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Gêneros, Interação e Ensino

Letramentos Na WEB _livro

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Gêneros, Interação e Ensino

Page 2: Letramentos Na WEB _livro

Presidente da RepúblicaLuiz Inácio Lula da SilvaMinistro da Educação

Fernando Haddad

Universidade Federal do CearáREITOR

Prof. Jesualdo Pereira FariasVICE-REITOR

Prof. Henry CamposConselho Editorial

PRESIDENTE

Prof. Antônio Cláudio Lima GuimarãesCONSELHEIROS

Profa Adelaide Maria Gonçalves PereiraProfa Ângela Maria Mota Rossas de Gutiérrez

Prof. Gil de Aquino FariasProf. Italo Gurgel

Prof. José Edmar da Silva RibeiroDiretor da Faculdade de Educação

Luís Távora Furtado RibeiroCoordenador do Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira

Hermínio Borges NetoChefe do Departamento de Fundamentos da Educação

Nicolino Trompieri FilhoDiálogos IntempestivosCOORDENAÇÃO EDITORIAL

José Gerardo VasconceloS (EDITOR-CHEFE)Kelma Socorro Lopes de Matos

Wagner Bandeira Andriola

Dra Ana Maria Iório Dias (UFC)Dra Ângela Arruda (UFRJ)Dra Ângela T. Sousa (UFC)Dr. Antonio Germano M. Junior (UECE)Dra Antônia Dilamar Araújo (UECE)Dr. Antonio Paulino de Sousa (UFMA)Dra Carla Viana Coscarelli (UFMG)Dra Dora Leal Rosa (UFBA)Dra Eliane dos S. Cavalleiro (UNB)Dr. Elizeu Clementino de Souza (UNEB)Dr. Enéas Arrais Neto (UFC)Dra Francimar Duarte Arruda (UFF)Dr. Hermínio Borges Neto (UFC)Dra Ilma Vieira do Nascimento (UFMA)Dra Jaileila Menezes (UFPE)Dr. Jorge Carvalho (UFS)Dr. José Aires de Castro Filho (UFC)Dr. José Gerardo Vasconcelos (UFC)Dr. José Levi Furtado Sampaio (UFC)Dr. Juarez Dayrell (UFMG)Dr. Júlio Cesar R. de Araújo (UFC)

Dr. Justino de Sousa Júnior (UFMG)Dra Kelma Socorro Alves Lopes de Matos (UFC)Dra Luciana Lobo (UFC)Dra Maria de Fátima V. da Costa (UFC)Dra Maria Izabel Pedrosa (UFPE)Dra Maria Juraci Maia Cavalcante (UFC)Dra Maria Nobre Damasceno (UFC)Dra Marly Amarilha (UFRN)Dra Marta Araújo (UFRN)Dr. Messias Holanda Dieb (UERN)Dr. Nelson Barros da Costa (UFC)Dr. Ozir Tesser (UFC)Dr. Paulo Sérgio Tumolo (UFSC)Dra Raquel S. Gonçalves (UFMT)Dra Sandra H. Petit (UFC)Dra Shara Jane Holanda Costa Adad (UESPI)Dra Silvia Roberta da M. Rocha (UFCG)Dra Valeska Fortes de Oliveira (UFSM)Dra Veriana de Fátima R. Colaço (UFC)Dr. Wagner Bandeira Andriola (UFC)

Conselho Editorial

Page 3: Letramentos Na WEB _livro

Fortaleza2009

JÚLIO CÉSAR ARAÚJO

MESSIAS DIEB[organizadores]

ANA CRISTINA LOBO-SOUSA

CAMILA MARQUES PEIXOTO

CARLA VIANA COSCARELLI

DOROTÉA EMÍLIA RIBEIRO-SAYED

EULÁLIA VERA LÚCIA FRAGA LEURQUIN

FLÁVIO CÉSAR BEZERRA AVELINO

FRANCISCA DAS CHAGAS SOARES REIS

FRANCISCA MONICA DA SILVA

HALYSSON DANTAS

ILANA SNYDER JOÃO PAULO EUFRAZIO DE LIMA

JÚLIO CÉSAR ARAÚJO

LARISSA PEREIRA ALMEIDA

MÁRCIA MARIA RIBEIRO

MARILENE BARBOSA PINHEIRO

MESSIAS DIEB

OBDÁLIA SANTANA FERRAZ SILVA

REGINA CLÁUDIA PINHEIRO

RODRIGO ARAGÃO

SAMUEL DE CARVALHO LIMA

TATIANA LOURENÇO DE CARVALHO

VALÉRIA MARIA CAVALCANTI TAVARES

VICENTE DE LIMA-NETO

Gêneros, Interação e Ensino

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Letramentos na Web: gêneros, interação e ensino© 2009 Júlio César Araújo e Messias Dieb (Orgs.)Impresso no Brasil / Printed in BrazilEfetuado depósito legal na Biblioteca NacionalTODOS OS DIREITOS RESERVADOSEditora Universidade Federal do Ceará – UFCAv. da Universidade, 2995 – Benfi ca – Fortaleza – CearáCEP 60020-181 – Tel/Fax: (085) 3366.7439 / 3366.6766 / 3366.7499Site: www.editora.ufc.br – e-mail. [email protected]ço da Faculdade de EducaçãoRua: Waldery Uchoa, no 1, Benfi ca – CEP 60020-110Telefones: (85) 3366-7663/3366-7665/3366-7667 – Fax: (85) 3366-7666Distribuição: Fone: (85) 3214-5129 – e-mail: [email protected]ção de textoPerpétua Socorro Tavares GuimarãesProjeto Gráfi co e CapaCarlos Alberto Alexandre DantasRevisãoLeonora Vale de AlbuquerqueElisângela Oliveira Viana

Editora fi liada à

Catalogação na Fonte

Letramentos na Web: gêneros, interação e ensino. / Júlio César Araújo e Messias Dieb [organizado-res]. – Fortaleza: Edições UFC, 2009.

XXXp.

ISBN: 978-85-7282-XXX-X

1. 2. I. Título.

CDD:

Associação Brasileira das Editoras Universitárias

L ???

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SOBRE OS AUTORES

Ana Cristina Lobo-Sousa – Mestre em Linguística pelo PPGL da UFC, onde, com bolsa do CNPq, desenvol-veu sua pesquisa no grupo Hiperged , do PPGL da UFC. <[email protected]>

Camila Marques Peixoto – Doutoranda e mestre em Lin-guística pelo PPGL da UFC. Bolsista do Projeto Capes-Reuni e Membro do grupo Geforp, vinculado ao PPGL da UFC. <[email protected]>

Carla Viana Coscarelli – Doutora em Linguística pela UFMG, onde leciona, desenvolve pesquisas e orienta dissertações e teses. Fez pós-doutorado no Departa-mento de Ciências Cognitivas da University of Califór-nia San Diego. É pesquisadora do grupo “A Tela e o Texto” e do CEALE (Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita), ambos sediados na UFMG. <[email protected]>

Dorotéa Emília Ribeiro-Sayed – Graduada em Letras pela Universidade Estadual do Ceará (UECE). Membro do grupo de pesquisa Hiperged, vinculado ao PPGL. Pro-fessora da rede particular de ensino e da rede pública do Estado do Ceará. <[email protected]>

Eulália Vera Lúcia Fraga Leurquin – Doutora em Educa-ção pela UFRN. Professora e pesquisadora do PPGL e do Departamento de Letras Vernáculas da UFC. Desenvolve e orienta estudos sobre ensino, gêneros textuais e formação de professores de línguas. É coor-denadora do grupo de pesquisa Geforp, vinculado ao PPGL da UFC. <[email protected]>

Flávio César Bezerra Avelino – Graduado em Letras pela UERN. Membro do grupo de pesquisa Pradile (UERN – Campus de Assú). <fl [email protected]>.

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Francisca das Chagas Soares Reis – Mestranda em Edu-cação pelo PPGEB da UFC. Membro do grupo de pesquisa Hiperged, vinculado ao PPGL da UFC. Pro-fessora do Colégio Militar de Fortaleza (CMF). <[email protected]>

Francisca Monica da Silva – Mestre em Linguística pelo PPGL da UFC. Membro do grupo de pesquisa Hiper-ged, vinculado ao PPGL da UFC. É professora efetiva da rede estadual de ensino, lotada em Fortaleza. É tu-tora em cursos virtuais de Informática do Serviço Na-cional de Aprendizagem Comercial - Senac/AR/Ceará. <[email protected]>

Halysson Dantas – Mestrando em Linguística pelo PPGL da UFC. Professor do Colégio da Polícia Militar do Ce-ará. <[email protected]>

Ilana Snyder – Pesquisadora e professora da Faculdade de Educação da University of Monash, Austrália. <[email protected]>

João Paulo Eufrazio de Lima – Doutorando e Mestre em Linguística pelo PPGL da UFC. Membro do grupo de pesquisa Hiperged, vinculado ao PPGL da UFC. E-mail: <[email protected]>

Júlio César Araújo – Doutor em Linguística pela UFC, onde trabalha como professor e pesquisador no PPGL e no Departamento de Letras Vernáculas, lecionando, desenvolvendo pesquisas e orientando dissertações e teses sobre hipertexto, gêneros digitais, novos letra-mentos e EaD. É coordenador do grupo de pesquisa Hiperged, vinculado ao PPGL da UFC. <http://www.julioaraujo.com> / <[email protected]>

Larissa Pereira Almeida – Mestre em Linguística pelo PPGL da UFC. Membro do grupo de pesquisa Hiper-ged, vinculado ao PPGL da UFC. Professora substituta

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no Instituto de Cultura e Arte do curso de Comunica-ção Social da UFC e Professora do curso de Comuni-cação Social na Faculdade Integrada da Grande Forta-leza- FGF. E-mail: <[email protected]>

Márcia Maria Ribeiro – Especialista em Ensino de Língua Portuguesa pela UECE, onde desenvolveu pesquisa sobre a infl uência dos gêneros digitais no processo de alfabetização de crianças. É Pedagoga pela UNIFOR e, atualmente, é professora da rede particular de ensi-no no município de Fortaleza–CE e membro do grupo de pesquisa Hiperged, vinculado ao PPGL da UFC. E-mail: <[email protected]>

Marilene Barbosa Pinheiro – Mestre em Linguística pelo PPGL da UFC. Membro do grupo de pesquisa Hiper-ged, vinculado ao PPGL da UFC. Professora de Língua Portuguesa na rede pública de ensino no Ceará. <[email protected]>

Messias Dieb – Doutor em Educação pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Professor Adjunto no Depar-tamento de Educação da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), Campus de Assú. Pes-quisador do Núcleo de Pesquisas em Educação (NU-PED) e do Hiperged, este último vinculado ao PPGL da UFC. <[email protected]>.

Obdália Santana Ferraz Silva – Doutoranda e Mestre em Educação pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB), onde trabalha como professora titular no De-partamento de Educação (Campus XIV). <[email protected]>

Regina Cláudia Pinheiro – Doutoranda e Mestre em Lin-guística pelo PPGL da UFC e Especialista em Infor-mática Educativa pela UECE. É professora da UECE, atuando no Centro de Educação, Ciências & Tecnolo-gia, campus de Tauá. É membro do grupo de pesquisa

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Hiperged, vinculado ao PPGL da UFC. <[email protected]>

Rodrigo Aragão – Doutor em Linguística pela UFMG. É professor do Departamento de Letras e Artes na Uni-versidade Estadual de Santa Cruz (UESC), em Ilhéus – Bahia onde coordena a implantação do Centro de Apoio Multimidiático ao Ensino de Línguas (CAEL) e o Projeto de Pesquisa e Geração de Tecnologia Educa-cional da Rede Pública de Ilhéus e Itabuna. Este últi-mo com apoio fi nanceiro da FAPESB (Edital Educação 004/2007). É líder do grupo de pesquisa Formação de Professores e Tradutores e membro do grupo de pes-quisa Hiperged (UFC). <[email protected]>

Samuel de Carvalho Lima – Mestrando em Linguística pelo PPGL da UFC. Bolsista FUNCAP e membro do grupo de pesquisa Hiperged, vinculado ao PPGL da UFC. <[email protected]>

Tatiana Lourenço de Carvalho – Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada da UECE. Bolsista FUNCAP e membro do grupo de pesquisa Hi-perged, vinculado ao PPGL da UFC. <[email protected]>

Valéria Maria Cavalcanti Tavares – Mestre em Linguísti-ca Aplicada pela UECE. Professora do Colégio Militar de Fortaleza (CMF) e membro do grupo de pesquisa Hiperged, vinculado ao PPGL da UFC. E-mail: <[email protected]>

Vicente de Lima-Neto – Mestrando em Linguística pelo PPGL da UFC. Bolsista CAPES e membro do grupo de pesquisa Hiperged, vinculado ao PPGL da UFC. <[email protected]>.

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Para Yuri Vítor Araújo,

pelas descobertas dos letramentos na web.

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SUMÁRIO

LIKANDO AS IDEIAS DOS TEXTOS Carla Viana Coscarelli 13

APRESENTAÇÃO Júlio César AraújoMessias Dieb 21

AME-OS OU DEIXE-OS: NAVEGANDO NO PANORAMA DE LETRAMENTOS EM TEMPOS DIGITAISIlana Snyder 23

PANORAMA DAS PESQUISAS SOBRE LETRAMENTO DIGITAL NO BRASIL: PRINCIPAIS TENDÊNCIASSamuel de Carvalho Lima Vicente de Lima-Neto 47

PROJETO FORTE: FORMAÇÃO, REFLEXÃO E TECNOLOGIAS NO ENSINO DE INGLÊS NA BAHIA Rodrigo Aragão 58

O PROFESSOR DE ESPANHOL DIANTE DOS LETRAMENTOS DA WEB E A UTILIZAÇÃO DOS GÊNEROS DIGITAISTatiana Lourenço de Carvalho 82

O E-MAIL E O BLOG: INTERAÇÃO E POSSIBILIDADES PEDAGÓGICASFrancisca das Chagas Soares Reis 99

LETRAMENTOS QUE EMERGEM DA HIPERTEXTUALIDADEAna Cristina Lobo-SousaJúlio César Araújo Regina Cláudia Pinheiro 111

LEITURA E PRODUÇÃO DE TEXTOS ACADÊMICOS NO EAD: LETRAMENTOS E ENSINO NA WEBCamila Maria Marques Peixoto Eulália Vera Lúcia Fraga Leurquin 123

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AS NOVAS EXIGÊNCIAS DO LETRAMENTO E A CONSTRUÇÃO DE UM AMBIENTE PROPÍCIO AO ENSINO DA LEITURAValéria Maria Cavalcanti Tavares 137

ENTRE TEXTOS E HIPERTEXTOS: OS LETRAMENTOS E A CONSTITUIÇÃO DA AUTORIA NA UNIVERSIDADEObdália Santana Ferraz Silva 153

LINKS ENTRE MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA, LETRAMENTO DIGITAL E HIPERTEXTUALIDADE EM EADFrancisca Monica da Silva João Paulo Eufrazio de Lima Júlio César Araújo 172

O ENDEREÇO ELETRÔNICO E AS PRÁTICAS DE ESCRITA NA WEB: AMPLIANDO A APRENDIZAGEM DA ORTOGRAFIA Márcia Maria Ribeiro Dorotéa Emília Ribeiro Sayed 189

WIKIPÉDIA E DICIONÁRIO ESCOLAR: LINKS ENTRE O LETRAMENTO DIGITAL E LETRAMENTO LÉXICOGRÁFICOHalysson Oliveira Dantas 210

MUDANÇAS E PERMANÊNCIAS DOS PROPÓSITOS DE LEITURA DE HIPERTEXTOS: CONSIDERAÇÕES ACERCA DE LETRAMENTO DIGITALRegina Cláudia PinheiroMarilene Barbosa Pinheiro 235

CARTA-CORRENTE POR E-MAIL: EVIDÊNCIAS DO MEIO DIGITAL NO GÊNEROLarissa Pereira de Almeida 249

“ESCREVO ABREVIADO PORQUE É MUITO MAIS RÁPIDO”: O ADOLESCENTE, O INTERNETÊS E O LETRAMENTO DIGITALMessias Dieb Flávio César Bezerra Avelino 264

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LIKANDO AS IDEIAS DOS TEXTOS

Carla Viana Coscarelli

No artigo que escreveu para este livro, Snyder faz uma citação de Gibson com a qual eu gostaria de come-çar esse prefácio

Uma das coisas que nossos netos irão achar muito estranho sobre nós é que distinguimos o digital do real, o virtual do real. No futuro, isso se tornará literalmente impossível. A distinção entre ciberespaço e o que não é ciberespaço se tornará inimaginável. [...] Agora, ciberespaço está aqui para muitos de nós, e lá tem se tornado qualquer estado de relativa desconectividade. Lá é onde eles não têm Wi-Fi.

Vivemos o digital, somos o digital, fazemos o di-gital. Isso faz parte de nós, cidadãos inseridos no mundo contemporâneo, e se não faz ainda, deveria fazer, ou vai fazer logo.

Sabendo que, como explica Gibson, a distinção entre digital e não-digital, entre real e virtual não faz mais sentido,1 precisamos entender e criar formas de nos apro-priarmos, da melhor maneira possível, das ferramentas que o computador e suas redes disponibilizam, para que possamos fazer bom uso delas. Isso não pode ser diferen-te na educação. O computador já faz parte da escola de alguma forma, mas isso não signifi ca que ele seja usado com propósitos educacionais, que ele esteja sendo bem usado e que esteja sempre gerando bons resultados. Há experiências muito produtivas tanto no ensino presencial, como mostram Ribeiro e Ribeiro-Sayed (no artigo que es-creveram para este livro), quando na modalidade a dis-tância, a respeito da qual Peixoto e Leurquin trazem re-

1 Em seu livro Life on the screen, Sherry Turkle (1995) faz uma discussão muito rica e profunda sobre cibercultura e vida real que reforça o ponto de vista de Gibson e de Snyder.

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fl exões interessantes neste volume, mas ainda precisamos saber como professores, alunos e instituições educacio-nais estão se apropriando dessas tecnologias. Além dis-so, precisamos saber que experiências têm gerado bons resultados, e que práticas precisam ser enriquecidas ou modifi cadas para serem consideradas efi cientes.

Como bem dizem Peixoto e Leurquin, neste vo-lume, “não é transferindo ações didáticas utilizadas no ensino presencial que podemos garantir um ensino de qualidade; até porque o ensino presencial não vem ga-rantindo bons resultados”. Isso nos obriga a repensar as práticas escolares cotidianas. Não adianta trazer o com-putador para a sala de aula, com programas sofi sticados, se a concepção de aprendizagem continua sendo centra-da no professor, na ideia de que os alunos vão aprender ouvindo, de que todos aprendem da mesma forma e que todos têm de aprender a mesma coisa no mesmo momen-to e da mesma forma.

O computador disponibiliza muitos textos, encora-ja com suas ferramentas a construção de textos mono ou multimodais. O computador é um meio de comunicação, diminui distâncias, pode aproximar as pessoas. Essas, en-tre tantas outras propriedades dessa máquina e das redes que se constroem com ela, podem nos ajudar a realizar a tarefa de formar aprendizes autônomos, curiosos e livres para buscar respostas para suas perguntas, críticos para avaliar as possíveis soluções e cooperativos para partici-par da construção do saber em rede. É bom lembrar que esses sempre foram ou deveriam ter sido objetivos da es-cola, o diferente hoje é que está mais fácil ter acesso à informação, o que pode ajudar, sensivelmente, na reali-zação deles.

Voltando à citação de Gibson, não precisamos pensar na existência de um ciberespaço que se contra-põe ao espaço de nossas vidas, mas assimilar a ideia de que vivemos o ciberespaço, de que ele é parte da nossa vida. Não precisamos pensar, no entanto, que este é um mundo novo e estranho que está entrando em nossa vida

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sem nossa permissão e com o qual todo cuidado parece ser pouco. Pelo contrário, já estamos sonhando com esse espaço há alguns séculos2 e só agora estamos tendo con-dições de construí-lo, o que nos confere esse privilégio de poder participar de um momento tão rico na história da humanidade.

Tendo vencido a fase do estranhamento e da resis-tência como já acontece com alguns professores, confor-me mostra Carvalho (neste volume), precisamos entender melhor o que signifi ca letramento digital e refl etir sobre o que signifi ca lidar com essas noções em contextos educa-tivos. Precisamos refl etir, como nos alertam Lobo-Sousa, Araújo e Pinheiro (também neste volume), sobre a hiper-textualidade e suas diferentes manifestações para, se for o caso, defendermos a idéia de que precisamos considerar a necessidade de pensar em letramentos hipertextuais,

O trabalho com gêneros textuais foi um passo pre-paratório para isso, uma vez que foi fruto da necessidade do trabalho com textos de forma mais signifi cativa, trazen-do para os alunos não só um bloco de palavras descontex-tualizado, mas a situação comunicativa que a leitura des-se texto deveria envolver. O mesmo acontecendo com a escrita, em que o aluno precisa reconhecer a situação de comunicação, a função a que o texto deveria se prestar, os efeitos que deveria provocar, e assim escolher a forma mais adequada para atender a essas demandas.

Com relação ao universo digital, precisamos saber ao certo o que sabem os professores sobre o computador, sobre seus usos, seu potencial e o que pode ser feito com ele para fi ns educacionais. Quem lida com a formação de professores, por sua vez, precisa, junto aos futuros profes-sores, conhecer formas para o uso das tecnologias em sala de aula, seja presencial ou online, e desenvolver novas formas de usá-las, a fi m de preparar os futuros professores

2 “A máquina permitia essa simultaneidade de “janelas”, isso é certo, mas a necessidade disso já era sentida antes, muito antes, quando Agostino Ramelli apresentava sua roda de livros mecânica, ainda na Idade Média.” (RIBEIRO, 2008)

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para incorporar de forma efetiva essas tecnologias em suas práticas pedagógicas.

Um fato interessante acompanha essa nova tec-nologia: os jovens estão tendo um grande domínio dela antes mesmo de entrar para escola, muitos alunos domi-nam mais ferramentas que seus professores. Os alunos estão vivenciando a construção de uma linguagem para alguns ambientes digitais como MSN, Orkut, chats, en-tre outros, e sabem diferenciar onde esse uso é aceito e onde ele não deve ser usado, como mostram em seu artigo Dieb e Avelino. Isso nos obriga a repensar nos-sas práticas pedagógicas, pois, “na contramão do que pensam alguns pais e professores, os adolescentes estão aprendendo intuitivamente a realizar o que deveria lhes estar sendo ensinado pela escola: o amplo uso da lingua-gem escrita nas mais variadas situações enunciativas.” (DIEB e AVELINO, neste volume). Precisamos rever os objetos de ensino e as formas de fazer isso. Precisamos urgentemente admitir nossas muitas falhas nos cursos de formação de professores, já que ainda nos pautamos em práticas tradicionais de ensino, ainda temos uma visão muito preconceituosa da linguagem e de suas possibi-lidades, ainda não assimilamos uma visão mais plural da noção de letramento, ainda temos muito medo do novo e temos difi culdade de desenvolver a autonomia da aprendizagem nos nossos alunos e de promover a aprendizagem colaborativa, porque ainda não consegui-mos nos livrar das aulas expositivas centradas no profes-sor em ambientes presenciais.

Será que sabemos o que precisamos ensinar aos nossos alunos? O que eles sabem? O que precisam sa-ber? O que é papel da escola ensinar e o que os alunos devem aprender em casa ou em outros ambientes? Essas são questões para as quais precisamos encontrar respostas atualizadas. Não podemos contar com o saber que adqui-rimos nos nossos tantos anos de experiência como pro-fessores. Os alunos são outros, os saberes e necessidades também e o modo de fazer não pode continuar sendo o mesmo.

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Precisamos ter informações atualizadas sobre nos-sos alunos, sobre a tecnologia e sobre a vida fora da esco-la, a fi m de poder, no ambiente formal de ensino-aprendi-zagem, lidar da melhor forma possível com a tecnologia, buscando familiarizar nossos alunos com as mais diversas práticas discursivas que a vida contemporânea pode exi-gir deles, contribuindo assim mais efetivamente para sua formação.

Nem todas as questões que se apresentam, no entan-to, são novas. Velhos problemas continuam demandando atenção, como é o caso da adequação da linguagem e o domínio de variantes de diferentes níveis de formalidade (inclusive o registro formal) e apropriadas para o público e a situação comunicativa. Outra questão antiga que vem novamente a tona é a da autoria. Como nos lembra Silva, em seu artigo neste volume, a cópia, agora mais fácil que antes, aponta para a necessidade de discutirmos com os alunos sobre “ética, criatividade e criticidade para a cons-trução do conhecimento”.

Os artigos aqui apresentados trazem, tanto para professores de língua materna quando para professores de línguas estrangeiras, questões que merecem muita refl exão.

Em seu ponderado artigo, Snyder discute a pola-ridade das discussões sobre o uso das novas tecnologias para propósitos educacionais nos levando a refl etir se de-vemos ou não usar a tecnologia para fi ns educacionais. Ela defende a integração do letramento impresso e do letramento digital, dizendo que não há necessidade de escolhermos um ou outro, mas de assumirmos a união dos dois tomando como base para isso uma ampliação do conceito de letramento. É um texto que estimula o leitor a rever o conceito de letramento e as práticas educativas face às novas tecnologias.

Lima e Lima Neto nos apresentam, com base no portal virtual da CAPES, um panorama das pesquisas so-bre letramento digital no Brasil e nos ajudam a descobrir as tendências das pesquisas sobre esse tema no país.

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Discussões acerca da relação entre as tecnologias e ensino de línguas estrangeiras estão representadas aqui nos textos de Aragão e de Carvalho. Aragão apresenta o Projeto FORTE, que tem como principal objetivo desen-volver o letramento digital de professores e alunos bolsis-tas de graduação, a partir de experiências práticas de uso das tecnologias. Carvalho, por sua vez, apresenta uma pesquisa sobre o letramento digital de professores de es-panhol de cursos livres e sobre os usos que eles fazem do computador em sua prática pedagógica, a fi m de verifi car se o mito do professor que vê o computador como uma ameaça à educação ainda se sustenta nesses casos.

Em seu texto, Soares-Reis apresenta refl exões sobre aprendizagem colaborativa e o desenvolvimento da auto-nomia, por meio do uso de e-mails e blogs. Esses e outros gêneros são tomados por Lobo-Sousa, Araújo e Pinheiro para discutir as noções de hipertexto, hipertextualidade nos levando a repensar não só esses conceitos, mas tam-bém a idéia de letramento digital, levantando a neces-sidade de pensarmos em letramentos hipertextuais, que englobaria uma diversidade de hipertextos que podemos encontrar na Web.

Peixoto e Leurquim por sua vez, narram a expe-riência de construção de aulas virtuais para a disciplina Leitura e produção de textos lembrando-nos de que um material adequado para um ambiente virtual não deve ser uma simples transposição do material impresso, mas precisa usar o potencial interativo das ferramentas desse ambiente, assim como explorar as possibilidades multi-semióticas que ele oferece. O artigo de Tavares faz coro com essas autoras, mostrando que o leitor deve desen-volver as habilidades de avaliar e analisar críticamente as informações disponíveis em ambientes digitais, além de ser capaz de navegar nos hipertextos, integrando gráfi cos, imagens, sons, vídeos.

Ambientes virtuais de aprendizagem também são alvo de discussão nos artigos de Silva e de Silva, Lima e Araújo. Silva nos lembra que este é um momento propí-

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cio para refl etirmos sobre o papel da escola como agência de letramento, que, para isso, deveria incorporar em sua rotina o desenvolvimento de práticas colaborativas. Silva, Lima e Araújo, por sua vez, mostram como mecanismos hi-pertextuais presentes em chats podem ser usados com fi ns pedagógicos, a fi m de estimular a interação em ambientes virtuais de aprendizagem. Esses autores observam que pro-fessores e tutores precisam conhecer bem a tecnologia e os recursos que ela oferece para serem capazes de estimular o “uso funcional do maior número possível dessas ferramen-tas, promovendo o letramento digital do aluno”.

Ribeiro e Ribeiro-Sayed, apresentam uma experi-ência prática de como os professores podem usar endere-ços eletrônicos para ajudar os alunos a aprender e refl etir sobre a ortografi a, mostrando também que a convivência entre o papel e o digital pode ser pacífi ca e que ambos os universos se complementam.

Analisando a necessidade que o hipertexto apon-ta de darmos mais atenção para questões de lexicografi a como os mecanismos de remissão em verbetes, Dantas nos mostra como os estudos dos ambientes digitais dão margem para muitas pesquisas e estudos, como a usabili-dade, a navegabilidade, formas de o texto colaborar com as estratégias de leitura do leitor, mostrando que há, nos ambientes digitais, novas formas de interação com os tex-tos, mas que também há muitas semelhanças com o im-presso, corroborando as ideias defendidas por Snyder, e por outros autores de artigos deste volume, de que temos uma relação de continuidade entre digital e impresso e não uma ruptura.

Essa noção de continuidade também pode ser vista no texto de Pinheiro e Pinheiro, em que as autoras nar-ram um experimento de leitura de hipertexto por leitores profi cientes, bem como no texto de Almeida, em que ela analisa as cartas-correntes, mostrando as transformações desse gênero, que antes era impresso ou manuscrito, em um gênero que circula em ambientes digitais, ganhando algumas novas propriedades.

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Para concluir o livro, o capítulo de Dieb e Avelino nos alerta para o fato de que muitas vezes precisamos mudar nosso olhar para realmente perceber o que está acontecendo. Alguns ambientes da Internet possibilitam o uso de uma linguagem que se diferencia do padrão já aceito em nossa sociedade, provocando reações diversifi -cadas, incluindo a desaprovação de algumas pessoas, que não percebem que os frequentadores desses ambientes, normalmente usuários dessa linguagem, desenvolveram um letramento específi co para essa situação. Esses autores levantam a questão dos “cursos de formação de professo-res que ainda não estão sufi cientemente adequados para auxiliá-los nesse desafi o, discutindo como aproveitar e ampliar as oportunidades de interação de acordo com as transformações do mundo contemporâneo”.

Os textos desse livro, portanto, nos ajudam a enten-der melhor o mundo digital e a pensar formas de realmen-te incorporá-lo ao universo educacional do qual ele preci-sa fazer parte e para o qual ele tem muito a contribuir.

janeiro/2009 Universidade Federal de Minas Gerais

Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos

Referências Bibliográfi cas

RIBEIRO, A.E. Hipertexto e Vannevar Bush. Informação & Sociedade. Est., João Pessoa, v.18, n.3, p. 45-58, set./dez. 2008.TURKLE, S. Life on the screen. New York: Touchstone, 1995.

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APRESENTAÇÃO

O livro Letramentos na web: gêneros, interação e ensino se confi gura como um projeto bem-sucedido de interação e diálogo, capitaneado pelo grupo de pesquisa Hiperged, do Programa de Pós-Graduação em Linguísti-ca (PPGL) da Universidade Federal do Ceará (UFC), entre vários outros grupos de pesquisa e entre universidades, tanto do Brasil como do exterior. Nele se encontra a co-laboração de alunos da graduação e da pós-graduação e pesquisadores já renomados, nacional e internacional-mente, tal como a profa. Dra. Ilana Snyder, da Monash University – Austrália. O texto da pesquisadora retoma as discussões de sua conferência no I Colóquio sobre Hiper-texto, evento idealizado pelo Hiperged, que aconteceu na UFC, em julho de 2008.1

Além do texto da Snyder, a maioria dos trabalhos que compõem o livro resulta de refl exões suscitadas pela disciplina Letramentos na web, ministrada como Tópicos Avançados I, no semestre 2008.1, no PPGL da UFC.2 Os autores desses trabalhos são os alunos que cursaram a ci-tada disciplina, tanto na condição de regularmente matri-culado nos cursos de mestrado e doutorado em Linguís-tica como na de aluno especial. Nesse sentido, pode-se dizer que o presente livro é uma contribuição efetiva não apenas do Hiperged, mas também do PPGL da UFC que, ao ofertar disciplinas como a referida acima e apoiar pes-quisas sobre linguagem e tecnologia como as que desen-volvem os membros do grupo, trazem a lume importantes refl exões acerca dos novos letramentos demandados pelas diversas práticas de linguagem ambientadas na Internet.

1 Por iniciativa do grupo Hiperged, o CHIP aconteceu graças a par-ceria dos Programas de Pós-Graduação em Linguistica da UFC, do Programa de Pós-Graduação em Linguistica Aplicada da UECE e do Programa de Pós-Graduação em Linguistica Aplicada da Unicamp.2 A disciplina foi ministrada pelo Prof. Dr. Júlio Araújo, co-orga-nizador do presente volume e coordenador do grupo de pesquisa Hiperged.

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Com efeito, assinar a organização deste livro re-presentou para nós uma experiência extremamente pra-zerosa, haja vista a amizade e o companheirismo dos co-legas autores, que conosco empreenderam esta obra, ter sido o grande combustível para chegarmos até aqui. Por isso, gostaríamos de tecer um caloroso agradecimento aos membros do Hiperged, participantes ou não deste livro. Também queremos agradecer aos membros que atuam em outras universidades, como a profa. Dra. Carla Coscarelli (UFMG) cuja disponibilidade para escrever o prefácio do livro em pleno gozo de suas férias não tem preço e a prof. Dra. Antônia Dilamar Araújo (UECE) pela generosidade de suas palavras na orelha do livro. Além delas, agrade-cemos ao prof. Dr. Rodrigo Aragão (UESC), à prof. Ms. Obdália Santana Ferraz Silva (UNEB) e à profa. Dra. Ilana Snyder (Monash University) por, na condição de pesqui-sadores do grupo, aceitar nosso convite para fortalecer o diálogo sobre os novos letramentos na web.

Por fi m, queremos agradecer ao prof. Dr. Gerardo Vasconcelos (FACED/UFC) que, na condição de idealiza-dor da coleção Diálogos Intempestivos, nos permite levar a você, caro leitor, as refl exões que realizamos no Hiper-ged e que são extensivas a algumas disciplinas do PPGL. Desse modo, esperamos que com sua leitura atenta e exi-gente possamos ampliar cada vez mais essas discussões, a fi m de que os letramentos na web não sejam apenas a condição de poucos, mas a realidade de todos.

Júlio César Araújo (UFC)Messias Dieb (UERN)

Fortaleza – CE, fevereiro de 2009.

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No passado, na década de 90, a escrita e o discur-so acadêmicos sobre novas mídias frequentemente incluí-am uma referência ao escritor de fi cção científi ca Willian Gibson. Receio ainda estar presa a essa tendência. É à capacidade de Gibson de criar novas palavras e de dar novos signifi cados às antigas que eu chamo atenção. Ele nomeou alguns dos critérios culturais da sociedade tec-nológica em que vivemos. Em Neuromancer, publicado em 1984, Gibson cunhou a palavra ciberespaço, que ele explicou como sendo uma matriz de “sistema brilhante de vigas cruzadas de desdobramento lógico através do vá-cuo sem cor” (GIBSON, 1986, p. 11) – uma “alucinação consensual” (GIBSON, 1986, p. 12).

Em seus mais recentes romances, Pattern Recog-nition e Spook Country, Gibson (2003, 2007) mudou-se do território da fi cção científi ca e se estabeleceu, de modo quadrado, no presente. Spook Country é povoado por “facilitadores ilegais”, revistas não existentes, terrorismo, piratas, viciados em heroína, negociantes dementes de arte e de armas de destruição em massa. Como sempre, as personagens femininas são brilhantemente desenhadas. Nesta ocasião, é Hollis Henry, uma jornalista investigativa de uma revista chamada Node, que ainda não existe. Em Pattern Recognition, é Cayce Pollard, uma caçadora mode-rada, cujos clientes querem saber o que funcionará comer-cialmente e pagarão a ela muito dinheiro para descobrir.1 Versão ampliada da conferência de encerramento do Chip (Colóquio sobre Hipertexto), realizado pelo grupo de pesquisa Hiperged (UFC) em parceria com os Programas de Pós-Graduação em Linguística da UFC, Linguística Aplicada da UECE e Linguística Aplicada da Unicamp, no dia 24 de julho, na cidade de Fortaleza-CE. Tradução de Samuel de Carvalho Lima (UFC). Revisão Técnica de Carla Viana Coscarelli (UFMG) e Júlio César Araújo (UFC).

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Quando Spook Coutry foi lançado no ano passado, Andrew Leonard (2007) do Rolling Stone perguntou a Gi-bson se ele tinha perdido o interesse pelo futuro. Gibson respondeu:

Tem a ver com a natureza do presente. Se alguém tivesse ido conversar com uma editora, em 1997, sobre um enredo para um romance de fi cção científi ca que situasse verdadeiramente o cenário para o ano 2007, ninguém compraria algo do tipo. É complexo demais, com muitos tropos enormes de fi cção científi ca: aquecimento global; a mortal, sexualmente transmitida defi ciência do sistema imunológico; os Estados Unidos, atacados por terroristas loucos, invadindo o país errado. Qual-quer um desses teria sido mais do que adequado para um romance de fi cção científi ca. Mas se você sugerisse fazer todos eles e apresentá-los como um futuro imaginário, eles não apenas iriam mostrar a porta a você, mas também provavelmente cha-mariam a segurança.

Quando Leonard perguntou: quais são os maiores desafi os que nós enfrentamos? Gibson respondeu: “Va-mos por aquecimento global, apogeu do petróleo e com-putação ubíqua”. Dos três desafi os de Gibson, “compu-tação ubíqua” tem a maior saliência para a educação do letramento nos tempos digitais. Em Spook Country, Gib-son usa o termo para capturar a nova ontologia, mas ele não o inventou. “Computação ubíqua” é atribuído a Mark Weiser que trabalhou na Xerox no fi nal da década de 80. Uma outra possível fonte é o romance Ubik, de 1969, escrito pelo formidável escritor de fi cção científi ca, Philip K. Dick, cujo trabalho Gibson sempre admirou. Contudo, em Spook Country, Gibson atribui à “computação ubí-qua” um novo signifi cado e importância. Explica Gibson:

Uma das coisas que nossos netos irão achar muito estranho sobre nós é que distinguimos o digital do real, o virtual do real. No futuro, isso se tornará literalmente impossível. A distinção entre ciberespaço e o que não é ciberespaço se tornará

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inimaginável. Quando escrevi Neuromancer, em 1984, ciberespaço já existia para algumas pessoas, mas eles não gastavam todo seu tempo lá. Então, ciberespaço estava lá, e nós estávamos aqui. Agora, ciberespaço está aqui para muitos de nós, e lá tem se tornado qualquer estado de relativa desconectividade. Lá é onde eles não têm Wi-Fi.

Em um mundo de computação superubíqua, você não vai saber quando você está conectado e quan-do você está desconectado. Você sempre estará conectado, em algum tipo de estado de realidade coligada. Você apenas pensa sobre isso quando alguma coisa dá errado e fi ca desconectado. Daí, essa coisa se torna um empecilho.

Nós ainda não alcançamos o estado da computa-ção ubíqua, mas, novamente, Gibson está ciente de algo. É uma idéia que podemos guardar, achar difícil de com-preender e reexaminar ao passo que o panorama do tex-tual e da comunicação continua a mudar rapidamente, dramaticamente e de maneiras imprevisíveis.

Na entrevista a Rolling Stone, Gibson também sugeriu que estivéssemos vivendo no que a teoria pós-moderna de Fredric Jameson chama de “apreensão simul-tânea de temor e êxtase” ou, como eu expressei no título deste artigo, uma condição de ambos “amar e detestar” as novas mídias. Um estado de extrema ambivalência, a meu ver.

Posições polares sobre o uso das novas tecnologias para propósitos educacionais são familiares para todos nós. Em um extremo, há os promotores do último estouro tecnológico inteligente, celebrações da vida online e pre-dições da otimização do ensino e aprendizagem quando a mais avançada tecnologia aparecer. No outro, há a ni-nharia nostálgica a favor do livro e da cultura do livro, crí-ticos violentos dos computadores, dos vídeos-game e da internet, e expressões de pânico moral sobre os perigos à espreita das crianças no ciberespaço.

Textos que admitem tais posições extremas têm um impacto cultural enorme, moldando as formas que

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nós pensamos sobre as novas tecnologias. Sendo tanto consumidores da cultura quanto professores do letramen-to, nós precisamos ser capazes de identifi car esses tex-tos, entendê-los e achar formas efetivas de lidar com eles em nossas salas de aula. Por quê? Porque isso é parte da nossa responsabilidade profi ssional em tempos digitais. Retornarei a esse argumento em breve, mas primeiro va-mos dar uma olhada em alguns exemplos de textos que celebram ou demonizam as novas tecnologias.

Textos que celebram as novas tecnologias são muito fáceis de encontrar. A capa da revista Time, que anunciou a pessoa do ano em Dezembro de 2006, é um exemplo clássico. Na capa, havia um computador de mesa com um espelho no lugar de sua tela. Lia-se no títu-lo: “Você. Sim, você. Você controla a Era da Informação. Bem-vindo ao seu mundo”. Aquela edição de Natal reve-renciou as pessoas que estavam mudando a natureza da era da informação – os criadores e consumidores do con-teúdo gerado pelo usuário que está transformando a arte, a política e o comércio. O Editor Chefe, Richard Stengel (2006, p. 4), disse que eles são “os cidadãos engajados da nova democracia digital”.

Vinte e sete páginas da revista foram dedicadas à emocionalmente excitante Web 2.0 – um termo usado mais ou menos de forma permutável com a mídia social nesses dias. Embora estabelecer uma rede de contatos e interagir online tenham sido disponíveis desde o lança-mento da Web no começo dos anos 90, os avanços na tecnologia têm possibilitado que ferramentas de progra-mas sociais, como os blogs, os wikis e a conferência vir-tual agora também permitam aos usuários carregar fotos, vídeos e músicas. Como o crescimento extraordinário da Wikepedia, MySpace, FaceBook, You Tube e Twitter tem demonstrado, mídias sociais é o que importa hoje – pelo menos até uma próxima tecnologia melhor aparecer.

O fragmento introdutório na Time declara que a Web 2.0 proporciona às pessoas comuns oportunidade de “construir um novo tipo de compreensão internacional”

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(GROSSMAN, 2006, p. 25). Isso foi seguido por quinze descrições de cidadãos da nova democracia digital, in-cluindo Leila, a real Loneleygirl 15, uma das mais vistas pelos usuários do You Tube, que é um trabalho de fi cção criado por dois roteiristas de cinema profi ssionais e uma atriz da Nova Zelândia. Em seguida, duas páginas sobre o poder de alguém, com uma câmera digital, “mudar a história” (PONIEWOZIK, 2006, p. 44), iniciando com a estória do espectador curioso que fi lmou a polícia baten-do em Rodney King.

Isso tudo seguido de um fragmento maior que cele-brou os “gurus” do You Tube, Chad Hurley e Steve Chen, “um casal de rapazes comuns” que criaram a companhia que “mudou a maneira como nos vemos” (CLOUD, 2006, p. 46-47). Qualquer presença de crítica foi deixada para as últimas duas páginas: um fragmento questionou a cele-bração de si, intrínseca para a geração atual, e a outra la-mentou o “vasto crescimento na quantidade e qualidade da mudança de rumo do lixo puro, mesmo quando medi-do em relação à escória da banca de jornal e ao espectro do cabo” (JOHNSON, 2006, p. 55).

A saudação de Time para os cidadãos do ciberes-paço pela Pessoa do Ano em 2006 foi parte da tradição da escrita sobre novas tecnologias que não é exclusiva das mídias impressas. Primeiramente, foi o hipertexto, daí, foi a Internet e o World Wide Web, agora é a Web 2.0, com pessoas realmente ponderadas falando sobre a Web 3.0. Entusiastas dotam novas mídias com promessas utópicas e discutem-nas de forma comemorativa. A esperança é para a mudança social e cultural impulsionada pelas últi-mas tecnologias de informação e comunicação.

Dois escritores de livros populares em novas mí-dias, Ted Nelson e Howard Rheingold, consubstanciam esse gênero. Em Dream Machines, Ted Nelson (1978) imaginou a World Wide Web antes que a tecnologia que a torna possível estivesse disponível. Nomeando seu pro-jeto em homenagem ao poema Xanadu de Coleridge, ele conjetura um sistema que possibilitaria o armazenamento

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da herança humana por inteiro, tornando-a mais acessí-vel do que nunca. Sua explicação para o propósito do Xanadu era imbuída de fervor utópico: “Nosso objetivo no projeto Xanadu não foi satisfazer as necessidades da indústria, ou fazer as coisas acontecerem um pouco mais rapidamente ou efi cientemente. Nós mesmos fomos o único exato objetivo: criar um novo mundo” (NELSON, 1992, p. 56-57).

No The Virtual Community, Howard Rheingold (1995) descreve uma comunidade onde as pessoas con-versam, discutem, procuram por informação, organizam-se politicamente, apaixonam-se e enganam outras – a seus olhos, tão real e diverso como qualquer comunidade físi-ca. Em Smart Mobs (2002), Rheingold olhou para a con-vergência da cultura popular, a mais recente tecnologia e o ativismo social como o real impacto das tecnologias móveis tais como telefones e computadores portáteis. Os livros de Rheingold repercutem o tom distinto da edição especial de Time.

O gênero comemorativo também se torna saliente na imprensa. Quando jornalistas escrevem sobre as novas mídias e educação, eles frequentemente concentram-se em como as tecnologias estão mudando as escolas para melhor. Quando a escola do futuro de Bill Gates abriu em Setembro de 2006, ela foi reportada como uma oportuni-dade da Microsoft de “provar que ela podia ajudar a con-sertar a calamidade da educação pública” (YAO, 2006). A escola foi descrita como “um vislumbrante recurso trans-parente e moderno olhando cuidadosamente os lugares entre as fi las de lares caindo aos pedaços em um bairro de trabalhadores no oeste da Filadélfi a”. Ela tem um edifício de alta tecnologia, laptops, acesso sem cabo (wireless), fechaduras digitais, quadros inteligentes e interativos, e um processo de aprendizagem modelado nas técnicas de administração da Microsoft. Os alunos são “aprendizes”, os professores são “educadores” e não há biblioteca, mas um centro interativo de aprendizagem onde a informação é digital e as especialistas multimídias ajudam os estudan-tes com suas dúvidas.

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Exemplos de textos que demonizam as novas tec-nologias são igualmente fáceis de serem encontrados. Os detratores da tecnologia prevêem a morte do livro, que é vista por eles como sinônimo da morte da civilização. Eles descrevem seu amor pelo livro impresso, as primei-ras memórias da leitura na infância, subsequente hábito e contínuo romance, reforçado pelos prazeres da proprie-dade. Novas formas de escrita são disseminadas como uma ameaça à santidade da língua inglesa.

Um exemplo antigo desses tipos de textos foi o Guttenberg Elegies, de Sven Birkert, publicado em 1994. Birkert escreveu de maneira bastante elegante sobre a ameaça da cultura do hipertexto. Um outro livro, dessa vez escrito por um autor australiano, John Nieuwenhui-zen, foi publicado em 1997. Em Asleep at the Wheel: Australia on the superhighway, Nieuwenhuizen adverte sobre os perigos de seguir o itinerário da auto-estrada da informação (information superhighway). Você se lembra do primeiro presente linguístico de Al Gore para o mun-do, antes de Uma Verdade Inconveniente (An inconve-nient truth)? Foi a auto-estrada da informação, uma me-táfora que, desde então, tem sido suplantada pela noção das redes de computadores. A “computação ubíqua” será o próximo caminho a se pensar sobre o acesso à tecnologia?

Os escritores desses textos associam o uso das tecnologias digitais com a trivialidade e a grosseria da cultura popular argumentando que as novas tecnologias tais como jogos de computador não têm espaço algum na educação do letramento. A Internet está em algum lugar em que as crianças e os jovens talvez passem seu tempo fora das horas que passam na escola, mas isso não justi-fi ca seu uso na educação formal. Os detratores também expressam sua profunda preocupação com o acesso aber-to das crianças às indesejáveis fontes e informações por meio da Internet.

Em um artigo no The Age, um jornal diário em Victoria, Austrália, pertencente à Fairfax Media Limited,

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Pamela Bone (2004) disse: “[s]e a leitura decair então to-dos nós decaímos”. Escrevendo em resposta à sugestão de um outro comentarista que “na cultura de hoje, as habi-lidades de um letramento elegantemente efetivo não são simplesmente tão importante quanto elas um dia foram... por fazer seu caminho no mundo”, Bone argumentou que apenas os livros proporcionam os recursos para explorar o signifi cado da vida. Uma leitura séria demanda “tempo e paciência” e “solidão” que é “contra o espírito dessa era hiperativa”. Bone associa a profundidade com livros e a superfi cialidade com as novas mídias – seu temor era que uma geração iletrada se erguesse das mensagens de texto, da navegação da Internet e dos vídeos-game.

Contudo, nem todas as celebrações do livro e da cultura do livro são tão afáveis como os exemplos ofere-cidos até agora. A preferência cultural prolongada pelo livro e a tecnologia impressa é uma dimensão ideal da desaprovação conservadora dirigida ao ensino de inglês e aos currículos na Austrália. Uma questão, no ano de 2005, sobre os exames de inglês avançado ano 12 no Novo Sul do País de Gales, Austrália, ofereceu aos estudantes “uma escolha de ‘textos’ para análise, incluindo o site do AT-SIC (Aboriginal and Torres Strait Islander Commission), esboçando o julgamento que sua inclusão era um insulto aos clássicos” (LANE, 2005). Um currículo estadual que reconheceu a importância de ensinar aos alunos como avaliar criticamente os espaços das novas mídias foi vee-mentemente atacado.

No dia seguinte “Sticking to the book” era o ca-beçalho do editorial do Australian (2005). O editorial atacou os estudantes que tinham denunciado as críticas dos cursos de inglês e seus professores como reportou em Sydney Morning Herald. O editorial argumentou que embora a análise crítica possa ser um componente funda-mental de qualquer curso de inglês: “livros – não blogs, nem a coisa efêmera digital, mas livros” devem ser utili-zados para estudo.

Profundamente conectado com textos que vêem as novas tecnologias como produtoras apenas de consequ-

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ências culturais negativas está um forte sentimento de in-quietação. Tais medos não são novos. Desde os primeiros dias da televisão, houve preocupação sobre os efeitos da TV nas crianças, na educação, no letramento e na cultura, bem como recomendações feitas para o controle de seu conteúdo e para a supervisão rigorosa. Cada tecnologia sucessiva tem sido vista como tendo uma infl uência nega-tiva nas crianças – por sancionar valores inapropriados e por representar experiências assustadoras e violentas.

Não é surpresa alguma que existam inquietações semelhantes em relação ao acesso da criança à Internet, ao ciberespaço e aos jogos de computador, considera-do extensamente como inerentemente perigoso exceto se controlado. O papel dos governos e das escolas para regular as novas tecnologias nos interesses das crianças vulneráveis está no centro do interesse público.

Então, quando a acadêmica Victoria Carrington (2005) foi entrevistada no rádio sobre a estudante escoce-sa de 13 anos de idade que enviou sua experiência escrita em caracteres usando seu telefone celular, as perguntas da jornalista levaram a uma direção particular:

My smmr hols wr CWOT. B4, we used 2go2 NY 2C my bro, his GF & thr 3 : – kids FTF. ILNY, it’s a gr8 plc’.

Tradução: Minhas férias foram uma total perda de tempo. Antes, nós íamos a Nova York para ver meu ir-mão, sua namorada e seus três fi lhos engraçados cara a cara. Eu amo Nova York. É um lugar formidável (My sum-mer holidays were a complete waste of time. Before, we used to go to New York to see my brother, his girlfriend and their three screaming kids face to face. I love New York. It’s a great place).

A jornalista perguntou a Carrington sobre o estilo distinto dos caracteres comparando-os com a forma cor-reta de escrita e a correta gramática, e então procedeu a vincular essa produção com a juventude, o declínio de

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padrões, o empreendimento acadêmico empobrecido e o desarranjo social. Quando Carrington analisou um núme-ro de artigos impressos discutindo essa forma de produção textual, ela achou que os jovens e os padrões estão muito mais frequentemente representados como precisando de proteção de um vício que poderia pôr em perigo seus su-cesso em exames e seu futuro educacional.

Tomando um outro exemplo: Quando dois alunos de dezesseis anos no ensino médio foram encontrados mortos no Dandenong Ranges, leste de Melbourne, a imprensa relacionou o suicídio ao MySpace. Com uma imagem de duas garotas e sua última mensagem, “Des-cansem em paz, Jessica & Mel” (nomes fi ctícios), posta-da em seu website, a inferência foi de que a Internet é um lugar perigoso para os jovens (ex. CUBBY; DUBE-CKI, 2007). Através da inserção da palavra “MySpace”, os jornalistas fi zeram a estória parecer emocionante. Contudo, todas as evidências sugeriram que as garotas não cometeram suicídio porque elas escreveram sobre depressão na Internet. Elas escreveram sobre depressão na Internet porque MySpace era um lugar para a expres-são de si mesmo e a comunicação como ele ainda o é para muitos outros jovens.

Um grau de cautela e perspectiva crítica sobre as tecnologias digitais é conveniente e apropriado. Sem dú-vidas, as tecnologias tais como a Internet e a produção de caracteres permitiram certos comportamentos sociais indesejáveis e deram a algumas pessoas o anonimato que elas precisavam para ludibriar o suscetível. Contu-do, as crianças podem se tornar presas se colocadas em qualquer lugar que elas escolham para divertimento, e os professores podem ser vítimas de coação, através do website ou em uma carta anônima endereçada ao seu superior. A história sugere que um senso de preocupa-ção e pânico moral é injustifi cado uma vez que as ve-lhas tecnologias também têm sido usadas para vincular as crianças com conteúdo adulto inapropriado e publi-cidade agressiva. Riscos podem ser exagerados com a fi nalidade de se ter uma estória, mas produzir um pânico

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moral não informa ou conduz ao debate sensato público ou à orientação política.

Como sugeri antes, em tempos digitais onde textos que assumem posições extremas sobre as novas tecno-logias representam um aspecto dominante do nosso pa-norama cultura, temos um conjunto de responsabilidades adicional. Precisamos nos assegurar que nossos alunos adquiram competência crítica para que compreendam o panorama do letramento contemporâneo e então pos-sam participar efetivamente na vida após a escola e no trabalho como cidadãos informados e ativos. Proporcio-nar oportunidades cuidadosamente estruturadas para os alunos desenvolverem as habilidades do letramento e um forte senso de ceticismo instruído é mais importante do que nunca.

Para ser capaz de fazer bem esse trabalho, é útil considerar o conhecimento que os pesquisadores têm acu-mulado na área de estudo sobre letramento e tecnologia. Primeiramente, as diferentes formas de pensar a tecnolo-gia que têm tido um impacto signifi cante na maneira que a tecnologia é representada. Segundo, há muito para ser aprendido a partir do exame dos resultados das pesquisas na área de estudos do letramento e da tecnologia. Tercei-ro, é salutar olhar como os professores do letramento têm respondido ao chamado de integrar as novas mídias em seus currículos e pedagogia. Tenho expressado essas áre-as importantes do conhecimento em três perguntas: Quais as formas dominantes em que os pesquisadores pensam a tecnologia? O que as pesquisas nos dizem a respeito da maneira como o uso das tecnologias digitais afeta as práticas letradas dos alunos e sua aprendizagem? Como os professores do letramento, bem como os professores de maneira geral, têm respondido ao uso das tecnologias computacionais na educação?

Primeiramente – Quais as formas dominantes em que os pesquisadores pensam a tecnologia? Diferentes formas de pensar sobre as novas tecnologias modelam os tipos de perguntas que os pesquisadores fazem sobre seus

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efeitos e como elas são organizadas nas escolas e nas sa-las de aula. Uma abordagem particular domina o discurso público e alguns periódicos escolares: o determinismo tecnológico e social. Ambas as formas de determinismo têm suas fraquezas conforme designam muito poder para a tecnologia ou para a pessoa que faz uso dela.

A principal idéia por detrás do determinismo tec-nológico é que as qualidades na tecnologia são respon-sáveis por mudanças que inevitavelmente afetam as rela-ções sociais. A linguagem do determinismo tecnológico é simbolizada por frases em que a tecnologia aparece como o sujeito ativo de uma afi rmação: “os computado-res aumentam a aprendizagem dos alunos”, “a Web de-mocratiza a disponibilidade da informação”, “a Web 2.0 tem mudado a forma que nós concebemos o mundo”. Em cada caso, um evento complexo é criado para parecer o resultado de uma inovação tecnológica.

O determinismo social é o inverso. Como exempli-fi cado na estória do Time, há o argumento de que aqueles que usam a tecnologia têm ação, e controle sobre como ela é usada. Nas palavras do Editor Chefe de Time (STEN-GEL, 2006, p. 4): “Nós escolhemos colocar um espelho na capa porque ele literalmente refl ete a idéia que você, não nós, está transformando a era da informação”. As pes-soas, não a tecnologia, são retratadas como as responsá-veis pelo fenômeno da democracia digital.

Das muitas teorias sociais e tecnológicas disponí-veis, a domesticação oferece uma forma particularmente produtiva de se pensar sobre a tecnologia na educação do letramento. A domesticação é um compromisso entre o determinismo tecnológico e o social. A teoria foi de-senvolvida para examinar a adoção das tecnologias no lar, mas pode ser expandida para pensar sobre o uso da tecnologia na educação do letramento (SILVERSTONE; HIRSCH, 1994).

A teoria da domesticação é essencialmente uma abordagem pragmática. Ela aceita a idéia de que as tec-nologias têm efeitos nas pessoas e que as pessoas mol-

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dam seus usos. A teoria da domesticação olha juntamente para as interações entre as pessoas e as tecnologias e os contextos particulares em que as tecnologias estão sendo circunscritas e usadas. Ela também reconhece que a ado-ção das tecnologias e seu uso são dinâmicos e variáveis. Tome como exemplo os alunos da universidade escandi-návia que trabalharam como enviar mensagens de texto com um telefone celular, um aparelho projetado para a comunicação através da voz. Traços da teoria de domesti-cação são evidentes em recentes relatos de pesquisas que exploraram as relações complexas entre o letramento, a aprendizagem e a tecnologia.

Agora para a segunda pergunta – O que as pes-quisas nos dizem a respeito da maneira como o uso das tecnologias digitais afeta as práticas letradas dos alunos e sua aprendizagem? Todo tipo de alegação baseada em pesquisa tem sido feita em relação à maneira como as tecnologias digitais afetam a aprendizagem do letramento e suas práticas. Os achados dos estudos que têm investi-gado o impacto das tecnologias na aprendizagem variam de claro melhoramento para nenhum melhoramento, en-quanto alguns têm dito ainda que elas pioram as coisas. Às vezes, estatísticas são usadas para indicar se têm havi-do diferenças signifi cativas no empreendimento entre a leitura e a escrita com as novas tecnologias e a leitura e a escrita com as ferramentas tradicionais. Às vezes, descri-ções detalhadas do ambiente e das mudanças de como os alunos criam signifi cados e se comunicam são fornecidas. O que as pessoas farão com essa exibição de evidências?

Faz-se proveitoso considerar qual teoria da tecno-logia sustentou as pesquisas no momento em que ela deu forma às questões que os pesquisadores perguntaram, às investigações que eles iniciaram e às conclusões a que eles chegaram. Quando o determinismo tecnológico ins-truiu a pesquisa, a questão condutora tem sido frequen-temente sobre o impacto da tecnologia no desempenho letrado dos estudantes. Quando o determinismo social instruiu a pesquisa, então o foco tem sido nos professores e nos alunos nos contextos da sala de aula e como eles

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têm usado as tecnologias para propósitos particulares. Quando a teoria da domesticação sustenta a pesquisa, as relações entre os professores, os alunos e as tecnologias têm sido todas examinadas como parte de redes comple-xas de interação e aprendizagem.

Os primeiros estudos usaram principalmente méto-dos experimentais – a abordagem dominante na ciência e na medicina. Eles investigaram se o uso dos computa-dores melhorou os resultados do letramento e seus acha-dos foram incertos. Quase três décadas depois, não há ainda grandiosa consistência de evidência que demonstre que o uso da Internet na assistência dos alunos, editores de texto e outros aplicativos populares tenham qualquer impacto no empreendimento acadêmico. Meu estudo de doutoramento estava nessa tradição. Seu título era: O im-pacto dos editores de textos na escrita dos alunos. A per-gunta central era: O uso de editores de textos melhora a qualidade de escrita dos alunos?

Por volta da metade da década de 80, os pesqui-sadores estavam considerando os ambientes em que os computadores eram usados, produzindo descrições de-talhadas das salas de aula de ensino e aprendizagem. Houve um reconhecimento crescente de que os compu-tadores nas salas de aula eram improváveis de negar a in-fl uência da classe social no empreendimento dos alunos. Por volta da metade da década de 90, a Internet e a Web tinham se tornado lugares para pesquisa. Informados pelo entendimento do letramento como um conjunto de práticas sociais, as investigações focaram nas novas prá-ticas letradas, identidade, gênero, classe e acesso. Meu livro, escrito com Colin Lankshear e Bill Green (LANK-SHEAR; SNYDER; GREEN, 2000), Professores e Techno-letramento reporta os achados de um estudo australiano importante que produziu estudos de caso de professores tentando integrar os computadores em suas práticas de sala de aula. Houve também estudos que enfatizaram a necessidade de ensinar aos alunos como acessar critica-mente a fi dedignidade e o valor das informações que eles encontravam na Web a partir do entendimento de suas

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fontes bem como suas características textuais e não-textu-ais tais como imagens, links e interatividade. O trabalho de Nick Burbules (ex. 2000 com CALLISTER) foi muito importante nessa área.

Levantamentos de larga escala têm examinado as complexas relações entre a mídia, a infância, a família e o lar. O trabalho de Sonia Livingstone (ex. 2002) é notável. Os levantamentos constataram que os jovens vivem vidas preenchidas de mídias com acesso a uma quantidade sem precedente de mídias em seus lares. No entanto, idade, gênero, raça e classe infl uenciam a quantidade de tem-po que os jovens passam usando as mídias. A televisão e o ouvir música permanecem importantes em suas vidas, mas a Internet comanda a maior parte do tempo. Embora as crianças e os jovens continuem a ler livros, eles gas-tam menos tempo nisso do que suas gerações passadas. Alguns jovens estão preocupados com a dependência crescente nas máquinas, a natureza do isolamento da In-ternet, e como a tecnologia ameaça sua privacidade e sua habilidade de se relacionar com outros.

Desde o fi nal da década de 90, pesquisadores vêm identifi cando novos tipos de texto, práticas de linguagem e formações sociais ao passo que os jovens usam telefones celulares, mensagens de texto, a Internet, mensagens ins-tantâneas, jogos online, blogs, mecanismos de busca, we-bsites, e-mail, vídeo digital, música, imagens entre outros. Suas práticas de letramento digital compreendem proces-sar palavras, articular hipertextos, participar em discus-sões online, usar software de apresentação, criar páginas na Web e se congregar em portfólios digitais. New Lite-racies de Colin Lankshear e Michele Knobel (2003) é um excelente exemplo da ênfase nessas pesquisas. Pesquisas examinando as complexas conexões entre os letramentos da escola e de fora da escola têm fornecido clareza para os professores sobre a experiência e o conhecimento que os alunos trazem para os estudos formais na escola.

Em direções semelhantes, pesquisadores têm inves-tigado a relação entre os jogos de computador e a apren-

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dizagem do letramento. O trabalho de Jim Gee (2003) e Henry Jenkins (2006) se sobressai. Os estudos têm de-monstrado que os jogos requerem letramentos complexos e ensinam um grau de sofi sticação multimodal, visual e linguística, geralmente negligenciado na sala de aula de letramento. As pesquisas têm também sugerido o valor que os textos populares oferecem para a consolidação e a extensão do entendimento dos alunos nas práticas de lei-tura. Por exemplo, Catherine Beavis (2002) argumentou que trabalhar com jogos de computador nas salas de aula de letramento proporciona ao aluno recursos adicionais de expressão e comunicação àqueles dependentes das habilidades impressas.

Estudos baseados em gênero têm revelado que os jogos de computador são um aspecto do uso da tecnologia em que as diferenças em torno de gêneros estão sucum-bindo. Embora a maioria das meninas ainda não escolha as matérias de tecnologia na escola ou em seus estudos após a escola e continua a ser inferiormente representada na indústria de tecnologia da informação, elas estão par-ticipando mais na cultura dos jogos de computadores. A hipótese de que o mundo dos jogos de computador é do domínio masculino que enfatiza a violência e a fantasia sexual de garotos não se mantém mais. As narrativas este-reotípicas masculinas de certos jogos são desagradáveis a garotas, mas há outras opções agora para elas.

Então quais são as implicações dos achados de pesquisas para os professores de letramento? As pesqui-sas têm enfatizado a importância do entendimento das crianças e dos jovens que povoam as salas de aula: o que eles fazem em suas vidas fora da escola, o que prende seu interesse e o que não o faz. Os jovens trazem habilidades avançadas relacionadas à tecnologia para a sala de aula que poderiam ser usadas produtivamente para a aprendi-zagem da língua e do letramento. Mas nós também neces-sitamos nos lembrar de que há uma grande diversidade nas formas em que as famílias e os jovens se comprome-tem com as novas tecnologias. O trabalho de Mark Wars-

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chauer (2003) sobre a inclusão social e a exclusão digital pode ser alarmante. Simplesmente ter acesso no lar ou na escola não garante aos alunos oportunidades de aprendi-zagem do letramento.

Escrevendo sobre as possibilidades de mudanças criativas para as salas de aula e escolas quando as novas tecnologias são usadas, os pesquisadores têm argumenta-do que o conhecimento sobre a história das novas práti-cas letradas é um pré-requisito. Outros pesquisadores têm questionado a hipótese de que quanto mais as escolas de-penderem da tecnologia, melhores serão seus resultados.

Sugestões da literatura de pesquisas de como re-pensar, redefi nir e reprojetar a linguagem e o letramento na sala de aula para satisfazer as necessidades dos alunos no século XXI inclui um componente comum: acima de tudo, uma sala de aula de letramento para o futuro deve envolver a integração efetiva do letramento impresso e o letramento digital. Não deveria ser uma escolha entre o mundo da página e o mundo da tela – a educação neces-sita de dar atenção a ambos. A realização dessa importan-te meta requer um conceito de letramento mais amplo. Mas apesar do reconhecimento crescente dessa necessi-dade presente na literatura, as alterações nas práticas dos professores em sala de aula têm sido vagarosas.

O que me leva a minha terceira pergunta: Como os professores do letramento, bem como os professores de maneira geral, têm respondido ao uso das tecnologias computacionais na educação? Na maior parte, professo-res do letramento têm visto a tecnologia como antitética aos seus interesses. Embora essa atitude não seja compar-tilhada por todos, tem havido uma desconfi ança geral das máquinas. Então quando os computadores de mesa en-traram no sistema educacional no fi nal da década de 70, anunciado como a nova tecnologia que inevitavelmente melhoraria a educação, os professores do letramento es-tavam reticentes sobre explorar seu uso potencial na sala de aula. Esse efeito reprimido continuou na década de 80, quando os computadores foram promovidos como

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máquinas de escrever maravilhosas, assistentes e mestres de atividades. Eu tracei esses padrões em Hypertext (SNY-DER, 1996) e em Page to Screen (SNYDER, 1997).

Isso persistiu nos anos da década de 90, quando a Internet e a Web foram aclamadas enquanto tornavam possível uma abordagem para a educação em que os alu-nos seriam capazes de aprender qualquer coisa, em qual-quer lugar, em qualquer momento. E isso progrediu nos anos 2000, em que a excitação centrou-se nas possibili-dades de comunicação da Web 2.0. O interesse tem va-garosamente se expandido, e crescentes números de pro-fessores do letramento, particularmente os mais jovens, estão usando agora as tecnologias digitais em suas salas de aula, embora a relutância inicial permaneça.

Muita refl exão tem sido dedicada à literatura da pesquisa de como os professores e educadores de letra-mento podem fazer efetivamente uso das novas tecnolo-gias em suas salas de aula. Contudo, as aplicações mais comumente utilizadas no letramento e nas salas de aula de inglês são os processamentos de palavras para a escrita e a Internet para a pesquisa de informações, o que não diminui o valor de ambos. Em geral, os professores de letramento de todos os níveis de escolarização têm usado as novas tecnologias para continuar fazendo o que eles têm sempre feito. Os alunos usam computadores portáteis como eles usariam seus cadernos. Os professores podem postar exercícios na Web, comunicar-se com os alunos por e-mail e responder aos seus escritos eletronicamente, mas a abordagem tradicional de iniciar uma atividade cur-ricular, estabelecer lições para casa e avaliar o trabalho dos alunos tem sido mantida.

Embora os professores de algumas disciplinas te-nham sido mais entusiastas do que os professores alfa-betizadores em relação à promessa dos computadores, não tem havido uma revolução tecnológica na educação. Apesar do imenso investimento dos governos nos siste-mas elétricos das escolas, reduzindo a proporção de alu-nos por computador e assegurando que os documentos

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curriculares considerem as novas tecnologias em todos os níveis da educação, o processo de ensino e aprendi-zagem nas escolas da Austrália e do Brasil não tem sido transformado. Através da tecnologização da educação, os governos têm objetivado formar escolas mais efi cientes e produtivas, mais conectadas à vida real e preparar os jovens para o emprego após a escola. Sem real evidência alguma que indique que esses objetivos foram alcança-dos, os governos devem agora estar se perguntando se o valor do investimento em computadores e em outras tecnologias valeu a pena (CUBAN, 2001).

A parábola de Seymour Papert (1993) sobre os via-jantes do tempo do século XIX tem uma ressonância aqui. Quando os viajantes do tempo visitam um anfi teatro do século XXI em operação em um hospital, eles reconhecem pouco do que está acontecendo, mas quando eles visitam uma sala de aula em uma escola, muitas coisas são fami-liares. O crescimento exponencial da ciência e da tecno-logia nos anos recentes tem signifi cado que algumas áreas da atividade humana tais como as de telecomunicações, entretenimento, transporte e medicina têm mudado dra-maticamente, mas a educação não. As escolas como as instituições e os professores que trabalham nelas parecem ser resistentes às mudanças baseadas na tecnologia.

Até agora ninguém que esteve presente em uma escola na década de 50 e então visitou uma em 2008 poderia deixar de observar que importantes mudanças no currículo e nas práticas de sala de aula baseados na tec-nologia tenha ocorrido. O ponto não é que as escolas e os professores não possam mudar, mas que a sala de aula e as práticas de ensino persistem devido aos legados his-tóricos e aos fatores contextuais. Mudanças incrementais para a educação em resposta às novas tecnologias têm ocorrido, mas mudanças fundamentais têm sido raras.

Como Larry Cuban (2001) apontou, apesar das reivindicações extravagantes dos promotores, o forne-cimento da tecnologia é insufi ciente para transformar a educação e mais insufi ciente para equipar os alunos com

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as habilidades e atividades que eles precisam para operar efetivamente no mundo pós-escola do lazer, do trabalho e da cidadania. Mudanças reais requerem muito mais do que simplesmente dar às escolas recursos tecnológicos. A ecologia inteira da educação escolar necessitaria ser re-pensada se a transformação for o objetivo: mudanças na forma em que as escolas são organizadas e fi nanciadas, na forma em que os professores são preparados e valo-rizados, e na forma em que os dispositivos elétricos e o conjunto de programas são projetados para satisfazer as necessidades de professores e alunos mais do que o mun-do dos negócios. Sem tais principais mudanças, apenas relativamente menores alterações na prática de sala de aula são prováveis de acontecer (CUBAN, 2001).

Oportunidades e desafi os

Meu foco aqui foi nas respostas sensacionalistas às novas tecnologias que têm sido os textos dominantes culturalmente por décadas. Há dois fi lamentos principais – a importância esbaforida dos últimos equipamentos ele-trônicos e o que está vindo em seguida, e os argumentos morais para conservar a fi delidade tradicional da educa-ção em relação à cultura impressa. Contudo, polarizar e simplifi car a discussão dessa forma desconsidera os desa-fi os que nós enfrentamos ao tentar encontrar estratégias em lidar com as necessidades de ambos os letramentos impresso e o digital de nossos alunos. Alguns de nós têm encontrado formas de explorar as oportunidades da aprendizagem rica que as novas mídias oferecem e ajudar os alunos a se tornarem usuários críticos e capazes. No entanto, a maioria de nós tem sido vagarosa em adaptar-se e quando nós realmente usamos as tecnologias, é geral-mente para realizar os propósitos baseados no impresso e de formas orientadas pelo impresso.

Há razões sistêmicas muito reais para explicar esse fenômeno que vai além da nossa relutância histórica com as novas tecnologias. As salas de aula de letramento são

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restritas pelo modelo estático das escolas e das institui-ções que impedem cuidadosa pesquisa sobre os novos le-tramentos e o expansivo uso das novas mídias. Nós temos pouco tempo para refl etir sobre o que fazemos, não im-portando a direção curricular proposta. Então quando nós tentamos trabalhar com as mídias digitais em nossas salas de aula, há muito pouca oportunidade para criar uma par-ceria criativa com colegas e ter experiência com os novos letramentos. Usos construtivos são frequentemente limita-dos aos defensores da tecnologia cuja experiência, como mostram as pesquisas, se extingue consequentemente.

Há um abismo entre o mundo da sala de aula de al-fabetização e o mundo dos alunos que estão imersos nas mídias, na Internet e nos vídeos-game. Problemas com a infra-estrutura das escolas onde trabalhamos também exa-cerbam as difi culdades: a Internet pode estar funcionando um dia, não funcionar no próximo, e os computadores frequentemente não são potentes o sufi ciente para o uso de ferramentas avançadas. Além disso, as escolas talvez possam ter regras rígidas e limitadoras sobre e-mail e o acesso à Internet o que frustra ambos professores e alu-nos. Esses fatores sozinhos são sufi cientes para desenco-rajar todos nós de tentarmos integrar as novas tecnologias em nossas práticas de sala de aula mesmo que nós talvez possamos ser usuários dedicados e experientes em nossas vidas privadas.

Por ora, como professores, nós ainda estamos en-carregados com a responsabilidade de encontrar manei-ras inovadoras para incorporar os novos letramentos na prática de sala de aula. As habilidades e o conhecimento do letramento impresso são essenciais, mas não sufi cien-tes para dar assistência aos jovens ao passo que eles vi-vem suas vidas em uma sociedade de informação e rede. Quando o letramento é visto como o repertório de habi-lidades linguísticas e intelectuais que os alunos necessi-tam para atuar nos níveis mais elevados em um mundo multimídia, noções de letramento como um conjunto de habilidades básicas prescritas por um mundo baseado no impresso parecem cada vez mais limitadas.

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A responsabilidade dos educadores de letramento é proporcionar aos jovens oportunidades cuidadosamen-te planejadas para que eles aprendam como se tornar navegadores críticos no novo panorama do letramento em tempos digitais. Nós podemos ajudar nossos alunos a compreenderem o panorama do letramento digital para que eles não sejam seduzidos pelo que eles acharem. O objetivo é embebê-los com um senso forte de ceticismo instruído.

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PANORAMA DAS PESQUISAS SOBRE LETRAMENTO DIGITAL NO BRASIL:

PRINCIPAIS TENDÊNCIAS1

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Considerações Iniciais

O termo letramento surgiu no Brasil há pouco mais de vinte anos com Kato (1986) e tem sido tema de in-cessante discussão entre muitos autores (TFOUNI, 1988; 1995; KLEIMAN, 1995; 1998; SOARES, 2000; 2002; 2004; GOULART, 2006, 2007). Estes autores anseiam por melhor elucidação acerca da expressão letramento, ainda nova no país, concernente às práticas sociais de leitura e escrita engajadas e realizadas por sujeitos que exercem plenamente sua cidadania. Dessa forma, inicialmente, diferencia-se letramento de um processo com o qual já estamos bastante familiarizados, a alfabetização, relacio-nado à “aquisição da escrita enquanto aprendizagem de habilidades para leitura, escrita” (TFOUNI, 1995, p. 9).

Paralelamente, examinam-se possíveis mudanças nas práticas sociais de leitura e escrita devido à infl uên-cia da propagação e consequente utilização das novas tecnologias de informação e comunicação (TICs), parti-cularmente o computador conectado à Internet (XAVIER, 2005; COSCARELLI e RIBEIRO, 2005; ARAÚJO, 2007; RIBEIRO, 2008). Dessa forma, passa-se a falar sobre um novo tipo de letramento, situado e específi co: o digital.

Nesse contexto, Soares (2002) nos alerta para esse fato ao defender a pluralização do termo letramento, ou

1 Parte dessas refl exões nasceu das discussões travadas durante a disciplina Letramentos na Web, ministrada pelo Prof. Dr. Júlio Araújo, em 2008.1 no PPGL-UFC e tem vínculo direto como o projeto de pesquisa Gêneros digitais: relações entre hipertextualidade, propó-sitos comunicativos e ensino, em andamento sob a coordenação do referido professor no grupo de pesquisa Hiperged, do PPGL-UFC.

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seja, letramentos, por acreditar que variadas tecnologias acarretam diferentes modalidades de letramento, pois a utilização da tecnologia, diferenciada em cada cultura e contexto específi cos, acarreta efeitos sociais, cognitivos e discursivos distintos. Compartilhando dessas concep-ções, autores como Coscarelli; Ribeiro (2005), Xavier (2005) e Araújo (2007) acrescentam a necessidade de se trabalhar o letramento digital nas instituições de en-sino, dada a realidade do novo milênio, que traz um mundo cercado cada vez mais por máquinas eletrônicas e digitais. Nesse sentido, Araújo (2007, p. 81) reforça a concepção de que nossa sociedade “exige práticas múltiplas de letramento, inclusive digitais” e determina que só a partir do momento que um cidadão é letrado digitalmente é que ele poderá atuar criticamente nesta sociedade. Ao concordar com esse ponto de vista, Ri-beiro (2008) diz que, para ser letrado digitalmente, os cidadãos necessitam se apropriarem de comportamentos que compreendem desde os gestos e o uso de periféricos do computador até a leitura e escrita de gêneros que são publicados em ambientes virtuais.

Nessa esteira, pesquisadores de mestrado ou dou-torado, no exercício de empregar as contribuições teóricas dos estudiosos do letramento, desenvolvem investigações sobre as práticas sociais de leitura e escrita dos cidadãos brasileiros inseridos num contexto informatizado e digita-lizado. Sendo assim, observa-se que, a cada ano, muitas pesquisas acadêmicas se debruçam sobre o complexo fe-nômeno do letramento digital. Diante dessa constatação, surge a necessidade de elaborar este trabalho fundamen-talmente exploratório e de caráter descritivo, que objetiva verifi car o que atualmente as pesquisas estão abordando em relação ao tema letramento digital no Brasil. Para isso, acreditamos, ao analisar as pesquisas aportadas pela Co-ordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Su-perior (CAPES) e disponibilizadas pelo seu Portal Virtual,2 ser possível criar um panorama das pesquisas sobre letra-

2 www.capes.gov.br

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mento digital e verifi car quais são as tendências, para os próximos anos, dessas pesquisas no País.

Vale ressaltar que um inventário de pesquisas sobre letramento digital já nos foi apresentado anterior-mente por Vieira (2004) que analisou títulos e resumos de trabalhos que foram apresentados em congressos na área de Lingüística, em diferentes níveis – 1 em nível inter nacional, 3 em nível nacional, e 1 em nível regio-nal –, com o objetivo de mapear os estudos nascentes no País sobre esse tema, no período de 2000 a 2001. Nosso trabalho, portanto, acresce-se e distingue-se ao de Viei-ra (2004) na medida em que contribui para a elucidação acerca dos fenômenos estudados pertinentes ao tema le-tramento digital, tanto nas áreas de Linguística como na área de Educação; distingue-se na medida em que apre-senta procedimentos metodológicos outros, concernentes ao levantamento do corpus, bem como aos critérios de categorização e análise dos dados obtidos.

Procedimentos

O corpus utilizado nesse estudo exploratório foi constituído pelos resumos3 de teses e dissertações disponibi-lizadas no portal da Capes cujo assunto aborda o fenô meno letramento digital. Foram selecionados resumos por se tra-tar de um gênero que deve trazer as informações sufi cientes para o leitor acerca da pesquisa que está prestes a ser lida, levando em consideração que o resumo tem a responsabili-dade de não frustrar as expectativas do leitor, constituindo-se um convite à leitura do texto-fonte na ínte gra, além de ser um gênero distinto que emerge como resultado de um propósito comunicativo bem defi nido, independente das disciplinas a que eles servem (BHATIA, 1993).

Para o levantamento do corpus, inicialmente, selecionou-se o banco de teses da CAPES (cf. fi gura 1).

3 A veracidade das informações contidas nos resumos é uma respon-sabilidade que cabe a cada autor.

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A escolha dessa entidade deve-se ao fato de ela possuir papel relevante no desenvolvimento, na expansão e na consolidação da pesquisa em todo o Brasil, sendo órgão máximo no que diz respeito à avaliação da pós-graduação stricto sensu. Dessa forma, analisar um corpus de resu-mos disponíveis na CAPES representa a investigação de um panorama geral das pesquisas acadêmicas sobre letra-mento digital em todo o país, uma vez que essa entidade abrange todos os 26 estados da federação.

Dessa maneira, seguiu-se, portanto, os procedi-mentos apontados pelo Portal concernentes à busca dos resumos, conforme nos mostra a fi gura abaixo.

Figura 1 – Banco de teses da CAPES

Para realizar tal procedimento, é preciso, em pri-meiro lugar, digitar a expressão letramento digital no campo assunto (número 1, na fi gura 1 acima); depois se-lecionar a opção todas as palavras (número 1, na fi gura 1 acima); por último, selecionar o ano e o nível (número 2, na fi gura 1 acima).

O período selecionado foram os anos de 2000 a 2007 nos níveis de Mestrado e Doutorado. Em um univer-so de inúmeros resumos disponibilizados pelo Portal da

Fi 1 B d t d CAPES

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Capes, foram encontrados 18 resumos de teses e disser-tações cujo assunto versa sobre o fenômeno letramento digital, resultado da consulta feita a partir dos procedi-mentos listados anteriormente.

Após o corpus ter sido coletado,4 passamos ao ma-peamento dos moves (SWALES, 1990)5 constituintes do gênero resumo para investigarmos o conteúdo de nosso interesse. Para a realização dessa segmentação de informa-ções, utilizou-se o modelo de resumos de Biasi-Rodrigues (1998), resultado de uma investigação acerca de resumos de dissertações escritos em língua portuguesa. A seguir, apresentamos o modelo proposto pela autora, em que po-demos visualizar: na coluna da esquerda, a codifi cação das unidades retóricas, unidades obrigatórias na constituição do gênero resumo, e de suas subunidades, opcionais em sua atualização; bem como uma breve descrição, na colu-na da direita, funcionalmente determinada de acordo com a informação presente em cada unidade e subunidade.

Unidade retórica 1 Apresentação da pesquisa

Subunidade 1A Expondo o tópico principal e/ou

Subunidade 1B Apresentando o(s) objetivo(s) e/ou

Subunidade 2 Apresentando a(s) hipótese(s)

Unidade retórica 2 Contextualização da pesquisa

Subunidade 1 Indicando área(s) de conhecimento e/ou

Subunidade 2 Citando pesquisas/teorias/modelos anteriores e/ou

Subunidade 3 Apresentando um problema

Unidade retórica 3 Apresentação da metodologia

Subunidade 1A Descrevendo procedimentos gerais e/ou

Subunidade 1B Relacionando variáveis/fatores de controle e/ou

Subunidade 2 Citando/descrevendo o(s) método(s)

4 Vale ressaltar que o corpus foi colhido no dia 12 de maio de 2008. Não há como controlar os resumos que são inseridos ou retirados da plataforma da Capes.5 Segundo Swales (1990), moves, ou unidades retóricas (cf. BIASI-RODRIGUES, 1998), são as partes que, prototipicamente, compõem a estrutura de um determinado gênero, representativos da distribuição de informações, e reveladores de uma arquitetura textual.

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Unidade retórica 4 Sumarização dos resultados

Subunidade 1A Apresentando fato(s)/achado(s) e/ou

Subunidade 1B Comentando evidência(s)

Unidade retórica 5 Conclusão(ões) da pesquisa

Subunidade 1A Apresentando conclusão(ões) e/ou

Subunidade 1B Relacionando hipótese(s) a resultado(s) e/ou

Subunidade 2 Oferecendo/apontando contribuição(ões) e/ou

Subunidade 3 Fazendo recomendação(ões)/sugestão(ões)

Figura 2 – Distribuição retórica das informações em resumosFonte: Biasi-Rodrigues (1998, p. 141)

Para obter uma representação da problemática em questão, focalizamos as informações presentes na uni-dade retórica 1, denominada Apresentação da pesquisa, uma vez que essa é a unidade responsável por apresentar informações acerca do tópico principal e demonstrar os objetivos da pesquisa, conforme pode ser observado a partir da descrição das subunidades que compreendem essa unidade retórica. Sendo assim, buscamos respostas para a seguinte questão, já proposta por Vieira (2004, p. 256) anteriormente: o que está sendo investigado em pes-quisas que versam sobre o letramento digital?

Para uma melhor visualização dos resultados en-contrados à indagação proposta, faremos uso de uma ta-bela composta, fundamentalmente, de duas colunas. Na primeira coluna, denominada Exemplar, identifi caremos o exemplar R (resumo) analisado, exposto através de sua codifi cação. Referimo-nos aos resumos com este código – R1, R2,... R18, já que não é do nosso interesse a identi-dade dos autores. Na segunda coluna, denominada Res-posta, sintetizamos as informações presentes na unidade retórica analisada que responde à indagação central deste artigo. Dessa forma, a tabela permitirá ao leitor analisar e acompanhar todos os passos tomados por estes pesquisa-dores no decorrer deste trabalho.

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Resultados

A tabela a seguir apresenta respostas ao questiona-mento central deste artigo:

O que está sendo investigado numa pesquisa que versa sobre letramento digital?

Exemplar Resposta

R1

A contribuição do letramento eletrônico e posterior fl uên-

cia digital em língua estrangeira dominante, assim como os

meios de interagir mais efi cazmente na Internet.

R2O letramento infl uenciado pelo uso da Internet das produções

digitais de adolescentes.

R3 A aquisição de língua estrangeira a partir de uma experiência

pedagógica realizada em contexto virtual.

R4As contradições em um curso de leitura instrumental em in-

glês via Internet para professores de inglês da rede pública.

R5A relação dos alunos/usuários com a escrita diante do novo

suporte de texto, o computador.

R6

A maneira como o sujeito professor se relaciona com a cultura

digital, do ponto de vista do acesso, do domínio das ferramen-

tas e técnicas necessárias para a utilização desse suporte.

R7A concepção de linguagem, leitura e escrita do meio virtual,

no âmbito do ensino fundamental.

R8O processo de ensino-aprendizagem da língua inglesa e o uso

do computador na educação.

R9O processo de apropriação de uso da Internet por indivíduos

analfabetos.

R10 A intersubjetividade virtual na produção e leitura de blogs.

R11

O discurso de professores, futuros professores e alunos do en-

sino médio face ao processo de integração de tecnologia e da

internet ao ensino presencial de alemão como língua estran-

geira.

R12A produção de e-mail por crianças de 2ª e 3ª série do ensino

fundamental.

R13A forma como o letramento está sendo promovido pelos pro-

fessores de Ensino Fundamental de escola municipal.

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R14

As potencialidades e limitações do letramento digital na 4ª

série do ensino fundamental e as novas práticas de leitura e

escrita mediada pelas novas tecnologias digitais, em especial,

o computador e a Internet.

R15

Elementos teórico-metodológicos inferidos da junção da psi-

cologia histórico-cultural/tecnologias da informação e da co-

municação que resultam em contribuições para o letramento.

R16O uso social da linguagem escrita/língua portuguesa por sur-

dos em interação com ouvintes em contexto digital.

R17Como ocorre o letramento digital na experiência de professo-

ras de escolas públicas.

R18A formação pré-serviço de professores de inglês em uma so-

ciedade em processo de digitalização.

Tabela 1 – Resultados da coleta de dados

Percebe-se que as pesquisas que focalizam o le-tramento digital são bastante diversifi cadas concernentes ao que delimitam como objeto de suas investigações. En-tretanto, é possível observar que há uma tendência para as pesquisas que buscam elucidar o que há de novo na prática social de escrita, em língua materna, estabelecida no universo virtual dos gêneros digitais. De acordo com a tabela, portanto, há 7 (sete) trabalhos relacionados à pro-dução escrita, em língua materna, no âmbito dos gêneros digitais (R2; R5; R7; R10; R12; R14; R16); 4 (quatro) traba-lhos em aquisição de língua estrangeira (R1; R3; R8; R11), sendo 2 (dois) com foco na fl uência da língua-alvo; 3 (três) trabalhos envolvendo a prática docente (R13; R17; R18), sendo 2 (dois) em relação à língua materna e 1 (um) que trata a língua estrangeira; 1 (um) trabalho relacionado à formação continuada de professores de língua estrangeira da rede pública (R4); 1 (um) trabalho envolvendo o ge-renciamento das ferramentas técnicas por parte do sujeito professor (R6); 1 (um) trabalho a respeito do uso da Internet por analfabetos (R9); 1 (um) trabalho predominantemente teórico que trata, entre outros assuntos, das contribuições para o letramento (R15). A tabela abaixo nos permite visu-alizar melhor a descrição desse sumário apresentado:

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PANORAMA DAS PESQUISAS SOBRE LETRAMENTO DIGITAL NO BRASIL:PRINCIPAIS TENDÊNCIAS

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Quantidade Assunto Percentual7 Gêneros digitais 38,8%

4 Aquisição de LE 22,2%

3 Prática docente 16,6%

1 Formação continuada de professores 5,55%

1 Gerenciamento das ferramentas técnicas 5,55%

1 Uso da internet por analfabetos 5,55%

1 Contribuições teóricas para o letramento 5,55%

Tabela 2 – Resultados percentuais

Notamos que algumas áreas da pesquisa acadêmi-ca acerca do fenômeno letramento digital têm recebido destaque. Nossos resultados demonstram que 38% das pesquisas acadêmicas sinalizam para o fato de que os gê-neros digitais constituem um grande campo de pesquisa que muito ainda tem de ser explorado. Salienta-se que es-ses 38% de estudos de mestrado e doutorado relacionam os gêneros digitais ao processo de ensino-aprendizagem de línguas, evidenciando, portanto, que a Internet e as no-vas tecnologias estão sendo, enfi m, utilizadas no universo pedagógico, de forma que alunos e professores possam ser incluídos no que tem sido denominado cibercultura, preparando-se “para atuar adequadamente no Século do Conhecimento” (XAVIER, 2005, p. 8). Vale ressaltar que 22% do total das pesquisas que envolvem o ambiente di-gital são voltados para a língua estrangeira.

Pesquisas voltadas à formação continuada de pro-fessores (R4) e trabalhos envolvendo o gerenciamento das ferramentas técnicas por parte do sujeito professor (R6) chamam a atenção, pois é sabido que muitos professo-res não têm os letramentos necessários à prática do en-sino mediado por computador, como destacam Dieb e Avelino (neste volume). Na mesma esteira, Xavier (2005) diz que

o letramento digital requer que o sujeito assuma uma nova maneira de realizar as atividades de lei-tura e de escrita, que pedem diferentes abordagens

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SAMUEL DE CARVALHO LIMA • VICENTE DE LIMA NETO

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pedagógicas que ultrapassam os limites físicos das instituições de ensino [...] (p. 3-4)

Tais resultados muito nos animam, pois já são re-fl exos de que a política de investir no profi ssional está dando certo, bem como o uso da internet por analfabetos (R9), que também traz um grande avanço no que diz res-peito à inclusão digital.

Considerações fi nais

Como vemos, os assuntos e as linhas de pesquisa sobre letramento digital são variados, o que refl ete a mul-tidisciplinaridade da área. Os dados mostram uma grande diversidade em relação aos estudos sobre letramento di-gital, o que parece ser refl exo da emergência que se faz estudar essa área tão rica e tão desafi adora, mas ainda tão pouco explorada. Ao que tudo indica, as perspectivas para o futuro são promissoras, principalmente no que diz respeito ao investimento no profi ssional e no combate à exclusão digital.

Referências Bibliográfi cas

ARAÚJO, J.C. Os gêneros digitais e os desafi os de alfabe-tizar letrando. Trabalhos em Linguística Aplicada, Campi-nas, n. 46, p. 79-92, jan./jun. 2007.BIASI-RODRIGUES, B. Estratégias de condução de infor-mações em resumos de dissertações. 1998. 272 f. Tese (Doutorado em Lingüística). Universidade Federal de San-ta Catarina, Florianópolis, 1998.KATO, M. No mundo da escrita: uma perspectiva psico-lingüística. São Paulo: Ática, 1986.KLEIMAN, A. Modelos de letramento e as práticas de alfabe-tização na escola. In: KLEIMAN, A. (Org.). Os signifi cados do letramento: uma nova perspectiva sobre a prática social da escrita. Campinas: Mercado de Letras, 1995, p. 15-61.

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PANORAMA DAS PESQUISAS SOBRE LETRAMENTO DIGITAL NO BRASIL:PRINCIPAIS TENDÊNCIAS

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KLEIMAN, A. Ação e mudança na sala de aula: uma pes-quisa sobre letramento e interação. In: ROJO, R. (Org.). Alfabetização e letramento: perspectivas lingüísticas. Campinas: Mercado de Letras, 1998, p. 173-203.RIBEIRO, A.E. Navegar lendo, ler navegando: aspectos do letramento digital e da leitura de jornais. 2008. 243 f. Tese (Doutorado em Lingüística) –Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2008.SOARES, M.B. Letramento: um tema em três gêneros. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.SOARES, M.B. Novas práticas de leitura e escrita: letra-mento na cibercultura. Educação & Sociedade, Campi-nas, v. 23, n. 81, p. 143-160, dez. 2002.SOARES, M.B. O que é letramento. Diário do Grande ABC. Santo André, 29 de agosto de 2003. Diário na Es-cola, p. 3.SOARES, M.B. Letramento e alfabetização: as muitas face-tas. Revista Brasileira de Educação, n. 25, jan./abr. 2004.SWALES, J. Genre analysis: English in academic and re-search settings. Cambridge: Cambridge University Press, 1990.TFOUNI, L.V. Adultos não alfabetizados: o avesso do avesso. Campinas: Pontes, 1988.TFOUNI, L.V. Letramento e alfabetização. São Paulo: Cortez, 1995.VIEIRA, I.L. Tecnologia eletrônica e letramento digital: um inventário da pesquisa nascente no Brasil. Revista Brasileira de Linguística Aplicada, Belo Horizonte, v. 4, n. 1, p. 251-276, 2004.XAVIER, A.C. Letramento digital e ensino. In: SANTOS, C. F.; MENDONÇA, M. (Org.). Alfabetização e letramen-to: conceitos e relações. Belo Horizonte: Autêntica, 2005. p. 133-148.

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PROJETO FORTE:1

FORMAÇÃO, REFLEXÃO E TECNOLOGIAS NO ENSINO DE INGLÊS NA BAHIA

Rodrigo Aragão

Considerações Iniciais

O presente artigo descreve o projeto denominado de FORTE que objetiva fomentar o desenvolvimento de letramentos na Web a partir da interação de professores e alunos bolsistas de Iniciação Científi ca e Tecnológica do curso de Letras da Universidade Estadual de Santa Cruz com os professores de inglês em serviço na rede públi-ca de ensino de Ilhéus e Itabuna, no estado da Bahia. A metodologia do projeto pretende fomentar a refl exão do professor de língua inglesa sobre seu fazer pedagógico, culminando em autoconsciência sobre a prática, engran-decimento profi ssional, desenvolvimento de letramentos digitais e produção colaborativa de materiais de ensino apropriadas aos seus contextos de atuação. Está previs-to a construção de um portal na Web para publicação dos conhecimentos gerados no projeto e interação dos participantes em ambientes virtuais de aprendizagem, fomentando o desenvolvimento de multiletramentos e a produção de materiais de ensino baseados na Web. Tem-se como meta a parceria universidade-escola a partir da geração de conhecimento sobre o ensino de inglês e o livre acesso do conhecimento pela internet.

1 Projeto 8948 – Pesquisa e Geração de Tecnologia Educacional no Ensino de Inglês da Rede Pública de Ilhéus/Itabuna, aprovado pelo edital 004/2007 – FAPESB (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia), e registrado pela PROPP/UESC. O projeto é coordenado por Rodrigo Aragão e vice-coordenado por Joara Bergsleithner. Conta em sua equipe executora com Élida Ferreira e Zelina Beato (UESC), e colaboração da professora Vera Menezes de Oliveira e Paiva (UFMG). O autor gostaria de agradecer a Vera Menezes Paiva pela fundamental colaboração desde o início da construção deste projeto.

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Pouco se sabe sobre o desempenho de estudantes de língua estrangeira no Brasil, já que esta é uma área de conhecimento não avaliada pelo Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB), nem pelo ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio, e tampouco pelo Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior e do Exame Nacional de Cursos de Graduação, o antigo Pro-vão. Embora o conhecimento de uma Língua Estrangei-ra seja contemplado nos discursos do Governo Federal (LDB, PCNEF e PCNEM),2 o Programa Nacional do Livro Didático não contempla esta área do conhecimento. A ausência de instrumentos ofi ciais do governo federal para avaliação e para o ensino de línguas estrangeiras no Brasil indica a falta de políticas públicas claras e orientadas para o ensino desta área do conhecimento nas redes regulares de ensino deste país. Neste processo, se entrelaçam uma gama de situações e elementos que difi cultam a efetiva-ção de melhorias no ensino de Línguas Estrangeiras no ensino regular. Para que mudanças efetivas venham a ser consolidadas no ensino de Línguas, neste caso de inglês, na rede pública no Brasil, e do estado da Bahia, em par-ticular, um dos caminhos é investir em pesquisa sobre o ensino/aprendizagem na rede regular, na formação do professor e na utilização produtiva e efetiva de tecnolo-gias educacionais, tanto as tradicionais quanto as novas tecnologias da informação e da comunicação.

Neste sentido, busca-se com o projeto FORTE fo-mentar a formação dos professores em serviço na rede pública e dos professores em formação inicial no curso de Letras através de refl exão sobre o fazer pedagógico no ensino de inglês, dando-se especial atenção ao uso de tecnologias da informação e comunicação integradas, assim como o desenvolvimento de letramentos digitais na Web. Os conhecimentos que serão gerados no projeto serão disponibilizados pela internet, como tem sido feito

2 Respectivamente: LDB – Lei de diretrizes e Bases da Educação; PCNEF – Parâmetros Curriculares Nacionais – Ensino Fundamental; PCNEM – Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio.

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RODRIGO ARAGÃO

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em projeto pioneiro pela professora doutora Vera Lúcia Menezes de Oliveira e Paiva, da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais.3 Em seu projeto ARADO – Agregar, Refl etir, Agir, Doar – a professora Vera Menezes agrupa alunos de graduação, da pós-gradu-ação e da rede pública de ensino da cidade de Belo Ho-rizonte na refl exão teórica/prática sobre diversos proble-mas encontrados no processo de ensino-aprendizagem de inglês nas escolas públicas, e na avaliação e produção de materiais pedagógicos para fi ns e contextos específi cos, das escolas de atuação dos professores, que são posterior-mente disponibilizados na internet nos portais indicados em nota de rodapé.

Por uma Formação de Professores com Novas Tecnologias

Conforme argumentado na seção anterior, mesmo tendo havido uma restauração do papel da língua estran-geira nos currículos de ensino fundamental e médio pela LDB e PCNs (PAIVA, 2003; GIMENEZ, 2005; BRASIL, 2006), a situação da formação dos professores não tem melhorado substancialmente, uma vez que há ainda li-mitações na educação inicial desses professores nas uni-versidades e poucas iniciativas de formação continuada de professores em serviço (ABRAHÃO e PAIVA, 2000; PAIVA, 2003). A esmagadora maioria destas iniciativas se encontra em universidades no sudeste do Brasil (cf. ABRAHÃO, 2004). A Resolução do governo federal que institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível Superior, de-termina em seu Art. 7º, parágrafo IV, que: “as instituições de formação trabalharão em interação sistemática com as escolas de educação básica, desenvolvendo projetos de formação compartilhados” (BRASIL, 2002). Esta mesma

3 Cf. <www.letras.ufmg.br/arado/freebooks.htm< e < www.vera-menezes.com>.

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resolução argumenta em favor da importância das tecno-logias na formação de professores. Em seu Art. 2º, inciso VI, afi rma que os currículos devam preparar o docente para “o uso de tecnologias da informação e da comuni-cação e de metodologias, estratégias e materiais de apoio inovadores”. Resoluções estas que acenam em direção de ações como o projeto ARADO, coordenado pela profes-sora Vera Menezes, e o FORTE coordenado pelo autor deste artigo.

Ainda, a lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, dedica o artigo 80 à educação a distância e a questão nas novas tecnologias no ensino. Em 1996, ano em que entrou em vigor a LDB, o Ministério da Educação instituiu a Secretaria de Educação a Distância. Logo após, em 1998, surge a regulamentação para cursos a distância (Decreto 2494/98, modifi cado pelo Decreto 2561/98), que abrange o ensino médio, a educação profi ssional e a educação superior. Este decreto foi substituído pelo De-creto 5.622, de dezembro de 2005, prevendo a educação a distância em todos os níveis e modalidades da Educação Nacional, como indicou a LDB já em 1996.

Professores de inglês lidam cotidianamente com situações adversas à sua profi ssão (cf. ALMEIDA FILHO, 1999; LEFFA, 2001; CELANI, 2003a; GIMENEZ, 2002; ABRAHÃO, 2004; GIMENEZ, JORDÃO e ANDREOTTI, 2005). Muitos se queixam da vida escolar, de seu desempe-nho limitado na língua que ensinam e da precariedade de suas condições de trabalho (ARAGÃO, 2008). Estas podem ser vistas como consequências de uma ausência de políti-cas públicas claras para o ensino de Línguas Estrangeiras no Brasil. O seguinte trecho que Dutra e Melo (2004, p. 37) expõem a partir de seu projeto de Educação Continua-da para Professores de Línguas Estrangeiras da rede pública de Belo Horizonte, o Educonle, ilustra a situação:

O professor é muitas vezes desrespeitado pela própria estrutura escolar, pois suas aulas são colocadas nos piores horários ou reuniões são marcadas no horário de suas aulas, gerando o can-

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celamento das mesmas. Sendo assim, o professor, que na maioria das vezes já é inseguro quanto ao domínio da disciplina que ensina, sente-se ainda mais desvalorizado. Esta relação entre o pouco domínio da língua e da falta de respeito ao seu trabalho tem gerado um círculo vicioso, como provado via relatos de professores de inglês participantes do nosso Projeto entre 1999-20001, que dizem estar na rede pública por não terem um bom domínio da língua.

Portanto, o que se vê são professores que reclamam por formação continuada para exercerem seu papel com segurança, entusiasmo, criatividade e autonomia (PAIVA e ABRAHÃO, 2000; PAIVA, 2003; CELANI, 2003b). Ain-da, a partir deste cenário é fundamental criar estratégias para a melhoria da formação inicial dos professores nas universidades. Além disso, há escassez de materiais di-dáticos e o domínio de conhecimentos que possam ser utilizados no uso signifi cativo dos mesmos e na produção própria de tecnologias educacionais apropriadas aos di-versos contextos de atuação dos professores da rede pú-blica no Brasil. Como apontei anteriormente, o Programa Nacional do Livro Didático, do Ministério da Educação, não contempla o ensino de Língua Estrangeira.4 Assim, não é difícil ver o professor de inglês circunscrito ao uso da lousa, do giz e da escrita como únicas tecnologias edu-cacionais, e práticas de ensino pautadas na repetição de pontos gramaticais, ao longo da educação básica, e alu-nos de ensino médio desmotivados sem a esperança de ter uma aula que tenha algum sentido (PAIVA, 2006).

A partir da análise de inúmeras narrativas coletadas pelo projeto AMFALE,5 Paiva (2006, 2007a/b) nos mostra

4 http://portal.mec.gov.br/seb/index.php?option=content&task=view&id=648&Itemid=6665 AMFALE – Aprendendo com Memórias de Falantes e Aprendizes de Línguas Estrangeiras é um banco de dados que reúne narrativas de estudantes e professores de línguas e pesquisadores interessados em questões de ensino e de aprendizagem de línguas, e é coordena-do pela Profa. Dra. Vera Menezes de Oliveira e Paiva (http://www.veramenezes.com/amfale.htm).

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como é forte o desejo pelo desenvolvimento das habilida-des orais por estudantes e também professores de línguas estrangeiras (cf. ARAGÃO, 2007). Ao mesmo tempo em que esse desejo é latente, fi ca claro o desafi o de se desen-volver tal habilidade no contexto das escolas brasileiras do ensino básico que tendem a enfatizar práticas de ensi-no de formas gramaticais descontextualizadas e tradução. Ainda, pesquisas na Linguística Aplicada têm demonstra-do que o professor encontra difi culdade em utilizar tec-nologias já consagradas, como a leitura/escrita, a lousa e o giz, para se obter uma aprendizagem signifi cativa, colaborativa e comunicativa na área de Línguas Estrangei-ras (cf. ABRAHÃO, 2004). Estas difi culdades são muitas vezes resultantes de sua formação inicial (ABRAHÃO e PAIVA, 2000; PAIVA, 2003; MATEUS, 2004).

Desta forma, a simples presença de novas tecnolo-gias, que podem propiciar maior interatividade e sentido no ensino de línguas, como os computadores nas salas de aula, não garantem a qualidade, nem um ensino signifi ca-tivo e comunicativo de uma Língua Estrangeira. Dito em outras palavras, a proposta aqui delineada é buscar integrar as tecnologias digitais disponíveis na Web no cotidiano escolar dos professores, em serviço e em formação inicial, resignifi cando, quando necessário, e expandindo o uso de tecnologias já consagradas no ambiente escolar tradi-cional e em suas experiências de ensino/aprendizagem. Acredita-se que ao utilizar-se de ferramentas de ensino baseadas na Web nas atividades do projeto, os professo-res podem dar outros contornos a tecnologias educacio-nais já consagradas como a lousa/giz e a leitura/escrita assim como práticas pedagógicas que podem ser efetivas e signifi cativas no ensino de Línguas como a produção de jornais, revistas, histórias em quadrinhos, a elaboração e apresentação de pequenas peças teatrais, apresentações orais, realização de reportagens e pesquisas na comuni-dade, produção de folhetos, cartazes, propagandas, plani-lhas, dentre outros artefatos didático-pedagógicos.

Estudos têm apontado que há despreparo dos pro-fessores em serviço para a utilização de tecnologias da

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informação e comunicação nas práticas pedagógicas, menos ainda, para edição e publicação de materiais pedagógicos que sejam apropriados e situados na con-tingência das suas comunidades (ABRAHÃO e PAIVA, 2000; MATEUS, 2004). Ressalta-se que este despreparo se deve comumente há quase inexistência de práticas de ensino/aprendizagem de Línguas nas universidades que sejam pautadas na importância de se efetivar letramentos na Web com vistas a auxiliar os professores na docência com tecnologias da informação e da comunicação. Pro-fessores que durante sua formação inicial nas universi-dades não tiveram contato com ferramentas digitais de ensino podem apresentar difi culdade ou resistência a li-dar com elas em sua prática de sala de aula (ROLAND, 2006). Sampaio e Leite (1999) sugerem que as novas tec-nologias chegam à escola por imposição e sem o ofere-cimento de condições que propiciem sua utilização ade-quada em programas de desenvolvimento de professores (cf. SANTOS, 2007; MOTTA-ROTH, REIS e MARSHALL, 2007). Estas afi rmações encontram respaldo nos discur-sos dos professores em formação inicial que já se encon-tram em serviço na rede pública em nossa região. Desta maneira, é fundamental promover a formação de profes-sores de Línguas tendo como meta o desenvolvimento de letramentos digitais.

Contexto e Objeti vos

A Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC, situada entre os pólos urbanos de Ilhéus e Itabuna, em Ilhéus – Bahia, a quase 500 quilômetros de Salvador, ten-do como área de abrangência educacional, a região Sul da Bahia, é a principal instituição de ensino superior na região. Criada em 1991, a UESC é a mais nova Instituição de Ensino Superior (IES) pública, das quatro IES mantidas pelo Governo do Estado da Bahia. Está fortemente vincu-lada ao desenvolvimento de sua região. No momento, a UESC investe maciçamente no processo de sua informa-

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tização e expansão de seu link de internet (no momento possui rede restrita); na melhoria do seu acervo bibliográ-fi co; e na expansão dos projetos de pesquisa e atividades extensionais. O Departamento de Letras e Artes oferece à sua comunidade cursos de Licenciatura em Português-Inglês, Português-Espanhol, e o bacharelado em Línguas Estrangeiras Aplicadas às Negociações Internacionais.

Há escassez de pesquisas sistemáticas sobre os pro-blemas e desafi os encontrados pelos professores e alunos de inglês como língua estrangeira nas escolas públicas no Estado da Bahia, e no contexto Sul da Bahia, em particu-lar. Na região de abrangência da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), em especial nas cidades de Ilhéus e Itabuna, não se sabe como os professores utilizam tec-nologias educacionais, tantos as já consagradas quanto às novas tecnologias da informação e comunicação. Ade-mais, se desconhece as reais necessidades dos professo-res e também de seus alunos. O desconhecimento das situações locais difi culta a construção de alternativas para enfrentamento das difi culdades e problemas encontrados na prática de ensino de línguas. Estes professores recla-mam por uma educação continuada que vise lidar com o aspecto tecnológico de sua formação.

Ainda não existem projetos de desenvolvimento do professor de inglês sendo oferecido em nossa região. Ciente do papel da Universidade Estadual de Santa Cruz como líder na produção e disseminação do conhecimen-to, e principal formadora de professores na região Sul da Bahia, busca-se com o FORTE oferecer um programa de pesquisa e formação inicial e continuada do professor de inglês em nossa comunidade, em particular na rede esta-dual de ensino de Ilhéus e Itabuna. Através desse proje-to, os professores serão levados a pesquisar sua prática e sua trajetória profi ssional, avaliar seu uso de tecnologias educacionais de maneira situada e os interesses e neces-sidades de seus alunos em contextos específi cos. De ma-neira concomitante, os professores se envolverão em um programa de desenvolvimento e valorização de seu ofício como professores de Línguas Estrangeiras, além de ex-

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pandirem seus conhecimentos na confecção de produtos tecnológicos educativos que poderão ser usados em sala de aula com orientação da equipe executora do projeto e posteriormente disponibilizados na internet. Assim os objetivos pontuais do FORTE são:

1. Pesquisar a situação prática do ensino, sua realidade, seus desafi os e as necessidades dos professores de inglês da rede pública de Ilhéus e Itabuna;

2. Integrar formadores, professores em formação inicial e professores em serviço, num programa de aprimoramento linguístico/comunicativo, te-órico/prático aliado a construção de processos e produtos tecnológicos para o ensino de inglês;

3. Fomentar uma conscientização crítica sobre o papel formativo, ideológico/político e social das línguas estrangeiras dos multiletramentos no mundo contemporâneo;

4. Realizar pesquisa bibliográfi ca sobre a história das tecnologias educacionais no ensino do inglês para avaliar e publicar materiais inovadores em nosso contexto;

5. Construir um portal virtual para o projeto, confi gurado a fazer uso de ambientes virtuais de aprendizagem para suas atividades e para disseminação dos conhecimentos gerados, de maneira descentralizada e ágil, tendo por meta a parceria universidade-escola pública e o livre acesso do conhecimento na Web.

Fundamentação Teórica

Este projeto possui dois eixos teóricos centrais: (1) a formação de professores refl exivos; (2) o conceito de multiletramentos. No escopo da Linguística Aplicada, este projeto contempla pesquisas ligadas ao desenvolvimento de professores em práticas refl exivas socialmente situadas (CELANI, 2003; ARAGÃO, 2007a/b), em trabalhos ino-

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vadores resultantes de programas de formação continua-da (cf. MELLO e DUTRA, 2007; ABRAHÃO, 2007) e em práticas de ensino e aprendizagem de inglês como foco na autonomia (PAIVA, 2005). Segundo a linha refl exiva, o aluno-professor, ao refl etir sobre sua prática, pode expli-citar e desenvolver uma postura crítica de suas crenças, pressupostos e ações sobre linguagem, ensinar e apren-der línguas, e buscar alternativas transformadoras para suas adversidades e situações cotidianas de sala de aula. Aqui o professor “se torna agente da refl exão, responsá-vel por seu desenvolvimento profi ssional e pelas ações que gerem mudanças das práticas pedagógicas” (DUTRA e MELLO, 2004, p. 32). O processo refl exivo pressupõe esforço, vontade e que tem lugar, quando condições são criadas de maneira sustentada e colaborativa. Já o foco na autonomia visa auxiliar o professor a continuar seu processo de ensino/aprendizagem da língua estrangeira e desenvolvimento profi ssional de forma autônoma e fo-mentando esta atitude em seus alunos.

Portanto, é a refl exão na linguagem que possibilita vermos nas dinâmicas correntes de ensino/aprendizagem em sala de aula, ao descrever e auto-observar num distan-ciamento o que se vive no fl uir contínuo da experiência pedagógica. Se olharmos nossas ações de ensino/apren-dizagem, de maneira refl exiva, é possível atuar coerente-mente com elas ou podemos mudar de conduta, se assim o desejamos. Na refl exão damos signifi cado às experiên-cias e adentramos um domínio em que passamos a nos ver responsáveis pelos nossos atos e por nossa conduta, ao dar-nos conta das consequências das ações em nosso entorno pedagógico e sociocultural (ARAGÃO, 2007b). Aqui tomamos para nós mesmos a responsabilidade do mundo em que vivemos com os outros e da consequência de nossas ações para nós mesmos e para os que conosco convivem. Neste processo é possível efetivar transforma-ções e mudanças em práticas pedagógicas coletivas.

Portanto, é no âmbito da refl exão que se acredita ser possível realizar intervenções e instaurar a possibilida-de de reconfi gurações de práticas pedagógicas já consoli-

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dadas na ação sem refl exão. Assim como a aprendizagem, a mudança de práticas pedagógicas é vista aqui como um processo lento, dinâmico e incerto (cf. ABRAHÃO, 2007; PAIVA 2007, ARAGÃO, 2007a). FORTE, sigla deste pro-jeto, sugere força, empoderamento, protagonismo, mas também, fortaleza e resistência a mudanças e novas práti-cas e posturas no ensino/aprendizagem. É fato conhecido por aqueles que lidam com tecnologias digitais e com for-mação continuada de professores a resistência àquilo que é novo, desconhecido. Na refl exão passamos a conside-rar elementos que antes não eram observados conscien-temente. A refl exão envolve ainda uma disposição para a dúvida e a incerteza. A certeza nega a refl exão, pois não questionamos o que se toma como certo. O medo também nos impede de refl etir, pois não refl etimos sobre aquilo que tememos ver (ARAGÃO, 2007a).

Por outro lado, este projeto encontra embasamento nos estudos sobre multiletramento, de acordo com a fun-damentação teórica delineada nas Orientações Curricula-res para o Ensino Médio (PCNEM): Linguagens, Códigos e Suas Tecnologias.6 Este documento ofi cial do Governo Federal, editado em 2006, nos apresenta refl exões sobre a função educacional do ensino de Língua Estrangeira no contexto do ensino básico ao introduzir teorias sobre a lin-guagem como prática social na confl uência com a emer-gência das novas tecnologias. A ênfase é dada aos impactos da comunicação em ambientes hipermidiáticos sobre os diferentes usos da linguagem (e-mail, MSN, fóruns, chats ou salas de bate-papo, listas de discussão, wikis, orkut, aprendizagem de línguas en tandem, blogs, hipertexto) e suas implicações para o ensino e para a aprendizagem em contextos formais (veja ARAÚJO, 2007a/b, para discussão de impactos no ensino de língua materna e estrangeira).

De fato, práticas emergentes têm suscitado formas alternativas de interação e produção de gêneros na lin-guagem. O texto atualizado dos Parâmetros Curriculares Nacionais para Ensino Médio (BRASIL, 2006) argumenta

6 Cf. <http://portal.mec.gov.br/seb/>

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em favor do ensino/aprendizagem da língua como uma prática socioculturalmente situada em determinadas co-munidades de prática (cf. LAVE e WENGER, 1991). Neste âmbito, o professor se vê desafi ado a propor alternativas de uso signifi cativo da língua que ensinam. Estas tarefas de uso signifi cativo podem ser realizadas por atividades mediadas pelo computador e intermediadas na Web. Os recursos destas tecnologias propiciam com que estudan-tes de inglês possam se comunicar com outros usuários da língua inglesa ao redor do mundo (cf. PAIVA, 2001).

Portanto, o ensino de uma língua mediado pela Web oferece oportunidades de interação comunicativa, de refl exão sobre o uso da linguagem no mundo contem-porâneo e de construção de conhecimentos colaborati-vos. Neste domínio, o documento lança mão do conceito de multiletramento que enfatiza a característica digital, multimodal (mescla de texto, som, imagem estática e em movimento), heterogênea (variabilidade linguística) e ide-ológica das práticas sociais e funções contemporâneas de língua(gem). Aqui, produzir sentido numa língua envolve um processo semiótico multifacetado. Este processo so-cial implica na lide com usos contextualizados e que tem sentido em espaços textuais que mesclam vídeo, imagens, som e linguagem verbal sobre os quais “as tarefas são re-ais, porque muitas pessoas podem ter acesso a elas (RIBEI-RO, 2007, p. 222)”. Neste cenário, os recursos oferecidos pelo que tem sido chamado de Web 2.0, ou a segunda geração de recursos intermediados pela Web na internet, oferece aos seus usuários ferramentas que aumentam a capacidade de produção, publicação, autoria e, conse-quentemente, o incremento de recursos interativos, cola-borativos e comunicativos disponibilizados nestes novos ambientes virtuais da internet, como os Wikis.7

7 Segundo Schmitt (2006, p. 1), Wikis são “ambientes que permitem a construção coletiva de hipertextos de forma muito rápida e simplifi ca-da, não exigindo dos colaboradores conhecimento especializado na construção de páginas”. Para uma discussão interessante sobre como a Web 2.0 pode ser utilizada no ensino de inglês, ver Bohn (2007).

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Metodologia

A metodologia de ação do FORTE constitui-se na construção de um programa que congrega ações de ensi-no, pesquisa e extensão com o objetivo maior de fomentar a formação refl exiva do professor de inglês, e o desenvol-vimento de conhecimentos para uso e produção de tec-nologias educacionais apropriadas aos contextos de práti-ca dos participantes envolvidos no projeto. Desta forma, pretende-se fazer uma ligação entre a formação inicial na universidade e a formação continuada dos professores em serviço na rede pública das cidades de Ilhéus e Itabuna na Bahia. Vale ressaltar que os instrumentos de pesquisa que auxiliam na construção de um banco de dados sobre a re-alidade tecnológica e educacional dos participantes desta pesquisa, estão relacionados ao estabelecimento de uma refl exão consistente e sistemática sobre suas práticas de ensino/aprendizagem situadas socialmente em suas co-munidades. Além disso, estes instrumentos têm o intuito de favorecer o engrandecimento e valorização profi ssio-nal de todos os participantes envolvidos, conforme apon-tam trabalhos recentes sobre formação de professores re-fl exivos no escopo da Linguística Aplicada (cf. MELLO e DUTRA, 2007; ARAGÃO, 2005; 2007a/b).

Assim o FORTE compõe-se de quatro momentos: (1) divulgação do programa, sensibilização e estabeleci-mento de contato com diretores e professores de escolas públicas de Ilhéus e Itabuna, e a construção, em conjun-to, de critérios para permanência no projeto; (2) forma-ção e seleção de monitores/pesquisadores da graduação em Letras da UESC que participarão do projeto como bolsistas de Iniciação Científi ca, Iniciação Tecnológica, monitores e estagiários de pesquisa voluntários; (3) en-contros iniciais com todos participantes para (a) explici-tação dos objetivos, critérios acordados de permanência no projeto, metodologia e cronograma de trabalho e (b) realização de levantamento de dados sobre as práticas de ensino dos professores, suas trajetórias profi ssionais,

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análise e refl exão de suas necessidades e desafi os; (4) oferecimento de ofi cinas de aperfeiçoamento linguísti-co, em língua inglesa, de refl exão teórica/prática e de uso e produção de material tecnológico educacional. Concomitante a estas fases, pretende-se realizar (a) uma contínua pesquisa bibliográfi ca sobre a história das tec-nologias educacionais no ensino de inglês e (b) a cons-trução de um portal virtual na Web para divulgação dos conhecimentos gerados no projeto.

A primeira e a segunda fase deste projeto se darão no primeiro ano, a terceira e quarta fase se concentrarão no segundo ano de ação, embora ações da terceira fase terão início no primeiro ano. No momento, se prevê o início deste projeto para o mês de agosto de 2008. A me-todologia de ação está embasada no ensino refl exivo e no conceito de multiletramentos que reconhecem a con-textualidade e continuidade do processo de aprender a ensinar durante toda uma carreira de um professor. Esse processo refl exivo é melhor implementado quando existe uma comunidade, um grupo de professores que se aju-dam mutuamente, mediados por tecnologias que favore-çam a construção de comunidades presenciais ou virtuais de aprendizagem.

Vale esmiuçar aqui os procedimentos metodológi-cos da terceira fase, em especial, que se dará com a co-leta de documentos de pesquisa narrativa, de orientação qualitativa, para avaliar e refl etir sobre a prática corrente dos professores, seus desafi os, e seu uso de tecnologias educacionais. Neste momento, o que se busca é compre-ender como e porque os professores agem da forma que agem na sala de aula. Além disso, nesta fase, pretende-se realizar a construção de um banco de dados sobre a atuação corrente dos professores participantes, realizando um diagnóstico inicial da pesquisa sobre sua realidade prática e seus desafi os, e assim, também, se assegura uma avaliação posterior, de impactos na realidade desses pro-fessores a partir da participação no projeto.

Na Linguística Aplicada, pesquisas qualitativas com narrativas de ensino/aprendizagem têm se mostrado pro-

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dutivas na compreensão das experiências de professores e estudantes de língua inglesa em sala de aula (Cf. PAIVA, 2006, 2007a; ARAGÃO, 2005, 2007; BARCELOS, 2006). Nestas pesquisas, as narrativas de ensino/aprendizagem fomentam a refl exão sobre as dinâmicas da experiência humana, mostrando como o ensino/aprendizagem de uma língua envolve um sistema imbricado de emoções, cren-ças, contingências, ideologias, identidades e desafi os. Na Pesquisa Narrativa, os participantes e o pesquisador são compreendidos como co-construtores da pesquisa, como co-agentes envolvidos na construção da pesquisa.

De maneira similar à etnografi a, a Pesquisa Narra-tiva propõe uma parceria com o participante na compre-ensão da experiência educacional do participante. Em um processo contínuo de negociação na convivência com os participantes, durante um período sufi ciente-mente prolongado, o pesquisador mergulha num turbi-lhão de histórias, crenças e ações, procurando conexões, padrões e sentidos, entre histórias relatadas no discurso e experiências observadas pelos pesquisadores na reali-dade da sala de aula dos professores participantes. Neste processo, o pesquisador adentra dimensões temporais, contextuais e pessoais sobre a experiência educacional do participante, ao coletar diversas informações conti-das nos documentos de pesquisa como autobiografi as escritas, diários, poemas, entrevistas, observações de campo em sala de aula, narrativas orais, dentre outros (CLANDININ e CONNELY, 2000).

Desta maneira, ao entrecruzar as observações rea-lizadas nas salas de aula e na análise das narrativas de en-sino/aprendizagem, o pesquisador busca produzir textos de pesquisa, ou seja, relatos escritos das histórias e ações dos participantes, imputando-lhes um enredo histórico e tecendo interpretações ao conectar diversos elementos que compõe a experiência do participante, um proces-so denominado de triangulação na pesquisa qualitativa. Em seguida, estes textos de pesquisa são retornados aos participantes para comentários e refl exões. Clandinin e Connelly (2000), referenciais na Pesquisa Narrativa, to-

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mam a obra de John Dewey (1938) para descrever sua epistemologia. Segundo os autores, o conceito de conti-nuidade de Dewey aponta para as relações contínuas da experiência temporal humana, tendo em mente um passa-do que levou a este presente e que pode nos projetar para um determinado futuro. Ao narrar suas experiências, e as continuidades em sua trajetória, os professores podem re-avaliar suas experiências atuais e partir para a construção de histórias alternativas com as quais desejam, e podem viver num futuro distinto.

Assim, os documentos de pesquisa a serem cole-tadas na terceira fase são: a) autobiografi as e histórias de ensino-aprendizagem de inglês (orais e/ou escritas), so-bre as quais os professores relatam a construção de sua identidade profi ssional e uso de tecnologias educacionais ao longo de sua trajetória educacional (ver ARAGÃO, 2007a/b: http://www.veramenezes.com/amfale.htm e conferir o roteiro para escrita da autobiografi a);8 b) ques-tionários pontuais sobre questões levantadas nas autobio-

8 Refl etindo sobre Minha história de Ensino/Aprendizagem de Inglês – Roteiro para Escrita da Autobiografi a – Já que o que nos interessa é o processo refl exivo, a narrativa pode ser escrita em língua portu-guesa, caso sinta-se limitado na língua inglesa. Porém, se for de seu interesse, ela pode ser escrita em inglês. A narrativa deve contar um pouco de sua história pessoal e escolar. Conte de onde vem, onde estudou, o que gosta de fazer e o que não, coisas que lhe interessam... Mas conte, principalmente, de suas experiências com a língua ingle-sa: a) como foi sua aprendizagem de inglês antes, durante e depois da universidade – conte suas experiências positivas e negativas; b) quais razões lhe trouxeram ao curso de Letras/Inglês (e não Letras/Espanhol) e quais razões lhe levaram a querer seguir uma carreira profi ssional no ensino de inglês; d) pense e descreva o uso que você fez de tecnologias no ensino de inglês como aluno e professor; e) você gosta de aprender e ensinar inglês (justifi que) e quais atividades de aprendizagem e de ensino de inglês mais lhe (des)interessam ou apresentam difi culdade (porque); f) fale de você como professor de inglês, suas ações mais praticadas na sala de aula e suas crenças sobre como se aprende e se deve ensinar uma língua, e o que gostaria de melhorar com a participação neste projeto de pesquisa; g) qual seu contato no cotidiano com a língua inglesa; h) na sua opinião o que é faz um bom aprendiz de inglês e um bom professor.

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grafi as; c) gravações de aulas dos professores em áudio e/ou vídeo e sessões de refl exão sobre estas aulas com os professores; f) entrevistas semi-estruturadas a partir de dados levantados nas autobiografi as e na observação das aulas dos professores; f) conversas informais com os pro-fessores; g) notas de campo em observações de aula dos professores participantes da pesquisa; h) uso de outros re-cursos semióticos, como representações visuais de cren-ças e sentimentos sobre ensino/aprendizagem, que pos-sam defl agrar refl exões sobre as ações, e especialmente, quanto ao uso de tecnologias educacionais (cf. ARAGÃO, 2007a/b; 2008).

Os participantes são entrevistados individualmen-te. Em uma primeira entrevista, explora-se a autobiografi a escrita aprofundando questões levantadas nesta sobre his-tória de vida, crenças, pressupostos e ações sobre diver-sas questões ligadas ao ensino/aprendizagem de línguas, estilos e estratégias de ensino/aprendizagem, uso de tec-nologias educacionais, eventos marcantes em sua trajetó-ria, motivações, expectativas e desafi os frente à profi ssão e participação na pesquisa. Em uma segunda, discute-se rotinas de sala de aula em uma sessão de refl exão sobre observações do pesquisador sobre aulas dos professores e sobre a narrativa educacional. Em uma entrevista se-guinte, abordamos as representações do professor sobre sua prática, conectando-as às suas histórias de ensino/aprendizagem. Na observação em sala de aula procura-se registrar as ações do professor. O processo de coleta de dados poderá contar também com o envolvimento de alunos de Estágio Supervisionado, de Prática de Pesquisa e Prática de Ensino em Inglês da UESC, além dos monito-res/pesquisadores bolsistas e voluntários já selecionados para participarem do projeto.

A quarta fase consistirá de ofi cinas com os pro-fessores. Inicialmente, previram-se encontros semanais presenciais de oito horas cada, perfazendo um total de 15 encontros e 120 horas. Nestes encontros serão desen-volvidas ofi cinas de aprimoramento linguístico, em para-lelo às ofi cinas de pesquisa sobre sua prática que visam

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aprofundar a refl exão teórica/prática sobre o ensino de inglês na escola pública, tendo o resultado das pesquisas iniciais. Além disso, nesta fase, os professores farão uso sistemático de computadores conectados a internet bem como a resignifi cação de tecnologias já consagradas na instrução formal no contexto das tecnologias multimidiá-ticas, numa visão de linguagem como prática social situa-da (BRASIL, 2006).

Nas ofi cinas de desenvolvimento linguístico/comu-nicativo, em língua inglesa, os professores farão uso dos suportes digitais, propiciando assim uma vivência de en-sino/aprendizagem de inglês mediado por computador, possibilitando assim também um enriquecimento dos multiletramentos dos professores, especialmente dos le-tramentos na Web. O que se pretende é fomentar a apren-dizagem destes recursos pelo uso. Ao mesmo tempo em que utilizarão dos ambientes virtuais para seu aprimora-mento linguístico, estes professores estarão aprendendo a utilizar os recursos em suas práticas pedagógicas de ensi-no. Na mediação do ensino/aprendizagem pelo compu-tador e, especialmente, de suas ferramentas assíncronas, tem-se uma alternativa de agrupar pessoas de locais dis-tintos, com disponibilidades de tempo e estilos de ensino/aprendizagem diferenciados, permitindo-lhes assim expe-riências comuns às dos cursos presenciais que propiciam boa qualidade de interação. O computador fornece aos participantes oportunidades de interação, de refl exão e de construção de conhecimento de forma colaborativa em tempo integral.

Neste processo, previram-se uma média de 100 ho-ras de atividades, sobre as quais os professores atuarão so-bre a tutoria do coordenador e da equipe executora deste projeto em tarefas de ensino/aprendizagem de inglês, em ambiente virtual de aprendizagem, utilizando-se do Sis-tema de Gerenciamento de Cursos Moodle, assim como outros recursos mais tradicionais na Web como e-mails pessoais, listas de discussão e chats, e mais recentes como a produção de textos colaborativos e páginas por Wikis, e repositórios de vídeo e áudio (youtube e podcasts), utili-

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zação de ferramentas de busca e dicionários on-line. Nas ofi cinas, os professores também estarão analisando, refl e-tindo e produzindo materiais educacionais que serão se-lecionados para publicação na internet. A publicação dos materiais na internet poderá ser acessada e reproduzida por professores, em diferentes tipos de mídia, incluindo: material impresso e plastifi cado, CDs e DVDs, para utili-zação de acordo com o contexto de atuação do professor. De forma, que nesta fase, prevê-se encontros presenciais e a utilização de suportes digitais para realização de ta-refas monitoradas pelo coordenador do projeto em am-bientes virtuais de aprendizagem. Ainda, está previsto a contribuição de outros professores de inglês do curso de Letras da UESC que desenvolvem projetos de pesquisa e extensão. Tendo a participação destes projetos, esta fase ganhará uma carga horária extra maior, em atividades de extensão, frente a carga horária já prevista, contribuindo para a formação continuada destes professores e para ri-queza do projeto em seus aspectos de formação e refl e-xão sobre a prática.

Resultados Esperados e Considerações Finais

O FORTE tem como expectativa principal tornar mais efetiva a intervenção da Universidade Estadual de Santa Cruz no universo das escolas públicas de educa-ção básica de sua área de abrangência, em especial, nas cidades de Ilhéus e Itabuna. Além disso, busca-se um melhor aproveitamento dos recursos disponíveis das es-colas que fi zeram parte do programa Proinfo do governo federal assim como outras iniciativas dos governos fede-ral, estadual e municipal, que equiparam as escolas com laboratórios de informática assim como outros equipa-mentos tecnológicos. O projeto pretende fomentar uma transformação na relação que o professor de inglês tem com sua prática de ensino, ao adquirirem maior refl e-xão sobre sua prática, engrandecimento profi ssional e o desenvolvimento signifi cativo de letramentos na Web ao utilizar as diversas ferramentas digitais disponíveis para

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fomentar o ensino de inglês de forma interativa e comu-nicativa, assim como para produzir materiais inéditos e inovadores baseados na Web. Estes professores podem utilizar equipamentos disponíveis em suas escolas, bem como ambientes virtuais de aprendizagem, que podem ser acessados em suas comunidades ou no espaço desti-nado a este projeto na UESC.

Este projeto poderá ter impacto na prática de ensi-no dos professores já atuantes assim como na formação inicial dos alunos de licenciatura em Letras, e, por conse-guinte, na aprendizagem dos alunos da educação básica da Bahia. Através da solicitação de bolsas de Iniciação Científi ca e Iniciação Tecnológica, estágios e monitoria, prevê-se um maior envolvimento dos alunos de gradua-ção em ambiente de pesquisa que tem como eixo temáti-co a compreensão de práticas de ensino/aprendizagem de línguas na Web, o que pode contribuir signifi cativamente para a sua formação. O conhecimento gerado no projeto será divulgado em eventos nacionais e internacionais as-sim como em publicações e, em particular no caso desse projeto, no portal do programa na Web. A produção de material didático, fruto do trabalho colaborativo entre os professores da rede pública de ensino do estado da Bahia, a equipe executora do projeto, e os alunos de graduação, será mediada por suportes digitais e outras tecnologias como a utilização de gravadores de áudio e vídeo, televi-sores, reprodutores de CD, DVD, e MP3, equipamentos de som, e reproduzidos em mídia impressa, que podem ser plastifi cadas para evitar danos, além da produção de jogos, coletâneas para-didáticas, materiais de leitura apro-priada às comunidades, jornais, cartazes, etc. É importan-te ressaltar que o material pedagógico produzido, poderá tomar o formato de um “kit de ensino”, material impresso plastifi cado e encadernado, unidades de áudio e vídeo reproduzidas em CD e/ou DVD, softwares, atividades on-line disponíveis no portal do programa, o que deverá confi gurar o resultado de um processo de ensino/aprendi-zagem colaborativo, muito mais que apenas a geração de um produto.

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Em suma, este projeto pretende lidar consciente-mente com condições e situações adversas a uma profi s-são tão importante no mundo contemporâneo. É difícil, complexo, mas não impossível, já dizia o mestre Paulo Freire. De fato, histórias desastrosas que nos rodeiam pa-recem ser arquitetadas para que descraditemos na nossa profi ssão de professores de línguas. Temos que nos lem-brar sempre que de pequenas transformações fazemos o mundo que desejamos viver. Temos que ser protagonistas e parceiros da mesma empreitada: alunos, professores e pesquisadores. É este o cenário com que sonho e o mun-do que se deseja com este projeto. Espera-se FORTalecer aquele que deveria ser o bem mais importante para um país, o professor.

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O PROFESSOR DE ESPANHOL DIANTE DOS LETRAMENTOS DA WEB E A UTILIZAÇÃO DOS

GÊNEROS DIGITAIS1

Tatiana Lourenço de Carvalho

Considerações Iniciais

Diante dos avanços tecnológicos é recorrente a utili-zação do computador e dos gêneros digitais no dia-a-dia da maioria das pessoas. Já faz parte do cotidiano de cada sujeito práticas como: acessar e enviar e-mails, participar de fóruns virtuais, manter blogs, participar de sites de relacionamen-tos como o Orkut, bate-papos virtuais, além de acessar sites de interesses diversos, sejam eles para o entretenimento ou de cunho escolar, acadêmico ou profi ssional.

Não é questionável que tais usos têm provocado uma maior utilização da linguagem escrita por “todos” nas mais diversas formas e ambientes, pois nunca se es-creveu/leu tanto em situações corriqueiras como atual-mente. Isso vem gerando, nos últimos anos, o interesse de diversos pesquisadores2 em “desvendar” as práticas e particularidades de utilização desses novos gêneros textu-ais e novos letramentos provenientes da mídia digital.

Dentro desse novo panorama de pesquisa vem ga-nhando destaque o estudo da relação entre os gêneros digitais e o ensino de línguas estrangeiras (SOUZA, 2007; MOTTA-ROTH, REIS; MARSHALL, 2007; ARAÚJO-JÚ-NIOR, 2007; 2008). Entre outras coisas, tem-se buscado compreender em que medida gêneros, como e-mails, chats, blogs, e-foruns, fotologs, homepages, sites, listas de

1 Este capítulo rememora parte das discussões travadas na disciplina Letramentos na Web (Tópicos Avançados I), ministrada no semestre de 2008.1 pelo Prof. Dr. Júlio Araújo, no PPGL da UFC.2 Entre eles, podemos citar Marcuschi (2005); Paiva (2005); Araújo (2007a); Araújo & Biasi-Rodrigues (2007); Caiado (2007); Leal (2007); Cristovão & Nascimento (2008).

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O PROFESSOR DE ESPANHOL, OS LETRAMENTOS NA WEB E OS GÊNEROS DIGITAIS

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discussão etc., podem contribuir para o desenvolvimento do aprendizado de línguas estrangeiras.

Diante dessas muitas formas de utilização da Web e consequentemente dos gêneros ligados a ela, será que a escola e os professores estão acompanhando e tirando proveito dessas novas práticas para enriquecer o processo de ensino e aprendizagem? Será que ainda existe o mito de que o professor vê o computador e suas utilizações como uma ameaça à educação? Estes e outros questiona-mentos pretendemos explorar neste capítulo a partir da análise de dados oriundos da aplicação de um questioná-rio a professores de espanhol como língua estrangeira da cidade de Fortaleza.

Este trabalho parece-nos pertinente, porque visa perceber o posicionamento desses professores frente às práticas de letramentos na Web. Diante do conhecimen-to da postura desses docentes poder-se-á mais facilmente buscar soluções para que as inovadoras tecnologias de co-municação venham servir de fato como ferramenta para o ensino em geral e o ensino de línguas em particular.

O Professor de Espanhol e as Práti cas do Idioma na Web

Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) para o ensino de línguas estrangeiras modernas, um dos objetivos do ensino de idiomas na escola é con-duzir o aluno à percepção e à compreensão de outras culturas (BRASIL, 1998). Nesse sentido, compreendemos que a Internet pode desempenhar um papel bastante sig-nifi cativo, pois possibilita uma comunicação instantânea entre pessoas dos mais distantes lugares do mundo, de diferentes idiomas e culturas. Além do que, os PCN suge-rem um trabalho interdisciplinar, o que torna a correlação ensino de línguas e novas tecnologias uma necessidade à formação dos educadores no século XXI.

No caso do Espanhol, uma língua que vem ganhan-do destaque signifi cativo no cenário mundial, a importân-

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TATIANA LOURENÇO DE CARVALHO

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cia de se estudar tal idioma, em nosso país, deve-se, entre outros motivos, à nossa localização geográfi ca, pois somos o único país da América que fala português. O ensino da língua espanhola no Brasil, portanto, pode promover o fortalecimento das questões econômicas e o estreitamen-to das relações culturais com os países vizinhos.

Outro fator importante no que toca ao ensino do espanhol no Brasil foi a aprovação, em 05 de agosto de 2005, da lei de obrigatoriedade do ensino deste idioma nas escolas públicas.3 Mas, antes mesmo da aprovação dessa lei, a ascensão do espanhol no cenário mundial foi muito bem entendida pelas escolas particulares e pelas escolas de idiomas, que, em sua grande maioria, já ofere-cem, desde a década de 90, o espanhol como mais uma opção de língua a ser aprendida.

Nesse contexto de crescimento da importância de se estudar a língua espanhola, compreendemos que a uti-lização do computador com o proveniente uso dos novos gêneros, bem como o letramento digital, ganha importân-cia ainda maior no ensino, pois pode servir tanto como recurso didático, quanto instrumento de integração e inte-ração entre falantes nativos e aprendizes da língua meta.

Entende-se aqui como letramento digital não so-mente o conhecimento tecnológico da informática, mas também e, principalmente, os usos que se faz desses re-cursos informáticos de maneira signifi cativa entendendo suas práticas e possibilidades em situações sociais e reais do dia-a-dia dos internautas.

Os gêneros provenientes da mídia digital ou sim-plesmente gêneros digitais, como preferem Marcuschi (2005) e Araújo (2007b), são compreendidos, aqui, como gêneros emergentes do advento da tecnologia digital, em especial da Internet, tais como: e-mails, chats, blogs, e-fo-runs entre outros. Fundamentando-se principalmente em

3 COSTA, Alexandre. Câmara aprova projeto que obriga o ensino do espanhol nas escolas. Disponível em: (http://www.abrelivros.org.br/abrelivros/texto.asp?id=1270). Acesso em: junho/2008.

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Bakhtin (2000) e Crystal (2001), Marcuschi (2005) defi ne gênero como evento linguístico atrelado às necessidades comunicativas da sociedade, o que, a nosso ver, é rele-vante para defi nir também os gêneros digitais, pois estes surgem dentro de uma determinada esfera da comunica-ção, a esfera digital. Esses gêneros se desenvolvem em conformidade com os usos que os homens fazem das no-vas tecnologias de comunicação decorrentes dos avanços das tecnologias eletrônicas digitais.

Sobre a utilização do computador no ensino de línguas, Lévy (1997) argumenta que este pode desempe-nhar funções explicitamente didáticas, relacionadas, por exemplo, com a veiculação de diversos exercícios que visem o desenvolvimento de habilidades comunicativas nos aprendizes. Humblé (2001), por sua vez, argumen-ta que as novas tecnologias, em especial o computador, signifi cam uma verdadeira revolução para o ensino de línguas em geral e das línguas estrangeiras em particular, uma vez que possibilita acesso imediato a textos autênti-cos e atuais na língua alvo, o que antes da Internet não seria tão fácil.

Falar, portanto, do ensino de línguas estrangeiras sem fazer menção ao uso da Internet, dos diversos letra-mentos na Web demandados por tantos gêneros emergen-tes, como recursos pedagógicos, é algo, a nosso ver, fora de cogitação, uma vez que estas ferramentas já fazem par-te do cotidiano de nossos alunos, conforme veremos mais adiante, seja como fonte de pesquisa, seja como um meio de se comunicar. É por isso que compreendemos que, no ensino, o uso dessas novas tecnologias de comunicação, em especial dos gêneros digitais, depende, em parte, da forma como os professores vêem essas inovações.

Segundo Xavier (2007), muitos professores, por desconhecerem ou desconfi arem do funcionamento e das vantagens das novas tecnologias de comunicação, têm se recusado a usá-las em suas atividades cotidianas, e o que é pior, têm se deixado levar por ideias e concepções sem o menor fundamento científi co. Alguns docentes, segun-

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do ele, reproduzem um discurso “tecnófobo” sem a refl e-xão necessária. Ainda sobre esse assunto, Araújo (2007a) argumenta que a Internet deve ser vista como um elemen-to ampliador das possibilidades de uso da língua e não como uma ameaça à própria língua ou aos professores.

Na verdade, em função de essa chamada era di-gital, o computador pode ser um recurso extremamente necessário à educação se bem utilizado. De nada vai adiantar a escola estar equipada com essas ferramentas se o professor não estiver preparado para usá-los, se não possue letramento digital. A concepção de aprendizagem deve ser encarada como um processo de construção cole-tiva, na qual o computador é mais uma possibilidade de intermediação no ensino. Reforçando essa ideia, Cosca-relli (2005) pondera que a informática não vai substituir ninguém. Ela não vai tomar o lugar do professor nem vai fazer mágica na educação.

Compreendemos, portanto, concordando com Araújo (2007), que cabe ao professor de línguas, sejam elas materna ou estrangeira, o papel de explorar as pos-sibilidades pedagógicas da Internet, e não simplesmente opor-se a esta sem realizar uma refl exão necessária. Por essa razão nossa pesquisa torna-se pertinente, uma vez que visa traçar um perfi l do professor de espanhol frente à utilização dessas novas formas de comunicação, desses novos letramentos mediados pelo computador e dos no-vos gêneros como recursos didáticos.

Metodologia

Os dados dessa pesquisa foram gerados através da aplicação de um questionário, em março de 2008, a ca-torze professores de espanhol para brasileiros da capital cearense. Esses docentes lecionam em centros de línguas de referência ligados a instituições públicas de ensino: Ca-sas de Cultura da Universidade Federal do Ceará (UFC), Núcleo de Línguas da Universidade Estadual do Ceará (UECE), Centro de Línguas Estrangeiras do CEFET/Ceará

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– CLEC, Centro de Línguas do Instituto Municipal de Pes-quisa Administração e Recursos Humanos – IMPARH.

As perguntas aplicadas no questionário foram as seguintes:

1) Você tem acesso à Internet?

( ) SIM

( ) NÃO

1.1) Onde?

( ) Em casa

( ) No trabalho

( ) Lan house, Cyber café etc.

( ) Outros:

2) Caso a resposta anterior seja afi rmativa informe com que frequência você

costuma acessar a Internet.

( ) Todos os dias

( ) Nos fi nais de semana

( ) Três vezes por semana

( ) Uma vez por semana

( ) Outros:

3) Que atividades você costuma desenvolver na Internet? (Obs.: Mais de uma

alternativa pode ser marcada).

( ) Acessar e enviar e-mails.

( ) Comunicar-se por meio de salas de bate-papo virtual (Chats), MSN...

( ) Participar de fóruns virtuais.

( ) Escrever e/ou ler em blogs.

( ) Outros:

4) Você tem conhecimento de alguns dos usos que os seus alunos fazem da In-

ternet?

( ) SIM

( ) NÃO

Caso a alternativa anterior seja afi rmativa que práticas dos alunos você conhece?

5) Você acha que é possível que seus alunos desenvolvam habilidades escrita na

língua espanhola comunicando-se através de e-mails, chats ou outras formas

mediadas por computador?

( ) SIM

( ) NÃO

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6) Você costuma realizar alguma atividade pedagógica com seus alunos envol-

vendo o computador ou a Internet?

( ) SIM

( ) NÃO

Caso sua resposta seja afi rmativa descreva alguma atividade que tenha

utilizado?

Caso a resposta seja negativa como você acha que poderia ser esses tipos ati-

vidade?

(Quadro A – Questionário)

As respostas dos professores nos permitem chegar a algumas conclusões que veremos no tópico seguinte.

Análises dos Resultados

Dentre às perguntas ligadas ao perfi l do professor diante das práticas de linguagem na Internet, apresenta-remos três tabelas de resultados (A, B e C) seguidos de comentários. Para facilitar a compreensão, em vez de no-mear, preferimos numerar de 1 a 14 os professores, de maneira aleatória.

A primeira tabela – abaixo – mostra os resultados da primeira e da segunda questão presentes no questioná-rio apresentado acima.

Professor

(a)

Acesso

à

Internet

Em

casa

No

Trabalho

Em

Lan

house,

cyber

café

etc.

Outros

Frequência de

acesso

Todos

os

dias

3 vezes

por

sema-

na

1 • • •

2 • • •

3 • • •

4 • • • •

5 • •

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6 • • •

7 • • •

8 • • • •

(não especi-

fi cou)

9 • • • •

(Casa de

Amigos)

10 • •

11 • • •

12 • • •

13 • • •

14 • • •

(Tabela A – Locais e frequência de acesso dos professores)

Os resultados apresentados, nesta tabela, compra-vam que o computador faz parte da vida cotidiana desses professores, pois todos (100%) acessam a Internet. Des-se total, treze (93%) possuem ou tem acesso à máquina na sua própria casa. Do total de professores, oito (57%) acessam nos locais de trabalho, além de acessar em casa e apenas um (7%) não acessa em casa, somente no traba-lho, ou seja, nove (64%) têm acesso a Internet na escola. Destaque para os professores 8 e 9 que afi rmam acessar tanto em casa, como no trabalho, em lan houses, cyber cafés etc. e também em outros locais, como em casa de amigos, conforme nos informa o professor 9. Isso reforça a presença do computador no cotidiano desses docentes.

A frequência de acesso marcada pelos professores destaca de maneira signifi cativa a confi rmação de que a informática, de fato, está presente em situações diárias de comunicação, visto que as duas opções marcadas fo-ram as que refl etem mais dias de acesso: todos os dias, dez professores (71%) e três vezes por semana, quatro professores (29%). Nenhum professor (0%) marcou, so-mente, nos fi nais de semana ou uma vez por semana; por isso essas opções não constaram do primeiro quadro de resultados.

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Podemos, a partir da apresentação destes dados, constatar a familiaridade desses professores na utilização, em grande frequência, da Internet em diversos ambientes, destaque especial para escola em que trabalham. Isso é um indício de que, esses docentes não vêem o computa-dor conectado à Internet como uma “ameaça” ao trabalho que fazem ou algo desnecessário em seu dia-a-dia dentro e fora da escola.

Comprovamos, portanto, que eles são pessoas le-tradas digitalmente, pois, ao navegar pela Internet, de-monstram ter algum domínio das práticas para lidar com os sistemas de informações online na rede, de interagir via comunicação eletrônica, bem como a capacidade de utilizar os sistemas operacionais do computador sejam para usos pessoais, sejam para fi ns didáticos, mesmo que de maneira não tão exploratória das especifi cidades des-tes recursos.

A tabela seguinte apresenta os resultados referentes à pergunta número 3, presente no questionário (Quadro A), relacionada ao tipo de atividade que eles desenvol-vem na Internet.

Professor

(a)

Acessar e

enviar

e-mail

Comunicar-se

por chats, MSN...

Participar de

fóruns virtuais

Escrever

blogsOutros

1

2

3

4

5

6

7

8

9

10

11

12

13

14

(Tabela B – Atividades desenvolvidas pelos docentes na Internet)

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Todas as atividades apresentadas nesta questão fo-ram marcadas em maior ou menor frequência de uso. A utilização do e-mail predominou entre as práticas de lin-guagens na Internet desses professores: todos (100%) aces-sam e enviam e-mails. A comunicação através de bate-papo virtual, como chats e MSN, por exemplo, está presente nas utilizações de dez professores (71%), seguido da escrita em blogs – quatro docentes (29%) possuem esta prática – e da participação em fóruns virtuais – prática de somente três professores (21%). Alternativa marcada por seis professores (43%), a opção “outros” apresenta, de maneira aberta, que os professores também podem ter letramentos para fazer pesquisas diversas na Web. Neste sentido, é ilustrativo des-se tipo de letramento a preocupação do professor 4 em preparar as aulas utilizando recursos da Internet, quando informa realizar pesquisas no site do Instituto Cervantes4 e em outros sites educacionais. Nessa situação, embora percebamos a boa vontade do docente em realizar pesqui-sas na Internet para levar atividades a serem realizadas em classe, não percebemos o incentivo aos alunos em usar es-ses recursos no seu próprio ambiente de origem, a Web.

Essas questões são importantes para o nosso estudo porque nos permite conhecer as práticas de acesso des-ses professores na rede, bem como suas utilizações mais frequentes, ou seja, suas habilidades para utilizar o com-putador como objeto de comunicação, entretenimento, pesquisa etc. Esses dados nos permitem, ainda, afi rmar que esses professores estão entre os poucos cidadãos brasileiros “incluídos” digitalmente, ou seja, fazem parte da peque-na parcela da população com conhecimento para interagir por meio das tecnologias digitais de comunicação, visto que nas escolas públicas em que se pratica a educação bá-sica, o ensino de língua de modo particular e o ensino de modo geral goza de uma realidade bem diferente daquelas vivenciadas pelos docentes estudados neste trabalho.5

4 http://www.cervantes.es/5 Evidentemente, não estamos negando que as universidades públicas e os CEFETS não enfrentem problemas de variadas ordem.

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Quando perguntados se têm conhecimento dos usos que seus alunos fazem na Internet, questão 4 (quadro A), surpreendentemente todos (100%) afi rmam conhecer as práticas de seus alunos, dentre as mais citadas destaca-mos: pesquisas em geral, acesso e envio de e-mails, salas de bate-papo, acesso a Orkut, MSN, dicionários eletrô-nicos, atividades culturais envolvendo músicas e fi lmes. Esta proposta foi indicada, mas não foi detalhada pelo professor 11. Os resultados dessa questão nos deixaram bastante animados, pois o conhecimento destas ativida-des desenvolvidas pelos alunos nos mostra que estes pro-fessores podem possuir certo envolvimento social com os discentes em ambientes extra-classes. Tal interação só é possível, em proporções mais amplas, devido aos letra-mentos na Web que abrem as portas para a comunicação utilizando os gêneros acima citados provenientes da mí-dia digital.

Ao responder a pergunta número 5 do questioná-rio (Quadro A), que trata da opinião desses professores sobre o desenvolvimento da habilidade escrita na língua espanhola comunicando-se através de gêneros digitais, o resultado também foi bastante animador. Treze professo-res (93%) afi rmam achar possível, esta possibilidade de desenvolvimento da escrita em língua espanhola mediada pelas ferramentas da Internet.

A pergunta de número 6, última do questionário (Quadro A), explora a questão da utilização do compu-tador e da Internet para a realização de atividades peda-gógicas. Nela oito professores, mais da metade (57%), afi rmam realizar alguma atividade, enquanto seis (43%) dizem que não têm essa prática. Todos eles, ao responder a esta questão detalharam como realizam ou realizaram algumas dessas atividades, ou como seriam estas ativi-dades caso as realizassem. Eis as propostas citadas pelos docentes:

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Professor (a)

Realiza atividade pedagógica envolvendo o computador

Não realiza atividade pedagógica envolvendo o

computador

1“Busca de notícias em jornais

eletrônicos sobre um determinado assunto.”

2“Ampliar o vocabulário e fazer

pesquisa sobre os países.”

3“Ler jornais e buscar informa-

ções atuais.”

4

“Acesso dos alunos a sites educacio-nais como o do Instituto Cervantes e os propostos pelo livro. Na aula

seguinte os alunos apresentam os resultados da investigação feita

em casa.”

5“Para pesquisa sobre temas

culturais.”

6 “Atividades via e-mail.”

7“Poderia pedir para que eles façam pesquisas para serem discutidas em sala de aula.”

8 “Pesquisa sobre cultura, música...”

9“Indicar sites de jogos,

leituras em livros eletrônicos (e-books).”

10“Atividades de pronúncia,

pesquisas, resolução de exercícios, etc.”

11“Buscar informações sobre conteú-

do cultural.”

12“Pesquisas a sites, utilização

de programas específi cos, etc.”

13

“Atividades em sala utilizando data-show. Ex: Jogos, exercícios en-volvendo os conteúdos de revisão,

pesquisas para casa.”

14“Pesquisa sobre as principais festas da Espanha para os alunos apresen-

tarem nos seminários.”

(Tabela C – Propostas de atividades sugeridas pelos professores)

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De maneira geral as atividades pedidas pelos pro-fessores envolvem pesquisas na Internet, o que, para se obter um bom resultado, exige dos alunos letramentos diversos para que se movam pelas práticas letradas da Web com profi ciência. Essa prática possibilita de manei-ra mais rápida e ampla o acesso à diversidade de con-teúdos disponíveis na rede. No entanto, o professor não pode jogar os alunos de maneira irresponsável à mercê de tudo o que há disponível na Internet. É necessário que se faça uma orientação prévia sobre como, o que e onde investigar, pois nem todas as páginas da Web apresentam conteúdos seguros e confi áveis. Citemos o exemplo do professor 5, ao indicar sites educacionais aos alunos, como o do Instituto Cervantes e os propos-tos pelo livro, no caso, o livro didático. Aqui podemos perceber uma orientação aos alunos a visitar sites edu-cacionais confi áveis ligados a respeitadas instituições de ensino. Já é comum, de acordo com as pesquisas de Araújo-Júnior (2007; 2008), haver propostas de ativida-de em livros didáticos incentivando o contato do aluno com esse universo digital, embora, algumas vezes, não os conduzam, necessariamente, à comunicação em am-bientes virtuais.

Quando se trata da utilização de gêneros com seus usos sociais da língua, somente o professor 6 afi rmou uti-lizar uma atividade envolvendo um gênero, no caso o e-mail, porém não a detalhou, não informou como se deu esse processo. Será que ele de fato trata das especi-fi cidades desse gênero? Ou utiliza o e-mail apenas como mais um pretexto para um ensino tradicional da língua, conforme constatou, por exemplo, Araújo-Júnior (2008), ao analisar os livros didáticos destinados ao ensino de espanhol.

Tais questionamentos são pertinentes, pois ao ob-servarmos as propostas dos professores, de um modo ge-ral, percebemos que, infelizmente muitas das atividades envolvendo o computador deixam a desejar quanto as especifi cidade de usos dessas ferramentas.

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Considerações Finais

Os resultados, acima mencionados, nos permitem perceber de uma maneira bem geral o perfi l do professor de língua espanhola destas escolas de idiomas diante dos letramentos digitais, dos gêneros provenientes da Internet e suas utilizações didáticas. Vale salientar, entretanto, que esse resultado não tem nenhuma relação com os professo-res da escola regular do ensino público. Nesta, a realidade é diferente, prevalece entre a maioria dos docentes, con-forme constatamos em Araújo-Júnior e Carvalho (2007) um sentimento de aversão com relação às práticas de linguagem na Internet, o que se refl ete, por exemplo, na ideia equivocada de que “a escrita desenvolvida em am-biente digital interfere negativamente na escrita escolar”. Isso pode estar ligado ao tratamento dado ao professor nestes estabelecimentos de ensino, nos quais enfrentam péssimas condições de trabalho, sendo, talvez, eles mes-mos excluídos digitais como afi rma Araújo (2007b).

No entanto, percebemos algo de positivo através da aplicação do questionário, o fato de que o computador e seus recursos já fazem parte do cotidiano desses docen-tes, bem como o conhecimento de uso dessas práticas de linguagem mediada pela Internet na vida dos alunos. Esse resultado é bastante motivador, visto que há um conheci-mento de que no dia-a-dia esses recursos são ferramentas necessárias à interação em sociedade. Não dá para se vi-ver em pleno século XXI, sem acompanhar esses avanços tecnológicos responsáveis em facilitar a vida do homem moderno.

De modo geral não percebemos nos professores aversão em utilizar a Internet como mais um recurso di-dático, o que falta, muitas vezes, é estrutura adequada e incentivo, por parte da escola, em capacitá-los a utilizar tais recursos. Isso nos levou a conclusão de que apesar da presença do computador nestas instituições, o acesso didático, orientado por alguém capacitado para utilizá-lo, muitas vezes não ocorre.

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Aos professores cabe a utilização intuitiva dessas ferramentas como lhes convêm. Todos, até os que não usam a Internet no ensino, propuseram atividades que envolviam a utilização do computador, porém, como já comentamos acima, essas propostas, muitas vezes, não destacavam as características próprias da utilização des-ses meios em ambiente digital. Tais recursos são utiliza-dos somente para uma mera transposição do que se fazia antes, no ensino tradicional, com os recursos hipermidiá-ticos da Web. Atividades, como a proposta pelo professor 13 no quadro A, exemplifi cam bem isso: “atividades de revisão para a prova com a utilização do data-show”.

Esperamos que os resultados desta investigação possam contribuir de alguma forma para o enriquecimen-to da literatura sobre o tema e que os professores possam ter mais acesso à bibliografi a sobre o assunto e, conse-quentemente, uma preparação adequada para lidar com esses novos letramentos.

Na apresentação da realidade que ocorre nestas quatro escolas de idiomas de Fortaleza, acreditamos ter traçado um perfi l desses profi ssionais que atuam no en-sino de línguas, em particular a língua espanhola. Esse é o primeiro passo para o desenvolvimento de um trabalho mais aprofundado e direcionado sobre o assunto.

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O E MAIL E O BLOG: INTERAÇÃO E POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS1

Francisca das Chagas Soares Reis

Ninguém caminha sem aprender a caminhar, sem aprender a fazer o ca-minho caminhando, sem aprender a refazer, a retocar o sonho, por causa do qual a gente se pôs a caminhar.

(Paulo Freire)

Considerações Iniciais

A clássica cena do fi lme “2001-Uma Odisséia no Espaço” apresenta um corte temporal de milhões de anos e representa, assim, de forma contundente a evolução humana através da evolução tecnológica.2 Nesta obra, lançada em 1968, Clarke e Kubrick3 apresentam em lin-guagem fi ccional uma visão do futuro tecno-científi co da humanidade. Atualmente, mesmo que as pesquisas em Inteligência Artifi cial ainda não tenham produzido um HAL,4 o avanço tecnológico vem processando infi ndá-veis transformações em nosso cotidiano; as tecnologias tornaram-se parte integrante de nossas vidas, modifi cando pensamentos, atitudes, percepções e comportamentos, gerando novos letramentos.

1 Este capítulo retoma parte das discussões travadas na disciplina Letramentos na Web (Tópicos Avançados I), ministrada no semestre de 2008.1 pelo Prof. Dr. Júlio Araújo, no PPGL da UFC.2 A cena parte de um homenídeo que sai da posição de caça para caçador, através do uso de ferramentas rústicas, para uma nave es-pacial controlado por um computador.3 Arthur Clarke (escritor britânico) e Stanley Kubrick (diretor de cinema), autores de 2001: Uma Odisséia no espaço.4 Personagem principal do fi lme, um supercomputador capaz de enxergar e reconhecer pessoas, de utilizar a linguagem verbal para comunicar-se e de expressar emoções.

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FRANCISCA DAS CHAGAS SOARES REIS

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Por essa razão, ao lado desse progresso, surge a necessidade de fornecer ao homem os meios para uma convivência na qual predomine o uso crítico e ético da tecnologia, evitando o que Jacques Ellul (1968) chamaria de dominância da técnica sobre o homem. As técnicas criadas pelo homem as quais constituem suas descobertas e suas esperanças, mas que, num dado momento, passam a dominá-lo completamente modifi cando tempo, espaço, fragmentando o homem e massifi cando a sociedade.

Essa questão fi ca bem clara quando observamos as mudanças ocorridas após o advento da internet. As distân-cias diminuíram e a rede de informações e a comunicação aumentaram. Mas, da mesma forma que trouxe benefícios quanto às possibilidades de interações, de conhecimentos e de desenvolvimento cultural, se mal utilizada, torna-se arma capaz de trazer graves prejuízos para os usuários, tais como: exposição à material inapropriado, invasão de privacidade e agressões em ambiente virtual.5

Diante dessa constatação, a escola como institui-ção de difusão de saberes e uma das responsáveis para a preparação desse homem para a vida em sociedade, não pode caminhar à margem da evolução tecnológica nem “fazer vistas grossas” para as transformações ocorridas na sociedade; principalmente, porque se as possibilidades das tecnologias são muitas, com a internet tendem a am-pliar muito mais. Para Araújo & Biasi-Rodrigues (2007, p.79), por exemplo, a escola “precisa construir a sua histó-ria absorvendo novos conhecimentos e novas tecnologias e, valendo-se deles, promover um ensino-aprendizagem contextualizado”.

Partindo dessa premissa de escola como articula-dora de saberes e tecnologias, além de promotora de co-nhecimentos contextualizados, pretendo, nesse capítulo, apresentar sugestões de como o professor em sua prática docente pode vir a contribuir positivamente para essa fun-ção da escola.

5 Como mostra Siqueira (2005), ao tratar das lamentáveis cenas de racismo que analisa em fóruns digitais.

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Para Lemos (2004), a interação entre o homem e as tecnologias vem evoluindo com o tempo a caracteri-zar o que ele denomina de revolução digital que propicia ao homem interagir não só com a máquina, mas também com a informação e com o conhecimento. Cabe, então, ao professor fazer uso dessa tecnologia como estratégia de aprendizagem, mediar essa interação, de modo a con-tribuir com o processo de apropriação das informações disponíveis e com a construção do conhecimento.

Ao observar os Planos de Estudos6 (PLAEST) da es-cola na qual trabalho, verifi quei a ausência de sugestões para o uso das novas tecnologias, com exceção do de Lín-gua Portuguesa que sugere correio eletrônico, quando do estudo dos gêneros textuais. Essa observação foi ponto de partida para as seguintes questões: como pode o professor utilizar-se da internet se os conteúdos relativos às novas tecnologias não são contemplados nos conteúdos progra-máticos de suas disciplinas? Pode o professor utilizar re-cursos da informática sem ser portador de grandes conhe-cimentos na área? O letramento digital7 (SOARES, 2002, p.9) é exclusivo dos professores de Língua Portuguesa?

Estas questões motivaram-me a refl etir sobre de que maneira pode o professor contribuir, independentemente da disciplina ou do currículo ofi cial, com a prática social da leitura e da escrita de seus alunos; e, estimular o uso da in-ternet como ferramenta de construção de conhecimento.

As refl exões feitas a partir de minhas observações reforçaram a crença nas possibilidades oferecidas pela in-formática e levaram-me a propor o uso das ferramentas in-terativas como estratégias que visem a orientar o processo de pensamento e construção do conhecimento centrado na aprendizagem do aluno.

6 Documento contendo o planejamento do conteúdo programático das disciplinas do ensino fundamental, a ser desenvolvido no ano letivo.7 Certo estado ou condição que adquirem os que se apropriam da nova tecnologia digital e exercem práticas de leitura e de escrita na tela, diferente do estado ou condição – do letramento – dos que exercem práticas de leitura e de escrita no papel.

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O uso do computador na escola é tema de diversos artigos, teses e dissertações; autores como Valente (1998), Kenski (2003), Moran (2006), entre outros, há muito pes-quisam as múltiplas possibilidades da informática como recurso didático.

Não é minha intenção, porém, fazer relações com essas pesquisas, ou com as mais recentes acerca de hi-pertexto ou linguagem na internet, pois pretendo apenas destacar dois gêneros digitais utilizados na web para pro-piciar a interação e o compartilhamento de informações – e-mail e blog – a fi m de defender sua aplicabilidade em um ambiente educativo.

Como suporte para essa defesa pretendo utilizar-me das ideias de Paulo Freire (2004; 2002; 1988) que, ao defender a participação ativa do aluno como sujeito de sua aprendizagem, a relação dialógica, a importância da linguagem e da cultura, a busca de signifi cações e a prática refl exiva e a permanente formação do educador em busca de desenvolver a criatividade e a criticidade do aluno, encerra em si todos os pressupostos teóricos aos quais eu poderia recorrer: construção do conhecimento (PIAGET, 1986), o Sócio-interacionismo (VYGOTSKY, 1991) e a Aprendizagem Signifi cativa (AUSUBEL, 1982).

Porque a Proposta?

Ao entrar na universidade, seja na graduação ou na pós-graduação, o aluno vê-se diante da possibilidade do uso de ferramentas do Ensino a Distância (EaD) mescladas às atividades avaliativas presenciais. Minha experiência no Mestrado em Educação da Universidade Federal do Ceará propiciou-me a observação de algumas situações: na matrícula do curso é exigido um e-mail para a lista de discussão,7 espaço legitimado pelo grupo para comuni-

7 Recurso ou ferramenta de comunicação virtual que funciona na plataforma do endereço eletrônico e reúne um grupo de pessoas com interesses comuns.

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cação envolvendo troca de informações; e, algumas dis-ciplinas ao utilizarem ferramentas de EaD, têm como cri-tério de avaliação entradas e postagens em um ambiente virtual através da participação em fóruns e chats.

Constatei também que, para passar por essa expe-riência sem maiores difi culdades, cumprindo as tarefas solicitadas e participando das discussões propostas, não basta saber usar a internet ou conhecer as ferramentas disponíveis no ambiente, é necessário autodisciplina, au-tonomia e motivação para esse tipo de interação pedagó-gica. Atitudes desenvolvidas através da prática usual de uma metodologia específi ca.

O fórum prolonga a discussão a respeito do que foi discutido em sala, exige a leitura prévia, a refl exão sobre os conceitos trabalhados e o posicionamento, a interpretação individual contextualizada e muitas vezes reelaboradas a partir do texto do outro. Além disso, não é como uma produção que é entregue ao professor, corrigi-da, devolvida e arquivada muitas vezes sem exceder à dí-ade professor-aluno. O que se escreve é visto, discutido e complementado por todos, podendo ainda, ser acessado a qualquer momento e promover retomadas na discussão. Portanto, acredito que essa participação seria facilitada se o aluno vivenciasse a partir do ensino fundamental, uma prática dinâmica, participativa, que estimulasse a meta-cognição, a argumentação e o contato regular com a inter-net direcionado ao desenvolvimento da aprendizagem.

Para Costa (2006, p.26), “o leitor-navegador” não é um mero consumidor passivo, mas um co-autor do tex-to que está lendo; portanto, quanto mais cedo crianças e adolescentes tiverem contato com o ciberespaço, mais se desenvolveriam em suas capacidades motoras, linguísti-cas e cognitivas. Acrescento a essa opinião, a importância de um contato mediado pelo professor com a intenciona-lidade de promover espaços propícios a esse desenvolvi-mento, por considerar a postura mediadora capaz de sig-nifi car experiências e propiciar a relação entre situações vivenciadas em sala de aula e fenômenos do cotidiano.

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Sobre essa contextualização do saber escolar, Frei-re (1988) ressalta a importância de valorizarmos a cultura em que nosso aluno está inserido, partindo desta cultura, e procurando aprofundar seus conhecimentos, para que ele participe do processo permanente da sua libertação. Atendendo a esse princípio, o autor orientava, quando de seus estudos sobre alfabetização de adultos, que o educa-dor deveria, inicialmente, pesquisar o universo vocabular do aluno para obter os temas geradores.

Isso nos leva, mais uma vez, a refl etir sobre a práti-ca do professor que utiliza o blog, o e-mail e o chat como recursos didáticos e a analisá-la à luz das ideias de Freire. O computador e a internet já fazem parte do capital cul-tural8 (BOURDIEU, 2001) da maioria de nossos alunos, daí acreditarmos que esse professor está a partir do con-texto cultural desse aluno criando possibilidades para sua própria produção ou a sua construção do conhecimento; além de permitir ao que ainda não tem acesso à cultura digital, a possibilidade de apropriar-se desse novo saber.

Interagindo e Aprendendo na Web

Como professora de Informática, do Colégio Mili-tar de Fortaleza, tive a oportunidade de colaborar com al-gumas atividades desenvolvidas por professoras da disci-plina de Língua Portuguesa envolvendo o uso da internet. A grade curricular da referida disciplina, traz conteúdo estabelecido prevendo o estudo dos gêneros impressos. A proposta das professoras era, sem abandonar os gêneros impressos e orais e sem se distanciar da proposta curricu-lar em uso, reconhecer a importância dos gêneros eletrô-nicos para o letramento digital do aluno (FIGUEIREDO; TAVARES, 2007).

8 Capital – conceito utilizado por Bourdieu para falar das vantagens culturais e sociais que indivíduos possuem e que geralmente os con-duzem a um nível socioeconômico mais elevado; Capital Cultural – conjunto de objetos, conhecimentos e habilidades que o indivíduo adquire paulatinamente nas diversas instituições sociais.

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Como era previsto no conteúdo programático o car-tão pessoal, o convite e a carta (gêneros impressos), alunos e professores desenvolveram atividades contemplando o aprendizado do correio eletrônico e cartão digital.

Em sala de aula foram discutidas as características estruturais do gênero impresso, produção textual do gê-nero estudado, avaliação e reescritura dos textos produ-zidos. No laboratório de informática foram realizadas as mesmas atividades, agora, com os gêneros digitais. Como professora de informática, responsabilizei-me pelas infor-mações básicas para a criação de um endereço eletrôni-co. A partir daí, com a supervisão das professoras, eles passaram e-mail, fi zeram rascunhos, criaram e enviaram cartões digitais.

Além dessa atividade com e-mail, podemos vi-venciar a prática da construção de blogs para registro de pesquisa realizada em Trabalho Interdisciplinar9 (SOA-RES-REIS; SILVA; LOIOLA; CANECA, 2007). O que ob-servamos foi que a atividade com blogs estimulou o inte-resse pela pesquisa e foi o primeiro passo para refl exões sobre aprendizagem colaborativa.

A partir da observação das aulas das referidas pro-fessoras, teço algumas refl exões, à luz da teoria de Paulo Freire, sobre o uso de ferramentas interativas como recur-so didático, no caso, o e-mail e o blog.

O E-mail e o Blog como Recurso de Letramento Digital

Um dos recursos virtuais mais antigos e difundidos na internet, o e-mail ou correio eletrônico é uma ferra-menta assíncrona por permitir a interação entre duas ou mais pessoas sem exigir a simultaneidade dos interlocuto-res. Muito utilizada na troca de mensagens e informações, permite editar textos e anexar arquivos. Além de permitir o uso de um gênero digital relativamente novo que rece-

9 Atividade integradora das disciplinas curriculares.

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be o mesmo nome do ambiente (e-mail), é útil na prática de edição de textos já que ele conta com ferramentas de edição: tipo, estilo, tamanho e cor da fonte, espaçamen-to, marcadores, alinhamento e a possibilidade de inserir emoticons10 e assinaturas personalizadas.

Além disso, o e-mail pode ser utilizado, a exemplo da universidade, como uma extensão da sala de aula. Em uma hora aula, muitas vezes o professor não tem tempo para dar mais atenção a um aluno específi co, recomen-dar uma tarefa especial, indicar uma leitura individual ou até mesmo tirar uma dúvida. Nesses casos, o e-mail pode funcionar como canal de comunicação entre o professor e aluno, permitindo uma maior interação, ampliando o ambiente escolar além da sala de aula e aumentando os vínculos afetivos.

O blog, utilizado como recurso pedagógico ofe-rece infi nitas possibilidades para o desenvolvimento da escrita, da capacidade argumentativa, da criatividade, da organização, da estética, proporciona a experiência de aprendizagem colaborativa e permite a refl exão sobre va-lores éticos. Dito assim parece um exagero e uma super-valorização da ferramenta, mas, vejamos: o aluno, quan-do da criação do blog, utiliza templates11 oferecidos pela hospedagem; mas, com a continuidade fi cam estimulados a mudar combinação de cores, letras, inserirem imagens; isso, sem fazer referência ao título a ser criado que deve ser sugestivo e coerente com a temática do blog.

Quando da postagem de textos (no caso do blog criado pelo aluno) ou de comentários (no blog criado pelo professor), por ser uma tarefa escolar a construção do texto exige um pouco mais de atenção com a lingua-gem e a coerência entre as ideias apresentadas; a atenção quanto aos créditos e referências às fontes pesquisadas envolve o caráter ético do uso da internet e ao estimular a contribuição através da leitura e comentários dos blogs, desenvolve-se a prática colaborativa; afi nal, a educação

10 Imagens gráfi cas representando emoções.11 Modelos para o layout gráfi co do weblog.

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acontece na relação dialógica (FREIRE,2004), pois o indi-víduo se educa no diálogo com o outro.

Soma-se a isso o fato de serem gratuitos e não exi-girem maiores conhecimentos de informática, o que faci-litará o trabalho do professor que não tenha capacitação no uso das novas tecnologias. Será necessário, porém, leituras exploratórias sobre o tema e a observação de blo-gs educativos, mas, esses são passos básicos sempre que procuramos inovar e aperfeiçoar nossa prática docente.

A busca de informações, de novos conhecimentos são atitudes necessárias à produção de saberes. Como diz Freire (2002), sem a curiosidade que nos move na busca, não aprendemos, nem ensinamos.

Considerações Finais

A partir dessas refl exões, posso responder às ques-tões do início do capítulo. Não é minha pretensão, em nenhum momento, apresentar a informática como a res-posta para todas as questões e difi culdades educacionais, não. A intenção é, através dessas considerações com base na observação de experiências, responder às ques-tões iniciais.

Ouso afi rmar ser possível utilizar as tecnologias respeitando o currículo da escola, através da articulação dos diversos saberes que circulam no ambiente escolar e da prática interdisciplinar. Considero a informática um saber que transcende a disciplinaridade e que, ao mesmo tempo em que é utilizada pelas diversas disciplinas, delas também faz uso. Podendo, portanto, ser utilizada como estratégia de aprendizagem, como instrumento que pro-picie ao professor pensar no cotidiano de sua sala como espaço que favoreça, ao aluno, a vivência com a diversi-dade de saberes.

Sim, independentemente da disciplina e de sua in-serção no currículo ofi cial, a informática permeia o currí-culo real e, havendo o desejo, o professor contribui com

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a construção desse currículo alternativo12 no momento da transposição didática de seus conteúdos programáticos e da seleção de estratégias a serem utilizadas durante esse processo. Não sendo necessário para as duas ferramentas sugeridas que o professor possua grandes conhecimentos em programação, tendo em vista que os serviços que ofe-recem esses suportes trazem o passo-a-passo que facilita a sua utilização.

Com o uso da internet, como suporte de incentivo à leitura e à escrita, o professor de qualquer disciplina poderá contribuir para melhorar o nível de letramento de nossas crianças e de nossos adolescentes no sentido de ajudá-los a uma leitura crítica do seu entorno.

E, principalmente, proponho o uso da informática inserida no currículo não como um fi m em si mesmo, isolada do contexto pedagógico; mas, como uma ferra-menta à disposição do professor para contribuir com uma prática docente que privilegie a interação, a construção do conhecimento e a refl exão profunda (metacognição) sobre o próprio processo de aprendizagem, como formas de desenvolver a autonomia, e o aprender a aprender.

Referências Bibliográfi cas

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12 Produzido como opção ao currículo ofi cial. (GALLO, Sílvio. Parâ-metros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental: entre o ofi cial e o alternativo. Disponível em: <http://www.unimep.br/fch/revcomunica/jun%202004/01.pdf>

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LETRAMENTOS QUE EMERGEM DA HIPERTEXTUALIDADE1

Ana Cristina Lobo-SousaJúlio César Araújo

Regina Cláudia Pinheiro

Considerações iniciais

O acesso à Internet tem favorecido a participação crescente de pessoas, dos mais variados níveis escolares e socioeconômicos em diferentes hipertextos. Proliferam lan-houses nas periferias das grandes cidades (e também nas pequenas) e com elas os perfi s no Orkut, as conversas no MSN, os blogs... Mas será que esses diferentes usos em função da heterogeneidade dos gêneros hipertextuais são contemplados pelas defi nições de hipertexto e de le-tramento digital?

As múltiplas práticas discursivas de interação por hipertextos passam ao largo de defi nições cujos exempla-res são as home-pages e com elas a busca de informação, desconsiderando a perspectiva dos gêneros hipertextuais, já amplamente estudados, como o e-mail, (cf. PAIVA, 2005); os chats, que inicialmente entendidos como gê-neros transmutantes e a seguir, como constelação de gê-neros (cf. ARAÚJO, 2003; 2006) e os blogs (cf. KOMESU, 2005; LIMA, 2008), para citar alguns. Esses trabalhos nos autorizam afi rmar com Lobo-Sousa (2009) que, se os hi-pertextos são tão diversos em função dos gêneros que os constituem, então é razoável sugerir que estamos diante de uma categoria maior que o contemple em toda sua diversidade, ou seja, a hipertextualidade.

1 As ideias do presente capítulo são oriundas das calorosas discus-sões feitas durante a disciplina Letramentos na web, ministrada em 2008.1, no PPGL da UFC, pelo Prof. Júlio Araújo. Parte dessas refl e-xões são tributárias da pesquisa de mestrado de Lobo-Sousa (2009) e do anteprojeto de doutorado de Pinheiro (2009), em fase bastante embrionária de elaboração no grupo de pesquisa Hiperged/PPGL.

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Em meio a esse contexto, pesquisas apontam a emergência do conceito de letramento digital, ora restrin-gindo-o a habilidades de manuseio do computador e de alguns softwares, como o Word, ora limitando-se à inte-ração hipertextual, sem, contudo, considerar que o letra-mento digital ultrapassa os limites da hipertextualidade e dela difere, o que nos permite encetar uma refl exão acer-ca de um novo tipo de letramento que estaria relacionado às práticas de linguagem que emergem da hipertextuali-dade. Estamos falando dos letramentos hipertextuais.

Para tanto, nesse capítulo, pretendemos estabe-lecer, primeiramente, uma distinção entre os conceitos de hipertexto e de hipertextualidade para, a partir disso, reivindicarmos a emergência do conceito de letramentos hipertextuais, frente à insufi ciência dos termos hipertexto e letramento digital, para dar conta da multiplicidade de usos da linguagem que se faz hoje na web.

Acreditamos que a heterogeneidade funcional dos hipertextos permite que se vislumbre pensar hipertextu-alidade e letramentos hipertextuais, tendo como hipóte-se de trabalho a afi rmação segundo a qual muitos são os usos individualizantes que se faz nas múltiplas esferas co-municativas virtuais, tendo em vista que muitos internau-tas declaram saberem conversar no MSN, porém não são usuários do Orkut. Outros internautas declaram saberem enviar e receber e-mails sem muitas alterações de confi -guração, ao passo que outros, são experts em medidas de segurança na rede, mas incapazes de produzirem slides em power point.

Assim, inscritos nos preceitos teórico-fi losófi cos de Bakhtin (1997), relativos aos conceitos de enunciação, gêneros e enunciado, procedemos a uma revisão do con-ceito de enunciação digital proposto por Xavier (2002) para o hipertexto, entendendo-o como formas de enun-ciar num tempo/espaço específi co das esferas de comuni-cação humana (ARAÚJO, 2008) que coexistem na inter-net e que demandam, em um sentido ontológico, o que aqui denominaremos de letramento hipertextual.

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LETRAMENTOS QUE EMERGEM DA HIPERTEXTUALIDADE

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Hipertexto e Hipertextualidade: Diferenciações De acordo com Primo & Recuero (2006), a web já

não é mais a mesma e, portanto, nem o hipertexto, isso porque vivemos hoje a terceira geração da hipertextuali-dade, que se caracteriza pela colaboração e participação dos internautas na escrita coletiva de hipertextos. Segundo os autores, a primeira fase da web, em seus primeiros dez anos, foi caracterizada pela publicação de home-pages isoladas, marcada principalmente pela linguagem HTML e pelo sistema de envio de informações produzidas offl i-ne via FTP a um servidor. Esses hipertextos eram bastante vinculados ao meio impresso, nos quais rodapés, remis-sões e índices faziam a interligação de diferentes textos.

Com o avanço das tecnologias informáticas, hiper-textos de segunda geração emergem, o link confere ve-locidade à conexão entre diferentes documentos digitais, apesar de o programador do hipertexto deixar poucas oportunidades para o internauta, pois este apenas pode-ria decidir quais links poderia seguir, e não criar os seus próprios.

Conforme defendem os autores, hoje os hipertex-tos atingem a terceira geração, não só por se apresentarem em uma estrutura integrada de funcionalidade e conteúdo, mas também por permitirem a abertura dos documentos à intervenção dos participantes do sistema, ou seja, à par-ticipação dos internautas em formas multi-direcionais de leitura, a exemplo do que ocorre com os blogs, os peer-to-peer (P2P),2 o webjornalismo participativo e serviços como Flickr,3 para a publicação e discussão de imagens através de associações livres, ou del.icio.us,4 sistema de compartilhamento de listas de favoritos e geração colabo-

2 De acordo com Primo (2007), trata-se de redes voltadas para a troca de arquivos digitais, em que cada cliente tanto pode fazer download de arquivos, quanto oferecer seus próprios arquivos para que outros baixem.3 http://www.fl ickr.com/4 http://del.icio.us

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rativa de metadados. Um dos exemplares de hipertexto mais representativos dessa geração é a Wikipédia.5

Enquanto tecnicamente a hipertextualidade sofre tantas modifi cações tecnológicas, Xavier (2002, p. 9) pro-põe uma defi nição de hipertexto como uma nova tecno-logia enunciativa, da qual emerge o modo de enunciação digital, que é “resultado do amálgama, integração e su-perposição dos vários modos de enunciação (verbal + vi-sual + sonoro) em um mesmo suporte digital de leitura: a tela do computador”. Nessa perspectiva, podemos supor que o hipertexto é, ao mesmo tempo, processo e produto, lugar e uso, sendo tanto a tecnologia que enuncia, quanto a própria enunciação, ambas inter-relacionadas, designa-das por um só termo.

O hipertexto, segundo Xavier, surge da clipagem/bricolagem paradigmática de vários modos enunciativos já existentes, que cooperam com igual peso e valor lin-guístico, semântico e cognitivo para a estruturação do sentido pelo hiperleitor. É na fusão proporcionada pelo hipertexto, que a novidade surge. Mas nesse caso, não podemos concordar que essa fusão seja sempre harmô-nica, pois a depender do hipertexto, uma enunciação ou outra ganham destaque.

É nesse aspecto que o conceito de hipertexto se apresenta bastante amplo, pois, do mesmo modo que encontramos ainda na rede hipertextos compostos prio-ritariamente de enunciados verbais, encontramos outros cujo conteúdo é eminentemente visual, ou sonoro, como o Youtube, por exemplo. Ademais, chats, blogs, e-mails, scraps, sendo gêneros das esferas hipertextuais, acaso não são também hipertextos?

Para Xavier, o hipertexto tende a mediar as rela-ções dos sujeitos e instituições com a produção e circu-lação do saber na Sociedade da Informação. Contudo, de certa maneira, a defi nição de hipertexto parece referir-se

5 pt.wikipedia.org/wiki/Página_principal . Dantas, neste volume, faz uma discussão interessante sobre a Wikipédia.

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a hipertextos cuja função seja informar. Ao menos é o que se percebe em consulta à bibliografi a recente sobre o as-sunto. Gualberto (2008, p.26), por exemplo, ao investigar a infl uência dos hiperlinks na construção do signifi cado na leitura de hipertexto enciclopédico digital, assim se posiciona:

O hipertexto, visto como um sistema que permite a articulação de diferentes fontes de informação, pode ser usado para recolher, ordenar, agrupar, atualizar, pesquisar e recuperar a informação de um modo fácil, rápido e efi ciente (...).O hipertexto tem se tornado um formato frequente para softwa-res educativos, interativos, obras de referência, livros de texto, documentação técnica etc.

Nesse sentido, as mudanças e os avanços do con-ceito, bem como a compreensão que se tem hoje sobre o tema é auxiliada pelas primeiras conceituações de hiper-texto, como a proposta por Vannevar Bush (1945) que, mesmo após décadas de sua publicação (o que signifi ca muito em matéria de tecnologia) tem em seu ensaio sobre o que seria o hipertexto futuramente, a referência teórica fundamental.

A defi nição de hipertexto sugerida em Bush e de-nominada Memex, refere-se a um dispositivo técnico-in-formacional a ser criado para indexar a informação de um usuário de maneira não-sequencial, que se assemelhasse ao nosso jeito de pensar, diferentemente dos modelos de listas alfabéticas ou numéricas. A ideia não era priorita-riamente a socialização da informação, mas um modo de buscar algo que, estando em conexão com outros, pudes-se a ele estar associado. A proposta de Bush, portanto, está longe do que viriam a ser os hipertextos efetivamente produzidos após suas ideias, tais como os apontados por Primo & Recuero, no início dessa seção.

Isso nos leva a indagar quantos dos milhares de internautas estão na web nesse momento, estão se infor-mando acerca dos fatos que acontecem? Melhor dizendo, quantos deles sabem buscar a informação de maneira efi -

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ciente? Será que hipertexto é só aquilo que informa? Con-versar utilizando o MSN é utilizar uma ferramenta hiper-textual (cf. SILVA, 2008), logo, também estamos diante de hipertexto. Parece não ser sem razão que continuamos indagando o que é uma enunciação digital.

De acordo com Bakhtin (1997, p. 303) “são muitas as pessoas que, dominando magnifi camente a língua, sen-tem-se logo desamparadas em certas esferas da comunica-ção verbal, precisamente pelo fato de não dominarem, na prática, as formas do gênero de uma dada esfera”.

A enunciação digital, ou a hipertextualidade, con-forme pontua Lobo-Sousa (2009), pode ser caracterizada tendo em vista características como a interatividade, a hi-permodalidade e a multilinearidade. A interatividade diz respeito ao grau de interação possibilitado pelo hipertex-to, se apenas percorrendo os links, se os criando também; ao passo que a hipermodalidade refere-se ao conjunto de enunciados reunidos para essa interação (sons, anima-ções, vídeos e gráfi cos etc.) que se apresentam necessa-riamente de maneira multilinear, ou seja, com múltiplas possibilidades.

Pistas para a compreensão de que a hipertextua-lidade se constitui da diversidade de hipertextos podem ser encontradas em trabalhos como o de Gomes (2007) que, ao produzir o hipertexto multimodal, o distingue de outros, baseados somente na escrita e, portanto, muito parecidos com os textos impressos. Também Lima (2008) que, ao considerar que há características gerais e locais que defi nem a comunidade dos blogueiros, aponta-nos para a necessidade de restringir o conceito de hipertexto a contextos mais específi cos, tendo em vista as particula-ridades de usos pelos internautas.

Assim, hipertextos serão sempre uma porção da hipertextualidade e, dessa maneira, o conceito de enun-ciação digital de Xavier (2002) parece aplicar-se mais a hipertextualidade que ao hipertexto, tendo em vista que conforme o gênero hipertextual acionado pelo hiperlei-tor, teremos um grau maior ou menor de hipermodali-

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dade, ou seja, de semioses que possibilitam a interação nas variadas esferas comunicativas na web, a hipertextu-alidade, em nossa proposta. Desse modo, o hipertexto só se deixa defi nir em suas especifi cidades, conferidas em razão dos e-gêneros.

Letramento Hipertextual: um Conceito em Emergência

O termo letramento digital surge com a inserção das tecnologias de informação e comunicação para de-signar as práticas de leitura e escrita por elas demanda-das. De acordo com Soares (2002), uma concepção de letramento mais ampla se defi ne não como pelas próprias práticas de leitura e escrita, nem pelos eventos relaciona-dos com o uso e função dessas práticas, ou pelo impacto e consequências da escrita sobre a sociedade, mas pelo estado ou condição de quem participa de eventos em que a escrita é parte integrante da interação entre pessoas e do processo de interpretação dessa interação – os eventos de letramento.

Desse modo, os eventos de letramento menciona-dos pela autora podem não ter a presença física da escrita, mas os indivíduos participantes desse evento devem tê-la como representação, como ocorre em eventos religiosos em que se fazem refl exões sobre passagens bíblicas, mes-mo que esse livro não esteja presente na ocasião. Perce-bemos, assim, que, nas concepções de letramento, não há lugar para outros modos de fazer sentido em práticas sociais que não seja através da escrita.

Não sem razão, os conceitos de letramento se mo-difi cam à proporção que mudam as culturas, tornando-se, assim, em muitos casos, concepções restritas que não abarcam as diversas práticas em que a escrita é mediadora nas diferentes sociedades. Para amenizar essa problemá-tica, os estudiosos do assunto caracterizam o letramento, a fi m de restringi-lo a práticas específi cas, o que ocorreu com a designação de letramento digital.

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Sobre isso, Ribeiro (2006) defi ne o letramento di-gital como o domínio de textos feitos na e para o compu-tador, deixando implícito que quem consegue digitar ou ler um texto produzido num processador de texto, como o Word, é letrado digital. Observamos que essa defi nição, a qual consideramos muito restrita, não contempla outras práticas mediadas por computador e outros dispositivos eletrônicos, como por exemplo, uma apresentação em power point, uma brincadeira com jogos de vídeo-game, limitando-se a alguns usos que não se diferenciam muito de uma prática de letramento com texto impresso, como ler arquivos do tipo pdf.

Em Buzato (2003), encontramos uma defi nição mais abrangente do conceito a qual procura se susten-tar segundo a argumentação de que o letramento digital designa todo conhecimento necessário para práticas me-diadas pelos equipamentos eletrônicos do mundo con-temporâneo, que são as habilidades de construir sentido a partir de textos multissemióticos, de localizar, fi ltrar e avaliar informação e o conhecimento das “normas” que regem a Comunicação Mediada por Computador. Nessa mesma direção, Xavier (2003) entende que o letramento digital é realizado com o uso de hipertextos, através da aquisição e do domínio dos vários gêneros hipertextuais.

Notemos aqui que as defi nições de Xavier (2002) e Buzato (2003) contemplam as práticas mediadas atra-vés de hipertextos, porém, os autores desconsideram os usos apontados por Ribeiro (2006). Chamamos ainda a atenção para a nomenclatura adotada por aqueles auto-res ao qualifi carem o letramento como digital, pois se os gêneros são hipertextuais, por que o letramento também não o é?

Feitas essas considerações, verifi camos que os au-tores ora restringem o letramento digital a práticas que não consideram o hipertexto, ora consideram somente as práticas mediadas por hipertextos, nomeando-as por letramento digital, termo que se refere não só a práticas em ambiente do qual o hipertexto é oriundo (a web, por

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exemplo), mas também a outros usos envolvendo tecno-logias digitais, como o manuseio de uma máquina foto-gráfi ca digital, o envio de torpedos via celular, o nível de interatividade exigida pela TV digital.

Convém ainda, ressaltar que as inquietações apre-sentadas aqui já foram encontradas em autores como Barton (2001) e Ribeiro (2008). O primeiro autor, refl e-tindo sobre a cultura impressa e as outras mídias, levan-ta o seguinte questionamento: os pesquisadores podem ou poderiam incluir outras formas de fazer sentido como parte do letramento ou elas seriam mais úteis se observa-das como recursos diferentes para produzir sentidos que podem distinguir-se de letramentos? Com a intenção de responder a essa pergunta, o referido autor afi rma, pos-teriormente, que pesquisas sobre letramento forneceram indícios de que esse termo abarca mais que os atos de ler e escrever. Também Ribeiro (op. cit.) sugere que o conceito de letramento digital é demasiadamente amplo e necessitaria de mais subcategorias para que se tornasse mais operacional.

Diante do exposto, as refl exões aqui iniciadas so-bre alguns termos e conceitos já consagrados na literatura vigente suscitam a necessidade da criação e concepção do termo letramento hipertextual como uma nova catego-ria do letramento digital, com base na ideia de que todo letramento hipertextual é digital, mas nem todo letramen-to digital é necessariamente hipertextual.

Considerações Finais

Tendo em vista o contexto atual de desenvolvimen-to de práticas sociais de leitura e escrita (e nem somente de escrita), aliada à fase ainda inicial de compreensão de conceitos como hipertexto e letramento digital, julgamos favorável que se refi nem teoricamente tais conceitos. O hipertexto, uma categoria em construção, não considera em sua defi nição a heterogeneidade funcional dos hiper-textos; apesar de estudos isolados sobre gêneros hipertex-

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tuais estarem em curso em diferentes programas de pós-graduação no país.

Em decorrência disso, a abrangência dos conceitos de letramento digital também se faz sentir na literatura sobre o assunto, sendo, em alguns casos, restrita demais, limitando-se ao manuseio tecnológico, como em Ribeiro (2006); em outros casos, embora enquadrando às práti-cas mediadas por hipertexto, o termo que a designa é o letramento digital, conforme o conceito de Buzato (2003) e Xavier (2002) e não o letramento hipertextual, como se poderia esperar.

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LEITURA E PRODUÇÃO DE TEXTOS ACADÊMICOS NO EAD:

LETRAMENTOS E ENSINO NA WEB1

Camila Maria Marques PeixotoEulália Vera Lúcia Fraga Leurquin

Considerações Iniciais

O ensino de língua portuguesa, apesar das diversas tentativas de melhoria, não vem apresentando resultados positivos porque ainda está distante das necessidades dos objetivos dos aprendizes; enquanto eles precisam ampliar as competências comunicativas/interacionais, a escola permanece valorizando exercícios de memorização e re-petição de regras gramaticais, da produção de redações escolares. Quando muito, temos atividades de identifi ca-ção de elementos gramaticais em textos. Diferentemente dessa relação que o aluno tem com o texto em situação de ensino-aprendizagem, em seu convívio cotidiano com a língua portuguesa ele lê e produz gêneros textuais para pegar ônibus, ler livro de receitas, ler o cardápio de um restaurante, fazer listas de compras e para tantas outras atividades.

As questões que ora fazemos são as seguintes: se não existe um incentivo à leitura e à produção de textos/gêneros textuais para o aluno da educação básica inte-ragir nas situações cotidianas, chegando à universidade, como ele fará nas situações de comunicação que exigem de nós competências diferentes daquelas necessárias para realizar as atividades rotineiras? Como fazer com os tex-tos/gêneros textuais que exigem de nós maior nível de letramento, isto é, mais nível de capacidade de responder

1 Parte da discussão deste capítulo é resultado das refl exões feitas durante a disciplina Letramentos na Web (Tópicos Avançados I), ministrada no semestre de 2008.1 pelo Prof. Dr. Júlio Araújo, no PPGL da UFC.

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de maneira ampla e satisfatória às demandas sociais fa-zendo uso da leitura e escrita (cf. TFOUNI, 1995)?

Documentos ofi ciais do Ministério de Educação (Parâmetros Curriculares Nacionais, Programa Nacional do Livro Didático, entre outros) mostram que todos têm consciência do papel das instituições de ensino (escolas, faculdades e universidades) na formação de leitores e pro-dutores de gêneros textuais. Parece que o grande proble-ma permanece no mostrar por que é preciso ensinar a língua portuguesa a partir de gêneros textuais e no como o ensino deveria acontecer.

No caso dos cursos de graduação em Física e em Química ofertados pela UFC na modalidade à distância virtual, trabalhamos com uma disciplina chamada Práti-cas de Leitura e produção de textos cuja carga horária é de 64 horas/aula e cuja duração é de um mês; o que cor-responde a seis aulas sendo duas presenciais. A primeira corresponde a 20% e a avaliação2 presencial correspon-de a 60% da nota do aluno. Na produção do material à distância dessa disciplina, propusemos,3 atividades de leitura e de produção de textos acadêmicos (resenha, ar-tigo científi co e resumo) ignorando uma sugestão de tra-balho com conteúdos gramaticais descontextualizados. Nossa opção decorreu de dois motivos: a comunicação/interação acontece em forma de leitura e compreensão de textos; e na situação da academia, o aluno é provoca-do a ler e a produzir textos acadêmicos para ter acesso a sua área de conhecimento, às pesquisas. Esses argu-mentos também se constituíram vieses para dar funcio-

2 A prova presencial do curso a distancia da UFC-VIRTUAL vale 60% da nota fi nal. As notas das atividades de portfólio correspondem aos outros 40% da nota fi nal. 3 As aulas disponibilizadas para a disciplina Práticas de Leitura e Pro-dução de Textos foram construídas, em 2007, com a participação de alguns membros do grupo GEFORP (Camila Maria Marques Peixoto e Mônica Maria Viera Evangelista), sob a orientação da Profa. Dra. Eulália Vera Lúcia Fraga Leurquin. Participaram também da constru-ção desse material Mariza Angélica Brito e Valdinar Custódio Filho, doutorandos em Linguística pelo PPGL-UFC.

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nalidade à disciplina. Mas, propor um ensino de língua portuguesa com esse perfi l e mediada pelo computador4 exige um dinamismo muito grande do professor, uma for-mação especializada.

A modalidade do Ensino a Distância (doravan-te EaD) é uma tendência em nosso país que deve ser questionada e problematizada porque não é transferin-do ações didáticas utilizadas no ensino presencial que podemos garantir um ensino de qualidade; até porque o ensino presencial não vem garantindo bons resultados (para se aprofundar, ver documentos do MEC sobre re-sultados do ENEM, SAEB, PISA, SPAECE, entre outros). A EaD não é novidade na história de nossa educação. No Brasil, funciona há décadas cursos por correspondências ou em sistema de TV. Novidade sobre esse assunto é a particularidade associada ao maior incentivo dado a essa modalidade de ensino principalmente no ensino superior devido ao, entre outros fatores, desenvolvimento das no-vas tecnologias que propiciaram o desenvolvimento de alternativas mais elaboradas e interativas de ensino à dis-tância.

Para assegurar a interação/comunicação entre alu-nos, tutores e professor conteudista existem as seguintes ferramentas: o link (onde são expostas as aulas virtuais); a agenda (onde está o planejamento da disciplina); o por-tfólio dos alunos (espaço da apresentação de atividades); fórum (lugar de interação a partir dos tópicos que estão em discussão em determinado momento do curso; chat (espaço de interação/comunicação em tempo-real dos alunos do curso com seus tutores; e, por fi m, as mensa-gens (sistema de correio eletrônico interno ao ambiente).

4 Os cursos de graduação na modalidade semi-presencial são ofertados pela Universidade Federal do Ceará, em parceria com os governos do Estado e dos municípios, através do projeto nacional Universidade Aberta do Brasil (UAB), que visa à expansão do ensino superior à distância para regiões onde não há acesso hábil a cursos superiores na modalidade presencial. Maiores informações podem ser encontradas no site <http://www.virtual.ufc.br/>.

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Dentre essas ferramentas disponibilizadas pelo ambiente solar, não utilizamos algumas, o chat, por exemplo, por ser um gênero com estrutura menos planejada, em que a interação ocorre mais espontaneamente e por isso não é apropriado para introduzir tópicos e aprofundar questio-namentos teóricos.

No tocante aos papéis dos docentes envolvidos no ensino de língua portuguesa no ambiente solar, é impor-tante registrar que ofi cialmente, o tutor (o professor que ministra a disciplina) é responsável pelo acompanhamen-to da turma, pela aplicação e correção das avaliações, cabendo, portanto, ao professor conteudista (responsável pelas aulas virtuais e pelo bom andamento da disciplina) construir o material, elaborar as provas e assegurar um bom andamento da disciplina. No entanto, por uma op-ção teórico-metodológica defendida pelo professor con-teudista, os tutores também fazem parte do momento da construção do material.

Neste ambiente específi co de ensino-aprendiza-gem, a atuação presencial aconteceu na primeira e última aula e o tutor da disciplina, normalmente, seguiu o plane-jamento proposto no início do curso, que foi construído sob a coordenação do professor conteudista em parceria com os tutores da disciplina. O planejamento teve como referência teórico-metodológica o interacionismo sócio-discursivo a partir das contribuições de autores como Bronckart (1999, 2006, 2007) e Schneuwly e Dolz (2004) porque concebem o gênero como instrumento de comu-nicação e como objeto de ensino-aprendizagem. No to-cante à noção de letramento, consideramos os estudos desenvolvidos por Tfouni (1995) que defi ne letramento como o estado/condição daquele que sabe ler e escre-ver, e, que responde, de maneira ampla e satisfatória, às exigências impostas pelas relações sociais. Também nos fundamentamos nas pesquisas de Soares (2003), sobre-tudo quando ela mostrou a necessidade de trazer para a discussão sobre letramento a discussão sobre gêneros textuais.

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A Importância do Estudo do Gênero em Insti tuições de Ensino

A noção de gênero textual que acabamos de mos-trar tem bases nos estudos de Bakthin (2003 [1979]). Para o autor, todos os campos da atividade humana estão in-dissociavelmente ligados ao uso da linguagem. Dessa forma, os usos da linguagem são tão múltiplos quanto são as formas de organização e os tipos de atividades desenvolvidas pelo homem. Assim, cada segmento das atividades humanas possui gêneros que são socialmente construídos, resultado da experiência das gerações prece-dentes, renovados e modifi cados pelas especifi cidades da necessidade de comunicação. Portanto, a situação de co-municação dentro de determinada esfera social defi ne o que é dizível, e dialogicamente o que deve ser dito defi ne a escolha de um gênero.

Mas, considerando que o objetivo maior do ensi-no de língua portuguesa é ampliar os conhecimentos do aprendiz a fi m de que ele se comunique/interaja de ma-neira mais signifi cativa, acreditamos que o gênero tam-bém deve ser objeto de ensino (SCHNEUWLY; DOLZ, 2004). E, com base nesse entendimento, precisamos aten-tar às práticas de leitura e escrita de determinados gêneros secundários5 pois eles exigem de seus usuários que mo-bilizem competências muito complexas, que, na maioria das vezes, os alunos não dominam. Tais competências são essenciais para a interação/comunicação através de gêneros praticados no meio acadêmico.

Dentro da discussão sobre o ensino de língua a partir de gênero, observamos muito claramente um de-sencontro de informações. Primeiro vemos que na edu-cação básica, ainda se trata a apropriação dos gêneros

5 Para Bakthin (2003 [1979]), os gêneros estão divididos em gêneros primários, menos complexos, relacionados à situação imediata de comunicação; e secundários, mais complexos, pouco relacionados à situação imediata de comunicação.

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de maneira equivocada, acreditando-se que pelo fato de tê-los em materiais didáticos estaríamos proporcionan-do um ensino produtivo de língua portuguesa (FRAGA LEURQUIN, 2001; MARCUSCHI, 2005; PEIXOTO, 2007; EVANGELISTA, 2008, por exemplo). No ensino superior, é comum a exigência de leitura e de escrita de gêneros acadêmicos, sem que se ensine a produzir resenhas, arti-gos científi cos, seminários, palestras, comunicações, resu-mos científi cos, entre outros. No entanto, na maioria das disciplinas, o aluno é avaliado através da produção de um desses gêneros.

A opção por ensinar a língua portuguesa tendo como base o gênero resenha, vem justamente suprir essa necessidade. Além do mais também rompe com o mo-delo de ensino de língua portuguesa que muito pouco vem contribuindo para o bom desempenho do aprendiz, como afi rmamos ao longo desse capítulo. Segundo Sch-neuwly e Dolz (2004), para concretizar o papel central dos gêneros como objeto de ensino e instrumento de trabalho para o desenvolvimento da linguagem, há dois aspectos de refl exão. O primeiro aspecto está relaciona-do aos objetivos precisos de aprendizagem a partir dos gêneros, objetivos que, além de possibilitarem ao aluno dominar determinado gênero, permitam o desenvolvi-mento de capacidades que ultrapassam o gênero alvo e que são transferíveis para outros gêneros. O segundo as-pecto diz respeito ao fato de o gênero ter seu contexto de produção e circulação relacionado a outro lugar social diferente daquele da instituição de ensino; o gênero so-fre transformações como gênero a apreender, apesar de continuar sendo forma de mediação das atividades hu-manas. Dessa maneira, o gênero em ambiente de apren-dizagem é sempre uma variação do gênero de referência, construído em uma dinâmica diferente, lido e produzido com objetivos relacionados ao ensino-aprendizagem. É, pois, com base nisso que se apresenta uma proposta de ensino-aprendizagem de língua portuguesa em ambiente virtual de aprendizagem.

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Por uma Proposta de Ensino-Aprendizagem de Língua Materna em Ambiente Virtual a Parti r do Gênero Acadêmico Resenha

Como vimos reforçando ao longo desse texto, é fundamental que o ensino de língua aconteça a partir de gêneros textuais. O desafi o está, retomamos, na proposta das atividades. Com base nisso, foi preciso elaborar aulas virtuais que facilitassem a apropriação de gêneros acadê-micos, em ambiente virtual. A internet, nesse sentido, tem um papel fundamental: ela é um suporte que viabiliza, media a interação/comunicação.

Analisaremos, neste trabalho, apenas as aulas que tratam do gênero resenha, uma vez que não seria possí-vel aprofundarmos aqui os demais gêneros trabalhados na disciplina. O trabalho com o gênero resenha foi contem-plado nas quatro últimas aulas. Inicialmente, estudamos o conceito de resenha e depois as características dela, as condições de produção e os tipos de resenha.

Antes de mostrar como se constitui uma resenha, apresentamos uma estratégia de leitura para os alunos, a fi m de que eles desenvolvessem uma refl exão sobre a resenha, a saber:

A seguir você lerá uma resenha sobre o fi lme Mar adentro. Mas antes de fazer a leitura do texto, vamos tentar refl etir sobre as características desse gênero. É preciso identifi car esses blocos de textos. São citações? De onde foram retirados? Qual é a referência?

O que você sabe sobre resenha? Já fez a leitura de algum texto pertencente a esse gênero? Onde pode ser encontrada? Na sua opinião, qual o ob-jetivo do autor do texto ao escrever uma resenha? Quem normalmente escreve resenhas? Para quem? (Texto extraído do material da disciplina Leitura e produção de textos, do Curso de Química, dis-ponível na UAB)

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Como podemos perceber, o aluno foi provocado para que pudesse acionar seus conhecimentos anterior-mente adquiridos sobre o gênero resenha. Orientamos, através dessas questões, a ativação dos conhecimentos prévios sobre o contexto de produção e circulação desse gênero, sobre os lugares sociais em que o gênero circu-la, bem como sobre os lugares sociais dos produtores e destinatários desse gênero. Essa ativação é muito impor-tante na proposição de apropriação de um gênero, uma vez que potencializa um maior engajamento por parte do aluno na construção de conhecimentos necessários sobre o gênero, que é objeto de ensino-aprendizagem no con-texto escolar.

Depois do exercício de ativação dos conhecimen-tos prévios, propusemos a leitura e a resolução de ativi-dades de compreensão e interpretação6 de uma resenha não acadêmica,7 já que a leitura de resenhas acadêmicas é uma tarefa mais “árida” para o aluno universitário ini-ciante. Compreendemos que o trabalho de apropriação do gênero deve partir da realidade do aluno, possibilitan-do a ligação dos novos conhecimentos, que serão trazi-dos pelas aulas virtuais, aos conhecimentos prévios dos aprendizes.

Nessa construção, está presente a nossa concepção de ensino-aprendizagem, que tem bases principalmente em Vygotsky (2005 [1987]). Para esse autor, a aprendi-zagem acontece na desestabilização dos conhecimentos prévios dos alunos, quando estes interagem com novos conhecimentos mediados pelo professor. A esse contexto, Vygotsky chamou de Zona de Desenvolvimento Proximal a distância entre aquilo que o indivíduo é capaz de fa-

6 Assumimos aqui a mesma percepção de Orlandi (2006 [1988]) sobre a distinção entre interpretar e compreender. A primeira noção está re-lacionada à atribuição dos sentidos, que leva em consideração apenas o contexto linguístico, e a segunda noção considera que a construção de sentido é um processo sócio-historicamente determinado.7 Propusemos a leitura de uma resenha cinematográfi ca do fi lme Mar-adentro. Para lê-la, o leitor pode acessar <http://www.recanto-dasletras.com.br/resenhasdefi lmes>.

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zer de forma autônoma (nível de desenvolvimento real) e aquilo que ele realiza em colaboração com os outros elementos do seu grupo social (nível de desenvolvimento potencial). É justamente nessa distância que o professor atuará enquanto mediador do conhecimento. Em uma ati-tude de mediação, expusemos características da resenha e de sua situação de produção.

Dependendo do domínio discursivo, do objetivo do resenhista e do suporte, este gênero terá carac-terísticas diferentes quanto à organização textual. Por exemplo, uma resenha sobre determinado fi lme, escrita em um jornal, terá especifi cidades dos gêneros divulgados nesse suporte. (Texto ex-traído da disciplina Leitura e produção de textos, do Curso de Química, da UAB, 2007)

A partir da compreensão de que havia muitos tipos de resenhas, focalizamos nossa atenção à resenha acadê-mica, objeto do nosso estudo. Mostramos explicitamente em uma resenha os aspectos formais que materializam a estrutura composicional da resenha; apresentamos aspec-tos relacionados à articulação entre a estrutura composi-cional do gênero e as condições de produção desse texto. Mostramos aos aprendizes a forte ligação entre os gêneros e as formas de interação humana.

Devido à extrema complexidade das relações humanas, devemos compreender que as carac-terísticas dos gêneros podem ser modifi cadas de acordo com a necessidade de interação. Assim, não é possível pensarmos em características de composição dos gêneros totalmente fi xas; há, na verdade, uma relativa estabilidade do gênero que nos permite interagir mediado por ele. (Texto ex-traído da disciplina Leitura e produção de textos, do Curso de Química, da UAB, 2007)

Na aula seguinte, buscamos questionar mais expli-citamente o contexto de produção do gênero resenha aca-dêmica. Assim, propusemos perguntas que recuperassem o contexto de produção e questionassem sobre a relação

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entre essas condições e a construção de sentido dos tex-tos. Para na aula posterior trabalhar a construção de uma resenha de um artigo científi co tratado nas primeiras au-las. Propusemos então aos alunos que recuperassem os parâmetros defi nidores do contexto de produção, através do seguinte comando:

Vimos que, na escritura de um texto, devemos ter em mente o destinatário, o objetivo, a adequação ao gênero textual e demais elementos envolvidos na produção. Diante disso, preencha o quadro sobre o artigo8 “AVALIAÇÃO QUÍMICA E NUTRI-CIONAL DO QUEIJO MUSSARELA E IOGURTE DE LEITE DE BÚFALA - (Texto extraído da disci-plina Leitura e produção de textos, do Curso de Química, da UAB, 2007)

Os questionamentos sobre os parâmetros defi nido-res do contexto de produção foram a partir dos aspectos relacionados ao mundo físico: o lugar de produção que é o lugar concreto, geografi camente situado no qual o texto foi produzido; o momento de produção que é a extensão do tempo durante a qual o texto é produzido; o emissor (produtor ou locutor) que é quem produziu fi sicamente o texto; e, por último, o receptor que é a pessoa que pode receber ou perceber concretamente o texto.

Problematizamos também os parâmetros do mun-do sócio-subjetivo, quando questionamos os seguintes as-pectos: lugar social, que corresponde ao quadro de qual formação social ou instituição a interação é efetivada (es-cola, família, exército, interação comercial etc.); a posição social do emissor (que lhe dá estatuto de enunciador) diz respeito ao papel social que o emissor desempenha na interação em curso (papel de professor, papel de pai, pa-pel de cliente, por exemplo); a posição social do receptor (que lhe dá estatuto de destinatário) qual é o papel social assumido pelo receptor (papel de aluno, de criança, de

8 O quadro faz as seguintes perguntas: função social do autor do texto/área de atuação; tema do artigo a ser resenhado; fi nalidade do texto e tese/posicionamento do autor do texto

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colega, de empregado, por exemplo); o objetivo da inte-ração que diz respeito, do ponto de vista do enunciador, ao efeito que o texto deve produzir no destinatário.

A última aula teve o propósito de envolver o aluno na produção de uma resenha, mesmo consciente de que o processo de escrita é realizado a partir do cumprimento de etapas (planejamento, escrita da primeira versão e revi-são). As etapas do planejamento e primeira versão foram propostas na aula anterior. Também levamos em conside-ração, para o cumprimento dessas etapas iniciais, a orien-tação de uma nova leitura do artigo e da explicitação das características do gênero artigo de opinião. No fi nal dessa aula, propusemos a seguinte atividade:

Baseado no que você aprendeu sobre resenha, elabore uma resenha sobre o artigo lido e envie ao e-mail de um colega de curso. Cada participante só poderá fazer avaliação de uma resenha.

Atenção: Como se trata da primeira resenha, da produção de um estudante em início de formação acadêmica, o importante é avaliar em termos de como está descrito o texto resenhado. (Texto ex-traído da disciplina Leitura e produção de textos, do Curso de Química, da UAB, 2007)

A atividade seguinte diz respeito a uma revisão da resenha feita. Primeiro os alunos trocam por e-mail os textos produzidos, com base nos seguintes critérios de avaliação:

O texto está adequado aos objetivos propostos pela atividade? 2. O texto está adequado aos destinatários?3. O texto traz clara a voz do rese-nhista e a voz do autor do texto resenhado? 4. Existe posicionamento do resenhista sobre o texto resenhado? 5. Os mecanismos de estruturação do texto auxiliam na organização global do texto? 6. Os aspectos relativos à norma culta são obser-vados pelo resenhista? 7. Observe os aspectos enumerados acima e faça um comentário sobre a resenha que você avaliou. (Texto extraído da

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disciplina Leitura e produção de textos, do Curso de Química, da UAB, 2007)

Nos critérios de avaliação estão sendo vistos aspec-tos formais e aspectos relacionados ao contexto de produ-ção do texto. Depois dessa avaliação realizada pelo cole-ga, ainda no processo de revisão propusemos a seguinte atividade, a ser realizada no fórum de discussão: Leia os comentários feitos pelo colega sobre o seu texto e discuta com ele, no fórum “Aula 10 – Revisão da resenha”, sobre as mudanças no texto. O nosso objetivo era o aluno ler o próprio texto e, a partir dessa a leitura, considerar ou não a intervenção do colega.

A versão fi nal é proposta na sequência através de uma atividade de portfólio que deve considerar os passos propostos:

1. Refaça seu texto, a partir das discussões com seu colega avaliador e arquive, no portfólio, a nova versão.

2. Após a (re)escritura do texto, o professor irá analisar cada resenha e fazer algumas observações sobre o texto produzido. Verifi que as observações feitas e reescreva a sua resenha. Arquive todas as versões em seu Portfólio. “Aula 10_Ativ2_revisão da resenha”. (Texto extraído da disciplina Leitura e produção de textos, do Curso de Química, da UAB, 2007)

Essas etapas exigem do aluno a leitura de seu pró-prio texto, bem como a produção de várias versões do mesmo texto. Possibilita-lhe conceber o texto como um processo, que exige planejamento e revisão. É importante dizer que a revisão vem sendo uma atividade necessária na sala de aula de línguas. No ensino de língua media-do pelo computador, percebemos claramente o envolvi-mento do aprendiz no processo e o dinamismo que isso ocorre. O aluno, da maneira que planejamos é co-autor de sua revisão, enquanto que na modalidade de ensino presencial cabe apenas ao professor fazer a revisão do texto do aluno, normalmente.

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Considerações Finais

Sobre a construção de aulas virtuais para a disci-plina Leitura e produção de textos, no Curso de Química e Física ainda temos muitos desafi os a serem superados. Tais desafi os são oriundos do próprio planejamento da disciplina que ainda é muito tradicional e é fortalecido nas particularidades dessa modalidade de ensino. Na verdade, ainda estamos em busca da construção de um material de ambiente virtual que não seja ainda mais dis-tante da transposição do material impresso. Alguns passos foram dados, mas não é tão evidente a superação das limi-tações que ainda temos.

Ainda precisamos avançar para aproveitarmos o potencial interativo das ferramentas do ambiente; ainda pouco utilizamos as possibilidades multi-semióticas, por uma série de razões: a pressa na construção do material, que tem data fi xada para entrar no ar e que precisa pas-sar pelas instâncias de transição didática e de revisão das aulas, sobrando pouco tempo para elaboração e discus-são teórica de questões relacionadas às especifi cidades do ambiente virtual; a falta de conhecimento teórico dos envolvidos nesse processo acerca das especifi cidades do ambiente virtual; o pouco diálogo entre a equipe de transição didática e os professores elaboradores das au-las; poucas oportunidades de discussão sobre as questões teóricas envolvidas na construção dessa complexa experi-ência; entre outros motivos.

Essas questões têm nos inquietado bastante, pois somos conscientes de que o material construído para a re-ferida disciplina não potencializa a utilização multi-semi-ótica dos recursos disponibilizados pelo ambiente virtual de aprendizagem em que acontecer o curso. Essa lacuna tem nos motivado a realizar discussões sobre o “fazer” das aulas virtuais e, ao mesmo tempo, faz-nos perceber em que direção é possível caminhar.

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Referências Bibliográfi cas

BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 4ª ed. São Pau-lo: Martins Fontes, 2003.BRONCKART, J.P. Atividade de linguagem, textos e dis-cursos: por um interacionismo sócio-discursivo. São Pau-lo, EDUC, 1999.LEURQUIN, E.V.L.F. Contrato de comunicação e concep-ções de leitura na prática pedagógica de língua portugue-sa. Tese (Doutorado em Educação). Natal: PPGED-UFRN, 2001.MOREIRA, H.; CALEFFE, L.G. Metodologia da pesquisa para o professor pesquisador. Rio de Janeiro: DP&A, 2006.ORLANDI, E.P. Discurso e leitura. 7 ed. São Paulo: Cor-tez, 2006. PEIXOTO, C.M.M.P. Análise da proposta de planejamen-to da aula de leitura no material didático do ProJovem. Dissertação (Mestrado em Linguística). Fortaleza: PPGL-UFC, 2007.SCHNEUWLY, B.; DOLZ, J. Gêneros orais e escritos na escola. Trad. Roxane Rojo e Glaís Cordeiro. Campinas. São Paulo. Mercado das Letras, 2004.VYGOTSKY, L.S. Pensamento e linguagem. 3. ed. São Paulo. Martins Fontes, 2005.

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AS NOVAS EXIGÊNCIAS DO LETRAMENTO E A CONSTRUÇÃO DE UM AMBIENTE PROPÍCIO

AO ENSINO DA LEITURA1

Valéria Maria Cavalcanti Tavares

Considerações Iniciais

Nas duas últimas décadas do Século XX, assistimos a uma mudança radical nas formas de armazenar e trans-mitir informações. Ao voltarmos nossos olhos ao passado recente, não podemos deixar de observar as grandes mo-difi cações produzidas pela informática na vida de toda a sociedade. Os computadores, que antes fi cavam restritos às áreas militares e acadêmicas, ganharam as fábricas, os bancos, as lojas, as casas, fazendo surgir novas formas de comunicação e informação. Essa revolução da tecnolo-gia da informação e comunicação trouxe o computador para a vida cotidiana das pessoas: o auto-atendimento no banco, o código de barras no supermercado, o passe eletrônico no ônibus urbano, os formulários online, os si-tes governamentais de serviços; além de gerar uma nova necessidade de consumo, o computador doméstico, que, segundo dados apurados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografi a e Estatística) através do PNDA (Pesquisa Nacio-nal por Amostragem de Domicílio), desde 2001, é o bem durável com maior aumento percentual de consumo.

As informações acima, com certeza, são insufi cien-tes para desenhar um quadro completo da infl uência da informática na sociedade atual, no entanto, trazem dados sufi cientes para as seguintes constatações: a informatiza-ção da sociedade vêm revolucionando o cotidiano das pessoas, pelo surgimento de novas práticas sociais inde-pendentes do seu nível social ou cultural, abrangendo

1 Alguns aspectos do presente trabalho retomam as discussões re-alizadas durante a disciplina Letramentos na Web, ministrada pelo Prof. Júlio Araújo, em 2008.1, no PPGL da UFC.

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desde o trabalhador que anda de ônibus até o alto exe-cutivo, intelectual ou cientista; e o computador pessoal deve se tornar um objeto de uso rotineiro nas residências, visto o seu crescimento constante como bem de consumo durável (Quadro 1).

Quadro 1 – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicí-lios (2001-2006) – Percentual de domicílios com com-

putador e com acesso à Internet

Fonte: IBGE

Tais constatações nos inquietam, como professores de língua portuguesa, e nos fazem pensar de que maneira essas novas práticas sociais, oriundas da popularização da informática e do computador, afetam o homem moderno, principalmente no âmbito da leitura (ler a tela da máquina do banco, preencher formulários online, marcar atendi-mento nos sites de serviços do governo federal etc.), que deixa de incluir apenas os textos impressos, expandindo-se para abranger as novas tecnologias de comunicação e informação, representadas pelo texto multimídia, o hi-pertexto e outros gêneros que vão aparecendo no mundo digital, principalmente na Internet. E, consequentemente, afetam a escola que, como importante agência de letra-mento, tem o dever de ensinar as novas gerações a ler nessa nova realidade.

O desejo de responder concretamente as questões acima, isto é, como a leitura é afetada pelas exigências

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das novas tecnologias de informação e comunicação e como a escola deve atuar nesse novo contexto, levou-nos a refl etir sobre dois pontos que consideramos, a par-tir da nossa experiência em sala de aula, como cruciais para a obtenção das respostas desejadas, que são: com-preender o conceito de letramento que se delineia com o advento das novas tecnologias; e defi nir o ambiente de aprendizagem mais propício ao ensino da leitura nessa nova realidade.

Esse texto foi desenvolvido a partir das refl exões originadas na tentativa de obtermos respostas consistentes às questões anteriormente descritas (compreender o letra-mento e defi nir o ambiente de aprendizagem na era das novas tecnologias), de forma a enriquecer a prática edu-cacional daqueles professores que são considerados, pelo senso comum, como responsáveis pelo ensino da leitura, ou seja, os professores de língua materna. Assim, ele consta de duas partes: na primeira, buscamos defi nir letramento, discutindo esse conceito a partir das novas práticas sociais que a tecnologia digital traz e suas consequências para a natureza da leitura e sua instrução; na segunda, passamos à caracterização do ambiente de aprendizagem que conside-ramos mais propício ao ensino da leitura na era digital.

Defi nição de Letramento

Na tentativa de defi nir letramento, identifi cando, assim, as novas exigências que a tecnologia digital traz para a natureza da leitura e sua instrução, levantamos a existência de duas dimensões nessa defi nição: uma de ca-ráter individual e outra social (SOARES, 2000), além da existência de uma tendência do uso do termo letramento no plural, letramentos (SEMALI: 2001; LEU et al., 2004). A partir desse levantamento, buscamos uma defi nição que incluísse as novas práticas sociais e individuais oriundas das novas tecnologias, a fi m de determinar o que ensinar e como preparar os alunos para os desafi os que irão en-frentar ao sair da escola.

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Letramento: Dimensão Social e Pessoal

A dimensão individual privilegia as habilidades pes-soais, vê o letramento como um atributo do indivíduo, en-volvendo um conjunto de habilidades que vai desde a ha-bilidade de decodifi car (transformar sinais gráfi cos em sons) até de decifrar (transformar sinais gráfi cos em ideias, geran-do refl exões, analogias, questionamentos, generalizações). A dimensão social, por sua vez, defende que o letramento é mais que a capacidade de ler e escrever, pois inclui o uso dessas habilidades, concretamente, em práticas sociais, levando o indivíduo não só a responder adequadamente às exigências sociais do uso da leitura/escrita (visão fun-cional), mas também a refl etir sobre a realidade, tomando consciência e agindo para transformá-la (FREIRE, 1981).

Qualquer que seja a dimensão de letramento to-mada como base, sua defi nição sofre infl uência das forças sociais e culturais vigentes, pois essas desempenham im-portante papel nas habilidades de leitura e escrita que são exigidas do indivíduo (MCNABB et al., 2002; LEU et al., 2005). Portanto, na tentativa de defi nir letramento, deve-mos levar em consideração as forças sociais que atuam na sociedade de hoje, centrada na expansão das novas tecnologias de informação e comunicação, sobretudo na Internet, vivendo o que Reinking (apud EL-HINDI, 2001)2 chama de era “pós-tipográfi ca”. Assim, a defi nição de le-tramento requer que a leitura e a escrita não fi quem restri-tas ao papel, mas avancem para o mundo digital, alargan-do as noções de ler e escrever para incluir representações gráfi cas, visuais e sonoras (SEMALI, 2001), incluindo as habilidades necessárias a compreensão leitora do texto eletrônico, principalmente do hipertexto, modo mais co-mum de veiculação de informação na Internet (SCHMAR-DOBLER, 2003).

2 REINKING, Reading and writing with computers: Literacy research in a post-typographic world. In HINCHMAN, K. A., LEU, D. J. & KINZER, C. (eds.), Perspectives on literacy research and practice 9PP. 17-33, Chicago: National Reading Conference, 1995.

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Desta maneira, o conceito de letramento passa a incluir habilidades, como: acessar a melhor informação no menor espaço de tempo, avaliar sua credibilidade, identifi car e resolver problemas e comunicar a solução encontrada. Ao mesmo tempo em que abrange o desen-volvimento do pensar criticamente, permitindo ao leitor comparar documentos, selecionar e sintetizar informa-ções, cujo acesso é praticamente ilimitado na Internet. Além de usar essas informações de forma a infl uir no es-paço ao seu redor, criando soluções e informando suas descobertas, em um ambiente de grande poder de comu-nicação e interação, representado por e-mail, chats, listas de discussão, entre outros.

Ressaltamos que essa nova concepção de letramen-to é construída com base nas concepções de letramento tradicionais (com foco no texto impresso), pois o texto eletrônico utiliza o mesmo código linguístico, mantendo válidos elementos fundamentais, como decodifi cação, vocabulário, compreensão, inferência, ortografi a e outros requeridos para ler livros e demais elementos impressos. Esse letramento tradicional se torna mais importante no mundo “pós-tipográfi co”, mas insufi ciente para alguém que precise usar a Internet e outros meios de informação e comunicação baseados nas novas tecnologias (LEU et al., 2004).

Letramento Versus Letramentos

Na tentativa de solucionar a questão da defi nição de letramento, abrangendo as novas e antigas tecnolo-gias, temos visto o aparecimento do termo letramentos, que engloba: o letramento digital, o letramento computa-cional, o letramento informacional, o letramento visual, o letramento midiático, entre outros. Cada um abrangendo diferentes habilidades para o uso em situações específi cas de letramento.

Ao examinar as defi nições de alguns dos termos mencionados anteriormente, Semali (2001) afi rma que é

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difícil entender como alguém pode se tornar letrado na era pós-moderna, em qualquer de um dos tipos de letra-mento citados, sem que, de alguma forma, seja nos de-mais. Prossegue mostrando que o letramento computacio-nal refere-se não só ao uso do computador, mas abrange competências relacionadas a ler, entender, avaliar e in-terpretar textos visuais, incluindo imagens, desenhos e cores que representam acontecimentos, ideias e emoções (letramento visual), além da habilidade de acessar, ava-liar e produzir textos usando os recursos de multimídia (letramento midiático). E acrescentamos que esse mesmo letramento ainda requer a capacidade de selecionar uma informação importante, avaliá-la, usá-la adequadamente e difundi-la, aplicando-a a uma dada situação (letramento informacional).

Essas afi rmações de Semali (2001) reforçam a nossa crença de que, a cada nova tecnologia de ler e escrever, novas exigências são impostas pela sociedade ao homem. Assim foi na Mesopotâmia, com a escrita cuneiforme; no Egito, com o papiro; na Idade Média, com os monges co-pistas e com a imprensa de Gutenberg; e não poderia ser diferente na era “pós-tipográfi ca” com o advento do rádio, da televisão, do computador, da Internet e do hipertexto. Essa constatação impõe a teoria a necessidade de uma defi nição de letramento ampla, que venha a incluir os desafi os presentes nas novas tecnologias, principalmente no hipertexto, uma vez que esses desempenham um im-portante papel na determinação de quais habilidades de leitura e escrita a escola deve ensinar.

Natureza do Letramento

Leu et al. (2004), ao defi nir o que seriam os novos letramentos, baseados nas novas tecnologias de comu-nicação e informação, afi rmam que esses possuem uma natureza múltipla, formada por pelo menos três níveis. O primeiro nível caracteriza a construção do signifi cado pela integração de ícones, símbolos animados, som, ví-

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deos, tabelas interativas, ambientes da realidade virtual, entre outros, de forma que a compreensão se dá pela in-tegração das diferentes mídias, gerando um sentido di-ferente do que cada uma possui separadamente. O se-gundo nível, por sua vez, se refere às múltiplas formas de comunicação e acesso à informação que o indivíduo, usuário das novas tecnologias, precisa saber para atingir seus propósitos. Entre elas estão: usar sites de buscar, ava-liar a credibilidade e importância da informação, acessar mensagens instantâneas, comunicar-se através de e-mails, participar de videoconferências, salas de bate-papo, listas de discussão, entre outras. O último nível está relacio-nado à possibilidade de acesso e troca de informações em diferentes contextos culturais e sociais. A Internet cria oportunidades para pesquisas nos locais mais distantes e situações culturais e sociais mais diferentes, além da tro-ca de comunicação entre pessoas do mundo inteiro sem sair de casa, da escola ou do trabalho. Essa possibilidade gera a necessidade de interpretar e responder a questio-namentos de múltiplos contextos sociais e culturais antes praticamente inacessíveis.

Perpassando todos esses níveis, precisamos ressal-tar três elementos centrais nas novas tecnologias que vão infl uenciar, diretamente, na formação dos novos leitores, portanto nas exigências do novo letramento, que são: a necessidade de novas formas de avaliação e análise crí-tica da informação, incluindo questões como a autoria, credibilidade e utilidade; a velocidade na solução dos problemas e comunicação da solução encontrada; e a natureza dêitica das novas tecnologias, que sofrem mu-danças rapidamente, tanto pelas novas descobertas tecno-lógicas, como pela criação de novas formas de uso das já existentes. Desta forma, parece-nos claro que o indivíduo precisa adquirir novas habilidades para ler na sociedade “pós-tipográfi ca”, caracterizada pelas novas tecnologias digitais, principalmente pela Internet, onde os textos normalmente se apresentam na forma de hipertexto, in-tegrando gráfi cos, imagens, sons, vídeos e hiperlinks. Ao mesmo tempo em que a escola precisa desenvolver novos

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modelos de instrução leitora para corresponder a essas necessidades, em um mundo em que as tecnologias de informação e comunicação tornam-se cada vez mais com-plexas e sofrem mudanças rapidamente.

Ambientes de Aprendizagem

Numa sociedade em que o homem é chamado a ler e a escrever, usando as novas tecnologias de infor-mação e comunicação, a escola é chamada a responder aos desafi os impostos pelo novo letramento, preparando alunos capazes de ler, escrever e navegar no espaço ci-bernético, correspondendo, assim, as necessidades dessas novas tecnologias. Analisando a natureza do novo letra-mento proposta por Leu et al. (2004) e os trabalhos de Schmar-Dobler (2003) e Karchmer (2004), observamos que quatro áreas de habilidade se tornam essenciais para a construção de uma nova proposta de ensino da leitura, a saber: (1) construir signifi cado a partir de diferentes fontes de informação, através da integração de gráfi cos, imagens e sons; (2) adquirir, selecionar, avaliar e usar informações das mais diversas fontes, inclusive tendo em vista varieda-des sociais e culturais; (3) identifi car e solucionar proble-mas, trabalhando em grupo; e (4) comunicar-se e comuni-car, rapidamente, suas decisões e descobertas.

O desenvolvimento dessas habilidades não será obtido pela simples inclusão das novas tecnologias na escola (LEU et al., 2004; GUIMARÃES e DIAS, 2002; EL-HINDI, 2001; TAPSCOTT, 1999), exige uma mudança na prática da instrução em sala de aula, pela inclusão de um novo modelo de ensinar, de um novo fazer educativo.

Torna-se cada vez mais necessário um fazer edu-cativo que ofereça múltiplos caminhos e alterna-tivas, distanciando-se do discurso monológico da resposta certa, da sequência linear de conteúdos, de estruturas rígidas dos saberes prontos, com compromissos renovados em relação à fl exibili-dade, à interconectividade, à diversidade e à va-

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riedade, além da contextualização no mundo das relações sociais e de interesses dos envolvidos no processo de aprendizagem. O modelo exige que coloquemos como meta da educação o preparo do aluno para saber pensar ecológica, sistemática e criticamente (LITTO3 apud GUIMARÃES e DIAS, 2002, p. 23).

Esse fazer educativo caracteriza-se pelo surgimento de um novo paradigma para o ensino/aprendizagem, o qual abandona a visão tradicional, embasada na transmis-são do conhecimento, e assume o conhecimento como um objetivo a ser alcançado numa perspectiva sócio-construtivista, baseada em Vygotsky (LA TAILLE et al., 1992). Nessa perspectiva, o conhecimento é construído através da interação social, portanto o papel do professor não é impor verdades, mas criar um ambiente onde os aprendizes venham a construir a compreensão através da troca de experiências e informações. Essa forma de enten-der o conhecimento, como um objetivo a ser alcançado, uma realidade fora do aprendiz, que se constrói de for-ma ativa, transformando a realidade, é compatível com o aprender usando as novas tecnologias de comunicação e informação, entre elas a Internet (TAPSCOTT, 1999; EL-HINDI, 2001; LEU et al., 2004).

Ao permitir que os alunos tenham acesso à rede mundial de computadores, a sala de aula deixa de ser o local de transmissão de conhecimento para ser o lugar de novas descobertas. Nessa sala de aula, o livro-texto deixa de ser o único meio de obter conhecimento, pois o alu-no está livre para buscar informações que vão satisfazer sua curiosidade natural, na exploração de uma variedade infi nita de tópicos, no engajamento em questionamentos através de listas de discussões, na comunicação através de e-mails ou chats, criando, assim, trabalhos originais e suscitando novos questionamentos que poderão dar

3 LITTO, E.M.,Um modelo para prioridades educacionais numa sociedade de informação. Pátio, vol. 1, n. 3, nov. 1997/jan. 1998, p. 15-21.

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origem a novos trabalhos. Na tentativa de mostrar como se daria o processo de ensino através da exploração da mídia digital, Tapscott (1999) propõe oito mudanças na maneira tradicional de ensinar, um novo paradigma que denomina de Aprendizagem Interativa (Fig. 1).

Figura 1 – Aprendizagem interativa (TAPSCOTT, 1999, p. 189)

Linear, sequencial/serial Aprendizado hipermídia

Instrução Construção/descoberta

Centralizado no professor Centralizado no aluno

Absorção de matéria Aprendendo a aprender

Escolar Vitalício

Um-tamanho-para-todos Sob medida

Escola como tortura Escola como diversão

Professor como transmissor Professor como facilitador

Analisando a proposta de Tapscott (1999), obser-vamos que ela retoma o paradigma do sócio-constru-tivismo, uma vez que se fundamenta na construção do conhecimento, no aluno como centro do processo de en-sino/aprendizagem, no aprender a aprender, no aprender como um processo contínuo para toda a vida (vitalício) e no professor como facilitador da aprendizagem. Sem esquecer que os elementos citados levam a um processo que respeita o tempo do aluno (sob-medida) e a sua ma-neira de aprender, nem sempre linear, sequêncial/serial, mas através da consulta a diferentes materiais em diver-sas ordens (aprendizado hipermídia). O modelo sugerido

Aprendizado transmitido

Apre

ndiz

ado

Inte

rativ

o

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por Tapscott (1999) organiza a nova sala de aula dentro de um modelo, onde os professores criam ambientes que promovem a aprendizagem através da interação social com o uso da Internet.

Outro ponto que devemos levar em consideração, ao pensar em um ambiente de aprendizagem propício ao uso da Internet, são as diferentes linguagens que o leitor deverá integrar para compreender o hipertexto, uma vez que esse integra as linguagens verbais e não-verbais em um mesmo nível hierárquico (XAVIER, 2002; ARAÚJO, 2006). Assim, além da criação de um ambiente que fa-voreça a colaboração e a construção do conhecimento, é necessário dar oportunidade a que o aprendiz desenvolva diferentes habilidades. Sugerimos, desta forma, que, nes-se novo fazer educativo, concebido com base nas novas exigências do letramento, esteja presente a concepção de inteligências múltiplas de Gardner (1995), como sugerido por Guimarães e Dias (2002).

Em sua teoria, Gardner (apud GUIMARÃES e DIAS, 2002)4 identifi cou sete centros de inteligência no cérebro humano, cada um relacionado a uma habilidade ou apti-dão diferentes, como descritas na Figura 2, a seguir.

Figura 2 – Diferentes inteligências (GARDNER apud GUIMARÃES e DIAS, 2002, p. 29)

4 GARDNER, H. Inteligências múltiplas: a teoria na prática. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.

Interpessoal Intrapessoal

Lingüística

Musical

Cinestésica

Visual

ou

espacial

Lógica

ou

Matemática

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Cada inteligência se refere a uma habilidade e é assim defi nida:• a linguística se refere à nossa habilidade de leitura e

produção escrita;• a lógica ou matemática é a aptidão para calcular e ra-

ciocinar logicamente, usando a dedução e a indução (que são processos também inerentes aos processos de produção e compreensão escrita);

• a musical é a capacidade para ouvir e produzir sons;• a espacial ou visual é a capacidade de interpretar, ex-

plorar e criar o espaço;• a cinestésica é a linguagem dos movimentos;• a interpessoal é a consciência sobre o outro e sobre o

espaço social, envolvendo habilidades para a interlocu-ção e para interações grupais na sociedade; e

• a intrapessoal está relacionada à introspecção, ou seja, à capacidade de conhecer a si mesmo e de saber lidar com as emoções de maneira equilibrada, envolve tam-bém a habilidade para a refl exão e o discernimento.

O hipertexto, sendo formado pela integração de diferentes linguagens, exige, para sua compreensão, um tipo de atividade que demanda as inteligências de Gard-ner (1995), como descritas na Figura 2, p. . Tal exigência advém de sua concepção como um texto multissemiótico, que inclui a linguagem escrita, a imagem, a exploração do espaço, das cores, dos sons e do movimento, que cor-respondem a diferentes inteligências. A linguagem escrita faz parte da inteligência linguística, pois se refere a habi-lidade de ler e escrever, já a compreensão da imagem, a exploração do espaço e das cores encontram-se na inteli-gência espacial e visual, uma vez que dizem respeito à ca-pacidade de interpretar, criar e explorar o espaço; ouvir, compreender e produzir sons incluem-se na inteligência musical; e o movimento na inteligência cinestésica. As-sim entendida, a leitura do hipertexto se expande para além da decodifi cação e signifi cação da escrita, incluindo as outras linguagens como acima descritas.

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Além disso, o hipertexto permite a interação em grupo e a interlocução que são habilidades da inteligên-cia interpessoal, devido à existência dos meios de comu-nicação quase simultâneos ou simultâneos, como e-mails, chats e listas de discussão, permitidos pelo acesso à In-ternet. Por fi m, sua natureza multilinear e a possibilidade de infi nitos acessos exigem, do hiperleitor, o desenvolvi-mento da capacidade de refl exão e discernimento própria da linguagem intrapessoal, a fi m de escolher corretamen-te os caminhos a seguir e não se perder em digressões infrutíferas para seu objetivo.

O Quadro 2, a seguir, relaciona, de forma esque-mática, a relação entre as inteligências de Gadner (1995) e as características do hipertexto que vão infl uenciar na concepção de um ambiente de aprendizagem propício às novas exigências do letramento, como entendido neste trabalho.

Quadro 2 – Relação entre as inteligências de Gadner (1995) e as características do hipertexto

Inteligências de Gedner (1995) Características do HipertextoInteligência linguística Linguagem escrita

Inteligência espacial e visual Imagens e cores

Inteligência musical Som

Inteligência cinestésica Movimento

Inteligência InterpessoalComunicação (convite para a interação

presente nos sites)Inteligência Intrapessoal Multilinearidade, múltiplos acessos (links)

Considerações fi nais

Consideramos que o modelo de instrução de lei-tura a ser usado para atingir os objetivos do novo letra-mento, deverá ter como base uma proposta que defenda a construção do conhecimento pela solução de proble-mas e interação social, ocupando o professor a posição de mediador entre o aluno e o novo, enquanto os alunos

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assumem a postura de produtores de conhecimento. Isso se justifi ca porque essa proposta possibilita a liberdade de acesso a diversas fontes de pesquisa, facilitado pelo uso da Internet, libertando o aluno do livro-texto, como única fonte de conhecimento, e criando a necessidade de selecionar, avaliar e usar as informações obtidas de forma a solucionar os problemas propostos pelo professor. Além disso, ela incentiva o trabalho colaborativo e a comunica-ção entre os aprendizes, por defender que a construção do conhecimento se dá pela interação social.

Dessa maneira, é possível abranger as quatro áreas de habilidade como propostas por Leu et al ao ensino da leitura dentro de uma nova visão de letramento, além de o professor não se abster de trabalhar as diferentes inteli-gências, como propostas por Gardner (1995), facilitando, ao aprendiz, o desenvolvimento das habilidades necessá-rias à leitura na Internet.

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ENTRE TEXTOS E HIPERTEXTOS: OS LETRAMENTOS E A CONSTITUIÇÃO

DA AUTORIA NA UNIVERSIDADE

Obdália Santana Ferraz Silva

Considerações Iniciais

Na sociedade atual, vivenciam-se signifi cativas transformações de tempo e espaço, possibilitadas pelas tecnologias da informação e comunicação (doravante TIC), as quais se confi guram como uma linguagem que tem proporcionado ao sujeito, através da Web, outros letramentos em função das dinâmicas dos processos de leitura e escrita mediados pelo computador. Como afi rma Lévy (1993, p. 17), “vivemos um destes raros momentos em que, a partir de uma nova confi guração técnica, quer dizer, de uma nova relação com o cosmos, um novo es-tilo de humanidade é inventado”. Desse modo, podemos dizer que as TIC têm ressignifi cado as relações entre os homens, a qualidade da vida e dos ambientes humanos, tendo em vista seu elevado nível de concentração e de poder, que se potencializa cada vez mais nas possibilida-des futuras do vir a ser. No entanto, sendo a constituição da tecnologia, consequência da ação imaginativa e refl e-xiva do homem, este também a ressignifi ca, ao mesmo tempo em que se transforma, ao criar e utilizar recursos e instrumentos, para atuar no seu contexto vivencial (LIMA JR., 2003).

Entende-se, então, a necessidade de se discutir sobre como o sujeito interage, constrói e ressignifi ca, de forma sistemática e signifi cativa, no ciberespaço; bem como de que forma ele se relaciona com o texto móvel, maleável, aberto, que lança profundos desafi os ao leitor e que se lhe apresenta de várias formas: sonora, pictórica, icônica, textual, numérica. Assim, para a compreensão desta dinâmica, faz-se necessário discutir algumas con-cepções fundamentais neste estudo: leitor, leitura, texto,

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hipertexto, entendendo-os no movimento das relações e dos processos que se desenvolvem no mundo digital.

Entrelaçando Fios Teóricos

Leitura, leitor, autor e (hiper)texto: entrelaces

A concepção de leitura, na atualidade, perpassa pela materialidade do livro e se estende à tela do compu-tador. Assim, ler é atualizar as signifi cações de um texto (LÉVY, 1996), é atribuição de sentidos, que se dá sempre num encontro enigmático e labiríntico com o(s) outro(s), lançando o leitor a uma infi nidade de leituras multissen-soriais. Chartier (2002, p. 25) esclarece que “nesse pro-cesso desaparece a atribuição dos textos ao nome de seu autor, já que estão constantemente modifi cados por uma escritura coletiva, múltipla, polifônica”.

Então, o leitor, ao construir caminhos de leitura, torna-se ele próprio co-autor, ao passo que a leitura vai exigindo dele, sobretudo, uma posição ativa. Ler é, por-tanto, construir sentidos a partir de uma dimensão intera-cional entre leitor e autor. Nessa relação, o leitor é orien-tado por seus conhecimentos prévios e pela imagem/leitura do mundo (KLEIMAN, 2000). A leitura torna-se um ato criativo de construção de sentidos, através do qual o sujeito leitor vai ressignifi cando os nós no tecido, os pon-tos de tensão, a problemática que o texto sugere, o jogo para o qual o texto convida.

Nesse jogo de signifi cações, confundem-se o escri-to, o falado, o vivido, o inventado, o humano. O leitor navega por labirintos instáveis que trazem o deslimite como prazer, e que lhe permitem exteriorizar o “meca-nismo de funcionamento” daquilo que o faz ser, porque ele se deixa fl uir desvelando seu mundo cultural, social, histórico, sua linguagem, reconhecendo-se inconcluso, ilimitado, ser.

Sob esta perspectiva, o texto é visto como um ob-jeto complexo, relacionado a um contexto com tantas e

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variadas dimensões que não se sabe por onde iniciar a sua apreensão. É, como afi rma Koch (2003, p. 17), “cons-truído na interação texto-sujeitos (ou texto-enunciadores) e não algo que preexista a essa interação”. Texto, nesse sentido, torna-se um construto eminentemente social.

No contexto atual, o (hiper)texto se confi gura como um espaço de leitura e escrita sem margens e sem fron-teiras, que exige a revisão das estratégias de lidar com o escrito, constituindo-se num movimento que implica po-sicionamento crítico. Envolve um exercício de contínuo agir para a busca de novos saberes, propondo respeito aos saberes dos outros; provoca inquietações, exigindo posturas críticas, indagações e soluções para os desafi os que, incessantemente, se apresentam.

Há, portanto, uma outra textualidade eletrônica que “permite desenvolver argumentações e demonstra-ções segundo uma lógica [...] aberta, clara e racional gra-ças à multiplicação dos vínculos hipertextuais” (CHAR-TIER, 2002, p. 24), os quais tornam possível a interação dinâmica entre leitor e texto: o hipertexto. Nessa cons-trução de caminhos labirínticos, o leitor, ao dinamizar sua leitura, instaura um espaço de produção signifi cativa concretizando as possibilidades que já se insinuavam no texto impresso.

Construído na interação texto-sujeitos, o hipertexto dialetiza a distinção entre texto de leitor e texto de escri-tor, bem como a subversão dessa relação. Co-enunciador, co-autor, o leitor pode decidir o rumo de sua leitura, re-criar seu texto individual, elegendo links entre os vários disponíveis.

Xavier (2004, p. 171) traz um conceito de hiper-texto como tecnologia de leitura e escrita que medeia as relações do sujeito na sociedade da informação. Segundo o autor,

na esteira da leitura do mundo pela palavra, vemos emergir uma tecnologia de linguagem cujo espaço de apreensão de sentido não é apenas composto por palavras, mas, junto com elas, encontramos

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sons, gráfi cos e diagramas, todos lançados sobre uma mesma superfície perceptual, amalgamados uns sobre os outros formando um todo signifi cativo [...]. É assim o hipertexto. Com ele, ler o mundo tornou-se virtualmente possível, haja vista que sua natureza imaterial o faz ubíquo por permitir que seja acessado em qualquer parte do planeta, a qualquer hora do dia e por mais de um leitor simultaneamente.

A construção hipertextual presentifi ca os textos com os quais o autor dialoga e que em uma obra impres-sa geralmente estão apenas intuídos. Assim, na medida em que o hipertexto gera associações com outras leituras, nele a relação de intertextualidade é uma constante, e se concretiza na interação entre os vários textos de signos di-ferentes. Como enuncia Ramal (2002, p. 126), “a ideia da intertextualidade permite pensar no diálogo entre épocas diferentes e entre diversos pontos de vista. Não se trata de negar o passado nas vozes do futuro, mas sim encon-trar pontos de contato, plurivocidades que se enriqueçam mutuamente”.

A intertextualidade, no hipertexto, implica a iden-tifi cação, o reconhecimento de remissões a obras ou a textos, através de links que fazem conexões com outros textos, permitindo tecer caminhos para outras janelas. Está relacionada, ainda, à característica de não fechamen-to do hipertexto digital, que possui uma permanente aber-tura do texto ao exterior, sempre em constante mutação e expansão, estimulando o leitor a iniciar a leitura de um novo texto sem ter concluído o anterior. Ramal (2002, p. 85) esclarece, porém, que “para ser entendida, a intertex-tualidade requer visão de mundo, multiplicidade de leitu-ras, certa experiência de cultura, pois sem isso, perde-se o jogo, perde-se o sentido”.

Outro fato relevante a ser lembrado são as mu-danças nas concepções de tempo e espaço. O tempo do hipertexto é o do desdobramento: o tempo-presente se desdobra, ao mesmo tempo, como passado-presente-fu-turo, criando uma ilusão tridimensional que caracteriza

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as experiências temporais da contemporaneidade. Sobre isso, comenta Chartier (2002, p. 31):

Em primeiro lugar, é preciso considerar que a tela não é uma página, mas sim, um espaço de três dimensões, que possui profundidade e que nele os textos brotam sucessivamente do fundo da tela para alcançar a superfície iluminada. Por conseguinte, no espaço digital, é o próprio texto, e não o seu suporte, que está dobrado.

Assim, espaço e tempo passam a ter dobras de sentido e não podem ser mais reduzidos à linearidade, visto que comportam diferentes pontos de vista, infi nitos universos contemporâneos, de tempos divergentes, con-vergentes e paralelos. Convivem, neste espaço, diferen-tes sentidos, sujeitos e situações, considerando o que diz Borges (2001, p. 114): “se o espaço é infi nito, estamos em qualquer ponto do espaço. Se o tempo é infi nito, estamos em qualquer ponto do tempo”.

O hipertexto apresenta um campo de possibilida-des infi nitas de produção textual. Como revela Borges (2001, p. 114), “o número de páginas deste livro é exata-mente infi nito. Nenhuma é a primeira; nenhuma é a últi-ma”. Portanto, mais do que um espaço a ser percorrido, é um percurso a ser inventado pelo sujeito-leitor para, num ambiente colaborativo de aprendizagem, construir conhecimentos, ampliar saberes. Porém, Ramal (2003, p. 251) chama a atenção para o fato de que:

Um hipertexto só se concretiza a partir do click do mouse; um link só tem sentido se for acessado pelo usuário. O novo texto é naturalmente dialó-gico, construído para a polifonia, o diálogo entre diversas vozes e só tem sentido se a comunicação se estabelecer [...] os percursos são pessoais, o espaço é vasto e tantos serão os textos (re)criados quantos forem os novos navegadores dessa imensa rede [...].

Os sujeitos são instigados a participar de uma co-municação que pressupõe troca, comunhão, diálogo. A

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partir do diálogo que se dá através dessa leitura/escrita, a compreensão das ideias, os conceitos e atitudes do su-jeito, bem como a sua expressividade tendem a crescer, ampliando, também, o nível de clareza das suas análises e conclusões (XAVIER, 2004). Nessa aventura, surge a pos-sibilidade de gestar o novo, pela exploração das margens plurais, instáveis e inacabadas do texto. O leitor, a partir de gestos de autoria/co-autoria, pelos quais vão revelando seu potencial criador, pode expandir o texto, desencade-ando um processo de construção que gera, incessante-mente, múltiplos signifi cantes e signifi cados.

A noção de autor, desde a invenção da escrita até o período da modernidade, exercia um papel fundamen-tal na produção cultural, contribuindo para o estabeleci-mento de um mercado editorial, bem como das técnicas de impressão tipográfi ca. Entretanto, seguindo a trilha das discussões que tomaram corpo na contemporaneidade, a respeito do conceito de autoria, bem como da relação entre autor e leitor, face aos desafi os propostos pelas TIC, percebe-se que o autor canônico tem se destituído de um papel centralizador, para fazer aparecer o pensar de uma coletividade e, consequentemente, o fortalecimento de práticas colaborativas. A partir destas, o texto é teci-do com os fi os das várias vozes que o compõe; portanto, “num texto efetivamente coletivo não existe uma única autoria, isto é, ‘não existe o meu texto’, mas o ‘nosso tex-to’” (ALVES e NOVA, 2003, p. 137).

Nesse sentido, entende-se que as práticas colabo-rativas recusam a noção proprietária do texto e, portanto, das ideias, do pensamento, como ratifi ca Lévy (1993, p. 169): “O pensamento já é sempre a realização de um coletivo”. Portanto, vive-se num “tempo de trabalho em conjunto”, do conhecimento compartilhado, no qual “a palavra viva reúne e articula em si a presença e a força de autores e leitores” (RAMAL, 2002, p. 121). Essa ideia coaduna com a de relação dialógica na perspectiva de-fendida por Bakhtin (2000), quando afi rma que a cons-ciência, o conhecimento que o indivíduo adquire sobre algo não existe mais em si e para si, mas para algum ou-

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tro. Ao que se pode acrescentar as palavras de Merleau-Ponty (1980, p. 35):

Doravante, meu corpo pode comportar segmentos extraídos uns dos outros como minha substância se transfere para eles: o homem é espelho do homem. O espelho é o instrumento de uma universal magia que transforma coisas em espetáculos, espetáculos em coisas, eu no outro, o outro em mim [...].

O modo de pensar a autoria, nesse contexto, passa por transformações e a concepção de autor sofre modifi -cações. Essas mudanças se dão, principalmente, no hiper-texto, que é concebido a partir de uma reunião de vozes e sua construção é multiautoral. Como afi rma Ramal (2002, p. 172):

O hipertexto é subversivo na relação entre autor e leitor. O cursor do mouse está permanentemente presente no texto do monitor, como um sinal concreto de que, no momento em que desejarmos, poderemos invadi-lo, reescrever seus caminhos, optar por outras vias. (...) Subverte-se, com tudo isso, a noção de autoria.

Pela possibilidade de se construir caminhos de lei-tura/escritura, os papéis de autor e leitor se misturam e se confundem, distanciando-se de suas caracterizações tradicionais e colocando em discussão a autoria. Pois, a escrita, sendo hipertextual, não mais se apresenta ex-clusivamente como a produção íntegra e perene de au-tores reconhecidos, mas como obra coletiva, múltipla, incompleta, mutante e, muitas vezes, fugaz. Esse aspecto multifuncional é um dos dados da especifi cidade do ci-berespaço. No ciberespaço, que permite a textualidade interativa, todo mundo é autor, ninguém é autor; ou seja, há uma linha tênue entre quem faz e quem frui; muda-se o status de leitor, bem como o de autor, que tem sofrido transformações substantivas, gerando mudanças na forma de se compreender letramento. Tal situação remete às dis-cussões sobre o papel da escola na formação de leitores e de produtores de texto no século XXI.

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Leitura e Escrita na Tela: Outros Letramentos

A relação interativa que se estabelece entre leitor e autor, na leitura/escrita hipertextual, exige do leitor com-petências e habilidades para lidar com essas mudanças, de modo que o auxiliem na signifi cação do (hiper)texto como construção que ultrapassa o espaço da tela e ganha dimensões socioculturais; pois, considerando a evolução nas interfaces de leitura/escrita – do papel à tela; da ca-neta ao mouse e teclado... –, o sujeito precisa tornar-se letrado digital, o que, como diz Xavier (2005, p. 135) “[...] pressupõe assumir mudanças nos modos de ler e escrever os códigos e sinais verbais e não-verbais, como imagens e desenhos, se compararmos às formas de leitura e escrita feitas no livro, até porque o suporte sobre o qual estão os textos digitais é a tela, também digital.”

Nesse sentido, a leitura/escrita na tela exige outros letramentos1 que possibilitem o sujeito leitor reinventar o mundo à sua volta e reinventar-se. Assim, tendo em vista a diversidade de letramentos engendrados pelos diferen-tes e infi nitos espaços virtuais, propiciados pela internet, que oferece inúmeras possibilidades de produção, repro-dução e disseminação da escrita, a educação escolar pre-cisa repensar a formação de leitores, propondo atividades em que seus alunos – da Educação Básica à Universidade – possam construir sentidos e produzir conhecimentos a partir dos hipertextos digitais, os quais apresentam aos leitores-navegadores novas formas de representação da linguagem;

[...] novas formas de acesso à informação, mas também novos processos cognitivos, novas for-mas de conhecimento, novas maneiras de ler e de escrever, enfi m, um novo letramento, isto é,

1 Parte-se da concepção de letramento adotada por Soares, na qual ela o defi ne como “[...] práticas sociais de leitura e escrita e os eventos em que essas práticas são postas em ação, bem como as consequências delas sobre a sociedade (SOARES, 2002, p. 144).

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um novo estado ou condição para aqueles que exercem práticas de escrita e de leitura na tela. (SOARES, 2002, p. 152).

Letramento, nessa perspectiva, envolve as dimen-sões individual e social; exige do indivíduo realizar tanto funções cognitivas quanto práticas socioculturais de lei-tura e escrita que favoreçam a refl exão crítica sobre a re-lação linguagem e tecnologia digital, o que signifi ca um exercício muito mais amplo e complexo que ultrapassa o simples acesso às letras. Isso implica repensar sobre o conceito de letramento, uma vez que este, historica-mente, tem se reduzido, no espaço escolar, à ideia de codifi cação e decodifi cação, isto é, exigia-se (e ainda se exige) do aluno o cumprimento de atividades, sem fun-ção social.

Acontece que os letramentos mudam; isso ocorre porque, situados num contexto histórico, precisam acom-panhar as mudanças nos âmbitos culturais, sociais, polí-ticos e tecnológicos. Portanto, vivenciam-se, no momen-to presente, processos de letramento digital. Marcuschi (2000, p. 87) lembra que relacionar a política do letra-mento a uma tecnologia digital sensível não é algo ainda muito claro, pois ambos “[...] estão imbuídos de confl itos ideológicos, modelados por forças da economia, história e política”. Mas alerta para o fato de que podemos tomar o hipertexto como

[...] um bom momento para rever a questão mais ampla do papel da escola no letramento e a função do computador no ensino [...]. Trata-se de um caso importante para se analisar como tecnologia e cul-tura interagem de forma sistemática e signifi cativa para interferir nas práticas de escrita (idem).

Momento em que as funções e usos da escrita, na atual sociedade, desfazem seus vínculos imediatos com a escola; porque leitura e escrita tornam-se objetos de pro-blematização; leitura converte-se em objeto de pesquisa, exigindo atenção ao ato de ler mesmo, aos textos, gêne-

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ros e suportes, às práticas sociais2 e discursivas, através das quais esse ato se realiza; às condições sociais e histó-ricas e de usos da leitura e da escrita que estão para além da tela, dos links e dos nós que constituem o hipertexto, e têm a dimensão do ciberespaço, que é multilinear, infi ni-to. Daí poder-se afi rmar que, tendo em vista a inovações tecnológicas,

Letramento não é o mesmo em todos os contextos; ao contrário, há diferentes Letramentos. A noção de diferentes letramentos tem vários sentidos: por exemplo, práticas que envolvem variadas mídias e sistemas simbólicos, tais como um fi lme ou computador, podem ser considerados diferentes letramentos, como letramento fílmico e letramento computacional (computer literacy) (BARTON; HAMILTON, 1998 apud XAVIER, 2005, p.139).3

Desse modo, pensar em leitura e escrita hipertextu-ais, bem como a formação de leitores, implica uma recon-fi guração da concepção de letramento e das condições sociais de produção do conhecimento no contexto das tecnologias digitais, não esquecendo que discutir leitu-ra e escrita hipertextuais, na perspectiva do letramento digital, aponta para um continuum entre as tecnologias impressa e digital, como expõe Xavier (2005, p. 140): “Há uma inegável dependência do “novo” tipo de letramento em relação ao “velho”. Essa condicionalidade aumenta a importância e amplia o uso do letramento alfabético em razão da chegada do digital”. Partindo desse princípio, a escola poderá contribuir para a ampliação do letramento

2 De acordo com Xavier (2005, p.142), “As Práticas Sociais são as formas culturais pelas quais os indivíduos organizam, administram e realizam suas ações e atitudes esperadas em cada um dos diversos Eventos de Letramento existentes na sociedade. Essas ações são, ao longo do tempo, construídas conjuntamente pelos cidadãos comuns e algumas delas passam a ser ritualizadas e ofi cializadas, posterior-mente, pelas instituições que as retomam e exigem que os indivíduos as utilizem em momentos específi cos da vida social”.3 BARTON, D.; HAMILTON, M. Local literacies: reading and writing in one community. London: Routledge, 1998.

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do aluno, a partir dos novos gêneros discursivos e tex-tuais, dando-lhe condições pedagógicas de ampliar seus modos de ler e de escrever em diferentes suportes, através das interfaces possibilitadas pela internet.

Na pesquisa em questão, os sujeitos puderam ex-perienciar, a partir das interfaces fórum, chat, wiki e diá-rio on-line, o uso social da linguagem escrita no ambien-te digital como prática de letramento, ao responderem às demandas sociais que exigiam deles o uso de recursos tecnológicos para a escrita digital. Nesse sentido, além da palavra escrita, enfrentaram o desafi o de lidar com a não-linearidade dos textos, o uso do som, da imagem, do movimento, bem como as habilidades de inserir es-ses recursos em seus textos, conferindo-lhes um formato hipertextual.

No contexto da sociedade tecnológica em que vi-vemos, há uma imperiosa necessidade de que a educação – do ensino fundamental à universidade – se comprometa com o desenvolvimento de competências para os atos de ler e escrever na tela. É preciso que os currículos contem-plem a discussão do letramento digital e suas implicações no contexto educacional, já que os “letramentos” são vários na sociedade informática e vão além do domínio do código linguístico. Dada a sua diversidade, implicam mudanças nas práticas de reelaboração e de construção do conhecimento, nas atitudes, nos modos de pensar; pressupõem assumir transformações nos modos de ler e de escrever; exigem consciência crítica, desde a elabora-ção dos projetos de leitura e escrita até sua aplicação nos espaços escolares e acadêmicos.

Acredita-se que, somente desse modo, pode-se for-mar, nos espaços educacionais, cidadãos ativos, partici-pantes, com capacidades afetiva, cognitiva e social para, diante da diversidade de (hiper)textos disponibilizados pela internet, saber selecionar, organizar, interpretar, ela-borar e avaliar as informações para construir seu próprio aprendizado.

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Tessituras: dos Objeti vos ao Tear

Estas mudanças na concepção de leitura/leitor/texto/autoria motivaram uma pesquisa de mestrado que teve início em agosto/2005, estendendo-se até novem-bro/2005, sob a forma de um curso de extensão semi-presencial, com carga horária de sessenta horas, no Moo-dle, ambiente virtual de aprendizagem (doravante AVA), instalado no servidor da Universidade do Estado da Bahia – UNEB.

Tela inicial do curso de extensão semi-presencial

A interação proporcionada por este AVA se deu através de suas interfaces: chats, fóruns, diário e o Wiki, que se constituíram como genuínos espaços para escrita colaborativa. Desse processo de leitura/escrita na tela par-ticiparam vinte alunos, graduandos de Letras, do primeiro ao oitavo semestre, da UNEB – Campus XIV.

Nesse ambiente, trabalhou-se a leitura e escrita nas interfaces: fórum, chat, diário e wiki. O fórum constituiu um ambiente para discussão dos temas do curso, propi-ciando, entre os participantes, interatividade e relações

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movidas por interesses comuns. Semelhante a uma lista de discussão, possibilita a todos os participantes, o acesso a todas as mensagens postadas.

O diário foi o espaço autobiográfi co, com observa-ções que podiam ser diárias ou não, contendo refl exões subjetivas do processo de construção, além de produção teórica individual. Essa ferramenta possibilitou observar a evolução do processo de aprendizagem e habilidade de produção textual de cada participante.

Quanto ao chat, este se constituiu em espaço de bate-papo com fi nalidade educacional, agendado, temáti-co, ocorrendo duas vezes por mês, durante o período da pesquisa. Foi um recurso válido, uma vez que possibili-tou a participação de todos os envolvidos, bem como a construção coletiva de conhecimentos em torno de temas como leitura e escrita hipertextuais e plágio.

A interface denominada Wiki foi de grande impor-tância para o exercício da escrita coletiva. Um tema era sugerido pelo professor/pesquisador, para ser desenvol-vido pelo grupo nesse espaço, que propicia aos alunos a oportunidade de dar ao seu texto a forma característica do hipertexto com a inserção de imagens – em movimento ou não – e links: intratextualidade, intertextualidade, mul-tivocalidade. Nesta e em todas as construções, os alunos foram orientados a buscar referenciais em produções teó-ricas impressas e/ou digitalizadas, evitando o plágio.

Nesse período de interação, objetivou-se: compre-ender a relação que os graduandos tinham com a leitura e escrita do texto do papel ao digital; discutir sobre o acesso ao hipertexto digital como fonte de estudo/pesquisa no meio acadêmico, seu uso ético, de maneira que forme o sujeito do conhecimento para o julgamento, o senso críti-co, as faculdades de observação e de pesquisa, a imagina-ção, a análise, a reelaboração de textos e de hipertextos.

Para tanto, algumas questões em relação à leitura e à escrita a partir do hipertexto digital, mereceram refl exão e discussão: com que frequência o hipertexto digital tem sido utilizado pelos graduandos de Letras do Campus XIV

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(da UNEB), como auxílio à leitura e à produção de textos acadêmicos? Em que medida o convívio do aluno com a Internet tem infl uenciado ou colaborado na leitura e pro-dução de textos acadêmicos, em termos de construção de ideias, co-autoria e organização textual?

Métodos e Modos de Tecer os Fios

Considerando a pesquisa como um compromisso social, julgou-se relevante o envolvimento e implicação entre sujeito pesquisador e sujeitos participantes da pes-quisa, bem como a construção de um espaço dialético entre ambos, visto que há um movimento do objeto que invade o sujeito e vice-versa. Assim, por entender-se que não é possível a realização de uma pesquisa qualitativa fora da dinâmica da interação entre o pesquisador e o pesquisado (MACEDO, 2000), a interação através do AVA fez-se necessária para a compreensão das estratégias que os sujeitos constroem para ler e escrever, a partir dos hipertextos digitais, partindo-se do princípio de que os atores sociais defi nem a situação em que se encontram ao construí-la.

A opção metodológica pela pesquisa de campo qualitativa alicerçou-se nestes pressupostos: a educação não deve ser pensada a partir dos “a priori” – porque todo “a priori” em educação tem que ser problematizado e re-lativizado; a leitura e produção de textos – em qualquer que seja o suporte – são práticas sociais permeadas de complexidade que fazem parte do processo de instaura-ção do(s) sentido(s); o sujeito-leitor tem suas especifi cida-des e sua história.

Desse modo, realizaram-se entrevistas semi-abertas, fóruns e chats, os quais possibilitaram tematizar e proble-matizar o objeto de estudo, interpretá-lo e compreendê-lo, ao modo dos etnometodólogos, para quem “a constituição social do saber não pode ser analisada independentemen-te dos contextos da atividade institucionalizada que o pro-duz e mantém” (MACEDO, 2000, p. 112).

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Dialogando sobre os fi os tecidos

O estudo fundamentou-se na visão de pesquisa, não como ação para diagnóstico apenas, mas, principal-mente, para intervenção. Nas interfaces do Moodle, os sujeitos produziram textos, gerados pelas refl exões e dis-cussões sobre o objeto, além das entrevistas semi-abertas que forneceram subsídios para as observações e discus-sões sobre como lêem e escrevem os graduando de letras, como organizam suas ideias, como constroem conheci-mentos, a partir do hipertexto digital.

Constituíram eixos de análise: a produção textual, a leitura, o plágio, a co-autoria, partindo-se dos textos que os sujeitos construíram nas seguintes interfaces: o fórum e o chat sobre leitura e escrita na Internet, o chat no qual se discutiu sobre plágio, o diário, no qual escreveram suas experiências de leitores/produtores de texto e escrita co-laborativa realizada no wiki, como experiência de produ-ção em co-autoria. Analisaram-se as produções textuais construídas pelos sujeitos nos fóruns de discussão e no wiki. O diálogo através dos chats e em entrevistas semi-abertas contribuíram para a discussão crítico-refl exiva so-bre como os sujeitos lêem e produzem textos a partir dos hipertextos.

Os “dados” revelaram que o hipertexto digital é o maior meio de pesquisa entre os graduandos, que dizem utilizá-lo por ser um meio facilitador, pela rapidez e gran-de variedade de links, e por solucionar problemas como falta de “tempo para exaustivas pesquisas bibliográfi cas” (JB),5 além de contribuir, segundo os alunos, para melho-

5 O uso, a partir desse parágrafo, de letras aleatórias para identifi car os sujeitos da pesquisa, deveu-se à necessidade de preservar a identidade de cada um, conforme combinação com o grupo. Ressalta-se, ainda, que as falas fora, transcritas na íntegra, conservando as características próprias da escrita no ambiente on-line, como, por exemplo, equí-vocos na digitação, falta de acentuação, trocas de letras ou letras a mais, e as abreviações de palavras: “que (= q)”; “te (= t)”; “espere aí (= perae)”; “hoje (=hj)”, entre outras.

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ria da construção dos argumentos; “embasamento teórico para ajudar na concretização de alguns trabalhos” (DC); “para facilitar as atividades acadêmicas” (SO).

Nos chats e nas entrevistas os graduandos afi rmaram que os hipertextos servem de “ajuda” às suas pesquisas: a maioria declarou usar trechos dos textos transcritos na ín-tegra, sem nenhuma referência ao autor. Segundo um dos sujeitos, “a produção textual ainda é um mito, não só no ensino básico, como também na faculdade” (CS). Atribuem o fato de não produzirem, mas reproduzirem, à escola que sempre incentivou a nota, a cópia fi el, não considerando a compreensão e o esforço interpretativo do aluno:

[...]os professores, quando eu estudava ensinavam a fazer pesquisa como cópia mesmo... não com o que nós entendemos sobre o assunto (VD)

[...] é interesante observarmos o erro que aconte-ce desde as serie iniciais [...] somos iniciados na cultura da copia desde cedo (MA)

[...]o problema maior que vislumbro é a indiferen-ça com que alguns ou a maioria dos professores mesmo na Universidade, encaram a questão do plágio[...]. (CR)

Da discussão e análise sobre produção de texto na universidade, constatou-se que, mesmo não estando es-sencialmente ligadas ao hipertexto digital, as difi culdades que os sujeitos têm de produzir textos são ampliadas a partir dele, pois se o propósito do hipertexto digital é au-xiliar os sujeitos na busca de saberes, na qualidade e na criatividade de elaboração de ideias, notou-se que, entre eles, lamentavelmente, o hipertexto, na maioria das ve-zes, não tem sido utilizado para esse fi m. Demonstraram, nos textos produzidos, durante o período da pesquisa, que ainda não se autorizam, não selecionam, não avaliam nem recriam as informações extraídas dos hipertextos. Essa situação pôde ser notada nas falas dos sujeitos, quan-do revelam claramente, ou nas entrelinhas do discurso, que usam a estratégia do plágio.

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[...] eu, sou sincero. Plagiei semestre passado [...] eu sei que não é o caminho correto, mas desde q não seja prejudicial na minha construção do co-nhecimento. Aconteceu em uma disciplina que não considerava importante para mim, já que o curso de letras é muito abrangente e então sei o q é de meu interesse, o que acredito que seja de importância para mim e devo tentar aperfeiçoar-me; o que não era a disciplina na qual plagiei da net (JL).

fi ca difícil não plagear com tantas oportunidades (GB).

que plágio é crime eu sei. Mas quem nunca plagiou (IJ).

Discussões e refl exões surgiram a partir destas ex-periências, na tentativa de se questionar a situação vigente e de estabelecer um diálogo crítico sobre o problema da cópia no espaço acadêmico; sobre a necessidade de (re)elaboração das palavras do outro, transformando-as em palavras-próprias (BAKHTIN, 2000): “Estamos numa li-cenciatura... somos futuros professores [...]” (VD); “Como futuros professores, devemos ter outras práticas em rela-ção à pesquisa” (MA).

Pretendeu-se, neste estudo, não a precisão do co-nhecimento, mas o envolvimento e a participação ativa, tanto do pesquisador quanto dos pesquisados, para, a partir das refl exões, diálogos e ação, neste espaço/tempo da pesquisa, contribuir para que compreendessem – mas também externassem em suas práticas – que nem todos os hipertextos disponíveis na Internet são confi áveis, nem estão prontos na rede para serem apenas capturados num clique; mas que é preciso, antes de tudo, ética, criativida-de e criticidade para a construção do conhecimento.

Considerações Finais

Refl etir e discutir sobre as transformações oca-sionadas pela comunicação digital, no concernente às questões relacionadas às práticas de leitura e produção

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textual, principalmente no contexto escolar, é urgente e fundamental, considerando-se as mutações e rupturas decorrentes do surgimento do hipertexto que, indubita-velmente, propõe uma nova forma de leitura e de relação com a escrita; traz à discussão a necessidade de se traçar um paralelo entre os textos impresso e digital, consideran-do critérios referentes à maleabilidade, ins/estabilidade, autoria e identidade do escrito.

Diante do exposto entende-se que, na atualidade, no momento em que novas formas de expressão e de leitu-ra reforçam o caráter multifacetado e polêmico da lingua-gem, faz-se necessário compreender esses mecanismos desencadeadores de novas posturas de leitura e produção textual; compreender que essas práticas, compartilhadas no hipertexto, trazem, no seu âmago, a percepção de que ler e escrever são atividades dinâmicas, constituídas por um conjunto de práticas e de condições de ordem indivi-dual e social, nas quais diferentes temporalidades se tocam e, às vezes, se confundem e se misturam, numa relação dinâmica e plural de sujeitos que, ao se enredarem, vão construindo o conhecimento como potência geradora.

Referências Bibliográfi cas

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ENTRE TEXTOS E HIPERTEXTOS: OS LETRAMENTOS E A CONSTITUIÇÃO DA AUTORIA NA UNIVERSIDADE

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EM EAD1

Francisca Monica da SilvaJoão Paulo Eufrazio de Lima

Júlio César Araújo

Considerações Iniciais

A Internet permite que seus usuários não apenas tratem de assuntos pessoais, como também oportuniza oportunidades concretas de formação acadêmico-escolar as pessoas que recorrem, por exemplo, aos cursos de edu-cação a distância virtual. Um dos diversos gêneros digitais frequentemente utilizados com fi ns pedagógicos nesses contextos é chat educacional, o qual tem se mostrado como uma das ferramentas que possibilita ricos momen-tos de interação nos ambientes virtuais de aprendizagem (doravante AVA) em que se dão tais cursos. Em função dessa realidade, conceitos como letramento, mediação e interação necessitaram ser adaptados em virtude da mudança de suporte.2 Assim, diversos estudiosos da lin-guística e da educação, principalmente a partir do fi nal do século XX, têm voltado suas lentes para os conceitos supracitados, com o objetivo de, adaptando-os ao meio digital, atingir melhores resultados no processo ensino-aprendizagem virtual.

1 As refl exões aqui apresentadas derivam das discussões realizadas durante a disciplina Letramentos na Web, ministrada pelo Dr. Prof. Júlio Araújo, em 2008.1 no PPGL-UFC e das discussões relativas ao projeto Gêneros digitais: relações entre hipertextualidade, propósi-tos comunicativos e ensino, em andamento no grupo de pesquisa Hiperged, do PPGL-UFC.2 Denominamos suporte, neste artigo, o meio através do qual a informação escrita é propagada, como por exemplo: pergaminho, papiro, papel e tela de cristal líquido do computador. (cf. RIBEIRO, 2008, p. 14)

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Tais conceitos, por si só, não são nenhuma novi-dade, pelo fato de já terem sido objeto de estudo há bas-tante tempo. Porém, a eles estão sendo atribuídas novas roupagens em virtude das peculiaridades do meio digital, o que tem despertado o interesse de vários pesquisadores interessados em discutir as implicações desses conceitos no contexto das tecnologias digitais. Nesse sentido, con-vém lembrar com Ribeiro (2008) que o termo letramen-to, cujo conceito é mais amplo que o de alfabetização e corresponde ao uso social e efetivo que se faz de uma tecnologia, não é, portanto, único, já que ele poderá ser entendido dependendo do contexto, da situação de uso e do objetivo da agência de letramento.3 Considerando isso, podemos dizer que no meio digital, como não podia deixar de ser, existem letramentos específi cos, em virtude dos diversos meandros que caracterizam o suporte e o ambiente digitais, os quais devem ser do conhecimento de quem os utiliza.

Em se tratando da modalidade de ensino a distân-cia virtual, também é importante lembrar que os concei-tos de mediação e interação precisam ser adaptados, em virtude da distância físico-espacial entre os interlocutores e dos diversos recursos multissemióticos presentes nos gêneros digitais frequentemente utilizados pelos sujeitos. Assim, quem participa do processo ensino-aprendizagem precisa se apropriar desses mecanismos, dentre eles os hipertextuais, para aprender como eles funcionam, para que servem e quais seus contextos de uso. Dessa forma, a mediação por parte do tutor – que orienta o aluno na construção do conhecimento – e a interação entre os de-mais sujeitos poderão acontecer de maneira prática, lúdi-ca, funcional e produtiva.

Nesse sentido, é razoável admitir que, para que os sujeitos do processo ensino-aprendizagem que atuam em

3 Segundo Ribeiro (2008, p. 28), “os diversos espaços que orientam as práticas de indivíduos e comunidades para letramentos diversos são chamados de agências de letramento.” Segundo Kleiman (1995), isso inclui não só a escola, mas a família, o trabalho, a igreja, entre outros locais onde possa haver algum tipo de letramento.

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AVAs possam interagir de modo a interferir positivamen-te na construção do conhecimento, é necessário que eles tenham certo grau de letramento. Isso é corroborado por algumas pesquisas que comprovam não existir letramento zero nas pessoas (cf. TFOUNI, 2004; PEIXOTO et al, 2006; RIBEIRO, 2008). Não obstante isso, não podemos confundir esse “grau de letramento” apenas com o fato de o usuário ter acesso a um computador, com kit multimídia e acesso à Internet, pois, assim como também mostra Mateus (2004), ter acesso a essas ferramentas não indica, necessariamente, que o sujeito saiba fazer uso funcional das mesmas.

Com base nessas considerações, no presente ca-pítulo, iremos mostrar alguns mecanismos hipertextuais presentes em chats educacionais, verifi cando de que for-ma eles são ou poderiam ser utilizados para garantir a mediação, facilitando a interação em salas virtuais e, por consequência, garantindo o avanço no grau de letramen-to digital do aluno. Para isso, iniciaremos nossas discus-sões tratando dos conceitos de letramento(s) e letramento digital. Na sequência, à luz de considerações vygotskya-nas e bakhtinianas trataremos de mediação e interação. Com base nisso, apresentaremos nossa análise para dela extrairmos nossas considerações fi nais.

Letramento(s) e Letramento Digital

O termo letramento tem origem no aportugue-samento da palavra inglesa literacy, que em inglês diz respeito ao estado ou condição daquele que é educado para ler e escrever (PEIXOTO et al, 2006). Magda Soares (2003) constatou que uma das primeiras menções feitas ao termo letramento está em Kato (1986) e, desde então, mais e mais pesquisadores tem feito uso desse termo que, no Brasil, dada sua realidade social, tem se tornado algo mais amplo que o anteriormente usual alfabetização.

Essa mudança deve-se à própria mudança social pela qual passa todo o mundo, e mais especialmente nosso país, em termos de emergência das situações que requerem um

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saber mais exigente em situações em que se haja de lidar com a leitura e a escrita. Dessa forma, os termos alfabetiza-ção e alfabetizado, já eivados de uma carga negativa, pelos tantos programas fracassados de erradicação do analfabetis-mo em nosso país, e que além do mais já não servem pro-priamente às exigências da sociedade, em termos de saber ler e escrever, estão sendo paulatinamente ampliados pelos termos letramento e letrado, tidos como “condição daquele que sabe ler e escrever, e, que responde de maneira ampla e satisfatória as demandas sociais fazendo uso de alguma maneira da leitura e escrita” (PEIXOTO et al, 2006, p. 2).

Assim, o termo alfabetização tem-se tornado mais restrito, dizendo respeito tão somente ao processo de aquisição da escrita, enquanto que por letramento en-tende-se não somente o fato de saber ler e escrever, mas também de, através dessa condição, participar das diver-sas ações sociais que se utilizam da escrita. Nessa esteira, letrar é bem mais que simplesmente alfabetizar, é ensinar a ler e a escrever de maneira contextualizada e funcional, levando em consideração a função social e comunicativa da linguagem, como mostram Araújo (2007) e Ribeiro e Ribeiro-Sayed (neste volume).

Barton (1998)4 e, mais recentemente, Soares (2002) apontam para letramentos distintos em função do contex-to. Soares (2002, p.8), por exemplo, afi rma que

[...] diferentes tecnologias de escrita geram diferen-tes estados ou condições naqueles que fazem uso dessas tecnologias, em suas práticas de leitura e de escrita: diferentes espaços de escrita e diferentes mecanismos de produção, reprodução e difusão da escrita resultam em diferentes letramentos.

Mas se o letramento está relacionado ao contexto e contextos existem vários, convém falar letramento ou le-tramentos? Esse é um questionamento que tem perdurado por algum tempo entre linguistas aplicados, pedagogos e

4 BARTON, D.; HAMILTON, M. Local literacies. London: Routledge, 1998.

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estudiosos interessados nessas questões. Do ponto de vis-ta de alguns deles (SOARES, 2002; BARTON, 1998), não podemos falar apenas em letramento (no singular), mas sim em letramentos (no plural), em virtude da tecnologia de escrita utilizada. Dessa forma, assim como temos o letramento alfabético, apresentado, a princípio, no meio impresso, temos também um outro tipo de letramento, o digital, baseado no suporte com o mesmo nome e que é específi co do contexto das Tecnologias da Informação e Comunicação (doravante TICs).

É importante assinalar que o letramento digital não exclui o alfabético nem tampouco surgiu para substituir este, como alguns chegam a pensar. Na realidade, ambos se completam. A ordem de letramento (alfabético para di-gital ou digital para alfabético) é variável, pois existem os usuários das TICs que primeiramente tiveram contato com o letramento alfabético e, somente depois, tiveram contato com o suporte digital. Porém, há um grande número de crianças que, nascidas na era digital, tendo contato com ví-deos-game de última geração, computadores com acesso à Internet, celulares que mais parecem mini-computadores, MP3, MP4 etc., mesmo antes de serem alfabetizadas, já sabem utilizar várias funções desses aparelhos eletrônicos levando em consideração não as palavras que encontram na tela/display, mas outras semioses lá existentes. Isso comprova a seguinte afi rmação de Soares (2002, p.6):

Pode-se concluir que a tela como espaço de escrita e de leitura traz não apenas novas formas de aces-so à informação, mas também novos processos cognitivos, novas formas de conhecimento, novas maneiras de ler e de escrever, enfi m, um novo letramento, isto é, um novo estado ou condição para aqueles que exercem práticas de escrita e de leitura na tela. [negrito nosso]

Dessa forma, o meio digital deve ser entendido para além de um simples contexto que abrange diversos supor-tes, dentre eles a tela de cristal líquido, que facilita o acesso à informação de forma mais rápida. Ele também, dada as

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suas peculiaridades, altera signifi cativamente o processo cognitivo de leitura, e de escrita, o que torna necessária a construção de um conceito de letramento, específi co a esse novo e pungente meio. Considerando, portanto, o raciocí-nio de Soares, podemos dizer com Xavier (2005, p.135) que, para ser considerado letrado digital é necessário

assumir mudanças nos modos de ler e escrever os códigos e sinais verbais e não-verbais, como imagens e desenhos, se compararmos às formas de leitura e escrita feitas no livro, até porque o suporte sobre o qual estão os textos digitais é a tela –, também digital.

Assim, uma pessoa letrada digitalmente é capaz de identifi car e fazer uso das linguagens verbal e não-verbal que dividem o espaço da tela de cristal líquido. Dependendo do seu grau de letramento, também deve saber usar de maneira funcional os diversos mecanismos hipertextuais (texto + som + imagem) presentes na tela do computador, os quais acreditamos ser relevantes não só para a interação do hiperleitor com o texto e o suporte no qual ele se encontra, como também para o processo de interação com outros interlocutores no meio digital.

Essas refl exões são importantes para o presente ca-pítulo porque os dados analisados que trazemos nele nos autorizam a sugerir que o letramento digital é importante tanto para a interação quanto para a mediação pedagógi-ca em AVAs em cursos a distância, modalidade de ensi-no essa que vem encontrando espaço cada vez maior em sociedades multiletradas onde as instituições de ensino já encontraram nas ferramentas da Internet uma nova es-tratégia de construção de conhecimento.

Mediação e Interação: Abordagens Vygotskyana e Bakhti niana

Segundo Vygotsky (1998, p. 115), “o aprendizado humano pressupõe uma natureza social específi ca e um processo através do qual as crianças penetram na vida in-

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telectual daquelas que as cercam”. Para tanto, percebe-se a necessidade não só da mediação propriamente dita, fei-ta por um educador, mas também da interação com seus colegas de sala de aula. No caso dos cursos pela Internet, através dos AVAs, essa interação acontece por meio dos vários gêneros digitais – dispostos no sistema como ferra-mentas de comunicação entre tutor-aluno e aluno-aluno. Assim, mediação e interação são dois conceitos que estão intimamente relacionados, uma vez que, considerando-se o processo de ensino-aprendizagem como um constante processo para a construção do conhecimento mediado, na perspectiva bakhtiniana, a interação é necessária e es-sencial para que a aprendizagem aconteça.

Se considerarmos as refl exões de Bakhtin (1981, p. 112) sobre a interação verbal, é procedente afi rmar que a interação tem base social e, por isso, concretiza a lingua-gem em uso, uma vez que a enunciação é a realidade fun-damental da língua. A forma e o estilo dessa enunciação, “produto da interação de dois indivíduos socialmente organizados”, são determinados pela situação de uso da linguagem dentro de um grupo social, histórico e cultural em que os interlocutores se encontram inseridos.

Tudo isso se aproxima da visão sócio-interacionista vygotskyana que defende ser através dessa interação entre os sujeitos, sendo um deles o mediador, que o homem terá acesso ao conhecimento. Nessa direção, Vygotsky (1998, p. 7) defende a ideia de o homem, como sujeito do conhecimento, ter acesso mediado e não direto aos objetos, como pode ser comprovado quando ele afi rma que “a transmissão racional e intencional de experiência e pensamento a outros requer um sistema mediador”. Desse ponto de vista surgiu o conceito de Zona de De-senvolvimento Proximal (doravante ZDP), que defi ne a zona de aprendizagem de uma criança. Em outras pala-vras, a ZDP corresponde à zona que distancia ou separa o modo como uma criança resolve individualmente um problema, do modo como esse mesmo problema é resol-vido pela criança através da mediação. Partindo da ZDP, Vygotsky acredita que todo conhecimento seja assimilado

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mais facilmente quando mediado, porém, deve-se mediar motivando o outro a um discurso participativo e refl exivo, o que pode gerar sua autonomia do pensar.

Ao trazermos essa perspectiva para o EaD, entende-mos que o tutor deve estimular o aluno a refl etir sobre as possibilidades de interação promovidas pelo gênero digital em uso, garantindo o avanço deste em seu nível de letra-mento digital e, consequentemente, a construção do conhe-cimento. Isso signifi ca que, para a realidade dos cursos vir-tuais, os mediadores no processo de ensino-aprendizagem seriam igualmente os tutores e os demais colegas virtuais, com quem o aluno se comunica através de gêneros síncro-nos e assíncronos, tais como o chat e o e-fórum, respectiva-mente. Nesse sentido, Molon (2000, p.11) afi rma que

a mediação não é a presença física do outro, não é a corporeidade do outro que estabelece a relação mediatizada, mas ela ocorre através dos signos, da palavra, da semiótica, dos instrumentos de mediação. A presença corpórea do outro não garante a mediação.

Com isso, percebemos a importância de haver uma mediação pedagógica adequada aos cursos virtuais a distân-cia, nos quais acreditamos ser o uso da hipertextualidade relevante para que os atores presentes no processo constru-am o conhecimento juntos, de forma mais dinâmica e inte-rativa. Para tanto, assim como alerta Silva (2008), é impor-tante lembrar que os tutores devem estimular seus alunos a utilizar mais os recursos oferecidos pelos gêneros digitais, dentre eles o chat, para que, fazendo uso de tais recursos, possam tornar a interação mais atrativa e participativa, o que pode, inclusive, proporcionar ao aluno o desenvolvimento de sua autonomia na construção do conhecimento.

Chat: uma Amostra de Seus Recursos hipertextuais

O chat, por sua natureza síncrona, é utilizado, normalmente, em discussões para “tira-dúvidas” com o

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tutor ou para que este provoque uma “tempestade de ideias” sobre um tema a ser discutido em um fórum, por exemplo. Conforme pondera Abreu (2002), o ideal é que sejam formados grupos com número reduzido de alunos para que o tutor tenha condições de orientá-los on-line, discutir o tema e mediar a interação de forma que não se formem subgrupos discutindo outros assuntos e fuja à proposta da discussão a ser desenvolvida. Além disso, a autora lembra ser importante delimitar o tempo de cada sessão de vinte a noventa minutos, bem como o número de alunos para sete.

Os chats, devido aos seus propósitos comunica-tivos e ao suporte digital em que estão inseridos, apre-sentam alto grau de hipertextualidade (ARAÚJO, 2005, 2006; ARAÚJO e BIASI-RODRIGUES, 2005). Neles, além do uso da linguagem verbal reestruturada para atender à demanda do meio virtual cada vez mais dinâmico, tam-bém encontramos outros recursos semióticos para a co-municação entre as pessoas: emoticons,5 imagem, som, links etc. Estudos já demonstraram que todos esses recur-sos que permeiam o chat podem ser bastante úteis no processo de interação professor-aluno e aluno-aluno em cursos virtuais oferecidos pelas diversas instituições edu-cacionais espalhadas pelo país (cf. MOTTA-ROTH, 2001; YUAN, 2003; ARAÚJO; 2005; FONTES, 2007).

Para que os sujeitos do processo ensino-aprendiza-gem façam uso consciente e funcional dos mecanismos hipertextuais presentes nesse gênero digital, é necessário que eles tenham um letramento digital mínimo para rea-lizar ações como: ligar o micro, acessar à Internet, entrar no site desejado e navegar dentro dele, alternando entre as diversas janelas abertas, usando as barras de rolagem horizontal e vertical para ver o texto que excede o espa-

5 Emoticons (emotion + icons) são ícones de emoção que procuram simular as expressões da comunicação face a face. São obtidos através da combinação de caracteres do teclado, posteriormente sofi sticados pelos engenheiros de softwares que passaram a produzir imagens em cores e movimentos.

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ço da tela, bem como clicando nos links, nos botões e nos vários recursos semióticos próprios dos gêneros no meio digital.

Como estamos tratando da natureza hipertextual do chat e da necessidade do letramento digital do sujeito para o manuseio das ferramentas existentes nesse gênero, focalizaremos nossa análise nas telas que seguem, para descrevermos os recursos hipertextuais presentes no MSN (chat personalizado, mas que também pode ser utilizado com fi ns educacionais) e no chat do Moodle (AVA desen-volvido pelo cientista computacional australiano Martin Dougiamas).6

Os Recursos Hipertextuais no MSN

Iniciando pelo MSN (ou o Windows Live Messen-ger, em versões mais recentes desenvolvidas pela Mi-crosoft), encontramos um ambiente com uma riqueza enorme de recursos hipertextuais, que nos servirá como exemplo do uso pedagógico de um gênero síncrono. Na fi gura 1, que segue, abordaremos um recorte de sessão de uso do MSN, que é comumente usado pelos tutores que trabalham no SENAC-CE.

Neste caso, temos uma seção de chat educacional em que interagem dois participantes: o tutor e um de seus alunos virtuais. O que mais nos chama atenção é o uso do recurso hipertextual de compartilhamento de arquivos (1) como meio para troca direta de arquivos considera-dos importantes àquele momento. Em azul (no original), destacado de outras partes do texto, temos o caminho deixado pelo compartilhamento após completado seu download, nesse caso, a transferência de arquivo foi re-alizada pelo aluno destinado ao seu tutor. Esse recurso

6 As sessões de chats educacionais em questão aconteceram em cursos na modalidade a distância, no Senac – Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial. Nossa pesquisa tem a autorização da Direção de Educação Profi ssional do Senac/Ceará.

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é possibilitado pelo ambiente através da ferramenta de compartilhamento de arquivos situada na parte superior da tela e acessada através do menu “arquivo” (2). Depois de clicar nesse menu, opção “enviar arquivo”, o seu inter-locutor terá a sua disposição a possibilidade de aceitá-lo ou não. Sendo aceito, iniciar-se-á o download que, após completo, deixa sua marca de link, destacado em azul na fi gura 1. Esse é um meio frequente para se enviar textos ou outros tipos de arquivos que possam ser úteis para tirar dúvidas de alunos, e pode ser um exemplo de como esses recursos hipertextuais podem servir como facilitadores da interação tutor-aluno, assim como da mediação, o que pode favorecer à aprendizagem.

Dessa forma, essa ferramenta serve como meio de interação importante para a consecução dos objetivos do ensino-aprendizagem em ambientes que sejam ou possam servir como AVAs. Queremos crer com isso que seu uso

1

2

Figura 1 – Sessão de Chat no MSN.

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deve ser estimulado por parte do tutor, para que, dessa troca direta com o aluno, surja uma interação mais efi caz que promova o letramento desse sujeito, levando-o a re-fl etir sobre a capacidade funcional desse tipo de recurso.

Diferentemente do MSN, o próximo chat analisado faz parte de um AVA chamado Moodle, bastante utilizado em cursos da modalidade a distância devido à facilidade de interação com o ambiente que dispõe de diversos re-cursos, dentre os quais vão nos interessar mais de perto os hipertextuais, que iremos tratar a partir de agora.

Os Recursos Hipertextuais no Moodle

Na fi gura 2, encontramos alguns dispositivos que caracterizam a hipertextualidade presente no chat do Moodle. Temos, por exemplo, as imagens com as cari-nhas amarelas (1), lugar reservado para colocarmos as fo-tos dos usuários; clicando sobre essas imagens teremos acesso ao perfi l de cada participante e, de lá, podemos acessar seus respectivos e-mails e blogs, bem como pode-mos enviar uma mensagem através do próprio AVA. Ou seja, através de um simples clique sobre a imagem que re-presenta o usuário, podemos contactá-lo através do AVA e deixar comentário sobre alguma tarefa realizada, ou so-licitar complementar essa tarefa, entre outras ações, sem que seja necessário sair do chat e entrar em um webmail, por exemplo. Dessa forma, tendo habilidade para alternar janelas, o usuário terá acesso mais rápido a diversas for-mas de se comunicar com seu interlocutor, o que pode ser um ponto positivo para a interação entre os sujeitos.

Encontramos, ainda, as barras de rolagem horizon-tal e vertical (2) que são úteis para visualizarmos as “falas” anteriores dos interlocutores e que não cabem no espaço da tela. Para mostrar o nível de afetividade, (in)satisfação, dúvida, (des)contentamento etc., assim como no MSN, os sujeitos também podem fazer uso dos emoticons (3), ati-vados através da combinação de símbolos alfanuméricos, disponíveis no teclado. Isso pode “quebrar o gelo” duran-

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te a interação, aproximando os interlocutores apesar da distância físico-espacial em que eles se encontram. Além disso, se for necessário entrar na ajuda do chat do Moodle para sabermos como utilizar suas ferramentas, basta que o aluno clique sobre o ícone da interrogação (4) que fi ca no lado direito da caixa de texto onde as mensagens são digitadas. Uma caixa de diálogo com várias dicas de uso desse gênero digital será aberta e tanto o aluno quanto o tutor poderão ter acesso a informações de como melhor usar o chat em sua interação.

Por fi m, existe a ferramenta de som através da qual é possível solicitar a atenção do interlocutor, produzin-do um barulho resultado de um clique de mouse sobre o “bip” (5). Caso algum aluno esteja conectado e ativo no chat, mas não esteja participando da discussão, essa é uma forma de o tutor/professor tentar promover a partici-pação do aluno na aula.

Figura 2 – Sessão de Chat do Moodle.

Complementando os recursos existentes no chat do Moodle, e já descritos na fi gura 2, encontramos na fi -gura 3 o recurso de criação de links (1) da seguinte forma: ao digitarmos endereços de sites na janela, esses transfor-

MCAALE1

MCAOTA5

MCALUC4: todos falam ao mesmo tempo né?

MCAOTA5

MCALUC4

MCAOTA5

MCAALE1

MCAOTA5

MCALUC4: Maravilha, alexandre! bom final de semana!

MCAALE1

MCAALE1

MCALUC4

MCAALE1

MCAOTA5

MCALUC4: todos falam ao mesmo tempo né?

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MCALUC4

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MCAALE1

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MCALUC4: Maravilha, alexandre! bom final de semana!

MCAALE1

MCALUC4

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MCAGUI6

MCACHR8

MCAALE1

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mam-se em links que, acionados através de um clique, abrem a janela do site informado. Assim, o professor/tutor poderá, durante uma conversa com seus alunos, indicar sites de pesquisas, os quais poderão ser acessados pelos alunos sem que esses saiam da janela do bate-papo. Dessa forma, o aluno poderá ampliar suas leituras, tirar dúvidas, observar a escrita dos nomes de autores, especialmente se for estrangeiros, conhecer ideias opostas as que estão sendo discutidas no chat etc., enquanto “tecla” com seus colegas e com o tutor.

Figura 3 – Sessão de Chat do Moodle.

Portanto, diante de todos esses recursos hipertex-tuais mostrados nas fi guras 1, 2 e 3 acima, fi ca evidente a necessidade de que o professor/tutor estimule o uso funcional do maior número possível dessas ferramentas, as quais não apenas poder servir para promover o letra-mento digital necessário aos que ingressam nos cursos virtuais como também pode ser útil para otimizar a in-teração que se estabelece entre os participantes do chat educacional.

MCAGUI6: E desde agora já me preocupo com o trabalho de conclusão

12:07 MCALUC4: não, MCAGUI6, não avaliamos os trabalhos com base em subjetividade, temos critérios muito bem estabelecidos

MCALUC4: tem que se preocupar mesmo

12:08 MCACHR8: Lu, so pra testar, vou colocar aki o site do greenpeace pra ver se transforma em link, ta?

12:08 MCALUC4: o que avaliamos subjetivamente é a questão individual de cada aluno, em que não se comparam trabalhados pois cada realidade é única

MCAGUI6: Estes critérios serão disponibilizados para os alunos?

MCALUC4: ok, “Chris”, deu certo!

MCALUC4: sim, serão

12:09 MCACHR8: Que bom q funcionou.

1

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Considerações Finais

A descrição dos principais recursos hipertextuais em cada uma das sessões de chats em análise nos permite concluir que o letramento digital, tanto para professores que atuam na educação a distância virtual, como para pessoas que optam por realizar cursos nessa modalidade de ensino, deve ser trabalhado durante o próprio proces-so de interação homem-homem e homem-máquina.

Ao se disporem a trabalhar em um AVA, além de se dedicarem aos letramentos em sua área de estudo, preocupando-se com os conteúdos específi cos que serão discutidos ao longo das interações, tutor e aluno precisam usar os recursos tecnológicos a seu favor, para otimiza-rem a mediação pedagógica e a interação com os demais componentes do grupo ou da “sala de aula virtual”. Isso, no entanto, não reduz o que entendemos por letramen-to digital, uma vez que, decididamente, a questão não é apenas “saber usar” cada mecanismo hipertextual, ou “usar por usar” cada ferramenta oferecida pelo e-gênero, mas sim “saber usar de maneira refl exiva”, tirando o má-ximo de proveito de tais recursos para a construção do conhecimento e para a mediação pedagógica.

A análise descritiva que fi zemos dos recursos hi-pertextuais presentes em um chat educacional nos permi-te concluir que o dinamismo do suporte desse e-gênero insta que seus produtores/consumidores explorem mais a hipertextualidade não apenas dos chats praticados nos cursos virtuais mas também de todo o AVA, englobando os outros gêneros digitais nele praticados. Nossa suposi-ção, confi rmada em pesquisas como a de Silva (2008), é a de que podemos sim extrair ricas possibilidades pe-dagógicas da natureza hipertextual dos e-gêneros presen-tes nos AVAs os quais, por serem também hipertextuais, requerem uma confl uência de letramentos, como o aca-dêmico e os hipertextuais, para citar apenas dois. Dessa maneira, estamos convencidos de que o domínio dessa convergência de letramentos pode ser decisivo não ape-

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nas na discussão acerca do conteúdo específi co de cada disciplina do curso, como também no desenvolvimento das habilidades de ensinar e aprender em ambientes vir-tuais de aprendizagem.

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O ENDEREÇO ELETRÔNICO E AS PRÁTICAS DE ESCRITA NA WEB: AMPLIANDO A

APRENDIZAGEM DA ORTOGRAFIA

Márcia Maria RibeiroDorotéa Emília Ribeiro Sayed

Considerações Iniciais

Durante muito tempo, a escola tratou o erro de or-tografi a e de caligrafi a como algo a ser punido até mesmo com agressões físicas e orais. Um exemplo dessa prática pode ser dado com Gilberto Freyre (2005) que, em seu livro Casa-grande & senzala, faz um depoimento no qual diz que, se o aluno não soubesse a lição de português ou borrasse uma página do caderno de caligrafi a, arriscava-se a castigo tremendo. Diz ainda que se fazia muita ques-tão pela “letra bonita” e, ao escrever com penas de ganso, a tortura começava, pois com o mestre ao lado do aluno, os riscos de punição em função de alguma letra “troncha” ou um errinho qualquer era eminente. Dessa maneira, muitas crianças de uma determinada época da história da educação básica brasileira sofreram algumas “bordoadas” nos dedos, beliscões pelo corpo, “puxavante” de orelha, e isso era um horror.

Tal depoimento demonstra que o foco do apren-dizado da escrita era o formato da letra, a grafi a bem tra-balhada e bela e, por isso, o erro abrangia não somente a ortografi a, mas também a caligrafi a. Felizmente, não vemos hoje mais agressões desse tipo, porque a escola mudou e não se vê mais esse tratamento com alunos no que se refere ao ato de escrever. Segundo Bagno (2002), no último século e com as profundas transformações nos modos de encarar o ensino de línguas nas escolas de ensino fundamental e médio devido à implantação das teorias linguísticas, percebemos que a postura dos pro-fessores está mudando e já observamos que situações

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como as denunciadas por Freyre (2005) parecem ser ações do passado.

Em função dessas mudanças, e neste momento histórico em que são calorosas as discussões relativas ao novo acordo da reforma ortográfi ca (AZEREDO, 2008), queremos, no presente capítulo, refl etir sobre as normas ortográfi cas da língua portuguesa através de experiências de letramentos por meio de práticas reais de escrita no gê-nero digital endereço eletrônico.1 Para tanto, em primeiro lugar, apresentaremos uma revisão teórica apresentando as razões que nos levaram a decidir a tratar de ortografi a infantil por meio de experiências de letramentos na web. Logo em seguida, apresentaremos os procedimentos me-todológicos e a caracterização dos sujeitos envolvidos na pesquisa aqui relatada. Na sequência, mostraremos os re-sultados de ensinar/aprender ortografi a a partir da prática de escrita do endereço eletrônico, para fi nalizarmos nos-so trabalho com os resultados e as principais conclusões da análise.

Revisão Teórica

Mesmo que o ensino da escrita tenha passado por transformações qualitativas, ainda é comum ouvir de professores comentários do tipo: esse aluno é completa-mente analfabeto, fato que nos remete à antiga (e sempre nova) vigilância do professor quanto ao erro do aluno no ato de escrever, mais precisamente quanto à ortografi a. Talvez esse tipo de situação ainda aconteça na escola por-que, conforme pondera Morais (2001), discutir/ensinar/aprender ortografi a é enveredar por um espaço de con-trovérsias, pois, de acordo com o autor, esse é um objeto marcado por preconceitos.

1 Marcuschi (2004) considera o endereço eletrônico como um gênero digital e, com base nisso, Ribeiro e Araújo (2007) e Araújo (2007) analisaram práticas de letramentos digitais vivenciadas por crianças em fase inicial de alfabetização.

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Enquanto de um lado existem profi ssionais que con-tinuam dando à questão ortográfi ca um peso não somente desproporcional e perseguindo seus alunos tachando-os de analfabetos, encontramos, no outro extremo, professo-res que veem o ensino de ortografi a como algo conserva-dor deixando, assim, de dar a atenção devida ao assunto, considerando que o aluno pode construir a habilidade da escrita sozinho e ao longo de sua escolaridade. Morais julga essas duas posturas equivocadas, sendo necessário superá-las para enxergarmos uma nova forma de ensinar a ortografi a. Diante disso, Morais elabora a hipótese segun-do a qual bastaria entendermos as razões da existência das normas ortográfi cas e de sua organização para poder ajudar o aluno a “escrever certo”.

Em contrapartida, já é um consenso entre os lin-guistas de que conhecer gramática para falar e escrever bem não passa de um mito (BAGNO, 1999, p.48.). Por isso, Bagno defende que “a verdade dos fatos está na in-versão exata desse mito: é preciso saber falar, ler e es-crever bem para estudar gramática”. Com isso, o autor enfatiza que “nós”, professores, “deveríamos propor um ensino de língua que tivesse como objetivo levar o aluno a adquirir um grau de letramento (grifo do autor) cada vez mais elevado”. Nesse sentido, defendemos que não devemos nos esquecer de incluir, entre os letramentos, aqueles praticados na Web, uma vez que os meios digi-tais de informação e comunicação têm avançado muito rapidamente e não incluí-los em nossa prática pedagógica implicará prejuízo para o aluno.

Isso se justifi ca na medida em que “a tela do com-putador [conectado à Internet] tornou-se um novo porta-dor de textos (e de hipertextos), suscitando novos gêne-ros, novos comportamentos sociais referentes às práticas de uso da linguagem oral e escrita” (BAGNO, 2002, p.55-56). O problema da inversão exata desse mito foi que, assim como afi rma Morais (2001), essa nova prática passou a considerar o trabalho com a ortografi a conserva-dor e retrógrado, levando muitos professores a acreditar que seus alunos aprenderiam a escrever corretamente à

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medida que fossem incentivados a ler e a produzir textos signifi cativos. Morais (2001) diz que alguns professores passaram, então, a adotar um postura espontaneísta, ou seja, não ensinar ortografi a, e, de maneira cruel, ainda assim cobrar resultados de aprendizagem em ortografi a de seus alunos. Essa cobrança passa a ser injusta, porque os professores cobram o que não ensinam. Por esse mo-tivo, Morais (2001, p.17.) pensa que “as atuais dúvidas sobre como tratar a ortografi a são o refl exo dos avanços de pesquisas vividos na área da linguagem que nos têm levado a priorizar, no trabalho escolar, a formação de alunos capazes de ler e produzir textos signifi cativos”, mas considera ser possível trabalhar a leitura e a pro-dução de texto através do construtivismo e ainda assim ensinar ortografi a.

“Aprender ortografi a não é somente uma questão de memória”, afi rma Morais (2001, p.27.), e, em função disso, o autor acrescenta que nem sempre é necessário “decorar” a forma correta da palavra para acertar sua gra-fi a. Essa afi rmação nos leva a inferir que os erros apre-sentam naturezas distintas, sendo necessário somente o aluno observar que, em alguns casos, a correspondência letra-som é regular, mas em outros, irregular, exigindo, nesse caso, a memorização da irregularidade. É através desse conhecimento que não somente o aluno como o professor tomam consciência de que os erros ortográfi cos não são obviamente todos idênticos, justamente porque possuem naturezas diferentes. Dessa maneira, em alguns casos, será necessário o uso da memória, em outros, será possível o uso da correspondência regular.

Porém, não podemos ver a difi culdade que a criança encontra em fi xar a forma escrita das palavras como um obstáculo intransponível. Esse dilema não é novo, pois pode ser encontrado já na Grécia e Roma antigas, onde as pessoas letradas já procuravam fi xar a forma escrita das palavras da língua. (BONNER, 1984). Segundo Benveniste & Chervel (1976), a tendência his-tórica ao criar ortografi as foi manter um casamento entre

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o ideal fonográfi co e o princípio ideográfi co. Isso, po-rém, na prática não ocorre. Tomando-se por base a lín-gua portuguesa, por exemplo, esse casamento ideal entre som e letra não é comum, pois o que se observa é uma complexidade responsável por fazer não só a criança, em estágio de aquisição da escrita, mas também o adulto vacilarem quando a questão é a ortografi a da palavra. To-me-se como exemplo “partisse” e “chatice” que, embora terminem com o mesmo seguimento sonoro, os sufi xos -isse e -ice, veiculam informações diferentes: o primei-ro refere-se a uma fl exão verbal e o segundo identifi ca um tipo de substantivo, remetendo à ideia de “qualidade de”. Por esse motivo, faz-se necessário reconhecer que as duplicações ou irregularidades nas correspondências letra-som constituem-se em fontes de informação (MO-RAIS, 2005).

Isso nos leva a observar que, ao notar a linguagem, as atuais ortografi as apresentam princípios que vão além da mera codifi cação de relações som-grafema (CATACH, 1989). Não é difícil perceber que o ensino de ortogra-fi a tendo por base apenas a memorização da grafi a das palavras não desenvolverá habilidades na produção es-crita. Acreditamos com Araújo e Dieb (2006) que somen-te uma prática refl exiva aliada também à memorização pode levar à aprendizagem signifi cativa e permanente da ortografi a. Sentimos exatamente isso em nossa experiên-cia com as crianças que participaram de nossa pesquisa, pois, a partir das experiências vividas por elas nas aulas de letramento digital, elas passaram a refl etir mais sobre o que liam/escreviam. As aulas envolviam o aprendizado do uso do computador e seus periféricos, da navegação no ambiente virtual, do conhecimento de gêneros digi-tais, da interação na Internet e, mais especifi camente, do conhecimento relativa ao endereço eletrônico. Foi o uso constante desse e-gênero que nos possibilitou o desen-volvimento de um trabalho com práticas de escrita no en-dereço eletrônico, pois, a partir dos “erros” de acesso do endereço eletrônico, as crianças passavam a refl etir mais sobre a escrita de várias palavras.

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Caracterização dos Sujeitos da Pesquisa

A experiência está em andamento desde 2004, mas, por limitação de espaço, só serão mostrados dados relativos a sete crianças que formavam as turmas de ter-ceiro e quarto anos e que participaram das atividades de letramento digital desde 2005, respectivamente nos anos de 2006 e de 2007. Na turma de 2004, havia três crian-ças2 e na turma de 2005 quatro. Em 2006 e 2007, esse nú-mero chegou à totalidade de sete, cinco do terceiro ano e duas do quarto ano. As crianças do terceiro ano já haviam superado as difi culdades apresentadas no início desta pes-quisa (cf. RIBEIRO, 2005) e agora já conseguiam ler e es-crever, mesmo com algumas pequenas difi culdades. Seria o que Ferreiro e Teberosky (1999) consideram de difi cul-dades alfabéticas, sendo necessário agora desenvolver as difi culdades ortográfi cas. Mesmo assim, elas passaram a navegar na Internet com esperteza e já dominavam perifé-ricos, como o teclado e mouse e, o mais importante, liam e escreviam sem medo ou grandes difi culdades.

No quarto ano, havia um quadro singular: <CR1>, agora com 09 anos de idade, lia com fl uência e não se sentia mais desanimada diante das atividades escolares, como no início da experiência. Já havia vencido as difi cul-dades de leitura apresentadas e, por isso, navegava com facilidade, fazendo muitas vezes uso não somente dos pe-riféricos, mas também de algumas teclas de atalho, saber construído pela observação da criança. <CR2> iniciou no projeto sem saber ler nem escrever e chegou ao co-légio após dois anos repetindo o 2º ano, levando muito tempo para alcançar a fase alfabética. Em virtude de estar repetindo esse ano por uma terceira vez e por não ter a credibilidade dos pais, <CR2> tinha uma forte imagem negativa de si e não acreditava ser capaz de aprender a ler e a escrever. Nesse período, ela já se iniciava nas práticas

2 Para efeitos de identifi cação dos sujeitos, foi usado <CR>, acres-cido de um número subscrito como uma espécie de codifi cação para a palavra CRIANÇA. Assim, <CR1> deve ser lido como CRIANÇA UM, por exemplo.

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de ler e escrever, mas precisava ser trabalhada no reconhe-cimento das normas ortográfi cas, pois, infelizmente, não tinha se recuperado da imagem negativa de si por não ter se alfabetizado no período dedicado a isso. Ela, em vários momentos, apresentava uma dependência afetiva da pro-fessora-pesquisadora, mas, aos poucos, ia vencendo e en-tendendo que podia errar e rever seus textos. Em um dos momentos de aula, ela até expressou: “Ah, qual o proble-ma se eu errar, eu estou aqui é para aprender, não é, tia?”. Esse foi o maior crescimento demonstrado por ela durante o tempo de trabalho tanto com o letramento digital quanto com as outras atividades realizadas fora do laboratório de informática. O melhor da superação dessa criança foi per-ceber que seus pais passaram a acreditar que ela poderia aprender a ler e constataram isso na prática.

A turminha do terceiro ano era formada por crian-ças cujas idades variavam entre 07 e 08 anos. Todas já navegavam com mais facilidade pela Internet, e as ativi-dades de leitura e escrita não lhes eram mais um fardo. Dentre as cinco crianças dessa turma, somente uma delas, <CR6>, não apresentava tantos problemas com a orto-grafi a, mas as outras todas tinham difi culdades e perce-bemos que precisávamos desenvolver situações didáticas para ajudá-las a superar tais difi culdades.

Com esse novo quadro, a pesquisa precisava aten-der a essa nova difi culdade: a ortografi a, e foi nesse ponto que a interferência da professora foi importante para a for-mação do hábito de revisão da escrita e da reescrita, bem como para a refl exão dos desvios ortográfi cos. Esse era o contexto novo, resultado do trabalho de 2005, momento quando se deu a experiência de alfabetizar letrando di-gitalmente crianças com difi culdades de leitura e escrita (RIBEIRO, 2005; ARAÚJO, 2007).

Procedimentos Metodológicos

Na tentativa de fazer o que acredita Morais (2001), desenvolvemos diversas atividades signifi cativas que in-

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centivassem os alunos a ler e a produzir textos reais e signifi cativos. Nos primeiros anos de trabalho com essa faixa etária, o mundo foi trazido para dentro da sala de aula. Sempre ao desenvolver atividades com os alunos, fi -zemos isso: o mundo real tinha de ser real na sala de aula. Assim, ao estudar a casa (conteúdo relativo ao 2º ano), um profi ssional da área era chamado, e as crianças pre-paravam antes uma entrevista. No dia preparado para a entrevista, um engenheiro, por exemplo, conversava com elas, que anotavam as respostas. Ao estudar os animais e a taxonomia deles (classifi cação de mamíferos, aves, rép-teis, peixes e anfíbios), alguns animais eram trazidos para a sala ou os alunos iam ao zoológico. Eles levavam gatos, cachorros ou outros animais domésticos, recebiam formu-lário para relatórios de desenho e escrita para o registro das diferenças e semelhanças entre todos esses bichos. Para os répteis e anfíbios, dentre outros, eles visitaram o zoológico. No estudo dos meios de comunicação, as crianças receberam uma carta e no dia planejado para esse conteúdo elas estavam com as cartas que haviam sido enviadas pelos correios e assim a atenção e a vonta-de de ler e escrever eram naturalmente afl oradas. Várias outras atividades foram criadas nessa tentativa de dar a elas não somente a oportunidade de sentir necessidade de escrever, mas fazer uma atividade animada e praze-rosa. O resultado é que elas queriam, sim, escrever, mas jamais reler o que escreviam ou, pior ainda, apagar para reescrever o que já haviam escrito. Muitas até diziam já ter escrito e que estava certo.

Por algum tempo, tentamos explicar às crianças a necessidade de reler o que escreviam, a fi m de um apri-moramento de suas produções. Tal tentativa represen-tou uma difi culdade não apenas para nós, mas também para as próprias crianças que ainda não compreendiam o sentido das constantes correções a serem feitas. Elas não compreendiam a necessidade de apagar algo, choravam e entristeciam-se, pois escrever com um lápis a mão lhes era uma tarefa ainda recente e, talvez por isso, cansativa.

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Eles eram alunos de 2º ano3 e, por isso, ainda estavam aprendendo a dominar o lápis com o movimento correto das letras na tentativa de formar palavras. Não podemos nos esquecer de que, se as crianças ainda estavam fazen-do treinos de escrita (como movimentar o lápis), parece muito rigoroso pedir que ainda prestem atenção às regras de ortografi a da língua. Ora, como iniciantes no processo de leitura e escrita, ainda não estavam seguras para a aten-ção do que escreviam e também para a revisão de seus textos. Como ensinar a escrever, ter atenção e mostrar-lhes a necessidade de rever e reescrever os textos se o processo do manuseio do lápis ainda era cansativo?

Tornava-se, então, imprescindível trabalhar a orto-grafi a e a revisão da escrita de alguma forma, mas ainda não se sabia como. Em nossas buscas por uma nova didá-tica de ensino, um caminho foi encontrado: o letramen-to digital, que muito ajudou nessa empreitada. Esse ca-minho, encontramos por acaso. Após a apresentação de uma monografi a4 na Universidade Estadual do Ceará em 2005, na qual apresentava um trabalho com os gêneros endereço eletrônico e cartão digital, continuamos o traba-lho de letramento digital com os alunos explorando mais o endereço eletrônico. Para trabalhar explorando esse gê-nero, apresentamos uma lista maior de sites infantis e, à medida que apresentávamos novos sites, as crianças se deparavam com algumas difi culdades ortográfi cas. Para ajudá-las a vencer essas difi culdades, conversávamos so-bre a escrita dos sites e da relação de letra-som de alguns casos em particular. Começamos a perceber que esse tra-balho poderia, então, contribuir para um ensino refl exivo da ortografi a.

Através dessa prática de escrita na Web, consegui-mos fazer um ensino refl exivo com a ortografi a e ainda ajudar as crianças a criar o hábito da revisão da escrita.

3 Estamos usando a nomenclatura atual, portanto os alunos sobre os quais falamos, haviam acabado de sair da alfabetização.4 Essa monografi a foi orientada pelo Prof. Dr. Júlio Araújo, do PPGL da UFC.

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Assim elas passaram não somente a aceitar reler e rever seus textos, como também não mais se incomodavam em apagar e procurar encontrar a letra adequada para a escri-ta de cada palavra.

Assim como o trabalho anterior de Ribeiro (2005), este trabalho também foi resultado de uma pesquisa-ação que, segundo Kemmis & Wilkinson (2002, p. 49), é um estudo de “práticas reais, materiais, concretas e específi -cas de certas pessoas em locais específi cos”. Os autores defendem que tal estudo deve ser “um processo de apren-dizagem cujos frutos são as mudanças reais e materiais” (idem). Assim, partimos de uma situação identifi cada na prática didática com alunos, agora, nos 3º e 4º ano do Ensino Fundamental I que alcançavam a fase alfabética e precisavam não somente dominar a ortografi a da língua como desenvolver o hábito de reler o que escreviam e reescrever o que precisava de correção.

Os trabalhos aconteciam obedecendo à seguinte dinâmica. Em duas aulas semanais, as turmas iam ao labo-ratório de informática para participar das aulas de leitura e escrita na Internet. Na sequência, as aulas passaram a ter atividades diferentes, pois agora as crianças precisavam dominar quatro janelas do Internet Explorer abertas para escrever o endereço eletrônico de quatro sites diferentes e para esse trabalho foi construída uma relação de sites in-fantis que contemplassem as difi culdades ortográfi cas das crianças por elas relatadas. Conversas gravadas durante as aulas em um celular e gravações da telas acessadas fo-ram arquivadas para tabulação dos dados. De acordo com a maioria dos alunos, as letras C, S, SS, Z, X e CH eram as mais difíceis de identifi car. Elas escutavam o endereço da professora, apertavam a tecla enter e passavam imediata-mente para a nova janela e assim acontecia até todos te-rem digitado os endereços nas quatro janelas abertas. Essa atividade exigia não somente o domínio da leitura e da escrita, mas exigia principalmente uma ótima habilidade no domínio tanto dos periféricos do computador quanto do próprio letramento digital (digitar o endereço, apertar a tecla enter, segurar o mouse, dar um clique na próxima

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janela do Internet Explorer e acessar um outro site). Caso contrário, eles não poderiam acompanhar as atividades por todos desenvolvidas.

Para maior agilidade no processo de letramento digital, sentimos necessidade nesse momento de ensinar teclas de atalho para todos poderem participar sem fi car excluídos de todas as etapas. As teclas aqui ensinadas fo-ram ALT + TAB que faz surgir na tela todas as janelas abertas para que pudessem mudar de uma tela para outra sem o uso efetivo do mouse. Esse procedimento foi rele-vante porque percebemos que, em alguns casos, o uso do teclado com as teclas de atalho faz o usuário movimentar-se na máquina com mais rapidez do que retirar a mão do teclado e movimentá-la em direção ao mouse e, para logo em seguida, retorná-la ao teclado.

Na prática de escrita com o endereço eletrônico, utilizamos também o editor de textos Word como auxílio para a revisão de escrita e releitura dos escritos das crian-ças. Esses dados foram conservados porque gravamos as telas que se juntaram às telas de acesso à Internet, que também foram salvas em arquivo do Paint.

A seleção dos sites infantis para o trabalho em sala de aula aumentou, mas também foram classifi cados de acordo com o grau de difi culdade. Assim, os de sílabas simples (consoante/vogal) foram considerados de baixo grau; os de sílabas complexas (consoante/vogal/vogal ou consoante/consoante/vogal) foram considerados de mé-dio grau; e, por fi m, os de língua estrangeira foram consi-derados de alto grau de difi culdade. Para a identifi cação dessa graduação, resolvemos utilizar a seguinte legenda: site A = baixo grau; site B = médio grau; site C = alto grau, conforme mostra a fi gura.

Sites ou Portais Endereços Classifi caçãoTurma da Mônica http://www.monica.com.br Site A

Sítio do Picapau Amarelo http://www.sitiodopicapauamarelo.com.br Site B

Menino Maluquinho http://www.meninomaluquinho.com.br Site B

Hotmail http://www.hotmail.com Site C

Figura 1 – Relação dos sites por nível de difi culdades.

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A escolha dos sites agora precisava atender outros critérios que não apenas o fato de serem educativos. Era preciso que eles fossem conhecidos pelas crianças, possu-íssem uma acentuada natureza interativa e ter uma carac-terística intersemiótica. Além disso, eles precisavam levar as crianças a fazer uso de palavras que apresentavam alto grau de difi culdade e deveriam levá-las a refl etir sobre os erros de acesso, pois estes agora passaram novamente a ser frequentes, visto serem escolhidos de acordo com as difi culdades ortográfi cas das crianças. Por esse motivo, fi zemos uma nova lista de sites infantis, bem maior que aquela realizada por Ribeiro (2005) e os selecionamos de acordo com as normas ortográfi cas que desejávamos tra-balhar, ou seja, se as crianças apresentavam muitas trocas de letras como S e C, os sites para a aula de letramento di-gital deveriam ter fonemas representados por essas letras. Se as crianças tinhas grandes difi culdades com a letra X, a relação de sites a serem trabalhados deveriam ter o fone-ma /∫/ (fonema encontrado nas palavras xale e chuva), e assim por diante. Vejamos alguns dos sites utilizados na aula para o trabalho com o fonema /∫/:

http://www.chamequinho.com.br/http://www.turmadochaves.comhttp://www.exercito gov.br/Recrutinha/homepage.htm

Figura 2 – Exemplos de sites que poderiam ajudar na refl exão do fonema /∫/

Como já anunciamos, os dados foram gerados por meio do recorte de telas dos endereços eletrônicos e dos arquivos de Word, o que nos permitiu acompanhar o crescimento das crianças durante as aulas. Assim, a fi m de sistematizar os dados da pesquisa, algumas telas fo-ram salvas, mostrando o uso pelas crianças do endereço eletrônico, sobretudo daquelas imagens que mostravam as tentativas fracassadas de entrar nos sites pretendidos pelos pequenos navegadores e os processos de revisão de escrita.

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Figura 3 – Site do Exército Brasileiro destinado às crianças, chamado Recrutinha

Com o auxílio de um celular, fi zemos também al-gumas gravações das falas das crianças, e essas gravações foram arquivadas por ano e data. Essas falas espontâneas foram importantes para nosso estudo, porque revelaram a construção do sentido que as crianças foram dando à aprendizagem da escrita. Observemos a fi gura abaixo com o exemplo de revisão da escrita de uma criança e o auxílio do programa Word:

Figura 4 – Tentativa de acesso ao Site do Exército Brasileiro destinado às crianças

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Figura 5 – Tela do Word com o processo de revisão de escrita

Figura 6 – Tela com a barra da área de trabalho com as quatro janelas de acesso e o paint, que servia de coleta de dados

As crianças abriam as quatro janelas do Internet Explorer, como mostra a fi gura 6, digitavam o endereço dito pela professora, escreviam na primeira janela e aper-tavam a tecla enter, devendo passar imediatamente para a próxima janela e fazer o mesmo procedimento. Ao fi nal da atividade, todas podiam navegar naquelas que tinham acessado e esperavam o auxílio da professora para a revi-são, como mostra a fi gura 5 com a tela do Word.

Como o importante era ver o crescimento das prá-ticas de escrita em outros momentos, acompanhamos as crianças em suas atividades escolares comuns, tais como, escrita de cadernos e provas bimestrais. Para o armaze-namento dessas informações, registramos algumas delas fotografando como dados da pesquisa.

A Ortografi a e o Endereço Eletrônico

Ainda paira a dúvida no meio de alguns estudiosos quanto à classifi cação do endereço eletrônico como um gênero textual. Para tanto, conforme já anunciamos, acha-mos importante relembrar que, para Marcuschi (2004, p. 28-29), o endereço eletrônico está na lista dos “gêneros mais conhecidos e que vêm sendo estudados no momen-to”. Isso signifi ca que, segundo o autor, o endereço ele-

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trônico é um legítimo gênero digital, cuja função social é a de nos direcionar para acessos a sites ou para fazermos usos do e-mail.

Tanto Araújo (2003) quanto Marcuschi (2004) nos mostram que, nesse gênero, a escrita se apresenta com algumas especifi cidades, como a completa ausência de acentuação gráfi ca e diacríticos, e uma pontuação que se limita à presença do ponto (no caso também de e-mails) e dos dois pontos, no caso de endereço de sites, como o <http://www.turmadamonica.com.br>. Essas especifi ci-dades demarcam suas características linguísticas e foi, a partir delas, que as crianças apresentaram avanços na es-crita, pois, ao depararem-se com as difi culdades, tiveram de perceber que, para usar o gênero corretamente, deve-riam observar as restrições de uso que lhe eram inerentes, como escrever sem deixar espaço entre as palavras e as siglas, observando a pontuação, além de rejeitar o uso da acentuação, como na palavra Mônica, que aparece no endereço acima.

A exatidão da escrita como uma das característi-cas do gênero endereço eletrônico permitiu o desenvol-vimento de um ensino refl exivo de ortografi a. Não fosse esse gênero, não alcançaríamos aulas tão importantes para as crianças, nas quais elas conversavam livremente com a professora sobre o uso de uma letra por dúvidas de escrita. Como esse trabalho aqui citado é um recorte de uma pesquisa5 maior com outros gêneros digitais sendo utilizados nessas aulas, assim como o endereço eletrôni-co, elas puderam perceber que no referido e-gênero es-creviam nesse formato específi co, mas em outros, sabiam que as palavras deveriam fi car separadas. O leitor poderia pensar que a infl uência do gênero endereço eletrônico, por sua natureza linguística, fosse até negativa, mas os outros gêneros nos levaram a crer que essa infl uência ne-gativa não aconteceu, como comprovam dois exemplos dos gêneros trabalhados.

5 Pesquisa já citada anteriormente, defendida em 2005.

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Figura 7 – E-mail enviado por <CR4> reclamando do site do plenarinho que não informaram a data de um concurso de desenho, motivo de sua não participação, mensagem enviada 29/08/2007.

Figura 8 – E-mail resposta do site plenarinho para <CR4> expli-cando onde ela deveria ter encontrado a data desejada.

Os dados das fi guras 7 e 8 nos mostram como a aluna expôs sua insatisfação para o site por não ter par-

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ticipado de um concurso de desenho em agosto, sendo prontamente atendida pelo plenarinho com sua resposta. Observamos que <CR4> está assimilando algumas ques-tões de ortografi a, mas ainda permanece com algumas dú-vidas, pois de seis palavras com o fonema /s/, ela acertou quatro, o que nos leva a constatar que a porcentagem de acertos é maior que a de “erros”. Acrescentamos ainda a informação de que o endereço eletrônico não afetou a escrita das palavras separadas.

Percebemos, então, que as refl exões das conven-ções da língua com essas práticas eram inovadoras e não tradicionais para o ensino de ortografi a. Considerando os vários anos de trabalhos com alunos nessa faixa etária, não nos lembramos de outras oportunidades tão inovado-ras e confortantes na troca de ideias sobre a escrita das pa-lavras. Relembramos agora o início desse capítulo quan-do dissemos ser sofrido o trabalho de revisão da escrita não só para as crianças, mas também para nós adultos. E, hoje, ao escutar as gravações das aulas de letramento digital, percebemos que as crianças não tinham medo de falar sobre suas dúvidas nem mesmo medo de errar. Errar agora era possível e um passo para o acerto.

A grata surpresa que essas experiências nos trouxe-ram foi quanto ao fato de as crianças escreverem, relerem seus escritos e reescreverem seus textos. Agora podería-mos pedir, sem medo de magoá-las, que revisassem seus textos em seus cadernos ou agendas, que elas, sem cons-trangimento, identifi cavam os erros e tratavam de apagar e corrigir.

Outra grande conquista foi a desmitifi cação de que a prática da escrita no computador leva ao abandono do caderno de anotações. As crianças demonstraram durante as aulas que desejavam voltar à escrita manuscrita como também queriam navegar e explorar novas ondas do mundo infantil na Internet. Tivemos, então, oportunidade de coletar não somente as telas de acesso do endereço eletrônico, mas também acesso aos cadernos de anota-ções das crianças, nos quais elas tinham o cuidado e a

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precisão de anotar os sites novos visitados no momento de aula. Os pequenos desejavam escrever o endereço ele-trônico em cadernos para poder acessar também em casa. Observemos a fi gura a seguir, que ilustra uma página do caderno de uma das crianças que faziam suas anotações durante a aula de letramento digital:

Figura 9 – Imagem do caderno de anotações de <CR1> em 2007.

Não podemos negar que essas experiências não somente permitiram que as crianças refl etissem sobre a língua escrita e adquirissem o hábito de revisão de seus escritos, mas também crescessem no letramento digital. O manuseio de quatro telas habilitou-as quanto ao uso do teclado, ao domínio do mouse e, em alguns casos, à descoberta de teclas de atalho para navegar com mais rapidez. Nesta etapa, ao depararem-se com a imagem de não acesso, elas mesmas não mais esperavam a profes-sora para a prática da releitura e reescrita dos endereços. Algumas crianças já faziam a correção antes mesmo de a professora fazer com elas a revisão da escrita.

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Considerações Finais

Observamos que, na medida em que vivenciavam essas novas experiências, as crianças internalizaram a prática de revisão da escrita não somente no ambiente digital, mas em suas escritas em cadernos ou mesmo nas provas do colégio.

As crianças passaram a perceber em outras situa-ções de escrita que existe uma norma e que ela precisa dominar, não como algo imposto sem explicação, visto ser a norma ortográfi ca uma convenção e um acordo so-cial, inclusive entre países lusófonos (AZEREDO, 2008). Ao pensar nas várias formas de escrever uma palavra, ela tenta se apropriar daquela que a levará para o site deseja-do. Essa consciência chega à criança através da experiên-cia do letramento digital.

Como esse trabalho ainda não está totalmente con-cluído, afi rmamos primeiramente que essas atividades de 2007 até 2008 trouxeram resultados positivos, pois hoje as professoras de outras áreas já percebem a diferença das atividades de leitura e produção escrita das crianças e afi r-mam ainda que já não podemos mais deixar de ter aulas que possibilitem avanços nos letramentos digitais pelas crianças. Os processos de escrita em cadernos e provas foram acompanhados e neles pudemos observar novas realidades com a ortografi a e também com a revisão do texto produzido por elas.

Se no início deste texto afi rmamos não ter conse-guido fazer os alunos refl etirem em seus textos e fazer o aprimoramento com uma revisão de escrita no início do trabalho, agora eles passaram a assumir uma aceitação para a revisão e não mais colocam empecilho para refazer ou reescrever seus textos. Mesmo que estejamos falando do ambiente virtual, no qual os processos de revisão e reescrita são mais leves, ainda assim as crianças não recu-sam fazer a revisão ou reescrita em cadernos ou agendas de anotações, não demonstram mais existir aquela barrei-ra encontrada ao relatar o início de nossas observações

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(momentos nos quais as crianças choravam ou rejeitavam completamente apagar o que escreviam).

Esse caminho do letramento digital pode não ser o único que levará crianças ao prazer da escrita e da revisão de textos, porém, no contexto de nossa pesquisa, mostrou-se efi caz para transpor alguns obstáculos que se erguiam no trabalho com a alfabetização e letramento de crianças.

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WIKIPÉDIA E DICIONÁRIO ESCOLAR: LINKS ENTRE O LETRAMENTO DIGITAL E

LETRAMENTO LÉXICOGRÁFICO1

Halysson Oliveira Dantas

Considerações Iniciais

Nas últimas décadas, as discussões acerca do con-ceito de letramento têm dado uma enorme contribuição para o estabelecimento de uma visão do processo de ensino/aprendizagem de língua materna, que privilegia a competência para compreender e produzir textos, dos mais diversos gêneros,2 em detrimento a uma perspectiva já obsoleta centrada na simples aquisição do código escri-to. Assim, outros ramos da Linguística como a lexicologia e a lexicografi a têm participado dessas discussões e têm também contribuído para o desenvolvimento de novas técnicas não só para a produção de verbetes em dicioná-rios impressos, como também para demonstrar as estraté-gias que devem ser utilizadas pelos usuários de tais obras lexicográfi cas ao consultá-las, confi gurando-se, estas es-tratégias, como um novo tipo de letramento: o letramento lexicográfi co. Desta forma, o que preceitua o fazer lexi-cográfi co transcende a simples confecção de dicionários e passa a centrar-se na necessidade de dar suporte para

1 Este capítulo representa parte das refl exões que propomos durante a disciplina Letramentos na Web (Tópicos Avançados I), ministrada no semestre de 2008.1 pelo Prof. Dr. Júlio Araújo, no PPGL da UFC.2 Para Bakhtin [1953] (1992, p. 179) “todas as esferas da atividade humana, por mais variadas que sejam, estão relacionadas com a utilização da língua. Não é de surpreender que o caráter e os modos dessa utilização sejam tão variados como as próprias esferas da ati-vidade humana (...) O enunciado refl ete as condições específi cas e as fi nalidades de cada uma dessas esferas, não só por seu conteúdo temático e por seu estilo verbal, ou seja, pela seleção operada nos recursos da língua – recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais – mas também, e sobretudo, por sua construção composicional.”

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WIKIPÉDIA E DICIONÁRIO ESCOLAR:LINKS ENTRE O LETRAMENTO DIGITAL E O LETRAMENTO LEXICOGRÁFICO

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que os usuários de dicionários, especialmente estudantes, possam consultá-los com maior efi cácia.

Essa necessidade de esclarecer as especifi cidades presentes nas obras lexicográfi cas cresce em resposta à enorme gama de palavras e conceitos que a todo instante têm sido criados no mundo moderno, pois com o apri-moramento de algumas tecnologias, dentre elas a infor-mática, o intercâmbio entre as pessoas de diversos países ocorre com uma frequência jamais vista. Além do mais, a internet, propicia não apenas o estreitamento de frontei-ras, mas também a possibilidade de fazer pesquisas sobre assuntos, os mais diversos, numa velocidade infi nitamen-te maior do que aquela demandada em pesquisas em ma-teriais impressos. Assim, autores como Soares (2000) e Kleiman (2000), por exemplo, já têm chamado atenção para o fato de que o ensino de língua materna deve en-fatizar o desenvolvimento de habilidades, que propiciem ao indivíduo competência para absorver e fazer uso das informações trazidas pelos diversos gêneros de texto que circulam em nossa sociedade. Não apenas textos impres-sos, mas também os hipertextos, que são cada vez mais uma realidade que a escola não pode deixar à margem, conforme alerta Araújo (2007). Ao contrário, talvez, o pa-pel fundamental dos professores de língua materna seja favorecer o letramento e suas várias outras formas como letramento digital, letramento crítico, letramento lexico-gráfi co etc, com base nas semelhanças e diferenças exis-tentes entre textos, de acordo com o meio em que são veiculados.

Por isso mesmo, algumas questões poderiam ser levantadas a partir dessa nova realidade. Por exemplo, a mudança no meio em que o verbete é veiculado (impres-so ou digital) altera radicalmente a forma como usuário faz sua pesquisa? Ou melhor, há alguma relação entre o conhecimento lexicográfi co do consulente e sua habili-dade com hipertextos? Deste modo, nosso trabalho visa justamente discutir essas questões com base em uma aná-lise comparativa de dois verbetes, um em meio impresso, retirado do dicionário Miniaurélio Jr. (2005) e outro em

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HÁLYSSON OLIVEIRA DANTAS

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meio digital, extraído da base de dados da Wikipédia, en-ciclopédia livre na internet. Nosso intuito, pois, é tentar estabelecer uma interface entre o que preceitua a metale-xicografi a e as estratégias de consulta utilizadas por quem pesquisa em meio digital, a fi m de relacionar letramento digital e letramento lexicográfi co e demonstrar que eis aí um tema ainda pouco explorado por pesquisadores do hipertexto e por lexicógrafos.

Para tanto, discutiremos brevemente sobre o fazer lexicográfi co, especialmente no que tange às remissivas, e sobre os conceitos de letramento, de letramento digital, para, em seguida, fazermos uma análise comparativa dos mecanismos de remissão presentes nos verbetes em ques-tão. Teceremos ainda algumas considerações a respeito dessa interface entre teoria lexicográfi ca e o letramento digital.

Fundamentos Teóricos

Lexicologia e lexicografi a

A lexicografi a é caracterizada por muitos autores, como a “arte” ou “técnica” de fazer dicionários. Ancora-da nos preceitos teóricos estabelecidos pela lexicologia, que foram feitos nos últimos tempos, a lexicografi a surge como a aplicação prática dessas teorias lexicológicas. Por isso mesmo, tem sido classifi cada como estando no âmbi-to da Linguística Aplicada. Para Casares (1992, p.10-11), apesar de serem disciplinas que têm o mesmo objeto de estudo – o léxico – diferenciam-se pelo enfoque que lhe é dado:

É de igual maneira que distinguimos uma ciência da gramática e uma arte da gramática, podemos distinguir duas faculdades que têm sua origem num objeto comum, a forma e o signifi cado das palavras: a Lexicologia, que estuda estas matérias do ponto de vista geral e científi co, e Lexicogra-fi a, cujo sentido, principalmente usual, defi ne-se

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acertadamente em nosso léxico como “a arte de compor dicionários”

Esta concepção apresentada por Casares (1992) tem sido bastante aceita e difundida pela maioria dos lin-guistas que se preocupam com o estudo do léxico, por concordarem que a Lexicografi a está notabilizando-se como a parte prática da Lexicologia, o que parece ser de extrema importância para que não se confundam as duas disciplinas como se tratando de uma só. Além disso, a lexicografi a infl uencia ainda em outros aspectos impor-tantes dos estudos lexicográfi cos que vão além da elabo-ração de dicionários. Ela apresenta elementos que servem de base para a crítica a obras lexicográfi cas, em especial, aquelas destinadas a aprendizes, apresentando parâme-tros que devem ser levados em consideração não só por lexicógrafos na confecção de novos dicionários, mas tam-bém por professores que têm a tarefa de guiar seu aluno para que este consiga consultar tais obras explorando to-das as suas possibilidades.

Assim, alguns autores mais atuais como é o caso de Hernández (2000, p. 174), levando em consideração esse aspecto crítico da lexicografi a, vão mais além, quando afi rmam que ela “não se limita apenas à prática, também apresenta uma vertente teórica autônoma, mas de base lexicológica”. Para ele, a Lexicografi a pode ser dividida em “Lexicografi a Prática e Lexicografi a Teórica (ou Meta-lexicografi a)”.

O desenvolvimento de tratamentos informáticos no estudo do léxico, bem como a demanda por novas tecnologias e a pressão comercial pela confecção de bons dicionários têm feito com que a lexicografi a prática dê um enorme salto, atraindo cada vez mais a atenção de muitos linguistas. Assim, muitos dicionários têm deixado de ser apenas normativos e passaram a ser mais descritivos e a ser elaborados de acordo com os princípios estabelecidos pelo fazer lexicográfi co. Deixa-se de lado, pois, o caráter predominante nos dicionários anteriores ao surgimento da lexicografi a prática, que cumpriam apenas a função de

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simples repositórios de signifi cados. Deste modo, as obras lexicográfi cas precisam acompanhar o avanço das novas tecnologias, ampliando cada vez mais o leque de infor-mações que as compõe, além de apresentá-las de maneira clara, a fi m de proporcionar a quem consulta estas obras a possibilidade de suprir suas demandas. Por isso mesmo, a procura por dicionários e enciclopédias tem crescido bastante seja em meio impresso, seja em meio digital. Vale ressaltar, como afi rma Pontes (2007, p.5), que essa mudança na forma como se produzem os dicionários, atualmente, tem por base “a preocupação com os usos da língua e com a educação linguística de um povo”.

Em resposta a essa nova forma de enfocar as obras lexicográfi cas, é que já a partir dos anos sessenta e se-tenta, começa-se a falar sobre a lexicografi a teórica ou, para usar um termo mais atual e cunhado por Hausmann (1988, p. 84),3 sobre a metalexicografi a. Segundo esse mesmo autor,

apesar de comumente apontar-se os anos 60 e 70 como o período em que se iniciaram os estudos efetivos sobre teoria lexicográfi ca, essa disciplina já existia desde sempre nos prólogos dos dicioná-rios e nos artigos das enciclopédias.

Realmente, é fato que os prólogos das obras lexi-cográfi cas eram tidos como ensaios para estudos críticos mais apurados em relação aos dicionários. Deste modo, quando um lexicógrafo apresenta a forma como o dicio-nário está organizado, as fontes em que realizou suas pes-quisas e algumas pistas importantes para a consulta de sua obra, o que ele está fazendo é um pequeno estudo metalexicográfi co de sua própria obra. Por isso mesmo, é que um bom dicionário deve trazer informações de como o consulente deve proceder a pesquisa, de quais as infor-mações relevantes que podem ser encontradas no interior

3 HAUSMANN, Franz J. Grundprobleme des zweisprachigen Wörter-buch: eine Ubersicht. In: Hausmann, F. J. et al. (ed.) vol. 1, 1988, p. 649-657.

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da obra, bem como esclarecer as diversas abreviaturas que fi guram no dicionário, especialmente aquelas refe-rentes às remissivas.

Para Pontes (2007, p. 5) as pesquisas que se ba-seiam nos métodos da metalexicografi a “servem de fun-damentos sólidos para o fazer lexicográfi co e para as dis-cussões relativas à Lexicografi a Aplicada”. Este ramo dá conta ainda dos estudos do dicionário em sala de aula, mas pode também ser aplicado a outras áreas, como aquelas que estudam os gêneros digitais. Assim, o que mais se tem estudado em relação aos dicionários escola-res impressos são as atitudes e as crenças dos alunos dian-te destas obras, suas difi culdades de uso, as estratégias de consulta e a descrição de parâmetros que favorecem a análise destas obras destinadas a aprendizes. Contudo, a mesma energia que os lexicógrafos dispensam ao estudo de obras em meio impresso não tem sido dispensada ao estudo destes mesmos aspectos nas obras em meio digi-tal. Pois, apesar da mudança em relação ao suporte em que os verbetes apareçam, acreditamos que haja muitas semelhanças entre o que preceitua a metalexicografi a e as teorias que estudam os textos digitais. Portanto, não é um contra-senso afi rmar-se que a metalexicografi a está muito mais centrada no consulente, e a crítica feita a obras le-xicográfi cas (impressas ou digitais) com base nessa teoria tem o intuito de aprimorá-las cada vez mais para facilitar a consulta do usuário.

O Verbete

Welker (2004, p. 110) diz que pode ser considera-da a cabeça do verbete a junção do “lema com as informa-ções anteriores à(s) defi nição(ões), a saber, variantes orto-gráfi cas, a pronúncia, a categoria gramatical, informações fl exionais e/ou sintáticas, a etimologia, marcas de uso.”

É necessário, pois, que o lexicógrafo leve em con-sideração que, em seu plano de elaboração dos verbetes, a seleção de um lema para fi gurar como palavra-entrada

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na nomenclatura de um dicionário, implica necessaria-mente que possam ser estabelecidas suas características formais e semânticas. Sendo, pois, tais características ex-tremamente relevantes para quem, por exemplo, consulta um dicionário no intuito de aprender a pronúncia, a grafi a correta de uma palavra, para ampliar seu vocabulário ou para compreender o signifi cado de um dado conceito.

Deste modo, interessa-nos, para o escopo de nosso trabalho, a rede léxico-semântica que se estabelece no interior dos verbetes por meio das remissivas. Esse talvez seja o aspecto constante na microestrutura dos verbetes em que possam ser percebidas as maiores semelhanças e diferenças existentes entre os verbetes impressos e os digitais. Visto que, como as remissivas ou links são com-plementos da defi nição ou são essenciais para esclarecer a defi nição de um conceito, tem-se, neste caso, uma inter-seção entre a metalexicografi a e as teorias do hipertexto.

A mudança de suporte em que o verbete se apre-senta faz com que novas estratégias sejam demandadas para que o consulente atinja sua meta. Assim sendo, en-quanto no verbete impresso as remissões estão limitadas por uma visão espacial de avançar ou retroceder páginas do dicionário, para encontrar a nova entrada, no verbe-te digital essa noção se perde, pois, ao clicar num link, o consulente é remetido a outro verbete que aparecerá como uma nova tela que pode gerar várias outras, sem que o consulente perceba que há a dinâmica do ‘ir’ e ‘vir’ presente nos dicionários impressos.

Portanto, vejamos como se dão as remissivas em dicionários impressos, de acordo com os parâmetros esta-belecidos pela lexicografi a, a fi m de que possamos obser-var alguns pontos em comum com as remissões feitas no âmbito digital do hipertexto.

As Remissivas

Tradicionalmente, costuma-se analisar a organi-zação dos dicionários em geral, a partir de dois pontos

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fundamentais: a macroestrutura e a microestrutura. A pri-meira diz respeito à disposição das palavras-entrada no dicionário, bem como à quantidade de entradas constan-tes no mesmo. A microestrutura, por sua vez, refere-se à estruturação interna do verbete (informações gramaticais, defi nições, etc). Há ainda a medioestrutura, que explica as relações léxico-semânticas presente nas obras lexico-gráfi cas.

Welker (2004, p177) destaca o conceito de medio-estrutura, conforme sua explicação abaixo:

(...) entre essas duas ‘estruturas’ (macro e micro-estrutura) há uma outra, denominada, às vezes, medioestrutura (termo empregado mais na Ale-manha, mas aparecendo como lema também em Hartmann e James 1998). Trata-se de um sistema de remissões (ou referências cruzadas, al. Verweise, esp. Remissiones, fr. Renvois, ingl. Cross-references), isto é, de maneiras de se remeter o usuário de um lugar a um outro.

As relações léxico-semânticas se estabelecem no interior dos dicionários por meio de remissões (também conhecidas como referências cruzadas) de um termo a ou-tro e devem de alguma forma ser explicitadas. É bastante comum nos dicionários a presença de sinônimos e antôni-mos, que podem fi gurar inseridos na própria defi nição da palavra, logo após a defi nição ou no fi nal do verbete.

Em relação ao que se pode considerar como sinô-nimo e antônimo, há muitas opiniões divergentes tanto no âmbito da metalexicografi a quanto da própria Linguística, porém, ao nosso trabalho interessará a visão de sinônimos e antônimos como palavras, que, apesar de serem diferen-tes na sua forma, apresentam alguma analogia semântica. No caso dos dicionários escolares, Damim (2005, p. 36) afi rma que a sinonímia e a antonímia devem ser “um re-sultado aproximado, e não total, de similaridade e oposi-ção e signifi cado entre duas palavras, como é o caso de guria e menina e dentro e fora, respectivamente”, visão esta que pode também ser aplicada aos verbetes digitais.

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Nessa perspectiva, recorrer a sinônimos e antôni-mos seria uma forma de complementar o signifi cado da palavra consultada. Contudo, essa complementação não deve ser restrita apenas à relação entre a palavra-entrada e os sinônimos e antônimos, tem-se ainda a complemen-tação por meio de consulta aos textos externos e às fontes pesquisadas pelo lexicógrafo na elaboração do dicioná-rio. Em relação, aos links nos hipertextos, por exemplo, esse caráter de complementação pode se apresentar ainda em forma de home-pages relacionadas ao assunto pesqui-sado, vídeos, música, fotos, entre outros, revelando assim as múltiplas possibilidades de um texto digital.

As formas de remissão que são utilizadas variam nos diversos dicionários, mas pode-se dizer que as mais frequentes são aqueles que utilizam o verbo Ver ou sua forma abreviada V., setas e nos textos externos usa-se a sigla Cf.4 Há, portanto, remissões que são externas, refe-rindo-se às fontes de consulta utilizadas pelo lexicógrafo para a produção do dicionário, ou internas, que dizem respeito às informações presentes nos verbetes. No caso dos verbetes digitais, é mais comum destacar-se a remissi-va por meio de uma cor diferente da fonte, ou por ícones que se movimentam ou piscam na tela de cristal líquido.

As remissivas, nos dicionários impressos, podem ser, pois, obrigatórias ou facultativas, cumprindo, desta forma, a função de evitar repetições. Ao passo que no hipertexto, não apresentam muito esse caráter de obriga-toriedade, sendo muito mais facultativa e de responsabi-lidade do leitor/consulente. A respeito dessa classifi ca-ção, Wiegand (1996, p.35)5 expõe as características das remissivas mais encontradas em dicionários impressos. Para ele, a remissão pode ser feita de um lema a outro, quando o lexema representado pelo lema não está defi -

4 Dependendo da obra esta sigla pode signifi car confronte ou conferir.5 WIEGAND, Herbert E. Fragen zur Grammatik in Wörterbuchbenut-zungsprotokollen. Ein zur empirischen Erforschung der Benutzung einspraichiger Wörterbucher. In: Bergenholtz, H & Mugdan, J. (eds.) Lexicografi e und Grammatik. Tubingen: Niemeyer, 17-100, 1985.

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nido na nomenclatura do dicionário. Tratando-se, desta forma, de um lema remissivo, ou seja, só se pode com-preender o signifi cado da palavra buscada se, e somente se, for acessada a nova palavra sugerida pela remissão, que, neste caso, é obrigatória. Além disso, o mesmo autor ainda destaca outros tipos de remissões às quais chama de facultativas, pois dependem da vontade do leitor/consu-lente. Como exemplo de remissões facultativas, Wiegand (op. Cit) destaca as referências a sinônimos, a antônimos e a hiperônimos; referência a lexemas relacionados eti-mologicamente; referência de lexias complexas a lexias simples; ou, para informações nos textos externos6 e para ilustrações gráfi cas; etc.

No que se refere às remissões em hipertextos, os links, pode-se afi rmar que seguem uma dinâmica própria do meio digital, a saber a dispersão e a possibilidade de atualização quase que simultânea com a tela que está sen-do acessada em dado momento. Ao contrário do trabalho um tanto quanto mais complexo e braçal das remissões em verbetes impressos, as remissões em verbetes digitais dependem apenas de um clique e são essencialmente fa-cultativas. Contudo, tais remissões ainda carecem de uma atenção maior de lexicógrafos e de analistas do hipertex-to, a fi m de que possam ser melhor descritas.

Como se pode observar, a rede léxico-semântica que se estabelece no interior de verbetes impressos e di-gitais é muito mais complexa do que parece e envolve muito mais do que simplesmente palavras sinônimas ou antônimas. Há que se considerar ainda que o desconhe-cimento das remissões por parte de quem consulta obras lexicográfi cas é um fator que contribui para uma má con-sulta, que por vezes não supri a demanda do consulente.

6 Por textos externos entende-se o conjunto dos textos que aparecem antes e depois da nomenclatura de um dicionário. Podemos citar como exemplos de textos externos, o prefácio, a introdução, a lista de abreviaturas usadas no dicionário, resumo gramatical, as tabelas de conjugação verbal, as fontes pesquisadas pelo lexicógrafo, entre outras informações.

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Isto porque a informação que ele busca pode até estar no dicionário, mas o fato de não saber como utilizá-lo, acaba gerando-lhe frustração e consequente antipatia, em relação a esses instrumentos de consulta. Sendo assim, podemos afi rmar que a leitura de obras lexicográfi cas impressas ou digitais requer um tipo de conhecimento específi co, ou melhor, requer um letramento específi co, não sendo demais falar-se de um letramento lexicográfi co para facilitar a consulta a dicionários impressos e enciclo-pédias digitais, por exemplo.

Letramentos: Letramento Digital e Letramento Lexicográfi co

Ao longo da história da humanidade, presencia-mos alguns momentos importantes para a transformação da percepção de que o homem tem do mundo à sua vol-ta e, por conseguinte, dos esquemas cognitivos, que são formados a partir de experiências novas, posteriormente cristalizadas na mente humana. Citem-se, como exem-plos históricos de transformação da conduta humana, a descoberta da roda e o início das relações de compra e venda, utilizando papel-moeda.

Assim como esses fatos, a descoberta da tecnologia da escrita teve (e ainda tem) um papel de extrema relevân-cia para o desenvolvimento da humanidade, pois quando os Sumérios criaram a escrita cuneiforme, com o objetivo de registrar textos religiosos, talvez eles não tivessem a dimensão da gama de possibilidades que a escrita daria a todos que dela se apropriariam. Mas, a escrita cuneiforme idealizada pelos Sumérios, da mesma forma que os ideo-gramas chineses e os hieróglifos egípcios, foram adquirin-do novas formas à medida que as pessoas os utilizavam, tornando-se tão imprescindível para algumas sociedades que seus integrantes não conseguiriam sequer imaginar-se sem o suporte dessa tecnologia, que requer uma técni-ca e o desenvolvimento de habilidades, que precisam ser ensinadas por outrem.

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Ong (1986),7 citado por Soares (2002, p.147), tam-bém se refere ao fato de que não se pode, nas sociedades letradas dissociar-se a tríade fala-pensamento-escrita, pois

a tecnologia da escrita está tão profundamente internalizada em nós que nos tornamos incapazes de separá-la de nós mesmos, e assim não conse-guimos perceber sua presença e infl uência – não temos consciência da natureza do fenômeno do letramento, temos difi culdade de captar as carac-terísticas do estado ou condição de ser “letrado”, porque vivemos imersos nele.

A perspectiva de letramento defendida por Ong (op. cit.) reafi rma o status que a escrita adquiriu ao longo dos tempos, em relação à forma de encarar o mundo e em relação à forma de pensar daqueles que vivem em sociedades letradas. Além do mais, esse caráter que a es-crita assumiu de ser inerente ao próprio modo de vida dos indivíduos de uma sociedade letrada, acaba por torná-la uma necessidade primária, assim como são a moradia, o transporte, o entretenimento, etc. Neste sentido, um in-divíduo que não domina ou tem pouca habilidade com a tecnologia da escrita, nos tempos atuais, sente enorme difi culdade de constituir-se plenamente como membro de uma sociedade que se baseia em tal tecnologia, sendo, por conseguinte, marginalizado.

Contudo, aliamo-nos a Araújo (2007) para dizer que não basta apenas proporcionar aos indivíduos a pos-sibilidade de aquisição do código escrito, pois as deman-das sociais se sofi sticaram tanto que requerem muito mais do que uma simples decodifi cação ou uma transcrição da escrita. Para além disso, para que alguém possa ser con-siderado como um sujeito que exercita de maneira plena o seu conhecimento da língua escrita e, portanto, a sua cidadania, é necessário que ele saiba ‘navegar’ pelas mais

7 ONG, W. J. Writing is a technology that restructures thought. In:BAUMANN, G. The written word: literacy in transition. Oxford:Clarendon, 1986, p. 23-50.

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diferentes formas de realização da escrita nos diferentes eventos comunicativos.

Neste sentido, não é a alfabetização um fi m em si mesmo, mas uma parte importante do processo que leva o indivíduo a tornar-se letrado, pois nessa perspectiva ser letrado é entender que a linguagem, quer seja escrita ou falada, é tão somente um meio para chegar-se a determi-nados objetivos, que serão alcançados na interação entre indivíduos num dado contexto.

Assim, é que para além de discutirmos apenas o conceito de letramento, na perspectiva da linguagem es-crita, precisamos também lançarmos um olhar cada vez mais atento para os desdobramentos que esse conceito possa ter. Dentre esses desdobramentos, interessam-nos os conceitos de letramento digital e de letramento lexi-cográfi co. O primeiro tem sido bastante discutido, visto que hoje vivemos uma nova revolução científi co-cultural, que é o desenvolvimento de uma cibercultura, pois assim como aconteceu no passado em relação à leitura e escrita de textos impressos, moldando formas de comportamento e estratégias de uso frente ao texto, presenciamos esse mesmo acontecimento, agora frente aos textos veiculados em meio digital, os chamados hipertextos.

Além do mais, alguns textos por transitarem entre os ambientes impresso e digital demandam não somen-te a necessidade de que o leitor possua habilidades em relação à leitura de textos em meio digital, mas também habilidades específi cas de leitura destes mesmos textos em meio impresso. É o caso, por exemplo, da consulta a verbetes em enciclopédias digitais. Para além do conheci-mento de leitura de hipertextos, é necessário, sobretudo, que o consulente tenha algumas habilidades próprias de quem costuma ler dicionários e enciclopédias impressas. Portanto, neste sentido, é preciso também aliar um letra-mento digital com um letramento lexicográfi co, que seria algum conhecimento mínimo que o consulente precisa ter sobre algumas estratégias de leitura de obras lexicográ-fi cas e de algumas nuances que elas trazem, comuns tanto em meio impresso quanto em meio digital.

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Soares (2002, p. 152) levanta a questão da neces-sidade de levar-se em consideração as diferenças que in-fl uenciam a produção e recepção de textos no meio im-presso e no meio digital. Segundo essa autora,

pode-se concluir que a tela como espaço de escrita e de leitura traz não apenas novas formas de aces-so à informação, mas também novos processos cognitivos, novas formas de conhecimento, novas maneiras de ler e de escrever, enfi m, um novo letramento, isto é, um novo estado ou condição para aqueles que exercem práticas de escrita e de leitura na tela.

Contudo, o fato de que há muitas diferenças no que concerne ao ambiente em que se veicula o texto, não descarta a possibilidade de haver também pontos comuns entre as estratégias de que o leitor lança mão para conse-guir construir o sentido do texto. Em relação aos verbetes presentes em enciclopédias digitais e aos verbetes de di-cionários escolares impressos, por exemplo, há algumas semelhanças, especialmente, na forma de fazer-se as re-missões, revelando, deste modo, a necessidade de que os estudos no campo do hipertexto estabeleça algumas interfaces com os estudos lexicográfi cos. E é justamente este diálogo entre essas duas vertentes teóricas da Linguís-tica moderna que norteia a análise que veremos a seguir de um único verbete publicado em suporte impresso e em suporte digital.

Fundamentos Metodológicos

Como nosso trabalho visa tão-somente buscar in-dícios de uma interseção entre os estudos metalexicográ-fi cos e as teorias do hipertexto, e não se propõe a fazer o mapeamento completo de todos os pontos comuns entre estas teorias, resolvemos escolher apenas um único ver-bete para proceder a nossa análise, sendo que sua publi-cação se dá em meio impresso e em meio digital.

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Escolhemos trabalhar com verbetes por ser um gê-nero textual basicamente de consulta e por ser também um conceito fundamental para os estudos lexicográfi cos. Além do mais, o verbete impresso em sua essência já apresenta algumas nuances que devem ser conhecidas por quem os consulta, para que se possa atingir com sucesso a informa-ção demandada. Cite-se como exemplo destas nuances, a organização em ordem alfabética, as informações grama-ticais e de uso que aparecem abreviadas e as remissivas, entre outras. Evidenciando-se assim a necessidade de que o consulente possua um certo nível de letramento lexico-gráfi co. Ao passo que no caso do verbete digital, além de um letramento lexicográfi co, o leitor que acessa esse gê-nero, precisa possuir ainda um letramento digital para que possa navegar com mais fl uidez pela gama de informações que um verbete digital pode lhe proporcionar.

Para tanto, fi zemos num primeiro momento o le-vantamento de alguns conceitos teóricos importantes não só na área da metalexicografi a, mas também em relação aos estudos do hipertexto. Em seguida, delimitamos as obras que serviriam de ponto de partida para a escolha do verbete que constaria da análise. Decidimos, pois, es-colher como obra impressa o Minidicionário Aurélio Jr. (2005), doravante MDAu05, por fi gurar no grupo dos três grandes dicionários da língua portuguesa juntamente com o Houaiss e o Michaellis (WELKER, 2004). Além disso, a escolha deste dicionário ainda se justifi ca pelo fato de que ele fi gura entre as obras recomendadas e seleciona-das pelo INEP/MEC para serem distribuídas entre alunos do ensino fundamental da escola pública (INEP/MEC, 2001). Em relação à obra digital, escolhemos a Wikipé-dia, a enciclopédia livre da internet, por ser talvez a mais completa obra de consulta presente na web e também pela enorme popularidade que esta enciclopédia digital tem junto aos internautas.8

8 “A Wikipédia é a enciclopédia popular digital de maior sucesso da internet. Só a versão alemã possui 750 mil artigos” (Revista Língua Portuguesa, no 33, ano III, julho de 2008).

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A palavra escolhida, pois, a ser pesquisada na no-menclatura do Miniaurélio Jr. (2005) e na banco de dados da Wikipédia, foi BASE. A escolha desta palavra não le-vou em conta nenhum tipo de levantamento estatístico, na verdade a nossa experiência como usuário de dicionários e da Wikipédia, bem como nossa experiência em sala de aula, nortearam tal escolha. Outro fator que infl uenciou na seleção do verbete BASE, é o fato de que esta palavra está presente não só no universo da língua comum, como também nas línguas de especialidades.9 Por fi m, a análise é feita a partir de um só verbete de cada obra pelo fato de que as remissões e os links encerrarem em si muitas possi-bilidades de novas consultas, o que no caso do dicionário pode até ser possível imaginar um limite, porém em re-lação à Wikipédia essas possibilidades parecem infi nitas. Portanto, uma análise mais apurada não seria o propósito de nosso estudo.

Dicionário Escolar e Wikipédia: Duas Faces de uma Mesma Moeda

Muito se tem discutido, ultimamente, acerca dos meios em que os textos são produzidos e, como consequ-ência disso, discute-se também as implicações que decor-rem do fato de que hoje textos impressos e textos digitais – os chamados hipertextos – co-ocorrerem livremente em nosso cotidiano. Dentre essas implicações, destacam-se a preocupação em relação às ‘pistas’ que o autor de um texto quer seja impresso, quer seja digital, deve dar ao seu leitor para que este possa de forma interativa construir seu sentido. Além disso, é preciso observar ainda que a forma

9 Por língua comum entendemos ser aquela que é natural, corrente e cotidiana, própria dos indivíduos de uma dada comunidade lin-guística (a língua portuguesa), sua substância é, pois, a palavra. Ao passo que a língua de especialidade diz respeito a um tipo de código específi co de uma certa área de conhecimento ou domínio técnico-científi co (medicina, engenharia, linguística, etc), sendo, pois, sua substância o termo.

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de leitura de textos impressos e textos digitais apresenta nuances que devem ser consideradas em qualquer análi-se que se faça tomando por base tais textos, visto que os meios em que eles são veiculados provêm de tecnologias diferentes, que carecem de habilidades físicas e sócio-cognitivas diversifi cadas por parte do leitor.

Contudo, acreditamos com Coscarelli (2005) o fato de que a leitura em meio impresso e em meio digital apre-sentar diferenças em relação à forma de interação entre autor-texto-leitor, não implica dizer que se trata de textos completamente diferentes e que não há pontos comuns entre eles. Ao contrário, uma análise um pouco mais aten-ta de uma mesma notícia veiculada num jornal impresso ou na internet, por exemplo, revela-nos muito mais se-melhanças que diferenças, como mostra Ribeiro (2008). Assim ocorre também com os dicionários e as enciclo-pédias que são impressos, em relação aos dicionários e às enciclopédias digitais, que apesar de serem veiculados em meios diferentes apresentam algumas características comuns que são explicadas pela Lexicografi a.

Vejamos, como forma de ilustrar o que foi expos-to, uma breve análise de dois verbetes, um constante no MDAu05 e outro presente no Wikipédia, enciclopédia livre na internet. A análise gira em torno das remissivas, conceito fundamental em Lexicografi a para a composição de dicionários e enciclopédias. Como veremos abaixo:

1) Microestrutura abstrata: Palavra-entrada + categoria gramatical + flexão de gênero + paradigma(s) definicional(is) + lexia(s) complexa(s) + remissiva + abonação

Ba.se s.f. 1. Tudo quanto serve de fundamento ou apoio. 2. Parte inferior onde alguma coisa repousa ou se apóia. 3. Par-te inferior de coluna, pilar, etc. 4. Origem, fundamento. 5. Preparo intelectual. 6. Ingrediente ou substância principal de uma mistura. 7. Conjunto de construções e instalações mili-tares destinadas a prestar apoio às unidades que operam em determinada área. 8. Eletrôn. Estreita região entre o emissor

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e o coletor, num transmissor bipolar. 9. Gram. Radical (5). 10. Mat. Num sistema de logaritmos, o número constante que, elevado ao logaritmo de outro, reproduz este outro. 11. Quím. Substância que reage com um ácido para dar um sal, que se dissocia em água formando íons hidroxila (HO), que é capaz de aceitar um próton e que pode doar um par de elétrons. ♦ Base de dados. Inform. Banco de dados (1). Base espacial. Centro de lançamento de foguetes e satélites. Base ortonormal. V. ortonormal. Tremer nas bases. 1. Bras. Sentir-se seriamente ameaçado; ter muito medo. 2. Ficar fortemente impressionado: Ao ver a beleza da moça, tremeu nas bases.

Figura 1 - Verbete ‘BASE’ – Fonte Miniaurélio jr (2005)

Conforme podemos perceber na fi gura 1, temos pri-meiramente a microestrutura abstrata do verbete ‘base’. A determinação da microestrutura abstrata é um expediente metodológico fundamental em qualquer análise lexico-gráfi ca, pois é a partir dela que o analista pode visuali-zar o plano inicialmente desenvolvido pelo lexicógrafo na composição dos verbetes de seu dicionário. Além do mais, utilizando a construção de um prédio como metá-fora, poderíamos afi rmar que a microestrutura abstrata se-ria, pois, toda a armação de um prédio com bases sólidas e com colunas e vigas de ferro e concreto.

No caso do verbete da fi g. 1, a microestrutura abs-trata é constituída pela palavra-entrada, ou seja, aquela que fi gura na nomenclatura do dicionário e deve ser pes-quisada pelo consulente para que este possa acessar o ver-bete como um todo; em seguida, as informações gramati-cais como a categoria gramatical da palavra e sua fl exão de gênero, outros dicionários trazem ainda informações sobre pronúncia, divisão silábica, ortoépia; o paradigma defi nicional apresenta as várias acepções referentes à palavra-entrada, no caso da palavra ‘base’, temos elenca-das onze acepções; as lexias complexas são perífrases nas quais podem aparecer a palavra-entrada, elas também são uma importante fonte de remissões facultativas, visto que essas lexias são geralmente expressões idiomáticas ou ex-pressões próprias de uma área do conhecimento;

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Há ainda a remissiva facultativa marcada, como podemos perceber pela utilização da sigla V.(ver), sendo esse expediente muito utilizado em verbetes impressos e não tão frequente em verbetes digitais, que marcam a remissão por meio da utilização de uma cor diferente na fonte, como veremos mais adiante na análise comparati-va; por fi m, temos as abonações, que são exemplos nos quais aparecem a palavra-entrada, criados pelo próprio lexicógrafo ou extraídos por ele de obras literárias con-sagradas – sendo este segundo caso uma característica marcante do MDAu05.

2)

Figura 2 – Verbete ‘BASE’ – Fonte <http://pt.wikipedia.org/wiki/Base>

Como já foi dito em seção anterior, as remissões levam o consulente/leitor de um lugar a outro e cum-prem o papel, na maioria das vezes, de complementar uma informação que esteja incompleta. Além disso, as remissões podem vir a ser uma condição sine qua non para a compreensão da palavra-entrada, tendo em vista que alguns verbetes apresentam apenas a defi nição por sinonímia, remetendo o consulente obrigatoriamente por meio da sigla V. (ver), de uma palavra a outra constante

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da macroestrutura do dicionário. Essa dinâmica, de nave-gar de um lugar a outro, se estabelece também nos textos digitais, constituindo-se, na verdade, como uma das prin-cipais características do hipertexto. No entanto, as remis-sões no gênero verbete de natureza hipertextual são feitas por meio de links, que geralmente aparecem destacados no hipertexto, através de cores chamativas ou por ícones que piscam e se movimentam ao longo da tela de cristal líquido, como mostra a fi gura 2 acima.

Se compararmos, por exemplo, a maneira como o MDAu05, e o Wikipédia apresentam o verbete ‘base’ (cf. fi guras 1 e 2), podemos constatar que tanto um quan-to outro estabelecem remissões semelhantes, revelando assim uma certa incompletude em relação ao sentido da palavra-entrada, bem como as diversas possibilidades em que tal palavra pode ser utilizada, de acordo com o contexto em que se realize. Desta forma, o MDAu05 e o Wikipédia mostram as mesmas áreas de conhecimen-to, nas quais pode-se utilizar a palavra ‘base’, o que re-vela que as fontes de pesquisa de ambos tenham sido semelhantes. Além do mais, pode-se afi rmar ainda que o primeiro apresenta defi nições mais completas, para a língua comum, em relação ao conceito de ‘base’, o que está de acordo com aquilo a que se propõe um dicioná-rio escolar, que é esclarecer dúvidas de estudantes, ao passo que o segundo demonstra de forma excessivamen-te objetiva, o conceito de ‘base’ em áreas específi cas, demonstrando, assim, talvez, a intenção de atingir um público-alvo mais restrito.

Esta forma de apresentação do conteúdo diz muito em relação à maneira como o consulente/leitor vai inte-ragir com os verbetes, pois, ao produzi-los, seus autores têm em mente o tipo de pessoas que consultarão tais verbetes, o que faz com que os autores possam deline-ar os caminhos, os quais eles desejam que o consulente/leitor percorra/navegue. Entretanto, o “percurso” foge ao controle do autor, a partir do momento em que sua obra se torna pública, passa para as mãos – literalmente – do consulente/leitor o controle das ações em relação à cons-

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trução dos sentidos, quer seja num verbete impresso quer seja num verbete digital.

Assim, é o consulente que em última instância cria o seu texto, o sentido, porque é a partir das escolhas que ele faz que o texto, no caso em questão, o verbete, vai se tornando um todo coeso e coerente. Especifi camente no que se refere ao verbete impresso no MDAu05, perce-bemos a presença de remissões obrigatórias no interior das diversas acepções constantes na defi nição da palavra ‘base’. Essas remissões se manifestam através de palavras, que podem ter signifi cado obscuro e assim não cumprem a função de suprir a demanda por signifi cado daquele que consulta uma obra lexicográfi ca. No que diz respeito ao MDAu05, destacam-se como exemplos de remissões obrigatórias as palavras ‘fundamento’, ‘emissor’, ‘cole-tor’ e a lexia complexa ‘transmissor bipolar’. Para além de esclarecer apenas um conteúdo obscuro, as remissões feitas por intermédio dessas palavras também servem para ampliar o signifi cado inicialmente buscado para a pala-vra ‘base’. Nesse sentido, observa-se que para conseguir a compreensão global da palavra-entrada, o consulente/leitor precisa lançar mão de algumas estratégias que lhe possibilitem chegar a esse fi m.

Em relação ao verbete do Wikipédia, percebemos que há, na verdade, um direcionamento extremamente marcado pela presença do autor, que destaca as palavras que no seu entender possam ter signifi cado obscuro ou despertar algum interesse para o consulente/leitor, por meio de uma cor de fonte diferente, no caso, azul (no original). Assim, no ato da consulta o usuário do compu-tador se vê diante de algumas palavras que aparecem em forma de links, que estão ali prontos para levar o usuário a uma outra infi nidade de verbetes que podem ser aces-sados a cada vez que alguém “clica” sobre eles. Desta forma, como se pode perceber não há uma diferenciação entre remissões obrigatórias e remissões facultativas mar-cadas pela sigla V. (ver), como acontece no verbete do MDAu05, por exemplo, V. ortonormal, dando assim uma oportunidade de escolha mais clara para o consulente,

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longe disso, o que acontece no verbete do Wikipédia é uma espécie de isomorfi smo entre as remissivas colocan-do-as num mesmo patamar.

Obviamente, o meio em que se realizam os verbe-tes exerce certa infl uência também no estabelecimento das remissões ou dos links. Pois pareceria uma operação um tanto quanto mais complexa e mais cansativa para quem consulta signifi cados em um dicionário impresso ter que estar diversas vezes avançando e voltando páginas, procu-rando em ordem alfabética nas colunas, que constituem a macroestrutura do dicionário a nova palavra direcionada pela remissiva, bem como ater-se excessivamente aos de-talhes no interior dos verbetes que possam complementar a informação buscada. Na tela de cristal líquido, esse pro-cesso é muito mais rápido, necessitando tão-somente que o consulente visualize a palavra-link, pegue o mouse e di-recione cursor para esta palavra e com um clique sobre ela atualize a infi nidade de novas páginas que estão, digamos assim, em “stand by”, prontas para serem acessadas.

Contudo, consideramos que apesar da praticidade e velocidade advinda dos avanços da internet, que torna-ram as remissões menos enfadonhas, é necessário levar em conta que o excesso de links, presentes em alguns sites podem ter um efeito contrário ao pretendido pelo autor e, ao invés de facilitar, tornarem a consulta ainda mais complexa, especialmente para aqueles que não têm experiência na internet e não conhecem as estratégias de que devem lançar mão para atingir seus objetivos. Por isso mesmo, julgamos importante um maior diálogo entre as teorias que estudam o hipertexto e a Lexicografi a, a fi m de que possam aproveitar as contribuições que cada uma tem a dar para a análise de obras lexicográfi cas, sejam impressas, sejam digitalizadas.

Considerações Finais

Podemos afi rmar, sem sombra de dúvidas, que hoje estamos diante de uma revolução em curso, que

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está mudando aos poucos a forma de encarar a escrita e a leitura de textos. Com o advento da internet, novos gêneros textuais surgiram, outros, que já existiam foram digitalizados, propiciando, assim, uma postura diferente e o surgimento de novos letramentos, por parte daqueles que entram em contato com o hipertexto, denominação frequentemente utilizada hoje para designar os textos em meio digital.

Todavia, a cultura do papel, ao que parece, não está sendo deixada de lado em detrimento de uma ciber-cultura, ao contrário, tem, outrossim, dado muitas con-tribuições para que se possa entender a lógica inerente aos textos digitais. Basta, pois, observarmos o exemplo das obras lexicográfi cas, que apresentam características próprias e consequentemente requerem estratégias espe-cífi cas para sua produção e sua compreensão. Não só em relação àquelas que são impressas, mas também àquelas que estão em meio digital. Assim, pela breve análise feita com um verbete cuja atualização se dá em um dicioná-rio escolar e em uma enciclopédia digital, constatamos que há muito mais semelhanças que diferenças entre eles, exatamente pelo fato de que a consulta a obras lexicográ-fi cas impressas ou digitais demanda habilidades especí-fi cas por parte do leitor/consulente, evidenciando a ne-cessidade do desenvolvimento de um tipo de letramento específi co para essa atividade.

Contudo, nosso trabalho para além de exaurir todas as questões relativas ao tema interfaces entre letramento digital e letramento lexicográfi co, é na verdade o ponto de partida para que se investiguem aspectos aos quais não pudemos nos deter, como, por exemplo, as expectativas do leitor/consulente frente à consulta digital de verbetes e até que ponto ele pode contribuir para a construção dos sentidos; a descrição de parâmetros para análise de obras lexicográfi cas digitais; bem como a efi cácia dessas obras em relação ao ensino-aprendizagem de língua materna. Eis aí, pois, um campo vasto de estudos e ainda pouco ex-plorado por lexicógrafos e por estudiosos do hipertexto.

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MUDANÇAS E PERMANÊNCIAS DOS PROPÓSITOS DE LEITURA DE HIPERTEXTOS: CONSIDERAÇÕES ACERCA DE LETRAMENTO

DIGITAL1

Regina Cláudia PinheiroMarilene Barbosa Pinheiro

Considerações Iniciais

A leitura é, sem dúvida, uma atividade humana complexa, visto requerer a detenção de diversos elemen-tos para a sua execução, o que evidencia, portanto, vários níveis de letramento. O presente trabalho, uma releitura da análise de dados coletados durante a pesquisa de mes-trado de Pinheiro (2005a), se enquadra no uso funcional da leitura e escrita, corroborando a ideia de autores que consideram o letramento como o uso da escrita nas prá-ticas sociais, em contextos específi cos para alcançar de-terminados objetivos (KLEIMAN, 1995; BARTON, 2001; SOARES, 2001).

É objetivo, então, deste artigo refl etir sobre o com-portamento de leitores profi cientes, quando envolvidos na leitura de hipertextos.2 Para tanto, serão investigados os propósitos dessa leitura e suas variações, utilizando-se

1 Parte da discussão deste capítulo é resultado das refl exões feitas durante a disciplina Letramentos na Web (Tópicos Avançados I), ministrada no semestre de 2008.1 pelo Prof. Dr. Júlio Araújo, no PPGL da UFC. A outra parte é relativa à dissertação de mestrado da primeira autora (PINHEIRO, 2005a) que contou com a cuidadosa orientação da Profa. Dra. Rosemeire Selma Monteiro-Platin a quem se tece um especial agradecimento.2 Nesta pesquisa, adota-se a concepção de Xavier (2002, p. 17) para quem o hipertexto constitui-se “um novo modo enunciativo, [disponível na internet], efeito da soma de vários outros modos de enunciação (verbal+visual+sonoro) [que] cooperam em igualdade de peso e valores linguístico, semântico e cognitivo para a estruturação do sentido proposto a ser processado pelo hiperleitor”.

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a seguinte sequência: primeiro, apresentam-se algumas discussões sobre mudanças ocorridas na leitura e na escri-ta com o surgimento das tecnologias digitais; em seguida, descrevem-se pesquisas empíricas já realizadas sobre lei-tura nesse novo contexto e, logo depois, faz-se a análise, propriamente dita, concluindo-se o trabalho com algumas considerações fi nais.

Contextualizando a Revolução Eletrônica e as Formas de Ler e Escrever

Desde o aparecimento da escrita, a tecnologia para ler e escrever se modifi cou ao longo da história, conforme as condições que a sociedade letrada impunha. As trans-formações repercutiram sobre autores e leitores, objetos de leitura e escrita, e provocaram, consequentemente, mudanças nas posturas e estratégias usadas para se efetu-ar a leitura. Ferreiro (2002, p. 13), refl etindo sobre esses aspectos, declara com muita propriedade: “ler e escrever são construções sociais. Cada época e cada circunstância histórica dão novos sentidos a esses verbos”.

Nessa mesma perspectiva, o advento da internet tem provocado mais mudanças, fazendo emergir diversos gêneros e, com isso, permitindo novas formas de escrita, de leitura e de interação, demandando, por parte de to-dos os usuários, habilidades diversas que constituem um novo letramento, o digital.

Chartier (2002) também acredita que essa revolu-ção do computador traz profundas transformações sociais e exemplifi ca mencionando a construção do hipertexto no qual, além de o autor ser o criador, desempenha ainda a função de editor, agrupando textos, imagens, tabelas, a fi m de contribuir para que o leitor melhor o compreenda. Corro-borando essa mesma ideia, Smith (1999, p.156) comenta:

Novas formas de escrita estão sempre surgindo (...). E tudo o que é novo e se exige daqueles que escrevem deverá ser aprendido por aqueles que lêem.

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Nesse sentido, é importante estar alerta às mudan-ças de comportamento dos sujeitos em relação ao conhe-cimento adquirido na interação com os textos dispostos na internet, para que se possa descobrir de que maneira ocorre a compreensão da leitura via cultura digital. Toda-via, não se tem, neste trabalho, a intenção de propagar a leitura na tela como algo diferente da leitura do livro impresso, nem anunciar o desaparecimento deste.

De acordo com Smith (1999, p. 157), as caracte-rísticas do livro impresso poderiam ser reproduzidas na tecnologia eletrônica e, como ele previu, já existe tenta-tiva bem sucedida para tornar os livros eletrônicos seme-lhantes aos impressos. Aqueles são surpreendentemente práticos, leves, transportáveis, duráveis, pouco menores que uma folha de papel A4 dobrada, com capacidade de armazenar meia centena de livros, (RYDLEWSKY, 2004).

Em meio a essas discussões, é interessante ressaltar a democratização das informações através da Internet, o que possibilitou o acesso a documentos/textos antes não acessíveis ou de difícil acesso. Nesse novo espaço, muitos escritores anônimos estão divulgando suas histórias, suas descobertas e seus poemas em blogs, orkuts e em outros espaços de leitura/escrita hipertextual. Por outro lado, essa superabundância torna a busca do que realmente se procura muito mais difícil e também favorece maior faci-lidade de dispersão do leitor. Nesse caso, supõe-se que, quanto maior o nível de letramento digital do hiperleitor, mais fácil se tornará essa busca, o que poderá garantir um maior proveito no alcance do seu objetivo.

Retomando Algumas Pesquisas sobre Leitura e Hipertexto

A questão da leitura em hipertexto está ainda in-cipiente por tratar de aspectos em constituição, tendo em vista que há muito o que pesquisar sobre o assunto. Apresentam-se, a seguir, alguns trabalhos referentes a esse tema para contextualizar as mudanças ocorridas a partir dessa revolução hipertextual.

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Nielsen (1997 a, b, c), estudou a usabilidade de pá-ginas na Internet em um de seus estudos (1997b), dividin-do-o em três pesquisas sobre leitura na Web. Investigando um total de 81 leitores, o autor procurou descobrir o que os usuários queriam encontrar nos sites e como gostariam de que a informação fosse organizada, a fi m de fazer re-comendações a respeito da construção das páginas. Após diversas constatações importantes, o autor recomenda aos construtores de páginas da Web que os textos devem ser pe-quenos e conter tópicos que façam sentido, limitando cada parágrafo a uma ideia. Esses estudos revelaram as impres-sões dos leitores em relação ao hipertexto e favoreceram a constatação de que a leitura na tela do computador é 25% mais lenta do que no papel. Diante disso, podemos nos perguntar: O que os hiperleitores fazem conscientemente para suprir as falhas na compreensão do hipertexto?

Pinheiro (2005b), trabalhando com leitores profi -cientes, constatou que, apesar destes utilizarem estraté-gias semelhantes às usadas no texto impresso, fi zeram uso de outras estratégias requeridas ao ler hipertexto, tais como ativar o conhecimento prévio através de imagens e links realizando uma leitura top down e fazer uma leitu-ra previewing, a fi m de selecionar somente aquilo que é importante para o seu objetivo. Conforme afi rmação da própria autora:

... os hiperleitores experientes em leitura na In-ternet, adquirem, interagindo com o hipertexto, a habilidade de selecionar somente aquilo que é im-portante para o seu objetivo de leitura (p. 145).

Foltz (1996), investigando as habilidades cognitivas requeridas para uma interação exitosa com o hipertexto, desenvolveu sua pesquisa sobre compreensão de hiper-texto, baseando-se em fatores como estrutura do texto, co-nhecimento prévio e habilidades do leitor. Realizou dois experimentos focalizando a coerência do texto e a relação dos objetivos do leitor com as estratégias de leitura.

No primeiro, comparou dois grupos de alunos em relação às estratégias usadas para compreender um hiper-

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texto e um texto linear. O autor descobriu que não havia diferenças signifi cativas na compreensão em virtude do formato dos textos e também que as estratégias usadas pelos leitores eram muito similares. Ainda comprovou o seguinte: quando a estrutura do texto é modifi cada de sua forma linear, eles escolhem caminhos no hipertexto que podem fl uir coerentemente. Para o autor, as estratégias poderiam variar dependendo dos objetivos e do conheci-mento prévio do leitor.

No segundo experimento, o autor acima mencio-nado investigou, através de protocolos verbais, as estraté-gias utilizadas por seis sujeitos ao lerem hipertextos. Sua pesquisa evidenciou que os leitores raramente queriam perder-se da estrutura hierárquica e expressavam interes-se em ler todo o texto numa área do hipertexto, antes de mover-se para outras. Além disso, demonstrou que, para entender o texto, os sujeitos desenvolvem métodos que conduzem à manutenção da coerência, mesmo num texto em que o assunto e o formato não lhes sejam familiares.

Também Pinheiro (2007), em um trabalho compa-rativo para relacionar a frequência de acesso à Internet com o nível de compreensão leitora de texto impresso, in-vestigou um grupo de 43 professores através de dois ques-tionários, cujas respostas possibilitaram a seguinte cons-tatação: a compreensão leitora de textos impressos pode ser auxiliada pela leitura de hipertextos, pois quanto mais tempo os professores passam conectados à Internet, mais o nível de compreensão na cultura impressa melhora.

A conclusão, ora mencionada, deu-se por meio de dados estatísticos obtidos pela divisão dos professores em 04 grupos, com base na quantidade de acessos à Internet, relacionando-os a níveis de compreensão classifi cados em fraco (até 45% de acertos), médio (entre 50% e 70% de acertos) e independente (a partir de 70% de acertos). Assim, no grupo em que o número de acesso diário à Internet foi nulo ou de apenas uma vez por semana, 25% encontraram-se no nível fraco de compreensão leitora e 42% no nível independente. No 2° grupo em que o nú-

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mero de acesso se dava uma vez por semana, não houve leitores com nível fraco e 57% estavam no nível indepen-dente. No 3° grupo, aqueles que acessavam três ou mais vezes por semana, houve 0% no nível fraco e 64% no nível independente. No 4° grupo, cujo acesso era diário, não houve leitores com nível fraco e no nível indepen-dente a porcentagem foi de 54%.

Resultados e Análise

A partir da análise realizada no trabalho de Pinhei-ro (20005a) que investigou as estratégias metacognitivas usadas por professores na leitura de hipertextos, decidiu-se refl etir sobre letramento digital destes. Para isso, toma-ram-se por base as estratégias estabelecer os propósitos iniciais de leitura e modifi car a leitura devido à variação de seus propósitos.

Para a realização da situação experimental daque-la pesquisa, foram selecionados 15 professores do Ensino Médio, que afi rmaram usar a Internet, pelo menos, três vezes por semana e que demonstraram ser leitores pro-fi cientes através de um questionário de compreensão. Os participantes tiveram de escolher dentre três sites que lhes foram apresentados aquele com o qual mais se identifi cassem e, a partir da escolha, procedeu-se à leitura com acompanhamento individualizado. Nessa etapa, foi utilizada a técnica do protocolo verbal (verbalização do pensamento ao realizar uma atividade) com o objetivo de investigar como os leitores agiam durante o processo de leitura e, portanto, eles foram instruídos a ser fi éis em suas verbalizações, o máximo possível (CAVALCANTI, 1989).

Veja-se, a seguir, os resultados encontrados.

Primeira Estratégia a Ser Analisada: Estabelecer um Propósito

Sabe-se que um leitor profi ciente procura alcançar um objetivo estabelecido previamente, seja para apren-

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der, obter informação ou por simples prazer e essa atitude é o que confere sentido a sua leitura. Solé (1998) enumera alguns objetivos para a leitura e distingue-os entre os de uso essencial à vida cotidiana, como obter uma informa-ção precisa ou geral, seguir instruções, revisar um escrito próprio, ler para aprender, ler por prazer e ler um texto a um auditório; e os tipicamente escolares, como praticar leitura em voz alta e verifi car o que se aprendeu. Assim, toda leitura cumpre a função de realizar o propósito do leitor, seja um que ele próprio tenha estabelecido ou que seja apenas conhecido por ele.

Os sujeitos participantes desta pesquisa estabele-ceram, inicialmente, o propósito de aprender algo que os auxiliasse na vida profi ssional, visto que optaram pelo site que estava mais relacionado à sua área de atuação e/ou formação.

Um exemplo em que fi cou claro o propósito de leitura de um dos participantes, professor de História, foi quando, ao selecionar o site www.historianet.com.br para ler, afi rmou que o havia escolhido porque preferia atuali-dades. Ao abrir um link, foi indagado sobre o motivo de o texto ter chamado sua atenção e eis a resposta:

(1) Porque é bem atual, é bem a nossa história, o nosso momento. Na verdade, eu tenho grande esperança no governo Lula.

Ainda esse mesmo sujeito, que vinha sempre bus-cando temas de interesse nacionais, abriu um link que falava da Grécia e, ao ser interrogado sobre o porquê da mudança de tema, respondeu:

(2) Agora foi só curiosidade mesmo, na realidade eu estava procurando um tema que fosse mais parecido, como eu não vi, eu já vi da primeira vez e não tinha muito; tinha o tema dívida externa, mas eu não me interessei.

Um outro sujeito afi rmou que lia todos os links para depois escolher aquele que lhe chamou mais a aten-ção, como se lê no seguinte relato:

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(3) Não, eu leio todos e aí escolho. Quando eu estou lendo, por exemplo, quando eu li, quando eu fui lendo já chamou atenção esse aqui: “Cami-nhos do Lixo”, mas aí eu resolvo ler logo outros pra poder ainda... na maioria das vezes, fi ca dois; aí eu vejo o que chamou mais atenção e em segundo lugar eu vejo o outro.

Percebe-se, conforme as verbalizações anteriores, que os sujeitos da pesquisa estabeleceram seus propósitos de leitura de forma diversifi cada, contudo, a maioria dos sujeitos, ao ler os hipertextos condizentes com sua área de atuação, estabeleceu seus propósitos de leitura para auxiliar o processo de ensino e aprendizagem e monito-rou sua compreensão para a busca desse propósito.

Acredita-se que a razão para tal escolha deveu-se ao fato de todos serem professores do Ensino Médio e o interesse mais forte sempre pender para assuntos que pu-dessem ser trabalhados em sala de aula, propiciando um melhor resultado na aprendizagem de seus alunos.

Além desse, outros propósitos mais procurados pelos hiperleitores foram: ler para atualizar-se, para infor-mar-se sobre um tema de seu interesse e ler por prazer.

Percebe-se, na utilização dessa estratégia, seme-lhança no comportamento dos sujeitos na leitura de hi-pertextos e de textos impresso, cujo nível de letramento permite que inicie a leitura estabelecendo um objetivo inicial.

Segunda Estratégia Encontrada: Modifi car a Leitura Devido a Variações no Propósito

Percebe-se que os hiperleitores, após estabelecer um propósito inicial, muitas vezes, desviam-se desse e, consequentemente, modifi cam a leitura devido a essa variação.

A leitura de um texto é condicionada por seu obje-tivo, como por exemplo, se o leitor intenta encontrar uma

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informação específi ca, agirá diferente do modo como se fosse fazer um resumo de um texto, pois, como afi rma Lerner (2002, p. 81),

um mesmo material informativo-científi co pode ser lido para se obter uma informação global, para se buscar um dado específi co ou para aprofundar um aspecto determinado do tema sobre o qual se está escrevendo.

Nessa mesma perspectiva, na leitura hipertextual, o objetivo do leitor pode ir se modifi cando muito rapida-mente à medida que o leitor se depara com uma grande variedade de links que o remetem a outros textos.

Alliende & Condemarín (1987) consideram três ti-pos de leitura cuja fi nalidade é ler em diferentes ritmos: a visão preliminar ou previewing apenas para decidir o que será necessário ao seu propósito; a leitura seletiva espontânea ou skimming, usada para alcançar um obje-tivo específi co, detectando-se o conteúdo principal e os detalhes que justifi cam sua importância e a seletiva inda-gatória ou scanning em que se procura rapidamente uma informação específi ca no texto, sem lê-lo por completo.

À luz dessa tipologia, apresentada no item ante-rior,os hiperleitores desta pesquisa, em alguns momen-tos, fi zeram uma leitura previewing dos sites, quando selecionavam os conteúdos para fazer uma leitura skim-ming. Verifi cou-se também o uso da leitura previewing pelo comportamento de um sujeito que estava passando a barra de rolagem rapidamente. Indagado se era possível ler daquele modo, este informou:

(4) (...) Na verdade, eu procuro palavras-chave dos subtítulos aí. Eu estou lendo só os subtítulos também.

Um outro sujeito também comentou:

(5)...dê uma visualizada nele todo pra ver o que tem; se tem gravura, aí depois você julga se merece ou não dar atenção àquilo que você está vendo.

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Em outros momentos, ocorreu uma leitura skim-ming, confi rmada pelo tempo destinado à leitura silencio-sa de alguns parágrafos e pelos comentários sobre eles.

Nos hipertextos, assim como nos textos impressos, os leitores diferenciam o tipo de leitura, pois as diferen-tes maneiras de ler são apenas diversos caminhos para alcançar o objetivo pretendido (KLEIMAM, 2000, p.35). Porém, é muito comum o hiperleitor desviar-se de seu objetivo inicial, pois os links podem levá-lo a textos que inicialmente não se enquadravam no objetivo pré-estabe-lecido, conforme atestam os comentários abaixo:

(6) (...) eu vou buscar aquilo e aí de repente eu vou acessando outro, vou buscando outras coisas que vai me interessando.

(7) Às vezes eu não encontro e acabo me can-sando de tanto procurar e acabo mudando pra outra coisa, principalmente pelas janelas que abrem de propaganda – algumas vezes com uma coisa interessante, eu acabo abrindo pra dar uma olhada (...).

A seguir, o comentário fornece evidências de que há uma modifi cação da leitura, devido a variações no propósi-to para a compreensão de hipertextos, pois os hiperleitores mudam seu objetivo inicial de leitura, devido à variedade de blocos de textos característicos dos hipertextos:

(8) (...) o texto que me interessa então eu volto a ler ou eu peço pra imprimir (Skimming). Aquele que não me interessa então a leitura dinâmica vai descartar, eu dou assim uma rápida olhada e não, esse tema não me interessa, então eu vou passar pra uma outra. (Previewing)

Percebe-se, no relato, que o propósito inicial de ler para aprender passa a ser ler para escolher os textos que serão lidos posteriormente.

Os hiperleitores demonstraram modifi car a leitura devido a variações no propósito e usaram somente dois tipos de leitura: a previewing, para escolher os textos que

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MUDANÇAS E PERMANÊNCIAS DOS PROPÓSITOS DE LEITURA DE HIPERTEXTOS:CONSIDERAÇÕES SOBRE LETRAMENTO DIGITAL

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lhes interessavam e a skimming, a fi m de poder compre-endê-los como um todo. Para a compreensão de hipertex-tos, a leitura previewing precedeu a leitura skimming.

Nesse caso, é possível concluir que as mudanças praticadas por esses leitores sejam manifestas exatamente por serem profi cientes e estarem recorrendo às práticas de letramento necessárias ao alcance do seu objetivo inicial de benefi ciar o aprendizado de seus alunos.

Considerações Finais

Neste capítulo, buscou-se investigar os propósitos de leitura e suas variações por sujeitos profi cientes para estabelecer o sentido de suas leituras. Comprovou-se que os participantes da pesquisa, antes de ler os hipertextos, estabeleceram seus propósitos, em geral, associando-os à prática profi ssional. Verifi cou-se também que esses su-jeitos desviaram-se de seu objetivo inicial e, consequen-temente, mudaram o tipo de leitura devido à variação do propósito. Inicialmente, eles praticaram uma leitura previewing, a fi m de escolher os fragmentos de textos que iriam ler e, posteriormente, realizaram a leitura skim-ming, na qual o fragmento foi lido completamente para uma compreensão global.

Além disso, percebeu-se que as estratégias usadas pelos hiperleitores nesta pesquisa evidenciaram um bom nível de letramento digital que, para Buzato (2003, s/p.), é:

o conjunto de conhecimentos que permite às pessoas participarem nas práticas mediadas por computador e outros dispositivos eletrônicos no mundo contemporâneo. (...) Inclui a habilidade para construir sentido a partir de textos que mes-clam palavras, elementos pictórios e sonoros numa mesma superfície (textos multimodais), a capaci-dade para localizar, fi ltrar e avaliar criticamente informação disponibilizada eletronicamente (...).

Espera-se que os resultados desta pesquisa contri-buam para a compreensão das semelhanças e diferenças

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entre texto e hipertexto e que, aliados a outros estudos, suscitem mais questionamentos, possibilitando, em conse-quência, o aprofundamento das refl exões acerca do tema.

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MUDANÇAS E PERMANÊNCIAS DOS PROPÓSITOS DE LEITURA DE HIPERTEXTOS:CONSIDERAÇÕES SOBRE LETRAMENTO DIGITAL

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CARTA CORRENTE POR E MAIL: EVIDÊNCIAS DO MEIO DIGITAL NO GÊNERO1

Larissa Pereira de Almeida

Considerações iniciais

As cartas-corrente são correspondências enviadas em série, que possuem, geralmente, um caráter místico e/ou supersticioso e autoria desconhecida. Circulando usualmente em papel, as cartas-corrente ocupavam um espaço importante no imaginário popular há algumas dé-cadas. Elas eram enviadas cada uma a uma pessoa que, por sua vez, deveria enviar certo número estipulado a ou-tras pessoas, e assim por diante, formando uma corrente ou uma cadeia de cartas que, de acordo com seus dizeres, acarretaria desgraça se não fosse enviada pela pessoa que a recebeu ou benefícios, se esta fosse replicada. Assim, a aura mística, que evocava acontecimentos especiais para quem replicasse a carta, motivava a distribuição de cópias por debaixo das portas, embora, não se possa negar que as consequências da não-replicação eram mais assustado-ras do que a própria recompensa.

Não se sabe – e talvez nunca se saiba – o real mo-tivo da replicação das cartas-corrente em papel, se por crença ou por medo. O certo é que a prática de reprodu-ção atravessou gerações e, no meio digital, essa prática encontrou um amplo campo de “reprodução”. No entan-to, a carta-corrente ainda sofre um processo de reconhe-cimento do gênero que se realizava no suporte de papel e que hoje se materializa no ambiente virtual. Como po-

1 Neste capítulo, retomamos alguns aspectos analisados em nossa dissertação de mestrado (ALMEIDA, 2007) defendida no PPGL da UFC sob a orientação da Profa. Dra. Bernardete Biasi-Rodrigues e da co-orientação do Prof. Dr. Júlio Araújo. Agradeço a leitura atenta que o Prof. Dieb (UERN) fez das primeiras versões deste texto. Os problemas remanescentes são de minha responsabilidade.

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dem facilmente constatar os titulares de contas de e-mail,2 não são poucas as pessoas que as confundem com os fa-mosos spams ou simplesmente, mensagens de e-mail que contêm lixo virtual e vírus. Nesse sentido, interessa-nos saber se tanto as cartas que eram enviadas no papel, por debaixo das portas, como as que recebemos hoje, por e-mail, podem ser consideradas o mesmo gênero.

Assim, no presente capítulo, abordaremos o gêne-ro digital carta-corrente, que precisa do meio digital para reprodução e formação de sentido, e faremos uma dis-tinção para o reconhecimento deste gênero no ambiente virtual. Para isto, partimos dos postulados teóricos e das concepções de gênero de Bakhtin (1997) para quem qual-quer texto (oral ou escrito) se realiza em forma de gênero, embora nem sempre saibamos identifi cá-lo ou reconhecê-lo de forma imediata.

Carta-Corrente: Estudos e Natureza

De acordo com Van Arsdale (1998; 2002), as pre-cursoras das cartas-corrente podem ser identifi cadas como as “cartas do céu”. De acordo com esse autor, não se tem certeza sobre a data do início de sua propagação, mas eram escritas e replicadas com o intuito de propagar as boas novas do evangelho e, por isso, continham orações, além, é claro, de solicitação de reenvio através de cópias pessoais. Com uma tecnologia rudimentar, a única forma de garantir a reprodução das cartas era de forma manus-crita, fato que acompanhou grande parte da história dos exemplares.

Já em autores como Coimbra (2002) e Meurer (2002), que fazem um levantamento sobre as cartas-cor-

2 O termo e-mail pode signifi car tanto a mensagem eletrônica como a caixa de correio digital. Usaremos neste trabalho, o termo e-mail como signifi cando caixa de correio eletrônico e, também, especi-fi caremos a mensagem como “mensagem de e-mail”. Discussões sobre o estatuto genérico do e-mail podem ser encontradas em Paiva (2004).

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rente propagadas por e-mail, encontramos uma catego-rização de acordo com os grupos mais comuns, que são formadas por cartas sentimentais, religiosas, “animadas” e de apelo material.

Indo além desses estudos, Araújo (2003) investiga os problemas causados pelas correntes digitais, e classifi -ca as cartas de acordo com grupos disponíveis na internet que se propõem a desmistifi car o conteúdo das mesmas. Araújo elabora ainda uma janela de categorização a partir dos itens lexicais mais comuns encontrados nas correntes. No entanto, nenhum desses autores se detém a analisar, em específi co, as cartas que têm o meio digital como a única maneira de propagação e de construção de senti-do. Portanto, sendo essa nossa preocupação, buscamos observar ainda como o meio pode modifi car a concepção de um gênero.

Para isso, partimos da concepção bakhtiniana de esferas comunicativas (cf. BAKHTIN, 1997), que podem ser defi nidas como espaços não necessariamente geográ-fi cos de interação humana, social e que possui uma di-nâmica peculiar e complexa. Desse modo, a noção de esfera está subordinada ao entendimento da língua como lugar de interação social, no qual os indivíduos materia-lizam, linguisticamente, suas necessidades comunicativas e enunciativas. Diz respeito, diretamente, ao “lugar” de interatividade humana onde discursos são produzidos e reproduzidos, dando lugar ao interfl uxo de vários gêneros e sempre levando consigo a marca de onde surgem e de onde aparecem no espaço.

Com base nisso, podemos dizer que, em sua forma tradicional, a carta-corrente impressa fazia parte do ima-ginário coletivo. Enviadas por um “anônimo” por debaixo das portas ou pelos correios, as cartas gozavam da pe-quena possibilidade de comprovação das informações ali veiculadas. Uma vez recebidas e lidas as cartas, restava ao “destinatário” replicá-las (recebendo um prêmio por sua fi delidade) ou ignorá-las (mesmo com o alto grau de ameaças registradas, como a morte ou acidentes na famí-

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lia). A esfera comunicativa (BAKHTIN, 1997), como um grupo heterogêneo de pessoas, gira, portanto, em torno da leitura da mensagem, da compreensão e da disponibi-lidade de reescrita e replicação.

A reprodução da carta-corrente de forma “manus-crita” acabou por impor algumas restrições, como o do-mínio de regras ortográfi cas e uma boa leitura, de modo a “decifrar” muitas vezes o que estava escrito. Isto compro-va que, na medida em que os gêneros se complexifi cam, conforme defende Bakhtin (1997), novos letramentos são exigidos tanto para o uso adequado desses gêneros quan-to para o simples (re)conhecimento deles. Os exempla-res em papel das primeiras cartas eram mais suscetíveis a erros e imprecisões por diversas razões: ortografi a ruim, pouco conhecimento de regras gramaticais, rasuras, des-gaste do papel, manchas, entre outros. Por essas razões, os textos corriam os riscos de não serem reproduzidos fi elmente, havendo a possibilidade de acréscimo de pala-vras ou até frases.

Com as cartas-corrente digitais, poderíamos dizer que a esfera de envio, a recepção e a replicação muda-ram, em grande parte, devido ao novo meio de replica-ção. Já não se tem cartas em sua forma física e palpável, mas cartas digitais que se replicam pelas caixas de cor-reio eletrônico. Para que haja reprodução da mensagem, é preciso ter um relativo conhecimento digital, aqui en-tendido como um conjunto de noções sobre como nave-gar na Internet, de como escrever um e-mail e enviá-lo ou até mesmo de como encaminhar uma mensagem a outros destinatários. Portanto, o novo tipo de letramento reclamado pela mudança de esfera pode ser importante na alteração genérica dessa prática discursiva, ou seja, as esferas de comunicação são diferenciadas e requerem ob-servância de peculiaridades próprias.

Aspectos de Natureza Metodológica

Em todas as mensagens que analisamos, observa-mos que o ambiente de replicação contribuiu para novas

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percepções do gênero e que, embora possuam o propó-sito comunicativo geral comum a todas (replicação), há uma importância considerável aos propósitos comunicati-vos específi cos que evocam a compreensão da mensagem pelo leitor e o domínio – ainda que relativo – do meio digital para replicação e alcance dos objetivos. Não só nas solicitações de reenvio, nas quais o pedido explíci-to de replicação deixa claro, a importância que se dá ao ambiente virtual ao solicitar que se “envie o e-mail”, para a maior quantidade de pessoas possível, mas também na própria natureza digital das cartas, que só surtem efeito caso sejam replicadas por e-mail ou dentro do ambiente virtual. Dessa forma, as mensagens explicam a efi cácia de seu mecanismo de funcionamento através da contagem de títulos e do rastreamento de determinado e-mail.

Assim, baseada no conhecimento inicial do espaço onde o gênero carta-corrente digital se realiza (no nosso caso, a internet), e observando a sua relação com o meio, é que iniciamos a coleta de exemplares para o nosso cor-pus. Para compô-lo, foi preciso coletar cartas-corrente de diferentes formas: algumas delas foram recebidas por e-mail e, outras, coletadas de um site que as armazena e expõe na Internet.3 Neste artigo, utilizamos exemplares das cartas-corrente do corpus digital de Almeida (2007) e preservamos a sua numeração original.

Como já havíamos destacado, em geral, a carta-corrente, seja impressa ou digital, é um texto anônimo4 e, por esta razão, torna-se quase impossível defi nir o seu redator/autor. O caráter “anônimo” da mensagem, o pedido de replicação e o constante aparecimento das cartas no meio digital (muitos com estrutura textual re-corrente) acabaram por criar uma imagem negativa do

3 Coletamos as cartas-corrente digitais do site <www.quatrocantos.com/lendas>4 Não é o objetivo do presente trabalho debater os domínios discur-sivos do anonimato. Consideraremos, portanto, uma carta-corrente anônima como aquela que não possui um autor explícito, alguém que assume a autoria da escrita da carta.

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gênero. Especifi camente no caso das cartas-corrente digitais, elas passaram a ser vistas por muitas pessoas como lixo eletrônico.

Quanto a isso, identifi camos pelo menos um ponto que nos faz entrar em desacordo com essa classifi cação: o vínculo (ou a tentativa de recriação dele) evidencia o aspecto que vai diferenciar o gênero carta-corrente digi-tal dos spams, ou seja, as mensagens não solicitadas que circulam pela Internet. Os spams5 podem ser defi nidos como mensagens publicitárias sem emissor conhecido que partem de uma conta de correio eletrônico falsa, en-quanto as cartas-corrente têm a característica de sempre serem enviadas por uma conta de e-mail válida e reme-tidas a endereços de pessoas conhecidas. Logo, esse é o primeiro passo para diferenciar as cartas-corrente digitais dos “spams” e de propagandas não solicitadas: o emissor da mensagem como uma pessoa com conta de e-mail ati-va.

É preciso que se atente para o fato de que, para reconhecer as cartas-corrente digitais como categorias genéricas diferenciadas, é preciso ter um relativo conhe-cimento do gênero. Por isso, em pesquisa realizada para

5 O termo spam, de acordo com o site Dicas L <http://www.dicas-l.com.br/dicas-l/20040503.php>, (acesso em 22 de outubro de 2006), mantido por Allan Britto, vem do inglês e deriva do nome da primeira carne enlatada criada e comercializada nos Estados Unidos pela em-presa Hormel Foods a partir de 1937. “Spam” origina da junção das palavras spiced (apimentada, temperada) e ham (presunto). O grupo humorístico Monty Python agregou o nome “spam” a um episódio em que um grupo de vikings famintos entrava num bar, e começava a gritar “spam, spam, spam, spam” de maneira intermitente e irri-tante, simplesmente tornando um fardo qualquer comunicação das outras pessoas presentes com a gritaria repetitiva. Como a comida era muito popular, o grupo satirizava também o spam como a única especialidade de comida no restaurante. De acordo com o site, a ideia do spam foi ligada diretamente às mensagens publicitárias en-viadas insistentemente entre grupos de discussões, impossibilitando a comunicação direta entre as pessoas. A partir de então, o termo pode ser defi nido como o envio de mensagem eletrônica não solicitada e não autorizada.

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compreensão sobre o que seriam cartas-corrente, esta-belecemos critérios de reconhecimento e critérios temá-ticos, ao avaliar as respostas recebidas de nossos entre-vistados (cf. ALMEIDA, 2007), Entre as respostas, 64% dos entrevistados consideraram os textos como “spams ou lixo eletrônico”, 12% consideram “mensagens espe-cífi cas que tratam de assuntos de interesses variados”, 12% consideraram como “trote ou pegadinha”. A opção carta-corrente, correspondeu apenas a 10% das respostas, fi cando a frente apenas da opção “outros”, que recebeu como sugestão “mensagens de veracidade duvidosa que não merecem ser repassadas para alardear boatos”. No entanto, insistimos em frisar que a carta-corrente conta com elementos que são mais precisos e traz, na sua estru-tura, elementos e evidências que as diferencia dos outros gêneros que circulam por e-mail e, também, do próprio spam. Desta forma, selecionamos, em nosso estudo, ou-tros aspectos como a sua reprodutibilidade, a instrução de reenvio, a explicação de mecanisos de funcionamento e a presença de termos específi cos do meio para observância do gênero.

Portanto, além da perspectiva bakthiniana, para a análise dos aspectos sócio-comunicativos do gênero car-ta-corrente digital, seguimos ainda a abordagem de Mar-cuschi (2000; 2004) sobre as relações entre os gêneros do discurso e reconhecimento do gênero a partir de relações sociais. Isto se justifi ca porque, em grande parte de seu trabalho, Marcuschi aborda o meio digital como um cau-sador de “impacto”6 no meio tradicional, e ressalta que o atual contexto do “discurso eletrônico” é ideal para ana-lisar os efeitos de novas tecnologias na linguagem e o pa-pel da linguagem nas tecnologias “emergentes”. O autor também prioriza a observação do gênero na relação com

6 Embora utilizemos a obra de Marcuschi como apoio teórico para este trabalho, consideramos o termo “impacto” equivocado, pois, baseados em Schaff (1985), Rheingold (1996) e em Levy (1998, 1999), acreditamos que as novidades digitais e tecnológicas não causam impacto, mas sim mudanças.

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a comunidade, a história, a cultura, além dos propósitos comunicativos e a observação do meio digital e de aspec-tos da inter-relação homem-máquina, que nos é útil para compreender os aspectos pragmáticos que compõem o gênero, conforme passaremos a discutir.

Cartas-Corrente e Instrução de Reenvio: Analisando o Gênero e seus Mecanismos de Funcionamento

O correio eletrônico, ou simplesmente e-mail, sobretudo na condição de suporte, colaborou para o au-mento do fl uxo de gêneros na web. Pelas caixas de e-mail começaram a passar todos os dias mensagens pessoais, receitas, memorandos, fotos e tudo mais quanto o sof-tware suportasse. A lista do que circula (e que continua circulando) por e-mail parece não ter fi m, tamanha va-riedade e velocidade de trânsito. Foi deste meio que nos interessamos por um tipo específi co de cartas-corrente, cujo ambiente discursivo parece sinalizar para uma pos-sível mudança de gênero. Observamos, então, que as cartas-corrente digitais7 apresentam características espe-cífi cas do meio virtual, agregando termos específi cos que só constituem efeito se replicados dentro do próprio am-biente digital e se, caso impressas, perderiam o propósito de replicação e a ajuda a que se propunham.

O meio digital requer um conhecimento específi co de como navegar na Internet. Só através desse conheci-mento, é possível abrir páginas, visitar links, participar de chats, copiar trechos de textos importantes para colá-los em outro lugar, abrir, ler, produzir e enviar e-mails. Em nosso caso, o conhecimento do gênero vai além da sim-ples abertura de e-mails: vai do entendimento de ações como encaminhar mensagens a um receptor, ou mais, até

7 Convém destacar que as cartas-correntes digitais continuam sendo propagadas junto com outras que não apresentam a característica efetivamente digital.

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a preservação do título da mensagem ou de anexar algum arquivo. Além desse conhecimento, o uso de alguns ter-mos se tornam extremamente comuns e fazem parte qua-se que de forma natural no vocabulário contemporâneo. Dessa forma, copiar e colar,8 por exemplo, ganha outros signifi cados que não é o de nenhuma aula de artes de escola, e sim reproduzir integralmente um determinado texto ou fi gura.

A instrução de encaminhamento é um mecanismo que tem como fi nalidade assegurar que a mensagem será encaminhada sem grandes difi culdades pelo leitor. A ins-trução parte, muitas vezes, do pressuposto de que o leitor não domina o meio digital e que precisa de ajuda para enviar a mensagem corretamente. Além das pistas sobre como proceder com a mensagem recebida, a instrução contida na mensagem ajuda na construção de entendi-mento da mesma, pois indica que se as intruções forem seguidas corretamente, a carta terá a efi cácia prometida.

Conforme podemos observar no trecho abaixo, a instrução sobre como encaminhar a mensagem pode apa-recer como uma sutil solicitação para que a mensagem tenha uma determinada frase como título (e que assim possa ser útil ao ser rastreada):

“não corte a corrente e não esqueça o título da mensagem, é importante porque é o meio decon-trole deles” (carta 81)9

“mas lembre-se de mandar uma para mailto:[email protected] modo pelo qual podemos ver se você mandou essa mensagem adiante” (carta 10)

Também pode aparecer como “roteiro” a ser segui-do para que a pessoa consiga vencer as barreiras do conhe-cimento da própia caixa de correio eletrônico, o e-mail:

8 Para uma discussão mais aprofundada sobre esse recurso, cf. Santos (2007).9 Exemplares coletados do corpus digital de Almeida (2007). A nu-meração original dos exemplares foi preservada.

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ENTRE NO ORKUT E VÁ EM MENSAGENS (AO LADO DE AMIGOS, NA BARRA DE CAMINHOS). CLIQUE NO LINK ESCREVER E-MAIL (TEM UM LAPIS EM CIMA DE UMA FOLHA); SELECIONE TODOS OS AMIGOS NO CAMPO PARA: E RE-DIJA OU COLE O CONTEUDO DESTE E-MAIL (carta 73)

A instrução de reenvio, portanto, tem o caráter claramente didático e, por ocupar um espaço apenas de “garantia” de entendimento do processo de repasse, mui-tas vezes é desprezado. Observando o corpus de nossa pesquisa, constatamos que os exemplares que apresenta-ram a instrução de reenvio eram menos objetivo do que as outras e tentavam “explicar” a importância da mensa-gem de maneira mais exaustiva. Os sujeitos que assim descrevem os recursos da carta demonstram um nível de conhecimento digital muito bom, o que implica no reco-nhecimento do gênero e no seu mecanismo de funciona-mento. E este não é privilégio apenas de quem escreve, já que o leitor comum precisa vencer algumas “barreiras” de conhecimento do gênero para poder acessar a caixa de correio eletrônico do seu computador, abrir a mensagem e até encaminhá-la.

O gênero carta-corrente digital, por estar se esta-belecendo nas práticas discursivas novas (e voltadas para o meio digital), reclama de seus usuários esse tipo de questão. O uso de verbos imperativos como entre, cli-que, selecione, redija, cole podem ser úteis para sinalizar como a escrita em ambiente digital se processa e esse uso caracteriza o ambiente e os gêneros nele praticados. As-sim, os mecanismos de funcionamento têm como função explicar o mecanismo da mensagem que está sendo lida, a razão dela existir e a forma como ela pode ser útil.

Essa é a parte que tenta convencer o leitor através de argumentos e tenta parecer convincente. É neste ponto que as informações de termos técnicos surgem com maior frequência. Consideramos como mecanismos de funciona-mento os trechos que explicam como a mensagem pode ser útil, a forma como ela pode atuar. No caso de mensa-

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gens que envolvem rastreamento para envio de dinheiro, o tópico tenta explicar como o dinheiro vai ser enviado, se o recebimento/envio do dinheiro será por rastrea mento do título da mensagem, do e-mail ou através do recebimento da mensagem por alguma pessoa específi ca:

“O IGWSAM Internet Good Will Boys Service Association of Massachussets) local e extrangeiro doara US$ 0.10 por mail mandado com o titulo (subject) SOLIDARIEDADE COM ADILSINHO” (carta 91)

O exemplo acima mostra que a mensagem funcio-na se houver cooperação do leitor. Se ele cumprir as ins-truções, a mensagem será útil para um determinado grupo de pessoas. O mesmo pode ser visto no exemplo abaixo, referente ao reenvio das mensagens e ao recebimento de prêmios materiais:

“Tudo o que é preciso fazer é enviar uma cópia deste e-mail para 8 (oito) conhecidos. Dentro de 2 (duas) semanas você receberá um Ericsson T18. Se a mensagem for enviada para 20 (vinte) ou mais pessoas, você poderá receber um Ericsson R320.” (carta 113)

Assim como no exemplo acima, em alguns exem-plares a explicação do mecanismo da mensagem se con-funde com a cota de reenvio, pois estipulam para quantas pessoas deve-se mandar a mensagem. Nos exemplares analisados, quando a cota de reenvio é pré-determinada (enviar para oito pessoas/enviar para 20 pessoas) o item “mecanismo de replicação” está presente. Mais uma vez, pressupõe o conhecimento do leitor sobre o ambiente em que a mensagem está sendo propagada e evidencia, tam-bém, uma apropriação da mensagem das particularidades do meio.

Quando observamos o envio de cotas das mensa-gens, encontramos outros aspectos:

“Tudo o que vc tem de fazer é mandar esta men-sagem para 25 pessoas. Depois de duas semanas

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do envio das mesmas, vc receberá gratuitamente Kit Ambev...contendo (Camisa da Skol, relogio de parede e uma caixa de Long Neck). Mas se vc enviar esta mensagem para 25 amigos, vc receberá gratuitamente o Kit Ambev.” (carta 10)

No exemplo acima, a cota de envio era determina-da: bastava alcançar a cota para que a mensagem tivesse valor. Outro exemplo que colocamos aqui para ilustrar, é o uso da cota mínima. Caso o leitor envie para a quan-tidade X de pessoas, a mensagem surtirá efeito, mas se exceder essa quantidade, não haverá nenhum problema, pois é melhor ainda, como pode se observar no trecho abaixo:

“Se você enviar esse e-mail a amigos a Microsoft pode e vai por um período de 2 semanas rastre-aram esse e-mail. Para cada pessoa para quem você mandar este e-mail a Microsoft vai pagar U$245,00. Para cada pessoa para quem você enviar, que enviar este e-mail adiante a Microsoft paga a você $243,00; e para cada terceira pessoa que receber este e-mail você recebe $241,00 da Microsoft. Daqui a 2 semanas a Microsoft vai te contactar neste teu endereço e te enviar um cheque.” (carta 11)

A cota de reenvio nos mostra, também, que as car-tas-corrente digitais herdaram diretamente a função das cartas-corrente tradicionais, que estabeleciam cotas de reenvio para replicação da mensagem e, também, na for-ma de meta a ser alcançada. É importante destacar, aqui, que o destinatário apresenta o domínio de um letramento digital, conforme pode ser visto em Araújo (2007). Não é simplesmente a leitura da mensagem que o faz repassar a carta-corrente, mas a compreensão de que o sistema de cotas esse é um dos critérios necessários para se alcançar o prêmio.

O processo de escrita da mensagem e de reenvio nos permite entender que a compreensão de termos específi -cos e solicitações dentro da mensagem são percebidas por

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cidadãos que não apenas sabem “ler/escrever”, mas que também sabem compreendem o signifi cado de cada termo para o alcance dos objetivos propostos na mensagem.

As facilidades do meio digital imprimiram uma ca-racterística que deve ser observada com atenção quando se fala em cota de reenvio. As versões impressas das car-tas-corrente contavam com o esforço físico para reescri-ta das mensagens em próprio punho. Com o surgimento de máquinas copiadoras, o esforço físico deu lugar aos gastos com fotocópias para cumprimento da meta quase sempre pré-estabelecida. No meio digital a meta apare-ce em alguns exemplares de carta-corrente digital, mas é bem marcante a presença de cartas nas quais a cota não está estabelecida. Por e-mail, a facilidade de reprodu-ção das cartas aumenta consideravelmente, pois o custo é praticamente nulo para reenviar a mesma mensagem a dezenas ou centenas de receptores. Acreditamos que esta pode ser uma evidência da infl uência e possibilidades do meio digital.

As informações especializadas podem ser tanto do assunto, com termos técnicos e que exigem o mínimo de domínio tecnológico para compreensão, como também podem ser informações recebidas por quem entende do assunto ou que podem ajudar. Ainda que as informações especializadas nem sempre sejam compreendidas pelo leitor, é importante destacar que as informações sobre o meio digital estão sempre presentes, ajudando a criar uma aura de tecnologia de ponta, inalcançável para a maioria das mentes comuns.

Considerações Finais

Neste capítulo, propusemo-nos a evidenciar os elementos digitais presentes nas cartas-corrente que se reproduzem via e-mail. De acordo com o que nele dis-cutimos, as cartas-corrente surgem como um gênero cada vez mais frequente nos correios eletrônicos e entende-mos que o gênero se coloca em um patamar especial ao

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que geralmente é destinado às mensagens impessoais que circulam na grande rede: embora desprezadas pela maio-ria dos seus receptores e vistas como lixo eletrônico, as correntes que se propagam por e-mail podem conservar características da escrita, importantíssimas para entender o fenômeno de replicação nos dias atuais.

Concluímos, também, que as cartas-corrente digi-tais possuem peculiaridades perceptíveis não apenas na sua forma escrita, mas também na própria essência de re-plicação, já que as cartas- ainda que tenham um caráter anônimo- são enviadas por pessoas conhecidas do leitor e por usuários com contas de e-mail válidos. No entanto, isso não foi sufi ciente para a identifi cação e observamos que as cartas diferem dos outros textos apresentados por apresen-tarem um pedido explícito de replicação e consequências caso a mensagem seja (ou não) enviada por e-mail.

Ao circular pela internet, a carta-corrente passou a agregar elementos de reconhecimento que são caracterís-ticos do meio digital, como o uso de termos específi cos e condições de replicação que exigem relativo conheci-mento do mundo virtual para reprodução e compreensão de sentido.

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CARTA CORRENTE POR E MAIL: EVIDÊNCIAS DO MEIO DIGITAL NO GÊNERO

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“ESCREVO ABREVIADO PORQUE É MUITO MAIS RÁPIDO”: O ADOLESCENTE, O

INTERNETÊS E O LETRAMENTO DIGITAL1

Messias DiebFlávio César Bezerra Avelino

Considerações Iniciais

O uso do computador conectado à Internet tem mo-difi cado e ampliado de modo signifi cativo a comunicação entre as pessoas. Essa modifi cação pode ser observada não somente por meio da quantidade de novos gêneros que surgiram, e que possibilitaram uma interação mais ampla, como também no estilo sob o qual esses novos gêneros foram se apresentando, geralmente com base na atividade de escrita. Assim sendo, é possível reconhecer que a Internet materializou, juntamente com o processo de sua “democratização”, um novo estilo no projeto de dizer dos sujeitos contemporâneos, o qual foge ao uso da escrita já estandardizado socialmente, provocando o estranhamento e a rejeição por parte de alguns setores mais conservadores da sociedade.

Um exemplo do que estamos nos referindo, no pa-rágrafo acima, pode ser visto em gêneros como o chat, ou bate-papo via computador, cujas características esti-lísticas mais marcantes são: a abreviação de palavras e o uso ressignifi cado de sinais da escrita canônica. Segundo Araújo e Biasi-Rodrigues (2007, p. 83), tais característi-cas foram estabelecidas no chat devido ao fato de que a possibilidade que esse gênero oferece de uma interação simultânea entre várias pessoas, ao mesmo tempo, e a au-sência físico-espacial das pessoas impuseram aos chatters a necessidade de eles adquirirem não somente uma agili-

1 Este capítulo é fruto de uma pesquisa realizada por Avelino (2008), sob a orientação do prof. Dr. Messias Dieb na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN, campus de Assú.

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dade na digitação, mas também outras desenvolturas em relação à escrita, a fi m de que “informações paralinguís-ticas, comuns em situações comunicativas presenciais, tais como o barulho do ambiente, os gestos utilizados, a demonstração fácil de sentimentos, por exemplo,” fossem materializadas por meio da escrita. Portanto, o internauta foi, e ainda é, “forçado” por pressões pragmáticas a se apropriar de um novo estilo de escrita, ao qual se tem comumente atribuído o nome de internetês.

Nesse sentido, uma relevante quantidade de pes-soas passou a utilizar o termo internetês para se referir a uma nova língua que parecia ter surgido com a Internet. Ainda que seja fácil compreender a associação feita entre a proximidade fonética Internet/internetês e o diferente/emergente estilo de escrita, com termos quase indecifrá-veis para internautas pouco experientes no uso dos gêne-ros digitais mais informais, não é difícil perceber que não se trata de uma nova língua. Isto se justifi ca porque, na opinião de autores como Komesu (2006; 2008) e Araújo (2007; 2008), o internetês é, a exemplo do Brasil, apenas outro modo de se grafar o português. Por conseguinte, podemos dizer que ele deve ser compreendido apenas como uma variedade escrita da língua portuguesa,2 à qual foi atribuído o estilo abreviado de escrita que é típico na maioria dos gêneros do universo digital.

E o Que Letramento Tem a Ver com Internetês?

Ao ler os parágrafos acima, o leitor pode inferir que estamos nos afastando da complexidade que se instaura em torno dessa nova atividade de escrita e que a grande questão a ser discutida parece residir apenas na defi nição do termo internetês. Entretanto, afi rmamos que não, pois o que defendemos é que a partir da defi nição e do en-tendimento desse conceito é que poderemos ter melho-

2 O mesmo raciocínio se aplica também as outras línguas: inglês, francês, alemão, etc.

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res condições de adentrar a complexidade que circunda sua prática. Afi nal, sempre que nos deparamos com “algo novo” é comum que busquemos, inicialmente, construir um sentido para esse “algo novo” a partir de sua deno-minação, ao mesmo tempo em que vinculamos tal deno-minação ao universo das percepções, opiniões e atitudes que mais se aproximam do modo como nos relacionamos com as coisas do mundo e das expectativas que criamos em torno dessas mesmas coisas.

Com base nisso, nossa discussão neste capítu-lo representa uma tentativa de tornar menos hermética a compreensão acerca da relação que, em especial, os adolescentes, notáveis consumidores e produtores de gê-neros digitais, estão construindo com essa nova prática de linguagem por causa do “mal-estar” gerado entre pais e professores. Tal empreendimento se justifi ca porque estes últimos, geralmente, concebem o internetês como uma séria mutilação da escrita cuja tendência é a de prejudi-car tanto a aprendizagem dos estudantes na escola como, consequentemente, a performance desses sujeitos em prá-ticas sociais nas quais a escrita está envolvida diretamen-te. No entanto, esse “mal-estar” não tem razão de existir a não ser em função do desconhecimento e do preconceito que, infelizmente, tanto a escola como os pais dos alunos parecem ter em relação ao tema. Logo, mais do que uma defi ciência de leitura e escrita ou um prejuízo na apren-dizagem dessas duas atividades, os adolescentes (alunos) que se utilizam do internetês para interagir com seus pa-res apresentam um domínio das práticas discursivas que cada vez mais se fortalecem nos ambientes digitais de co-municação.

Assim sendo, por esse domínio do internetês, e da linguagem característica de outros espaços de comunica-ção digital, que não somente a Internet, bem como ao conjunto de todas as habilidades que gravitam em seu entorno, compreenderemos, no presente capítulo, como uma manifestação do letramento digital que foi constru-ído pelos sujeitos. Esta compreensão parte do conceito

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de letramento, em consonância com as refl exões de So-ares (2002, p. 146), como um domínio das atividades de leitura e escrita que confere aos indivíduos ou grupos sociais “um determinado e diferenciado estado ou con-dição de inserção em uma sociedade letrada”, devido à apropriação de “habilidades e atitudes necessárias para uma participação ativa e competente em situações em que práticas de leitura e/ou de escrita têm uma função es-sencial”. Além disso, assumimos que o referido domínio possibilita a esses indivíduos manterem “com os outros e com o mundo que os cerca formas de interação, atitudes, competências discursivas e cognitivas” que servirão como elementos potencializadores no desenvolvimento de suas práticas sociais. Portanto, na contramão do que pensam alguns pais e professores, os adolescentes estão apren-dendo intuitivamente a realizar o que deveria lhes estar sendo ensinado pela escola: o amplo uso da linguagem escrita nas mais variadas situações enunciativas.

2 Escolhas metodológicasE como chegamos a essa compreensão? Por meio

de uma pesquisa que foi realizada com 21 (vinte e um) adolescentes, alunos do 9.º ano de uma escola pública chamada Centro Educacional Municipal Batista Monte-negro – Ensino Fundamental (CEMBM), localizada no município de Afonso Bezerra – RN.3 A escolha dessa escola obedeceu a dois critérios. O primeiro, pelo fato de ela atender a um expressivo público formado por adolescentes, e o segundo porque esses sujeitos, mesmo com as limitações de uma escola pública, podem contar com um pequeno laboratório de informática, sendo o único na cidade.

Os alunos podem navegar na Internet durante o turno da noite, sendo este reservado exclusivamente para pesquisa de trabalhos escolares. A navegação dos alunos, além de restrita, sempre é monitorada por instrutores que

3 A distância entre Afonso Bezerra e Natal, capital do estado do Rio Grande do Norte, é de 169 Km.

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trabalham no laboratório daquela escola. Por esse moti-vo, estabelecemos que um dos critérios para selecionar os sujeitos que colaborariam com a pesquisa seria o acesso frequente a Internet, não apenas na escola, mas também fora dela. Isto se justifi ca, ainda, porque, além de uma alarmante desproporção entre a demanda de alunos e a oferta de computadores, a navegação nos computadores da escola, como já dissemos, era restrita unicamente aos trabalhos escolares. Em função disso, os alunos também deveriam ter contato com a rede mundial de computado-res em outras localidades, como, por exemplo, em casa ou em lan house.

Após essas escolhas, optamos, entre as muitas pos-sibilidades de procedimentos metodológicos, por uma técnica denominada de “instruções ao sósia”4 e pela técnica da “entrevista”, a fi m de complementar as infor-mações dos adolescentes. Pudemos contar com o apoio de cada um dos alunos da turma, os quais demonstraram uma grande satisfação por terem sido escolhidos a partici-

4 A instrução ao sósia, segundo Oliveira, Rezende e Brito (2006, p.128), foi elaborada no contexto da reforma sanitária italiana nos anos de 1970 com o intuito de compreender melhor a relação saúde-trabalho nas fábricas. Ainda segundo os autores, esse método das instruções ao sósia foi originalmente empregado por Oddone, psicólogo do trabalho italiano, com os operários da Fiat porque havia observado que quando os operários eram simplesmente solicitados a falar sobre seu trabalho, eles tendiam a reproduzir um comportamento ideal, de acordo com o prescrito, tendo pouco a ver com o trabalho real. Em nosso caso, essa solicitação ocorreu de modo escrito, ou seja, por meio de uma produção de texto solicitada aos adolescentes da escola pesquisada. Portanto, e de acordo com a leitura que fi zemos sobre as “instruções ao sósia”, foi criada a seguinte situação para o nosso investimento acadêmico junto aos adolescentes: Imagine se você estivesse sentado na praça de sua cidade, tentando se passar por um rapaz que vende picolés, e presenciasse um grupo de jovens como você falando sobre o modo como as pessoas escrevem quando conversam pela Internet. Uma parte do grupo acha tudo muito legal e a outra parte critica porque acha que eles estão escrevendo tudo er-rado e vão levar esses erros de escrita para a escola ou outros lugares, enfrentando as reclamações dos pais e dos professores. Qual seria o seu ponto de vista sobre esse assunto? O que você diria para cada uma dessas partes do grupo?

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par da pesquisa por meio das duas técnicas citadas. Desse modo, a técnica das “instruções ao sósia” foi realizada na sala de aula e as entrevistas foram realizadas nas residên-cias dos alunos, pois precisávamos também do consenti-mento dos pais.

Na sequência, apresentaremos os resultados que obtivemos com a citada pesquisa cujo objetivo maior era analisar a relação entre os adolescentes e o internetês, foca-lizando, inicialmente, seu entendimento acerca desse novo uso da linguagem escrita, depois, a relação que estabelecem entre a notação da escrita em ambientes digitais e a utiliza-da nas atividades escolares e, por fi m, suas atitudes frente ao “mal-estar” de pais e professores acerca do internetês. Vale salientar que, ao demonstrarmos as falas dos sujeitos, abaixo, estes serão referenciados por um nome fi ctício, que será acompanhado pela idade real dos adolescentes.

O Entendimento dos Adolescentes sobre o Internetês

Quando os adolescentes falaram sobre o que eles acham do modo como as pessoas escrevem na Internet, a maioria, ou seja, 80% disseram que achavam “legal”. Isso se justifi ca porque, para os adolescentes, o uso da escrita abreviada na Internet facilita muito a comunicação devi-do à economia de tempo. Portanto, como nos mostram as falas, abaixo, os adolescentes parecem ter acolhido de modo satisfatório esse novo estilo de grafi a da língua.

Eu acho muito legal [Mara (13)].

Escrever desse modo torna tudo muito mais fácil, pois é bem mais rápido e a pessoa não fala só com uma pessoa, vai falar com várias [Elza (14)].

Como podemos observar, na compreensão desses sujeitos o internetês torna a escrita mais rápida. Nesse sentido, eles percebem como necessário o uso desta nova escrita, não somente por modismo, mas principalmente porque facilita muito a interação entre eles no ambiente

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digital, pois seria praticamente impossível, por exemplo, conseguir manter contato com mais de 10 pessoas ao mesmo tempo, e de culturas totalmente diferentes através da escrita canônica.

No que concerne ainda à compreensão sobre o modo típico de escrever nos gêneros do universo digital, apenas 1 (um) adolescente, entre os que participaram tanto da técni-ca do sósia como da entrevista, disse que usar o internetês é uma prática que torna a escrita totalmente errada.

Eu acho essa escrita totalmente errada, ... o jeito que o povo escreve... esse jeito não é correto, o povo vai abreviando tudo [Laura (14)].

Apesar da clareza dessa opinião, encontramos em outra parte dos alunos o seguinte comportamento: mes-mo achando que se trata de um “erro”, ainda assim não deixam de utilizar o internetês porque facilita a interação com os amigos, conforme podemos ilustrar nas falas das alunas abaixo.

Eu acho legal e errado, porque o português fi ca muito errado, por causa das abreviações, e legal porque fi ca mais fácil, porque quando a gente vai escrever uma palavra enorme penso logo no cansaço dos dedos [Flora (15)].

Por um lado é ruim, né? Porque a língua portu-guesa fi ca errada e por outro é melhor porque fi ca mais fácil e a gente gasta menos tempo pra escrever [Fabrícia (13)].

De acordo com essas falas, podemos inferir que o que chamam de errado não é para eles na verdade “um erro”. O fato é que alguns adolescentes se manifestam dessa maneira porque ainda não estão recebendo a devi-da orientação sobre essa prática de escrita, nem tampou-co estão tendo a oportunidade de discutir sobre o assunto com tranquilidade, seja na escola, seja na família.

Em acréscimo, podemos dizer que essas falas vieram confi rmar o que já tinham exposto anteriormen-

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te Araújo e Biasi-Rodrigues (2007) e Buzato (2007). De acordo com esses autores, a linguagem em ambientes virtuais é baseada na simplifi cação informal da escrita, com o objetivo principal de tornar mais rápida a comuni-cação. Ainda sobre essa discussão acerca do internetês, Komesu (2006) diz que ele é conhecido, no caso do Bra-sil, como o português digitado na Internet, e é caracte-rizado por simplifi cações de palavras que levariam em consideração, principalmente, uma suposta interferência da fala na escrita.

Com base nessa discussão, podemos sugerir que o problema em relação ao entendimento de alguns adoles-centes sobre o internetês como uma mutilação da escri-ta alfabética talvez não tenha sua origem em si mesmo, mas na opinião da maioria dos pais e professores, a qual é imputada aos jovens de modo silencioso. Com efeito, não podemos deixar de observar que são alguns profes-sores os primeiros a dizer que o internetês é o português escrito de maneira errada, ao invés de dizer inadequado, quando se trata de transferência da escrita abreviada da Internet para práticas de escrita no ambiente escolar. No entanto, sabemos também que, pelo fato de serem sujei-tos e, por isso mesmo capazes de construir seu próprio entendimento, os adolescentes acabam inserindo novos elementos a essas opiniões, como vimos nas falas acima. Assim sendo, discutir o fato se torna necessário porque os alunos parecem ter outra compreensão acerca disso e saberem que a linguagem ou o uso da língua exige deles a adequabilidade necessária ao sucesso da interação, con-forme passaremos a discutir na próxima seção.

A Escrita Digital: da Internet à Sala de Aula

Conforme vimos discutindo, uma das grandes pre-ocupações para pais e professores, com relação ao uso da Internet, seria a migração desta nova linguagem, o interne-tês, para outros ambientes de discurso, como a escola, por exemplo. Esse fato também já fora explicitado por Caiado

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(2007) quando afi rmou que as questões ortográfi cas, que brotam nesse contexto dos ambientes digitais, vão de en-contro ao que é proposto pela norma ortográfi ca vigente da Língua Portuguesa. Por esse motivo, segundo a autora, a migração da escrita da Internet para outros espaços de interação tem se constituído uma preocupação constante em algumas instituições de ensino, especialmente no que concerne aos professores e aos pais dos alunos.

Ao analisarmos a entrevista feita aos adolescentes, poucos disseram ter escrito na sala de aula do mesmo modo como fazem na Internet. Perguntamos, então, quais seriam os motivos que os levaram a escrever daquele jei-to em um outro ambiente, que não fosse o virtual, e eles responderam da seguinte maneira.

É porque eu já estou tão acostumada no MSN, no computador que na hora de fazer uma redação lá de português, fui e escrevi abreviado e a professora me chamou atenção [Bianca (14)].

Na escola, eu escrevi porque eu esqueci e colo-quei tudo abreviado [Clara (15)].

Como se pode notar, a primeira aluna explica-se dizendo que só escreveu dessa maneira na sala de aula devido ao costume de escrever na Internet, o que pode ser interpretado como uma demonstração de consciên-cia da (in)adequação do estilo de escrita que foi por ela utilizada nos dois ambientes. A segunda aluna, por sua vez, diz ter escrito por motivo de esquecimento, o que também pode estar implícito na fala da primeira.

Com efeito, a demonstração mais explícita de consciência sobre a adequabilidade da escrita pode ser observada nas palavras da aluna, abaixo:

Às vezes, eu ... digito aqueles “errinhos”, mas é só no Orkut [Mara (13)].

Assim sendo, é necessário reforçar que parte dos jovens já demonstra, por menor que seja, ter uma noção indutiva da adequabilidade da escrita, ou seja, sabe que

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não deve escrever na sala de aula da mesma maneira como escreve nos espaços digitais de comunicação.

Outra informação relevante a ser acrescida nessa discussão é que, às vezes, o professor chama à atenção os alunos e baixa a nota, conforme relatado acima por Bianca. Desse modo, a atitude do professor, ao reprimir seus alunos, passa a ser inadequada visto que, ao invés de orientar e promover a ampliação desse conhecimento indutivo demonstrado por eles, acaba reforçando a ideia equivocada de que se trata de um erro.

Tem professor que é a favor da Internet, mas têm outros que falam muito. Quando falam da escrita, todos são contra, principalmente a professora de Português [Joana (14)].

Os professores são sempre contra. Eles acham erra-do o jeito que a gente escreve, o modo de escrever, dizem que não é o correto [Roberta (13)].

Eles [os professores] acham que é errado e pode nos prejudicar [Mara (13)].

Desse modo, somos impelidos mais uma vez a in-ferir que a afi rmação segundo a qual usar o internetês é um erro ou um prejuízo para os estudantes vem principal-mente dos professores, conforme também demonstram as falas dos próprios alunos acima. No entanto, não pode-mos simplesmente condenar os docentes sem que lhes seja concedido o direito de defesa, visto que “o domínio das práticas discursivas que se revelam em gêneros da esfera digital é mais um desafi o para o ensino” (ARAÚJO; BIASI-RODRIGUES, 2007, p. 79). O problema é que os cursos de formação de professores ainda não estão su-fi cientemente adequados para auxiliá-los nesse desafi o, discutindo como aproveitar e ampliar as oportunidades de interação de acordo com as transformações do mundo contemporâneo, as quais já adentram, mesmo que ainda timidamente, nos estabelecimentos escolares.

Com base nas afi rmações dos entrevistados, pode-mos dizer que o problema parece residir apenas na (in)

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compreensão acerca da adequabilidade do uso da escrita. Isto se justifi ca porque os professores parecem ainda não conceber o internetês como mais uma variação linguística e estilística de nossa rica língua, além de uma ampla de-monstração de letramento por parte de seus alunos. Assim sendo, a preocupação dos professores, especialmente os da área do ensino de língua materna, parece existir, entre outras coisas, por conta da ausência de pontuação na gra-fi a de algumas palavras e do uso constante de abreviações na Internet, por meio dos quais os internautas procuram associar pensamentos e sentimentos escritos com a fala.

Não obstante tal preocupação, os professores pa-recem não observar que seus alunos sabem direitinho o lugar adequado para o uso da cada uma das duas formas de escrita: a forma padrão da língua portuguesa e a que se exprime por meio do internetês. Vejamos como essas informações podem ser extraídas das citações dos alunos, logo abaixo.

Quando eu vou mandar um bilhetinho, pra mim não escrever muito, eu faço como eu escrevo na Internet [Mara (13)].

Quando eu estou conversando com as meninas ... eu já utilizei essa escrita, mas uso somente na Internet e nos bilhetinhos [Fabricia (13)].

De acordo com essas falas, podemos ver que a linguagem abreviada da Internet tem sido adaptada para outras situações do cotidiano desses jovens. Eles a têm levado para a troca de bilhetinhos entre si, o que continua demonstrando a informalidade na qual ela é utilizada.

Um outro ponto que nos chamou a atenção, foi o caso da aluna Flora (15), pois, esta, além de utilizar o internetês em ambientes digitais e na troca de bilhetinhos com os seus amigos, diz também utilizá-lo em seu cader-no, mas somente quando está copiando os deveres para si, conforme podemos constatar na afi rmação abaixo:

Quando é pra fazer um assunto de escola, eu co-loco tudo abreviado porque quem vai estudar no

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caderno sou eu, agora na prova eu tento sempre fazer “o correto” [Flora (15)].

Como podemos perceber na fala da aluna, ela as-sume que escreve em seu caderno como se fosse à Inter-net, somente para si; certamente, por ser mais rápido e menos cansativo. Entretanto, a aluna deixa bem claro que quando o assunto é avaliação e/ou trabalho escolar, os quais serão entregues aos professores para a obtenção de uma nota, ela procura fazer “o correto”, ou seja, dentro da norma padrão de escrita da língua portuguesa. Isso é mais uma prova de que Flora, assim como seus colegas, tem um bom entendimento com relação à adequabilidade da escrita internetiana.

Portanto, como já havíamos mencionado antes, a escola não deveria tratar o internetês como uma escrita errada ou mutilada, mas como um jeito novo de notar a escrita de nossa língua, de acordo com as necessidades do ambiente em que ela se encontra. Além disso, pode-mos dizer, com Tfouni (1995) e Soares (2002), que esses alunos, apesar dos equívocos cometidos pela escola e de suas limitações no enfrentamento desse novo desafi o que se lhe apresenta, demonstram um bom nível de letramen-to, dada a sua capacidade de apreender e de responder, satisfatoriamente, as novas situações comunicativas que lhes exigem, entre outras coisas, um bom uso das ativida-des de leitura e escrita.

As Ati tudes dos Adolescentes Frente à Preocupação de Pais e Professores

De acordo com Guzman (apud FERREIRA e CAR-DOSO, 2007), o conceito de atitude refere-se a uma pre-disposição psicológica geral dos indivíduos humanos em relação a um determinado objeto. Essa predisposição pode ser dividida em três dimensões: a cognitiva, relacionada aos conhecimentos que um sujeito tem sobre o objeto, a afetiva, que se relaciona com os sentimentos que o sujeito tem em relação a esse objeto e, por último, a dimensão

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comportamental, que diz respeito às ações em relação ao objeto. Assim, de acordo com essa explicação acerca do conceito de atitude, e levando em consideração os dados construídos por meio da técnica do sósia e das entrevis-tas, passaremos a demonstrar a atitude dos alunos frente à preocupação de seus pais e professores.

Com relação à dimensão cognitiva, ou seja, ao co-nhecimento que os alunos têm a respeito do internetês, eles têm demonstrado que sabem do que se trata.

Eu utilizo muito a nova linguagem da Internet. “Você”, por exemplo, é um “VC”, “não” é um “Ñ” [Andréia (13)].

Escrevo assim só abreviado porque é um jeito mui-to mais rápido de se comunicar [Heloisa (14)].

Como podemos ver, eles sabem que se trata de uma nova linguagem, como nos diz Andréia, e dizem ainda como se caracteriza a escrita nesse ambiente, ex-plicando-a por meio da ressignifi cação de certas formas linguísticas.

No que diz respeito a esse fenômeno da ressignifi -cação das formas linguísticas, Araújo (2007) nos lembra Bakhtin quando afi rma que o aspecto formal do signo não interessa ao sujeito, o que realmente importa é a signifi ca-ção que as formas linguísticas escritas lhe transmitem. Por-tanto, conforme nos diz o próprio Bakhtin ([1929] 1981, p. 94).), “enquanto uma forma linguística for apenas um sinal e for percebida pelo receptor somente como tal, ela não terá para ele nenhum valor linguístico”. Isso implica dizer, segundo a interpretação que faz Araújo (2007), que restringir-se à mera identifi cação da forma linguística nos faz comprometidos apenas com a sinalidade, abrindo um fosso expressivo entre o sinal e o signo. Dessa maneira, sendo o sinal algo imutável, ele não substitui nem refl ete nada e, por esta razão, é preciso haver a interação para que dela possa se extrair os signifi cados atribuídos pelos usuários aos signos da língua. Nesse sentido, para Bakhtin ([1929] 1981), a sinalidade constitui um componente da

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língua, já que o sinal existe na língua, mas quando é ab-sorvido e reinterpretado pelas práticas humanas, como o internetês, por exemplo, conforme explicado nas palavras de Andréia acima, ascende à qualidade de signo.

Portanto, a atitude de utilizar conscientemente essa variedade linguística escrita se mostra explícita entre os alunos e está envolvida numa compreensão de que essa atividade de escrita tanto facilita a comunicação, por ser mais rápida de ser notada, como se adequa perfeita-mente aos ambientes discursivos digitais. Assim, eles a usam com tranquilidade e ainda transferem essa prática para outras situações enunciativas corriqueiras, tais como quando trocam bilhetinhos e cartas com os amigos. Esta situação nos fornece, pois, os elementos necessários a fi m de que afi rmemos o quanto se enganam aqueles que jul-gam os alunos como desconhecedores da distinção entre a adequabilidade da notação escrita da língua na Inter-net e em outros espaços de interação, como a escola, por exemplo. Em suma, pais e professores parecem não per-ceber quão letrados são esses adolescentes.

Quanto à dimensão afetiva, os alunos têm reagido silenciosamente às recriminações que lhe são impostas pelos adultos, geralmente pais e professores, demonstran-do sentimentos de receio e até mesmo de medo. Quando são repreendidos, com relação à escrita do meio digital, eles acabam fi cando calados, como podemos observar por meio de alguns depoimentos sobre isso:

Bom, eu fi co calada na minha [Flora (15)].

Não ligo o que dizem [Mara (13)].

Essas afi rmações confi rmam o sentimento de apre-ensão e de “medo” em que se encontram os alunos para discutir sobre o internetês com seus pais e professores. Em outras palavras, eles preferem fi car calados ou dizer que não ligam quando são chamados à atenção. No en-tanto, o que pais e professores não estão sabendo é que esse silêncio pode dizer muito mais do que eles imagi-nam. Basta atentarmos para o fato de que os adolescentes

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continuam utilizando, sem alarde, e apenas entre eles, as notações da escrita aqui chamada de internetês. Isso é o que nos mostram as falas transcritas abaixo:

Mesmo que falem, eu continuo usando, mas só na internet [Maria (13)].

Eu sei que dizem que está errado, mas ainda assim continuo usando [Elza (14)].

Eu tento me consertar, mas ainda assim continuo escrevendo..., quando o material é meu, como por exemplo o caderno, aí eu fi co na minha, aí conti-nuo escrevendo do mesmo jeito [Flora (15)].

Apesar do “mal-estar” de pais e professores, os ado-lescentes continuam usando o internetês. Entretanto, ao que nos parece, quando eles decidem agir dessa maneira não se trata apenas de uma transgressão de normas, como é característico nos adolescentes, já que eles parecem ob-servar a questão da adequabilidade na notação da escrita. Nesse sentido, os estudantes demonstram que são, intuiti-vamente, bons praticantes em relação aos usos da língua materna, isto é, possui um bom nível de letramento.

Algo que achamos muito interessante foi quando uma das alunas afi rmou que alguns de seus professores também têm Orkut e que utilizam o internetês:

Tem alguns professores que até têm Orkut..... E eles [os professores] escrevem com os mesmos “errinhos” [Patrícia (14)].

Como podemos ver, os mesmos professores que taxam o internetês como uma escrita errada, também a utilizam, como mostra a fala de Patrícia (14). Esses profes-sores não deveriam dizer aos alunos que essa escrita é er-rada, pois eles também a usam. O que realmente deve ser feito é mostrar para esses alunos que não é errado o uso dessa nova linguagem, desde que a utilize no ambiente adequado: os espaços de escrita digital.

Com efeito, pelo que foi aqui discutido e analisa-do, pais e professores precisam atentar para o fato de que

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não é reprimindo ou repreendendo os estudantes que eles lhes darão a orientação necessária a uma interação e/ou a um letramento satisfatórios. Afi nal, como nos diz Araújo (2008), a escola precisa aprender a abolir o medo das novas linguagens e a refl etir sobre onde e quando devemos interagir por meio de cada uma delas. Se assim não o fi zer, segundo o mesmo autor, estará incorrendo no lamentável equívoco de confundir a língua portuguesa com suas inúmeras formas de notação escrita, as quais já são de domínio real por parte dos seus praticantes, pelo menos os que desta pesquisa participaram.

Considerações Finais

Neste capítulo, procuramos analisar a relação que os adolescentes, notáveis e letrados consumidores e produtores de gêneros digitais, estão construindo com o internetês. Para isso, focalizamos, inicialmente, seu en-tendimento acerca desse novo uso da linguagem escrita, depois, a relação que estabelecem entre a notação da es-crita em ambientes digitais e a utilizada nas atividades escolares e, por fi m, suas atitudes frente ao “mal-estar” de pais e professores acerca do internetês. Após essa discus-são, foi possível chegarmos a algumas considerações, as quais serão aqui expostas a título de aprendizagem cons-truída a partir da análise dos dados.

No que diz respeito ao entendimento dos adoles-centes acerca do internetês, pudemos constatar o quan-to eles já sabem acerca dessa nova linguagem que vem surgindo através da Internet. Os alunos demonstram uma clara compreensão de que se trata de um modo mais rá-pido de comunicação escrita e que nada tem a ver com outra língua. Trata-se apenas de um estilo diferente, abre-viado e criativo de interagir com outras pessoas, por meio da escrita. Em adendo, a referida prática passa longe de trazer-lhes qualquer tipo de prejuízo, a não ser devido à incompreensão, por parte da família e da escola, de que o internetês implica a exigência de um alto nível de letra-mento, enquanto capacidade de bom uso da língua.

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No que concerne à notação da escrita em ambien-tes digitais e à utilizada nas atividades escolares, verifi -camos que os alunos já entenderam essa diferenciação e não a praticam senão sob o efeito de um rápido descuido ou esquecimento, como eles mesmos afi rmam. Curiosa-mente, isto representa o seguinte problema: os alunos compreendem muito mais sobre a adequabilidade da lín-gua do que propriamente seus pais e professores. Por isso, é importante salientar que os adolescentes percebem que o modo como eles escrevem na Internet é próprio des-se ambiente e que não deve migrar para outros espaços enunciativos, a não ser que esse uso seja bem administra-do, como é o caso dos bilhetinhos e cartas trocadas entre eles. Nesse sentido, ainda que os alunos estejam adap-tando o internetês para novas situações de seu cotidiano, como já aludimos, eles difi cilmente irão utilizá-lo em ava-liações e trabalhos escolares, especialmente aqueles dos quais dependem suas notas.

Quanto às atitudes dos alunos com relação ao “mal-estar” de pais e professores sobre o internetês, eles têm demonstrado apreensão para levantar discussões sobre o referido tema. Por isso, reagem silenciosamente a esse sentimento, demonstrando que estão nitidamente decidi-dos a não deixar, em nenhum momento, de utilizar a nova forma de notação da escrita. No entanto, conforme inferi-mos, a reação dos adolescentes representa muito mais uma satisfatória utilização da referida prática de linguagem por parte deles do que uma simples transgressão de valores ou de regras frente à postura autoritária dos adultos.

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Coleção Diálogos Intempestivos

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José Mendes Fonteles (Orgs.). 2001. 208p. 2001. ISBN: 85-86627-13-5.

2. Memórias no plural. José Gerardo Vasconcelos e Antonio Germano Magalhães Junior

(Orgs.). 140p. 2001. ISBN: 85-86627-21-6.

3. Trajetórias da juventude. Maria Nobre Damasceno; Kelma Socorro Lopes de Matos

e José Gerardo Vasconcelos (Orgs.). 112p. 2001. ISBN: 85-86627-22-4.

4. Trabalho e educação face à crise global do capitalismo. Enéas Arrais Neto;

Manuel José Pina Fernandes e Sandra Cordeiro Felismino (Orgs.). 2002. 218p. ISBN:

85-86627-23-2.

5. Um dispositivo chamado Foucault. José Gerardo Vasconcelos e Antonio Germano

Magalhães Junior (Orgs.). 120p. 2002. ISBN: 85-86627-24-0.

6. Registros de pesquisa na educação. Kelma Socorro Lopes de Matos e José Gerardo

Vasconcelos (Orgs.). 2002. 216p. ISBN: 85-86627-25-9.

7. Linguagens da história. José Gerardo Vasconcelos e Antonio Germano Magalhães

Junior (Orgs.). 2003. 154p. ISBN: 85-7564084-4.

8. Esboços em avaliação educacional. Brendan Coleman Mc Donald (Org.). 2003. 168p.

ISBN: 85-7282-131-7.

9. Informática na escola: um olhar multidisciplinar. Edla Maria Faust Ramos; Marta Costa

Rosatelli e Raul Sidnei Wazlawick (Orgs.). 2003. 135p. ISBN: 85-7282-130-9.

10. Filosofi a, educação e realidade. José Gerardo Vasconcelos (Org.). 2003. 300p. ISBN:

85-7282-132-5.

11. Avaliação: Fiat Lux em Educação. Wagner Bandeira Andriola e Brendan Coleman Mc

Donald (Orgs.). 2003. 212p. ISBN: 85-7282-136-8.

12. Biografi as, instituições, idéias, experiências e políticas educacionais. Maria

Juraci Maia Cavalcante e José Arimatea Barros Bezerra (Orgs.). 2003. 467p. ISBN: 85-

7282-137-6.

13. Movimentos sociais, educação popular e escola: a favor da diversidade. Kelma

Socorro Lopes de Matos (Org.). 2003. 312p. ISBN: 85-7282-138-4.

14. Trabalho, sociabilidade e educação: uma crítica à ordem do capital. Ana Maria Dorta

de Menezes e Fábio Fonseca Figueiredo (Orgs.). 2003. 396p. ISBN: 85-7282-139-2.

15. Mundo do trabalho: debates contemporâneos. Enéas Arrais Neto, Elenice Gomes de

Oliveira e José Gerardo Vasconcelos (Orgs.). 2004. 154p. ISBN: 85-7282-142-2.

16. Formação humana: liberdade e historicidade. Ercília Maria Braga de Olinda (Org.).

2004. 250p. ISBN: 85-7282-143-0.

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17. Diversidade cultural e desigualdade: dinâmicas identitárias em jogo. Maria de

Fátima Vasconcelos e Rosa Barros Ribeiro (Orgs.). 2004. 324p. ISBN: 85-7282-144-9.

18. Corporeidade: ensaios que envolvem o corpo. Antonio Germano Magalhães Junior e

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19. Linguagem e educação da criança. Silvia Helena Vieira Cruz e Mônica Petralanda

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20. Educação ambiental em tempos de semear. Kelma Socorro Lopes de Matos e José

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24. Coisas de cidade. José Gerardo Vasconcelos e Shara Jane Holanda Costa Adad. ISBN:

85-7282-172-4.

25. O caminho se faz ao caminhar. Maria Nobre Damasceno e Celecina de Maria Vera

Sales (Orgs.). 2005. 230p. ISBN: 85-7282-179-1.

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28. Linguagens, literatura e escola. Sylvie Delacours-Lins e Sílvia Helena Vieira Cruz

(Orgs.). 2005. 221p. ISBN: 85-7282-184-8.

29. Formação humana e dialogicidade em Paulo Freire. Maria Ercília Braga de Olinda

e João Batista de A. Figueiredo (Orgs.). 2006. ISBN: 85-7282-186-4.

30. Currículos contemporâneos: formação, diversidade e identidades em transição. Luiz

Botelho Albuquerque (Org.). 2006. ISBN: 85-7282-188-0.

31. Cultura de paz, educação ambiental e movimenos sociais. Kelma Socorro Lopes

de Matos (Org.). 2006. ISBN: 85-7282-189-9.

32. Movimentos sociais, educação popular e escola: a favor da diversidade II. Sylvio

de Sousa Gadelha e Sônia Pereira Barreto (Orgs.). 2006. 172p. ISBN: 85-7282-192-9.

33. Entretantos: diversidade na pesquisa educacional. José Gerardo Vasconcelos, Emanoel

Luís Roque Soares e Isabel Magda Said Pierre Carneiro (Orgs.). ISBN: 85-7282-194-5.

34. Juventudes, cultura de paz e violências na escola. Maria do Carmo Alves do Bomfi m

e Kelma Socorro Lopes de Matos (Orgs.). 2006. 276p. ISBN: 85-7282-204-6.

35. Diversidade sexual: perspectivas educacionais. Luís Palhano Loiola. 183p. ISBN: 85-

7282-214-3.

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Maranguape da Cunha, Patrícia Helena Carvalho Holanda, Cristiano Lins de Vasconcelos

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37. Jovens e crianças: outras imagens. Kelma Socorro Lopes de Matos, Shara Jane Holanda

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38. História da educação no Nordeste brasileiro. José Gerardo Vasconcelos e Jorge

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39. Pensando com arte. José Gerardo Vasconcelos e José Albio Moreira de Sales (Orgs.).

2006. 212p. ISBN: 85-7282-221-6.

40. Educação, política e modernidade. José Gerardo Vasconcelos e Antonio Paulino de

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41. Interfaces metodológicas na história da educação. José Gerardo Vasconcelos,

Raimundo Elmo de Paula Vasconcelos Júnior, Zuleide Fernandes de Queiroz e José Edvar

Costa de Araújo (Orgs.). 2007. 286p. ISBN: 978-85-7282-232-9.

42. Práticas e aprendizagens docentes. Ercília Maria Braga de Olinda e Dorgival Gon-

çalves Fernandes (Orgs.). 2007. 196p. ISBN 978.85-7282.246-6 .

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sociais da água em cultura sertaneja nordestina. João B. A. Figueiredo. 2007. 385p. ISBN:

978-85-7282-245-9.

44. Espaço urbano e afrodescendência: estudos da espacialidade negra Urbana para

o debate das políticas públicas. Henrique Cunha Júnior e Maria Estela Rocha Ramos

(Orgs.). 2007. 209. ISBN: 978-85-7282-259-6.

45. Outras histórias do Piauí. Roberto Kennedy Gomes Franco e José Gerardo Vasconcelos.

2007. 197p. ISBN: 978-85-7282-263-3.

46. Estágio supervisionado: questões da prática profi ssional. Gregório Maranguape

da Cunha, Patrícia Helena Carvalho Holanda e Cristiano Lins de Vasconcelos (Orgs.). 2007.

163p. ISBN: 978-85-7282-265-7.

47. Alienação, Trabalho e emancipação humana em Marx. Jorge Luís de Oliveira. 2007.

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48. Modo de brincar, lembrar e dizer: discursividade e subjetivação. Maria de Fátima

Vasconcelos da Costa, Veriana de Fátima Rodrigues Colaço e Nelson Barros da costa

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