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Revista Eletrônica de Ciência Política, vol. 3, n. 1-2, 2012. ISSN 2236-451X 86 LEVANDO GARY KING A SÉRIO: DESENHOS DE PESQUISA EM CIÊNCIA POLÍTICA 1 Dalson Britto Figueiredo Filho 2 Ranulfo Paranhos 3 Enivaldo Carvalho da Rocha 4 José Alexandre da Silva Jr 5 Manoel Leonardo Wanderley Duarte Santos 6 Resumo: Esse trabalho apresenta dez procedimentos que ajudam o pesquisador a melhorar a qualidade do seu desenho e/ou produto final de pesquisa. Em termos substantivos, nosso principal objetivo é iniciar um debate mais sistemático sobre a utilização de métodos e técnicas de pesquisa na Ciência Política brasileira. Nossas recomendações são as seguintes: (1) explicitar e justificar a questão de pesquisa; (2) descrever os métodos e as técnicas; (3) simplificar a hipótese de trabalho; (4) produzir inferências causais falsificáveis; (5) apresentar as limitações do desenho de pesquisa; (6) minimizar a complexidade da linguagem; (7) compartilhar a base de dados; (8) evitar gráficos nebulosos e tabelas poluídas e incompletas; (9) ser criticado antes de publicar e (10) escolher adequadamente os meios de divulgação. Palavras-chave: desenho de pesquisa; replicabilidade; metodologia; Ciência Política. Resumen: Este artículo presenta diez pasos para ayudar a los investigadores a mejorar la calidad de su diseño y / o la búsqueda del producto final. En cuanto al fondo, nuestro principal objetivo es iniciar una discusión más sistemática de la aplicación de métodos y técnicas de investigación en la ciencia política brasileña. Nuestras recomendaciones son las siguientes: (1) explicar y justificar la pregunta de investigación; (2) describir los métodos y técnicas; (3) la simplificación de hipótesis; (4) producir inferencias causales falsables; (5) presenta limitaciones el diseño de la investigación; (6) reducir al mínimo la complejidad del lenguaje; (7) comparten la base de datos; (8) Evite los gráficos borrosos y mesas contaminadas e incompletas; y (9) siendo criticado antes de publicar, y (10) elegir medios adecuados de difusión. Palabras-clave: diseño de investigación; replicabilidad, metodología, ciencia política. 1 Agradecemos aos comentários de Humberto Mignozzetti, Camila Bastos e Natália Leitão a versão inicial desse artigo. O trabalho também se beneficiou de sugestões recebidas durante o 8º Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP) ocorrido em Gramado (RS) entre os dias 1 e 4 de agosto de 2012. Imprecisões remanescentes são inteiramente creditadas aos autores. Esse trabalho contou com aporte financeiro do CNPQ e da CAPES. 2 Doutorando em Ciência Política do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco. E-mail: [email protected] 3 Professor de Ciência Política da Universidade Federal de Alagoas e Doutorando em Ciência Política do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco. E-mail: [email protected] 4 Professor do Deptº de Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco, Doutor em Estatística e Pós-Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Univ. Fed. de Minas Gerais. E-mail: [email protected] 5 Professor de Ciência Política da Universidade Federal de Goiás e Doutorando em Ciência Política do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco. E-mai: [email protected] 6 Professor do Deptº de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais, Doutor em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco. E-mail: [email protected]

Levando Gary King a Serio

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  • Revista Eletrnica de Cincia Poltica, vol. 3, n. 1-2, 2012. ISSN 2236-451X

    86

    LEVANDO GARY KING A SRIO:

    DESENHOS DE PESQUISA EM CINCIA POLTICA1

    Dalson Britto Figueiredo Filho2

    Ranulfo Paranhos3 Enivaldo Carvalho da Rocha4

    Jos Alexandre da Silva Jr5 Manoel Leonardo Wanderley Duarte Santos6

    Resumo: Esse trabalho apresenta dez procedimentos que ajudam o pesquisador a melhorar a qualidade do seu desenho e/ou produto final de pesquisa. Em termos substantivos, nosso principal objetivo iniciar um debate mais sistemtico sobre a utilizao de mtodos e tcnicas de pesquisa na Cincia Poltica brasileira. Nossas recomendaes so as seguintes: (1) explicitar e justificar a questo de pesquisa; (2) descrever os mtodos e as tcnicas; (3) simplificar a hiptese de trabalho; (4) produzir inferncias causais falsificveis; (5) apresentar as limitaes do desenho de pesquisa; (6) minimizar a complexidade da linguagem; (7) compartilhar a base de dados; (8) evitar grficos nebulosos e tabelas poludas e incompletas; (9) ser criticado antes de publicar e (10) escolher adequadamente os meios de divulgao. Palavras-chave: desenho de pesquisa; replicabilidade; metodologia; Cincia Poltica.

    Resumen: Este artculo presenta diez pasos para ayudar a los investigadores a mejorar la calidad de su diseo y / o la bsqueda del producto final. En cuanto al fondo, nuestro principal objetivo es iniciar una discusin ms sistemtica de la aplicacin de mtodos y tcnicas de investigacin en la ciencia poltica brasilea. Nuestras recomendaciones son las siguientes: (1) explicar y justificar la pregunta de investigacin; (2) describir los mtodos y tcnicas; (3) la simplificacin de hiptesis; (4) producir inferencias causales falsables; (5) presenta limitaciones el diseo de la investigacin; (6) reducir al mnimo la complejidad del lenguaje; (7) comparten la base de datos; (8) Evite los grficos borrosos y mesas contaminadas e incompletas; y (9) siendo criticado antes de publicar, y (10) elegir medios adecuados de difusin. Palabras-clave: diseo de investigacin; replicabilidad, metodologa, ciencia poltica.

    1 Agradecemos aos comentrios de Humberto Mignozzetti, Camila Bastos e Natlia Leito a verso inicial desse artigo. O trabalho tambm se beneficiou de sugestes recebidas durante o 8 Encontro da Associao Brasileira de Cincia Poltica (ABCP) ocorrido em Gramado (RS) entre os dias 1 e 4 de agosto de 2012. Imprecises remanescentes so inteiramente creditadas aos autores. Esse trabalho contou com aporte financeiro do CNPQ e da CAPES. 2 Doutorando em Cincia Poltica do Programa de Ps-Graduao em Cincia Poltica da Universidade Federal de Pernambuco. E-mail: [email protected] 3 Professor de Cincia Poltica da Universidade Federal de Alagoas e Doutorando em Cincia Poltica do Programa de Ps-Graduao em Cincia Poltica da Universidade Federal de Pernambuco. E-mail: [email protected] 4 Professor do Dept de Cincia Poltica da Universidade Federal de Pernambuco, Doutor em Estatstica e Ps-Doutorando do Programa de Ps-Graduao em Cincia Poltica da Univ. Fed. de Minas Gerais. E-mail: [email protected] 5 Professor de Cincia Poltica da Universidade Federal de Gois e Doutorando em Cincia Poltica do Programa de Ps-Graduao em Cincia Poltica da Universidade Federal de Pernambuco. E-mai: [email protected] 6 Professor do Dept de Cincia Poltica da Universidade Federal de Minas Gerais, Doutor em Cincia Poltica pela Universidade Federal de Pernambuco. E-mail: [email protected]

  • Revista Eletrnica de Cincia Poltica, vol. 3, n. 1-2, 2012

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    Abstract: This paper presents ten procedures that help scholars to improve research design and/or final paper quality. On substantive grounds, our main purpose is to start a more systematic debate regarding the use of methods and research techniques in the Brazilian political science. We recommend the following: (1) explicitly state and justify the research question; (2) precisely describe both methods and techniques; (3) state parsimonious hypothesis; (4) construct falsiable causal inferences; (5) clearly delineate research designs shortcomings; (6) minimize language complexity; (7) adopt data sharing as a standard procedure; (8) avoid both junk graphs and incomplete tables; (9) submit the work to academic scrutiny before publishing it and (10) carefully choose how to publicize the research results. Keywords: research design; replication; methodology; Political Science.

    This lack of focus on research design in social science statistics is as surprising as it is disappointing, since some of the most historically important works in the more general field of statistics are devoted to problems of research design.

    King, Keohane e Verba

    Any scientific investigation, be it the social or natural sciences, must begin with some structure or plan. This structure defines the number and type of entities or variables to be studied and their relationship to one another.

    Paul Spector

    INTRODUO

    Em Replication, Replication, King (1995) argumenta que um componente

    essencial da atividade cientfica a replicabilidade dos resultados de pesquisa. Em

    How not to lie with statistics, King (2001) identifica uma srie de erros recorrentes

    na pesquisa emprica em Cincia Poltica. Em Publication, Publication, King (2006)

    apresenta algumas regras sobre como produzir um artigo publicvel7. Em comum, esses

    trabalhos oferecem diretrizes que contribuem para o avano do conhecimento

    cientfico. Esse artigo segue nessa direo e apresenta dez procedimentos que ajudam a

    elevar a qualidade dos desenhos e/ou produtos final de pesquisa. Mas por que um

    artigo sobre metodologia?

    O encontro da Associao Nacional de Ps-Graduao em Cincias Sociais

    (ANPOCS) de 2011 apresentou 38 Grupos de Trabalho. Em 2010 foram realizadas 37

    Sesses Temticas. O encontro da Associao Brasileira de Cincia Poltica (ABCP) de

    2010 apresentou 26 mesas redondas e dez reas temticas. Nenhum deles discutiu

    7 Gary King professor na Universidade de Harvard e diretor do Institute for Quantitative Social Science. Para mais informaes ver http://gking.harvard.edu/

  • FIGUEIREDO FILHO, Dalson Britto; PARANHOS, Ranulfo; ROCHA, Enivaldo Carvalho da; SILVA Jr, Jos Alexandre da; SANTOS, Manoel Leonardo Wanderley Duarte. Levando Gary King a srio: desenhos de pesquisa em cincia poltica.

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    mtodos ou tcnicas de pesquisa8. Para Marques (2007), a discusso sobre mtodo

    relativamente rara entre ns, visto que no temos tradio de pensar em nossas

    explicaes, nem tampouco nos modelos de anlise que so mobilizados por nossa

    produo cientfica (MARQUES, 2007, p. 141). Mais recentemente, em entrevista

    publicada no Boletim da Associao Brasileira de Cincia Poltica (ABCP) de

    fevereiro/maro de 2012, o professor Fernando Limongi (USP) afirmou que nossa

    formao metodolgica o calcanhar de Aquiles. Nossos alunos carecem de melhor

    formao nesta rea. Os departamentos no tm formao forte em metodologia.

    uma carncia que precisamos suprir.

    Para Soares (2005), existe uma hostilidade em relao aos mtodos

    quantitativos e Estatstica (SOARES, 2005). Os trabalhos de Vianna et al (1988),

    Valle e Silva (1999) e Santos e Coutinho (2000) tambm sugerem que: a utilizao de

    tcnicas bsicas de estatstica descritiva ainda bastante limitada nas Cincias Sociais

    no Brasil, independente do tipo de produo (artigos, dissertaes ou teses).

    Similarmente, a utilizao de tcnicas qualitativas no tem melhor sorte. Para Soares

    (2005), a ausncia de mtodos quantitativos no significa a presena de mtodos

    qualitativos. Regra geral, o padro o no mtodo. Em particular, a escassez de cursos

    de mtodos e tcnicas, sejam eles quantitativos e qualitativos, acaba prejudicando a

    formao dos profissionais na rea de Cincias Sociais, alm de reduzir a qualidade

    tcnica da produo acadmica. Um dos principais esforos para minorar esse

    problema foi materializado atravs do curso de Metodologia Quantitativa (MQ) em

    Cincias Humanas realizado anualmente pelos departamentos de Sociologia e Cincia

    Poltica da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). No plano internacional

    destaca-se a Escuela de Mtodos de Anlisis Sociopoltico (EMAS) organizado pela

    Universidade de Salamanca, o Summer Program in Quantitative Methods of Social

    Research (ICPSR), o Summer School in Methods and Techniques organizado pelo

    European Consortium for Political Research e a Essex Summer School in Social

    Sciences and Data Analysis. Entre 21 de janeiro a 08 de fevereiro de 2013 a

    International Political Science Association (IPSA) realizou um curso de vero na

    8 O II Frum de Ps-graduao em Cincia Poltica organizou uma Mesa Coordenada sobre metodologia. Foram inscritos apenas trs trabalhos. Pereira Neto e Bernabel (2011) apresentaram uma introduo aos modelos hierrquicos Bayesianos. Oliveira (2011) apresentou uma anlise dos artigos publicados nas revistas DADOS e RBCS e Figueiredo Filho et al (2011) apresentaram uma introduo ao p-valor. Em 2012, a ABCP incluiu no s um grupo de trabalho, mas tambm uma mesa redonda sobre metodologia.

  • Revista Eletrnica de Cincia Poltica, vol. 3, n. 1-2, 2012

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    Universidade de So Paulo (USP) - Concepts, Methods, and Techniques in Political

    Science.

    Acreditamos que a ausncia de mtodos quantitativos e qualitativos no um

    evento independente de outros erros comuns tanto na formulao do desenho de

    pesquisa quanto na elaborao de trabalhos cientficos em Cincia Poltica. Dessa

    forma, a principal contribuio desse trabalho sistematizar condutas desejveis sobre

    como produzir conhecimento cientfico.

    Dentro dessa perspectiva, esse trabalho apresenta dez procedimentos que

    ajudam o pesquisador a melhorar a qualidade do seu desenho e/ou produto final de

    pesquisa. Em termos metodolgicos, reproduzimos algumas das recomendaes

    elaboradas pela literatura. Alm disso, inclumos alguns dos componentes oriundos da

    experincia de ensino e pesquisa compartilhada pelos autores. Dividimos nossas

    recomendaes em dois grupos: (a) substantivas e (b) procedimentais. As sugestes

    substantivas so as seguintes: (1) explicitar e justificar a questo de pesquisa; (2)

    descrever os mtodos e as tcnicas; (3) simplificar a hiptese de trabalho; (4) produzir

    inferncias causais falsificveis; e (5) apresentar as limitaes do desenho de pesquisa.

    Por sua vez, sugerimos as seguintes recomendaes procedimentais: (6) minimizar a

    complexidade da linguagem; (7) compartilhar a base de dados; (8) evitar grficos

    nebulosos e tabelas poludas e incompletas; (9) ser criticado antes de publicar e (10)

    escolher adequadamente os meios de divulgao.

    Para executar o referido desenho de pesquisa, o artigo est subdividido em dez

    sees. Em cada uma enfatizamos um procedimento diferente que ajuda a melhorar a

    qualidade dos desenhos e/ou produto final de pesquisa.

    1. EXPLICITAR E JUSTIFICAR A QUESTO DE PESQUISA9

    A primeira regra para agregar qualidade a um artigo/desenho de pesquisa

    explicitar a questo de pesquisa. Por um motivo muito simples: quanto mais nebulosa

    for a pergunta, menor a chance do leitor se interessar em ler o trabalho. De forma

    mais sria, quando a questo de pesquisa nebulosa, fica difcil, inclusive, de avaliar

    em que medida os resultados observados respondem satisfatoriamente a indagao

    proposta pelo trabalho. Para Schmitter (2002), o pesquisador deve chamar a ateno

    do seu leitor/avaliador logo no incio e de forma irresistvel, com um problema de

    pesquisa. Isso importante porque, uma vez que ele perca o interesse no que voc se

    prope a fazer, ser muito difcil que volte atrs (SCHMITTER, 2002, p. 01). Para King,

    Keohane e Verba (1994),

    9 A nfase em explicitar claramente a questo de pesquisa um dos pontos enfatizados no Ronald Coase Workshop in Institutional Analysis. Ver: http://www.coase.org/

  • FIGUEIREDO FILHO, Dalson Britto; PARANHOS, Ranulfo; ROCHA, Enivaldo Carvalho da; SILVA Jr, Jos Alexandre da; SANTOS, Manoel Leonardo Wanderley Duarte. Levando Gary King a srio: desenhos de pesquisa em cincia poltica.

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    all research projects in the social sciences should satisfy two criteria. First, a research project should pose a question that is important in the real world (...) Second, a research project should make a specific contribution to an identifiable scholarly literature by increasing our collective ability to construct verified scientific explanations of some aspect of the world (KING, KEOHANE e VERBA, 1994, p. 15).

    O pesquisador deve ter em mente que o tempo do leitor um recurso escasso.

    Portanto, a questo de pesquisa no deve ser inferida nem deduzida, mas sim

    claramente explicitada. Para Spector (1981),

    any investigation requires several steps to complete. First, the investigator must formulate a researchable question. This question may be in the form of a hypothesis that certain relationship exist among variables, or it may be of an exploratory nature, essentially asking what is the relationship among variables. A research question may begin in a loosely formulated form, but must eventually be stated such that a testable hypothesis or model is generated. The more precise the question, the easier it will be to answer (SPECTOR, 1981, p. 19).

    Por exemplo, Amorim Neto e Santos (2006) indagam de incio: que fatores

    induzem o comportamento dos legisladores nos sistemas presidencialistas latino-

    americanos? (AMORIM NETO e SANTOS, 2003, p. 661). Ou seja, j no comeo o

    leitor identifica qual a questo de pesquisa, sendo mais fcil avaliar em que medida o

    trabalho cumpriu satisfatoriamente os seus objetivos. To importante quanto explicitar

    a questo de pesquisa apresentar a justificativa do trabalho. Para Schmitter (2002),

    desenvolva uma relao entre o seu tpico/tema com a literatura existente, explicando o que se sabe sobre ele, e como o seu trabalho pode vir a acrescentar algo a este campo, ou mesmo diferir do que nele j foi feito (...) Complete sua avaliao crtica sobre o que foi escrito (e o que no foi) acerca do tema. Uma declarao de qual a sua postura em relao a essa produo, juntamente com a viso que voc pretende lanar sobre o problema, tambm fundamental (SCHMITTER, 2002, p. 01).

    A justificativa do trabalho deve responder a seguinte questo: por que, sequer,

    deveramos nos importar com a sua pesquisa? O pesquisador deve deixar claro qual a

    importncia da questo de pesquisa para o desenvolvimento do conhecimento em uma

    determinada rea de investigao. No que diz respeito ao tamanho, o pesquisador deve

    exercitar sua capacidade de sntese. Se voc no consegue escrever sua introduo e

    justificativa de forma objetiva, no culpe a complexidade do objeto, nem mesmo

    argumente que preciso mais pginas para explicar o problema. O que pode ser dito

    em dez pginas, fica melhor se for dito em cinco.

  • Revista Eletrnica de Cincia Poltica, vol. 3, n. 1-2, 2012

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    Outra vantagem de escrever de forma sinttica respeitar os limites mnimos e

    mximos de caracteres que so adotados pela maior parte dos peridicos

    especializados. O mesmo pode ser dito em relao ao tamanho dos resumos submetidos

    a congressos. Dessa forma, quanto antes o pesquisador se acostumar a escrever dentro

    de limites especficos, tanto mais eficiente ser a sua atividade de pesquisa. Nossa

    primeira recomendao apresentar claramente a questo de pesquisa e a

    justificativa do trabalho.

    2. DESCREVER OS MTODOS E AS TCNICAS

    King, Keohane e Verba (1994) afirmam que the most important rule for all

    data collection is to report how the data were created and how we came to possess

    them (KING, KEOHANE e VERBA, 1994, p. 51). O leitor no deve ser tratado como

    detetive ou clarividente. Pelo contrrio, deve-se deixar claro todos os procedimentos

    metodolgicos. Para King, Keohane e Verba (1994), scholars should always record the

    exact methods, rules, and procedures used to gather information and draw inferences

    so that another researcher can do the same thing and draw the same conclusion

    (KING, KEOHANE e VERBA, 1994, p. 27). Uma pesquisa que no descreve exatamente

    como os dados foram coletados torna-se irreplicvel e, consequentemente, no

    falsificvel10.

    Alm de apresentar os mtodos e tcnicas, importante tambm descrever as

    variveis utilizadas. Deve-se comear pelo nvel de mensurao, apresentando a

    estatstica descritiva. Outro procedimento desejvel estabelecer uma discusso

    conceitual sobre a operacionalizao das variveis, contemplando a validade e a

    confiabilidade dos indicadores. Sempre que possvel, deve-se disponibilizar o endereo

    eletrnico no qual os dados podem ser acessados. Tambm importante reportar os

    softwares utilizados e transcrever os cdigos (sintax).

    Em sntese, o pesquisador deve maximizar as chances de replicabilidade do seu

    estudo. Para King, Keohane e Verba (1994), all data and analyses should, insofar as

    possible, be replicable. Replicability applies not only to the data, so that we can see

    whether our measures are reliable, but to the entire reasoning process used in

    producing conclusions (KING, KEOHANE e VERBA 1994, p. 26). Nossa segunda

    recomendao a descrever detalhadamente os mtodos e das tcnicas.

    10 Para Popper (1968) no importa se nossas hipteses de pesquisa foram extradas da teoria, da observao emprica, ou se simplesmente tropeamos nelas: em termos metodolgicos, o que realmente importa se elas so falsificveis. O falsificacionismo consiste em tentar repetidas vezes demonstrar, a partir da realidade, que uma determinada teoria falsa. Quanto mais a teoria resistir tentativa de ser falseada, tanto melhor ser a teoria.

  • FIGUEIREDO FILHO, Dalson Britto; PARANHOS, Ranulfo; ROCHA, Enivaldo Carvalho da; SILVA Jr, Jos Alexandre da; SANTOS, Manoel Leonardo Wanderley Duarte. Levando Gary King a srio: desenhos de pesquisa em cincia poltica.

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    3. SIMPLIFICAR A HIPTESE DE TRABALHO

    Muitos trabalhos no apresentam a hiptese de pesquisa de forma clara e/ou

    apresentam algo como se fosse hiptese, mas que na verdade se trata de algo

    indefinido. Hipteses mal formuladas limitam a credibilidade dos resultados de

    pesquisa, comprometendo o desenvolvimento do conhecimento cientfico.

    O primeiro passo para simplificar uma hiptese de trabalho entender

    primeiramente o que uma hiptese. Van Evera (1997) define hiptese como

    uma conjectura da relao esperada entre dois fenmenos. Assim como leis, hipteses podem ser de dois tipos: causais (A causa B) e no causais - A e B so causados por C; dessa forma A e B so correlacionados, mas nem A causa B nem B causa A (VAN EVERA, 1997, p. 09).

    Para Collier, Mahoney e Seawright (2004), uma hiptese uma conjectura a

    respeito de uma relao entre uma ou mais variveis independentes e uma varivel

    dependente (COLLIER, MAHONEY e SEAWRIGHT, 2004). Definimos hiptese como

    uma conjectura a respeito da relao entre uma varivel independente (VI) e uma

    varivel dependente (VD). Uma hiptese clara tem trs componentes bsicos: (1) uma

    relao esperada; (2) uma varivel independente e (3) uma varivel dependente. O

    Quadro 1 ilustra os estgios que devem ser seguidos para transformar uma hiptese

    geral em uma hiptese especfica.

    Quadro 1 - Simplificando a hiptese de trabalho Exemplo Estgio

    Existe uma relao entre desenvolvimento econmico e

    democratizao

    O pesquisador identificou as variveis (desenvolvimento econmico e nvel de democratizao), afirmando que existe uma relao entre elas. Dizer que X e Y esto relacionadas necessrio, mas no suficiente. A hiptese muito geral e pouco informativa.

    Existe uma correlao entre desenvolvimento econmico e

    democratizao

    Ao utilizar o termo correlao, o pesquisador tornou a hiptese ligeiramente mais especfica na medida em que antecipou o tipo de relao esperada. Esse procedimento necessrio, mas tambm no suficiente.

    Existe uma correlao positiva entre desenvolvimento econmico e

    democratizao

    O pesquisador agora definiu o tipo de relao (correlao) e a direo esperada (positiva). No entanto, um objetivo central da pesquisa cientfica fazer inferncias causais falsificveis. Logo, deve-se indicar a direo da causalidade esperada entre as variveis. Na ausncia de teoria sobre o assunto, essa formulao adequada.

    O desenvolvimento econmico exerce um efeito positivo sobre o nvel de

    democratizao

    O pesquisador identificou uma varivel independente (desenvolvimento econmico), uma varivel dependente (nvel de democratizao) e uma relao esperada entre elas (positiva). Ou seja, o pesquisador estabeleceu a direo da causalidade (desenvolvimento econmico aumenta democracia). Essa a formatao de hiptese mais adequada.

    Fonte: elaborao dos autores.

  • Revista Eletrnica de Cincia Poltica, vol. 3, n. 1-2, 2012

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    O prximo passo para simplificar a hiptese de trabalho a parcimnia. O

    pesquisador deve ser parcimonioso no s em termos substantivos, mas tambm do

    ponto de vista tcnico. A parcimnia substantiva diz respeito ao nmero de variveis e

    relaes esperadas que so includas em uma mesma hiptese. Por exemplo: a taxa de

    homicdios deve estar positivamente associada ao ndice de Desenvolvimento

    Humano (IDH), negativamente correlacionada com o nmero de policiais per capita,

    positivamente associada ao nvel de desemprego e estatisticamente independente da

    quantidade de condenaes. O referido enunciado pode ser considerado uma hiptese

    de acordo com a definio proposta por Collier, Mahoney e Seawright (2004). No

    entanto, essa hiptese apresenta uma varivel dependente (taxa de homicdios), quatro

    variveis independentes (IDH, nmero de policiais per capita, desemprego e nmero

    de condenaes) e quatro relaes esperadas (+, - , + , 0). De acordo com o nosso

    modelo, essa formulao viola o pressuposto da parcimnia. Do ponto de vista do

    leitor, quanto mais relaes so includas em uma mesma hiptese, mais complicado

    para entender os propsitos do trabalho.

    Para garantir uma hiptese parcimoniosa necessrio que o prprio

    artigo/desenho de pesquisa tenha um foco especfico. Para Weingast (1995),

    a good test of whether youre sufficiently focused on one main point is to see whether you can summarize the papers main argument in one paragraph. If you fail, you are probably not ready to write a cogent paper. If you succeed, you are not only ready to write the paper, but youve finished a first draft of your abstract (WEINGAST, 1995, p. 02).

    A parcimnia tcnica refere-se operacionalizao. A hiptese deve ser escrita

    na voz ativa e no deve ultrapassar trs linhas. O quadro abaixo apresenta a mesma

    hiptese escrita de formas diferentes.

    Quadro 2 - Diferentes hipteses, mesma ideia Hiptese no parcimoniosa Hiptese parcimoniosa

    Em um mundo cada vez mais globalizado e interdependente, a estabilidade poltica dos pases influenciada negativamente pelo tipo de regime adotado em que regimes presidencialistas so mais instveis do que regimes parlamentaristas.

    Regimes presidencialistas exercem um efeito negativo sobre a estabilidade poltica

    Fonte: elaborao dos autores.

    A hiptese no parcimoniosa apresenta elementos desnecessrios. No existe

    ganho analtico na frase - em um mundo cada vez mais globalizado e interdependente.

    Alm disso, a voz passiva dificulta a compreenso do fenmeno de interesse. Na

  • FIGUEIREDO FILHO, Dalson Britto; PARANHOS, Ranulfo; ROCHA, Enivaldo Carvalho da; SILVA Jr, Jos Alexandre da; SANTOS, Manoel Leonardo Wanderley Duarte. Levando Gary King a srio: desenhos de pesquisa em cincia poltica.

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    hiptese parcimoniosa mais fcil identificar a relao esperada entre as variveis, pois

    fica evidente a direo da causalidade.

    Considere a seguinte afirmao: os deputados votam de acordo com a

    indicao dos lderes partidrios, pois almejam receber benefcios oriundos das

    prerrogativas dos lderes ao mesmo tempo em que temem sofrer represlias. A

    varivel dependente o voto do deputado. A varivel independente a indicao do

    lder. O restante - pois almejam receber benefcios oriundos das prerrogativas dos

    lderes ao mesmo tempo em que temem sofrer represlias - a explicao do

    fenmeno ou o mecanismo causal11. No entanto, o leitor pode ser levado a acreditar que

    benefcios e represlias so as variveis independentes. O pesquisador no deve

    misturar hiptese e explicao em uma mesma orao. Dizer fumar causa cncer

    (hiptese) diferente de descrever os mecanismos causais que explicam a relao entre

    a quantidade de nicotina e o surgimento de tumores (explicao ou mecanismo causal).

    Da mesma forma, no se deve misturar a hiptese e a justificativa na mesma frase.

    Aps revisar diferentes peridicos em Cincias Sociais, alm da experincia docente

    compartilhada, identificamos alguns erros tpicos na formulao das hipteses de

    trabalho.

    Hiptese sem varivel independente (VI): Recife uma cidade violenta

    Ainda que a violncia possa ser estimada de diferentes formas (taxa de

    homicdios por 100 mil, nmero de furtos, etc.), o pesquisador no identificou

    nenhuma varivel independente. O que explica a violncia? No existe nenhuma

    informao no enunciado acima que auxilie o leitor a entender que fatores explicam a

    varivel dependente.

    Hiptese sem varivel dependente (VD): As variveis socioeconmicas so

    importantes para explicar diferentes aspectos da realidade social.

    A afirmao acima tem um problema fundacional: ausncia de uma varivel

    dependente bem definida. Diferentes aspectos da realidade social uma categoria

    excessivamente geral e que pode ser operacionalizada de formas distintas. Uma

    11 A formatao mais adequada dessa hiptese seria a seguinte: existe uma correlao positiva entre o voto do lder e o voto do deputado (na ausncia de teoria sobre o assunto) ou o voto do lder exerce um efeito positivo sobre o voto do deputado (utilizando a teoria disponvel sobre o assunto, no caso, Figueiredo e Limongi, 1999).

  • Revista Eletrnica de Cincia Poltica, vol. 3, n. 1-2, 2012

    95

    hiptese sem varivel dependente um indicativo de que o pesquisador no definiu

    acuradamente qual o seu problema de pesquisa.

    Hiptese sem varivel (VI e VD): Os determinantes econmicos so dominantes

    para compreender os diferentes aspectos da realidade social.

    Metodologicamente, no faz sentido falar que uma varivel dominante j que o

    pesquisador deveria identificar as variveis que so dominadas. Se o pesquisador

    considera que os determinantes econmicos so mais importantes do que outras

    variveis, ele deve formular a sentena exprimindo esse sentimento (ex. entre as

    diferentes variveis explicativas - cultura, gnero, idade, etc. os determinantes

    econmicos so as variveis mais importantes para compreender diferentes aspectos da

    realidade social).

    Segundo, no possvel testar uma hiptese que se prope a compreender

    fenmenos. Hipteses devem estabelecer relaes entre variveis e/ou diferenas entre

    grupos. A interpretao/compreenso um processo exgeno e complementar

    formulao e teste de hipteses. Ao testar a hiptese de que, em condies normais de

    temperatura e presso (CNTP), a gua entra em ebulio a 100 oC, nada pode ser dito

    em relao aos mecanismos causais que explicam esse fenmeno. A

    compreenso/interpretao um processo posterior ao teste de hiptese em que o

    pesquisador interpreta substantivamente os resultados de pesquisa, identificando o

    mecanismo causal responsvel pelos resultados observados.

    Hiptese indeterminada: O aumento e a reduo da violncia esto relacionados

    com fatores socioeconmicos.

    Quando uma varivel independente (fatores socioeconmicos), ao mesmo

    tempo, exerce um efeito positivo e um impacto negativo sobre uma determinada

    varivel dependente, tem-se uma hiptese indeterminada. Afinal, fatores

    socioeconmicos aumentam ou diminuem a violncia? O pesquisador deve evitar a

    elaborao de hipteses indeterminadas j que elas so, por definio, no testveis.

    Hiptese sem uma direo esperada entre VI e VD: Existe uma relao entre

    desigualdade social e violncia.

    Dificilmente o pesquisador vai encontrar variveis ortogonais, ou seja, que so

    absolutamente independentes. Ao afirmar que existe relao entre X e Y, o pesquisador

    minimiza as chances de estar errado. Isso porque uma relao de qualquer magnitude

    (fraca, mdia ou forte) e em qualquer direo (positiva ou negativa) corrobora seu

    argumento. Quo informativo um desenho de pesquisa/artigo que se prope a

  • FIGUEIREDO FILHO, Dalson Britto; PARANHOS, Ranulfo; ROCHA, Enivaldo Carvalho da; SILVA Jr, Jos Alexandre da; SANTOS, Manoel Leonardo Wanderley Duarte. Levando Gary King a srio: desenhos de pesquisa em cincia poltica.

    96

    responder uma questo de pesquisa dessa natureza? O pesquisador deve sempre

    estabelecer a direo teoricamente esperada entre as variveis independente e

    dependente. Na ausncia de teoria disponvel sobre o assunto, o pesquisador tem mais

    liberdade para adotar uma perspectiva exploratria.

    Nossa terceira recomendao simplificar a hiptese de trabalho.

    4. PRODUZIR INFERNCIAS CAUSAIS FALSIFICVEIS

    Partindo do pressuposto de que o principal objetivo da cincia explicar a

    realidade, sempre que houver teoria disponvel, o desenho de pesquisa deve ser

    formatado no sentido produzir inferncias causais falsificveis. Inferncia no sentido de

    utilizar fatos/informaes disponveis para concluir a respeito de fatos/informaes

    indisponveis (KING, KEOHANE e VERBA, 1994). Causais no sentido de estabelecer

    uma relao de causa e efeito entre variveis de tal sorte que a ocorrncia de x aumente

    ou reduza a probabilidade de ocorrncia de y (GERRING, 2001; 2005). E falsificveis

    no sentido de que a qualquer momento a inferncia causal pode ser demonstrada falsa

    por outro desenho de pesquisa concorrente (POPPER, 1944). Em suma, a hiptese de

    trabalho deve estabelecer uma relao causal falsificvel entre uma ou mais variveis

    independentes e uma varivel dependente. Mas o que relao causal afinal?

    Causalidade um dos conceitos mais controversos da Filosofia e da Cincia.

    Para Chen e Popovic (2002), especialistas de vrias disciplinas no chegaram (e

    provavelmente nunca chegaro) a um consenso a respeito da definio de causalidade

    (CHEN e POPOVIC, 2002). Para King, Keohane e Verba (1994),

    the causal effect is the difference between the systematic component of observations made when the explanatory variables takes one value and the systematic component of comparable observations when the explanatory variable takes on another value (KING, KEOHANE e VERBA, 1994, p. 81)12.

    A definio proposta por King, Keohane e Verba (1994) pode ser consideradas

    como uma variao do conceito de causalidade estabelecido por Rubin (1974):

    let y (E) be the value of Y measured at t2 on the unit, given the unit received the experimental treatment E initiated at t1; let y (C) be the value of Y measured at t2 on the unit given that the unit received the control treatment C initiated at t1; then y (E) y (C) is the causal effect

    12 Em outro momento os autores afirmam que causal inference thus becomes a process whereby each conclusion becomes the occasion for further research to refine and test it. Through successive approximations we try to come closer and closer to accurate causal inference (KING, KEOHANE e VERBA, 1994, p. 33).

  • Revista Eletrnica de Cincia Poltica, vol. 3, n. 1-2, 2012

    97

    of the E versus C treatment on Y for that trial, that is, for that particular unit and the times t1, t2 (RUBIN, 1974, p. 689).

    Definimos causalidade como a diferena entre os valores assumidos pela

    varivel dependente a partir da variao da varivel independente, de modo que a

    ocorrncia de x influencia a probabilidade da ocorrncia de y.

    O prximo passo determinar os critrios que o pesquisador pode utilizar para

    identificar uma relao causal. Pearl (2000) identifica trs pressupostos: (1) associao

    entre as variveis (correlao); (2) precedncia temporal e (3) no-espuriosidade da

    relao. A Figura 1 ilustra esses pressupostos.

    Figura 1 - Pressupostos da causalidade

    Fonte: Pearl (2000).

    O primeiro pressuposto, correlao entre as variveis, sugere que a ocorrncia

    de y no independente da ocorrncia de x. Duas variveis so independentes quando

    a distribuio condicional de y no varia de acordo com a distribuio de x. Em termos

    tcnicos, considera-se que x e y so estatisticamente independentes quando no existe

    associao entre a distribuio de suas respectivas frequncias ou varincias. Logo, o

    primeiro pressuposto para identificar a presena de uma relao causal a existncia

    de correlao entre x e y (r 0).

    O segundo pressuposto, precedncia temporal, intuitivo j que o que

    aconteceu depois no pode causar o que aconteceu antes. Para considerar x como causa

    de y necessrio que x ocorra antes de y. Por exemplo, um indivduo alvejado (x) e

    depois vem a falecer (y). Infere-se que a morte do indivduo (y) explicada pelo evento

    anterior (x), sendo impossvel observar a ocorrncia de y antes da ocorrncia de x.

    Dessa forma, a segunda condio para identificar uma relao causal a assimetria

    temporal entre x e y.

    O terceiro pressuposto, no-espuriosidade da relao, exige que para se

    considerar x como causa de y deve-se eliminar causas concorrentes, z. Nas palavras de

    Kenny (2004), for an relationship between X and Y to be nonspurious, there must not

  • FIGUEIREDO FILHO, Dalson Britto; PARANHOS, Ranulfo; ROCHA, Enivaldo Carvalho da; SILVA Jr, Jos Alexandre da; SANTOS, Manoel Leonardo Wanderley Duarte. Levando Gary King a srio: desenhos de pesquisa em cincia poltica.

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    be a Z that causes both X and Y such that the relationship between X and Y vanishes

    once Z is controlled (KENNY, 2004, p. 3/4). Suponha que um indivduo alvejado (x),

    mas tambm envenenado (z) e depois vem a bito. Para que x possa ser considerado

    causa necessrio que o seu efeito seja observado, independente da presena de z.

    Gerring (2001) sugere critrios bastante semelhantes, mas adiciona um elemento. O

    quadro abaixo sumariza essas informaes.

    Quadro 3 - Relao causal (critrios adicionais)

    Critrio Definio

    Diferenciao (exogeneidade)

    Para que x possa ser considerado causa de y, necessrio diferenciar x de y. Ou seja, a causa deve se diferenciar lgica e empiricamente da consequncia a ser explicada.

    Antecedncia temporal (priority)

    Para que x possa ser considerado causa de y, a ocorrncia temporal de x deve preceder a ocorrncia temporal de y (x deve ocorrer antes de y).

    Independncia (exogeneidade, assimetria, recursividade)

    Para que x possa ser considerado causa de y, a ocorrncia de x deve ser independente da ocorrncia de y (y no pode influenciar a probabilidade da ocorrncia de x).

    Contingncia Para que x possa ser considerado causa de y, x no pode ser contingente de z (deve-se excluir causas concorrentes).

    Fonte: elaborao dos autores.

    O critrio de diferenciao entre x e y parece ser evidente, ou seja, para que x

    possa ser considerado causa de y deve existir uma distino lgica e emprica entre

    ambos. O segundo critrio elencado por Gerring (2001) equivale ao pressuposto 2

    identificado por Pearl (2000): x deve ocorrer antes de y. O terceiro pressuposto diz

    respeito independncia de x em relao a y. A ocorrncia de y no pode influenciar a

    ocorrncia de x.

    O quarto critrio diz respeito contingncia da relao entre x e y, equivalendo

    ao pressuposto 3 elencado por Pearl (2000). Depois de definir o conceito e os critrios

    de identificao de uma relao causal, o prximo passo identificar os tipos de

    causalidade. A figura abaixo ilustra essas informaes.

  • Revista Eletrnica de Cincia Poltica, vol. 3, n. 1-2, 2012

    99

    Figura 2 - Tipos de causalidade

    Fonte: elaborao dos autores.

    Em geral, hipteses so formuladas no sentido de identificar relaes causais

    diretas. O objetivo estimar em que medida uma varivel independente (x) pode ser

    utilizada para explicar a variao de y (varivel dependente). No caso da causalidade

    indireta, o pesquisador deve examinar se x pode ser considerada uma causa

    independente de y, ou se no est condicionada a uma terceira varivel, z. Imagine a

    relao entre cncer (y), venda de cigarros (z) e gasto com propaganda tabagista (x).

    Espera-se que quanto mais cigarros vendidos, maior seja a incidncia do cncer. No

    entanto, no possvel estabelecer diretamente uma relao entre gasto com

    propaganda e incidncia do cncer, a cadeia causal apenas pode ser reconstruda com a

    incluso da venda de cigarros (z). Logo, z exerce um efeito direito sobre y enquanto x

    exerce um efeito indireto.

    Na causalidade moderada, h o chamado efeito interativo, isto , z exerce um

    impacto sobre o efeito de x sobre y. Dito de outra forma, o efeito de x sobre y depende

    do nvel de z13. Por exemplo, suponha que o pesquisador est interessado em investigar

    o efeito da escolaridade (x) sobre a renda (y). Ao comparar homens e mulheres, o

    13 Considere o seguinte modelo, Y = + 1X1 + 2X2 + O pressuposto da aditividade assume que o efeito de X sobre Y, (), independe do valor de X. No entanto, dada a complexidade dos fenmenos sociais, razovel assumir no aditividade ou interao entre as variveis. No modelo com interao, Y = + 1X1 + 2X2 + 3X1 X2 + o termo interativo (XX) captura o efeito condicional das variveis independentes. Nesse modelo, representa o efeito de X sobre Y quando X=0. Similarmente, representa o efeito de X sobre Y quando X=0. Para um trabalho clssico sobre termos interativos ver Friedrich (1982). Para uma aplicao bastante didtica ver Jaccardi, Turrisi e Wan (1990) e Brambor, Clark e Golder (2006).

  • FIGUEIREDO FILHO, Dalson Britto; PARANHOS, Ranulfo; ROCHA, Enivaldo Carvalho da; SILVA Jr, Jos Alexandre da; SANTOS, Manoel Leonardo Wanderley Duarte. Levando Gary King a srio: desenhos de pesquisa em cincia poltica.

    100

    pressuposto que o efeito da escolaridade constante para ambos os grupos. No

    entanto, o pesquisador, teoricamente orientado, sabe que existe preconceito de gnero

    e que as mulheres mesmo com mais escolaridade auferem renda menor. Para captar

    esse fenmeno, ele deve inserir um termo interativo entre as variveis independentes

    (escolaridade e sexo) na equao de regresso.

    Existem ainda as relaes causais esprias e relaes causais recprocas. Nas

    esprias, por terem a mesma causa (z), x e y sero correlacionados, mas como o

    pesquisador no controlou por z, ele chega concluso equivocada de que x causa de

    y. Considere a relao entre golfar (x) e engordar (y). Isso porque existe a crena de que

    beb que golfa muito, ganha peso mais rpido. No entanto, a correlao observada

    entre golfar (x) e engordar (y) pode ser explicada na medida em que elas tm a mesma

    causa: gulodice (z). Ao se controlar pelo efeito da gulodice, a correlao entre as

    variveis desaparece, ou seja, a relao era espria14.

    Na causalidade recproca, x influencia y, mas y tambm influencia x, no sendo

    possvel estimar com preciso o efeito de uma varivel sobre a outra. A modelagem

    estatstica desenvolveu algumas tcnicas para lidar com os problemas de

    endogeneidade. As mais usualmente empregadas so a utilizao de variveis

    instrumentais e a aplicao de modelos de equaes estruturais15.

    Uma das ferramentas para estabelecer relaes causais utilizando dados

    observacionais so os modelos de regresso16. Esses modelos permitem estimar o grau

    de associao entre y, varivel dependente e xi, conjunto de variveis independentes. O

    objetivo resumir a correlao entre xi e y em termos da direo (positiva ou negativa)

    e magnitude. Mais especificamente, possvel utilizar as variveis independentes para

    predizer os valores da varivel dependente e identificar a contribuio de cada varivel

    14 Esse exemplo tem sido tradicionalmente utilizado pelo professor Jorge Alexandre no curso intensivo de Metodologia Quantitativa (MQ) em Cincias Sociais da UFMG. De acordo com o Houaiss, o termo gulodice proveniente da alterao da palavra gulosice e remonta ao sculo XV. No nordeste brasileiro a palavra gulodice usualmente utilizada para designar pessoas que comem de forma excessiva. 15 Enquanto a utilizao de variveis instrumentais tem sido bastante empregada na Economia, os modelos de equaes estruturais foram bastante utilizados na Sociologia nas dcadas de 1970 e 1980. Para uma introduo as variveis instrumentais em Cincia Poltica ver Sovey e Green (2009). Sobre equaes estruturais ver Kline (1998) e Bollen (1989, 1993, 2006). 16 A maior parte dos estudos empricos em Cincias Sociais realiza inferncias utilizando dados observacionais. Recentemente, a utilizao de experimentos e quasi-experimentos vem se difundido na Cincia Poltica. Para os leitores interessados ver Campbell e Stanley (1966), Dean e Voss (1999), Montgomery (2001), Shadish, Cook e Campbell (2002) e Horiuchi, Kosuke e Naoko (2007).

  • Revista Eletrnica de Cincia Poltica, vol. 3, n. 1-2, 2012

    101

    independente sobre a capacidade preditiva do modelo como um todo17. Todavia, no

    existe nenhuma tcnica estatstica capaz de detectar, sozinha, causalidade entre

    variveis. nesse sentido que a preocupao com a causalidade deve ser um

    componente central dos desenhos de pesquisa.

    King, Keohane e Verba (1994) afirmam que

    a major purpose of this book is to show that the differences between the quantitative and qualitative traditions are only stylistic and are methodologically and substantively unimportant. All good research can be understood to derive from the same underlying logic of inference. Both quantitative and qualitative research can be systematic and scientific (KING, KEOHANE e VERBA, 1994, p. 4-5).

    Aps dez anos da publicao de DSI, Brady e Collier (2004), em Rethinking

    Social Inquiry, afirmam que DSI goes too far in advocating the perspective of

    mainstream quantitative methods as a foundation for research design and qualitative

    inquiry. We are convinced that this perspective provides an excessively narrow

    understanding of the research process (BRADY, COLLIER e SEAWRIGHT, 2004, p.

    6/7).

    Dentro desse esprito, defendemos que dos dez procedimentos elencados nesse

    trabalho, apenas o 6 Produzir inferncias causais falsificveis no

    necessariamente aplicvel a desenhos de pesquisa qualitativos. Muitas vezes esses

    trabalhos no procuram estabelecer relaes causais, mas sim compreender e/ou

    descrever fenmenos. Os demais procedimentos so igualmente aplicveis a desenhos

    de pesquisa quantitativos e qualitativos no s em Cincia Poltica, mas em qualquer

    rea do conhecimento cientfico. O quadro abaixo ilustra essa ponderao.

    Quadro 4 Procedimento por tipo de desenho de pesquisa

    Procedimento Quantitativo Qualitativo

    1. Explicitar a questo de pesquisa X X

    2. Descrever os mtodos e as tcnicas X X

    3. Simplificar a hiptese de trabalho X X

    4. Produzir inferncias causais falsificveis X X

    5. Apresentar as limitaes do desenho de pesquisa

    X X

    6. Minimizar a complexidade da linguagem X __

    7. Compartilhar a base de dados X X

    17 Para uma introduo intuitiva ao modelo de regresso de mnimos quadrados ordinrios ver Figueiredo Filho et al (2011).

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    8. Evitar grficos nebulosos e tabelas poludas e incompletas

    X X

    9. Ser criticado antes de publicar X X

    10. Escolher adequadamente os meios de divulgao

    X X

    Fonte: elaborao dos autores.

    A explicitao da questo de pesquisa um procedimento claramente desejvel

    para qualquer rea, na medida em que facilita a compreenso dos propsitos do

    trabalho. Se no possvel identificar objetivamente a questo de pesquisa, deve ser

    igualmente complicado avaliar a metodologia, resultados e concluses. Por sua vez, a

    simplicidade da linguagem (procedimento 6) desejvel na medida em que constitui o

    elo da comunicao entre emissor e receptor. Quanto mais confusa a linguagem, maior

    a chance de incompreenso da mensagem que o emissor deseja comunicar. O

    compartilhamento de bases de dados uma condio essencial para garantir a

    replicabilidade dos trabalhos. Trabalhos empricos que no disponibilizam seus dados

    publicamente so mais difceis de serem contraditos, pois reduzem a chance de outros

    pesquisadores colocarem suas concluses em cheque. A incerteza um componente

    essencial do conhecimento cientfico e quanto mais evidncia for produzida em favor de

    um determinado argumento, menor a incerteza associada a ele. Todavia, para que os

    pesquisadores possam sempre duvidar de seus achados, necessrio estabelecer

    padres rigorosos de compartilhamento de dados. A no observao desse

    procedimento favorece que evidncias sejam criadas por argumentos de autoridade

    e/ou at mesmo prestgio acumulado em uma determinada rea do conhecimento.

    Nossa quarta recomendao que o desenho de pesquisa deve ser formatado no

    sentido produzir inferncias causais falsificveis.

    5. APRESENTAR AS LIMITAES DO DESENHO DE PESQUISA

    A cincia uma atividade, ao mesmo tempo, cooperativa e competitiva.

    Cooperativa na medida em que o trabalho de um determinado pesquisador se beneficia

    direta e/ou indiretamente de trabalhos previamente realizados. A cooperao entre

    pesquisadores e instituies facilita que novos trabalhos sejam realizados,

    possibilitando aprendizado institucional e humano. Competitiva na medida em que

    pesquisadores competem por recursos, publicaes, espao em congressos,

    reconhecimento em suas respectivas reas de interesse, etc. No entanto, para que a

    cooperao e a competio influenciem positivamente a qualidade da produo

  • Revista Eletrnica de Cincia Poltica, vol. 3, n. 1-2, 2012

    103

    cientfica, imprescindvel que o pesquisador sempre apresente as limitaes do seu

    desenho de pesquisa. As limitaes devem ser listadas de forma explcita e

    pormenorizadas para que a comunidade acadmica possa avaliar a confiabilidade dos

    resultados apresentados. Por exemplo, um pesquisador analisa o efeito de x sobre y.

    Todavia, o nmero de casos ausentes ultrapassa 50% das observaes. Ele no pode

    omitir essa informao e deve ponderar como esse problema limita a consistncia dos

    resultados. Um pesquisador interessado em compreender a percepo de mulheres que

    sofreram agresso sexual deve reportar o percentual de pessoas que se recusaram a

    responder. Um pesquisador que utiliza a forma funcional de mnimos quadrados

    ordinrios para modelar a varivel dependente limitada (zero a 10) deve optar por

    outros modelos (Tobit, por exemplo) e comparar a consistncia das estimativas. Um

    pesquisador que utiliza dados agregados para realizar inferncias para o nvel

    individual deve deixar claro as limitaes das inferncias produzidas (falcia ecolgica).

    Um pesquisador que utiliza um questionrio para mensurar ideologia deve reportar os

    problemas de mensurao, campo e anexar o instrumento ao paper final. Nas palavras

    de King (2006),

    do not try to hide weaknesses in your paper. If you know of a problem with your analysis that you have not solved, clearly delineate the problem. If you think the problem is not that bad, explain why, but do so honestly. If you have an idea of how to solve it, but havent done so, offer it as a suggestion for future researchers. If you dont know how to solve it, suggest that future researchers try to tackle it (KING, 2006, p. 122).

    A ocultao sistemtica das limitaes do desenho de pesquisa compromete o

    desenvolvimento do conhecimento cientfico. Acreditamos que a incorporao de

    padres na formatao dos artigos em Cincia Poltica um procedimento desejvel e

    facilitaria a apresentao das limitaes enfrentadas pelos pesquisadores. Nas Cincias

    da Sade, por exemplo, o padro IMRAD (introduction, methods, results and

    discussion) foi institucionalizado desde 1940, chegando a 80% dos artigos em 1970 e,

    em 1980, era o nico padro observado em artigos originais (SOLLACI e PEREIRA,

    2004)18. Esse padro j foi adotado por alguns peridicos internacionais (por exemplo,

    American Political Science Review) e facilita a compreenso e avaliao crtica dos

    resultados. Em particular, a relevncia de apresentar as limitaes do desenho de

    pesquisa ainda maior durante congressos e workshops acadmicos. Nesses eventos,

    quanto mais transparncia, maior a chance do pesquisador melhorar o seu desenho

    de pesquisa e, consequentemente, ofertar um produto de maior qualidade

    comunidade cientfica. Infelizmente, no Brasil, a crtica acadmica ainda confundida

    18 Sollaci e Pereira (2004) analisaram quarto diferentes peridicos (British Medical Journal, JAMA, The Lancet e The New England Journal of Medicine) no perodo entre 1935 e 1985.

  • FIGUEIREDO FILHO, Dalson Britto; PARANHOS, Ranulfo; ROCHA, Enivaldo Carvalho da; SILVA Jr, Jos Alexandre da; SANTOS, Manoel Leonardo Wanderley Duarte. Levando Gary King a srio: desenhos de pesquisa em cincia poltica.

    104

    com ataques pessoais. Criticar o trabalho de um colega em um congresso sinnimo de

    censura subjetiva. Temos que abandonar esse modelo e aderir ao profissionalismo

    cientfico em que a crtica sistemtica e construtiva a alma do negcio.

    6. MINIMIZAR A COMPLEXIDADE DA LINGUAGEM

    Atribui-se a Rui Barbosa a seguinte passagem:

    , nobre etope de estatura avantajada! Quanto queres de remunerao pecuniria para trasladar meu indelvel corpo deste plo a aquele hemisfrio? Peo-te que uses de magnanimidade ao fazer o cmputo da remunerao monetria a que tens direito, porque apesar da sisudez de minha indumentria estou longe de ser um nababo ou potentado, e no disponho de lastro fiducirio para fazer frente a um dbito de maiores propores19

    O referido jurista queria saber o preo do servio do transporte. No se deve

    confundir profundidade analtica com complexidade lingustica. Artigos em Cincia

    Poltica devem se afastar do ideal Hegeliano. No prefcio Fenomenologia do Esprito,

    o filsofo assim se pronuncia:

    O boto desaparece no desabrochar da flor, e poderia dizer-se que a flor o refuta; do mesmo modo que o fruto faz a flor parecer um falso ser-a da planta, pondo-se como sua verdade em lugar da flor: essas formas no s se distinguem, mas tambm se repelem como incompatveis entre si. Porm, ao mesmo tempo, sua natureza fluida faz delas momentos da unidade orgnica, na qual, longe de se contradizerem, todos so igualmente necessrios. E essa igual necessidade que constitui unicamente a vida do todo. Mas a contradio de um sistema filosfico no costuma conceber-se desse modo; alm disso, a conscincia que apreende essa contradio no sabe geralmente libert-la - ou mant-la livre - de sua unilateralidade; nem sabe reconhecer no que aparece sob a forma de luta e contradio contra si mesmo, momentos mutuamente necessrios (HEGEL, 1988, p. 22).

    Para McCloskey (1999), no escreva para ser compreendido, mas para evitar a

    incompreenso. Similarmente, Jim Alt afirma que o pesquisador deve escrever de

    forma clara e com convico. A complexidade da linguagem dificulta a vida do leitor,

    limitando a sua capacidade de avaliar as concluses de um determinado trabalho.

    Sugerimos seguir o conselho de Paul Zak: a linguagem deve ser to simples de modo

    que a me do pesquisador possa compreender. Para King, Keohane e Verba (1994), the

    vaguer our language, the less chance we will be wrong but the less chance our work

    19 Ver http://www.pluralpluriel.org/index.php?option=com_content&view=article&id=311&Itemid=82

  • Revista Eletrnica de Cincia Poltica, vol. 3, n. 1-2, 2012

    105

    will be at all useful. It is better to be wrong than vague (KING, KEOHANE e VERBA,

    1994, p. 112). A utilizao de metforas e analogias aumentam a ambiguidade do texto e

    por isso devem ser evitadas.

    Termos como no se pode olvidar, hodiernamente, ilaes, cratolgico,

    abalizar, entre outros, tambm devem ser evitados20. Qual o sentido de publicar um

    artigo com uma linguagem to burilada que apenas egrgias mentes so capazes de

    proceder a sua exegese? Exatamente, nenhum.

    Cada rea do conhecimento tem um vocabulrio especfico. importante que o

    pesquisador se familiarize e utilize os termos comumente empregados em sua rea de

    interesse. Por exemplo, no escreva construo institucional, empregue desenho

    institucional. No use introito, prefira introduo.

    Na ausncia de tradues amplamente compartilhadas, o pesquisador deve

    preservar o vocbulo original. No escreva accountabilidade, mantenha o termo

    accountability. Alm disso, deve-se ter cuidado com os falsos cognatos. No traduza

    policies como aplice. Na dvida, deve-se procurar ajuda de outros pesquisadores.

    Adjetivos tambm devem ser evitados. No escreva o inesquecvel Barry Ames, nem o

    imbatvel Scott Mainwaring. Artigos em Cincia Poltica se limitam a informar autor

    (ano). Tecnicamente, frases entre vrgulas e sujeitos ocultos, alm da utilizao de

    mesclises produzem ambiguidade, devendo ser evitadas. Por exemplo, prefervel

    escrever esse trabalho estima o efeito da agenda poltica dos governadores sobre o

    comportamento dos deputados em plenrio do que afirmar que nesse trabalho,

    estimar-se-, como e em que medida, o comportamento dos deputados em plenrio

    influenciado pela agenda poltica dos governadores.

    Evite tambm a utilizao da voz passiva. Por exemplo, no escreva que nesse

    trabalho foi utilizada a metodologia de estudo de caso para analisar como a

    estabilidade econmica influenciada pelo regime poltico, opte por esse trabalho

    utiliza a metodologia de estudo de caso para analisar como o regime poltico

    influencia a estabilidade econmica. Portanto, nossa sexta recomendao minimizar

    a complexidade da linguagem.

    7. COMPARTILHAR AS BASES DE DADOS

    De acordo com Gleditsch, Metelits e Strand (2003), autores que disponibilizam

    seus dados so duas vezes mais citados do que aqueles que no o fazem. Tem-se aqui o

    20 Esse ponto foi enfatizado pelo professor Marcus Melo (UFPE) durante a disciplina Tpicos Especiais de Cincia Poltica.

  • FIGUEIREDO FILHO, Dalson Britto; PARANHOS, Ranulfo; ROCHA, Enivaldo Carvalho da; SILVA Jr, Jos Alexandre da; SANTOS, Manoel Leonardo Wanderley Duarte. Levando Gary King a srio: desenhos de pesquisa em cincia poltica.

    106

    primeiro incentivo para compartilhar bases de dados. Uma segunda vantagem do

    compartilhamento de bases de dados a replicabilidade (replication), ou seja, o

    processo pelo qual novas anlises podem ser realizadas a partir de um banco de dados

    j existente com o objetivo de aprimorar os resultados de pesquisa. A replicao

    permite que outros pesquisadores melhorem nossas anlises, demonstrando inclusive

    que nossos resultados estavam errados. Por exemplo, Dewald, Thursby e Anderson

    (1986) replicaram os resultados de diferentes artigos e constataram que erros

    sistemticos so frequentes. Resultados de pesquisa de especialistas que compartilham

    bases de dados so mais facilmente replicveis e, portanto, mais facilmente

    falsificveis.

    Para o pesquisador comprometido com o desenvolvimento do conhecimento

    cientfico, quanto mais falsificveis forem seus resultados, tanto melhor. Quo frutfero

    seria para o desenvolvimento da Cincia Poltica brasileira se ao acessar um artigo

    qualquer do Scielo, o estudante/pesquisador pudesse ter acesso aos dados utilizados?

    Em 2009, a Corte de Apelao (Court of Appeals) norte-americana confirmou a deciso

    do Corte Distrital, indeferindo um pedido de ao de difamao de Lott contra Levitt. O

    nome de Lott foi citado no livro Freaknomics como exemplo de trabalho no replicvel.

    Lott argumentou que no contexto citado ele estaria sendo acusado de desonestidade

    acadmica21. Em 2011, veio a pblico o caso do psiclogo social Diederik Stapel.

    Considerado um dos mais prestigiados pesquisadores da Holanda, tendo publicado

    artigo na revista Science. De acordo com as investigaes, Stapel inventava a maior

    parte dos seus dados. Curiosamente, seus estudantes de doutorado reportaram que

    Stapel nunca os permitia participar da coleta dos dados22. A replicabilidade protege a

    comunidade cientfica no s de fraudes deliberadas, mas tambm de erros honestos e

    das limitaes tcnicas dos pesquisadores.

    King (1995) afirma que algumas medidas podem incentivar o padro de

    replicabilidade. A primeira delas incluir a disponibilizao de banco de dados como

    um indicador de produtividade acadmica como a publicao de um artigo ou livro.

    Outra medida exigir que alunos de mestrado e doutorado disponibilizem os bancos de

    dados utilizados em suas pesquisas. O terceiro envolve a poltica de publicao dos

    peridicos especializados. Alguns peridicos em Cincia Poltica j exigem a

    disponibilizao do banco de dados em algum repositrio de acesso pblico como

    21 Ver http://caselaw.ndlaw.com/us-7th-circuit/1139405.html 22Verhttp://veja.abril.com.br/noticia/brasil/holandeses-se-surpreendem-com-fraude-de-prestigiado-psicologo

  • Revista Eletrnica de Cincia Poltica, vol. 3, n. 1-2, 2012

    107

    condio para publicao do artigo. Destacamos a iniciativa da Revista Leviathan que

    alm de exigir o banco de dados como critrio de publicao, aceita artigos em formato

    .tex No plano internacional tem-se o Inter University Consortium for Political and

    Social Research (ICPRS) da Universidade de Michigan. No Brasil, o Consrcio de

    Informaes Sociais (CIS) conta com um acervo significativo de bases de dados que

    podem ser publicamente acessadas, mediante cadastro no sistema. Comparativamente,

    o Dataverse Network, organizado pelo The Institute for Quantitative Social Science da

    Universidade de Harvard, disponibiliza o maior repositrio de dados em Cincias

    Sociais do mundo. O sistema pblico e bastante amigvel.

    Pedagogicamente, o padro de replicabilidade facilita que estudantes dem seus

    primeiros passos no mundo da pesquisa emprica. Para King (1995), having students

    replicate the results of existing articles has proven to be an effective teaching tool

    (KING, 1995, p. 447). Por exemplo, aprender que a correlao de Pearson mede o grau

    de associao entre peso e altura importante. No entanto, a aprendizagem mais

    eficiente quando os estudantes podem estimar o grau de associao entre variveis

    utilizadas em desenhos de pesquisa em Cincia Poltica. Na Universidade Federal de

    Pernambuco (UFPE), o professor Enivaldo Rocha incorporou o padro de

    replicabilidade como um dos componentes da disciplina Tpicos Avanados de

    Metodologia de Pesquisa23.

    No entanto, apesar dessas iniciativas, no existe uma poltica sistemtica de

    incentivos ao compartilhamento de dados por parte da comunidade acadmica. King

    (1995) questiona a importncia das inferncias produzidas por um desenho de pesquisa

    no replicvel, afirmando que at a minimum, some protection should be afforded to

    keep researchers from wasting their time reading these works (KING 1995, p. 445).

    Concordamos com o professor King e elencamos o compartilhamento de bases de

    dados como a stima recomendao para agregar qualidade aos desenhos de pesquisa

    em Cincia Poltica.

    8. EVITAR GRFICOS NEBULOSOS E TABELAS INCOMPLETAS E

    POLUDAS24

    23 Um dos resultados dessa opo pedaggica foi a publicao de trs artigos sobre mtodos e tcnicas. O primeiro - O que fazer e o que no fazer com a regresso: pressupostos e aplicaes do modelo linear de mnimos quadrados ordinrios, publicado pela revista Poltica Hoje. O segundo foi What is R2 all about? publicado pela revista Leviathan e o terceiro foi Classificando regimes polticos utilizando anlise de conglomerados, veiculado pela revista Opinio Pblica. 24 Sobre as vantagens analticas de grficos ao invs de tabelas ver Kastellec e Leoni (2007). Tufte (1983) apresenta o trabalho seminal sobre a visualizao grfica de resultados de pesquisa. Ver http://www.edwardtufte.com/tufte/books_vdqi.

  • FIGUEIREDO FILHO, Dalson Britto; PARANHOS, Ranulfo; ROCHA, Enivaldo Carvalho da; SILVA Jr, Jos Alexandre da; SANTOS, Manoel Leonardo Wanderley Duarte. Levando Gary King a srio: desenhos de pesquisa em cincia poltica.

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    A representao grfica um elemento decisivo para facilitar a compreenso

    dos resultados de pesquisa. Kastellec e Leoni (2007) argumentam que a anlise grfica

    mais intuitiva do que o padro convencional utilizando tabelas. No entanto, para que

    a mxima de que uma imagem vale mais do que mil palavras seja verdadeira,

    necessrio que o pesquisador apresente seus resultados de forma adequada. Grficos

    nebulosos depem no s contra a credibilidade dos resultados de pesquisa, mas

    tambm contra a capacidade tcnica do pesquisador na execuo do seu trabalho.

    Quatro procedimentos so centrais para evitar grficos nebulosos. O primeiro

    a descrio dos rtulos das variveis (labels). Sem essa informao o leitor nunca

    saber que varivel est em cada eixo. O segundo assegurar que o tamanho da fonte

    utilizada seja facilmente legvel. Nenhum ganho analtico pode ser produzido por um

    grfico que fora a viso do leitor. De forma complementar, o pesquisador deve evitar a

    utilizao de fontes pouco convencionais, tomando como exemplo os peridicos mais

    prestigiados (Political Analysis, American Political Science Review, American Journal

    of Political Science, etc.). O terceiro procedimento maximizar a quantidade de

    informao por cm2 sem comprometer a inteligibilidade dos resultados.

    Estilisticamente, para assegurar grficos ainda mais profissionais, o pesquisador deve

    limitar a quantidade de cores, estabelecendo um padro. Por fim, um procedimento

    para evitar grficos nebulosos garantir a compatibilidade entre o nvel de mensurao

    das variveis e o tipo de grfico utilizado. Por exemplo, grficos de pizza no devem ser

    utilizados para ilustrar mdias. Ou, variveis categricas no devem ser utilizadas nos

    eixos de grficos de disperso.

    A representao grfica de dados facilita a comunicao entre o emissor da

    informao e o receptor. Para otimizar esse processo, o pesquisador deve adequar o

    tipo de grfico utilizado ao nvel de mensurao das variveis. Considere a figura

    abaixo.

  • Revista Eletrnica de Cincia Poltica, vol. 3, n. 1-2, 2012

    109

    Figura 4 - Transformando um grfico nebuloso

    Fonte: elaborao dos autores.

    O objetivo mostrar como o percentual de cassao de prefeitos varia por

    estado. O grfico de linha mais indicado quando a varivel tempo includa no eixo x.

    Alm disso, o fundo vermelho com a tonalidade azul da linha visualmente

    desagradvel. O rtulo da varivel estado desnecessrio j que a prpria categoria

    informa o que est sendo analisado. Por sua vez, o rtulo da varivel dependente, no

    entanto, apresenta uma fonte inadequada, dificultando a compreenso do grfico. A

    converso do grfico nebuloso em um no nebuloso simples. O primeiro passo

    identificar um tipo mais adequado. Como o objetivo a comparao entre estados,

    desejvel que o pesquisador ordene as unidades da federao a partir da distribuio da

    varivel dependente para facilitar a compreenso dos resultados. A incluso de um

    parmetro de referncia tambm produz ganhos analticos, nesse caso, inclumos a

    linha pontilhada simbolizando a mdia do percentual de cassao dos prefeitos.

    Desafio para o leitor: identifique no grfico nebuloso quais so os estados com o

    maior e o menor percentual de prefeitos cassados. Essa mesma informao pode ser

    rapidamente coletada ao analisar o grfico no nebuloso. To importante quanto evitar

    grficos nebulosos evitar tabelas poludas e incompletas. O pesquisador

    comprometido com o avano do conhecimento cientfico deve zelar pela qualidade da

    representao tabular dos seus resultados de pesquisa. A figura abaixo ilustra sete

    problemas que devem ser superados.

  • FIGUEIREDO FILHO, Dalson Britto; PARANHOS, Ranulfo; ROCHA, Enivaldo Carvalho da; SILVA Jr, Jos Alexandre da; SANTOS, Manoel Leonardo Wanderley Duarte. Levando Gary King a srio: desenhos de pesquisa em cincia poltica.

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    Tabela 1 - Sete pecados

    A tabela da esquerda apresenta uma srie de problemas. O primeiro que ela

    no uma tabela, mas sim um quadro. Tabelas devem ser vazadas na lateral. O

    segundo problema a ausncia de ttulo e fonte. O terceiro inconveniente a

    combinao das cores. Alm de visualmente desagradvel, a linha branca associada ao

    pas Y chama a ateno do leitor de forma equivocada. As nfases grficas devem ter

    uma funo analtica e no meramente estilstica. De acordo com King (1995), tabelas

    devem elaboradas somente em tons de preto e branco. O quarto problema refere-se

    falta de acentuao da palavra pas, o que sugere falta de cuidado do pesquisador na

    formatao do trabalho. O excesso de erros formais compromete a credibilidade dos

    achados de pesquisa. Por que o leitor deve confiar nos resultados quando diferentes

    erros so encontrados ao longo do texto? O quinto problema a repetio

    desnecessria da expresso R$. Qual o ganho analtico em repeti-lo trs vezes?

    Nenhum. O sexto problema a utilizao de diferentes sistemas decimais. Observe que

    a linha associada ao pas Z utiliza ponto (.), enquanto as demais linhas utilizam vrgulas

    (,). Alm disso, h um excesso de algarismos depois das casas decimais que no fornece

    nenhum ganho substantivo de informao, pelo contrrio, polui a tabela. Por fim, o

    stimo problema a utilizao de uma medida absoluta quando o objetivo do

    pesquisador realizar uma comparao. Essa deficincia recorrente e desastrosa j

    que comparaes realizadas a partir de dados absolutos so desprovidas de sentido. O

    pesquisador tambm deve evitar exportar diretamente as tabelas produzidas pelos

    programas de anlise de dados para o seu artigo/desenho de pesquisa. A superao

    desses obstculos confere maior rigor formal ao desenho de pesquisa.

    Nossa oitava recomendao para elevar a qualidade de artigos/desenhos de

    pesquisa evitar grficos nebulosos e tabelas poludas e incompletas.

  • Revista Eletrnica de Cincia Poltica, vol. 3, n. 1-2, 2012

    111

    9. SER CRITICADO ANTES DE PUBLICAR

    O pesquisador que submete diretamente seu trabalho s revistas especializadas

    assume dois pressupostos: (1) o corpo editorial do peridico escolhido rene os

    pareceristas mais aptos a oferecer a melhor contribuio possvel ao aprimoramento de

    sua pesquisa e (2) o trabalho foi de fato alocado para o parecerista mais apto a oferecer

    a melhor contribuio possvel. A pergunta : qual a probabilidade de satisfazer esses

    pressupostos? Quando um working paper apreciado pela comunidade acadmica, o

    pesquisador recebe diferentes sugestes sobre como melhorar a qualidade do seu

    desenho de pesquisa. Existe uma srie de benefcios associados a esse procedimento:

    (1) erros de formatao do trabalho podem ser mais facilmente detectados; (2)

    problemas relacionados mensurao das variveis podem ser superados; (3)

    bibliografia at ento desconhecida passa a ser parte integrante do quadro terico; (4)

    bancos de dados outrora desconhecidos podem ser utilizados para suprir a necessidade

    por mais informaes; (5) peridicos at ento ignorados passam a ser potenciais

    alternativas de publicao; (6) o pesquisador descobre que existem outros desenhos de

    pesquisa similares com concluses parecidas ou antagnicas.

    Em sntese, o crivo da comunidade acadmica uma das formas mais eficientes

    de aprimorar desenhos de pesquisa e, posteriormente, resultados de pesquisa. Apenas

    depois de submeter seu trabalho s crticas, o pesquisador deve submet-lo aos

    peridicos especializados. O ganho evidente: aumenta-se no s a probabilidade de

    ter um trabalho aceito, mas tambm, e mais importante, a chance do trabalho

    contribuir com o desenvolvimento do conhecimento em uma determinada rea. A

    cincia se beneficia muito mais quando um pesquisador consegue aprimorar seu

    artigo/desenho de pesquisa mediante crtica do que com a publicao de um trabalho

    recm terminado e no criticado pela comunidade acadmica.

    10. ESCOLHER ADEQUADAMENTE OS MEIOS DE DIVULGAO

    To importante quanto formular e executar um desenho de pesquisa escolher

    os meios apropriados para divulgar o resultado/produto final do trabalho.

    Recomendamos que estudantes e pesquisadores se informem a respeito da poltica

    editorial das revistas. Por exemplo, se o artigo emprico, deve-se evitar submet-lo a

    um peridico de orientao majoritariamente terica. Similarmente, se o artigo partilha

    de uma epistemologia positivista, tambm indicado que o pesquisador evite submet-

    lo a revistas de orientao construtivista. Outro elemento importante examinar em

    que medida o tema do artigo do pesquisador j foi contemplado por outros trabalhos

  • FIGUEIREDO FILHO, Dalson Britto; PARANHOS, Ranulfo; ROCHA, Enivaldo Carvalho da; SILVA Jr, Jos Alexandre da; SANTOS, Manoel Leonardo Wanderley Duarte. Levando Gary King a srio: desenhos de pesquisa em cincia poltica.

    112

    publicados na revista. Uma estratgia eficaz replicar os resultados de um determinado

    artigo e submeter o novo trabalho ao mesmo peridico que publicou o artigo original

    (KING, 1995).

    Quem j submeteu um artigo a um peridico sabe que o tempo de espera

    longo. Nosso conselho para minimizar o tempo entre a submisso e a resposta seguir,

    rigorosamente, as regras especficas de cada revista. O pesquisador deve obedecer os

    procedimentos formais de citao e de referncias bibliogrficas. Outro elemento

    essencial tentar incorporar ao mximo a quantidade de recomendaes dos

    pareceristas. Primeiro, a incorporao sistemtica das sugestes eleva a probabilidade

    do artigo ser publicado. Em segundo lugar, ao incorporar as sugestes, o autor agrega

    diferentes pontos de vistas que, muitas vezes, podem passar despercebidos para o

    pesquisador. A formatao e a apresentao do artigo tambm so importantes. Por

    exemplo, sempre que trabalhar com frmulas matemticas25, desejvel utilizar

    softwares especficos para garantir a qualidade da apresentao grfica.

    Por fim, o pesquisador deve considerar a qualidade dos peridicos. Por

    exemplo, o sistema Qualis Peridicos26 da Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal

    de Nvel Superior (CAPES) hierarquiza os peridicos em diferentes estratos. O

    pesquisador deve orientar a sua produo a partir de padres de excelncia e focar em

    peridicos prestigiosos. Pouco avana o conhecimento cientfico quando um artigo

    publicado em uma revista que ningum l. O pesquisador no deve ficar desanimado

    quando receber um parecer negativo. Isso no uma prova irrefutvel de que o artigo

    no apresenta uma contribuio relevante. Por exemplo, o primeiro livro do Harry

    Porter, de J.K Rowling, foi rejeitado por nove editores antes de ser publicado. O

    manuscrito de Tempo de Matar de John Grisham foi rejeitado por 26 editores

    (MLODINOW, 2009, p. 31).

    Em sntese, recomendamos que pesquisadores observem atentamente as

    polticas editoriais dos peridicos, prezando pela qualidade de apresentao e

    25 Sugerimos os seguintes softwares para elaborao de frmulas matemticas e edio de documentos: http://www.latex-project.org/ e http://www.mackichan.com/index.html?products/swp.html~mainFrame 26 A estratificao da qualidade dessa produo realizada de forma indireta. Dessa forma, o Qualis afere a qualidade dos artigos e de outros tipos de produo, a partir da anlise da qualidade dos veculos de divulgao, ou seja, peridicos cientficos. A classificao de peridicos realizada pelas reas de avaliao e passa por processo anual de atualizao. Esses veculos so enquadrados em estratos indicativos da qualidade - A1, o mais elevado; A2; B1; B2; B3; B4; B5; C. Para acessar: http://www.capes.gov.br/avaliacao/qualis

  • Revista Eletrnica de Cincia Poltica, vol. 3, n. 1-2, 2012

    113

    substncia de seus artigos e priorizando os peridicos mais influentes em suas

    respectivas reas de atuao.

    CONSIDERAES FINAIS

    exatamente a metodologia de pesquisa que distingue o conhecimento

    cientfico de outras formas de conhecimento (senso comum, religioso e filosfico). Esse

    trabalho apresentou dez condutas que ajudam o pesquisador a melhorar a qualidade do

    seu desenho e/ou produto final de pesquisa. Nosso pblico alvo exatamente

    estudantes de graduao e ps-graduao e pesquisadores em Cincia Poltica.

    Acreditamos que um procedimento essencial para elevar a qualidade do conhecimento

    cientfico garykingzar os desenhos e/ou produtos finais de pesquisa, ou seja, seguir

    as dez condutas aqui elencadas que so amplamente aceitas pela comunidade cientfica

    como boas prticas de pesquisa. Garykingzar no sentido de que questes de pesquisa

    sejam sempre explcitas e que os trabalhos utilizem sempre uma linguagem simples,

    direta e objetiva. Que os pesquisadores compartilhem suas bases de dados e descrevam

    detalhadamente os mtodos e tcnicas utilizados. Garykingzar no sentido de que as

    hipteses de pesquisa sejam parcimoniosas e os trabalhos empricos busquem

    estabelecer inferncias causais falsificveis. Que os pesquisadores sempre apresentem

    as limitaes do desenho de pesquisa, bem como, evitem grficos nebulosos e tabelas

    poludas e incompletas. Garykingzar no sentido de que a crtica seja feita de forma

    profissional no mundo acadmico e no se torne perseguies pessoais. A propsito,

    retomando um dos argumentos aqui trabalhados, no s a prpria elaborao do

    desenho de pesquisa, como as consideraes finais devem ser concisas e parcimoniosas.

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