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Universidade Federal do Rio de Janeiro Instituto de Filosofia e Ciências Sociais Programa de Pós-graduação em Sociologia e Antropologia LEONARDO NÓBREGA DA SILVA PROJETO GRÁFICO COMO PROJETO EDITORIAL: um estudo de caso da editora Cosac Naify Rio de Janeiro 2014

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Universidade Federal do Rio de Janeiro

Instituto de Filosofia e Ciências Sociais

Programa de Pós-graduação em Sociologia e Antropologia

LEONARDO NÓBREGA DA SILVA

PROJETO GRÁFICO COMO PROJETO EDITORIAL: um estudo de caso da editora

Cosac Naify

Rio de Janeiro

2014

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Leonardo Nóbrega da Silva

PROJETO GRÁFICO COMO PROJETO EDITORIAL: um estudo de caso da editora

Cosac Naify

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa

de Pós-graduação em Sociologia e Antropologia do

Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da

Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte

dos requisitos à obtenção do título de Mestre em

Sociologia.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Glaucia Kruse Villas

Bôas.

Co-orientadora: Prof.ª Dr.ª Tatiana Siciliano.

Rio de Janeiro

2014

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Ficha Catalográfica

S586p Silva, Leonardo Nóbrega da

Projeto gráfico como projeto editorial: um estudo de caso da editora

Cosac Naify/ Leonardo Nóbrega da Silva. – 2014.

103 f. : il.

Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro,

Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Programa de Pós-Graduação em

Sociologia e Antropologia – PPGSA, Rio de Janeiro, 2014.

Orientadora: Gláucia Kruse Villas Bôas

Co-orientadora: Tatiana Siciliano

1. Editoração 2. Cultura material 3. Edição e editores I.Villas

Bôas, Glaucia (orient.) II. Siciliano, Tatiana (co-orient.) III. Universidade

Federal do Rio de Janeiro. IV. Título

CDD 306.489

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PROJETO GRÁFICO COMO PROJETO EDITORIAL: um estudo de caso da

editora Cosac Naify

Leonardo Nóbrega da Silva

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Sociologia e

Antropologia do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio

de Janeiro, como parte dos requisitos à obtenção do título de Mestre em Sociologia

Aprovada por:

Presidente: Prof.ª Dr.ª Glaucia Kruse Villas Bôas

____________________________________________________________

Prof.ª Dr.ª Tatiana Siciliano (co-orientadora)

____________________________________________________________

Prof. Dr. Aníbal Bragança (titular externo)

____________________________________________________________

Prof.ª Dr.ª Renata Bernardes Proença (titular interno)

____________________________________________________________

Prof.ª Dr.ª Sabrina Marques Parracho Sant´Anna (Suplente)

____________________________________________________________

Prof. Dr. Alexandre Ramos (Suplente)

____________________________________________________________

Rio de Janeiro

Fevereiro de 2014

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RESUMO

O objetivo dessa dissertação é analisar, por meio de entrevistas, catálogos, e artigos de

jornal e revista, o tipo de sociabilidade que abarca as categorias sociais presentes na

prática editorial da Cosac Naify ao promover o projeto gráfico como elemento

fundamental do seu projeto editorial. A atividade de editar estabelece-se como atividade

intermediária entre o texto escrito e o leitor. É, dessa forma, importante na circulação de

ideias e no estabelecimento de um debate público, estando inserido em campo

relativamente autônomo, com rituais e dinâmicas próprios, mas em constante troca com

as esferas políticas, culturais e sociais. Não somente o tratamento dado ao texto a ser

publicado, mas o formato em que é publicado, a escolha do papel, a existência ou não de

ilustração, tipos e margem de página, o projeto gráfico, em suma, é fundamental para a

apresentação do livro, com consequências para o modo como circula, é comprado e lido.

Constata-se, a partir do material analisado, um tipo de sociabilidade que valoriza o

artesanato, a cultura material a as imagens, porém colocando-se em tensão com a

necessidade de viabilidade econômica cara à lógica industrial. Este estudo visa contribuir

para o pequeno, porém crescente, campo de estudos em ciências sociais sobre o universo

editorial.

PALAVRAS CHAVE: Editora; Cosac Naify; Cultura Material; Design Gráfico; Campo

Editorial.

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ABSTRACT

This dissertation aims to analyze, through interviews, catalogs, and magazine and

newspaper´s articles, the kind of sociability that embraces the social categories used in

Cosac Naify´s publishing practice, which promotes graphic design as a fundamental

element. The publishing activity is an intermediate between the written text and the

reader. It is thus important in the circulation of ideas and the establishment of a public

debate, inserted into relatively autonomous field with its own rituals and dynamics, but

in constant exchange with the political, cultural and social spheres. Not only the treatment

of the text to be published , but the format in which it is published, the choice of paper,

whether or not illustration, types and page margin , graphic design, in short, is

fundamental to the presentation of book, with consequences for how circulates, is bought

and read. It appears, from the material analyzed, a kind of sociability that values

craftsmanship, material culture and images, but putting themselves in tension with the

needs of economic viability in the industrial logic. This study aims to contribute to the

small but growing field of study in the social sciences about the publishing universe.

KEYWORDS: Publisher; Cosac Naify; Material Culture; Design; Publishing Field.

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AGRADECIMENTO

Muitas são as pessoas e instituições que me auxiliaram neste percurso de formação e

desenvolvimento de pesquisa, seja orientando, estimulando, apoiando, fazendo parte do

convívio diário ou mesmo distante, mas não por isso ausente.

Agradeço ao Programa de Pós-graduação em Sociologia e Antropologia, do

Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro, pela

confiança depositada no projeto de pesquisa, apoio institucional, bolsa concedida (através

do CNPq) e financiamento para a realização de trabalho de campo e participação em

congresso, condições materiais fundamentais para um desenvolvimento científico de

qualidade e que, espero, tornem-se disponíveis para todos os centros de pesquisa no país.

O convívio com os diversos professores do programa foi enriquecedor e instigante.

Agradeço, em especial, a José Reginaldo Gonçalves, pelos ensinamentos em sala de aula,

a disponibilidade em ajudar e os comentários primorosos na banca de qualificação. A

Glaucia Villas Bôas, agradeço bem mais do que a orientação desta pesquisa. Os

ensinamentos ao longo do processo, a forma atenta e gentil de se colocar, escutar e

acolher, o convívio agradável, a inteligência imensurável que compartilha com todos,

humildemente, ficam como ensinamentos para toda a vida. A Tatiana Siciliano, co-

orientadora desta dissertação, agradeço a disponibilidade, a constante preocupação, as

diversas contribuições, conselhos e convívio em sala de aula na realização do estágio

docência. Aos demais colegas do Núcleo de Pesquisa em Sociologia da Cultura (NUSC)

agradeço as leituras atentas, trocas constantes e convívio agradabilíssimo. O seminário de

pesquisa foi, sem dúvida, fundamental na minha formação e no desenvolvimento dessa

pesquisa. Dos colegas da turma de mestrado agradeço especialmente a Camilo, Pérola,

Luís, Guilherme, Luna, Rosa, Vinícius, David e Gabriel. Ainda no âmbito desta

instituição, agradeço a biblioteca Marina São Paulo de Vasconcellos, local primoroso

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para consulta bibliográfica e estudos. Também a Biblioteca do CCBB foi local

fundamental para a realização dos estudos.

A Aníbal Bragança, agradeço as aulas, as contribuições dadas na banca de

qualificação, a disponibilidade em contribuir com informações sempre que solicitado e a

aceitação em participar da banca de qualificação e defesa da dissertação. Agradeço

também aos demais membros da banca: Renata Proença, que também me ensinou muito

quando da realização do estágio docência; Alexandre Ramos, que contribuiu com diversas

indicações para a melhora deste trabalho; e Sabrina Parracho Sant´Anna.

Agradeço aos editores e ex-editores da Cosac Naify, por terem apoiado essa

pesquisa.

Aproveito esse espaço para agradecer ao Departamento de Ciências Sociais da

Universidade Federal de Pernambuco, onde me graduei e a cujos professores e colegas

devo grande parte dos meus agradecimentos. Agradeço especialmente a profa. Maria

Eduarda da Mota Rocha, que teve grande influência na minha escolha pelo curso de

ciências sociais, nos caminhos que escolhi traçar ao longo do percurso e mesmo na minha

personalidade como educador e pesquisador. Agradeço também aos professores José Luiz

Ratton, Jonatas Ferreira, Russel Parry Scott, Jorge Ventura, Liana Lewis, Paulo

Marcondes e a todos os outros que fazem, deste, um excelente local de formação

intelectual e humanística. Aos colegas, deixo um agradecimento especial por

compartilhares de muitos dos meus melhores momentos, em especial Marcela Santana,

Gregor, Mirtiline, Laura Patrício, Rafael Acioly, Teresa, Pedro Torreão, Vinício Lobo,

Amanda Bezerra, Filipe Nascimento, Chico Ramos e Ester Maria (sem a qual a ideia

inicial não teria se materializado).

Entre Rio de Janeiro e Recife, muitos amigos contribuem para uma estadia

agradável. No Rio, fora os colegas já citados, agradeço o acolhimento de Carla Alencar,

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Bruno Abdon, Ana Paula, Jorge Sequeira, Julia Krüger, Gustavo Calani, Victoria Alvares,

Quentin Delaroche e a todos que fazem parte deste grupo. Em Recife os amigos são

muitos e de longa data. Lembro em especial do pessoal do Colégio Idéia, dos vizinhos do

Tapajós e daqueles que me acompanham desde sempre: Daniel, Victor e Diego.

Entre idas e vindas, mudanças de instituição e cidade, a família é um elemento

estável e sempre presente. Aos que hoje vivem em Portugal, agradeço o carinho e os

encontros esparsos, mas sempre maravilhosos. Aos meus irmãos, Samuel e Marília,

agradeço a amizade verdadeira e o convívio desde sempre. A Rafaela, minha companhia

nestas andanças, em momentos felizes ou tristes, leves ou angustiados, agradeço bem

mais do que a compressão, o carinho, o apoio e a paciência: agradeço o compartilharmos

a vida e o amor que nos une. Aos meus pais vai o meu maior agradecimento, a quem devo

o meu gosto pela leitura e pelos livros, a minha compreensão de mundo, meu caráter,

tudo, enfim, sem o qual, nada serial possível.

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SUMÁRIO

Introdução .................................................................................................................................. 11

O livro e a edição como objetos de estudo .............................................................................. 12

Conhecendo a Cosac Naify ..................................................................................................... 16

CAPÍTULO 1 – Início da Cosac Naify e o mercado editorial brasileiro .............................. 21

1.1. Vocação para as artes .................................................................................................. 27

1.2. O livro entre a produção artesanal e industrial ............................................................ 33

1.3. Expansão do catálogo .................................................................................................. 44

CAPÍTULO 2 – O projeto gráfico da Cosac Naify e a Coleção Particular .......................... 48

2.1. Projeto gráfico na história editorial brasileira ............................................................. 49

2.2. Projeto gráfico na Cosac Naify ................................................................................... 56

2.3. Equipe de projeto gráfico ............................................................................................ 58

2.4. A Coleção Particular ...................................................................................................... 62

2.5. Leitores e cultura material ........................................................................................... 72

CAPÍTULO 3 – Editora: entre o mercado e a intervenção cultural .................................... 79

3.1. Mudanças e continuidade do projeto ........................................................................... 81

3.2. Editora: empresa ou intervenção cultural? .................................................................. 82

3.3. Contenção de despesas e os reflexos no projeto gráfico: a coleção Portátil ................ 86

CONCLUSÃO ........................................................................................................................... 92

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................... 96

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INTRODUÇÃO

A Cosac Naify é uma editora brasileira criada em 1997 por Charles Cosac e seu cunhado

Michael Naify. No início publicava livros de artes visuais, destacando-se na edição de

estreia a obra de Tunga, Barroco de Lírios, concebida pelo artista plástico como “uma

obra de arte em si1”. Hoje conta com mais de mil títulos distribuídos em diversas áreas

de interesse.

Uma das características marcantes da editora, como se pode conferir nos textos dos

catálogos, nas falas dos editores ou mesmo nas publicações da imprensa é o trabalho de

design editorial que aponta para uma valorização do livro como objeto. Cristiano Aguiar,

editor do Suplemento Literário Pernambuco2, ao se referir à Cosac Naify, utiliza a

denominação “livro-fetiche” para caracterizar o tipo de publicação da editora. Tal

denominação é emblemática para pensar o processo de valorização estética da edição.

A utilização do projeto gráfico como elemento fundamental do projeto editorial na

Cosac Naify possibilita alguns questionamentos sobre o lugar do livro na sociedade

brasileira contemporânea, bem como sobre a importância da cultura material e das

imagens na dinâmica cultural. É, portanto, fundamental neste trabalho, compreender que

tipo de sociabilidade possibilita um processo de valorização estética do livro, entendido

como a crescente relevância do projeto gráfico no processo editorial.

É necessário entender como a Cosac Naify promove um projeto editorial, a partir da

valorização estética do livro, constrói sua reputação, marca o seu lugar dentro do campo

editorial brasileiro e sugere modos de apropriação, bem como compreender a dinâmica

1 Acessado em http://editora.cosacnaify.com.br/ObraSinopse/10007/Barroco-de-l%C3%ADrios.aspx no

dia 22/11/2012. 2Suplemento Pernambuco (entrevista com Cassiano Elek Machado, ex-diretor editorial da Cosac Naify)

acessado em

(http://www.suplementopernambuco.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=158:o-

livro-digital-nao-e-prioridade-na-cosac-naify&catid=8:entrevista&Itemid=4) no dia 20 de Outubro de

2010.

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das relações sociais dentre os indivíduos envolvidos na concepção da editora desde sua

criação, em 1997, até 2013, período abordado nesta dissertação.

O livro e a edição como objetos de estudo

Apesar de sua importância social, o livro e a edição passam, apenas recentemente, a

serem vistos como objetos de pesquisa estabelecidos e sistemáticos. A edição de 1957 de

L´Apparitiondu livre, de Lucien Febvre e Henri-Jean Martin, é o marco moderno das

pesquisas sobre o livro e a edição. No entanto, é somente na década de 1980 que passam

a ser realizados estudos com regularidade.

As especulações em torno do possível desaparecimento do livro impresso, devido ao

surgimento dos digitais, assim como as confluências acadêmicas da Nova História3, e de

novos enfoques da sociologia, preocupados com as práticas sociais cotidianas e elevando

os artefatos ao lugar de foro privilegiado para a análise social (Medeiros, 2010), marcam

novo lugar para o livro como objeto de estudo. Acrescenta-se ainda que outros campos

como a sociologia da literatura4, passam a considerar a materialidade do livro em suas

reflexões. Assim, a edição, o livro e o comércio livreiro se tornam parte de um todo

mutuamente influenciável que determina a sua configuração e sua dinâmica na sociedade.

Roger Chartier (1994; 1996; 1999; 2002) é um dos responsáveis pela legitimação do

livro e da edição como objetos de conhecimento. Para ele, a materialidade do livro tem

influência no modo como os textos são lidos, e as mudanças pelas quais o formato passou

durante os anos revelam maneiras diferentes de apropriação do conteúdo. Robert Darnton,

(2010) compartilha da preocupação de Chartier ao afirmar que os “aspectos físicos [dos

livros] fornecem pistas a respeito de sua existência como elemento num sistema social e

3 Corrente historiográfica predominantemente francesa da segunda metade do século XX, que valoriza os

estudos sobre as ações cotidianas e os artefatos materiais. 4 Cf. Robert Escarpit, A Revolução do Livro (1976). Também Gustavo Sorá (2010) parte desta concepção

ao analisar a constituição de um cânone literário brasileiro a partir a atuação de José Olympio como editor.

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econômico” (op.cit.:57). A preocupação se volta para todo o circuito que envolve o livro:

autores, editores, gráficos, distribuidores, livreiros e leitores5.

No Brasil, em meados dos anos 1970, começam a surgir alguns estudos sobre o livro.

É o caso de O Livro Brasileiro desde 1920, de Olympio de Souza Andrade (1978).

Surgem também pesquisas que, apesar de não tomarem o livro como objeto central,

sublinham sua importância: é o caso da tese de doutoramento em sociologia de Sérgio

Miceli, intitulada Intelectuais e classe dirigente no Brasil (1920-1945) (1979). Alguns

anos mais tarde, em 1992, Glaucia Villas Bôas defende sua tese intitulada A vocação das

ciências sociais (1945-1964) - um estudo da sua produção em livro (2007), em que se

observa a importância da dinâmica do mercado editorial na consolidação das ciências

sociais no Brasil.

Entretanto, o marco no estudo de livros no Brasil é a publicação, em 1985, de O Livro

no Brasil (sua história), tese de doutoramento do bibliotecário inglês Laurence Hallewell,

republicada em 2005 com ampla revisão e acréscimo de conteúdo (2012). Hallewell faz

um trabalho de fôlego em que o livro é objeto privilegiado, centrado na análise da edição

e dos editores desde a colônia até os dias atuais.

Segundo Gustavo Sorá (2010: 14), os estudos de Olímpio de Souza Andrade e Sérgio

Miceli trazem o livro como objeto privilegiado, mas de forma diferente: Miceli traz a

produção e circulação de livros como aspecto a ser contextualizado para outros estudos

mais amplos, como a dinâmica dos intelectuais; já a análise de Olímpio de Souza Andrade

se aproxima de um diagnóstico do setor livreiro. O livro de Hallewell é o primeiro

especificamente centrado na análise da edição e dos editores, que será seguido por outros

autores, estabelecendo propriamente um campo de estudos do livro e da edição no Brasil.

5 As mudanças sociais da leitura em conformidade com as modificações do formato livro são discutidos

por Steven Roger Fischer, em A História da Leitura (2006).

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Aníbal Bragança escreve tese de doutoramento em 2001 intitulada Eros pedagógico:

a função editor e a função autor, consolidando-se como um dos estudiosos do livro e da

edição. Organiza também, junto com Márcia Abreu (2010), um panorama dos estudos

recentes sobre o livro, em que vários pesquisadores tratam de aspectos diversos que vão

desde o estabelecimento oficial da imprensa no Brasil a partir da vinda da família Real

em 1808, até a constituição das principais editoras brasileiras.

Dentre os estudos mais recentes no campo específico das ciências sociais, a já citada

tese de doutoramento em antropologia de Gustavo Sorá, Brasilianas – José Olympio e a

gênese do mercado editorial brasileiro (2010), defendida em 1998, trata do editor José

Olympio e o contexto de formação do mercado editorial brasileiro. Analisa o editor

através da categoria da amizade, buscando compreender os diversos laços que formaram

a rede para o estabelecimento e a permanência dessa editora, fundamental na consolidação

de um cânone literário brasileiro.

Luiz Renato Viera escreve tese intitulada Consagrados e Malditos: os intelectuais e

a editora Civilização Brasileira, defendida em 1996, onde elabora um estudo da produção

cultural brasileira, entre os anos 1950 e 1970, tendo como fio condutor a atuação do editor

Ênio Silveira, figura central na história editorial do país. O ponto de inflexão neste estudo

é o Golpe Militar de 1964, alterando o modo como os intelectuais lidam com o Estado e

permitindo entender como se deu a dinâmica de legitimação e consagração intelectual

nessa época.

Alessandra El Far (2004; 2006; 2010) defende tese de doutoramento intitulada

Páginas de Sensação: Literatura Popular e Pornográfica no Rio de Janeiro (1870-1920),

em que analisa o crescimento, no fim do século XIX e início do XX, de uma literatura

popular, marcadamente os “romances de sensação” e “romances para homens”,

amplamente consumida por uma crescente população alfabetizada. A circulação desses

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títulos só foi possível por um processo de popularização do livro, com a circulação de

edições a preços módicos.

Também no campo do design editorial são publicados alguns estudos de

referência. É o caso da pesquisa de Rafael Cardoso (2005; 2009). O autor estabelece o

que seria o início do design gráfico de livros no Brasil, desfazendo um mito comum de

que o país, por suas particularidades históricas, estaria atrasado na produção de livro em

comparação com outros países. O termo design de livros não pode ser utilizado antes da

nova indústria gráfica surgida durante o período 1840-50, quando se começa a produzir

livros em larga escala, processo no qual o Brasil estava inserido. No século XX,

estabelecem-se no Brasil grandes casas editoriais e designers consagrados como Tomás

Santa Rosa, Wasth Rodrigues, Eugênio Hirsch, entre outros.

Guilherme Cunha Lima e Ana Sofia Mariz (2010) contribuem com pesquisa sobre a

editora Civilização Brasileira, sob o comando de Ênio Silveira, destacando as inovações

gráficas e experimentações tipográficas implementadas pelos profissionais que

trabalharam na empresa.

Sem a pretensão de esgotar a bibliografia sobre o assunto, os estudos apontados

ilustram a crescente importância dada ao livro e à edição como objetos de estudo tanto no

campo das ciências sociais quanto nas áreas do design e da literatura.

Dada sua especificidade histórica como artefato fundamental na circulação de ideias,

e mesmo seu valor como obra de arte e objeto de coleção para bibliófilos, o livro traz

consigo um status de intelectualidade e tem importância fundamental nas mudanças que

ocorrem nas sociedades letradas. Porém, o que se percebe, principalmente a partir de fins

do século XIX e no decorrer do XX, é uma crescente valorização do seu projeto gráfico

em escala industrial, uma preocupação com o acabamento da edição, desde o tipo de papel

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e costura utilizados, até a ilustração e qualidade de impressão dando importância

primordial ao seu design.

Conhecendo a Cosac Naify

O estímulo para compreender as relações entre projeto gráfico e projeto editorial,

realizando um estudo de caso da editora Cosac Naify, parte, como muitas pesquisas, de

alguma experiência pessoal que posteriormente se percebe coletiva. A paixão por livros

é relativamente disseminada, principalmente no meio acadêmico. A busca incansável por

livros se confunde, muitas vezes, com um contato íntimo com bibliotecas e livrarias.

Passa-se a adorar o cheiro, as cores, as letras impressas, a textura do papel, as imagens.

Comecei a perceber que ficava muito tempo vagando por livrarias e bibliotecas,

folheando os livros, e, muitas vezes, o primeiro contato era inevitavelmente visual: os

livros que mais seduziam eram os que se destacavam nas prateleiras. Não por serem

coloridos demais ou exóticos, mas por terem alguma coisa de zelo e cuidado na

elaboração que se revelavam num primeiro olhar. Nessas visitas a livrarias, o nome de

uma editora começou a chamar a atenção: a Cosac Naify. Tal percepção foi o mote para

uma indagação mais ampla: qual a importância do projeto gráfico na edição de livros?

Apesar de sediada no Brasil e de atuar na cidade de São Paulo, a Cosac Naify foi

fundada nos Estados Unidos. Criada em 1997 pelos sócios Charles Cosac e Michael

Naify, tinha como foco inicial a produção de livros de artes. Hoje conta com cerca de mil

títulos distribuídos em dez áreas de interesse como Arquitetura, Arte, Ciências Humanas,

Cinema e Teatro, Design, Fotografia, Infanto-juvenil, Literatura, Moda, Música e Dança.

Charles Cosac, depois de concluir o secundário no Rio de Janeiro, morou por quinze

anos fora do Brasil. Estudou história e teoria da arte na Universidade de Essex, na

Inglaterra, onde ajudou a organizar a primeira coleção pública de arte latino-americana

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da Europa, e retornou ao Brasil em 1996, fundando a editora um ano depois, com aportes

financeiros da própria família, que é de origem síria e enriqueceu no Brasil com a

exploração de cristais de quartzo e outros minerais6.

O outro fundador da editora é Michael Naify, empresário americano, cuja família, de

origem libanesa, possui uma das maiores fortunas dos Estados Unidos, com investimentos

na cadeia cinematográfica e de televisão a cabo. É casado com Simone Cosac Naify, irmã

de Charles Cosac.

Michael Naify e Simone Cosac ajudaram, no início da editora, com aporte financeiro,

acompanhamento de impressão, que era feita em Florença, na Itália, e indicação de alguns

livros a serem editados, como o infanto-juvenil Capitão Cueca, um dos maiores sucessos

de vendas da editora, lançado em 2000. Apesar do incentivo inicial, não fizeram parte das

atividades da editora após os seus primeiros anos, sendo contatados por Charles Cosac

somente quando havia necessidade de novos aportes financeiros. Em 2011, por conta de

restrições financeiras, novo investimento de capital por parte dos sócios foi necessário,

além de mudanças na gestão da editora, que passa a ser presidida diretamente por Charles

Cosac.7

A editora conta atualmente com cerca de noventa funcionários. Além dos sócios

Charles Cosac e Michel Naify, são cargos integrantes da administração da empresa o

presidente; o diretor administrativo, que coordena as diversas áreas; o diretor-editorial,

que dirige o setor editorial; o diretor comercial, que cuida das vendas; o diretor financeiro,

responsável pelas contas da editora; e a diretora de arte, que gere os designers e

produtores gráficos.

6ABUJAMRA, Adriana. Um Personagem à Procura de Seus Autores (Perfil de Charles Cosac). Jornal

Valor Econômico. Jan. 2012. 7 Idem

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18

***

Para esta pesquisa foram realizadas um total de sete entrevistas com funcionários e

ex-funcionários da editora, entre agosto e dezembro de 2013, além de Samir Machado,

fundador, editor e designer gráfico da Não Editora.

As entrevistas foram fundamentais para a elaboração desta dissertação, ficando claro,

entretanto, que a análise do projeto editorial da Cosac Naify não reflete a opinião dos

entrevistados, mas resulta de exame de diversos materiais como os bibliográficos e

iconográficos além dos depoimentos, a partir de um recorte autoral, o que pressupõe,

evidentemente, uma subjetividade.

Com o objetivo de compreender que tipo de sociabilidade possibilita uma valorização

estética do livro, este texto se encaminha no sentido de apresentar uma interpretação da

concepção editorial da Cosac Naify, utilizando entrevistas, catálogos e artigos de jornal.

É fundamental para o entendimento dos caminhos percorridos, alguns suportes teóricos

que serão melhor debatidos ao longo do texto. As observações de Bourdieu (1983) acerca

dos bens simbólicos é de grande importância para se compreender as especificidades

inerentes à produção e comercialização do livro, distanciados da prática comercial de

produtos tradicionais na medida em que se estabelece, por parte dos produtores, um

discurso de “recusa do econômico”. Também quando trata do campo editorial, Bourdieu

(1999) traz contribuições importantes ao considerar o mesmo como um espaço social

relativamente autônomo, evitando, dessa forma, a explicação de suas práticas como meros

reflexos de pressões estruturais exteriores. Isso significa que o campo editorial é passível

de retraduzir nos termos da sua própria lógica todas as forças externas, especialmente

forças econômicas e políticas.

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É igualmente importante nesta dissertação a noção de cultura material, entendida

como a valorização da relação entre objetos e subjetividade (Bueno, 2008; Fertherstone,

1995). Essa noção está intimamente associada a cultura de consumo (Campbell, 2001;

2004) e suscita debates que se mostram presentes na lógica que acompanha a valorização

estética do livro. Também a discussão do que seria uma cultura autêntica (Sapir, 2012;

Benjamin, 1987a) está intimamente relacionada à valorização do artesanal que se revela

nas falas dos editores.

No primeiro capítulo são apresentados alguns dados do mercado editorial brasileiro

no momento de entrada da Cosac Naify. Tanto a configuração do mercado editorial,

quanto as escolhas iniciais da editora, focada em livros de arte, apontam para um caminho

de entendimento da valorização do projeto gráfico. Neste momento, a categoria

“artesanal”, em contraposição a categoria “industrial”, é relevante como discurso da

editora acerca de sua concepção. Encerra-se com a descrição da expansão do catálogo da

editora, que deixa de focar em livros de arte e começa a publicar também literatura,

ciências humanas e infanto-juvenis.

O segundo capítulo trata particularmente do projeto gráfico. Inicialmente recorre-se à

história editorial gráfica brasileira para apontar as condições que possibilitaram inovações

em projetos gráficos propostos pela editora José Olympio, Civilização Brasileira, dentre

outras. A interação entre designer e editor mostra-se fundamental, e é este diálogo que se

revela na Cosac Naify. Aborda-se a constituição da equipe gráfica da editora, bem como

a tensão entre este núcleo gráfico e o editorial, mais focado em cuidar do texto, o que

revela distintas perspectivas de produção. A Coleção Particular é analisada em detalhe,

pois apresenta características marcantes no entendimento do projeto gráfico como projeto

editorial. Essa interação é analisada tomando-se como base uma crescente importância

dada à cultura material na sociedade contemporânea.

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O terceiro capítulo analisa possíveis mudanças na concepção gráfica dos livros

produzidos pela editora após as mudanças no âmbito da gestão realizadas a partir de 2011.

Fica claro na descrição da coleção Portátil, de livros de bolso, que as noções de individual

e artesanal dão lugar, gradativamente, às noções de “democratização” e “barateamento”

Embora se mantenha um discurso em favor da qualidade gráfica, os livros são feitos em

série, de forma padronizada, para que, com isso, se diminuam os custos.

O que se percebe, a partir das análises desenvolvidas nesta dissertação, é uma

crescente relevância dada à cultura material nas sociedades contemporâneas, que encontra

reverberação na indústria editorial, tendo aqui como foco os livros da editora Cosac Naify.

O tipo de sociabilidade relacionado a tal concepção diz respeito à crescente valorização

do “artesanal” em detrimento do “industrial”, do “individual” em contraposição ao

“padronizado”, bem como a importância dada à experiência pessoal e às qualidades

visuais e táteis presentes na materialidade do livro. Todas essas concepções tornam-se

ainda mais interessantes para serem pensadas quando confrontadas com a exigência de

“viabilidade comercial”, presente em diversos segmentos industriais. Tal pressão

financeira faz com o que discurso do projeto gráfico único seja relativizado em relação a

um novo apelo, o do “barateamento do livro” e da “democratização do conhecimento”, a

ser garantido por um projeto gráfico padronizado, como na coleção Portátil, e,

consequentemente, mais acessível a um público consumidor amplo.

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CAPÍTULO 1 – INÍCIO DA COSAC NAIFY E O MERCADO EDITORIAL

BRASILEIRO

“Além do conteúdo, edição, encadernação, diagramação, tipografia, ilustração,

ou papel, o livro exerce sobre mim uma atração física. Não me satisfaz ver um

livro numa vitrine sem poder pegá-lo”8.

Em 1996, Charles Cosac retorna ao Brasil, depois de ter passado 15 anos na Inglaterra,

onde havia iniciado o doutorado na Universidade de Essex com tese sobre o “Quadrado

negro sobre fundo branco” (1915) de Malevich e o contexto social da Rússia entre 1905

e 19159. Um ano depois sairiam as primeiras publicações da sua recém-fundada editora,

a Cosac Naify.

Os primeiros livros publicados foram da área das artes visuais. O conjunto inclui

monografias de artistas, como Barroco de Lírios, de Tunga, artística plástico brasileiro

responsável pelo projeto gráfico do próprio livro, que conta com mais de duzentos tipos

diferentes de papel e a imagem de uma trança que, desenrolada, chega a um metro de

comprimento10.

8 Mindlin (1997). 9 A obra “Quadrado negro sobre fundo branco” (1915) do artista russo Kazimir Malevich (1878-1935)

marcou o movimento suprematista russo, rompendo radicalmente com a pintura figurativa e marcando o

abstracionismo na arte moderna. 10 Tunga é o nome artístico adotado por Antônio José de Barros Carvalho e Mello Mourão (1952), nascido

em Palmares, Pernambuco. A trança é elemento recorrente no trabalho do artista, podendo ser encontrada

em diversas obras como Sem Título (Trança) (1981), A Vanguarda Viperiana (1985), Tacape (1986),

Êxtases (1987), Lézart (1989), dentre outras. Informações sobre o artista podem ser acessadas em

http://www.tungaoficial.com.br. Último acesso no dia 17 de janeiro de 2014.

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Detalhes do livro Barroco de Lírios (1997)

Fonte: site da Cosac Naify: www.editoracosacnaify.com.br.

Outro livro dentre os primeiros publicados é o Use, é lindo, eu garanto, com

reprodução de desenhos do artista plástico cearence Leonilson, em edição bilíngue,

português e inglês. Dentre as primeiras monografias de artista publicadas também se

encontram Antropologia da Face Gloriosa, de Arthur Omar, Nelson Félix, do artista

plástico homônimo, além de obras de Lygia Pape, Siron Franco, Francis Bacon e Daniel

Senise.

Em 1998 sai o Arte na América Latina, da crítica de arte e historiadora inglesa Dawn

Ades, professora na Universidade de Essex e coordenadora da University of Essex

Collection of Latin American Art (UECLAA), coleção que Charles Cosac ajudou a

organizar quando ainda era aluno naquela universidade. No mesmo ano foi publicado o

catálogo Antarctica Artes com a Folha, que traça um panorama das artes plásticas

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brasileira. Este formato de catálogo, elaborado em parceria com a Cia. Antarctica Paulista

e a Folha de São Paulo, mostrar-se-ia uma constante no decorrer da atividade da editora,

estimulada pela ampliação de parcerias com instituições culturais.

Outras publicações que marcaram o início da editora foram os livros da coleção

Pelican, de história da arte, da Universidade de Yale, com títulos como Arquitetura na

Itália: 1400-1500, Arquitetura Grega, Pintura Holandesa, dentre outros.

Junto aos esforços iniciais de Charles Cosac na publicação das obras no Brasil,

estavam seu cunhado Michel Naify e sua irmã Simone Cosac Naify, que à época residiam

em Florença, na Itália. Simone, com formação em produção gráfica, acompanhava a

impressão dos livros, que eram feitos naquele país, por ter o preço mais em conta que no

Brasil. Michel Naify encarregou-se do aporte financeiro e do setor burocrático da

empresa, legalmente associada a seus negócios nos Estados Unidos.11

O panorama das primeiras publicações, voltadas para a arte, bem como sua

estrutura inicial baseada em relações familiares, marcam o que seria o perfil da editora

nos anos seguintes. A publicação regular de monografias de artistas, os projetos gráficos

especiais e o interesse de Charles Cosac nas artes visuais, bem como as entrevistas

concedidas à imprensa, chamaram a atenção dos leitores e definiram a forma como a

editora ficou conhecida.

Quando a Cosac Naify foi fundada, o mercado editorial vivia um momento de relativa

estabilidade, se comparado com os anos de hiperinflação da virada da década de 1980

para 1990. Os dados sobre produção e vendas do setor editorial brasileiro divulgados

anualmente pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE) a pedido do

Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) e da Câmara Brasileira do Livro

(CBL) apontam para um panorama positivo, mesmo que de forma discreta. O número de

11 ABUJAMRA, Adriana. Um Personagem à Procura de Seus Autores (Perfil de Charles Cosac). Jornal

Valor Econômico. Jan. 2012.

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títulos publicados, somando primeira edição e reedição, em 1990 (quando se dá o início

da série histórica da pesquisa) foi de 22.479 títulos, com 239.392.000 exemplares. Em

2000 os títulos publicados passaram para 45.111, somando 329.519.650 exemplares. Já

em 2012, os títulos publicados chegaram a 57.473, totalizando 485.261.33112.

Esse cenário de crescimento do setor tem como causa, dentre outras, o controle da

inflação e a estabilidade econômica, alcançados em meados dos anos de 1990, permitindo

uma maior segurança em investimentos tanto da parte dos produtores quantos dos

consumidores. Sandra Reimão (2001) relaciona o controle da inflação e a estabilidade

econômica, visadas pela implementação do Plano Real, em 1994, como causas do

equilíbrio na produção de livros no Brasil. Desde então, a produção de livros no país tem

se mantido num patamar superior a 330 milhões de exemplares por ano13. Do ponto de

vista das vendas, outro fator que justifica esse dinamismo junto ao consumidor é a

abertura das megalivrarias nos anos 1990. Segundo Halewell (2012: 825), “dez grandes

lojas foram abertas somente em 1997” representando também “a chegada de gigantes

estrangeiros”.

A essa perspectiva, une-se, nos anos 2000, uma reorganização da cadeia distributiva

do livro (Reimão, 2011), com a ampliação, dentre outros canais, das vendas pela internet,

superando, mesmo que timidamente, a dificuldade da distribuição do livro no Brasil.

O olhar positivo sobre o mercado editorial brasileiro não é compartilhado por todos

os analistas. O economista Fábio Sá Earp tem uma perspectiva alarmante quando trata

dos dados econômicos do setor editorial no Brasil. Os dados disponibilizados pela CBL

e SNEL sobre produção e vendas do setor editorial brasileiro, alguns deles transcritos

acima, revelam uma evolução nítida tanto no número de títulos publicados quanto na

12 Os dados referentes ao ano de 2013 ainda não estavam disponibilizados quando da finalização desta

dissertação. 13 Houve uma queda, afirma Reimão (2001) em 1999, para 295 milhões de exemplares produzidos, o que

se deve, principalmente, aos reflexos da desvalorização cambial de janeiro de 1999.

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quantidade de exemplares impressos. Para Earp (2005), entretanto, dois dados são

preocupantes. O primeiro é a queda na tiragem média, que era de cerca de 10 mil

exemplares por título publicado em 1990 e passa para cerca de 8 mil em 2003, apontando,

segundo o pesquisador, para um quadro em que as editoras publicam mais títulos, porém

com menor tiragem, o que tende a aumentar o preço de capa do livro para o consumidor

final. Outro dado alarmante é o revelado ao se comparar a evolução do faturamento das

editoras com índices econômicos reajustados. Os dados disponibilizados pela CBL e

SNEL indicam um crescimento do faturamento das editoras, porém, quando atualizados

com o índice GPI-DI para valores de 2003, o faturamento apresenta uma queda constante.

Em 1995 o faturamento total do setor editorial foi de 4,5 bilhão de reais. Em 2003 chegou

a 2,3 bilhão de reais, demonstrando uma queda de 48% no faturamento das editoras para

o período de 1995 a 2003. Esse dado é ainda mais alarmante se comparado com a

evolução do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro para o mesmo período, que aumentou

em 16%.

Os dados apresentados revelam um mercado editorial em expansão no que diz respeito

ao número de títulos publicados, inserindo no mercado uma gama mais variada de obras,

porém com retração nos quesitos tiragem média e faturamento. O ano em que a Cosac

Naify inicia suas atividades, portanto, parece ser propício para a busca por novos leitores,

já que a ampliação dos títulos publicados supõe um público mais diverso, mas não tão

propício para o início de uma atividade empresarial lucrativa no mercado editorial.

Fábio Sá Earp (2005), enfatiza o baixo investimento necessário para a produção de

livros se comparado a outros produtos industriais. Bastaria, segundo ele, encontrar “três

mil leitores dispostos a pagar o equivalente a seis horas de salário mínimo” (op.cit.:14)14.

14 Esta mesma informação está em Zaid (2004). Segundo nota do tradutor Felipe Lindoso, entretanto, esta

conta é feito tendo como base o mercado editorial estadunidense, e não pode se aplicar diretamente ao

Brasil (Zaid, 2004: 25). Entretanto, não altera a constatação de que o livro é relativamente mais barato de

ser produzido quando comparado a outros produtos industriais.

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Pela facilidade de entrada no mercado, dado o baixo custo de produção do livro, existe

um “permanente fluxo de pequenas editoras, que são a principal fonte de inovação do

sistema – mesmo que parte substancial delas se mostre comercialmente inviável”15

(op.cit.: 15).

Para se ter uma ideia da grande quantidade de editoras atuantes, o mercado editorial

brasileiro conta, no ano de 2010, com 750 empresas editando livros, sendo que destas,

498 se enquadram no critério de editora adotado pela UNESCO, ou seja, publicam pelo

menos cinco títulos por ano, em um total de pelo menos 5 mil exemplares16.

Quando a Cosac Naify foi fundada, em 1997, o mercado de livros de arte no Brasil

era bastante restrito, mas evidenciava sinais de expansão. Segundo Halewell (2012: 724),

“por muitos anos, o livro de arte brasileiro padeceu de uma qualidade de impressão

precária, e era necessário que os projetos mais ambiciosos fossem impressos no exterior”.

Desde os anos 1960, são diversas as tentativas de publicação de livros de arte, a maioria

em parceria com editoras estrangeiras. Um caso de sucesso é a edição em fascículos,

vendidos em bancas de jornal, introduzida pela Abril com Gênios da Pintura. Sobre a

situação do livro de arte no Brasil, Halewell (op.cit.: 778) continua: “É importante

observar que uma grande proporção dos livros de arte stricto sensu publicados no país só

é viável porque são obras encomendadas (ou aceitas) por empresas ou órgãos oficiais,

que adquirem a maior parte da tiragem, senão toda, para distribuição gratuita com fins

promocionais ou institucionais”.

É com o objetivo de superar o livro de arte como “livro promocional” que o fundador

da editora se coloca ao explicar o início das publicações de livros de arte pela editora:

15 Segundo Earp (2005), muito editores não tem como prioridade a “taxa de retorno” comercial de seus

livros, “sendo mais importante a satisfação pela importância cultural do seu catálogo e o prestígio daí

decorrente” (op.cit.:15). Essa perspectiva da suposta relegação do lucro ao segundo plano será melhor

discutida no terceiro capítulo desta dissertação. 16 INSTITUTO PRÓ-LIVRO, 2012.

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“Naquela época, tinha apenas um livro ou outro. Não tinha material didático.

Havia coisas da FUNARTE, que eram maravilhosas. Alguns fotolitos foram

queimados e a editora [Cosac Naify] refez alguns”.17

Segundo Cassiano Elek Machado, “quanto aos livros de arte, o mercado teve

historicamente boas editoras, mas não com a somatória da constância, quantidade e

qualidade da Cosac Naify”18.

Ao se relacionar a intenção de Charles Cosac de pôr em circulação livros de arte no

Brasil e o diagnóstico apresentado por Cassiano Elek Machado, observa-se que a Cosac

Naify se destaca entre as editoras brasileira pelo seu interesse em publicar livros sobre

arte, no país, a partir dos anos 1990. Lawrence Halewell (2012: 779) afirma que além da

Cosac Naify, também a Edusp, já em 1995, inicia suas publicações de arte, “podendo ser

considerada pioneira – e não somente entre as editoras universitárias – na publicação

sistemática de estudos sobre artistas no país”. Se não se pode falar em exclusividade e

pioneirismo quanto a Cosac Naify, não se pode também deixar de observar que o projeto

editorial e gráfico da editora em muito se diferenciou daqueles que publicavam livros de

arte.

1.1.Vocação para as artes

Charles Cosac cursou desenho de observação no Museu de Arte Moderna - MAM do

Rio de Janeiro e almejava entrar para a Escola Superior de Desenho Industrial – ESDI,

não chegando, entretanto, a concluir seu objetivo. Do Rio de Janeiro foi para a Inglaterra

17 COSAC, Charles. Entrevista concedida ao autor. São Paulo: 4 de dezembro de 2013. 18 MACHADO, Cassiano Elek. Entrevista concedida ao autor. E-mail: 6 de maio de 2013.

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onde se graduou em matemática e administração. Durante esse período, segundo conta19,

foi se reaproximando aos poucos do mundo das artes, visitando museus e galerias. Ao

término da graduação, fez um curso de artes, seguido pelo mestrado e o doutorado, que

não chegou a concluir.

A fundação da Cosac Naify oferece a Charles Cosac as condições de trabalhar com

as artes visuais, produzindo um objeto mais duradouro do que o que se apresenta em

outras instituições: “A editora me permitiu trabalhar com arte sem ter que ter uma galeria, sem

ter que entrar no círculo de mercado de arte, sem ter que entrar na confraria dos museus. E de

uma forma mais longeva, porque o livro fica, as pessoas vão e vem20”.

Em entrevista para o jornal Folha de São Paulo sobre as primeiras publicações, em

1997, disse não ter pressa para lançar os livros da coleção Pelican sobre história da arte.

O motivo para a suposta lentidão era a necessidade de revisar as traduções e a

preocupação com o projeto gráfico. Segundo Charles Cosac o desafio do projeto gráfico

estaria em transformar uma obra de arte em um livro: “O livro de Tunga, por exemplo,

foi quase todo feito à mão, quase toda página sofreu um tipo diferente de interferência.

Ele não poderia ser bilíngue pois destruiria seu projeto gráfico. Por isso optamos por uma

versão em português e outra em inglês”21.

O interesse no projeto gráfico viria a ser a tônica de grande parte dos livros de arte

produzidos pela editora, e o fator principal que a tornaria conhecida nacionalmente. O

interesse e cuidado com a apresentação gráfica dos livros da Cosac lembra a preocupação

com os chamados “livros de artistas”. Isso fica patente quando da descrição do Barroco

de Lírios, que, segundo o catálogo da editora, foi “concebido pelo próprio artista para ser

uma obra de arte em si”. Definir o que seja “livro de artista” não é tarefa das mais fáceis

19 COSAC, Charles. Entrevista concedida ao autor. São Paulo: 4 de dezembro de 2013. 20 COSAC, Charles. Entrevista concedida ao autor. São Paulo: 4 de dezembro de 2013. 21 Jornal Folha de São Paulo. Tradução e Projeto Gráfico Preocupam. Caderno Ilustrada. 8 de Outubro de

1997.

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e extrapolaria os objetivos desta pesquisa. É importante notar, entretanto, que o que se

convencionou chamar “livro de artista” é historicamente próximo a uma valorização do

livro como objeto de arte.

Segundo o Dicionário de Livro (Faria, Pericão, 2008: 461-462), livro de artista é

definido como “livro começado a ser editado no século XX, cujo nome lhe vem do fato

de o artista participar diretamente na sua produção. Por vezes, o pintor era

simultaneamente o autor da ilustração e do texto; livro de pinturas”.

O “livro de artista” pode também ser visto como um objeto pertencente ao mundo das

artes que de alguma forma faça referência aos livros, tendo sido, total ou parcialmente

executado por um artista (Silveira, 2008). Essa caracterização ampla pode ser associada

a uma mais estrita, ligada às experimentações dos artistas brasileiros concretos e

neoconcretos nos anos de 1950 e 1960 como Arthur Barrio, Lygia Clark, Antônio Dias,

Waltércio Caldas, Mira Schendel, Alex Hamburguer, Delson Uchoa, Augusto de

Campos, Julio Plaza, Liuba, Renina Katz, Lygia Pape.

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Antônio Dias - Ela não acha mais graça na política das próprias graças (s.d.).

Fonte: Silveira, 2008: 70.

Waltércio Caldas - O Colecionador (1973).

Fonte: Site oficial do artista. http://www.walterciocaldas.com.br/ acessado no dia 21 de janeiro de 2014.

Artur Barrio - Livro de Carne (1979).

Fonte: site oficial do artista. http://arturbarrio-trabalhos.blogspot.com.br/ acessado no dia 21 de janeiro de 2014.

Independente da definição que se possa ter, a categoria “livro de artista” suscita

reflexões que demonstram uma crescente preocupação com a materialidade do livro. O

que é certo, portanto, é a dimensão do livro encerrado em si mesmo, como um objeto a

ser contemplado.

Como afirma o artista plástico Julio Plaza (1982):

Se livros são objetos de linguagem, também são matrizes de sensibilidade. O

fazer construir-processar transformar e criar livros implica determinar relações

com outros códigos e, sobretudo, apelar para uma leitura sinestésica com o leitor:

desta forma, livros não são mais lidos, mas cheirados, tocados, vistos, jogados e

também destruídos. O peso, o tamanho seu desdobramento espacial escultural são

levados em conta: o livro dialoga com outros códigos.

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Poemobiles. (São Paulo: Augusto de Campos e Julio Plaza, 1974)

Fonte: http://www.library.yale.edu/aob/Exhibition/campos.htm.

A pesquisadora Annateresa Fabris (1988) apresenta alguns pontos que devem ser

levados em consideração na emergência do “livro de artista”, dentre eles a “renovação da

concepção de livro em geral quando da fundação da Kelmscott Press em 1890”, do

britânico William Morris (1834-1896), pintor, escritor e um dos fundadores do Arts and

Crafts, movimento estético surgido na Inglaterra, na segunda metade do século XIX, que

defendia o artesanato como alternativa à mecanização e produção em massa.

Em contraposição ao livro produzido manualmente nos mosteiros cristãos da Idade

Média, o processo de industrialização e massificação fez com que este objeto, ao ter

encontrado um público muito maior que o dos mosteiros, fosse perdendo seu encanto,

suas belas formas, fosse se tornando um artigo de consumo comum, submetido às leis do

mercado. Como diz Steven Fischer (2006: 193) “a quantidade em detrimento da qualidade

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tornou-se o ethos que impulsionou a revolução da impressão, que foi notadamente um

empreendimento capitalista”.

Como resposta ao empobrecimento gráfico dos livros, o Arts and Crafts defendia o

retorno da concepção artesanal do produto em contraposição a mecanização industrial

homogeneizante. Nos livros, o seu efeito foi de sugerir uma maior elaboração de todas as

etapas da produção, desde a concepção gráfica até a impressão cuidadosa.

Somado aos esforços de William Morris, afirma Annateresa Fabris (1988), deve-se

considerar “o papel das vanguardas históricas que, ao produto anônimo da indústria

editorial, opõe “criações pessoais”, fruto do trabalho conjunto de artista, escritor,

diagramador”.

Livro editado pela Kelmscott Press. Ruskin, John (1819-1900). The nature of Gothic; a chapter of The stones of Venice

London: George Allen 1892; (Fim do prefácio e início do texto).

Fonte: University of Glasgow - Special Collections Department. Acessado em

http://special.lib.gla.ac.uk/teach/privatepress/kelmscott.html no dia 21 de janeiro de 2014.

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1.2.O livro entre a produção artesanal e industrial

A contraposição ao produto industrial a partir da criação pessoal é a marca do que se

conhece por livro artesanal, categoria presente na fala de alguns dos entrevistados ao

definir a identidade da Cosac Naify. Segundo Elaine Ramos, diretora de arte e diretora da

editoria de design, a “Cosac é uma mistura de Brasiliense com Noa Noa”22. Nessa

afirmação, a Brasiliense parece representar a figura de uma editora industrial do ponto de

vista gráfico, com grandes tiragens e um padrão para diversos livros. Já a Noa Noa, no

lado oposto do espectro gráfico-editorial, estaria relacionada à inovação em escala

artesanal, com o toque pessoal daquele que o faz, e sem pretensão de alcançar um grande

público.

A Editora Noa Noa é um projeto pessoal do jornalista radicado em Florianópolis

Cleber Teixeira, falecido recentemente. A editora ficou conhecida pela sua produção

artesanal e a publicação de poemas do próprio Cleber Teixeira, de Octávio Paz, Augusto

de Campos, Ee. Cummings, José Paulo Paes, Mallarmé, dentre outros. Em mais de trinta

anos de atividade, a editora publicou cerca de oitenta livros, muitos em tiragens de cem

exemplares ou menos, numerados e assinados pelo autor. Sem contar com ajudantes, e

imprimindo em tipografia (técnica de impressão que utiliza tipos metálicos moveis

compostos manualmente e prensados com auxílio de máquina) em oficina montada em

sua própria casa, a Noa Noa é reconhecida como forma de resistência do artesanal diante

da crescente padronização dos produtos industriais.

22 RAMOS, Elaine. Entrevista concedida ao autor. São Paulo: 15 de agosto de 2013.

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34

Capas de livros da editora Noa Noa.

Fonte: Site da Editora Noa Noa; http://editoranoanoa.tanlup.com/ acessado no dia 21 de janeiro de 2014.

Quando a Noa Noa surgiu, em 1965, Cleber Teixeira tinha como referência outros

editores artesanais. A editora e pesquisadora do assunto, Gisela Creni (2013), aponta o

vigor da economia e o otimismo representados pelo governo Jucelino Kubitschek (1956-

1961) como ingredientes essenciais para um crescimento editorial na época, “inclusive

abrindo espaço para que pequenos editores especializados produzissem obras de tiragem

restrita. É nesse contexto que surgiram os editores artesanais, que, ao contrário dos

grandes editores, fundaram pequenas casas, em sua maioria distantes do eixo cultural Rio-

São Paulo” (op.cit.: 16). Dentre os editores listados por Gisela Creni estão João Cabral

de Melo Neto, com a editora O Livro Inconsútil, funcionando em Barcelona (1947-1953);

Manuel Segalá, da Philobiblion, no Rio de Janeiro (1945-1957); Geir Campos e Thiago

de Mello, da Edições Hipocampo, em Niterói (1951-1953); Pedro Moacir Maia, da

Edição Dinamene, em Salvador (1950-1979); Gastão de Holanda, de O Gráfico Amador,

Mini Graf e Editora Fontana, no Recife, e, mais tarde, no Rio de Janeiro (1954-1984),

além do já citado Cleber Teixeira, com a Noa Noa.

Além da importância cultural que os editores atribuíram à apresentação gráfica dos

livros, segundo Gisela Crani, é possível encontrar outro ponto em comum: a poesia.

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Todos os editores citados foram ou são poetas ou trabalharam com a edição de poesia. A

observação de Crani quanto à poesia tem proximidades com trecho da entrevista de

Augusto Massi, poeta e professor de literatura da USP, que foi diretor editorial e

presidente da Cosac Naify entre 2001 e 2011. Augusto Massi justifica sua gestão na Cosac

Naify e a importância dada ao projeto gráfico dos livros como um desdobramento de

experimentos editoriais que realizara anteriormente. Em 1988, após receber herança do

avô, Massi lança uma coleção de poesia chamada Claro Enigma, em parceria com a

Livraria Duas Cidades (São Paulo).

Na época, uma questão se colocava de forma clara bastante para mim: a edição

de poesia estava passando por um período muito ruim. Nas décadas de 80 e 90,

nenhuma das grandes editoras primava por cuidados básicos: estabelecimento correto

do texto, bibliografia completa do e sobre o autor, inclusão de poemas dispersos e

inéditos, padrão gráfico e qualidade do papel, etc. Os principais poetas do alto

modernismo - Carlos Drummond, Manuel Bandeira, Cecília Meireles, Jorge de Lima,

Murilo Mendes, João Cabral de Melo – não dispunham de edições cuidadas. Para dar

um exemplo, Carlos Drummond (pela Record) e Manuel Bandeira (pela Nova

Fronteira) exibiam nas suas Obras Completas alguns poemas onde se notava a

ausência de versos inteiros, erros na divisão das estrofes ou até mesmo troca de

palavras.

Quem está habituado a comprar livro de poesia, em qualquer lugar do mundo,

sabe o quanto os poetas têm de designer, como produzem obras com tiragens

limitadas, feitos ainda em tipografia. A poesia moderna, desde Mallarmé, sempre se

interessou pelas questões tipográficas e gráficas. Ele, por exemplo, tinha predileção

pela fonte Didot. Na Itália e na Espanha, todos os projetos gráficos trazem um papel

diferente e uma letra especial. No livro de poesia há algo que já aponta para esta

questão de base: articular certo tipo de fonte à beleza das palavras dispostas na página.

Em outras palavras: o poeta pensa de uma forma tipográfica. A poesia pensa sua

própria matéria.23

23 Na continuação de seu depoimento, Massi fala sobre a experiência com a concepção da coleção Claro

Enigma: Quando pensei em criar a Claro Enigma - em 1988 saíram os primeiros 6 volumes - queria que ela

tivesse o formato tradicional 14x21[cm] e, ao mesmo tempo, tivesse um diferencial. Eu e as duas designers,

Moema Cavalcanti e a Silvia Massaro, acabamos descobrindo um papel de capa que, originalmente, era

utilizado como forro interno de chapéus. Era um papel pobre, impuro, de baixa qualidade, produzido pela

Indústria de Papel R. Ramenzoni. Fui até a fábrica e conversei com o responsável, um senhor muito

simpático que, surpreso, me disse assim: “Olha, isso aí não serve pra livro”. Eu falei “Mas se a gente

conseguir fazer capa de livro com ele, o senhor vende pra gente?” Ele respondeu: “Olha, se você conseguir,

pode levar o quanto você quiser”. Então, pensei, “aqui já obtenho uma grande vantagem, posso baratear um

pouco o preço do livro”. Depois de realizarmos vários testes e sempre escutarmos que não ia dar certo,

finalmente, convencemos o pessoal da Gráfica Prol. Então, pela primeira vez, aprendi que para fazer um

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O experimentalismo dos livros de poesia, segundo Augusto Massi, está na origem das

suas pretensões de intervenção cultural e em consonância com os editores artesanais que

fizeram seus experimentos no Brasil entre as décadas de 1950 e 1970, relatados na

pesquisa realizada por Gisela Crani (2013), que foi, por sua vez, colaboradora de Massi

na elaboração da Claro Enigma. Aliado ao cuidado artesanal encontra-se o aspecto

moderno. Sobre livro da coleção Claro Enigma, ele explica:

Na concepção do projeto gráfico da coleção Claro Enigma era fundamental unir

o rústico [papelão da fábrica Ramenzoni] e o sofisticado [acetato]. Num certo

sentido, a função do acetato seria vestir o papelão, ser uma sobrecapa, uma

embalagem. Mas, pelo fato de ser completamente transparente, ele deixava que o

leitor visse o aspecto pobre e impuro do papelão. Entretanto, a percepção visual

da capa acabava sendo desmentida pela própria materialidade dos objetos: liso e

poroso, brilhante e fosco, sofisticado e pobre. Conceitualmente, os volumes

refletiam a minha concepção de poesia, aproximar tradição e vanguarda,

artesanato e indústria, simples e complexo. Tudo que se anunciava no título da

coleção acabava por se traduzir no objeto: claro enigma. E, vamos dizer, estava

cifrado no pictograma: logotipo retirado do período pré-histórico, pintura rupestre

que irá dialogar com o acetato, material emblemático da modernidade. Em parte,

esta é a minha ambição como editor: um pé na tradição outro na vanguarda. O ato

da leitura guarda um vínculo misterioso e subterrâneo com a decifração das

pinturas das cavernas. A palavra é imagem. 24

Ao justificar a importância do projeto gráfico no projeto editorial da coleção Claro

Enigma, que, segundo ele, viria a se desdobrar na gestão da Cosac Naify, Augusto Massi

utiliza os conceitos de “tradição” e “modernidade” como opostos que devem ser

conciliados, sendo esses pares opostos análogos, ao se basear nos exemplos que utiliza na

entrevista, respectivamente às noções de “artesanal” e “industrial”. É o que afirma sobre

bom projeto gráfico, no fundo, você tem que participar e entender todo o processo. MASSI, Augusto.

Entrevista concedida ao autor. São Paulo: 28 de outubro de 2013. 24 MASSI, Augusto. Entrevista concedida ao autor. São Paulo: 28 de outubro de 2013.

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o seu trabalho na Cosac Naify, em que, segundo ele, o encontro entre o artesanal e o

industrial teria de fato acontecido:

No fundo, a ideia da Coleção Particular é fruto de uma dinâmica coletiva. De

imediato, ele nasceu de uma ida à China, realizada pela pintora Célia Euvaldo,

que também trabalhava na Cosac Naify como editora de imagens. A Célia trouxe

de lá alguns cadernos com as folhas costuradas na lombada [à direita] e não

refiladas [à esquerda]. Os cadernos eram compostos por folhas A 4 dobradas ao

meio e com as suas duas extremidades costuradas na lombada. Quando os

cadernos estavam fechados as faces internas do papel se juntavam, formavam

uma só página. Mas, ao abri-los, a folha dava uma embarrigada e formava uma

espécie de canudo. Dentro da editora todos ficaram impressionados com a

simplicidade e as potencialidades daquele caderno. Então, à partir de uma

conversa entre Célia, a Elaine e eu, surgiu a ideia de realizarmos algo com aquele

princípio. A Célia anteriormente tinha traduzido, por conta própria, uma bela

novelinha do Samuel Beckett: Primeiro Amor. Juntei as coisas e propus: porque

não realizamos um livro de artista? Mas, teria que ser um livro de artista barato,

feito em casa. A Elaine soube agregar o imaginário dela. Quando o livro saiu,

houve uma recepção crítica extremamente favorável.

Notei que essa experiência poderia ser ampliada para outros campos da

editora. Havia um território novo a ser explorado. Poderíamos fazer livros

experimentais, artesanais e autorais mas em escala industrial. Para isso, seria

necessário ultrapassar as especializações dentro da própria editora. Não

privilegiar o editorial nem o design. Era preciso fazer com que o texto se fundisse

ao projeto gráfico e que o design gráfico irradiasse todos os sentidos do texto. Daí

pra frente, coloquei como um desafio interno conceber, anualmente, um livro que

desse continuidade à esta família de seres insólitos e criativos. Penso que a minha

maior contribuição dentro da editora, além da preocupação em formar novos

profissionais, foi conseguir reunir e motivar vários setores da empresa em torno

de algumas poucas ideias fortes e inéditas. A Coleção Particular não lembra nada

feito lá fora [do país] ou aqui dentro. Depois dela várias editoras nacionais e

internacionais passaram a acompanhar nosso trabalho de perto. É uma criação

com a marca de fábrica da Cosac Naify25.

O “artesanal”, portanto, seria responsável pela experimentação gráfica, como descrito

na pesquisa, já citada neste texto, desenvolvida por Gisela Creni (2013). Contrário à

concepção de artesanal estaria a de “industrial”, que seria responsável por maiores

tiragens, amplo trabalho de divulgação na imprensa e estabelecimento de canais de

25 MASSI, Augusto. Entrevista concedida ao autor. São Paulo: 28 de outubro de 2013.

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vendas26. Esse discurso de conciliação entre as dimensões artesanal e industrial da

produção de livros, recorrente entre os entrevistados, parece revelar um traço fundamental

no mundo contemporâneo.

O antropólogo e linguista Edward Sapir (1884-1939), ao tratar do tema da cultura,

estabelece uma distinção entre cultura autêntica e cultura espúria (2012). A cultura

autêntica seria um conjunto de modos de agir, pensar, tomar atitudes, selecionar artefatos

socialmente valorizados, tudo isso posto de forma que o indivíduo tenha respeitada sua

criatividade, não estando submerso numa estrutura social que o torne sem significado,

tanto para si mesmo quanto para os outros ao seu redor, o que, por sua vez, caracterizaria

a cultura espúria. Nas próprias palavras de Sapir (2012: 42): “A cultura autêntica não é,

por princípio, alta ou baixa; ela é apenas inerentemente harmoniosa, equilibrada e satisfaz

seus próprios requisitos. Ela é a expressão de uma atitude ricamente variada, mas de

algum modo unificada e consistente ante a vida, uma atitude que vê a significação de

qualquer elemento da civilização em sua relação com todos os outros”.

A forma como os editores da Cosac Naify vêm a si próprios remete de forma nítida

a essa valorização do que Edward Sapir chama de cultura autêntica, uma consciência e

participação em todas as etapas do livro, um envolvimento que remete mesmo à

concepção do livro artesanal. É interessante, neste ponto, observar a fala de Florencia

Ferrari sobre os procedimentos editoriais nos seus primeiros anos de editora:

Eu sempre tive bastante naturalidade para lidar com as diferentes áreas

da editora, sempre me interessei por design, processos de produção,

formação de preço, desempenho comercial etc. Mesmo como assistente

editorial do Augusto, eu interagia com todas as áreas. Naquela época não

existia ainda o departamento de direitos autorais e os próprios editores

26 Augusto Massi diz (2013) que a exposição Artes e Ofícios da Poesia, organizada por ele no MASP, em

1991, como encerramento da coleção Claro Enigma contou com os mais importantes poetas do país e teve

ampla repercussão na mídia.

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negociavam com editoras estrangeiras ou faziam o contrato com o autor.

Brincávamos que era um sistema de alienação zero, um editor quando

assumia um livro, fazia o contrato, editava, batia emendas, fazia pesquisa

de imagem, ia na livraria falar com o livreiro, participava de todo o

processo. Nos reconhecíamos no produto final do trabalho27.

Essa participação em todos os processos da editora, estabelecendo uma nítida

identificação do editor com o produto final de seu trabalho, o livro impresso e distribuído,

está relacionado a uma participação da concepção editorial que envolve criatividade

individual. Como afirma Sapir (2012: 43), “As atividades principais do indivíduo devem

satisfazer diretamente seus próprios impulsos criativos e emocionais, devem ser sempre

algo mais do que apenas meios para um fim”. Estaria encerrado no produto final a energia

individual daqueles sujeitos envolvidos na produção do objeto. Isso demarcaria o seu

caráter autêntico.

A categoria autenticidade também é utilizada por Walter Benjamin ao tratar do

processo de reprodutibilidade técnica dos objetos artísticos (1987a). Com o incremento

das técnicas de reprodução, os objetos perdem o que tem de específico, o que o tornam

único, ou, nas palavras de Benjamin, sua aura. É interessante notar como a categoria

“artesanal” utilizada para definir a editora, seja na definição do conceito ou no que

estabelece de experimentação gráfica, mesmo que dentro de um funcionamento industrial,

serve de um valor que objetiva afastar a editora de toda qualificação que remeta à

homogeneização ou padronização, valores que seriam ligados, de acordo com Sapir

(2012), a uma cultura espúria.

Como afirma Florencia Ferrari, atual diretora editorial da Cosac Naify:

27 FERRARI, Florencia. Entrevista concedida ao autor. São Paulo: 29 de outubro de 2013.

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[A Cosac Naify] aposta na relação intrínseca entre forma e conteúdo e

tem uma marca de excelência nesse sentido. Ao procurar experimentar

sobretudo em design e produção gráfica a editora desempenhou um papel

de vanguarda no mercado editorial. A experimentação sempre oferece

desafios e dificuldades, e para isso é preciso contar com parceiros que se

entusiasmem pela inovação, nem todas as gráficas têm essa abertura ou

competência. Já tivemos problemas, por exemplo, ao entrar em máquina

com um papel que nunca tinha sido usado para imprimir livros, e a gráfica

teve de fazer ajustes, gastar mais horas, enfim, esse processo também

depende da relação com terceiros28.

O discurso da experimentação, típico das editoras artesanais, é, na Cosac Naify,

associado ao discurso do industrial, na medida em que trabalha com tiragens comerciais

(que variam entre três a cinco mil exemplares, podendo ser até maiores) e distribuição

nas livrarias.

A experimentação gráfico-editorial, segundo os editores entrevistados, é uma

inovação da Cosac Naify e tem a ver com o aproveitamento de uma possibilidade

tecnológica, que permitiria fazer experimentações típicas das editoras artesanais em

escala industrial. A isso se associa uma condição material privilegiada, relativa a sua

origem como um negócio familiar com ampla capacidade de investimento financeiro,

fator que permitiu, dentre outras coisas, a criação e manutenção de um departamento de

design interno que, junto aos editores, pensariam os livros relacionando forma e conteúdo.

O discurso de quase exclusividade em relação à atenção dada ao projeto gráfico pela

editora, entretanto, é relativizada se comparada a outros discursos. Numa rápida olhada

no catálogo de outras editoras brasileiras, é possível encontrar um discurso parecido com

o da Cosac Naify, no sentido de fazer com que o projeto gráfico dos livros dialogue com

o texto publicado.

É o caso da Companhia das Letras, editora que inovou no projeto gráfico dos livros

no final dos anos 1980 e início de 1990, ao afirmar que: “Uma mesma proposta de

28 FERRARI, Florencia. Entrevista concedida ao autor. São Paulo: 29 de outubro de 2013.

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trabalho dá unidade ao catálogo da editora: publicar livros que, pela qualidade do texto e

da produção gráfica, sejam um convite à leitura29”. É nesse mesmo caminho que

Lawrence Halewell (2012, 731) descreve a editora:

A Companhia das Letras destaca-se pela qualidade dos textos que escolhe, pelo

cuidado que dedica à tradução, pelo bom gosto de suas capas e pela atenção que

empresta à apresentação gráfica a artística. Talvez nada mais prove a

maturidade do mercado livreiro no Brasil do que o sucesso de uma editora

dedicada exclusivamente a publicar livros de qualidade (grifo meu).

Todos os expedientes usados por Halewell para qualificar a Companhia das Letras,

desde o “bom gosto das capas” até a expressão “livros de qualidade” se aproximam

daqueles utilizados pelos editores da Cosac Naify para descrever os livros que produzem,

o que parece apontar não apenas para uma exclusividade na linha editorial, mas para um

valor que se torna socialmente relevante no período estudado.

Também a editora Ateliê Editorial30, do editor Plínio Martins Filho, professor do

curso de editoração da USP além de diretor e presidente da Edusp, utiliza um discurso no

mesmo sentido. Afirma que em todas as coleções que fazem parte do catálogo da Ateliê

Editorial “está gravado um traço fundamental da editora: o apreço com a arte gráfica”. E

continua: “O apuro e a invenção desaguaram no teste de tipologia e materiais diferentes,

claramente usados nas edições dessas coleções. Ali, capas duras, inusitadamente espessas

e rústicas, combinaram surpresa e elegância. Já é possível ver reflexo dessa aposta em

livros de outras editoras”.

29 Disponível no site da editora. Acessado em http://www.companhiadasletras.com.br/ no dia 7 de janeiro

de 2014. 30 Dentre as coleções no catálogo da Ateliê Editorial existe a Design e Livros sobre Livros, que conta com

diversas publicações que tratam da produção do livro, da tipografia, do trabalho de edição, de livrarias e

demais assuntos relacionados ao tema. O catálogo pode ser acessado em http://www.atelie.com.br/. Último

acesso no dia 7 de janeiro de 2014.

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O que se percebe, também nas editoras universitárias brasileiras, que historicamente

foram vistas como despreocupadas com projeto gráfico, é uma mudança no sentido de

valorizar o projeto gráfico dos livros. Mesmo que não se possa generalizar para todas as

editoras, esta é uma prática crescente. A Edusp evidencia o mesmo interesse com relação

à concepção gráfica dos livros. Como descrito no site: “Na última década, a Edusp

também apostou no desenvolvimento de um projeto editorial e de um design gráfico

diferenciados, estabelecendo um novo padrão que determinou uma revolução no mercado

editorial acadêmico brasileiro”31. Segundo Lawrence Halewell (2012: 700),

A década de 1990 representou também a profissionalização de parte das editoras

universitárias. Exemplo disso é o processo de mudanças na Edusp (...). A

profissionalização da Edusp envolveu ainda a formação de um departamento

editorial que criasse uma identidade visual própria e fixasse a imagem da editora,

ajudando a desfazer a noção de que livro publicado por editora universitária é

sinônimo de livro mal editado. A escolha foi investir em designers iniciantes,

muitos deles recém-formados ou alunos do curso de Editoração da própria USP,

e os resultados, positivos, não demoraram.

Como se pode ver na citação de Halewell, ou mesmo na observação dos catálogos de

muitas das editoras universitárias, como a já citada Edusp, as editoras da UFRJ, UFMG,

UNESP, dentre outras, passaram a valorizar o projeto gráfico de seus livros, ainda que

muitas das editoras universitárias, de modo geral, sejam conhecidas pelo pouco

investimento em projeto gráfico.

Além disso, a editora Cobogó, fundada em 2008 e voltada para publicação de livros

de arte e a editora Não Editora de Porto Alegre investem visivelmente no projeto gráfico

de seus livros. A editora gaúcha traz na descrição do seu catálogo a expressão máxima

do primado do projeto gráfico: “Queremos que o nosso público não tenha vergonha de

31 Disponível em http://www.edusp.com.br/ e acessado no dia 7 de janeiro de 2014.

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assumir que julga o livro pela capa”32. Em entrevista para esta pesquisa, Samir Machado,

editor da Não Editora e autor do blog Sobre Capas33, avalia a importância do projeto

gráfico para o livro:

O projeto gráfico é essencial para a o livro enquanto produto, acredito que ele

deva refletir não só a qualidade do livro enquanto forma de expressão artística,

mas comunicar de forma atraente o que se propõe. Quando dizemos "julgar um

livro pela capa" queremos dizer que acreditamos que a qualidade da capa deve

refletir a qualidade da obra, e seria um desserviço ao autor e à obra ter um projeto

gráfico e uma capa que não estejam à altura do seu texto34.

Como fica explícito nos discursos das editoras aqui relacionadas, a atenção dada ao

projeto gráfico como forma de trabalho artesanal aliado ao processo industrial de

impressão e distribuição não é exclusiva da Cosac Naify, mas apresenta-se como uma

prática corrente e em crescimento em outras editoras, o que atesta uma preocupação maior

com as qualidades materiais do livro. Essa valorização social da produção artesanal pode

ser apontada como um tipo de sociabilidade envolvida no processo de valorização

estética.

Os termos referentes ao artesanal serão discutidos no próximo capítulo ao se tratar da

cultura material. Importante, dentro dos termos desta dissertação, é compreender a

constituição da equipe gráfica da Cosac Naify, bem como analisar especificamente uma

coleção, a Coleção Particular, dando atenção a alguns de seus livros. O surgimento da

Coleção Particular (2004) e de outras coleções, entretanto, fazem parte de uma estratégia

de expansão da editora que acarreta uma série de escolhas e embates internos, descritos

na sequência do trabalho.

32 Disponível em http://www.naoeditora.com.br/ e acessado no dia 7 de janeiro de 2014. 33 O Blog Sobre Capas, mantido por Samir Machado, é referência sobre design de livros e apresenta algumas

das últimas novidades em projetos gráficos de livro, principalmente no Brasil, além de entrevista com

alguns designers. O blog pode ser acessado em http://sobrecapas.blogspot.com.br/. Último acesso no dia 7

de janeiro de 2014. 34 MACHADO, Samir. Entrevista concedida ao autor. E-mail: 7 de janeiro de 2014.

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1.3.Expansão do catálogo

Em 2000 a Cosac Naify publicava exclusivamente livros de arte. A primeira iniciativa

para expandir o catálogo foi de Charles Cosac ao procurar o professor da Escola de

Comunicação e Artes da USP e crítico de cinema, Ismail Xavier.

Ele [Ismail Xavier] estava na banca [de doutorado de um amigo] e eu não sabia

quem ele era. Achei que era uma pessoa extremamente delicada, muito culto,

muito inteligente, fazia ligações rápidas, construtivas. Anotei o nome dele, tentei

procurá-lo, mas ele estava indo para Paris passar um ano. A gente veio a trabalhar

junto um ano depois. Foi a primeira pessoa que eu convidei pra desenvolver uma

série, que seria a série de cinema35.

Ao retornar ao Brasil, Ismail Xavier deu início à coleção intitulada Cinema, Teatro e

Modernidade que, segundo a descrição no catálogo da editora (Cosac Naify, 2012: 198),

“propõe um diálogo teórico entre teatro e cinema e percorre de maneira abrangente a

formação e o comportamento visual do século XVIII à sociedade contemporânea,

marcada pela onipresença da imagem e da espetacularização do cotidiano”. A primeira

publicação foi O Cinema e a Invenção da Vida Moderna, coletânea de ensaios organizada

por Leo Charney e Vanessa Schwartz, traduzida para o português, e lançada pela Cosac

Naify em maio de 2001. Seguiram-se Eisenstein e o Construtivismo Russo, de François

Albera, e Tragédia Moderna, de Raymond Williams, ambos lançados em 2002.

Nessa mesma época, a coleção Espaços da Arte Brasileira, sob coordenação de

Rodrigo Naves, voltada para a publicação de estudos críticos de pintores, escultores e

gravuristas brasileiros, cuja demanda ocupava grande parte dos esforços da editora,

começa a publicar também arquitetura. Foram lançados em 2001 o livro Vital Brasil, de

Roberto Conduru, e Joaquim Guedes, de Mônica Junqueira de Carvalho.

35 COSAC, Charles. Entrevista concedida ao autor. São Paulo: 4 de dezembro de 2013.

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Ao mesmo tempo em que eram programadas as primeiras publicações nas áreas de

cinema, teatro e arquitetura, Augusto Massi, junto com Davi Arrigucci Jr. e Samuel Titan

Jr36, lançavam os primeiros volumes da coleção de literatura estrangeira Prosa do Mundo.

Segundo descrição no catálogo (Cosac Naify, 2012: 468), “esta coleção compõe um

panorama da literatura mundial em clássicos traduzidos por estudiosos e especialistas.

Com tratamento gráfico condizente [em capa dura e sobrecapa], os livros incluem ensaios

adicionais e sugestões de leitura. Uma bibliografia fundamental para leitores modernos”.

As primeiras publicações da coleção foram Niels Lyhne, do romancista norueguês

Jens Peter Jacobsen (1847-1885), e O Diabo e Outras Histórias, do escritor russo Liev

Tolstoi (1828-1910). Segundo Elaine Ramos, diretora de arte e coordenadora de design

da editora:

Uma das coleções que mais identificam a Cosac é a Prosa do Mundo, que

tem sempre aparatos, textos importantes acompanhando o texto principal.

É como eu gostaria que a Cosac fosse reconhecida, como editora que tem

um capricho tanto em relação à forma quanto ao conteúdo37.

Em 2003 a Cosac Naify começa a publicar design, com o livro Design Visual: 50

anos, de Alexandre Wolner.

Quando a editora começou a publicar design praticamente não havia

[publicações do gênero no Brasil]. Tinha a Rosari e a 2AB, que eu me

lembre. Mas tanto uma como outra estavam mais focadas em dar vazão a

uma produção de pesquisa brasileira, de autores de livro de texto e

ensaios curtos, enquanto nós tínhamos mais fôlego. Acho que tivemos a

sorte de ter dentro da Cosac a possibilidade de investir mais e fazer livros

com imagens, livros maiores etc., mas a minha ideia sempre foi traduzir

36Augusto Massi e Samuel Titan Jr. foram colegas no doutorado em literatura na USP e ambos tiveram

orientação do professor Davi Arrigucci Jr. Os três estabelecem constantes colaborações com a Cosac Naify,

tendo Augusto Massi assumido o cargo de diretor-editorial e posteriormente de presidente, Davi Arrigucci

Jr. tendo coordenado a coleção Prosa do Observatório, que publica “obras de ficção ou ensaio de escritores

brasileiros e hispano-americanos” (Cosac Naify, 2012) e Samuel Titan Jr. responsável por diversas

traduções e coordenações de obras na área de literatura. 37 RAMOS, Elaine. Entrevista concedida ao autor. São Paulo: 15 de agosto de 2013.

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livros de referência e paralelamente fazer pesquisa sobre o design

brasileiro, mantendo as duas coisas38.

As possibilidades materiais de produção na Cosac Naify propiciaram naquela

época o investimento em livros que demandavam custos maiores devido ao tipo de

impressão, a utilização de ilustrações e papeis diferenciados, dentre outros. Na contramão

do mercado, a editora produziu livros em capa dura e sobrecapa, além de investir em

pesquisa na área de design.

Se os aportes financeiros possibilitam os investimentos mais caros, a existência de

tais condições, não explica, por si só, o interesse pelo projeto gráfico dos livros. É

necessário saber o que o projeto gráfico significa para o livro e, ainda, saber da existência

de um público interessado em tais publicações.

A constante necessidade de novos aportes financeiros dos sócios demandou

modificações na organização da empresa, objetivando um equilíbrio de suas finanças. É

nesse processo que Augusto Massi, por volta do ano 2001, é convidado a ser o diretor

editorial:

Nos dois primeiros anos em que atuei como diretor editorial penso que

realizei duas mudanças radicais. A primeira delas: tratei de aumentar

consideravelmente o número de lançamentos. No primeiro ano, demos

um salto de vinte e poucos lançamentos ao ano para uns 70. No ano

seguinte, novo salto, ultrapassamos 100 títulos novos. E isso com a

mesma quantia de dinheiro que havia sido empregada nos anos

anteriores. A segunda delas foi mudar o critério de contratação. A editora

começou a crescer e ganhar certa visibilidade.

O leque de publicações foi ampliado, começando-se a produzir, alguns anos depois,

livros infantis, hoje um dos setores mais fortes da empresa. Outra modificação relatada

por Massi foi a reformulação do departamento de design. Elaine Ramos assumiu o

38 Idem.

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departamento gráfico da editora. Reuniões regulares de criação entre o departamento

gráfico e o editorial, chamadas de “reunião de criação” ou “reunião conceitual”, passaram

a fazer parte da rotina de trabalho.

A editora inaugura uma nova fase com a ampliação das publicações, a

“profissionalização” da empresa, divisão clara entre os setores e o incentivo a uma troca

regular entre designers e editores. O próximo capítulo trata da constituição do

departamento de design e das publicações da Coleção Particular. Nele se busca mostrar

de que maneira a editora perseguiu seus objetivos editorias e gráficos.

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48

CAPÍTULO 2 – O PROJETO GRÁFICO DA COSAC NAIFY E A COLEÇÃO

PARTICULAR

“Seria – vocês hão de perguntar – uma característica do colecionador não ler livros?

Dir-se-ia que é a maior das novidades. Mas não, pois especialistas podem confirmar que

é a coisa mais velha do mundo, e menciono aqui a resposta que Anatole France tinha na

ponta da língua para dar aos filisteus que, após ter admirado sua biblioteca, terminou

com a pergunta obrigatória: - e o senhor leu tudo isso, Monsieur France? – Nem sequer

a décima parte. Ou por acaso o senhor usa diariamente sua porcelana de Sévres?”39.

No Dicionário do Livro (Faria; Pericão, 2008: 600), o projeto de edição se define

quando se lhe dá forma gráfica:

Diz-se que se projeta uma edição quando se lhe dá forma gráfica,

coordenando técnica e esteticamente os elementos que a

constituirão. Para isso tem que levar-se em consideração o tema

e a sua extensão. Em função dele, escolher-se-á o tamanho mais

adequado, o tipo, o número e natureza de tabelas, gravuras,

ilustrações, a disposição geral das páginas, o tipo de papel, capa,

etc.

Rafael Cardoso (2005: 177) afirma que “quando se fala em design de livros, deve-

se considerar o tratamento dispensado ao objeto como um todo, desde a sua construção

tridimensional (tamanho, papel, encadernação) até a sua impressão, diagramação e

ilustração”. Projetar graficamente uma edição faz parte da ação de editar e, portanto,

marca definitivamente a obra que se vai pôr em circulação. Nas palavras do estudioso do

livro no Brasil, Emanuel Araújo (2008: 373):

O que nós vemos, influencia como e o que entendemos. A

informação visual comunica de modo não verbal, por meio de

sinais e convenções que podem motivar, dirigir ou mesmo

distrair o olhar do leitor, e todos os elementos visuais influenciam

uns aos outros. Por isso, o projeto visual de um livro é uma

ferramenta importante para comunicação, e não apenas um

39 Benjamin (1987b: 230)

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elemento decorativo. O modo como se organiza a informação

numa página pode fazer a diferença entre comunicar uma

mensagem ou deixar o usuário confuso (ARAÚJO, 2008: 373).

No capítulo anterior foi apresentada a formação da editora Cosac Naify, sua

entrada no mercado editorial brasileiro e seu interesse inicial pelas publicações de arte.

Antes de dar continuidade percurso feito pela Cosac Naify, é preciso mencionar outras

editoras comerciais que se ocuparam de seus projetos gráficos e inovaram aspectos

gráficos do livro. Isto se faz necessário para que se possa estabelecer relações e destacar

melhor as características próprias da Cosac Naify.

2.1. Projeto gráfico na história editorial brasileira

O surgimento do design como profissão e como conceito no Brasil se deu por

volta dos anos 1960, mas, como afirma Rafael Cardoso (2005), a atividade começou

muito antes. Em 1960 surge, segundo Rafael Cardoso, “não o design propriamente dito –

ou seja, as atividades projetuais relacionadas à produção e ao consumo em escala

industrial -, mas antes a consciência do design como conceito, profissão e ideologia”

(idem: 7). Esta consciência do design se estabelece no momento de rápida modernização

e industrialização no país, sendo sem dúvida a fundação da Escola Superior de Desenho

Industrial (Esdi) no Rio de Janeiro, uma referência. Ao afirmar, entretanto, a existência

de uma série de atividades projetuais em escala industrial anteriores a década de 1960 no

Brasil, marcadamente entre 1870 e 1960, Rafael Cardoso aponta para a existência de uma

série de soluções para projetos industriais que não advém de matriz estética estrangeira.

Não se pode dizer que o Brasil tem longa tradição na impressão tipográfica de

livros, já que a imprensa aportou oficialmente no país somente em 1808, enquanto na

Alemanha, por exemplo, a imprensa data de meados do séc. XV. Mas quando se fala em

design de livros, afirma Rafael Cardoso, “a questão muda um pouco de figura”, isso

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porque nenhum país tem uma tradição tão antiga assim em termos de produção industrial

de impressos, posto que “o termo “design”, em sua acepção moderna, aplica-se por

excelência ao período industrial, ou seja, a partir da segunda metade do séc. XVIII, na

mais remota das hipóteses” (idem: 160). Diz-se com isso, portanto, que ao se tratar de

design de livros no Brasil, não se pode falar em atraso em relação a outros países. Ao

contrário, muitos dos projetos gráficos de livro idealizados no país são pioneiros e servem

de referência para projetos em outras localidades.

No decorrer do século XIX, dá-se uma expansão da produção e circulação de

livros no Brasil estimulada pelas discussões políticas voltadas para projetos de construção

da identidade nacional, potencializadas, primeiro, nas lutas pela independência e, depois,

nas reivindicações pela abolição da escravatura e proclamação da república. Apesar de

ser um período histórico amplo e complexo, cujos detalhes não cabem nesta dissertação,

chama-se a atenção para o fato de que um debate político e intelectual implica no

intercâmbio de ideias e, consequentemente, neste momento de ampliação da possibilidade

de circulação de impressos, em publicações que divulguem tais pontos de vista40.

É nesse contexto que surge a figura do editor Monteiro Lobato, que pode ser visto

como um ponto de inflexão histórico na produção e distribuição de livros no país no início

da década de 1920. O título de editor revolucionário41 é reclamado por ele em decorrência

da implementação de práticas editoriais não tão comuns no país, como a publicação de

40 Claro que tais modificações não podem ser estabelecidas de forma simples e direta, tendo em vista que

até hoje, no século XXI, essa discussão não está encerrada. Com o panorama apresentado, pretende-se

mostrar, somente, uma transformação social que está relacionada à expansão da produção de livros no

Brasil. 41 O título de editor revolucionário é relativizado por Rafael Cardoso (2005) e Cilza Bignotto (2010). Como

afirma Cilza Bignotto (2010: 126): “O título de editor revolucionário foi reivindicado pelo próprio Monteiro

Lobato (...). Esses métodos [revolucionários], segundo Lobato, seriam a criação de uma rede nacional de

distribuição de livros, a publicação de novos autores, o pagamento de direitos autorais e a renovação gráfica

dos impressos” (...). “No entanto o editor Lobato é tributário de práticas relativas à produção de livros

desenvolvida no Brasil ao longo do século XIX. Quando ele começou a publicar livros seus e de terceiros,

encontrou um sistema literário consolidado e uma indústria livreira ainda em formação, mas com algumas

práticas já estabelecidas”.

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alguns autores nacionais até então não publicados, a ampliação dos pontos de venda de

livros, a formatação de uma rede de distribuição de alcance nacional e a adoção de cores

intensas e ilustrações nas capas dos livros42. A despeito de ter sido ou não um editor

revolucionário, Monteiro Lobato é uma figura incontestavelmente importante no

desenvolvimento editorial brasileiro. Em 1920 fundou, junto com Octalles Marcondes

Ferreira, a Monteiro Lobato & Cia. A editora já figurava, então, entre as maiores do país

e tinha grande prestígio no meio intelectual. O sucesso do negócio e a crescente demanda

pela produção de livros o levaram a adquirir equipamentos gráficos nos Estados Unidos,

fundando a Cia. Graphico-Editora Monteiro Lobato. A grandiosidade do

empreendimento, somado a uma conjuntura política e econômica desfavorável43,

entretanto, levaram a empresa à falência em 1925.

A aquisição do maquinário gráfico por Monteiro Lobato, apesar de não ter sido

sustentável do ponto de vista da manutenção do seu negócio, foi fundamental para o

desenvolvimento da indústria gráfica brasileira. Após a falência da empresa, as máquinas

foram adquiridas por outros impressores, deixando ao país o legado de um parque gráfico

de alta qualidade (Mariz, 2005) que será fundamental ao desenvolvimento do design

gráfico editorial no país.

Alguns meses depois da falência, em 1926, Lobato funda com Octalles Marcondes

Ferreira, sendo este agora o sócio majoritário, a Companhia Editora Nacional (CEN). Já

em 1929, Lobato deixa a empresa. A reconhecida sobriedade e tino empresarial de

42 Algumas capas coloridas e ilustradas já haviam sido produzidas na virada do século, mas foram vítimas

de várias críticas pelo tom sensacionalista. As capas de Lobato surgem como uma estratégia de marketing

de contraposição ao chamado “estilo francês”, que “corresponde a brochuras impressas geralmente em

papel branco que, naquela época, tinha um tom creme, cinza ou amarelo em uma ou duas cores. Compostas

apenas por texto impresso tipograficamente, as brochuras reproduziam a diagramação já presente na folha

de rosto” (Mariz, 2005: 30). 43 Os peritos que analisaram o pedido de falência “apontam, entre as causas da falência, o endividamento

inicial, a crise no setor elétrico, a falta de numerário na praça, o congestionamento no porto de Santos e os

prejuízos causados pela Revolução de 1924” (Bignotto, 2010: 125).

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Octalles é uma das características fundamentais para a compreensão da longevidade

alcançada pela editora, somado a seu acertado investimento em livros didáticos, dentre

outros fatores, o que viria a se firmar como nicho de mercado promissor, principalmente

a partir de 1930, com a significativa expansão do ensino secundário brasileiro (Mariz,

2005: 33).

Outro editor fundamental para entender a história recente do pais é José Olympio.

Tendo saído de São Paulo e se fixado no Rio de Janeiro, Olympio estabelece uma rede de

contatos, publicando novos autores, principalmente os vindos do nordeste, e gerando uma

ampla rede de convivência e trocas intelectuais em torno da sua editora, como pode ser

visto no já citado estudo de Gustavo Sorá (2010). Foi também um dos primeiros a investir

no projeto gráfico de seus livros, contratando o artista alagoano Tomás Santa Rosa. Suas

capas coloridas com ilustração são referência na história da produção gráfica brasileira.

Até meados da década de 1950 era mais barato importar livros produzidos fora do

país. Isso se deve, dentre outros fatores, como afirma Hallewell (2012) e Miceli (1979),

a manutenção de uma taxa tributária desfavorável e um estímulo dado às importações, em

que era mais barato importar o livro já feito, que importar papel, tinta e maquinário para

produção própria.

O estímulo real à produção do livro no Brasil se dá somente no governo

Kubitschek. Ênio Silveira, como vice presidente da Câmera Brasileira do Livro (CBL) e

presidente, entre 1952 e 1958, de uma das mais representativas entidades de editores, o

Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL), também exerce papel fundamental

nessa empreitada (Hallewell, 2012: 587).

Nascido em São Paulo em 1925 no seio de uma família que contava com escritores

e advogados, Ênio sempre teve proximidade com os livros. Em 1944 é indicado por

Monteiro Lobato ao seu então ex-sócio Octalles Marcondes Ferreira, e começa a trabalhar

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na CEN, vindo dois anos depois a se casar com Cléo Marcondes Ferreira, filha de

Octalles.

Em 1946, parte em viagem de um ano e meio para Nova Iorque, onde frequenta

alguns cursos de editoração e se torna estagiário na prestigiada editora Alfred Knopf, uma

das maiores editoras americanas à época. Essa experiência foi fundamental na sua

carreira, principalmente tendo em vista que a indústria editorial americana guardava uma

grande diferença em relação à brasileira no que diz respeito à elaboração do projeto

gráfico e publicidade dos livros. Nos Estados Unidos, os livros eram encarados como

objeto comercial, enquanto no Brasil ainda se guardava uma concepção de que deveriam

ser produzidos para a elite intelectual44 (Mariz, 2005: 59).

Ao retornar ao Brasil, em 1948, retoma seu posto na CEN. Diante de um panorama

econômico, político e cultural efervescente no país, a perspectiva política de esquerda de

Ênio, nesse momento, parece entrar em choque com a de Octalles, tido como mais

conservador. Mesmo antes de entrar para a editora, Ênio participa de algumas atividades

do Partido Comunista do Brasil (PCB) e cursa, sem chegar a concluir, a Escola Livre de

Sociologia e Política de São Paulo (ELSP). Apesar de não sofrer retaliação por parte de

Octalles, não tinha liberdade para estabelecer sua própria linha editorial. Somado a isso,

o fato de produzir livros didáticos engessava bastante as possibilidades de

experimentação na concepção do impresso, já que estava voltado, na maioria das vezes,

para compras governamentais e passava por um processo de validação institucional. É

nesse contexto que Ênio aceita o convite do seu sogro para assumir a direção da filial

carioca da CEN, a editora Civilização Brasileira.

44 A dificuldade em se encarar o livro como um objeto comercial ordinário no Brasil se fez sentir no decorrer

do século XX. É notável, neste sentido, a dificuldade em se estabelecer no país uma venda constante e

significativa de livros de bolso (Hallewell, 2012).

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A direção do próprio selo editorial, mesmo que, no início, sob a supervisão de

Octalles, dá a Ênio maior autonomia na concepção dos livros e escolha dos títulos. No

decorrer dos anos de 1950 ele compra, aos poucos, as ações de Octalles, assumindo

terminantemente a direção da Civilização em 1963 (Mariz, 2005: 66). Nesse processo de

busca por maior autonomia, Ênio passa a reformular o catálogo da editora.

Apesar de José Olympio dominar o mercado de literatura no Rio de Janeiro à

época, Ênio termina por encontrar uma gama de autores dispersos que passam a dar o tom

da nova empreitada editorial. Muitos desses autores podem ser identificados como

simpatizantes de pensamento político de esquerda, como Francisco Julião, Nelson

Werneck Sodré, Wanderley Guilherme dos Santos. Mas não se resumia aos autores de

temas políticos, tendo publicado também romances policiais, literatura estrangeira, livros

voltados para comportamento sexual, dentre outros. Um dos projetos marcantes de Ênio

foi a Revista Civilização Brasileira que, a despeito de não ter gerado lucros para a

empresa (Vieira, 1998: 72), marcou a sua identidade editorial.

Determinado a solidificar esse novo discurso, Ênio promove uma série de

mudanças no aspecto gráfico dos livros que irá influenciar todo o design editorial no país.

Ele “introduz as orelhas nas capas, o corte trilateral do miolo e a consequente separação

das folhas, lança campanhas publicitárias para vender suas edições e, principalmente,

começa a contratar toda uma equipe de capistas que promoverão uma revolução visual na

capa de livro brasileira” (Amaury, 2001: 32).

O momento determinante nesse processo é o convite feito ao artista gráfico e

designer austríaco radicado em Buenos Aires, e posteriormente no Rio de Janeiro,

Eugênio Hirsch, para projetar a capa da edição brasileira de Lolita, do escritor Vladimir

Nabokov. O próprio autor veio posteriormente a considerar “esta capa a melhor feita para

o seu texto em todo o mundo” (Amaury, 2002: 5). O livro teve ampla publicidade e foi

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um sucesso de vendas, abrindo precedente para repetidos convites a Hirsch, que viria a

formular uma verdadeira renovação na concepção gráfica dos livros brasileiros, sendo

hoje considerado um dos pioneiros do design gráfico no país (ibidem).

Capa de Lolita (1959), de Vladimir Nabokov, elaborada por Eugênio Hirsch

“Apontado por diversos contemporâneos seus e citado diversas vezes por

Ênio Silveira – um dos principais editores brasileiros de todos os tempos

– como o artista gráfico responsável pela mudança de padrão nas capas

de livros brasileiros, Eugênio é a síntese do pensamento plástico que

dominava, no período, a intelectualidade brasileira. Os trabalhos dele

para esta casa editora são importantes principalmente pela liberdade que

ele possuía nessa empresa, onde ele encontrou o ambiente mais propício

para a manifestação de todo o seu extenso repertório gráfico” (Amaury,

2002: 6. Grifo meu).

É sintomática a relação entre o editor Ênio Silveira e o designer Eugênio Hirsh,

no sentido de propiciar uma liberdade criativa capaz de inovar graficamente as capas de

livro. Uma frase atribuída a Hirsch em conversa com Ênio Silveira, é bastante

emblemática para ilustrar esse novo momento da editora: “uma capa não deve agradar,

deve agredir” (Homem de Melo, 2008: 62). Essa concepção na forma de se projetar o

livro está presente em várias iniciativas nos anos 1960, sendo possível afirmar que “o

ponto mais nítido de ruptura ocorreu na Civilização Brasileira, sob a batuta do editor Ênio

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Silveira, responsável por dar ao austríaco Eugenio Hirsch uma liberdade de trabalho sem

par na história do livro brasileiro até aquele momento” (ibidem: 60).

Em 1965, Hirsch deixa o Brasil. As modificações no projeto gráfico editorial,

entretanto, não perdem em continuidade nem em qualidade, sendo levado adiante por

Márius Lauritzen Bern, artista gráfico igualmente experimental e que cria, em 1966, o

logotipo da editora Civilização Brasileira, que viria a ser usado até 1990.

Como se vê, a Cosac Naify dá continuidade a uma ‘linhagem de casas que

estabeleceram novos patamares” nos padrões gráficos dos livros, como diz Cassiano Elek

Machado em entrevista45. A Companhia das Letras promoveu grandes mudanças no

design editorial no fim dos anos 1980 e início dos anos 1990 e antes dela a Companhia

Editora Nacional, a Civilização Brasileira e a José Olympio Editor conforme

mencionamos acima. No entanto, apesar da existência de editoras interessadas no projeto

gráfico dos livros, vale dizer que são poucas ainda dentro do conjunto das empresas.

2.2.Projeto gráfico na Cosac Naify

Em todas as experiências editoriais relatadas, parece fundamental a parceria entre

editor e designer gráfico na concepção de livros. Seja na parceria estabelecida entre José

Olympio e Tomás de Santa Rosa ou mesmo na parceria entre Ênio Silveira e Eugênio

Hirsch, para ficar somente nas mais emblemáticas, o diálogo entre as duas funções é

importante e profícuo.

Nas entrevistas realizadas para esta pesquisa, o diálogo entre os editores e os

designers foi apontado por todos como o ponto fundamental que explica a concepção

gráfica dos seus livros. A parceria entre as partes é relevante para o entendimento da

45 MACHADO, Cassiano Elek. Entrevista concedida ao autor. E-mail: 6 de maio de 2013.

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forma como o projeto gráfico dos livros assume a concepção do projeto editorial da

empresa. É necessário, portanto, entender a estrutura interna da editora bem como analisar

detalhadamente a concepção de alguns de seus livros para saber como é possível manter

um padrão gráfico de qualidade. Para Cassiano Elek Machado “o vetor central” “não é

nem a qualidade gráfica, é a qualidade46”.

O termo “qualidade” é recorrente entre os entrevistados e, segundo eles, marca

um lugar de distância em relação a outras editoras brasileiras. Ao se afirmar que o que

diferencia a Cosac Naify é a qualidade do que produz, seja em termos de projeto gráfico

dos livros, seja em termos de tradução, revisão, produção de aparatos textuais ou escolha

de títulos, diz-se, consequentemente, que falta a outras editoras tal qualidade. Numa

análise dos discursos de outras editoras, como se pode observar nos seus sites e catálogos,

o termo qualidade também é recorrente. Mesmo quando o termo qualidade está associado

à qualidade gráfica, como foi apontado no primeiro capítulo desta dissertação, algumas

editoras, como a Companhia das Letras, Ateliê Editorial, Edusp, Não Editora, Cobogó,

dentre outras, também apontam a qualidade como uma característica diferencial.

Mais do que observar a recorrência do termo qualidade gráfica nos discursos de

diversas editoras, portanto, é necessário analisar de que forma o termo funciona como

categoria legitimadora de um lugar aparentemente diferenciado no espectro editorial, o

que aponta para um crescimento da categoria como valor social.

Florencia Ferrari, atual diretora editorial da Cosac Naify, demarca o que ela

acredita ser o lugar de excelência da editora.

A editora criou uma espécie de cultura do rigor e da qualidade que

atravessa todos os processos de produção do livro: a imagem tem de ser

em alta qualidade, tratada, com uma boa impressão, as manchas de texto

têm de ser confortáveis, os aparatos devem ser da melhor qualidade

46 MACHADO, Cassiano Elek. Entrevista concedida ao autor. E-mail: 6 de maio de 2013.

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possível, as notas, quando possível, devem acompanhar o texto para

facilitar a leitura, as referências bibliográficas devem estar atualizadas e

com as edições correspondentes em português, cada livro apresenta um

desafio diferente e é preciso encontrar soluções específicas. Isso é

definido em discussões entre editores e designers47.

Augusto Massi diz que se empenhou em dar espaço ao desenvolvimento do

trabalho gráfico dos livros, investindo em pesquisa e na formação de equipe qualificada.

O design tem uma dimensão cultural, não deve ser associado simplesmente aos

apelos do mercado. Design e mercado andam juntos. Mas, o design é criativo,

influencia e forma o gosto. Ele está intimamente ligado a uma ideia de

transformação. Ele altera os critérios. A partir de 1986, com o surgimento da

Companhia das Letras houve uma mudança de patamar na nossa vida editorial.

As pessoas passaram a não aceitar mais o livro feio, mal revisado, mal traduzido.

A Companhia virou sinônimo de qualidade. Penso que a Cosac Naify representou

um novo salto de qualidade. Todo o mercado editorial se sentiu pressionado a

mudar. No mínimo foram obrigados a se posicionar diante de novas questões:

usar ou não usar capa dura, investir num projeto gráfico ousado vende ou assusta,

o livro deve ser um objeto de arte, etc. Porém, essa mudança envolve uma

discussão e uma decisão mais ampla. Não é só o design, é uma escolha intelectual,

uma tomada de posição. É preciso correr risco48.

2.3.Equipe de projeto gráfico

A Cosac Naify raramente contrata capistas externos à editora, mantendo no quadro

permanente da empresa uma equipe de cinco designers, responsáveis por projetar

graficamente os livros, e seis produtores gráficos, que acompanham a impressão dos

livros nas gráficas, garantindo que a impressão corresponda àquilo que foi projetado.

Esta é uma diferença importante da Cosac Naify em relação a maioria das editoras

brasileiras, o que, por um lado, marca o desenvolvimento do seu projeto gráfico como

determinante na construção identitária, mas por lado acarreta uma série de custos fixos

47 FERRARI, Florencia. Entrevista concedida ao autor. São Paulo: 29 de outubro de 2013. 48 MASSI, Augusto. Entrevista concedida ao autor. São Paulo: 28 de outubro de 2013.

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mensais referentes aos salários dos profissionais e estrutura física para o desenvolvimento

do trabalho. Segundo relata Augusto Massi:

Uma vez por semana haveria um dia voltado para a criação, uma reunião

de projetos, na qual o editor de texto ia conversar com os designers,

explicar o conteúdo do livro, mostrar algumas imagens, etc. Os designers

começaram a imaginar o projeto depois desta reunião. Essas reuniões

foram ficando mais frequentes e passaram a ser assim as mais decisivas:

era uma reunião de formação e de criação. Eu queria que o designer

passasse a ler os livros. Não fizesse o projeto gráfico só pela beleza da

imagem de capa. Pelo contrário, para mim a beleza que conta é a que

nasce da necessidade, da funcionalidade, da perfeita adequação entre

forma e conteúdo. Penso que Cosac Naify foi durante muito tempo a

única editora brasileira a pagar um departamento de design. O que na

prática isso representava? Ao contrário das outras editoras, onde o

trabalho do designer é terceirizado [tem que apresentar umas três capas

que, na maioria das vezes, serão aprovadas pelo dono da editora], na

Cosac Naify a decisão final sobre isso, um projeto ou uma capa, era

sempre fruto de discussão intensa, de um processo coletivo. Por fim,

posso afirmar que nossa grande diferença sempre residiu na preocupação

de formar uma cultura interna com relação ao design gráfico. O que

acabou resultando na publicação de uma coleção voltada inteiramente ao

design tanto do ponto de vista histórico, teórico e prático49.

As reuniões de conceito passam a movimentar a editora no sentido de pôr em

diálogo os editores e os designers. Diferente de grande parte das editoras brasileiras, diz

Cassiano Elek Machado50, a Cosac Naify conta com uma equipe de designers que tem

grande importância na produção do livro, sendo as reuniões para pensar as edições

realizadas geralmente na própria sala de criação gráfica, com a participação dos seguintes

profissionais: diretor editorial, editor responsável pelo livro em questão, a diretora de arte,

o designer responsável pelo projeto do livro e a coordenadora de produção, além de uma

eventual participação dos diretores administrativo e financeiro.

Elaine Ramos descreve como ocorrem essas reuniões de conceito:

49 MASSI, Augusto. Entrevista concedida ao autor. São Paulo: 28 de outubro de 2013. 50 MACHADO, Cassiano Elek. Entrevista concedida ao autor. E-mail: 6 de maio de 2013.

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É uma reunião semanal. Nem sempre lemos o livro para a

reunião, pois, às vezes, a tradução não chega a tempo. O editor

fala sobre o livro e dá sua visão das características mais

marcantes, destacando aquilo que é interessante explorar no

projeto gráfico. Também analisamos a planilha para ver se há

margem para investimento em diferenciais gráficos. Pensamos

no público alvo, no preço de capa ideal, na tiragem. Discutimos

essas questões, embora, de certa forma, quando se faz o contrato

[do livro], essa simulação já foi feita51.

Florencia Ferrari também fala sobre a reunião:

O editor apresenta o livro, suas principais características, se é

clássico ou contemporâneo, se tem um estilo seco ou barroco, se

a linguagem é experimental, se é uma entrevista, uma coletânea

ou um livro de contos, enfim, contextualiza o livro e oferece

algumas referências ao designer. Na maioria das vezes o designer

em seguida lê o texto e numa próxima reunião, quinze dias ou um

mês depois, apresenta um projeto: uma ou mais possibilidades de

tratamento visual, acompanhadas de argumentos que explicam o

partido assumido pelo design e as hipóteses levantadas para

expressar o conteúdo do livro. Em diálogo com os editores, que

pode ser mais ou menos demorado, os designers vão

desenvolvendo o projeto do livro52.

Como forma de interação entre texto e projeto gráfico, há um estímulo para que o

designer leia os livros. Segundo relato de Augusto Massi, estes em geral não têm o hábito

de ler as publicações para as quais fazem os projetos gráficos. Essa relação com a leitura

seria fundamental para estabelecer o diálogo entre os setores editorial e gráfico,

impedindo que o designer faça “somente uma capa bonita”, mas expressar graficamente

o conceito da obra.

Segundo Florencia Ferrari, existe atualmente uma demanda para que os designers

leiam os livros:

51 RAMOS, Elaine. Entrevista concedida ao autor. São Paulo: 15 de agosto de 2013. 52 FERRARI, Florencia. Entrevista concedida ao autor. São Paulo: 29 de outubro de 2013.

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Na Cosac Naify em geral os designers leem os livros que estão

desenhando. Eu atribuo isso ao modo como a Elaine concebe o

design gráfico e o seu método de criação. O design deve

expressar visualmente o conceito de um livro tomado em sua

particularidade; há antes da criação uma elaboração coletiva

sobre o conceito do livro e o que esse conceito pode render

visualmente. Aqui os designers são leitores engajados, discutem

os livros, trazem informações para alimentar discussões e embora

obviamente os editores sejam os soberanos em relação ao texto,

há uma troca de alto nível53.

Essa troca entre designers e editores que, segundo os entrevistados é uma das

qualidades marcantes da editora, provoca também momentos de tensão:

Chegou um momento em que a equipe de design amadureceu tanto,

ganhou tanta força dentro da editora que isso acabou gerando alguns

problemas, alguns atritos, disputas com o editorial. Às vezes, o editor

solicitava na reunião de criação que o formato do livro fosse tal e tal, mas

os designers não queriam fazer o livro naquele tamanho, daquele jeito,

então, para ganhar a discussão empregavam argumentos técnicos: “neste

papel o livro não imprime bem”, “esse formato não é o mais adequado

para a máquina da gráfica”, “o preço vai ficar muito caro”, etc. Os

editores não dominavam o processo do livro na gráfica. Nunca iam até as

gráficas. Não se interessavam em aprender. Só queriam trabalhar os

aspectos diretamente relacionados ao texto: revisão, tradução, etc. Então,

com o passar do tempo, foram perdendo todas as discussões. (....). Mas,

eu sempre gostei de conversar com os designers, com os nossos

produtores gráficos, com o próprio pessoal das gráficas54.

Apesar dos embates, todos concordam que a interação entre design e editorial é

fundamental para o entendimento da editora. A equipe gráfica da editora inclui 11

pessoas, sendo cinco designers e seis produtores gráficos em um conjunto de cerca de 90

funcionários. O fato de contar com uma equipe de designers e produtores gráficos fixos

e instituir a elaboração do projeto gráfico de cada livro é uma marca identitária forte da

editora. Para Elaine Ramos:

53 FERRARI, Florencia. Entrevista concedida ao autor. São Paulo: 29 de outubro de 2013. 54 MASSI, Augusto. Entrevista concedida ao autor. São Paulo: 28 de outubro de 2013.

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A grande diferença é que pensamos em cada livro individualmente,

evitando a linha de montagem que é o miolo padrão e a capa

encomendada. Pensamos o livro como um todo, na íntegra, capa e miolo

fazem parte do mesmo projeto, juntamente com o conteúdo específico do

livro. Esse é o diferencial principal. A Cosac sempre caprichou nas

edições do ponto de vista editorial, investindo em boas traduções, sempre

da língua original55.

Um exemplo do desenvolvimento da linha gráfica e editorial da Cosac Naify é a

Coleção Particular, na qual se destacam a inventividade do projeto gráfico e sua relação

com o texto.

2.4. A Coleção Particular

A valorização do projeto gráfico, em diálogo com o texto, indica um dos aspectos

fundamentais do projeto editorial da Cosac Naify. O catálogo da editora enfatiza o design:

Um diferencial da Cosac Naify amplamente reconhecido é o

design. Além da capa, também formato, peso, volume,

flexibilidade, textura e ritmo são elementos levados em

consideração, mas, acima de tudo, os livros são encarados como

objetos indissociáveis do conteúdo que carregam. Uma equipe

interna de criação, pesquisa e desenvolvimento pensa, em

conjunto com os editores, projetos específicos para cada obra ou

coleção. Esse cuidado pode resultar (...) em volumes

experimentais, como os da Coleção Particular (...) (Cosac Naify,

2012: 6).

O projeto editorial da Cosac Naify, como pode ser visto no texto transcrito acima,

de valorização do livro como objeto estético, pode ser mais bem ilustrada pela Coleção

Particular, que conta, até então, com sete livros: Primeiro amor (2004), de Samuel

Beckett; Bartleby, o escrivão: uma história de Wall Street (2005), de Herman Melville;

A fera na selva (2007), de Henry James; Zazie no metrô (2009), de Raymond Queneau;

55 RAMOS, Elaine. Entrevista concedida ao autor. São Paulo: 15 de agosto de 2013.

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Flores (2009), de Mario Belantin; Museu do romance da eterna (2010), de Macedonio

Fernandez; e Avenida Niévski (2012), de Nikolai Gógol.

Primeiro amor, de

Samuel Beckett

Bartleby, o escrivão: uma

história de Wall Street (2005), de Herman

Melville

A fera na selva, de Henry

James

Zazie no metrô, de Raymond Queneau

Flores, de Mario Belantin

Museu do romance da eterna, de Macedonio

Fernandez

Avenida Viévski, de

Nikolai Gógol

Fonte: http://editoracosacnaify.com.br.

O termo “coleção” é útil para se pensar as práticas editoriais adotadas pela Cosac

Naify e os leitores objetivados por tais práticas. Esta é uma sugestão de Maria Toledo

(2010) que, em seu trabalho sobre a coleção “Biblioteca Pedagógica Brasileira”, da

Companhia Editora Nacional, desenvolveu um modelo de análise focado na categoria de

análise “coleção”.

Esse modelo não só possibilita a reconstrução histórica das

práticas específicas desenvolvidas pelos editores, como também

permite redesenhar os leitores almejados por essas práticas. Na

materialidade dos livros e nos dispositivos editoriais

constitutivos da coleção, torna-se possível reconhecer estratégias

que prescrevem leituras e modos de ler a seus diferentes públicos

(Toledo, 2010: 140).

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Além de se tratar de uma coleção de livros pensados a partir de determinadas

características comuns e visando um leitor e um modo de leitura específicos, faz

referência a sua própria condição: chama-se Coleção Particular. Este nome é inspirado

em obra publicada pela Cosac Naify, do escritor francês Georges Perec (1936-1982),

intitulada A Coleção Particular (Perec, 2004). A obra trata de um colecionador de

pinturas, o alemão radicado nos Estados Unidos, e rico comerciante de cerveja, Hermann

Raffke, que encomenda a Heinrich Kürz uma pintura, intitulada Coleção Particular, em

que é retratado diante de sua coleção de quadros. Um dos quadros que compõe o ambiente

é o Coleção Particular, que por sua vez reproduz a mesma cena, com toda a coleção de

quadros de Raffke e assim por diante. Não interessa aqui analisar o texto de Perec, o que

sem dúvidas abriria um leque de interpretações e considerações. É importante, no entanto,

atentar para o fato de que o nome da coleção de livros da editora foi inspirado em tal

enredo, o que faz com que seja inevitável a associação entre a coleção de livros que a

editora propõe e a coleção de pinturas da personagem de Perec. O que deve ser explicado

no ato de colecionar, como sugere o filósofo Krzysztof Pomian, é “exatamente o fato de

o gosto se dirigir para certos objetos e não para outros, de [o colecionador] se interessar

por isto e não por aquilo, de determinadas obras serem fonte de prazer [e outras não]”

(Pomian, 1984). As coleções, portanto, mais do que um conjunto de objetos, referem-se

à identidade individual daquele que a constrói e mantém, estabelecendo parâmetros para

sua localização hierárquica na sociedade.

Colin Campbell (2004) contribui para essa discussão da coleção como categoria

de formação identitária ao propor a expressão “consumidor artesão” (craftconsumer), em

que indivíduos consomem principalmente por um desejo de tomar parte em atos criativos

de expressão de sua individualidade. Numa analogia com o modo de produção artesanal,

em que a mesma pessoa projeta e constrói o produto, colocando-se assim como o avesso

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da produção industrial de modo fordista, Campbell identifica um modo crescente de

consumo moderno que chama de artesanal, em que o consumidor está envolvido tanto na

concepção quanto na produção do que será consumido. O consumo artesanal identificado

por Campbell se dá como a atividade de formar conjuntos, onde o consumidor, a partir

de determinados bens, exerce sua criatividade na concepção e usufruto de novos produtos.

Os exemplos utilizados pelo autor são de atividades como jardinagem, culinária ou

mesmo a construção e manutenção de um guarda roupa. Podemos pensar também,

estendendo os exemplos dados pelo autor, a criação e manutenção de uma biblioteca

particular ou coleção de livros, já que é a “criatividade para juntar”, diz ele, que

caracteriza esse tipo de consumidor, prática muito próxima do colecionismo, em que a

coleção é o produto final, produzido “manualmente”.

Esse consumo artesanal, segundo a conceituação de Campbell, dota de agência o

consumidor, que está responsável por juntar objetos de forma criativa e significadora para

si e os outros ao seu redor. Isso, ao mesmo tempo, acarreta o outro lado da mesma prática:

os objetos, mais do que servirem como meros demarcadores de espaços sociais, são

dotados de agencia capaz de construir subjetividades. Em relação aos livros, a prática de

colecionar é antiga e, para alguns, bastante apaixonada. Segundo Walter Benjamin

(1987b: 232): “para o colecionador, a verdadeira liberdade de todo livro é estar nalguma

parte de suas estantes”.

A própria ideia de coleção, portanto, e a especificidade decorrente da coleção

agora em debate, sugere um modo de apropriação para leitor, como pode ser visto na

descrição da Coleção Particular no catálogo da editora: “Nesta coleção, forma e conteúdo

estão em estreito dialogo. Com uso de materiais, encadernação, acabamentos, métodos de

impressão experimentais, os livros-objeto interagem com a escrita literária e com o leitor”

(Cosac Naify, 2012: 560).

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A descrição dos livros da coleção, bem como as disputas internas na editora e a

tensão entre os designers e editores contribuem para a compreensão do projeto editorial.

Contudo, é importante sublinhar que quando do lançamento de Primeiro Amor, primeiro

livro da coleção, a publicação não era denominada como parte de um conjunto

determinado. Foi somente a partir do terceiro volume, A fera na selva, que a série foi

agrupada sob a rubrica de Coleção Particular. Esta constatação é fundamental na medida

em que revela atitudes (tomadas de posição) voltadas para a construção da identidade da

editora e, como toda demarcação identitária, lócus privilegiado de poder, é alvo de

negociações e disputas.

O que hoje é considerado o primeiro livro da coleção é o Primeiro Amor, do

dramaturgo irlandês Samuel Beckett, lançado pela Cosac Naify em 2004. Com projeto

gráfico realizado pela diretora de arte Elaine Ramos, premiada pelo trabalho em 2008 no

7º Prêmio Max Feffer de Design Gráfico da Suzano Papel e Celulose, o livro conta com

capa e ilustrações, além da tradução, da artística plástica Célia Euvaldo.

O sucesso da crítica do primeiro livro abriu caminho para o segundo: Bartleby, o

escrivão: uma história de Wall Street (2005) de Herman Melville.

Como afirma Elaine Ramos:

Com a prerrogativa do Primeiro Amor, fizemos o Bartleby, que também

deu certo mesmo sendo um pouco mais radical. Ficou então o projeto

dessa série de edições com textos curtos, de preferência com direitos

autorais livres, para viabilizar um preço de capa acessível. Um projeto

anual de edições graficamente experimentais56.

56 RAMOS, Elaine. Entrevista concedida ao autor. São Paulo: 15 de agosto de 2013.

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A surpresa do Bartleby começa logo na embalagem, em que um adesivo preto com

letras brancas diz: apesar de 12.000 exemplares vendidos acho melhor não comprar57.

Após tirar o invólucro, é preciso descosturar a capa puxando uma linha vermelha

sobressalente, e depois utilizar uma espátula para soltar as páginas e ler o texto.

Essa interação da concepção gráfica com o texto proposta pelo design do livro

está patente no discurso da editora:

Para ler a nova edição deste clássico de 1853 é preciso passar

pelo desafio de descosturar a capa e cortar as páginas não

refiladas do livro. Só assim poderá desemparedar este

personagem enigmático da ficção moderna. A famosa fórmula

“Acho melhor não”, com que Bartleby resiste as ordens do

advogado-patrão, e a recusa ao próprio trabalho de escrivão e

copista despertam uma sucessão tragicômica de acontecimentos

(grifo meu) (Cosac Naify, 2012; 318).

57 Em entrevista, Elaine Ramos fala que uma sexta reimpressão está a caminho, o que vai elevar essa

edição a um total de 18.000 exemplares impressos.

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Capa Bartleby

Página refilada com espátula

Capa descosturada

Páginas abertas

Fonte: http://editoracosacnaify.com.br.

Elaine Ramos foi premiada também pelo projeto gráfico do livro Bartleby, o

Escrivão no 7º Prêmio Max Feffer de Design Gráfico da Suzano Papel e Celulose58,

mesmo em que recebeu prêmio pelo Primeiro Amor.

58 A lista de júri de tal prêmio conta com seis nomes de referência na área de design, sendo que apenas um

deles não consta como autor na lista de autores da Cosac Naify e/ou membro do conselho editorial da

editoria de Design (Dados sobre o prêmio foram acessados em

<http://www.suzano.com.br/portal/main.jsp?lumPageId=2C90884B32A022DE0132B6EC78152DB2&lu

mA=1&lumPSId=2C90884B365E1FBB013673EFBB9A4FBB&lumII=2C90884B33A0F8660133AD771

576602D&locale=pt_BR&doui_processActionId=setLocaleProcessAction> no dia 10 de dezembro de

2013) .

Esse conselho editorial funciona como instância consultiva, em que se discute uma lista de textos

que seus membros julgam interessantes publicar. Os integrantes do conselho, portanto, não fazem parte do

corpo de funcionários da empresa, reunindo-se somente uma vez mais ou menos a cada dois anos e

participando de conversas esporádicas sempre que necessário. A participação de nomes importantes do

campo do design gráfico no conselho editorial de design da Cosac Naify aponta para uma constatação feita

por Pierre Bourdieu (1999) ao entrevistar para sua pesquisa sobre o campo editorial francês um dos

participantes do conselho editorial de literatura da editora Gallimard, Michel Deguy. Bourdieu afirma,

seguindo relato do editor por ele entrevistado, que a importância do conselho editorial não está

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O terceiro livro da coleção, ponto em que esta começou a ser de fato chamada de

Coleção Particular, foi o livro A Fera na Selva, do escritor americano Henry James,

publicado em 2007, em duas versões, uma em português e outra em inglês, servindo de

edição comemorativa dos dez anos de criação da editora. O projeto gráfico foi realizado

por Luciana Facchini, e conta com mais de dez tipos de papéis com gramaturas e cores

diferentes. Recebeu o prêmio de projeto gráfico no 50° prêmio Jabuti, da Câmara

Brasileira do Livro (CBL).

O livro Zazie no metrô (2009), de Raymond Queneau, é o quarto livro dentro da

Coleção Particular. Conta com 97 ilustrações que ficam escondidas entre as dobras das

páginas, visíveis somente através do papel bíblia ou ao se separar manualmente as

páginas. As imagens são reproduções de cartazes que circulavam por Paris na época em

que se passa a história.

A descrição do catálogo, mais uma vez, ajuda a compreender a intenção do projeto

do livro:

Cultuado pela crítica e pelo público, Zazie no metrô é um romance

galhofeiro que narra as andanças da desbocada Zazie por Paris. Vinda do

interior, ela passa alguns dias na capital sob os cuidados do tio Gabriel e

tenta realizar seus dois sonhos: andar de metrô e ter uma calça jeans. A

ousadia linguística de Queneau, com seus diálogos disparatados, é um

dos traços marcantes do livro, que traz posfácio de Roland Barthes. O

projeto gráfico também foge do tradicionalismo: fragmentos de cartazes

franceses dos anos 1950 são reproduzidos na parte interna das páginas

de papel-bíblia (grifo meu) (Cosac Naify, 2012: 358).

necessariamente em indicar ou aprovar títulos, apesar de também realizar tais funções, já que estes somente

serão efetivados a partir da palavra final do editor responsável. A importância do conselho editorial, para

Bourdieu, estaria dada no que este pode agregar de capital social e simbólico à editora, tendo em vista que

geralmente seus membros são figuras respeitadas no campo em que atuam, participando geralmente de

júris, revistas e jornais influentes, universidades etc. Este parece ser o caso do conselho editorial de Design

da editora Cosac Naify, o que contribui, de certa forma, para a legitimação da editora perante seus pares e

o público que visa atingir.

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O projeto gráfico desse livro, desenvolvido por Elaine Ramos e Maria Carolina

Sampaio, foi premiado em 2010 na American Institute of Graphic Arts.

Zazie no Metrô - livro aberto

Detalhe mancha vermelha

Detalhe mancha azul e lombada

Detalhe projeto gráfico

O quinto livro a fazer parte da coleção é Flores, de Mário Bellatin. Com projeto

gráfico de Elaine Ramos e Maria Carolina Sampaio, o livro não conta com lombada e

vem dentro de um envelope plástico. Apesar de ser considerado um projeto gráfico

“especial”, Elaine Ramos59 não acredita que ele deveria fazer parte da coleção, afirmando

que, no futuro próximo, irá tirar esse livro da coleção. Segundo a diretora de arte:

A Coleção Particular não pode ter livros somente diferentes. Deve ter

coerência editorial da perspectiva do texto também. Acho muito difícil

juntar Henry James e Herman Melville com Mario Bellatin. É preciso

59 Ao ser perguntada em entrevista para esta pesquisa, quem coordena a Coleção Particular, Elaine Ramos

diz não existir uma coordenação oficial, embora seja ela a pessoa à frente da coleção. Apesar da ponderação

de que alguns livros não deveriam fazer parte da coleção, foi tomado como referência, nesta pesquisa, o

mais recente catálogo da Cosac Naify (2012), em que todos os sete livros aqui citados são apresentados

como Coleção Particular, recebendo destaque diante de outras coleções da editora.

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fazer mais Coleção Particular, para que tenha “cara’, retirando o que lhe

é estranho60.

O sexto livro da coleção, o Museu do Romance da Eterna, de Macedonio

Fernández, conta com projeto gráfico de Elaine Ramos. O sétimo e último livro inserido

na coleção é o Avenida Viévski de Nikolai Gógol, lançado em 2012. O projeto gráfico

está assim descrito: “A disposição do texto nas páginas está dividida em dois blocos

espelhados, numa referência ao fluxo dos passantes por ambos os lados da via. Em dois

volumes embrulhados num jornal da época”. Nota-se, mais uma vez, como nos demais

títulos da Coleção Particular aqui descritos, a interação entre concepção gráfica e texto.

Segundo Augusto Massi:

A Cosac Naify se firmou como uma editora inovadora quando fizemos

livros como Bartleby, onde o projeto e os materiais empregados também

representavam uma interpretação da novela do Melville. Por exemplo,

quando costuramos todos os lados do livro e utilizamos como papel de

capa um feltro para radiador de automóvel, estamos sinalizando para o

leitor que, a exemplo do enigmático personagem principal, que o

significado deste livro está hermeticamente fechado. Quando usamos na

capa de Fera na Selva um papel de sedex, dificílimo de se rasgar, estamos

sutilmente dizendo que a história de amor narrada por Henry James

demorará para ser revelada. Quer dizer, uma obra literária como Bartleby

torna-se um livro essencialmente de design. A força da história, a ótima

tradução, tudo conta a favor, mas, neste caso, o que primeiro agarra e

prende a sensibilidade do leitor é a sua dimensão de objeto, um objet

trouvé, colecionável. É esse caráter de descoberta, de achado, de único

que faz com que as pessoas comprem dois exemplares. Um para ler, outro

para guardar, fechado, intacto. O livro é transfigurado em conceito61.

Ao falar de como a realização do livro Bartleby, o Escrivão, de Hermann Melville

abriu espaço para a realização de outros projetos experimentais, Elaine Ramos ilumina

dois pontos fundamentais para se compreender as categorias que possibilitam uma

60 RAMOS, Elaine. Entrevista concedida ao autor. São Paulo: 15 de agosto de 2013. 61 MASSI, Augusto. Entrevista concedida ao autor. São Paulo: 28 de outubro de 2013.

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valorização estética do livro produzido pela editora, quais sejam, a existência de um

público interessado no livro como objeto e a valorização da cultura material. Diz ela:

Bartleby foi muito importante para mim. Me deu a possibilidade de ver

[que existem] leitores que se interessam pelo livro como objeto. Um livro

como objeto em diálogo com determinado conteúdo. Portanto um leitor

que se interessa pela interação entre essas duas coisas62.

Os próximos tópicos apresentam discussões acerca do perfil de leitor para o qual

a Cosac Naify imagina publicar, e a ênfase na cultura material como valor central no

entendimento das categorias envolvidas na concepção do livro.

2.5.Leitores e cultura material

Como se sabe, e confirma-se nas entrevistas feitas, os livros de coleções são

pensados para um público específico. Indagada sobre qual seria o leitor da Cosac Naify,

Elaine Ramos diz:

Acho que é um leitor interessado em artes visuais e literatura. Tem um

tipo de leitor de literatura [que] tem preguiça de ler um livro como

Bartleby, porque quer apenas o texto e acha a preocupação [gráfica] fútil.

Assim como tem gente que abre a porta todo dia e nunca pensou na

maçaneta, e se a maçaneta escorrega... ainda assim não vai pensar nela.

Se um dia, a maçaneta da porta for trocada por uma maçaneta com um

design maravilhoso, mesmo assim não vai notar. Mas há pessoas que vão

ter um prazer enorme em abrir a porta com uma maçaneta bem

desenhada, que encaixa na mão. Acho que [os leitores da Cosac Naify]

são pessoas ligadas em design, em arte, no mundo visual63.

As referências ao design, à arte e ao mundo visual fazem parte do que os editores

da Cosac Naify imaginam ser seu público, coisa que se confunde com eles próprios,

funcionários, no momento em que, como afirma Florencia Ferrari, atual diretora-editorial,

os livros feitos na editora são livros que os editores gostariam de ter para si.

62 RAMOS, Elaine. Entrevista concedida ao autor. São Paulo: 15 de agosto de 2013. 63 RAMOS, Elaine. Entrevista concedida ao autor. São Paulo: 15 de agosto de 2013.

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Pensamos nos livros como gostaríamos que eles fossem para nós

mesmos: o que seria bom que este livro tivesse? Por exemplo: Como

fazer que este livro seja bom para estudar? Margem generosa para fazer

anotações, bibliografia atualizada em português, fitilho para localizar

facilmente as notas no final, título corrente dos capítulos de uma

coletânea, uma página preta para que o leitor encontre o início do capítulo

com rapidez. Ou: Como inovar no tratamento visual de contos dos irmãos

Grimm? Enfim, o projeto editorial, que envolve o projeto gráfico e as

escolhas editoriais, está a serviço da demanda de cada livro. No caso dos

livros de arte, o corte da imagem, o tratamento das imagens em função

do papel, as provas de cor, são alguns dos meios de oferecer a melhor

reprodução possível das obras de arte64.

Como afirma a diretora-editorial, os livros são feitos pensando no que se gostaria

e como se gostaria de ver publicado, não contando a editora com nenhum tipo de pesquisa

de mercado. Questionada em relação ao feedback que a editora recebe de seus leitores,

diz que os meios mais propícios para isso são algumas feiras de livros, em que podem

ouvir seus clientes, o Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC), que tem uma

interação especial com os professores que adotam alguns dos livros da editora nas escolas,

e, principalmente, nas promoções, muitas delas realizadas através do próprio site

eletrônico da Cosac Naify, servindo este canal não só como ferramenta de retorno do

leitor, mas como marketing dos seus produtos. Já que a editora não conta com orçamento

para realizar propagandas, segundo afirma Florencia Ferrari, os próprios livros

realizariam esse papel. Quanto à função das promoções na internet, ela responde:

É uma forma de divulgar a editora a partir dos próprios livros. Sabemos

que as pessoas conhecem os livros, e nem sempre podem ter todos

aqueles que gostariam. Como eles têm um apelo visual maior do que

outros livros, as promoções funcionam bastante, como vemos,

entusiasmados, nos vídeos Unboxing que vários leitores fizeram

espontaneamente e postaram no Youtube.65

Ao ser indagada de que apelo está falando, afirma:

64 FERRARI, Florencia. Entrevista concedida ao autor. São Paulo: 29 de outubro de 2013. 65 Idem

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“Os livros são objetos transcendentes, mas podemos amá-los de amor

táctil” 66. O Caetano fala da relação com os livros. Deve haver muitas

teorias sobre a relação que as pessoas têm com seus livros, suas

bibliotecas, algo que não está ligado a uma necessidade, mas ao prazer

de tê-los ou de saber que estão ali, disponíveis, algo que faz parte de sua

identidade. A típica foto do autor na frente de sua biblioteca67.

As falas transcritas acima são reveladoras da relação entre a valorização da cultura

material e a apropriação identitária daquele que a ela tem acesso. Neste aspecto, é

interessante destacar, em comentário de Maria Lucia Bueno (2008: 10), que “o avanço

progressivo da economia monetária, da urbanização e dos valores burgueses na Europa

no sec. XVIII prenuncia a emergência de um novo modo de vida ligado simultaneamente

a valorização da cultura material e da subjetividade, no qual uma se convertia na

expressão da outra”. A valorização da cultura material como expressão da subjetividade

e, ao mesmo tempo, a valorização da subjetividade expressa na cultura material, dão o

tom dessa relação entre a posse de um livro e a identidade.

Os fenômenos do consumo e da cultura material geram relações sociais e

constituem subjetividades. Esse é o argumento fundamental no trabalho realizado pela

antropóloga Mary Douglas em parceria com o economista Baron Isherwood (Douglas e

Isherwood, 2004). Para estes autores, antes de se julgar moralmente as práticas de

consumo, dever-se-ia perguntar, exatamente, porque as pessoas consomem, o modo de

apropriação e o que deixam de consumir. Essa visão antropológica é fundamental para se

entender, dentre outras coisas, que o ato de consumir não é questão exclusiva da sociedade

ocidental moderna. As relações de troca e sua importância na constituição da lógica social

foram analisadas em várias etnografias68 e são retomadas pelos autores para mostrar que

66 Referência à música Livros de Caetano Veloso. O trecho da música em que aparece a frase citada é: “Os

livros são objetos transcendentes / Mas podemos amá-los do amor táctil / Que votamos aos maços de

cigarro”. A relação tátil com os livros é característica recorrente nas falas dos editores da Coasc Naify e é

neste tópico analisado tendo como referência o crescimento da cultura material. 67 FERRARI, Florencia. Entrevista concedida ao autor. São Paulo: 29 de outubro de 2013 68 Ver, por exemplo, Marcel Mauss (2003).

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tal prática pode ser vista como uma categoria universal de análise. Dessa forma, pode-se

admitir, seguindo a linha de raciocínio de Douglas e Isherwood, que “a função essencial

do consumo é sua capacidade de dar sentido” (ibidem) às relações sociais e identitárias

dos sujeitos.

José Reginaldo Gonçalves (2005; 2007) contribui para pensar de que forma os

objetos constroem subjetividades e engendram práticas sociais. Objetos, afirma, “não

apenas desempenham funções identitárias, expressando simbolicamente nossas

identidades individuais e sociais, mas na verdade organizam (na medida em que os

objetos são categorias materializadas) a percepção que temos de nós mesmos individual

e coletivamente” (GONÇALVES, 2007: 27).

Os livros da Cosac Naify são produzidos, segundo a concepção dos editores, para

um leitor que encare tal produto como algo a ser desejado (“você querer ter aquilo) e

colecionado (“de aquilo fazer parte da sua identidade”), e que, em última instância, reflete

o gosto dos próprios editores. Tanto a concepção editorial quanto a existência do leitor

para tais livros faz parte de uma valorização da cultura material que está intimamente

relacionada com a subjetividade, constituinte do consumo moderno segundo Campbell

(2001). O livro produzido pela Cosac Naify, entretanto, é um objeto específico, com

categorias sociais materializadas em si:

A ideia não seria fazer livros de arte, mas, principalmente, cultivar a arte

de fazer livros. Essa era a proposta. O que eu pretendia passar tanto para

dentro da editora como para fora é que o nosso livro de texto era uma

obra de arte. O meu objetivo era que todo mundo comentasse a beleza do

livro. Que o livro virasse objeto de desejo: “eu quero”. Essa era a fala69.

69 MASSI, Augusto. Entrevista concedida ao autor. São Paulo: 28 de outubro de 2013.

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O valor artístico como forma de definição do fazer editorial, tendo o belo como

constituinte do produto industrial, é, portanto, uma intencionalidade na produção do livro.

Tal transposição, entretanto, de valores artísticos para objetos industriais, ou seja, o

embotamento da barreira entre arte e os objetos da vida cotidiana, faz parte de um período

histórico determinado no capitalismo ocidental, que ganha força no século XIX. Como

atesta Mike Fertherstone (1995: 45):

Um movimento duplo sugere a derrocada de algumas das fronteiras entre

arte e vida cotidiana, bem como a erosão da condição especial da arte

como uma mercadoria protegida. Em primeiro lugar, verifica-se a

migração da arte para o design industrial, a publicidade e as indústrias

associadas à produção de símbolos e imagens (...). Em segundo lugar,

tem-se verificado a dinâmica vanguardista no âmbito das artes que, nas

formas do dadaísmo e do surrealismo na década de 20 e do pós-

modernismo na década de 60, procurou demonstrar que qualquer objeto

de uso cotidiano poderia ser estetizado.

É importante observar que nos movimento das vanguardas artísticas europeias,

como o Cubismo, Dadá, Futurismo, Surrealismo, De Stjil, Bauhaus, Suprematismo,

estavam contidas críticas à própria instituição arte, mais especificamente à categoria

corrente de “autonomia”, que sugere uma separação entre o fazer artístico e as

necessidades materiais da vida cotidiana. A arte, para estas vanguardas, estava

intimamente relacionada à práxis vital, e esta relação deveria ser explicitada,

aproximando o fazer artístico e seus objetos da vida cotidiana. É no processo de

institucionalização do próprio movimento utópico das vanguardas artísticas, entretanto,

(Bürger, 2008; Huyssen, 1996; Subirats, 1986, 1993), em cuja essência estava contida

também sua semente “regressiva”, que o processo de aproximação entre arte e vida vai se

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efetivar na forma de “estética da mercadoria”70 - agora os elementos artísticos são

apropriados para a fabricação de produtos vendáveis.

É inegável, portanto, que o desenvolvimento do design gráfico moderno esteja

intimamente relacionado aos movimentos artísticos das vanguardas europeias (Weill,

2010). Questões estéticas inerentes ao campo artístico passam a fazer parte da realidade

industrial, tendo o design como um dos vetores dessa transformação. Como alerta Adrian

Forty (2007), entretanto, o design não pode ser visto somente como um meio para se

projetar belos objetos ou resolver problemas na indústria: ele é essencial na obtenção de

lucro para o fabricante e na transmissão de ideias.

O entendimento da valorização do projeto gráfico no projeto editorial da Cosac

Naify passa pela percepção histórica da importância das vanguardas artísticas de início

do século XX e da centralidade que o design assume posteriormente, acarretando numa

crescente valorização da cultura material. As categorias utilizadas pelos editores

entrevistados, como o “amor tátil” lembrado por Florencia Ferrari, ou o livro como

“objeto de desejo”, segundo Augusto Massi, remetem ao valor social artístico adentrado

na esfera dos produtos industrializados, o que foi chamado de “estética da mercadoria”.

Também a descrição dos leitores imaginados por Elaine Ramos como “pessoas ligadas

em design, em arte, no mundo visual” contribui na mesma direção.

A lógica social em que está envolvido o processo de valorização do projeto gráfico

na concepção dos livros da editora Cosac Naify, promovendo o diálogo entre forma e

texto, embora não se possa, no âmbito desta pesquisa, generalizar, parece estar

relacionado a diversas outras relações sociais e aos objetos que trazem essas relações

materializadas. Os livros pensados pelos editores, as categorias das quais fazem uso para

a sua explicação, a Coleção Particular, com livros que trazem sempre projetos gráficos

70 Sobre estética da mercadoria, ver também Wolfgang Haug (1997).

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“especiais”, e mesmo o leitor imaginado para tais livros, enfim, todo o material analisado

nesta pesquisa leva à constatação da crescente importância da cultura material e imagética

nas relações sociais que envolvem a produção de livros.

O próximo capítulo mostra que a concepção editorial da Cosac Naify não é algo

harmônico, mas um campo em disputa em que está em jogo uma série de valores inerentes

ao campo editorial, como tino empresarial ou pretensão de intervenção cultural, e a

disputa entre fazer um livro para ser colecionado ou um livro para ser democratizado.

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CAPÍTULO 3 – EDITORA: ENTRE O MERCADO E A INTERVENÇÃO

CULTURAL

A maioria dos editores que conheci prefere, como eu, considerar-se devoto de

um ofício cuja recompensa é o ofício em si e não o seu valor em dinheiro71.

Ao tratar da dinâmica do mercado editorial francês, Pierre Bourdieu (1999) aponta

o funcionamento de dois polos distintos em constante tensão que são as categorias

“literário” e “comercial”. O peso relativo dado a um dos polos de tensão, segundo os

critérios de avaliação dos editores, é o que Bourdieu identifica como o dilema entre arte

e dinheiro. A posição de uma editora no campo editorial depende do acesso a recursos

escassos (econômico, simbólico, técnico) e o poder que esses recursos conferem.

Essa tensão é constante tanto na dinâmica interna da Cosac Naify quanto na forma

como ela se relaciona com as demais editoras, conforme o discurso dos entrevistados. No

decorrer dos 17 anos de funcionamento, as propensões por um foco no “mercado” ou na

“intervenção cultural” fizeram parte das suas escolhas editoriais, revelando ser pertinente

analisar ambas as categorias no caso deste estudo.

Bourdieu (1999) afirma ainda que grande parte das tomadas de posição das

editoras está relacionada ao lugar que ocupa no campo editorial, o que faz com que

aquelas que ocupem uma posição dominante tendam a administrar ativos (capital

econômico, simbólico e técnico acumulados) ao invés de propor inovações. Mesmo as

editoras inicialmente mais inovadoras tenderiam, com o passar do tempo e à medida que

se estabelecem no campo, a assumir uma atitude mais cautelosa.

71 Relato do editor americano Jason Epstein (2002).

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Tal perspectiva adotada por Bourdieu em relação ao campo editorial pode ser

extrapolada, segundo sua concepção, para toda a “economia de bens simbólicos”

(Bourdieu, 1983). O que caracterizaria os bens simbólicos seria justamente a sua alocação

espontânea, diante da aparente dicotomia entre espiritual e material, no polo espiritual.

Essa alocação se dá através da “recusa do econômico” por parte do agente envolvido no

mercado de bens simbólicos. O aparente desinteresse econômico desse agente, entretanto,

revela-se falso. Embora o campo artístico funcione como um mundo econômico às

avessas, “no qual as sanções positivas do mercado são ou indiferentes ou até negativas”

(op.cit.180), existe nele uma série de bens escassos valorizados e afirmados através da

própria recusa do econômico ou no aparente desinteresse. Uma linguagem permeada de

eufemismos expia do campo artístico palavras de cunho econômico. É dessa forma que

“o comerciante de quadros, com frequência, intitula-se diretor de galeria (...) [e] editor é

um eufemismo para comerciante de livros ou comprador da força de trabalho literária”

(op.cit. 181).

Voltando à análise do campo editorial feita por Pierre Bourdieu, quando uma

editora está em vias de se estabelecer, tende a se apropriar de um vocabulário inerente ao

campo artístico, evitando qualquer ligação com a lógica economicista. Já quando está

estabelecida no campo editorial, tende a administrar melhor seus próprios recursos, dando

maior atenção, mesmo que de forma disfarçada, à lógica operacional econômica. Essa

discussão é importante para que se possa compreender o percurso da Cosac Naify no qual

se percebe a defesa de um “projeto gráfico inovador” e de uma concepção de editora “não

convencional”.

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3.1. Mudanças e continuidade do projeto

De 2001, quando Augusto Massi assume o cargo de diretor editorial da Cosac

Naify, a 2011, ano em que sai da editora, várias mudanças ocorreram internamente na

configuração da empresa. Por volta de 2004, dois anos após ter assumido o cargo de

diretor editorial, Massi acumula o cargo com o de presidente da empresa. Em 2008 passa

o cargo de diretor editorial para Cassiano Elek Machado. Nesse período, diversos novos

projetos foram gestados. A Cosac Naify expandiu seu espectro editorial, passando de uma

editora de arte para uma editora de literatura, ciências humanas e livros infanto-juvenis,

sendo este último um dos grandes focos da editora, hoje com mais de 200 publicações.

A editora acumulou diversos prêmios (alguns dos quais já foram citados no

segundo capítulo desta dissertação), publicou uma série de autores importantes, fatores

que contribuíram para consolidá-la dentre as editoras mais reconhecidas no Brasil. O

Jornal Valor Econômico promoveu uma enquete no ano de 2010 com um grupo de

críticos e professores das áreas de artes e ciências humanas para identificar qual é a

melhor editora do Brasil72. A Cosac Naify ficou em segundo lugar, tendo sido lembrada

por 76% dos entrevistados, atrás somente da Companhia das Letras, editora já

estabelecida e bastante forte no mercado brasileiro, lembrada por 86% dos entrevistados.

O reconhecimento da Cosac Naify veio juntamente com uma crise financeira

aguda, que em 2011 provocou a saída de Augusto Massi. A editora, entretanto, conseguiu

superar os problemas e dar continuidade ao seu projeto.

72FERRARI, Márcio. Letras Maiúsculas. Jornal Valor Econômico. 23/07/2010. A explicação metodológica

cabe ao próprio realizador da pesquisa: “A pesquisa promovida pelo Valor não teve a intenção de medir a

eficiência empresarial, mas indicar as editoras que mais se destacam culturalmente. A votação se

encaminhou naturalmente para a ênfase nas áreas artístico-literária e das ciências humanas e muitos dos

votantes mencionaram a capacidade de interferir na vida cultural e de formar leitores como critérios para

medir a qualidade de uma editora. Aos 21 especialistas consultados, foi pedido que fossem escolhidas as

três melhores casas editoriais. Ficaram de fora as áreas mais especializadas, como as dos livros técnicos, os

de autoajuda e os didáticos e paradidáticos, embora a grande movimentação nesses setores nos últimos

anos, em que ocorreram grandes fusões e incorporações, certamente influi no quadro geral”.

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A pressão econômica assume importância nos discursos dos entrevistados quando

se trata de falar das modificações que ocorreram após a mencionada crise financeira, o

que revela que a concepção da editora está em constante definição, permeada por disputas

internas entre aqueles que fazem parte do empreendimento. Ao mesmo tempo em que se

julga uma editora “diferente das editoras tradicionais”, ao falar tanto da intenção de

intervenção cultural quanto de pressões mercadológicas, se busca, em contrapartida, uma

concepção administrativa em “bases completamente lógicas e racionais”, que são valores

modernos. Se por um lado o discurso sublinha que a Cosac Naify vai na “contramão do

mercado”, por outro, ela demanda uma organização empresarial tradicional que dê

suporte material para sua produção. As contradições nos discursos, mais do que revelar

diferentes caminhos a serem escolhidos, apontam uma constante tensão entre ser a editora

um empreendimento mercadológico ou cultural. É o dilema, repetindo a observação de

Bourdieu (1999), entre arte e dinheiro, dilema este que está na base mesmo do

empreendimento editorial, por excelência uma empresa capitalista e que interfere na

dinâmica cultural73.

3.2. Editora: empresa ou intervenção cultural?

Editar, segundo o Dicionário do Livro (FARIA; PERICÃO, 2008: 270) significa:

Publicar uma obra ou qualquer outro tipo de impresso (folheto,

publicação periódica, mapa, etc.) por meio de impressão ou qualquer

outra modalidade de reprodução gráfica; dar à luz, conceber, planejar e

preparar o conteúdo de um livro, em cooperação com o autor; publicar;

imprimir; mostrar // orientar // editorar.

73 Tendo consciência dos limites desta pesquisa, não se pode, a partir do material analisado, afirmar que

toda e qualquer editora, em algum momento, passe pelo dilema entre arte e dinheiro. Percebe-se, entretanto,

que por se tratar de um empreendimento capitalista (funciona como uma empresa e, por isso, precisa de

lucro) que comercializa bens culturais, tal dilema faz parte de muitos empreendimentos editoriais em algum

momento de suas atividades.

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A origem de “editar” vem da palavra latina editio que indica dois movimentos:

“dar à luz” e “publicar”. Surge na Roma antiga para identificar aqueles que chamavam a

si a responsabilidade de multiplicar e cuidar das cópias dos manuscritos, zelando para que

fosse correta a sua reprodução (Bragança, 2002). São, dessa forma, os editores, que

decidem que textos serão transformados em livros, a qual público se destinam e como

serão feitos estes livros (Bragança, 2005). As editoras são, portanto, segundo definição

de Wolfgang Knapp (1992:13) “instituições que influem no que sabemos ou podemos

saber, [pois] (...) praticamente formam nossa opinião, porque filtram por gosto pessoal,

juízo próprio ou formação e por força de seu programa editorial, as informações que

recebem, transmitindo aquelas que julgam importante”.

Editar, portanto, pode ser entendida como a ação de tornar público uma

determinada obra, funcionando como intermediário entre leitor e texto. A despeito da

definição de tal ação, a função do editor, ou seja, aquele que edita e publica, mudou

bastante ao longo da história (Chartier, 1999). A concepção moderna de editor surge,

segundo Bragança (2005), no momento da invenção da tipografia em meados do século

XV. Isso acontece somente quando Gutenberg “cria a escrita mecânica”, a partir da

invenção da tipografia por caracteres móveis de metal, inaugurando a era de cópias

múltiplas e idênticas a partir de um original.

Tais livros são colocados no mercado, à disposição de um público-leitor

anônimo para serem adquiridos e lidos. Assim, através do comércio de

seu produto, pode o editor-impressor pagar os seus trabalhos e os de seus

auxiliares, os juros e os capitais aplicados, e ganhar dinheiro para

continuar seu ofício. Quase sempre esse ofício quer também mudar a

sociedade (Bragança, 2005: 223).

A emergência do editor moderno caracteriza uma dinâmica cultural complexa

associada ao mundo do livro e que faz parte de uma cadeia que engloba também autor,

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impressor, distribuidor, livreiro e leitor. O editor, portanto, ocupa lugar fundamental no

funcionamento dessa cadeia, sendo notável o fato de ser a edição, na sua concepção

moderna, um empreendimento capitalista, relacionado aos lucros obtidos pela venda do

seu produto.

Como todo empreendimento capitalista, o empreendimento editorial está ligado

ao universo do lucro e do cálculo interessado. Por se tratar de uma “economia de bens

simbólicos”, entretanto, como afirma Bourdieu (1983), estabelece características das

sociedades pré-capitalistas, sendo marcada a “recusa do econômico”. Esta “recusa” está

de tal forma arraigada no universo editorial, que, como afirma Gabriel Zaid (2004: 45):

O sucesso comercial pode ser contraproducente, provocando uma perda

de credibilidade nos melhores círculos. Queremos que os livros sejam

objetos democráticos, para ser lidos por todos, estar acessíveis em todos

os lugares, mas também queremos que continuem sendo sagrados.

Esta dimensão está presente nos embates havidos na editora. De um lado, a editora

é vista como uma empresa de intervenção cultural, cujos objetivos seriam trazer à luz

obras que acreditam necessárias ao leitor brasileiro. Porém, de outro lado, a editora deve

estar afinada com as previsões e cálculos mercadológicos, sendo necessária a

comercialização lucrativa dos livros. Seria, portanto, a atividade editorial um mero

empreendimento capitalista ou uma atividade de intervenção cultural?

No momento em que assume a diretoria editoria, Florencia Ferrari diz ter

incorporado no cotidiano o problema financeiro. Em suas palavras:

Não trabalhamos com uma demanda de ser uma editora lucrativa,

comercial, com busca de títulos vendáveis, que atinjam lista de mais

vendidos etc. É uma editora de caráter cultural, de intervenção cultural,

que tem que encontrar uma equação saudável para se manter ativa sem

abrir mão de sua marca74.

74 FERRARI, Florencia. Entrevista concedida ao autor. São Paulo: 29 de outubro de 2013.

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O discurso de “recusa do econômico” não é uma exclusividade da Cosac Naify,

nem o discurso de “não ser uma editora comercial” está em contradição com a

necessidade de se equilibrar as finanças da empresa. Charles Cosac, ao referir-se as

possibilidades de lucro na empresa, afirma que, apesar de não ser uma fundação, o

dinheiro do lucro “seria investido para se produzir mais livros e pagar melhor os

funcionários75”.

Ao tratar das editoras francesas, Pierre Bourdieu (1999) afirma que inicialmente

as editoras tendem a utilizar nos discursos valores referentes ao campo artístico, como a

inovação e a experimentação, recusando tratar de questões de ordem econômica. Essas

questões, entretanto, parecem entrar em voga à medida que a editora se firma no campo

editorial. É possível que este tenha sido o percurso percorrido pela Cosac Naify. Com o

crescimento da editora (em número de publicações, funcionários, áreas de interesse,

prêmios conquistados) e a posição de agente privilegiado que assume no mercado

editorial e na produção cultural brasileira, a categoria “comercial” se torna visível nos

discursos dos membros da equipe da editora.

O projeto editorial da Cosac Naify toma para si o projeto gráfico como índice de

experimentação e inovação. Como ficam, entretanto, os projetos gráficos dos livros nesse

panorama de mudanças e “reformulação administrativa”? Permanece o interesse no

projeto editorial ou foi abandonado em decorrência das mudanças? A experimentação

gráfica ainda é prioridade ou o que se sobrepõe agora é a viabilidade econômica do livro?

Estariam essas duas concepções necessariamente em contradição? Isso será tratado no

próximo tópico.

75 COSAC, Charles. Entrevista concedida ao autor. São Paulo: 4 de dezembro de 2013.

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3.3. Contenção de despesas e os reflexos no projeto gráfico: a coleção Portátil

Em decorrência das recentes modificações administrativas, o projeto gráfico da

editora parece ter se modificado. Elaine Ramos, diretora de arte e editora de Design da

Cosac Naify afirma que:

[O que mudou é que] não há mais livros feitos numa “bolha”, que deixem

de encarar de frente os problemas de tiragem, custo e preço de capa.

Continuamos publicando livros com patrocínio e com apoio à tradução,

assim como outros que estão em domínio público. Cada livro é uma

equação. Temos conseguido fazer projetos diferenciados em bases

racionais. Vai-se buscando caminhos. Mas é fato que para um livro com

direito autoral, tiragem baixa e sem patrocínio não se pode inventar muito

graficamente porque a planilha não fecha. E esses livros são muitos76.

Bernardo Ajzenberg, diretor executivo, coordena as diferentes áreas da Cosac

Naify: editorial, projeto gráfico e produção, marketing, financeiro e atendimento ao

professor. Deve fazer com que todos funcionem de forma a viabilizar os objetivos da

empresa. Assumiu esta função em 2010, pouco tempo antes das significativas mudanças

mencionadas. Em entrevista à Revista Metáfora, esclarece qual seria, a partir de então,

o desafio da editora:

Hoje em dia, a política da casa continua sendo a busca de qualidade, tanto

no conteúdo quanto na forma dos livros, porém casada com a necessidade

de ampliar o público. Mas sem inviabilizar a editora como negócio, sem

elitizar o alcance do livro. Nossa coleçãozinha de bolso responde um

pouco a isso, tem uma sofisticação na concepção, mas consegue ser

barata. Vários livros que antes a gente só faria em capa dura, agora são

em brochura. É um momento que está exigindo muito das pessoas,

criatividade no sentido profundo. Todo mundo sabe que era uma editora

deficitária, e este ano não vai ser. Estamos comemorando isso vivamente

lá dentro77.

76 RAMOS, Elaine. Entrevista concedida ao autor. São Paulo: 15 de agosto de 2013. 77 Revista Metáfora. As várias carreiras de um autor. Por Fábio Fujita. Acessado em

http://revistametafora.com.br/2013/01/21/as-varias-carreiras-de-um-autor/ no dia 13/08/2013.

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Vimos que a categoria “qualidade” é utilizada pelos entrevistados para definir a

identidade da Cosac Naify. Nota-se, entretanto, que esta categoria assume valores

diversos a depender da situação a ser explicada. Quando utilizada para falar sobre a

Coleção Particular, e os demais “projetos especiais” da editora, “qualidade” se refere a

encarar cada livro como único, de forma que o projeto gráfico dialogue com texto a ser

publicado, estabelecendo um conceito para o livro. É uma concepção próxima do

artesanal, como foi debatido no primeiro capítulo desta dissertação. Quando usada por

Bernardo Ajzenberg, para demarcar a nova fase da editora, a categoria “qualidade” é

relacionada com a “sofisticação na concepção”, e livro não “elitizado”, podendo, segundo

ele, ser exemplificada pela Coleção Portátil.

A Coleção Portátil, lançada em 2012, é dedicada à publicação de “livros de bolso”.

Esta categoria editorial, mais do que demarcar um formato de livro (que, pelo nome, se

imagina em tamanho reduzido), demarca uma estratégia de marketing (Halewell, 2012).

O catálogo da Cosac Naify esclarece o projeto gráfico na Coleção Portátil:

O design dos livros da coleção foi pensado nos mínimos detalhes para

que seja especial e inovador, como nas demais edições da Cosac Naify.

As capas, com relevo exclusivo, trazem cores fluorescentes em uma

disposição geométrica que varia a cada título. Os livros, em brochura,

têm uma encadernação desenvolvida especialmente para garantir maior

flexibilidade ao folhear. Todo o volume é impresso em [papel] munchen;

a textura e cor agradáveis deste papel, aliadas ao tamanho e espaçamento

das linhas e das letras garantem uma leitura confortável (Cosac Naify,

2012).

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Coleção Portátil – Capas

Fonte: http://editoracosacnaify.com.br.

O primeiro lançamento da coleção foi o livro Lero Lero, do poeta Cacaso,

identificado como Portátil 1. O livro havia sido lançado anteriormente, em 2002, pela

Cosac Naify, fazendo parte da coleção Às de Colete (livros de poesia, todos em capa dura

e tecido, coeditado pela 7 Letras, com coordenação do poeta Carlito Azevedo) e estava

esgotado. Seguem a esta publicação Khadij-Murát, de Liev Tóstoi, lançado em 2010

dentro da coleção Russinhos (textos curtos de literatura russa), A Sociedade Contra o

Estado, de Pierre Clastres, lançado como parte da coleção Ensaios (obras clássicas de

filosofia, antropologia, e críticas literária e de cinema) em 2003, dentre outros, todos

títulos esgotados e relançados pela editora neste novo formato.

A partir do livro Estética Doméstica, de Clement Greenberg, relacionado como

Portátil 21, há uma modificação no projeto gráfico dos livros. Ao invés da utilização de

quatro cores, como na primeira leva dos livros da coleção Portátil, utiliza-se somente uma

cor, a laranja, sobre a capa em tons de cinza.

Coleção Portátil a partir do volume 21

Fonte: http://editoracosacnaify.com.br.

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O que se percebe a partir da análise da descrição dos livros da coleção Portátil e

do depoimento dos editores, é uma padronização do projeto gráfico, demandada pela

necessidade de contenção financeira. Florencia Ferrari não concorda que tenha havido

mudança em relação à concepção do projeto gráfico dos livros da editora por conta das

mudanças administrativas. Suas afirmações apresentam pontos relevantes:

Não [houve mudanças] no modo de conceber os livros, esse é o nosso

desafio, provar que é possível fazer livros [especiais] numa editora

financeiramente saudável. Então a coleção Portátil, por exemplo, foi um

exercício de quebrar a cabeça para conseguir fazer um projeto muito

diferenciado e charmoso (com acabamento, relevo, e cores pantone,

costura colorida) a um preço compatível com o mercado. Usamos todo o

conhecimento da produção gráfica do livro para encontrar um meio de

equacionar essas variáveis e manter um diferencial nos livros, mesmo em

livros “de bolso”78.

Por serem livros anteriormente lançados pela Cosac Naify, não contam com

grande parte dos custos iniciais: direito autoral, tradução, revisão de texto (a não ser que

a segunda edição seja revista). Quanto ao projeto gráfico, há uma economia de esforços

da equipe gráfica, na medida em que o mesmo projeto gráfico de capa e de miolo serve

para todos os títulos da coleção, de forma que a concepção de livro pensado

individualmente não se aplica. Também em termos de impressão essa economia existe,

na medida em dois títulos que tenham o mesmo número de páginas são impressos

concomitantemente. De qualquer modo, como afirma a diretora editorial, a preocupação

com o projeto gráfico continua presente nas publicações da editora, tendo sido a coleção

Portátil selecionada para ser exposta na 10ª edição da Bienal Brasileira de Design Gráfico,

78 FERRARI, Florencia. Entrevista concedida ao autor. São Paulo: 29 de outubro de 2013.

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organizada pela ADG (Associação do Design Gráfico)79. Sobre a concepção da coleção

Portátil, Florencia Ferrari diz:

Lançamos a Portátil no ano passado [2012] pensando sobretudo num

público de estudantes universitários. A coleção pode ter títulos que

continuam existindo na edição original. Um exemplo dessa visão é a

coexistência do livro referência de Marcel Mauss, o Sociologia e

Antropologia, que contém sete longos ensaios somando 536 páginas, e

um portátil do “Ensaio sobre a dádiva”, que é entre esses textos o mais

lido em graduação em Ciências Sociais, e muitas vezes xerocado – o livro

portátil torna-se uma alternativa ao xerox. O livrão capa dura será

consultado inúmeras vezes, servirá para um professor dar cursos toda a

sua vida. O livro portátil pode ser um livro de ocasião, ao qual não

necessariamente se retorna – isso ocorre tanto em livros de estudo como

nos literários80.

A concepção da coleção Portátil relativiza a realização “artesanal” e “individual”

do livro assim como evidencia a utilização de uma categoria, antes não tão presente na

concepção editorial da Cosac Naify, a de “democratização”, a partir de um projeto gráfico

serializado e que assegura um preço de capa mais baixo.

Como afirma Elaine Ramos:

Temos as vezes mais vontade de tornar o livro barato e acessível para um

estudante do que escolher para ele a capa dura - ainda que alguns livros

de referência, [que são] para ficar na biblioteca para sempre ou livros com

muitas páginas, devam, por isso, ter capa dura. Mas temos simpatia pelo

livro básico e acessível. A Coleção Portátil tem a ver com isso. Antes

das mudanças, dificilmente seu projeto gráfico seria aprovado, porque a

preferência era pelo livro de capa dura, clássico81.

Observa-se que a coleção marca a mudança de categorias utilizadas pelos editores

para explicar as concepções editorias da Cosac Naify. Revela, portanto, o novo momento

79 Acessado em http://editora.cosacnaify.com.br/NoticiasInterna/553/Livros-da-Cosac-Naify-

selecionados-na-Bienal-de-Design.aspxem 25/04/2013. 80 FERRARI, Florencia. Entrevista concedida ao autor. São Paulo: 29 de outubro de 2013. 81 RAMOS, Elaine. Entrevista concedida ao autor. São Paulo: 15 de agosto de 2013.

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da editora no qual a economia e racionalidade na produção dos livros são fundamentais,

não sendo tão relevante o discurso de produção artesanal e individualizada.

Não é objetivo desta dissertação julgar o que deve ser melhor para uma editora,

mas questionar que categorias estão em jogo nos discursos que surgem depois das

mudanças havidas e da consolidação da editora no mercado editorial. As categorias de

“artesanal”, “livro como obra de arte” e demais termos correlatos utilizados pelos editores

para demarcar a preocupação conceitual dada individualmente a cada livro não se repete

nas falas sobre a coleção Portátil. Trata-se sem dúvida de um projeto gráfico “de

qualidade”, mas que não apela para o individual e único. É importante, ainda, perceber

como os termos “qualidade gráfica” sofrem modificações, variando à medida que as

questões financeiras tornam-se mais prementes, e vão sendo até relativizadas. A

democratização do livro torna-se mais relevante.

O projeto gráfico de uma obra, mais do que a simples elaboração de uma capa e

uma diagramação adequadas, funciona como signo da concepção editorial, influenciando

a forma como o texto será circulado e recebido pelo leitor. A elaboração do projeto gráfico

de qualidade de um livro demanda o seu tratamento individual e não padronizado. Requer

que se busque, acima de tudo, um conceito que aciona uma série de categorias referentes

ao universo valorativo da cultura, da arte e do simbolismo. As pressões econômicas as

quais qualquer editora está submetida, entretanto, tencionam esta posição relativa aos

projetos gráficos, revelando que, em diversos momentos, escolhas devem ser feitas, e nem

sempre o apelo cultural ou artístico da obra, apesar do seu poder em atrair consumidores

e leitores, assume o lugar de protagonista.

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CONCLUSÃO

A atividade de editar está relacionada com as noções de “dar à luz”, “tornar público”,

estabelecendo-se, portanto, como atividade intermediária entre o texto escrito e o leitor.

É, dessa forma, importante na circulação de ideias e no estabelecimento de um debate

público, estando inserido num campo relativamente autônomo (Bourdieu, 1999), com

rituais e dinâmicas próprios, mas em constante troca com as esferas políticas, culturais e

sociais. Não somente o tratamento dado ao texto a ser publicado, mas o modo como é

publicado, seu formato, papel e textura, a existência ou não de ilustração, tipos e margem

de página, o projeto gráfico, em suma, é fundamental para a apresentação do livro, com

consequência para o modo como circula, é comprado e lido.

Poucas, mas em quantidade e qualidade crescentes, são as pesquisas em ciências

sociais sobre o universo editorial, área de conhecimento para a qual esta pesquisa pretende

contribuir. O objetivo dessa dissertação foi analisar, por meio de entrevistas, catálogos, e

artigos de jornal e revista, o tipo de sociabilidade que abarca as categorias sociais

presentes na prática editorial da Cosac Naify ao promover o projeto gráfico como

elemento fundamental do seu projeto editorial. Foi feito um apanhado histórico da editora,

desde sua fundação, em 1997, quando do lançamento de Barroco de Lírios, de Tunga, até

as recentes mudanças, de modo que se pudessem perceber as modificações pelas quais

passou ao longo de sua trajetória e as consequências que estas implicam na sua concepção.

O contexto do mercado editorial brasileiro nos anos de 1990 é relativamente

propício ao surgimento de novas editoras, como a Cosac Naify. Com o controle da

hiperinflação, em meados da década, a entrada de capital estrangeiro e a expansão da rede

de megalivrarias, percebe-se o crescimento do número de títulos publicados, o que aponta

para uma maior variedade de textos disponíveis ao leitor brasileiro. Esse dado positivo,

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contudo, não é acompanhado pelo faturamento total do setor editorial, que se apresenta

em queda (Earp, 2005). De qualquer forma, a condição financeira dos sócios fundadores

da editora é bastante propícia a um investimento inicial. Charles Cosac, depois de um

período de estudos em história da arte na Inglaterra, retorna ao Brasil e inaugura na editora

a publicação de monografias de artistas e livros de história da arte que acha necessários

no cenário cultural brasileiro, juntamente aos livros de arquitetura, moda, cinema e

design.

Com a entrada de Augusto Massi, em 2000, o catálogo da editora se expande

rapidamente, aumentando as publicações não somente na área de artes, mas em literatura,

ciências humanas e infanto-juvenil. Com essa ampliação, cresce também a pressão por

controle dos gastos, que culmina com a crise de 2011 e saída de Augusto Massi.

Na trajetória da Cosac Naify, o projeto gráfico tem papel fundamental no projeto

editorial, sendo um dos motivos de maior reputabilidade. Uma equipe formada por cinco

designers e seis produtores gráficos participa do processo criativo e de tomadas de decisão

junto aos editores, configurando uma situação bastante particular na indústria editorial

brasileira. As negociações contínuas entre designers e editores apresenta um rico

panorama de disputas internas pela concepção editorial, revelando a valorização da

imagem, materialidade dos livros e centralidade do design na sociedade contemporânea.

É notável a recorrência a termos como “artesanal”, “individual”, “único” e

“interferência cultural” na descrição da prática editorial. A partir dessas categorias, os

livros da editora teriam um apelo material, tátil, que se revelaria nos papeis, costura, tipos,

cores, ilustrações e diversos outros materiais utilizados em diferentes publicações, todas

em diálogo com o texto a ser publicado. Tais categorias convivem, entretanto, na Cosac

Naify, com categorias relacionadas ao industrial e comercial, como “serialidade”,

“homogeneidade” e “contabilidade”, que se corporificam na quantidade de exemplares

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impressos, na circulação do livro, nas vendas para as principais livrarias do país e por loja

virtual própria, além de práticas que advém da necessidade de manutenção da empresa.

A convivência, num mesmo universo, de valores díspares, mas não excludentes,

como “artesanal”, e seus correlatos, e “industrial” e seu correlatos, revelam

intencionalidades presentes na luta pela concepção do projeto editorial, que de forma

alguma se mostra coeso e homogêneo, mas, pelo contrário, aponta concepções diferentes

e em constante tensão.

A Coleção Particular, coleção que tem início em 2004 e conta com sete

publicações em que a característica comum que as une é o “projeto gráfico especial” em

diálogo com o texto, como foi analisado no caso de Bartleby, o Escrivão, demonstra a

intencionalidade da Cosac Naify em se apresentar aos leitores como uma editora que

investe na experimentação gráfica de seus livros. As categorias utilizadas pelos editores

para descrever esta coleção são as relacionadas aos valores artesanais, operacionalizados

dentro de uma lógica industrial (número de exemplares, impressão e comercialização). Já

nos livros da coleção Portátil, coleção de livros de bolso inaugurada em 2012, o que se

percebe na fala dos editores é uma maior proximidade com valores relacionados ao

industrial e a diminuição dos custos de produção, seja em relação ao texto, que são títulos

que foram publicados anteriormente pela Cosac Naify, reduzindo assim os custos de

direito autoral, tradução e revisão, seja na gráfica, com o envio de dois livros diferentes,

mas com o mesmo número de páginas, para impressão conjunta, ou no projeto gráfico,

que conta com capa e miolo padronizados.

Nota-se, portanto, uma disputa constante entre o artesanato da produção

individualizada e a pressão comercial, que encontra solução na serialização industrial. A

relevância do projeto gráfico no projeto editorial da Cosac Naify se apresenta como

tentativa de impor valores individuais, artesanais e estéticos à industrial editorial. A

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existência de consumidores e leitores interessados, que não foram objetos desta pesquisa,

mas são, sem dúvida, peça fundamental no entendimento dessa dinâmica, revela um

universo em que valores estéticos se associam ao industrial, apresentando produtos

industriais concebidos com valores artísticos. É nesse universo social que se explica a

relevância dada pela Cosac Naify ao projeto gráfico dos seus livros.

Os discursos sobre a editora, objeto de pesquisa desta dissertação, apresentam um

conjunto de categorias, reveladoras de uma dinâmica social complexa. A valorização da

cultura material e da produção artesanal não estão presentes apenas no campo editorial

mas também em objetos artísticos, objetos de uso cotidiano, práticas, hábitos, gestos,

gostos, enfim, uma infinidade de fenômenos sociais, com o entendimento dos quais,

espera-se, essa dissertação possa contribuir.

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