LEVIATÃ - THOMAS HOBBES DE MALMESBURY

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THOMAS HOBBES DE MALMESBURY LEVIAT ou MATRIA, FORMA E PODER DE UM ESTADO ECLESISTICO E CIVIL Traduo de Joo Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva NDICE PRIMEIRA PARTE DO HOMEM Introduo CAP. I - Da sensao CAP. II - Da imaginao - Memria - Sonhos - Aparies ou vises - Entendimento . .15 C AP. III - Da conseqncia ou cadeia das imaginaes - Cadeia dos pensamentos no orienta dos - Cadeia dos pensamentos regulados - Lembrana - Prudncia - Sinais Conjetura do tempo passad o

CAP. IV - Da linguagem - Origem da linguagem - 0 uso da linguagem - Abusos da li nguagem - Nomes prprios e comuns - Universais - Necessidade das definies - Objeto dos nomes - Uso d os nomes positivos - Nomes negativos e seus usos - Palavras insignificantes - Entendiment o - Nomes inconstantes CAP. V - Da razo e da cincia - 0 que a razo - Definio de razo - Onde est a reta ra uso da razo - Do erro e do absurdo - Causas do absurdo - Cincia Prudncia e sapincia, e dife rena entre ambas - Sinais da cincia CAP. VI - Da origem interna dos movimentos voluntrios vulgarmente chamados paixes; e da linguagem que os exprime - Movimento vital e animal - 0 esforo - 0 apetite - 0 desejo - A f ome - A sede - A averso - 0 amor - 0 dio - 0 desprezo - 0 bem - 0 mal - 0 pulchrum - 0 turpe - 0 de licioso - 0 proveitoso - 0 desagradvel 0 inaproveitvel - 0 deleite - 0 desprazer - 0 prazer A ofensa - Os prazeres dos sentidos - Os prazeres do esprito - A alegria - A dor - A tristeza A esperana - 0 desespero - 0 medo - A coragem - A clera - A confiana - A desconfiana - A indignao A

benevolncia - A bondade natural - A cobia - A ambio - A pusilanimidade A .magnanimid ade - A valentia - A liberalidade - A mesquinhez - A amabilidade - A concupiscncia natura l - A luxria - A paixo do amor - 0 cime -'A vingana - A curiosidade - A religio - A superstio - A verd deira religio - 0 terror pnico - A admirao - A glorificao - A vanglria - 0 desalento - 0 e siasmo sbito - 0 riso - 0 desalento sbito - 0 choro - A vergonha - 0 rubor - A imprudncia - A piedade - A crueldade - A emulao - A inveja - A deliberao - A vontade - As formas de linguagem n a paixo - 0 bem e 'o mal aparentes - A felicidade - 0 louvor - A exaltao

CAP. VII - Dos fins ou resolues do discurso- 0 juzo ou sentena final - A dvida A cinc a - A opinio - A conscincia - A crena - A f CAP. VIII - Das virtudes vulgarmente chamadas intelectuais, e dos defeitos contrr ios a estas - Definio da virtude intelectual - 0 talento, natural ou adquirido - 0 talento natural - 0 bo m .talento, ou imaginao 0 bom juzo - A discrio - A prudncia A habilidade - 0 talento adquirido - A leviandade - A loucura A raiva - A melancolia - A linguagem insignificante CAP, IX - Dos diferentes objetos do conhecimento CAP. X - Do poder, valor, dignidade, honra e merecimento - 0 poder - 0 valor - A dignidade - Honrar e desonrar - Honroso - Desonroso - Os escudos - Os ttulos de honra - 0 merecimento - A aptido CAP. XI - Das diferenas de costumes - 0 que aqui se entende por costumes -.Um Irr equieto desejo de poder, em todos os homens - 0 gosto pela disputa derivado do gosto pela competio - A obed incia civil derivada do gosto pelo copo farto - Derivado do medo da morte ou dos ferimentos - E do amor dos artes - 0 amor virtude derivado do amor lisoqja - 0 dio derivado da dificuldade d e obter grandes bengilcios - E da conscincia de merecer ser odiado - A tendncia para ferir derivad a do medo - E da desconfiana no prprio talento - Os empreendimentos vos derivados da vanglria - A amb io derivada da opinio de suficincia - A irresoluo derivada do exagero da importncia das pequenas coi sas - A confiana nos outros derivada da ignorncia dos sinais da sabedoria e da bondade - E da ignorncia das causas naturais - E da falta de entendimento - A aceitao dos costumes derivada da ignorncia da natureza do bem e do mal - A aceitao dos indivduos derivada da Ignorncia das causas da paz - A credulidade derivada da ignorncia da natureza - A curiosidade de saber derivada d a preocupao com o tempo futuro - A religio natural da mesma CAP. XII - Da religio - A religio, s no homem - Primeiro, a partir de seu desejo de

conhecer as causas - A partir da considerao do Incio das coisas - A partir de sua observao das seqelas das c isas - A causa natural da religio: a ansiedade quanto aos tempos vindouros - 0 que os faz temer o poder das coisas invisveis - E sapo ias incorpreas - Mas sem conhecer a maneira como elas gr etam alguma coisa Mas vener-las tal como veneram os homens - E atribuir-lhes toda espcie de ac ontecimentos extraordinrios - Quatro corsas, as sementes naturais da religio Tornadas diferente s pelo cultivo - A absurda opinio do gentilismo - Os desgnios dos autores da religio dos pagos - A verd adeira religio, o mesmo que as leis do reino de Deus - As causas de mudana na religio - A imposio de crenas impossveis Agir contrariamente d religio que estabelecem - Falta de testemun hos dos milagres CAP. XIII - Da condio natural da humanidade relativamente a sua felicidade e misria - Os homens iguais por natureza - Da igualdade deriva a desconfiana - Da desconfiana, a geena - Fora dos estados civis, h sempre guerra de todos contra todos Os inconvenientes de uma tal geena - Numa t al guerra, nada injusto - As paixes que levam os homens a tender para a paz CAP. XIV - Da primeira e segunda leis naturais, e dos contratos - 0 que o direit o de natureza - 0 que a Liberdade - 0 que uma lei de natureza - Diferena entre direito e !et - Naturalmen te, todo homem tem direito a tudo - A lei fundamental de natureza - A segunda lei de natureza - 0 q ue abandonar um direito - 0 que renunciar a um direito - 0 que transferir o direito - A obrigao 0 dever - A injustia -todos os direitos so alienveis - 0 que um contrato - 0 que um pacto - A d oao - Sinais expressos de contrato - Sinais de contrato por referncia - A doao feita atravs de pa lavras do presente ou do passado - Os sinais do contrato so palavras tanto do passado e do presente como do futuro - 0 que o mrito - Os pactos de confiana mtua: quando so invlidos - 0 direito os fins contm o direito aos meios - No h pactos com os animais - Nem com Deus sem revelao esp ecial S6 h pacto a respeito do possvel e do futuro - Como os pactos se tornam nulos - Os pa ctos extorquidos pelo medo so vlidos - 0 pacto anterior torna nulo o pacto posterior fe ito com outros - 0 pacto no sentido de algum no se defender nulo - Ningum pode ser obrigado a acusar-s e a st mesmo - A finalidade do juramento - A forma do juramento - S a Deus se faz jurame nto - O juramento nada acrescenta obrigao

CAP. XV - De outras leis de natureza - A terceira lei de natureza: a justia - 0 q ue so a justia e a injustia A justia e a propriedade tm incio com a constituio do Estado - A justia no contrria

pactos no so anulados pelo vcio da pessoa com quem so celebrados - 0 que a justia do homens, e a justia das aes - A justia dos costumes e a justia das lgum com seu prprio consentimento no injria - A justia comutativa e a arta lei de natureza: a gratido - A quinta: a acomodao mtua, ou complacncia em perdoar - A stima: que nas vinganas se considere apenas o bem futuro ontra a insolncia

aes - 0 que feit distributiva - A qu A sexta: facilidade - A oitava, c

-A nona, contra o orgulho - A dcima, contra a arrogncia - A dcima primeira: a eqidad e - A dcima segunda: uso igual das corsas comuns - A dcima terceira: da diviso - A dcima quarta : da primo genitura e da primeira posse - A dcima quinta: dos mediadores - A dcima sexta: da submisso arbitragem - A dcima stima: ningum pode ser seu prprio juiz - A dcima oitava: ningum ode ser juiz quando tem alguma causa natural de parcialidade - A dcima nona: do testemunh o - Uma regra atravs da qual fcil examinar as leis de natureza - As leis de natureza so sempre ob rigatrias em conscincia, mas s o so com efeito quando h segurana - As leis de natureza so eternas, mas so acessveis - A cincia destas leis a verdadeira filosofo ia moral CAP. XVI - Das pessoas, autores e coisas personificadas - 0 que uma pessoa - Pes soa natural e artificial De onde vem a palavra pessoa - Ator, autor, autoridade - Os pactos por autoridade o brigam o autor Mas no o ator - A autoridade deve ser mostrada - As coisas personificadas, inanimadas - Irracionais; falsos deuses; o verdadeiro Deus - Como uma multido de homem uma pessoa - Cada um autor Um ator podem ser muitos homens feitos um s por pluralidade de votos - Os representa ntes so improfcuos quando em nmero par - 0 voto negativo SEGUNDA PARTE DO ESTADO CAP. XVII - Das causas, gerao e definio de um Estado - Da finalidade do Estado, a se gurana pessoal; que no pode vir da lei de natureza; nem da conjuno de uns poucos homens ou famlias; nem de uma grande multido, se no for dirigida por um s6 julgamento; e assim sucessivamente Por que certas criaturas destitudas de razo apesar disso vivem em sociedade, sem qualquer poder c oercitivo - A gerao de um Estado - A definio de um Estado - 0 que so o soberano e o sdito

CAP. XVIII - Dos direitos dos soberanos por instituio - 0 que o ato de instituio de um Estado - As conseqncias dessa instituio: 1. Os sditos no podem mudar a forma de governo - 7. 0 so

erano no pode ser privado de seu poder - 3, Ningum pode sem injustia protestar contra a i nstituio do soberano declarada pela maioria - 4, As aes do soberano no podem ser justamente acu sadas pelo sdito - S, Nada do que o soberano faz pode ser punido pelo sdito - 6. 0 soberano o juiz de tudo 0 que necessrio para a paz e a defesa de seus sditos - E julga quais as doutrinas prp rias para lhes serem ensinadas - 7. 0 direito de elaborar regras pelas quais cada sdito possa sa ber o que seu, e que nenhum outro sdito pode sem injustia lhe tirar - 8. Tambm a ele pertence o direito de toda judicatura e deciso de controvrsias 9. E de fazer a guerra e a paz, da maneira que melhor lhe parecer -10.E de escolher todos os conselheiros e ministros, tanto na paz como na geena -11.E de recompensar e castigar, e (quando nenhuma lei anterior for estabelecido uma medida) o arbitrr io -12,E o da honra e ordem - Estes direitos so indivisveis - E por nenhuma outorga podem ser transferid os sem direta renncia do poder soberano - 0 poder e honra dos sditos se desvanecem na presena do soberano poder - 0 poder soberano menos prejudicial do que sua ausncia, e o prejuzo deriva em sua maior parte da falta de uma pronta submisso a um prejuzo menor

CAP. XIX - Das diversas espcies de governo por instituio, e da sucesso do poder sobe rano - As diferentes formas de governo so apenas trs - Tirania e oligarquia no passam de nomes diferente s da monarquia e da aristocracia - Os perigos dos representantes subordinados - Comparao da monar quia com as assemblias soberanas - Do direito de sucesso - 0 monarca atual tem o direito de de cidir a sucesso A sucesso realizada mediante palavras expressas ou pela ausncia de controle de um co stume; ou pela suposio de uma afeio natural - Decidir da sucesso, mesmo em favor do rei de outra na no ilegtimo CAP. XX - Do domnio paterno e desptico - 0 Estado por aquisio - Em que difere do Est ado por instituio

-Os direitos da soberania so em ambos os mesmos Como se chega ao domnio paterno No por gerao, mas por contrato; ou educao; ou anterior sujeio de um dos pais ao outro - 0 di eito de sucesso segue-se das regras da posse - Como se chega ao domnio desptico - No pela vi tria, mas

pelo consentimento dos vencidos - Diferena entre uma famlia e um reino - Os direit os da monarquia tirados das Escrituras - Em todos os Estados o poder soberano deve ser absoluto

CAP. XXI - Da liberdade dos sditos - 0 que a liberdade - 0 que ser livre - 0 medo e a liberdade so compatveis - A liberdade e a necessidade so compatveis - Os laos artificiais, ou con venes - A liberdade dos sditos consiste na liberdade em relao s convenes - A liberdade do sdit compatvel com o poder ilimitado do soberano - A liberdade louvada plos autores a l iberdade dos soberanos, no a dos particulares - Como medir-se a liberdade dos sditos - Os sditos tm a liberdade de defender seus prprios corpos, mesmo contra aqueles que legitimamente os atacam ; no podem ser obrigados a prejudicar-se a si mesmos; no podem ser obrigados a fazer a guerra, a no ser que voluntariamente o aceitem - A maior liberdade dos sditos depende do silncio da lei - Em que casos os sditos esto dispensados da obedincia a seu soberano - Em caso de cativeiro - Cas o o soberano renuncie ao governo, para si prprio e seus herdeiros - Em caso de banimento - Cas o o soberano se torne sdito de um outro

CAP. XXII - Dos sistemas sujeitos, polticos e privados - Os diversos tipos de sis temas de pessoas - Em todos os corpos polticos o poder do representante limitado - Por cartas de patente, e p elas leis - Quando o representante um s homem, seus atos no autorizados so apenas seus - Quando uma asse mblia, apenas o ato dos que assentiram - Quando o representante um s homem, se tiver din heiro emprestado ou uma dvida, por contrato, s ele vinculado, no os membros - Quando uma assemblia, s so vinculados os que assentiram - Se o credor pertencer assemblia, s o orpo fica submetido obrigao - 0 protesto contra os decretos dos corpos polticos por vezes leg imo, mas nunca o contra o poder soberano - Os corpos polticos para governo de uma provncia, colnia ou cidade - Os corpos polticos para a regulao do comrcio - Um corpo poltico para conselh o a ser dado ao soberano - Um' corpo privado regular, legtimo, como uma famlia - Corpos pr ivados regulares mas ilegtimos - Sistemas irregulares, tais como as ligas privadas - Faces relativas ao governo

CAP. XXIII - Dos ministros pblicos do poder soberano - Quem ministro pblico Minist ros para administrao geral - Para administrao especial, como para a economia - Para a instruo o povo Para a administrao da justia - Para a execuo - Os conselheiros cuja nica funo de asses no so ministros pblicos CAP. XXIV - Da nutrio e procriao de um Estado - 0 alimento de um Estado consiste nos bens do mar e da terra, e em sua correta distribuio - Toda propriedade privada da terra deriva o

riginariamente da distribuio arbitrria pelo soberano - A propriedade de um sdito no exclui o domnio do oberano, mas apenas o dos outros sditos - 0 poder pblico no deve ter uma propriedade delimit ada - Os lugares e objetos do comrcio exterior dependem, quanto sua distribuio, do soberano - As leis de transferncia da propriedade tambm competem ao soberano - 0 dinheiro o sangue do Es tado - A conduta e regulao do dinheiro para uso pblico - As colnias so os filhos do Estado CAP. XXV - Do conselho - 0 que o conselho - Diferenas entre ordem e conselho 0 qu e so a exortao e a dissuaso - Diferenas entre conselheiros adequados e inadequados CAP. XXVI - Das leis civis - 0 que a lei civil - 0 soberano legislador - E no est sujeito lei civil - 0 costume lei, no em virtude do tempo, mas do consentimento do soberano - A lei de natureza e a lei civil incluem-se reciprocamente - As leis provinciais no so feitas plos costumes, m as pelo poder soberano - Algumas insensatas opinies dos juristas relativamente feitura das leis - Sir Edward Coke Sobre Littleton Liv.2, Cap. 6, Fl. 97 b - A lei que feita sem ser tornada conhec ida no lei - Todas as leis no escritas so leis de natureza - No h lei quando o legislador no pode ser conhe cido Diferena entre verificar e autorizar - A lei verificada pelo . juiz subordinado - Plos reg istros pblicos

-Por cartas patentes e selo pblico - A interpretao da lei depende do poder soberano - Todas as leis precisam de interpretao - A autntica interpretao da lei no a dos autores - 0 intrp da lei o juiz dando sentena viva voc em cada caso particular - A sentena de um juiz no 0 obri ga, nem a outro juiz, a dar sentena idntica em todos os casos futuros - A diferena entre a le tra e a sentena da lei - As aptides necessrias num juiz - Divises da lei - Outra diviso da lei - Como a lei positiva divina conhecida como lei - Outra diviso das leis - 0 que uma lei fundamental - D iferena entre lei e direito; e entre urna lei e uma carta CAP. XXVII - Dos crimes, desculpas e atenuantes - 0 que o pecado - 0 que um crim e - Onde no h lei civil no h crime - A ignorncia da lei civil s vezes constitui desculpa - A ignorncia do soberano no constitui desculpa - A ignorncia da pena no constitui desculpa - As punies declara das antes do fato constituem desculpa para maiores punies depois dele - Nada pode ser tornado c rime por uma lei

feita depois do fato - Os falsos princpios do bem e do mal como causas do crime Falsos mestres interpretando erradamente a lei de natureza, e falsas inferncias feitas plos mestr es a partir deprincpios verdadeiros - Por suas paixes, presuno de riqueza, e amigos; sabedoria - dio, concupiscncia, ambio, cobia, como causas do crime 0 medo s vezes causa do crime, com por exemplo quando o perigo no presente bem corpreo - Nem todos os crimes so iguais - D esculpas totais - Desculpas contra o autor - A presuno de poder constitui uma agravante - O s maus mestres constituem uma atenuante - Os exemplos de impunidade so atenuantes - A premeditao u ma agravante - A aprovao tcita do soberano urna atenuante - Comparao dos crimes por seu efeitos -Lesa-majestade - Suborno e falso testemunho - Fraude Contrafao da autoridade - Co mparao dos crimes contra os particulares - 0 que so os crimes pblicos C AP. XXVIII - Das penas e das recompensas - Definio depena - De onde deriva o dir eito de punir - As injrias privadas e vinganas no so penas; nem a negao de preferncias; nem a pena da sem audincia pblica; nem a pena infligida pelo poder usurpado; nem a pena infligida se m respeito pelo bem futuro - As ms e consequencias naturais no so penas - 0 dano infligido, se for menor que o beneficio resultante da transgresso, no pena - Quando a pena est includa na lei, dano maior no pena, e sim hostilidade - 0 dano infligido por um fato anterior lei no pena representante do Estado no pode ser punido - 0 dano infligido a sditos revoltados o por direito de guerra, no na qualidade de pena - Penas corporais Capitais - Ignomnia - Priso - Exlio - A punio sditos inocentes contrria lei de natureza - Mas o dano infligido durante a guerra a inoc entes no o ; nem aquele que infligido por rebeldes declarados - A recompensa pode ser salrio ou gr aa Os benefcios concedidos por medo no so recompensas - Salrios fixos e ocasionais

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CAP. XXIX - Das coisas que enfraquecem, ou levam dissoluo de um Estado - A dissoluo dos Estados deriva de sua instituio imperfeita - Falta de poder absoluto - Julgamento privado do bem e do mal Conscincia errnea - Pretenso inspirao - Sujeio do poder soberano s leis civis - Atribuio de propriedade absoluta aos sditos - Diviso do poder soberano - Imitao das naes vizinhas Imitao dos gregos e dos romanos - Governo misto - Falta de dinheiro - Monoplios e abusos dos publicanos - Homens populares - Excessivo tamanho de uma cidade, multiplicao das c orporaes Liberdade de disputar contra o poder soberano Dissoluo do Estado CAP. XXX - Do cargo do soberano representante - Procurar conseguir o bem do povo - Pela instruo e pelas leis - Contra o dever do soberano renunciar a qualquer direito essencial da sobe rania; ou no fazer que se ensinem ao povo seus fundamentos - Objeo dos que dizem que no h princpios de razo

ara a soberania absoluta - Objeo baseada na incapacidade do vulgo - Os sditos devem ser e nsinados, e no afetar as mudanas de governo; nem prestar adeso (contra o soberano) a homens pop ulares, nem disputar contra o poder soberano; devem ter dias destinados aprendizagem de seu dever, e honrar seus pais - E evitar a prtica de injrias, e fazer tudo sinceramente e de corao - 0 u so das Universidades - Igualdade dos impostos - Caridade pblica - Preveno da ociosidade 0 que so as boas leis - As que so necessrias - As que so evidentes - Penas - Recompensas - Cons elheiros Comandos Militares

CAP. XXXI - Do Reino de Deus por natureza - Objetivo dos captulos seguintes - Que m so os sditos do Reino de Deus - Uma tripla palavra de Deus: razo, revelao e profecia - Um duplo Rei no de Deus: natural e proftico - 0 direito de soberania de Deus derivado de sua onipotncia - 0 pecado no a causa de toda aflio -.As leis divinas - 0 que so a honra e a venerao - Diversos sinai s de honra Adorao natural e arbitrria - Adorao ordenada e livre - Adorao pblica e privada Fi e da adorao - Atributos da honra divina - Aes que so sinais da honra divina - A adorao p consiste na uniformidade - Todos os atributos dependem das leis civis - Nem toda s as aes - Punies naturais - Concluso da segunda parte TERCEIRA PARTE DO ESTADO CRISTO

CAP. XXXII - Dos princpios da poltica crist - A palavra de Deus, transmitida plos Pr ofetas, o princpio mais importante da poltica crist - Mas no deve renunciar-se razo natural - 0 que ca ivar o entendimento - Como Deus fala aos homens Atravs de que sinais so conhecidos os pro fetas - Os

sinais de um profeta na antiga lei so os milagres e a doutrina conforme lei - Ces sando os milagres, cessam tambm os profetas, e as Escrituras tomam seu lugar CAP. XXXIII - Do nmero, antiguidade, alcance, autoridade e intrpretes dos livros d as Sagradas Escrituras Dos livros das Sagradas Escrituras - Sua antiguidade - 0 Pentateuco no foi escrito po r Moiss - 0 livro de Josu foi escrito depois de seu tempo - Os livros dos Juzes e de Rute foram escr itos muito depois do cativeiro - 0 mesmo ocorreu com os livros de Samuel - Os livros dos Reis, e a s Crnicas - Esdras e Neemias - Ester - J - Os Salmos - Os provrbios - 0 Eclesiastes e os Cnticos - Os Pr ofetas - 0 Novo Testamento - Formulao do problema da autoridade das Escrituras - Sua autoridade e interpretao CAP. XXXIV - Do significado de esprito, anjo e inspirao nos livros das Sagradas Esc rituras - 0 sentido de corpo e esprito nas Escrituras - 0 Esprito de Deus tear nas Escrituras s vezes o se ntido de um vento, um hlito - Em segundo lugar, o de extraordinrios dons de entendimento - Em terceir o lugar, o de extraordinrios sentimentos - Em quarto lugar, o de dons de predio por intermdio de s onhos e vises Em quinto lugar, o de vida - Em sexto lugar, o de subordinao autoridade - Em stimo lugar, o de corpos areos - 0 que um anjo - 0 que a inspirao CAP, XXXV - Do significado de Reino de Deus, Santo, Sagrado e Sacramento nas Esc rituras - 0 Reino de Deus entendido plos religiosos em sentido metafsico e pelas Escrituras em sentido prprio - A origem do Reino 'de Deus - Que o Reino de Deus propriamente sua soberania civil sobre um determinado povo mediante um pacto 0 que Santo - 0 que Sagrado - Graus de santid ade Sacramento CAP. XXXVI - Da palavra de Deus e dos Profetas - 0 que palavra - Tanto as pala u ras proferidas por Deus quanto as palavras relativas a Deus so chamadas palavras de Deus nas Escrituras A palavra de Deus foi usada metaforicamente, em primeiro lugar, para significar os decretos e o po der de Deus - Em segundo lugar, para significar os efeitos de sua palavra - Em terceiro lugar, pa ra significar as palavras de razo e eqidade - Diversas acepes da palavra profeta - A predio de eventos futuros em sempre profecia - A maneira como Deus falou aos profetas - Aos profetas extraord inrios do Antigo Testamento falou atravs de sonhos e vises - Aos profetas de vocao perptua e supremos Deus falou no Antigo Testamento desde a sede de sua clemncia, de uma maneira no indicad a nas Escrituras - Aos profetas de vocao perptua, mas subalternos, Deus falou atravs do Es prito - Por vezes Deus falou atravs de sortes - Todo homem deve examinar a probabilidade de u ma pretensa

vocao de profeta - Toda profecia, a no ser a do Soberano Profeta, deve ser examinad a por todo sdito CAP. XXXVII - Dos milagres e seu uso - Um milagre uma obra que causa admirao - E d eve portanto ser rara, e no ter causa conhecida - 0 que a um homem parece um milagre, pode a outro no parec-lo - A finalidade dos milagres - Definio de um milagre - Que os homens tendem a deixar-se enganar por falsos milagres Cuidados contra a impostura dos milagres

CAP. XXXVIII - Do significado da Vida Eterna, Inferno, Salvao, Mundo Vindouro e Re deno nas Escrituras - 0 lugar da eternidade de Ado, se no tivesse pecado, teria sido o Paras o Terrestre Textos respeitantes ao lugar da vida eterna, para os crentes - Ascenso ao cu - Lugar que ocuparo, depois do julgamento, os que nunca pertenceram ao Reino de Deus, ou que lhe pert enceram e foram expulsos - 0 Trtaro - A congregao dos gigantes - 0 lago do fogo - As trevas absolut as - Gehena e Tophet - Do sentido literal das Escrituras a respeito do inferno - Satans e Diabo no so propriamente nomes, mas apelativos - Tormentos do inferno - As alegrias da vida eterna e a sa lvao so a mesma coisa - A salvao do pecado e da misria so uma s - 0 lugar da salvao eterna - A reden CAP. XXXIX - Do significado da palavra Igreja nas Escrituras - Igreja, casa do S enhor - 0 que propriamente Ecclesia - Em que sentido a Igreja uma pessoa - Definio de Igreja - E stado Cristo e Igreja so uma coisa s

CAP . XL - Dos direitos do Reino de Deus em Abrao, Moiss, nos Sumos Sacerdotes e n os Reis de Jud - Os direitos soberanos de Abrao - Abrao tinha o poder exclusivo para ordenar a religio de seu prprio povo - Nenhuma pretenso de esprito privado contra a religio de Abrao - Abrao nico jui e intrprete do que Deus manifestou - Em que assentava a autoridade de Moiss - Moiss f oi (abaixo de Deus) soberano dos judeus, durante toda a vida, embora Aaro exercesse o sacerdcio - Todos os espritos estavam subordinados ao esprito de Moiss - Depois de Moiss, a soberania per tence ao Sumo Sacerdote - Do poder soberano entre a poca de Josu e a de Saul - Dos direitos dos reis de Israel - A prtica da supremacia na religio no existia na poca dos reis, segundo o di reito mesa Depois do cativeiro, os judeus no tiveram um Estado estabelecido

CAP. XLI - Da misso do Nosso Abenoado Salvador - As trs partes da misso de Cristo Sua misso como redentor - 0 Reino de Cristo no deste mundo - A finalidade da vinda de Crist o era renovar o pacto do Reino de Deus, e persuadir os eleitos a abra-lo, o que constitua a segunda parte de sua misso - A pregao de Cristo no era contrria lei dos judeus nem de Csar - A terceir te de sua misso era ser rei (abaixo de seu Pai) dos eleitos - A autoridade de Cristo no Reino de Deus subordinada de seu Pai - Um e mesmo Deus a pessoa representada por Moiss e por Cr isto

CAP. XLII - Do poder eclesistico - Do Esprito Santo que desceu sobre os apstolos Da Trindade - 0 poder eclesistico apenas o poder de ensinar - Um argumento em favor disto o poder do prp rio Cristo: do nome de regenerao; de sua comparao com a pesca, a levedura e a semeadura - Da nat ureza da f; da autoridade que Cristo conferiu aos prncipes civis - 0 que os cristos podem fa zer para evitar a perseguio - Dos mrtires - Argumento baseado nos pontos de sua misso - Da pregao - E d

ensino - Batizar; e perdoar e reter os pecados - Da excomunho - 0 uso da excomunho sem poder civil no tem efeito algum sobre um apstata - Mas apenas sobre os fiis - Quais asfaltas qu e incorrem em excomunho - Das pessoas sujeitas a excomunho - Do intrprete das Escrituras antes de os soberanos civis se tornarem cristos - Do poder de transformar as Escrituras em lei - Dos de z Mandamentos - Da lei judicial e da lei levtica - A segunda lei - Quando o Antigo Testamento se tor nou cannico - 0 Novo Testamento comeou a ser cannico com os soberanos cristos Do poder dos Conclios para transformar as Escrituras em lei - Do direito de instituir funcionrios eclesistico s no tempo dos apstolos - Matias institudo como apstolo pela congregao - Paulo e Barnab institudos o apstolos pela congregao - Paulo e Barnab institudos como apstolos pela igreja de Anti quia Quais os cargos da Igreja que so magisteriais - Ordenao de mestres - Que so os minis tros da Igreja; e como so escolhidos - Dos rendimentos eclesisticos, sob a lei de Moiss - N a poca de nosso Salvador, e depois - Os ministros do Evangelho viviam da benevolncia de seus reba nhos - Que o soberano civil, sendo cristo, tem o direito de designar pastores - Somente a auto ridade pastoral dos soberanos de jure divina, e a dos outros pastores jure civili - Os reis cristos tm poder para desempenhar toda espcie de funes pastorais - Se o soberano civil for cristo, ser cabe da Igreja em seus prprios domnios - Exame do livro De Summo Pontfice do cardeal Belarmino - 0 primeiro livro - 0 segundo livro - 0 terceiro livro - 0 quarto livro - Os textos sobre a infalibilidade dos juzos dos Papas em pontos de f - Textos sobre o mesmo em matria de costumes - 0 problema da superioridade

entre o Papa e outros bispos - Do poder temporal dos Papas

CAP. XLIII - Do que necessrio para algum entrar no Reino dos Cus - A dificuldade de obedecer ao mesmo tempo a Deus e ao homem no nada para quem distingue entre o que e o que no necessrio para a salvao - Tudo o que necessrio para a salvao est contido na f e n cia

-Que obedincia necessria, e a que leis - Naf do cristo, qual a pessoa em que se acr dita - As causas da f crist - A f adquire-se ouvindo - D nico artigo necessrio da f crist; pro o plos propsitos dos evangelistas; plos sermes dos apstolos; pela facilidade da doutrina; p or textos formais e claros - Pelo falo de ser o fundamento de todos os outros artigos - Em que sentido outros artigos podem ser considerados necessrios - Que tanto a f como a obedincia so necessr ias para a salvao - Com que cada uma delas contribui para tal - A obedincia a Deus e ao sobera no civil no so incompatveis, quer seja cristo quer seja infiel QUARTA PARTE DO REINO DAS TREVAS CAP. XLIV - Das trevas espirituais resultantes da m interpretao das Escrituras - 0 que o reino das trevas -A Igreja ainda no est totalmente livre das trevas - Quatro causas das trevas espi rituais - Erros derivados de m interpretao das Escrituras, relativamente ao Reino de Deus - Como qu e o Reino de Deus a atual Igreja; e que o Papa seu vigrio geral; e que os pastores so seu clero - Erros derivados da confuso entre consagrao e conjurao - Encantamento nas cerimnias de batismo - E no casamento, na visitao dos doentes, e na consagrao de lugares - Erros derivados da co nfuso entre vida eterna e morte para sempre; como a doutrina do purgatrio, e os exorcismos, e a invocao dos santos - Os textos apresentados em apoio das doutrinas acima referidas j tinham s ido refutados Rplica ao texto em que Beza se apoia para inferir que o Reino de Cristo comeou com a res surreio Explicao da passagem em Marcos 9 - Abuso de alguns outros textos em defesa do poder do Pa pa - 0 ritual da consagrao, nas Escrituras, no inclua exorcismos - As Escrituras no provam q ue a

imortalidade da alma humana seja da natureza, e sim da graa - 0 que so os tormento s eternos Rplica aos textos apresentados como prova do purgatrio - Rplica s passagens do Novo Testam ento apresentadas como prova do purgatrio Como deve ser entendido o batismo dos mortos CAP. XLV - Da demonologia e outros vestgios da religio dos gentios - A origem da d emonologia - 0 que eram os demnios dos antigos - Como se espalhou essa doutrina - At que ponto foi ac eite plos judeus - Por que nosso Salvador no a controlou -As Escrituras no ensinam que os es pritos sejam incorpreos - 0 poder de expulsar os demnios no o mesma que era na Igreja primitiva - Outro vestgio do gentilismo, a adorao das imagens, foi deixada na Igreja, no implantada ne la - Rplica a certos textos que parecem justificar as imagens - 0 que o culto - Distino entre cu lto divino e culto civil - D que uma imagem - Fantasmas - Fices - Imagens materiais - 0 que a idolatr ia Escandalosa adorao das imagens - Rplica ao argumento dos querubins e da serpente de bronze - A pintura de seres fantsticos no idolatria, mas -o seu abuso no culto religioso - Com o a idolatria foi deixada na Igreja - Canonizao dos santos - 0 nome de Pontifex - Procisso de imagens - Velas de ceias e tochas acesas CAP. XLVI - Das trevas resultantes de v filosofia e das tradies fabulosas - 0 que f ilosofia - A prudncia no faz parte da filosofia - Nenhuma doutrina falsa faz parte da filosofia; nem ta mpouco a revelao sobrenatural; nem o saber adquirido pela aceitao dos autores - Dos incios e progres so da filosofia Das escolas de filosofia entre os atenienses - Das escolas dos judeus - As escolas d os gregos so improfcuas - As escolas dos judeus so improfcuas - 0 que a Universidade - Erros int roduzidos na religio pela metafsica de Aristteles - Erros relativos s essncias abstratas Nunc stan s - Um corpo em diversos lugares, e diversos corpos em um s6 lugar ao mesmo tempo - Absurdos da filosofia natural, como a gravidade tomada como causa do peso - A quantidade posta no corp o j feito - Infuso das almas - Ubiqidade de apario - A vontade como causa do querer - A ignorncia uma c ausa oculta - Uma faz coisas incongruentes, e outra a incongruncia - 0 apetite pessoal a regra do bem pblico; e de que o matrimnio legtimo seja falta de castidade, e todo governo fora o popular seja tirania; que o governo no seja de homens, mas das leis - Leis acima da conscincia - Interpretaes pessoais da lei - A linguagem dos clrigos das Escolas - Erros derivados da tradio Supresso da razo CAP. XLVII - Do beneficio resultante de tais trevas, e a quem aproveita - Aquele que recebeu o beneficio de um fato deve ser considerado seu autor- Que a Igreja militante o Reino de Deus,

como primeiramente foi ensinado pela Igreja de Roma - E conservado tambm pelo presbitrio - Infalibili dade - Sujeio aos bispos - Isenes do clero - Os nomes de sacerdotes e sacrifcios - 0 sacramento d o matrimnio - 0 celibato sacerdotal - A confisso auricular - A canonizao dos Santos e a declarao dos mrtires Transubstanciao, penitncia, absolvio - Purgatrio, indulgncias, obras externas - Demo ogia e exorcismo - A teologia das Escolas - Quem so os autores das trevas espirituais Comparao do Papado com o reino das fadas Reviso e Concluso AO MEU MUI ESTIMADO AMIGO Sr. francis Godolphin De Godolphin Estimado Senhor,

Aprouve a vosso mui merecedor irmo, Sr. Sidney Godolphin, quando era ainda vivo, considerar dignos de ateno a meus estudos, e alm disso privilegiar-me, conforme sabeis, com te stemunhos efetivos de sua boa opinio, testemunhos que em si mesmos j eram grandes, e maiores eram ainda dado o merecimento de sua pessoa. Pois de todas as virtudes que a homem dado ter, seja a servio de D eus, seja a servio de seu pas, da sociedade civil, ou da amizade particular, nenhuma deixava de manifestame nte se revelar em sua conversao, no que fossem adquiridas por necessidade ou constitussem uma afetao de mom nto, mas porque lhe eram inerentes, e rebrilhavam na generosa constituio de sua natureza. p ortanto em sinal de honra e gratido para com ele, e de devoo para convosco, que humildemente vos dedico este meu discurso sobre o Estado. Ignoro como o mundo ir receb-lo, ou como poder refletir-se naqueles que parecem ser-lhe favorveis. Pois apertado entre aqueles que de um lado se batem por uma excessiva liberdade, e do outro por

uma excessiva autoridade, difcil passar sem ferimento por entre as lanas de ambos os lados. No entanto, creio que o esforo para aprimorar o poder civil no dever ser pelo poder civil conde nado, nem pode supor-se que os particulares, ao repreend-lo, declarem julgar demasiado grande es se poder. Alm do mais, no dos homens no poder que falo, e sim (em abstrato) da sede do poder (tal como a quelas simples e imparciais criaturas no Capitlio de Roma, que com seu rudo defendiam os que l dentr o estavam, no porque fossem quem eram, mas apenas porque l se encontravam), sem ofender ningum, creio, a no ser os de fora, ou os de dentro (se de tal espcie os houver) que lhes sejam favorveis. O que talvez possa ser tomado como ofensa so certos textos das Sagradas Escrituras, por mim usados com u ma finalidade diferente da que geralmente por outros visada. Mas fi-lo com a devida submis so, e tambm, da do meu assunto, porque tal era necessrio. Pois eles so as fortificaes avanadas do inimigo, de onde es te ameaa o poder civil. E se apesar disto verificardes que meu trabalho atacado por todos, talvez vos apraza desculpar-me, dizendo que sou um homem que ama suas prprias opinies, que acredito em tudo o que digo, que honrei vosso irmo, como vos honro a vs, e nisso me apoiei para assumir o ttulo (sem vosso conhecimento) de ser, como sou, Senhor, Vosso mui humilde e mui obediente servidor THO. HOBBES Paris, 15/25 de abril de 1651. Introduo Do mesmo modo que tantas outras coisas, a natureza (a arte mediante a qual Deus fez e governa o mundo) imitada pela arte dos homens tambm nisto: que lhe possvel fazer um animal a rtificial. Pois vendo que a vida no mais do que um movimento dos membros, cujo incio ocorre em alg uma parte principal interna, por que no poderamos dizer que todos os autmatos (mquinas que se movem a si mesmas por meio de molas, tal como um relgio) possuem uma vida artificial? Pois o que o coraro, seno uma mola; e os nervos, seno outras tantas cordas; e as juntas, seno outras tantas roda s, imprimindo movimento ao corpo inteiro, tal como foi projetado pelo Artfice? E a arte vai mais longe ai nda, imitando aquela criatura racional, a mais excelente obra da natureza, o Homem. Porque pela arte criado aq uele grande Leviat a que se chama Estado, ou Cidade (em latim Civitas), que no seno um homem artificial, em bora de maior estatura e fora do que o homem natural, para cuja proteo e defesa foi projetado. E no qual a soberania uma alma artificial, pois d vida e movimento ao corpo inteiro; os magistrados e o utros funcionrios judiciais

ou executivos, juntas artificiais; a recompensa e o castigo (plos quais, ligados ao trono da soberania, todas as juntas e membros so levados a cumprir seu dever) so os nervos, que fazem o mesmo n o corpo natural; a riqueza e prosperidade de todos os membros individuais so a fora; Salus Populi (a segurana do povo) seu objetivo; os conselheiros, atravs dos quais todas as coisas que necessita saber l he so sugeridas, so a memria; a justia e as leis, uma razo e uma vontade artificiais; a concrdia a sade; a sedio a doena; e a guerra civil a morte. Por ltimo, os pactos e convenes mediante os quais as part es deste Corpo Poltico foram criadas, reunidas e unificadas assemelham-se quele Fiat, ao Faamos o homem p roferido por Deus na Criao. Para descrever a natureza deste homem artificial, examinarei: Primeiro, sua matria, e seu artfice; ambos os quais so o homem. Segundo, como, e atravs de que convenes feito; quais so os direitos e o justo poder ou autoridade de um soberano; e o que o preserva e o desagrega. Terceiro, o que um Estado Cristo. Quarto, o que o Reino das Trevas.

Relativamente ao primeiro aspecto, h um ditado que ultimamente tem sido muito usa do: que a sabedoria no se adquire pela leitura dos livros, mas do homem. Em conseqncia do que aquelas pessoas que regra geral so incapazes de apresentar outras provas de sua sabedoria, comprazemse em mostrar o que pensam ter lido nos homens, atravs de impiedosas censuras que fazem umas s outras, por trs das costas. Mas h um outro ditado que ultimamente no tem sido compreendido, graas ao qual os ho mens poderiam realmente aprender a ler-se uns aos outros, se se dessem ao trabalho de faz-lo: i sto , Nosce te ipsum, L-te a ti mesmo. O que no pretendia ter sentido, atualmente habitual, de pr cobro brbara c onduta dos detentores do poder para com seus inferiores, ou de levar homens de baixa estirpe a um comp ortamento insolente para com seus superiores. Pretendia ensinar-nos que, a partir da semelhana entre os pe nsamentos e paixes dos diferentes homens, quem quer que olhe para dentro de si mesmo, e examine o que f az quando pensa, opina, raciocina, espera, receia, etc., e por que motivos o faz, poder por esse meio ler e conhecer quais so os pensamentos e paixes de todos os outros homens, em circunstncias idnticas. Refiro-m e semelhana das paixes, que so as mesmas em todos os homens, desejo, medo, esperana, etc., e no seme lhana dos objetos das paixes, que so as coisas desejadas, temidas, esperadas, etc. Quanto a estas ltimas, a constituio individual e a educao de cada um so to variveis, e so to fceis de ocul so conhecimento, que os caracteres do corao humano, emaranhados e confusos como so, de vido dissimulao, mentira, ao fingimento e s doutrinas errneas, s se tornam legveis para m investiga os coraes. E, embora por vezes descubramos os desgnios dos homens atravs de suas aes, te tar faz-lo sem compar-las com as nossas, distinguindo todas as circunstncias capazes de alterar o caso, o mesmo que decifrar sem ter uma chave, e deixar-se as mais das vezes enganar, quer por exce sso de confiana ou por excesso de desconfiana, conforme aquele que l seja um bom ou um mau homem. Mas mesmo que um homem seja capaz de ler perfeitamente um outro atravs de suas aes, isso servir-lhe- apenas com seus conhecidos, que so muito poucos. Aquele que vai govern ar uma nao inteira deve ler, em si mesmo, no este ou aquele indivduo em particular, mas o gnero humano . O que coisa difcil, mais ainda do que aprender qualquer lngua ou qualquer cincia, mas ainda ass im, depois de eu ter exposto claramente e de maneira ordenada minha prpria leitura, o trabalho que a o utros caber ser apenas verificar se no encontram o mesmo em si prprios. Pois esta espcie de doutrina no adm ite outra demonstrao. PRIMEIRA PARTE

DO HOMEM CAPTULO I Da sensao No que se refere aos pensamentos do homem, consider-los-ei primeiro isoladamente, e depois em cadeia, ou dependentes uns dos outros. Isoladamente, cada um deles uma represent ao ou aparncia de alguma qualidade, ou outro acidente de um corpo exterior a ns, o que comumente se chama um objeto. O qual objeto atua nos olhos, nos ouvidos, e em outras partes do corpo do homem, e pela forma diversa como atua produz aparncias diversas. A origem de todas elas aquilo que denominamos sensao (pois no h nenhuma concepo no esprito do homem, que primeiro no tenha sido originada, total ou parcialmente, nos rgos dos sentidos). O resto deriva daquela origem. Para o que agora nos ocupa, no muito necessrio conhecer a causa natural da sensao, e escrevi largamente sobre o assunto em outro lugar. Contudo, para preencher cada parte do meu presente mtodo, repetirei aqui rapidamente o que foi dito. A causa da sensao o corpo exterior, ou objeto, que pressiona o rgo

prprio de cada sentido, ou de forma imediata, como no gosto e tato, ou de forma m ediata, como na vista, no ouvido, e no cheiro; a qual presso, pela mediao dos nervos, e outras cord as e membranas do corpo, prolongada para dentro em direo ao crebro e corao, causa ali uma resistncia, o contrapresso, ou esforo do corao, para se transmitir; cujo esforo, porque para fora, parece ser de algum modo exterior. E a esta aparncia, ou iluso, que os homens chamam sensao; e consiste, no que se refe re viso, numa luz, ou cor figurada; em relao ao ouvido, num som, em relao ao olfato, num cheiro, e m relao lngua e paladar, num sabor, e, em relao ao resto do corpo, em frio, calor, dureza, macieza , e outras qualidades, tantas quantas discernimos pelo sentir. Todas estas qualidades denominadas sensve is esto no objeto que as causa, mas so muitos os movimentos da matria que pressionam nossos rgos de maneira d iversa. Tambm em ns, que somos pressionados, elas nada mais so do que movimentos diversos (pois o movimento nada produz seno o movimento). Mas sua aparncia para ns iluso, quer .guando estamos acord ados quer quando estamos sonhando. E do mesmo modo que pressionar, esfregar, ou bater nos olhos nos faz supor uma luz, e pressionar o ouvido produz um som, tambm os corpos que vemos ou ouvimos pr oduzem o mesmo efeito pela sua ao forte, embora n observada. Porque se essas cores e sons estives sem nos corpos, ou objetos que os causam, no podiam ser separados deles, como nos espelhos e nos ecos por re flexo vemos que eles so, nos quais sabemos que a coisa que vemos est num lugar e a aparncia em outro. E muito embora, a uma certa distncia, o prprio objeto real parea confundido com a aparncia que produz em ns , mesmo assim o objeto uma coisa, e a imagem ou iluso uma outra. De tal modo que em todos os caso s a sensao nada mais do que a iluso originria, causada (como disse) pela presso, isto , pelo movimento da s coisas exteriores nos nossos olhos, ouvidos e outros rgos a isso determinados.

Mas as escolas de Filosofia, em todas as Universidades da Cristandade, baseadas em certos textos de Aristteles, ensinam outra doutrina e dizem, a respeito da causa da viso, que a coi sa vista envia em todas as direes uma species visvel ou, traduzindo, uma exibio, apario ou aspecto visvel, ou r visto, cuja recepo nos olhos a viso. E quanto causa da audio, dizem que a coisa ouvida envia u species audvel, isto , um aspecto audvel, ou um ser audvel, o qual, entrando na orelha, faz a audio. Tambm no que se refere causa do entendimento, dizem que a coisa compreendida emite uma sp ecies inteligvel, isto , um ser inteligvel, o qual, entrando no entendimento, nos faz entender. No digo ist o para criticar o uso das Universidades, mas porque, devendo mais adiante falar em seu papel no Estado, te nho de mostrar, em todas as ocasies em que isso vier a propsito, que coisas devem nelas ser corrigidas, entre as quais temos de incluir a freqncia do discurso destitudo de significado.

CAPTULO II Da imaginao Nenhum homem duvida da verdade da seguinte afirmao: quando uma coisa est imvel, permanecer imvel para sempre, a menos que algo a agite. Mas no to fcil aceitar esta utra, que quando uma coisa est em movimento, permanecer eternamente em movimento, a menos que algo a pare, muito embora a razo seja a mesma, a saber, que nada pode mudar por si s. Porque os homen s avaliam, no apenas os outros homens, mas todas as outras coisas, por si mesmos, e, porque depois do movimento se acham sujeitos dor e ao cansao, pensam que todo o resto se cansa do movimento e procura naturalmente o repouso, sem meditarem se no consiste em qualquer outro movimento esse desejo de repouso que encontram em si prprios. Da se segue que as escolas afirmam que os corpos pesados caem para baixo por falta de um desejo para o repouso, e para conservao da sua natureza naquele lugar que mais ade quado para eles, atribuindo, de maneira absurda, a coisas inanimadas o desejo e o conhecimento do que bom para sua conservao (o que mais do que o homem possui).

Quando um corpo est em movimento, move-se eternamente (a menos que algo o impea), e seja o que for que o faa, no o pode extinguir totalmente num s instante, mas apenas com o temp o e gradualmente, como vemos que acontece com a gua, pois, muito embora o vento deixe de soprar, as ondas continuam a rolar durante muito tempo ainda. O mesmo acontece naquele movimento que se obser va nas partes internas do homem, quando ele v, sonha, etc., pois aps a desapario do objeto, ou quando os olhos esto fechados, conservamos ainda a imagem da coisa vista, embora mais obscura do que quando a v emos. E a isto que os latinos chamam imaginao, por causa da imagem criada pela viso, e aplicam o mesmo te rmo, ainda que indevidamente, a todos os outros sentidos. Mas os gregos chamam-lhe fantasia, qu e significa aparncia, e to adequado a um sentido como a outro. A imaginao nada mais portanto seno uma sensa iminuda,

e encontra-se nos homens, tal como em muitos outros seres vivos, quer estejam ad ormecidos, quer estejam despertos.

A diminuio da sensao nos homens acordados no a diminuio do movimento feito na sens mas seu obscurecimento, um pouco maneira como a luz do sol obscurece a luz das e strelas, as quais nem por isso deixam de exercer a virtude pela qual so visveis, durante o dia menos do que noite. Mas porque, entre as muitas impresses que os nossos olhos, ouvidos e outros rgo recebem dos cor pos exteriores, s sensvel a impresso predominante, assim tambm, sendo a luz do sol predominante, no so mos afetados pela ao das estrelas. E quando qualquer objeto e afastado dos nossos olhos, muito embor a permanea a impresso que fez em ns, outros objetos mais presentes sucedem-se e atuam em ns, e a imaginao do passado fica obscurecida e enfraquecida, tal como a voz de um homem no rudo dirio. Daqui se segue que quanto mais tempo decorrer desde a viso ou sensao de qualquer objeto, tanto mais fr aca a imaginao. Pois a contnua mudana do corpo do homem destri com o tempo as partes que foram agit adas na sensao, de tal modo que a distncia no tempo e no espao tm ambas o mesmo efeito em ns. Pois t al como distncia no espao os objetos para que olhamos nos aparecem minsculos e indistintos em seus pormenores e as vozes se tornam fracas e inarticuladas, assim tambm, depois de uma grande distn cia de tempo, a nossa imaginao do passado fraca e perdemos, por exemplo, muitos pormenores das cidades q ue vimos, das ruas, e muitas circunstncias das aes. Esta sensao diminuda, quando queremos exprimir a prp coisa (isto , a prpria iluso), denomina-se imaginao, como j disse anteriormente; mas, quando querem os exprimir a diminuio e significar que a sensao evanescente, antiga e passada, denomina-se memria Assim a imaginao e a memria so uma e a mesma coisa, que, por razes vrias, tem nomes diferente . Muita memria, ou a memria de muitas coisas, chama-se experincia. A imaginao diz respe ito apenas quelas coisas que foram anteriormente percebidas pela sensao, ou de uma s vez , ou por partes em vrias vezes. A primeira (que consiste em imaginar o objeto em sua totalidade, tal como ele se apresentou na sensao) a imaginao simples, como quando imaginamos um homem, ou um cavalo que vimos antes; a outra composta, como quando a partir da viso de um homem num determinado momento, e de um cavalo em outro momento, concebemos no nosso esprito um centauro. Assim, quando algum com pe a imagem de sua prpria pessoa com a imagem das aes de outro homem, como quando algum se imagina um Hrcules, ou um Alexandre (o que freqentemente acontece queles que lem muitos romances), trat a-se de uma imaginao composta e na verdade nada mais do que uma fico do esprito. Existem tambm ras imagens que surgem nos homens (ainda que em estado de viglia) devido a uma forte

impresso feita na sensao, como acontece quando, depois de olharmos fixamente para o Sol, permanece d iante dos nossos olhos uma imagem do Sol que se conserva durante muito tempo depois; ou quando, d epois de atentar longa e fixamente para figuras geomtricas, o homem (ainda que em estado de viglia) tem no escuro as imagens de linhas e ngulos diante de seus olhos. Este tipo de iluso no tem nenhum nome especia l, por ser uma coisa que no aparece comumente no discurso dos homens.

As imaginaes daqueles que se encontram adormecidos denominam-se sonhos. E tambm est as (tal como as outras imaginaes) estiveram anteriormente, ou em sua totalidade ou parcial mente, na sensao. E porque, na sensao, o crebro e os nervos, que constituem os rgos necessrios da sensa to de tal modo entorpecidos que no so facilmente agitados pela ao dos objetos externos, no pode haver no sono qualquer imaginao ou sonho que no provenha da agitao das partes internas do corpo do homem. Estas partes internas, pela conexo que tm com o crebro e outros rgos, quando esto agitadas antm os mesmos em movimento. Donde se segue que as imaginaes ali anteriormente formadas su rgem como se o homem estivesse acordado, com a ressalva que, estando agora os rgos dos sentidos e ntorpecidos, a ponto de nenhum novo objeto os poder dominar e obscurecer com uma impresso mais vigorosa, um sonho tem de ser mais claro, em meio a este silncio da sensao, do que nossos pensamentos quando desp ertos. E daqui se segue que uma questo difcil, e talvez mesmo impossvel, estabelecer uma distino clara entre sensao e sonho. No que me diz respeito, quando observo que nos sonhos no penso muitas veze s nem constantemente nas mesmas pessoas, lugares, objetos, aes que ocupam o meu pensamento quando estou acordado, e que no recordo uma to longa cadeia de pensamentos coerentes, sonhando como em outros m omentos, e porque acordado observo muitas vezes o absurdo dos sonhos, mas nunca sonho com os absur dos de meus pensamentos despertos, contento-me com saber que, estando desperto, no sonho, mui to embora, quando sonho, me julgue acordado. E dado que os sonhos so causados pela perturbao de algumas das parte internas do co rpo, perturbaes diversas tm de causar sonhos diversos. E daqui se segue que estar deitad o com frio provoca sonhos de terror e faz surgir o pensamento e a imagem de alguns objetos temeroso s (sendo recprocos o movimento do crebro para as partes internas, e das partes internas para o crebro). E que do mesmo modo

que a clera provoca, quando estamos acordados, calor em alugas partes do corpo, a ssim tambm, quando estamos dormindo, o excesso de calor de algumas das partes provoca a clera, e faz surgir no crebro a imaginao de um inimigo. Da mesma maneira, tal como a bondade natural causa deseje quando estamos despertos, e o desejo provoca calor em certas outras partes do corpo, assim tambm o excesso de calor nessas partes, enquanto dormimos, faz surgir no crebro uma imaginao de alguma bondade mani festada. Em suma nossos sonhos so o reverso de nossas imaginaes despertas, iniciando-se o movimento por um lado quando estamos acordados, e por outro quando sonhamos. Observa-se a maior dificuldade em discernir o sonho dos pensamentos despertos qu ando, por qualquer razo, nos apercebemos de que no dormimos, o que fcil de acontecer a um homem cheio de pensamentos terrveis e cuja conscincia se encontra muito perturbada, e dorme sem mesmo ir para a cama ou tirar a roupa, como algum que cabeceia numa cadeira. Pois aquele que se esfora por dormir e cuida dosamente se deita para adormecer, no caso de lhe aparecer alguma iluso inesperada e extravagante, s a pode pensar como um sonho. Lemos acerca de Marcos Bruto (aquele a quem a vida foi concedida por Jlio Csar e que foi tambm

o seu valido, e que apesar disso o matou) de que maneira em Filipi, na noite ant es da batalha contra Csar Augusto, viu uma tremenda apario, que freqentemente narrada pelos historiadores com o uma viso, mas, consideradas as circunstncias, podemos facilmente ajuizar que nada mais foi do qu e um curto sonho. Pois estando em sua tenda, pensativo e perturbado com o horror de seu ato temerrio, no lhe foi difcil, ao dormitar no frio, sonhar com aquilo que mais o atemorizava, e esse temor, assim como gradualmente o fez acordar, tambm gradualmente deve ter feito a apario desaparecer. E, no tendo nenhuma certeza de ter dormido, no podia ter qualquer razo para pens-la como um sonho, ou qualquer outra c oisa que no fosse uma viso. E isto no acontece raramente, pois mesmo aqueles que esto perfeitamente a cordados, se foram temerosos e supersticiosos, se se encontrarem possudos por contos de horror, e es tiverem sozinhos no escuro, esto sujeitos a tais iluses e julgam ver espritos e fantasmas de pessoas mortas pas seando nos cemitrios, quando ou apenas iluso deles, ou ento a velhacaria de algumas pessoas que se serve m desse temor supersticioso para andar disfarados de noite a caminho de lugares que no gostariam que se soubesse serem por elas freqentados. Desta ignorncia quanto distino entre os sonhos, e outras iluses fortes, e a viso e a sensao, surgiu, no passado, a maior parte da religio dos gentios, os quais adoravam stiros , faunos, ninfas, e outros seres semelhantes, e nos nossos dias a opinio que a gente grosseira tem das fadas , fantasmas, e gnomos, e do poder das feiticeiras. Pois, no que se refere s feiticeiras, no penso que sua feit

iaria seja algum poder verdadeiro; mas contudo elas so justamente punidas, pela falsa crena que possuem, acrescentada ao seu objetivo de a praticarem se puderem, estando sua atividade mais prxima de uma nov a religio do que de uma arte ou uma cincia. E quanto s fadas e fantasmas ambulantes, a idia deles foi, pens o, com o objetivo ou expresso ou no refutado, de manter o uso do exorcismo, das cruzes, da gua benta, e outras tantas invenes de homens religiosos. Contudo, no h dvida de que Deus pode provocar aparies no natura s, mas no questo de dogma na f crist que ele as provoque com tanta freqncia que os homens as de vam temer mais do que temem a permanncia, ou a modificao do curso da Natureza, que ele tambm pode d eter e mudar. Mas homens perversos, com o pretexto de que Deus nada pode fazer, levam a sua ou sadia ao ponto de afirmarem seja o que for que lhes convenha, muito embora saibam que mentira. Cab e ao homem sensato s acreditar naquilo que a justa razo lhe apontar como crvel. Se desaparecesse este t emor supersticioso dos espritos, e com ele os prognsticos tirados dos sonhos, as falsas profecias, e muit as outras coisas dele decorrentes, graas s quais pessoas ambiciosas e astutas abusam da credulidade da g ente simples, os homens estariam muito mais bem preparados do que agora para a obedincia civil. E esta devia ser a tarefa das Escolas, mas elas pelo contrrio alimentam tal doutr ina. Pois (ignorando o que seja a imaginao, ou a sensao) aquilo que recebem, ensinam: uns dizendo que as im aginaes surgem deles mesmos e no tm causa; outros afirmando que elas surgem mais comumente da von tade, e que os bons pensamentos so insuflados (inspirados) no homem por Deus, e os maus pensamentos p elo Diabo. Ou ento que os bons pensamentos so despejados (infundidos) no homem por Deus, e os maus p ensamentos pelo Diabo. Alguns dizem que os sentidos recebem as espcies das coisas, e as transmite m ao sentido comum, e o sentido comum as transmite por sua vez fantasia, e a fantasia memria, e a memria a o juzo, tal como coisas passando de mo em mo, com muitas palavras que nada ajudam compreenso. A imaginao que surge no homem (ou qualquer outra criatura dotada da faculdade de i maginar) pelas palavras, ou quaisquer outros sinais voluntrios, o que vulgarmente chamamos enten dimento, e comum ao homem e aos outros animais. Pois um co treinado entender o chamamento ou a reprime nda do dono, e o mesmo acontece com outros animais. Aquele entendimento que prprio do homem o ente ndimento no s de sua vontade, mas tambm de suas concepes e pensamentos, pela seqncia e contextura d os nomes das

coisas em afirmaes, negaes, e outras formas de discurso, e deste tipo de entendiment os falarei mais adiante. CAPTULO III Da conseqncia ou cadeia de imaginaes Por conseqncia, ou cadeia de pensamentos, entendo aquela sucesso de um pensamento a outro, que se denomina (para se distinguir do discurso em palavras) discurso mental.

Quando o homem pensa seja no que for, o pensamento que se segue no to fortuito com o poderia parecer. No qualquer pensamento que se segue indiferentemente a um pensamento. Ma s, assim como no temos uma imaginao da qual no tenhamos tido antes uma sensao, na sua totalidade ou em parte, do mesmo modo no temos passagem de uma imaginao para outra se no tivermos tido previame nte o mesmo nas nossas sensaes. A razo disto a seguinte: todas as iluses so movimentos dentro de ns, vestgios daqueles que foram feitos na sensao; e aqueles movimentos que imediatamente se suc edem uns aos outros na sensao continuam tambm juntos depois da sensao. Assim, aparecendo novamente o prim eiro e sendo predominante, o outro segue-o, por coerncia da matria movida, maneira da gua sobre uma mesa lisa, que, quando se empurra uma parte com o dedo, o resto segue tambm. Mas porque na sensao d e uma mesma coisa percebida ora se sucede uma coisa ora outra, acontece no tempo que ao imag inarmos alguma coisa no h certeza do que imaginaremos em seguida. S temos a certeza de que ser alguma coisa que antes, num ou noutro momento, se sucedeu quela. Esta cadeia de pensamentos, ou discurso mental, de dois tipos. O primeiro livre, sem desgnio, e inconstante. Como quando no h um pensamento apaixona do para governar e dirigir aqueles que se lhe seguem, como fim ou meta de algum desejo, ou outra paixo. Neste caso diz-se que os pensamentos vagueiam, e parecem impertinentes uns aos outros, como aconte ce no sonho. Assim so comumente os pensamentos dos homens que no s esto sem companhia mas tambm sem quaisq uer preocupaes, embora mesmo ento seus pensamentos estejam to ocupados como em qualquer outro momento, mas desta vez sem harmonia, como o som de um alade fora de tom, ou, mesm o dentro do tom, tocado por algum que no saiba tocar. E contudo, nesta selvagem disposio de esprito, o homem pode muitas vezes perceber o seu curso e a dependncia de um pensamento em relao a outro. Pois num discurso da nossa atual guerra civil, que coisa pareceria mais impertinente do que pergun tar (como efetivamente aconteceu) qual era o valor de um dinheiro romano? Contudo para mim a coerncia er a assaz manifesta, pois o pensamento da guerra trouxe o pensamento da entrega do rei aos seus inimigos; este pensamento trouxe o pensamento da entrega de Cristo; e este por sua vez o pensamento dos trinta dinh

eiro, que foram o preo da traio: e da facilmente se seguiu aquela pergunta maliciosa. E tudo isto num breve m omento, pois o pensamento clere. A segunda mais constante por ser regulada por algum desejo ou desgnio. Pois a imp resso feita por aquelas coisas que desejamos, ou receamos, forte e permanente, ou (quando cessa por alguns momentos) de rpido retorno. por vezes to forte que impede e interrompe nosso sono. Do desejo su rge o pensa mento de algum meio que vimos produzir algo de semelhante quilo que almejamos e do pensame nto disso, o pensamento de meios para aquele meio; e assim sucessivamente, at chegarmos a algu m incio dentre de nosso prprio poder. E porque o fim, pela grandeza da impresso, vem muitas vezes ao esprito, no caso de nossos pensamentos comearem a divagar, eles so rapidamente trazidos de novo ao cam inho certo. O que, observado por um dos sete sbios, o levou a dar aos homens o seguinte preceito, qu e hoje est esquecido, Respice finem, o que significa que em todas as nossas aes devemos olhar muitas vez es para aquilo que queremos ter, pois deste modo concentramos todos os nossos pensamentos na forma de o atingir. A cadeia dos pensamentos regulados de duas espcies: uma, quando, a partir de um e feito imaginado, procuramos as causas, ou meios que o produziram, e esta espcie comum ao homem e a os outros animais; a outra quando, imaginando seja o que for, procuramos todos os possveis efeitos que podem por essa coisa ser produzidos ou, por outras palavras, imaginamos o que podemos fazer com ela, quando a tivermos. Desta espcie s tenho visto indcios no homem, pois se trata de uma curiosidade pouco provve l na natureza de qualquer ser vivo que no tenha outras paixes alm das sensuais, como por exemplo a f ome, a sede, a lascvia e a clera. Em suma, o discurso do esprito, quando governado pelo desgnio, na da mais do que procura, ou a capacidade de inveno, que os latinos denominaram sagacitas e solerti a, uma busca das causas de algum efeito presente ou passado, ou dos efeitos de alguma causa passada ou p resente. Umas vezes o homem procura aquilo que perdeu, e daquele lugar e tempo em que sentiu a sua fal ta, o seu esprito volta atrs, de lugar em lugar, de momento em momento, a fim de encontrar onde e quando o tinha; ou, por outras

palavras, para encontrar algum momento e lugar certo e limitado no qual possa co mear um mtodo de procura. Mais uma vez, da os seus pensamentos percorrem os mesmos lugares e momen tos, a fim de descobrir que ao, ou outra ocasio o podem ter feito perder. A isto chamamos recorda ro, ou o ato de trazer ao esprito; os latinos chamavam-lhe reminiscentia, por se tratar de um reconhecim ento das nossas aes passadas. s vezes o homem conhece um lugar determinado, no mbito do qual ele deve procurar, e ento seus pensamentos acorrem de todos os lados para ali, como quando algum varre uma sala para encontrar uma jia, ou quando um cachorro percorre um campo para encontrar um rastro, ou quando um h omem percorre o alfabeto para iniciar uma rima.

s vezes o homem deseja conhecer o acontecimento de uma ao, e ento pensa em alguma ao semelhante no passado, e os acontecimentos dela, uns aps os outros, supondo que a contecimentos semelhantes se devem seguir a aes semelhantes. Como aquele que prev o que acontecer a um criminoso reconhece aquilo que ele viu seguir-se de crimes semelhantes no passado, tendo e sta ordem de pensamentos: o crime, o oficial de justia, a priso, o juiz e as gals. A este tipo de pensamentos s e chama previso, e prudncia, ou providncia, e algumas vezes sabedoria, embora tal conjetura, devido d ificuldade de observar todas as circunstncias, seja muito falaciosa. Mas isto certo: quanto mais experinc ia das coisas passadas tiver um homem, tanto mais prudente , e suas previses raramente falham. S o present e tem existncia na natureza; as coisas passadas tm existncia apenas na memria, mas as coisas que esto p ara vir no tm existncia alguma, sendo o futuro apenas uma fico do esprito, aplicando as conseqncias das aes passadas s aes que so presentes, o que feito com muita certeza por aquele que tem ma is experincia, mas no com a certeza suficiente. E muito embora se denomine prudncia quando o acon tecimento corresponde a nossa expectativa, contudo, em sua prpria natureza, nada mais do qu e suposio. Poisa previso das coisas que esto para vir, que providncia, s compete quele por cuja vonta e as coisas devem acontecer. Dele apenas, e sobrenaturalmente, deriva a profecia. O melhor profeta naturalmente o melhor adivinho, e o melhor adivinho aquele que mais versado e erudito nas questes que a divinha, pois ele tem maior nmero de sinais pelos quais se guiar. Um sinal o evento antecedente do conseqente, e contrariamente, o conseqente do ant ecedente, quando conseqncias semelhantes foram anteriormente observadas. E quanto mais vezes tiverem sido observadas, menos incerto o sinal. E portanto aquele que possuir mais experincia em qualquer tipo de assunto tem maior nmero de sinais por que se guiar para adivinhar os tempos futur os, e consequentemente

o mais prudente. E muito mais prudente do que aquele que novato nesse assunto, d esde que no seja igualado por qualquer vantagem de uma sabedoria natural e extemporria, muito embo ra os jovens possam pensar o contrrio. Contudo no a prudncia que distingue o homem dos outros animais. H animais que com u m ano observam mais e alcanam aquilo que bom para eles de uma maneira mais prudente do que jamais alguma criana poderia fazer com dez anos. Do mesmo modo que a prudncia uma suposio do futuro, tirada da experincia dos tempos passados, tambm h uma suposio das coisas passadas tirada de outras coisas, no futuras , mas tambm passadas. Pois aquele que tiver visto por que graus e fases um Estado florescent e primeiro entra em guerra civil e depois chega runa, ao observar as runas de qualquer outro Estado, pressupo r uma guerra semelhante e fases semelhantes ali tambm. Mas esta conjetura tem quase a mesma in certeza que a conjetura do futuro, sendo ambas baseadas apenas na experincia. No h qualquer outro ato do esprito humano que eu possa lembrar, naturalmente implan tado nele, que exija alguma coisa mais alm do fato de ter nascido homem e de ter vivido com o uso de seus cinco sentidos. Aquelas outras faculdades das quais falarei a pouco e pouco, e que par ecem caractersticas apenas do homem, so adquiridas e aumentadas com o estudo e a indstria, e so aprendidas pel o homem atravs da instruo e da disciplina, e procedem todas da inveno das palavras e do discurso. Pois alm da sensao e dos pensamentos e, da cadeia de pensamentos, o esprito do homem no tem qualquer ou tro movimento, muito embora, com a ajuda do discurso e do mtodo, as mesmas faculdades possam ser desenvolvidas a tal ponto que distinguem os homens de todos os outros seres vivos. Seja o que for que imaginemos finito. Portanto no existe qualquer idia. ou concepo, de algo que denominamos infinito. Nenhum homem pode ter em seu esprito uma imagem de magnitud e infinita, nem conceber uma velocidade infinita, um tempo infinito, ou uma fora infinita, ou um poder infinito. Quando dizemos que alguma coisa infinita, queremos apenas dizer que no somos capazes de conceber os limites e fronteiras da coisa designada, no tendo concepo da coisa, mas de nossa prpria incapa cidade. Portanto o nome de Deus usado, no para nos fazer conceb-lo (pois ele incompreensvel e sua gran deza e poder so

inconcebveis), mas para que o possamos venerar. Tambm porque (como disse antes) se ja o que for que concebamos foi primeiro percebido pela sensao, quer tudo de uma vez, quer por part es. O homem no pode ter um pensamento representando alguma coisa que no esteja sujeita sensao. Nenhum h omem portanto pode conceber uma coisa qualquer, mas tem de a conceber em algum lugar, e dotada de uma determinada magnitude, e suscetvel de ser dividida em partes. Que alguma coisa est toda neste lugar, e toda em outro lugar ao mesmo tempo; que duas, ou mais coisas, podem estar num e no mesmo lugar ao mesmo tempo: nenhuma destas coisas jamais ocorreu ou pode ocorrer na sensao; mas so discursos ab surdos, aceitos pela autoridade (sem qualquer significao) de filsofos iludidos, e de escolsticos iludidos , ou iludidores. CAPTULO IV Da linguagem A inveno da imprensa, conquanto engenhosa, comparada com a inveno das letras, coisa de somenos importncia. Mas ignora-se quem pela primeira vez descobriu o uso das letr as. Diz-se que o primeiro que as trouxe para a Grcia foi Cadmus, filho de Agenor, rei da Fencia. Uma inveno fe cunda para prolongar a memria dos tempos passados, e estabelecer a conjuno da humanidade, disp ersa por tantas e to distantes regies da Terra, e com dificuldade, como se v pela cuidadosa observao dos diversos movimentos da lngua, palato, lbios, e outros rgos da fala, em estabelecer tantas dif erenas de caracteres quantas as necessrias para recordar. Mas a mais nobre e til de todas as invenes foi a da linguagem, que consiste em nomes ou apelaes e em suas conexes, pelas quais os homens registram seu s pensamentos, os recordam depois de passarem, e tambm os usam entre si para a utilidade e conversa recprocas, sem o que no haveria entre os homens nem Estado, nem sociedade, nem contrato, nem paz, tal como no existem entre os lees, os ursos e os lobos. O primeiro autor da linguagem foi o prprio Deus, que ensinou a Ado a maneira de designar aquelas criaturas que colocava sua vista, pois as Escrituras nada mais dizem a este respeito. Mas isto foi suficiente para lev-lo a acrescentar mais nomes, medida qu e a experincia e o convvio com as criaturas lhe forneciam ocasio para isso, e para lig-los gradualment e de modo a fazer-se compreender. E assim com o passar do tempo pde ser encontrada toda aquela linguag em para a qual ele descobriu uma utilidade, embora no fosse to abundante como aquela de que necessita o orador ou o filsofo. Pois nada encontrei nas Escrituras que pudesse afirmar, direta ou indire tamente, que a Ado foram ensinados os nomes de todas as figuras, nmeros, medidas, cores, sons, iluses, relaes , e muito menos os nomes de palavras e de discursos, como geral, especial, afirmativo, negativo, in terrogativo, optativo,

infinitivo, as quais so todas teis, e muito menos os de entidade, intencionalidade , qididade, e outras insignificantes palavras das Escolas.

Mas toda esta linguagem adquirida e aumentada por Ado e sua posteridade, foi nova mente perdida na torre de Babel, quando pela mo de Deus todos os homens foram punidos, devido a su a rebelio, com o esquecimento de sua primitiva linguagem. E sendo depois disso forados a dispersar em-se pelas vrias partes do mundo, resultou necessariamente que a diversidade de lnguas que hoje existe pr oveio gradualmente dessa separao, medida que a necessidade (a me de todas as invenes) os foi ensinando, e com o passar dos tempos tornaram-se por toda a parte mais abundantes. O uso geral da linguagem consiste em passar nosso discurso mental para um discur so verbal, ou a cadeia de nossos pensamentos para uma cadeia de palavras. E isto com duas utilid ades, uma das quais consiste em registrar as conseqncias de nossos pensamentos, os quais, podendo esca par de nossa memria e levar-nos deste modo a um novo trabalho, podem ser novamente recordados por aque las palavras com que foram marcados. De maneira que a primeira utilizao dos nomes consiste em servirem de marcas, ou notas de lembrana. Uma outra utilizao consiste em significar, quando muitos usam as mesma s palavras (pela sua conexo e ordem), uns aos outros aquilo que concebem, ou pensam de cada assunto, e tambm aquilo que desejam, temem, ou aquilo por que experimentam alguma paixo. E devido a esta util izao so chamados sinais. Os usos especiais da linguagem so os seguintes: em primeiro lugar, regist rar aquilo que por cogitao descobrimos ser a causa de qualquer coisa, presente ou passada, e aquilo que ach amos que as coisas presentes ou passadas podem produzir, ou causar, o que em suma adquirir artes. Em segundo lugar, para mostrar aos outros aquele conhecimento que atingimos, ou seja, aconselhar e ensinar uns aos outros. Em terceiro lugar, para darmos a conhecer aos outros nossas vontades e objetivos, a fim de podermos obter sua ajuda. Em quarto lugar, para agradar e para nos deliciarmos, e aos outros, jogando com as palavra s, por prazer e ornamento, de maneira inocente.

A estes usos correspondem quatro abusos. Primeiro, quando os homens registram er radamente seus pensamentos pela inconstncia da significao de suas palavras, com as quais registram por suas concepes aquilo que nunca conceberam, e deste modo se enganam. Em segundo lugar, quando u sam palavras de maneira metafrica, ou seja, com um sentido diferente daquele que lhes foi atribudo , e deste modo enganam os outros. Em terceiro lugar, quando por palavras declaram ser sua vontade aquil o que no . Em quarto lugar, quando as usam para se ofenderem uns aos outros, pois dado que a natureza armou os seres vivos, uns com dentes, outros com chifres, e outros com mos para atacarem o inimigo, nada mais d o que um abuso da linguagem ofend-lo com a lngua, a menos que se trate de algum que somos obrigados a governar, mas ento no ofender, e sim corrigir .e punir. A linguagem serve para a recordao das conseqncias de causas e efeitos, atravs da impo sio de nomes, e da conexo destes.

Alguns dos nomes so prprios, e singulares a uma s coisa, como Pedro, Joo, este homem , esta rvore; e alguns so comuns a muitas coisas, como homem, cavalo, rvore, cada um dos q uais, apesar de ser um s nome, contudo o nome de vrias coisas particulares, em relao s quais em conjunto se denomina um universal, nada havendo no mundo universal alm de nomes, pois as coisas nomead as so, cada uma delas, individuais e singulares. Um nome universal atribudo a muitas coisas, devido a sua semelhana em alguma quali dade, ou outro acidente, e, enquanto o nome prprio traz ao esprito uma coisa apenas, os uni versais recordam qualquer dessas muitas coisas. E dos nomes universais, uns so de maior e outros de menor extenso, os mais amplos compreendendo os menos amplos, e alguns de igual extenso compreendendo-se uns aos outros recipr ocamente. Como, por exemplo, o nome corpo tem maior significao do que a palavra homem, e a compreende, e os nomes homem e racional so de igual extenso, compreendendo-se um ao outro mutuamente. Mas aqui devemos chamar a ateno para o fato de por um nome no se entender sempre, como na gramtica, uma s palav ra, mas s vezes, por circunlocuo, muitas palavras juntas, pois todas estas palavras "aquele que em suas aes observa as leis do seu pas" constituem um s nome, equivalente a esta simples palavra justo .

Por esta imposio de nomes, uns mais amplos, outros de significao mais restrita, tran sformamos o clculo das conseqncias de coisas imaginadas no esprito num clculo das conseqncias de elaes. Por exemplo, um homem que no possui qualquer uso da linguagem (como aquele que nasceu e permaneceu

completamente surdo e mudo), se tiver diante dos olhos um tringulo e tambm dois ngu los retos (como os dos cantos de um quadrado), pode, atravs de medio, comparar e descobrir que os trs ng ulos daquele tringulo so iguais queles dois ngulos retos que esto ao lado. Mas, se lhe for mostrad o um outro tringulo diferente do primeiro na forma, ele no pode saber sem um novo trabalho se os trs ng ulos desse tringulo so tambm iguais ao mesmo. Mas aquele que tem o uso das palavras, quando observa qu e tal igualdade era conseqente, no do comprimento dos lados, nem de qualquer outro aspecto particular do tringulo, mas apenas do fato de os lados serem retos e os ngulos trs, e de isso ser aquilo que o levava a denominar tal figura um tringulo, no hesitar em concluir universalmente que tal igualdade dos ngul os existe em todos os tringulos, sejam eles quais forem, e em registrar sua inveno nestes termos gerais: "Todo tringulo tem seus trs ngulos iguais a dois ngulos retos". E assim a conseqncia descoberta num caso part icular passa a ser registrada e recordada, como uma regra universal, e alivia nosso clculo mental do espao e do tempo, e liberta-nos de todo o trabalho do esprito, economizando o primeiro, e faz que aqu ilo que se descobriu ser verdade aqui e agora seja verdade em todos os tempos e lugares. Mas o uso de palavras para registrar nossos pensamentos no to evidente como na num erao. Um louco natural que nunca conseguisse aprender de cor a ordem das palavras numerai s, como um, dois, trs, pode observar cada pancada de um relgio e acompanhar com a cabea, ou dizer um, um, um, mas nunca pode saber que horas esto batendo. E parece que houve uma poca em que esses nomes de nmeros no estavam em uso, e os homens contentavam-se em utilizar os dedos de uma ou das du as mos para aquelas coisas que desejavam contar, e da resultou que hoje as nossas palavras numerais s so dez em qualquer nao, e em algumas s so cinco, caso em que se recomea de novo. E aquele que sabe conta r dez, se os recitar fora de ordem, perder-se- e no saber o que esteve a fazer. E muito menos se r capaz de adicionar e subtrair e realizar todas as outras operaes da aritmtica. De modo que sem palavras no h qualquer possibilidade de reconhecer os nmeros, e muito menos as grandezas, a velocidade, a fora, e outras coisas, cujo clculo necessrio existncia, ou ao bem-estar da humanidade. Quando dois nomes esto ligados numa conseqncia, ou afirmao, como por exemplo "O homem um ser vivo", ou esta outra, "Se ele for um homem, um ser vivo", se o ltimo nome ser vivo significar tudo

o que o primeiro nome homem significa, ento a afirmao, ou conseqncia, verdadeira; de outro modo

falsa. Pois o verdadeiro e o falso so atributos da linguagem, e no das coisas. E o nde no houver linguagem, no h nem verdade nem falsidade. Pode haver erro, como quando esperamos algo que no acontece, ou quando suspeitamos algo que no aconteceu, mas em nenhum destes casos se pode acus ar um homem de inveracidade. Vendo ento que a verdade consiste na adequada ordenao de nomes em nossas afirmaes, um

homem que procurar a verdade rigorosa deve lembrar-se que coisa substitui cada p alavra de que se serve, e coloc-la de acordo com isso; de outro modo ver-se- enredado em palavras, como uma ave em varas enviscadas: quanto mais lutar, mais se fere. E portanto em geometria (que a nica cincia que prouve a Deus conceder humanidade) os homens comeam por estabelecer as significaes de suas palavr as, e a esse estabelecimento de significaes chamam definies, e colocam-nas no incio de seu clculo.

Por aqui se v como necessrio a qualquer pessoa que aspire a um conhecimento verdad eiro examinar as definies dos primeiros autores, ou para corrigi-las, quando tiverem si do estabelecidas de maneira negligente, ou para apresentar as suas prprias. Pois os erros de definies s e multiplicam medida que o clculo avana e conduzem os homens a absurdos, que finalmente descobrem, mas que no conseguem evitar sem calcular de novo, desde o princpio, no que reside a base de seus erros . De onde se segue que aqueles que acreditam nos livros procedem como aqueles que somam muitas pequenas somas numa maior, sem atentarem se essas pequenas somas foram ou no corretamente somadas; e finalme nte encontrando o erro visvel, e no duvidando das suas primeiras bases, no sabem que caminho seguir para s e esclarecerem, mas gastam tempo azafamando-se em torno de seus livros, como aves que, entrando numa chamin e vendo-se fechadas num quarto, adejam em torno da enganadora luz de uma janela, por no poss urem a sabedoria suficiente para atentarem por que caminho entraram. De tal modo que na correta d efinio de nomes reside o primeiro uso da linguagem, o qual consiste na aquisio de cincia; e na incorreta def inio, ou na ausncia de definies, reside o primeiro abuso, do qual resultam todas as doutrinas falsas e destitudas de sentido; o que torna aqueles homens que tiram sua instruo da autoridade dos livros, e no de su a prpria meditao, to inferiores condio dos ignorantes, quanto so superiores a estes os homens revestid os de uma verdadeira cincia. Pois entre a verdadeira cincia e as doutrinas errneas situa-se a ignorncia. A sensao e a imaginao naturais no esto sujeitas a absurdos. A natureza em si no pode errar; e m dida que os homens vo adquirindo uma abundncia de linguagem, vo-se tornando mais sbios ou mais l oucos do que habitualmente. Nem possvel sem letras que algum homem se torne ou extraordinariam ente sbio, ou (amenos que sua memria seja atacada por doena, ou deficiente constituio dos rgos) ext

aordinariamente louco. Pois as palavras so os calculadores dos sbios, que s com elas calculam; mas constituem a moeda dos loucos que a avaliam pela autoridade de um Aristteles, de um Ccero, ou de um T oms, ou de qualquer outro doutor que nada mais do que um homem. Sujeito aos nomes tudo aquilo que pode entrar, ou ser considerado, num clculo, e ser acrescentado um ao outro para fazer uma soma, ou subtrado um do outro e deixar um resto. Os la tinos chamavam aos cmputos de moeda rationes, e ao clculo ratiocinatio, e quilo que ns em contas ou liv ros de clculo denominamos itens, chamavam nomina, isto , nomes; e da parece resultar a extenso da palavra ratio faculdade de contar em todas as outras coisas. Os gregos tm uma s palavra, lgos, pa ra linguagem e razo, no que eles pensassem que no havia linguagem sem razo, mas sim que no havia raciocnio sem linguagem. E ao ato de raciocinar chamaram silogismo, o que significa somar as c onseqncias de uma proposio a outra. E porque as mesmas coisas podem entrar em cmputo para diversos ac identes, seus nomes so (para mostrar essa diversidade) diversamente deturpados, e diversificados. Est a diversidade dos nomes pode ser reduzida a quatro grupos gerais. Em primeiro lugar, uma coisa pode entrar em conta para matria ou corpo, como vivo , sensvel, racional, quente, frio, movido, parado, com todos os quais nomes a palavra matria ou corpo entendida, sendo todos eles nomes de matria. Segundo, pode entrar em conta, ou ser considerada para algum acidente ou qualida de, que concebemos estar nela, como para ser movido, ser to longo, ser quente, etc.; e ento, do nome da prpria coisa, por uma pequena mudana ou alterao, fazemos um nome para aquele acidente que consideramos, e para vivo fazemos vida, para movido, movimento, para quente, calor, para comprido, comprim ento, e assim sucessivamente. E todos esses nomes so os nomes dos acidentes e propriedades pelo s quais a matria e o corpo se distinguem um do outro. A estes nomes chama-se nomes abstratos, porque separados, no da matria, mas do clculo da matria.

Em terceiro lugar consideramos as propriedades de nossos prprios corpos mediante as quais estabelecemos distines, como quando alguma coisa vista por ns, ns contamos no a prp coisa, mas a

viso, a cor, a idia dela na fantasia, e quando alguma coisa ouvida, no a contamos, mas a audio ou o som apenas, que nossa fantasia ou concepo dela pelo ouvido, e estes so nomes de fan tasia. Em quarto lugar levamos em conta, consideramos e denominamos os prprios nomes e d iscursos, pois geral, universal, especial, equvoco, so nomes de nomes. E afirmao, interrogaro, ordem , narrao, silogismo, sermo, orao, e tantos outros, so nomes de discursos. E esta toda a varied ade de nomes positivos, que so usados para marcar algo que existe na natureza, ou que pode ser concebido pelo esprito do homem, como corpos que existem, ou que podem ser concebidos como existentes, ou corpos cujas propriedades so, ou podem ser concebidas, ou palavras e discursos. H tambm outros nomes chamados negativos, que so notas para significar que uma palav ra no o nome da coisa em questo, como estas palavras nada, ningum, infinito, indizvel, trs no so quatro, e outras semelhantes, que contudo se usam no cmputo, ou na correo do cmputo, e trazem ao esprito nossas cogitaes passadas, muito embora no sejam nomes de coisa alguma, porque nos fazem re cusar admitir nomes que no so adequadamente usados. Todos os outros nomes nada mais so do que sons insignificantes, e estes so de duas espcies. Uma delas, quando so novos e o seu sentido ainda no foi explicado por uma definio, e des ta espcie existem muitos, inventados pelos homens das Escolas e pelos filsofos confusos. Uma outra espcie, quando se faz de dois nomes um s nome, muito embora suas signifi caes sejam contraditrias e inconsistentes, como por exemplo este nome, corpo incorpreo, ou (o que o mesmo) substncia incorprea, e um grande nmero de outros como estes. Pois sempre que qualqu er afirmao seja falsa, os dois nomes pelos quais composta, postos lado a lado e tornados num s, no significam absolutamente nada. Por exemplo, se for uma afirmao falsa dizer "um quadrngulo redo ndo", a expresso quadrngulo redondo nada significa e um simples som. Do mesmo modo, se for falso d izer que a virtude pode ser infundida, ou insuflada e retirada, as expresses virtude infundida, virt ude insuflada, so to absurdas e insignificantes, como um quadrngulo redondo. E portanto dificilmente e ncontraremos uma palavra destituda de sentido e insignificante que no seja formada por alguns nomes latinos ou gregos. Um francs raras vezes ouve chamar nosso Salvador pelo nome Palavra, mas muitas vezes pelo nome de Verbo, e contudo Verbo e Palavra em nada mais diferem seno no fato de uma ser latina e out ra francesa. Quando um homem ao ouvir qualquer discurso tem aqueles pensamentos para os quais as palavras desse discurso e a sua conexo foram ordenadas e constitudas, ento dizemos que ele o

compreendeu, no sendo o entendimento outra coisa seno a concepo causada pelo discurso. E portanto s e a linguagem peculiar ao homem (como pelo que sei deve ser), ento tambm o entendimento lhe pecu liar. E portanto no pode haver compreenso de afirmaes absurdas e falsas, no caso de serem universais; m uito embora muitos julguem que compreendem, quando nada mais fazem do que repetir tranqilamente as p alavras, ou grav-las em seu esprito. Quando falar das paixes, falarei dos tipos de discurso que significam os apetites , as averses, e as paixes do esprito do homem, e tambm de seu uso e abuso.

Os nomes daquelas coisas que nos afetam, isto , que nos agradam e desagradam, por que todos os homens no so igualmente afetados pelas mesmas coisas, nem o mesmo homem em todos o s momentos, so nos discursos comuns dos homens de significao inconstante. Pois dado que todos os nomes so impostos para significar nossas concepes, e todas as nossas afeies nada mais so do que concep quando concebemos as mesmas coisas de forma diferente, dificilmente podemos evitar deno min-las de forma diferente tambm. Pois muito embora a natureza do que concebemos seja a mesma, con tudo a diversidade de nossa recepo dela, no que se refere s diferentes constituies do corpo, e aos preconce itos da opinio, d a tudo a colorao de nossas diferentes paixes. Portanto, ao raciocinar, o homem tem de tomar cautela com as palavras, que, alm da significao daquilo que imaginamos de sua natureza, tambm possu em uma significao da natureza, disposio, e interesse do locutor. Assim so os nomes de virtud es e vcios, pois um homem chama sabedoria quilo que outro homem chama temor, crueldade o que para out ro justia, prodigalidade o que para outro magnanimidade, gravidade o que para outro estupid ez, etc. E portanto tais nomes nunca podem ser verdadeiras bases de qualquer raciocnio. Como tambm no o pode m ser as metforas, e os tropos do discurso, ms estes so menos perigosos, pois ostentam sua i nconstncia, ao passo que os outros no o fazem. CAPTULO V Da razo e da cincia

Quando algum raciocina, nada mais faz do que conceber uma soma total, a partir da adio de parcelas, ou conceber um resto a partir da subtrao de uma soma por outra; o que (s e for feito com palavras) conceber da conseqncia dos nomes de todas as partes para o nome da totalidade, ou dos nomes da totalidade e de uma parte, para o nome da outra parte. E muito embora em algumas coisas (como nos nmeros), alm de adicionar e subtrair, os homens nomeiem outras operaes, como multipl icar e dividir, contudo so as mesmas, pois a multiplicao nada mais do que a adio conjunta de coisas guais, e a diviso a subtrao de uma coisa tantas vezes quantas for possvel. Estas operaes no so ctersticas apenas dos nmeros, mal tambm de toda a espcie de coisas que podem ser somadas junta s e tiradas umas das outras, Pois do mesmo modo que os aritmticos ensinam a adicionar e a subtrair com nmeros, tambm os gemetras ensinam o mesmo com linhas, figuras (slidas e supe