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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS LIÇÕES ACERCA DO ADVÉRBIO: UMA VIAGEM DIACRÔNICA POR GRAMÁTICAS DO PORTUGUÊS MARIA JOSÉ AGOSTINI SAKSIDA BELO HORIZONTE 2005

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS

LIÇÕES ACERCA DO ADVÉRBIO: UMA VIAGEM DIACRÔNICA POR GRAMÁTICAS DO PORTUGUÊS

MARIA JOSÉ AGOSTINI SAKSIDA

BELO HORIZONTE 2005

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MARIA JOSÉ AGOSTINI SAKSIDA

LIÇÕES ACERCA DO ADVÉRBIO: UMA VIAGEM DIACRÔNICA POR GRAMÁTICAS DO PORTUGUÊS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Letras da Pontifícia Universidade de Católica de Minas Gerais, como parte dos requisitos para obtenção do grau de Mestre em Língua Portuguesa. Orientadora: Profa. Drª. Vanda de Oliveira Bittencourt

BELO HORIZONTE 2005

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Dissertação defendida publicamente no Programa de Pós-graduação em Letras da PUC

Minas e aprovada por Comissão Examinadora constituída pelos seguintes professores:

___________________________________________ Profa. Dr.ª Marlene Machado Zica Vianna

(UFMG)

___________________________________________ Prof. Dr. Johnny José Mafra

(PUC Minas)

____________________________________________ Profª. Drª. Vanda de Oliveira Bittencourt

(Orientadora – PUC Minas)

Belo Horizonte, 01 de julho de 2005

______________________________________________ Prof. Dr. Hugo Mari

Coordenador do Programa de Pós-graduação em Letras da PUC MINAS

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Ao meu filho Rômulo Saksida Bittencourt de Souza.

À professora Drª. Vanda de Oliveira Bittencourt.

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AGRADECIMENTOS

À Vanda de Oliveira Bittencourt, pela orientação segura e primaz.

A Rômulo Saksida Bittencourt de Souza, pela paciência e pelas horas

de convívio que lhe foram roubadas.

À Eliane Mourão, pelo incentivo primeiro.

À Luciane Dinardo Abreu, pelo carinho e pelas orações.

Ao Professor Johnny José Mafra, pelas valiosas observações e pela

atenção dispensada.

Aos Professores da Pós-graduação em Letras da PUC Minas, pelas

inúmeras lições de sabedoria.

Aos funcionários da Secretaria da Pós-graduação em Letras, pelo

carinho e disponibilidade.

Aos amigos Carla Cristina Viana, Aníbal Amaral de Barros, Welder de

Oliveira Melo, Yolanda Lopes, Pollyanne Bicalho e Geane Rodrigues

Ribeiro Leite, sem os quais este trabalho não teria sido realizado.

Aos companheiros de todas as horas Fábio Roque, Isabel Cristina

Martins e Maria Regina Gomes, pela voz estimuladora.

Aos colegas da E. E. Tito Fulgêncio e da Faculdade de Santa Luzia,

pelo apoio inestimável.

Aos meus “alunos-cobaia”, público-alvo deste trabalho.

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Os lingüistas modernos tenderam muitas vezes a desconsiderar o

que chamam de gramática tradicional e a subestimar os pontos de

vista dos estudiosos da linguagem na era medieval e início da era

moderna (...) Apesar disso, as observações da gramática tradicional

são mais profundas e sua contribuição é maior do que tendem a

reconhecer seus críticos. É muito mais fácil fazer amplas críticas do

que avaliar séculos de trabalho cuidadosa e criteriosamente. À

medida que nossas teorias sobre as estruturas lingüísticas vão se

tornando mais sofisticadas, tonamon-nos mais conscientes de que os

gramáticos tradicionais não se distanciavam tanto da trilha.

(LANGACKER, 1972, p.17)

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RESUMO

De caráter eminentemente metalingüístico, o presente trabalho busca realizar um estudo

descritivo e, na medida do possível, crítico, de “lições” fornecidas por gramáticos –

portugueses e brasileiros – de “ontem” e de “hoje”, acerca da classificação de palavras, e,

principalmente, do tratamento conferido ao advérbio. Dissimulada e camaleônica, essa

espécie lexical vem, ao longo do tempo, desafiando nossos lingüistas a delimitar, com a

devida precisão, os traços que lhe são peculiares, distinguindo-o, assim, dos demais tipos

vocabulares encontrados no português. Em oposição aos que consideram inócua qualquer

proposta taxonômica de ordem lingüística, defende-se, aqui, a importância da tarefa de

categorização para o conhecimento e descrição das línguas. Com base nesse pressuposto,

busca-se rastrear o percurso evolutivo dos “ensinamentos” em torno do advérbio, colhidos de

gramáticos considerados representativos de tempos pretéritos – séculos XVI e XIX –, e de

tempos mais recentes – séculos XX e XXI. Como contribuição própria, procura-se, ainda,

apontar: as convergências e as divergências entre as “lições” examinadas, os avanços

alcançados pelos autores, bem como os problemas que ainda demandam soluções mais

coerentes e precisas. Paralelamente a essas tarefas, tenta-se, à guisa de contraposição aos

ensinamentos apresentados, mostrar, a partir de dados empíricos, o uso real do “advérbio” no

português hodierno.

Palavras-chave: Gramáticas de língua portuguesa

Fases pretérita e contemporânea

Lições sobre a classificação de palavras

Lições sobre o advérbio

Linha de Pesquisa: Variação e Mudança Lingüística

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RÉSUMÉ

Dans ce travail nous nous proposons d’ examiner des «leçons » données par nos

grammairiens – portugais et brésiliens –, d’ « hier » et d’ « aujourd’ hui » sur l’ adverbe. Ce

type de mot, appelé « maudit », constitue, le long du temps, un défi pour les linguistes qui

essayent de déterminer ses caractéristiques particulières, qui le distinguent des autres espèces

de mots trouvées dans la langue portugaise. Ainsi, au contraire de ceux qui considèrent

anodiene quelconque proposition taxonomique, nous cherchons à montrer ici l’importance de

la catégorisation pour la connaissance et la description des langues. Dans un « voyage » tout

au long de différents siècles, nous cherchons à déceler le parcours évolutif des

« enseignements » sur ce group vocabulaire, empruntés à quelques-uns de nos grammairiens

anciens – XVIème et XIXème siècles – et modernes – XXème et XXIème siècles. À titre de

contribution personnelle, nous tâchons de mettre en évidence les convergences et les

divergences entre les « leçons » ayant été examinées et les avancées de la pensée linguistique

qui ont eu lieu. Atravers de exemples empruntés au portugais courant, nous essayons, aussi, à

titre de contrapoint, de montrer l’usage réel de l’adverbe dans nos jours.

Mots-clé : Grammaires de la langue portugaise

Temps ancien et temps moderne

Leçons sur la classification des mots

Leçons sur l’adverbe

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

FIGURAS

FIGURA 1 “Partes da oração”, segundo Fernão de Oliveira (1536/1975) ................. 56

FIGURA 2 “Partes da língua portuguesa”, segundo João de Barros (1540/1957) .... 62

FIGURA 3 “Sistema completo dos elementos da oração”, segundo Jeronymo Soares

Barbosa (1803/1881) ..................................................................................... 78

FIGURA 4 “Taxeonomia das palavras do português”, segundo Júlio Ribeiro (1882/

1884) ............................................................................................................. 87

FIGURA 5 “Taxionomia das palavras do português”, segundo José Oiticica (1919/

1923) ............................................................................................................ 104

FIGURA 6 As “espécies” de palavras do português, segundo Gladstone Chaves de

Melo (1970 e 1981) ..................................................................................... 115

FIGURA7 “Caracterização das categorias gramaticais” do português, segundo Mário

Vilela e Ingedore Villaça Koch (2001) ..................................................... 125

QUADROS

QUADRO 1 Lições sobre a caracterização dos advérbios em gramáticas dos séculos XVI

e XIX ................................................................................................. 95

QUADRO 2 Lições sobre a distribuição dos advérbios em gramáticas dos séculos XVI e

XIX ............................................................................................................ 96

QUADRO 3 Lições sobre a caracterização dos advérbios em gramáticas dos séculos XX

e XXI ..................................................................................................... 136

QUADRO 4 Lições sobre a distribuição dos advérbios em gramáticas dos séculos XX e

XXI ............................................................................................................ 137

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LISTA DE ABREVIATURAS Adj. = Adjetivo

Adv. = Advérbio

Art. = Artigo

Conj. = Conjunção

Coord. = Coordenativa

Inv. = Invariável

Prep. = Preposição

Pron. = Pronome

SN = Sintagma Nominal

SPred. = Sintagma Predicativo

SPrep = Sintagma Prepositivo

SAdj. = Sintagma Adjetivo

SAdv. = Sintagama Adverbial

Sub. = Subordinativa/ Subordinação

Subst. = Substantivo

Var. = Variável

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO: “CATEGORIZAR É PRECISO”

1.1 Delimitação do objeto e justificativa ............................................................................ 12

1.2 Objetivos ...................................................................................................................... 20

1.3 Metodologia ................................................................................................................ 21

1.3.1 Seleção dos compêndios gramaticais .......................................................................... 21

1.3.1.1 Critérios adotados ................................................................................................. 21

1.3.1.2 Compêndios selecionados ..................................................................................... 22

1.3.1.2.1 De tempos pretéritos: séculos XVI e XIX ......................................................... 22

1.3.1.2.2 De tempos recentes: séculos XX e XXI ............................................................. 23

1.3.2 Caminhos de análise ................................................................................................ 24

1.4 Plano do trabalho ........................................................................................................ 25

2 O ADVÉRBIO: UM “ORNITORRINCO” DA GRAMÁTICA?

2.1 Introdução .................................................................................................................... 27

2.2 Problemas de definibilidade ......................................................................................... 29

2.3 Problemas de caracterização e de subclassificação ...................................................... 33

2.3.1 De natureza morfológica ........................................................................................... 33

2.3.2 De natureza sintática ................................................................................................. 35

2.3.3 De natureza semântica ............................................................................................... 42

2.4 Conclusão ..................................................................................................................... 45

3 LIÇÕES DE ANTANHO: O TRATAMENTO DO ADVÉRBIO EM GRAMÁTICAS DOS SÉCULOS XVI E XIX

3.1 Introdução .................................................................................................................... 48

3.2 Lições primeiras: gramáticos do século XVI .............................................................. 50

3.2.1 Panorama lingüístico geral ....................................................................................... 50

3.2.2 Exame crítico das propostas analíticas selecionadas ............................................... 53

3.2.2.1 Fernão de Oliveira (1536) ..................................................................................... 53

3.2.2.2 João de Barros (1540) .......................................................................................... 60

3.3 Lições intermediárias: gramáticos dos séculos XVII e XVIII .................................... 68

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3.3.1 Século XVII ............................................................................................................ 68

3.3.2 Século XVIII ............................................................................................................ 70

3.4 Lições finais: gramáticos do século XIX .................................................................... 73

3.4.1 Panorama lingüístico geral ...................................................................................... 73

3.4.2 Exame crítico das propostas analíticas selecionadas ............................................... 73

3.4.2.1 Jeronymo Soares Barbosa (1803/1881) ............................................................... 73

3.4.2.2 Júlio Ribeiro (1882/1884) .................................................................................... 85

3.5 Conclusão ................................................................................................................... 94

4 LIÇÕES DA CONTEMPORANEIDADE: O TRATAMENTO DO ADVÉRBIO EM GRAMÁTICAS DOS SÉCULOS XX E XXI

4.1 Introdução .................................................................................................................. 97

4.2 Lições de gramáticos dos séculos XX e XXI ............................................................ 99

4.2.1 Panorama lingüístico geral ..................................................................................... 99

4.2.2 Exame crítico das propostas analíticas selecionadas .............................................. 102

4.2.2.1 Primeira “geração”: José Oiticica (1919/1923) ................................................... 103

4.2.2.2 Segunda “geração”: Gladstone Chaves de Melo (1951/1981 e 1968/1970) ........ 111

4.2.2.3 Terceira “geração”: Mário Vilela e Ingedore Villaça Koch (2001) ..................... 122

4.3 Conclusão .................................................................................................................. 134

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS: DECIFRAR O ADVÉRBIO É PREC ISO.... 138

REFERÊNCIAS .................................................................................................... 145

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1 INTRODUÇÃO: “CATEGORIZAR É PRECISO”

A linguagem, intérprete da intelligencia, é um instrumento de analyse: com effeito, as palavras servem para distinguir os seres, os objectos, as qualidades, as substancias reaes ou abstractas, as açções, os estados diversos das pessoas, das cousas, todas as manifestações da vida, todos os phenomenos, até mesmo os que caem sob o domínio da imaginação e do futuro, o contingente, o absurdo, o impossível. Ajuntem-se ainda as relações innumeraveis de tempo e de logar, de gênero e de espécie, de numero e de qualidade, de causa e de effeito; as relações e as correlações infinitas de tudo o que existe, e que se pôde conceber (...). Pasmará a mente ante a simplicidade desse mechanismo assombroso, ou ante dessa organização pujante, cujas funções múltiplas se apresentam por meio de um número tão limitado de apparelhos. (RIBEIRO, 1884, p. 57)

1.1 Delimitação do objeto e justificativa

Nas trilhas de gramáticos da envergadura de Said Ali (1969, 1971) e em oposição a

certos autores contemporâneos, Perini (1985, 1989, 1995, 1997, 2004), um de nossos

lingüistas mais empenhados em descrever o português à luz de novos modelos teóricos, ou

seja, suscetíveis de apresentar “maior responsabilidade teórica, maior rigor de raciocínio” e

“ libertação do argumento da autoridade”(cf. PERINI, 1985, p. 7-8), defende, com a maior

veemência, a necessidade e a importância da categorização para melhor conhecimento, e

descrição mais eficaz das línguas.

Desse modo, baseando-se no exemplo dos zoólogos, que têm, como uma das molas

mestras de seus procedimentos investigatórios, a separação dos animais em classes, ordens,

espécies, etc., esse autor vem tentando levar à frente a tarefa, nada fácil, de classificação dos

vocábulos constitutivos do acervo lexical português. Certo dessa premência, ele nos aponta as

seguintes vantagens do recurso a esse instrumental de análise:

A primeira vantagem de se definir classes é que se torna possível fazer afirmações gramaticais com o máximo de economia. (...) . A economia, no caso [ da subclassificação de substantivos], pode parecer pequena, (...) mas as descrições gramaticais se ocupam de línguas inteiras, e aí a economia pode ser muito grande. Há outras razões (...) que têm a ver com fatores tais como: a depreensão dos grandes

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traços da estrutura da língua, ou o estudo da organização da memória para elementos lingüísticos. (PERINI, 1995, p. 307, 309)

Corroborando tal idéia, em sua obra Sofrendo a gramática, datada de 1997, esse

lingüista salienta que, na realidade, a tarefa de classificação, além de promover diálogos

entre os cientistas, nada mais é do que o reflexo de um procedimento comum aos usuários da

língua, que, com base nas propriedades relevantes das palavras, por exemplo, identificam a

espécie a que pertencem.

Além de Perini, vale lembrar que lingüistas como Dubois et al (1993, p.108-109) já

defendiam a idéia de que “a noção de classe distribucional (...), frutífera em lingüística

estrutural em diversos níveis...”, tem o mérito de esclarecer “certas ambigüidades dos

enunciados realizados”. Prova disso, afirmam eles, é a dupla interpretação do elemento vou,

em frases como “Eu vou ver.”, em que esse item “pode indicar movimento (“Vou lá para

ver” ) ou um futuro (“Eu verei dentro de pouco tempo”). No primeiro caso, o item verbal

“ver”, explicam eles, é interpretado como um item pertencente à classe dos verbos

denominados “plenos” pela tradição gramatical; no segundo, como integrante do grupo dos

auxiliares, que apresentam maior grau de gramaticalidade.

Apesar de toda uma tradição voltada para a taxonomia lexical − inaugurada, no século

IV a.C., nos Diálogos (Crátilo e Sofista) de Platão (séc. IV a. C) e reformulada,

posteriormente, por Aristóteles (séc. IV a. C) e outros sábios que o sucederam − , os seus

defensores sempre tiveram, e ainda têm, diante de si, problemas mais, ou menos, complexos a

enfrentar e a resolver. De natureza variada, essas dificuldades podem explicar a descrença de

tantos estudiosos na eficácia do recurso a procedimentos classificatórios, na descrição das

línguas. Dentre várias “aflições”, saliente-se, aqui, a que diz respeito à própria determinação

das espécies vocabulares. Dessas temos como uma das “vilãs a interjeição, nem sempre

considerada no mesmo nível das demais. Se, para manter o quadro de oito classes de palavras,

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proposto pela primeira vez por Aristarco, os gramáticos latinos não hesitaram em inserir o

“bloco das interjeições” em substituição ao do “artigo”, presente na língua grega, mas

ausente na latina, o mesmo não se verifica em taxonomias postuladas por autores como Silva

Júnior e Andrade (1913, p. 127), que vêem na “interjeição” uma “forma rudimentar,

instinctiva”, que não exprime “como as outras palavras, idéias ou relações”.

Buscando explicar esse tipo de “desencontro” entre os autores, Vilela (1999, p. 52) nos

adverte que, como “há concepções e categorias diferentes de acordo com determinados

critérios (...), a divergência de concepção na classificação pode ser profunda”, e que “o

número de categorias gramaticais admitidas e mencionadas não é um sinal menor dessa

divergência”.

No estudo que faz do termo “categoria”, Abbagnano, em seu Dicionário de filosofia

(edição de 2000), reconhece o caráter intrinsecamente aberto de qualquer taxonomia. Em suas

palavras,

... cientistas, filósofos e pesquisadores em geral sempre exerceram o direito de propor novas C. [ = categorias], isto é, novos instrumentos conceituais de investigação e de expressão lingüística. Donde a necessidade de formular a noção de categoria exatamente como a de tal instrumento: noção que, além de tudo, tem a vantagem de caracterizar igualmente bem a função efetiva de todos os conceitos de C. historicamente propostos. (ABBAGNANO, 2000, p. 124)

Um problema que vem desafiando os interessados em identificar e alistar os diferentes

grupos vocabulares pertencentes ao acervo lexical das diversas línguas decorre da dificuldade

de delimitação peculiares a cada um deles, feita de um modo mais generalizado possível.

Consciente de que a Lingüística, tal como a Zoologia, “também tem seus ornitorrincos”

(animais australianos que têm características de mamífero e réptil), Perini (1997, p. 42)

reconhece, dentre outras coisas, que a separação tradicional entre “substantivos” e

“adjetivos” não é fácil de sustentar. Prova disso são ocorrências como a de abaixo, que,

transcrita desse autor (1997, p. 45), ilustra a possibilidade de “adjetivação” de substantivos,

no caso, representado pelo termo cabeça:

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(1) “Ontem fui ver um filme muito cabeça.”

Acrescentando o “pronome” à sua lista de “termos problemáticos”, Perini (1997, p.

45) aponta que “não se conseguiu, até hoje, uma definição que separasse com clareza essas

três classes”, − substantivo, adjetivo e pronome −, que, na verdade, constituiriam, no seu

modo de ver, “uma grande classe, dentro da qual se distinguem muitos tipos de

comportamento gramatical” (PERINI, 1997, p. 45).

Também alocados por Perini (1997) no bloco dos ornitorrincos, os “adjetivos” traziam

dificuldades para autores antigos, que optavam por arrolá-los na mesma classe dos

“substantivos”, ou, então, na dos itens verbais. Confirme-se isso no seguinte excerto,

transcrito do Dicionário de lingüística de Zélio dos Santos Jota:

Para os antigos, os adjetivos eram capitulados entre os substantivos, porquanto com estes concordam aqueles em gênero, caso, etc.; outros os incluíam entre os verbos, por isso que ambos têm a função de predicado, ao passo que o substantivo tem a de sujeito. (JOTA, 1981, p. 65)

Feitas essas considerações gerais, é chegada “a hora e a vez” de voltar a atenção para o

famigerado grupo dos advérbios, espécie lexical escolhida como objeto do estudo

metalingüístico aqui realizado. Para começar, indaguemos, antes de qualquer coisa, se, do

mesmo modo que o “adjetivo” ( e outras classes de palavras) de Perini (1997), seria esse

elemento também um “ornitorrinco” da gramática do português? Obviamente, essa pergunta

é inteiramente retórica, uma vez, que, desde os tempos de “antanho” até os de hoje, as formas

adverbiais, conforme se comprovará posteriormente, têm se constituído numa verdadeira “dor

de cabeça” para os lingüistas, que insistem em identificá-las como um bloco homogêneo,

procurando descobrir e apresentar os traços – morfológicos, sintáticos e semânticos – que lhes

seriam peculiares. Comprovam-nos essa preocupação a maneira com que autores como Elia

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(1980, p. 254) analisa enunciados como os de abaixo, colhidos de nossa conversa espontânea.

No seu modo de ver, itens como felizmente, em situações como essa, não se configuraria

como um advérbio (no caso, de “modo”), mas, sim, como um elemento pertencente a uma

outra classe: a dos modalizadores, que atuam em outro nível da língua. Diferentemente dos

advérbios propriamente ditos, essa espécie – de modalizadores – constitui-se em “meios pelos

quais um locutor manifesta a maneira por que encara o seu próprio enunciado” (ELIA,

1980, p. 254):

(2) “ Felizmente, a Marta perdeu a eleição. Não dava mais prá continuar agüentando

aquela perua botoxeada, que nada fez por São Paulo.” (Exemplo coletado

informalmente; destaque meu.)

A propósito desse empenho em identificar o advérbio como uma classe autônoma,

cumpre-nos lembrar que a sua inclusão entre as “partes do discurso”, se deu no século II a.C.,

por iniciativa de Dionísio da Trácia (séc. II a. C.), que, conforme nos mostra Elia (1980, p.

223), intitulou-o epírrema e o definiu como “parte do discurso invariável, que modifica o

verbo ou a ele se ajunta” (destaques nossos). Por outro lado, pode-se testemunhar, no correr

dos séculos, a tentativa de alguns gramáticos - especialmente na Idade Média - de estabelecer

uma relação mais próxima entre o adjetivo e o advérbio, dada a capacidade comum aos dois

de exercerem um mesmo papel (sintático e semântico) de determinantes e modificadores,

respectivamente.

Todavia, o parentesco entre “advérbio” e “adjetivo”, acima mencionado, não é visto

consensualmente por todos os estudiosos. Tanto é que muitos buscam comprovar a distância

entre os dois, apontando, dentre outras coisas, a maior flexibilidade do primeiro,

relativamente à formação de novos itens lexicais. Evidenciam isso enunciados como (3), (4) e

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(5) abaixo, em que há, respectivamente, casos de “adverbialização” de adjetivos tomados

numa forma neutra – masculina singular – ; de “adverbialização” de adjetivos por acréscimo

do sufixo –mente e, por fim, casos de “desadverbialização” – por gramaticalização e

discursivização –, de locuções como de repente, que, conforme demonstrado por Bittencourt

(1999) e Carvalho (2000), vem assumindo, pelo menos no português brasileiro oral

espontâneo, outros significados e funções , nos diferentes domínios – gramatical, discursivo,

conversacional, textual – onde passou a atuar:

(3) a- “Jogue limpo no trânsito.” (Língua escrita, excerto de publicidade.)

b- “Esta tartufada é uma receita tradicional italiana. Fatie duas trufas negras bem

fino.” (Língua escrita, excerto de receita.)

c- “João Leite perdeu feio em Belo Horizonte.” (Língua oral, comentário feito em

programa televisivo.)

(4) a- “Eu queria, assim... ser como o Ciro Gomes, que fala tão bonitamente!’

(Língua oral espontânea)

b- “Eu sei que me visto-me felomenalmente, mas o barão falou que o meu

charme está em eu ser eu mesmo.” (Fala do persongagem Giovanni Improtta,

da novela “Senhora do Destino”, da Rede Globo de Televisão)

c- “ Ela pensou que, falando interessantemente, ia me convencer em votar na tal

de Pacífico”. (Língua oral espontânea)

(5) a- “...trabalhar paráfrase nessa perspectiva, de repente... pode ser interessante.”

(Exemplo de CARVALHO, 2000, p. 75; destaque nosso)

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b- “... eu não sei o grau de ferimento do homem... de repente a opinião dele é

muito importante.” (Exemplo de CARVALHO, 2000, p. 109; destaque da

autora).

c- “... o celular... de repente o celular do homem ... a mulher tava rezando... eu vi

que ela tava rezando... o celular dele toca...” (Exemplo de CARVALHO,

2000, p. 91; sublinhado nosso)

Diante disso e de outros problemas ainda não resolvidos, veio-nos o desejo de

mostrar, de um modo mais pontual e sistemático, a complexidade dessa questão e, a partir

dela, comprovar a importância da categorização, no âmbito dos estudos lingüísticos. A fim

de atingir essa meta, optamos por apresentar e discutir, num estudo longilíneo, das soluções

propostas por gramáticos voltados para a descrição do português, para tanto foi necessária

uma “viagem” no tempo com duas grandes “paradas”: às primeiras “lições” gramaticais

acerca de nossa língua e outra, a “lições” mais recentes. Assim procedendo, pudemos rastrear

os problemas, as limitações e os avanços da análise preconizada por nossos autores, de

ontem e de hoje, relativamente à classificação de palavras, em especial, à do advérbio, que,

no dizer de Sílvio Elia (1980, p.221), uma das categorias mais “controvertidas” e difíceis de

delimitar.

Tomando a afirmação desse autor como uma espécie de desafio para os que, como

nós, ainda acreditam na importância do estudo do enunciado, dispusemo-nos a enfrentá-lo,

buscando oferecer, com isso, alguma contribuição para a historiografia dos estudos

lingüísticos, campo ainda pouco valorizado entre nós. Essa contribuição, conforme

mencionado acima, compreende, basicamente a discussão da procedência, ou não, das lições

contidas em compêndios gramaticais tidos, na literatura corrente, como representativos de sua

época − pretérita (séculos XVI e XIX) ou mais recente (séculos XX e XXI). Criticadas,

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muitas vezes injustamente, essas lições apresentam problemas que, de acordo com Perini

(1985, p. 13), se resumiriam na “ausência de conscientização adequada do importe teórico

das afirmações” feitas pelos autores. Apesar disso, como não podia deixar de ser,

reconhecendo, como Langacker (1972), a grande contribuição dada por nossos gramáticos −

antigos, ou não − , apontam-se as idéias, as soluções, que, alicerçados na tradição gramatical,

se revelam precursoras de propostas de análise comprometidas com a Lingüística Moderna.

Ademais, esperamos que a opção por um estudo de caráter metalingüístico, possa

repercutir no modo de condução do processo de ensino/aprendizagem da nossa língua, uma

vez que serve para evidenciar a complexidade do sistema lingüístico, que, por vezes,

banalizado em sala de aula, tira do aluno a oportunidade de vê-lo como é, e, portanto de

conhecer melhor como o usamos em nossas interações. A partir do exame crítico das

taxonomias lexicais estabelecidas pelos gramáticos selecionados, e, sobretudo, do modo como

analisam a espécie adverbial, procuramos, de nossa parte, sempre que possível, nos posicionar

a respeito dessa questão, tomando como base − e como ponto de referência −, para o

confronto aqui efetuado, dados que, embora colhidos de um modo assistemático, refletem a

situação real vigente no português brasileiro hodierno.

Em suma, tentamos aqui oferecer a nossa parcela de contribuição, com a esperança de

dirimir a queixa de Perini (1995, p. 338), quanto à pouca atenção que se tem dado entre nós às

formas adverbiais tomadas em seu conjunto.

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1.2 Objetivos

Tendo em mente os inúmeros e diferentes tipos de desafios impostos aos que se

interessam em delimitar, com o máximo possível de coerência e precisão, as diferentes classes

de palavras que compõem o acervo lexical de uma língua, o presente trabalho teve como

objetivo geral, examinar, crítica e comparativamente, o modo como alguns de nossos

gramáticos, situados em tempos mais antigos e mais recentes, procuraram, e ainda vêm

procurando, levar a termo essa tarefa de categorização de nosso acervo lexical e de apontar (e

justificar) a posição do advérbio em suas taxonomias.

De um modo especial, o nosso propósito foi:

a) mostrar, através de comparação intergramatical os critérios utilizados pelos autores

selecionados, na categorização das palavras no português;

b) indicar o(s) critério(s) tido(s) como de maior relevância pelos gramáticos na

identificação e subclassificação das formas adverbiais;

c) apontar os problemas que mais comprometeram a credibilidade da análise por eles

defendidas;

d) traçar um quadro que nos forneça uma idéia geral do percurso evolutivo de “lições”

em torno das formas adverbiais, contribuindo, assim, para a historiografia dos estudos

da linguagem entre nós;

e) apontar as soluções que, ancoradas numa visão tradicional, já assinalam avanços que

as aproximam da Lingüística Moderna;

f) resgatar, através do confronto entre o pensamento antigo e o moderno, o respeito às

lições de nossos gramáticos de linha tradicional, injustamente subestimados em nosso

meio acadêmico.

Subjacente a essas intenções, o fim último deste trabalho foi mostrar aos Professores

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de Português as vantagens da tarefa de categorização para a análise linguística, bem como

para a necessidade de efetuá-la em coerência com a natureza dos fatos obsevados e do uso

real da lingua.

1.3 Metodologia

1.3.1 Seleção dos compêndios gramaticais

As “lições” taxonômicas aqui apreciadas não foram escolhidas aleatoriamente, mas

selecionadas a partir de propostas analíticas defendidas por gramáticos que, consagrados pela

tradição, postulam soluções diferentes tanto para a classificação geral das palavras de nossa

língua, quanto para a caracterização dos itens adverbiais. Abaixo, detalham-se os critérios

que orientaram essa escolha.

1.3.1.1 Critérios adotados

Fundamentada em compêndios gramaticais diversos (fonte secundária) e, quando

possível e pertinente, em dados do português em uso no Brasil (fonte primária), a análise

metalingüística aqui apresentada foi desenvolvida a partir de dois grandes recortes temporais:

um, pretérito (séculos XVI e XIX) e outro, presente (séculos XX e XXI). Esse último, por

abrigar maior número de publicações dessa natureza, foi dividido em três fases (ou gerações,

conforme preferimos nomeá-las), mais ou menos correspondentes às etapas de evolução dos

estudos lingüísticos, na época moderna. Assim a escolha das gramáticas se norteou por

critérios relativos ao tempo, à diferença de concepção de linguagem por parte dos autores e o

tipo de proposta analítica por eles defendida.

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1.3.1.2 Compêndios selecionados

Com vistas a trazer à tona o pensamento dominante entre os gramáticos das diferentes

épocas enfocadas, acerca do advérbio no conjunto das espécies vocabulares por eles

discriminadas, optamos por fazê-lo em amostragem, consultando os mais conceituados no

meio acadêmico e, dentre esses, os defensores de soluções mais coerentes e/ou mais

avançados para questão tão intrincada.

Para tanto, valemo-nos das edições a que tivemos acesso, dando preferência às que

eram complementadas por comentários de especialistas devidamente abalizados, ou, então, às

que eram ampliadas por novos prefácios, lições, comentários ou notas. Para o seu registro no

corpo do trabalho, procuramos indicar, antes da data da versão consultada, a data de sua

primeira edição; excetuando, obviamente, os casos dos manuais mais recentes, ainda sem

reedição.

Eis, abaixo, a lista das obras examinadas, cujos dados bibliográficos completos são

fornecidos na parte das Referências.

1.3.1.2.1 De tempos pretéritos

A Século XVI

i- Gramática da lingoagem portuguesa, de Fernão de Oliveira (1536)

Edições aqui utilizadas: 1933, 1975.

ii- Gramática da língua portuguesa, de João de Barros (1540).

Edições aqui utilizadas:1957, 1971.

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B Fase intermediária

a) Século XVII

i- Methodo grammatical para todas as linguas, de Amaro de Roboredo (1619/1623)

ii- Ortografia da lingua portuguesa, de João Franco Barretto (1671).

b) Século XVIII

i- Verdadeiro metodo de estudar, para ser util a republica e igreja: proporcionado

ao estilo e necessidade de Portugal, de L. A. Verney (1747).

ii- Compendio de orthografia, de Frei Luiz do Monte Carmelo (1767).

C Século XIX

i- Grammatica philosophica da língua portuguesa, de Jeronymo Soares Barbosa

(1803).

Edição aqui utilizada: 1881.

ii- Grammatica portugueza, de Júlio Ribeiro (1882).

Edição aqui utilizada: 1884.

1.3.1.2.2 De tempos recentes: séculos XX e XXI

a) Primeira “geração”

Manual de análise, de José Oiticica (1919).

Edição aqui utilizada: 1923.

b) Segunda “geração”

Gramática fundamental da língua portuguesa, de Gladstone Chaves de Melo

(1968).

Edição aqui utilizada: 1970.

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Iniciação à filologia portuguesa, de Gladstone Chaves de Melo (1951).

Edição aqui utilizada: 1981

c) Terceira “geração”

Gramática da língua portuguesa; gramática da palavra; gramática do texto;

gramática do discurso, de Mário Vilela e Ingedore Villaça Koch ( 2001) – 1ª edição.

.

1.3.2 Caminhos de análise

A pesquisa que aqui procuramos desenvolver implicará, conforme já mencionado, o

acompanhamento longitudinal de “lições” fornecidas, no passado e no presente, acerca da

classificação das palavras do português, em especial, sobre o enquadramento, ou não, do

advérbio entre os grupos considerados autônomos. Em vista disso, a análise aqui levada a

termo foi conduzida a partir dos seguintes procedimentos:

a) levantamento dos problemas vigentes até hoje na literatura específica, quanto às

vantagens, ou não, da tarefa de categorização de elementos/fatos lingüísticos, bem

como quanto aos critérios utilizados pelos gramáticos na delimitação do “advérbio”

como uma classe específica, ou não;

b) apresentação e comentário crítico dos conceitos, critérios e tipologias defendidos por

eles ao categorizar os vocábulos em geral, e mais especificamente o advérbio;

c) confronto das diferentes “lições” apreciadas, para a devida indicação dos pontos

convergentes e divergentes entre elas;

d) notificação do caráter inovador soluções propostas pelos autores mais antigos;

e) referência, quando possível, à situação vigente no português atual – vertente brasileira

–, quanto ao uso real dos advérbios.

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4 Plano do trabalho

Além desta parte introdutória, na qual se procurou confirmar a validade ou mesmo a

necessidade da compartimentação conjunto lexical das línguas, delimitar o objeto de estudo,

justificar o tipo de investigação proposta, definir as metas desejadas e mostrar o caminho

metodológico seguido, o presente trabalho conta, ainda, com três capítulos, a que se seguem,

como fecho, as Considerações Finais e as Referências.

No capítulo subseqüente, de caráter mais teórico, procura-se averiguar até que ponto

se aplica ao advérbios a qualificação metafórica de “ornitorrinco”, emprestada por Perini

(1997) a outros autores, com vistas a traduzir as dificuldades enfrentadas pelos pesquisadores

na tarefa de definição da classe dos adjetivos. Com base em dados do português brasileiro

atual, recolhidos quase sempre de conversas informais, discute-se a pertinência, ou não, dos

diferentes traços – morfológicos, sintáticos, semânticos e até discursivo-textuais – que,

indicados pelos autores aqui apreciados, deveriam, em princípio, servir para identificar, com a

devida precisão, o grupo dos “advérbios”.

No terceiro capítulo, de exame propriamente dito das lições gramaticais pretéritas,

focalizam-se, inicialmente, as duas primeiras gramáticas da língua portuguesa, que, datadas

do século XVI, integralmente ou não, a nova maneira de pensar instaurada no Renascimento.

A primeira, de Fernão de Oliveira (1536), por fixar-se, preferencialmente, em estudos da

fonética/fonologia do português da época, não fornece informações mais explícitas sobre os

critérios de classificação das palavras – referida na parte destinada à Morfologia − , e nem

mesmo sobre a concepção de “advérbio” adotada por ele. Com isso, as “lições” desse

estudioso, aqui registradas e comentadas, foram obtidas de um modo indireto, a partir de

referências esparsas encontradas ao longo de sua gramática. Diferentemente, a segunda, de

autoria de João de Barros (1540), avaliada no meio acadêmico como inferior à primeira,

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oferece maior contribuição nessa esfera, apresentando lições tanto a respeito da classificação

de palavras de um modo geral, quanto do estudo do “advérbio” per se.

Em prosseguimento à “viagem” feita no passado, faz-se breve referência a gramáticas

dos séculos XVII e XVIII, “portos de passagem” que, situados no que chamamos de “fase

intermediária”, procuramos examinar com o objetivo de evitar uma ruptura brusca entre as

lições concernentes aos séculos XVI e XIX, fases do período pretérito aqui apreciado.

Para finalizar a visita ao passado, examinam-se dois compêndios gramaticais do

século XIX, compostos, respectivamente, por Jeronymo Soares Barbosa (1803), que segue de

perto a perspectiva filosófica da Grammaire générale et raisonée, de Port-Royal (século

XVII- XVIII), e por Júlio Ribeiro (1882/1884), que constrói a sua gramática com base na

crença de que “o estudo da linguagem diz-nos muito sobre a natureza e a história do homem.”

(RIBEIRO, 1884, p. 2).

Também dedicado ao exame crítico das “lições” de nossos gramáticos acerca do

“advérbio” e da sua inserção, ou não, no quadro tipológico de palavras do português, o quarto

capítulo faz incursões em tempos mais recentes, examinando manuais do século XX e, até

mesmo, do começo do XXI. Nesse recorte temporal, examinam-se as “lições” de autores –

lusitanos e, sobretudo, brasileiros – mais recentes, distribuindo-os, conforme anunciado

anteriormente, em três grupos, rotulados de “primeira”, “segunda” e “terceira” gerações.

Dando fecho à pesquisa, segue-se a parte reservada às Considerações Finais, na qual se

busca pontuar os aspectos mais relevantes das análises investigadas, bem como delinear um

quadro-síntese, no qual se destacam os encontros e desencontros entre as “lições” fornecidas

pelos diferentes gramáticos aqui apreciados.

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2 O ADVÉRBIO: UM “ORNITORRINCO” DA GRAMÁTICA?

Todos sabemos ser o advérbio uma das categorias léxicas mais controvertidas. Ora recebe em demasia, ora quase tudo se lhe tira. Isso revela que se trata de categoria mal definida, conquanto indispensável.

(ELIA, 1980, p. 221; destaques nossos)

2.1 Introdução

No intento de apontar, de um modo mais fiel possível, as dificuldades enfrentadas

pelos estudiosos na tentativa de definir e de indicar os diferentes tipos do famigerado bloco

dos advérbios – ou “tribo dos advérbios”, no dizer da boneca Emília, de Monteiro Lobato,

quando em visita ao mundo da gramática –, valemo-nos, no título acima, de um termo que,

emprestado à Zoologia, tem uma conotação de algo desconhecido e indefinível. Utilizado por

autores mais antigos com essa intenção, e retomado por Perini (1997), com vistas a mostrar

os “custos” do trabalho de identificação de outra classe de palavras, a dos adjetivos, o

vocábulo ornitorrinco tem aqui também o papel metonímico de expressar as dificuldades

dos investigadores da linguagem, em geral, frente aos “mistérios” que envolvem não só as

formas adverbiais e adjetivas, como os demais tipos de palavras de nossa e de outras línguas.

A propósito das formas adverbiais, objeto central de nossa investigação, pode-se

dizer que o próprio recorte analítico que alguns autores fazem, fixando-se em apenas um ou

alguns de seus traços, ou de sua distribuição em diferentes e numerosos subgrupos, configura-

se como prova testemunhal da dificuldade que se tem em delimitar tal categoria, em sua

abrangência e em seus desmembramentos. Dessa forma, nota-se que são muito mais

numerosos trabalhos como os de Parisi (1977), Saraiva (1978, 1983), Ilari (1993a, b), Pontes

(1992), Neves (1993), Martelotta (1993), e outros autores mais, que vêm concentrando o seu

olhar em apenas alguma(s) de suas subespécies. Assim, as duas primeiras autoras, Laura

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Parisi e Maria Elizabeth Fonseca Saraiva, se concentram, especificamente, nos “advérbios de

“modo”, tido por muitos como o “elemento adverbial por excelência”. Por outro lado, o

terceiro autor, Rodolfo Ilari, se volta para os que atuam como “aspectuais” e “focalizadores”,

ao passo que a quarta e a quinta, Eunice Pontes e Maria Helena Moura Neves, para os de

“lugar” e “tempo” (também apontados na literatura corrente como “advérbios propriamente

ditos”, por seu caráter circunstanciador), e o sexto autor, Mário Eduardo Martelotta, para os

de “tempo”.

Ao contrário, repita-se, são bem mais raros trabalhos mais abrangentes, que focalizam,

com o maior apuro possível, o conjunto dos itens adverbiais de nossa língua. Fogem à regra,

porém, alguns estudos como os de Macedo (1954), Elia (1980), Martelotta (1986), Bomfim

(1988) e até mesmo de alguns de nossos gramáticos, que se preocupam em examinar mais

detidamente esse tipo vocabular. Ilustram isso obras gramaticais como as de Perini (1985,

1995), Vilela (1999), Neves (2000), Vilela e Koch (2001), dentre outras.

Encarando o “advérbio” português sob os dois ângulos, mais e menos abrangentes, no

presente capítulo − preparatório para os dois subseqüentes, que enfocam as “lições” dos

gramáticos aqui levados em conta −, buscamos, aqui, arrolar e comentar alguns dos

problemas que, desde “antanho”, vêm desafiando os que se dispõem a enfrentá-los.

Tratados em seções diferentes, o primeiro problema tem a ver com a própria definição

de “advérbio”, que, alicerçada, tradicionalmente, no critério semântico e/ou morfológico,

deixa a desejar, não só em relação ao número e tipos de traços apontados, como em relação ao

próprio grau de abrangência desses traços. Acresçam-se a isso a pouca atenção conferida aos

papéis exercidos por essa espécie de palavra em outras instâncias da língua, e a ausência de

explicação para a inclusão de certos termos e/ou expressões no rol dos advérbios.

Concernente à caracterização do “advérbio”, outro problema, de ordem gramatical e

discursiva, discutido na segunda seção, é abordado em quatro sub-seções distintas,

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correspondentes a níveis lingüísticos diferentes: uma primeira, na qual se questiona seu

estatuto morfológico; uma segunda, na qual se enfoca seu estatuto sintático; uma terceira, em

que se apontam traços de caráter semântico, tidos como próprios a essa espécie de palavra, e

numa última, em que se indicam propriedades relativas ao nível extrafrásico ou exofrásico,

no qual o “advérbio” pode atuar, nível esse que extrapola o âmbito da sentença, unidade de

análise da gramática tradicional.

Por fim, em seção conclusiva, procede-se a uma síntese avaliativa dos problemas

arrolados, pontuando-se aqueles que continuam sem solução, ou cuja solução não é a mais

adequada. Encaremos, então, esse terreno ainda inquietante.

2.2 Problemas de definibilidade

Qualquer que seja o campo de estudos, uma das dificuldades com que se esbarra é a

definição do objeto/fato em estudo. No caso em pauta, as mesmas incertezas e perplexidades

observadas na categorização das palavras que compõem o “macroconjunto” lexical das

línguas costumam incomodar os interessados em determinar as diferentes espécies próprias

de cada uma delas. Já na década de vinte, um de nossos grandes lingüistas, Sapir (1921, p.

117), reconhecia essa dificuldade, afirmando que “assim que testamos nosso vocabulário,

descobrimos que as classes de palavras estão longe de corresponder a uma análise da

realidade tão simples”.

Componente desse macroconjunto, nem mesmo o “advérbio”, assim como os demais

tipos vocabulares, foge à regra, continuando a desafiar, até hoje, os cientistas da linguagem.

Tanto é que, em tempos mais recentes, ao empreender sua análise acerca dos

“circunstanciadores de tempo”, Martelotta (1993, p. 21) reconhece que “o rótulo advérbio

designa um conceito fluido, que tende a se adaptar às intenções comunicativas envolvidas no

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discurso” (negrito nosso). Comprova-nos essa assertiva o próprio título que esse pesquisador

confere ao seu trabalho – Os circunstanciadores temporais e sua ordenação: uma visão

funcional − , reunindo, sob a designação única de “circunstanciadores”, a função semântica

tida pelo autor como a mais apropriada para identificar os advérbios – oracionais ou não –,

bem como o papel de modalizadores, que podem exercer no discurso, conferindo-lhes, com

isso, maior carga de subjetividade.

Um mergulho no passado, particularmente na Antigüidade Clássica − fase

caracterizada por Câmara Jr, (1975, p. 15), como de estudos “paralingüísticos” −, também nos

revela a complexidade da tarefa de classificação, tanto no âmbito do vocabulário como um

todo, quanto no de uma de suas classes formantes, conforme se pode constatar em

investigações longitudinais como a realizada por Sílvio Elia (1980).

Num enfoque prático-teórico, Platão (século IV a.C.), um dos primeiros a propor um

quadro distributivo das palavras, arrola apenas dois grandes tipos: ónoma (substância) e

rhema (ação). Ampliando essa divisão, Aristóteles (século IV a.C.) acrescenta-lhe mais uma

classe, syndesmoi (conectivos), a que cabe expressar as relações entre os vocábulos.

Desmembrada em duas subsespécies pelos estóicos, essa classe abarca doi subtipos:

preposição e conjunção.

Somente no século II a. C., é que se tem, por proposta de Dionísio da Trácia, a

inclusão de uma nova classe, a do epírrema, definida por ele como parte do discurso que, de

caráter invariável, modifica o verbo ou a ele se ajunta. O primeiro emprego do termo

“advérbio” por Donato, no século IV, não trouxe novidades que alterassem a concepção até

então vigente desse espécie de palavra. Por sinal, o próprio Donato sequer faz referência ao

papel semântico como uma das propriedades passíveis de identificar os itens adverbiais.

Apesar dos diferentes tipos de pensamento que nortearam as análises subseqüentes –

de base metafísica, com os gramáticos especulativos na Idade Média e de base filosófica, no

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período renascentista e pós-renascentista (séculos XVI e XVII) –, a definição do “advérbio”

permaneceu confusa e parcial.

Herdeira e continuadora da linha de estudos greco-latinos, a gramática tradicional,

com algumas exceções, acabou por acatar e repetir as lições deixadas pelos antigos, definindo

o “advérbio” sob um ponto de vista semântico, dando proeminência ao seu papel de

“circunstanciador”. Estendendo o olhar para os componentes morfológico e sintático, alguns

estudiosos levam em conta o seu estatuto formal de “palavra invariável” e de

modificadora/determinadora do verbo, do adjetivo e até mesmo de outro advérbio.

Independentemente do maior ou menor porte da matriz de traços apresentada, os autores, na

verdade, acabam deixando para o leitor o trabalho de interpretar, com a devida propriedade e

certeza, o que esses “atributos” significam e que tipos de advérbios abarcam. Alguns sequer

têm o cuidado de justificar a inclusão, em suas propostas taxonômicas, de vários itens

adverbiais que não se enquadrariam na definição que advogam. Ilustram isso enunciados

como os de abaixo, colhidos aleatoriamente, em que os itens grifados, tidos como advérbios

pela tradição gramatical, não indicam “circunstância”, se entendermos como tal, as

informações relativas a tempo, lugar, causa, etc.:

(1) a- “Aquela Elisa do 8º Período de Letras é fabulosamente a melhor aluna da

turma.”

b- “Certamente, o Bush, agora, está com a corda toda para guerrear qualquer

país que lhe der na telha.”

(2) a- “Esse menino é tão prodígio que começou a falar bem cedinho.”

b- “Ela é o tipo de professora que, além de falar muito depressa, vai cuspindo por

tudo quanto é lado.”

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Do mesmo modo, têm ficado sem explicação ocorrências como as de abaixo, tão

comuns no português, nas quais, um mesmo item adverbial pode atuar em níveis diferentes –

frásicos e exofrásicos –, aí assumindo valores semânticos e discursivos diferenciados – o que

nos leva a supor que não se trata de um mesmo item lexical, mas de vocábulos distintos

pertencentes a grupos ou subgrupos, também distintos entre si:

(3) a- “Esses políticos nunca falam francamente.”

b- “Francamente, esses políticos mentem demais.”

(4) a- “Mesmo ferido, ele conversou normalmente comigo.”

b- “Normalmente, os bebês só choram quando estão com fome.”

Outro fato empírico que causa transtornos à empresa da delimitação de uma “classe

adverbial” é a impossibilidade de ocorrência de alguns “advérbios de modo” também

terminados em –mente, como os de acima, em contextos como o de (3b) e (4b), conforme

mostrado por Saraiva (1978):

(5) a- “Depois da cirurgia, Adriana mudou o seu modo de vida completamente.”

b- (?) Completamente, Adriana mudou o seu modo de vida depois da cirurgia.

(6) a- “Infelizmente, ele morreu. (= Ele morreu, infelizmente.)

b- (?) Ele morreu infelizmente.

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Um último obstáculo a uma definição mais apropriada do “advérbio”, a lembrar

aqui, tem a ver com os próprios termos empregados pelos autores na identificação da “classe

adverbial”, a partir do(s) papel(éis) que as formas adverbiais podem assumir. Assim é que não

se tem, por exemplo, uma idéia segura da distinção entre “circunstanciadores” e

“qualificadores”, ou entre “restritivos” e “modificadores”, ou, ainda, “qualificadores” e

“determinadores”. Optando por essa última dupla, Elia (1980) divide essa espécie lexical em

dois subgrupos: o dos “advérbios de modo”, de “quantidade” e de “intensidade”, a que rotula

como modificadores , uma vez que a determinação do significado do verbo é interna, ou seja,

incidente “sobre o núcleo sêmico do vocábulo”; e o dos demais advérbios, cuja “determinação

é externa ou circunstancial”. (cf. ELIA, 1980, p.253; destaques nossos).

Diferentemente, outros autores preferem qualificar como “circunstanciadores” apenas

as formas indicadoras de tempo e lugar, considerando os restantes como “qualificadores”, ou,

então como “modificadores”.

Vistos alguns dos problemas semânticos que demandam delimitação menos

“flutuante” e imprecisa de uma possível classe adverbial, investiguemos, a seguir, as

dificuldades concernentes à sua caracterização formal.

2.3 Problemas de caracterização e de subclassificação

2.3.1 De natureza morfológica

Também insatisfatória é a definição do “advérbio” a partir de seu estatuto morfológico

de “palavra invariável”, critério tomado, às vezes, como único e absoluto em alguns de nossos

compêndios gramaticais, embora não se restrinja aos itens adverbiais e se estenda ao

macroconjunto conectivo, formado por conjunções e preposições.

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Numa tentativa de classificar as palavras do português com base exclusiva no seu

estatuto morfológico, Schneider (1974), divide-os, primeiramente, em dois grandes grupos:

vocábulos passíveis de flexão (substantivo, adjetivo, numeral, pronome e verbo) e vocábulos

não sujeitos a flexão (advérbio, preposição, conjunção). Ao examinar no segundo grupo,

estabelecendo os limites entre cada um de seus formantes – advérbio, preposição e conjunção

- , a autora (p. 70) recorre a outro traço morfológico, de caráter derivacional, que ela assim

justifica: “a flexão, não podendo mais ser um elemento distintivo, cede lugar à derivação”.

(SCHNEIDER, 1974, p. 70). Com base em dados empíricos como: perto/pertinho,

cedo/cedíssimo x a, de, com e que, e, nem, essa lingüista acredita ter, com isso, dado

solução definitiva à delimitação do grupo adverbial, único que pode resultar de processos de

sufixação.

Todavia, a nosso ver, o problema não é resolvido satisfatoriamente, uma vez que a

possibilidade de acréscimo sufixal não é extensiva a todos os itens adverbiais, mesmo que

alguns deles, especialmente os de “modo”, tenham resultado – e ainda resultem – da anexação

de um sufixo (-mente, no caso dos indiciadores de modo) a um “adjetivo”. Prova disso é a

impossibilidade de derivação sufixal de itens como: hoje(zinho), onten(zinho), depois(inho) e

outros mais.

Com isso, endossamos o pensamento de Perini (1985, p. 27-28), quando afirma que a

“classificação formal das palavras segundo sua variação morfológica é muitas vezes

impossível”.

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2.3.2 De natureza sintática

No que tange às propriedades sintáticas do “advérbio”, também detectamos, na

literatura corrente, vários dissensos entre as obras examinadas. Dentre eles, focalizam-se,

aqui, os que nos pareceram mais perturbadores, ou pouco explorados (quando não

mencionados) pelos autores. São eles: os níveis de atuação dos itens adverbiais; sua extensão

funcional (segundo nomenclatura de Elia, 1980), ou escopo; seu grau de integração com o

verbo; sua força de recção, e, por fim, sua suscetibilidade a deslocamentos variados.

Começando pelo nível lingüístico em que pode atuar, constatamos que a idéia mais

comum entre os gramáticos é a de que as formas adverbiais se circunscrevem ao interior da

frase, configurando-se, pois, como componentes intrafrásicos, isto é, como modificadores de

determinados constituintes-núcleo da oração. Contudo, vários estudiosos – mais antigos, ou

não - fazem menção, mais ou menos breve, de papéis assumidos por certos “advérbios” na

instância extrafrásica, ou discursivo-textual, onde se configuram como modalizadores. Essa

alternativa de análise, entretanto, não é imune a críticas, sendo, por exemplo, rejeitada por

autores como Sílvio Elia (1980, p. 254), que, além de conferir um espaço diferente para os

modalizadores, em seu quadro taxonômico, inclui, dentre estes, os tradicionais advérbios de

negação, dúvida e afirmação, bem como os de modo, quando referentes à oração.

Do mesmo modo, no que diz respeito ao escopo do “advérbio”, fogem ao consenso as

opiniões dos lingüistas de ontem e de hoje. Prova disso é a cisão entre os que, restritos ao

nível intrafrásico, apontam o verbo como o único constituinte passível de ser modificado pelo

“advérbio”, e outros que entendem ser essa possibilidade extensiva a outros elementos da

oração. A própria listagem desses elementos nos remete a novas divergências de pensamento

entre os estudiosos, o que nos leva à sua distribuição em, pelo menos, dois blocos distintos:

um constituído pelos que não só apontam o verbo, o adjetivo e outro advérbio, como também

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nomes substantivos como suscetíveis de modificação adverbial; outro formado pelos autores

que não admitem essa possibilidade.

A nosso ver, esse último grupo não deixa de ter certa razão, uma vez que a

determinação adverbial não incide pura e simplesmente sobre os substantivos como um todo,

mas, sim, sobre os substantivos que apresentam uma certa força adjetiva, conforme ilustrado

nos enunciados abaixo, coletados de fala espontânea, sendo o último exemplo um numeral:

(7) a- “Ele se diz muito homem, para ser dominado por mulheres.”

b- “Esse cara é muito cachorro, completamente cara de pau, pensando que pode

me enganar desse jeito. Ele que se cuide!”

c- “A Raissa, sim, é uma aluna muito dez, dez até demais.”

Outro tipo de problema - nem sempre levado em conta por nossos gramáticos -

correlacionado com a delimitação do escopo do “advérbio”, isto é, com o tipo de vocábulo

que lhe cabe modificar, é o seguinte: não são todos os advérbios que podem figurar como

modificadores de todos os tipos de constituintes oracionais apontados pelos gramáticos como

suscetíveis disso. Consciente dessa restrição, Vilela (1999), por exemplo, procura nos mostrar

que o tipo de modificação adverbial varia de acordo com a espécie de palavra modificada.

Assim, se, por um lado, o verbo pode ter como modificadores advérbios qualitativos (ou

modo), circunstanciais e intensivos, por outro, os adjetivos só admitem modificação adverbial

de caráter intensivo. Como argumento comprobatório disso, Vilela se vale de dados empíricos

como os de abaixo, ocorrentes no português lusitano (e também no brasileiro):

(8) a- “Ele é verdadeiramente inteligente.”

b- “Ela é particularmente inteligente.”

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Segundo esse mesmo autor, “mesmo os advérbios derivados de adjectivos que não se

situam no domínio do ‘intensivo’ são arrastados para a intensificação (como largamente,

profundamente, altamente)” . (VILELA, 1999, p.243).

Também relacionada com o tipo de escopo admitido pelo “advérbio” é a questão a que

denominaremos grau de adverbialidade, que aparece implícita nas lições de gramáticos.do

presente e do passado. Segundo pudemos deduzir de afirmações como a de Mário Vilela,

transcrita abaixo, as formas adverbiais podem ser dispostos numa ordem escalar crescente,

que começa com as formas [- adverbiais] e termina com as [+ adverbiais]:

Os advérbios modificadores do verbo (e portanto dele dependentes) são os advérbios propriamente ditos: são os que caracterizam o acontecer verbal em si, como se fossem complementos ‘inerentes’ do próprio verbo. Isto é, o advérbio fica a fazer parte do próprio predicado, acrescentando-lhe algo de novo, algo referencialmente novo: ‘Ela falava maliciosamente com o namorado. (VILELA, 1999, p. 244; destaque nosso)

Em face da exemplificação fornecida pelo autor na página 244 dessa mesma obra, na

qual o tipo de “advérbio” ocorrente é o de “modo”, concluímos que é essa subespécie que, a

seu ver, apresenta uma carga adverbial mais forte. Anteriormente à Vilela, Elia (1980, p. 252-

253) já asseverava que os advérbios de “modo”, ou “qualidade”, bem como os de

“quantidade/intensidade” têm uma relação de natureza interna com o verbo, uma vez que

incidem sobre o núcleo sêmico do lexema; diferentemente, os “circunstanciais” mantêm com

o verbo uma relação de natureza exocêntrica, uma vez que, de acordo com esse autor, não

pertencem ao mesmo sintagma. Em suma, segundo nossa interpretação, tanto para Sílvio Elia

quanto para Mário Vilela, o “advérbio de modo” seria o de maior força adverbial.

No tocante ao nível de integração das formas adverbiais com o verbo, constatamos

que, embora a NGB estipule que os verbos transitivos se distribuam em três grupos – direto,

indireto e direto e indireto –, autores como Kury (1970), Luft (1979), Bechara (1976/1999),

Saraiva (1983), dentre vários outros, acreditam que, na verdade, a situação do português é

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mais complexa do que essa. No seu modo de ver, existem verbos de predicação incompleta

que, semanticamente caracterizados como indicadores de movimento ou de situação,

“exigem”, ou selecionam, um complemento de natureza adverbial, capaz de integralizar a

sua significação, tal como ocorre em enunciados como os de abaixo:

(9) a- “Acontece que ele não agüentou ficar nesta cidade maluca e deu um jeito de ir

morar no interior.”

b- “ Você não viu que o seu filho, mal chegou em casa, já tratou de ir para aquele

maldito boteco?”

O seguinte excerto, transcrito de Kury (1970), primeiro autor supracitado, nos dá uma

noção mais precisa desse modo de pensar:

... há verbos cuja idéia, em princípio, só se completa com a adjunção de um objeto direto (fazer, vender), de um objeto indireto (pertencer a, servir-se de, pensar em, concordar com), ou de um adjunto adverbial de lugar (ir a, vir de, ficar em): são verbos de significação relativa, de predicação incompleta. (KURY, 1970, p. 44; negrito nosso)

Procurando fugir da incoerência terminológica de autores que analisam como

“adjuntos” constituintes em função sintática completiva, Luft (1979) sugere que se incluam

os termos adverbiais de natureza completiva na classe dos “objetos indiretos”, que, segundo

ele, abarcaria, também, o “agente da passiva”. Uma proposta diferente é difendida por

Bechara (1976, p. 44), que, em nota de rodapé, sugere que se acresça ao quadro de recção

verbal do português, uma nova espécie, constituída por verbos transitivos adverbiais, que, de

acepção locativa ou direcional, selecionam complementos adverbiais, rotulados,

incoerentemente, por ele como “adjuntos adverbiais”.

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Acreditando que essa questão é ainda mais complicada, Saraiva (1983 ) nos mostra

que o rol dos “complementos adverbiais” não se restringe aos itens de acepção locativo-

direcional, mas se estendem a “advérbios de modo”, segundo nos comprovam dados como os

de abaixo, que, coletados por ela de nossa língua oral, deixam claro que a presença do

constituinte adverbial é de caráter obrigatório:

(10) a- “Esse aí é um daqueles sonsos que procedem bem em casa e fazem miséria na

rua.”

b- “Afinal, o que você quer dizer quando fala em ‘mulheres que procedem

mal’ ?”

(11) “Eu aceito ir à excursão com vocês, desde que todos procedam corretamente.”

Paralelamente a essa dificuldade (ou omissão) dos gramáticos em precisar os papéis

sintáticos que certos advérbios assumem por determinação da regência verbal, temos uma

outra, relativa à possibilidade de recção manifestada por alguns elementos (poucos) do grupo

adverbial. Menos lembrada do que a de acima, essa propriedade, registrada no uso real do

português (pelo menos em sua vertente brasileira) costuma gerar formas adverbiais como as

de abaixo, ainda não abalizadas oficialmente por nossos lexicógrafos:

(12) a- “Independentemente de sua aprovação pelo Congresso e Senado, essa

medida entrará em vigor mais dia, ou menos dia.

b- “Só de pirraça, ele usa roupa velha preferentemente às novas que as

voluntárias dão.”

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c- “Diferentemente de outras cantoras, a Marisa Monte não aceita nunca

aparecer na televisão.”

Ancorada, teoricamente, na Gramática Gerativo-transformacional, Lemle (1984) é

uma das poucas a fazer referência a essa possível carga de transitividade de alguns itens

adverbiais. Com base na crença de que a classificação de palavras de uma língua se mostra

mais consistente e menos problemática, se alicerçada no princípio da rotulação categorial,

segundo o qual, a nomeação dos sintagmas deve ser feita com base na classe lexical de seu

núcleo, essa lingüista afirma que:

Um advérbio pode ter complementos e um advérbio mais os seus complementos perfaz um sintagma adverbial. Portanto, se nos exemplos [abaixo] (...) os termos em a são advérbios, os sintagmas em b são sintagmas adverbiais: a. dentro b. dentro da caixa

a. depois b. depois da festa (LEMLE, 1984, p. 130; destaques nossos).

Contrariamente a essa autora, Vilela (1999), gramático lusitano, defende a idéia de

que:

Os advérbios são dependentes e intransitivos. Dependentes porque estão sujeitos à compatibilidade semântica de outro elemento, verbo, adjectivo, grupo nominal, aliás, sempre em dependência dos elementos que modificam. (...) Diz-se que os advérbios são intransitivos, por nenhum elemento depender do advérbio. (Vilela, 1999, p. 240-241; destaque nosso)

Outro fato sintático ainda no “limbo” nas lições de nossos gramaticos é o da

mobilidade ou deslocamento dos “advérbios” no interior da oração ou do período. Embora

alguns estudiosos o incluam no rol das propriedades passíveis de identificar a “espécie

adverbial”, preocupados em arrolar um traço mais abrangente aplicável a todos os itens

adverbiais, acabam cometendo algumas impropriedades. Uma delas é a inclusão de itens

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adverbiais que se deslocam para poucos interstícios da oração, ou que têm uma posição fixa;

outra é a falta de associação entre a mobilidade dos advérbios e o tipo de constituinte de que

faz parte: SV (Sintagma Verbal), SPred (Sintagma Predicativo), ou S (Sentença). A falta de

correspondência semântica precisa entre as orações arroladas em (13 a), abaixo, e as arroladas

em (13 b, c e d), e, ainda, a “estranheza” (para não dizer a “agramaticalidade”) de enunciados

com advérbios de lugar deslocados, como os de (14 b e c), já demonstradas por Bittencourt

(1979), atesta o comportamento diferenciado dos itens “adverbiais” quanto à possibilidade

e/ou tipo de deslocamento a que estão sujeitos – o que compromete a eficácia de sua análise

na identificação desse grupo vocabular:

(13) a- “Umas novecentas mil pessoas estiveram em Aparecida do Norte ontem.”

b- Umas novecentas mil pessoas estiveram ontem em Aparecida do Norte.

c- Umas novecentas mil pessoas ontem estiveram em Aparecida do Norte.

d- Ontem umas novecentas mil pessoas estiveram em Aparecida do Norte.

(14) a- “Muitos professores têm caído desta escada.

b- (?) Muitos professores desta escada têm caído.

c- (?) Desta escada têm caído muitos professores.

Essa diferença de comportamento, vale dizer, não se restringe aos advérbios de tempo

e de lugar, mas se estende a outros tipos semânticos. No estudo que faz dos advérbios de

modo, Saraiva (1978), por exemplo, mostra a desigualdade que se verifica entre eles quanto à

admissão, ou não, de deslocamentos, ou, mesmo, quanto ao tipo de transporte a que estão

sujeitos. Os dados a seguir, transcritos dessa autora sob nova numeração, comprovam essa

diferença de comportamento entre advérbios de um mesmo naipe, no caso, modais:

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(15) a- “João modificou completamente o horário.”

b- “João modificou o horário completamente.”

c- (?) Completamente João modificou o horário. (Exemplo nosso)

(16) a- “O negócio fracassou totalmente.”

inteiramente

b- (?) “O negócio totalmente fracassou.”

inteiramente

c- “(?) Totalmente o negócio fracassou.”

Inteiramente

Além desses problemas (e, certamente, de outros mais) de ordem sintática, que

dificultam a tarefa de identificação não só da “espécie adverbial” como a das demais classes

de palavras, os gramáticos têm se deparado com outras “pedras no caminho”, alocadas, no

caso, no território da semântica, que abordamos a seguir.

2.3.2 De natureza semântica

Do mesmo modo que os traços morfológicos – flexional e/ou derivacional - , o

critério semântico não é suficiente para identificar, com a devida precisão e abrangência, o

conjunto dos termos e expressões adverbiais, provocando, também, desentendimentos entre

os lingüistas.

Começando pela própria conceituação de “advérbio”, tomado no conjunto geral de

suas formas, detectamos vários tipos de dissenso, alguns dos quais, aqui já referidos. Um

primeiro desacordo diz respeito ao(s) traço(s) semântico(s) que, considerado(s) pelos autores

como peculiares à “classe adverbial”, dariam conta de distingui-la das demais espécies de

palavras de nossa língua. Dentre as propostas mais correntes, identificamos, pelo menos,

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quatro blocos distintos: a) o de autores , como Câmara Jr. (1964, p. 53), que indicam um papel

semântico único mais geral, qual seja, o de servir de acréscimo à significação do constituinte

que determina; b) o de gramáticos, como Rocha Lima (1998), que vêem o “advérbio” como

palavra circunstanciadora; c) o de mestres, como Torres (1973), que acreditam que o papel

semântico do “advérbio” é de modificador; e, finalmente, d) o de estudiosos que, como Jota

(1981), entendem que os itens adverbiais se distribuem, semanticamente, em dois subgrupos:

o dos “circunstanciadores”, que expressam idéias de tempo, lugar, afirmação, negação,

dúvida, instrumento, etc., e o dos “modificadores”, que traduzem a idéia de “modo”, ou,

então, de modo e “intensidade”, como preferem, dentre outros, Cunha (1970, p. 499) e Kury

(1970, p. 163).

Para complicar ainda mais esse quadro, cumpre lembrar aqui que os próprios autores

costumam criticar e rejeitar, em sobreposição metalingüística, várias soluções defendidas por

seus pares. Comprova-nos isso, a opinião de autores como Elia (1980), que, integrante do

quarto grupo, qualifica como inadequada a indicação da propriedade [+circunstancial] –

defendida pelo segundo grupo – como suscetíveis de delimitar todo o conjunto das formas

adverbiais. Entendendo “circunstância” como “determinadas condições ou particularidades

que caracterizam o conteúdo expresso pelo termo ao qual o advérbio se refere”, esse autor

condena, nos seguintes termos, essa opção de análise: “Parece-nos (...) que há uma tendência

para identificar advérbio com circunstância, o que se nos afigura prejudicial” (ELIA, 1980,

p. 242; destaques do autor). Conseqüentemente, para esse autor, apenas os advérbios

codificadores de idéias relativas a tempo, lugar, freqüência e ordem se caracterizariam como

“circunstanciadores”. Os demais, de qualidade e de quantidade ou intensidade integrariam o

bloco distinto, dos modificativos. Por sua vez, as formas codificadoras de dúvida, afirmação,

negação, avaliação e outras que servem para expressar uma atitude ou posicionamento do

falante em relação ao que diz comporiam outra classe lexical, diversa da adverbial. Os dados

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abaixo exemplificam essa diferença semântica entre os dois subconjuntos de advérbio e o

conjunto de modalizadores tidos por Sílvio Elia (1980) como uma classe lexical que atua num

plano lingüístico diferente:

(17) a- O Presidente Lula viaja amanhã.

b- O Presidente Lula veio a Ouro Preto.

c- O Presidente Lula viajou de helicóptero.

(18) a- Ele foi muito louco de saltar lá de cima.

b- Os cardeais escolheram esse novo Papa conscientemente.

c- Aquele segundo examinador foi bem severo em seu julgamento.

(19) a- Talvez o presidente Lula viaje amanhã.

b- Certamente, a protagonista de “Menina de Ouro”, fez jus ao Oscar que

recebeu.

c- O Presidente Lula não viajou de helicóptero.

Visto isso, cabe-nos advertir: os problemas, de ordem mais geral, aqui apontados não

são os únicos a desafiar os pesquisadores. De caráter mais específico, imposto aos

interessados no assunto, é o que concerne à subcategorização das diferentes formas

adverbiais. Dentre os desacordos de análise mais correntes, relevem-se, aqui, os seguintes: a)

o número e os tipos de “circunstâncias” que os itens adverbiais que exercem esse papel podem

assumir. Prova inequívoca disso é a diversidade qualitativa e numérica das listas constantes de

nossos compêndios gramaticais; b) a determinação do subgrupo a que pertencem certos

elementos tidos como de natureza adverbial – como, por exemplo, os classificados como

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denotativos, ou como palavras de classificação à parte; c) a possibilidade – nem sempre

indicada pelos autores – que certas formas adverbiais têm de exercer dois ou mais papéis

semânticos; d) as incertezas dos mestres consultados quanto ao enquadramento, ou não, de

determinado(a)s termos/locuções no grupo dos advérbios, como, por exemplo, os de caráter

dêitico (aqui, cá, ali,lá, acolá, etc.), os de caráter anafórico (assim, então, etc.), e outros mais,

como os de afirmação, negação, dúvida, ou, então, de exclusão, inclusão e apresentação,

presentes ou ausentes na lista dos compêndios apreciados; e) o nível lingüístico – gramatical,

semântico, discursivo, textual – em que os diversos tipos de advérbio podem atuar, ou não,

dificuldade comprovada, por exemplo, no reconhecimento dos modalizadores (atuantes na

dimensão discursiva e índices de subjetividade) como constituintes adverbiais, ou não.

Cientes do tanto que ainda ficou por apontar e comentar, encerremos esta etapa de

“preparação de viagem”, com uma síntese do que foi visto.

2.4 Conclusão

Neste capítulo destinado aos preparativos para a viagem aqui realizada, procuramos

arrolar e, na medida do possível, comentar os inúmeros e diferentes problemas “infligidos”

aos pesquisadores que se dispõem a identificar, através de traços próprios e globais, o

“advérbio” como uma classe, ou não, distinta das demais que são encontradas no português.

A partir de uma metodologia de análise que considera separadamente os diversos

componentes da gramática das línguas, pudemos mostrar que a tentativa de delimitar um

grupo adverbial uno e coeso constitui-se, metaforicamente, uma verdadeira “luta”, cujas

“batalhas” se realizam em territórios diferenciados como: o fonológico, morfológico,

sintático, semântico e o discursivo-textual.

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Lembrando, à guisa de síntese, alguns deles, vimos que, do ponto de vista

morfológico, a primeira “batalha” (de cunho mais geral) a vencer é a própria comprovação

de que estamos diante de uma “classe” autônoma de palavras, com traços peculiares, passíveis

de distingui-la dos demais grupos vocabulares. A divergência de opiniões entre os autores

quanto ao fato de que estaríamos diante de um conjunto de palavras com identidade própria,

ou, então, de um subtipo da classe dos “adjetivos”, ou, até mesmo, de uma série de

termos/locuções que não formam um conjunto unitário, constitui-se numa das provas do quão

complexa é a questão em si mesma.

Outro tipo de batalha, mais geral, ainda a enfrentar, desta vez, no campo da sintaxe,

diz respeito à delimitação do escopo do advérbio, que nos desafia a responder questões como:

a) o nível de atuação do advérbio seria apenas intrafrásico, ou se estenderia ao extrafrásico?

b) no plano intrafrásico, todos os itens adverbiais seriam licenciados para funcionar como

determinante de qualquer um dos constituintes oracionais a que se pode ligar? Não haveria

uma distribuição complementar quanto a isso e uma restrição dos tipos de constituintes

passíveis de serem determinados por eles?

c) na dimensão extrafrásica, seriam classificados como “advérbios” os elementos que atuam

no processo enunciativo, indicando, dentre outras coisas, vários tipos de modalização?

Uma terceira e última batalha, também de caráter mais abrangente, é a que, efetuada

no terreno da semântica, nos incita a apontar um traço, cujo grau de extensão seja suficiente

para abarcar todos os itens adverbiais. Assim, quem sabe terminariam as divergências entre os

autores que: a) ou se valem de um critério único que não dá conta de incluir todos os itens que

arrolam; b) ou partem, de antemão, de uma diferença entre formas circunstanciais e formas

modificadores; c) ou consideram um desses dois tipos – circunstanciais e modificadores –

como o único que pode ser verdadeiramente classificado como “advérbio”.

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Certamente, as dificuldades enfrentadas quanto à identificação e à distribuição dos

“advérbios” na nossa língua, bem como nas demais línguas em que figuram, não se

restringem às que se apontaram aqui. Contudo, tendo em vista a intenção deste capítulo, as

que foram indicadas e comentadas parecem-nos suficentes como preparadoras para o exame

feito, a seguir, das “lições” de alguns de nossos grandes “mestres da gramática” a respeito

dessa espécie lexical “ornitorrinca”.

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3 LIÇÕES DE ANTANHO: O TRATAMENTO DO ADVÉRBIO E M

GRAMÁTICAS DOS SÉCULOS XVI E XIX

Assi que tem o averbio este poder, acrecenta, diminui e totalmente destruí a obra do verbo a que se ajunta e ele é o que dá aos verbos cantidade ou calidade acidental, como o ajetivo ao substantivo. E a cada um dos avérbios acontece estes acidentes: espécie, figura, significação. (BARROS, 1971, p. 39; destaques nossos)

Advérbio não é outra coisa mais do que uma reducção, ou expressão abbreviada, da preposição com seu complemento em uma só palavra indeclinável. Chama-se advérbio porque, bem como a preposição com seu complemento se ajunta a qualquer palavra de significação ou vaga ou relativa, para a modificar, restringindo-a ou completando-a, o mesmo faz o advérbio com mais concisão e brevidade.” (BARBOSA, 1881, p. 234; destaques do autor)

3.1 Introdução

Arrolados e discutidos alguns dos problemas que vêm desafiando os estudiosos

interessados na determinação dos traços identificadores do advérbio como uma das nossas

classes de palavras, ou não, neste capítulo, preocupamo-nos em descobrir e mostrar o modo

como esse desafio foi enfrentado por gramáticas relativas a dois momentos do recorte

temporal pretérito aqui examinado: os séculos XVI e XIX.

Rompendo com a perspectiva metafísica adotada pelos gramáticos especulativos do

período medieval, os autores dessas duas fases – renascentista e pós-renascentista –,

resguardadas as diferenças entre seu tempo e suas idéias, procuraram estabelecer bases

filosóficas para a investigação lingüística, propiciando, com isso, certa continuidade do

pensamento norteador dos estudos gramaticais realizados na Antigüidade greco-romana.

No que diz respeito às gramáticas (e tratados ortográficos) voltadas, especificamente,

para o português, uma das línguas vernáculas originadas do latim, o século XVI constitui-se

num marco da publicação das primeiras obras dessa natureza, cujos autores, conforme dito

acima, já se achavam muito mais comprometidos com o antigo modo de conceber a

linguagem do que com o pensamento em voga no medievo. Esse novo-velho modo de

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abordagem lingüística, vale lembrar, sofre desvios ainda mais radicais, no final do século XIX

e princípio do século XX, sobretudo a partir da inauguração e expansão das idéias

estruturalistas propugnadas pelo lingüista suíço Ferdinand de Saussure (1916 – obra

póstuma), considerado um dos fundadores da Lingüística Moderna.

Na tentativa de rastrear o percurso evolutivo das “lições” apresentadas por nossos

gramáticos – quinhentistas e oitocentistas – quanto à delimitação, ou não, do advérbio como

uma classe autônoma, bem como quanto aos seus possíveis desdobramentos em novos

subgrupos, fazemos, aqui, uma primeira “parada” em nossa “viagem lingüística”, a fim de

apreciar e comentar os ensinamentos de alguns de nossos autores de “antanho”.

Para melhor realização dessa tarefa, procuramos observar o seguinte roteiro: a) num

primeiro passo, apresentamos, à guisa de contextualização, uma síntese do pensamento

lingüístico em voga no século XVI, primeiro “tempo” visitado por nós, além de notícias

acerca do quadro sociocultural e lingüístico vigente na época; b) num segundo momento,

buscamos enfocar, com o devido espírito crítico, as “lições” dos dois primeiros gramáticos da

língua portuguesa – Fernão d’Oliveira (1536) e João de Barros (1540) – sobre a distribuição

geral das palavras do português e a posição nele conferida ao “advérbio”. A escolha desses

dois autores, em detrimento de outros como Pero Magalhães de Gândavo (Regras que

ensinam a maneira de escrever e ortografia da língua portuguesa, 1574) e Duarte Nunes

de Lião (Ortografia e origem da língua portuguesa, 1595) deveu-se, como já dito, ao fato

de os primeiros apresentarem uma descrição – parcial ou mais completa – da gramática do

português, diferentemente, pois, dos dois últimos, mais preocupados com aspectos de natureza

ortográfica; c) no intuito de evitar uma passagem abrupta para os compêndios do século XIX,

segundo momento pretérito aqui contemplado, buscamos enfocar, ainda que de passagem,

numa terceira etapa, as propostas analíticas de alguns gramáticos do século XVII, entre os

quais, Roboredo (1619) e Barreto (1671), Argote (1721), Verney (1746) e Monte Carmelo

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(1767), do século XVIII, a respeito do “advérbio” como uma possível classe vocabular

autônoma. Para tanto, norteamos-nos, quando necessário, em estudos que, como o de

Hackerott (1989), também fazem esse percurso por compêndios gramaticais portugueses

produzidos no passado; d) procedendo, em seção subseqüente, ao estudo dos ensinamentos

em torno dessa questão, advindos do século XIX, último ponto de parada num passado mais

distante, enfocamos, primeiramente, um dos maiores representantes, senão o maior, de sua

fase inicial, Jeronymo Soares Barbosa. Conhecido autor da Grammatica philosophica da

língua portugueza, esse estudioso do português mostra ter aí absorvido “lições” da

Gramátca de Port-Royal (edição brasileira de 1992), ou Grammaire general raisonée, de

Arnauld (1612-1694) e Lancelot (1615?-1695). Aportando-nos, em sub-seção posterior, no

final desse mesmo século, buscamos apreciar a solução dada à questão – de classificação de

palavras e do destino dado ao “advérbio” – pelo gramático lusitano Júlio Ribeiro (1882),

cujas “lições” se perpetuam entre nós; e) como fecho dessa primeira parte da “viagem”, feita

em tempos de antanho, apresentamos um breve balanço das análises aqui apreciadas,

salientando os pontos de consenso e de dissenso entre seus proponentes e relevando os

avanços detectados.

3.2 Lições primeiras: gramáticos do século XVI

3.2.1 Panorama lingüístico geral

No intuito de compreender melhor as lições fornecidas pelos nossos mestres

quinhentistas, é imprescindível que tenhamos antes uma idéia do contexto histórico,

sociocultural e, sobretudo, lingüístico prevalecente na primeira metade do século XVI,

quando foram publicadas as duas primeiras gramáticas de língua portuguesa.

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Apesar da manutenção de alguns vínculos com a vertente filosófica humanista dos

séculos XIV e XV, esse período já apresentava inovações próprias à nova maneira de pensar

dos renascentistas, que, retomando os modelos artísticos da Antigüidade Clássica,

complementaram-nos, alteraram-nos e imprimiram neles a sua marca própria. Tal retorno à

Antigüidade, segundo nos mostram os historiadores, adveio, dentre outras coisas, da

necessidade da burguesia – então, cada vez mais crescente � de se munir de conhecimentos

que a habilitassem não só a gerir como a aumentar a fortuna que ia adquirindo.

Nesse contexto, em que um dos objetivos de maior peso era facilitar a aquisição de

conhecimentos profissionais e a adoção de atitudes mais “terrestres” e menos “celestiais” que

a do homem medieval, o homem renascentista deu novo rumo aos seus estudos, orientando-se

pela leitura de autores antigos e bebendo-lhes os ensinamentos de gramática, retórica,

história, filosofia, ética, etc.

No caso específico de Portugal, percebe-se que, paralelamente ao ensino e ao uso mais

constante da língua latina, havia uma preocupação pedagógica dos intelectuais em propiciar

aos alunos o contato com textos na nova língua – emergente daquela –, conhecida como

“vulgar” ou “vernácula”. Esse desejo foi concretizado através da publicação de cartilhas, que,

escritas em português, aproveitavam o conhecimento que os estudantes já tinham da língua

materna. Tais publicações, saliente-se, segundo os especialistas, buscavam tornar o

aprendizado da escrita mais acessível não só aos homens como às mulheres, menos

consideradas socialmente, provocando, assim, um novo e mais acentuado interesse pela

literatura, nas rodas sociais da época.

Diante da valorização da “língua vulgar” (extensiva às demais línguas românicas), era

natural o surgimento de gramáticas, que, por apresentarem uma descrição da língua nativa,

configuravam-se como um dos instrumentos por excelência de exaltação da grandeza de

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Portugal e como material pedagógico facilitador da imposição do português aos povos dos

diferentes territórios conquistados.

Contudo, esse quadro se altera com os reveses que sofre a partir da implantação da

Santa Inquisição, pelo rei Dom João III, em 1536. Um deles é a censura imposta à imprensa, e

outro a entrega do sistema educacional português nas mãos dos jesuítas, por volta da segunda

metade do século XVI. Era de se esperar que os efeitos dessa nova situação atingissem o

quadro lingüístico vigente, uma vez que passa a imperar o temor ao poder eclesiástico, que

perseguia ou até mesmo mandava para a fogueira quem ousasse desrespeitar a rigidez de suas

normas. Revigoram-se, então, o emprego e o ensino do latim e condena-se o uso da língua

“vulgar”, diminuindo-se, assim, a força dos meios de propagação do movimento da Reforma,

iniciado por Martin Lutero.

Esse estado de coisas se agrava ainda mais com a morte do rei D. Manuel I e a

assunção ao trono, na qualidade de regentes, da sua viúva, rainha D. Catharina e, depois, do

seu filho, Cardeal D. Henrique (1512-1580), que, acatam, servil e totalmente, as decisões do

Concílio de Trento, realizado entre 1545 e 1563. Dentre as várias deliberações tomadas por

seus partícipes, uma delas dispunha que a missa fosse celebrada em latim e o uso da língua

vulgar se restringisse às pregações. Em conseqüência disso, as lições dos gramáticos

humanistas, já então, marginalizados, deixaram de compor o conjunto de disciplinas

ministradas nas escolas.

Apresentados, ainda que sucintamente, alguns dados contextuais relativos ao século

XVI, procedamos, a seguir, ao exame propriamente dito das “lições” deixadas por nossos dois

primeiros gramáticos, pioneiros, muitas vezes, de idéias desenvolvidas sob uma orientação

lingüística mais moderna.

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3.2.2 Exame crítico das propostas analíticas selecionadas

3.2.2.1 Fernão de Oliveira (1536)

Adepto do pensamento humanista próprio ao Renascimento, o padre Fernão de

Oliveira (ou Fernão d’Oliveira), em sua Grammatica da lingoagem portuguesa, publicada

em 1536, e aqui estudada principalmente através da edição preparada por Buescu (1975), mais

do que uma descrição, apresenta-nos um verdadeiro manifesto de valorização da língua

portuguesa. Esse ato encomiástico, “praticado” por outros gramáticos e ortógrafos da época,

contribuiu para que se valorizassem as línguas modernas, denominadas “vulgares”, até então

consideradas meros instrumentos de evangelização da massa iletrada. Nesse contexto, os

lingüistas lusitanos como o Padre Fernão, sobressaíam em seu ufanismo lingüístico, já que

consideravam a sua língua, portuguesa, bem superior às demais.

No que diz respeito ao caminho de descrição lingüística adotado por nosso primeiro

gramático, pode-se dizer que, embora, mantivesse alinhado ao pensamento tradicional, ele

possuía e seguia idéias próprias, cujo valor, ainda hoje, é reconhecido em nosso meio

acadêmico. Um dos muitos exemplo de sua independência de pensamento é a sua posição

contrária à situação (paradoxal) em vigor no Renascimento, na qual vários intelectuais

estimulavam o recrudescimento do uso e do ensino do latim, justamente numa fase em que as

línguas modernas, ou “vulgares”, dele originadas iam atingindo a sua maturidade.

Concebendo a linguagem como figura do entendimento e acreditando que: “os homens

fazem a língua, e não a língua os homens” (OLIVEIRA, 1975, p. 43), esse religioso

presenteou alguns de seus compatriotas com um compêndio gramatical (datado de 1536), com

o qual procurava, segundo palavras próprias, mostrar que “nossos homens também sabem

falar e têm concerto na sua língua” (OLIVEIRA, 1975, p. 102).

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Na obra gramatical desse autor, somos agraciados com “lições” primorosas a respeito,

sobretudo, do sistema sonoro do português em uso em seu tempo, “lições” essas qualificadas

pelos entendidos como um verdadeiro tratado de fonética e fonologia. Conquanto privilegie

esse componente, o Padre Fernão não se esquece de fazer, ao longo do seu texto, comentários

de ordem morfológica, ou morfossintática. Isso sem falar na sua argúcia sociolingüista,

revelada, por exemplo, nos registros que faz de casos de variação e mudança em curso no

português em uso em sua época. Em razão dessa sensibilidade, a que se acresce seu empenho

em valorizar a língua oral, nosso primeiro gramático é considerado por vários autores

contemporâneos como um dos precursores da Sociolingüística, que somente no século XX

seria definida e sistematizada em seus princípios, postulados e procedimentos metodológicos

pelo lingüista americano William Labov (1972), inaugurador da linha Quantitativa ou

Variacionista.

Qualificando a sua gramática como “uma primeira anotação”, esse autor, em operação

autocrítica reveladora de sua humildade, reconhece, no trecho reproduzido abaixo, suas faltas,

das quais procura se desculpar:

Ser eu curto em meu escrever e não ser mui ordenado com bons exemplos, e a falta de algumas coisas que devera escrever e não fiz, e a dissonância de alguns termos novos nesta arte que pus, usando vozes próprias da nossa língua, tudo ante quem não folga de dizer mal terá escusa com olhar a novidade da obra, e como escrevi

sem ter outro exemplo antes de mim.(OLIVEIRA, 1975, p. 125-126)

Embora, conforme já dito, invista mais na descrição do componente fonético-

fonológico, esse autor não deixa de se referir, mesmo que superficialmente, ao problema da

classificação de palavras, dentre as quais, o próprio “advérbio” – o que é de lamentar, pois,

com sua capacidade de percepção lingüística, evidenciada no tratamento do sub-sistema

sonoro, poderiam advir lições, que, contemplando outros componentes da gramática

portuguesa, certamente, seriam de grande proveito para todos nós.

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Resta-nos, pois, contentarmo-nos com o que é ensinado por nosso padre gramático

relativamente ao assunto aqui pesquisado, assunto esse que ficou apenas na promessa que fez,

em sua primeira obra gramatical, de aborda-lo, juntamente a outros deixados para trás.

Apesar dessa lacuna, examinemos o material que ele nos oferece na gramática que

escreveu, concentrando-nos, inicialmente, na questão relativa à distribuição das palavras do

português. Em notícias dadas em forma de flashes, detectamos ensinamentos breves, como os

constantes no segmento abaixo, que, transcrito do Capítulo XXX de sua Grammatica,

contém as primeiras reflexões desse autor a propósito de sua concepção acerca de palavra,

dicção ou vocábulo, e, ainda de sua distribuição em três grupos distintos, segundo se refiram a

coisa, acto, ou modo:

Dicção, vocábulo ou palavra, tudo quer dizer uma coisa. E podemos assim dar sua definição: palavra é voz que significa coisa ou acto ou modo: coisa, como artigo e nome; acto, como verbo; modo, como qualquer outra parte da oração... (OLIVEIRA, 1975, p. 81; negrito nosso)

Embora nos advirta de que, nessa parte de sua Grammatica, dedicada ao estudo da

Morfologia, tratará apenas de questões relativas à formação das palavras e à suas origens e

data de surgimento, deixando para enfocar, em outra parte do compêndio, aspectos de

natureza semântica, o mestre Fernão, no próprio trecho acima, deixa claro que toma como

base esse tipo de critério para classificar as palavras de nossa língua. Valendo-se desse

componente, ele apresenta, conforme entrevisto acima, uma taxonomia composta de três

grupos lexicais: os que se referem a coisas, os que codificam atos e os que expressam modo.

Contudo, se por um lado, ele se dedica, em capítulo especial (nº XLIII), a explorar um

pouco mais os conjuntos de palavras indiciadores de coisa e de acto, por outro, com exceção

do “artigo’, alocado no primeiro grupo, ele pouco fala dos grupos vocabulares que, a seu ver,

expressam modo (termo que não é devidamente explicado).

A despeito do caráter incompleto da taxonomia estabelecida por nosso padre-

gramático, atrevemo-nos a sintetizá-la aqui, em formato de esquema, que foi, na medida do

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possível, acrescido das informações que, embora apresentadas de um modo esparso ao longo

do texto, conseguimos colher e ajuntar. Para melhor identificação desse tipo de coleta, obtida

de uma forma descontínua, os dados que a ela concernem são apresentados entre parênteses:

FIGURA 1- “PARTES DA ORAÇÃO”, SEGUNDO FERNÃO DE OLIVEIRA (1536/1975)

O envolvimento de Fernão de Oliveira com a descrição fonético-fonológica do

português usado em seu tempo também deve explicar a pouca atenção dada ao grupo dos

advérbios, que, de acordo com seu quadro taxonômico, integraria a classe das palavras

indicadoras de modo. Apesar dessa lacuna, deparamo-nos, também de uma forma esparsa,

com algumas referências a esse tipo lexical, em comentários de natureza ortográfica, ou às

vezes, morfológica. Ilustram-nos isso observações como as transcritas abaixo, em que,

preocupado em mostrar a pronúncia correta da letra “h”, nosso gramático nos deixa entrever

uma das subclassificações semânticas do conjunto adverbial:

Mas (...) hi e ahi, advérbios de lugar (...), só de costume os escrevemos, sem mais

outra necessidade. (OLIVEIRA, 1975, p.57; destaques nossos).

Do mesmo modo, ao discorrer, em capítulo dedicado à Morfologia, sobre o significado

e as regras de uso de prefixos formadores de novas palavras no português, Fernão de Oliveira

1- TERMOS ALUSIVOS 2- TERMOS ALUSIVOS 3- TERMOS ALUSIVOS

A “COISAS” A “ACTOS” A “MODO” ( Variáveis ) (Variável) Demais Partes da Oração Artigo (Pronome) Nome Verbo (Invariáveis)

(Subst.) (Adj.) Pessoal Impessoal (Advérbio) (Preposição)

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(1536/1975) volta a fazer alusão ao “advérbio”, quando notifica a variação de pronúncia – até

e té – do termo “até” , entre os falantes e até mesmo escritores de sua época. Nesse contexto,

ele deixa claro que considera tal vocábulo – até – como elemento adverbial, opinião da qual

divergem autores mais atuais. Alguns desses últimos, pautando-se pela NGB, incluem esse

tipo de palavra e outros similares no grupo dos termos de classificação à parte, e outros como

Elia (1980), que, conforme referido no capítulo anterior, prefere incluí-lo numa classe

especial, que denomina de “termos denotativos”. Eis, abaixo, o trecho que nos mostra a

posição defendida por Fernão de Oliveira:

Este advérbio [até], digo, alguns o pronunciam conform ao costume da nossa língua, que é amiga de abrir a boca, e dão-lhe aquela letra a, que digo, no começo. Mas outros lhe tiram esse a e não dizem até, mas dizem te, não mais, começando em

t. (OLIVEIRA, 1975, p. 91; sublinhado nosso)

Nessa mesma passagem, temos, ainda, a oportunidade de testemunhar a “veia

sociolingüística” desse gramático, que, além de valorizar a língua oral, se mostra interessado

em detectar e apontar casos de variação como a de acima, chegando, muitas vezes, a nos dar

informações acerca do grau de extensão do uso das variantes – antigas e inovadoras – em co-

ocorrência no português de seu tempo.

A par dessas “lições” de caráter indireto, encontramos, na Grammatica da lingoagem

portuguesa de Fernão de Oliveira ensinamentos diretamente relacionados com o advérbio

per se. Atentemos, então, para o que nos foi dado colher a respeito de sua caracterização e

distribuição.

No tocante ao componente morfológico, nosso autor faz algumas considerações – de

ordem derivacional – sobre a formação dos itens adverbiais, separando as formas primeiras

(‘primitivas’) das formas tiradas (‘derivadas’).

Nas trilhas do gramático latino Varrão, que divide as declinações em dois tipos,

voluntárias – produzidas segundo a vontade de cada usuário – e naturais – sujeitas a regras e

leis –, o Padre Fernão assim se refere ao “advérbio’: “ Na declinação natural, onde falamos

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das dicções tiradas [‘derivadas’], podemos também meter os advérbios, os quais, quando são

tirados, pela maior parte ou sempre acabam em mente, como compridamente, abastadamente

e chãmente” (OLIVEIRA, 1975, p. 108; negrito nosso). Indo um pouco mais além, ele nos

lembra a existência de itens adverbiais não derivados, ou cuja história derivacional já não é

mais percebida, como: antes, depois, asinha, logo, cedo e tarde, que diferem dos

reconhecidamente derivados.

Além dessas subcategorizações de ordem morfológica, o nosso gramático lusitano faz

breve alusão a outra possibilidade de subagrupamento, que envolve, desta vez, traços de

natureza semântica. Tal desmembramento nos remete à distribuição morfológica dos

advérbios nos dois subtipos acima apontados: o dos advérbios terminados em � mente e o das

demais formas :

... e quase podemos notar que os advérbios acabados em mente significam qualidade, e não todos os que significam qualidade acabam em mente, porque já agora não diremos prestesmente, como disseram os velhos, nem raramente , os quais velhos também foram amigos de pronunciar uns certos nomes verbais em mento, como comprimento e aperfeiçoamento, e outros que já agora não usamos.”

(OLIVEIRA, 1975, p. 108; destaques nossos)

Nesse trecho, tal como no anterior, podemos, mais uma vez, testemunhar uma

abordagem “pancrônica” nas lições do nosso primeiro gramático. Assim é que, quando se

refere a certos termos adverbiais em uso no seu tempo, também traz à tona formas resultantes

de uma operação derivacional, que, continuada, acabou culminando na gramaticalização do

substantivo –mente, cuja carga referencial, nesse contexto, já se encontrava em franca

obsolescência.

Essa preocupação com o fenômeno da variação e mudança lingüísticas é manifestada,

ainda, no quadragésimo nono capítulo da Grammatica de Fernão de Oliveira, dedicado à

“composição ou concerto que as partes ou dicções da nossa língua têm entre si” (OLIVEIRA,

1975, p. 123). É nesse componente de nossa gramática, de construição, ou sintaxe, que,

segundo nosso autor, “mais que em alguma outra guardamos nós certas leis e regras”

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(OLIVEIRA, 1975, p. 123). Avaliando positivamente essa tendência do português à

“retenção”, esse autor interpreta-a como um dos elementos comprobatórios da superioridade

da língua portuguesa relativamente à latina e à grega. Essas línguas “mui gabadas” segundo

afirma em tom irônico, trocam e mudam, muitas vezes, advérbios por preposições e outras

partes da oração – processo que, a seu ver, “... se não faz na nossa língua: ao menos tão

ameude ... “ (OLIVEIRA, 1975, p. 124)

Todavia, ao levar em conta o uso real do português de sua época, ao qual sempre

procura dar atenção, esse estudioso não deixa de reconhecer a possibilidade que alguns

advérbios e preposições têm de assumir ofícios superpostos entre si, ou “duplo ofício” –

sintático e semântico. Em termos morfológicos, verifica-se, nesses casos, o deslizamento de

uma classe vocabular para outra. Como evidência empírica disso, Oliveira nos lembra de

certos vocábulos que “.. se servem em dois ofícios, como esta parte por, a qual às vezes é

preposição e às vezes advérbio e outro tanto esta antes, depois e até e outras muitas que têm

dois ofícios.” (OLIVEIRA, 1975, p. 124; destaques nossos).

Em suma, pelo que pudemos constatar, o primeiro gramático da língua portuguesa,

embora não nos forneça “lições” que enfoquem de um modo específico o “advérbio”, acaba

fazendo alguma referência a ele, em passagens diversas e breves de sua obra.

Admirador de sua língua, no legado gramatical que nos deixou, ele faz referência a

várias modalidades do português, encontradas em sua época, valorizando sobretudo, a língua

oral, relegada a segundo plano, em favor da escrita, até pouco tempo atrás.

Outro aspecto interessante (e precursor) de seus estudos gramaticais é a importância

que dá tanto ao enfoque sincrônico quanto ao diacrônico, de que se vale quando necessário e

pertinente. Essa proposta “pancrônica”, vale lembrar, tem sido defendida, em tempos

modernos, por correntes como a da Gramática Funcional, tanto de linha americana quanto

européia.

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3.2.2.2 João de Barros (1540)

Em edição comentada (aqui seguida, juntamente com a edição simplificada de

Rodrigues de Sá Nogueira, 1957) da Grammatica da língua portuguesa, de João de Barros,

Buescu (1971, p. I do Prefácio) assim se manifesta a seu respeito: “encerra um imenso valor

intrínseco, porque define o âmbito da gramática renascentista entre nós, e porque cria uma

perdurável tradição gramatical portuguesa, que vai manter-se até ao século XIX”.

Com vistas a confirmar o valor das “lições” desse nosso segundo gramático da língua

portuguesa, valemo-nos, aqui, tanto da edição preparada por José Pedro Machado, datada de

1957, quanto da edição elaborada por Buescu (1971), que, a par do texto atualizado e dos

comentários que faz, apresenta uma versão em fac-símile do compêndio gramatical desse

autor. Para facilitar o contato da instância receptora com esse material, lavrado em português

mais antigo, optamos por transcrever os trechos aqui citados, em português moderno.

Disputando com Fernão de Oliveira o posto de primeiro gramático da língua

portuguesa, João de Barros (1540), que, no ano anterior trouxera a público a sua Cartinha

para aprender a ler (1539), na opinião dos entendidos, segue, com mais fidelidade, o

modelo gramatical greco-latino, procurando destacar, como o primeiro, algumas das

particularidades do seu idioma pátrio, ausentes das línguas clássicas. Para tanto, limita,

segundo suas próprias palavras o corpus que se dispõe a examinar ao “modo certo e justo de

falar e escrever colheito do uso e autoridade dos barões doutos” (BARROS, 1957, p.1; grifos

nossos). Com uma obra gramatical mais completa, Barros (1540) divide suas “lições” em

cinco partes: ortografia, prosódia, etimologia, sintaxe e figuras de linguagem.

No que se refere à classificação dos vocábulos portugueses, assunto que nos interessa

mais de perto, esse autor (1957, p.1), em metáfora retomada, posteriormente, por Saussure

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(1916/1970), compara as “linguagens” a um jogo de xadrez, no qual identifica nove tipos de

“peças”, “postas”, segundo ele, “em casas próprias e ordenadas, com leis do que cada uma

deve fazer (segundo o ofício que lhe foi dado). São elas: o “nome”, o “verbo”, o “pronome”, o

“advérbio”, o “particípio”, o “artigo”, a “preposição”, a “conjunção” e a “interjeição”.

Com base no “ofício que lhes foi dado” e numa comparação metafórica com o jogo de

xadrez, esse autor (1957, p.1) distribui os vocábulos do português em três grandes

conjuntos.Expostos abaixo, eles aparecem, aqui, numa ordem que leva em conta a relevância

e a espécie de papel que exercem na oração:

a) vocábulos reis: “nome” e “verbo”, que, “concordes em ofício”, diferem quanto ao

gênero;

b) vocábulos damas: “pronome” ( dama do “nome”) e advérbio (dama do “verbo”);

c) vocábulos peões, que servem aos dois poderosos reis – “nome” e “verbo” – , quais

sejam: o “particípio”, o “artigo”, a “conjunção”, a “preposição” e a “interjeição”.

A partir dessa comparação figurativa, podemos deduzir que esse gramático, além de

de considerar tal “officio”, ou função sintática, como traço passível de identificar as diferentes

classes de palavras, o vê como condição necessária (e primeira) para o prosseguimento do

“jogo” da linguagem.

Para fornecer uma visão global da taxonomia estabelecida por João de Barros (1540),

completando-a com as subdivisões que ele aponta, quando examina, de um modo localizado,

cada uma das classes em particular, apresentamos abaixo, em forma esquemática, as “lições”

do autor a esse respeito:

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FIGURA 2- “PARTES DA LÍNGUA PORTUGUESA”, SEGUNDO

JOÃO DE BARROS (1540/1971)

Confrontando essa lição com a de autores que o sucederam, constata-se um dissenso

da parte desse gramático quinhentista, que entende como sendo dama do “nome” o

“pronome”, e não o “adjetivo”, como aqueles. Por outro lado, fazendo coro a muitos desses

estudiosos, João de Barros classifica o “advérbio” como uma dama do verbo, restringindo,

com isso, de um modo mais indireto, o seu escopo a um único constituinte.

Ainda que de forma breve, esse estudioso de nossa língua, diferentemente de Fernão

de Oliveira, apresenta, em sua Grammatica, um capítulo dedicado especialmente ao estudo

do advérbio, capítulo esse que leva o seguinte título: “Do avérbio e suas partes”.

Introduzindo-o com uma “lição” acerca da etimologia do termo, ele deixa mais explícita a

definição acima mencionada, defendendo, através de dados empíricos, a importância dessa

espécie lexical no quadro de palavras da nossa língua, conforme nos revela o segmento abaixo

transcrito:

1- VOCÁBULOS 2- VOCÁBULOS 3- VOCÁBULOS

“REIS” “DAMAS” “CAPITÃES”

Do Nome Do Verbo

Variáveis Variável Invariável Variáveis Invariáveis

Nome Verbo Pronome Advérbio Particípio Artigo Preposição

Conjunção

Subst.Adj. Ativo Neutro Impessoal Interjeição

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Avérbio é uma das nove partes da oração que sempre anda conjunta e coseita com o verbo e daqui tomou o nome, porque ad quer dizer “cerca” e composto com verbum fica adverbium, que quer dizer “acerca do verbo”. Foi esta parte muito necessária, ca por ela se denota a eficácia ou remissão do verbo, porque quando digo eu amo a verdade demonstro, que simplesmente faço esta obra de amar, mas dizendo eu amo muito a verdade, per este avérbio muito denota a cantidade de amor que tenho à cousa. E se disser amo pouco a verdade

desfaço toda a obra de amar. (BARROS, 1957, p.39; negritos nossos)

Nesse mesmo capítulo, Barros (1957, p. 39), fundamentado em critérios morfológicos

e semânticos, procura distribuir as diferentes formas adverbiais em subconjuntos variados.

Assim, como traços (ou “acidentes”) morfológicos próprios ao “advérbio”, ele aponta a

espécie, que tem a ver com o estatuto derivacional dos itens – primitivos ou derivados – , e as

figuras, que concernem ao seu estatuto configuracional – simples ou composto. Como

exemplos de formas primitivas, ele arrola os itens muito e pouco, e de advérbios derivados,

apenas o vocábulo bem, que “se deriva de bom”, e mal , que “se deriva de mau” . Por sua vez,

como exemplos de forma simples, o autor aponta o vocábulo ontem, e, como forma

composta, o vocábulo “antontem, que quer dizer ‘ante de ontem’.” (BARROS, 1957, p. 39)

Num confronto entre essa “lição” de morfologia adverbial com a de Fernão de

Oliveira (1540/1975) e outros estudiosos vistos no capítulo anterior, podemos constatar, pelos

dados fornecidos por João de Barros (1540/1957), que a distribuição morfológica que propõe

não coincide com a daqueles, que preferem distribuir os itens adverbiais em dois grupos

distintos, segundo tenham recuperada, ou não, pelos usuários de hoje sua história

derivacional.

Outro critério apontado por esse gramático como suscetível de delimitar a “classe” dos

advérbios é o que diz respeito ao seu estatuto semântico. Nos termos de Barros, tal tipo

vocabular “acrescenta, diminui e totalmente destrui a obra do verbo a que se ajunta”

O mesmo critério semântico o leva a dividir o macroconjunto adverbial em dois tipos

(subgrupos) distintos, em que o primeiro é “o que dá aos verbos cantidade” , e o segundo, “o

que lhe dá “calidade acidental, como o ajetivo ao substantivo” (BARROS, 1957, p.39).

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Deduz-se daí que nosso segundo gramático se insere no grupo dos autores que, conforme

visto no capítulo anterior, distinguem, com maior ou menor rigidez, o advérbio de modo dos

demais, que atuam como circunstanciadores.

Nesse mesmo território da significação, João de Barros também faz alusão à

diversidade de sentido que alguns itens adverbiais podem expressar. Contudo, em face do

emaranhado resultante dessa possibilidade de deslizamento semântico, reconhece que “não

podemos compreender todas pera as reduzir a regras gerais”, e “põer em ordem” alguns

deles, “conformando-se”, pois, em seguir “a ordem dos latinos” (BARROS, 1957, p. 39). Se,

por um lado, tal opção o afasta do modelo de estudo vigente no Renascimento, por outro,

contenta os membros da Inquisição, que já haviam reduzido, através de cortes não explicados,

as “lições” dadas por João de Barros em seu compêndio gramatical.

Com base, pois, nos parâmetros da gramática latina, nosso estudioso identifica os

seguintes subgrupos semânticos, que integram, segundo ele, o quadro geral dos advérbios de

nossa língua (BARROS, 1957, p. 40):

a) De lugar: aqui, aí, ali, cá lá acolá, algures;

b) De tempo: anteontem, ontem, hoje, agora, depois, cedo, tarde, nunca;

c) De qualidade: bem, mal;

d) De afirmar: certo, si;

e) De negar: não, nen;

f) De duvidar: quiçá, per ventura;

g) De demonstrar: eis, ei-lo, ei-la;

h) De chamar: ó, olá;

i) De desejar: ose (sic), Oxalá;

j) De ordenar: idem, depois;

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k) De perguntar: como, porque;

l) De ajuntar: juntamente, em soma;

m) De apartar: àparte, afora;

n) De jurar : certo, em verdade;

o) De despertar: eia, sus, asinha;

p) De comparar: assi, assi como, bem como;

q) De acabar: em conclusão, finalmente.

Num primeiro exame dessa extensa lista apresentada por Barros (1957), podemos

perceber uma incoerência em sua análise, uma vez que, embora tenha proposto uma divisão

binária, arrolando em grupos diferentes os advérbios indiciadores de qualidade e os advérbios

codificadores de circunstância, ao arrolar os diferentes tipos semânticos do grupo adverbial,

ele acaba colocando os dois tipos num mesmo e único bloco.

A par disso, enquadra ainda, no grupo dos advérbios, itens que, hoje, a NGB prefere

qualificar como de “classificação à parte”, tais como: eis, ei-lo, ei-la (formas de

“demonstrar”) e afora, aparte (formas de “apartar”, ou “excluir”). Opta também por incluir,

entre os membros dessa classe, termos de caráter vocativo/interjetivo como ó e olá e eia e sus,

de grande relevância para processo de interação verbal em si.

No mesmo quadro taxonômico, chama-nos a atenção, ainda, uma referência – única –

feita por esse autor a formas possivelmente relacionadas a fases distintas do português , tais

como: assim como e bem como, que, embora não tivessem perdido de todo a sua acepção

adverbial, já deviam ter se cristalizado, formalmente, na língua, por meio do processo de

gramaticalização (sintatização → morfologização), como “locuções conjuncionais”,

configurando-se, pois, como marcadores de nexo interoracional.

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Naturalmente, essa opção classificatória repercute no componente sintático, no qual,

os advérbios assumem dois papéis distintos: o de “adjunto” e o de “conectivo”. Nesse mesmo

plano gramatical, podem-se detectar outros problemas enfrentados ( e nem sempre resolvidos

a contento) por João de Barros, alguns dos quais relativos ao próprio escopo do advérbio, que,

segundo ele constitui-se numa “ das partes da oração que sempre anda conjunta e coseita

com o verbo” (BARROS, 1957, p. 39; destaques nossos). A deduzir de sua classificação

semântica, porém, constata-se que vários subtipos referidos e exemplificados pelo autor não

correspondem a esse padrão sintático. Que o digam os advérbios “discursivos”, apontados

acima, e outros como bem e mal, ou como em verdade e certo, que expressam juízos,

avaliações e opiniões do falante acerca do que diz. Do mesmo modo, itens como finalmente,

em conclusão, idem e depois, classificados pelo nosso gramático como advérbios “de acabar”

e de “ordenar’, respectivamente, não se limitam a determinar o núcleo verbal. Além de

atuarem como marcadores textuais, ajudando, metalingüisticamente, a construir/manter a

coesão do discurso – oral ou escrito –, eles servem para organizar ou colocar em ordem o

fluxo informacional ou argumentativo de um texto.

Ainda que não comentado pelo autor, no caso específico de depois, “relativo ao curso

dos eventos”, no dizer de Ilari (1991, p. 68), verifica-se uma possibilidade dupla de “extensão

funcional”, a saber: a de delimitar a acepção verbal, ou a de se referir a toda a oração,

expressando não só “tempo” como “lugar”, conforme nos ilustram os seguintes enunciados

colhidos do português atual:

(1) a- Ele jantou, comeu a sobremesa e morreu depois.

b- Sabe aquela notícia dos tsunamis? Eu não consegui dormir depois.

(2) a- Aqui ficam a praça e depois o palácio do governador

b- Essa rua fica logo depois da Santa Casa.

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Da mesma maneira, o subgrupo rotulado pelo autor como “de jurar”, ilustrado

por formas como por certo e em verdade, nos remete à instância do enunciador. Tanto é que

o próprio autor aloca o item adverbial certo também no conjunto dos advérbios que traduzem

o ato de fala “de afirmar”.

Outra propriedade (ou acidente, nos termos do autor) sintática referida por esse

mestre em capítulo subseqüente, diz respeito ao “regimento do avérbio” (BARROS, 1957, p.

45-46). Além de mencionar as possibilidades de associação de formas adverbiais com outras

classes de palavras, ele nos mostra que “alguns têm força de regerem casos como: assaz de

dinheiro; muito disto, pouco de proveito” (BARROS, 1957, p. 46; destaques nossos) –

possibilidade essa nem sempre lembrada pelos estudiosos, segundo observado no capítulo

anterior.

Apontados e comentados esses ensinamentos de nosso segundo gramático

de língua portuguesa, façamos, a seguir, a fim de evitar uma ruptura intertemporal, e à guisa

de continuum, uma breve parada nos séculos que separam os gramáticos quinhentistas dos

gramáticos oitocentistas, último grupo de “antanho” a ser enfocado.

3.3 Lições intermediárias: gramáticos dos séculos XVII e XVIII

Durante os séculos XVII e XVIII, a forte censura imposta pela Inquisição prejudicou

a produção/publicação de compêndios gramaticais, em detrimento de tratados ortográficos,

que, não obstante o seu valor, contêm um número bem menor de descrições das línguas

modernas que se iam firmando na Europa.

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Como “porto de passagem” para o estudo das lições em torno do “advérbio”,

focalizamos, aqui, alguns dos compêndios que conseguiram, nesse contexto de ameaças e

perseguições, trazer à tona estudos relativos ao sistema lingüístico português.

3.3.1 Século XVII

Entre os gramáticos do século XVII, tem merecido destaque a obra Amaro de

Roboredo, que, no seu Methodo gramatical para todas as línguas (1619), no qual nos

concentramos, deixa patente o seu comprometimento com as idéias lingüísticas greco-

romanas, defendendo, por exemplo, a necessidade e a vantagem de ensinar o latim e sua

gramática, através do estudo da própria língua “vernácula”.

Questionando, pouco tempo depois a relevância do estudo da gramática, no processo

de ensino-aprendizagem da língua nativa, Roboredo reconhece, em sua obra Portas de

línguas (1623), que se tratava de uma estratégia de grande valia, capaz de influir

positivamente no desempenho dos alunos em termos de escrita e leitura, bem como de treiná-

los no bom uso de sua própria língua e na aprendizagem de outros idiomas distintos do seu.

Tal preocupação com a relação interlingüística e a linha teórica adotada, aproximam

as idéias desse estudioso das de lingüistas que, alicerçados em princípios formalistas, levam

em conta a equivalência lógica entre as línguas. Com isso, além de distingui-lo de seus pares

coevos, as idéias lingüísticas aplicadas e apregoadas por esse mestre sinalizam seu avançar

em direção a uma gramática de cunho mais formal.

Restringindo-nos, no caso em questão, ao tratamento conferido ao advérbio − objeto

específico do presente estudo − por Roboredo (1619.), aproveitando o estudo desenvolvido

por Hackerott (1989), mencionemos algumas das “lições” que ele nos deixou acerca dessa

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espécie lexical. Começando pelo plano semântico, constatamos que esse autor concebia as

formas adverbiais como elementos que servem para alterar o significado dos termos a que se

podem ligar.

Apesar de ampla e vaga, esta definição contém embutida, uma das características

sintáticas desse tipo lexical, qual seja o seu escopo. Embora não discrimine os tipos

vocabulares que pode determinar, deduz-se de suas palavras que eles não se limitam aos itens

verbais.

O mesmo critério semântico prevalece na subclassificação dos diferentes itens

adverbiais apresentada por Roboredo (1619). Similar à taxonomia de outros autores, ele faz

referência aos subconjuntos indiciadores de tempo, lugar, modo, etc. dentre os quais inclui o

elemento que, quando subseqüente ao verbo, e às formas interjectivas.

Ainda no século XVII, enfocado por Hackerott (1989), Fávero (1996), Bastos &

Palma (2004) e outros estudiosos mais, contamos, ainda, com as “lições” de autores como

João Franco Barreto, que, em seu trabalho intitulado Ortographia da lingua portugueza,

datado de 1671, considera os advérbios como palavras que se juntam aos “verbos” e aos

“adjetivos”, a fim de conferir maior perfeição à sentença.

Em sua primeira parte, vê-se que a caracterização dos advérbios é feita com base em

seu escopo (critério sintático), que compreende, no caso, o “verbo” e o “adjetivo”. Na

segunda parte, essa caracterização é de cunho estilístico-normativo, uma vez que prevê os

efeitos expressivos do advérbio e seu papel na produção de sentenças-modelo.

Em trecho subseqüente, Barreto (1671) complementa as suas “lições”, repartindo o

macroconjunto de advérbios em dois blocos semanticamente distintos: o dos advérbios de

modo, que, representados por bem e mal se constituem, segundo ele, em advérbios

propriamente ditos (ou prototípicos, em terminologia mais moderna); de outro, as demais

formas. Com este tipo de lição, Barreto se aproxima de uma boa parte dos gramáticos que o

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sucedem, mas se afasta de muito deles ao incluir, no segundo subgrupo – de advérbios não

modais − os itens que expressam negação, ou seja, que privam o verbo de significação, como,

por exemplo, o vocábulo não. Polêmica em tempos passados, a definição da classe que

abrigaria as formas negativas, afirmativas, dubitativas, etc. continua até hoje provocando

cisão entre os gramáticos.

Fornecida uma idéia geral (e superficial) do pensamento de gramáticas do século

XVII, vejamos, a seguir, também de uma forma sintética, o que nos ensinam alguns mestres

do século XVIII.

3.3.2 Século XVIII

No século XVIII, marcado, em Portugal e outros países por problemas de toda a

natureza, o enfraquecimento da autoridade do poder real e da hegemonia eclesiástica, até

então vigentes, levou à implementação de ações que culminaram na diminuição dos

rendimentos da Coroa. Ascendendo ao trono português em 1750, D. José I, na tentativa de

resgatar o velho poder do Estado absolutista, nomeou, como primeiro-ministro, Sebastião José

Carvalho e Melo, mais tarde, Marquês de Pombal.

Figura de importância inconteste na história de Portugal e até mesmo do Brasil, o

Marquês de Pombal via, nos jesuítas, até então responsáveis pela catequização dos índios e

pelo ensino do português, um empecilho para a realização de seus intentos. Com vistas a tirar-

lhes o poder e a credibilidade, ele passa a acusá-los de vários crimes, conseguindo, tempos

depois, expulsá-los das terras de Portugal e de suas colônias. Não satisfeito, para justificar

seus impulsos de perseguição e obter o aval do povo, ele acusou os membros da Companhia

de Jesus de se fecharem às novas idéias em ebulição na Europa, atribuindo-lhes, por causa

dessa omissão, a responsabilidade pela decadência do ensino vigente no país.

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Nesse clima de efervescência política e cultural, são publicados alguns manuais de

gramática, uns de linha mais tradicional, outros de caráter mais ousado. Nesse cenário, a obra

intitulada Verdadeiro methodo de estudar, de autoria de Verney, é publicada em 1746,

sendo vista como um dos marcos da ruptura definitiva dos gramáticos com as idéias

lingüísticas e pedagógicas dos padres jesuítas.

Nas diferentes “lições” encontradas nessa e em outras obras, como as de Argote

(1721) e Figueiredo (1752), ressentimo-nos da pouca ou nenhuma atenção dada ao problema

da classificação das palavras, em especial, à delimitação da classe dos advérbios.

Concentrando-nos, particularmente, nessa espécie, constatamos que a maioria dos

autores setecentistas consultados caracteriza o “advérbio” a partir do(s) papel(éis) semânticos

que assume, relativamente ao termo que determina. Além dessa delimitação, assim como

outros estudiosos, não se preocupam em esclarecer o significado dos termos que empregam

em suas definições, do mesmo modo que não se importam em ilustrar suas “lições” com

exemplos que elucidem e comprovem suas conclusões.

Parcimoniosos como os demais, Argote (1721) e Verney (1747), supracitados,

definem, semântica e sintaticamente, o “advérbio” como uma palavra que serve para

determinar e clarear outras palavras, deixando, pois, a cargo do leitor a tarefa de interpretar o

que querem dizer com “determinar” e “clarear outras palavras”, cuja classe não especificam.

Esse mesmo tipo de lacuna é encontrado na definição de “advérbio”, defendida por

outro renomado mestre desse período, Frei Luiz do Monte Carmelo. Em seu Compêndio de

Ortographia , publicado em 1767, esse mestre conceitua o advérbio como um modo de

significar o “nome”, o “verbo” e o “conceito” (as demais classes de palavras). Quanto à

caracterização sintática, esse autor, pelo que se pode ver, se atém ao escopo do “advérbio”,

que, além de incidir sobre o “verbo”, se estende ao “nome” e a uma categoria vaga, dita

“conceito”, que torna a definição ainda mais obscura.

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Pelo que se pode perceber o traço semântico – “modo de significar” - que esse autor

aponta como próprio ao “advérbio” não nos diz nada, a não ser que o autor estivesse se

referindo aos “advérbios de modo” – o que não passa de mera suposição.

Em suma, dos ensinamentos que recebemos dos gramáticos dos séculos aqui

considerados por razões didáticas, de um modo mais superficial, releve-se o seguinte:

a) embora façam alusão à heterogeneidade – semântica e sintática – das formas

adverbiais, os autores consultados nos fornecem definições muito vagas e difíceis

de interpretação;

b) nenhum deles apresenta um quadro classificatório que dê pelo menos uma idéia

das possibilidades distribucionais desse tipo de vocábulo;

c) a dificuldade de depreensão dos traços peculiares ao advérbio pode ser

comprovada pela inclusão, em seu quadro geral, de componentes de outras classes

de palavras, como a dos “pronomes”, “preposições”, “conjunções”, “interjeições”,

mencionados de novo nos capítulos em que se estuda, separadamente, cada uma

delas.

Efetuada, mesmo que de passagem, a travessia da fase quinhentista para a oitocentista,

cabe-nos, agora, enfocar esta última examinando o que nos dizem seus autores a respeito da

classificação de palavras e do advérbio.

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3.4 Lições finais: gramáticos do século XIX

3.4.1 Panorama lingüístico geral

No século XIX, último dos “tempos de antanho” aqui enfocado, recebemos lições

preciosas de gramáticos expoentes como Jeronymo Soares Barbosa e Júlio Ribeiro, cujas

obras, Grammatica philosophica da língua portuguesa (1803) e Grammatica portugueza

(1882), respectivamente, foram aqui selecionadas como representativas desse período. O

primeiro, Soares Barbosa, é tido, na literatura corrente, como o grande representante de uma

era em que predominavam compêndios gramaticais de linha mais filosófica; o segundo, Júlio

Ribeiro, nos leva de volta a uma abordagem mais tradicional do português, menos arrojada,

pois, mas tão valiosa quanto a de Barbosa, que segue de perto as idéias lingüísticas defendidas

na Gramática de Port-Royal (1992, ed. brasileira).

Com base nas edições datadas de 1881 (gramática de Jeronymo Soares) e de 1884

(gramática de Júlio Ribeiro), apresentamos e comentamos, a seguir, as “lições” que ambos

nos deixaram.

3.4.2 Exame crítico das propostas analíticas selecionadas

3.4.2.1 Jeronymo Soares Barbosa (1803)

Como era de esperar, Jeronymo Soares Barbosa (1803/1881) tem uma concepção

mais racionalista de linguagem, que faz coro tanto com alguns de seus pares coevos, quanto

com a de Arnauld e Lancelot, autores da Grammaire générale et raisonée, traduzida para o

português com o título de Gramática de Port-Royal (1992).

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Defensor, pois, dessa linha de pensamento, Barbosa (1881) acredita que exprimimos

as nossas percepções do real por meio do discurso, o qual, por sua vez, pode ser atualizado de

dois modos distintos. O primeiro deles, natural e sumário, serve para expressar por

intermédio de palavras interjectivas, o estado de espírito do ser humano; o segundo, dito

artificial e analítico, codificado pelas outras espécies vocabulares, traduziria as demais

funções da linguagem. Na maneira de ver desse gramático-filósofo “destes dois modos

contrários de dar a conhecer pela linguagem os nossos pensamentos, nasce a divisão a mais

geral das palavras em classes” (BARBOSA, 1881, p.70).

Pelo que se pode ver, transparecem nessa divisão de ordem mais abrangente, alguns

dos critérios que lhe pareciam adequados para a delimitação das classes de palavras

integrantes do acervo lexical do português. E mais: por intermédio dessas idéias, e de outras

que vão sendo expostas nas “lições” específicas a cada grupo vocabular, ficamos a par do

modelo de gramática adotado por esse autor, que, por exemplo, assim se manifesta a respeito

das “interjeições”: “ao sentimento pois pertence o proferil-as a proposito, e à Gramática o

recel-as do uso, contal-as, e notar algumas differenças mais geraes que as distinguem”

(BARBOSA, 1881, p. 71; destaques nossos).

Nessa passagem, em que nosso autor se mostra afinado com o pensamento de

estudiosos de seu tempo, fica patente o seu projeto de “gramática”, a que cabe, segundo ele,

no que diz respeito ao estudo do conjunto vocabular das línguas, “descrever, a partir do uso,

o comportamento das palavras, para, então, distingui-las, enumerá-las e classificá-las”

(BARBOSA, 1881, p. 71).

Para melhor compreensão de seus ensinamentos sobre o “advérbio”, apreciemos antes

o seu quadro distributivo do conjunto vocabular do português, tarefa que ocupa um bom

espaço de sua Grammatica. Alicerçado na idéia de que existem “modos contrários de dar a

conhecer pela linguagem os nossos pensamentos” – um, que representa “todas estas

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percepções e sentimentos que a nossa alma experimenta tulmutuariamente”, e outro, que

representa as percepções que temos dos objetos, “separando-as e fazendo-as succeder umas

às outras” �, esse mestre acredita que disso deriva uma “divisão a mais geral das palavras

em duas classes: uma, das palavras interjectivas ou exclamativas, e outra das discursivas ou

analyticas” (BARBOSA, 1881, p.70; destaques nossos).

Em seu ponto de vista, as “interjeições” configuram-se como “partículas desligadas

do contexto da oração”, que, expressões da “linguagem primitiva que a natureza mesma

ensina a todos os homens logo que nascem”, servem para indicar “o estado ou de dor ou de

prazer interior em que sua alma se acha, e por isso mesmo devem ter o primeiro lugar na

ordem das partes da oração” (BARBOSA, 1881, p. 70).

Por outro lado, as “discursivas”, ou “analíticas”, servem para exprimir as duas

“coisas” que o nosso espírito, tal como a natureza, contém: as idéias, que nada mais são do

que reflexos da primeira operação – de percepção ou concepção – do nosso entendimento, e,

também suas diferentes combinações, reflexos da segunda operação do nosso entendimento,

qual seja, o juízo. Tem-se, aí, pois, uma nova subdivisão, que, atinente às palavras

“discursivas”, nos remetem a duas grandes subclasses, correspondentes às duas operações

supracitadas que o pensamento pode realizar: as palavras nominativas e as palavras

combinatórias (ou “conjunctivas”, nos termos do autor), conforme exposto abaixo:

as palavras discursivas que os exprimem, de necessidade se devem também reduzir a duas classes geraes, como nos methodos analyticos do calculo; umas que caracterizam e nomeiam as idéias, e outras que as combinam entre si. (BARBOSA, 1881, p. 74; destaques nossos)

Todavia, conforme reconhece o próprio gramático, essa bipartição não é a única que se

verifica no acervo lexical das línguas, uma vez que “as idéias que se nomeiam e as suas

combinações são de diferentes espécies” (BARBOSA, 1881, p. 74). Assim sendo, tanto os

termos nominativos quanto os combinatórios se desmembram em outros tipos vocabulares.

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Ciente de que:

a) a distribuição dual acima – de palavras nominativas x palavras combinatórias (ou

conjunctivas) – não dá conta de mostrar, com a devida precisão, as diversas

possibilidades de “nomeação” e as diferentes espécies de “combinação”;

b) a determinação dessa tipologia é essencial “para se saber quaes são exactamente as

partes elementares e indispensáveis do discurso;

c) “n’este ponto [classificação de palavras] tem havido quasi tantas opiniões quanto

são os grammaticos”;

d) uma palavra só pode ser considerada como elemento de uma oração, desde que:

1º - “seja simples e irresolúvel”, ou seja, que apresente traços inerentes que as

distingam de outras palavras;

2º - “seja necessária e indispensável à enunciação dos nossos pensamentos,

de tal sorte que não haja lingua alguma que a não tenha”;

3º - exerça no discurso uma funcção essencialmente differente da(s) que cabe a

outras palavras exercer (BARBOSA, 1881, p. 74),

esse autor, diversamente de outros que não explicitam os critérios norteadores de seu quadro

taxonômico, aponta e identifica as seguintes sub-espécies concernentes às duas grandes

classes de palavras � nominativas e combinatórias � acima referidas:

A - Palavras nominativas (de número infinito e de massa fônica mais extensa) :

a) nome substantivo – a que cabe expressar as idéias principais;

b) nome adjetivo – a que cabe exprimir “as idéias acessórias como objeto dos nossos

discursos para se combinarem e se compararem” (BARBOSA, 1881, 74)

B – Palavras combinatórias: ( de número reduzido e de pouca massa fônica):

a) verbo substantivo – a que cabe combinar e ajuntar idéias acessórias com a principal;

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b) preposição – a que cabe combinar “entre si duas idéias principaes, fazendo de uma

complemento da outra” (BARBOSA, 1881, p. 74);

c) conjunção – a que cabe combinar, ligar e ordenar as orações.

Paralelamente a essa distribuição de ordem mais cognitiva, semântica e sintática, o

autor faz menção de outros tipos em que se podem reunir, de forma cruzada, palavras de

caráter discursivo e exclamativo.

Quanto ao estatuto morfológico, o autor faz referência aos dois conjuntos vocabulares,

que apresentados abaixo, se distinguem um do outro, segundo admitam, ou não, variação

flexional de gênero, número e pessoa (no caso do verbo):

A) Palavras Variáveis B) Palavras Invariáveis

Substantivo Interjeição

Adjetivo Preposição

Verbo Conjunção

Para uma idéia mais completa e detalhada do quadro classificatório proposto por esse

gramático, veja-se o esquema abaixo, no qual procuramos deixar claros os critérios

cognitivos, semânticos, sintáticos, morfológicos, fônicos e quantitativos, tidos pelo autor

como pertinentes para determinar “quaes são exactamente as partes elementares e

indispensáveis do discurso” (BARROS, 1881, p. 74; destaque do autor).

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FIGURA 3- “SISTEMA COMPLETO DOS ELEMENTOS DA ORAÇÃO ”,

SEGUNDO JERONYMO SOARES BARBOSA (1803/1881)

O exame do Quadro acima nos revela problemas � mais ou menos sérios � de várias

naturezas, relativos não só à identificação das “formas adverbiais”, como à das demais

espécies vocabulares. Um deles, por exemplo, diz respeito ao verbo, que, por figurar no bloco

das palavras conjuntivas, portar os traços [ - numerosos ], [- extensos ], [+ monossêmicos ],

peculiares a esse grupo.

Deixando para outra oportunidade, ou para outros estudiosos, a tarefa de avaliar, com

o devido apuro, a pertinência, ou não, dos traços apontados pelo nosso filósofo-gramático

como identificadores dos diferentes tipos de vocábulos do português, apreciemos, a seguir,

1- PALAVRAS 2- PALAVRAS DISCURSIVAS NÂO DISCURSIVAS OU EXCLAMATIVAS

VARIÁVEIS INVARIÁVEIS Interjeição (“Partes”) (“Partículas”)

N o m i n a t i v a s N o m i n a t i v a s N o m i n a t i v a s N o m i n a t i v a s C o m b i n a t ó r i a s C o m b i n a t ó r i a s C o m b i n a t ó r i a s C o m b i n a t ó r i a s [ + numerosas ] [ - numerosas ] [ + extensas ] [ - extensas ] [ + polissêmicas ] [ - polissêmicas ]

Substantivo Adjetivo Verbo (subst.) Preposição Conjunção

Art . Pron. Part. Advérbio

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as “lições” de Jeronymo Soares Barbosa (1803/1881) acerca da caracterização do advérbio,

espécie vocabular que constitui o objeto desta pesquisa.

Pelo que nos é dado ver na Figura nº 1 acima, esse tipo de palavra é tida pelo autor

como um dos subgrupos do “macroconjunto” das preposições. Com tal distribuição, Barbosa

(1881) deixa claro que as formas adverbiais não formam uma “classe” autônoma de palavras,

independente, pois, das demais.

Do mesmo modo, não está livre de questionamentos a concepção de “advérbio”

defendida por esse autor, exposta no Capítulo V de sua Grammatica (ed. de 1881, p. 218 a

243), dedicado ao estudo da “preposição”. Naquele capítulo, depois dos ensinamentos a

respeito da classe das “preposições”, nosso mestre se volta, de um modo particular, para o

advérbio, que, na sua opinião, nada mais é do que o resultado de uma redução ocorrida no

interior dos Sintagmas Prepositivos (SPreps), ou seja, de um processo de abreviação do

conjunto formado pela “preposição” e seu complemento em uma única palavra,

morfologicamente, indeclinável. Essa associação, afirma-nos o autor (1881, p. 235), está

inscrita no próprio nome advérbio (termo originado do latim adverbium), que significa

‘adjunto ao verbo’, entendendo-se, no caso, o termo verbo em seu sentido lato de “qualquer

palavra capaz de modificação”. Dessa maneira, segundo esse estudioso, não só advérbios de

acepção locativa ou temporal, como: de cima, acerca, abaixo, debaixo, acima, etc, mas

também os advérbios de qualidade terminados em –mente se mostrariam ainda

preposicionados, tal como no seu passado latino. O excerto abaixo, transcrito de Soares

Barbosa, nos dá uma idéia mais clara do alcance dessa relação “Advérbio” – “Sintagma

Prepositivo”, que ele se preocupa em apontar:

Quer eu diga pela preposição com o seu complemento: obrar com prudencia; quer reduzindo a coisa a menor expressão diga: obrar prudentemente; a significação vaga do verbo obrar fica egualmente modificada e determinada pelo advérbio, como pela preposição com seu complemento. (BARBOSA, ed. de 1881, p. 234-235; destaques do autor)

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Aqui, Barbosa, fazendo jus à sua idéia de que uma palavra, para que possa ser

considerada como elementar à oração, deve exercer no discurso uma função diferente das

exercidas por outras palavras, mostra que esse não é o caso do advérbio. Antes, a função

adverbial é perfeitamente desempenhada, segundo o autor, por uma preposição combinada a

um substantivo.

Com tal proposta analítica, evidencia-se mais uma vez a ligação desse gramático

português com os mestres de Port-Royal, cujas “lições foram retomadas e revistas, em tempos

modernos pelo lingüista americano Noam Chomsky, com sua proposta de uma gramática

gerativo-transformacional. Para este autor, os “advérbios” nada mais seriam que formas

resultantes da ação do Princípio da Economia, explorado de outra maneira, nos nossos dias,

por adeptos da Gramática Funcional.

A par do recurso a esse critério de cunho mais etimológico − que serve para justificar

o caráter invariável dos “advérbios” e revelar diferenças entre eles e a classe dos “ nomes

adjetivos” (declináveis) − registram-se, em seu compêndio gramatical, casos de

subagrupamento de itens adverbiais, que, dependendo dos traços que portam, se entrecruzam

uns com os outros, dando, assim, origem a vários tipos de distribuição.

Explorando tais possibilidades, Barbosa (1881) aponta várias subespécies de

advérbios, distintas umas das outras não só em termos semânticos e formais, como em termos

discursivos, numéricos, etc. Com base na “estrutura subjacente” das formas adverbiais –

simples ou funcionais – esse gramático identifica três grandes subgrupos adverbiais: o dos

advérbios propriamente ditos, o dos nomes adverbiados e o das fórmulas adverbiais.

Todavia, se levarmos em conta os próprios traços que aponta, poderíamos reduzir esses três

blocos a dois, diferenciados um do outro por sua configuração estrutural, a saber: um, que

abarca as formas adverbiais com preposição subentendida e outro, que contém as formas

adverbiais com preposição expressa.

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Paralelamente a essa distribuição bipolar que sugerimos, detectamos ramificações e sub-

ramificações de menor porte. Dentre elas, mencione-se, aqui, o desmembramento do que

chamamos formas com preposição subentendida em dois subtipos: um, designado pelo

autor como advérbio propriamente dito, no qual o termo (único) que o compõe é,

flexionalmente, invariável – o que restringe o seu uso a um único contexto; outro,

correspondente aos nomes adverbiados, nos quais o termo único de que é formado,

contrariamente ao que se dá com o grupo anterior, caracteriza-se como variável, (ou

declinável), como prefere o autor, sendo, assim, “susceptível de outro emprego na enunciação

do pensamento” (BARBOSA, p. 235). Como ilustração do primeiro subtipo, esse autor

aponta o advérbio locativo “indeclinável” aqui, que, segundo ele, “comprehende em si a

preposição em, e seu complemento é, este logar, como se disséssemos: n’este logar“

(BARBOSA, 1881, P. 235). Por sua vez, como exemplo de itens adverbiais do segundo

subtipo, ele menciona o vocábulo certo, que, embora sujeito à variação de gênero e número,

em contextos em que funciona como adjetivo se caracteriza como invariável no exercício de

função adverbial, ilustrada, pelo autor, em enunciados como: “Certo sei.” “ Certo que isto é

mal feito”, nos quais, o vocábulo certo equivale a certamente.

Outra ramificação mencionada por Barbosa (1881) incide sobre o conjunto composto

por formas com preposição expressa, que se subdivide em duas subespécies: as que

apresentam preposição incorporada ao seu complemento, e as que não apresentam; como

exemplo de fórmulas adverbiais com preposição incorporada, o gramático em pauta arrola,

na página 236, itens como d’aqui, d’alli, d’aquem, d’além, equivalentes, no seu modo de ver,

a: d’este logar, d’aquelle logar, da parte de cá, da parte de lá. Por outro lado, locuções como:

às avessas, à direita, às claras, às escondidas, são apontadas por ele como casos ilustrativos

do subconjunto fórmulas adverbiais com preposição separada.

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Esquematizando essas “lições” a respeito da (sub)categorização dos “advérbios”, tudo

temos o seguinte resultado:

A- Formas com preposição subentendida

a) advérbios propriamente ditos

b) nomes adverbiados

B- Formas com preposição expressa

a) itens aglutinados ao termo determinado

b) itens separadas do termo determinado

Ao insistir na idéia de que “o advérbio, propriamente dito, é uma palavras só, e essa

indeclinável, e destinada pelo uso para exprimir com mais brevidade uma preposição com

seu complemento”, Soares Barbosa (1881, p. 236-237), de certa maneira, nos remete a outro

tipo de rearranjo do conjunto adverbial, decorrente do tempo de entrada dos termos adverbiais

em nossa língua. A partir desse critério cronológico, ele separa, de um lado, as formas

adverbiais que vieram, como tais, do latim. Rotuladas, nas gramáticas históricas, como formas

hereditárias, esse bloco, de acordo com o nosso mestre, abarcaria, predominantemente, os

advérbios de lugar, tempo e quantidade. Por sua vez, os advérbios de modo e qualidade, que,

formados, segundo o autor por analogia, constituiriam vocábulos mais novos, ou formações

românicas (no caso, portuguesas). No esquema abaixo, em que se reproduz a exemplificação

fornecida por nosso gramático, temos uma síntese dessa redistribuição cronológica dos itens

adverbiais vigentes em nossa língua:

A - Formas hereditárias

Constituídas, preferentemente, de advérbios de:

a) de lugar: onde, algures, alhures, nenhures, aqui, ahi, dahi, aquém, além, cá,

lá,acolá, arriba, cerca, dentro, fora, diante, traz (sic), longe, perto;

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b) de tempo: quando, sempre, nunca, então, agora, avante, antes, depois, hontem, hoje,

logo, já, ainda, cedo, azinha.

c) de quantidade (registrado, por engano, como de “qualidade”): tão, quão, mui, mais,

quase, cerca,apenas.

B – Formações românicas (portuguesas)

Advérbios de modo e qualidade: sim, não, assim, como, talvez, eis.

Como fecho a este exame das “lições adverbiais” dadas por Jeronymo Soares Barbosa

(1881), transcrevemos, a seguir, um excerto no qual critica os demais gramáticos pela

incoerência da taxonomia que apresentam:

Esquecendo-se (...) das definições que dão do advérbio, que dizem ser uma voz indeclinável, [nossos gramáticos] mettem nesta conta expressões que nada tem de adverbiaes; porque são ao meros complementos com suas preposições, que não há mais razão para pôr na classe dos advérbios do que qualquer outro substantivo com a sua preposição junta; o que seria uma estranha confusão.(BARBOSA, 1881, p. 236 )

Isso posto, salientem-se, aqui, os seguintes pontos da proposta analítica desse

expoente no campo dos estudos da língua portuguesa, que, independente em seu modo de ver,

aponta solução próprias para os inúmeros problemas que enfrenta. Mesmo que não os tenha

resolvido inteiramente, ou que não os tenha resolvido a contento, conforme avaliação de Elia

(1980), esse mestre da gramática deixou abertos novos caminhos, que nos desafiam a

prosseguir nessa viagem por terras “adverbiais”.

Assim, no que tange à classificação das palavras, ressaltem-se os seguintes

ensinamentos:

a) a distribuição das palavras em duas dimensões lingüísticas distintas: palavras discursivas

x palavras exclamativas (não discursivas);

b) a subdivisão do primeiro bloco em subtipos também desmembráveis em outras

subespécies, a saber:

i) o desmembramento das palavras discursivas, em variáveis (substantivo, adjetivo,

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adjetivo e verbo) e invariáveis (preposição e conjunção);

ii) a repartição (diferente da primeira) dos termos discursivos em: palavras nominatiavas

(variáveis) versus palavras conjunctivas (invariáveis);

iii) o desdobramento do subgrupo: o nominativo em nomes substantivos e adjetivos, e do

combinatório, ou conjuntivo, em verbos, preposições e conjunções;

iv) a distribuição do subconjunto de conjuntivas em dois subgrupos, segundo passíveis ou

não, de variação e flexão: o das formas invariáveis (conjunção e preposição) e o das

variáveis, do qual faz parte o verbo, tido por nosso autor como nominativo e conjuntivo,

ao mesmo tempo;

v) outro tipo de subcategorização incide sobre o conjunto dos adjetivos, que podem se

desdobrar em: particípio, artigo e pronome.

Embora atraente pelas novidades que apresenta, o quadro de Jeronymo Soares

Barbosa, não deixa de suscitar questionamentos e contraposições, decorrentes, muitas vezes,

de sua despreocupação com o esclarecimento de certas noções, emprestadas de outros, ou

não, e de justificativas teórica e empiricamente mais seguras. Com isso, o modelo de análise

sugerido por Soares Barbosa não raro se mostra confuso e até mesmo inadequado, conforme

nos demonstram críticas como a que faz Sílvio Elia, para quem, “o gramático-filósofo antes

escureceu que iluminou a questão” (no caso, a delimitação do escopo do advérbio). (ELIA,,

1980, p.23).

No que concerne às lições sobre o advérbio, nosso gramático de novo se destaca por

suas idéias inéditas, dentre as quais pontuamos: a) a definição do “advérbio” com base no

estatuto configuracional que apresenta em sua Estrutura Profunda, e/ou com base na sua

forma analítica vigente em fases pretéritas; b) a alocação do advérbio no rol das palavras

“invariáveis”, o que leva ao seu deslocamento para o subgrupo das palavras conjuntivas; c) a

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visão sintática do advérbio como elemento configuracionalmente similar ao Sprep; d) o

reconhecimento de uma abrangência maior do escopo dos itens adverbiais; e) a apresentação

de vários tipos de subdivisões a que estão sujeitas as formas adverbiais, tanto no plano

semântico quanto no formal.

Vistas essas “lições” advindas do início do século XIX, encerremos este capítulo,

voltado para os tempos de antanho, com o exame das idéias “adverbiais” de Júlio Ribeiro,

que se propõe, em sua Grammatica portugueza (1882/1884), afastar-se das antigas, que, a

seu ver, “eram mais dissertações de metaphysica do que exposições dos usos da língua”, e

mostrando “com clareza as leis deduzidas dos factos e do fallar vernáculo (RIBEIRO, 1884,

p. I; destaque nosso).

3.4.2.2 As lições de Júlio Ribeiro (1882)

Afirmando, na Introdução de sua obra, que “a grammatica não faz leis e regras para a

linguagem”, mas “ expõe os factos della, ordenados de modo que possam ser aprendidos com

facilidade” Júlio Ribeiro (1884, p. 1; grifos nossos), revela-se, de antemão, um defensor da

idéia (de cunho pedagógico) de que “o estudo da grammatica não tem por principal objecto a

correção da llinguagem”, embora possa contribuir para isso. (RIBEIRO, 1884, p.1).

Embora mais envolvido com as idéias gramaticais da tradição greco-latina do que

Jeronymo Soares Barbosa, esse gramático brasileiro sofre influências do cientificismo

predominante em sua época, conforme nos comprova o seguinte excerto, transcrito da

“Secção Primeira” (Taxeonomia) do “Primeiro livro” em que se divide o seu compêndio:

A linguagem, interprete da intelligencia, é um instrumento de analyse: com effeito, as palavras servem para distinguir os seres, os objectos, as qualidades, as substancias reais ou abstractas, as açções, os estados diversos das pessoas, das cousas, todas as manifestações da vida, todos os phenomenos, até mesmo os que caem sob o domínio da imaginação e do futuro, o contigente, o absurdo, o impossível. (RIBEIRO, ed. de 1884, p.57)

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Em consonância com a linha darwinista, esse autor (1884, p. 57) concebe a linguagem

como uma “expressão do pensamento” e defende a idéia de que a distribuição das

palavras em grupos, só pode ser feita a partir dos “grupos de idéias que compõem o

pensamento”. Com base nisso, Júlio Ribeiro (1884, p. 57) identifica, na nossa língua, oito

categorias de vocábulos, que, em termos da propriedade sintática [±dependência], podem ser

distribuídas em três grandes grupos, aqui apresentados em forma de esquema:

A- Formas independentes – que correspondem às palavras “capazes de formar sentenças

por si e entre si”: o “substantivo”, o “pronome” e o “verbo”. (RIBEIRO, 1884, p.57).

B- Formas qualificadoras – que se caracterizam como dependentes de outra palavra que

descrevem ou limitam: o “artigo”, o “adjetivo” e o advérbio.

C- Formas conectivas – que englobam as palavras que servem para juntar um termo com

outro, ou uma oração com outra: a “preposição” e a “conjunção”.

Pelo que se pode ver acima, Ribeiro não inclui em seu quadro a interjeição, atitude

também assumida por alguns autores da atualidade, considerando-a como um simples “grito

involuntario, instinctivo, animal”, que não tem nenhuma ligação com o pensamento. Em

outras palavras, para ele, essa espécie vocabular não deve ser tomada como parte do discurso,

mas, sim, como mera expressão do sentimento humano. Embora de um modo menos radical,

essa idéia coincide com a de vários autores, entre os quais, o próprio Soares Barbosa

(1803/1881), que, conforme vimos, arrola as interjeições, num grupo especial, de palavras

não discursivas, ou seja, não passíveis de engendrar as idéias contidas no pensamento.

Outro tipo de distribuição de palavras encontrado no manual de Júlio Ribeiro (1884),

leva em conta o traço morfológico [ ± flexão ], que dá origem ao seguinte subquadro:

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A- Formas variáveis B- Formas invariáveis

Substantivo Advérbio

Adjetivo Preposição

Verbo Conjunção

Artigo

Pronome

Dividido em dois subtipos, esse “conjunto”, lembra-nos esse gramático, já foi

“unitário” no passado, uma vez que as “palavras invariáveis”, integrantes do segundo grupo,

“ já gosaram de vida, já tiveram fôrmas móveis nas línguas matrizes: são (...) organismos

inferiores (...), cujas partes fluidas se solidificaram por uma como crystallização

lingüística”(RIBEIRO, 1884, p. 57).

A título de síntese e para melhor visualização dessa taxonomia, apresentamos o

seguinte Quadro:

FIGURA 4 – “TAXEONOMIA” DAS PALAVRAS DO PORTUGUÊS,

SEGUNDO JÚLIO RIBEIRO (1882/1884)

1- PALAVRAS 2- PALAVRAS 3- PALAVRAS

INDEPENDENTES DEPENDENTES CONECTIVAS

Variáveis Variáveis Invariáveis Invariáveis

Substantivo Pronome Verbo Artigo Adjetivo Advérbio Preposição Conjunção

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No que tange, particularmente, ao advérbio, as lições de nosso gramático brasileiro,

embora se ressintam de maior sistematicidade, contêm novidades e interpretações pessoais,

ainda a confirmar.

Examinemos algumas delas, começando pela definição que o autor nos fornece, na

primeira seção (intitulada “Taxeonomia”) do “Livro Segundo” do seu compêndio: “advérbio

é uma palavra que modifica um verbo, um adjetivo ou um outro advérbio” (RIBEIRO, 1884,

p. 70; destaque do autor). Ainda que sintética, essa definição, corrente na literatura, se baseia

em dois traços de natureza distinta: um semântico, concernente ao papel de modificador do

“advérbio”. outro, sintático, relativo ao seu escopo, que além de abarcar o “verbo”, atinge,

também, o “adjetivo” e mesmo outro “advérbio”.

A par desse traço sintático de delimitação do escopo do “advérbio”, no “Livro

Quarto” de sua Gramática − reservado, exclusivamente, ao estudo da Sintaxe −, temos uma

alusão a outro traço próprio ao “advérbio”, nem sempre lembrado pelos autores, qual seja, a

sua posição ocupada na oração “ junto da palavra por elle modificada”. Como comprovação

empírica disso, seu proponente arrola os seguintes exemplos: Homem muito illustrado;

Pedro escreve rápido; César escreveu muito concisamente (RIBEIRO, 1884, p. 314).

Quanto à caracterização semântica do advérbio, além do papel de modificador do

termo a que se liga, referido na definição, o gramático menciona outros, mais esporádicos, já

que restritos a determinados itens. Um deles é o de indiciador de intensidade, que as formas

locativas cá e lá, por exemplo, podem exercer (em decorrência de um processo de

metaforização), quando ligadas, respectivamente, à primeira e às demais pessoas do discurso.

Como exemplo, o autor arrola os seguintes dados: Eu cá julgo que elle não vem; Nós cá

queremos; Tu lá sabes; Vós lá podeis; Elle lá tem; Elles lá são ricos (RIBEIRO, 1884, p. 315;

destaques nossos).

Além desse tipo de ocorrência – encontrado até hoje na nossa língua –, esse mesmo

estudioso nos lembra a possibilidade de emprego do locativo lá com valor dubitativo,

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reforçado por entoação própria. Exemplos: “Eu lá sei; Nós lá queremos isso” (RIBEIRO,

1884, p. 315; destaques nossos).

Revolvendo estágios passados de nossa língua, esse mestre faz alusão, ainda, à

mudança de sentido de “advérbios pronominais” como onde, que, afastando-se de seu

significado original – latim unde, ‘lugar de onde’ – acabou se fixando no português como

índice de “lugar onde”. Isso sem falar em outros resultantes de gramaticalização ou de

discursivização, verificadas em diferentes estágios de sua evolução, conforme mostrado por

Bittencourt (1999, 2003, 2004), Marinho (1999) e outros.

No tocante aos traços morfológicos do “advérbio”, investigados com maior apuro por

Júlio Ribeiro, contamos com ensinamentos tanto de natureza sincrônica quanto diacrônica.

Assim é que, em outra parte de seu compêndio, à luz dessa última perspectiva, diacrônica, ele

mostra que, em termos flexionais, essa espécie vocabular tida como invaríavel, na verdade,

“marca a transição das palavras variáveis para invariáveis” (RIBEIRO, 1884, p. 152). Prova

disso, nos diz ele, é “o fato de [o advérbio] admitir graus de comparação (lindamente, mais

lindamente, lindissimamente, boamente, melhormente, optimamente)” o que “evidencia ter

sido o advérbio palavra flexional nas antigas línguas indo-germânicas, fontes da portuguesa”

(RIBEIRO, 1884, p. 152).

Vistos os traços que esse mestre considera como peculiares do “advérbio”,

investiguemos, agora, os tipos de subclassificação adverbial apontadas por ele. Um deles, já

referido acima, é a que concerne à expressão de grau. Com base nesse traço, Ribeiro (1884,

p. 152) distingue dois conjuntos distintos:

a) o constituído por itens que admitem graus de comparação x o constituído por

advérbios que não o admitem;

b) o integrado por itens que, em forma diminutiva, exprimem grau superlativo x o

integrado por itens que não assumem forma diminutiva.

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O grau comparativo, esclarece-nos esse autor, é expresso principalmente por advérbios

de modo terminados em –mente, ao passo que o superlativo é indicado por adjetivos

adverbiados e por locuções adverbiais: “Levantei-me cedinho; Falou baixinho” (RIBEIRO,

1884, p.152-153; grifos nossos).

Levando em conta “a natureza da modificação que exprime” Ribeiro (1884, p. 70-71)

identifica dez subtipos diferentes em termos semânticos:

a) de tempo: agora, ainda, nunca, jamais, etc.;

b) de lugar: onde, aqui, aí, ali, cá, lá, etc;

c) de ordem: primeiramente, ultimamente, depois;

d) de modo: bem, mal, assim, como, acintemente, e os terminados em mente;

e) de conclusão lógica: conseguintemente, conseqüentemente;

f) de quantidade: muito, pouco, assás, mais, menos, quase, etc.;

g) de afirmação: sim, verdadeiramente, efetivamente, realmente, certamente, etc.;

h) de negação: nada, não, menos, nunca, jamais;

i) de dúvida: talvez, acaso, quiçá;

j) de exclusão: só, somente, apenas, unicamente, sequer, senão;

l) de designação: eis.

Outro traço responsável por novos tipos de desdobramento do “advérbio” é, segundo

nosso autor, o que diz respeito à origem dos diferentes itens e locuções que integram esse

grupo. Conjugando sincronia com diacronia, ele chega ao seguinte quadro, que, organizado à

nossa maneira, fornece uma visão mais abrangente da subcategorização, apresentada por ele:

a) formas adverbiais hereditárias

b) formas adverbiais vernáculas;

c) formas adverbiais importadas.

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Como parte do conjunto de advérbios herdados da língua latina – constitutivos da

camada hereditária, o autor arrola cerca de cinqüenta e três itens, acompanhados de suas

respectivas formas latinas, fornecendo-nos, assim, dados para uma pesquisa nessa área. Dessa

lista fazem parte termos como: acaso, acima, acolá, alhures, bem, cedo, dentro, donde, eis,

então, fora, hoje, hontem, já, jamis, lá, logo, mais muito, não, nunca, onde, ora, quão,

quando, sim, só, tão, tanto, etc.

Quanto aos itens de constituição vernácula, admitem, segundo esse mestre, em termos

morfológicos, um desdobramento em subgrupos, dos quais o primeiro comporta nova

subdivisão. Abaixo, temos, em forma de esquema, esses dois quadros distributivos:

a) adjetivos adverbializados

(i) em sua forma invariável, isto é, masculina.

Exemplos do autor (p. 219): Fallar alto; gostar immenso.

(ii) por acréscimo do sufixo –mente à sua forma feminina.

Exemplos do autor (p. 220): primeiramente, pudicamente.

b) locuções constituídas por aglutinação de palavras do cabedal próprio do português.

Exemplos do autor: outrora, talvez, tampouco.

No tocante aos advérbios importados, último subconjunto alistado, sob o ponto de

vista da formação lexical, Ribeiro (1884) cita, como exemplo, apenas o vocábulo quiçá,

originado do italiano chi sa (‘quem sabe’).

A par desses tipos de formação, nosso gramático faz referência às seguintes

possibilidades: i) a adverbialização de adjetivos em função predicativa, como em: Ella soffre

calada; Os turcos atacaram resollutos. (RIBEIRO, 1884, p. 314; destaques nossos); ii) os

deslizamentos de sentido, aqui já mencionados, que atingem itens, como cá e lá, ou não e

nem, que de locativos e negativos, respectivamente, passam a intensificadores, conforme se

pode ver nos seguintes exemplos: “Nós cá queremos”, “ Eles lá são vivos” ; “ Quantos a estas

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horas não estão mortos?” “Por ventura, a necessidade será lá tamanha, nem esmola tão bem

empregada?” (RIBEIRO, 1884, p.315).

Para encerrar o exame aqui efetuado acerca das “lições categoriais e adverbiais” de

Júlio Ribeiro, apresentamos uma síntese, na qual se pontuam aquelas que traduzem o seu

modo de pensar e/ou suscitam polêmica:

a) do ponto de vista morfológico, mais especificamente, da possibilidade de flexão,

esse gramático considera os advérbios como elementos intermediários, entre as

palavras variáveis e invariáveis. Apesar de a sua justificativa pautar-se no fato

diacrônico, segundo o qual, “no admittir graus de comparação (lindamente, mais

lindamente) (...) revela o advérbio ter sido palavra flexional nas antigas línguas

indo-germânicas...” (RIBEIRO, 1884, 152), ao reconhecer a existência de formas

adverbiais “intermediárias”, ele estaria, prospectivamente, defendendo a idéia da

existência de um continuum entre os diferentes tipos de categoria lingüística, idéia

essa que se constitui num dos pilares das análises de linha funcionalista;

b) em coerência com a concepção de palavra defendida pelo autor, segundo a qual,

como reflexo da inteligência humana, serve para distinguir os seres, as coisas, as

ações, os processos, etc., bem como as inumeráveis relações e correlações de tudo o

que existe, o advérbio se caracteriza, semanticamente, como palavra modificadora

− traço que, extensivo ao “adjetivo”, ao “artigo”, “aos pronomes adjetivos”, se

mostra, a nosso ver, incapaz de identificá-lo como classe autônoma;

c) no mesmo território da semântica, detectamos possíveis equívocos de interpretação

por parte de nosso gramático. Em nosso entender, as formas que ele arrola, sob a

letra (e), como componentes do subgrupo indiciador de conclusão lógica (ausente

da taxonomia apresentada pelos gramáticos em geral), por exemplo, se caracterizam

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muito mais como conectivos de força argumentativa, do que como modificadores de

verbos, adjetivos, ou outros advérbios, conforme ele postula. Comprova-nos isso a

impossibilidade (ou, pelo menos, estranheza) do emprego de itens como

conseguintemente e conseqüentemente na função de modificadores de “verbos”,

“adjetivos” e até “advérbios”;

d) tal como o de acima, o traço sintático relativo ao escopo, ou seja, às espécies

vocabulares a que o “advérbio” pode se associar, não dá conta dessa tarefa. Embora

aponte uma lista maior, que, a par do verbo, abarca o “adjetivo” e o “próprio

advérbio”. Ribeiro (1884) não consegue resolver o problema, uma vez nem todos os

itens tidos como adverbiais admitem esse tipo de modificação. Em outras palavras,

as três classes arroladas acima – verbo, adjetivo, advérbio – “selecionam” tipos

diferentes de “modificadores” adverbiais;

e) um dos poucos autores a mencionar o traço sintático relativo ao posicionamento do

advérbio na oração, nosso gramático não dá o devido trato a essa questão, deixando

de apontar, dentre outras coisas, as formas adverbiais suscetíveis de deslocamento;

os lugares onde elas podem “pousar”; as alterações semânticas e/ou estilísticas

decorrentes do deslocamento, etc;

f) ainda na esfera da sintaxe, infere-se que, diferentemente de seus pares, Júlio Ribeiro

analisa como complementos adverbiais, e, não, como objeto indireto, agente da

passiva, ou, então, como complemento de infinitivo, os S Preps que figuram em

contextos como: i) “Paulo gosta de frutas” ; ii) “César foi louvado por Cícero” iii)

“Farto de brincar” ( RIBEIRO, 1884, p. 226; destaques nossos). Defendida, em

tempos modernos, por autores como Luft (1979), Saraiva (1983), nos estudos que

empreendem sobre os advérbios de lugar e os advérbios de modo, respectivamente,

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essa proposta de análise traz à tona não só a questão da identificação de uma classe

adverbial, como a da própria definição de objeto indireto;

g) ao apontar o caráter intensificador de advérbios de lugar, como cá e lá, e de negação

como não e nem, esse gramático acaba contradizendo sua própria análise, que não

prevê a modificação por advérbio de elementos das classes nominal e pronominal, e

sim de constituintes como o verbo, o adjetivo e o advérbio.

Embora aponte alguns problemas nas “lições” fornecidas por Júlio Ribeiro (1884), o

balanço acima, na verdade, constitui-se num “argumento por exemplo” que serve para

demonstrar/comprovar a complexidade da tarefa de categorização, relativa, no caso em pauta,

ao acervo lexical do português, com ênfase nas formas adverbiais.

Dito isso, encerremos esta primeira etapa de nossa viagem.

3.5 Conclusão

No intuito de oferecer uma visão conjunta das “lições” pretéritas aqui examinadas,

apresentamos, abaixo, um quadro-síntese, que, além de evidenciar os critérios utilizados pelos

autores na categorização das palavras de nossa língua e na identificação do advérbio como

uma classe autônoma independente, facilita o confronto entre as propostas analíticas aqui

apreciadas.

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QUADRO 1

LIÇÕES SOBRE A CARACTERIZAÇÃO DOS ADVÉRBIOS EM GRAMÁTICAS DOS SÉCULOS XVI E XIX

CARACTERÍSTICAS DOS ADVÉRBIOS SÉCULO GRAMÁTICOS

MORFOLÓGICAS SINTÁTICAS SEMÂNTICAS

FERNÃO DE OLIVEIRA

(1536)

Estatuto taxonômico Palavra de “declinação natural”

__

__

XVI

JOÃO DE BARROS

(1540)

Estatuto taxonômico Uma das nove “partes” da oração

Função: determinante do verbo. Escopo: o verbo. Posição: junto ao verbo.

Papéis: • Acrescenta • Subtrai •“Destrui” o significado do verbo. Etimologia: Adverbium = ‘acerca do verbo’

JERONYMO

SOARES BARBOSA

(1803)

Estatuto taxonômico Subclasse das Preposições Flexão: - Indeclinável - Invariável Configuração formal Expressão abreviada de um Sprep (preposição + seu complemento)

Estatuto oracional - “Parte” elementar - Palavra discursiva Escopo: Qualquer palavra capaz de modificação (apellativos,verbos, adjetivos e outros advérbios)

.

Estatuto taxonômico Subclasse das preposições Papéis: •••• Modifica •••• Restringe •••• Completa qualquer palavra de significado vago ou relativo

XIX

JÚLIO RIBEIRO (1884)

Estatuto taxonômico - Uma das nossas

oito classes de palavras.

Forma prototípica O advérbio de modo Flexão: - Forma intermediária entre as palavras variáveis e invariáveis. - Forma variável em grau [sic].

Estatuto oracional Palavra discursiva Função oracional: Conjuntiva Escopo: • Verbo • Adjetivo • Outro advérbio Posição: Junto do modificado.

Papel: Palavra qualificadora Palavra modificadora

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QUADRO 2 LIÇÕES SOBRE A DISTRIBUIÇÃO DOS ADVÉRBIOS EM

GRAMÁTICAS DOS SÉCULOS XVI E XIX

CRITÉRIOS DE DISTRIBUIÇÃO SEC. GRAMÁTICOS

MORFOLÓGICOS SINTÁTICOS SEMÂNTICOS OUTROS

FERNÃO DE OLIVEIRA

(1536)

Estatuto formal

- “ Primeiros x

tirados”

- Formas em

“mente” x demais

formas

Gramaticalização

- Formas Passíveis

x

Não passíveis de se

transformarem em

preposições.

__

Papéis:

Qualitativos –

formas em –mente

x

Não Qualitativos

__

XVI

JOÃO DE BARROS

(1540)

Configuração formal - Formas Simples x Formas Compostas - Formas Primitivas x Formas Derivadas

__

Espécies de modificação: Quantitativos x Qualitativos Subespécies: de lugar, tempo, qualidade,quan-tidade,afirmação, negação, dúvida, demonstração, chamamento, desejo, ordem, pergunta, ajunta-mento, separa- ção, juramento, despertador, comparação, conclusão.

Cronologia: Formas em uso x Formas obsoletas

JERONYMO

SOARES BARBOS

(1803)

Configuração formal -Advérbios propria – mente ditos. -Nomes adverbiados.

-Fórmulas adver-

biais.

__

Espécies de modificação: Tempo Lugar Qualidade e Modo Qualidade

Cronologia: Formas em uso X Formas obso- letas. Origem: Formas hereditárias X Analógicas

XIX

JÚLIO RIBEIRO

(1882)

Formação vernacu- lar: - Adjetivos na forma masculina. -Adjetivos + -mente -Aglutinação de palavras do cabedal próprio da língua (locuções)

__

Espécies de mo- dificação: tempo, lugar, ordem, modo, conclusão lógica, quantidade, afir- mação, dúvida, exclusão, designação.

Fonte originária -Latina -Vernácula -Importação estrangeira __

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4 LIÇÕES DA CONTEMPORANEIDADE: O TRATAMENTO D O ADVÉRBIO EM GRAMÁTICAS DOS SÉCULOS XX E XXI

O advérbio modifica o verbo exprimindo as circunstâncias que cercam ou precisam uma acção; modifica o adjectivo ou o advérbio exprimindo o grau de intensidade do característico ou da circunstância. Assim, só modificam adjectivo ou advérbio os advérbios de intensidade...(OITICICA, 1923, p. 26; destaques do autor)

O advérbio é um determinante do verbo ou do predicado, que concretiza mais a ação

ou a afirmação, situando-o no tempo ou no espaço, indicando-lhe a modalidade, a gradação, a intensidade, a freqüência, a duração.Ou é um determinante do nome, do pronome ou de outro advérbio, para matizar ou enfatizar, intensificar, focalizar, destacar, incluindo ou excluindo. (MELO, 1981, p. 142; destaques do autor)

Precisamente por a classe “advérbio” ser capaz de modificar elementos individuais, estados de coisas e textos, é que esta classe se torna tão difícil de enquadrar e de explicar de modo sistemático. (VILELA e KOCH, 2001, p. 255)

4.1 Introdução

As “lições” gramaticais de “antanho”, focalizadas no capítulo anterior, confirmam as

dificuldades impostas aos que consideram importante para os estudos lingüísticos a tarefa de

subcategorização de elementos, no caso em apreço, de itens lexicais, segundo as propriedades

que lhes são inerentes. Os vários pontos de divergência entre as taxonomias propostas pelos

gramáticos selecionados não deixam dúvida quanto à dificuldade dessa empresa. Dentre os

grupos vocabulares mais polêmicos, ressalta-se o dos advérbios, cuja definição,

categorização e desmembramento tipológico costuma diferir de autor para autor. Assim é que,

para alguns, trata-se de uma classe autônoma, específica, identificável através de traços

próprios; já para outros, o “advérbio” nada mais é do que uma subclasse de conjuntos lexicais

de maior porte, como o dos nomes adjetivos – do qual se distinguiria apenas quanto ao tipo

de vocábulo que pode determinar –, ou dos Sintagmas Prepositivos (SPreps), mesmo nos

casos de formas reduzidas, ou seja, em que a preposição regente não apareça mais expressa,

conforme se dava em fases anteriores da língua. Outro desacordo “adverbial” diz respeito à

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possibilidade que algumas de suas formas têm de apresentar variação flexional – o que

negaria a sua caracterização como “palavra invariável”. Contudo, viu-se, é questionável essa

colocação, uma vez que baseia-se na idéia equivocada de que a “variação” de grau, admitida

por certos itens adverbiais, seria de natureza flexional, tal como a de gênero e número,

própria dos nomes.

Com a disposição de prosseguir nessa incursão por “terreno” ainda tão inóspito,

procuramos, neste capítulo, aportar em época mais recente, examinando e discutindo as

“lições” de gramáticos mais ou menos comprometidos com alguma das correntes da

Lingüística Moderna.

Para melhor realização desta empresa, observamos o mesmo plano organizacional do

capítulo anterior, cumprindo o seguinte roteiro: a) num primeiro momento, de

contextualização, procuramos delinear um panorama geral dos estudos lingüísticos

contemporâneos, que nos mostram, de um lado, tendências renovadoras e, de outro, a

persistência de uma tradição, que, conforme pudemos mostrar, já tinha sido questionada, em

vários pontos, por alguns de seus adeptos; b) num segundo tempo, de enfoque metalingüístico

propriamente dito, são examinadas “lições” concernentes à classificação geral de palavras do

português e, de um modo particular, o tratamento conferido aos advérbios. Essas “lições”, já

se esclareceu aqui, foram distribuídas, cronologicamente, em três grupos, sendo o primeiro – a

que chamamos de primeira geração – constituído de compêndios gramaticais publicados no

início do século XX; o segundo – de segunda geração – de gramáticas produzidas em

meados desse mesmo século; o último – de terceira geração – de manuais editados no final

do século XX e princípio do atual; c) numa terceira e derradeira etapa, procede-se a um

confronto entre as “lições adverbiais” fornecidas pelas três “gerações” examinadas, com

vistas a apontar não só os consensos e dissensos observados entre elas, como, também, os

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99

problemas que restaram pendentes. Desembarquemos, pois, na estação da

contemporaneidade.

4.2 Lições de gramáticos dos séculos XX e XXI

4.2.1 Panorama lingüístico geral

Conforme sabemos, o século XX foi marcado por profundas modificações em todas as

áreas do conhecimento humano, que, tal como a ciência da linguagem, passaram a ser

consideradas à luz de novas óticas de abordagem e conduzidas através de novas propostas

metodológicas, cada vez mais aprimoradas com os avanços tecnológicos alcançados em

nossos tempos. No caso particular dos estudos lingüísticos, vê-se aumentada a sua

credibilidade, e, por conseguinte, a sua cientificidade, pela interação que passa a ter com

áreas propiciadoras de resultados mais concretos e exatos, como, por exemplo, a da Biologia,

Matemática, Estatística, Informática, etc. Isso sem falar no rigor metodológico, que lhe

permite, no caso das linhas de caráter empírico, uma coleta e um tratamento mais preciso dos

dados, bem como a organização de material aparentemente caótico.

Naturalmente, tudo isso está ligado a uma mudança de perspectiva na própria

concepção do objeto de estudo, no caso, a linguagem/língua, que passa a ser focalizada muito

mais em seu processamento do que em sua sistematização. Com esse novo perfil, a

Lingüística de hoje se distancia da Tradicional, alicerçada no modelo greco-latino, passando a

abordar a língua não tanto como produto, mas como um construto social, próprio à

comunicação entre emissores e receptores, ou, conforme nomenclatura mais recente, entre

enunciadores e enunciatários.

A ruptura com o modelo greco-latino, sabe-se, foi oficialmente instaurada no final do

século XIX e começo do XX com as lições de Saussure (1916/1970), que, diferentemente dos

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gramáticos e neogramáticos, concebia e tratava a língua como um sistema de caráter social −

o que levou autores como Tarallo (1985, p.7) a qualificá-lo como um verdadeiro

sociolingüista −, a ser abordado com base na priorização do todo em relação aos elementos

que o compõem (cf. BENVENISTE, 1989), e também do estágio sincrônico. Essas duas faces,

contrapostas, na compilação organizada e publicada por Charles Bally e Albert Sechehaye

(Curso de lingüística geral, 1916/1970), à parole e à diacronia, respectivamente, vinham

sendo interpretadas de um modo radical como dicotômicas entre si – o que foi reconsiderado,

posteriormente, com releituras ou leituras mais cuidadosas do Cours de linguistique e,

principalmente, com a publicação das notas deixadas em cadernos por esse autor.

Descobertas recentemente, elas foram ordenadas e publicadas por Simon Bouquet e Rudolf

Engler (cf. SAUSSURE, 2004).

O modelo de análise propugnado por Saussure, conhecido como “estruturalista”, foi

complementado e modificado por muitos autores que o adotaram. Priorizando o estudo do

subsistema fonético, num primeiro momento, os estruturalistas conferiram espaço próprio à

língua oral, até então deixada à margem, em favor da escrita. Menos explorados nessa

primeira fase, os componentes morfológico e sintático mereceram, depois, a mesma atenção e

tratamento dados ao fonético-fonológico.

Em versão renovada, a corrente estruturalista teve levado o seu formalismo às últimas

conseqüências pela Gramática Gerativa, introduzida por Noam Chomsky, sobretudo a partir

de sua obra Aspects of the theory of syntax, datada de 1965, e adotada, com diferentes tipos

de reformulação, por outros lingüistas do Massachusetts Institute of Technology.

Fundamentada em princípios e regras – gerativas e transformacionais – passíveis de definir as

seqüências de palavras ou de sons permitidos numa língua, essa nova gramática, também

centrada no estudo da frase, como a Tradicional, propunha-se descrever e explicar a geração

das sentenças, a partir da conjugação dos três componentes do sistema lingüístico: sintático

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101

(mais importante), semântico (de caráter interpretativo) e o fonológico (também de cunho

interpretativo).

Diversamente dessa linha, que defendia o inatismo da linguagem humana, o novo

modelo teórico-metodológico, inaugurado pelo lingüista americano William Labov (1972),

qual seja, o da Sociolingüística (Quantitativa, ou Variacionista), propõe outros caminhos de

análise, embora, como os demais, guardem reminescências dos anteriores. Voltados,

exclusivamente, para o vernáculo, essa linha busca associar, tal como os estruturalistas, língua

e sociedade, propondo o método da quantificação, como passível de detectar as diferentes

“gramáticas” de uma língua, as formas e fatos em variação, os fatores – externos e internos –

que condicionam as preferências de uso nos vários estratos sociais, buscando, ainda,

prognosticar as mudanças que se insinuam no quadro da variação.

Também preocupados com aspectos sociais, outros modelos de abordagem lingüística,

num viés distinto da Sociolingüística, ganham espaço e relevo em tempos recentes. Dando

ênfase, ou exclusividade, à produção da linguagem, preferentemente ao seu produto,

privilegiado pela Gramática Tradicional, as novas propostas analíticas voltam o seu olhar

para o contexto externo – situacional e sócio-histórico-cultural –, tido como parte constitutiva

da linguagem. Esse novo modo de conceber a linguagem e de examinar as línguas possibilita

o aparecimento de novas disciplinas como: a Lingüística da Enunciação, a Lingüística

Textual, a Análise do Discurso ( em suas diversas correntes), a Análise da Conversação, a

Teoria dos Atos de Fala, etc., que, embora distintas quanto ao modo de olhar o seu objeto de

estudos e quanto aos objetivos pretendidos, se interessam em mostrar o modo como se dá a

interação humana por meio da linguagem.

Numa posição que consideramos intermediária, outra linha de estudos, conhecida

como Gramática Funcional, em suas diferentes versões – americana, inglesa, holandesa, etc.,

não descarta o estudo do sistema lingüístico em si, mas procura examiná-lo a partir da idéia de

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que ele vai se construindo e se renovando na ação intersubjetiva empreendida por indivíduos

alocados em duas instâncias: a da produção e a da recepção. Em outras palavras, os estudos

funcionalistas consideram o ato interacional como inerente ao sistema lingüístico e a

interação verbal como resultado de uma competência comunicativa que se realiza por meio de

textos.

A nosso ver, essas e outras perspectivas teóricas não anulam as “lições” gramaticais

antigas, uma vez que, conforme se procurou mostrar no capítulo anterior, não só lhes

oferecem subsídios para o desenvolvimento de seu projeto de análise, como deixam entrever

novos caminhos, passíveis de levar a soluções analíticas mais plausíveis. Além disso, essas

lições persistem nas instituições escolares, porém, no mais das vezes, de um modo

conservador, que não admite a incorporação dos avanços de pensamento detectados nos

próprios autores dos compêndios que adotam.

Vistos esses dados contextuais preliminares, apreciemos, a seguir, o tratamento

conferido ao “advérbio”, bem como à classificação de palavras em seu todo, por alguns de

nossos gramáticos contemporâneos, mais ou menos receptivos aos avanços alcançados e

propugnados pela “Nova Lingüística”. Nos mesmos moldes da indicação bibliográfica feita

no capítulo anterior, procuramos indicar, entre parênteses, a primeira edição das obras

selecionadas para estudo, e logo depois, a utilizada como fonte de consulta.

4.2.2 Exame crítico das propostas analíticas selecionadas

Conforme anunciado na seção introdutória deste capítulo, as “lições” de autores da

contemporaneidade são apresentadas e discutidas, abaixo, em três etapas (seções) distintas,

correspondentes ao que chamamos de três “gerações” de autores escolhidos como

representantes de três momentos da história dos estudos lingüísticos entre nós: uma,

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concernente ao início do século XX; outra, à sua fase intermediária, e, uma última, ao fim do

século XX e início do XXI. Comecemos, pois, pelo exame dos ensinamentos deixados pela

nossa “primeira geração” de autores contemporâneos.

4.2.2.1 Primeira “geração”: José Oiticica (1919)

Como representante das primeiras décadas do século XX, procuramos escolher algum

autor que mantivesse fortes elos com a tradição gramatical greco-latina. Foram selecionados,

num primeiro momento, Alfredo Gomes, com sua Grammatica portugueza (1913), e José

Oiticica, com seu Manual de análise (1919). Confrontadas as lições desses dois gramáticos

brasileiros, optamos pelo segundo, por apontar soluções próprias e pioneiras acerca do

assunto aqui investigado.

José Rodrigues Leite e Oiticica, mais conhecido como José (de) Oiticica, é famoso, no

“país da gramática”, por suas idéias inovadoras a respeito da correlação (OITICICA, 1952),

processo de articulação interoracional que, segundo ele, se distingue, em vários aspectos, da

juntura por coordenação e subordinação. Concebendo a linguagem como “manifestação do

pensamento ou do sentimento pela fala” (OITICICA, 1923, p. 7; destaques nossos), esse

mestre identifica, em seu Manual de análise (léxica e sintática), três grandes classes de

palavras em nossa língua, que, por sua vez, apresentam desmembramentos próprios. Na

Figura abaixo, reproduzimos o quadro distributivo estabelecido por esse autor (OITICICA,

1923., p. 32), quadro esse que, aqui complementado segundo as alterações feitas pelo próprio

autor ao longo do compêndio (quase sempre em notas de rodapé), nos mostra a posição

conferida ao “advérbio”, no conjunto lexical português:

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FIGURA 5 - “TAXIONOMIA” DAS PALAVRAS DO PORTUGUÊS,

SEGUNDO JOSÉ OITICICA (1919/1923)

FONTE (aqui reorganizada e aumentada): Oiticica (1923, p. 32)

NOMINATIVAS Substantivo Variáveis Verbo MODIFICATIVAS Variáveis Adjetivo 1 PALAVRAS Invariáveis Advérbio

IDEATIVAS Pronome Variáveis Verbo vicário PRONOMINATIVAS Invariáveis Advérbio dêitico Advérbio indefinido CONECTIVAS Preposição Invariáveis Conjunção 2 PALAVRAS INTERJECTIVAS Invariáveis EMOTIVAS Variáveis INTENSITIVAS Invariáveis 3 PALAVRAS aditivas, afirmativas, afirmativas negativas, concessivas, correctivas,

DENOTATIVAS designativas, expletivas, explicativas, inclusivas, sintéticas

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Divergindo, em vários pontos, das propostas classificatórias de seus pares –

antecessores e sucessores –, nosso gramático, pelo que se pôde constatar acima, distingue,

numa primeira categorização, três macroconjuntos de palavras: as ideativas (representantes de

idéias), as emotivas e as denotativas. A inclusão dos dois últimos nos revela que o autor

confere o mesmo grau de importância a certos elementos lexicais, considerados à parte por

outros estudiosos, por incidirem em território externo à gramática. Com essa proposta, José

Oiticica admite, de um modo mais categórico, o uso de critérios de natureza discursiva na

classificação das palavras – o que nos mostra a sua preocupação em descrever os fatos reais

da língua portuguesa considerada em seu todo. Segundo ele, “tais palavras não exprimem

nenhuma idéia propriamente, mas indicam certos movimentos ou operações subjetivas e

indispensáveis à compreensão do pensamento ou às suas cambiantes” (OITICICA, 1923, p.

50; destaques nossos). Completando seu pensamento, esse gramático assim critica os seus

pares que preferem ignorar as interjeições:

Na impossibilidade de reconhecerem idéa nas interjeições, [ os gramáticos] suprimiram-nas da taxionomia, considerando-as simples gritos da alma, sem reflectirem que há expressões interjectivas e frases interjectivas com pensamento analisável, como: raios te partam! (OITICICA, 1923, p. 31; destaques do autor)

Embora não esclareça, conforme esperado, todas as categorias e subcategorias lexicais

a que faz referência, ele assim define as que compõem o macroconjunto ideativo: o nome

constitui-se na “palavra que resume os caracteres essenciais ou diferenciais de uma entidade,

fenômeno ou acção”; o modificativo, na “palavra que indica um dos modos pellos quais

consideramos um nome” ; o conectivo , na “palavra que indica a interdependência de dois

nomes ou duas frases”, finalmente, o pronome, na “palavra que evita um nome” (OITICICA,

1923, p. 14).

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Em seu quadro, acima exposto com a devida complementação de nossa parte, pode-se

ver que nosso autor, diversamente de outros, aloca os verbos em dois grupos lexicais distintos,

segundo o seu caráter dêitico (próprio dos que substituem outros para evitar que se repitam),

ou não. O primeiro tipo integra o conjunto dos vocábulos pronominativos, e o segundo, o dos

nominativos. No mesmo quadro, percebe-se que também os advérbios se dividem em dois

blocos, de acordo com o papel semântico ou discursivo que exercem, a saber: o subgrupo dos

modificadores, integrantes do macroconjunto das palavras modificativas, e o subconjunto

pronominativo (ou “dêitico”), que, composto por termos como cá, lá, aqui, aí, acolá, ali, etc.,

se refere às pessoas responsáveis pelo ato interlocutório (OITICICA, p. 15, Nota nº 2). No

mesmo subgrupo pronominativo, esse autor (1923, p. 25) ainda inclui outra subespécie

adverbial, composta, segundo ele, por formas como: comigo, contigo, consigo, conosco,

convosco.

No que toca, particularmente à definição do “advérbio”, objeto central de nossa

investigação, nosso mestre-gramático, na mesma linha de outros, afirma que se trata de

“palavra modificadora do verbo, do adjectivo ou de outro advérbio” (OITICICA, 1923, p.

25) – o que nos remete a uma caracterização da classe adverbial alicerçada em dois critérios

distintos: um semântico e outro sintático.

No caso específico do primeiro, semântico, percebe-se, no excerto acima, que o autor

se limita a apontar sua função mais geral, qual seja, a de elemento modificador. Todavia,

logo no parágrafo seguinte, ele discrimina os tipos de modificação expressos pelos itens

adverbiais, distribuídos segundo o constituinte a que pode se referir: o verbo, o adjetivo ou

outro advérbio. Nessa associação – função temática x escopo – , temos um avanço na análise

lingüística desse autor, relativamente a outros que nos deixam entender que todas as formas

adverbiais são suscetíveis de modificar qualquer um dos constituintes a que se associe.

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Quanto ao último critério, de natureza sintática, nosso mestre se restringe a mencionar

o traço relativo ao escopo do “advérbio’, ou seja, o traço que determina as classes de palavras

que o advérbio pode “modificar” – verbo, adjetivo, ou outro advérbio.

Esse mesmo componente sintático permite ao autor o estabelecimento de outros tipos

de desdobramentos a que estão sujeitos os elementos adverbiais. Um deles resulta da

conjugação entre o tipo de escopo admitido pelo advérbio – verbo, adjetivo, ou outro advérbio

– e o tipo de relação semântica que mantém com cada um de seus possíveis determinados.

Com base nessa inter-relação, Oiticica (1923) distingue duas subespécies de advérbios os

circunstanciais, que “cercam ou precisam uma ação” , ou seja, modificam o verbo ; os

intensificadores (mais, menos, tão, muito, pouco, quase, nada, etc.), que, segundo ele,

exprimem “o grau de intensidade do característico [adjetivo] ou da circunstância [

advérbio]” (OITICICA, 1923, p. 26; destaques nossos).

Uma ressalva a fazer quanto à exploração desse traço é que, embora o autor reconheça

que as formas adverbiais que atuam como determinantes do verbo não são as mesmas que

servem para determinar o adjetivo e advérbio, não chega a alistar os itens correspondentes a

uma ou outra subespécie – o que, certamente, lhe serviria para comprovar, empiricamente, a

distribuição que defende.

O mesmo traço escopo é ainda utilizado pelo autor como um dos fatores responsáveis

pela ausência, em sua lista de formas adverbiais, das palavras que indicam exclusão e

inclusão, uma vez que não determinam o verbo, o adjetivo, ou advérbio, mas, sim, o

substantivo – o que constitui um ponto de divergência entre ele e os gramáticos que optam

por resolver a questão, estendendo o âmbito de atuação do advérbio a outras classes de

palavras.

No que toca ao componente semântico, tomado isoladamente ou em associação com

o sintático, registram-se, num confronto com outras taxonomias, algumas novidades no

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quadro de Oiticica (1923). Uma delas, de âmbito mais abrangente, tem a ver com a diferença

de nível – gramatical ou discursivo – em que os termos adverbiais podem atuar. Tal diferença,

indicada na Figura nº 5 acima, nos remete a duas subespécies adverbiais arroladas por ele: a

dos modificativos, que acrescentam informações ao conteúdo de seus determinados, e a dos

pronominais, ou dêitico −, que, atuantes no plano da referenciação, evitam, por anáfora ou

por catáfora, a repetição de termo enunciado anteriormente, ou, então, a esclarecer, por

antecipação, outro que o suceda.

Mais detalhado e ilustrado, o segundo tipo de subcategorização dos advérbios

mencionada por nosso mestre, assim como por seus pares, é de base semântica, isto é,

determinado pelas diferentes nuances que os itens do subgrupo modificativo podem expressar.

Abaixo, reproduzimos, com cortes na exemplificação, as espécies identificadas por Oiticica

(1923, p. 46-49; destaques nossos):

a) dúvida: talvez, quiçá, acaso, por ventura;

b) freqüência: diariamente, quotidianamente, semanalmente, mensalmente, nunca,

jamais, sempre, às vezes, raramente, uma vez, sucessivamente, constantemente;

c) intenção: acinte, acintemente, adrede, intencionalmente, propositadamente,

premeditadamente, acaso, casualmente;

d) intensidade: muito, assaz, bastante, excessivamente, demais, demasiadamente,

pouco, mais, menos, tão, tanto, quão, quási, meio, depressa, devagar,

demoradamente.;

e) lugar: abaixo, acima, arriba, aquém, além, aqui, ali, cá, lá, acolá, avante, atrás,

algures, alhures, nenhures, diante, detrás, dentro fora, longe perto, onde.;

f) modo: atoa, bem, certo, mal, errado, tristemente (e muitos adjetivos

adverbializados com o sufixo –mente ou sem ele);

g) ordem ( no tempo ou no espaço): primeiramente, anteriormente, depois,

posteriormente, antes, atrás, adiante;

h) tempo: ainda, agora, amanhã, dantes, cedo, então, hoje, ontem, já, logo, tarde,

outrora, immediatamente, etc.

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Um olhar mais atento dessa listagem nos leva a detectar algumas dissidências entre

Oiticica (1923) e outros mestres da gramática. Dentre elas, vale ressaltar, a ausência de itens

indiciadores de afirmação e negação, que, segundo ele, não devem ser classificados como de

natureza adverbial. Condenando os autores que defendem tal idéia, nosso autor contra-

argumenta, afirmando que, na verdade, estamos diante de itens “inclassificáveis no quadro

tradicional”. A sua inserção no bloco dos advérbios, acredita ele, só serviria para comprovar a

“ insuficiência da taxionomia fixada pelos gramáticos antigos”, insuficiência essa

testemunhada por “todos os professores que se vêm atordoados, muitas vezes, com as

classificações em aula, e os próprios gramáticos nas suas estranhas divergências”

(OITICICA, 1923, p. 30).

Apreciadas as “lições” de José Oiticica (1919/1923), finalizemos esta seção,

pontuando, de uma forma crítica, os aspectos que nos pareceram mais relevantes.

A) Quanto à definição do “advérbio”

i- ainda que se restrinja, no enunciado em que define essa espécie

vocabular (cf. OITICICA, 1923, p.26), a um único traço de natureza

semântica (palavra modificadora) e também a um único de caráter

sintático (o seu escopo), no correr de sua análise, esse autor, como

quase todos os outros, caracteriza-a, ainda, do ponto de vista

morfológico, como invariável em sua flexão, embora alguns de seus

formantes lexicais sejam suscetíveis de gradação, categoria que se

distingue da anterior;

ii- num passo além, esse mestre faz incursões em territórios externos ao

nível gramatical, apontando papéis exercidos por certos advérbios no

campo da correferenciação (nível textual) e no da indiciação dos

actantes do processo enunciativo (nível discursivo).

B) Quanto à distribuição de palavras no português:

i- como critério de identificação dos três macroconjuntos de palavras que

detecta – ideativas, emotivas e denotativas –, o autor leva em conta

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dois níveis lingüísticos diferentes: o gramatical e o discursivo, que nos

remetem, respectivamente, ao sistema lingüístico em si e ao processo

de sua produção;

ii- no caso particular de identificação do subconjunto das palavras

ideativas, ele se baseia, sem maiores explicações, em critérios de

natureza distinta, tais como: o da referenciação externa (palavras

nominativas), o do papel semântico-sintático (palavras modificativas), o

da referenciação dêitica, ou fórica (palavras pronominais), e, ainda, o

da conexão interoracional;

iii- da mesma forma, no caso específico do último subconjunto – de

vocábulos denotativos – Oiticica (1923, p. 26) sugere o acréscimo de

uma nova subespécie, a que denomina partículas. Embora

“numerosíssimas (...) e de suma importância”, essas partículas, que

englobam as formas afirmativas – positivas e negativas –, segundo ele,

têm sido “muito descuradas dos gramáticos” (OITICICA, 1923, p. 26),

inclusive, a nosso ver ele próprio, que não esclarece e nem justifica sua

proposta, contrariando, pois, a seguinte afirmação que faz em outra

passagem de sua obra: “É indispensável (...) e urgente, completar o

quadro da taxonomia [ das palavras do português], criando outras

categorias gramaticais” (OITICICA, 1923, p. 30).

Apresentados e comentados os ensinamentos de Oiticica (1923) a respeito da

categorização das palavras de nossa língua, bem como da definição e subcategorização dos

advérbios, estendamos um pouco mais essa viagem pelo século XX, examinando as “lições

adverbiais” de outro gramático brasileiro, Gladstone Chaves de Melo (1951 e 1958), aqui

selecionado como representante de um período intermediário, que vai de 1950 a 1980, mais

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ou menos. Essa escolha, em detrimento de autores como Said Ali, Celso Cunha, Rocha Lima,

Evanildo Bechara e outros expoentes dos estudos de nossa língua, se deve ao seu empenho em

apresentar “lições” diversas das que seriam propostas pela NGB e, principalmente, pelo

testemunho que, a partir das dificuldades que enfrenta e do número de critérios que conjuga,

nos dá um testemunho inquestionável da complexidade do assunto.

4.2.2.2 Segunda “geração”: Gladstone Chaves de Melo (1951 e 1968)

Embora reconheçamos a contribuição inestimável de nossos gramáticos, nessa e em

outras áreas de estudos de nossa língua, dentre os quais, expoentes como Said Ali (1931,

1969), Evanildo Bechara (1963), Rocha Lima (1967), Celso Cunha (1970), e outros que

tivemos o cuidado de consultar numa primeira fase da pesquisa, selecionamos as “lições” de

Gladstone Chaves de Melo, (1951 e 1968), em razão da exigüidade do tempo (e da própria

extensão do texto), que nos impediu de considerar todos esses nomes, bem como do nosso

propósito de privilegiar a análise de autores que deflagrassem maiores discussões, permitindo-

nos, assim, projetar os problemas a serem retomados por lingüistas modernos (3ª “geração”),

a serem também contemplados aqui. A par disso, levamos em conta o caráter didático da

Gramática fundamental da língua portuguesa (1968) escrita por esse nosso filólogo, que

faz questão de salientá-lo, em diversas passagens de sua obra, dentre as quais, o início de seu

Prefácio, em que mostra a gênese do seu compêndio:

Planejado e iniciado há bastante tempo, só agora se conclui este livrinho. Deveria ele fazer parte de uma coleção didática, imaginada pela saudosa Madre Maria Adolfo de Sion, para melhorar o ensino e adequadamente compô-lo com a educação, coisas que andam dissociadas, ou mal sinonimizadas. (MELO, 1968, p. 3; destaques nossos)

Conforme mencionado no capítulo introdutório, o estudo das “lições” desse autor será

feito com base na segunda edição (1970) desse manual e na sexta edição – revista e

melhorada – de outra produção sua, Iniciação à filologia portuguesa, datada de 1981, e

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rebatizada na última edição com o título de Iniciação à lingüística e à filologia portuguesa.

Diferentemente da primeira, de “tom extremamente didático”, essa última obra nos permite

um aprofundamento de vários aspectos e fatos do português, conforme referido pelo próprio

autor na sua Gramática fundamental (MELO, 1970, p.7, nota de rodapé). De nossa parte,

procuramos reproduzir e comentar aqui os ensinamentos que, contidos nesses dois manuais,

nos mostram o pensamento desse autor acerca da categorização dos itens lexicais de nossa

língua, em especial, o “advérbio”.

Tendo em conta que o problema da classificação das palavras como algo que

“pertence muito mais à Lógica do que à Gramática” pelo próprio fato de “que se trata de

classificação” (MELO, 1981, p.137), nosso gramático-filólogo acredita que tal empresa só

pode ser bem sucedida em termos gramaticais, se norteada por um bom critério. No seu modo

de pensar, o critério ideal para qualquer tipo de classificação é “aquele que atenta para a

natureza da coisa”. Como, no que tange às línguas, a natureza da palavra é ser justamente

portadora de uma significação, o autor deduz que o melhor critério para “se classificarem as

palavras é o que tenha em vista a significação” (MELO, 1970, p. 70).

Em crítica às propostas taxonômicas, que, “encasteladas na inércia” (MELO, 1981, p.

136), teimam em se pautar no modelo dos antigos, nosso mestre deixa clara, em passagens

como as de abaixo, a sua pretensão de seguir caminhos mais modernos :

A classificação tradicional, fundada já remotamente na especulação de Aristóteles, e estabelecida sobre as línguas clássicas, só poderia, quando muito, aplicar-se às línguas indo-européias, de estrutura mais ou menos idêntica à do grego e do latim, mas não se ajustava razoavelmente, para todos os detalhes, a outras línguas de tipo inteiramente diverso, como o chinês ou o tupi (MELO, 1981, p. 137).

Levando em conta os dois aspectos que lhe parecem fundamentais em qualquer língua,

quais sejam, a nomenclatura e a estrutura, ele defende, num primeiro momento de suas

“lições” acerca da classificação de palavras no português, o mesmo agrupamento tripartido

proposto pelo lingüista francês Vendryès (1921). À luz de uma perspectiva mais voltada para

a língua em si, do que para a lógica, esse autor procurou expandir a bipartição propugnada, na

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Antigüidade, por Aristóteles, que separava, de um lado, o conjunto categoremático e, de

outro o sincategoremático, cabendo ao primeiro – também conhecido como grupo de

palavras lexicográficas ou nocionais –, traduzir idéias, e ao último – constituído de palavras

ou instrumentos gramaticais –, indicar “ as relações entre as palavras” , ou “traduzir

situações ou conceitos puramente lingüísticos” (MELO, 1981, p. 138). Postulando uma

divisão tripartida, ao invés de bipartida, Vendryès procura desmembrar o primeiro bloco

apontado por Aristóteles, de palavras lexicográficas, chegando, pois, a um quadro constituído

pelas seguintes classes de palavras: o nome, o verbo e os instrumentos gramaticais. Diversa,

pois, do modelo greco-latino, essa proposta, segundo Chaves de Melo, tem o mérito de

abarcar “não apenas as línguas da família árica mas também as de outros ramos e de

diferentes estruturas” (MELO, 1981, p. 138) – o que, certamente, inclui as neolatinas e, por

conseguinte, o português.

Com base na classificação do lingüista francês e na conjugação (que ele não justifica)

de critérios de natureza distinta, nosso gramático (1970,1981) procura, em sua segunda

“lição”, reagrupar as dez partes do discurso identificadas pela gramática tradicional –

substantivo, verbo, adjetivo, pronome, numeral, artigo, advérbio, preposição, conjunção e

interjeição (ausente em algumas taxonomias) – em apenas cinco classes, que formariam um

quadro “mais simples e mais lógico” (MELO, 1981, p. 141). São elas: o nome, o

determinante, o pronome e o verbo e o conectivo. Nessa subdivisão, segundo reconhece nosso

gramático, “se se conservam alguns nomes, se renovam conceitos e se aproximam coisas

semelhantes” (MELO, 1981, p. 141). Se relacionarmos essa redistribuição defendida por esse

autor aos macroconjuntos supracitados, veremos que culminam em seis (e não cinco, como

ele anuncia) classes, a saber: a) o subgrupo lexicográfico, constituído de elementos que

dizem respeito à nomenclatura, quais sejam: os nomes (substantivo, qualificativo, numeral e

adverbial), os pronomes (dêiticos ou fóricos) que exercem funções nominais, e os verbos; b) o

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subgrupo gramatical, composto por itens ligados à estrutura da frase, ou seja, os

determinantes, que, diferentemente dos qualitativos, “não esclarecem as idéias em si

mesmas, porém indicam a relação entre elas, ou as concretizam um pouco, retirando-as da

abstração pura em que se encontrariam” (MELO, 1981, p. 141); os pronomes em função

relativa, ou dêitica (indiciadora de pessoa discursiva), e os conectivos, “que materializam as

grandes relações sintáticas de coordenação e subordinação, ou, então, expressam uma

espécie de “finca-pé para um salto que vai acabar no segundo termo”. Exemplo do autor:

“Como choveu muito, as casas se destelharam.” (MELO, 1981, p. 145 e 146).

Retomando cada uma dessas classes, separadamente, esse estudioso nos aponta, com

base na mesma conjugação de critérios distintos, acima referida, os possíveis desdobramentos

que cada uma delas admite. Na Figura abaixo, transcrevemos, com a devida inserção dos

dados de natureza morfológica referidos em outras passagens de seu compêndio gramatical, o

quadro distributivo desse autor. Nele, é possível atestar que as propostas renovadoras (nem

sempre explicadas) de Gladstone Chaves, de certo modo, contradizem a opinião que expressa

na Gramática secundária, segundo a qual, em gramáticas desse tipo – elementar e didática –,

problemas como o da classificação de palavras devem ser encarados à luz de novo

equacionamento, conforme veremos no quadro abaixo (Figura 6), uma vez que “ não se pode

propor uma solução revolucionária em relação ao que está mais ou menos consagrado”

(MELO, 1970, p. 71):

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FIGURA 6 - AS “ESPÉCIES” DE PALAVRAS DO PORTUGUÊS, SEGUNDO

GLADSTONE CHAVES DE MELO (1970 e 1981)

FONTE (aqui reorganizada e complementada): Melo (1970, p. 77, e 1981, p. 147)

DICOTOMIA CLASSES SUBCLASSES FLEXÃO FUNDAMENTAL substantivo qualificativo Variáveis NOME numeral adverbial ideativo Invariável 1- PALAVRAS pessoal PRONOME demonstrativo possessivo Variáveis LEXICOGRÁ- indefinido numeral FICAS relativo Invariável

VERBO Variável especificativo ( artigo) demonstrativo DETERMI- possessivo Variáveis NANTE indefinido numeral quantitativo Invariáveis adverbial dêitico

2 INSTRUMENTOS PRONOME relativo Invariável

morfema de pessoa Variável

GRAMATICAIS

coordenante conjunção coordenativa CONECTIVO subordinante conjunção sub. . preposição Invariá - veis consecutivo correlativo paralelístico alternativo

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Passemos, agora, às “lições” relativas ao advérbio per se . Consciente de que, “sob o

nome de advérbio se capitulam palavras de densidades diferentes”, nosso gramático (1970, p.

75) nos dá uma primeira idéia da versatilidade dessa espécie vocabular, no Quadro geral

exposto acima, que abarca os demais tipos de palavras encontrados em nossa língua. Nele,

constatamos a presença do “advérbio” em duas subclasses distintas: a dos nomes, que

integram o macroconjunto lexicográfico, e a dos determinantes, que compõem o

macroconjunto dos instrumentos gramaticais. Essa dupla categorização está associada a dois

traços de natureza diferente, tidos por esse autor como peculiares aos advérbios: um, que

concerne ao seu estatuto semântico – referencial e dêitico – e outro, que tem a ver com a

função sintática que exercem – de determinante das palavras a que se podem associar. Essa

repartição nos leva a inferir que Gladstone Chaves de Melo compartilha da opinião de outros

gramáticos, segundo os quais o advérbio não constitui uma classe em si mesma, diversa das

demais, mas, sim, uma subespécie de duas classes autônomas: a dos nomes e a dos

determinantes.

Na definição propriamente dita, Melo (1970, p. 78) se propõe seguir a NGB,

buscando modificá-la e atualizá-la à luz de uma “doutrina lingüística melhor e mais

acertada”. Assim sendo, ele considera o “advérbio”

um determinante de natureza nominal (sàbiamente) ou pronominal (aqui, ali), que se refere, circunstanciando ou intensificando, a um verbo (dança bem), adjetivo (homem muito alto) outro advérbio (corre bastante depressa) ou pronome (até êle chorou)” (MELO, 1970, p. 79; destaques do autor).

Pelo que nos é dado perceber, segundo nosso filólogo mineiro, a “doutrina lingüística

melhor e mais acertada” para identificar essa espécie lexical é a que reúne três critérios

correspondentes a dois módulos lingüísticos distintos: um gramatical, constituído, no caso,

pelos componentes morfológico e sintático, e outro semântico. No primeiro, de caracterização

morfológica, o alocamento do “advérbio” em dois macroconjuntos vocabulares –

lexicográfico (subclasse dos nomes) e de instrumentos gramaticais (subclasse dos

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determinantes) – não deve ser interpretado como índice de uma cisão em termos flexionais,

uma vez que essa espécie de palavra é sempre invariável. No segundo, de caracterização

sintática, os traços arrolados por Melo (1970, 1981) dizem respeito tanto à função (de

determinante) exercida pelo “advérbio” relativamente ao elemento a que se refere, quanto à

espécie vocabular (escopo) passível de ser determinada por ele – verbo (ou todo o predicado),

adjetivo, pronome ou outro advérbio. Por último, no terceiro, de caracterização semântica,

esse autor faz menção de dois papéis próprios aos “advérbios”: o de circunstanciador e o de

intensificador. No seu modo de pensar, o advérbio “é um determinante, mas determinante

rico, vário e sui generis, muitas vezes com conotação ideativa, freqüentemente com

morfologia própria, razão por que os gramáticos acham que deve constituir classe á parte”

(MELO, 1981, p. 142).

Paralelamente a essas “lições”, encontramos outras, que, apresentadas ao longo das

duas obras ou em capítulos diferentes de seu manual de gramática, complementam, ou, até

mesmo, alteram a definição aqui discutida, conforme nos comprova o seguinte excerto:

Como tal [advérbio] se tem entendido a palavra que se refere ao verbo, modificando- lhe a significação, e também a palavra que intensifica ou atenua a significação de um adjetivo, de outro advérbio, de um pronome e. em certa perspectiva, de um substantivo.” ( MELO, 1970, p. 75; destaques nossos)

Registradas por nós, na Figura 6, as de ordem morfológica servem para enquadrar os

“advérbios”, no subgrupo (novo) das palavras invariáveis,ou seja, que não admitem flexão.

Por seu lado, as de ordem sintática e semântica distinguem os papéis semânticos exercidos

pelos advérbios, segundo a classe de palavra a que se liga, ou seja, o seu escopo, quais sejam:

o de “modificador” do verbo (advérbios circunstanciais) e o de “intensificador” ou

“atenuador” da significação do adjetivo, de outro advérbio, de um pronome, e até de um

substantivo (advérbios intensificadores) – o que nos demonstra, ainda, que nosso gramático

admite uma extensão maior do escopo do advérbio do que o referido na definição

propriamente dita.

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Em uma das observações (de nº 2) constantes de sua Gramática, em capítulo

reservado, exclusivamente, ao estudo do “advérbio”, nosso mestre expande ainda mais o

escopo do “advérbio’, mostrando que ele pode se referir a uma oração inteira, traduzindo, com

isso, a “ressonância afetiva dêsse mesmo enunciado no sujeito falante”(MELO, 1970, p. 168).

Dessa sorte, vemos aumentada a lista dos gramáticos que, não encontrando respostas para

certos problemas que enfrentam na descrição da língua como sistema, fazem incursões no

território do discurso, num prenúncio dos rumos que a Lingüística Moderna iria tomar.

Naturalmente, a definição de “advérbio” que acabamos de apresentar e discutir, nos

fornece subsídios para a realização da segunda tarefa que nos propusemos realizar aqui, qual

seja, a de examinar as “lições” relativas à subcategorização dos itens adverbiais.

Começando pelo componente morfológico, podemos constatar que o “advérbio’,

palavra invariável, que, segundo Gladstone Chaves de Melo (1970 e 1981), compartilha de

traços próprios aos nomes, já que dotado de conteúdo nocional, e aos pronomes, pelo caráter

dêitico de algumas de suas formas, se desdobra, em termos de seu estatuto configuracional,

em três subespécies: a das formas expressas num constituinte único (bem, mal, assim,

também, provavelmente, muito, pouco, etc.); a das palavras adverbiadas através da

cristalização de adjetivos em sua forma de masculino singular, e a das locuções adverbiais,

resultantes, segundo ele, “de combinações de palavras, fixadas por largo uso” (MELO, 1970,

p. 165).

Outro desdobramento verificado nesse mesmo nível gramatical é o que diz respeito à

possibilidade de graduação por parte de alguns itens adverbiais, ou seja, nas palavras do

autor, da possibilidade que alguns advérbios têm de “exprimir modulações na maneira de

circunstanciar ou de intensificar” seus respectivos determinados. (MELO, 1970, p. 170).

Deduz-se daí um desdobramento adverbial em formas que admitem gradação superlativa

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(muito claramente, fortissimamente) ou comparativa (mais/menos que; tão ... quanto), e em

formas que não são sujeitas a nenhum tipo de gradação.

Do mesmo modo que o morfológico, o critério semântico permite ao nosso gramático

identificar outros tipos de subcategorização a que o advérbio é afeito. Um deles, concernente

ao tipo de modificação expresso pelo item adverbial, permite ao nosso autor estabelecer duas

subespécies de advérbio, aqui já referidas: a dos que exercem o papel de modificador ou de

circunstanciador, e a dos que, de acepção dêitica, nos remetem aos actantes do discurso (aqui,

aí, lá, ali, etc.).

Nesse mesmo plano, Melo (1970, p. 167-168) identifica seis subtipos de formas

adverbiais, diversos uns dos outros, pelas nuances semânticas que expressam:

a) de lugar: aqui, cá, aí, ali, acolá, aquém, além, etc.;

b) de tempo: hoje, amanhã, ontem, agora, depois, cedo, tarde, etc.;

c) de modo: bem, mal, assim, também e quase todos os advérbios em –mente;

d) de dúvida: talvez, acaso, provavelmente, possivelmente, etc.

e) de intensidade: muito, pouco, assaz, bastante, mais, menos,etc.;

f) de afirmação: sim, certamente, indubitavelmente, etc.

Procedendo, agora, a uma avaliação geral dos ensinamentos fornecidos por Gladstone

Chaves de Melo, em suas duas obras – de 1970 e de 1981 – frisemos os seguintes aspectos:

a) escritas em meados do século passado, as “lições” fornecidas pelo lingüista-filólogo

aqui examinado, nos revelam um estudioso em conflito, sobretudo, em sua Gramática

fundamental, que, conforme ele próprio anuncia, é de natureza didática. Esse conflito,

certamente o mesmo vivenciado por muitos de nossos Professores de Português,

provoca um estado de tensão nesse gramático, que, dotado de idéias próprias, de

espírito crítico, de uma visão mais ampla dos fatos lingüísticos, de uma ânsia de

buscar soluções mais plausíveis e concordes com novos modelos de análise, ainda se

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sente obrigado a acatar e a repetir certas “lições” da NGB, das quais discorda, por sua

distância em relação ao uso real de nossa língua. No segmento transcrito abaixo, o

autor confessa, explicitamente, a difícil situação “lingüística” por que ele e alguns de

seus pares passam, situação essa que não lhe tira a força de combate em favor de uma

gramática que busque sistematizar “ os fatos contemporâneos de uma língua”

(MELO, 1970, p. 8):

Quando rapidamente discutimos o problema da classificação das palavras, vimos que sob o nome de “advérbio” se abrigam valores significativos diversos (...) Atendendo, porém, à natureza didática deste livro, resolvemos adotar a NGB, desde que ela não fira doutrina por nós considerada indiscutível, desde que, em suma, não deixe de ser “nomenclatura” para ser teoria. (MELO, 1970, p. 167)

b) um dos exemplos de desobediência à NGB, a classificação de palavras

estabelecida por esse autor expressa, iconicamente, se se pode dizer assim, a

complexidade imposta por qualquer tipo de classificação de elementos, no caso em

pauta, dos que compõem o acervo lexical das línguas. Uma das provas das

dificuldades enfrentadas por nosso gramático se mostra patente na sua taxonomia,

acima aqui transcrita e complementada com informações dadas em outras passagens

de seus estudos na Figura nº 6. Embora preocupado em apresentar uma distribuição

mais geral, passível de reunir os vocábulos que têm propriedades comuns a outras, a

nosso ver, ele não consegue fazê-lo, uma vez que prefere alocar, sem uma justificativa

convincente, uma mesma espécie vocabular, como o “advérbio” e certos tipos de

pronomes em duas subclasses distintas – de nome e de determinante, no caso do

primeiro, e de pronome e determinante, no caso do segundo. Subclasses essas que, por

sua vez, integram dois macroconjuntos vocabulares diferentes: o das palavras

lexicográficas e o dos instrumentos gramaticais, ao invés de observar o mesmo

procedimento de identificar os possíveis desdobramentos de cada um desses tipos

lexicais, nos moldes dos critérios – de natureza morfológica, sintática, semântica e até

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discursiva – que aplica na subcategorização de outras espécies de palavras, dentre as

quais, o próprio “advérbio”;

c) esse modo de proceder nos deixa em dúvida, no caso específico do “advérbio’, se o

autor o considera uma classe autônoma e distinta das demais, como nos deixa entrever

na parte descritiva de sua análise, ou se acata a opinião dos gramáticos que, de certo

modo, critica, e que preferem analisar o advérbio como outra classe;

d) no entanto, se considerarmos esses ensinamentos sob outra perspectiva, que projeta

novos rumos de pensamento, é possível perceber, em meio ao caos, o reconhecimento

por parte de Melo (1970, 1981) da importância de estratégias de referenciação como a

dêitica e a fórica; da impossibilidade de uma delimitação rígida entre as diferentes

classes de palavras, ou, em outras palavras, da existência de um continuum (um dos

princípios básicos do Funcionalismo) intercategorial; e da versatilidade morfológica,

sintática, semântica e discursiva da espécie adverbial, tomada nos diferentes itens que

a integram, etc.

e) igualmente, no que tange aos advérbios per se, se, por um lado, não temos uma

caracterização mais precisa e nem igual nas duas obras de nosso mestre, por outro,

recebemos dele “lições” que nos levam, dentre outras coisas, a:

i- constatar, tal como o fazem outros autores, que a heterogeneidade dessa

espécie vocabular, na verdade, se constitui numa das evidências de que

não deve ser identificado como uma classe autônoma;

ii- perceber que a alocação dos “advérbios” na classe dos nomes e, ao

mesmo tempo, dos determinantes, exprime uma distinção entre as

formas que se configuram como ideativas, ou seja, como nocionais, e

as que funcionam como dêiticos, já que atuam no plano discursivo,

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enunciativo – fato que tem levado autores como Ilari (1993) a concluir

que se trata de elementos tipologicamente distintos um do outro;

iii- enfim, nos conscientizar da necessidade de revisão de nossas idéias

acerca da operação classificatória, admitindo, como Perini (1995), que

ela varia de acordo com o(s) objetivo(s) pretendido(s) por quem dela se

vale.

Examinadas, dentro de nossas possibilidades , as “lições” de Gladstone Chaves de

Melo (1970, 1981), a respeito da categorização lexical e, sobretudo, do modo como vê o

“advérbio”, finalizemos, a seguir, nossa viagem, apresentando e comentando, em sua última

etapa, as idéias defendidas a respeito dessas duas questões por autores mais comprometidos

com a Lingüística Moderna.

4.2.2.3 Terceira “geração”: Mário Vilela e Ingedore Villaça Koch (2001)

A título de contraposição entre as “lições” que dão continuidade a um modelo mais

tradicional de abordagem da língua e as “lições” que encampam o pensamento vigente nos

diversos quadros da Lingüística Moderna, selecionamos, como representante da época

contemporânea, ou de “3ª geração”, um compêndio gramatical, que, datado de 2001 e escrito

a “quatro mãos”, reúne ensinamentos de “nacionalidades” diferentes: lusitanos, da parte de

Mário Vilela, e brasileiros, da parte de Ingedore Villaça Koch. Com o olhar que ultrapassa o

sentencial, privilegiado pela “gramática de palavras”, esses estudiosos, conforme anunciado

no subtítulo de sua obra, não só o enfocam sob novas luzes teóricas – da gramática de

valências, por exemplo – como constroem uma “gramática do texto” ou do “discurso”.

Obviamente, tal escolha teve o seu custo, uma vez que nos impediu de examinar,

conforme programamos, propostas de análise reconhecidamente valiosas como as de Mateus

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et al. (1983), Bechara (1999), Perini (1989, 1995), Neves (2000), etc., que, embora não

apresentem soluções definitivas sobre o tema aqui abordado, conseguem acenar com idéias

capazes de diminuir a nebulosidade decorrente da própria complexidade da tarefa de

categorização e dos fatos da língua.

Começando pelo quadro mais geral, vejamos o que pensam esses dois lingüistas a

respeito da classificação de palavras no português:

A maior parte das palavras do português são enquadráveis, mesmo fora do discurso,

em classes formais e em classes funcionais, que designamos por categorias gramaticais ou partes do discurso. Há assim categorias lingüísticas diferentes, quer no sentido

amplo, quer no sentido estrito. Contudo, há concepções e categorizações diferentes de acordo com determinados critérios, e a divergência de concepção na classificação

pode ser profunda ... (VILELA e KOCH, 2001, p. 56).

Embora afirmem que a maior parte das palavras de nossa língua é suscetível de

enquadramento em classes e subclasses distintas, esses dois mestres acabam reconhecendo

que, na realidade, isso não é assim tão fácil, uma vez que os traços tidos como peculiares a

algumas delas não se aplicam a todas as formas tidas, em princípio, como seus membros.

Assim sendo, se, de uma parte, os verbos, os substantivos e até mesmo os adjetivos

constituem classes mais bem definidas e delimitadas, por outra, elementos como os artigos, os

pronomes, os numerais “acarretam problemas e surgem sob diferentes designações consoante

as escolas ” que os examinam (VILELA e KOCH, 2001, p. 61). Integrantes desse último

grupo, os advérbios, afirmam os autores, “constituem a classe mais heterogênea e mais difícil

de caracterizar” (VILELA e KOCH, 2001, p. 61).

Certos de que o melhor critério para a classificação das “categorias gramaticais” é o que

conjuga traços sintáticos (ponto de partida) aos formais e semânticos, esses autores,

diferentemente de outros que, como Perini (1995), levam em conta apenas um deles (no caso

desse último autor, o sintático), distribuem os vocábulos de nossa língua, conjugando os

seguintes aspectos:

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A – Quanto ao “significado categorial”:

a) Palavras representantes de “objetos”;

b) Palavras representantes de “processos”;

c) Palavras representantes de “propriedades”;

d) Palavras representantes de “relações”

B - Quanto ao estatuto “formal”

a) Palavras variáveis x palavras invariáveis;

b) Palavras conjugáveis;

c) Palavras “graduáveis”

C- Quanto ao estatuto “sintático”

a) Função própria a cada categoria;

b) Distribuição

c) Posição na frase

d) Regência, etc.

No esquema a seguir, procuramos reunir e organizar a proposta classificatória desses

dois estudiosos, completando-a com outras informações pertinentes, recolhidas ao longo da de

sua obra:

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FIGURA 7 – “CARACTERIZAÇÃO DAS CATEGORIAS GRAMATICA IS” DO PORTUGUÊS, SEGUNDO VILELA E KOCH (2001)

FONTE (aqui organizada e complementada): Vilela e Koch (2001, p. 55-64 )

1- CARACTERIZAÇÃO CARACTERIZAÇÃ O CARACTERIZAÇÃO SEMÂNTICA FORMAL SINTÁTICA

Substantivo Núcleo de SN (objeto) Passível de determinação De grande mobilidade posicional Palavras Verbo Conjugável Núcleo de SV (processo) Variáveis Passível de Determinação Lexicais Adjetivo Graduável Qualificador (propriedade, Passível de Determinação qualidade)

Palavras Pronome Núcleo de SN Relacionais Advérbio pronominal Determinante de N

Relacionador dêitico Relacionador anafórico Advérbio frásico Intrapredicativo

Palavras Invariáveis Intrafrásico Conjunção de Ligação coord. subord.

Preposição Capacidade de regência

Partículas Advérbio extrafrásico De enunciação Modais Do dictum Do dizer Do querer dizer Avaliativos Assertivos ordenação ligados a atos ilocutórios distribuição analogia oposição operação metalingüística

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Quanto ao advérbio per se, é caracterizado pelos dois gramáticos de um modo mais

detalhadamente possível e em coerência com a idéia defendida por ambos de que o melhor

critério é o que combina características semânticas, formais e sintáticas. Cientes, como

muitos dos autores aqui apreciados, de que “não há nenhum traço que delimite de modo claro

e definitivo qualquer classe”, Vilela e Koch (2001, p. 60) buscam obter maior sucesso de

análise, cruzando os critérios em que se apóiam. Contudo, reconheça-se, apesar dos avanços

obtidos em sua análise, nem todas as idéias defendidas por eles são inéditas. Olhando para

trás, deparamo-nos, por exemplo, com “lições” (muitas vezes apresentadas em notas de

rodapé) de autores mais antigos, que têm vários pontos em comum com as deles, dentre os

quais, salientamos: o reconhecimento de uma possível atuação do “advérbio” no plano da

enunciação (elementos dêiticos), a relação de Sintagmas Adverbiais com Sintagmas

Prepositivos, a percepção da diferença de papéis semânticos entre os “advérbios” associados a

verbos e “advérbios” associados a adjetivos, etc.

Esse “diálogo” inter-autoral se manifesta na própria definição de “advérbio”

propugnada por Vilela e Koch (2001), que ora transcrevemos: “os advérbios acompanham e

determinam verbos, substantivos, adjetivos, pronomes e outros advérbios” (VILELA e

KOCH, 2001, p. 62). Embora admitam que certos substantivos possam ser modificados

adverbialmente (como em “Só Deus é justo”), esses dois autores deixam claro que a marca

categorial do “advérbio” é a de modificar o verbo, a frase, o adjetivo, o próprio advérbio, ou a

enunciação

Pelo que nos é dado ver, nessa definição, os mestres, aqui em apreço, não foram tão

felizes quanto nas “lições” subseqüentes, nas quais, apontam várias características do

“advérbio”, vistas separadamente umas das outras, ou, então, cruzadas entre si. Na definição

acima, é o critério sintático que norteia, quase de um modo absoluto, a identificação do

“advérbio”, através da exploração de três de seus traços: um, concernente ao escopo – verbo,

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adjetivo, substantivo, pronome, advérbio –, outro, ao papel de determinante do elemento a

que se ajunta, e um terceiro, à posição que ocupa em relação ao termo que determina.

Em face dessa restrição, procuramos nos enveredar por outras partes da Gramática,

desses autores, em busca de outras “lições” a respeito do “advérbio”. Nelas, pudemos

constatar que, do ponto de vista morfológico, Vilela e Koch (2001), da mesma forma que os

gramáticos de linha tradicional, consideram o “advérbio” uma subespécie do grupo de

palavras invariáveis, única, por sinal, passível de gradação e derivação. Outra característica

morfológica diz respeito ao estatuto configuracional dos itens adverbiais, que, segundo

observam nossos dois mestres, correspondem, de um modo geral, a formas compostas ou a

locuções, como: anteontem,doravante, lado a lado, à toa, pouco a pouco, etc. Acresça-se a

isso a menção dos dois autores ao fato – diacrônico – de que os poucos advérbios simples

encontrados na nossa língua, e em outras línguas românicas, derivam, quase sempre, de

formas compostas, tal como se verifica em : in tuc > então; admane > amanhã; hoc die > hoje,

etc. (VILELA e KOCH, 2001, p. 245).

Em complementação às informações de ordem sintática constantes da definição,

Vilela e Kock (2001) nos chamam a atenção, em outras passagem de sua obra, para a

mobilidade dos termos adverbiais no interior da oração, processo que não incide sobre os

demais “elementos de ligação”. Outra propriedade, também sintática, é a que concerne à força

de recção verificada em certos itens adverbiais, força essa referida no Capítulo 2 desta

dissertação e mencionada em algumas das “lições” de “antanho” aqui examinadas. Contudo,

vale ressalvar, essa força, no modo de ver de nossos autores, na verdade, é muito mais de

natureza semântica que sintática, ou seja, os advérbios se constituiriam em formas

sintaticamente intransitivas e semanticamente dependentes dos elementos que modificam.

Assim sendo, em frases como:

(1) a- “Votou contrariamente ao que se havia estabelecido.”

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b- "Manifestou-se favoravelmente à absolvição.”

Vilela e Kock (2001, p. 246; destaques nossos) nos mostram que, na realidade, estamos diante

de casos de persistência da “valência” dos adjetivos-fonte contrário a e favorável a,

respectivamente.

Quanto à caracterização semântica, é referida pelos autores (2001, p. 245) na

definição acima reproduzida, segundo a qual “a marca categorial do advérbio é a de

modificar o verbo, a frase, o adjetivo, o próprio advérbio ou a enunciação” e, em alguns

casos, o substantivo (como em: “Só Deus é justo.”). Contudo, a extensão desse papel a tantos

constituintes oracionais é revista por eles, quando, em outro excerto de seu compêndio,

afirmam que os verdadeiros advérbios são os que se referem ao verbo, ou seja, os que se

referem ao “acontecer verbal em si”, configurando-se, pois, como uma espécie de

complemento que, inerente ao verbo, faz parte do todo predicativo. Em outras palavras, os

conjuntos formados por “verbo + advérbio” constituem um SPred, sendo o item adverbial

selecionado pelo verbo. Exemplos fornecidos pelos autores (VILELA e KOCH, 2001, p.249):

(2) a- “Ela falava maliciosamente com o namorado.”

b- “A serpente deslizava sorrateiramente à procura do seu almoço.”

Com base nessas propriedades – e em outras de caráter discursivo –, tomadas

individualmente ou cruzadas entre si, nossos lingüistas estabelecem diversos tipos de

subagrupamentos adverbiais, correspondentes a níveis lingüísticos diferenciados.

Em termos morfológicos, por exemplo, pudemos ver que eles os subdividem, do

ponto de vista configuracional, em dois subconjuntos: o das formas simples (menos

numerosas e, em geral, herdadas ao latim) e o das formas compostas de elementos que

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figuram integrados, ou não, entre si. Exemplos do primeiro tipo: hac hora > agora; hoc die >

hoje. Exemplos do último: anteontem, doravante, formalmente, intensamente, lado a lado, a

tempo e hora, etc. (VILELA e KOCH, 2001, p. 245).

Num nível mais baixo dessa distribuição hierárquica, os dois pesquisadores

identificam, na subespécie constituída pelos adjetivos adverbializados, um novo

desmembramento, que tem a ver com o modo de formação dos advérbios, a saber: os que se

originam de adjetivos cristalizados no masculino singular e os que resultam da aposição do

sufixo –mente a itens adjetivos (processo mais produtivo), conforme ilustrado abaixo:

(3) a- “Mãe e filha falavam tão alto que se ouvia do outro lado da rua.” – Adjetivo

cristalizado como advérbio.

b- Ele fala javanês correntemente. – Adjetivo adverbializado por aposição do

sufixo –mente.

Similarmente às propriedades morfológicas, as sintáticas permitem outros tipos de

distribuição dos itens adverbiais. Num nível mais abrangente, por exemplo, nossos gramáticos

detectam, no nível da gramática dois grandes grupos: os advérbios frásicos, que atuam dentro

do domínio da frase, e os advérbios extrafrásicos, que não participam da referência frásica,

mas, sim, do processo discursivo, no qual atuam como modalizadores, ou seja, como índices

do sentimento, da emoção, da avaliação, etc. apresentados pelo locutor. Exemplos (VILELA

e KOCH, 2001, p. 249 e 251):

(4) a- “Ela falava maliciosamente com o namorado”. – Advérbio frásico, modificador

do verbo.

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b- “Ele é verdadeiramente / realmente inteligente.” – Advérbio frásico,

modificador de adjetivo.

(5) a- “Francamente, nunca mais aprendes!” – Advérbio extrafrásico.

b- “Brutalmente, ela veio e desfez tudo.” – Advérbio extrafrásico.

Restringindo-se ao primeiro tipo, de advérbio frásico, esses lingüistas mostram que

pode se distribuir em dois subtipos, de acordo com o seu escopo: se incidem sobre o verbo,

como no exemplo (4a) acima, configuram-se como “advérbios intrapredicativos”; se afetam

o verbo juntamente com algum de seus argumentos – verbo e sujeito” (indiciadores de

“vontade”, ou “causa”), ou “verbo e complementos ”–, constituem-se em “advérbios

intrafrásicos. Vejamos alguns dos exemplos fornecidos por esses autores (cf. VILELA e

KOCH, 2001, p. 250):

(6) “O tiro feriu-o mortalmente. “ (Advérbio intrapredicativo)

(7) a- “Ele abdicou voluntariamente.“ (Advérbio intrafrásico, voltado para o

verbo e o SN sujeito)

b- “ Ele escreve legivelmente as coisas.” (Advérbio intrafrásico, voltado para o

verbo e seu objeto)

A par dos critérios de natureza morfológica e sintática, o de cunho semântico

propicia diferentes desmembramentos do “macroconjunto” adverbial. Um primeiro, mais

amplo, é o que leva em conta o papel (semântico) básico exercido pelos diferentes itens

adverbiais, que se repartem em dois blocos: o dos advérbios intensificadores – ligados, mais

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comumente, a adjetivos – e o dos advérbios propriamente ditos, que, conforme mencionado

acima, caracterizam o acontecer verbal em si, conforme exemplificado abaixo:

(8) a- Essa nova atriz da Globo é bem feinha, não? (Dado de coleta informal)

b- “Ela gritava desalmadamente no meio da noite. “ (Dado dos autores, 2001, p.

249)

Focalizando o processo referencial, nossos gramáticos fazem menção ao caráter

pronominal de certos itens adverbiais, que podem, anafórica ou cataforicamente, atuar como

pró-palavras, pró-frases e, até mesmo, pró-textos. Exemplos dos autores (2001, p. 254):

(9) a- “A filha foi passar dez dias no Algarve. Só então, os pais foram para férias”-

Advérbio pró-frásico.

b- “Cá no Porto, lá em Lisboa,(...) cá dentro!” – Advérbios pró-sintagmáticos.

Visto como “categoria gramatical”, o “advérbio”, segundo nossos dois gramáticos,

admite, ainda, uma subclassificação de ordem semântica, de que resultam numerosos e

variados subtipos, sujeitos a se superpor uns aos outros. São eles:

a) advérbios de tempo: agora, ainda, hoje, amanhã, já, nunca, cedo, tarde, etc.

b) advérbios de lugar: abaixo, acima, adiante, atrás, cá, defronte, dentro, fora, etc

c) advérbios de afirmação: sim, certamente, realmente, efetivamente, etc.

d) advérbios de dúvida: acaso, porventura, talvez, quiçá, possivelmente, etc.

e) advérbios de intensificação: bastante, bem, mais, menos, muito, pouco,etc.

f) advérbios de modo: assim, mal, melhor, pior, etc.

g) advérbios de negação: não, nunca

h) advérbios de inclusão: até, mesmo, também

i) advérbios de exclusão: só, apenas, somente, salvo

j) advérbios de designação: eis

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k) advérbios de interrogação: por que (causa), como (modo), onde (lugar), quando

(temporal) (VILELA e KOCH, 2001, p. 247-248).

Para finalizar, mencionemos, outra subdivisão detectada por esses dois gramáticos

(2001, p. 251-253), com base no nível lingüístico em que as formas adverbiais podem atuar.

No plano gramatical, já vimos, temos o subgrupo dos advérbios frásicos, que, por sua vez,

abarcam duas subespécies: a dos advérbios intrapredicativos (exemplo nº 6), relacionados a

“verbos”, e a dos adverbiais intrafrásicos (exemplos sob o nº 7), associados ao verbo e, ao

mesmo tempo, a algum de seus argumentos. Fora do domínio da frase, encontramos os

advérbios extrafrásicos, ou de enunciação, que, de sua parte, também podem se desdobram

em novos subtipos, conforme incidam sobre: o dictum, o dicere, ou o querer dizer.

Em desdobramento próprio, o primeiro deles, de advérbios relacionados ao dictum,

admite a seguinte subdivisão (VILELA e KOCH, 2001, p. 252):

a) os avaliativos, que expressam o sentimento de apreciação do enunciador acerca do

conteúdo da proposição. Exemplo: “Infelizmente, ela não veio.”;

b) os assertivos, que dizem respeito ao valor de verdade da proposição, indicando

possibilidade, probabilidade, certeza, etc. Exemplo: “Certamente, eles virão às sete da tarde.”

O segundo, que, constituído de advérbios ligados ao dicere, ou seja, ao agenciamento do

discurso, pode implicar:

a) uma ordenação discursiva: primeiramente, finalmente, antes, depois, etc.),

analogia (igualmente, simultaneamente, etc.;

b) uma distribuição: respectivamente, sucessivamente, etc.;

c) uma analogia: igualmente, paralelamente, etc.;

d) uma oposição: contrariamente;

e) uma operação metalingüística: literalmente, textualmente, mais exatamente, etc.

(VILELA e KOCH, 2001, p. 252).

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Por fim, o terceiro subgrupo é formado por advérbios que incidem sobre a intenção

comunicativa, isto é, sobre o querer dizer, expressando algo acerca do ato ilocutório em si.

Exemplos: confidencialmente, francamente, sinceramente, pessoalmente, honestamente,

seriamente, etc. (VILELA e KOCH, 2001, p. 253).

Vistas essas “lições”, apresentemos, agora, uma síntese da proposta analítica

defendida por nossos dois gramáticos sobre o “advérbio” no português:

a) mais detalhado, o estudo empreendido por esses gramáticos, ultrapassa, conforme já

referido, os limites da gramática, estendendo-se ao discurso e ao texto (visto como

resultado da ação desenvolvida naquele);

b) esse detalhamento não os impede de fazer algumas generalizações, que nos

remetem a distribuições de alcance mais amplo, que, de caráter morfológico,

sintático, semântico, ou, então, discursivo-textual, nos remetem a blocos mais

compactos em que se distribuem seus componentes adverbiais;

c) os critérios adotados e os traços próprios a cada um deles são apontados

explicitamente e examinados um a um;

d) a complexidade da operação classificatória pôde ser detectada a partir das

dificuldades que os autores enfrentaram na resolução de problemas que não

resolveram adequadamente, ou que deixaram de resolver.

A par de tudo isso, chamou-nos especial atenção o fato de esses dois autores, adeptos

de correntes lingüísticas mais modernas, não desmerecerem, em momento algum, as “lições”

deixadas pelos nossos “velhos” gramáticos, cujo valor reconhecem, segundo nos comprova o

seguinte excerto, transcrito de sua Gramática da língua portuguesa:

Como vemos, os critérios sintáticos, semânticos e morfológicos são usados, ou de modo exclusivo, ou em complementaridade. O método greco-latino tem-se mostrado funcional e pedagogicamente correto. O uso dos diferentes critérios – em exclusivo ou em complementaridade – é lingüística e cientificamente correto. (VILELA e KOCH, 2001, p. 64)

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134

4.3 Conclusão Conforme anunciado na seção introdutória deste capítulo, cumpre-nos, agora, o cotejo

entre as “lições” dos gramáticos aqui escolhidos como representantes das três gerações da

contemporaneidade.

Vimos que, mesmo hoje, no início do século XXI, a discriminação das classes de

palavras e a identificação do advérbio como um grupo autônomo, continuam problemáticos.

As dificuldades enfrentadas por nossos lingüistas continuam, na verdade, a esbarrar nos

critérios passíveis de definir as diferentes classes como autônomas e independentes umas das

outras. Isso porque, como se viu, as taxonomias apresentadas não se concentram num

objetivo, que é o que determinará o ponto de vista a ser priorizado na operação classificatória

de qualquer elemento ou fato.

Assim, pudemos ver que, no começo do século XX, José Oiticica (1919/1923), em

completo descompasso com seus coevos e mesmo com mestres mais antigos, ultrapassa as

fronteiras da frase, mostrando que certos itens adverbiais podem atuar em instâncias

extrafrásicas, dentre as quais a da enunciação. Pena que nosso mestre tenha deixado de

sistematizar e justificar suas propostas, deixando para os leitores a tarefa de inferi-las.

Com a visão abrangente de Oiticica (1923) acerca da classificação de palavras,

Gladstone Chaves de Melo (1951 e 1968), também ultrapassando os limites da “gramática da

frase”, tenta buscar, em outras esferas, soluções para fatos ainda não explicados nesse

território. Com esse objetivo, esse autor propõe um reagrupamento das dez classes de palavras

estabelecidas pela tradição gramatical, considerando, por exemplo, o o advérbio não como

uma classe autônoma, mas subespécie de outras com que coincide em alguns traços.

Por fim, as “lições” conjuntas do português Mário Vilela e da brasileira Ingedore Kock

(2001) nos deixam entrever os avanços propiciados, sobretudo, por um trabalho mais

sistematizado. Ao se estender, conscientemente, a planos extrafrásicos – discursivo e textual

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– consegue trazer alguma luz para a solução de problemas lingüísticos, de que o advérbio é

um exemplar mínimo. Com base em objetivos mais específicos, critérios mais bem definidos

e em dados da língua oral e escrita de hoje, eles acabam nos fornecendo um quadro mais

preciso, embora ainda sujeito a muitos questionamentos.

Para que tenhamos uma visão conjunta das “lições” dos gramáticos contemporâneos

aqui examinados, apresentamos a seguir, tal como feito no final do Capítulo 3, dois quadros-

síntese, que nos dão uma idéia do pensamento de três “gerações” de lingüistas a respeito do

estatuto do “advérbio”, no conjunto vocabular do português (Quadro 3) e de suas

possibilidades distributivas (Quadro 4).

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QUADRO 3

LIÇÕES SOBRE A CARACTERIZAÇÃO DOS ADVÉRBIOS EM

GRAMÁTICAS DOS SÉCULOS XX E XXI

CARACTERÍSTICAS DOS ADVÉRBIOS SEC./

GER.

GRAMÁTICOS

MORFOLÓGICAS SINTÁTICAS SEMÂNTICAS

JOSÉ DE

OITICICA

(1919/1923)

1ª geração

Estatuto taxonômico: - subclasse dos termos modificativas - subclasse das palavras prominativas Flexão: palavra invariável.

Função: - determinante do verbo. - indiciador de grau de adjetivos e advérbios. Escopo: o verbo

Função: exprimir as circunstâncias verbais.

XX

GLADSTONE

CHAVES DE

MELO

(1970/1981)

2ª geração

Estatuto taxonômico: - Natureza: nominal e pronominal. - Flexão: palavra invariável

Função: determinante do verbo, adjetivo e pronome. Escopo: verbo, adjetivo, advérbio, pronome, substantivo, oração inteira

Estatuto taxonõmi- co: subclasse dos nomes e dos determinantes. Papéis: - modificadores (circunstanciadores) de verbo; - intensificadores de adjetivos, advérbios, pronomes e substantivos

XXI

MÁRIO

VILELA E

INGEDORE V.

KOCK

(2001)

3ª geração

Estatuto taxonômico: - Subespécie do grupo de ligação. - Partícula modal Flexão: - Subespécie do grupo vocabular invariável - Passível de gradação e derivação

Função: determinante de verbo, substanti- vo, adjetivo, pronome, outro advérbio, frase. Posição: passível de mobilidade na frase. Regência: intransitivo (força de recção ligada à valência do adjetivo que determina)

Papéis: modificadores de verbo, adjetivo, advérbio, substanti- vo, SPred., frase e enunciado Valência: dependente dos elementos que modi- ca (a aparente capacidade de regência deve-se à valência dos adjeti- vos que determina)

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QUADRO 4 LIÇÕES SOBRE A DISTRIBUIÇÃO DOS ADVÉRBIOS EM

GRAMÁTICAS DOS SÉCULOS XX E XXI

CRITERIOS DE DISTRIBUIÇÃO SÉC./ GER.

GRAMÁTICOS MORFOLÓGICOS SINTÁTICOS SEMÂNTICOS OUTROS

JOSÉ DE OITICICA (1919/1923)

1ª geração

Estatuto formal:

- termo nuclear; - palavras adver- biadas (adj. + -mente; adj. gêne- ro masc. plural); - expressões e locuções adver- biais; -orações adver- biais (des./red.)

Intensificado- res: de adjetivo e de advérbio

Papéis:

- Modificativo de verbo - Pronominais elemento dêitico Subespécies: dúvida, freqüên- cia, intenção, in- tensidade, lugar, modo, ordem e tempo

Plano da refe- renciação: alguns itens fóricos

XX

GLADSTONE CHAVES DE

MELO (1970/1981)

2ª geração

Estatuto formal: - termo nuclear; - termo derivado de adj. + mente; - palavras adver- biadas (adj. gêne- ro masc. plural); - formas passí- veis de gradação superlativa e comparativa X locuções não passíveis de gradação comparativa e superlativa

___

Papéis: Modificadores (circunstanciais) X termos relacionais (dêiticos) Subespécies: de lugar, tempo, modo, dúvida, intensidade e afirmação.

Plano referencial: alguns itens fóricos Plano discursivo: alguns itens dêiticos

XXI

MÁRIO VILELA E

INGEDORE V. KOCK

(2001)

3ª geração

Estatuto formal: - Formas simples X Formas compostas Formação: -Adjetivos adverbializados (adj. + –mente ou adj. no gênero masc. plural)

Frásicos: -intrafrásicos -intrapredicati- vos. Extrafrásicos: - referentes ao todo sentencial - referentes à enunciação

Dois tipos: -Circunstancia- dores: ligados ao verbo. -Intensificadores ligados a adj. e advérbios. Subespécies: de tempo, lugar, afirmação, dúvi- da, intensifica- ção, modo, nega- ção, inclusão, exclusão, desig- nação, interroga- ção.

Processamento referencial: atuam como: pró-palavras; pró-frases; pró-textos. Extrafrásicos: Discursivos quanto ao dictum – avalia- tivos, assertivos quanto ao dicere – ordena- ção, distribui- ção, analogia, oposição, operação meta- lingüística quanto ao querer dizer – expressões e ato ilocutório em si.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS: “DECIFRAR O ADVÉRBIO É PRECIS O”

A chamada gramática tradicional, tal como a concebemos, um corpo organizado de princípios lingüísticos, só pode ser entendida e avaliada se examinarmos o caminho por ela percorrido através do tempo, já que suas características principais são fruto não só de um longo processo de reflexão teórica e de vivência, mas também de adequação ou resposta a acontecimentos sociais, políticos, econômicos e culturais que enfrentou. (FÁVERO, 1996, p. 19; destaque da autora).

É mais do que tempo, reconhecemos, de dar fecho a esta viagem, retomando, para

tanto, o nosso “diário de bordo”, a fim de procedermos ao acerto final necessário.

Antes de fazer isso, contudo, cumpre-nos ressaltar que essa foi uma aventura deveras

enriquecedora, ao longo da qual, pudemos colher “lições”, que, dentre tantas outras coisas,

nos deram um testemunho vivo do quanto de perspicácia, paciência, bom senso,

conhecimento e boa vontade nos impinge a tarefa de categorização – lingüística, ou não.

No estudo aqui em pauta, voltado para a classificação de palavras, um dos maiores

exemplos dessa exigência é, com toda a certeza, a identificação e subcategorização do

“famigerado” grupo dos advérbios, sabidamente tinhoso, escorregadio, malandro,

camaleônico, que nem ele só.

Correndo o risco de sermos mal interpretadas, ou até mesmo mal vistas pelo tipo de

trabalho de compilação crítica, aqui empreendido, decidimos “enfrentar as intempéries”,

buscando nos “feitos lingüísticos” de nossos lingüistas – antepassados e contemporâneos –

alguma luz que nos pudesse ajudar na compreensão de fatos lingüísticos como o da

distribuição vocabular – o que, sem dúvida, nos permitiria uma melhor condução do processo

de ensino/aprendizagem do português.

Como esse problema já nos vinha “atormentando” e, conseqüentemente, dificultando

nossa atividade docente havia algum tempo, não tivemos dúvida em elegê-lo como objeto de

estudo. Buscando enfrentar face a face a questão, procuramos, num primeiro momento,

registrar e analisar as ocorrências adverbiais (que sempre nos desafiaram) a partir da coleta de

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dados reais da nossa língua. Durante a realização dessa empresa, percebemos que

precisávamos, o quanto antes, nos munir de lições alheias que nos permitissem saber um

pouco mais sobre o estatuto – gramatical, ou não - desse tipo de vocábulo, bem como do seu

uso real em nossa língua e, assim, quem sabe, encará-lo posteriormente com olhos próprios e

com maior consciência do grau de sua heterogeneidade.

Numa consulta preliminar às gramáticas a que tivemos acesso, nos surpreendeu o

esforço de nossos autores em decifrar seus mistérios, seus deslizamentos semânticos, sua

atuação no âmbito frásico e extra-frásico. Enquanto apreciávamos as propostas de análise

apresentadas por autores do passado e do presente, percebemos que, na verdade, já tínhamos

em mãos o início de uma pesquisa, que, de caráter metalingüístico, poderia trazer alguma

contribuição para a historiografia lingüística, nem sempre valorizada em nosso meio

acadêmico. Estava, pois, decidido: a pesquisa que nos cabia realizar passou a ser considerada

como uma primeira etapa de outra que, de nossa própria responsabilidade, nos levará a

encarar de frente uma espécie vocabular tão “camaleônica” como a adverbial.

Disposta a levar em frente esse tipo de trabalho, independentemente de opiniões

contrárias, começamos a executá-lo, procedendo, primeiramente, à seleção de gramáticas

pretéritas e contemporâneas, e, posteriormente a recortes que deveriam ser feitos nesses dois

períodos. Dessa sorte, começamos pelo exame das “lições” fornecidas por nosso “primeiro

gramático”, Fernão de Oliveira (1536), e terminamos com o estudo das lições de dois

lingüistas contemporâneos, Vilela e Koch (2001). Com isso, passamos de uma “gramática de

palavras” a uma “gramática de palavras”, “de frases” e “de textos”, realizando uma viagem

longilínea, que, recortada, por limitação do tempo que tínhamos e do acesso aos compêndios

gramaticais/ortográficos mais antigos, acabou privilegiando os ensinamentos gramaticais de

autores do século XVI (fase pretérita) e dos séculos XIX, XX e XXI (fase contemporânea).

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Como bons viajantes, rememoremos, agora, o que mais nos impressionou nessa

viagem, retomando o título dado à Introdução - parte destinada aos preparativos da viagem -

na qual nos perguntamos: “Categorizar é preciso?”. Pelos tempos visitados, pelos autores

contatados, pode-se deduzir que a resposta a essa questão é positiva. A própria discussão do

assunto, a apresentação de quadros classificatórios específicos, ou não, do “advérbio”, bem

como o tratamento especial conferido a esse tipo lexical pelos autores consultados, mesmo

com poucos consensos e muitos dissensos, constituem uma prova da importância dessa

tarefa e da sua repercussão pedagógica.

Com um título em forma de interrogação (“O advérbio: um “ornitorrinco da

gramática?”), que, verdadeiro ato de fala, interpela diretamente o leitor e exige dele uma

resposta, o capítulo seguinte, de preparação de bagagem teórica, além de delimitar

explicitamente o nosso objeto central de pesquisa, qual seja, o advérbio, nos dá uma idéia das

inúmeras e diferentes dificuldades enfrentadas pelos que se aventuram a “decifrá-lo”.

Em face de problemas como: desencontros das taxonomias estabelecidas pelos

diversos autores; as soluções insatisfatórias; os problemas ainda em pendência; a falta de uma

indicação mais precisa dos critérios suscetíveis de definir a espécie adverbial, em seu todo e

em sua rede distributiva, bem como a inadequação e/ou ausência de exemplos representativos

do uso real de nossa língua, a resposta à pergunta inserida no título, sem dúvida alguma, é,

mais uma vez, sim. “Camaleônico’, polissêmico, sintaticamente volúvel, extremamente

“gramaticalizável” e invasor de instâncias extra-gramaticais, o advérbio, tal como outros

tipos de palavras, é tido pelos lingüistas como um verdadeiro ornitorrinco, tanto no sentido

denotativo do termo quanto no conotativo.

Contudo, o verdadeiro viés, a partir do qual essa afirmação deve ser feita, não é tanto

o das “lições” a seu respeito, mas o do seu próprio estatuto formal, funcional e semântico, de

grande maleabilidade. Tanto é que o critério semântico, considerado pelos estudiosos como o

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mais adequado e abrangente para defini-lo, não é nem uno, nem absoluto. Prova disso é que

nem todos os itens adverbiais têm valor “qualificativo”, “intensivo” ou “circunstancial”,

segundo admitido pelos próprios autores aqui consultados.

Do mesmo modo, o critério sintático, considerado por autores como João de Barros

(1540/1971) como o de maior eficiência e amplitude, não é suficientemente forte para abarcar

todas as formas ditas adverbiais. Que o diga o seu próprio escopo, que varia segundo o tipo de

vocábulo a que as diferentes formas adverbiais podem se associar.

Nem mesmo o critério morfológico, único utilizado por Schneider (1974), tem

condições de resolver o problema. Evidência disso é a idéia defendida por gramáticos como

Jeronymo Soares Barbosa (1803/1881) ou Alfredo Gomes (1913) – consultado num primeiro

levantamento bibliográfico – , que enquadram, configuracionalmente, todos os termos

adverbiais - de constituição simples ou composta (locuções adverbiais) - no rol dos SPreps.

Todavia, um dos dissensos mais comuns e marcantes entre os estudiosos é o que diz

respeito às diferentes possibilidades de desdobramento do “advérbio” em subtipos

diversificados e alocados em níveis hierárquicos distintos. Um dos exemplos prototípicos

desse desencontro de idéias, pôde-se ver, é o que diz respeito ao seu desmembramento

semântico, distinto, tanto em termos quantitativos quanto em termos qualitativos dos demais

tipos. Um deles, por exemplo, tem a ver com a diferença numérica dos critérios taxonômicos

utilizados pelos gramáticos para defini-lo, e, mais ainda, pela extensão – maior ou menor – da

lista referente aos traços semânticos que lhe são peculiares. Outro é detectado no desencontro

da opinião dos gramáticos quanto aos componentes dos vários grupos e subgrupos,

desencontro esse mais marcante na análise das formas negativas, afirmativas, inclusivas,

exclusivas, etc., tidas por uma boa parte de nossos mestres como de natureza não adverbial.

Confirmada a idéia de que o advérbio é, sim, uma espécie de “ornitorrinco”

lingüístico, respondamos, agora, se, além de comprovar a complexidade própria a operações

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classificatórias, os nossos mestres-gramáticos, rastreados num percurso temporal iniciado no

século XVI e terminado nesse início do XXI, demonstraram avanços na sua tentativa de

deciframento dos enigmas contidos na “esfinge adverbial”.

Começando pelos mestres de antanho, ressaltem-se as seguintes “novidades”, que,

muitas vezes criticadas por outros estudiosos, representam alternativas de solução para os

problemas constantes do modelo gramatical greco-latino, além de indicar, prospectivamente,

soluções, retomadas, revistas, exploradas, ou complementadas, posteriormente, por adeptos

de correntes da Lingüística Moderna: a) o reconhecimento da inexistência de limites fixos e

absolutos entre as diversas espécies vocabulares, dentre as quais, os advérbios; b) a

preocupação, por parte de alguns autores, em apresentar quadros distributivos mais

generalizantes, em que se evidenciam os laços, mais, ou menos frouxos, entre os

macroconjuntos e seus subconjuntos, como, por exemplo, o paralelismo funcional entre o

advérbio e o adjetivo; c) a associação entre o significado do constituinte determinado e o tipo

de advérbio passível de determiná-lo; d) o registro da multifuncionalidade de um mesmo item

adverbial, tanto num mesmo nível da lingüístico, quanto em níveis diferentes – gramatical,

semântico e discursivo; e) a indicação, ainda que implícita, de casos de gramaticalização/

discursivização de algumas formas adverbiais, que de caráter modalizador, são vistas por

alguns autores como uma classe à parte.

No que toca às “lições” dos gramáticos contemporâneos, mais, ou menos ligados à

tradição greco-latina, podem-se salientar “avanços” como: a) maior consciência da

complexidade de operações de natureza classificatória; b) uma insistência em demonstrar a

importância e a eficácia da categorização de elementos e fatos lingüísticos àqueles que negam

o seu valor; c) a preocupação de alguns desses mestres, em apresentar, preferentemente,

taxonomias parciais, que reflitam o ponto de vista, o objetivo da classificação pretendida, que,

por exemplo, se for o de descrever o estatuto morfológico das palavras de nossa língua, deve

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levar em consideração aspectos de ordem lexical (processos de formação de palavras e seu

grau de produtividade, tipos de formantes que compõem os vocábulos, etc.) e aspectos de

ordem flexional (categorias de gênero, número, pessoa, tempo, etc.); d) a separação,

sobretudo por parte dos seguidores de correntes modernas, entre advérbios propriamente ditos

e termos modalizadores, restritos à dimensão do discurso, da enunciação; e) o reconhecimento

da existência, no universo lingüístico, de um continuum entre seus diferentes componentes, o

que, no caso do objeto de estudo em pauta, significa admitir que o advérbio é uma classe

intermediária entre várias outras, embora Júlio Ribeiro (1884), prefira vê-la como uma

transição entre o grupo de palavras variáveis e o de palavras invariáveis; f) o fornecimento

de uma exemplificação mais rica e elucidativa, que passou a incluir dados de língua oral; g) a

proposta de quadros distributivos mais funcionais e orgânicos, como, por exemplo, os de

Vilela e Koch (2001) e de Neves (1999), em que a explicitação dos diferentes critérios

utilizados e a indicação de seus desdobramentos servem para colocar certa ordem no caos

observado em taxonomias mais antigas.

A partir deste sumário, destinado a frisar alguns dos pontos relevantes das “lições”

aqui apreciadas, cumpre-nos a obrigação de responder se houve, ou não, ao longo do tempo,

algum avanço nas “lições taxonômicas” de nossos gramáticos, relativamente ao acervo lexical

do português como um todo, e, de um modo especial, ao advérbio. Para não fugir à regra,

podemos, mais uma vez, dizer sim. A par das deficiências, algumas das quais aqui apontadas,

cumpre-nos fazer justiça a nossos mestres – de “ontem” e de “hoje” –, reconhecendo a

contribuição que deram para esclarecer problemas lingüísticos tão intrincados.

Contudo, reconheça-se, ainda estamos longe de ver solucionados, a contento, esse e

outros problemas que vêm, de longa data, fustigando nossos lingüistas – o que, de certo modo,

nos ajuda a repensar as exigências feitas aos alunos, no processo de ensino-aprendizagem de

nossa língua.

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Por fim, numa remissão ao título destas Considerações Finais, deixamos no ar a

seguinte indagação: as formas adverbiais constituem um grupo lexical autônomo, ou não?

Independentemente da resposta, a grande lição que se pode tirar desta viagem metalingüística

por compêndios gramaticais de tempos distintos é a seguinte: mesmo que detectemos todos os

traços suscetíveis de identificar uma determinada classe de palavras, é o nosso ponto de vista,

e o objetivo que pretendemos alcançar que determinarão a sua relevância, ou não.

À guisa de despedida, gostaríamos de esclarecer que, por menor que tenha sido a

contribuição que procuramos dar para a historiografia lingüística, o trabalho aqui realizado

nos demandou grandes esforços, ao mesmo tempo que acirrou o nosso desejo de estreitar,

cada vez mais, os laços entre a academia e as instituições de ensino, principalmente as

públicas, que, embora sejam, ainda, hoje, responsáveis pela educação da maior parte dos

nossos jovens, são as que menos acatam os avanços alcançados pela ciência.

Para selar o fim desta dissertação, retornemos, num movimento circular, ao nosso

primeiro gramático, Fernão de Oliveira, fazendo nosso o pedido que ele faz em sua famosa

frase: “Antes peço a quem conhecer meus erros que os emende...” (OLIVEIRA, 1975, p.

125).

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REFERÊNCIAS

1 GRAMÁTICAS SELECIONADAS PARA ANÁLISE

1.1 SÉCULO XVI

BARROS, João de. Gramática da língua portuguesa. 3 ed. Org. de José Pedro Machado. Lisboa: Centro de Estudos Filológicos, 1957. BARROS, João de. Gramática da lingua portuguesa; cartinha, gramática, diálogo em louvor da nossa linguagem e diálogo da viciosa vergonha. . 4 ed. Reprodução facsimilada, leitura, introdução e anotações por Maria Leonor Carvalhão Buescu. Lisboa: Universidade de Lisboa, 1971. OLIVEIRA, Fernão de (1536). Grammatica da lingoagem portuguesa. 3 ed. por Rodrigo de Sá Nogueira. Lisboa: Ed. de José Fernandes Júnior, 1933. OLIVEIRA, Fernão de. Gramática da linguagem portuguesa. Introdução, leitura actualizada e notas por Maria Leonor Carvalhão Buescu. Lisboa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1975. 1.2 FASE INTERMEDIÁRIA: SÉCULOS XVII E XVIII ARGOTE, J. C. Regras de língua portugueza, espelho da língua latina ou disposiçam para facilitar o ensino da língua latina pelas regras da portugueza. Lisboa: Officina de Mathias Pereira da Silva, 1721. BARRETTO, João Franco. Ortografia da língua portugueza. Lisboa: Officina de João da Costa, 1671. MONTE CARMELO, Frei Luiz do. Compendio de orthographia. Lisboa: Officina de Antonio Dias Galhardo, 1767. ROBOREDO, Amaro de. Methodo grammatical para todas as línguas. Lisboa: Officina de Pedro Craesbeeck, 1619. VERNEY, L A . Verdadeiro metodo de estudar, para ser útil a Republica e Igreja: proporcionado ao estilo e necessidade de Portugal. Valensa: Officiana de Antonio Balle, 1747.

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1.3 SÉCULO XIX BARBOSA, Jeronymo Soares (1803). Grammatica philosophica da língua portuguesa. Lisboa: Typographia da Academia Real das Sciencias, 1881. RIBEIRO, Júlio (1882). Grammatica portugueza. 7 ed. São Paulo: N. Falcone e Companhia, 1884. 1.4 SÉCULOS XX E XXI 1.4.1 Primeira “geração” OITICICA, José (1919). Manual de análise. 5 ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1923. 1.4.2 Segunda “geração” MELO, Gladstone Chaves de (1949). Iniciação à lingüística e à filologia portuguesa. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1981. MELO, Gladstone Chaves de (1967). Gramática fundamental da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Acadêmica, 1970. 1.4.3 Terceira “geração” VILELA, Mário; KOCH, Ingedore Villaça. Gramática da língua portuguesa; gramática da palavra; gramática do texto; gramática do discurso. Coimbra: Almedina, 2001. 2 OUTRAS OBRAS

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. 4 ed. Trad. Alfredo Bosi. Revisão da trad. e trad. dos novos textos por Ivone Castilho Benedetti. São Paulo: Martins Fontes, 2000. ARNAULD e LANCELOT. Gramática de Port-Royal. Trad. Bruno Fregni Bassetto e Henrique Marciano Murachco. São Paulo: Martins Fontes, 1992. BASTOS, Neusa Barbosa; PALMA, Dieli Vesaro (Org.). História entrelaçada; a construção de gramáticas e o ensino de língua pçortuguesa do século XVI ao XIX. Rio de Janeiro: Lucerna, 2004. BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. 5 ed. Rio de Janeiro: Companhia Editora Nacional, 1963. BITTENCOURT, Vanda de Oliveira. A posposição do sujeito em português. 1979 – Dissertação (Mestrado). Belo Horizonte: Faculdade de Letras da UFMG.

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BITTENCOURT, Vanda de Oliveira. Gramaticalização e discursivização no português oral do Brasil: o caso “tipo (assim)”. Scripta, Belo Horizonte, v. 2, n.4, p. 39-53, 1º sem. 1999. BITTENCOURT, Vanda de Oliveira. U e ONDE nas Cantigas de Santa Maria: caminhos de gramaticalização e discursivização. In: ENCONTRO INTERNACIONAL DE ESTUDOS MEDIEVAIS, 4, 2001, Belo Horizonte. Anais... Belo Horizonte: PUC Minas, 2002. p. 134-140. BOMFIM, Eneida. Advérbios. São Paulo: Ática, 1988.

BUESCU, Maria Leonor Carvalhão. Babel ou a ruptura do signo; a gramática e os gramáticos do século XVI. Lisboa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1983. CÂMARA JR., Joaquim Mattoso. Dicionário de filologia e gramática. Rio de Janeiro: J. Ozon Ed., 1964. CÂMARA JR., Joaquim Mattoso. Estrutura da língua portuguesa. Petrópolis: Vozes, 1970. CARVALHO, Lucirene da Silva. “De repente”... um aspecto da modalização no português oral do Brasil. 2000. Dissertação (Mestrado). Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. CASTILHO, Ataliba T. de; CASTILHO, Maria Célia M.M. de. Advérbios modalizadores. In: ILARI, Rodolfo (Org.). Gramática do português falado. Campinas: Ed. da Unicamp, 1993. v. II, Níveis de análise lingüística. p. 213-260. CHOMSKY, Noam. Aspects of the theory of syntax. Cambridge: The M.I.T. Press, 1965.

CUNHA, Celso. Gramática do português contemporâneo. Belo Horizonte: Bernardo Álvares, 1970.

DUBOIS, Jean et al. Dicionário de lingüística. Trad. Frederico Pessoa de Barros et al. São Paulo: Cultrix, 1993. ELIA, Sílvio. Cultura e gramática. In: ELIA, Sílvio. Ensaios de filologia e lingüística. Rio de Janeiro: Grifo, 1976. p. 232-249. ELIA, Sílvio. Sobre a natureza do advérbio. IN: BARBADINHO NETO, Raimundo. Miscelânea em honra de Rocha Lima. Rio de Janeiro: Oficinas Gráficas do Colégio Pedro II, 1980. p. 221-264. FÁVERO, Leonor. As concepções lingüísticas no século XVIII; a gramática portuguesa. Campinas: Ed. da Unicamp, 1996. GÂNDAVO, Pêro Magalhães de. Regras que ensinam a maneira de escrever a orthographia da língua Portuguesa, com hum Diálogo que adiante se segue em defensam da mesma língua. Lisboa: Officina de Antonio Gonsalves, 1574.

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GOMES, Alfredo. Grammatica portugueza. Ed.15. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1913. HACKEROTT, Maria Mercedes S. Compêndios tradicionais de gramática portuguesa (séculos XVI, XVII e XVIII) ; uma descrição comparativa. 1989. Dissertação (Mestrado) − Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. HOUAISS, Antônio. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. ILARI, Rodolfo. Sobre os advérbios aspectuais. In: ILARI, Rodolfo (Org.). Gramática do português falado. Campinas: Ed. da Unicamp, 1993. v. II, Níveis de análise lingüística. p. 151-192. ILARI, Rodolfo. Sobre os advérbios focalizadores. In: ILARI, Rodolfo (Org.). Gramática do português falado. Campinas: Ed. da Unicamp, 1993. v. II, Níveis de análise lingüística. p. 193-212. JOTA, Zélio dos Santos. Dicionário de lingüística. Rio de Janeiro: Presença / INL – MEC, 1981. KURY, Adriano da Gama. Lições de análise sintática. 5.ed. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1970. LABOV, William. Sociolinguist patterns. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 1972. LANGACKER, Ronald W. A linguagem e sua estrutura. Tradução Gilda Maria Corrêa de Azevedo. Petrópolis:Vozes, 1972. LEMLE, Miriam. Análise sintática (teoria geral e descrição do português). São Paulo: Ática, 1984. LIÃO, Duarte Nunes do (1576). Orthographia da língua portuguesa. Edição prefaciada e anotada por Maria Leonor Carvalhão Buescu. Lisboa: Clássica, 1975. LOBATO, Monteiro. Emília no país da gramática. São Paulo: Brasiliense, (Sítio do Picapau Amarelo, v.1). LUFT, Celso Pedro. Moderna gramática brasileira. Porto Alegre: Globo, 1979. MACEDO, Walmírio. O advérbio na oração. 1954. Tese (Concurso). Colégio Pedro II. MARINHO, Janice Helena Chaves. O uso do onde no texto acadêmico. Revista de Estudos da Linguagem, Belo Horizonte, v. 8, n.1, p. 159-170, jan./jun. 1999. MARTELOTTA, Mário Eduardo. Estabilidade e mudança lingüística: uma análise de advérbios em português. 1986. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro.

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MARTELOTTA, Mário Eduardo. Os circunstanciadores temporais e sua ordenação: uma visão funcional. 1993. Tese (Doutorado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro. MATTOS E SILVA, Rosa Virgínia. Estruturas trecentistas; elementos para uma gramática do português arcaico. Lisboa: Imprensa Nacional / Casa da Moeda, 1989. MEIER, Harri. Adjetivo e advérbio. In: MEIER, Harri. Ensaios de filologia românica. Rio de Janeiro: Grifo, 1974. MIRA MATEUS, Maria Helena et al. Gramática da língua portuguesa. Coimbra: Almedina, 1983. NEVES, Maria Helena de Moura. Os advérbios circunstanciais de lugar e tempo. In: ILARI, Rodolfo (Org.). Gramática do português falado. Campinas: Ed. da Unicamp, 1993. v. II, Níveis de análise lingüística. p. 213-260 NEVES, Maria Helena de Moura. Gramática de usos do português. São Paulo: Ed. da Unesp, 2000. NEVES, Norma Lúcia Horta. A gramática portuguesa no século XVI. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 1983. (Mim.). PARISI, Laura Antônia Perrella. Aspectos da gramática dos advérbios em –mente no português do Brasil. 1997. Dissertação (Mestrado). Universidade Federal de Brasília. PERINI, Mário A. Para uma nova gramática do português. São Paulo: Ática, 1985. PERINI, Mário A. Sintaxe portuguesa; metodologia e funções. São Paulo: Ática, 1989. PERINI, Mário A. Gramática descritiva do português. São Paulo: Ática, 1995. PERINI, Mário A. Sofrendo a gramática. São Paulo: Ática, 1997. PERINI, Mário A. A língua do Brasil amanhã e outros mistérios. São Paulo: Parábola, 2004. PONTES, Eunice. Espaço e tempo na língua portuguesa. Campinas: Pontes, 1992. POSSENTI, Sírio. Ordem e interpretação de alguns advérbios do português. In: ILARI, Rodolfo (Org.). Gramática do português falado. Campinas: Ed. da Unicamp, 1993. v. II, Níveis de análise lingüística. p. 305-314. ROCHA LIMA. Gramática normativa da língua portuguesa 12 ed. Rio de Janeiro: F. Briguiet & Cia. Editores, 1967. SAID ALI, M. Gramática secundária da língua portuguêsa. 8 ed. São Paulo: Melhoramentos, 1969. SAID ALI, M. (1931). Gramática histórica da língua portuguesa. 7 ed. Rio de Janeiro: Acadêmica, 1971.

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SANDMANN, Antônio J. Morfologia geral. São Paulo: Contexto, 1993. SAPIR, Edward. A linguagem; introdução ao estudo da fala. Tradução J. Mattoso Câmara Jr. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1976. SARAIVA, Maria Elizabeth Fonseca. Movimento de advérbios de modo em português. 1978. Dissertação (Mestrado) − Universidade Federal de Minas Gerais. SARAIVA, Maria Elizabeth Fonseca. Verbos “transitivos adverbiais”: uma mera questão de rótulo? Estudos Românicos, Belo Horizonte, n.2, p. 117-124, 1983. SAUSSURE, Ferdinand de (1916). Curso de lingüística geral. Trad. Antônio Chelini, José Paulo Paes e Izidoro Blikstein. São Paulo: Cultrix, 1970. SAUSSURE, Ferdinand de. Escritos de lingüística geral. Organização e edição de Simon Bouquet e Rudolf Engler. Tradução Carlos Augusto Leuba Salum e Ana Lúcia Franco. São Paulo: Cultrix, 2004. SCHNEIDER, Cristina. Tentativa de classificação dos vocábulos segundo um critério morfológico. Cadernos da PUC / RJ, Rio de Janeiro, n.15, p. 65-94, 1974.

TORRES, Artur de Almeida. Moderna gramática expositiva. 24 ed. Rio de Janeiro: Fundo

de Cultura, 1973.

VILELA, Mário. Gramática da língua portuguesa. Coimbra: Almedina, 1999.