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www.autoresespiritasclassicos.com Léon Denis Depois da Morte Traduzido do Francês Léon Denis - Après la Mort (1889) Giotto - A Lamentação Conteúdo resumido “Depois da Morte” foi a primeira de uma série de obras monumentais escritas por Léon Denis, na sua

Léon Denis - Depois Da Morte

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Leon Denis - Depois da Morte

www.autoresespiritasclassicos.comLon Denis

Depois da Morte

Traduzido do Francs

Lon Denis - Aprs la Mort

(1889)

Giotto - A Lamentao

Contedo resumido

Depois da Morte foi a primeira de uma srie de obras monumentais escritas por Lon Denis, na sua misso de divulgar e defender o Espiritismo, dando continuidade grande obra de Allan Kardec.

Nesta obra, escrita em 1897, Denis amplia a nossa concepo da vida, demonstrando que somos seres imortais. Inicia fazendo uma avaliao das crenas e descrenas ao longo dos sculos. Em seguida, faz um estudo dos mais profundos temas: Deus, o Universo, a vida, a morte, a reencarnao e outros. E, aps uma exposio detalhada do mundo espiritual, finaliza demonstrando o objetivo maior do Espiritismo, que a elevao moral do ser humano.

Sumrio

5Dedicatria

6Introduo

9Primeira Parte Crenas e Negaes

91 As Religies - A Doutrina Secreta

132 A ndia

183 O Egito

214 A Grcia

255 A Glia

296 O Cristianismo

377 O Materialismo e o Positivismo

428 A Crise Moral

47Segunda Parte Os Grandes Problemas

479 O Universo e Deus

5510 A Vida Imortal

5711 A Pluralidade das Existncias

5912 O Alvo da Vida

6113 As Provas e a Morte

6314 Objees

65Terceira Parte O Mundo Invisvel

6515 A Natureza e a Cincia

6716 Matria e Fora - Princpio nico das Coisas

6817 Os Fluidos - O Magnetismo

7018 Fenmenos Espritas

7119 Testemunhos Cientficos

7520 O Espiritismo na Frana

7821 O Perisprito ou Corpo Espiritual

8022 Os Mdiuns

8223 A Evoluo Perispiritual

8324 Conseqncias Filosficas e Morais

8425 O Espiritismo e a Cincia

8626 Perigos do Espiritismo

8827 Charlatanismo e Venalidade

9028 Utilidade dos Estudos Psicolgicos

92Quarta Parte Alm-Tmulo

9229 O Homem, Ser Psquico

9330 A Hora Final

9531 O Julgamento

9732 A Vontade e os Fluidos

10033 A Vida no Espao

10234 A Erraticidade

10335 A Vida Superior

10836 Os Espritos Inferiores

11137 O Inferno e os Demnios

11238 Ao do Homem sobre os Espritos Infelizes

11439 Justia, Solidariedade, Responsabilidade

11640 Livre-arbtrio e Providncia

11841 Reencarnao

120Quinta Parte O Caminho Reto

12042 A Vida Moral

12243 O Dever

12444 F, Esperana, Consolaes

12645 Orgulho, Riqueza e Pobreza

12946 O Egosmo

13147 A Caridade

13448 Doura, Pacincia, Bondade

13649 O Amor

13850 Resignao na Adversidade

14251 A Prece

14552 Trabalho, Sobriedade, Continncia

14753 O Estudo

14954 A Educao

15155 Questes Sociais

15456 A Lei Moral

155Resumo

157Concluso

159Apndice Notas Especiais

Dedicatria

Aos nobres e grandes espritos que me revelaram o mistrio augusto do destino, a lei do progresso na imortalidade, cujos ensinos consolidaram em mim o sentimento da justia, o amor da sabedoria, o culto do dever, cujas vozes dissiparam as minhas dvidas, apaziguaram as minhas inquietaes; s almas generosas que me sustentaram na luta, consolaram na prova e elevaram meu pensamento at s alturas luminosas em que se assenta a Verdade, eu dedico estas pginas.

Introduo

Vi, deitadas em suas mortalhas de pedra ou de areia, as cidades famosas da antiguidade: Cartago, em brancos promontrios, as cidades gregas da Siclia, os arrabaldes de Roma, com os aquedutos partidos e os tmulos abertos, as necrpoles que dormem um sono de vinte sculos, debaixo das cinzas do Vesvio. Vi os ltimos vestgios das cidades longnquas, outrora formigueiros humanos, hoje runas desertas, que o sol do Oriente calcina com suas carcias ardentes.

Evoquei as multides que se agitaram e viveram nesses lugares: vi-as desfilar, diante do meu pensamento, com as paixes que as consumiram, com seus dios, seus amores e suas ambies desvanecidas, com seus triunfos e reveses fumaas dissipadas pelo sopro dos tempos. Vi os soberanos, chefes de imprios, tiranos ou heris, cujos nomes foram celebrados pelos fastos da Histria, mas que o futuro esquecer.

Passavam como sombras efmeras, como espectros truanescos que a glria embriaga uma hora, e que o tmulo chama, recebe e devora. E disse comigo mesmo: Eis em que se transformam os grandes povos, as capitais gigantes algumas pedras amontoadas, colinas silenciosas, sepulturas sombreadas por mirrados vegetais, em cujos ramos o vento da noite murmura suas queixas. A Histria registrou as vicissitudes de sua existncia, suas grandezas passageiras, sua queda final, porm tudo a terra sepultou. Quantos outros cujos nomes mesmos so desconhecidos; quantas civilizaes, raas, cidades grandiosas, jazem para sempre sob o lenol profundo das guas, na superfcie dos continentes submersos!

E perguntei a mim mesmo: por que essas geraes a se sucederem como camadas de areia que, acarretadas incessantemente pelas ondas, vo cobrir outras camadas que as precederam? Por que esses trabalhos, essas lutas, esses sofrimentos, se tudo deve terminar no sepulcro? Os sculos, esses minutos da eternidade, viram passar naes e reinos, e nada ficou de p. A esfinge tudo devorou!

Em sua carreira, para onde vai, pois, o homem? Para o nada ou para uma luz desconhecida? A Natureza risonha, eterna, moldura as tristes runas dos imprios, com os seus esplendores. Nela nada morre, seno para renascer. Leis profundas, uma ordem imutvel, presidem s suas evolues. S o homem, com suas obras, ter por destino o nada, o olvido? A impresso produzida pelo espetculo das cidades mortas, ainda a encontrei mais pungente diante dos frios despojos dos entes que me so caros, daqueles que partilharam a minha vida.

Um desses a quem amais vai morrer. Inclinado para ele, com o corao opresso, vedes estender-se lentamente, sobre suas feies, a sombra da morte. O foco interior nada mais d que plidos e trmulos lampejos; ei-lo que se enfraquece ainda, depois se extingue. E agora, tudo o que nesse ser atestava a vida, esses olhos que brilhavam, essa boca que proferia sons, esses membros que se agitavam, tudo est velado, silencioso, inerte. Nesse leito fnebre mais no fui que um cadver! Qual o homem que a si mesmo no pediu a explicao desse mistrio, e que, durante a viglia lgubre, nesse silenciar solene com a morte, deixou de refletir no que o espera a si prprio? A todos interessa esse problema, porque todos estamos sujeitos lei.

Convm saber se tudo acaba nessa hora, se mais no a morte que triste repouso no aniquilamento, ou, ao contrrio, o ingresso em outra esfera de sensaes.

Mas, de todos os lados levantam-se problemas. Por toda parte, no vasto teatro do mundo, dizem certos pensadores, reina como soberano o sofrimento; por toda parte, o aguilho da necessidade e da dor estimula esse galope desenfreado, esse bailado terrvel da vida e da morte. De toda parte levanta-se o grito angustioso do ser que se precipita no caminho do desconhecido. Para esse, a existncia s parece um perptuo combate: a glria, a riqueza, a beleza, o talento realezas de um dia! A morte passa, ceifando essas flores brilhantes, para s deixar hastes fanadas.

A morte o ponto de interrogao ante ns incessantemente colocado, o primeiro tema a que se ligam questes sem-nmero, cujo exame faz a preocupao, o desespero dos sculos, a razo de ser de imensa cpia de sistemas filosficos. Apesar desses esforos do pensamento, a obscuridade tem pesado sobre ns. A nossa poca se agita nas trevas e no vcuo, e procura, sem achar, um remdio a seus males. Imensos so os progressos materiais, mas no seio das riquezas acumuladas, pode-se ainda morrer de privaes e de misria. O homem no mais feliz nem melhor. No meio dos seus rudes labores, nenhum ideal elevado, nenhuma noo clara do destino o sustm; da seus desfalecimentos morais, excessos de revoltas. Extinguiu-se a f do passado; o cepticismo e o materialismo substituram-na e, ao sopro destes, o fogo das paixes, dos apetites, dos desejos, tem-se ateado. Convulses sociais ameaam-nos.

s vezes, atormentado pelo espetculo do mundo e pelas incertezas do futuro, o homem levanta os olhos para o cu, e pergunta-lhe a verdade. Interroga silenciosamente a Natureza e o seu prprio esprito. Pede Cincia os seus segredos, Religio os seus entusiasmos. Mas, a Natureza parece-lhe muda, e as respostas dos sbios e dos sacerdotes no satisfazem sua razo nem ao seu corao. Entretanto, existe uma soluo para esses problemas, soluo melhor, mais racional e mais consoladora que todas as oferecidas pelas doutrinas e filosofias do dia; tal soluo repousa sobre as bases mais slidas que conceber se possa: o testemunho dos sentidos e a experincia da razo.

No momento mesmo em que o materialismo atingia o seu apogeu, e por toda parte espalhava a idia do nada, surge uma crena nova apoiada em fatos. Ela oferece ao pensamento um refgio onde se encontra, afinal, o conhecimento das leis eternas de progresso e de justia. Um florescimento de idias que se acreditava mortas, mas que dormitavam apenas, produz-se e anuncia uma renovao intelectual e moral. Doutrinas, que foram a alma das civilizaes passadas, reaparecem sob mais desenvolvida forma, e numerosos fenmenos, por muito tempo desdenhados, mas cuja importncia enfim pressentida por certos sbios, vm oferecer-lhe uma base de demonstrao e de certeza. As prticas do magnetismo, do hipnotismo, da sugesto e, mais ainda, os estudos de Crookes, Russel Wallace, Paul Gibier, etc., sobre as foras psquicas, fornecem novos dados para a soluo do grande problema. Abrem-se abismos, formas de existncia revelam-se em centros onde no mais se cuidava de observ-los. E, dessas pesquisas, desses estudos, dessas descobertas, nascem uma concepo do mundo e da vida, um conhecimento de leis superiores, uma afirmao da ordem e da justia universais, apropriados a despertar no corao do homem, com uma f mais firme e mais esclarecida no futuro, um sentimento profundo dos seus deveres, um afeto real por seus semelhantes, capazes de transformarem a face das sociedades.

essa doutrina que oferecemos aos pesquisadores de todas as ordens e todas as classes. Ela j tem sido divulgada em numerosos volumes. Acreditamos nosso dever resumi-la nestas pginas, sob uma forma diferente, na inteno daqueles que esto cansados de viver como cegos, ignorando-se a si mesmos, daqueles que no se satisfazem mais com as obras de uma civilizao material e inteiramente superficial, mas que aspiram a uma ordem de coisas mais elevada. sobretudo para vs, filhos e filhas do povo, para quem a jornada spera, a existncia difcil, para quem o cu mais negro, mais frio o vento da adversidade; para vs que este livro foi escrito. No vos trar ele toda a cincia que o crebro humano no poderia conter , porm ser mais um degrau para a verdadeira luz. Provando-vos que a vida no uma ironia da sorte nem o resultado de um acaso estpido, mas a conseqncia de uma lei justa e eqitativa, abrindo-vos as perspectivas radiosas do futuro, ele fornecer um alvo mais nobre s vossas aes, far luzir um raio de esperana na noite de vossas incertezas, aliviar o fardo de vossas provaes e ensinar-vos- a no mais tremer diante da morte. Abri-o confiantemente; lede-o com ateno, porque emana de um homem que, acima de tudo, quer o vosso bem.

Entre vs, muitos talvez rejeitem nossas concluses: um pequeno nmero somente as aceitar. Que importa! No vamos em busca de xitos. Um nico mbil inspira-nos: o respeito, o amor verdade. Uma s ambio anima-nos: quereramos, quando nosso gasto invlucro voltasse terra, que o Esprito imortal pudesse dizer a si mesmo: minha passagem pelo mundo no ter sido estril se contribu para mitigar uma s dor, para esclarecer uma s inteligncia em busca da verdade, para reconfortar uma s alma vacilante e contristada.

Primeira ParteCrenas e Negaes1 As Religies - A Doutrina Secreta

Quando se lana um golpe de vista sobre o passado, quando se evoca a recordao das religies desaparecidas, das crenas extintas, apodera-se de ns uma espcie de vertigem ante o aspecto das sinuosidades percorridas pelo pensamento humano. Lenta sua marcha. Parece, a princpio, comprazer-se nas criptas sombrias da ndia, nos templos subterrneos do Egito, nas catacumbas de Roma, na meia-luz das catedrais; parece preferir os lugares escuros atmosfera pesada das escolas, o silncio dos claustros s claridades do cu, aos livres espaos, em uma palavra, ao estudo da Natureza.

Um primeiro exame, uma comparao superficial das crenas e das supersties do passado conduz inevitavelmente dvida. Mas, levantando-se o vu exterior e brilhante que ocultava s massas os grandes mistrios, penetrando-se nos santurios da idia religiosa, achamo-nos em presena de um fato de alcance considervel. As formas materiais, as cerimnias extravagantes dos cultos tinham por fim chocar a imaginao do povo. Por trs desses vus, as religies antigas apareciam sob aspecto diverso, revestiam carter grave e elevado, simultaneamente cientfico e filosfico. Seu ensino era duplo: exterior e pblico de um lado, interior e secreto de outro, e, neste ltimo caso, reservado somente aos iniciados. Conseguiu-se, no h muito, reconstituir esse ensino secreto, aps pacientes estudos e numerosas descobertas epigrficas. Desde ento, dissiparam-se a obscuridade e a confuso que reinavam nas questes religiosas; com a luz, fez-se a harmonia. Adquiriu-se a prova de que todos os ensinos religiosos do passado se ligam, porque, em sua base, se encontra uma s e mesma doutrina, transmitida de idade em idade a uma srie ininterrupta de sbios e pensadores.

Todas as grandes religies tiveram duas faces, uma aparente, outra oculta. Est nesta o esprito, naquela a forma ou a letra. Debaixo do smbolo material, dissimula-se o sentido profundo. O Bramanismo, na ndia, o Hermetismo, no Egito, o Politesmo grego, o prprio Cristianismo, em sua origem, apresentam esse duplo aspecto. Julg-las pela face exterior e vulgar o mesmo que apreciar o valor moral de um homem pelos trajes. Para conhec-las preciso penetrar o pensamento ntimo que lhes inspira e motiva a existncia; cumpre desprender do selo dos mitos e dogmas o princpio gerador que lhes comunica a fora e a vida. Descobre-se, ento, a doutrina nica, superior, imutvel, de que as religies humanas no so mais que adaptaes imperfeitas e transitrias, proporcionadas s necessidades dos tempos e dos meios.

Em nossa poca, muitos fazem uma concepo do Universo, uma idia da verdade, absolutamente exterior e material. A cincia moderna, em suas investigaes, tem-se limitado a acumular o maior nmero de fatos e, depois, a deduzir da as suas leis. Obteve, assim, maravilhosos resultados, porm, por tal preo, ficar-lhe- sempre inacessvel o conhecimento dos princpios superiores e das causas primitivas. As prprias causas secundrias escapam-lhe. O domnio invisvel da vida mais vasto do que aquele que atingido pelos nossos sentidos: l reinam essas causas de que somente vemos os efeitos.

Na antiguidade tinham outra maneira de ver, e um proceder muito diferente. Os sbios do Oriente e da Grcia no desdenhavam observar a natureza exterior, porm era sobretudo no estudo da alma, de suas potncias ntimas, que descobriam os princpios eternos. Para eles, a alma era como um livro em que se inscrevem, em caracteres misteriosos, todas as realidades e todas as leis. Pela concentrao de suas faculdades, pelo estudo profundo e meditativo de si mesmos, elevaram-se at Causa sem causa, at ao princpio de que derivam os seres e as coisas. As leis inatas da inteligncia explicavam-lhes a harmonia e a ordem da Natureza, assim como o estudo da alma lhes dava a chave dos problemas da vida.

A alma, acreditavam, colocada entre dois mundos, o visvel e o oculto, o material e o espiritual, observando-os, penetrando em ambos, o instrumento supremo do conhecimento. Conforme seu grau de adiantamento ou de pureza, reflete, com maior ou menor intensidade, os raios do foco divino. A razo e a conscincia no s guiam nossa apreciao e nossos atos, mas tambm so os mais seguros meios para adquirir-se e possuir-se a verdade.

A tais pesquisas era consagrada a vida inteira dos iniciados. No se limitavam, como em nossos dias, a preparar a mocidade com estudos prematuros, insuficientes, mal dirigidos, para as lutas e deveres da existncia. Os adeptos eram escolhidos, preparados desde a infncia para a carreira que deviam preencher e, depois, levados gradualmente aos pncaros intelectuais, de onde se pode dominar e julgar a vida. Os princpios da cincia secreta eram-lhes comunicados numa proporo relativa ao desenvolvimento das suas inteligncias e qualidades morais. A iniciao era uma refundio completa do carter, um acordar das faculdades latentes da alma. Somente quando tinha sabido extinguir em si o fogo das paixes, comprimir os desejos impuros, orientar os impulsos do seu ser para o Bem e para o Belo, que o adepto participava dos grandes mistrios. Obtinha, ento, certos poderes sobre a Natureza, e comunicava-se com as potncias ocultas do Universo.

No deixam subsistir dvida alguma sobre tal ponto os testemunhos da Histria a respeito de Apolnio de Tiana e de Simo, o Mago, bem como os fatos, pretensamente miraculosos, levados a efeito por Moiss e pelo Cristo. Os iniciados conheciam os segredos das foras fludicas e magnticas. Esse domnio, pouco familiar aos sbios dos nossos dias, a quem se afiguram inexplicveis os fenmenos do sonambulismo e da sugesto, no meio dos quais se debatem impotentes em concili-los com teorias preconcebidas, esse domnio, a cincia oriental dos santurios havia explorado, e estava possuidora de todas as suas chaves. Nele encontrava meios de ao incompreensveis para o vulgo, mas facilmente explicveis pelos fenmenos do Espiritismo. Em suas experincias fisiolgicas, a cincia contempornea chegou ao prtico desse mundo oculto conhecido dos antigos e regido por leis exatas. Ainda bem perto est o dia em que a fora dos acontecimentos e o exemplo dos audaciosos constrang-la-o a tal. Reconhecer, ento, que nada h a de sobrenatural, mas, ao contrrio, uma face ignorada da Natureza, uma manifestao das foras sutis, um aspecto novo da vida que enche o infinito.

Se, do domnio dos fatos, passarmos ao dos princpios, teremos de esboar desde logo as grandes linhas da doutrina secreta. Ao ver desta, a vida no mais que a evoluo, no tempo e no espao, do Esprito, nica realidade permanente. A matria sua expresso inferior, sua forma varivel. O Ser por excelncia, fonte de todos os seres, Deus, simultaneamente triplo e uno essncia, substncia e vida , em que se resume todo o Universo. Da o desmo trinitrio que, da ndia e do Egito, passou, desfigurando-se, para a doutrina crist. Esta, dos trs elementos do Ser, fez as pessoas. A alma humana, parcela da grande alma, imortal. Progride e sobe para o seu autor atravs de existncias numerosas, alternativamente terrestres e espirituais, por um aperfeioamento contnuo. Em suas encarnaes, constitui ela o homem, cuja natureza ternria o corpo, o perisprito e a alma , centros correspondentes da sensao, sentimento e conhecimento, torna-se um microcosmo ou pequeno mundo, imagem reduzida do macrocosmo ou Grande-Todo. Eis por que podemos encontrar Deus no mais profundo do nosso ser, interrogando a ns mesmos na solido, estudando e desenvolvendo as nossas faculdades latentes, a nossa razo e conscincia. Tem duas faces a vida universal: a involuo ou descida do Esprito matria para a criao individual, e a evoluo ou ascenso gradual, na cadeia das existncias, para a Unidade divina.

Prendia-se a esta filosofia um feixe inteiro de cincias: a Cincia dos Nmeros ou Matemticas Sagradas, a Teogonia, a Cosmogonia, a Psicologia e a Fsica. Nelas, os mtodos indutivo e experimental combinavam-se e serviam-se reciprocamente de verificao, formando, assim, um todo imponente, um edifcio de propores harmnicas.

Este ensino abria ao pensamento perspectivas suscetveis de causarem vertigem aos espritos mal preparados, e por isso era somente reservado aos fortes. Se, por verem o infinito, as almas dbeis ficam perturbadas e desvairadas, as valentes fortificam-se e medram. no conhecimento das leis superiores que estas vo beber a f esclarecida, a confiana no futuro, a consolao na desgraa. Tal conhecimento produz benevolncia para com os fracos, para com todos esses que se agitam ainda nos crculos inferiores da existncia, vtimas das paixes e da ignorncia; inspira tolerncia para com todas as crenas. O iniciado sabia unir-se a todos e orar com todos. Honrava Brahma na ndia, Osris em Mnfis, Jpiter na Olmpia, como plidas imagens da Potncia Suprema, diretora das almas e dos mundos. assim que a verdadeira religio se eleva acima de todas as crenas e a nenhuma maldiz.

O ensino dos santurios produziu homens realmente prodigiosos pela elevao de vistas e pelo valor das obras realizadas, uma elite de pensadores e de homens de ao, cujos nomes se encontram em todas as pginas da Histria. Da saram os grandes reformadores, os fundadores de religies, os ardentes propagandistas: Krishna, Zoroastro, Hermes, Moiss, Pitgoras, Plato e Jesus; todos os que tm posto ao alcance das multides as verdades sublimes que fazem sua superioridade. Lanaram aos ventos a semente que fecunda as almas, promulgaram a lei moral, imutvel, sempre e em toda parte semelhante a si mesma. Mas, no souberam os discpulos guardar intacta a herana dos mestres. Mortos estes, os seus ensinos ficaram desnaturados e desfigurados por alteraes sucessivas. A mediocridade dos homens no era apta a perceber as coisas do esprito e bem depressa as religies perderam a sua simplicidade e pureza primitivas. As verdades que tinham sido ensinadas foram sufocadas sob os pormenores de uma interpretao grosseira e material. Abusou-se dos smbolos para chocar a imaginao dos crentes e, muito breve, a idia mter ficou sepultada e esquecida sob eles. A verdade comparvel s gotas de chuva que oscilam na extremidade de um ramo. Enquanto a ficam suspensas, brilham como puros diamantes aos raios do Sol; desde, porm, que tocam o cho, confundem-se com todas as impurezas. O que nos vem de cima mancha-se ao contacto terrestre. At mesmo ao seio dos templos levou o homem as suas concupiscncias e misrias morais. Por isso, em cada religio, o erro, este apangio da Terra, mistura-se com a verdade, este bem dos cus.

*

Pergunta-se algumas vezes se a religio necessria. A religio (do latim religare, ligar, unir), bem compreendida, deveria ser um lao que prendesse os homens entre si, unindo-os por um mesmo pensamento ao princpio superior das coisas. H na alma um sentimento natural que a arrasta para um ideal de perfeio em que se identificam o Bem e a Justia. Este sentimento, o mais nobre que poderemos experimentar, se fosse esclarecido pela Cincia, fortificado pela razo, apoiado na liberdade de conscincia, viria a ser o mvel de grandes e generosas aes; mas, manchado, falseado, materializado, tornou-se, muitas vezes, pelas inquietaes da teocracia, um instrumento de dominao egostica.

A religio necessria e indestrutvel porque se baseia na prpria natureza do ser humano, do qual ela resume e exprime as aspiraes elevadas. , igualmente, a expresso das leis eternas e, sob este ponto de vista, tende a confundir-se com a filosofia, fazendo com que esta passe do domnio da teoria ao da execuo, tornando-se vivaz e ativa.

Mas, para exercer uma influncia salutar, para voltar a ser um incitante de progresso e elevao, a religio deve despojar-se dos disfarces com que se revestiu atravs dos sculos. No so os seus elementos primordiais que devem desaparecer, mas, sim, as formas exteriores, os mitos obscuros, o culto, as cerimnias. Cumpre evitar confundir coisas to dessemelhantes. A verdadeira religio um sentimento; no corao humano, e no nas formas ou manifestaes exteriores, que est o melhor templo do Eterno. A verdadeira religio no poderia ser encerrada dentro de regras e ritos acanhados; no necessita de sacerdotes nem de frmulas nem de imagens.

Pouco se inquieta com simulacros e modos de adorar; s julga os dogmas por sua influncia sobre o aperfeioamento das sociedades. Abraa todos os cultos, todos os sacerdcios, eleva-se bastante e diz-lhes: A Verdade ainda est muito acima!

Entretanto, deve-se compreender que nem todos os homens se acham em vias de atingir esses pncaros intelectuais. Eis por que a tolerncia e a benevolncia so coisas que se impem. Se, por um lado, o dever convida-nos a desprender os bons espritos dos aspectos vulgares da religio, por outro, preciso nos abstermos de lanar a pedra s almas sofredoras, lacrimosas, incapazes de assimilar noes abstratas, mas que encontram arrimo e conforto na sua cndida f.

Verifica-se, porm, que, de dia para dia, diminui o nmero dos crentes sinceros. A idia de Deus, outrora simples e grande nas almas, foi desnaturada pelo temor do inferno e perdeu seu poder. Na impossibilidade de se elevarem at ao absoluto, certos homens acreditaram ser necessrio adaptar sua forma e medida tudo o que queriam conceber. Foi assim que rebaixaram Deus ao nvel deles prprios, atribuindo-lhe as suas paixes e fraquezas, amesquinhando a Natureza e o Universo, e, sob o prisma da ignorncia, decompondo em cores diversas os argnteos raios da verdade. As claras noes da religio natural foram obscurecidas a bel-prazer. A fico e a fantasia engendraram o erro e este, preso ao dogma, ergueu-se como um obstculo no meio do caminho. A luz ficou velada para aqueles que se acreditavam seus depositrios e as trevas, com que pretendiam envolver os outros, fizeram-se em si prprios e ao seu redor. Os dogmas perverteram o critrio religioso, e o interesse de casta falseou o senso moral. Da um acervo de supersties, de abusos e prticas idlatras, cujo espetculo lanou tantos homens na negao.

A reao, porm, anuncia-se. As religies, imobilizadas em seus dogmas como as mmias em suas faixas, agora agonizam, abafadas em seus invlucros materiais, enquanto tudo marcha e evolve em torno delas. Perderam quase toda a influncia sobre os costumes, sobre a vida social, e esto destinadas a perecer. Mas, como todas as coisas, as religies s morrem para renascer. A idia que os homens fazem da Verdade modifica-se e dilata com o decorrer dos tempos. Eis por que as religies, manifestaes temporrias, vistas parciais da eterna Verdade, tendem a transformar-se desde que j tenham cumprido a sua tarefa, e no mais correspondam aos progressos e s necessidades da Humanidade. medida que esta caminha, so precisas novas concepes, um ideal mais elevado, e isso s poder ser encontrado nas descobertas da Cincia, nas intuies crescentes do pensamento. Chegamos a uma poca da Histria em que as religies encanecidas aluem-se por suas bases, poca em que se prepara uma renovao filosfica e social. O progresso material e intelectual desafia o progresso moral. Na profundeza das almas agita-se um mundo de aspiraes, que faz esforos por tomar forma e aparecer vida. O sentimento e a razo, essas duas grandes foras imperecveis como o Esprito humano, de que so atributos, foras hostis at hoje e que perturbavam a sociedade com os seus conflitos, semeando por toda parte a discrdia, a confuso e o dio, tendem, finalmente, a se conciliarem. A religio deve perder seu carter dogmtico e sacerdotal para tornar-se cientfica; a cincia libertar-se- dos baixios materialistas para esclarecer-se com um raio divino. Surgir uma doutrina, idealista em suas tendncias, positiva e experimental em seu mtodo, apoiada sobre fatos inegveis. Sistemas opostos na aparncia, filosofias contraditrias e inimigas, o Espiritismo e o Naturalismo, entre outras, acharo, afinal, um terreno de reconciliao. Sntese poderosa, ela abraar e ligar todas as concepes variadas do mundo e da vida, raios dispersos, faces variadas da Verdade.

Ser a ressurreio, sob forma mais ampla e a todos acessvel, dessa doutrina que o passado conheceu, ser o aparecimento da religio natural que renascer simples, sem cultos nem altares. Cada pai ser sacerdote em sua famlia, ensinar e dar o exemplo. A religio passar para os atos, para o desejo ardente do bem; o holocausto ser o sacrifcio de nossas paixes, o aperfeioamento do Esprito humano. Tal a doutrina superior, definitiva, universal, no seio da qual sero absorvidas, como os rios pelo oceano, todas as religies passageiras, contraditrias, causas freqentes de dissidncia e dilacerao para a Humanidade.

2 A ndia

Dissemos que a doutrina secreta achava-se no fundo de todas as religies e nos livros sagrados de todos os povos. De onde veio ela? Qual a sua origem? Quais os homens que a conceberam e fizeram depois a sua descrio? As mais antigas escrituras so as que resplandecem nos cus.

Esses mundos estelares que, atravs das noites calmas, deixam cair serenas claridades, constituem as escrituras eternas e divinas de que fala Dupuis. Os homens tm-nas, sem dvida, consultado antes de escrever; mas os primeiros livros em que se encontra exposta a grande doutrina so os Vedas. o molde em que se formou a religio primitiva da ndia, religio inteiramente patriarcal, simples e pura, como uma existncia desprovida de paixes, passando vida tranqila e forte ao contacto da natureza esplndida do Oriente.

Os hinos vdicos igualam em grandeza e elevao moral a tudo o que, no decorrer dos tempos, o sentimento potico engendrou de mais belo. Celebram Agni, o fogo, smbolo do Eterno Masculino ou Esprito Criador; Sorna, o licor do sacrifcio, smbolo do Eterno Feminino, Alma do Mundo, substncia etrea. Em sua unio perfeita, esses dois princpios essenciais do Universo constituem o Ser Supremo, Zians ou Deus.

O Ser Supremo imola-se a si prprio e divide-se para produzir a vida universal. Assim, o mundo e os seres sados de Deus voltam a Deus por uma evoluo constante. Da a teoria da queda e da reascenso das almas que se encontra no Oriente. Ao sacrifcio do fogo resume-se todo o culto vdico. Ao levantar do dia, o chefe de famlia, pai e sacerdote ao mesmo tempo, acendia a chama sagrada no altar da Terra e, assim, para o cu azul, subia alegre a prece, a invocao de todos Fora nica e viva, que est coberta pelo vu transparente da Natureza.

Enquanto se cumpre o sacrifcio, dizem os Vedas, os Assuras ou Espritos superiores e os Pitris ou almas dos antepassados cercam os assistentes e se associam s suas preces. Portanto, a crena nos Espritos remonta s primeiras idades do mundo.

Os Vedas afirmam a imortalidade da alma e a reencarnao:

H uma parte imortal do homem que aquela, o Agni, que cumpre aquecer com teus raios, inflamar com teus fogos. De onde nasceu a alma? Umas vm para ns e daqui partem, outras partem e tornam a voltar.

Os Vedas so monotestas; as alegorias que se encontram em cada pgina apenas dissimulam a imagem da grande Causa primria, cujo nome, cercado de santo respeito, no podia, sob pena de morte, ser pronunciado. As divindades secundrias ou devas personificam os auxiliares inferiores do Ser Supremo, as foras vivas da Natureza e as qualidades morais.

Do ensino dos Vedas decorria toda a organizao da sociedade primitiva, o respeito mulher, o culto dos antepassados, o poder eletivo e patriarcal. Os homens viviam felizes, livres e em paz.

Durante a poca vdica, na vasta solido dos bosques, nas margens dos rios e lagos, anacoretas ou rishis passavam os dias no retiro. Intrpretes da cincia oculta, da doutrina secreta dos Vedas, eles possuam j esses misteriosos poderes, transmitidos de sculo em sculo, de que gozam ainda os faquires e os jogues. Dessa confraria de solitrios saiu o pensamento inovador, o primeiro impulso que fez do Bramanismo a mais colossal das teocracias.

Krishna, educado pelos ascetas no seio das florestas de cedros que coroam os pncaros nevoentos do Himalaia, foi o inspirador das crenas dos hindus. Essa grande figura aparece na Histria como o primeiro dos reformadores religiosos, dos missionrios divinos. Renovou as doutrinas vdicas, apoiando-se sobre as idias da Trindade, da imortalidade da alma e de seus renascimentos sucessivos. Selada a obra com o seu prprio sangue, deixou a Terra, legando ndia essa concepo do Universo e da Vida, esse ideal superior em que ela tem vivido durante milhares de anos.

Sob nomes diversos, pelo mundo espalhou-se essa doutrina com todas as migraes de homens, de que foi origem a regio da ndia. Essa terra sagrada no somente a me dos povos e das civilizaes, tambm o foco das maiores inspiraes religiosas.

Krishna, rodeado por um certo nmero de discpulos, ia de cidade em cidade espalhar os seus ensinos:

O corpo dizia ele , envoltrio da alma, que a faz sua morada, uma coisa finita; porm, a alma que o habita invisvel, impondervel e eterna.

O destino da alma depois da morte constitui o mistrio dos renascimentos. Assim como as profundezas do cu se abrem aos raios dos astros, assim tambm os recnditos da vida se esclarecem luz desta verdade.

Quando o corpo entra em dissoluo, se a pureza que o domina, a alma voa para as regies desses seres puros que tm o conhecimento do Altssimo. Mas, se dominado pela paixo, a alma vem de novo habitar entre aqueles que esto presos s coisas da Terra. Assim, a alma, obscurecida pela matria e pela ignorncia, novamente atrada para o corpo de seres irracionais.

Todo renascimento, feliz ou desgraado, conseqncia das obras praticadas nas vidas anteriores.

H, porm, um mistrio maior ainda. Para atingir a perfeio, cumpre conquistar a cincia da Unidade, que est acima de todos os conhecimentos; preciso elevar-se ao Ser divino, que est acima da alma e da inteligncia. Esse Ser divino est tambm em cada um de ns:

Trazes em ti prprio um amigo sublime que no conheces, pois Deus reside no interior de todo homem, porm poucos sabem ach-lo. Aquele que faz o sacrifcio de seus desejos e de suas obras ao Ser de que procedem os princpios de todas as coisas, obtm por tal sacrifcio a perfeio, porque, quem acha em si mesmo sua felicidade, sua alegria, e tambm sua luz, um com Deus. Ora, fica sabendo, a alma que encontrou Deus est livre do renascimento e da morte, da velhice e da dor, e bebe a gua da imortalidade.

Krishna falava na sua misso e da sua prpria natureza em termos sobre os quais convm meditar. Dirigindo-se aos seus discpulos, dizia:

Tanto eu como vs temos tido vrios nascimentos. Os meus s de mim so conhecidos, porm vs nem mesmo os vossos conheceis. Posto que, por minha natureza, eu no esteja sujeito a nascer e a morrer, todas as vezes que no mundo declina a virtude, e que o vcio e a injustia a superam, torno-me ento visvel; assim me mostro, de idade em idade, para salvao do justo, para castigo do mau, e para restabelecimento da verdade.

Revelei-vos os grandes segredos. No os digais seno queles que os podem compreender. Sois os meus eleitos: vedes o alvo, a multido s descortina uma ponta do caminho.

Por essas palavras a doutrina secreta estava fundada. Apesar das alteraes sucessivas que teve de suportar, ela ficar sendo a fonte da vida em que, na sombra e no silncio, se inspiram todos os grandes pensadores da antiguidade.

A moral de Krishna tambm era muito pura:

Os males com que afligimos o prximo perseguem-nos, assim como a sombra segue o corpo. As obras inspiradas pelo amor dos nossos semelhantes so as que mais pesaro na balana celeste. Se convives com os bons, teus exemplos sero inteis; no receeis habitar entre os maus para os reconduzir ao bem. O homem virtuoso semelhante a uma rvore gigantesca, cuja sombra benfica permite frescura e vida s plantas que a cercam.

Sua linguagem elevava-se ao sublime quando falava da abnegao e do sacrifcio:

O homem de bem deve cair aos golpes dos maus como o sndalo que, ao ser abatido, perfuma o machado que o fere.

Quando os sofistas pediam que explicasse a natureza de Deus, respondia-lhes:

S o infinito e o espao podem compreender o infinito. Somente Deus pode compreender a Deus.

Dizia ainda:

Nada do que existe pode perecer, porque tudo est contido em Deus. Visto isso, no alvitre sbio chorarem-se os vivos ou os mortos, pois nunca todos ns cessaremos de subsistir alm da vida presente.

Sobre a comunicao dos Espritos:

Muito tempo antes de se despojarem de seu envoltrio mortal, as almas que s praticaram o bem adquirem a faculdade de conversar com as almas que as precederam na vida espiritual.

isto o que, ainda em nossos dias, afirmam os brmanes pela doutrina dos Pitris, mesmo porque, em todos os tempos, a evocao dos mortos tem sido uma das formas da sua liturgia.

Tais so os principais pontos dos ensinos de Krishna, que se encontram nos livros sagrados conservados ainda nos santurios do sul do Indosto.

A princpio, a organizao social da ndia foi calcada pelos brmanes sobre suas concepes religiosas. Dividiram a sociedade em trs classes, segundo o sistema ternrio; mas, pouco a pouco, tal organizao degenerou em privilgios sacerdotais e aristocrticos. A hereditariedade imps os seus limites estreitos e rgidos s aspiraes de todos. A mulher, livre e honrada nos tempos vdicos, tornou-se escrava, e dos filhos s soube fazer escravos, igualmente. A sociedade condensou-se num molde implacvel, a decadncia da ndia foi a sua conseqncia inevitvel. Petrificado em suas castas e seus dogmas, esse pas teve um sono letrgico, imagem da morte, que nem mesmo foi perturbado pelo tumulto das invases estrangeiras! Acordar ainda? S o futuro poder diz-lo.

Os brmanes, depois de terem estabelecido a ordem e constitudo a sociedade, perderam a ndia por excesso de compresso. Assim tambm, despiram toda a autoridade moral da doutrina de Krishna, envolvendo-a em formas grosseiras e materiais.

Se considerarmos o Bramanismo somente pelo lado exterior e vulgar, por suas prescries pueris, cerimonial pomposo, ritos complicados, tbulas e imagens de que to prdigo, seremos levados a nele no ver mais que um acervo de supersties. Seria, porm, erro julg-lo unicamente pelas suas aparncias exteriores. No Bramanismo, como em todas as religies antigas, cumpre distinguir duas coisas:

Uma o culto e o ensino vulgar, repletos de fices que cativam o povo, auxiliando a conduzi-lo pelas vias da submisso. A esta ordem de idias liga-se o dogma da metempsicose ou renascimento das almas culpadas em corpos de animais, insetos ou plantas, espantalho destinado a atemorizar os fracos, sistema hbil imitado pelo Catolicismo quando concebeu os mitos de Satans, do inferno e dos suplcios eternos;

A outra o ensino secreto, a grande tradio esotrica que fornece sobre a alma e seus destinos, e sobre a causa universal, as mais puras e elevadas reflexes. Para conseguir isso, necessrio penetrar-se nos mistrios dos pagodes, folhear os manuscritos que estes encerram e interrogar os brmanes sbios.

*

Cerca de seiscentos anos antes da era Crist, um filho de rei, kyamuni ou o Buddha, foi acometido de profunda tristeza e imensa piedade pelos sofrimentos dos homens. A corrupo invadira a ndia, logo depois de alteradas as tradies religiosas, e, em seguida, vieram os abusos da teocracia vida do poder. Renunciando s grandezas, vida faustosa, o Buddha deixa o seu palcio e embrenha-se na floresta silenciosa. Aps longos anos de meditao, reaparece para levar ao mundo asitico seno uma crena nova, ao menos uma outra expresso da Lei.

Segundo o Budismo, est no desejo a causa do mal, da dor, da morte e do renascimento. o desejo, a paixo que nos prende s formas materiais e que desperta em ns mil necessidades sem cessar, reverdecentes e nunca saciadas, tornando-se assim, outros tantos tiranos. O fim elevado da vida arrancar a alma aos turbilhes do desejo. Consegue-se isso pela reflexo, austeridade, pelo desprendimento de todas as coisas terrenas, pelo sacrifcio do eu, pela iseno do cativeiro egosta da personalidade. A ignorncia o mal soberano de que decorrem o sofrimento e a misria; o principal meio para se melhorar a vida no presente e no futuro adquirir-se o conhecimento.

O conhecimento compreende a cincia da natureza visvel e invisvel, o estudo do homem e dos princpios das coisas. Estes so absolutos e eternos. O mundo, sado por sua prpria atividade de um estado uniforme, est numa evoluo contnua. Os seres, descidos do Grande-Todo a fim de operarem o problema da Perfeio, inseparvel do estado de liberdade e, por conseguinte, do movimento e do progresso, tendem sempre a voltar ao Bem perfeito. No penetram no mundo da forma seno para trabalharem no complemento da sua obra de aperfeioamento e elevao. Podem realizar isso pela Cincia, ou Upanishaci, e complet-lo pelo Amor, ou Purana.

A Cincia e o Amor so dois fatores essenciais do Universo. Enquanto no adquire o amor, o ser est condenado a prosseguir na srie das reencarnaes terrestres.

Sob a influncia de tal doutrina, o instinto egosta v estreitar-se pouco a pouco o seu circulo de ao. O ser aprende a abraar num mesmo amor tudo o que vive e respira; e isto nada mais que um dos degraus da sua evoluo, pois esta deve conduzi-lo a s amar o eterno princpio de que emana todo o amor, e para onde todo ele deve necessariamente voltar. Esse estado o do Nirvana.

Essa expresso, diversamente comentada, tem causado muitos equvocos. Em conformidade com a doutrina secreta do Budismo, o Nirvana no , como ensina a Igreja do Sul e o Gr-Sacerdote do Ceilo, a perda da individualidade e o esvaecimento do ser no nada, mas sim a conquista, pela alma, da perfeio, e a libertao definitiva das transmigraes e dos renascimentos no seio das humanidades. Cada qual executa o seu prprio destino. A vida presente, com suas alegrias e dores, no seno a conseqncia das boas ou ms aes operadas livremente pelo ser nas existncias anteriores.

O presente explica-se pelo passado, no s para o mundo tomado em seu conjunto, como tambm para cada um dos seres que o compem. Designa-se por Carma toda a soma de mritos ou de demritos adquiridos pelo ser. O Carma para este, em todos os instantes da sua evoluo, o ponto de partida do futuro, o motor de toda a justia distributiva:

Em Buddha uno-me dor de todos os meus irmos e, entretanto, sorrio e sinto-me contente porque vejo que a liberdade existe. Sabei, vs que sofreis; mostro-vos a verdade; tudo o que somos resultante do que fomos no passado. Tudo fundado sobre nossos pensamentos; tudo obra dos prprios pensamentos. Se as palavras e aes de um homem obedecem a um pensamento puro, a liberdade segue-o como uma sombra. O dio jamais foi apaziguado pelo dio, pois no vencido seno pelo amor. Assim como a chuva passa atravs de uma casa mal coberta, assim a paixo atravessa um esprito pouco refletido. Pela reflexo, moderao e domnio de si prprio, o homem transforma-se numa rocha que nenhuma tempestade pode abater. O homem colhe aquilo que semeou. Eis a doutrina do Carma.

A maior parte das religies recomenda-nos fazer o bem em vista de uma recompensa de alm-tmulo. Est a um mbil egosta e mercenrio que no se encontra do mesmo modo no Budismo. necessrio praticar o bem, diz Lon de Rosny, porque o bem o fim supremo da Natureza. conformando-se s exigncias dessa lei que se adquire a nica satisfao verdadeira, a mais bela que pode apreciar o ser desprendido dos entraves da forma e das atraes do desejo, causas contnuas de decepo e de sofrimento.

A compaixo do Budismo, sua caridade, estende-se a todos os seres. Segundo ele, todos so destinados ao Nirvana. E, por seres, devem entender-se os animais, os vegetais e mesmo os corpos inorgnicos. Todas as formas da vida se encadeiam, de acordo com a lei grandiosa da evoluo e do transformismo. Em parte alguma do universo deixa de existir vida. A morte no seno uma iluso, um dos agentes da vida que exige um renovamento contnuo e transformaes incessantes. O inferno, para os iniciados na doutrina, no outra coisa seno o remorso e a ausncia do amor. O purgatrio est em toda parte onde se encontra a forma e onde evoluciona a matria. Est em nosso globo, ao mesmo tempo em que nas profundezas do firmamento estrelado.

O Buddha e seus discpulos praticavam o Diana, ou a contemplao, o xtase. Durante esse estado, o Esprito destaca-se e comunica-se com as almas que deixaram a Terra.

O Budismo esotrico ou vulgar, repelido de todos os lados da ndia no sculo 6, aps lutas sangrentas provocadas pelos brmanes, sofreu vicissitudes diversas e numerosas transformaes. Um dos seus ramos ou Igreja, a do Sul, em algumas das suas interpretaes, parece inclinar-se para o atesmo e materialismo. A do Tibet conservou-se desta e espiritualista. O Budismo tambm se tornou a religio do imprio mais vasto do mundo: a China. Seus fiis adeptos compem, hoje, a tera parte da populao do globo; mas, em todos os meios onde ele se espalhou, do Ural ao Japo, foram veladas e alteradas as tradies primitivas. Nele, como em qualquer outra doutrina, as formas materiais do culto abafaram as altas aspiraes do pensamento. Os ritos, as cerimnias supersticiosas, as frmulas vs, as oferendas, as preces sonoras, substituram o ensino moral e a prtica das virtudes. Entretanto, os principais ensinamentos do Buddha foram conservados nos Sutras. Sbios, herdeiros da cincia e dos poderes dos antigos ascetas, possuem tambm, dizem, a doutrina secreta na sua integridade. Esses estabeleceram suas moradas longe das multides humanas, sobre os planaltos das montanhas, de onde os campos da ndia apenas se divisam vagos e longnquos como num sonho. na atmosfera pura e calma das solides que habitam os Mhtmas. Possuindo segredos que lhes permitem desafiar a dor e a morte, passam os dias na meditao, esperando a hora problemtica em que o estado moral da Humanidade torne possvel a divulgao dos seus poderes extraordinrios. Como, porm, nenhum fato bastante autntico tem vindo at hoje confirmar essas citaes, ainda fica por provar a existncia dos Mhtmas.

H vinte anos que grandes esforos foram empregados para espalhar a doutrina bdica no Ocidente. A raa latina, porm, vida de movimento, de luz e liberdade, parece pouco disposta a assimilar-se a essa religio de renunciamento, de que os povos orientais fizeram uma doutrina de aniquilamento voluntrio e de prostrao intelectual. O Budismo, na Europa, apenas tem permanecido no domnio de alguns homens de letras, que honram o esoterismo tibetano. Este, em certos pontos, abre ao Esprito humano perspectivas estranhas. A teoria dos dias e das noites de Brahma Manvantara e Pralaya , que uma renovao das antigas religies da ndia, parece que est em muita contradio com a idia do Nirvana. De qualquer modo, esses perodos imensos de difuso e concentrao, durante os quais a grande causa primordial absorve todos os seres, permanece s, imvel, adormecida sobre os mundos dissolvidos, atraem o pensamento numa espcie de vertigem. A teoria dos sete princpios constitutivos do homem e dos sete planetas, sobre os quais corre a roda da vida num movimento ascensional, tambm constitui pontos originais e sujeitos a exame.

Uma coisa domina este ensino: a lei de caridade proclamada pelo Buddha um dos mais poderosos apelos ao bem que tem ecoado neste mundo ; mas, segundo a expresso de Lon de Rosny, essa lei calma e pura, porque nada traz em seu apoio, ficou ininteligvel para a maioria dos homens, visto lhes revoltar os apetites e no prometer a espcie de salrio que querem ganhar.

O Budismo, apesar das suas manchas e sombras, nem por isso deixa de ser uma das maiores concepes religiosas das que tm aparecido neste mundo, uma doutrina toda de amor e igualdade, uma reao poderosa contra a distino de castas que foi estabelecida pelos brmanes, doutrina que, em certos pontos, oferece analogias importantes com o Evangelho de Jesus de Nazar.3 O Egito

s portas do deserto erguem-se os templos, os pilonos e as pirmides, florestas de pedra debaixo de um cu de fogo. As esfinges, retradas e sonhadoras, contemplam a plancie, e as necrpoles, talhadas na rocha, abrem seus slios profundos margem do rio silencioso. o Egito, terra estranha, livro venervel, no qual o homem moderno apenas comea a soletrar o mistrio das idades, dos povos e das religies.

A ndia, diz a maior parte dos orientalistas, comunicou ao Egito a sua civilizao e a sua f; outros, no menos eruditos, afirmam que, em poca remota, j a terra de sis possua suas prprias tradies. Estas so a herana de uma raa extinta, a vermelha, que ocupava todo o continente austral, e que foi aniquilada por lutas formidveis contra os brancos e por cataclismos geolgicos. A Esfinge de Giz, anterior em vrios milhares de anos grande pirmide, e levantada pelos vermelhos no ponto em que o Nilo se juntava ento ao mar, um dos raros monumentos que esses tempos remotos nos legaram.

A leitura das estrelas, a dos papiros encontrados nos tmulos, permite reconstituir a histria do Egito, ao mesmo tempo em que essa antiga doutrina do Verbo-Luz, divindade de trplice natureza, simultaneamente inteligncia, fora e matria: esprito, alma e corpo, que oferece uma analogia perfeita com a filosofia da ndia. Aqui, como l, encontra-se, debaixo da grosseira forma cultual, o mesmo pensamento oculto. A alma do Egito, o segredo da sua vitalidade, o do seu papel histrico, a doutrina oculta dos seus sacerdotes, cuidadosamente velada sob os mistrios de sis e Osris, e experimentalmente analisada, no fundo dos templos, por iniciados de todas as classes e de todos os pases.

Sob formas austeras, os princpios dessa doutrina eram expressos pelos livros sagrados de Hermes, que constituam uma vasta enciclopdia. Ali se encontravam classificados os conhecimentos humanos, mas nem todos os livros chegaram at ns. A cincia religiosa do Egito foi-nos restituda sobretudo pela leitura dos hierglifos. Os templos so igualmente livros, e pode-se dizer que na terra dos faras as pedras tm voz.

Um dos grandes sbios modernos, Champollion, descobriu trs espcies de escrita nos manuscritos e sobre os templos egpcios. Por a ficou confirmada a opinio dos antigos, isto , que os sacerdotes empregavam trs classes de caracteres: os primeiros, demticos, eram simples e claros; os segundos, hierticos, tinham um sentido simblico e figurado; os outros eram hierglifos. o que Herclito exprimia pelos termos de falante, significante e ocultante.

Os hierglifos tinham um triplo sentido e no podiam ser decifrados sem chave. A esses sinais aplicava-se a lei da analogia que rege os mundos: natural, humano e divino, e que permite exprimir os trs aspectos de todas as coisas por combinaes de nmeros e figuras, que reproduzem a simetria harmoniosa e a unidade do Universo. assim que, num mesmo sinal, o adepto lia, ao mesmo tempo, os princpios, as causas e os efeitos, e essa linguagem tinha para ele extraordinrio valor. Sado de todas as classes da sociedade, mesmo das mais nfimas, o sacerdote era o verdadeiro senhor do Egito; os reis, por ele escolhidos e iniciados, s governavam a nao a titulo de mandatrios. Altas concepes, uma profunda sabedoria, presidiam aos destinos desse pas. No meio do mundo brbaro, entre a Assria feroz, apaixonada, e a frica selvagem, a terra dos faras era como uma ilha aoitada pelas ondas em que se conservavam as puras doutrinas, a cincia secreta do mundo antigo.

Os sbios, os pensadores, os diretores de povos, gregos, hebreus, fencios, etruscos, iam beber nessa fonte. Por intermdio deles, o pensamento religioso derramava-se dos santurios de sis sobre todas as praias do Mediterrneo, fazendo despontar civilizaes diversas, dessemelhantes mesmo, conforme o carter dos povos que as recebiam, tornando-se monotesta, na Judia, com Moiss, politesta, na Grcia, com Orfeu, porm uniforme em seu princpio oculto, em sua essncia misteriosa.

O culto popular de sis e de Osris no era seno uma brilhante miragem oferecida multido. Debaixo da pompa dos espetculos e das cerimnias pblicas ocultava-se o verdadeiro ensino dos pequenos e grandes mistrios. A iniciao era cercada de numerosos obstculos e de reais perigos. As provas fsicas e morais eram longas e mltiplas. Exigia-se o juramento de sigilo, e a menor indiscrio era punida com a morte. Essa temvel disciplina dava forma e autoridade incomparveis religio secreta e iniciao. medida que o adepto avanava em seu curso, descortinavam-se-lhe os vus, fazia-se mais brilhante a luz, tornavam-se vivos e animados os smbolos.

A Esfinge, cabea de mulher em corpo de touro, com garras de leo e asas de guia, era a imagem do ser humano emergindo das profundezas da animalidade para atingir a sua nova condio. O grande enigma era o homem, trazendo em si os traos sensveis da sua origem, resumindo todos os elementos e todas as foras da natureza inferior.

Deuses extravagantes com cabea de pssaros, de mamferos, de serpentes, eram outros smbolos da vida, em suas mltiplas manifestaes. Osris, o deus solar, e sis, a grande Natureza, eram celebrados por toda parte; mas, acima deles, havia um Deus inominado, de que s se falava em voz baixa e com timidez.

Antes de tudo, o nefito aprendia a conhecer-se. O hierofante falava-lhe assim:

Oh! alma cega, arma-te com o facho dos mistrios e, na noite terrestre, descobrirs teu dplice luminoso, tua alma celeste. Segue esse gnio divino e que ele seja teu guia, porque tem a chave das tuas existncias passadas e futuras.

No fim de suas provas, fatigado pelas emoes, tendo dez vezes encarado a morte, o iniciado via aproximar-se dele uma imagem de mulher, trazendo um rolo de papiros.

Sou tua irm invisvel, dizia ela, sou tua alma divina, e isto o livro da tua vida. Ele encerra as pginas cheias das tuas existncias passadas e as pginas brancas das tuas vidas futuras. Um dia as desenrolarei todas diante de ti. Agora me conheces. Chama-me e eu virei.

Enfim, na varanda do templo, debaixo do cu estrelado, diante de Mnfis ou Tebas adormecidas, o sacerdote contava ao adepto a viso de Hermes, transmitida vocalmente de pontfice a pontfice e gravada em sinais hieroglficos nas abbadas das criptas subterrneas.

Um dia, Hermes viu o espao, os mundos e a vida, que em todos os lugares se expandia. A voz da luz que enchia o infinito revelou-lhe o divino mistrio:

A luz que viste a Inteligncia Divina que contm todas as coisas sob seu poder e encerra os moldes de todos os seres.

As trevas so o mundo material em que vivem os homens da Terra.

O fogo que brota das profundezas o Verbo Divino:

Deus o Pai, o Verbo o Filho, sua unio faz a Vida.

O destino do Esprito humano tem duas fases: cativeiro na matria, ascenso na luz. As almas so filhas do cu, e a viagem que fazem uma prova. Na encarnao perdem a reminiscncia de sua origem celeste. Cativas pela matria, embriagadas pela vida, elas se precipitam como uma chuva de fogo com estremecimentos de volpia, atravs da regio do sofrimento, do amor e da morte, at priso terrestre em que tu mesmo gemes, e em que a vida divina parece-te um sonho vo.

As almas inferiores e ms ficam presas Terra por mltiplos renascimentos, porm as almas virtuosas sobem voando para as esferas superiores, onde recobram a vista das coisas divinas. Impregnam-se com a lucidez da conscincia esclarecida pela dor, com a energia da vontade adquirida pela luta. Tornam-se luminosas, porque possuem o divino em si prprias e irradiam-no em seus atos. Reanima pois teu corao, Hermes, e tranqiliza teu esprito obscurecido pela contemplao desses vos de almas subindo a escala das esferas que conduz ao Pai, onde tudo se acaba, onde tudo comea eternamente. E as sete esferas disseram juntas: Sabedoria! Amor! Justia! Beleza! Esplendor! Cincia! Imortalidade!.

O pontfice acrescentava:

Medita sobre esta viso. Ela encerra o segredo de todas as coisas. Quanto mais souberes compreend-la, tanto mais vers se alargarem os seus limites, porque governa a mesma lei orgnica os mundos todos. Entretanto, o vu do mistrio cobre a grande verdade, pois o conhecimento total desta s pode ser revelado queles que atravessarem as mesmas provas que ns. preciso medir a verdade segundo as inteligncias, vel-la aos fracos porque os tornaria loucos, ocult-la aos maus que dela fariam arma de destruio. A cincia ser tua fora, a f tua espada, o silncio teu escudo.

A cincia dos sacerdotes do Egito ultrapassava em bastantes pontos a cincia atual. Conheciam o Magnetismo, o Sonambulismo, curavam pelo sono provocado e praticavam largamente a sugesto. o que eles chamavam Magia.

O alvo mais elevado a que um iniciado podia aspirar era a conquista desses poderes, cujo emblema era a coroa dos magos.

Sabei, diziam-lhe, o que significa esta coroa. Tua vontade, que se une a Deus para manifestar a verdade e operar a justia, participa, j nesta vida, da potncia divina sobre os seres e sobre as coisas, recompensa eterna dos espritos livres.

O gnio do Egito foi prostrado pela onda das invases. A escola de Alexandria colheu algumas das suas parcelas, que transmitiu ao Cristianismo nascente. Antes disto, porm, os iniciados gregos tinham feito penetrar as doutrinas hermticas na Hlade. a que vamos encontr-las.4 A Grcia

Entre os povos de iniciativa, nenhum h cuja misso se manifeste com maior brilho do que o da Hlade. A Grcia iniciou a Europa em todos os esplendores do belo. De sua mo aberta saiu a civilizao ocidental e o seu gnio de vinte sculos atrs ainda hoje se irradia sobre as naes. Por isso que, apesar de seus desmembramentos, de suas lutas intestinas, de sua queda final, ela tem sido admirada em todas as pocas.

A Grcia soube traduzir, em linguagem clara, as belezas obscuras da sabedoria oriental. Exprimiu-as a princpio com o adjutrio dessas duas harmonias celestes que tornou humanas: a msica e a poesia. Orfeu e Homero foram os primeiros que fizeram ouvir seus acordes terra embevecida. Mais tarde, esse ritmo, essa harmonia que o gnio nascente da Grcia havia introduzido na palavra e no canto, Pitgoras, o iniciado dos templos egpcios, observou-os por toda parte do Universo, na marcha dos astros que se movem, futuras moradas da Humanidade, no seio dos espaos, na concordncia dos trs mundos, natural, humano e divino, que se sustentam, se equilibram, se completam, para produzirem a vida em sua corrente ascensional e em sua espiral infinita. Dessa viso estupenda decorria para ele a idia de uma trplice iniciao, pela qual o homem, conhecedor dos princpios eternos, aprendia, depurando-se, a libertar-se dos males terrestres e a elevar-se para a perfeio. Da, um sistema de educao e de reforma a que Pitgoras deixou o seu nome, e que tantos sbios e heris produziu.

Enfim, Scrates e Plato, popularizando os mesmos princpios, derramando-os em crculo mais lato, inauguraram o reinado da cincia franca, que veio substituir o ensino secreto.

Tal foi o papel representado pela Grcia na histria da evoluo do pensamento. Em todos os tempos, a iniciao exerceu uma influncia capital sobre os destinos desse pas. No nas flutuaes polticas, agitadas nessa raa inconstante e impressionvel, que se devem procurar as mais altas manifestaes do gnio helnico. A iniciao no tinha seu foco na sombria e brutal Esparta, nem na brilhante e frvola Atenas, mas, sim, em Delfos, em Olmpia, em Elusis, refgios sagrados da pura doutrina. Era ali que, pela celebrao dos mistrios, ela se revelava em toda a sua pujana. Ali, pensadores, poetas e artistas iam colher o ensino oculto, que depois traduziam multido em imagens vivas e em versos inflamados. Acima das cidades turbulentas, sempre prontos a se dilacerarem, acima das oscilaes polticas, passando alternativamente da aristocracia democracia e ao reinado dos tiranos, um poder supremo dominava a Grcia: o tribunal dos Anfitries, que tinha Delfos por sede, e que se compunha de iniciados de grau superior. Por si s, ele salvara a Hlade nas horas de perigo, impondo silncio s rivalidades de Esparta e de Atenas.

J no tempo de Orfeu os templos possuam a cincia secreta.

Escuta dizia o mestre ao nefito , escuta as verdades que convm ocultar multido, e que fazem a fora dos santurios. Deus um, e sempre semelhante a si mesmo; porm, os deuses so inumerveis e diversos, porque a divindade eterna e infinita. Os maiores so as aluas dos astros, etc.

Entraste com o corao puro no seio dos Mistrios. Chegou a hora suprema em que te vou fazer penetrar at s fontes da vida e da luz. Os que no levantam o vu espesso que esconde aos olhos dos homens as maravilhas invisveis no se tornaro filhos dos Deuses.

Aos msticos e aos iniciados:

Vinde gozar, vs que tendes sofrido; vinde repousar, vs que tendes lutado. Pelos sofrimentos passados, pelo esforo que vos conduz, vencereis, e se acreditais nas palavras divinas j vencestes, porque, depois do longo circuito das existncias tenebrosas, saireis, enfim, do crculo doloroso das geraes e, como uma s alma, vos encontrareis na luz de Dionisos.

Amai, porque tudo ama; amai, porm, a luz e no as trevas. Durante a vossa viagem tende sempre em mira esse alvo. Quando as almas voltam ao espao, trazem, como hediondas manchas, todas as faltas da sua vida estampadas no corpo etreo... E, para apag-las, cumpre que expiem e voltem Terra. Entretanto, os puros, os fortes, vo para o sol de Dionisos.

*

Domina o grupo dos filsofos gregos uma imponente figura. Pitgoras, esse filho de Inia que melhor soube coordenar e pr em evidncia as doutrinas secretas do Oriente, e melhor soube fazer delas uma vasta sntese, que ao mesmo tempo abraasse a moral, a cincia e a religio. A sua Academia de Crotona foi uma escola admirvel de iniciao laica, e sua obra, o preldio desse grande movimento de idias que, com Plato e Jesus, iam agitar as camadas profundas da sociedade antiga, impelindo suas torrentes at s extremidades do continente.

Pitgoras havia estudado durante trinta anos no Egito. Aos seus vastos conhecimentos juntava uma intuio maravilhosa, sem a qual nem sempre bastam a observao e o raciocnio para descobrir a verdade. Graas a tais qualidades, pde levantar o magnfico monumento da cincia esotrica, cujas linhas essenciais no podemos deixar de aqui traar:

A essncia em si escapa ao homem, dizia a doutrina pitagrica, pois ele s pode conhecer as coisas deste mundo, em que o finito se combina com o infinito. Como conhec-las? H entre ele e as coisas uma harmonia, uma relao, um princpio comum, e esse princpio dado a tudo pelo Uno que, com a essncia, fornece tambm a sua medida e inteligibilidade.

Vosso ser, vossa alma um pequeno universo, mas est cheio de tempestades e de discrdias. Trata-se de realizar a a unidade na harmonia. Somente ento descer Deus at vossa conscincia, participareis assim do seu poder, e da vossa vontade fareis a pedra da ladeira, o altar de Hestia, o trono de Jpiter.

Os pitagricos chamavam Esprito ou inteligncia parte ativa e imortal do ser humano. A alma era para eles o Esprito envolvido em seu corpo fludico e etreo. O destino da Psique, a alma humana, sua queda e cativeiro na carne, seus sofrimentos e lutas, sua reascenso gradual, seu triunfo sobre as paixes e sua volta final luz, tudo isto constitua o drama da vida, representado nos Mistrios de Elusis como sendo o ensino por excelncia.

Segundo Pitgoras, a evoluo material dos mundos e a evoluo espiritual das almas so paralelas, concordantes, e explicam-se uma pela outra. A grande alma, espalhada na Natureza, anima a substncia que vibra sob seu impulso e produz todas as formas e todos os seres. Os seres conscientes, por seus longos esforos, desprendem-se da matria, que dominam e governam a seu turno, libertam-se e aperfeioam-se atravs de existncias inumerveis. Assim, o invisvel explica o visvel, e o desenvolvimento das criaes materiais a manifestao do Esprito Divino.

Procurando-se nos tratados de Fsica dos antigos a opinio deles sobre a estrutura do Universo, enfrentam-se dados grosseiros e atrasados; esses no so, porm, mais que alegorias. O ensino secreto dava, sobre as leis do Universo, noes muito mais elevadas. Diz-nos Aristteles que os pitagricos conheciam o movimento da Terra em torno do Sol. A idia da rotao terrestre veio a Coprnico pela leitura de uma passagem de Ccero, que lhe ensinou ter Hicetas, discpulo de Pitgoras, falado do movimento diurno do globo. No terceiro grau de iniciao aprendia-se o duplo movimento da Terra.

Como os sacerdotes do Egito, seus mestres, Pitgoras sabia que os planetas nasceram do Sol, em torno do qual giram, e que cada estrela um sol iluminando outros mundos, e que compe, com seu cortejo de esferas, outros tantos sistemas siderais, outros tantos universos regidos pelas mesmas leis que o nosso. Essas noes, porm, jamais eram confiadas ao papel; constituam o ensino oral comunicado sob sigilo. O vulgo no as compreenderia; considera-las-ia como contrrias mitologia e, por conseguinte, sacrlegas.

A cincia secreta tambm ensinava que um fluido impondervel se estende por toda parte e tudo penetra. Agente sutil, sob a ao da vontade ele se modifica, se transforma, se rarefaz e se condensa segundo a potncia e elevao das almas que o empregam, tecendo com essa substncia o seu vesturio astral. o trao de unio entre o Esprito e a matria, tudo gravando-se nele, refletindo-se como imagens em um espelho, sejam pensamentos ou acontecimentos. Pelas propriedades desse fluido, pela ao que a vontade sobre ele exerce, explicam-se os fenmenos da sugesto e da transmisso do pensamento. Os antigos chamavam-lhe, por alegoria, vu misterioso de sis ou manto de Cibele, que envolve tudo o que existe. Esse mesmo fluido serve de veculo de comunicao entre o visvel e o invisvel, entre os homens e as almas desencarnadas.

A cincia do mundo invisvel constitua um dos ramos mais importantes do ensino reservado. Por ela se havia sabido deduzir, do conjunto dos fenmenos, a lei das relaes que unem o mundo terrestre ao mundo dos Espritos; desenvolviam-se com mtodo as faculdades transcendentais da alma humana, tornando possvel a leitura do pensamento e a vista a distncia. Os fatos de clarividncia e de adivinhao, produzidos pelas sibilas e pitonisas, orculos dos templos gregos, so atestados pela Histria. Muitos espritos fortes os consideram apcrifos. Sem dvida, cumpre levar em conta a exagerao e a lenda; mas as recentes descobertas da psicologia experimental tm-nos demonstrado que nesse domnio havia alguma coisa mais do que v superstio e convidam-nos a estudar mais atentamente um conjunto de fatos que, na antiguidade, repousava sobre princpios fixos e fazia parte de uma cincia profunda e grandiosa.

Em geral, no se encontram essas faculdades seno em seres de pureza e elevao de sentimento extraordinria; exigem preparo longo e minucioso. Os orculos referidos por Herdoto, a propsito de Creso e da batalha de Salamina, provam que Delfos possuiu pessoas assim dotadas. Mais tarde, imiscuram-se abusos nessa prtica. A raridade das pessoas assim felizmente dotadas tornou os sacerdotes menos escrupulosos na sua escolha. Corrompeu-se e caiu em desuso a cincia adivinhatria. Segundo Plutarco, a desapario dessa cincia foi considerada por toda a sociedade antiga como uma grande desgraa.

Toda a Grcia acreditava na interveno dos Espritos em coisas humanas. Scrates tinha o seu daimon ou Gnio familiar. Exaltados pela convico de que potncias invisveis animavam seus esforos, os gregos, em Maratona e Salanitna, repeliram pelas armas a terrvel invaso dos persas. Em Maratona, os atenienses acreditaram ver dois guerreiros, brilhantes de luz, combaterem em suas fileiras. Dez anos mais tarde, Ptia, sacerdotisa de Apolo, sob a inspirao dum Esprito, indicou a Temstocles, do alto da sua trpode, os meios de salvar a Grcia. Se Xerxes casse vencedor, os asiticos brbaros apoderar-se-iam de toda a Hlade, abafando o seu gnio criador, fazendo recuar, dois mil anos talvez, o desabrochar da ideal beleza do pensamento.

Os gregos, com um punhado de homens, derrotaram o imenso exrcito asitico e, conscientes do socorro oculto que os assistia, rendiam suas homenagens a Palas-Ateneu, divindade tutelar, smbolo da potncia espiritual, nessa sublime rocha da Acrpole, moldurada pelo mar brilhante e pelas linhas grandiosas do Pentlico e do Himeto.

Para a difuso dessas idias muito havia contribudo a participao nos Mistrios, pois desenvolvia nos iniciados o sentimento do invisvel, que, ento, sob formas diversas, se espalhava entre o povo. Na Grcia, no Egito e na ndia, consistiam os Mistrios em uma mesma coisa: o conhecimento do segredo da morte, a revelao das vidas sucessivas e a comunicao com o mundo oculto. Esse ensino, essas prticas, produziam nas almas impresses profundas; infundiam-lhes uma paz, uma serenidade, uma fora moral incomparveis.

Sfocles chama aos Mistrios esperana da morte, e Aristfanes diz que passavam uma vida mais santa e pura os que neles tomavam parte. Recusava-se a admitir os conspiradores, os perjuros e os debochados.

Porfiro escreveu:

Nossa alma, no momento da morte, deve achar-se como durante os Mistrios, isto , isenta de paixo, de clera e de cio.

Pelos seguintes termos, Plutarco afirma que, nesse mesmo estado, conversava-se com as almas dos defuntos:

Na maior parte das vezes, intervinham nos Mistrios excelentes Espritos, embora, em algumas outras, procurassem os perversos ali se introduzirem.

Proclo tambm acrescenta:

Em todos os Mistrios, os deuses (aqui, significa esta palavra todas as ordens de espritos) mostram-se de muitas maneiras, aparecem sob grande variedade de figuras e revestem a forma humana.

A doutrina esotrica era um lao de unio entre o filsofo e o padre. Eis o que explica a sua harmonia em comum e a ao medocre que o sacerdcio teve na civilizao helnica. Essa doutrina ensinava os homens a dominarem as suas paixes e desenvolvia neles a vontade e a intuio. Por um exerccio progressivo, os adeptos de grau superior conseguiam penetrar todos os segredos da Natureza, dirigir vontade as foras em ao no mundo, produzir fenmenos de apario sobrenatural, mas que, entretanto, eram simplesmente a manifestao natural das leis desconhecidas pelo vulgo.

Scrates e, mais tarde, Plato continuaram na Atica a obra de Pitgoras. Scrates no quis jamais fazer-se iniciar, porque preferia a liberdade de ensinar a toda gente as verdades que a sua razo lhe havia feito descobrir. Depois da morte deste, Plato transportou-se ao Egito e ali foi admitido nos Mistrios. Voltando a conferenciar com os pitagricos, fundou, ento, a sua academia. Mas, a sua qualidade de iniciado no mais lhe permitia falar livremente e, nas suas obras, a grande doutrina aparece um tanto velada. No obstante isso, encontram-se no Fedon e no Banquete a teoria das emigraes da alma e suas reencarnaes, assim como a das relaes entre os vivos e os mortos. Conhece-se, igualmente, a cena alegrica que Plato colocou no fim da sua Repblica. Um gnio tira, de sobre os joelhos das Parcas, os destinos, as diversas condies humanas, e exclama:

Almas divinas! entrai em corpos mortais; ide comear uma nova carreira. Eis aqui todos os destinos da vida. Escolhei livremente; a escolha irrevogvel. Se for m, no acuseis por isso a Deus.

Essas crenas tinham penetrado no mundo romano, pois Ccero a elas se refere, no Sonho de Cipio (captulo III), bem como Ovdio, nas suas Metamorfoses (captulo XV). No sexto livro da Eneida, de Virglio, v-se que Enias encontra nos Campos Elseos seu pai Anquises, e aprende deste a lei dos renascimentos. Todos os grandes autores latinos dizem que Gnios familiares assistem e inspiram os homens de talento. Lucano, Tcito, Apuleio, e bem assim Filstrato, o grego, em suas obras falam freqentemente de sonhos, aparies e evocaes de mortos.

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Em resumo, a doutrina secreta, me das religies e das filosofias, reveste aparncias diversas no correr das idades, mas sua base permanece imutvel em toda parte. Nascida simultaneamente na ndia e no Egito, passa da para o Ocidente com a onda das migraes. Encontramo-la em todos os pases ocupados pelos celtas. Oculta na Grcia pelos Mistrios, ela se revela no ensino de mestres tais como Pitgoras e Plato, debaixo de formas cheias de seduo e poesia. Os mitos pagos so como um vu de ouro que esconde em suas dobras as linhas puras da sabedoria dlfica. A escola de Alexandria recolhe os seus princpios e infunde-os no sangue jovem e impetuoso do Cristianismo. J o Evangelho, como a abbada das florestas sob um sol brilhante, era iluminado pela cincia esotrica dos essnios, outro ramo dos iniciados. A palavra do Cristo havia bebido nessa fonte de gua viva e inesgotvel as suas imagens variadas e os seus encantos poderosos. Assim que, por toda parte, atravs da sucesso dos tempos e do rasto dos povos, se afirmam a existncia e a perpetuidade de um ensino secreto que se encontra idntico no fundo de todas as grandes concepes religiosas ou filosficas. Os sbios, os pensadores, os profetas dos templos e dos pases mais diversos, nele acharam a inspirao e a energia que fazem empreender grandes coisas e transformar almas e sociedades, impelindo-as para frente na estrada evolutiva do progresso.

H a como que uma grande corrente espiritual que se desenrola misteriosamente nas profundezas da Histria, e parece sair desse mundo invisvel que nos domina, nos envolve, e onde vivem e atuam ainda os grandes Espritos que tm servido de guias Humanidade, e que jamais cessaram de com ela comunicar-se.

5 A Glia

A Glia conheceu a grande doutrina; possuiu-a sob uma forma poderosa e original; soube dela tirar conseqncias que escaparam aos outros pases. H trs unidades primitivas, diziam os druidas, Deus, a Luz, e a Liberdade. Quando a ndia j andava dividida em castas estacionrias, em limites infranqueveis, as instituies gaulesas tinham por bases a igualdade de todos, a comunidade de bens e o direito eleitoral. Nenhum dos outros povos da Europa teve, no mesmo grau, o sentimento profundo da imortalidade, da justia e da liberdade.

com venerao que devemos estudar as tendncias filosficas da Glia, porque a encontraremos, fortemente denunciadas, todas as qualidades e tambm todos os defeitos de uma grande raa. Nada mais digno de ateno e de respeito do que a doutrina dos druidas, os quais no eram brbaros como se acreditou erradamente durante sculos.

Por muito tempo, s conhecemos os gauleses pelos autores latinos e pelos escritores catlicos. Mas, essas fontes devem, a justo ttulo, ser suspeitas, pois esses autores tinham interesse direto em desacredit-los e em desfigurar suas crenas. Csar escreveu os Comentrios com evidente inteno de se exaltar aos olhos da posteridade. Polio e Suetnio confessam que nessa obra abundam inexatides e erros voluntrios. Os cristos s vem nos druidas homens sanguinrios e supersticiosos; em seu culto somente encontram prticas grosseiras. Entretanto, certos padres da Igreja Cirilo, Clemente de Alexandria e Orgenes distinguem com cuidado os druidas da multido dos idlatras, e conferem-lhes o titulo de filsofos. Entre os autores antigos, Lucano, Horcio e Florus consideravam a raa gaulesa como depositria dos mistrios do nascimento e da morte.

Os progressos dos estudos clticos, a publicao das Trades e dos cnticos brdicos permitem-nos encontrar, em fontes seguras, uma justa apreciao de tais crenas. A filosofia dos druidas, reconstituda em toda a sua amplido, conforma-se com a doutrina secreta do Oriente e com as aspiraes dos espiritualistas modernos, pois, como estes, tambm afirma as existncias progressivas da alma na escala dos mundos. Essa doutrina viril inspirava aos gauleses uma coragem indomvel, uma intrepidez tal que eles caminhavam para a morte como para uma festa. Enquanto os romanos se cobriam de bronze e ferro, os gauleses despiam as vestes e combatiam a peito nu. Orgulhavam-se das suas feridas e consideravam cobardia usar-se de astcia na guerra. Da os seus repetidos reveses e a sua queda final. To grande era a certeza das vidas futuras que emprestavam dinheiro na expectativa de que seriam reembolsados em outros mundos. Os despojos dos guerreiros mortos, diziam, no so mais que invlucros gastos. Como indignos de ateno, eles os abandonavam no campo da batalha, o que era uma grande surpresa para os seus inimigos.

Os gauleses no conheciam o inferno e, por isso, Lucano, no canto primeiro da Farslia, os louva com os seguintes termos:

Para ns, as almas no se sepultam nos sombrios reinos do rebo, mas sim voam a animar outros corpos em novos mundos. A morte no seno o termo de uma vida. Felizes esses povos que no se arreceiam no momento supremo da vida; da o seu herosmo no meio de sangrentos combates e o seu desprezo pela morte.

Os gauleses eram castos, hospitaleiros e fiis f jurada.

Na instituio dos druidas encontraremos a mais alta expresso do gnio da Glia. Os druidas no constituam um corpo sacerdotal, pois seus ttulos equivaliam ao sbio, sapiente. Aqueles que os possuam tinham a liberdade de escolher a sua tarefa. Alguns, sob o nome de eubages, presidiam s cerimnias do culto, porm o maior nmero consagrava-se educao da mocidade, ao exerccio da justia, ao estudo das cincias e da poesia. A influncia poltica dos druidas era grande e tendia a realizar a unidade da Glia. No pais dos Carnutos haviam institudo uma assemblia anual, em que se reuniam os deputados das repblicas gaulesas e em que se discutiam as questes importantes, os graves interesses da ptria. Os druidas eram escolhidos por eleio e tinham de passar por um preparo de iniciao que exigia vinte anos de estudos.

Praticava-se o culto debaixo da copa dos bosques. Os smbolos eram todos tomados da Natureza. O templo era a floresta secular de colunas inumerveis, e sob zimbrios de verdura, onde os raios de sol penetravam com suas flechas de ouro, para irem derramar-se sobre a relva em mil tons de sombra e luz. Os murmrios do vento, o frmito das folhas, produziam em tudo acentos misteriosos, que impressionavam a alma e a levavam meditao. A rvore sagrada, o carvalho, era o emblema do poder divino; o visco, sempre verde, era o da imortalidade. Por altar, tinham montes de pedra bruta. Toda pedra lavrada pedra profanada, diziam esses austeros pensadores. Em seus santurios jamais se encontrava objeto algum sado da mo dos homens. Tinham horror aos dolos e s formas pueris do culto romano.

A fim de que os seus princpios no fossem desnaturados ou materializados por imagens, os druidas proibiam as artes plsticas e mesmo o ensino escrito. Confiavam somente memria dos bardos e dos iniciados o segredo da sua doutrina. Dai resultou a penria de documentos relativos a tal poca.

Os sacrifcios humanos, to reprovados aos gauleses, mais no eram, na maior parte, do que execuo da justia. Os druidas, simultaneamente magistrados e executores, ofereciam os criminosos em holocausto Potncia suprema. Cinco anos distanciavam a sentena da execuo; nos tempos de calamidade, vtimas voluntrias tambm se entregavam em expiao. Impacientes de reunirem-se com os seus antepassados nos mundos felizes, de se elevarem para os crculos superiores, os gauleses subiam prazenteiramente para a pedra do sacrifcio e recebiam a morte no meio de um cntico de alegria. Mas no tempo de Csar j haviam cado em desuso essas imolaes.

Teutats, Esus, Gwyon eram, no panteo gauls, a personificao da fora, da luz e do esprito, mas, acima de todas as coisas, pairava a potncia infinita, que os gauleses adoravam junto das pedras sagradas, no majestoso silncio das florestas. Os druidas ensinavam a unidade de Deus.

Segundo as Trades, a alma gera-se no seio do abismo anoufn; a reveste as formas rudimentares da vida; s adquire a conscincia e a liberdade depois de ter estado por muito tempo imersa nos baixos instintos. Eis o que a tal respeito diz o cntico do bardo Taliesino, clebre em toda a Glia: Existindo, desde toda a antiguidade, no meio dos vastos oceanos, no nasci de um pai e de uma me, mas das formas elementares da Natureza, dos ramos da btula, do fruto das florestas, das flores das montanhas. Brinquei noite, dormi pela aurora: fui vbora no lago, guia nas nuvens, lince nas selvas. Depois, eleito por Gwyon (Esprito divino), pelo Sbio dos sbios, adquiri a imortalidade. Bastante tempo decorreu e depois fui pastor. Vagueei longamente pela Terra antes de me tornar hbil na cincia. Enfim, brilhei entre os chefes superiores. Revestido dos hbitos sagrados, empunhei a taa dos sacrifcios. Vivi em cem mundos; agitei-me em cem crculos.

A alma, em sua peregrinao imensa, diziam os druidas, percorre trs crculos, aos quais correspondem trs estados sucessivos. No anoufn sofre o jugo da matria; o perodo animal. Penetra depois no abred, crculo das migraes que povoam os mundos de expiao e de provas; a Terra um desses mundos e a alma se encarna bastantes vezes em sua superfcie. A custa de uma luta incessante, desprende-se das influncias corpreas e deixa o crculo das encarnaes para atingir gwynfid, crculo dos mundos venturosos ou da felicidade. A se abrem os horizontes encantadores da espiritualidade. Ainda mais acima se desenrolam as profundezas do ceugant, crculo do infinito que encerra todos os outros e que s pertence a Deus. Longe de se aproximar do Pantesmo, como a maior parte das doutrinas orientais, o druidismo afasta-se dele por uma concepo inteiramente diferente sobre a Divindade. A sua concepo sobre a vida tambm no menos notvel.

Segundo as Trades, nenhum ser joguete da fatalidade, nem favorito de uma graa caprichosa, visto preparar e edificar por si prprio os seus destinos. O seu alvo no a pesquisa de satisfaes efmeras, mas sim a elevao pelo sacrifcio e pelo dever cumprido. A existncia um campo de batalha onde o brao conquista seus postos. Tal doutrina exaltava as qualidades hericas e depurava os costumes. Estava to longe das puerilidades msticas quanto da avidez ilusria da teoria do nada.

Entretanto, parece ter-se afastado da verdade em certo ponto: foi quando estabeleceu que a alma culpada, perseverando no mal, pode perder o fruto de seus trabalhos e recair nos graus inferiores da vida, donde lhe ser necessrio recomear sua longa e dolorosa ascenso. Mas, ajuntam as Trades, a perda da memria lhe permite recomear a luta, sem ter, por obstculos, o remorso e as irritaes do passado. No Gwynfid recupera, com todas as recordaes, a unidade da sua vida e reata os fragmentos esparsos pela sucesso dos tempos.

Os druidas possuam conhecimentos cosmolgicos muito extensos. Sabiam que o nosso planeta rola no espao, levado em seu curso ao redor do Sol. o que ressalta deste outro canto de Taliesino, chamado O Cntico do Mundo:

Perguntarei aos bardos, e por que os bardos no respondero? Perguntarei o que sustenta o mundo; porque, privado de apoio, este globo no se desloca. Que lhe poderia servir de apoio?

Grande viajor o mundo! Correndo sempre e sem repouso, nunca se desvia da sua linha, e quo admirvel a forma dessa rbita para que jamais se escape dela.

O prprio Csar, to pouco versado nessas matrias, diz-nos que os druidas ensinavam muitas coisas sobre a forma e a dimenso da Terra, sobre o movimento dos astros, sobre as montanhas e os vales da Lua. Dizem que o Universo, eterno e imutvel em seu conjunto, se transforma incessantemente em suas partes; que a vida o anima por uma circulao infinita e espalha-se por todos os pontos. Desprovidos dos meios de observao de que dispe a cincia moderna, pergunta-se: onde foram os gauleses aprender tais noes?

Os druidas comunicavam-se com o mundo invisvel; mil testemunhas o atestam. Nos recintos de pedra evocavam os mortos. As druidesas e os bardos proferiam orculos. Vrios autores referem que Vercingtorix entretinha-se, debaixo das ramagens sombrias dos bosques, com as almas dos heris mortos em servio da ptria. Antes de sublevar a Glia contra Csar, foi para a ilha de Sem, antiga residncia das druidesas, e a, ao esfuziar dos raios, apareceu-lhe um Gnio que predisse sua derrota e seu martrio.

A comemorao dos mortos de iniciativa gaulesa. No dia primeiro de novembro celebrava-se a festa dos Espritos, no nos cemitrios os gauleses no honravam os cadveres , mas sim em cada habitao, onde os bardos e os videntes evocavam as almas dos defuntos. No entender deles, os bosques e as charnecas eram povoados por Espritos errantes. Os Duz e os Korrigans eram almas em procura de novas encarnaes.

O ensino dos druidas adaptava-se, na ordem poltica e social, a instituies conforme justia. Os gauleses, sabendo que eram animados por um mesmo princpio, chamados todos aos mesmos destinos, sentiam-se iguais e livres. Em cada repblica gaulesa, os chefes eram oportunamente eleitos pelo povo reunido. A lei cltica punia, com o suplcio do fogo, os ambiciosos e os pretendentes coroa. As mulheres tomavam parte nos conselhos, exerciam funes sacerdotais, eram videntes e profetas. Dispunham de si mesmas e escolhiam seus esposos. A propriedade era coletiva, pertencendo todo o territrio repblica. Por forma alguma era entre eles reconhecido o direito hereditrio: a eleio decidia tudo.

A longa ocupao romana, depois a invaso dos francos e a introduo do feudalismo, fizeram esquecer essas verdadeiras tradies nacionais. Mas, tambm veio o dia em que o velho sangue gauls se agitou nas veias do povo; em seu torvelinho a Revoluo derrocou estas duas importaes estrangeiras: a teocracia de Roma e a monarquia implantada pelos francos. A velha Glia encontrou-se inteira na Frana de 1789.

Uma coisa capital faltava-lhe entretanto: a idia da solidariedade. O druidismo fortificava nas almas o sentimento do direito e da liberdade; mas, se os gauleses se sabiam iguais, nem por isso se sentiam bastante irmos. Da, essa falta de unidade que perdeu a Glia. Curvada sob uma opresso de vinte sculos, purificada pela desgraa, esclarecida por luzes novas, tornou-se por excelncia a nao una, indivisvel. A lei da caridade e do amor, a melhor que o Cristianismo lhe fez conhecer, veio completar o ensino dos druidas e formar uma sntese filosfica e moral cheia de grandeza.

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Do seio da Idade Mdia, como uma ressurreio do esprito da Glia, ergue-se uma figura brilhante. Desde os primeiros sculos da nossa era, Joana d'Arc fora anunciada por uma profecia do Bardo Myrdwyn ou Merlin. debaixo do carvalho das fadas, perto da mesa de pedra, que ela ouve muitas vezes suas vozes. crist piedosa, mas acima da Igreja terrestre coloca a Igreja eterna, a do alto, a nica a que se submete em todas as coisas.

Nenhum testemunho da interveno dos Espritos na vida dos povos comparvel histria, tocante da Virgem de Domrmy. Em fins do sculo 15, agonizava a Frana sob o jugo frreo dos ingleses. Com o auxlio de uma jovem, uma criana de dezoito anos, as potncias invisveis reanimam um povo desmoralizado, despertam o patriotismo extinto, inflamam a resistncia e salvam a Frana da morte.

Joana jamais procedeu sem consultar suas vozes e, quer nos campos de batalha, quer perante os juizes, elas sempre lhe inspiraram palavras e atos sublimes. Um s momento, na priso em Ruo, essas vozes parecem abandon-la. Foi ento que, acabrunhada pelo sofrimento, consentiu em abjurar. Desde que os Espritos se afastam, torna-se mulher; fraquejada, submete-se. Depois, as vozes fazem-se ouvir de novo e, ento, ela levanta logo a cabea diante dos juizes:

A voz me disse que era traio abjurar. A verdade que Deus ma enviou; o que fiz est bem-feito.

Sagrada pelos seus martrios dolorosos, Joana tornou-se um exemplo sublime de sacrifcio, um objeto de admirao, um profundo ensino para todos os homens.

6 O Cristianismo

Conforme a Histria, no deserto que ostensivamente aparece a crena no Deus nico, a idia-me de onde devia sair o Cristianismo. Atravs das solides pedregosas do Sinai, Moiss, o iniciado do Egito, guiava para a terra prometida o povo por cujo intermdio o pensamento monotesta, at ento confinado nos Mistrios, ia entrar no grande movimento religioso e espalhar-se pelo mundo.

Ao povo de Israel coube um papel considervel. Sua histria como um trao de unio que liga o Oriente ao Ocidente, a cincia secreta dos templos religio vulgarizada. Apesar das suas desordens e das suas mculas, a despeito desse sombrio exclusivismo que uma das faces do seu carter, ele tem o mrito de haver adotado, at enraizar-se em si, esse dogma da unidade de Deus, cujas conseqncias ultrapassaram as suas vistas, preparando a fuso dos povos em uma famlia universal, debaixo de um mesmo Pai e sob uma s Lei.

Essa perspectiva, grandiosa e extensa, somente foi reconhecida ou pressentida pelos profetas que precederam a vinda do Cristo. Mas esse ideal oculto, prosseguindo, transformado pelo Filho de Maria, dele recebeu radiante esplendor, tambm comunicado s naes pags pelos seus discpulos. A disperso dos judeus ainda mais auxiliou a sua difuso. Segundo sua marcha atravs das civilizaes decadas e das vicissitudes dos tempos, ele ficar gravado em traos indelveis na conscincia da Humanidade.

Um pouco antes da era atual, proporo que o poder romano cresce e se estende, v-se a doutrina secreta recuar, perder a sua autoridade. So raros os verdadeiros iniciados. O pensamento se materializa, os espritos se corrompem. A ndia fica como adormecida num sonho: extingue-se a lmpada dos santurios egpcios e a Grcia, assenhoreada pelos retricos e pelos sofistas, insulta os sbios, proscreve os filsofos, profana os Mistrios. Os orculos ficam mudos. A superstio e a idolatria invadem os templos. E a orgia romana se desencadeia pelo mundo, com suas saturnais, sua luxria desenfreada, seus inebriamentos bestiais. Do alto do Capitlio, a prostituta saciada domina povos e reis. Csar, imperador e deus, se entroniza numa apoteose ensangentada!

Entretanto, nas margens do Mar Morto, alguns homens conservam no recesso a tradio dos profetas e o segredo da pura doutrina.