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14 Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola N° 4 – Maio 2001 Ligações químicas Introdução A partir do desenvolvimento da mecânica quântica e da resolução da equação de Schrödinger, compreendeu-se a relação entre as propriedades químicas dos elementos e a sua estrutura eletrônica. Com as evidências experimentais de que os elétrons se comportam como onda e também como partícula, além do fato de que a energia é quantizada, tornou-se possível explorar o mundo microscópico em sua intimidade, de- scobrindo-se a causa das propriedades muitas vezes observada no nosso mun- do macroscópico. Através da estrutura eletrônica de camadas dos átomos explicam-se as propriedades periódicas. A energia e a forma dos orbitais ex- plicam, em última análise, a reação quí- mica, a reatividade química e a forma como novas substâncias são formadas. Na química moderna, fazemos sempre a relação entre as propriedades quími- cas de uma certa substância com a estrutura geométrica e eletrônica de suas moléculas. A ligação química, sendo a intera- ção de dois átomos (ou grupos de áto- mos), está intimamente ligada ao rear- ranjo da estrutura eletrônica, ou melhor, Hélio A. Duarte A natureza da ligação química é revelada a partir da estrutura eletrônica dos átomos, mostrando como esta afeta as propriedades macroscópicas das substâncias. Os três tipos mais comuns de ligações químicas, consideradas fortes e que estão presentes na maioria das moléculas (ligação iônica, ligação covalente e ligação metálica), são discutidas em detalhe. ligação química, ligação covalente, ligação iônica, ligação metálica, TOM, TLV dos elétrons dos átomos dentro de uma nova molécula. O potencial de ionização e a afinidade eletrônica são duas propriedades periódicas que po- dem nos auxiliar a compreendermos a natureza da ligação química. Lembre- mos, inicialmente, que o potencial de ionização é a energia requerida para retirar um elétron do átomo (PI) e a afini- dade eletrônica é a energia liberada quando um átomo recebe um elétron (AE): M M + + 1e PI (1) X + 1 e X AE (2) A Tabela 1 mostra PI e AE para os elementos do segundo período da tabela perió- dica. Observa-se que aquele elemento que se tem maior dificuldade em retirar elétrons, ou que apresenta menor afini- dade eletrônica, é o áto- mo de neônio. Em outras palavras, dentre todos os átomos da segunda linha da tabela periódica, o neônio é o que apresenta menor tendência a rece- ber ou doar elétrons. Ele precisa de 2080 J.mol -1 para que um elétron seja retirado e para receber um elétron, precisaria ainda de 29 J.mol -1 (valor negativo na Tabela). Vemos que outros elementos ten- dem a doar seus elétrons mais facil- mente e outros a receber elétrons libe- rando energia. O processo de receber ou doar elétrons leva à formação de ânions ou cátions, respectivamente. Espera-se, assim, que os dois íons for- mados interajam devido às forças de atração de cargas formando uma ligação química. A natureza da ligação química de- penderá de como acontece o rearranjo dos elétrons na molécula formada. Tabela 1: Afinidade eletrônica e potencial de ionização dos elementos do segundo período (Dados em kJ.mol -1 ). Elementos Afinidade eletrônica* Potencial de ionização Li 60 520 Be -18 900 B 27 800 C 122 1086 N -9 1402 O 141 1314 F 328 1681 Ne -29 2080 * Valor positivo significa que o processo X + e à X - é exotér- mico.

Ligações químicas

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Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola N° 4 – Maio 2001Ligações químicas

Introdução

Apartir do desenvolvimento damecânica quântica e daresolução da equação de

Schrödinger, compreendeu-se a relaçãoentre as propriedades químicas doselementos e a sua estrutura eletrônica.Com as evidências experimentais deque os elétrons se comportam comoonda e também como partícula, alémdo fato de que a energia é quantizada,tornou-se possível explorar o mundomicroscópico em sua intimidade, de-scobrindo-se a causa das propriedadesmuitas vezes observada no nosso mun-do macroscópico. Através da estruturaeletrônica de camadas dos átomosexplicam-se as propriedades periódicas.A energia e a forma dos orbitais ex-plicam, em última análise, a reação quí-mica, a reatividade química e a formacomo novas substâncias são formadas.Na química moderna, fazemos semprea relação entre as propriedades quími-cas de uma certa substância com aestrutura geométrica e eletrônica desuas moléculas.

A ligação química, sendo a intera-ção de dois átomos (ou grupos de áto-mos), está intimamente ligada ao rear-ranjo da estrutura eletrônica, ou melhor,

Hélio A. Duarte

A natureza da ligação química é revelada a partir da estrutura eletrônica dos átomos, mostrando comoesta afeta as propriedades macroscópicas das substâncias. Os três tipos mais comuns de ligações químicas,consideradas fortes e que estão presentes na maioria das moléculas (ligação iônica, ligação covalente eligação metálica), são discutidas em detalhe.

ligação química, ligação covalente, ligação iônica, ligação metálica, TOM, TLV

dos elétrons dos átomos dentro deuma nova molécula. O potencial deionização e a afinidade eletrônica sãoduas propriedades periódicas que po-dem nos auxiliar a compreendermos anatureza da ligação química. Lembre-mos, inicialmente, que o potencial deionização é a energia requerida pararetirar um elétron do átomo (PI) e a afini-dade eletrônica é a energia liberadaquando um átomo recebe um elétron(AE):

M → M+ + 1e– PI (1)

X + 1 e– → X– AE (2)

A Tabela 1 mostra PI e AE para oselementos do segundoperíodo da tabela perió-dica. Observa-se queaquele elemento que setem maior dificuldade emretirar elétrons, ou queapresenta menor afini-dade eletrônica, é o áto-mo de neônio. Em outraspalavras, dentre todos osátomos da segunda linhada tabela periódica, oneônio é o que apresentamenor tendência a rece-ber ou doar elétrons. Ele

precisa de 2080 J.mol-1 para que umelétron seja retirado e para receber umelétron, precisaria ainda de 29 J.mol-1

(valor negativo na Tabela).Vemos que outros elementos ten-

dem a doar seus elétrons mais facil-mente e outros a receber elétrons libe-rando energia. O processo de receberou doar elétrons leva à formação deânions ou cátions, respectivamente.Espera-se, assim, que os dois íons for-mados interajam devido às forças deatração de cargas formando umaligação química.

A natureza da ligação química de-penderá de como acontece o rearranjodos elétrons na molécula formada.

Tabela 1: Afinidade eletrônica e potencial de ionização doselementos do segundo período (Dados em kJ.mol-1).

Elementos Afinidade eletrônica* Potencial de ionização

Li 60 520Be -18 900B 27 800C 122 1086N -9 1402O 141 1314F 328 1681Ne -29 2080

* Valor positivo significa que o processo X + e– à X- é exotér-mico.

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Neste capítulo trataremos de três tiposde ligações química, consideradas for-tes e que estão presentes na maioriadas substâncias: ligação iônica, liga-ção covalente e ligação metálica.

Ligação iônicaNormalmente reação química entre

metais alcalinos (Li, Na, K) e halogê-nios (F, Cl) leva a formação de sais que,se dissolvidos em solução aquosa,conduzem eletricidade. Esta é uma evi-dência de que os sais são formadospor íons. Seria então a energia de coe-são de um sal oriunda de interaçõeseletrostáticas?

Para respondermos a esta questão,precisamos inicialmente compreendero que é energia de rede. Seja o sal decozinha, NaCl, formado a partir docátion Na+ e do ânion Cl–, respectiva-mente:

Na+(g) + Cl– (g) → NaCl(s)

∆Hr = -787 kJ.mol–1 (3)

Observe que a energia de rede é aenergia liberada quando os íons estãona fase gasosa, ou seja, eles estãomuito distantes um do outro de tal for-ma que não haja interação entre eles,para então se aproximarem e formar osólido iônico. Esta energia pode sercalculada a partir de dados de termo-dinâmicos (Barros, 1995) e é devidaunicamente à formação da ligação quí-mica no sólido, uma vez que os rea-gentes estão completamente na suaforma atômica e ionizada. Podemosdescrever a energia de rede a partir daenergia de interação entre duas car-gas:

(4)

onde Z+, Z–, e– e εo são a carga do cá-tion, do ânion, a carga do elétron e apermissividade no vácuo, respectiva-mente. A Eq. (4) descreve a interaçãode apenas duas cargas e não de umsólido que, em princípio, podemosconsiderar com um número infinito deíons. Além disso, temos que imaginarque em um sólido temos uma cargapositiva rodeada por cargas negativas,que por sua vez estão rodeadas porcargas positivas e assim por diante. Lo-go, a energia de rede é a soma da inte-ração de um íon com todos os outros,

seja a interação atrativa ou repulsiva.Imaginemos o sólido iônico unidi-

mensional como mostrado na Figura 1A energia de rede deste sólido hipo-

tético seria dada pela soma de todasas contribuições:

(5)

O fator 2 deve-se ao fato de termossempre duas cargas de mesmo sinale a mesma distância em relação ao íonde referência. Substituindo o termoZ+Z+ por -Z+Z–, podemos escrever aEq. (5) da seguinte forma:

(6)

A constante A é chamada de cons-tante de Madelung. Para este casohipotético o seu valor é exatamenteln(2) = 0,69315. A constante de Ma-delung é um número adimensional queestá relacionada com as característi-cas geométricas do sólido. Para cadaforma de empacotamento do sólidoexiste uma constante de Madelung. Noentanto resta-nos uma dúvida: a Eq.(6) explica a estabilidade do sólido?Para responder esta questão precisa-mos de analisar a Eq. (6). O fator Z+Z–

é sempre negativo, o que implica quea energia de rede será sempre nega-tiva. Termodinamicamente o valor daenergia negativa implica que o sistemalibera energia quando da sua formaçãode acordo com a Eq. (3). Com exceçãode r, todos os outros parâmetros sãoconstantes, logo a energia de rede

como escrita na Eq. (6) é função de -1/r, como mostrada na Figura 2.

Observando apenas a linha ponti-lhada, vamos perceber que quantomais r diminui, ou seja, quanto menora distância entre dois íons, menor é aenergia de rede. Seguindo o raciocínio,o sistema seria tanto mais estávelquanto menor for o valor de r. Ou seja,a separação entre os íons tenderia parazero, levando o sistema ao colapso.Deve haver alguma força de repulsãoentre dois íons de carga oposta quan-do a distância entre os dois íons torna-se muito pequena. Foi Born-Landé quepropôs que a repulsão seria proporcio-nal ao valor de r, de acordo com aequação:

(7)

Onde B é dado por

(8)

n é o expoente de Born e re é a distân-cia de equilíbrio encontrada no sólido.A repulsão mesmo para íons de cargasopostas deve ser entendida como sen-do devida à superposição das distri-buições eletrônicas dos íons quando rse torna muito pequeno. Por isso, oexpoente de Born foi parametrizado emfunção da configuração eletrônica doíon (ver Tabela 2).

Ligações químicas

Figura 1: Cristal iônico linear. r é a distânciaentre dois íons quaisquer.

Figura 2 Variação da energia com a distân-cia entre dois íons de cargas opostas.

Tabela 2. Expoentes de Born em função daconfiguração eletrônica.

Configuração do íon N

He 5

Ne 7

Ar 9

Kr 10

Xe 12

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A Eq. (7) é também mostrada naFigura 2. Desta forma a energia de redeem função de r é dada pela soma dascontribuições devido à atração eletros-tática e à repulsão devido à superpo-sição das distribuições eletrônicas dosdois íons.

(9)

A Eq. (9), que também é represen-tada na Figura 2, descreve a energiade rede do sólido e explica a sua esta-bilidade. Esta curva mostra que não épossível obter energia menor do queaquela quando a distância de equilíbrioé alcançada. Sendo esta energia, parar = re, a energia de rede, ela pode sercalculada pela fórmula

(10)

A Eq. (10) descreve a energia derede de um sólido iônico a partir de ummodelo puramente iônico. A Tabela 3mostra que a Eq. (10) explica cerca de98% da energia de rede de sistemasconsiderados iônicos. E os outros 2%que faltam, se deve a que tipo deinteração? Na natureza os átomos seunem e, em função da eletronegati-vidade que eles apresentam, podematrair os elétrons mais ou menos parasi. Esta capacidade de atrair mais oumenos para si os elétrons está correla-cionada com o seu potencial de ioniza-ção e com a afinidade eletrônica(Huheey, 1983). De acordo com adefinição de Mulliken, a eletronegati-vidade é dada por c = 1/2 (PI + AE).Quando a transferência de elétronspode ser considerada como uma apro-ximação válida face a diferença de

eletronegatividade dos átomos, pode-mos tratar o sistema como sendo umainteração entre íons, ou seja, pura-mente eletrostática. No entanto, hásempre uma interação devida ao fatode que os elétrons sempre têm umapequena probabilidade de ser encon-trados nas vizinhanças do átomo me-nos eletronegativo; é o que chamamosde covalência (que será tratada na pró-xima seção).

Ligação CovalenteFoi visto para o caso da ligação

iônica que a ligação química pode serconsiderada como a interação eletros-tática entre dois íons.No entanto, certa-mente, este não é ocaso das moléculasdiatômicas como O2,N2, F2 e H2. Neste ca-so, os dois átomoscompetem igualmen-te pelos elétrons. Aquímica quânticamostra que a distribui-ção da função de on-da destes elétronsimplica na probabilidade igual de seencontrar o elétron tanto em um átomoquanto no outro. Deste modo, os elé-trons são compartilhados pelos doisátomos. Mas quantos elétrons serãocompartilhados pelos átomos? Obser-vamos que somente os elétrons de va-lência, ou seja, aqueles que estão naúltima camada e, conseqüentemente,com maior energia, estarão disponíveispara serem transferidos (como numaligação iônica) ou compartilhados(como na ligação covalente). Doisátomos iguais se unem para compar-tilhar seus elétrons de valência porquea matéria formada apresenta geral-

mente maior poten-cial de ionização emenor afinidade ele-trônica, ou seja, tor-na-se mais estávelem relação a ten-dência dos elétronsde escaparem dosistema. Em termosda termodinâmica, opotencial de ioniza-ção e a afinidade ele-trônica estão relacio-

nados ao potencial químico e à dure-za do sistema (Duarte, 2001).

A chamada regra do octeto surgedo fato de que quando os átomosdoam, recebem ou compartilham elé-trons de tal forma que passam a apre-sentar configuração eletrônica seme-lhante a dos gases nobres, elestornam-se mais estáveis em relação atendência dos elétrons de escaparemdo sistema, ou seja, o sistema comoum todo torna-se mais estável.

Como podemos compreender a for-mação de ligação química do ponto devista da química quântica? Como ficamos orbitais atômicos? Para respon-

dermos estas ques-tões, precisamos com-preender que um sis-tema de muitos elé-trons, seja um átomoou um arranjo deles(moléculas), é sempredescrito a partir dasolução da equaçãode Schrödinger apre-sentada no artigo deintrodução ao conceitode modelagem mo-

lecular. Esta equação pode ser resol-vida por pelo menos dois métodosbem populares entre os químicos: aTLV (Teoria de Ligação de Valência) oua TOM (Teoria dos Orbitais Molecu-lares).

Todas são evocadas para raciona-lizar a estrutura, reatividade e proprie-dades de sistemas químicos em geral.Os aspectos matemáticos da resolu-ção da equação de Schrödinger estãofora do escopo deste trabalho. Restrin-gir-nos-emos à interpretação das so-luções desta equação e aos aspectosrelevantes para a química.

Teoria dos orbitais moleculares (TOM)Inicialmente, vamos estudar uma

molécula simples: a molécula de H2.Em termos da TOM, resolver a molécu-la de hidrogênio consiste em acharuma função de onda que minimize aenergia total do sistema calculado pelaequação de Schrödinger (Levine,1991),

E = <Ψ Ψ> (11)

onde é um operador matemático(Hamiltoniano do sistema) que inclui a

Ligações químicas

Tabela 3 Comparação entre a energia de rede calculada pelaEq. (10) e o valor experimental*.

Composto iônico Er (kJ/mol) ∆Hrede(298 K)(kJ.mol-1)

CaCl2 -2520,0 -2635,0

NaCl -764,6 -787,0

CsF -730,0 -740,8

CsCl -636,4 -655,0

CsBr -613,0 -629,6*Determinada de acordo com o Ciclo de Born-Haber (Barros,1995).

Dois átomos iguais se unempara compartilhar seus

elétrons de valência porquea matéria formada

apresenta geralmente maiorpotencial de ionização e

menor afinidade eletrônica,ou seja, torna-se maisestável em relação a

tendência dos elétrons deescaparem do sistema

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energia cinética dos elétrons e o poten-cial eletrostático onde os elétrons semovem devido aos núcleos dos doisátomos e a interação eletrostática elé-tron-elétron. Este último tem caráter re-pulsivo uma vez que corresponde ainteração de partículas com cargas demesmo sinal. A função de onda, Ψ, éuma função matemática das coorde-nadas dos dois elétrons que compõema molécula, ou seja,

Ψ = Ψ(x1, y1, z1, s1, x2, y2, z2, s2) (12)

as variáveis xi, yi e zi correspondem àposição do elétron no espaço cartesia-no e s1 e s2 correspondem as coorde-nadas de spin. A função de onda temas mesmas propriedades que os orbi-tais atômicos. Torna-se necessárioobservar que a função de onda por sinão tem necessariamente significadofísico. Deve ser considerada um ‘arti-fício’ matemático. Na verdade, qual-quer rotação desta função também éuma solução da equação de Schrödin-ger; em outras palavras, há infinitassoluções que minimizam a energia damolécula de hidrogênio. Porém estafunção contém toda a informaçãonecessária para seobter as propriedadesobserváveis da molé-cula, como por exem-plo momento de di-polo, energia cinética,potencial de ionizaçãoetc. O quadrado dafunção de onda, Ψ2,consiste na probabi-lidade de se encontrar os elétrons noespaço. Observe que para qualquerrotação que se faça em Ψ, o seuquadrado será sempre o mesmo. Ouseja a probabilidade de se encontrar oelétron (Ψ2) é invariante com relação arotação da função de onda no espaço2.

Para facilitar (e tornar factível) ocálculo de orbitais moleculares, des-crevemos a função de onda, Ψ, comoum produto de funções de um elétron,χ i, conhecido como produto deHartree. Posteriormente, reconheceu-se a necessidade de garantir o princí-pio de exclusão de Pauli. Em termosda física moderna, dizemos que afunção de onda tem que ser antissimé-trica com relação à troca das coorde-nadas de dois elétrons. Este requisito

é garantido usando-se ao invés de umproduto simples o determinante deSlater.

(13)

No caso da molécula de hidrogê-nio, o princípio da antissimetria é ga-rantido se lembrarmos que cada orbitalmolecular pode ser ocupado com nomáximo dois elétrons com spins opos-tos. Colocando explicitamente a funçãode spin (α ou β), a função de um elétronpode ser assim rescrita

χ1(1) = φ(1)α(1) (14a)

χ2(2) = φ(2)β(2) (14b)

temos então que a função de ondacompleta pode ser escrita da seguinteforma:

(15)

A Eq. (15) mostra que a função deonda é composta por uma parteespacial e outra de spin. A parte de

spin é antissimétricacom relação a trocada coordenadas, logoa parte espacial φ(1)= φ(x1, y1, z1), pode edeve ser simétrica.Resta-nos agora aseguinte questão: co-mo podemos descre-ver os orbitais mole-

culares φ? O método comum é a com-binação linear de orbitais atômicos(CLOA), ou seja, para o exemplo damolécula de H2,

φ(1) = c11sA + c21sB (16)

onde o subscritos A e B se referem aosdois átomos de hidrogênio, 1s é o res-pectivo orbital e os coeficientes c1 e c2devem ser determinados de modo aminimizar a energia, ou seja, permitir amelhor combinação entre os orbitaisatômicos.

Na prática procuramos os coefici-entes c1 e c2 que minimizem a energiadada pela Eq. (11). O princípio variacio-nal garante que a energia eletrônicacalculada pela Eq. (11) nunca serámais baixa que o valor exato, ou seja,

Eo ≤ E = <Ψ Ψ> (17)

onde Eo é a energia exata do sistema.Para o exemplo acima, o resultado

desta minimização nos leva aos se-guintes valores para os coeficientes:c1 = c2 = 1 ou c1 = 1 e c2 = -1. A Figura3 mostra esquematicamente o queocorre: o orbital 1s dos átomos de hi-drogênio A e B se combinam para for-mar dois orbitais moleculares, um maisestável, chamado de ligante, e umoutro, menos estável, chamado antili-gante.

Observa-se que os orbitais molecu-lares de mais baixa energia sãoocupados primeiramente. Inspecionan-do a Figura 3, podemos afirmar que aenergia dos orbitais atômicos é maisalta do que a dos orbitais molecularesocupados. Temos assim outra forma deexplicar a formação da ligaçãoquímica.

Vejamos o exemplo da moléculahipotética He2. Neste caso cada orbitalatômico contribuiria com dois elétronse conseqüentemente com a formaçãoda molécula; os orbitais molecularesligante e antiligante estariam ocupa-dos. A estabilização devido à formaçãodo orbital ligante seria completamenteperdida com a ocupação do orbitalantiligante que desestabiliza o sistema.Por isso a molécula de He2 não éformada.

Na Figura 4, o valor de Ψ2 é dese-nhado ao longo do eixo entre os doisátomos. Observa-se que o orbital mo-lecular ligante apresenta probabilidade

Ligações químicas

Figura 3: Diagrama da formação de orbitaismoleculares da molécula de H2. Observe aocupação dos orbitais pelos elétrons. Os orbi-tais moleculares de mais baixa energia sãoocupados primeiramente desde que o prin-cípio de exclusão de Pauli seja satisfeito.

Podemos afirmar que aenergia dos orbitais

atômicos é mais alta doque a dos orbitais molecu-

lares ocupados. Temosassim outra forma de

explicar a formação daligação química

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igual de se encontrar os dois elétronspróximos aos dois núcleos e tambémuma alta probabilidade de se encontraros dois elétrons entre eles, contribuin-do assim para a formação da ligaçãoquímica. Dizemos que houve a forma-ção de uma ligação química covalente,onde dois elétrons são igualmentecompartilhados (c1 = c2). O orbitalantiligante, por sua vez, não apresentaprobabilidade de se encontrar oselétrons entre os dois átomos, masapenas próximo aos núcleos (c1 = -c2);por isso é chamado de antiligante.

A Figura 4 nos mostra claramenteo que a estrutura de Lewis nos mostraesquematicamente. A molécula de H2compartilha seus dois elétrons igual-mente como mostrado no Esquema 1.

A TOM é largamente usada qualita-tivamente para racionalizar a reaçãoquímica seja na química orgânica, inor-gânica, bioquímica etc. Atualmente,cálculos precisos são possíveis deserem feitos devido ao grande desen-volvimento dos computadores e demetodologias dos cálculos teóricos. Agrande vantagem da TOM é que ne-nhum conhecimento prévio da molé-cula é necessário, apenas as quatroconstantes básicas da física, a saber:velocidade da luz (c), constante dePlanck (h), carga do elétron (e) e o nú-mero atômico (Z) são necessárias.Ligações químicas serão ou não for-madas dependendo do sistema cal-culado. Por isso, estes cálculos são

chamados de ab initio ou de primeirosprincípios. Infelizmente estes cálculosnão são possíveis para moléculas ouagregados com mais que algumas de-zenas de átomos pertencentes à se-gunda linha da tabela periódica devidoao esforço computa-cional. Aproximaçõessão possíveis de se-rem feitas para dimi-nuir o custo compu-tacional e permitir ocálculos de sistemasainda maiores; este éo caso dos métodossemiempíricos. sãochamados assim por-que em seu formalis-mo alguns parâmetrossão estimados a partir de dados expe-rimentais de uma série de moléculasconhecidas. Por fim, a mecânica mo-lecular surge como uma possibilidadepara tratar sistemas muito grandes.Neste método, a ligação química érepresentada por molas com a cons-tante de Hooke parametrizada parareproduzir a ligação no equilíbrio, ouseja, é uma abordagem clássica da li-gação química. Embora a utilidadedeste método seja evidente paraestudar propriedades geométricas econformações de moléculas grandescomo aquelas encontradas em siste-mas biológicos, a estrutura eletrônicanão pode ser descrita com tais méto-dos.

Teoria de ligação de valência (TLV)Esta teoria é geralmente usada para

racionalizar a ligação química em com-postos orgânicos por tratar-se de umateoria que é facilmente aplicada, pelomenos em termos qualitativos. Sabe-mos que os elétrons de valência estãodisponíveis para a formação de ligação

química, por dois motivos básicos:1. Os elétrons de valência estão

desemparelhados ou podem se de-semparelhar com um custo energéticorelativamente baixo. Lembremos queas energias dos orbitais atômicos sãoinversamente proporcionais ao númeroquântico principal (~1/n2), logo para ascamadas mais externas esta diferençatende a diminuir. Além disso, as sub-camadas, ou seja, os orbitais de dife-rentes números quânticos secundários(l) são degenerados (mesma energia)para o átomo de hidrogênio e muitopróximas em energia para os átomosmultieletrônicos (como foi visto no ar-tigo de modelos teóricos para a com-preensão da estrutura da matéria).

Logo a energia paradesemparelhar ou ex-citar os elétrons érelativamente baixa.

2. Na formação deuma ligação químicaos orbitais devem sesuperpor. Os orbitaisde valência são maisdifusos, isto é, têm umraio médio maior, per-mitindo que a super-posição entre eles

seja mais eficiente.Embora, do ponto de vista quali-

tativo, esta forma de racionalizar aligação química esteja correta, sabe-mos que os elétrons mais internos par-ticipam indiretamente da formação daligação, polarizando os orbitais devalência na direção da ligação. A nossaproposta aqui é discutir alguns con-ceitos básicos que surgem a partir daTLV e não de cálculos intensos e com-plicados relacionados à química teó-rica, por isso nos deteremos na análisequalitativa da ligação química pela TLV.

A formação de uma ligação quími-ca, de acordo com a TLV, ocorre quan-do dois orbitais, cada um com apenasum elétron, se superpõem construtiva-mente. Esta premissa mostra desde jáum ponto fraco da TLV: ela super enfa-tiza o caráter covalente da ligação quí-mica (McQuarrie, 1983). O mesmo nãoocorre com a TOM, cujos coeficientesmoleculares são balanceados deforma a levar em conta o caráter iônicode uma ligação. Este caráter iônico es-tá sempre presente quando se trata de

Ligações químicas

Figura 4: Função de probabilidade, Ψ2± da molécula de H2. Os subscritos + e - são relativos

aos orbitais moleculares ligante e antiligante, respectivamente.

Esquema 1: Formação da molécula de H2de acordo com a estrutura de Lewis.

A formação de uma ligaçãoquímica, de acordo com aTLV, ocorre quando dois

orbitais, cada um comapenas um elétron, se

superpõem construtiva-mente. Esta premissa

mostra desde já um pontofraco da TLV: ela super

enfatiza o caráter covalenteda ligação química

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uma ligação entre átomos de diferenteseletronegatividades.

Analisemos novamente a formaçãoda molécula de H2. Cada átomo de hi-drogênio apresenta o orbital 1s ocu-pado com um elétron. Quando os doisátomos estão suficientemente próxi-mos para que haja superposição dosdois orbitais, ocorre a formação da liga-ção química. O Esquema 1 ilustra bemesta idéia.

Vejamos um caso mais interessan-te: o hidreto de berílio, BeH2. Como aligação química é formada? A configu-ração eletrônica do berílio é 1s22s2,estando todos os seus elétrons empa-relhados. Alguém poderia desaten-ciosamente pensar que este átomonão forma ligações químicas. Sabe-mos que trata-se de um metal alcalinoterroso muito reativo. Afinal, como aTLV racionaliza a formação do BeH2 seele não apresenta orbitais com apenasum elétron para formar a ligação quími-ca? Nosso conhecimento da estruturaeletrônica do Be nos permite dizer quea camada de valência (número quân-tico principal 2) apresenta outros trêsorbitais vazios, a saber: 2px, 2py e 2pz.Um elétron do orbital 2s pode ser facil-mente excitado para um dos orbitais2p. Observe que a energia liberadacom a formação da ligação química émuito maior do que a energia gasta

para a excitação deste elétron para oorbital 2p. O processo de formação daligação total continua sendo favore-cido.

No entanto, o fato de termos doisorbitais com um único elétron não ex-plica ainda a formação da ligaçãoquímica. Observe na Figura 5 o dese-nho (a); ele mostra a formação de umamolécula linear. Porém dificilmente aligação química ocorreria, pois um dosátomos de hidrogênio teria uma super-posição destrutiva com relação ao or-bital 2p, isto é, sinais opostos. Na Fi-gura 5b, a superposição ocorre, maspor questões de repulsão eletrostática,uma ligação química com um ângulode 90 graus nesta situação não seriafavorecida.

Como foi discutido na teoria dosorbitais moleculares, os orbitais nãotêm necessariamente significado físicoe qualquer rotação destes orbitais noespaço consiste em solução da equa-ção de Schrödinger. Em outras pala-vras, isto significa que dois orbitaisquaisquer podem sempre ser mistura-

dos para formar dois outros orbitais. Aestes dois novos orbitais chamamosde orbitais híbridos. A Figura 6 mostracomo o orbital 2s e o orbital 2px se mis-turam para formar dois orbitais híbridossp.

Cada orbital híbrido sp tem um elé-tron e está pronto para se superpor aoorbital 1s do hidrogênio e formar aligação Be-H. Logo a ligação químicana molécula de BeH2 é esquemati-camente mostrada na Figura 7.

Podemos então dizer que na forma-ção da ligação química os orbitaisatômicos são primeiramente prepara-dos ou ajustados para melhor atenderos requisitos de superposição dos orbi-tais. A Figura 8 mostra esquemati-camente cada uma das etapas deformação da ligação química.

Em outros compostos onde se for-mam mais de duas ligações químicas,os orbitais híbridos são formados a par-tir de um número maior de orbitais atô-micos. Como estes orbitais híbridos

Ligações químicas

Figura 5: Possível forma de formar ligaçãoquímica a partir dos orbitais 2s e 2px do Bee de 1s dos átomos de hidrogênio.

Figura 6: Formação dos orbitais híbridossp.

Figura 7: Ligação química do BeH2 deacordo com a TLV.

Figura 8: Perfil energético da formação da ligação química no composto BeH2 de acordocom a TLV.

Figura 9: Formação de orbitais híbridos sp2

a partir dos orbitais s, px e py.

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equivalem a uma rotação dos orbitaisatômicos canônicos, sempre um certonúmero de orbitais atômicos gerará umnúmero igual de orbitais híbridos. Paraa molécula de BF3, o átomo de borotem configuração eletrônica de valên-cia 2s22p1. Para que haja três ligaçõesquímicas com o boro, este tem que ter3 orbitais disponíveis para formar a liga-ção química, ou seja, contendo ape-nas 1 elétron cada. Ocorre um pro-cesso semelhante ao do BeH2, ondeum elétron do orbital 2s é promovido aum orbital 2p vazio. Os três orbitaiscontendo um elétron (2s, 2px, 2py) semisturam para formar três outros or-bitais híbridos chamados de sp2. Estestrês orbitais estão no plano (plano xyse usarmos os orbitais 2px e 2py) efazem um ângulo entre si de 120 graus.Por isso o BF3 tem geometria triangu-lar plana, pois os átomos de flúor vãose orientar ao longo destes eixos parafazer uma melhor superposição de seuorbital 2p com um elétron e o orbitalhíbrido sp2 (a Figura 9 ilustra a forma-ção do orbital sp2).

Vejamos agora as moléculas isoele-trônicas CH4, NH3 e H2O; todas apre-sentam 10 elétrons, sendo que o áto-mo central tem ocupado parcialmenteos orbitais 2p. No caso do CH4, o car-bono precisa de 4 orbitais com um elé-tron em cada para se ligarem aosorbitais 1s do hidrogênio. O carbonono estado fundamental tem configu-ração eletrônica 2s22p2. Promovendoum elétron do orbital 2s para o orbital2p, podemos gerar os orbitais híbridossp3. São 4 orbitais atômicos gerando4 orbitais híbridos, cada um voltadopara a direção dos vértices de umtetraedro, formando assim a moléculade metano. Em termos de diagramasimplificado podemos escrever comomostrado na Figura 10. Sabemos queem um tetraedro o ângulo entre as liga-ções é de exatamente 109,5 graus. Nocaso de NH3, um dos orbitais híbridos

está duplamente ocupado, por isso elenão se liga. Apenas três orbitais híbri-dos estão disponíveis para se super-porem ao orbital 1s do hidrogênio.Embora os orbitais híbridos se dispo-nham no espaço na forma de um tetrae-dro, a molécula de NH3 é uma piramidetrigonal como mostrada na Figura 12. Opar de elétrons está disposto na direçãode um dos vértices do tetraedro. A molé-cula de H2O segue o mesmo raciocínio,ou seja, dois de seus orbitais híbridosestão duplamente ocupados, logo ape-nas dois orbitais sp3 estão disponíveispara interagir com os átomos dehidrogênio (veja Figura 10). A molécula,por isso, é angular. O ângulo entre asligações H-O-H é por volta de 104,5graus. Esta distorção em relação aotetraedro perfeito deve-se ao fato de queos dois pares de elétrons não-ligantesocupam um espaço maior do que seestivessem sendo compartilhados pordois átomos. Este fato leva a uma re-

pulsão maior entre os pares não-ligantese os pares compartilhados na ligaçãoO-H, forçando a diminuição do ângulode ligação.

Naqueles átomos, cuja camada devalência apresenta orbitais d vazios,pode ocorrer a expansão do octeto eacomodar ao seu redor mais átomosque alguém poderia esperar em se tra-tando da regra do octeto. A partir daterceira linha da tabela periódica os ele-mentos podem sofrer a expansão doocteto, ou seja, elétrons são excitadospara os orbitais d, e estes juntamente

Ligações químicas

Figura 10: Formação dos orbitais híbridossp3 nos átomos de C, N e O.

Figura 11: Formação dos orbitais híbridossp3d e sp3d2 nos átomos de fósforo eenxofre, respectivamente.

Figura 12. Exemplo de possíveis geometrias de algumas moléculas.

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com os orbitais s e p formam orbitaishíbridos. Isto sempre ocorre em mo-léculas cujos átomos possuem mais de4 ligações químicas. O PCl5 é um bomexemplo deste fato. O fósforo apresen-ta valência 3s23p3,apresentando apenastrês elétrons desem-parelhados. Como oorbital 3d está vazio,este pode receber elé-trons para desempa-relhar 5 elétronspreparando orbitaispara fazer ligaçãocom os 5 átomos decloro. Então temos o esquema daFigura 11.

Deste modo o PCl5 tem geometriabipiramide trigonal, como mostrada naFigura 12. O átomo de nitrogênio estána mesma coluna do fósforo na tabelaperiódica e, conseqüentemente, tem amesma configuração eletrônica de va-lência. No entanto, a molécula NCl5 nãoexiste, pois o átomo de nitrogênio nãosofre expansão do octeto pelo fato denão possuir orbitais d em sua camadade valência.

Uma outra molécula interessante éo SF6, cujo átomo central sofre expan-são do octeto e forma orbitais híbridossp3d2, levando a uma geometria octaé-drica. (Figura 12). Observe que molé-culas como o ICl5 e SF4 possuem parde elétrons não-ligantes que estarãoocupando um dos orbitais híbridos.Porém, diferentemente do que foi vistopara o caso das moléculas NH3 e H2O,dependendo de qual orbital híbrido forocupado pelo par não-ligante (PNL),temos uma estrutura molecular diferen-te. Neste caso, uma avaliação dainteração eletrostática entre par de elé-trons não-ligante e par de elétrons li-gante deve ser realizada para verificarqual estrutura é mais estável. A estru-tura que possuir o menor número deinterações par não-ligante - par não-ligante com ângulo de 90 graus é omais estável, pois os pares não-ligantesão mais volumosos, e por isso arepulsão eletrostática é maior. Emseguida, o que tiver menor número deinterações a 90 graus do tipo par não-ligante - par ligante (PL) é a mais es-tável. De um modo geral temos que asinterações entre pares de elétrons

seguem a seqüência: PNL-PNL > PNL-PL > PL-PL.

Em cálculos teóricos todas estasinterações são automaticamente leva-das em conta. A geometria mais está-

vel é sempre aquelacuja função de onda,seja ela TLV ou TOM,gera a menor energiatotal da molécula.Observa-se que a TLVgera naturalmente aestrutura de Lewis pa-ra as moléculas devi-do ao fato de se ba-sear no compartilha-

mento de elétrons. A sua maior de-ficiência está no fato de não levar emconta o caráter iônico em uma ligaçãocovalente. Mesmo assim, há sériasdificuldades em se tratar moléculasque apresentam elétrons desempa-relhados em seu estado fundamental,como, por exemplo, a molécula de O2.Esta molécula apresenta dois elétronsdesemparelhados. A TOM prevê aformação desta molécula com doisorbitais π degenerados. Estes orbitaisπ são formados a partir da interaçãoentre dois orbitais 2p dos átomos deoxigênio. Os orbitais π são ocupadospor apenas dois elétrons, que deacordo com a regra de Hund, vão estardesemparelhados.

Ligação metálicaOs metais são materiais formados

por apenas um elemento e apresentamuma estrutura geométrica bem defi-nida. Desde a descoberta do elétronpor Thompson em 1897, foram váriasas tentativas de des-crever a estrutura ele-trônica dos metais.Uma das primeirastentativas foi feita porDrude, em 1900. Emsua teoria, um metalera tratado como umgás uniforme de elé-trons. Drude aplicoua teoria cinética dosgases e obteve al-guns resultados ra-zoáveis para a épocaem relação à condu-ção térmica e elétricado metal (Ashcroft &

Mermen, 1976). Esta idéia de se utilizarum modelo tão simples está relacio-nada ao fato de que se acreditava quea boa condução elétrica dos metais eradevido aos elétrons estarem livres. Estemodelo foi logo refutado por não levarem conta as interações elétron-elétrone nem o potencial eletrostático devidoaos núcleos atômicos.

O fato do metal ser constituído deapenas um elemento leva-nos a pensarque a ligação metálica apresenta ca-ráter essencialmente covalente. Emprincípio podemos imaginar uma mo-lécula constituída de alguns elementosmetálicos onde outros elementos dometal vão sendo adicionados para for-mar o metal. Neste caso, o que aconte-ceria com os orbitais moleculares? Co-mo seriam os orbitais moleculares nolimite da formação do metal? Para re-sponder a estas duas questões temosque invocar a teoria dos orbitais mole-culares e lembrar que dois orbitais atô-micos vão sempre formar dois orbitaismoleculares: um ligante e outro antili-gante. Como no metal temos todos osorbitais atômicos com a mesma ener-

Ligações químicas

A geometria mais estável ésempre aquela cuja função

de onda gera a menorenergia total da molécula.Observa-se que a TLV geranaturalmente a estrutura

de Lewis para as moléculasdevido ao fato de se

basear nocompartilhamento de

elétrons

Figura 13: O esquema mostra como o aumento do número deorbitais atômicos participando da ligação química explica a liga-ção metálica e a densidade de estados.

A estrutura que possuir omenor número de intera-ções par não-ligante - parnão-ligante com ângulo de90 graus é o mais estável,pois os pares não-ligantesão mais volumosos, e por

isso a repulsão eletrostáticaé maior

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gia e forma, então, por exemplo, emum agregado de 4 átomos teremos 4orbitais dxy, cada um com um elétron,formando 4 orbitais moleculares, todosdeslocalizados sobre os quatro áto-mos, haja visto que eles têm a mesmasimetria (forma) e a mesma energia.Em um pedaço de metal que contenha1 mol de átomos, em relação aos orbi-tais d, que corres-pondem aos orbitaisde valência dos me-tais de transição, oequivalente a 5 x 6,02x 1023 orbitais atômi-cos estariam en-volvidos na formaçãoda ligação metálica.Um número equiva-lente de orbitais mo-leculares seria, con-seqüentemente, for-mado. Acontece que para um númerotão grande de orbitais com energiamuito próxima torna-se difícil distinguircada orbital molecular. Passamos,então, a falar em banda, como se hou-vesse um contínuo de estados eletrô-nicos (orbitais moleculares) possíveispara os elétrons e, no limite, realmenteo é. A Figura 13 mostra como odiagrama de orbitais moleculares ficana formação da ligação metálica.

Em metais alcalinos a banda maisalta em energia é chamada de bandas, devido ao fato de que esta banda éconstituída basicamente dos elétronss da camada de valência dos átomosalcalinos. Pelo fato de que estes metaistem um potencial de ionização relati-vamente baixo em relação aos outroselementos da tabela periódica, os elé-trons nesta banda estão deslocali-zados, permitindo assim a sua fácilcondução. Falamos em banda d, quecorresponde àquela faixa de energiaonde se encontram os estados devidosàs interações dos orbitais d. Falamostambém de densidade de estados co-mo sendo o número de estados emuma estreita faixa de energia. Em me-tais como o alumínio e o sódio, os esta-dos são tão deslocalizados que no limi-te dos estados ocupados ele segue aaproximação de um gás uniforme deelétrons, ou seja, a densidade de esta-dos é proporcional a ε1/2, onde ε é aenergia do estado eletrônico. O estado

Ligações químicas

de mais alta energia ocupado é chama-do, no jargão da física do estadosólido, de energia de Fermi e é tomadacomo referência fazendo-a igual a zero.A energia de Fermi está relacionada àfunção de trabalho do metal, que poranalogia podemos dizer que é opotencial de ionização do metal.Valores negativos da energia se refe-

rem aos estados ocu-pados e os positivosaos estados não ocu-pados. À diferença en-tre a banda de valên-cia, próximo ao nível deFermi, e a banda dosestados não ocupa-dos, chamamos de la-cuna de energia (en-ergy gap) e está rela-cionada a importantespropriedades dos me-

tais, como por exemplo a conduti-vidade. Dependendo desta lacuna deenergia, o metal é considerado con-dutor, semicondutor ou isolante.Quando, ao nível de Fermi, ocorre umagrande densidade de estados, se-guindo a regra de Hund, os elétronstendem a ficar desemparelhados, e asuperfície metálica passa a apresentarparamagnetismo. O paládio é um casointeressante, pois ele não apresentaparamagnetismo em seu estado fun-damental, mas devidoao fato de se ter gran-de densidade de esta-dos próximo ao nívelde Fermi, a suscep-tibilidade magnéticado paládio é muitogrande. Basta dizerque um simples defei-to da estrutura crista-lina do Pd, ou impu-rezas, é suficientepara tornar o metalparamagnético, ouseja, desemparelharos elétrons.

Na física do estado sólido, váriosmétodos são usados para tratar siste-mas metálicos. Alguns deles partem domodelo de que os elétrons estão livrese se movimentam em um potencial da-do pelos núcleos dos átomos metáli-cos. Dada a grande dimensão do siste-ma, o método do Funcional de Densi-

dade é normalmente usado, ou a suaaproximação chamada de método Xα.Nestes métodos a variável básica é adensidade eletrônica ao invés da funçãode onda, que é muito mais complexa,pois leva em conta explicitamente ascoordenadas espaciais e de spin paracada elétron do sistema. Este métodobaseia-se no princípio de que a energiatotal de um sistema é um funcional dadensidade eletrônica3 . No entanto, ofuncional exato da energia não é aindaconhecido, e aproximações são usadas.Esta é uma área que tem sido intensa-mente estudada pelos físicos e químicosteóricos na tentativa de obter funcionaiscada vez mais exatos.

Ligação químicaNesta seção refletimos um pouco so-

bre o que é ligação química no sentidomais amplo da palavra. De um modogeral uma molécula deve ser definidacomo sendo um ente capaz de sercaracterizado por métodos experimen-tais tais como espectroscopia, difraçãode raio-X, análise química via úmida ouseca tradicional. Toda interação entredois átomos, agregados de átomos oumoléculas que leva a um estado de equi-líbrio, e conseqüentemente estável emrelação ao tempo relativamente longotambém deve ser considerada comouma ligação química. Em outras pala-

vras, ligação químicaleva sempre a um abai-xamento da energia dosistema, estabilizando-o4. Esta interação podeser mais fraca ou maisforte dependendo dasforças envolvidas.Quando dois átomosde hidrogênio e um deoxigênio interagem en-tre si para formar amolécula de água emfase gasosa, ou seja,que pode ser consi-

derada isolada, dizemos que houve aformação da ligação covalente H-O-H.Porém, duas destas moléculas podemse encontrar para formar um agregadoligado por interações devido a ligaçõesde hidrogênio e eletrostáticas, devidoaos dipolos da molécula H2O. Esteagregado também é uma molécula.Porém, como as forças envolvidas são

Densidade de estados é onúmero de estados emuma estreita faixa de

energia. Em metais como oalumínio e o sódio, os

estados são tãodeslocalizados que no

limite dos estadosocupados ele segue a

aproximação de um gásuniforme de elétrons

O estado de mais altaenergia ocupado é

chamado, no jargão dafísica do estado sólido, de

energia de Fermi e étomada como referênciafazendo-a igual a zero. A

energia de Fermi estárelacionada à função de

trabalho do metal, que poranalogia podemos dizer

que é o potencial deionização do metal

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Leitura recomendadaASHCROFT, N.W.; MERMIN, N.D.

Solid state physics Nova Iorque: Saun-ders College Publishing, 1976.

BARROS, H.L.C. Química inorgânica,uma introdução. Belo Horizonte: SE-GRAC, 1995.

DUARTE, H.A. Química Nova, 2001,no prelo.

HUHEEY, J.E. Inorganic Chemistry ,Nova Iorque: HarperCollins Publishers,1983.

LEVINE, I.N. Quantum ChemistryEnglewood Cliffs: Prentice Hall, 1991.

MCQUARRIE, D.A. Quantum Chemis-try Mill Valley: University Science Books,1983.

Ligações químicas

bem mais fracas que a ligação covalen-te, elas podem se dissociar mais facil-mente nas duas moléculas de água.Quando olhamos para o meio conden-sado com uma ‘lupa’ (in loco), porexemplo o líquido água, será muito difícildistinguir as moléculas de H2O. Asinterações de dipolo-dipolo e ligaçõesde hidrogênio irão ofuscar a nossa idéiado que é água líquida. Esta dificuldadedeve-se ao fato de que a nossa per-cepção do mundo é estática, e aquímica, como de um modo geral anatureza, é antes de mais nada dinâ-mica. Mesmo em sistemas em equilíbrio,dizemos que ocorre equilíbrio dinâmico,ou seja, ao nível microscópico hásempre mudanças ocorrendo, porémem nosso mundo macroscópico perce-bemos apenas uma média de todosesses processos. Felizmente, muito dosprocessos que estudamos na químicapodem ser facilmente desacoplados deoutros processos considerados dinâmi-cos. A ligação químicada qual tratamos aquienvolve uma energia deligação grande, o queimpede que as liga-ções sejam modifica-das em uma escala detempo curta. Logo anossa aproximação daformação de uma liga-ção estática é, para to-dos os propósitos,plausível. Não deve-mos esquecer, porém,que no líquido purotemos 10-7 mol/L de H+ e OH- que estãosendo formados e consumidos conti-nuamente, ou seja, há quebra da liga-ção H-O-H em quantidades pequenas,mas existentes. Se olharmos para aágua na nossa temperatura ambiente,observaremos que as ligações mais fra-cas, tais como ligações de hidrogênio,estão sendo rompidas e formadascontinuamente em relação a nossaescala de tempo: há uma agitação tér-mica. Por isso, dizemos que o líquidoágua é formado essencialmente demoléculas H2O, pois elas são entidadesque podemos distinguir. Quando abaixa-mos a temperatura ao ponto de congela-mento da água, então as interaçõesmais fracas passam a ser importantes eo líquido se cristaliza de forma a

maximizar a formação de ligações dehidrogênio. Resta então a questão: ocubo de gelo formado é uma moléculaou um composto de várias moléculasde H2O ligadas por ligações fracas?Tudo vai depender da definição quefazemos de molécula.

As ligações químicas iônica, cova-lente e metálica são as mais fortes queexistem e normalmente definem a forma-ção de moléculas.

Na catálise, que tem grande interes-se tecnológico, procuramos sempreuma forma de quebrar ligações cova-lentes ou iônicas com um custo ener-gético menor, ou seja, diminuindo ocusto de produção. As refinarias depetróleo utilizam maciçamente cataliza-dores a base de zeólitas para fazer ocraqueamento do óleo cru. O petróleoé normalmente constituído de alcanosde cadeias longas e os catalizadoreslevam à quebra destas cadeias, que de-pois são separadas por destilação em

frações que consistemna gasolina, diesel,óleo combustível eoutros. Muitos catali-sadores são baseadosnos metais nobres co-mo Pd, Rh e Ru. Oprocesso catalíticoconsiste, na maior par-te das vezes, no fatode que quando umcomposto interage co-m o metal, este doaelétrons populando osorbitais antiligantes,

facilitando assim a quebra de suasligações químicas. Esta é uma área deintensa pesquisa na área de química ex-perimental e crescente na área dequímica teórica. Afinal pouco se sabeainda do mecanismo e da naturezadestas reações a nível molecular.

Uma outra área a ser relacionada sãoas reações fotoinduzidas. Basicamente,consiste no fato de que quando umelétron recebe um fóton com energiabem definida, este é excitado paraorbitais antiligantes enfraquecendoassim a ligação química, levando atémesmo à sua ruptura.

Embora as ligações covalentes se-jam as mais fortes, também deve serdada atenção para as interações maisfracas (discutidas no artigo de interações

Quando olhamos para omeio condensado com uma

‘lupa’ (in loco), porexemplo o líquido água,

será muito difícil distinguiras moléculas de H2O. Esta

dificuldade deve-se ao fatode que a nossa percepçãodo mundo é estática, e a

química, como de ummodo geral a natureza, é

antes de mais nadadinâmica

moleculares), pois elas apresentamflexibilidade suficiente para que proces-sos importantes sejam realizados. Aestrutura na forma de hélice das proteí-nas, que em última análise garante aformação da vida, é sustentada porligações de hidrogênio. O alto pontode fusão da água e o seu papel nocontrole da temperatura na Terra é devi-do em grande parte a estas interaçõesfracas. Enfim, cabe a nós químicosanalisar cada propriedade, cada siste-ma e cada processo, com a devidacautela, com as ferramentas corretas,sem esquecer do todo, ou seja, de quetudo é química.

Hélio A. Duarte ([email protected]), doutorem química teórica, é professor no Departamento deQuímica da Universidade Federal de Minas Gerais.

Notas1. Em relação a este ítem, Pearson,

em 1987, sugeriu o princípio da durezamáxima (η), que é aproximado pelaequação η = I - A. Os conceitos depotencial químico e dureza são apre-sentados em detalhe no artigo de re-visão de DUARTE, H.A. Química Nova,2001, no prelo (sobre Pearson, ver Ref.37)

2. Matematicamente dizemos queo valor esperado da energia total dosistema é invariante com relação atransformações unitárias da função deonda.

3. Quando F = F(g) e g = g(x),dizemos que F é um funcional de g.

4. Em outras palavras, dizemos quehá um mínimo na superfície de energiapotencial.