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2 PÁGINA 22 Leona Maradona DIEGO ARMANDO MARADONA é o parâmetro para qualquer atleta argentino que surgiu depois dele. No futebol, todo camisa 10 com talento acima da média é candidato a “novo Diego”. Nas outras modalidades, os craques são chamados de “o Maradona” do seu espor- te. No hóquei sobre a grama, uma das paixões esporti- vas dos nossos vizinhos, é uma mulher que ocupa este posto: Luciana Aymar, nome mais emblemático de uma equipe que levou a Argentina a ser protagonista nesta modalidade tão pouco difundida no Brasil. Las Leonas não descem do pódio nas competi- ções internacionais há dez anos. A galeria de conquistas se confunde com o currículo de Luciana: título mundial em 2002, tricampeonato pan-americano, três medalhas olímpicas (uma de prata e duas de bronze) e quatro edições do Champions Trophy, torneio anu- al que reúne as seis seleções mais bem ranqueadas na temporada. Mas o diferencial de Lucha são os prêmios in- dividuais. Ela foi eleita seis vezes a melhor jogadora de hóquei do mundo, uma marca difícil de existir em outra modalidade e inigualável na Argentina. Nem a tenista Gabriela Sabatini, a atleta argentina mais co- nhecida fora do país, tem tantos títulos. Mas as semelhanças entre Luciana e Maradona se limitam aos logros esportivos. Enquanto Diego nas- ceu em um subúrbio pobre de Buenos Aires e muitas vezes atraiu o foco para seus problemas extracampo, a leona é de uma família classe média de Rosario (a 300 km da capital argentina) e dona de uma história de vida imaculada. Obstinada, perfeccionista e disciplinada, a ponto de ainda estar solteira para não desviar a atenção do hóquei, se- gue com o mesmo nível de autoexigên- cia desde os tempos em que enfrenta- REFERÊNCIA PARA AS COLEGAS, IDOLATRADA PELAS GAROTAS E DESEJADA PELOS HOMENS, LUCIANA AYMAR É A VERSÃO DE EL DIEZ EM UM ESPORTE AMADOR NO BRASIL, MAS DE PONTA NA ARGENTINA JUAN MABROMATA/AFP “Messi não tem a mentalidade de Maradona. Ele não está pronto para assumir o papel de líder” Para Martin Palermo, cobra-se de Lionel Messi mais do que ele pode dar para a seleção argentina va 4 horas de viagem de ônibus todos os dias para treinar na capital. Depois que o sucesso chegou, Luciana teve de conciliar a rotina de treinos com os compromissos de um ídolo nacional. Com as companheiras de seleção, participa de eventos beneficentes e de longas sessões de autógrafos, cuja audiência varia de meninas que sonham em ser uma leona a marmanjos que a veem como sím- bolo sexual. Sozinha, Lucha passou a ser convidada para fazer comerciais, desfiles de moda, e até para apresentar um programa de TV. Em agosto deste ano, a movimentada agenda ganhou mais um item: a divulgação da biografia Corazón de Leona, escri- ta pelo jornalista esportivo Luis Calvano. O interes- se pelo livro foi potencializado por um raro ensaio fotográfico sensual protagonizado por ela. E as comparações com o maior ídolo do esporte argentino não dão trégua nem no livro. Um dos ca- pítulos é totalmente dedicado à relação entre Lu- ciana e Diego, de quem ela é fã desde a infância. No primeiro encontro entre os dois, durante uma pre- miação esportiva em 99, Lucha confessa que ficou sem palavras. Seguiu com essa admiração quase ju- venil mesmo depois de virar uma atleta consagrada. Na Olimpíada de Pequim, ao saber que Maradona estava nas tribunas vendo um jogo das leonas, Lu- ciana passou a vista por todo o estádio procurando o ídolo. Depois da partida, praticamente fugiu do exame antidoping para achá-lo. Não sossegou até lhe dar um abraço. “Sempre o admirei. Foi a primeira pessoa que pensou que podia ser Deus. Fazia e des- fazia tudo como queria”, conta a Leona. Este ano, Luciana pode superar Maradona em um aspecto: conquistando o segundo título mun- dial de sua carreira. O campeonato é disputado até 11 de setembro na sua Rosario. E a expectativa dos argentinos pode ser vista pelas ruas de qualquer grande cidade do país. Nas lojas de artigos es- portivos, as fotos das leonas ilustram as vitrines que há pouco mais de um mês eram ocupadas por Messi, Tevez e Verón. Versões piratas da camise- ta da seleção de hóquei também são encontradas em bancas de camelôs junto com as da Albiceles- te. Tudo o que Luciana quer é corresponder a essa euforia e, na sua despedida do torneio, incluir mais um troféu numa coleção que já é repleta. “Ganhar esse mundial em casa vai ser a cereja do bolo”, diz. POR LEONARDO AQUINO

Leona Maradona

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Reportagem sobre a argentina Luciana Aymar, a melhor jogadora de hóquei sobre a grama do mundo. Publicada na Revista ESPN, edição de setembro de 2010.

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Leona Maradona

Diego ArmAnDo mArADonA é o parâmetro para qualquer atleta argentino que surgiu depois dele. No futebol, todo camisa 10 com talento acima da média é candidato a “novo Diego”. Nas outras modalidades, os craques são chamados de “o Maradona” do seu espor-te. No hóquei sobre a grama, uma das paixões esporti-vas dos nossos vizinhos, é uma mulher que ocupa este posto: Luciana Aymar, nome mais emblemático de uma equipe que levou a Argentina a ser protagonista nesta modalidade tão pouco difundida no Brasil.

Las Leonas não descem do pódio nas competi-ções internacionais há dez anos. A galeria de conquistas se confunde com o currículo de Luciana: título mundial em 2002, tricampeonato pan-americano, três medalhas olímpicas (uma de prata e duas de bronze) e quatro edições do Champions Trophy, torneio anu-al que reúne as seis seleções mais bem ranqueadas na temporada. Mas o diferencial de Lucha são os prêmios in-

dividuais. Ela foi eleita seis vezes a melhor jogadora de hóquei do mundo, uma marca difícil de existir em outra modalidade e inigualável na Argentina. Nem a tenista Gabriela Sabatini, a atleta argentina mais co-nhecida fora do país, tem tantos títulos.

Mas as semelhanças entre Luciana e Maradona se limitam aos logros esportivos. Enquanto Diego nas-ceu em um subúrbio pobre de Buenos Aires e muitas vezes atraiu o foco para seus problemas extracampo, a leona é de uma família classe média de Rosario (a 300 km da capital argentina) e dona de uma história

de vida imaculada. Obstinada, perfeccionista e disciplinada, a ponto de ainda estar solteira

para não desviar a atenção do hóquei, se-gue com o mesmo nível de autoexigên-

cia desde os tempos em que enfrenta-

RefeRência paRa as colegas, idolatRada pelas gaRotas e desejada pelos homens, luciana aymaR é a veRsão de El DiEz em um espoRte amadoR no BRasil, mas de ponta na aRgentina

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“Messi não tem a mentalidade de Maradona. Ele não está pronto para assumir o papel de líder”Para Martin Palermo, cobra-se de Lionel Messi mais do que ele pode dar para a seleção argentina

va 4 horas de viagem de ônibus todos os dias para treinar na capital. Depois que o sucesso chegou, Luciana teve de conciliar a rotina de treinos com os compromissos de um ídolo nacional. Com as companheiras de seleção, participa de eventos beneficentes e de longas sessões de autógrafos, cuja audiência varia de meninas que sonham em ser uma leona a marmanjos que a veem como sím-bolo sexual. Sozinha, Lucha passou a ser convidada para fazer comerciais, desfiles de moda, e até para apresentar um programa de TV. Em agosto deste ano, a movimentada agenda ganhou mais um item: a divulgação da biografia Corazón de Leona, escri-ta pelo jornalista esportivo Luis Calvano. O interes-se pelo livro foi potencializado por um raro ensaio fotográfico sensual protagonizado por ela.

E as comparações com o maior ídolo do esporte argentino não dão trégua nem no livro. Um dos ca-pítulos é totalmente dedicado à relação entre Lu-ciana e Diego, de quem ela é fã desde a infância. No primeiro encontro entre os dois, durante uma pre-miação esportiva em 99, Lucha confessa que ficou sem palavras. Seguiu com essa admiração quase ju-venil mesmo depois de virar uma atleta consagrada. Na Olimpíada de Pequim, ao saber que Maradona estava nas tribunas vendo um jogo das leonas, Lu-ciana passou a vista por todo o estádio procurando o ídolo. Depois da partida, praticamente fugiu do exame antidoping para achá-lo. Não sossegou até lhe dar um abraço. “Sempre o admirei. Foi a primeira pessoa que pensou que podia ser Deus. Fazia e des-fazia tudo como queria”, conta a Leona.

Este ano, Luciana pode superar Maradona em um aspecto: conquistando o segundo título mun-dial de sua carreira. O campeonato é disputado até 11 de setembro na sua Rosario. E a expectativa dos argentinos pode ser vista pelas ruas de qualquer grande cidade do país. Nas lojas de artigos es-portivos, as fotos das leonas ilustram as vitrines que há pouco mais de um mês eram ocupadas por Messi, Tevez e Verón. Versões piratas da camise-ta da seleção de hóquei também são encontradas em bancas de camelôs junto com as da Albiceles-te. Tudo o que Luciana quer é corresponder a essa euforia e, na sua despedida do torneio, incluir mais um troféu numa coleção que já é repleta. “Ganhar esse mundial em casa vai ser a cereja do bolo”, diz. POR LeOnaRdO aquinO