símbolo) remete

a relação triádica do signo, elaborada por Charles Sanders Peirce. As partes recebem, além

dessa nomenclatura, três subtítulos: “Distraídos venceremos”, “Ais ou menos” e “Kawa

cauim”, respectivamente.

A primeira parte – “Distraídos venceremos” –, além de estar relacionada à idéia-

núcleo de Catatau e de dar título ao livro, liga-se ao conceito de índice. Nela, há poemas que

fazem uma reflexão acerca da poesia, explicitando a sua natureza de signo índice – aquele que

não tem finalidade de estabelecer comunicação, que remete ao objeto sem ser afetado por ele.

A poesia, em seu estado puro, seria um momento de silêncio. É algo que não deseja dizer, mas

diz. É como uma força da natureza – as nuvens, o vento, as flores – que fala ao homem sem

desejar fazê-lo. A palavra poética nasceu para ser “uma lira nula” (LEMINSKI, 2006, p. 22),

porém, como alerta Octavio Paz (op. cit., p. 52):

Um poema puro seria aquele em que as palavras abandonassem seus significados particulares e suas referências a isto ou aquilo, para significar somente o ato de poetizar – exigência que acarretaria o seu desaparecimento, pois as palavras não são outra coisa que significados de isto ou aquilo, isto é, objetos relativos e históricos. Um poema puro não poderia ser composto de palavras e seria literalmente, indizível. Ao mesmo tempo, um poema que não lutasse contra a natureza das palavras, obrigando-as a ir mais além de si mesmas e de seus significados relativos, um poema que não tentasse fazê-las dizer o indizível, permaneceria uma simples manipulação verbal.

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Vivendo desse paradoxo, a poesia talvez seja o maior dos signos índices. Ela nasceu

para distanciar-se da referencialidade da palavra, para não dizer; contudo, também carrega o

compromisso de transcender a mera comunicação cotidiana, de expandir a linguagem.

Ser índice, portanto, é condição da palavra poética. Se a poesia não deseja a

comunicação em sentido estrito, também não pode descartar seu caráter de elemento da

comunicação, nem ser reduzida a ele, porque assim deixaria de ser poesia.

No âmago da apresentação da poesia como signo índice, está a convicção de sua

“inutilidade”, conceito já explicitado por Paulo Leminski numa série de pequenos ensaios

incluídos no volume Anseios Crípticos (1986). Nesses ensaios, Leminski resume, com

clareza, suas idéias sobre a arte da poesia. Com lucidez, contrapõe-se à concepção dos poetas

“engajados”, que acreditavam existir uma função moralizadora no texto poético, visto que o

poeta era considerado um ser especial, capaz de enxergar a verdade e revelá-la ao povo

ignaro. Entretanto, essa rejeição ao engajamento político explícito não nega a existência de

uma ideologia, mas, simplesmente, que a poesia tenha uma função didática.

O posicionamento político da poesia para Leminski, ao contrário do que pregavam os

adeptos da poesia social, reside na sua “inutilidade”, representando uma contestação da visão

utilitarista da sociedade burguesa.

A burguesia criou um universo onde todo o gesto tem que ser útil. Há trezentos anos, pelo menos, a ditadura da utilidade é unha e carne com o lucrocentrismo de toda nossa civilização. E o princípio da utilidade corrompe todos os setores da vida, nos fazendo crer que a própria vida tem que dar lucro. Vida é dom dos deuses, para ser saboreada intensamente até que a Bomba de Nêutrons ou o vazamento da usina nuclear nos separes desse pedaço de carne pulsante, único bem de que temos certeza. (LEMINSKI, 1986, p. 58)

Num mundo capitalista, em que só possuem importância os objetos que têm uma

utilidade prática e podem ter seus valores mensurados a partir do lucro obtido através deles, a

poesia é um espaço de negação do utilitarismo. Ela não tem nem deseja ter uma utilidade

prática na vida do indivíduo.

Nesse aspecto, o pensamento do poeta curitibano sobre a função social da poesia se

alinha tanto com o de Theodor Adorno (1982) quanto com o de Walter Benjamin (1996).

Com o primeiro, corrobora com a compreensão da arte como campo, talvez único, de

resistência à ideologia capitalista, devido ao seu caráter de inutilidade expresso. A experiência

estética, mediando as esferas da sensualidade e da racionalidade, distanciadas pelo domínio

repressivo do utilitarismo e do racionalismo burguês, abre-se ao prazer, dando ao homem

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condições de manter uma distância crítica em relação à ideologia imposta a ele. Assim, a arte

como um todo – e, em especial, a poesia – teria o poder de desconstruir o conceito de

utilidade, fundador da máxima capitalista: o lucro. Em sua inutilidade, possibilitaria lançar um

outro olhar sobre a realidade, criando um novo mundo.

Dos conceitos de Benjamin, Leminski retoma a concepção de que não é o conteúdo da

poesia o portador de uma carga política em si mesmo, mas sua forma. Sendo o afastamento da

referencialidade uma característica da função poética, conforme já observara Ramon Jakobson

(1974), a poesia explora a multiplicidade de sentidos da palavra e remove-lhe o automatismo

que seu uso cotidiano impôs – e isso já é uma ação política. Ao criar um “discurso torto”,

inovador, capaz de fazer o processo de apreensão do significado se prolongar, a poesia

inaugura uma outra realidade. Sua “inutilidade” e a ausência de qualquer justificativa para sua

existência fazem-na exercer um papel fundamental na vida humana: preservar, no homem, a

humanidade descartada pela sociedade burguesa. É essa sua forma de combater a ideologia

dominante. Logo, sua forma já é política, sem que, necessariamente, haja, no conteúdo de

seus versos, alusões ao contexto social.

Comparando o ensaio “Inutensílio” ao conteúdo de uma carta enviada a Régis

Bonvicino no ano de 1978, nota-se uma mudança. Na carta, Leminski afirmava que:

A REVOLUÇÃO É SEMPRE NO PLANO PRAGMÁTICO DA MENSAGEM o que interessa, o que a gente quer, no fundo, é MUDAR A VIDA, alterar as relações de propriedade, a distribuição das riquezas, os equilíbrios de poder entre classe e classe nação e nação este é o grande Poema: nossos poemas são índices dele meramente nossa poesia tem que estar a serviço de uma Utopia. (LEMINSKI in LEMINSKI & BONVICINO, 1999, p. 48-9)

Fica explícito que o desejo de mudar o mundo era permeado, em 1978, de uma dúvida:

se o melhor seria optar por uma ação social voltada para a palavra poética, através de sua

forma, ou se os poetas deveriam partir para uma militância. O ensaio revela que a opção fora

feita e se cristalizara, no poeta, a certeza de que “signos geram signos” (id., ib., p. 48). Dessa

forma, ao transgredir a linguagem cotidiana já estaria fazendo a revolução, criando uma nova

sociedade.

A primeira seção de Distraídos venceremos apresenta a visão leminskiana de poesia

em vários poemas. É como se o poeta indicasse as escolhas que fez no seu trajeto de escritor.

Mas é no poema de abertura, “Aviso aos náufragos”, que ele apresenta seu ideal de poesia,

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como se fosse um resumo de suas intenções e faz uma reflexão, tanto sobre a natureza da

poesia quanto sobre suas inquietações como poeta.

O título do poema é uma parodia à expressão “aviso aos navegantes”. O poeta

desmonta e remonta a expressão que, de “alerta ao navegante” – aquele que viaja na

superfície das águas – para que ele não afunde, passa a ser um alerta para o leitor-náufrago –

ser que afunda, sucumbe no mar poético. No entanto, é um aviso de um náufrago para outro,

porque o poeta compartilha com o leitor desse sentimento. Ele também é um “náufrago

náugrafo” (LEMINSKI, 2006, p. 43), ao perceber que se encontra num momento de transição,

de incertezas, de autocrítica. Desse modo, ele é “de todos os náufragos / o náufrago / mais

profundo” (id., ib.), porque está em constante batalha com a palavra – elemento fugidio.

Aviso aos náufragos Esta página, por exemplo, não nasceu para ser lida. Nasceu para ser pálida, um mero plágio da Ilíada, alguma coisa que cala, folha que volta pro galho, muito depois de caída. Nasceu para ser praia, quem sabe Andrômeda, Antártida, Himalaia, sílaba sentida, nasceu para ser última a que não nasceu ainda. Palavras trazidas de longe pelas águas do Nilo, um dia, esta página, papiro, vai ter que ser traduzida, para o símbolo, para o sânscrito, para todos os dialetos da Índia, vai ter que dizer bom dia ao que só se diz ao pé do ouvido, vai ter que ser a brusca pedra onde alguém deixou cair o vidro. Não é assim que é a vida?

(Leminski, 2006, p. 15)

Leminski inicia o poema referindo-se à página – espaço no qual o poeta se defronta

com a possibilidade escrever, mas a página em branco “não nasceu para ser lida”. A página

em que escreve nasceu branca, pálida, primitiva, como uma folha de árvore, ou histórica e

canônica, como a epopéia Ilíada. Não era para ser lida, porque nela o poeta refaz o que já foi

feito, reescreve o que já foi escrito. Constatando não ter criado nada de novo, apenas uma

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página “pálida”, sugere não existir nada tão novo quanto os clássicos, pois todos os escritos

são “mero plágio da Ilíada”.

Na referência à palidez do papel a ser manchada pela tinta, o poeta revela que o papel

a ser escrito parece atrair seu pensamento. E a escrita acaba impondo-se ao escritor, mesmo

sabendo que a página “nasceu para ser pálida”.

É também no branco da página que ocorre o diálogo com o texto do outro. Do diálogo

com os clássicos, emergem as múltiplas vozes que vão silenciar a subjetividade do poeta e

convidá-lo para um diálogo ao “pé do ouvido”. São vozes do passado, presentes em textos que

“quando lidos de fato mais se revelam novos, inesperados, inéditos” (CALVINO, 2007, p.

12). São textos repletos de significados e objetivos universais. Neles, é possível descobrir

dimensões de leituras sempre novas. Alimentada pela confluência de vozes poéticas que

cruzaram o seu caminho, a poesia de Leminski vive um conflito: o desejo de ter uma voz

própria, original, e a consciência da limitação da sua palavra diante dos clássicos.

Se, na primeira estrofe, o poeta apresenta a constante tensão existente em sua poesia

devido à comparação com os clássicos; na segunda, revela a poesia que deseja fazer na junção

de várias imagens. A primeira é a imagem de praia – ponto de partida e de chegada: tanto

local para se lançar no mar da linguagem, com toda a pluralidade de significados da palavra,

quanto local seguro para onde se retorna após o naufrágio. Mas é, também, espaço sujeito às

mudanças do tempo e das marés. Logo, é um espaço movediço, plurissignificativo, instável.

A partir dessa imagem, surgem outras com as quais o poeta relaciona seu fazer poético

sempre permeado de incertezas explicitadas pela expressão “quem sabe”. A estrofe não diz o

que a sua poesia é, e sim, o que poderia ou intenta ser. Algumas imagens aproximam

realidades opostas, outras desafiam essa contradição (Antártida, Himalaia).

Ao substantivo “Andrômeda” estão associados vários significados. O primeiro deles

diz respeito à mitologia grega: Andrômeda, nesse contexto, é a personagem que foi

acorrentada a um rochedo em sacrifício. Sua libertação só ocorreu através de Perseu –

matador da Medusa. Como a Andrômeda mitológica, talvez a poesia esteja à espera de um

poeta-perseu para libertá-la das amarras da referencialidade. O nome também batiza uma

planta de folhagens resistentes, própria de lugares secos e áridos, de flores e folhas de beleza

notável, sugerindo que a poesia apresenta-se como forma de resistência à dureza da realidade.

Mesmo em condições adversas (capitalismo, opressão, materialismo), a poesia sobrevive e,

subvertendo tudo isso, cria uma nova vida surpreendentemente bela. Andrômeda é, também,

uma galáxia espiral, extensa e brilhante, sugerindo uma poesia que se revisita, feita de

retornos, escrita espiralada voltada para si mesma. Para entendê-la, o leitor precisa confrontá-

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31

la com seus próprios elementos, sem deixar de considerar os outros escritos do autor nos quais

há sementes de poemas. É, ainda, constelação constituída por milhões de fragmentos, que

Leminski recolheu ao longo da sua trajetória poética; e, com essa coletânea, compôs sua obra.

A seguir, o poema evoca a imagem da região Antártida, continente gelado, no qual a

vida enfrenta desafios constantes, estabelecendo laços com a poesia hermética, que precisa ser

decifrada. Essa idéia é fortalecida pela referência ao Himalaia, cordilheira onde estão as

montanhas mais altas do mundo, apontando o culto à rarefação, à frieza e ao silêncio como

condição para se atingir a “palavra sentida”, sugerida no ‘ai’ dolorido do Himalaia. Portanto, é

um poema carregado de emoção, mas uma emoção condicionada a uma razão em que pensar e

sentir não se opõem. Leminski expressa, nessas imagens, o desejo de afastamento reafirmado

no poema “Iceberg”: “Uma poesia ártica / claro, é isso que desejo. / Uma prática pálida...”

(LEMINSKI, 2006, p. 22). E esse desejo de fazer coabitar razão e emoção, sem que uma

suplante a outra, leva-o ao encontro do haicai, com seus “três versos de gelo” (id., ib.), exatos,

cristalinos, límpidos. Trata-se de um verdadeiro momento de iluminação em que o eu se

despede de todo o egoísmo e individualidade para deixar o momento falar por si.

São páginas carregadas do desejo de finitude, “nasceu para ser última”; todavia, o

poeta sabe serem elas incompletas, incapazes de dizer tudo, pois entende que a poesia

completa “não nasceu ainda”, é página por vir, que transcende à palavra. As águas sagradas

do rio Nilo conduzem à palavra, inscrita no papiro, e ela vai cumprir seu destino histórico. Se

o nascimento da escrita foi provocado pelas necessidades surgidas nas atividades cotidianas,

como registrar o gado, a comida, dentre outros bens, e anotar o que se comprava e se vendia,

as potencialidades do invento provocaram a ampliação de seu uso, até chegar ao poema que

vai inverter o uso comum da linguagem, tornando-se a pedra sobre a qual o vidro do

entendimento cai e se fragmenta. Ao final, a poesia se aproxima da vida naquilo que ela tem

de surpreendente, inesperado, fragmentado, desordenado.

De mero registro de atividades, a escrita passou a ser a síntese do próprio homem:

através dela o ser humano categoriza o mundo que o cerca. A partir desse momento, a palavra

escrita traz em si um mistério, conforme observa José Luiz Fiorin (op. cit., p. 52 e 54):

A linguagem cria a imagem do mundo, mas é também produto social e histórico. (...) ela cria uma visão de mundo na medida em que impõe ao indivíduo uma certa maneira de ver a realidade, constituindo sua consciência. (...) o discurso não reflete uma representação sensível do mundo, mas uma categorização do mundo, ou seja, uma abstração efetuada pela prática social.

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Se, mesmo em sua função referencial, a linguagem tem o poder de criar uma imagem

do mundo; na função poética, esse poder se torna maior. Nela, o processo de leitura ultrapassa

a decodificação e penetra nos domínios da tradução. A tradução implica uma estreita

interação autor-texto-tradutor. Caberá ao leitor-tradutor, diante da poesia, adotar a mesma

postura do arqueólogo diante de um antigo papiro: a reconstrução do sentido global do texto.

No ato de traduzir, o leitor estará colocando em jogo todas as significações do verbo: ele vai

revelar-se, representar o que leu, deixar transparecer o que sente. Numa visão poética

semelhante à de Rimbaud, Leminski almeja uma poesia universal, que transcenda todas as

línguas e fale diretamente à essência humana. Assim, se estabeleceria tão estreita a relação

entre o leitor e o texto que este lhe diria “bom-dia”, revelando-se e aproximando-se

intimamente.

Embora almejando que a poesia seja legível e aberta ao leitor, Leminski não espera

que esse contato ocorra sem conflitos. Ela também “vai ter que ser a brusca pedra / onde

alguém deixou cair o vidro” (LEMINISK, 2006, p. 15), capaz de romper com a automatização

da linguagem, de surpreender, de mover o indivíduo, de quebrar velhos paradigmas,

exercendo seu papel de construtora de uma outra realidade. Essa pedra, como diz Marlene de

Castro Correia (2002, p. 38) acerca do poema “No meio do caminho”, de Drummond,

“proporcionou uma experiência de leitura marcada pela tensão e inquietação, permeada de

choques e surpresas”. Portanto, o impacto causado pela poesia no leitor durante o seu contato

com o texto provoca a quebra da referência, lançando-o em espaço incerto.

A idéia de movência da poesia é tão forte que torna impossível defini-la ou conceituá-

la. Tal convicção reaparece, explicitamente, no poema “Limites ao léu”, incluído no livro

póstumo La vie en close. No poema, Leminski seleciona diversos conceitos, de diferentes

autores, para a poesia. Os conceitos arrolados ora se contradizem, ora se completam. Como

bem definiu Maria Esther Maciel, ao encerrar o poema com a própria definição de poesia, “A

poesia é a liberdade de minha linguagem” (LEMINSKI, 2004, p. 10), Leminski demonstra

que

[...] ela [a poesia] se indefine ou se infinitiza na potencialidade que o poeta tem de ser livre, de levar às últimas conseqüências ou colocar a descoberto as próprias divisas da linguagem. Nesse sentido, as formas e fôrmas são lançadas ao léu, em prol da liberdade do poeta no ato de criar. (MACIEL in DICK & CALIXTO, 2004, p. 174)

Se esse poema desnuda as escolhas do autor no seu trato com a poesia, também nega

algumas de suas características, pois o poeta, que hoje é nome de uma pedreira em Curitiba, é

o mesmo das facilitações, do relaxo, da espontaneidade. A facilidade de assumir seu lado

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malandro, marcado pela espontaneidade e pela preguiça, provavelmente, é, também,

indicadora de seu desejo de se contrapor ao racionalismo, visto que são, justamente, essas

duas características que o impedem de desenvolver sistematicamente suas idéias. Em

Caprichos e relaxos, o título do livro já apresentava essa convivência. O mesmo não ocorre

em Distraídos venceremos. Nele, o autor parece querer conter seus relaxos. O poema de

abertura é, pois, uma síntese do livro e um norte para o leitor-náufrago.

Os poemas que se seguem dialogam com “Aviso aos náufragos” de maneira bastante

clara. A ele segue-se “A lei do quão”. O título faz um trocadilho com a expressão popular “a

lei do cão”, referindo-se ao período da ditadura militar no Brasil e, em especial, ao AI5. O

poema sugere que, nesse período de repressão, “a sombra máxima / pode vir da luz mínima”

(LEMINSKI, 2006, p. 16). A “luz mínima” da poesia pode ser o único espaço possível para o

exercício da liberdade. Essa coisa pequena, frágil, “inútil”, que é, ao mesmo tempo, atividade

histórica, social, cognitiva e individual, tem o poder de criar o objeto liberdade. Mesmo que a

realidade esteja impregnada de dureza, de opressão, a poesia é capaz de proporcionar a visão

inaugural de uma outra realidade. Buscando a rarefação da linguagem para dizer o máximo

com o mínimo, o poeta pretende concretizar a sua proposta de liberdade.

Já “Minifesto”, poema subseqüente, contrapõe-se à palavra “manifesto” em seu caráter

esquemático e pragmático de declaração pública das razões que justificam os atos. Do

manifesto original, guarda o tom provocatório e belicoso “ave a raiva desta noite”

(LEMINSKI, ibidem, p. 17), mas, é um manifesto pequeno, fragmentário, mínimo. O título

aparece em uma das cartas enviadas a Régis Bonvicino.

[...] esse texto q. v. chamou minifesto são apenas notas rabiscos germes de pensamento nessas horas eu me movo para todos os lados expludo depois trio e concentro ou não mas gostei do teu gostar de algumas frases vai ver já estava na hora de mais um minifesto (o 6 ainda não saiu) o 7. (LEMINSKI in LEMINSKI & BONVICINO, 1999, p. 95)

De acordo com essa carta, elaborar minifestos é uma prática recorrente. Neles, estão

“notas, rabiscos”, ou seja, fragmentos que não justificam a sua criação nem tem a intenção de

fazê-lo. São apenas explosões, flashes, momentos de uma trajetória na qual há mais dúvidas

do que certezas. O poeta tem, minimamente, uma certeza: “já nem tudo nem sei”

(LEMINSKI, 2006, p. 17).

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O livro tem como poema-prefácio “Transmatéria contrasenso”, no qual o poeta revela

uma “certeza” acerca de seu momento poético, mas é uma certeza permeada de dúvidas

explicitada no verbo “arriscar”: “[...] arrisco crer ter atingido um horizonte longamente

almejado: a abolição (não da realidade, evidentemente) de referência através da rarefação”

(LEMINSKI, ibidem, p. 8).

Esse desejo de afastamento da referência está diretamente relacionado à idéia de

romper com lógica cartesiana, visto que o pensamento ocidental, historicamente, defende o

conceito de que as palavras nascem atreladas aos referentes.

É essa concepção ocidental de linguagem que a poesia de Leminski propõe-se a

combater. Provavelmente, o pensamento ocidental, quanto às características da língua,

remonta à sua origem, visto que o sistema alfabético foi criado para suprir a necessidade dos

fenícios de registrar o que compravam ou vendiam, ou seja, a língua nasceu como um sistema

de etiquetas para as atividades cotidianas. Embora as línguas orientais também tenham

surgido para registrar o gado, a comida e outros bens; os pictogramas, gradualmente,

tornaram-se mais abstratos, representando idéias. (JEAN, 2002)

Enquanto os pictogramas tornaram-se os ideogramas chineses/japoneses e mantiveram

certo afastamento da referência, os sinais fenícios, em contato com gregos e romanos, criaram

a escrita alfabética, guardando uma estreita relação com a referência a partir dos sons da fala.

Apesar desse histórico, desde a distinção feita por Jakobson acerca das funções da

linguagem, cristalizou-se a idéia de que a poesia pertence a uma função específica da

linguagem: a função poética, que tem como característica maior a não-referencialidade.

Atualmente, os estudos da Análise do Discurso (cf. CHARAUDEAU, 1995) e Lingüística

Textual (cf. KOCH, 2006) têm demonstrado que a linguagem, mesmo em sua função

referencial, não é um sistema de representação do mundo real, mas um espaço de interação e

construção de sentido.

Mesmo sabendo que, em todas as funções da linguagem, há um certo afastamento da

referência, devido, dentre outros fatores, a escolhas feitas pelo emissor entre uma

multiplicidade de formas de caracterizar o referente, esses estudos recentes revelam que a

poesia, por suas próprias características de texto conotativo, é a função da linguagem mais

distante da referência.

Vim pelo caminho difícil, a linha que nunca termina, a linha bate na pedra, a palavra quebra uma esquina,

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mínima linha vazia, a linha, uma vida inteira, palavra, palavra minha. (Leminski, 2006, p. 18)

Leminski, nesse poema, admite que seu “caminho é difícil” porque o poeta trabalha

com a palavra – objeto acabado, mas cheio de potencialidades semânticas, dependendo da

interligação realizada pelo poeta entre os elementos textuais. Por isso, busca afastar-se da

visão ocidental de linguagem e construir um mundo textual, em que os objetos-de-discurso

sejam, dentro do possível, desligados de seus referentes extralingüísticos, para que seja criada

uma teia significativa contextual. Fica claro que o afastamento da referência a que o poeta

alude no texto, à guisa de prefácio, é o processo nomeado de desreferencialização.

[...] a linguagem – com seus mecanismos de construção e desconstrução – converteu-se para grande parte dos poetas modernos, no cerne da experiência poética e passou a ser compreendida enquanto um universo múltiplo e autônomo: a poesia foi submetida a um processo de desreferencialização e assumiu a tarefa de se autodizer, rompendo, assim, com a idéia de literatura como representação da realidade. (MACIEL, 1999, p. 21-2)

Sabendo que o trabalho poético é uma constante tensão entre o poético e o referencial,

o poeta debate-se com a carga de referencialidade que a palavra já traz e da qual, muitas

vezes, não consegue se desfazer: “[...] o idioma é um fato acabado. Quando você nasce, já

nasce no interior de uma determinada língua. A língua é uma fatalidade, como você ter

nascido homem, mulher ou corcunda” (LEMINSKI apud ASSUNÇÃO).

Se o idioma é “um fato acabado”, a poesia é “a linha que nunca termina”. O idioma,

mesmo em suas sutilezas, requer a objetividade, a razão. A poesia quer transcender o

significado, abrir-se à multiplicidade, ser “vice e ser versa”: “O normal da linguagem é a

função referencial. E ela se voltar sobre si mesma, como no caso da poesia, é uma espécie de

hipertrofia.” (id., ib.).

A preocupação em distanciar-se da referência é o principal conflito que vive o poeta.

Afinal, a linguagem é composta por signos arbitrários que tanto servem para descrever

referentes quanto para recriá-los e sugerir implícitos abertos à explicação, à liberdade. Seus

limites são difusos e tendem a se tornar um ponto infinito. O fazer poético no trajeto do

escritor é cheio de tensão e inquietação, de impactos sofridos, porque “a linha bate na pedra /

a palavra quebra uma esquina” (LEMINSKI, 2006, p. 18).

Manejar a palavra consiste em um desafio: enfrentar seu desgaste, sua

referencialidade, sua objetividade subjetiva. Nesse conflito, vive o poeta, por não poder fugir

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do fato de que “a experiência poética é irredutível à palavra e, não obstante, só a palavra a

exprime” (PAZ, op. cit., p. 48).

Diante do paradoxo inerente à poesia, talvez só lhe reste o silêncio, o vazio, “a linha

mínima vazia” (LEMINSKI, ibidem, p. 18), porém, ele não consegue se calar porque “a linha

uma vida inteira / palavra, palavra minha” (id., ib.). A palavra é o destino ao qual não pode,

ou não quer, resistir. Assim, lemos, na carta 10, escrita em outubro de 1977:

Fazer poemas não é a coisa mais importante mas para quem faz é e tem que ser assim o signo é nosso destino nossa desgraça e nossa glória. (LEMINSKI in LEMINSKI & BONVICINO, 1999, p. 53)

É na e pela palavra que o poeta vive, não importando se é uma vida de desgraça ou de

glória. Ao pensar a poesia, Leminski apresenta as escolhas que fez para tentar atingir seu

objetivo poético e desnuda, na primeira seção, suas dúvidas, seus caprichos e relaxos, ou seja,

sua ambigüidade. Essa dualidade aparece em “Administério”, marcada pelo contraponto entre

sábado e domingo, “Quando o mistério chegar, / já vai me encontrar dormindo, / metade

dando pro sábado, / outra metade, domingo” (LEMINSKI, 2006, p. 19). O poema acentua as

contradições do poeta em seu desejo de administrar esse mistério que se assemelha à morte: é

final, é passagem, é transformação? Mesmo estando dividido, não é uma divisão exata, porque

o contraponto entre sábado e domingo é pouco definido, uma vez que o domingo pode ser o

início ou o fim da semana e o sábado pode ser dia de descanso ou de trabalho.

Já “O mínimo do máximo” revela a existência da aglutinação de sentidos da poesia

japonesa “apenas o mínimo / em matéria de máximo” (id., ib., p. 26). E em “Por um lindésimo

de segundo”, mostra a tensão da poesia leminskiana “tudo em mim / anda a mil / tudo assim /

tudo por um fio” (id., ib., p. 22). Essa tensão explica a rapidez de sua escrita, e o tratamento

coloquial é justificado como uma forma de recriar, utilizando o vocabulário de seu tempo.

Em “Distâncias mínimas”, ele evoca que sua poesia é “um texto morcego / se guia por

ecos” (id., ib., p. 20). Semelhante à enxurrada do Nilo, é um texto repleto de ecos históricos.

Carrega a história de outros textos. Nele, há uma releitura de estratos concretistas na

construção do poema e uma releitura da poesia marginal no jogo de palavras, revelando que o

poeta, mesmo tendo aprendido as lições do concretismo quanto às práticas da elaboração

formal do poema, não dispensou os acasos cotidianos, o não-compromisso. Do mesmo modo,

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as facilitações, a cultura pop, a comunicação e o espontaneísmo em sua criação poética não

recusam a materialidade da palavra.

É curioso que um poeta que deseja desestabilizar a razão cartesiana tenha se

aproximado da poesia concreta; contudo, o próprio Leminski esclarece esse ponto, quando

provocado em uma entrevista para a Folha de São Paulo em 4 de dezembro de 1985:

“Vanguarda”, pra mim, poeta, claro, era tudo aquilo, práticas, teorias, derivado da explosão da poesia concreta paulista, em meados dos anos 50, e vanguardas subseqüentes. Não imaginem que eu gostava era do lado racionalista daquela tendência. Que me perdoem os rene descartes e os le corbusier, mas o que sempre gostei na coisa concreta foi a loucura que aquilo representava, a ampliação dos espaços da imaginação e das possibilidades de novo dizer, de novo sentir, de novo e mais expressar. Se gostasse de razão, eu tinha feito curso de contabilidade. O que eu gostava, gosto e gostarei era o caráter de “explosão” que aquela coisa toda tinha sido. A institucionalização da “explosão” como vanguarda explícita e sistemática sempre me agradou menos. Detesto obrigações. (LEMINSKI in LEMINSKI & BONVICINO, 1999, p. 24)

Sentindo-se desobrigado de seguir qualquer tendência rigorosamente, o “cachorro

louco” ensaia livremente, incorporando, transformando ou descartando procedimentos

poéticos, para encontrar uma saída pessoal diante dos problemas teóricos levantados pelo

movimento concretista e por sua experiência poética. O principal deles centra-se no fato de

que os concretistas brasileiros almejavam uma poesia concomitantemente transparente e

opaca. O poema deveria ser transparente na medida em que comungasse com os processos de

comunicação de sua época, ou seja, deveria utilizar uma linguagem rápida, condensada e

direta para atingir o público leitor. E deveria ser opaco ao privilegiar mais o significante, a

materialidade da palavra, do que o significado, inovando na forma e provocando estranheza e

perplexidade no leitor. Paulo Franchetti (1992, p. 72) observa que esse problema teórico

ocorreu porque a poesia concreta tentou “eruditizar” a comunicação de massa.

Percebendo essa contradição, Leminski buscou uma saída. Afastou-se do Concretismo

quando adotou um tom humorístico, provocador e descontraído, manteve a rima e não despiu

suas obras de lirismo e, até mesmo, de sentimentalismo.

amor, esse sufoco, agora há pouco era muito, agora, apenas um sopro ah, troço de louco, corações trocando rosas, e socos (Leminski, 2006, p. 46)

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Nesse poema, a rima “sufoco/sopro” é utilizada para sugerir dois momentos da

respiração associados ao amor: a intensidade no início e a debilidade no fim do romance.

Além disso, as aliterações de “sufoco”, “sopro”, “socos” indicam que não há estabilidade na

manifestação amorosa. Corroboram com essa idéia as terminações de “muito”, “pouco”,

“sufoco”, “louco”, “socos”. Partindo da semelhança fônica e do campo semântico dessas

palavras, o poeta sugere que, no amor, assim como na língua, nem tudo que parece é.

Da poesia concreta, preservou, no entanto, o conceito de síntese. Com o poema

“ Iceberg” reafirma “uma poesia ártica / claro, é isso que desejo / Uma prática pálida, / três

versos de gelo” (LEMINSKI, 2006, p. 22). O desejo de afastamento torna-se explícito,

representado pela frieza e palidez do gelo – o que o conduz até o haicai com seu

minimalismo, verdadeiro momento de iluminação, “um piscar do espírito” (id., ib.), em que o

eu se despe de todo egoísmo e individualidade para deixar o momento falar por si. O poeta

torna-se um meio condutor do momento, mantendo-se em um estado de consciência-

inconsciência, em perfeita interação homem-natureza. Ao anular o eu e destruir os limites

existentes entre os seres, ocorre a transformação de tudo em um fluxo contínuo, conforme

pregam os princípios zen-budistas.

Apesar de desejar uma “lira nula”, o silêncio, o apagamento, surge, subitamente, o

verso “mas falo”, que se liga aos versos anteriores através da conjunção, introduzindo a

contradição do poeta: desejando calar-se, apagar-se, diluir-se, fundir-se ao todo; o poeta fala.

Sem conseguir evitar, seu discurso está sempre presente, seja como nuvens (diáfamas e leves),

seja como enxame (denso e pesado).

A seção denominada índice indica, portanto, os caminhos que a poética leminskiana

tem procurado seguir. Paradoxalmente, a seção que apresenta a determinação de atingir uma

“lira nula” reduzida ao “puro mínimo” (id., ib., p. 22) contém os poemas mais longos do livro.

O fato se justifica porque a rarefação a que se refere Leminski não está relacionada à extensão

do poema. A partir de Distraídos venceremos, o conceito de rarefação está ligado à contenção

da subjetividade, à tentativa de anulação da realidade a partir da linguagem. O poeta tenta

desaparecer por meio da construção, seja ela curta ou longa.

Essa primeira parte do livro funciona como referência na qual o leitor pode se fixar

para guiar a leitura da obra. Nela, estão contidas as várias vertentes que convivem na poesia

do poeta curitibano. Enquanto o desejo de afastamento da referência dialoga com a poética

proposta, entre outros, por Mallarmé, no que diz respeito ao centramento no significante,

envolvendo a materialidade da palavra; o registro automático da experiência vivida relaciona-

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se à poesia marginal, e a interação com a natureza mantém estreito contato com a poesia

japonesa.

Exercitando uma diversidade de práticas, Leminski deixa clara a necessidade de não

estar preso a nenhuma delas. Afirma ser fundamental dissolver os limites para transcender a

limitação imposta pela linguagem usual e pelo pensamento linear e científico do ocidente, que

trata a natureza e o próprio homem como máquinas a serviço de uma produtividade. Assim,

todas as vertentes se fundem, e, a partir dessa união, o poeta alarga as possibilidades de cada

uma delas, sem o menor compromisso em manter-se dentro de limites restritos, sejam eles

impostos pelo concretismo, pela cultura de massa, pela contracultura ou pela estética japonesa

clássica.

Além disso, os poemas da parte índice também explicitam a presença do outro na

poesia de Leminski. O autor assume ter sido alimentado pela confluência de vozes que

cruzaram seu caminho, sem nunca deixar de lembrar-nos de que o poeta é, antes de tudo, um

leitor: revela, com precisão, a clara percepção de que o diálogo com o outro lança-o para esse

já dito, mas sempre por dizer, uma vez que a poesia é “lugar onde se faz / o que já foi feito, /

branco da página, / soma de todos os textos (id., ib., p. 29).

Na aproximação com o discurso do outro, vê a sua incapacidade de lidar ou de superar

o texto alheio. Sua criação é apenas espelho do diálogo intertextual. Ao traçar uma

consideração sobre seu próprio trabalho, evidencia o processo de releitura, sobretudo dos

poetas que o agradam, admitindo: “Eu palavra / não passava de um pastiche” (id., ib., p. 47).

Também é possível vislumbrar a opção de Leminski por viver de e para a poesia, ainda

que esse conceito, para ele, seja amplo e não excludente. Seu projeto de palavra poética tem

uma ambição multimídia: cinema, música popular, cartum, artes plásticas, televisão. Todas

essas linguagens, entretanto, convergem para o poema, realizam contínuos cotejos com ele,

numa atitude vivencial totalmente voltada para a poesia.

assim fundo e me afundo de todos os náufragos náugrafo o náufrago mais profundo (Leminski, 2006, p. 43)

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A poesia que o fundou desde os tempos de menino (aos 8 anos escreveu seu primeiro

poema, segundo seu biógrafo Toninho Vaz) é o espaço em que ele afunda ora em erros, ora

em acertos.

A segunda parte de Distraídos venceremos, “Ais ou menos”, está associada ao signo

ícone. Utilizando a conceituação teórica de Peirce, segundo a qual o ícone é uma imagem

caracterizada por uma associação de semelhança entre o objeto e a imagem, quer se trate de

coisa real ou inexistente, Leminski delineia a sua própria imagem reportando-nos à

proposição de Octávio Paz (op. cit., p. 56):

A desconfiança dos Estados e das Igrejas diante da poesia não nasce apenas do natural imperialismo destes poderes: a própria índole do dizer poético provoca o receio. Não é tanto aquilo que o poeta diz, mas o que vai implícito em seu dizer, sua dualidade íntima e irredutível, o que outorga às suas palavras um gosto de liberação. A freqüente acusação que se faz aos poetas de serem aéreos, distraídos, ausentes, nunca totalmente deste mundo, provém do caráter de seu dizer.

O poeta – operador da linguagem – combina as palavras, promovendo uma percepção

inaugural do mundo que o cerca e criando uma nova ordem. Torna-se ícone de

desajustamento ou marginalização do contexto social.

O poema de abertura “Ai ou menos (oração pela descrença)” serve como título da

seção do livro. Ele tem um tom de desalento, que está presente em vários poemas desse

segmento, como “Como pode?” e “O atraso pontual”.

Senhor,

peço poderes sobre o sono, esse sol em que me ponho

a sofrer meus ais ou menos, sombra, quem sabe, dentro de um sonho. Quero forças para o salto

do abismo onde me encontro ao hiato onde me falto. Por dentro de mim, a pedra,

e, aos pés da pedra, essa sombra, pedra que se esfalfa. Pedra, letra, estrela à solta,

sim, quero viver sem fé, levar a vida que falta

sem nunca sabe quem é. (Leminski, 2006, p. 67).

O poeta escreve em um tom evocatório, marcado pelo destaque dado à palavra

“senhor”. Ele evoca algo superior, colocando-se em uma posição de humildade; contudo, ele

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ora pela descrença, vislumbrando, em si mesmo, certa inércia ou aproximação da morte física,

aliada à morte da utopia na sociedade brasileira. Por isso, ele pede “poderes sobre o sono”, já

que o sono está associado ao espaço ideal para o sonho, e o poeta não quer mais sonhar. Ele,

poeta, tornou-se “a sombra dentro de um sonho” de felicidade da sociedade. Na polissemia da

palavra, os principais núcleos semânticos estão alinhavados na figura do poeta. Ele é a parte

escura da sociedade. Sua existência, inteiramente dedicada às palavras, contrapõe-se ao

triunfo do chamado capitalismo de mercado, que passou a controlar praticamente todos os

setores da vida contemporânea. Nessa vida mercantilizada e artificial, a arte poética é um

defeito, uma anomalia. Descrente da validade de sua palavra poética, deseja afastar-se do

abismo que ela representa, por seu caráter insondável, mesmo que seja para lançar-se em um

espaço vazio de si mesmo.

Se os primeiros versos são uma súplica, ela é interrompida para que o poeta faça uma

análise de seus sentimentos, constatando-se abatido e desiludido pela morte da utopia, “por

dentro de mim, a pedra”. Aos pés da poesia, “brusca pedra” (id., ib., p. 15), o poeta

enfraquece e reafirma a sua oração pela descrença, dizendo que, seja qual for a sua natureza –

pedra, letra ou estrela –, não deseja conhecê-la.

Se, como diz George Steiner, “onde cessa a palavra do poeta começa uma grande luz”, foi, seduzidos por esse clarão, que poetas como Mallarmé optaram pela atomização da sintaxe e pela valorização do espaço em branco da página, lugar onde o não-lugar da palavra se revela. Daí não restar ao poeta crítico, consciente desse ponto extremo de silêncio a que chegou a sua busca de lucidez, senão o vislumbre do abismo. (MACIEL, 1999, p. 24)

Embora o poema de abertura aponte para um desencanto do poeta, há, nessa mesma

seção, poemas que contradizem essa tendência e fazem uma veemente defesa do seu ofício:

sem qualquer questionamento acerca de sua validade, ele retorna ao conceito de “inutensílio”

fundamental.

Razão de ser Escrevo. E pronto. Escrevo porque preciso, preciso porque estou tonto. Ninguém tem nada com isso. Escrevo porque amanhece, e as estrelas lá no céu lembram folhas de papel, quando o poema me anoitece. A aranha tece teias.

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O peixe beija e morde o que vê. Eu escrevo apenas. Tem que ter por quê? (Leminski, 2006, p. 80)

Em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo, em 1986, ratifica sua posição diante da

poesia:

Eu faço poesia como a aranha faz a teia. Não tem por quê. Estou além do porquê. É o resto da minha vida que tem que se explicar em relação a isso. Esse é o resultado do meu viver. A minha poesia para mim, é uma atividade intransitiva. Como pular o carnaval. Não se pode pular o carnaval para alguma coisa. Simplesmente pula-se ou não. (LEMINSKI apud ASSUNÇÃO)

Tanto o poema quanto o trecho da entrevista tem um caráter defensivo e definitivo.

Sabendo-se criador de um produto “inútil” para a lógica do mercado, não procura justificar a

existência de sua atividade. A poesia é, pois, própria das coisas para serem desfrutadas, prazer

em si mesmo. Nela, existe um repúdio à mercantilização, indispensável a sua condição de

objeto não produzido para o mercado.

Contradizendo o poema “Ais ou menos”, “Diversonagens suspersas” apresenta o poeta

como um ser marcado pela poesia desde o nascimento. No entanto, esse “destino” não o

assombra, tampouco há a intenção de tentar se libertar dele. Orgulhosamente, o poeta assume

seu ofício.

Meu verso, temo, vem de berço. Não versejo porque eu quero, versejo quando converso e converso por conversar. Pra que sirvo senão pra isto, pra ser vinte e pra ser visto, pra ser versa e pra ser vice, pra ser a super-superfície onde o verso vem ser mais? (Leminski, 2006, p. 83)

Enquanto “Ais ou menos” surge como uma “oração pela descrença”, “Diversonagens

suspersas” propõe um questionamento sobre o sentido de ser poeta e faz uma exaltação à

poesia. Ao sobrepor as palavras, realiza uma amálgama de diversas-personagens-suspensas-

diversas, que confirma sua dispersão e divergência. Embora saiba que está

pervertendo/subvertendo a língua pátria, ele tem fé na poesia. A oração agora é: “não permita

Deus que eu perca / meu jeito de versejar” – versos que fazem uma releitura de Gonçalves

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43

Dias (“Não permita Deus que eu morra, / sem que eu volte para lá”), apontando para a

condição de exílio da poesia na sociedade industrial. Mas é um exílio voluntário, do qual o

poeta não quer sair porque acredita no fazer poético.

Sabendo-se criador de um produto “inútil” para a lógica do mercado, o autor não deixa

de se inserir na sociedade nem se furta de utilizar a tecnologia ou os recursos da publicidade

na produção de seus textos. Não se vê, como Baudelaire, alguém condenado à exclusão. Ao

contrário, percebe-se parte dessa grande engrenagem, mesmo em seu exílio.

A Leminski, aplica-se o que Maria Esther Maciel (op. cit., p. 43) afirma sobre os

poetas modernos:

Se, por um lado, eles buscaram reforçar o caráter autônomo da poesia diante da realidade, através da ênfase na desreferencialização e na auto-reflexividade da linguagem poética, por outro passaram a incorporar de maneira mais efetiva no trabalho com a palavra os recursos que as tecnologias do tempo ofereciam, abrindo a criação poética ao influxo de outras artes.

Com a multiplicação das linguagens humanas, novos meios de disseminação foram

criados, e esse poder da mídia provoca, em Leminski, como provocara em Baudelaire, os

avanços da modernidade, um misto de fascínio e repúdio. O fascínio advém das possibilidades

trazidas pelos avanços tecnológicos e do poder de penetração dos meios de comunicação de

massa, junto ao povo. Por isso, ele incorporou, especialmente, estratégias e linguagens dos

meios de comunicação de massa e aderiu ao avanço tecnológico do vídeo-texto. A poesia

leminskiana já tinha, em si, qualidades que se coadunavam com o novo meio: a concisão, o

movimento, as imagens. E o vídeo-texto, antecessor dos recursos da informática, hoje ao

alcance de todos via Internet, passa a exercer fascinação sobre o poeta devido ao poder de

criar, iconicamente, aquilo presente na fixez do papel. Ou seja, fazer as palavras saírem de sua

imobilidade. Fascinado pela semiótica, ciência da linguagem forjada num ambiente urbano

repleto de signos, via, nos novos tempos e nos novos suportes, a possibilidade de conjugar

elementos da poesia a elementos de outras artes. Essa atitude deve-se à amplitude de seu

conceito de linguagem e permitiu, dentre outras coisas, o recebimento de influências advindas

da publicidade, do desenho e da música.

As facilitações provocadas pelo coloquialismo, pelos trocadilhos e pelos neologismos

criaram poemas quase slogans, visando ao leitor médio. Entretanto, ao ver muitas práticas de

vanguarda serem absorvidas pela mídia e a conseqüente banalização e o esvaziamento

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44

estéticos dessa prática, surgiu, no poeta, uma rejeição à sociedade de consumo, por ela tornar

a arte pausterizada e uniforme, produto para ser oferecido ao público.

A aproximação com o maior ícone da sociedade de consumo – a publicidade –, mesmo

sendo para penetrar no “terreno inimigo” (LEMINSKI in LEMINSKI & BONVICINO, 1999,

p. 47) e utilizar as mesmas armas que ele, parece ter custado caro ao poeta: “Livros de vidro, /

discos, issos, aquilos, coisas que eu vendo a metro / eles me compram aos quilos”

(LEMINSKI, 2006, p. 37). A batalha parece ter sido perdida porque visando a um texto denso

e profundo no qual o domínio da palavra transcendesse as misérias do cotidiano, o poeta tem a

sensação de ter se permitido concessões demais e de ter capitulado diante da lógica capitalista.

Se assim for, ele prefere rever suas escolhas e continuar relegado à margem, porque

compreende que esse é o seu lugar de direito.

Marginal é que escreve à margem, deixando branca a página para que a paisagem passe e deixe tudo claro à sua passagem. Marginal, escrever na entrelinha, sem nunca saber direito quem veio primeiro, o ovo ou a galinha.

(Leminski, 2006, p. 70)

Desse ponto, local privilegiado, pode lançar sobre a realidade um olhar diferente,

empenhar-se em inventar sua própria dicção e ver seu rosto. Sabe que ser “marginal” é sua

“razão de ser” e admite que alcançar o sucesso, ser popular, pode significar estar fora do seu

lugar e compartilhar da lógica da sociedade capitalista. Por isso, a imagem de si mesmo surge

permeada da culpa por ter se permitido a popularidade, o sucesso. Disfarçado em ironia, surge

o descontentamento: “Diverso o sucesso, / basta-lhe um verso / para essa desgraça / que se

chama dar certo” (LEMINSKI, op. cit., p. 95).

Se o mercado, ao converter de forma inflexível e impessoal todo e qualquer objeto simbólico em bem de consumo, dando-se o poder de controlar gostos, consciência e desejos, pode-se dizer que a poesia, sobretudo a que destoa da lógica cultural predominante, transforma-se, sob essa égide, em arte cada vez mais minoritária no campo geral das trocas culturais do presente. (MACIEL, op. cit., p. 45)

Leminski pretende que sua poesia tenha um efeito transgressor, sem afastá-la do

público. De um lado, há o desejo de fazer uma poesia que falasse a linguagem do maior

Page 45: Leminski: Linha Mínima

45

número possível de pessoas; do outro, há o desejo de afastamento da referencialidade e de

trabalhar a materialidade da palavra, transgredindo seu uso cotidiano. Dessa contradição, vive

a poesia leminskiana e ela é expressa no poema “Poesia: 1970”:

Tudo o que eu faço alguém em mim que eu desprezo sempre acha o máximo. Mal rabisco, não dá mais pra mudar nada. Já é um clássico. (Leminski, 2006, p. 97)

Sua autocrítica revela a angústia de ter se vinculado ao mercado, de ter se deixado

influenciar pelas inclinações do seu tempo. Na ruptura de limites, que sempre procurou, entre

legível e ilegível, desreferenciação e comunicação, o poeta avalia que talvez, em maior ou

menor intensidade, ao longo da carreira, tenha caído no lugar comum, na banalização, e se

despreza por isso.

A aproximação com a MPB, saindo do que chamou “alta literatura” para as canções,

fez com que seus poemas ganhassem uma expressão mais direta, e a melopéia passou a

predominar. Acreditando que “Uma canção de Caetano ou uma ópera de Arrigo Barnabé não

são, necessariamente, melhores que uma canção de Ismael Silva ou de Dolores Duran”

(LEMINSKI in LEMINSKI & BONVICINO, 1999, p. 24) e que a música é uma forma de arte

tão válida quanto qualquer outra, defendeu a idéia de que, na arte, não existe o conceito de

evolução como na tecnologia. Existe uma qualidade impalpável em toda forma de arte, seja

ela nova ou antiga, erudita ou popular, que a massificação ameaça. Ciente disso, reflete se não

está também sendo massificado.

As reflexões de Leminski acerca da poesia representam um mote de Distraídos

venceremos. Entre os 80 poemas que compõem as duas primeiras partes do livro, 38 são

metapoemas. Nestes e em outros poemas, as interrogações são freqüentes.

Desse ícone, que é a imagem do poeta, um ser em constante luta consigo mesmo por

perceber-se fora do lugar, estando à margem ou inserido na sociedade burguesa, o livro

caminha para a última seção denominada Símbolo, “Kawa Cauim: desarranjos florais”. É

nessa parte do livro que estão reunidos os haicais de Distraídos venceremos. O poema de

origem japonesa é o símbolo do pensamento poético de Leminski no que ele tem de síntese e

força. “O idiograma de Kawa, rio, em japonês, pictograma de um fluxo de água corrente,

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46

sempre me pareceu representar (na vertical) o esquema do haicai; o sangue de três versos

escorrendo na parede da página...” (LEMINSKI, op. cit., p. 101).

Ao explicar a utilização do ideograma de rio na abertura da seção, justificada pelo

desconhecimento do leitor do idioma japonês, o poeta recorre a um símbolo largamente

presente na cultura ocidental: o sangue. Ele representa vida e morte. É, ao mesmo tempo,

nutridor e purificador do corpo. Sangue é a síntese (símbolo) da vida, assim como o haicai o é

do seu desejo de exatidão e leveza. Todavia, ele é símbolo também de um outro estilo de vida,

de uma outra visão do mundo, uma outra sensibilidade. Essa outra forma de sentir associa

sentimento e pensamento e acaba transcendendo ambos, sem que se excluam. Razão e emoção

interpenetram-se sem se misturar, conforme o princípio zen, no qual se busca o equilíbrio

entre opostos. Isso fica explícito no estilo de vida dos samurais: de um lado voltado para o

exterior, para a guerra; do outro, os rituais voltados para a vida privada, como a Cerimônia do

Chá e a elaboração de arranjos florais. Envolvendo essa vida interior está a meditação zen.

Essa vertente estética que associa diversão e meditação chama-se furyu. A expressão significa

diversão elegante, mas, alerta Octávio Paz (op. cit.), que essas palavras, na cultura japonesa,

têm um sentido diferente daquele que denota no ocidente. No Japão, elas remetem ao

recolhimento, à solidão, à intimidade e à renúncia. Do mesmo modo, a decoração floral

(ikebama) – símbolo do furyu, cujo arquétipo ocidental é de adorno simétrico, rico, suntuoso,

colorido e elegante –, também não remete a esses conceitos. Ao contrário, ikebama tem a

qualidade furyu dos objetos imperfeitos e frágeis devido a sua pobreza, simplicidade e

irregularidade.

A elaboração de arranjos florais é um verdadeiro ritual que mistura diversão e

meditação. Os haicais de Leminski, porém, são “desarranjos florais”, justificando o fato de

que a seção não se compõe de haicais formalmente perfeitos, porque tradicionalmente, o

haicai tem como forma fixa três versos de 5-7-5 sílabas. E Leminski, mesmo quando mantém

os três versos, nunca obedece à estrutura tradicional das sílabas. Embora os poemas

preservem a fragilidade e a imperfeição, também não podem representar a verdadeira

qualidade furyu, pois há neles, como denota a palavra “desarranjo” em português, certa

desordem, confusão. Não têm a elegância do ikebama, porém são florais. Os haicais

leminskianos são poemas-flores colhidos no cotidiano e reunidos, desordenadamente, para ser

um obstáculo na leitura ou para ser uma pequena surpresa.

Conforme observa Octávio Paz, o haicai, em sua indeterminação, nos convida a

pensar e a sentir. Oferece-se a nossa imaginação devido a seu voluntário inacabamento. “Seu

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47

verdadeiro nome é consciência da fragilidade e precariedade da existência...” (PAZ, op. cit., p.

172)

O haicai recusa uma comunicação imediata e transparente e nos lança para o silêncio,

o não-dito, o incompleto, o fragmentário. Mas, segundo Maurice Blanchot (2001), foi o

pensamento aristotélico que nos legou a concepção de que a linguagem deve ter a

característica de continuidade, de linearidade, de pensamento, principalmente, a linguagem da

filosofia. No entanto, a linguagem aristotélica que conhecemos não é contínua, ela é a reunião

de preleções proferidas por Aristóteles, colhidas de notas de cadernos e de seus discípulos.

Portanto, a continuidade total talvez seja ilusória; afinal, é justamente a interrupção o espaço

no qual a comunidade se faz. A palavra precisa ser interrompida para que o direito à voz passe

de um sujeito para outro. Mesmo que haja contestação da fala do outro, é o intervalo que

promove a interação humana pela palavra. O haicai presentifica esse intervalo e abre-se à voz

do outro. Logo, sua descontinuidade garante a continuidade do entendimento.

O haicai, em sua fragmentação, exatidão e leveza, em seu sóbrio e simples rigor,

oferece-nos o presente imediato, mas é um presente que não se esgota em sim mesmo.

Usando-o como referência para sua poesia, Leminski procura libertar a palavra da obrigação

da continuidade e da coerência. Ela deixa de estar a serviço de uma lógica cartesiano-

aristotélica para, livremente, interromper-se e deixar tudo ao redor ganhar voz.

Escrever, a exigência de escrever: não mais a escrita que sempre se pôs (por uma necessidade evitável) a serviço da palavra ou do pensamento dito idealista, ou seja, moralizante, mas a escrita que, por sua força própria lentamente liberada (força aleatória de ausência), parece consagrar-se apenas a si mesma, permanecendo sem identidade e, pouco a pouco, libera possibilidades totalmente diferentes, um jeito anônimo, distraído, diferido e disperso de estar em relação, um jeito por intermédio do qual tudo é questionado [...]. (BLANCHOT, op. cit., p. 8)

Apostando nessa distração atenta, Leminski constrói sua identidade, unindo

fragmentos de diversas correntes filosóficas; contesta verdades totalizantes, apresentando a

sua visão do mundo: um grande texto que é fundado através da linguagem. Se tudo é um

signo, tudo pode ser lido. Nessa perspectiva, ao tentar dizer o máximo possível acerca desse

mundo, a palavra poética é privilegiada porque comporta infinitas significações, mesmo

sabendo que o significado total é inalcançável.

Reunindo, em Distraídos venceremos, os conceitos de índice, ícone e símbolo,

Leminski demonstra que sua maior aposta é o trabalho com o signo em sua plenitude. Por

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48

isso, o livro é um grande signo e, como tal, deve ser compreendido em relação com outros

signos.

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49

3. O MÁXIMO DO MÍNIMO

Nos antigos se vê a letra perfeita e acabada de

toda a poesia, nos modernos se pressente o

espírito em devir.

Schlegel

Na obra de Paulo Leminski, leveza, rapidez e exatidão – propostas apresentadas por

Calvino para a literatura do terceiro milênio – estão intimamente entrelaçadas. Esses conceitos

estão presentes na sua escrita quando ocorre o afastamento da referência, a contemplação dos

pequenos milagres cotidianos, a rarefação da linguagem. Mas, também, fazem parte de uma

forma orientalizada de ver o mundo, baseada na filosofia zen budista.

Motivado pela prática do judô, Leminski começou a estudar japonês, ainda nos anos

sessenta. O esporte e o idioma promovem os primeiros contatos com a literatura japonesa.

Desse mergulho na cultura, nasce a admiração pela iluminação repentina – conceito zen-

budista denominado satori –, e ele descobre a técnica do haicai: pequeno poema que surge da

contemplação e do registro de um momento de iluminação profunda, no qual o sujeito se dilui

para dar lugar à descrição pura e simples. Todo esse fascínio faz com que o haicai ganhe

força na formação poética de Leminski, e ele busque, no estudo da plasticidade do poema

japonês, a exatidão que a nossa escrita alfabética não consegue atingir. Diante de um texto

escrito num idioma que mistura ideogramas com silabário, a saída para tentar executá-lo em

português foi “lançar mão dos recursos da poesia dita de ‘vanguarda’: especializações, cores,

tipias, grafias, ‘maneirismos’, tais como a tradição literária do Ocidente os concebe.”

(LEMINSKI, 1990b, p. 89).

O haicai traz, em si, a estética da cultura japonesa: o minimalismo, que sempre

agradara ao poeta. Ao descobrir a técnica de composição japonesa, Leminski se apossa dela

para explorar novas formas, fazendo o que Leila Perrone-Moisés afirmou ser, segundo Roland

Barthes, a função tática do haicai:

[...] limpar o terreno de modo que os caminhos possam se abrir. [...] O haicai consegue a façanha de dizer a pura constatação, sem nenhuma vibração de arrogância, de sentido, de ideologia [...]. O que diz o haicai é um momento intensamente vivido por “alguém”, mas fixado em linguagem sem o peso do sujeito psicológico do Ocidente. (PERRONE-MOISÉS, 1980, p. 92)

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50

Assim, Leminski – leitor de Barthes – compreende o haicai como um texto

purificador.

Ele também compartilha da visão barthesiana de que o haicai não é apenas um poema

descritivo, embora a descrição faça parte integrante dele. Nele, existe um sujeito apagado na

linguagem em estado de contemplação, buscando a harmonia interior, a paz, o descanso de

um mundo frenético. É um momento de afastamento de si mesmo, de purificação para

encontrar o sentido perdido. O poeta explicita essa visão em Anseios crípticos, quando afirma

que o haicai é uma forma de “captar um mundo objetivo e exterior no qual o eu está quase

sempre ausente, elidido” (Leminski, 1986, p. 98). Ele é, sobretudo, o momento em que o eu

suspende o egoísmo da subjetividade e se funde com a coisa observada, para permitir que a

realidade se transforme em significado. Para o autor, o haicai valoriza o fragmentário e o

insignificante, o aparentemente banal e o casual. Através dele, o poeta procura extrair o

máximo de significado do mínimo de material.

Alice Ruiz (apud VERÇOSA), baseada nos estudos de Reginald Horace Blyth, diz que

se destacam, no haicai, as seguintes características: a ausência do eu, a não moralidade, a

solidão, a grata aceitação, a predominância de substantivos e a contradição – influência do

espírito zen.

noite sem sono o cachorro late um sonho sem dono (Leminski, 2006, p. 115)

Seguindo a descrição feita por Blyth (apud RUIZ apud VERÇOSA), observamos que

o poema não revela um eu subjetivo nem lida com questões morais. Apenas apresenta a

solidão existencial, pressupondo a grata aceitação tipicamente zen. Captando um detalhe do

mundo exterior, o poema ultrapassa a vulgaridade do fato. Apesar da elisão do sujeito, há um

eu que permite que o mundo seja, sem a interferência de anseios e temores. A noite sem sono

não é a insônia de um só homem, é um estado de coisas da própria noite, uma declaração de

que ela está lá. A noite é a “circunstância eterna, absoluta, cósmica” (LEMINSKI, 1986, p.

97), que Leminski afirmara existir no haicai. O evento corriqueiro, a perturbação, vem com o

latido do cachorro tão sem dono, como a noite, o sono e o sonho. O sonho sem dono do

terceiro verso é o elemento que concilia os dois anteriores. Na noite de insônia, homem e cão

igualam-se na mesma solidão. Através da anáfora de “sem sono / sem dono”, o poeta constrói

essa relação de sentido. Atribuindo à palavra “sonho” uma característica que geralmente está

Page 51: Leminski: Linha Mínima

51

relacionada a cachorro (sem dono), a significação de um passa a compor a do outro. Assim,

cachorro e homem compartilham o mesmo sentimento; cachorro e sonho vagam pela noite

sem ter um espaço para pouso/repouso.

Embora o poeta curitibano não tenha se prendido à forma do haicai, ela, certamente,

acrescentou importantes traços à sua obra, conforme comprova uma de suas cartas enviada ao

também poeta e amigo Régis Bonvicino:

Eles [os concretos] não previam que o próprio discurso iria receber vida nova e nova vida com o advento do IDEOGRAMA. (Leminski, 1999, p. 73)

O contato com o ideograma representou uma renovação no discurso concreto, bem

como a leitura de poemas escritos, originariamente, na língua que o utiliza; representou uma

renovação no discurso de Leminski. Por isso, a essência do ideograma – uma palavra conter a

outra – que ele denominou de “signos eversos e subservos” passou a fazer parte de sua escrita

como “sementes de insurreição revolta e revolução da sensibilidade e do pensamento” (id.,

ib., p. 73). Isso prova que, para o poeta, o signo está a serviço de uma revolução contra o

pensamento ocidental capitalista. A exploração da linguagem alfabética, utilizando elementos

do ideograma, seria um modo de desestabilizar esse pensamento linear e lógico.

Octávio Paz (op. cit.) faz uma excelente diferenciação entre revolta e revolução em

Signos em rotação, que pode ser aplicada ao emprego que Leminski faz desses termos, a eles

acrescido insurreição. Paz lembra que, historicamente, o termo “revolta” é mais popular que

revolução e expressa ação sem propósito definido. Já “revolução” é uma palavra

intelectualizada que alude à ação precedida de reflexão para fins de mudança. Em português,

as significações são semelhantes, e o poeta brasileiro utiliza os vocábulos de uma forma

gradativa. Primeiro, refere-se ao ideograma como “sementes de insurreição” ( id., ib., p. 73),

palavra bastante intelectualizada no Brasil, que nos sugere ações quase solitárias e heróicas.

No nosso imaginário, imediatamente, associamos o termo à figura de Tiradentes. Ao começar

por essa palavra, Leminski desvela o momento heróico das vanguardas que redescobriram o

poder revitalizador dos ideogramas. A seguir, aparece “revolta”, apontando os efeitos do

ideograma na subjetividade do indivíduo, impulsionando-o a uma ação ainda insipiente. E,

por fim, surge o termo revolução, representando o fim de um processo que culminaria em um

objetivo claro: revolucionar a linguagem.

Page 52: Leminski: Linha Mínima

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Diversamente de alguns poetas marginais que, segundo Leminski, faziam o haicai sem

saber exatamente o que estavam praticando, porque trabalhavam com a idéia de síntese do

mundo moderno, presente em outdoors, propagandas, grafites; ele incorporou,

conscientemente, a técnica japonesa à sua poesia. Para ele, o haicai, era um símbolo tanto do

tempo moderno, marcado pelo minimalismo dos clips, bips e chips, quanto de uma tradição

secular. Nessa intersecção, reside a sua grande produtividade estética.

O apreço pela concisão é reforçado através desse contato com um texto proveniente de

uma cultura cujo idioma contém o ícone, que, segundo o escritor em Anseios crípticos 2, “é

naturalmente polissêmico” (LEMINSKI, 2001a, p. 87).

Ícones dizem sempre mais que as palavras (símbolos) com que tentamos descrevê-los, esgotá-los, reduzi-los. O Ícone é o signo, parcialmente motivado que tem algo em comum com seu referente, eco, rima, reflexo, harmonia expressiva, visual ou acusticamente, no plano material dos signos, no significante. Este mistério de participação do signo icônico na natureza do seu referente, mistério material, produz uma taxa de informação estética incomparavelmente maior do que aquela que consegue gerar os símbolos, signos imotivados, arbitrários, meras convenções imateriais. (id., ib., p. 86)

O poeta sabe da impossibilidade de transpor as características icônicas do ideograma

para uma escrita alfabética como o português; por isso, opta por compor um haicai limitado

ao conteúdo (concisão, condensação, intuição, emoção), inspirado no zen-budismo já que

utilizar a forma tradicional era impossível. Não abdica, contudo, da procura de recursos

lingüísticos do idioma para encontrar a palavra exata que, mantendo alguma relação

indispensável com seu referente, seja polissêmica, plural, livre. Essa palavra deveria ser capaz

de conter pluralidade de significados, multivalência. Utilizando os recursos do português

(algumas vezes, de inegável vertente popular) e os pressupostos do Concretismo, vai criando

“portmanteau” e jogos sonoros, para enfrentar o desafio de tornar a linguagem cada vez mais

distanciada da linguagem referencial. Ele investe na palavra exata para dar corpo ao mistério.

entre a água e o chá desab rocha o maracujá (Leminski, 2006, p. 124)

Page 53: Leminski: Linha Mínima

53

Para explicitar a idéia de que é o intervalo, a interrupção, o momento do surgimento de

algo inesperado, reporta-se à postura zen da Cerimônia do Chá, utilizando os traços estético-

estruturais da poesia concreta. Contrastando e interagindo com o branco da folha do papel, as

palavras são dispostas para sugerir a interrupção. Ao romper com a integridade da palavra, a

fragmentação cria novos signos: o verbo “desabrochar”, ele próprio fragmentado, passa a

apontar para o verbo “desabar”, como se ocorresse, no próprio signo, o desmoronamento. Há,

pois, um contraste com o substantivo “rocha” (sugerindo solidez, firmeza), apontando para a

idéia de que é no momento do desabamento das certezas que nasce a iluminação – o maracujá.

O fruto, genuinamente nacional, surpreende: sua casca mais esconde que revela seu conteúdo.

Ele é o símbolo do acaso que surge; e, nesse momento, nasce o poema, porém ele está ligado

à elaboração formal, à exatidão.

Italo Calvino considera três fatores para definir exatidão:

1) um projeto de obra bem definido e acabado;

2) a evocação de imagens visuais nítidas, incisivas, memoráveis;

3) uma linguagem que seja a mais precisa possível como léxico e em sua capacidade

de traduzir as nuanças de pensamento e da imaginação. (CALVINO, op. cit., p. 71-2)

Na escrita do poeta Paulo Leminski, é possível encontrar cada um desses elementos

que Calvino elencou como definidores de exatidão. O primeiro deles, já foi abordado neste

trabalho. Suas cartas, seus ensaios e sua poesia convergem para um mesmo projeto:

desestabilizar a lógica ocidental cartesiana e, a partir da linguagem, criar uma outra lógica.

Tida Carvalho, escrevendo sobre Catatau, enfatiza que o romance-idéia põe Descartes diante

de um “novo mundo”, a fim de desconsertar o filósofo e de submeter a sua lógica à pressão

dos trópicos. Nesse novo clima, a razão perde a supremacia, e o corpo, em relação com a

natureza, passa a ser o centro irradiador da reflexão: “(...) nesse império dos sentidos e da

percepção, a reflexão não é um evento que ocorra no pensamento, mas é um ato corporal”.

(CARVALHO, op. cit., p. 64)

Do mesmo modo que o contato com os trópicos, com a natureza, resgata o corpo do

ostracismo a que estava relegado no pensamento cartesiano e inaugura uma nova forma de

pensar no filósofo da razão, a obra de Leminski quer criar, no leitor, um rompimento com essa

lógica e privilegiar, no ato da reflexão, não apenas a razão, mas espaço, corpo e mente.

Num momento em que se apregoava o esvaziamento das formas, a poesia concreta

colocou uma solução possível para esse problema formal: a materialidade da linguagem.

Leminski apropria-se desse conceito para criar um projeto de obra voltado para uma atitude

política e filosófica, de produção poética, na qual o intuito de dizer o máximo com o mínimo,

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reveste uma proposta de contestação da sociedade burguesa. Ele se insurge, claramente,

contra a pobreza do pensamento conceptual e a tirania do mundo das palavras, quando

assume, em um ensaio, o projeto de criar um “inutensílio” (LEMINSKI, 1986, p. 98),

conforme bem define Fabrício Marques (2001, p. 65):

[...] talvez seja possível compreender esta poética do inutensílio não apenas como simples oposição a um dado sistema de produção (no caso o capitalismo, desde suas formas primitivas até as mais avançadas), mas como uma atitude de resistência que se manifesta em níveis variados (político, estético, ético): do plano da linguagem (recusa do poema em virar mercadoria) até o plano existencial.

Ainda que da margem, o poeta insere-se na sociedade que o repudia para combatê-la.

Se, no início da carreira, há, em seus poemas, elementos que revelam um engajamento contra

a ditadura militar, então existente no Brasil, aos poucos essas marcas vão se desvanecendo e

mostrando que o projeto político ao qual Leminski se dedica é muito mais amplo.

No plano estético, o poema leminskiano persegue o acaso, principalmente quando se

revisita, reescrevendo seus textos, sejam eles poemas oriundos de cartas, de ensaios ou de

outros poemas, sempre para encontrar a palavra exata e, com ela, criar um clima, um ritmo.

Ler pelo não

Ler pelo não, quem dera! Em cada ausência, sentir o cheiro forte do corpo que se foi, a coisa que se espera. Ler pelo não, além da letra, ver, em cada rima vera, a prima pedra, onde a fortuna perdida procura seus etcéteras. Desler, tresler, contraler, enlear-se nos ritmos da matéria, no fora, ver o dentro e, no dentro, o fora, navegar em direção às Índias e descobrir a América. (Leminski, 2006, p. 87)

O poeta deseja encontrar uma outra letra capaz de suscitar novas leituras, capaz de

representar a ausência, o vazio, o intervalo, mas, também, de promover uma leitura para além

daquilo que a letra mostra em seus aspectos estruturais (rima vera) e de desnudar o obstáculo

que ela representa (prima pedra). Na materialidade da palavra, ler o não dito (desler), ler

novamente (tresler), encontrando sempre novos sentidos (contraler), envolver-se na palavra,

percebendo interioridade e exterioridade (dentro/fora) e, nessa relação com a palavra, ser

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surpreendido pelo acaso (navegar em direção as Índias / e descobrir a América). No caminho

em busca de uma terra antiga, já conhecida, mas que ainda guarda seus mistérios, fazer um

desvio programado e exploratório e ser surpreendido por um novo mundo.

Quando o ideograma chamou a atenção, primeiramente da vanguarda européia e,

posteriormente, dos concretistas, foi por sua característica de apelo à comunicação verbal na

qual forma e conteúdo são unidades indissociáveis, conseguindo grande carga expressiva.

Essa característica do ideograma vinha ao encontro dos anseios dos poetas concretos que

visavam ao elemento lingüístico mínimo, mas carregado de múltiplas significações.

Para atingir esse objetivo, Leminski processa um constante embate com a linguagem

que, segundo Calvino (op. cit.), oscila entre dois pólos: a potencialidade de dizer sempre mais

e a incapacidade de dar conta de todas as experiências humanas vividas. Esses dois pólos da

palavra passam a ser uma preocupação constante do poeta e surgem como temática, por

exemplo, em “Nomes a menos”:

Nome mais nome igual a nome, uns nomes menos, uns nomes mais.

Menos é mais ou menos, nem todos os nomes são iguais. Uma coisa é a coisa, par ou ímpar, outra coisa é o nome, par e par, retrato da coisa quando límpida, coisa que as coisas deixam ao passar. Nome de bicho, nome de mês, nome de estrela, nome dos amores, nomes animais, a soma de todos os nomes, nunca vai dar uma coisa, nunca mais. Cidades passam. Só os nomes vão ficar. Que coisa dói dentro do nome que não tem nome que conte nem coisa pra se contar? (Leminski, 2006, p. 41)

O poeta especula a combinação das palavras, primeiramente, a partir de um conceito

matemático: a soma, que aponta para a idéia tradicional de que o texto é uma soma de

palavras. Contudo, a simples reunião dos nomes não é suficiente para dar conta da

complexidade da palavra. Isso porque, na sintaxe, trava-se uma luta contínua entre a

linguagem e o pensamento: o processo de tradução do real não é totalmente transparente, nem

mesmo na linguagem referencial, na qual o objetivo do texto é a clareza daquilo que diz.

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56

Embora sirvam para descrever os seres, as palavras transcendem ao seu valor

referencial. Através da linguagem, sempre se diz mais ou menos do que o pretendido. Usando

vocábulos altamente generalizantes (nome, coisa), o poeta constrói a idéia de que é impossível

generalizar a palavra. Se a soma não soluciona o conflito com a palavra, a subtração

(concisão, rarefação) também não consegue fazê-lo. O poeta conclui, na primeira estrofe, que

há uma ilusão de transparência do signo e constata, na segunda, que a palavra – signo

arbitrário – não traduz o mundo extralingüístico; mas há a indicação de que, no texto escrito,

as coisas ou parte delas têm sua permanência garantida.

Na terceira estrofe, os nomes recebem uma especificação (de mês, de estrela, dos

amores); no entanto, nem assim as palavras conseguem expressar plenamente a vida, porque

elas são produtos culturais humanos, não são naturais como as coisas. E, na última estrofe,

surge um substantivo mais específico (cidades). Na força de sua referencialidade, o poeta

aponta que as cidades e tudo o mais que elas contêm são transitórios, porém sugere que as

mesmas palavras que não podem dar conta do vivido têm uma permanência indefinida,

porque não podem ser reduzidas às funções sintáticas e semânticas que lhe foram designadas

pelas convenções sociais. E por fim, ele chega à poesia, concretizada no poema, na qual a

forma e conteúdo são indissociáveis. Na arte poética, a palavra não cumpre nenhuma função

prática, entretanto é no seu arranjo inédito que todos os nomes pulsam e expressam o

indizível.

Na precisão indefinida da escrita ideogrâmica, no trabalho com a materialidade da

palavra, seja por uma vertente concretista, seja por uma vertente popular do português do

Brasil, Leminski vai buscar a exatidão para que a linguagem se abra a significações múltiplas,

dissolva o racionalismo burguês e imponha uma nova (des)ordem. Essa estratégia é percebida

nos títulos de vários poemas de Distraídos venceremos (“A lei do quão”, “Minifesto”,

“Administério”), nos quais as palavras foram cruzadas para criar um efeito polissêmico e

definir, de modo preciso, uma idéia.

O segundo elemento da exatidão calvina é “a evocação de imagens visuais nítidas,

incisivas, memoráveis.” É Toninho Vaz (op. cit.) quem dá uma pista que elucida a razão desse

elemento ser tão presente e acessível ao leitor na poesia do “bandido que sabia latim” quando

relata que o poeta, em 1972, abandonou a carreira de professor e começou a trabalhar, como

redator, na agência Lema Publicidade. Tal contato com a publicidade o fez absorver

estratégias da escrita publicitária, principalmente no que se refere à projeção de imagens

marcantes, utilizando uma linguagem concisa, para que o consumidor seja rapidamente

atingido.

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57

Em entrevista publicada na década de 80, o poeta esclarece esse trânsito entre poesia e

publicidade: “Tenho certas exigências que repasso como criador de publicidade e criador de

poesia, que são as mesmas. Sou incapaz de usar uma palavra a mais. A busca da síntese para

mim é fundamental.” (LEMINSKI apud MARQUES in DICK & CALIXTO, op. cit., p. 185).

A escrita leminskiana, desde o início de sua trajetória, apresentava um pendor para a

escrita minimalista, uma crença no texto curto e provocativo. No entanto, quando o poeta

abandona a carreira de professor, em 1972, e inicia a de redator, a evocação de imagens

visuais tornou-se, certamente, mais forte na sua poética. Apropriando-se da habilidade dos

publicitários de criar apelos visuais emblemáticos que se fixam na memória do consumidor,

surpreendendo e tocando o imaginário, suscitando emoções e desejos, o poeta passa a utilizar

as mesmas “armas do inimigo” para subverter essa noção consumista de que tudo é

mercadoria. Por isso, cria poemas. Em que pese a constatação que essa característica já fazia

parte de sua escrita antes de ele ingressar no mundo da publicidade, certamente, essa atividade

contribuiu para torná-la mais consistente.

Traço constante, a evocação de imagens visuais ganha uma parceria com os desenhos

de João Suplicy em Winterverno, “portmanteau” de winter (do inglês) e de inverno. Ou seja,

são dois invernos que se unem e formam um só, mas cada um deles guarda, em si, suas

origens. Winterverno pode ser considerado um livro de haigas – poemas à moda oriental, que

dialogam com desenhos. Texto e desenho têm vida simbiótica, assemelhando-se, às vezes, aos

outdoors, numa intersemioticidade explícita. Contudo, os poemas prescindem dos desenhos

para que seja formada uma imagem que suscita a imaginação do leitor. Prova disso é que

alguns dos poemas fazem parte de livros publicados antes de Winterverno. As circunstâncias

em que foram produzidos os textos e os desenhos – Suplicy e Leminski desenhavam e

escreviam em mesas de bar – dão margem à interpretação de que Leminski captava as

imagens que o rodeavam e as transportava para o papel, sem perder um certo espírito

marginal de descompromisso, como deixa transparecer o posfácio escrito por João Suplicy.

“1988 – época em que, acompanhados por números-símbolos, duplos infinitos, endossávamos alguma coisa vinda do acaso. Éramos conduzidos por um moto-contínuo, diluídos em alguma criação, pressionada talvez por ímpetos nascidos nas décadas de 60/70.” (SUPLICY in LEMINSKI & SUPLICY, 2001b)

Todavia, a urgência de viver e de “pegar o momento que passa” de João e de Paulo não

anula a preocupação com a exatidão, e os artistas criam um objeto estético no qual texto e

desenho convivem sem se anular ou, como diz Alice Ruiz, “João soube criar ressonâncias

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entre a imagem e a palavra sem que uma interferisse na outra.” (RUIZ in LEMINSKI &

SUPLICY, 2001b) No livro, os universos diferentes e unidos não se agridem nem se excluem.

Convivem, num viver com harmonioso e belo.

Os textos de Winterverno trazem o olhar certeiro do ex-publicitário, aliado ao olhar

perspicaz do poeta para a realidade, apresentando o inusitado presente no cotidiano, a beleza e

a força de um momento que não se repete.

acabou a farra formigas mascam restos da cigarra (Leminski, 2001b)

Como não criar, a partir desses versos, a imagem da alegria, do descompromisso da

cigarra – símbolo criado e imortalizado pela fábula de La Fontaine – sendo subjugados pela

disciplina repressiva da formiga?

Como não evocar a solidão e a saudade, presenças dentro de uma noite que tudo

envolve?

a noite – enorme tudo dorme menos teu nome. (Leminski, 2001b)

Ao ler os versos, imediatamente, o leitor mergulha na imaginação e cria as imagens

sugeridas pelo poema.

O terceiro elemento – uma linguagem precisa – foi perseguido com a utilização de

recursos oriundos de diferentes vertentes. Da poesia concreta, utilizou a ludicidade da palavra,

em seu aspecto combinatório e anagramático, e o espaço gráfico como agente estrutural,

rompendo com a linearidade da palavra. Do Simbolismo, resgatou a musicalidade – seu

interesse por esse tema aparece marcantemente na biografia que escreveu de Cruz e Souza. Da

publicidade, desenvolveu os trocadilhos. Da linguagem coloquial brasileira, o portmanteau.

Da poesia marginal, o jogo de palavras. Todos esses elementos se unem na composição do

poema.

amar é um elo entre o azul e o amarelo (Leminski, 2004, p. 129)

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Dentro da palavra “amarelo”, há o verbo “amar” e o substantivo “elo”. E, da junção

destas duas cores primárias, azul e amarelo, surge a cor verde, símbolo de esperança, de vida.

A palavra exata, precisa, não implica o seu esgotamento. Quando o poeta escolhe uma

palavra e a coloca em determinada combinação para criar uma imagem, não tem a intenção de

eliminar a indeterminação que ela pode/deve conter. Ele quer apenas combater a

pausterização a que vem sendo submetida a linguagem pelo uso cotidiano e que, muitas vezes,

não deixa espaço à imaginação nem a traços de memória. Sabendo ser impossível abarcar a

complexidade da vida através da palavra, coloca “la vie en close” a fim de perceber, nessa

aproximação, o detalhe imperceptível a olho nu. O poema atinge uma exatidão fundada no

pequeno detalhe, e, desse mínimo indispensável, nasce uma pujança. Nas coisas pequenas,

frágeis, irregulares, a palavra aponta a complexidade. Pela palavra, o poeta estabelece uma

total interação com as coisas, respeitando o silêncio, o vazio e a emoção que há em sua

mudez. Ao perseguir o indizível, através da exatidão, o mínimo ganha significado na infinita

relação entre os signos.

verde a árvore caída vira amarelo a última vez na vida (Leminski, 2002, p. 76)

O amarelo ressurge na imagem da árvore caída. O que era vida (verde) “vira amarelo”

– cor que, embora contenha o verbo “amar”, conota desespero, angústia, vida que se esvai e se

transforma. Eis uma exatidão que não descarta um certo mistério. No seu desejo de registrar o

momento presente, sem descartar o que ele tem de eterno, o poeta adota a postura do

modernismo, movimento que já havia superado o hiato entre conhecimento e experiência e

expressara a intenção de povoar a consciência com experiências. Essa característica revela a

interdependência existente entre esses dois elementos. Além disso, explicita que a convicção

da separação entre eles é apenas um produto de uma das versões das formas de conhecimento

humano. Desse modo, a necessidade de distanciamento do objeto para poder compreendê-lo

não é real: é apenas fruto do nosso modo de tentar apreender o objeto. Assim, Leminski

promove uma aproximação tão intensa que será capaz de destacar o pequeno detalhe

fundamental.

[...] a obra literária é uma dessas porções mínimas nas quais o existente se cristaliza numa forma, adquire um sentido, que não é nem fixo, nem definido, nem enrijecido numa imobilidade mineral, mas tão vivo quanto um

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organismo. A poesia é a grande inimiga do acaso, embora sendo ela também filha do acaso e sabendo que este em última instância ganhará a partida [...]. (CALVINO, op. cit., p. 84)

A poesia de Leminski oscila entre atingir a exatidão de modo racional e revelar o

aspecto sensível das coisas de maneira espontânea. Para ele, a exatidão é mãe e filha do acaso.

Sem se deixar levar pelo que é vago, indefinido, alheio, não seria possível ser exato. Mas,

para apreender a coisa vaga e indefinida, é necessária rigorosa construção.

A escolha lexical é uma de suas estratégias. Escolhendo palavras, vai criando efeitos e

conotações. Com relativa freqüência, o poeta revisita seus escritos e reescreve poemas, porque

há a insatisfação com o texto produzido e persiste a sensação de que a palavra escrita não é a

exata. Afinal, “[...] para o poeta moderno, a tradição que interessa é aquela que, traduzida,

implica o desbravamento de novas possibilidades de utilização da linguagem da poesia.”

(BARBOSA, 2005, p. 14)

É nesse sentido que Leminski “traduz” o haicai para o português, criando a partir de

sua estrutura. O modo pelo qual Leminski leu e consumiu os textos japoneses indica a

intenção de fundi-los à sua experiência pessoal, de realizá-los com matizes brasileiros. A idéia

de integrar, no haicai, duas culturas, surge, explicitamente, no título do livro que escreveu

com Alice Ruiz: Hai Tropicais (1985).

O contato com os poetas concretos, provavelmente, foi o propulsor dessa idéia em

Leminski, pois o ideograma trouxe importantes contribuições para a poesia concreta, devido

ao seu apelo à comunicação não-verbal. Do ideograma, a poesia concreta concebeu o poema

objeto por si mesmo, o qual comunica a sua estrutura, ou seja, uma estrutura-conteúdo.

Fortalece-se o conceito de que o poema não se refere a objetos externos. Seu material é a

palavra em todas as suas acepções (som, forma visual, carga semântica, estrutura

morfológica). A poesia concreta estabeleceu uma estreita relação com a escrita que utiliza os

ideogramas (primeiramente a chinesa, depois a japonesa) porque nela não existe a sintaxe das

línguas alfabéticas – mecanismo formal de articulação entre os termos de uma língua, como

condição para a formulação e transmissão de significados. A sintaxe que existe no chinês e no

japonês é exclusivamente relacional: ocorre baseada na ordem das palavras. Os concretistas

utilizavam essa característica da língua japonesa, para, numa língua fonética, ter uma

liberdade maior na disposição das palavras no papel e fazer dessa estratégia uma das peças-

chave do trabalho com a materialidade da palavra.

Mesmo compartilhando desses pressupostos concretistas, Leminski revê algumas das

posições teóricas adotadas por eles. O excesso de racionalização é uma delas, pois o autor

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considera que, às vezes, ao invés de abrir, fecha opções, podendo ser uma amarra à sua

vontade de transcender o racional. Se o poema é um “organismo estético” que funda uma

nova significação, não pode estar preso a nenhuma “norma”. Reagindo contra essa postura

excessivamente racionalista, em seus poemas a espacialização da palavra é também silêncio,

reafirmando a independência da criação artística.

Convicto de que o mundo é um grande texto que se oferece à leitura, enfrenta o

desafio de “desler” ou “tresler” esse texto, criando uma outra letra, em estado nascente, em

primeiridade. E as palavras, em suas combinações novas, geram novas significações. A

palavra exata expressa, pois, a percepção, a experiência, sem perder de vista que ela é uma

pequena parte de um todo complexo e cheio de possibilidades provisórias. Não há verdades

absolutas, só a verdade daquele momento, porque “há fenômenos diários que, apesar de sua

freqüente incidência, oferecem uma entrada mínima para o entendimento”. (LIMA, 2002a, p.

47) Enquanto, nos textos referenciais, a sintaxe é utilizada para se alcançar clareza da

mensagem; na poesia, rompe-se com o “império da semântica”, no qual o sentido está posto e

revelado. O texto não se oferece para uma decodificação imediata e, nesse momento de

desorientação, o foco passa a ser a sintaxe. Nesse intervalo, acontece a ressignificação da

palavra.

Na verdade do momento, estão os fatos belos que provocam a contemplação e a

iluminação zen. O haicai, transportando esses momentos de beleza para a arte, provoca sua

ressignificação, mas ela só acontecerá se leitor e autor tiverem se permitido o apagamento da

subjetividade.

“A suspensão propiciada pelo realce da sintaxe significa a oportunidade de uma proto-

idéia, passível ou não de germinar. Caso ela fecunde, o resultado não será uma repetição da

ocupação semântica prévia.” (LIMA, op. cit., p. 49)

morreu o periquito a gaiola vazia esconde um grito (Leminski, 2004, p. 133)

O pequeno poema japonês dividido em três versos desperta uma emoção estética

através da sugestão. É uma poesia que prevê e aceita a presença do leitor para que sua

completude ocorra. Por sua própria natureza incompleta, o haicai contém uma interrogação,

exige uma complementação e desnuda-se como parte, como algo inacabado. Sua essência é o

inacabamento. O fato de declarar-se incompleto faz com que esse poema guarde, em si, uma

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potência de virada. Desprendendo-se do texto, o sentimento já não está nele, mas no leitor,

inaugurando um momento de abertura e de liberdade. Se ele nos decepciona por sua

“pobreza” e “imperfeição”, desafia-nos em sua ambigüidade, ao conciliar clareza e

obscuridade, saber e ignorância, visível e não-visível, razão e emoção. Assim, a proto-idéia

que há no poema depende do leitor para ser desenvolvida.

Entre a linguagem da poesia e o leitor, o poeta se instaura como operador de enigmas, fazendo reverter a linguagem do poema a seu emitente domínio: aquele onde o dizer produz a reflexividade. Parceiros de um mesmo jogo, poeta e leitor aproximam-se ou afastam-se conforme o grau de absorção da/na linguagem. (BARBOSA, op. cit., p. 14)

Se há um jogo entre escritor e leitor, somente a palavra exata permite que isso ocorra

em sua plenitude. Ela prende, aturde, assusta, mas também provoca o leitor a ler, reler,

“tresler”, exigindo dele uma constante decifração/recifração, porque os significados, não mais

construídos para a clareza e objetividade, são reversíveis.

Nele, o poeta encobre-se e revela-se. “A palavra (pelo menos a que interessa: a escrita)

desnuda, sem retirar o véu, e às vezes, ao contrário (perigosamente), encobrindo – de uma

maneira que não se cobre nem descobre.” (BLANCHOT, op. cit., p. 69). Sendo operador da

linguagem em sua função poética, cuja principal característica é o uso da palavra em sua

ambigüidade, o poeta está envolto em um véu que revela encobrindo. Sua palavra vai e volta,

vira-se para todos os lados. A linguagem não oferece transparência imediata: sua polivalência

encontra-se no jogo possível das imagens utilizadas pelo poeta.

Blanchot observa que a palavra “verso”, em francês, além de nomear as linhas do

poema, também é uma preposição que indica “em direção a”. Em português, ocorre um

fenômeno semelhante: o vocábulo tem a primeira significação idêntica a do idioma francês,

mas também significa “página oposta a da frente” ou “face interior das folhas dos vegetais”.

Ou seja, o termo aponta para algo que está em posição contrária, oposta, podendo sugerir que

a poesia é o inverso da linguagem referencial. Ela é uma “anomalia da linguagem”. Enquanto

a prosa pretende exibir uma continuidade, expressa em sua forma de linha contínua; a poesia

tem como forma o verso – linha interrompida. Diferentemente da prosa, a poesia faz da

interrupção sua aliada na tarefa de libertar a linguagem; o poema desvia-se, volta-se para si,

mesmo que para isso a linguagem seja colocada em xeque.

Na poesia, o duplo poder da linguagem – eternização e transformação – potencializa-

se. Ao nomear, tanto a palavra eterniza o ser quanto o transforma em outra coisa – objeto-do-

discurso. O objeto sai do mundo sensível e passa a se constituir em parte do mundo textual.

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Utilizando os recursos da linguagem para descrever fatos corriqueiros e cotidianos, o

haicai expõe a possibilidade de vê-los por um outro ângulo, encoberto por nossa visão do

mundo sensível. Por isso, ele é um momento de iluminação no qual o presente não-acessível

torna-se reinventável. Nessa possibilidade, reside a potência do real presentificado: tanto ele é

quanto pode ser. É nesse jogo de possibilidades que se instaura a relação com o desconhecido,

com o outro.

O poema, por sua natureza incompleta, coloca em contato o eu e o outro; porém, é um

contato repleto de estranhamento. O outro não é o reflexo do eu nem há a intenção de se unir

a ele, formando um todo. Existe, ao contrário, a percepção da distância que os separa e os une

pela poesia. O poema é, pois, “palavra não unificadora, aceitando não ser mais passagem ou

ponte, palavra não pontificante, capaz de ultrapassar as duas margens, que o abismo separa,

sem preenchê-lo e sem reuni-las” (BLANCHOT, op. cit., p. 135). A afirmação de Blanchot

acerca da interrupção é extensiva ao haicai, devido ao seu caráter de inacabamento. Essa

forma poética é uma interrupção voluntária.

Do mesmo modo que o haicai leminskiano une sem unir leitor e escritor, ele une a

cultura brasileira à japonesa sem realmente uni-las, porque, permitindo a troca, mantém a

ambigüidade, as diferenças que as separam. Talvez por isso, consciente da distância que o

separa da cultura japonesa, Leminski não tenha sido fiel a estrutura desse tipo de poema. Os

poemas curtos carregados de musicalidade e de sentidos, como se fossem relâmpagos

iluminando e atingindo o leitor, são utilizados contra o racionalismo linear. Para ele, o haicai

pode ser ponto de partida ou ponto de chegada para sua poesia, principalmente devido ao

aspecto de poesia participativa, porque ela “tem que existir nos dois pólos: no emissor e no

receptor”, como, também, afirmou em entrevista ao jornal Estado de São Paulo, em outubro

de 1986: “Quem sabe ler bem poesia é tão poeta quanto quem escreve.” (LEMINSKI apud

ASSUNÇÃO). Ele quer uma poesia que envolva o leitor, pois é na relação poema/leitor onde

ocorre a verdadeira poesia.

Só a obra aberta (= desautomatizada, inovadora) engajando, ativamente, a consciência do leitor, no processo de descoberta/criação de novos sentidos e significados, abrindo-se para sua inteligência, recebendo-a como parceira e colaboradora, é verdadeiramente democrática. (LEMINSKI, 1986, p. 72)

Na entrevista e no ensaio, Leminski desvela-se um defensor incondicional da poesia

no mundo moderno como antídoto contra a desumanização, o materialismo e o autoritarismo,

que vêm privando os homens de uma real convivência. Por outro lado, conforme afirma

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Schlegel (1997, p. 65), o poeta não suporta nenhuma lei sobre si, porque a essência da poesia

é o devir, ou seja, é o vir a ser, jamais ser de maneira perfeita e acabada; logo, ela é infinita e

livre, está acima de toda lei. Isso equivale a dizer que a poesia, como indagação

desestabilizadora, mantém viva a possibilidade de um mundo em que exista interação entre

todos os elementos que o compõe.

O haicai é o símbolo desse espaço de interação entre o homem e todos os seres do

universo. Sua fragmentação e incompletude não são sintomas de incompetência intelectual

para encontrar a palavra exata: indicam, ao contrário, uma profunda coerência com a

convicção de que, se a lógica exige a continuidade, aquele que deseja romper com a lógica

deve romper com a forma contínua. Esse problema está no centro das inquietações de

Leminski.

Alguns de seus poemas, mesmo sem manter qualquer semelhança com a estrutura do

haicai, revelam essa inquietação e desafiam o leitor.

ali só ali se se alice ali se visse quando alice viu e não disse se ali ali se dissesse quanta palavra veio e não desce ali bem ali dentro da alice só alice com alice ali se parece (Leminski, 2002, p. 30)

A arquitetura do poema explora a sonoridade do substantivo “Alice”. Ao fragmentar o

nome, surgem novas significações, pois dele são desentranhados o advérbio “ali” e a

conjunção “se”. Essa ruptura é indispensável à criação poética para que ela possa livrar-se das

convenções da continuidade. A fragmentação e a descontinuidade dão à poesia uma forma de

reflexão menos arbitrária que a prosa, fazendo-a expressar, de maneira mais direta e imediata,

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razão e emoção – forças indivisíveis na humanidade. O poema, com sua forma peculiar, seria

uma tentativa de simbolizar a própria vida – espaço onde tudo está em associação e não se

dissocia em momento algum. Se é um poema dedicado a Alice Ruiz, é também uma

homenagem à personagem de Lewis Carol. Assim como na narrativa de Carol, o poema

desfaz as conexões usuais da linguagem e provoca o estranhamento textual. Para ressignificá-

lo é preciso repensar a linguagem. Nesse jogo com os significantes, está implícita a própria

existência: Alice, mesmo fragmentada, perdida no país das maravilhas ou no país dos

espelhos, deve encontrar sua própria essência.

Entre o poeta e a palavra exata interpõe-se, contudo, a estrutura da linguagem (“quanta

palavra / veio e não desce”): suas possibilidades inovadoras, seus limites, causando uma

tensão entre o sujeito e seu objeto. E o leitor, obrigado pela estrutura do poema a percorrer os

caminhos ocultos das imagens, não se conserva à margem do texto: a sua inclusão é parte do

exercício da linguagem empreendido pelo poeta. Mesmo sendo uma expressão do poeta, o

poema exige uma decodificação do leitor que, ao mesmo tempo, elide e revela sua

subjetividade. Ou seja, a objetividade da leitura afasta o centramento no eu, mas o grau de

compreensão do texto passa pela experiência do leitor, por sua subjetividade.

Ao ter seus vínculos com a realidade diluídos, o texto poético contém um processo de

interrupção do sentido que lhe dá o poder de desdobrar-se em significações, em diferentes

leituras da realidade. A composição, por suas particularidades, abarca as variadas respostas

existentes a partir dos estímulos da experiência cotidiana. Essa postura de Leminski rebela-se

contra o autoritarismo das respostas oferecidas ao longo da história pela ciência, pela

Filosofia e até mesmo pela arte, quando uma forma de ver a realidade quer anular a outra.

Outros poemas guardam o perfume da poesia japonesa, e o conteúdo filosófico do

haicai torna-se uma presença viva; porém, o contato com a cultura oriental não pretende

anular nem substituir a do poeta. Por isso, atrelada à objetividade descritiva do haicai, há uma

subjetividade pulsando.

duas folhas na sandália o outono também quer andar (Leminski, 2002, p. 71)

No momento da descrição, o sujeito elide-se para que a contemplação flua livremente,

porque, naquele instante, ele é apenas a visão. Entretanto, ele reponta no uso da exatidão,

recoberto pela linguagem no instante da iluminação. Na parte descritiva, o olhar fixa-se em

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coisas leves e cotidianas e observa a realidade circunstancial de forma quase fotográfica:

“duas folhas na sandália”; na seguinte, desponta a surpresa, a percepção de que natureza e

homem estão em constante ir e vir, em movimento contínuo.

Embora os poetas concretos tenham pregado a morte do verso e, com ela, a morte da

rima, Leminski nunca abandonou esse recurso e fez dele uma importante característica para

encontrar a precisão da palavra ou para dar-lhe a precisão que desejava.

relógio parado o ouvido ouve o tic tac passado (Leminski, 2002, p. 73)

Aqui, a presença das rimas “parado/passado” estabelece a idéia de que o passado é,

para alguns, algo estático, imóvel. No entanto, o ouvido ainda não perdeu os ecos do passado,

que ressoa, compõe o hoje, enriquece-o. O passado apresenta-se, no poema, como a matéria-

prima do presente, não podendo ser, portanto, esquecido nem silenciado. Ele é uma presença-

ausência que não pode ser descartada pelo agora. O relógio é um símbolo que representa,

metonimicamente, a passagem do tempo; logo, o fato de ele estar parado, mas ainda ressoar o

seu tic tac, implica que não é possível conter a vida apenas no momento presente.

Nos haicais de Leminski, há o que Octavio Paz (op. cit.), ao referir-se aos textos de

Bashô, chamou de “calma alerta que nos torna leves”. Em ambos, Bashô e Leminski, a leveza

não é alienação nem distanciamento da realidade através de um mergulho num mundo

imaginário. Seus textos não são mera distração, fruição estética. Embora o principal objetivo

da arte não seja a comunicação, isso não significa que a poesia não possa prestar um serviço

crítico à sociedade em que está inserida. Na obra de Leminski, essa função social da obra

poética realiza-se principalmente porque o poeta viveu em uma época em que, no ocidente, se

passava por profundas transformações políticas e sociais (Guerra Fria, rebelião estudantil na

França, pílula anticoncepcional, sociedades alternativas) e, especificamente no Brasil, havia o

agravante da ditadura militar. Por isso, ele utiliza-se da experiência estética para retirar o peso

da experiência cotidiana. Num esforço para atingir a exatidão plena de leveza, Leminski

utiliza o descompromisso marginal e a ironia sugerida pelo haicai em sua origem – ironia

permeada de leveza.

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confira tudo que respira conspira (Leminski, 2002, p. 16)

O texto ilustra que, no início da carreira do poeta, havia o dever imperativo de

representar a época que o Brasil vivia (ditadura, repressão), porém, mesmo nos “anos de

chumbo”, sua escrita é ágil, leve. Contra o medo imposto pelo regime militar, Leminski, como

outros de seu tempo, responde com a ironia, com o deboche. O poema traz a marca de um

jovem poeta que se insurgia contra a repressão, a castração, o autoritarismo. Utilizando a

aliteração nos vocábulos “confira” / “respira” / “conspira”, ocorre a transposição do

significado de um passando pelo do outro, acumulando e desencadeando conotações. Respirar

e conspirar tornam-se ações contingentes, inseparáveis. Esse recurso concentra um poder de

visualização e abre um leque de conotações.

O isolamento do verbo “conferir” causa um certo suspense, por estabelecer um

intervalo com o que vai ser dito em seguida. Daí surge a ironia que desafia o autoritarismo no

seu desejo de conter todas as “conspirações subversivas” contra o regime totalitário que

estava no poder. Respirar e conspirar comunicam-se graças às impressões sonoras do

significante, e o significado deixa de ser unívoco para ganhar múltiplas dimensões, que

alargam a rede de conotações do signo. Aproveitando a semelhança fônica entre os dois

significantes, bem a moda da poesia marginal, Leminski sugere que o ato de conspirar é tão

inerente aos seres quanto o ato de respirar.

Sem dúvida, é preciso estabelecer através desses recursos uma relação com o momento

político que vivia o país, ou seja, há um dado histórico, extralingüístico. Embora seja possível

extrair do poema seu contexto histórico, ele também o transcende, ao apontar que a própria

existência é uma forma de conspirar contra a morte. Dessa forma, a associação de vocábulos

com constituição sonora semelhante permite a correlação entre seus significados. De um

momento de dureza, ele constrói um poema leve em sua estrutura: “(...) a leveza é algo que se

cria no processo de escrever, com os meios lingüísticos próprios do poeta, independentemente

da doutrina filosófica que este pretenda seguir” (CALVINO, op. cit., p. 22).

A leveza caracterizada por Calvino pode ser encontrada em muitos poemas de

Leminski: são levíssimos, estão em movimento, são vetores de informação. É uma leveza

revestida de precisão e objetividade. Há a “gravidade sem peso” a que se refere Calvino (op.

cit.). Contra o peso da realidade, ele reage com o humor. Para suportar o fardo de viver em

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um país que estava sob o jugo de uma ditadura militar, para driblar a repressão, a saída era a

imaginação, o humor, a leveza.

entro e saio dentro é só ensaio

(Leminski, 2002, p. 16)

O poema acima faz parte de Caprichos e relaxos e foi considerado como setentista no

prefácio escrito por Fred Góes e Álvaro Marins para o livro de Paulo Leminski, da coleção

Melhores poemas. Nesse prefácio, os autores advertem que, embora haja “o estalo

momentâneo da poesia marginal”, os poemas de Leminski já se distanciavam da poesia

marginal. O texto já demonstra o objetivo perseguido pelo poeta: a concisão na qual uma

palavra contém a outra e dá origem a uma nova informação, sem descartar a leveza. A

disposição espacial do poema sugere uma duplicidade de movimentos.

Na primeira parte, ocorrem os movimentos de entrar e sair. No entrar, há a idéia de

introspecção do eu-lírico que se volta para si mesmo em busca de um caminho, de respostas.

No sair, há a busca por um mundo externo – que, na poesia de Leminski, resultou na absorção

de muitas tendências, na leitura do mundo por vias diferentes. Na segunda parte, aparece o

retorno, o recolhimento após esse constante ir e vir; e, na terceira, a síntese desses dois

movimentos, expressa no significante “ensaio”. Nessa palavra, estão reunidos fragmentos das

palavras “entro” e “saio”. Todavia, essa síntese só ocorre em uma região (dentro), espaço

onde o externo e o interno se unem, num esforço de convivência, cheio de conflitos. Assim,

surge a palavra “ensaio”, que, semanticamente, aponta para aquilo que ainda não é, algo

provisório, ou seja, para a instabilidade das certezas. Por não crer nas certezas incontestáveis,

livremente ele ensaia, testa diferentes recursos expressivos para atingir a “leveza densa” a que

se refere Calvino (op. cit.). Ora transforma, ora descarta procedimentos poéticos para

encontrar uma saída para o conflito entre o dentro e o fora. Se, na cultura ocidental, interior e

exterior são opostos que se excluem; nas doutrinas orientais, essa oposição é reiterada como

necessária, mas ressaltada como um antagonismo relativo, porque há um momento em que ele

cessa. Para Leminski, a poesia é o espaço de convivência dos opostos no qual eles não se

anulam nem se repelem. Nesse espaço, o poeta faz um exercício de sutileza para que dureza e

leveza sejam partes de um todo indivisível.

Calvino (op. cit.) iniciou as suas propostas pela leveza e talvez pudesse ter terminado

por ela devido à sua abrangência. A essa proposta, ele associou a imagem de um pássaro. A

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mesma imagem é utilizada no Taoísmo para representar a libertação da força da gravidade

que nos prende à Terra. A essa rica imagem, Calvino associou o vôo – caminho seguido pelo

pássaro. O vôo do pássaro não é guiado pela força do vento como o da pluma que vai para

onde o vento a leva. Livrando-se da força da gravidade, o pássaro realiza um vôo leve para

um destino programado. Por isso, a leveza é uma proposta que traz, em seu bojo, a exatidão.

Por outro lado, se fosse leve como a pluma, o pássaro não poderia direcionar seu vôo. Assim,

a leveza nasce daquilo que tem consistência. Provavelmente, ela não existira sem a dureza,

pois foi do sangue da Medusa – monstro que transformava homens em pedra – que nasceu o

cavalo alado Pégaso. Com uma patada, Pégaso fez brotar a fonte de Hipocrene, onde os

poetas iam beber inspiração. Portanto, foi de um ato de violência e da dureza da pedra que

nasceu a leveza da poesia. A leveza sustenta-se, pois, do seu oposto e não pode prescindir

dele, porque ela é uma forma especial, exata e aguda, de encarar o mundo.

Historicamente, a leveza, quando associada à velocidade, apontava para um não

direcionamento, para aquilo que estava ao sabor das forças da natureza. Com os avanços

tecnológicos, porém, a leveza afastou-se do conceito de velocidade, e esta se tornou o maior

símbolo do século XXI, atrelada à idéia de alvo exato.

No final do século XX, a rapidez começou a ser largamente ansiada em todos os

setores da vida: nos transportes, nas tecnologias, nas informações. Todos querem atingir

rapidamente o seu objetivo. Sôfregas, as pessoas passaram a consumir o último lançamento. O

novo atrai, mesmo que as mudanças oferecidas por ele não tragam benefício algum para

aquele indivíduo. O culto à velocidade tem início na vida cotidiana. Ninguém quer esperar.

Tudo é usado/vivido e descartado imediatamente. A rapidez transformou-se em sinônimo de

superficialidade, porque as necessidades são voláteis.

Nascido em uma época em esse panorama surgia, Leminski não se nega a ser um

representante de seu tempo. Sua poesia retrata a consciência poética de que a vida é breve

para recolher tamanha quantidade de informação. O acolhimento do bip, do clip e do chip

como símbolos da modernidade implica aceitar que a rapidez é uma característica

fundamental em todos os setores da vida: não pode ser descartada nem desconsiderada,

inclusive pela arte. Contudo, sua poesia procura destacar-se desse cotidiano, criando reveses

no olhar desatento dos leitores e, assim, procurando interferir nos processos de

despersonificação e de massificação.

Crendo que a poesia deve, sempre, atingir quem a lê, utilizar os recursos que

modernidade oferece não significa negar a tradição. O poeta se propõe a relê-la, revestindo-a

dos elementos capazes de criar uma rapidez explícita no ritmo da linguagem, nas palavras que

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se condensam, na agilidade da mensagem codificada. A escrita leminskiana desnuda que

estamos, irremediavelmente, no mundo da velocidade: não há escapatória; então,

antropofagicamente, o poeta absorve essa característica e utiliza-se dela para reler esse

mundo.

É esse envolvimento no mundo que substancia a rapidez como uma das propostas para

os poetas do terceiro milênio. Leminski não pretende abstrair-se do mundo nem ausentar-se

da realidade. Propõe-se a viver engajado nele, através de uma generosa absorção daquilo que

talvez seja sua maior característica: a rapidez. Absorvendo-a, propõe-se a modificar a visão

petrificada que temos daquilo que nos cerca.

Negar a rapidez é, de certa forma, negar o contexto social em que vive e criar uma

alienação histórica. Ela, por si só, não é um problema da modernidade, contudo pode tornar-se

um problema quando sufoca a imaginação e a liberdade. Por isso, os poemas relampejantes

oferecem ao leitor o prazer e o impacto da compreensão rápida, mas, ao mesmo tempo,

exigem uma atenção à substância poética, que constantemente só é apreendida após algum

tempo de reflexão. Utilizando recursos que acionam a rapidez, coloca o leitor diante de um

texto conciso que o atinge rapidamente, porém causa estranhamento, acompanha-o, excita-o a

perseguir um outro ângulo de visão ou de percepção do dito/lido. Assim, a rapidez a que o

poeta almeja não é a da pressa, é a do impacto. Atento às exigências de seu tempo, Leminski

não se furta de criar poemas cuja estrutura beira ao excesso de simplificação por acolher as

condições contingentes de sua produção, mas que guardam uma centelha de iluminação zen.

Minhas ligações com o movimento concreto são as mais freudianas que se possa imaginar. Eu tinha dezessete anos quando entrei em contato com Augusto, Décio e Haroldo. O bonde já estava andando. A cisão entre concretos e neo-concretos já tinha acontecido. Olhei e disse: são esses os caras. Nunca me decepcionei. Neste país de pangarés tentando correr na primeira raia, até hoje eles dão de dez a zero em qualquer time de várzea que se formam por aí. Só que descobri, depois que há uma verdade e uma força nos times de várzea, nessa várzea subdesenvolvida, que eu quero. A qualidade e o nível da produção dos concretos é um momento de luz total na cultura brasileira, como diz Risélio. Mas eles não sabem tudo. (LEMINSKI apud ÁVILA in LEMINSKI & BONVICINO, 1999, p. 241)

A entrevista esclarece porque um poeta que traz a influência e a marca dos processos

da poesia concreta incorporou os insights da poesia marginal, da linguagem popular e da

linguagem publicitária, criando uma escrita rápida. Seus poemas curtos e rápidos podem se

suceder um após o outro, assemelhando-se às estratégias usadas pelos veículos de

comunicação de massa e, dessa forma, sugerindo o dinamismo do mundo contemporâneo. A

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poesia ganha as ruas e é dessacralizada. O poeta tenta encontrar novas formas para ler um

mundo caótico e movente no qual a vida foi banalizada, tornada trivial. Esse processo provoca

a diminuição do entusiasmo e da surpresa. É um tempo de solidão, no qual não é possível

construir laços afetivos porque tudo é rápido, transitório, exacerbando o sentimento de vazio e

de desesperança. Surge daí o narcisismo, o individualismo, que faz com que as relações sejam

pautadas na superficialidade. Além disso, o ritmo acelerado de todas as linguagens existentes

no mundo moderno está estreitamente ligado ao tempo moderno da indústria, da eficiência, da

metrópole. Essas características da sociedade têm como conseqüência a superficialidade com

que os assuntos são tratados. Para ser entendido de forma rápida, o conteúdo deve ser diluído,

reduzido a sua forma mais estereotipada ou massificada.

Percebendo-se como parte desse contexto, a poesia leminskiana busca unir a essência

do haicai japonês à rapidez trespassada de exatidão e de leveza, a fim de tocar o leitor,

surpreendê-lo e fazê-lo desfrutar de uma “calma alerta” provocada por uma poesia carregada

dos conceitos de silêncio e de minimalismo presentes na filosofia zen. Essa forma de poesia

tanto funcionaria como um antídoto contra o egocentrismo quanto possibilitaria ao sujeito –

acostumado à superficialidade – a contemplação, a observação do detalhe.

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4. O ENCONTRO DOS CONTRÁRIOS

Quero ser o outro e é outro que eu me vejo sentindo que sou eu sem saber quem sou Escrever é sempre uma versão de um texto que nunca se chegou a compor

António Ramos Rosa

Italo Calvino (op. cit.), em sua palestra acerca da multiplicidade, lembra que a

literatura moderna e a pós-moderna têm se empenhado em apresentar as visões pluralísticas

do mundo. Essa ambição já estava presente em Mallarmé, quando ele idealizou Le livre – obra

na qual pretendia reunir todos os livros imagináveis. O escritor ítalo-cubano também expressa

o desejo de que a tendência à multiplicidade – parte da estética modernista – permaneça ao

longo do terceiro milênio. As “enciclopédias abertas” – obras que não se propõem ao

esgotamento – teriam condições de desnudar diferentes maneiras de pensar, explicitando que

não há uma verdade absoluta.

Calvino (op. cit.) aponta que há três tipos de multiplicidade: a multiplicidade

interpretativa, que permite várias interpretações; a multiplicidade polifônica, na qual um texto

apresenta diversas vozes; e a da enciclopédia aberta, que indica uma inconclusão por ser uma

obra fragmentária. Em todas elas, há a busca pela exatidão, que, segundo Calvino, deveria ser

transferida para o próximo milênio: uma escrita breve e densa da qual podem surgir diferentes

interpretações, vozes, conceitos. Embora, na obra de Leminski, haja a presença dos três tipos

de multiplicidade apontados por Calvino, sobressai a multiplicidade polifônica.

O texto de Paulo Leminski tem a marca indelével dessa multiplicidade. Especialmente

em sua poesia, são perceptíveis diversas vozes. Percorrendo as várias análises feitas de sua

obra ao longo dos anos, identificamos que muitas vozes lhe foram atribuídas. Todavia, como

todo trabalho necessita de um recorte, optamos por nos ater àquelas influências explicitadas

pelo poeta num depoimento em 1979 à revista Escrita.

Minha poesia aventureira tem um passado de freira e de puta. No ponto de origem, a empolgação pelo legado heleno-latino. Horacio, Ovídio, Catulo, Clareza e saúde mediterrânea. A descoberta do haiku. Síntese e vazio zen. O encontro com a poesia concreta, a vanguarda, o espaço, o ideograma, as linguagens industriais. O impacto de Maiakovski. Caetano, Gil, tropicália. A mutação para a letra de música popular. O coloquial. O cantabile. Humor/cartum. Da poesia brasileira, menos.

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Drummond, só uma dose simples para saber que barato dá. Cabral, por dever de oficio. Oswald, já muito tarde para alterar rumos. Com os demais, só contatos didáticos. (LEMINSKI in LEMINSKI E BONVICINO, 1999, p. 193)

Seguiremos as influências citadas, porque o poeta seguiu uma ordem cronológica que

consideramos adequada ao trabalho a que nos propusemos.

O interesse pelos clássicos surgiu já na infância – “Era fissurado em Camões, Homero,

Antero de Quental, que faziam parte de sua leitura diária.” (VAZ, op. cit., p. 31) –,

intensificando-se quando, ao decidir tornar-se monge beneditino, foi matriculado no Mosteiro

de São Bento e lá aprimorou seu latim e aprendeu grego. A partir daí, aprofunda-se na

literatura clássica. Do seu tempo de estudante, guardou o apreço pela língua latina e pela

poesia. Paulatinamente, vai construindo um arquivo de formas da tradição e elege como

cânone Homero, Ovídio, Catulo, que serão tomados como parâmetro para sua poesia.

A constante alusão aos autores clássicos, principalmente Homero, testemunha a

relação do autor com a tradição com a qual se identifica. Contudo, no início da carreira, essa

admiração causa, em Leminski, o que Harold Bloom (1991) chamou de “angústia da

influência”. Diante da percepção da grandeza dos poetas clássicos, surge uma mistura de

admiração e rejeição. Ele reage ora ironizando essas influências, ora ironizando-se por aceitá-

las. Segundo Bloom, nem todo o escritor lida bem com a influência recebida. E parece ser

esse o caso de Leminski na juventude. Ao permitir que outras vozes falem no seu texto, este

parece não ter uma autoria definitiva, uma identidade. Ainda que fascinado pelas palavras do

outro, o poeta quer encontrar uma dicção própria, manter-se fiel a si mesmo. Consciente de

que os modelos do cânone não são as únicas possibilidades de escritura, tenta desviar-se de

seus antecessores através de uma desleitura, livrando-se da angústia que o acompanha e dos

laços com os poetas canônicos. É em reação a essas vozes que escreve em Caprichos e

relaxos:

parar de escrever bilhetes de felicitações como se eu fosse camões e as ilíadas dos meus dias fossem lusíadas, rosas, vieiras, sermões (Leminski, 2002, p. 32)

Seu desejo de superar os “velhos poetas”, que o perseguem até em escrituras

cotidianas (bilhetes de felicitações), leva-o a escrever seus nomes (camões, rosas, vieiras) e os

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de suas obras (ilíadas, sermões) com letra minúscula e no plural, realizando uma

generalização e colocando-os em estado de igualdade em relação ao jovem poeta.

Enfrentando o cânone e dessacralizando os poetas, ele demonstra essa angústia e a

expõe em suas linhas e entrelinhas. No entanto, ao longo da carreira, esse conflito se

minimiza: o texto do outro passa a ser visto pelo poeta como condição essencial à criação

literária, e a estética intertextual agrega-se à sua poesia sem reservas. Embora todos os livros

de Leminski sejam coletâneas de poemas feitos ao longo de um período e só publicados mais

tarde, contendo, por isso, poemas escritos em diferentes épocas, percebe-se que essa angústia

da influência vai se diluindo gradativamente.

A essa época de repúdio ao cânone, sobrevém um tempo de percepção do mundo

como um grande signo. Italo Calvino (op. cit.), falando sobre a filosofia e a escritura de Carlo

Emilio Gadda, afirmou que esse escritor “vê o mundo como um grande ‘sistema de sistemas’,

em que cada sistema particular condiciona os demais e é condicionado por eles”. (CALVINO,

op. cit., p. 121). Pode-se dizer o mesmo a respeito de Leminski, que passa a compreender a

poesia por uma perspectiva peirceana. Para Peirce (apud SANTAELLA, 2006), o signo não é

uma entidade monolítica, mas um complexo de relações triádicas, que, tendo um poder de

autogeração, caracterizam o processo sígnico como continuidade. Conseqüentemente, existe

uma constante relação entre os signos. Entendendo a poesia como um grande signo, o poeta

admite que a escrita poética é, inevitavelmente, fecundada pelos escritores que o antecederam.

Assim, assume, sem angústia, a confluência de vozes poéticas que cruzaram seu caminho e

revela, sem pudor, a multiplicidade de referências existente em sua poesia.

No poema seguinte, publicado em Caprichos e relaxos e analisado por inúmeros

críticos, a influência aparece na citação nominal dos poetas. Embora a utilização de letras

minúsculas nos substantivos próprios persista, esse uso já não é um traço de generalização,

porque essa forma incorporou-se à escrita de Leminski, inclusive em suas cartas. Dentre as

análises feitas, destacamos as de Régis Bonvicino e de Fabiano Calixto.

O primeiro, ao analisar este poema, aponta-lhe um traço de ambigüidade: Leminski

homenageia o cânone, mostrando o quanto é ilusório almejar superá-lo, mas o desmitifica

porque os poetas canônicos são citados por um pequeno poeta de província. Ou seja, o cânone

não é inacessível; pertence a qualquer um, até a um pequeno poeta.

Calixto, por sua vez, enfatiza que os poetas do terceiro mundo – representantes de

culturas periféricas, sem poder alcançarem os poetas oriundos de culturas hegemônicas –,

acabam encontrando uma escrita autônoma, ainda que influenciados pelo cânone.

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um dia a gente ia ser homero a obra nada menos que uma ilíada depois a barra pesando dava pra ser aí um rimbaud um ungaretti um fernando pessoa qualquer um lorca um éluard um ginsberg por fim acabamos o pequeno poeta de província que sempre fomos por trás de tantas máscaras que o tempo tratou como flores (Leminski, 2004, p. 330)

As aspirações e as influências surgem no poema, permeadas de ironia e melancolia. As

marcações temporais em destaque (um dia, depois, por fim) apontam para uma seqüência

cronológica que começa recordando um tempo de sonhos altos, do desejo de igualar-se a

Homero, de fazer a grande obra – aspirações que, como afirma Bloom (op. cit.), são a vontade

de todo poeta. Essa primeira estrofe desnuda o desejo de criar uma dicção própria. Contudo,

num segundo momento, marcado pela palavra “depois”, os sonhos vão “diminuindo”, e são

tomados como referência poetas “menores” que Homero: Rimbaud, Ungaretti, Pessoa, Lorca,

Éluard, Ginsberg. Amadurecido, o poeta percebe-se, ironicamente, apenas um poeta

provinciano que só consegue tornar-se maior quando traz para sua escritura seus precursores.

A metáfora máscaras/flores sinaliza que, como as flores, o poeta, em contato com seus

pares, adquire diversos matizes, tinge-se com as cores dos textos dos quais se aproximou. No

seu diálogo com o cânone, um pouco do outro passa para o eu; mas, nessa passagem, sofre

alterações, e o que fica no eu não é suficiente para aplacar sua subjetividade. São máscaras

efêmeras, como flores.

Admitindo que escrever é fazer “a soma de todos os textos” (LEMINSKI, 2006, p. 29)

e que o poeta é “todo ecos” (id., ib., p. 90), revela que sua poesia é um conjunto de diversas

vozes reunidas. São elas que fazem o sujeito poético ter sempre um olhar novo para as coisas

que o cercam e abafam a subjetividade que teima em apresentar uma visão em detrimento das

outras.

A fuga do derramamento levou Leminski ao encontro dos poetas concretos. Desse

contato, surge a proposta de um verso construído racionalmente, planejado, fruto da visão

científica, sobretudo das funções da linguagem de Jakobson (1974) e da visão crítica dos

estudos do poeta Ezra Pound (1986).

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Dos estudos de Jakobson, ele absorve o conceito de que existe uma função poética da

linguagem, a qual consiste em centrar a ênfase na mensagem, combinando e relacionando as

palavras. É a linguagem voltada para a materialidade da palavra. Além disso, ele se apossa do

conceito de estranhamento, apresentado pelos formalistas russos e revitalizado pelo

Concretismo como elemento básico da arte. A arte, vista desse modo, teria a função de

surpreender, de provocar, ou seja, de propiciar a contemplação do cotidiano por outro ângulo.

Assim, um poema deve provocar estranhamento através de sua estrutura lexical, de seus

recursos sonoros e de sua disposição gráfica. Ganha ênfase a valorização do caráter visual do

verso no branco da página – os espaços, os cortes, a disposição da palavra, o tipo gráfico.

Pound (op. cit.), por sua vez, localizou três estratégias básicas de criação de poesia ao

longo de sua história: logopéia (idéias), melopéia (recursos sonoros) e fanopéia (imagens).

Leminski as utiliza fartamente para afastar a poesia da função emotiva, a que as obras

poéticas foram associadas durante o Romantismo brasileiro. Esse distanciamento desnuda que

o importante, nessa forma de arte, é o trabalho com a palavra. O poema concreto visa a

apresentar a palavra por três ângulos – idéia, som e imagem –, criando uma forma que é

também conteúdo.

A fascinação pela novidade que a poesia concreta representava fez o poeta abraçar a

proposta concretista, abolindo o verso tradicional e valorizando a palavra solta. O poema que

se segue testemunha essa preocupação.

materesmofo temaserfomo termosfameo tremesfooma metrofasemo mortemesafo amorfotemes emarometesf eramosfetem fetomormesa mesamorfeto efatormesom maefortosem saotemorfem termosefoma faseortomem motormefase matermofeso metaformose (Leminski, 2002, p. 100)

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No poema, Leminski utiliza apenas uma palavra em cada verso, prescindindo dos

laços sintáticos. A palavra-idéia “metamorfose” é fragmentada e recomposta na página,

transformando o poema num objeto visual, do qual são desentranhadas palavras (mater, tema,

termos, tremes, metro, morte, amorfo, éramos, feto, fase, motor) e estabelecidas relações

semânticas a partir da forma. Como várias palavras suscitam a idéia de transformação, a

última palavra que surge surpreende, porque quebra a expectativa que o leitor tem de ver a

palavra “metamorfose”, que, embora não expressa formalmente, acontece como processo. Em

seu lugar, aparece “metaformose”. O neologismo aponta para sua dupla possibilidade de

formação. Uma consistiria no processo de derivação, pelo qual o prefixo grego “meta”, que

indica mudança, se uniria ao radical “form-”, seguido por “-ose” – o que sugere a beleza da

forma em constante mudança. A outra possibilidade seria a composição e indicaria a junção

do substantivo “meta” (objetivo) a “formose”, indicando que o objetivo da poesia é trabalhar

com a beleza da forma.

A poesia concreta foi um ataque à produção poética da década de 50, dominada pela

geração de 45 que os concretos acusavam de verbalismo, subjetivismo e incapacidade de

expressar a nova realidade da sociedade industrial. Os jovens paulistas buscavam uma poética

cosmopolita como tinham feito os modernistas de 22; por isso, um dos modelos adotados

pelos concretos foi a lírica sintética de Oswald de Andrade. Embora a presença de autores

brasileiros seja pouco expressiva na obra de Leminski, alguns críticos vêem nele uma

influência de Oswald de Andrade. No entanto, o próprio autor declarou ter conhecido a obra

oswaldiana muito tarde para ter sido influenciado por ela. Mesmo assim, é perceptível que,

via Concretismo, essa tendência à concisão chegou até ele, porém filtrada por um olhar

diferente, já que o poeta curitibano não leu Oswald na fonte.

O diálogo de Leminski com os autores estrangeiros ocorreu pelo estímulo recebido de

Augusto de Campos. Dentre eles, destacamos a influência vital do poeta simbolista Stéphane

Mallarmé. Sua presença é sentida no conceito de liberdade existente na construção da

narrativa de Catatau. Leminski escreveria a Augusto de Campos no ano de 1970, em carta

reproduzida em O bandido que sabia latim, acerca de Catatau: “O livro é livre, à margem de

mallarmé, viva a malacomargem, dai-me um exílio e eu vos darei um exercício”.

(LEMINSKI, 2005, p. 353). O diálogo é mantido ao longo da carreira. O tema do acaso

mallarmeano acompanha Leminski. Encontramos, nos livros que sucedem a Catatau, várias

referências a Mallarmé. Em Distraídos venceremos, lemos: “Se tudo existe para acabar em

livro / se tudo enigma / a alma de quem ama” (id., ib., p. 27). Os versos são uma alusão à

intenção utópica de Mallarmé de reunir todos os livros em seu Le livre. Mas é em La vie en

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close que notamos a recorrência desse tema em versos que reafirmam a admiração pelo poeta

francês no seu lance de dados, revelam a impossibilidade de uma escritura original após a

existência de poetas tão grandiosos, “Finnegans Wake à direita, / um coup de dés à esquerda, /

que coisa pode ser feita / que não seja pura perda?” ( id., ib., p. 19), ou desnudam a constante

procura pelo inesperado que nunca chega na hora desejada: “atrasos do acaso / cuidados / que

não quero mais / o que era pra vir / veio tarde / e essa tarde não sabe / do que o acaso é capaz”

(id., ib., p. 28), atormentando o poeta por não saber direito “onde começa o acaso” (id., ib., p.

59). Outras vezes, a voz imperativa de Mallarmé surge ecoando do passado:

Faça os gestos certos, o destino vai ser teu aliado, ouço uma voz dizendo do fundo do passado. Hoje não faço nada direito, que é preciso muito peito pra fazer tudo de qualquer jeito. Ai do acaso, se não ficar do meu lado. (Leminski, 2004, p. 93)

A admiração por Mallarmé também aparece na biografia do poeta simbolista Cruz e

Souza e no ensaio “significado do símbolo”, publicado em Anseios crípticos 2. Em ambos os

textos, Leminski mostra que, para ele, os simbolistas foram os antecessores da poesia concreta

porque descobriram que “o ícone nunca é exaustivamente coberto pelas palavras, restando

sempre uma área transversal, uma mais-valia, um sexto sentido além das palavras.”

(LEMINSKI, 2001a, p. 86)

Posteriormente, os poetas concretistas aprofundaram essa questão ao afirmarem ter

dado como encerrado o ciclo do verso, por considerarem que a versificação tinha se tornado

um suporte discursivo para se falar sobre alguma coisa. Sua forma não era adequada para a

realização concreta de um conteúdo, porque não provocava mais estranhamento; portanto,

deixara de ser arte. Por isso, a poesia concreta se distanciou dos suportes sintáticos e

semânticos que permitiam uma decodificação mais discursiva dos poemas.

Mallarmé, Joyce, Pound, Cummings e Apollinare – poetas precursores desses

procedimentos – contaminam a escrita leminskiana. Sua poética exibe uma linguagem

sintética, dinâmica, semelhante à sociedade de feição urbana na qual está inserida. A razão é

introduzida como a principal matéria-prima do poema, dentro de uma concepção de

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“programação do indeterminado”, sem, contudo, aproximar-se da lógica cartesiana. É o

centramento do processo poético na forma.

A incomunicabilidade do verso apontada por Mallarmé revela a despersonalização do

autor. O eu-lírico separa-se do eu empírico, e o poeta distancia-se do traço biográfico na linha

do verso. Leminski desejava abordar a poesia sem o subjetivismo e sem perder de vista o

trabalho formal com a palavra. Esse procedimento provoca a ilegibilidade do poema, mas,

paradoxalmente, é ele que lançará o leitor à legibilidade. O poeta francês representa, para ele,

o silêncio da poesia moderna.

Sem nunca ter renegado a importância da poesia concreta em sua formação poética,

não assumiu integralmente a postura dos poetas concretos. Enquanto eles ignoravam,

parcialmente, a ligação com o público, o poeta curitibano buscava-a intensamente, e isso o

levou ao encontro da publicidade, da poesia marginal e da música popular.

Leminski acreditava que o texto, em seu sentido mais amplo, é uma relação recíproca

entre autor e leitor, cuja significação somente se completa na interação: o discurso não tem

suas significações prontas. O sentido do texto é, pois, construído no intercâmbio entre o ato de

escrever e de ler. Inevitavelmente, no ato da criação, o escritor coloca, em cena, sua

experiência, suas afinidades estéticas, seus conhecimentos artísticos e seu repertório cultural.

Do mesmo modo, o leitor lança mão, dentre outros elementos, dos textos que leu

anteriormente para reconhecer remissões a obras, autores, trechos e, assim, interpretar a

função daquela citação. Por essa razão, Leminski construiu uma linguagem acessível e

instigante, atingindo a um público cada vez mais amplo devido a sua atuação como

colaborador da imprensa no final da década de 70. Em consonância com a atitude dos

representantes da Tropicália (efervescência revolucionária), buscava alternativas na mídia

para a democratização da arte.

Para fugir da literatura conservadora, foi procurar a publicidade e a música como

veículos – ambientes anti-literários e populares, capazes, segundo ele, de veicular “mensagens

que funcionam” (LEMINSKI in LEMINSKI & BONVICINO, 1999, p. 120). Na carta 9,

publicada em Envie meu dicionário, cartas e alguma crítica, dizia a Bonvicino que era

preciso “abastecer as tropas no próprio terreno inimigo com os frutos do local” (id., ib., p. 47).

Ou seja, acreditava que a própria linguagem gerada pelo capitalismo (propaganda, música

pop) era o espaço adequado de luta. Conhecedor dos riscos dessa aproximação, os aceita. Mas

isso causa um conflito, e Leminski avalia se não estaria se tornando medíocre. Por fim,

conclui que esse é o caminho certo: livrar-se da marca de escritor experimental para se tornar

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80

um escritor “na corrente sanguínea do mercado e dos meios de comunicação de massa” (id.,

ib., p. 47).

Solucionado o conflito, transita da literatura para a mídia sem dilema. No entanto,

mesmo aceitando trabalhar com ela, não acredita na ausência de valores. Apenas os relativiza.

Sente-se livre para experimentar e errar e assume isso na carta 42: “produzo muito (meu

projeto é a desrepressão), desovo, quero atingir algo, ergo, erro muito...” (id., ib., p. 114), bem

como em um poema publicado em La vie em close, intitulado “ERRA UMA VEZ”. Há, nesse

título, uma associação ao início tradicional dos contos de fada (era uma vez) e a denúncia de

que a negação do erro é uma fantasia ou que a inexistência do erro só é possível quando

ocorre a repetição de fórmulas desgastadas. Ao mesmo tempo, o título tanto funciona como

um aconselhamento para que o erro seja cometido pelo menos uma vez quanto aponta para o

verbo “errar” no sentido de mover-se, de sair da posição em que se está, de transitar por novos

caminhos sem que haja um destino determinado.

nunca cometo o mesmo erro duas vezes já cometo duas três quatro cinco seis até esse erro aprender que só o erro tem vez (Leminski, 2004, p. 46)

No centro da sua aceitação do erro como parte de um processo natural, encontra-se a

influência dos princípios da contracultura, sobretudo na figura do poeta Allen Ginsberg, a

quem Leminski admirava: um dos líderes da chamada beat generation, que, antes de ser um

movimento literário, era um manifesto pela liberdade poética e existencial. Em sua aparente

alienação, o movimento lutava contra atitudes que sempre oprimiram os homens ao longo da

história da humanidade: preconceito e falta de liberdade. A contracultura insurge-se contra

padrões comportamentais preestabelecidos que representam o poder no mundo ocidental, sem

que isso tenha relação com a luta de classes. Através da aparência desleixada, de vagabundo,

os adeptos do movimento contestavam os costumes, propunham uma sociedade de paz e amor

e lutavam contra a quebra da individualidade. Para contestar a cultura, e, dentro dela, em

especial, a religiosidade ocidental, revalorizaram a cultura oriental e o budismo como formas

alternativas de ver o mundo.

A lógica contracultural, com sua visão diferente de participação política, antecipou

alguns debates políticos que ganharam força no final do século XX e neste início de século

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XXI. Sem dúvida, foi a contracultura que trouxe para o centro do debates o respeito às

minorias, à ecologia, à liberdade sexual e à luta pela paz, embora tenha feito isso sem

protestos ou passeatas. Os adeptos desse movimento queriam o princípio do prazer, a festa

dionisíaca, a transgressão social cotidiana, ou seja, viver a mudança. Logo, rompem os

limites, até então bastante marcados entre alta cultura e cultura popular, rejeitando as visões

totalizantes. Em lugar de privilegiar um ponto de vista, apagando todos os outros, numa

postura “pós-moderna”, defendem a coexistência de uma polifonia de vozes. A partir dessa

força catalisadora, Leminski adere ao prazer enquanto resistência à massificação do indivíduo

pela mentalidade capitalista e contra um Estado repressivo.

Morando a maior parte do tempo em Curitiba, evita o isolamento e o provincianismo,

empenhando-se no diálogo com vozes de outras cidades – Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia. O

romance Catatau chamou a atenção dos tropicalistas e o aproximou dos componentes desse

movimento. Com os tropicalistas, tinha, em comum, a atitude antropofágica, a mistura de

popular com erudito, o tratamento plástico dado ao texto, os jogos lingüísticos, as brincadeiras

com as palavras e o desejo de democratizar a arte. Também partilham a concepção de que a

cultura brasileira é um universo heterogêneo, no qual cabe o esteticamente pobre, o brega, e

que apenas o elitismo e o preconceito impedem a incorporação dessas características tão

nacionais quanto qualquer outra. A Tropicália é, portanto, um movimento inclusivo, capaz de

aceitar a diferença e de trabalhar, no plano da letra, com os elementos altos e baixos.

Acreditando que essa atitude democrática já era política, que a experiência estética vale por si

mesma e que ela própria é um instrumento social revolucionário, os tropicalistas não faziam

canções de protesto.

Tudo isso agrada ao poeta, e daí nasceu o envolvimento de Leminski com a música

popular. Ao longo dos anos 80, estabeleceu parceria com bandas curitibanas, com Jorge

Mautner, Ivo Rodrigues, Moraes Moreira e Arnaldo Antunes, entre outros. Isso possibilitou

um contato maior com o grande público e a criação de vários projetos envolvendo música e

poesia.

Segundo Leminski (cf. LEMINSKI & BONVICINO, 1999), a música tem um caráter

peculiar porque tem o poder de conviver com muitas pessoas sem ser medíocre e elementar. O

mesmo não ocorre com / na poesia, uma vez que foi ela foi rotulada de “alta literatura”,

criando um distanciamento entre o povo e o poema. Isso, associado à crença de que boa parte

dos melhores poetas brasileiros, durante os anos 70 e 80, estava concentrada no universo pop

da música, fez com que o autor desse grande importância à música popular.

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Em 1976, Caetano Veloso e Gal fazem uma visita inesperada a Leminski, desejosos de

conhecê-lo após a leitura de Catatau. A partir desse encontro, consolida-se o relacionamento

de Leminski com os tropicalistas, culminando, em 1981, com a gravação do poema-canção

Verdura (vetado em 1978 pelo governo militar), no disco Outras palavras, de Caetano

Veloso.

de repente me lembro do verde da cor verde a mais verde que existe a cor mais alegre a cor mais triste o verde que vestes o verde que vestistes o dia em que te vi o dia em que me viste de repente vendi meus filhos a uma família americana eles têm carro eles têm grana eles têm casa a grama é bacana só assim eles podem voltar e pegar um sol em Copacabana. (Leminski, 1983, p. 84)

O texto inicia-se a partir de um flash de memória (de repente / me lembro do verde) e

encaminha-se para o que parece ser uma recordação feliz marcada pelo significante “verde”

(uma das cores-símbolo do Brasil, associada à esperança, além de ser cor do uniforme do

exército brasileiro). Inesperadamente, todas as associações nacionalistas e positivas feitas à

cor invertem-se. E o que era alegre passa a ser triste. Há uma ruptura entre as duas estrofes: o

que parecia ser um poema de amor se transforma num poema sócio-político. Na segunda

estrofe, profundamente irônica, o eu-lírico, sujeito sul-americano, vê-se obrigado a vender

seus filhos para uma família norte-americana, sugerindo que até os valores tradicionais

(filhos, família) são comprados dentro da sociedade capitalista.

Nesse contexto de admiração pela Tropicália, nasce a relação com a poesia marginal.

Embora não tenha sido exatamente um poeta marginal por estar fora do circuito onde essa

manifestação poética acontecera – a zona sul do Rio de Janeiro –, o curitibano Paulo

Leminski partilhava das principais idéias da geração “desbundada”: a curtição, a desordem, a

desobediência, o ócio. Ou seja, fazer do próprio cotidiano uma arma de protesto contra o

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status quo. Por isso, ele agrega ao seu processo de criação toques humorísticos, uma

linguagem coloquial, que atinge o leitor com simplicidade e força, passando a impressão de

um certo inacabamento ou espontaneísmo.

Posteriormente, fazendo uma avaliação da importância da poesia marginal, Leminski

acaba por revelar a razão pela qual incorporou o descompromisso marginal ao seu fazer

poético.

Contra a séria caretice dos anos 60, a recuperação da poesia como pura alegria de existir, estar vivo e, sobretudo, ainda não ter 25 anos. Foi poesia feita por gente extremamente jovem, poesia de pivetes para pivetes, todos brincando de Homero. Sem essa dimensão, a poesia vira um departamento de Semiologia, da Lingüística ou uma dependência das Ciências Sociais. A poesia dos anos 70, inconseqüente, irresponsável, despretensiosa, recuperou a dimensão lúdica. (LEMINSKI, 1986, p. 42)

O florescimento da poesia marginal é fruto do choque entre a atmosfera repressiva de

um país que vivia sob uma ditadura militar e a metamorfose comportamental que se verificava

no mundo ocidental, principalmente na Europa e nos Estado Unidos. Se, por um lado, os

métodos de luta da esquerda não atraíam os jovens de Ipanema; por outro, a rebeldia dos

jovens franceses e a apologia à liberdade individual pregada agradavam bastante. Assim,

também influenciados pela contracultura norte americana, a juventude carioca criou um estilo

de vida alternativo, no qual o importante era viver o prazer.

Na busca do prazer inerente à contracultura, curtiam a vida e a poesia como partes de

um “barato total”. Escandalizaram a sociedade da época ao sensualizarem o amor e

erotizarem o poema. Leminski, mesmo não sendo um poeta marginal no que se refere à

produção e à distribuição de seus livros, tem em comum com esse movimento uma aversão ao

racionalismo da poesia concreta e uma rejeição à ideologia do engajamento político da poesia

social que instrumentaliza a arte.

Os versos da poesia marginal ligam vida e poesia. Os toques humorísticos e a

linguagem coloquial revelam pouca preocupação com a métrica e com a rima. Além disso, os

poemas deixam de lado as palavras poéticas e se valem de palavrões de efeitos libidinosos.

Essa abordagem de temas terrenos e subjetivos foi uma reação contra a poesia maquinal e

tecnicista de João Cabral, com seus versos bem acabados, excessivamente racionais. Mas

também representava um repúdio ao projeto estético do Concretismo – uma poesia que

privilegiava os efeitos de caráter visual.

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– que tudo se foda, disse ela, e se fodeu toda (Leminski, 2004, p. 160)

O travessão indicando a fala do outro – nesse caso, a voz feminina – representa o

poema concedendo voz aos que estavam calados, já que, nessa época, ganha visibilidade o

movimento feminista. Numa sociedade repleta de falso moralismo e de preconceito, o poeta

coloca, na voz de uma mulher, palavras de baixo calão, consideradas inadequadas para

alguém sem liberdade de expressão. A indignação feminina reverbera-se no primeiro verso

contra um rótulo de recato e de delicadeza. De um jeito bem marginal, o poema é concluído

com uma expressão ambígua (se fodeu toda), que aponta para uma punição – sofrer as

conseqüências negativas da ousadia – e para uma realização – desfrutar a liberdade sexual. O

tom é marginal, descontraído; contudo, há, em seu bojo, um caráter mais sério que não

dispensa a ironia.

Assim como a Tropicália devorou as influências culturais estrangeiras, misturando-as

a ritmos e expressões nacionais, os poetas marginais apropriaram-se do canal da cultura pop

desbravado pelos tropicalistas. Foi um movimento duramente criticado pelos irmãos Campos,

porque ia de encontro às diretrizes da poética que defendiam. Mesmo admirando os poetas

concretistas e considerando-os seus patriarcas, Leminski abriu-se à espontaneidade e à

informalidade marginal – o que, para alguns críticos, tornou sua poesia inconsistente, pois ela

seria constituída de poemas sem exigência técnica, nos quais só existe valor de atitude.

Certamente, no poema “Merda é ouro”, pretendendo agradar ao leitor, o poeta cria um humor

forçado.

Merda é veneno. No entanto, não há nada que seja mais bonito que uma bela cagada. Cagam ricos, cagam padres, cagam reis e cagam fadas. Não há merda que se compare à bosta da pessoa amada. (Leminski, 2006, p. 30)

O descompromisso e o desligamento do cânone poético dominante deram à poesia

marginal um perfil pouco literário e, talvez, tenha sido exatamente isso o que agradou ao

poeta. Os temas transcendentais foram esvaziados de dramaticidade e passaram a ser

encarados como aspectos banais do cotidiano. Por isso, receberam um tratamento irreverente

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que traz à cena poética o imediatismo do cotidiano e a espontaneidade do coloquial. Dessa

forma, o espontaneísmo em Leminski indicaria uma evolução comportamental, uma

contestação cultural que viria a (re)afirmar valores alternativos, reprimidos ou

comercialmente explorados pela sociedade de consumo.

Como os poetas de setenta, ele elege as pequenas coisas, os pequenos temas, como

seus. Prioriza os assuntos desgastados da vida comum e apresenta-os através de uma

linguagem coloquial, sem academicismos, forçando a poesia a uma mais larga socialização e

questionando o distanciamento existente entre a poesia e o leitor. Embora tenha admitido que

a poesia marginal estava fadada a uma vida curta, a dessacralização da poesia promovida por

esse movimento e alguns de seus procedimentos tornaram-se parte da poética leminskiana.

Dentre eles, destacam-se as estruturas formais simples, rápidas e leves, de consumo imediato,

com acentos de ironia que apelam para recursos de fácil assimilação, no intuito primeiro de

efetivar comunicação. Assim, a consciência da efemeridade das coisas faz com que o poeta

produza uma poesia rápida e exata, nesses tempos em que tudo é transitório.

esta vida é uma viagem pena eu estar só de passagem (Leminski, 2004, p. 134)

O poeta deixa de considerar-se um escolhido para ver-se como um sujeito comum

entre tantos. O eu-lírico passa por um processo de diminuição, mas, por outro lado, o

subjetivismo se fortalece, ancorado na percepção de que o presente é o único que realmente

importa. Ao reconhecer que partilha da engrenagem de consumo, confirma o caráter histórico

da produção cultural e o seu pertencimento à sociedade burguesa. Embora o olhar que o poeta

lance sobre a sociedade seja um olhar marginal e oblíquo, não desconsidera sua inserção nesse

contexto social. Seu lugar social é a margem, mas a compreensão do papel integrador da

linguagem humana reflete a constante relação com o outro.

Provavelmente, a maior atitude marginal é desnudar a pretensão do poeta de

representar a sociedade como um todo – conforme queria a poesia concreta –,

desconsiderando a “várzea”, o popular, parte considerável da sociedade. Por isso, o

descompromisso e o deboche vêm coabitar com a seriedade da poesia concreta. São

introduzidas gírias – recurso técnico para obtenção de determinados efeitos de sentido que

apresentam a visão de mundo de grupos até então marginalizados, sem voz, calados pelo

elitismo. Com essa estratégia, utilizando o desbunde marginal, Leminski desagrega

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sensibilidades tidas como universais e se permite ser samurai-malandro, apropriando-se das

mais diversas influências.

não discuto com o destino o que pintar eu assino

(Leminski, 2002, p. 62)

Sua assinatura é a liberdade na poesia. A possibilidade de ser o que quer. É o resultado

da soma dos encontros com o outro promovidos pelo “destino”, com todas as divergências e

convergências decorrentes dele. No entanto, sua escritura mantém a personalização, marcada

no poema pelo verso em letra cursiva.

A poesia de Paulo Leminski sempre se revelou transpassada por várias vozes, e ele

admite que seu discurso foi fecundado por suas leituras, sem, no entanto, ter se deixado

sufocar pelas influências que o acompanham.

Contranarciso em mim eu vejo o outro e outro e outro enfim dezenas trens passando vagões cheios de gente centenas o outro que há em mim é você você e você assim como eu estou em você eu estou nele em nós e só quando estamos em nós estamos em paz mesmo que estejamos a sós (Leminski, 1983, p. 12)

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A freqüente releitura dos movimentos – Concretismo, poesia marginal, poesia oriental,

poesia clássica – é um indício de que, ao incluir outras vozes em sua poesia, ele o faz de

maneira particular, buscando uma identidade. Desse modo, na tentativa de apagar sua

subjetividade através dessa estratégia, esta não resulta em uma anulação de uma dicção

própria. Para resistir ao fascínio de fixar o olhar em si mesmo, sua obra evidencia a

necessidade de apropriar-se do texto do outro, de alimentar-se dele. Sua escrita, impregnada e

fecundada pelos autores que o precederam ou por autores que são seus contemporâneos,

revela consciência das ressonâncias e discordâncias existentes entre ele e o outro.

A multiplicidade presente na poesia leminskiana transforma o discurso, e as muitas

vozes existentes dão origem a uma nova voz, que não é nenhuma das anteriores. Não é o eu

nem é o outro: é o nós. Assim, o bandido que sabia latim constrói sua identidade.

Sua poesia corrobora com Bakhtin (1992), para quem todo texto não pertence

unicamente a seu enunciador. Cada enunciado está impregnado de impressões de outrem que

fizeram parte da construção do novo discurso. Isso não significa que ele seja a réplica dos

anteriores. Mesmo quando o texto do outro é citado literalmente, faz parte de um novo

discurso e traz as marcas de seu produtor. Esse novo discurso não anula o anterior, mas lhe dá

um novo rosto, porque, ao reproduzir o antigo num contexto moderno, sem dúvida, serão

introduzidas, no seu bojo, as condições sócio-históricas da época da releitura e do sujeito que

o reproduziu.

A noção que nos oferece Bakhtin é fundamental para entendermos a obra de Leminski,

pois o estudioso aponta que, no texto, mesmo diante da multiplicidade de vozes, uma delas

acaba por se elevar, se sobrepor às outras. Por isso, às vezes, a voz do poeta quase desaparece,

mas nunca é totalmente silenciada, porque, no jogo de se construir a partir do discurso alheio,

o novo texto é sempre uma resposta. Consciente de que sua poesia constitui-se do já dito,

Leminski apropria-se da fala do outro para elaborar uma resposta pessoal. Dessa forma, as

palavras do outro, inseridas em seu poema, tornam-se suas palavras e assumem um caráter de

releitura.

Leminski, por meio de sua poesia e de sua existência pessoal, sem que isso signifique

que sua poesia seja autobiográfica, promoveu a convivência entre posturas contraditórias

como rigor e coloquialidade, tradição e modernidade, cânone e marginalidade, promovendo

uma multiplicidade incontestável. Todos esses aspectos se cruzam. Além disso, ele procurou a

companhia de outras artes: fotografia, música, desenho – a fim de conquistar um diálogo mais

amplo e intersemiótico. Essa ligação fez surgir, ao longo dos anos 80, vários projetos

envolvendo música, poesia, cartum.

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O auge da intertextualidade parece ter coincidido com “a morte do autor”. Isso porque,

segundo Barthes (1987), a abertura ao diálogo com o outro, resultaria no rompimento da

autoria textual. No entanto, os estudos da Análise do Discurso demonstraram que as escolhas,

sejam elas lingüísticas ou de autores, dentre as muitas possibilidades existentes, já indicam

uma individualidade.

Leminski percebe que o isolamento é fatal para o artista. Talvez essa percepção tenha

surgido devido ao fato de morar em Curitiba – segundo ele, uma cidade de contistas, de um

provincianismo capaz de contaminá-lo com um eruditismo livresco. Essas impressões são

expressas na carta 42, publicada em Envie meu dicionário – cartas e alguma crítica. Por isso,

manteve uma longa correspondência com o também poeta Régis Bonvicino e travou um

constante diálogo com seus pares.

Essa intertextualidade espontânea provocou um processo de criação intertextual, que

deixa clara a opção do poeta pelo encontro, pela alteridade. A raiz dessa alteridade é a paixão

pela leitura, considerada aqui em seu sentido mais amplo. Essa paixão levou-o a ser muitos ao

mesmo tempo. A fascinação pelo novo, conjugada ao respeito criativo pela tradição, não o

deixou se confinar em nenhuma tendência. Rebelde às exigências da razão, converteu tudo o

que viu e ouviu em poesia. Ao brincar com a linguagem, experimentar suas possibilidades,

produzir e errar, encontrou seu modo de se relacionar com o mundo.

M, de memória

Os livros sabem de cor milhares de poemas. Que memória! Lembrar, assim, vale a pena. Vale a pena o desperdício, Ulisses voltou de Tróia, assim como Dante disse, o céu não vale uma história. Um dia, o diabo veio seduzir um doutor Fausto. Byron era verdadeiro. Fernando, pessoa, era falso. Mallarmé era tão pálido, mais parecia uma página. Rimbaud se mandou pra África, Hemingway de miragens. Os livros sabem de tudo. Já sabem deste dilema. Só não sabem que, no fundo, ler não passa de uma lenda. (Leminski, 2006, p. 91)

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A relação com os autores fez com que eles também se tornassem poesia. São parte da

memória pessoal e lírica do poeta, porque a escrita deles acompanhou toda sua existência. São

figuras tão encantadoras que a existência biológica de cada um deles é colocada em dúvida. A

grandeza da escritura que produziram transformou-os em páginas, miragens, lendas. Autores e

personagens vivem nas letras e no imaginário, seja pela estética que desenvolveram (o

fingimento poético de Pessoa, o branco da página de Mallarmé), seja por atitudes pessoais

(Rimbaud se mandou pra África).

Do mesmo modo que os autores lendários são parte do poeta, porque ele os carrega em

sua memória, os relaxos da poesia marginal e a estética tropicalista entraram, na poesia

leminskiana, como forças representativas do contemporâneo. Com todos esses elementos, a

poesia de Leminski tomou uma nova feição, e ele passou a escrever alguma coisa que já não

era mais poesia concreta, embora fosse nascida dela. Seus versos distanciaram-se tanto da

exploração visual da forma, proposta pela poesia concreta, quanto da forma original japonesa

do haicai.

Sem pretender focar nos aspectos biográficos, porém sem poder esquecê-los,

verificamos que o poeta sempre demonstrou uma premência de viver tudo. Esse sentimento

desemboca na multiplicidade de interesses que cultivou ao longo de uma vida curta, mas

intensa. Se, no começo da carreira, escrevia poesia concreta; rapidamente, criou um estilo

pessoal, temperado pela contracultura, com seus valores libertários, e pela concisão da poesia

oriental. Todas essas tendências estão presentes em sua obra e foram explicitadas, em

especial, no título de seu primeiro livro de poesias, Caprichos e relaxos. Ao abraçar

tendências díspares, realiza a proposta de multiplicidade de Calvino como uma forma de

conhecimento validada pelo Modernismo e vivenciada pelo pós-modernismo: a abolição de

rótulos para a poesia.

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5. O CLOSE: PRAZER DA PURA PERCEPÇÃO

A viagem real da descoberta não consiste em

visitar paisagens novas, senão em ver com olhos

diferentes.

Marcel Prost

Ao falar sobre a proposta de visibilidade, Italo Calvino (op. cit.) lembra que,

historicamente, a origem e a função das imagens mentais foram justificadas segundo as

concepções filosóficas da época do autor. Por isso, em um momento, Deus era a fonte e a

função, uma forma de se conectar “à alma do mundo” (id., ib., p. 103), e, em outro, a fonte era

o inconsciente coletivo, e a função consistia em ser instrumento do saber coexistente à

objetividade científica.

Seja na hipótese que concebe a imaginação como origem divina, seja na que a concebe

como fruto de epifanias, o escritor de qualquer época reconhece não ter controle absoluto da

produção dessas imagens. Todas as hipóteses pressupõem um momento de iluminação sobre o

qual o escritor não tem controle. Ele está submetido às leis do acaso. Querendo fugir dessa

submissão, quando uma imagem espontânea conduz o discurso, o pensamento assume o

comando para dar corpo à expressão verbal. Todavia, em algumas situações, as soluções

visuais “chegam inesperadamente a decidir situações que nem as conjecturas do pensamento

nem os recursos da linguagem conseguiram resolver” (id., ib., p. 106).

A partir do exemplo de sua experiência de escritor, Calvino estabelece a existência de

“dois tipos de processos imaginativos: o que parte da palavra para chegar à imagem visiva e o

que parte da imagem visiva para chegar à expressão verbal” (id., ib., p. 99). Geralmente, o

primeiro processo está sempre associado ao leitor no ato da leitura, e o segundo, ao escritor

durante a escritura do texto; entretanto, em todos os seres humanos, ambos os processos

ocorrem constantemente, já que a criação de imagens é um atributo próprio do homem, do seu

comportamento.

Sem dúvida, a imaginação é uma característica constitutiva do homem, mas as

imagens que ele cria, embora filtradas pela imaginação individual, são, de algum modo,

suscitadas pela cultura e pelo mundo exterior que o cerca.

É perceptível que, na sociedade moderna, a imagem ganhou cada vez mais força e

importância. Ela passou a fazer parte do cotidiano de cada indivíduo em volume cada vez

maior e, principalmente as que apresentam movimento, exercem grande fascínio sobre o

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espectador. Todo esse poder de fazer pensar é ressaltado por Calvino, quando ele narra, no

capítulo “Visibilidade”, a sua experiência de menino que não sabia ler e se dedicava a

contemplar as figuras dos quadrinhos e a interpretá-las sempre de maneira diferente. Isso

revela que a influência da imagem veiculada pela indústria cultural não é recente nem

maléfica em si mesma. Logo, quando Calvino adverte para o risco de perdermos a capacidade

de pensar por imagens ou de formar imagens originais diante do excesso delas, não expressa

uma recusa a esse importante instrumento de conhecimento. Ele propõe uma pedagogia da

imaginação que comungue com as características de seu tempo. Isso porque ele se assume

como uma pessoa educada dentro do mundo da imagem e um apaixonado pelo cinema.

No entanto, ao eleger a visibilidade como um valor a ser preservado no próximo

milênio, coloca-a no campo da imaginação e não no da imagem dada. O que ele propõe é a

utilização da imagem, alimentada pela imaginação, como antídoto contra a cegueira

existencial. Isso porque imagens simbólicas, abertas, tentadoras, provocam, no leitor, um

olhar mais plural.

Se é impossível escapar da presença invasiva da indústria de comunicação, o escritor

sugere o uso da palavra tanto para alcançar a concretização da experiência quanto para

preservar a fantasia das imagens. Ele vê, na escrita, o caminho pelo qual o homem

contemporâneo, exausto pela constante exposição ao zapping, é capaz de reencontrar a

capacidade de pensar por imagens durante o processo de leitura.

Logo, a preocupação de Calvino com a visibilidade diz respeito à preservação da

faculdade humana de visualizar aquilo que está expresso por palavras. Pensar por imagens

refere-se ao prazer de ler, à fruição da leitura do texto. Afinal, quem não consegue realizar

esse tipo de leitura é incapaz de mergulhar no mundo imaginário proposto pelo texto e de

desfrutar de sua função lúdica.

Ao traduzir, por meio da palavra, as experiências obtidas pela observação e pela

imaginação, explorando a capacidade de a escrita focalizar o detalhe, a nuance, Leminski

demonstra acreditar que é possível romper a barreira de indiferença, provocada pelo excesso

de imagens homogeneizadas da cultura de massa.

Sua estética revela que pensar por imagens é fundamental em uma sociedade que é

dominada por elas. Como todo escritor moderno, ele foi posto diante de um desafio: construir

imagens plenas de significado, nítidas, marcantes e mobilizadoras. Por isso, recorreu a novas

combinações do possível com o impossível, fez conexões não-tradicionais que romperam

fronteiras e deslocaram sentidos e se afastou da referencialidade. Foi dessa forma que ele

realizou o conceito de visibilidade em sua poesia. Portanto, para ele, a visibilidade visava à

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invenção, à novidade, à originalidade para provocar, no leitor, a utilização de sua capacidade

imaginativa.

Associando as estéticas da literatura às da sociedade moderna, principalmente às da

publicidade, Leminski utiliza alguns importantes recursos para criar imagens relevantes:

proximidade, sugestão, sucessão, rapidez, sensualidade e metáforas. Ao doar visibilidade ao

texto, ele revigora a língua, desautomatiza o olhar. Apelando para um olhar mais atento e

vagaroso, sua poesia abre espaço para a reflexão.

Observando a cidade, o poeta cruza vida exterior com vida interior e, através da

palavra, cria imagens que provocam a meditação sobre o estar no mundo.

arte que te abriga arte que te habita arte que te falta arte que te imita arte que te modela arte que te medita arte que te mora arte que te mura arte que te todo arte que te parte arte que te torto ARTE QUE TE TURA 78 (Leminski,1996, p. 55)

A cidade é uma paisagem dominada pelo artificial, pela indiferença, pela solidão. Em

meio ao concreto que o abriga, o homem reifica-se, e a dureza passa a fazer parte de sua

natureza, passa a habitá-lo. Cria-se um círculo vicioso entre a arte e o homem – um imita o

outro –, em que o ser humano modela e é modelado pelo espaço físico que o cerca. Cada ser

vive isoladamente, murado, porque perdeu o contato com o outro devido ao domínio do

material sobre o humano. A cidade concreta e cheia de solidão é excludente e opressiva,

impedindo os direitos mais humanos.

O texto tem o efeito de visibilidade que nos propõe Calvino (op. cit.) pela

possibilidade de construir cenas claras com o uso da palavra. Deformando a palavra para criar

o trocadilho com o termo “arquitetura”, o poeta convida o leitor a participar da feitura da

imagem dentro de um mundo de tantos e tão diversificados apelos visuais prontos. Assim, o

poema é um espaço de contemplação e de interação com o outro, além de desestabilizar quem

interage com ele.

Percebe-se que o poema não descarta as estratégias da sociedade contemporânea. Ele

é um conjunto de pequenas fotografias, flashes e clics, numa tentativa de fixar, em um

instante, as imagens que o cercam. Isso pode parecer algo semelhante ao “dilúvio de

imagens”, porém, quando reproduz o procedimento dessa sociedade, aponta para a

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vertiginosidade da vida urbana, para a superficialidade frívola com que as questões são

abordadas. Há, em sua poesia, uma crítica à forma apressada e superficial com que a vida

urbana condiciona o olhar humano.

Mantendo a idéia de que a multiplicidade é um componente da vida urbana e não pode

ser desconsiderada e compreendendo que o isolamento e a solidão não são benéficos, o poeta

cria imagens inusitadas para revelar a presença do outro em sua poesia.

Distâncias Mínimas um texto morcego

se guia por ecos um texto texto cego

um eco anti anti anti antigo um grito na parede rede rede

volta verde verde verde com mim com com consigo

ouvir é ver se se se se se ou se se me lhe te sigo? (Leminski, 2006, p. 20)

Logo no primeiro verso, surge a imagem pouco usual de um texto morcego. Ao

caracterizar o substantivo “texto” com o termo “morcego” – animal associado à idéia de

vampirismo, no imaginário popular – o poema causa o estranhamento. O leitor é levado a

interrogar-se acerca da intenção dessa imagem, já que as associações semânticas da palavra

usada como adjetivo são sempre negativas. Essas associações foram motivadas por várias

características do animal: a aparência feia, o habitat pouco iluminado e os pseudos hábitos

alimentares. Todas essas acepções negativas impregnam o substantivo “texto”, mas,

inesperadamente, o poema indica outra leitura.

O segundo verso rompe com essa primeira imagem negativa e cria outra, partindo de

uma característica pouco conhecida na fisiologia do morcego: a cegueira, que o faz se guiar

pelo eco de um som que emite. Assim, o que era lúgubre, aterrorizante, ganha um tom

angustiante de algo que, sem ver, tenta encontrar um caminho. Do terceiro verso em diante, a

repetição de palavras reforça essa imagem e cria outras. A primeira é a de Eco, personagem

da mitologia grega, que, apaixonada e desprezada por Narciso, optou pela reclusão.

Paulatinamente, a tristeza a consome, seus ossos são transformados em penhascos, e dela só

restou a voz. Assim como a Eco mitológica, ao texto só restou a voz, mas é uma voz que não

lhe pertence realmente, é apenas a repetição da voz do outro.

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No entanto, o poeta se rebela contra essa sina e, ao contrário de Eco, que repete

sempre a terminação das palavras, subverte essa prática, repetindo o início da palavra

“antigo”. Essa repetição faz surgir o prefixo “anti”, que carrega o sentido de ação contrária, de

oposição. É o novo tentando opor-se ao antigo, embora seja oriundo dele. Essa é, contudo,

uma rebelião perdida, pois o grito de rebeldia acaba sendo repelido pela “parede” da tradição

e volta para ele como “rede” que o envolve. Só quando envolvido pela rede da tradição, o

novo realmente se renova, e esse processo é simbolizado pela palavra “verde”. Nessa cor, está

o sentido de esperança, de planta que renasce, de vida que se renova.

O poema termina interrogando-se se ouvir o eco da tradição é encontrar o próprio eu

(com mim) e o outro (consigo), se é se perder nas muitas vozes que ressoam marcadas pela

profusão de pronomes (se, me , lhe, te) ou, ainda, se o poeta segue uma possibilidade

inalcançável (se, se, se) ou apenas segue o seu semelhante. Essa última imagem é obtida a

partir da semelhança fônica entre os pronomes escolhidos (se, me, lhe, te) e a palavra

“semelhante”. Logo, é na estrutura do poema e na visualização da palavra que o poeta vai

criar a imagem surpreendente que provocará o estranhamento e a desestabilização do leitor.

Noutros poemas, ele dilui as fronteiras entre imaginação e visão, tornando o texto um

mosaico de cenas oriundas de diversas fontes em oposição às imagens fáceis e pré-fabricadas.

Um bom exemplo é o haicai publicado em Distraídos venceremos e analisado num belo

ensaio de Wilbert Salgueiro (2007), Poesia versus barbárie, que mostra como, utilizando duas

imagens carregadas de sentido para o mundo ocidental, o poeta questiona-se sobre o papel da

poesia. Mesmo sem desejar fazer da poesia um instrumento de luta política, porque tem a

convicção de que ela é um “inutensílio” e que essa é a sua maior contribuição para a

humanidade, Leminski não a concebe como uma atividade descolada da vida, da sociedade,

do contexto histórico.

lua à vista brilhavas assim

sobre auschwitz? (Leminski, 2006, p. 129)

Ao expressar seu desassossego, ele percorre os passos elencados por Calvino (op. cit.)

como fundamentais para a criação da imagem poética. O primeiro deles é a observação direta

do mundo real: a Lua – satélite da Terra, que sempre encantou os homens. O segundo é a

transfiguração do mundo real: a imagem da Lua está freqüentemente associada à beleza, à

leveza, ao inatingível, mas também ao elemento misterioso que, de longe, influencia as forças

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da natureza (as marés, as colheitas, os nascimentos). Esse satélite místico e mágico que está

sobre todos muda constantemente, tem fases. Ou seja, na imagem da Lua, também está

presente a idéia de força e poder. Salgueiro (op. cit.) observa que há, no poema, a metáfora

lua/poesia, porque ambas mantêm-se sobre todas as coisas, fechadas em seu próprio mistério,

em seu caráter de ornamento aparentemente inútil. A essa análise é possível acrescentar que

tanto a uma quanto à outra é atribuído um poder indefinido e impalpável, mas inegável, de

tocar o sentimento humano. A Lua toca quando muda de fases e desestabiliza os elementos

naturais; a poesia toca quando sua palavra desestabiliza a linguagem cotidiana. E o terceiro

passo é a condensação da experiência sensível, concretizado no momento em que a imagem

impassível da Lua é confrontada com uma imagem que, para o mundo ocidental, é um

símbolo da barbárie: Auschwitz – o mais famoso campo de concentração da II Guerra

Mundial. As gerações posteriores à guerra, ao ouvirem esse nome, imediatamente resgatam da

memória histórica as imagens do genocídio, das câmaras de gás, das covas coletivas. Embora

outros genocídios tenham acontecido e ainda aconteçam no mundo, nenhum se tornou tão

simbólico quanto o que aconteceu nesse campo de concentração do território polonês. Por

isso, ao relacionar duas imagens tão emblemáticas no imaginário ocidental (lua/poesia e

Auschwitz), o poeta causa um impacto e se questiona se, diante de tanto horror, a poesia

pode/pôde se manter indiferente. Ao provocar o surgimento das duas imagens e encerrar o

poema com uma pergunta, o poeta encontra a resposta: se a poesia, como a Lua, tem o poder

de influenciar os homens, mesmo que esse poder seja mínimo e indefinido, ela não pode se

manter distante e inalterada frente aos problemas da humanidade.

Por isso, o poeta não se cala, ao se ver diante dos tempos sombrios que o país vivia

durante a ditadura.

sombras derrubam sombras quando a treva está madura sombras o vento leva sombra nenhuma dura (Leminski, 2006, p. 120)

A ditadura surge na metáfora da sombra (espaço sem luz), apresentada como uma

situação que se autodestruirá. Reforçam a idéia de mácula, de escuridão cíclica, os vocábulos

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“treva” – associado ao predicativo “madura” – e “vento” – freqüentemente relacionado ao

tempo, elemento que, de acordo com o senso comum, impulsiona mudanças.

A visibilidade evoca a força poética do imaginário, sugerindo que a experiência e a

fantasia são compostas pela mesma matéria verbal. O ponto fundamental da visibilidade é

tornar visível para si e para os outros, com o uso intensivo da imaginação, aquilo que parece

impossível, inviável, inalcançável. E nada atualmente parece mais inalcançável do que se opor

à avalanche de imagens da sociedade de consumo. A literatura talvez seja o único meio de

alcançar o retorno à visão, conforme sugerido por Saramago (1995), em Ensaio sobre a

cegueira, no qual o autor português aponta que o olhar que volta a enxergar é um olho

educado, plenamente apto para atender à grande exigência do mundo contemporâneo: ver

tudo. Logo, somente a forma poética possui a propriedade de libertar a linguagem,

redescobrindo, desse modo, a figura do mundo, encoberta pela saturação iconográfica. A

imagem poética, como um valor e uma chave de acesso, apreensão, compreensão e explicação

de nossa condição humana, educa o olhar. Ao se reconhecer como um sujeito que vive sob o

imperialismo da visibilidade dentro de um mundo hipersemiótico, o homem alcança outros

mundos, até então escondidos.

O poeta da rapidez, da síntese, da fragmentação também é, paradoxalmente, o poeta da

contemplação, capaz de focalizar uma imagem e observá-la detidamente, de adentrar em seus

detalhes, de colocar “la vie en close”. Nessa atitude, surgem, como parte integrante da poesia

leminskiana, os elementos que Calvino (op. cit.) aponta como formadores da imaginação

literária (a observação do mundo, a cultura, a abstração, o sonho, a experiência sensível).

Na esteira das transformações socioeconômicas e culturais ocorridas no século XX,

veio a consciência da instabilidade e da fragmentação. Já não existe a crença em grandes leis

gerais que explicam tudo. O interesse recai sobre a parte (o fragmento), não mais sobre o

todo, porque este ficou incompreensível, grande demais, múltiplo demais. Portanto, o

pequeno, o mínimo, o detalhe ganha relevância. No período que compreende o final do século

XX e o início do século XXI, a multiplicidade – representada pela capacidade existente em

Leminski de explorar os diversos aspectos que existem em cada objeto, em cada fenômeno ou

situação aparentemente insignificante – recobriu-se de grande importância, porque apela para

um olhar atento e vagaroso, cedendo lugar à reflexão.

O poema de abertura de La vie en close, “L’être avant la lettre”, funciona como uma

justificativa do poeta para sua tentativa de captar o detalhe através da palavra.

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la vie en close

c’est une outre chose c’est lui c’est moi c’est ça c’est la vie dês choses qui n’ont pas un outre choix (Leminski, 2004, p. 5)

O texto também aponta para a superficialidade frívola com que as questões são

abordadas e critica a forma apressada e superficial de olhar do homem urbano, sujeito

formado no âmbito da cidade e que, como conseqüência, tem impressões momentâneas e

fragmentadas.

No close, a vida fecha-se e abre-se. A vida fecha-se, porque ele é um ângulo restrito de

visão que anula o entorno; porém, por ser uma aproximação, nele é possível ver aquilo que, à

distância, é imperceptível. Logo, amplia-se a visão: nuances, detalhes e relevos são revelados.

No quase imperceptível, surge uma vida que se expande quase infinitamente. Colocada em

close, a vida é sempre uma outra coisa. Assim, da observação desse mínimo, podem surgir

várias faces: a do outro (c’est lui), a própria (c’est moi) ou algo indecifrável, representado

pelo pronome indefinido (c’est ça). Ao utilizar o idioma francês para escrever o poema,

Leminski evoca a revolução francesa, cujo lema era “Liberdade, Igualdade, Fraternidade”, e

sugere que essa também é a sua bandeira, pois o close abre a visão para inúmeras

possibilidades. Assim, ele é um valor e uma chave de acesso que possibilita ao homem ver

além do óbvio.

Ao adotar o close, construindo uma poesia condensada, uma arquitetura mínima feita a

partir de parcos elementos, numa economia pura de linguagem, o poeta revela seu apreço ao

pequeno, valoriza a sutileza da percepção e, ao mesmo tempo, se opõe a um mundo de tantos

e tão diversificados apelos visuais. Leminski vislumbrava aquilo que o século XXI viveria

intensamente: a onipresença da imagem, causando um certo esvaziamento no que é dado a

ver. Por isso, Calvino (op. cit.) elege a visibilidade como um dos aspectos a ser preservado

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pela literatura no terceiro milênio, mas a coloca no campo da imaginação como antídoto

contra a homogeneização.

Como Calvino, Leminski crê na força da imagem, no seu poder icônico de síntese e de

diversidade. Para ele, sem a imagem, o campo da linguagem limita-se; portanto, não seria

possível abordar “sete assuntos por segundo” (LEMINSKI, 2004, p. 24.) sem cair na

superficialidade. Ao estabelecer uma estreita vinculação entre vida e poesia, ou seja,

compreender e realizar a poesia como abstração, elaboração e condensação da experiência

sensível, Leminski faz o inusitado brotar do cotidiano, interligando mundos distintos: mundo

sensível, imaginação e escrita. Dessa forma, posiciona-se poética e politicamente contra a

lógica unificadora e totalizadora da sociedade burguesa e identifica a pluralidade como saída

para os impasses que antevê na contemporaneidade. E é essa capacidade da escrita conter uma

diversidade de mundos que deveria, segundo Calvino (op. cit.) ser preservada no próximo

milênio.

Seu apreço pelo detalhe é uma intensa defesa da poesia (detalhe da linguagem), que o

poeta pretende não só preservar enquanto um bem capaz de humanizar a sociedade em que

está inserido, como também manter atual frente às conquistas tecnológicas dessa mesma

sociedade. Ele acredita no poder transcendental da linguagem, porque nela as imagens

encadeiam-se, renovam-se; entretanto, percebe a necessidade de a poesia se valer dos recursos

técnicos da mídia, principalmente no que se refere à projeção de imagens, sem, contudo,

sucumbir à tirania da sociedade de consumo.

A poesia seria um espaço interdisciplinar, livre, que não aceita pactos com as

“verdades”, sejam elas oriundas do Concretismo ou de qualquer outra estética. Essa convicção

justifica seu trânsito pelo Concretismo, pelo Tropicalismo, pela publicidade, pela música, pela

televisão.

A utilização de imagens surgidas a partir da linguagem faz tempos e espaços ficarem

justapostos, de maneira a serem percebidos, simultaneamente, pelo leitor, remontando a uma

escrita ideogrâmica que, claramente, influenciou a poesia leminskiana. No entanto, sua escrita

não se ligou, integralmente, a qualquer movimento, escola ou tendência, configurando-se uma

exploração da linguagem em suas múltiplas possibilidades. Ao buscar a coexistência entre o

antigo e o novo, anuncia outra época, fundada na pluralidade de valores e na confluência

temporal.

Seu desejo de ruptura, sua paixão crítica e sua utopia são índices de seu compromisso

com os valores revolucionários da modernidade em sua origem. Sua poesia se sustentou da

idéia modernista de prática literária que visa à ruptura com os cânones do passado e a

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perseguição do novo, sem que isso signifique desconsiderar a tradição. Ao mesmo tempo, sua

obra estava inserida nessa atitude um cunho político de viver a experiência revolucionária,

aderindo às causas libertárias e explicitando o desejo de transformar a sociedade via

linguagem ao fazer “un autre choix”.

A valorização do close é um traço recorrente na obra de Leminski. O conto “Descartes

com lentes”, inscrito, em 1966, em um concurso do gênero, já indica a preocupação do poeta

com o foco, com a visão ampliada. Esse texto daria origem a Catatau, no qual a luneta

(lentes) sempre foi lida como símbolo de distanciamento crítico, branco, europeu, em

oposição ao cachimbo com maconha que o filósofo carrega na outra mão. No entanto, a luneta

também é um objeto que amplia, aproxima, coloca o detalhe em destaque, que é captado por

seus poemas-fotos.

Leminski era alguém que queria a vida dentro da poesia; por isso, seus poemas são

clics que captam o momento que passa, porque “só o durante dura” (LEMINSKI, 1996, p.

23). Isso já aparece explicitado no título e na estrutura do primeiro livro que reuniu seus

poemas: Quarenta clics em Curitiba. Os clics são tanto seus poemas quanto as fotografias de

Jack Pires, com as quais seus textos dialogam.

O que o amanhã não sabe, o ontem não soube. Nada que não seja o hoje jamais houve. (Leminski, 1996, p. 47)

Ele faz uma abordagem fenomelógica do tempo. O presente é o agora dentro de si

mesmo. Se, na perspectiva clássica, o presente era visto em função do passado, e este era

concebido como um espaço do eterno; na modernidade, o presente nega e reinventa o passado

e confere duração ao que é provisório. O agora é, pois, o momento provisório que contém

uma poderosa potencialidade de aliar passado, presente e futuro.

A poesia não legitima qualquer saber ou verdade, porque tudo é provisório. Nesse

presente fragmentado e disperso, saberes múltiplos convivem, ora de maneira harmoniosa, ora

de maneira conflitante, mas ele é um espaço privilegiado em que há uma possibilidade

relativa de conjugar opostos sem que, com isso, cada elemento perca suas particularidades. O

presente é o lugar do não-unitário, da alteridade.

O poeta recusa a visão dualista do pensamento ocidental, que se construiu a partir de

uma relação excludente entre o que é e o que não é e adota a lógica da conciliação dos

contrários, predominante na filosofia oriental, aliando-a à sua pressa de viver, de escrever, de

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registrar o momento efêmero, fazendo que linguagens diferentes se interpenetrem. O poema

endossa a idéia de que o saber se constrói no agora, sustentado pela dúvida.

Os ensinamentos zen-budistas aparecem refletidos no poema na visão simultaneista do

tempo, assim como uma nova postura estética e política tropicalista-marginal: viver o

presente, editando o passado.

Ao admitir a relação entre texto e vida, Leminski cultua o seu tempo e o lugar de onde

fala. Por isso, elegeu o provisório, numa junção de arte e vida no “horizonte do provável”.

Talvez isso tenha ocorrido porque ele, atento às transformações sociais, políticas e

econômicas e tecnológicas de seu tempo, decidiu editar o presente, conjugando diversas

linguagens.

A preocupação de conjugar o verbal e o não-verbal sempre acompanhou Leminski

porque ele sentia uma insatisfação com os limites da linguagem verbal. Daí nasceu sua

ambição multimídia.

Confirma a tendência Quarenta clics em Curitiba. O livro uniu seus poemas à

fotografia de Jack Pires. Essa aproximação entre o verbal e o não-verbal se repetiria

futuramente em Winterverno, pois, segundo o poeta, ela amplia o repertório de recursos da

poesia verbal e a enriquece.

Posteriormente, Bonvicino (1999), nas notas às cartas publicadas em Envie meu

dicionário – cartas e alguma crítica, apresenta o poema não publicado “O milagre da

consciência”, no qual Leminski demonstra aguda percepção dos questionamentos que as

mudanças tecnológicas, com o surgimento da informática, trariam e ratifica sua preocupação

em apropriar-se da fecunda relação entre o verbal e o não-verbal.

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(Leminski, 1999, p. 176)

Apesar de não pretender ser um profeta da modernidade, Leminski parece ter

antecipado o impacto que as novas tecnologias provocariam no modo de os homens pensarem

sua humanidade. A seu modo, integrando a imagem à palavra e criando um texto híbrido, que

se situa entre o gênero história em quadrinhos e poesia, neutraliza a influência da informática

e aponta para a literatura, ainda que deformada em sua estrutura original, como forma de

preservar o sentido de humanidade pela força da imaginação, já que a lógica pode ser

reproduzida por um organismo artificial.

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Considerar a imaginação uma via de acesso ao conhecimento tão ou mais forte que a

razão o faz comparar o poeta no ato de escrever a uma aranha no exercício de tecer.

para fazer uma teia num minuto a aranha cobra pouco apenas um mosquito (Leminski, 2004, p. 150)

Apesar de o poeta e a aranha, para produzir suas obras, dissolverem-se, diluírem-se, a

aranha “cobra pouco” pelo que produz: “apenas um mosquito” para saciar sua fome, e o poeta

não cobra nada. Leminski revisita-se na imagem da aranha, mas de forma diversa, pois, no

poema “Razão de ser”, afirmara que tanto a ação da aranha de tecer teias quanto a do poeta de

tecer o texto, entrelaçando idéias, não tinham motivações, justificativas.

Em que pesem as mudanças ocorridas nessa releitura da imagem da aranha, ela ainda

guarda convergências com a imagem do poeta, visto que a teia e a poesia são elementos que

se sustentam do improvável, que estão ligados à realidade por fios frágeis. Todavia, assim

como os fios frágeis da teia são capazes de prender o mosquito, os fios frágeis do texto

também enredam o leitor. Assim, o poeta-aranha produz seu texto-teia para, com ele, fazer a

revolução em que acredita. No poema “Epístola a Régis”, Leminski compara, novamente, o

poeta à aranha: ambos são seres cujo destino está traçado: ela está destinada ao incessante

tecer, ele está fadado a escrever, porque “o signo é nosso destino / nossa desgraça e nossa

glória / uma aranha sempre sabe / que depois desta teia / virá outra teia e outra teia e outra.”

(LEMINSKI in LEMINSKI & BONVICINO, 1999, p. 53)

Seu foco nas coisas pequenas faz seus poemas-teias captarem a realidade circundante e

convertê-la em imagem poética. Nesse registro, o poeta mostra sua sensibilidade diante do

quase imperceptível. Seu olhar livre e perspicaz encontra sentido naquilo que é aparentemente

sem importância, aliando à visibilidade, a leveza e a exatidão, conforme ocorre no haicai

abaixo, em que a observação da sombra faz surgir uma sabedoria nipônica diante de um

acontecimento cotidiano.

sobressalto esse desenho abstrato minha sombra no asfalto (Leminski, 2004, p. 127)

A palavra “sobressalto” fragmenta-se por todo o poema. O “sobre” de “sobressalto”

desprende-se e ressurge nos vocábulos “abstrato” e “sombra”, presentes no segundo e terceiro

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versos, enquanto o “salto” aparece no som sibilante das palavras “esse”, “desenho”,

“abstrato”, “sombra” e “asfalto” e na rima dos três versos. O jogo sonoro corrobora para a

criação da idéia de que o poeta surge de seus fragmentos, mesmo que seja na forma de um

“desenho abstrato”. Essa espécie de estranhamento inesperado de si próprio é, ao mesmo

tempo, o reconhecimento de que esse ser estranho é uma parte dele mesmo. É esse

estranhamento que o poeta busca provocar no leitor quando persegue a informação nova e

coloca o detalhe da sombra em foco, ampliando a significação desse fenômeno insignificante

e corriqueiro, a partir de palavras simples (sobressalto, desenho, asfalto), trabalhadas através

de econômicos e sintéticos recursos poéticos.

Nessa montagem e desmontagem da palavra, ele cria uma visibilidade estrutural que

desintegra uma imagem e dá a ver outra, problematizando o real e causando um certo

desconforto. Do desconforto, causado por essa visibilidade, nascem a percepção e a reflexão,

e, assim, são formadas novas imagens.

Observando a realidade e passando-a pelo filtro da imaginação, a imagem criada pelo

poeta desnuda a relação íntima entre as coisas, faz surgir afinidades e dá a ver as relações

estabelecidas entre o visto e o sentido. Logo, ler a imagem é condição para a compreensão do

poema, pois ela é uma fulguração que permite abarcar uma diversidade. As imagens de

Leminski podem, portanto, convocar os sentidos, a imaginação e o pensamento. Elas são

personagens centrais, aglutinadoras de sentidos que concentram, em si, uma potência.

O sexto valor literário que merece ser preservado no próximo milênio, na opinião de

Calvino, é a consistência. Como o autor faleceu antes de proferir as palestras e não deixou

apontamentos acerca desse último tema, pois pretendia escrevê-la durante sua permanência

em Harvard, desconhecemos o que ele pensava e não tentaremos conjeturar qual seria o

conteúdo da sexta proposta. Tentaremos, apenas, recorrendo ao significado básico da palavra

e considerando as propostas anteriores, esclarecer o que seria a consistência de uma obra

literária.

Recorrer ao dicionário não trouxe muita luz à indagação. Ferreira (1975), em seu Novo

dicionário Aurélio, é sucinto e pouco esclarecedor com relação ao termo. No entanto, é

sempre possível depreender da definição dada pelo dicionarista algum esclarecimento. No

item dois do verbete consistência, lemos: “é a concordância aproximada entre os resultados de

várias medições de uma quantidade”. Logo a seguir, em figurado, é “perseverança, firmeza,

constância.” Contrapondo as definições às propostas anteriores, seria possível concluir que a

consistência literária consiste em existir, na obra, uma presença constante de exatidão, de

leveza, de rapidez de visibilidade e de multiplicidade. Portanto, o que entendemos por

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consistência na literatura é o resultado da presença desses procedimentos na obra do autor, de

tal forma que ela pulse de vida.

Se assim é, vale dizer que é possível encontrar consistência na poesia de Paulo

Leminski, porque ele levitou sobre a realidade sem se desligar dela, construiu pacientemente

uma mensagem rápida, associou o invisível ao visível, unificou processos imaginativos e

criou versões multifacetadas do mundo.

Embora não tenha vivido no terceiro milênio (morreu em 1989), o poeta curitibano

preservou esses valores ao percorrer um intrincado caminho, vagando entre o Concretismo e o

Tropicalismo, a poesia clássica ocidental e a poesia japonesa, o capricho e o relaxo, a pressa e

a paciência. Fez sua poética recolhendo fragmentos de idéias diversas e unindo-as em textos

híbridos. Seus deslizes, suas facilitações, seus erros não anulam a consistência de sua poesia,

pois, se o termo também aponta para a idéia de perseverança e de firmeza, ele foi, sem dúvida,

um “guerreiro da linguagem”, conforme o denominou Solange Rebuzzi (op. cit.). Isso porque,

mesmo errando, Leminski empreendeu uma luta com a palavra, almejando fazê-la transmitir

uma carga de conhecimento maior, transcendendo a própria linguagem e suas limitações.

Mesmo em meio às facilitações, ele viveu o conflito, lembrando que existem valores que

somente a literatura, ou principalmente ela, pode preservar, por ser um local privilegiado para

a imaginação, para a fantasia, para a abstração, para a convivência de múltiplas visões.

A consistência em sua obra pode ser percebida na sobreposição de imagens que o

poeta realiza. O movimento de afirmação da palavra, da linguagem pura, como ele diz, é a

negação da sociedade burguesa. Com essa estratégia, o poeta atinge outro tipo de

consistência: a consistência conceitual. Se, em alguns poemas, o inconformismo e,

conseqüentemente, a capacidade de inovar acabam arrefecendo; em outros, a permanência

desse ímpeto garante a consistência: imagem fértil, originalidade, invenção, precisão – o que

se justifica pelo fato de sua criação sempre ter sido movida pela paixão. Negar o mundo ou

querer construir um outro mundo através da poesia é sua forma de associar poesia e vida, de

projetar a palavra poética no mundo e o mundo na palavra. Essa relação entre poesia e vida dá

consistência à poesia leminskiana e tem relação com sua coerência no plano da conduta

pessoal.

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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Paulo Leminski pode ser lido por vários ângulos: pelas cartas, pelas entrevistas, pelos

ensaios, pelas atuações na mídia, pela prosa, pela poesia. É possível estudá-lo a partir de cada

um desses aspectos, porque toda sua obra está intimamente ligada: há poemas que surgiram de

ensaios, de cartas, de prosa; prosa nascida de poesia, como é o caso de Metaformose: uma

viagem pelo imaginário grego, que surgiu a partir de um poema publicado em Caprichos e

relaxos, no qual a palavras vão se transformando e sugerindo o processo contínuo de

metamorfose. Logo, por onde quer que se penetre em sua obra, sempre surgirão cruzamentos.

Não obstante os muitos caminhos que trilhou, sua obra sempre converge para a poesia.

Ela está no centro das atividades artísticas que o poeta desenvolveu ao longo da vida.

Podemos dizer que o próprio Leminski se empenhou em promover esse entrelaçamento,

realizando uma constante revisitação à própria obra. O conto “Descartes com lentes”, por

exemplo, foi o germe de Catatau, que, por sua vez, tem um de seus trechos como epígrafe de

Distraídos venceremos. Além disso, o poeta afirmou “eu vivo para fazer poesia” (LEMINSKI

in LEMINSKI & BONVICINO, 1999, p. 158), ratificando que a poesia sempre esteve no

centro de sua própria vida. No entanto, embora tenha conjugado vida e poesia, sempre foi

consciente das oposições entre elas e da impossibilidade de se explicar uma através da outra.

O exercício memorialístico que se faz ver em seus poemas é velado pelos artifícios da

linguagem, mesmo quando o poeta admite ser impossível afastar texto e experiência, ou a

realidade circundante.

Desejando conter a subjetividade, o poeta utiliza várias estratégias de apagamento.

Uma delas é explorar a presença de múltiplas vozes em seu texto. Com isso, denuncia a farsa

da unidade do eu e se reconhece sempre outro. Leminski parte do pressuposto de que todo

poema é uma releitura do já dito, do já escrito, ou seja, é uma tradução. Nessa tradução, a

forma de dizer não se desvincula do que é dito. São as formas que demonstram as

contradições e as oscilações de seu próprio pensamento e revelam um estado de cisão e de

dualidade. Admitindo ser um sujeito constituído por fragmentos, dividido, busca, no ato da

criação, “apagar-se” dentro da linguagem até que dele “só reste o charme”.

A intenção de Leminski de apagar-se na linguagem está presente em todos os seus

livros, contudo vem associada a uma consciência de que isso é impossível ou a um desejo

subliminar de presença. Em Caprichos e relaxos, ele escreve: “apagar-me / diluir-me /

desmanchar-me” (LEMINSKI, 2002, p. 54), mas conclui o poema num desejo de

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permanência no “charme”. Em Distraídos venceremos, no poema “Último aviso”, o poeta

alerta que “tinha que ser mistério” o seu “meu modo de desaparecer” (LEMINSKI, 2006, p.

89), apontando que seu “modo de desaparecer” tanto é a morte, com todos os seus mistérios,

quanto a poesia num falso desaparecimento. Já no livro póstumo O ex-estranho, a idéia de

apagamento ora exacerba-se, e o poeta almeja a evaporação total do ser, capaz de eliminar

quaisquer marcas de sua presença, como no poema Olinda Wischal: “pessoas deviam poder

evaporar / quando quisessem / não deixar por aí / lembranças pedaços carcaças” (LEMINSKI,

1996, p. 30); ora é vista como uma simples edição da subjetividade: “depois de muito meditar

/ resolvi editar / tudo o que o coração / me ditar” (id., ib., p. 65), revelando que se apagar

completamente foi impossível. O máximo que a racionalidade permitiu-lhe foi editar sua

subjetividade, utilizando, como estratégias, a rapidez, a multiplicidade, a exatidão; mas

observamos que, no fundo de toda a edição, sempre está presente um resquício de

subjetividade.

É editado na linguagem que o poeta se reconhece, se constitui, se recria, se revela.

Questionando sua própria existência, o poeta se encontra, se apresenta na superfície do papel.

Sua voz é capturável nas entrelinhas e nas articulações dos significantes do texto. Embora

velado, o poeta não consegue se apagar totalmente e pode ser entrevisto através da linguagem

do poema, porque, nela, querendo ou não, o sujeito emerge. Ao escrever, o poeta é,

simultaneamente, escrito pela linguagem. Manifestando-se nas articulações da linguagem, o

poeta com ela se confunde, e surge a sua voz porque seu texto não perde totalmente as marcas

de subjetividade. Entretanto, a voz não é somente sua, pois, dentro dela, coabitam múltiplas

vozes: da sociedade em que vive, da etnia a que pertence, da língua materna, das línguas que

aprendeu, dos autores que leu. Mesmo assim, elas não deixam de ser a sua, porque são as

vozes que o poeta escolheu para acompanhá-lo, para constituí-lo. Como são múltiplas e,

muitas vezes, antagônicas, estão em permanente embate. Colocá-las em constante diálogo, foi

sua maneira de lidar com essa oposição. Considerando que a vida é diversa e tudo o que viu,

viveu, sentiu, imaginou foi, de uma forma ou de outra, transformado em poesia, Leminski tem

a consciência de que somente a multiplicidade pode tentar abarcá-la. Portanto, a presença, em

seu texto, de muitas vozes não significa sua abolição enquanto sujeito.

Todas essas vozes são suas escolhas, pois, ao longo de sua convivência com as

palavras, criou o seu paideuma, misturando poesia clássica, poesia concreta, poesia marginal,

poesia japonesa e tropicália. A poesia japonesa deu-lhe a lição de economia e de imperfeição,

por se sustentar na idéia de que nada está totalmente acabado, pronto. Além disso, veio ao

encontro das inquietações do poeta ao permitir a conciliação dos contrários e a suspensão da

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lógica ocidental. Esses conceitos, reinventados pelo poeta e entrelaçados com o racionalismo

da poesia concreta, os saques da poesia marginal e a liberdade do tropicalismo construíram

um poeta singular, que promoveu o diálogo entre ocidente e oriente, exercitou o

multiculturalismo e fez muitas vozes serem ouvidas em sua poesia.

Assim, na obra de Leminski, diferentes linguagens interpenetram-se, e são

incorporados à sua poesia recursos variados. Sua preocupação em transitar por diferentes

caminhos da linguagem, visitando obras de culturas, épocas e estéticas diferentes, reflete a

crença na superação de opostos. Dessa conjunção de opostos, surge sua multiplicidade, na

qual os elementos opostos se fundem, numa síntese que não elimina a diferença entre os

elementos, desencadeando o não-unitário. Sua obra é regida pela lógica dos contrários. Ela

admite a dispersão e a fragmentação, a crise da idéia de verdade e a coexistência de saberes

múltiplos e discordes.

Toda essa mistura trouxe uma constante oscilação entre objetividade e subjetividade e

se faz ver desde o início da carreira, revelando a opção consciente do autor pela incerteza,

pela errância. Essa não-definição faz com que algumas interferências autobiográficas

contrastem com o apagamento e o afastamento da referência, que o autor afirma buscar no

prefácio de Distraídos venceremos. O livro apresenta um sujeito em crise que diz almejar o

afastamento da referência, portanto um apagamento da subjetividade, mas o faz dando

explicações ao leitor acerca de suas intenções, ou seja, assumindo uma voz autoral, e

recheando o livro de metapoemas que oferecem sua visão de poesia. Há, no livro, uma auto-

referencialidade. Ele se explica, se contesta, se indaga, instaura a dúvida e a contradição,

desnudando um sujeito em crise que vai se produzindo e se negando ao longo do texto, que

põe em xeque suas escolhas e revela sua ambigüidade na presença insistente de interrogações.

Desse modo, querendo afastar-se da referência, ele cria uma obra que funciona como

uma espécie de autobiografia de sua trajetória poética, surgindo daí um sujeito contraditório

que, ao mesmo tempo em que deseja esconder-se sob a linguagem, revela-se através dela.

Distraídos venceremos, escolhido como corpus principal deste trabalho, descortina um

momento de transição na poesia leminskiana. Prova disso é o grande número de indagações,

como já observara Álvaro Marins (1995) em sua tese, e a significativa presença de 80

metapoemas. As indagações apontam para a necessidade de encontrar uma via entre o rigor e

a espontaneidade da linguagem. O rigor precisa ser rompido, porque, para o poeta, a poesia é

o prazer, e o prazer não tem fórmulas. Paradoxalmente, a espontaneidade precisa ser contida,

porque Leminski não desejava perder de vista o trabalho formal com a palavra. Tais

constatações comprovam que o poeta encontrava-se num período de questionamento sobre

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seu fazer poético. Por isso, Distraídos venceremos é um livro que trata, sobretudo, de si

mesmo, das dúvidas do poeta diante do ato de escrever, entendido como forma de revolução.

Ao mesmo tempo, as dúvidas expressas no livro endossam a visão de Leminski de que a

poesia não se faz de certezas, mas de dúvidas.

Todo esse jogo de contradições coloca o leitor em um estado de estranhamento, de

desconforto, porque a poesia leminskiana aponta para o fato de que tudo é provisório. E isso

presentifica-se na dispersão do sujeito, no exercício da contradição, na pluralidade de vozes,

na ênfase e na materialidade da palavra, em seus sons e em suas imagens. Ele conjuga

elementos contraditórios por acreditar que, através dessa convivência, é possível atingir a

plenitude, mesmo que ela seja tensa e provisória. Logo, o poeta tem, na linguagem, sua

utopia, pois crê que, através dela, é possível atingir as pessoas.

O poeta, ao passar a limpo sua poesia, fazendo uma autocrítica, anuncia a crise da era

moderna e o surgimento de uma outra estética que, atualmente, recebe o nome de pós-

modernidade. Modernidade, tradição, ocidente, oriente, razão, emoção, subjetividade,

objetividade, caprichos e relaxos convivem no espaço do poema, uma vez que fronteiras

foram diluídas pelos poetas que o precederam. Isso porque, para se rebelar contra a exaltação

ao progresso empreendida pela sociedade burguesa, a arte moderna resgatou o antigo e

redimensionou o novo, fazendo com que este comportasse aquele. Assim, o que era antítese,

na Modernidade, tornou-se um conjunto de relações, estabelecido dentro do texto, que mostra

o novo na tradição e a tradição no novo. O conceito de informação nova na obra de Leminski

não recusa nem destrói a tradição, apenas dialoga, de forma crítica, com ela e a utiliza de

modo criativo. Do mesmo modo, ao reler a poesia japonesa, revitaliza, criticamente, a cultura

da qual ela faz parte. Retira a carga convencional do conceito de tradição, pluralizando-a e

retraçando-a sob a ótica da invenção, transformando-a em um leque de passados e geografias

diversas. Assim, ele enfatiza a importância do passado em relação às novas gerações e vice-

versa.

Ao pluralizar o conceito de “novo” e descentralizar a noção de tradição, Paulo

Leminski opta pela multiplicidade, pois acredita que ao poeta cabe eleger seus próprios

clássicos e subvertê-los. Tanto a eleição quanto a subversão são marcas definidoras desse

poeta. Nessa antropofagia, Leminski mostra-se e faz surgir, em sua poesia, o popular e o

erudito, reafirmando a abolição do conceito de alta e baixa cultura, já desconstruído pelo

Modernismo brasileiro, em sua fase heróica.

Em sua obra, as diferenças, longe de se anularem ou realizarem uma síntese

harmoniosa, se conjugam, se debatem e se modificam constantemente. Nesse traço

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antropofágico, a experiência da multiplicidade deixa transparecer que o poeta curitibano é

muitos, sem deixar de ser ele mesmo.

Essa estética de aceitação do outro sem perder-se, é também o desejo de viver a

experiência revolucionária, de tentar renovar uma sociedade fundada na desigualdade entre os

homens ou de fundar uma nova sociedade, na qual a coexistência entre os diferentes não

signifique a anulação de um em detrimento do outro.

O conceito de “novo”, em Leminski, não descarta a potencialidade que a linguagem

tem de informar, de transmitir uma mensagem, mas alia forma e conteúdo, pois acredita que

essa potencialidade é fruto dos vários sentidos que uma palavra pode irradiar dentro do texto.

Essa variedade de sentidos não advém do uso normal das palavras. Os novos sentidos são

produzidos nas relações estabelecidas entre as palavras dentro do poema. Se é dentro do

poema que existe a possibilidade do novo, cabe à poesia desautomatizar a palavra para fazê-la

surgir em toda a sua potência significativa. Para Leminski, um signo sempre remete a outro

signo, e, na medida em que um signo vai se ligando a outro, pela força da afinidade e da

oposição, novos sentidos vão surgindo. Leminski busca combater a automatização da

linguagem convencional, através da subversão dos sentidos, do trocadilho, da escrita

ideogrâmica, da construção de imagens, da rapidez, da exatidão na escolha lexical, do close.

A forma, em vez de ser um mero invólucro de idéias, é ela mesma conteúdo.

Ao eleger o close, privilegia ângulos simples, fatos banais, pedaços de vida. Eles são

focalizados e transformados em figuras e fatos insólitos. Leminski defendia uma escrita

despojada de referências não-essenciais e sem a contaminação da subjetividade, porque tinha

a crença de que um texto possui mais força quando se usa o menor número possível de

palavras para expressar uma idéia, corroborando com os conceitos de exatidão e de

visibilidade, propostos por Calvino (op. cit.). Contudo, a subjetividade não pode ser

totalmente apagada, visto que o poeta só pode constituir o poema selecionando situações,

palavras, imagens. E, embora esse seja um exercício racional, ele se realiza a partir de uma

perspectiva particular, portanto subjetiva.

Se é impossível apagar-se, o poeta decide focalizar as pequenas coisas em close, pois

esse ângulo aproximado anula o que está no entorno para ressaltar o detalhe imperceptível

daquilo que é observado. Leminski aproxima-se tanto que quase desaparece para dar lugar ao

ser observado. Mas, no próprio fenômeno que observa, o poeta ressurge, ora parcialmente, ora

integralmente. Seja no fragmento que recolhe, seja no instante que capta, a presença do poeta

é constante e inegável. Mesmo quando escreve haicai, cuja essência exige que o escritor

abandone sua subjetividade para re-significar a realidade que observa, o apagamento não

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ocorre completamente. Afinal, a re-significação, seja ela de um fato ou de um fenômeno,

sempre será particular, individual – logo, subjetiva. Isso comprova que o poeta se encobre e,

ao mesmo tempo, se revela.

Sua poesia mistura consciência e experiência, sendo quase impossível separar uma da

outra. A mesma subjetividade que aflora de sua poesia é exigida do leitor. Sua escrita exige

meditação e reflexão. Impõe ao leitor a complementação do sentido de seus minúsculos

poemas, de suas imagens concisas. É uma leitura que exige grande cumplicidade para que seja

profícua. Esse minimalismo provocado pelo contato com a poesia japonesa e fortalecido pela

poesia concreta fez a poesia leminskiana constituir-se por limitação, condensação e

simultaneidade, preocupando-se em exprimir-se através dos mais fundamentais elementos da

linguagem, caracterizando-se pela economia de palavras. Seus textos preferem sugerir

contextos a ditar significados. Espera-se do leitor uma participação direta, pois ele deve

decodificar o texto através de suas pistas e insinuações.

Em sua obra, poesia e vida estão amalgamadas. Seu modo de olhar a vida quer

desentranhar poesia do cotidiano. Ele alia ao close uma escrita rápida e exata que visa

apreender o instante e, na exaltação do instante, o eu fica elidido. No entanto, tanto na escolha

do instante a ser apreendido quanto das palavras que serão utilizadas para dar conta dessa

apreensão, o sujeito presentifica-se.

No prefácio de Distraídos venceremos, o poeta explicita a intenção de buscar a

rarefação através do afastamento da referência. Essa intenção também pode ser lida como

estratégia de afastamento do poeta, porque, ao afastar a palavra da relação com o que

referente, o poeta também busca distanciar-se. Os poemas que compõem o livro passam a

procurar a desintegração do sujeito na linguagem, numa constante tensão entre realidade e

escrita.

Esse constante conflito é sua singularidade. É a incerteza que o define. A poesia de

Leminski é uma tentativa de conjugar lucidez e paixão, capricho e relaxo, rigor e

descompromisso, arte e vida, subvertendo e relativizando o racionalismo da sociedade

burguesa e o pensamento racional ocidental. Cada um desses seus traços é importante em sua

obra. Como são opostos, o tom dominante não é de nenhum deles em particular, mas sua

oposição, a necessidade do poeta de fazê-los coexistirem e o fato de se perceber dividido em

muitas facetas. Por isso, qualquer análise unilateral que ignore o jogo de contrários inerente à

poesia leminskiana corre o risco de não dar conta de revelá-lo em sua ambigüidade.

Provavelmente, isso ocorreu porque ele se fez poeta num momento em que o

Modernismo e as vanguardas haviam derrubado algumas fronteiras, permitindo

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experimentações e misturas de estéticas. Toda essa liberdade poética do século XX alimentou

a poesia de Leminski. Por outro lado, como cidadão, viveu em um momento histórico no qual

ocorreram mudanças profundas na ordem social e cultural. Ele presenciou o surgimento e o

início da derrocada dos projetos socialistas – com os quais comungava –, apontando para o

fim da utopia de uma sociedade mais livre e igualitária.

Muitos aspectos de sua obra foram apenas tangenciados neste trabalho, sem o

aprofundamento que merecem. Essa tarefa, por ser extensa, caberá, com certeza, a outros

pesquisadores, já que o poeta curitibano põe em crise seu próprio trabalho, revisitando a si

mesmo e explorando diferentes campos da linguagem, dos quais busca extrair informação

nova.

Sem dúvida, é longo o legado da poesia e exige dos poetas do terceiro milênio um

esforço para mantê-lo naquilo que lhe foi fundamental: a leveza, a rapidez, a visibilidade, a

multiplicidade, a exatidão e a consistência. Leminski empreendeu esforços nesse sentido e

talvez sua maior contribuição seja seu desejo de tentar ultrapassar limites, de vencer as

barreiras de sua subjetividade, mesmo que, nesse embate, ele tenha vivido em conflito.

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