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LILLIAN AUGUSTE BRUNS CARNEIRO DA UNIVERSIDADE COMO AUDITÓRIO E DO PROFESSOR COMO ORADOR: uma análise omnilética dos argumentos de valorização/desvalorização da carreira docente. Rio de Janeiro 2017

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LILLIAN AUGUSTE BRUNS CARNEIRO

DA UNIVERSIDADE COMO AUDITÓRIO E DO PROFESSOR COMO ORADOR:

uma análise omnilética dos argumentos de valorização/desvalorização da carreira docente.

Rio de Janeiro

2017

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Lillian Auguste Bruns Carneiro

DA UNIVERSIDADE COMO AUDITÓRIO E DO PROFESSOR COMO ORADOR:

uma análise omnilética dos argumentos de valorização/desvalorização da carreira docente.

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Educação, Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Educação.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Mônica Pereira dos Santos

Rio de Janeiro

2017

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Para meu marido, amor e companheiro,

José Carlos de Oliveira.

You must remember this

A kiss is still a kiss

A sigh is just a sigh

The fundamental things apply

As time goes by

As Time Goes By (HUPFELD, H., 1931)

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AGRADECIMENTOS

Deixo aqui registrado meus mais profundos agradecimentos àquelas maravilhosas

pessoas que construíram comigo esse trabalho. Sem a aquiescência das professoras e gestoras

da Escola Municipal Doutor Cícero Penna, este trabalho não teria acontecido. Em especial, a

Roseli Rainho, Ana Paula Ferreira e Ana Maria Prazeres, mulheres fortes e apaixonadas pela

vida e pela profissão. Aprendi com vocês muito mais do que possam imaginar.

À minha querida amiga Márcia Rihan por ter-me trazido o mais belo desafio da minha

vida: Bernardo Costa. A esse menino, devo toda minha bela caminhada pela inclusão.

Serei eternamente grata àquelas companheiras de pesquisa que estiveram ao meu lado

durante esses quatro anos de trabalho. Foram minhas parceiras mais preciosas e companheiras

críticas da minha jornada pela pesquisa: Alline, Mayara, Emília, Monik, Beatrice, Fabiana,

Eli, Ranah, Simone, Ida Beatriz, Ana Lúcia, Daliana, Daniely, Manoella e Regina.

À minha querida companheira dos bancos escolares, Prof.ª Dr.ª Michelle Pereira

Fonseca. Sem a sua amizade, jamais teria conhecido o grupo de pesquisa LaPEADE e suas

“Quartas-Abertas”.

Muito especialmente desejo agradecer à minha orientadora Prof.ª Dr.ª Mônica Pereira

dos Santos, por ter-me acolhido com toda a minha complexidade e ensinado a compreender,

omnileticamente, as culturas, políticas e práticas que me constituem. Com você aprendi a

perceber-me em constante movimento, inacabada e pronta para novos desafios.

Ao Prof. Dr. Renato José de Oliveira, registro minha profunda gratidão pelas suas

orientações tão importantes para a conclusão deste trabalho.

“Quem agradece conspira para que a vida seja caminho sem fronteiras, por receber dos

outros o prazer de ser ajudado” (A.D.)

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“Aos professores, fica o convite para que não descuidem de sua

missão de educar, nem desanimem diante dos desafios, nem deixem de

educar as pessoas para serem ‘águias’ e não apenas ‘galinhas’. Pois,

se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela,

tampouco, a sociedade muda.” (Paulo Freire, 1997).

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RESUMO

CARNEIRO, Lillian Auguste Bruns Carneiro. Da universidade como auditório e do professor como orador: uma análise omnilética dos argumentos de valorização / desvalorização da carreira docente. Rio de Janeiro, 2017.Tese. (Doutorado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ.

A presente tese de doutorado investiga a hipótese de que os argumentos apresentados pelos professores do ensino fundamental de uma Escola Municipal do Rio de Janeiro, durante a leitura e discussão do Index para inclusão (BOOTH; AINSCOW, 2011), contêm uma justificativa de desvalorização da ação profissional, constituindo-se em barreira para o desenvolvimento do seu trabalho. A tese objetivou identificar e analisar os tipos de argumentos levantados pelos professores que evidenciavam as barreiras à sua autonomia e participação pedagógica. Para atingir esse objetivo da maneira mais apropriada possível, esse trabalho buscou analisar as estratégias argumentativas dos professores por meio do Tratado daArgumentação (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 1996), e propor reflexões sobre as culturas, políticas e práticas dos professores e como elas dialogam e se legitimam (ou não) baseando-se na perspectiva Omnilética (SANTOS, 2012). Essa outra perspectiva de análise propõe compreender os fenômenos sociais em sua integralidade visível e em sua potencialidade invisível, mas não necessariamente ausente, seja por estar apenas oculta, seja por existir, ainda, apenas potencialmente (SANTOS, 2013). Durante a prática da pesquisa foi possível identificar os esforços de colaboração e os momentos de conflito vividos durante os encontros pedagógicos e as estratégias argumentativas usadas para persuadir e convencer o auditório à tese do que poderia constituir-se como barreiras à autonomia e à participação pedagógica. O desenvolvimento do material Index para inclusão (BOOTH; AINSCOW, 2011)propiciou um significativo avanço na culturas, políticas e práticas dos professores envolvidos na pesquisa, resultando na espontânea construção do Projeto Político-Pedagógico da escola, além de possibilitar a sua projeção entre seus pares ligados à Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro. Foi nesse movimento complexo e dialético que encontramos os princípios que confirmaram nossa hipótese inicial de que os elementos discursivos suportam ora o argumento de valorização ora de desvalorização da carreira docente. Essa aparente dualidade, quando vista sob a perspectiva Omnilética, sinaliza que as bases culturais, políticase práticas revelam a prevalência de um tipo de argumento que identificamos como sendo aquele que defende a tese de que a profissão docente não é reconhecida como profissão e que um dos possíveis caminhos para alcançar essa valorização passa, necessariamente, pela posição política perante o seu labor.

Palavras-chave: perspectiva Omnilética – Teoria da Argumentação

-valorização/desvalorização docente – inclusão em educação.

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ABSTRACT

CARNEIRO, Lillian Auguste Bruns Carneiro. From the university as an auditorium and from the teacher as a speaker: an Omnilectical analysis of the appreciation / devaluation arguments of the teaching career.2017. 171p.Thesis. (Doctorate degree) Postgraduate Program in Education of the Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ

This thesis investigates the hypothesis that arguments presented by the elementary school teachers of a Public School in Rio de Janeiro, during the reading and discussion of the Index for inclusion (BOOTH; AINSCOW, 2011), contain an argument for the devaluation of the professional action, constituting a barrier to the development of their work. This thesis aimed to identify and analyze the types of argument presented by the teachers that indicated the barriers to their autonomy and pedagogical participation. In order to properly achieve this goal, this work sought to analyze the teachers' argumentative strategies through the Argumentation Treaty (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 1996), and propose reflections on teachers' cultures, policies and practices and how they dialogue and legitimize themselves (or not) based on an Omnilectical Perspective (SANTOS, 2012). This perspective of analysis proposes to understand social phenomena in their visible integrality as well as in their invisible, but not necessarily absent, potentiality either because it is only hidden, or because it only potentially exists (SANTOS, 2013). During the practice of the research it was possible to identify the collaboration efforts and the moments of conflict experienced during the pedagogical meetings and the argumentative strategies used to persuade and convince the auditorium of the thesis of what could be regarded as barriers to autonomy and to pedagogicalparticipation. The development of the material Index for inclusion (BOOTH; AINSCOW, 2011) provided a significant advance in the cultural and political practices as well as in the practices of the teachers involved in this research, which not only resulted in the spontaneous construction of the school's Political Pedagogical Project but also enabled its projection among its peers connected to the Municipal Secretary of Educacion of Rio de Janeiro It was in this complex and dialectical movement that we found the principles that confirmed our initial hypothesis that the discursive elements support both, the arguments of appreciation andof devaluation of the teaching career. This apparent duality, when seen from an Omnilectical perspective, signals that the cultural, political and practical foundations reveal the prevalence of a type of argument that we identify as that which advocates the thesis that the teaching profession is not recognized as a profession and that one of the possible ways to achieve this appreciation does necessarily go through the political position in relation to his labor.

Key words: Omnilectical perspective - Argumentation theory– teacher’s appreciation / devaluation – inclusion in education

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RESUMÉN

CARNEIRO, Lillian Auguste Bruns Carneiro. De la universidad como auditorio y delprofesor como orador: un análisis Omnilético de los argumentos de valoración / desvaloraciónde la carrera docente. 2017. Tesis. (Doctorado) Programa de Postgrado en Educación de laUniversidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ

La presente tesis de doctorado investiga la hipótesis de que los argumentos presentados porlos profesores de la enseñanza fundamental de una Escuela de la Comarca de Rio de Janeiro,durante la lectura y discusión del Index para la inclusión (BOOTH; AINSCOW, 2011),contiene la justificación de desvaloración de la acción profesional, constituíndose en ladificultad para el desarollo de su trabajo. La tesis ha objetivado identificar y analizar los tiposde argumentos puestos en relieve por los profesores los cuales han evidenciado lasdificultades a su autonomía y participación pedagógica. Para alcanzar a ese objetivo de formamás adecuada posible, el trabajo ha buscado analizar las estratégias argumentativas de losprofesores por medio del Tratado de Argumentación (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA,1996), y proponiendo reflexiones sobre las culturas, políticas y prácticas de los profesores ycomo ellas dialogan y se legitiman (o no) basandose en la perspectiva Omnilética (SANTOS,2012). Esa otra perspectiva del análisis propone la comprensión de los fenómenos sociales ensu integralidad visible y en su potencialidad invisible, pero no necesariamente ausente, sea porestar oculta solamente, sea por existir solo potencialmente todavía (SANTOS, 2013). Durantela práctica de la búsqueda ha sido posible identificar los esfuerzos de colaboración ymomentos de conflicto vividos durante las citas pedagógicas y las estrategias argumentativasusadas para persuadir y convencer al auditorio a la tesis de lo que podría constituirse comoproblema a la autonomía y participación pedagógica. El desarrollo del material Index para lainclusión (BOOTH; AINSCOW, 2011) ha propiciado un significativo avance para lasprácticas culturales, políticas y también a la práctica de los profesores involucrados en labúsqueda, resultando espontánea construcción del Proyecto Político Pedagógico de la escuelaademás de posibilitar su proyección entre sus pares junto a la Secretaría de la Comarca deEducación de Rio de Janeiro. Ha sido en este complejo y dialético movimiento donde hemosencontrado los princípios los cuales han confirmado nuestra hipótesis inicial de que loselementos discursivos soportan ora el argumento de valoración, ora de desvaloración de lacarrera docente. Esa aparente dualidad, cuando observada bajo la perspectiva omnilética,sinaliza que las basis culturales, políticas y prácticas revelan la prevalencia de un tipo deargumento que hemos identificado como aquello que defiende la tesis de que la profesióndocente no es reconocida laboralmente y que unos de los posibles caminos para el alcance dela valoración pasa, necesariamente, por la posición política delante de su labor.

Palabras-clave: Omnilética – argumentación - valorización/desvalorización docente

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LISTA DE TABELAS, QUADROS E FIGURAS

TABELA 1 - Portal Banco de Teses da Capes.....................................................................................19

TABELA 2 - Portal Periódicos Capes produzidas entre 2010 e 2016..................................................20

TABELA 3 - Artigos Publicados em Anais..............................................................................23

TABELA 4 - Artigos publicados em anais e revistas...............................................................24

QUADRO 1 – Grupo de Trabalho............................................................................................73

QUADRO 2 - Grupo de Trabalho............................................................................................74

QUADRO 3 - Reuniões do Projeto - 2012...............................................................................79

QUADRO 4 - Reuniões do Projeto - 2013.............................................................................113

QUADRO 5 - Reuniões do Projeto - 2014.............................................................................124

FIGURA 1 - Dimensões do Index............................................................................................68

FIGURA 2 - Estrutura do Planejamento..................................................................................68

FIGURA 3 - Esquema de fases................................................................................................69

FIGURA 4 - Desenvolvimento inclusivo.................................................................................90

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ANPED Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação

CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

CRE Coordenadoria Regional de Educação

DMO Dinamizador-Orientador

EMCP Escola Municipal Cícero Penna

GED Gerência de Educação

GEPEI Curso de Atualização em Gestão da Educação Especial na Perspectiva da

Educação Inclusiva

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira

IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

LaPEADE Laboratório de Pesquisa, Estudo e Apoio à Participação e à Diversidade em

Educação

LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação

MEC Ministério da Educação

P0n Professor (a)

PBF Plano Bolsa Família

PL Pesquisadora do LaPEADE

PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios

PPGE Programa de Pós-Graduação em Educação

PPP Projeto Político-Pedagógico

SEPE Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação do Rio De Janeiro

SME Secretaria Municipal de Educação

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.......................................................................................................................12

O Problema e a Hipótese........................................................................................................16

Objetivos da Pesquisa.............................................................................................................18

Revisando a bibliografia sobre o assunto..............................................................................18

A Estrutura da Tese.................................................................................................................26

1 A PESQUISA - SEU CONTEXTO E SUA TRAJETÓRIA..........................................28

1.1 As indagações iniciais e sua relação com a minha trajetória acadêmica.....................28

1.2 O Contexto da Pesquisa....................................................................................................30

2 A VALORIZAÇÃO DO PROFESSOR – UM ARGUMENTO RECORRENTE.......34

3 A ESCOLHA DOS REFERENCIAIS TEÓRICOS.......................................................41

3.1 A Perspectiva Omnilética.................................................................................................41

3.2 A Teoria da Argumentação – a Nova Retórica..............................................................52

4 ASPECTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA......................................................63

4.1 A pesquisa-ação crítica e participativa...........................................................................63

4.2 O Index para inclusão como proposta metodológica: discutindo as intervenções.......66

4.3 A coleta de dados...............................................................................................................69

4.3.1. Os dados da pesquisa e sua organização para a análise..................................................70

4.3.2. Os dados da pesquisa e sua análise.................................................................................70

4.4 O campo da pesquisa.......................................................................................................72

4.4.1. A Escola Municipal Cícero Penna...................................................................................72

4.4.2. Conhecendo o Corpo Docente da Escola........................................................................73

5 NO COTIDIANO DA ESCOLA – A PESQUISA EM PRÁTICA...............................77

5.1 Definindo as categorias conceituais de análise...............................................................78

5.2 Os argumentos...................................................................................................................79

5.3 Reflexões sobre os argumentos analisados....................................................................108

6 A CONSTRUÇÃO PARTICIPATIVA DO PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO

DA ESCOLA MUNICIPAL CÍCERO PENNA.................................................................111

6.1 Os princípios norteadores do Projeto Político-Pedagógico........................................112

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6.2 O Projeto Político-Pedagógico e seus argumentos: a definição da missão, visão e

valores da escola....................................................................................................................113

6.3 O Projeto Político-Pedagógico e seus argumentos: planejamento das ações

estratégicas.............................................................................................................................123

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................136

REFERÊNCIAS....................................................................................................................143

ANEXOS................................................................................................................................148

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INTRODUÇÃO

A presente tese de doutorado – Da universidade como auditório e do professor como

orador: uma análise omnilética1 dos argumentos de valorização/desvalorização da carreira

docente – propõe, como desafio, dar a voz aos professores enquanto investiga como eles

argumentam sobre as suas culturas, políticas e práticas a respeito da sua atuação profissional,

tendo como pano de fundo a inclusão de alunos que, por algum motivo, estejam vivendo uma

situação de exclusão.

Nesta pesquisa, adotamos uma postura pouco comum quando optamos por nos manter

na posição de auditório mesmo sabendo que, historicamente, a Universidade é reconhecida

pela sua posição de oradora, ou seja, daquela que detém o dom da palavra e a capacidade de

influenciar o outro. Aqui será o professor que atuará como orador, defendendo sua tese e

exercitando seu poder de convencimento. É nessa ação que ele lançará mão de técnicas

argumentativas para convencer o auditório. Esse efeito argumentativo ligado à presença física

do auditório, na pessoa do pesquisador do Laboratório de Pesquisa, Estudo e Apoio à

Participação e à Diversidade em Educação (LaPEADE), será analisado neste trabalho, no

desejo de buscar os elementos que atuam como possíveis instrumentos capazes de promover a

valorização ou a desvalorização da carreira docente.

Acreditamos que não podemos mais somente apontar falhas, discutir problemas e

dificuldades encontradas no espaço escolar. Precisamos de estudos voltados para o

desenvolvimento da ação e prática pedagógica a partir do ponto de vista do professor, numa

perspectiva Omnilética2 (SANTOS, 2012), capaz de ver além do que está posto, aprofundando

a complexidade e a dialeticidade das suas culturas, políticas e práticas.

Iniciamos esclarecendo que esta pesquisa é um desdobramento de uma pesquisa-

matriz denominada Construindo Culturas, Desenvolvendo Políticas e Orquestrando Práticas

de Inclusão no Cotidiano Escolar.

A pesquisa-matriz surgiu a partir de um primeiro contato feito entre a professora da

sala de atendimento educacional especializado da Escola Municipal Cícero Penna (EMCP) e o

grupo de pesquisa do LaPEADE da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Nesse

1Omnilética é um neologismo criado, pensado e desenvolvido por Santos (2012), “fruto de alguns anos de reflexão sobre os processos de inclusão e exclusão em educação” e que na seção Teórico-Metodológica será melhor desenvolvido.2De forma resumida, a Perspectiva Omnilética está alinhada com a visão totalizante de uma multiplicidade de leituras e variações de vida, atos, concepções e intenções que ocorrem no que consideramos as três principais dimensões em que a vida humana e social se manifesta: culturais, políticas e práticas. Reforçamos que esse conceito será melhor analisado na seção dedicada à análise dos referenciais teóricos.

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primeiro contato, a professora solicitou à coordenação do LaPEADE que visitasse a Escola

Municipal Cícero Penna no no intuito de apresentar ao grupo gestor e professores da

instituição, uma proposta de projeto que ajudasse a conhecer que práticas, em um sistema

escolar, podem inibir ou dificultar a aprendizagem e a participação dos alunos. Essa foi a

questão que impulsionou a direção da EMCP a buscar a ajuda do Laboratório.

Com a preocupação de perscrutar, colaborativamente, soluções para os processos de

exclusão (aqui, especificamente compreendidos no sentido de barreiras à aprendizagem e à

participação de alunos da instituição escolar) encontrados na EMCP, o LaPEADE

desenvolveu a pesquisa Construindo Culturas, Desenvolvendo Políticas e Orquestrando

Práticas de Inclusão no Cotidiano Escolar, que neste trabalho chamamos de pesquisa--matriz,

visando mapear dificuldades, oferecer alternativas de modificação de planejamento e auxiliar

os docentes em suas práticas cotidianas, bem como dar subsídios para a gestão da escola em

direção ao desenvolvimento de culturas, políticas e práticas de inclusão.

Deste modo, a pesquisa-matriz se configurou, concomitantemente, como um trabalho

de extensão. Sua ação justificou-se porque, além de reunir Universidade e Educação Básica,

possibilitou a criação de estratégias que puderam auxiliar a melhoria e a compreensão de tais

dificuldades por parte do corpo docente, técnico, gestor e auxiliar, visando o melhor

desempenho da escola como um todo, e o maior sucesso de seus alunos, em particular.

A pesquisa-matriz foi bem recebida e aceita pela EMCP e em fevereiro de 2012 deu-se

início as leituras e conversas sobre o conceito de inclusão numa perspectiva mais ampla do

que aquela comumente abordada, ou seja, não apenas fixando nos alunos com deficiência,

transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação, mas compreendendo

toda a comunidade escolar. Essa abrangência se estende às crianças, adolescentes e adultos,

inclusive àqueles com deficiência, pois todos gozam plenamente do direito à educação em

igualdade de condições.

O material utilizado para orientar essas conversas foi o Index para inclusão3 (BOOTH;

AINSCOW, 2011). Este material é desenvolvido pela equipe de pesquisadores do LaPEADE

como proposta alternativa na busca da reflexão sobre o que a inclusão pode significar no meio

acadêmico. Os conceitos-chave do Index para inclusão são: inclusão, barreiras à

aprendizagem e à participação, recursos para apoiar a aprendizagem e a participação e apoio à

diversidade, na 33993tentativa de discutir um desenvolvimento educacional cada vez mais

inclusivo.

3 BOOTH, Tony. AINSCOW, Mel. Index para inclusão para a inclusão: desenvolvendo a aprendizagem e a participação na escola. Traduzido por: Mônica Pereira dos Santos, PhD. Editora CSIE-UK. Editado pelo LaPEADE-BR, 2011. Esse material será melhor explicitado em seção posterior.

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Nas palavras de Santos et al. (2014):

Desde sua primeira versão, o Index para inclusão para a inclusão tem sido apresentado como “um recurso para o desenvolvimento de escolas. Um documento abrangente que pode ajudar a todos a encontrarem seus próprios próximos passos emdireção ao desenvolvimento de seus ambientes (SANTOS et al, 2014, p. 1).

O Index para inclusão (BOOTH; AINSCOW, 2011) tem como proposta analisar a

realidade institucional de acordo com as dimensões de culturas, políticas e práticas de

inclusão, possibilitando o desenvolvimento de uma atitude autônoma (OLIVEIRA et al,

2014). Esse material tem sido apresentado como “um recurso para o desenvolvimento de

escolas. Um documento abrangente que pode ajudar a todos a encontrarem seus próprios

próximos passos em direção ao desenvolvimento de seus ambientes” (BOOTH; AINSCOW,

2011, p. 1). Booth e Ainscow (2011, p. 1) prosseguem afirmando que esse material foi

concebido com a finalidade de “avançar com base na riqueza de conhecimentos e experiências

que as pessoas têm sobre suas práticas”. Tais materiais “desafiam e apoiam o

desenvolvimento de qualquer escola, independentemente do quão ‘inclusiva’ ela creia que

seja”.

Das leituras e conversas iniciais, sobreveio o interesse em acompanhar as aulas

ministradas por esses professores participantes da pesquisa, como prática da pesquisa-ação,

para que pudéssemos construir, em conjunto, a percepção mais próxima do que acontecia

naquele espaço. Combinamos, então, que as pesquisadoras do LaPEADE assistiriam e

filmariam um determinado dia de aula de cada professor participante da pesquisa, com o

objetivo de registrar as atividades desenvolvidas naquele momento especificamente. O dia

filmado era determinado conforme a disponibilidade do pesquisador e da professora, sem que

estivesse subordinado a alguma atividade específica. O objetivo era observar a rotina da sala

de aula; o movimento dos alunos enquanto a atividade pedagógica acontecia e as ações

desenvolvidas pela professora conforme os eventos escolares decorriam. Isso nos levou a

ampliar nosso entendimento em relação às situações de exclusão vividas não apenas na sala

de aula, mas em outros locais de convivência da escola. Ao final do dia de aula, os

pesquisadores entrevistavam os professores perguntando qual havia sido o momento

evidentemente positivo e qual foi o maior desafio enfrentado. A entrevista também foi

registrada em vídeo e utilizadas a posteriori para análise com o grupo.

A prática do acompanhamento das aulas propiciou uma aproximação entre os

professores e pesquisadores, o que favoreceu a pesquisa, significando um clima de confiança

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e parceria. Essa confiança se tornou sustentação para que os pareceres anunciados pelos

professores, quando perguntados sobre os pontos positivos e desafios vividos naquele dia,

pudessem ser ditos de maneira franca e sincera.

Minha entrada como pesquisadora deu-se nesse momento, quando me tornei

responsável pelo acompanhamento de uma das professoras do grupo da EMCP. Posso afirmar

que essa prática viabilizou outras leituras da mesma pesquisa, pois o material ali recolhido

durante o acompanhamento mostrou-se diverso e bastante profícuo. Conforme os laços entre

pesquisado e pesquisador foram se desenvolvendo, a confiança e o respeito pela prática

docente observada possibilitou que as entrevistas acontecessem de forma mais determinada e

rica de pormenores, já que ambos, entrevistado e entrevistador, haviam participado dos

momentos referidos.

O acompanhamento, por mim realizado, possibilitou observar os argumentos usados

para definir e diferenciar aquilo que era considerado como sendo uma ação positiva e o que

era percebido como desafio. Essa dinâmica, combinada com a perspectiva Omnilética

(SANTOS, 2012), ou seja, vista e discutida de forma mais totalizante possível, revelou alguns

argumentos baseados nas culturas, políticas e práticas tanto pessoais como resultantes da

constituição específica daquele grupo de professores. Entendemos que os argumentos

utilizados para justificar a preferência de determinada passagem do dia como ponto forte ou

desafio podem ter sido construídos a partir das escolhas e alternativas da prática docente

cotidiana. Isso nos possibilitou perceber que os argumentos utilizados para justificar esta e

não aquela escolha poderiam estar diretamente relacionados ao exame do auditório, ou seja,

do pesquisador da Universidade.

Em outras palavras, podemos dizer que a investigação dos argumentos utilizados pelos

professores e gestores da Escola tornou-se a temática principal da pesquisa decorrente da

pesquisa-matriz. Identificamos, dentro da pesquisa maior, a oportunidade de compreender não

apenas os dados da realidade vivida pelos professores pesquisados como também a percepção

que eles têm de sua realidade. Esses profissionais experimentam um sentimento vago e

confuso de mal-estar e de descontentamento diante de uma situação concreta, qual seja, a

perda da autonomia sobre a sua produção pedagógica.

Com efeito, são as dimensões culturais, políticas e práticas que afloram nos

argumentos do grupo de professores e gestores pesquisados é que serão observados. E, no

interior desses argumentos, o que nos interessa é conhecer aquilo que emerge e sustenta a sua

tese.

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Nossas análises, aqui demonstradas, não estão em busca do que há de certo ou errado

em cada argumento, tampouco discutir seus fundamentos. Nossa proposta é tentar colocar em

evidência as possíveis interpretações das culturas, políticas e práticas nas quais se apoiam

cada argumento e qual a técnica argumentativa explorada em cada um. Reconhecemos que

não há apenas as condições históricas-sociais-culturais que influenciam o argumento. Estas

condições também podem ser explicadas por imposições determinantes, quer sejam por suas

culturas, políticas e práticas herdadas da função docente como noções arquetipais do que a

professora deve ou não fazer. Cunha (2008) é uma das autoras que afirma que um grande

número de professores costuma pautar sua prática escolar nos comportamentos que

considerou positivos nos seus ex-professores.

Porém, não descartamos a autonomia individual e o pensamento criativo que

complexificam o conhecimento.

Não temos a intenção de generalizar as bases dos argumentos apresentados pelos

professores ao traçarmos as possíveis culturas, políticas e práticas que alicerçam cada um,

pois incorreríamos no erro de trivializar o conhecimento produzido, fazendo dele alguma

coisa qualquer. Pelo contrário, reconhecemos que nem a cultura, nem a política e nem a

prática são questões triviais. Até porque o campo social também é um campo científico

(BOURDIEU, 1994) e nossas observações emergem desse campo – a Escola-, onde

reconhecemos a complexa visão de mundo que os participantes trazem para esse espaço.

O Problema e a Hipótese

A primeira disciplina que cursei como doutoranda na UFRJ foi de extrema

importância para essa pesquisa.

Lecionada pelo Prof. Dr. Renato José de Oliveira, a disciplina “Problemas

Contemporâneos da Educação” nos apresentou um quadro com as questões educacionais mais

discutidas nesses últimos anos, vistas pela ótica da Teoria da Argumentação. Com o

transcorrer das aulas, e à proporção que os temas propostos para esta disciplina eram

estudados, foi possível estabelecer uma aproximação entre a Teoria da Argumentação e os

discursos dos professores-sujeitos da pesquisa que se desenvolvia paralelamente. No projeto

da EMCP, no decorrer da discussão do Index para inclusão (BOOTH; AINSCOW, 2011), as

práticas argumentativas pelas quais se tentava influenciar não apenas os colegas de trabalho,

mas a própria Universidade ali representada pelo LaPEADE, permitiu a identificação dos

professores como oradores e o LaPEADE como auditório.

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17

Oliveira (2011, p.40) nos propõe o seguinte desafio: “Se a regra de ouro da teoria da

argumentação é que o orador deve se adaptar ao seu auditório, por que não a estender à sala

de aula, à relação entre professores e alunos? ”. Imediatamente aceitei esse desafio, mas não

sem antes ousar a reescrevê-lo propondo estendê-lo à relação entre professores e

pesquisadores. O LaPEADE estava, na verdade, na posição de auditório enquanto os

professores intercambiavam-se na função de oradores.

Quando optei por evidenciar os argumentos expostos durante os momentos de

encontro com o grupo, baseei-me no fato de que a lógica binária4 – verdade/ mentira,

real/imaginário, possível/impossível - de pouco valia para formular possíveis respostas

àquelas perguntas. Ao olhar os argumentos numa perspectiva Omnilética (SANTOS, 2012),

pude alcançar um espectro muito mais amplo de análise, pois o pensamento omnilético não

tende à redução de uma ou duas opções, mas permite um diálogo entre diferentes

possibilidades, criando sentidos entre os diferentes subsistemas (político, cultural ou até

mesmo religioso). Esse pensamento convive com as incertezas de seu tempo e concebe a

organização das culturas, políticas e práticas por meio da valorização da

multidimensionalidade dos fatos e das pessoas envolvidas, trabalhando a noção de totalidade

junto à relação parte-todo.

Então, era possível que os professores não estivessem se sentindo capazes de se

tornarem autores das suas próprias estratégias de ensino, possibilitando a aprendizagem de

todos os alunos? Esperavam que a Universidade lhes desse a receita de como trabalhar a

inclusão dos alunos com deficiência, ensinando como fazer acontecer a aprendizagem em sala

de aula? Poderiam os argumentos proferidos durante seu discurso constituírem-se em uma

barreira para desenvolver seu trabalho? Os discursos de inclusão podem vir a tornar-se

persuasivos quando os argumentos que justificam as culturas, políticas e práticas excludentes

são discutidos?

Acreditando que uma possível solução para as dificuldades enfrentadas pela

comunidade educacional estaria na construção coletiva de saberes entre seus próprios pares,

iniciamos o estudo do Index para inclusão (BOOTH; AINSCOW, 2011) pela leitura conjunta

de suas palavras iniciais, onde os conceitos de inclusão e participação são abordados.

4A lógica binária publicada por George Boole, em 1854, é a base do cálculo computacional. Assim como bem emal, claro e escuro, fácil e difícil, certo e errado são opostos, na lógica Booleana o zero representa falso, enquanto o um representa verdadeiro. Qualquer operação, por mais complexa que pareça, é traduzida internamente pelo processador para estas operações.

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Este livro contém muitas palavras. Mas estas palavras terão pouco significado se nãoestiverem ligadas à reflexão e à ação. Esperamos que você use os materiais para colocar valores inclusivos em ação; para aumentar a participação de todos no ensino,na aprendizagem e nas relações; para ligar a educação ao desenvolvimento de comunidades e ambientes, em nível local e global. Inclusão é uma iniciativa compartilhada. Consideramos a promoção da aprendizagem e da participação e o combate à discriminação como tarefas que nunca têm fim. Elas implicam todos nós no ato de refletir sobre e reduzir as barreiras que nós e outros tenhamos criado e continuamos a criar (BOOTH; AINSCOW, 2011, p. 6).

Na sequência dos encontros, e à medida que as leituras dos indicadores do Index para

inclusão aconteciam, foi possível identificar, nos argumentos dos professores participantes,

um grande incômodo em relação à pouca autonomia percebida no que diz respeito às suas

escolhas pedagógicas, sendo difícil integrar suas culturas, políticas e práticas às demandas

provenientes da Secretaria Municipal de Educação (SME).

A observação das possíveis barreiras que afetam a participação dos docentes

(professores e gestores) da EMCP no projeto, e que surgem no momento em que a sua

participação política é explicitada, pode estar intimamente ligada às questões da política

educacional estabelecida pela Secretaria Municipal de Educação (SME)? Diante desse

cenário, procurei problematizar o campo ali encontrado, observando a realidade de modo

crítico, omnilético, o que possibilitou relacioná-la com os argumentos proferidos pelos

professores.

Entendendo que o embate cultural, político e prático entre os modos como os docentes

estruturam seu conhecimento (BOURDIEU, 1989) estavam presentes nas discussões e

argumentos, investigar se essas mesmas estruturas são produto de uma gênese social dos

esquemas de valorização/desvalorização do magistério do ensino fundamental nos parece

importante.

Minha hipótese parte do princípio de que os argumentos são operações discursivas, ou

seja, um processo discursivo usado na produção e na compreensão de qualquer texto, nas

quais o orador utiliza proposições baseadas nas suas culturas, políticas e práticas, onde os

argumentos apresentados pelos professores, durante a leitura e discussão do Index para

inclusão (BOOTH; AINSCOW, 2011), contém uma justificativa de desvalorização da ação

profissional, constituindo-se em barreira para o desenvolvimento do seu trabalho.

Objetivos da Pesquisa

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A problematização que acima delineamos definiu o objetivo geral desta pesquisa, qual

seja, o de identificar e analisar omnileticamente os tipos de argumentos levantados pelos

professores que evidenciam as barreiras à sua autonomia e participação pedagógica.

Para atingir esse objetivo da maneira mais apropriada possível, buscamos analisar os

discursos dos professores por meio do Tratado da Argumentação (PERELMAN;

OLBRECHTS-TYTECA, 1996), em especial, as estratégias argumentativas, identificando e

propondo reflexões sobre as relações entre os valores e as crenças nelas contidas;

compreendendo, por meio da perspectiva Omnilética (SANTOS, 2012), as culturas, políticas e

práticas dos professores e como elas dialogam e se legitimam (ou não); identificando os

esforços de colaboração e os momentos de conflito vividos durante os encontros pedagógicos

que sejam passíveis de se tornarem barreiras à autonomia e participação pedagógica;

sugerindo estratégias possíveis para desenvolver ações efetivas e mudanças no campo

pesquisado.

Revisando a bibliografia sobre o assunto

Os primeiros encontros com o grupo de professores da EMCP nos indicaram algumas

palavras-chave que orientaram a revisão bibliográfica.

A primeira palavra-chave que surgiu dos argumentos iniciais do grupo de professores

participantes da pesquisa, e que perdurou até o momento em que ficou estabelecido que era

preciso a construção do Projeto Político-Pedagógico da Escola, foi autonomia. Em seguida foi

possível identificar que outra palavra se evidenciava conforme as leituras dos indicadores do

Index para inclusão (BOOTH; AINSCOW, 2011) aconteciam: valorização docente.

Autonomia costuma ser um aspecto bastante presente em trabalhos e produções sobre

Educação. No exame das dissertações e teses constantes nos Bancos de Tese da Capes,

defendidas no período de 2010-2016, cruzando as palavras-chave “autonomia” + “professor”,

“valorização docente” e “Projeto Político-Pedagógico” + “autonomia” e “omnilética”,

encontramos 27 trabalhos, conforme demonstra a Tabela 1.

TABELA 1 - Portal Banco de Teses da Capes

Dissertações de Mestrado (M) e Teses de Doutorado (D) produzidas entre 2010 e 2016

Critério de busca ANO TOTAL palavra-chave 2010 2011 201 20 201 201 20

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2 13 4 5 16 “autonomia” + “professor” 0 M=1 M=1 0 0 0 D=

1

3

“valorização docente” 0 M=

2

0 0 0 D=

1

3

“omnilética” M=

2

D=2 M=

2

6

“Projeto Político-Pedagógico” +

“autonomia”

0 M=

1

M=

1

0 0 0 0 2

“argumentação” + “professores” 0 M=1 0 0 0 0 M-

1

2

“argumentação” + “omnilética” 0 0 0 0 0 0 0 0Fonte: Portal Banco de Teses da Capes (2010-2016).

Desses trabalhos, selecionamos dois que mais se aproximam da discussão da

autonomia do professor como partícipe da construção da sua identidade profissional.

O primeiro é uma dissertação cujo título é “Autonomia e Criatividade em escolas

democráticas: outras palavras, outros olhares” (2012), de autoria de Maria Marlene Rodrigues

de Oliveira. De acordo com seu resumo, o trabalho aconteceu entre duas escolas na cidade de

São Paulo identificadas como democráticas, pois todos os membros da comunidade escolar

participam das instâncias deliberativas. Apesar de tratar-se de uma pesquisa que envolve a

observação da autonomia do professor, ela parte da premissa de que essa prática já é um fato

constante nesse espaço escolar, enquanto a nossa pesquisa busca entender as barreiras

existentes para a construção dessa autonomia.

O trabalho seguinte, de autoria de Susel Cabrera Machado Alves (2012), uma

dissertação, está inserido nas discussões sobre a construção do Projeto Político-Pedagógico e

procura revelar a existência de condições nos próprios sujeitos para construção da escola

cidadã. O trabalho revela que a falta de condição e eficiência da estrutura organizacional e

política interna impede a construção do Projeto Político-Pedagógico. Porém, mesmo trazendo

uma temática similar a que estamos pesquisando, a forma como problematizamos essa

questão estende-se além da estrutura organizacional da escola.

A metodologia aplicada, em ambos os trabalhos, foi a análise de depoimentos por

meio do levantamento de dados com questionários, entrevistas, composição de frases

incompletas, visando a conhecer opiniões, pontos de vista e representações dos informantes.

O que pretendemos propor nesta tese é a metodologia da pesquisa-ação institucional, pois

trata-se da relação dialética entre os participantes da pesquisa- pesquisador e pesquisado

-problematizando a questão de forma omnilética. Melhor dizendo, ao aplicar a metodologia da

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pesquisa-ação, tentaremos buscar o conhecimento preciso e esclarecido “da práxis

institucional do grupo (e pelo grupo) a fim de dar-lhe a possibilidade de saber mais e de poder

agir melhor sobre a realidade” (BARBIER, 1985, p.92)

De acordo com a análise feita a partir dos resumos apresentados, a questão da

autonomia aparece ligada à dificuldade do professor em integrar seus saberes e atuar com

segurança diante das propostas curriculares determinadas pelos governos estaduais e

municipais. A metodologia mais comumente encontrada é a que se baseia na análise das

entrevistas estruturadas ou semiestruturadas e questionários.

Na intenção de explicitar a importância deste trabalho, a revisão bibliográfica

estendeu-se aos periódicos da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível

Superior) apresentados na Tabela 2; e na Biblioteca da ANPED (Associação Nacional de Pós-

Graduação e Pesquisa em Educação), com ênfase no Grupo de trabalho GT08 (Formação de

Professores), os trabalhos publicados entre 2012-2016, com base nos critérios de

expressividade e acessibilidade, considerando-se a importância da instituição divulgadora e

sua circulação nacional.

Entre os periódicos CAPES, que incluem as seguintes coleções: Directory of Open

Access Journals (DOAJ), SciELO, OneFile (GALE), Dialnet e MEDLINE/PubMed (NLM),

encontramos os dados abaixo, indicados na Tabela 2.

Tabela 2 - Portal Periódicos Capes produzidas entre 2010 e 2016

Critério de busca ANO TOTAL

palavra-chave 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016

“autonomia” + “professor” 4 2 2 1 3 8 12 32

“valorização docente” 37 30 33 25 10 95 77 307

“Projeto Político-Pedagógico”

5 7 7 2 0 12 9 42

“omnilética” 0 0 0 0 0 0 0

“argumentação” + “professores”

0 0 1 0 0 7 5 12

“argumentação” + “omnilética”

0 0 0 0 0 0 0 0

Fonte: www.periodicos.capes.gov.br/

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Com o conjunto de palavras-chave autonomia e professor foram encontrados 32

títulos. Observamos dois trabalhos interessantes que discutem a autonomia do professor,

porém focam somente na docência técnica e tecnológica. Como os anteriores, são pesquisas

baseadas em entrevistas e questionários semiestruturados. Nos anos de 2015 e 2016 houve

uma maior produção acadêmica sobre o tema. Verificando os resumos dos artigos publicados

nesse período, notamos que a maioria discute questões relativas à formação de professores,

com ênfase na formação continuada, a partir da análise das Metas 15 e 16 do Plano Nacional

de Educação - PNE 2014-2024, anexo à Lei 13005/14, evidenciando a influência da LDB

9.394/96, das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação

Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena e da Rede Nacional de

Formação Continuada de Professores.

Continuando no mesmo portal científico, a pesquisa alterou sua palavra-chave para o

conjunto valorização docente, obtendo 307 resultados sendo que 23 artigos discutem a

questão da valorização docente ligada diretamente à questão salarial; 12 artigos abordam o

assunto com ênfase na formação inicial e continuada; 8 artigos apresentam estudos sobre as

políticas educacionais e a carreira do magistério e 4 artigos destacam a formação cultural e a

relação estabelecida com o conhecimento como base para a valorização docente. Nos anos de

2015 e 2016 houve uma maior concentração de artigos discutindo o tema por meio das

avaliações das leis e projetos de lei ligados ao Plano Nacional da Educação. Observamos, por

meio da leitura dos resumos, que os documentos utilizados para embasar os artigos foram o

Plano de Desenvolvimento da Educação (BRASIL, 2007), o Projeto de Lei nº 8.035/2010

(BRASIL, 2010) e o Projeto de Lei nº 103/2012 (BRASIL, 2012), os quais dizem respeito ao

novo Plano Nacional de Educação, bem como os documentos com proposições de emendas de

diferentes entidades e as que foram incorporadas pelo Fórum Nacional de Educação

(BRASIL, 2011).

Os outros artigos tratam de áreas específicas como física, contabilidade, enfermagem e

outros profissionais da saúde.

Para a palavra-chave Projeto Político-Pedagógico (PPP) encontramos 42 artigos e,

como nas análises anteriores, os anos de 2015 e 2016 foram os mais profícuos nesse assunto.

De todos os resumos lidos, nos chamou a atenção o fato de que a metodologia da pesquisa-

ação colaborativa tenha sido escolhida na maioria das vezes. Observamos que nas suas

justificativas pela escolha dessa metodologia, havia nos trabalhos o discurso de que as

reflexões oriundas de uma análise colaborativa do próprio processo investigativo eram

bastante apropriadas para o alcance dos objetivos propostos.

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A pesquisa realizada no portal da ANPED5 , no espaço BIBLIOTECA, nos revelou

173 trabalhos produzidos pelo Grupo de Trabalho (GT) 08. Dentre eles, destacamos o trabalho

de Luiza Alves Ribeiro (2012) – UFRJ -, publicado em 2012, por ocasião da 35ª Reunião

Anual da ANPED. A autora analisa as impressões dos professores de escolas SME-RJ sobre o

preenchimento obrigatório de um determinado documento no qual os professores assinalam

dados sobre a frequência e desenvolvimento pedagógico dos alunos. O trabalho de RIBEIRO

(2012) é discutido a partir da definição bakhtiniana do discurso. O que nos chamou a atenção

nesse trabalho foi sua aproximação com a nossa temática de exclusão quando aborda os

impactos da imposição, pela SMERJ, de tarefas como recurso para a formação continuada

para os professores.

Com o levantamento concluído nessas bases de pesquisa, avançamos para a busca do

conceito omnilético e seu uso na bibliografia acadêmica.

O conceito de análise omnilética tem sido utilizado para definir uma abordagem outra

que não a maneira tradicional utilizada nas pesquisas sobre a inclusão. Essa outra forma de ler

as relações estabelecidas entre a inclusão/exclusão e inclusão/não-inclusão começa a aparecer

em algumas publicações e artigos de eventos, nacionais e internacionais, ligados à Inclusão

em Educação, a partir de 2011. Como exemplo, podemos citar o trabalho de Santos et al.,

intitulado “Concepções sobre inclusão e exclusão: licenciandos de educação física em foco”,

apresentado no VII Encontro da Associação Brasileira de Pesquisadores em Educação

Especial, em Londrina (2011). Outros títulos (SANTOS, 2012; SANTOS; CARNEIRO, 2013)

revelam que a análise omnilética vem somando possibilidades de interpretar e responder às

questões sobre a inclusão e exclusão não apenas como uma proposição dialética, mas

incitando um pensamento mais reflexivo e contemplativo e, ao mesmo tempo, aplicativo às

culturas, políticas e práticas do grupo e de cada um.

A pesquisa bibliográfica revelou discreto número de publicações que tratam a

perspectiva analítica omnilética como possível chave para compreensão panorâmica da

realidade observada. Foram levantadas publicações de 2011 até 2016, demonstradas na Tabela

3:

TABELA 3 – Artigos publicados em anais

Palavra-chave: Omnilética (O)

Evento Título/ Autor Ano

5Disponível em: <http://www.anped.org.br/biblioteca>. Acesso em: 15 jan. 2017.

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VII Encontro da Associação Brasileira de Pesquisadores emEducação Especial, em Londrina

Concepções de docentes e licenciandos de educação física acerca de inclusão em educação: Perspectiva Omnilética em discussão. Santos, M. P; Fonseca, M.

2011

XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP

Políticas públicas de inclusão de pessoas com deficiência: uma análise omnilética. Santos, M. P.

2012

36ª Reunião Nacional da ANPEd, Goiânia

Ciclo de formação de professores sobre inclusão em educação: em direção a uma Perspectiva Omnilética. Santos, M P.

2013

VIII Encontro da Associação Brasileira de Pesquisadores emEducação Especial Londrina

Coensino: Uma Análise Na Perspectiva Omnilética Da Inclusão De Crianças Com Tea No Ensino Regular. Santos, M. P; Nazareth, P.

2013

Seminário Internacional de Inclusão em EducaçãoUniversidade e Participação 3

A Perspectiva Omnilética: reflexões sobre inclusão em educação em uma escola municipal do Rio de Janeiro.Santos, M. Carneiro, L. Santos, A. Gonçalves, S.

XXXVI Jornada Giulio Massarani de Iniciação Científica, Tecnológica, Artística e Cultural - UFRJ

A Didática Omnilética Silva, O; Guerra, F.

2014

Inclusão em Educação: Um Olhar Omnilético sobre as Políticas e Ações Docentes no Ensino Superior Senna, M; Marques, D.A Gestão da Educação Especial do Município do Rio de Janeiro e o Processo de Inclusão em Educação.Senna, M

IV Seminário Enlaçando Sexualidade

Cyberbullying Relativo à Diversidade Sexual: Um Olhar Omnilético.Santos, M. P.; Santiago, M. C., Quirino G. A.

2015

Anais do XVI ENDIPEEncontro de Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade

O ensino superior e as diretrizes para a formação de professores: um olhar omnilético sobre a inclusão em educação. Rodrigues E. ; Galvão, S.

2016

Fonte: www.lapeade.com.br

Na página eletrônica do grupo de pesquisa LaPEADE é possível encontrar, no período de

2011 a 2016, 36 artigos aprovados para publicação, sendo que em 15 artigos encontramos a

referência ao tratamento dos dados das pesquisas por meio da análise omnilética, conforme

demonstramos na Tabela 4:

TABELA 4 – Artigos publicados em anais e revistas

Chave de interpretação dos dados sobre Inclusão em Educação: Perspectiva Omnilética

Evento Título/ Autor Ano

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VII Encontro da AssociaçãoBrasileira de Pesquisadores em Educação Especial, em Londrina,

Concepções sobre inclusão e exclusão:licenciandos de educação física em foco .

Santos, M P. Fonseca, M.

2011

Anais do II SeminárioNacional de Educação

Especial e XIII SeminárioCapixaba de Educação

Inclusiva

O currículo como dispositivo de promoçãoda inclusão: relato de um estudo de caso.

Santos, M P.; Carneiro, L.

2012

XVII CongresoInternacional del CLAD

sobre la Reforma del Estadoy de la Administración

Pública, Cartagena,Colômbia.

O papel da Escola de Contas e Gestão doTribunal de Contas do Estado do Rio de

Janeiro na promoção de culturas inclusivasna gestão municipal.

Cordeiro, S.; Nazareth, P.

2012

VII Encontro Nacional dosPesquisadores da Educação

Especial

O papel do gestor da educação especial e oPlano de Desenvolvimento da Educação:

tessituras e rupturas. Santos, M P.; Senna, M.

2012

Seminário InternacionalInclusão em Educação -

UP3

O processo de inclusão no ensino médio: oprotagonismo dos alunos em foco.

Lago, M; Santiago, M.

2013

Seminário InternacionalInclusão em Educação -

UP3

A reflexividade dos formadores deprofessores diante das políticas de inclusão

de universidades públicas.Santos, A.; Senna, M. et al.

2013

Revista Brasileira deEducação Física e Esporte

vol.27 no.2 São Pauloabr./jun. 2013

Masculinidades na Educação FísicaEscolar: um estudo sobre os processos de

inclusão/exclusão.Brito, L.; Santos, M. P.

2013

VIII Encontro daAssociação Brasileira de

Pesquisadores em EducaçãoEspecial

Inclusão no sistema educacional: desafiospara a gestão escolar.

Santiago M; Costa, E.

2013

Revista Latino-americanade Geografia e Gênero,

Ponta Grossa, v. 5, n. 2, p.114 - 125, ago. / dez. 2014

Não, Isso Não é Coisa pra Homem -Masculinidades e os Processos de

Inclusão/Exclusão em uma Escola daBaixada Fluminense – RJ

Brito, L. Santos, M P. Freitas, J.G.

2014

Revista Brasileira deEducação Especial, Marília,v. 20, n. 4, p. 485-496, Out.-

Dez., 2014

O Index para inclusão como Instrumentode Pesquisa: uma Análise Crítica

Santos, M. P.; Carneiro, L.

2014

Educação; Realidade, PortoAlegre, v. 40, n. 2, p. 485-

502, abr./jun. 2015

Planejamento de Estratégias para oProcesso de Inclusão: desafios em questão

Santos, M. P. Santiago, M;

2015

IV Colóquio InternacionalEducação, Cidadania e

Exclusão

A Complexidade da Inclusão noatendimento Educacional Especializado

Rocha, A. C.

2015

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Revista Educação e CulturaContemporânea, vol. 13, no

33 (2016)

Plano Nacional de Educação (2014-2024):considerações omniléticas sobre o

patrulhamento ideológico e as diferençassilenciadas

2016

Revista Philologus, Ano 22,N° 64 Supl.: Anais do VIIISINEFIL. Rio de Janeiro:CiFEFiL, jan./abr.2016

Por políticas, culturas e práticas inclusivasno atendimento educacional especializado

2016

Fonte: www.lapeade.com.br

Porém, no que diz respeito à junção das palavras-chave argumentação e omnilética,

ainda não há trabalhos publicados.

Como resultado da análise desse levantamento bibliográfico, podemos concluir que até

o presente momento ainda não foram publicados trabalhos ou artigos que analisem a questão

da valorização docente partindo da análise dos seus argumentos numa perspectiva Omnilética,

onde o auditório seja a Universidade e os professores os oradores.

A Estrutura da Tese

Na busca por discutir e problematizar as questões que apresentamos anteriormente

elaboramos o presente estudo em seis capítulos e suas considerações finais.

No Capítulo 1, apresentamos as indagações iniciais sobre a questão da valorização-

desvalorização do professor a partir da perspectiva histórica pesquisada na dissertação de

Mestrado (CARNEIRO, 2010), sua aproximação com o Laboratório de Pesquisa, Estudo e

Apoio à Diversidade em Educação. Narramos a nossa trajetória na pesquisa-matriz

Construindo Culturas, Desenvolvendo Políticas e Orquestrando Práticas de Inclusão no

Cotidiano Escolar, e a nossa intenção em continuar a pesquisa sobre a valorização-

desvalorização da profissão docente partindo dos argumentos utilizados pelos professores

durante o desenvolvimento do Index para inclusão (BOOTH; AINSCOW, 2011).

No Capítulo 2, narramos a situação atual dos professores do Ensino Fundamental

ligados a SME-RJ e a sua luta pela definição da sua profissionalidade, fazendo inferência com

os documentos que regem a carreira.

No Capítulo 3, apresentamos os referenciais teóricos com os quais iremos analisar os

dados coletados na pesquisa-ação. Apresentamos a perspectiva Omnilética como uma

proposta inovadora para a análise dos argumentos e a Teoria da Argumentação como base

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para a identificação das técnicas argumentativas utilizadas pelos professores no momento do

desenvolvimento do Index para inclusão (BOOTH; AINSCOW, 2011).

No Capítulo 4, apresentamos a metodologia da pesquisa-ação crítica e participativa,

escolhida para esse trabalho e que será aplicada no decorrer dos encontros realizados na

EMCP. Descrevemos, em detalhes, o material selecionado, o Index para inclusão (BOOTH;

AINSCOW, 2011), e apresentamos sua proposta de revisão do processo educacional por meio

das três dimensões - culturas, políticas e práticas. Em seguida, apresentamos a forma como os

dados (os argumentos) foram coletados e como procedemos à sua análise. Concluímos o

Capítulo apresentamos o campo da pesquisa e seus participantes.

No Capítulo 5, apontamos as categorias conceituais de análise e apresentamos o

primeiro quadro argumentativo destinado à análise. Em seguida, iniciamos as análises dos

tipos de argumentos numa perspectiva Omnilética. Finalizamos o capítulo com uma primeira

conclusão e indicamos os rumos que a pesquisa tomou.

No Capítulo 6, demonstramos que a metodologia escolhida, ou seja, a pesquisa-ação

crítica e participativa, propiciou a evolução do trabalho com a escolha da revisão e

reconstrução do Projeto Político-Pedagógico da EMCP. Analisamos omnileticamente, em três

etapas divididas em três quadros, os argumentos que envolviam o objetivo dessa pesquisa.

Nas Considerações Finais, apresentamos nossas impressões sobre as análises, por

meio da perspectiva Omnilética dos argumentos. Terminamos o trabalho apontando os

importantes desdobramentos que essa prática propiciou e indicamos possíveis continuidades.

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1 A PESQUISA - SEU CONTEXTO E SUA TRAJETÓRIA

1.1 As indagações iniciais e sua relação com a minha trajetória acadêmica

Na dissertação de Mestrado, que realizei no PPGE/UFRJ (2010) sob o título A

Professora Primária e as Operações de Valorização/Desvalorização Profissional nos anos

1920-1930, cujo principal objetivo foi identificar a presença de operações de valorização e

desvalorização no processo de inserção da professora dos anos iniciais no contexto social e

profissional, dediquei-me a analisar os discursos proferidos pelos intelectuais da Educação –

Fernando de Azevedo, Anísio Teixeira, Lourenço Filho e Almeida Jr - sobre a carreira do

magistério, nos anos entre 1920-1930.

Observei os argumentos que convergiam para a valorização e/ou desvalorização dessa

profissional, contextualizando tais discursos às concepções político-pedagógicas de seus

formuladores. Abordei o assunto na perspectiva da história cultural (CHARTIER,1995, LE

GOFF,1996), que entende que os textos, que materializam os discursos, são produtos da

maneira de pensar de uma época, cuja tendência a construir um saber coletivo desenvolvido

no cotidiano das relações sociais exerce forte influência na construção individual das

representações (SPINK, 1993).

Importante esclarecer que os discursos analisados na referida dissertação tomaram

como referência a produção e a compreensão de documentos que assumiram a condição de

monumentos (LE GOFF, 1996). Para Le Goff, a história – forma científica da memória

coletiva – é resultado de uma construção, sendo que os materiais que a imortalizaram são o

documento e o monumento. Para o autor (1996, p. 535),

[...] o que sobrevive não é o conjunto daquilo que existiu no passado, mas uma escolha efetuada quer pelas forças que operam no desenvolvimento temporal do mundo e da humanidade, quer pelos que se dedicam à ciência do passado e do tempoque passa, os historiadores. Estes materiais da memória podem apresentar-se sob duas formas principais: os monumentos, herança do passado, e os documentos, escolha do historiador.

A pesquisa intencionou, por meio da análise histórica, observar e identificar como se

deram a produção de argumentos como mecanismos de valorização /desvalorização do

magistério primário. Durante o seu caminhar foi possível identificar a presença de estratégias

de valorização e desvalorização no processo de inserção da professora primária no contexto

social e profissional, sobretudo nos discursos formulados pelos educadores responsáveis pela

profissionalização dessa categoria. Do mesmo modo foi apontada a maneira pela qual as

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professoras absorveram esses discursos e os transformaram em paradigmas de sua atuação

profissional. A pesquisa concluiu que a desvalorização do profissional docente não aconteceu

por acaso na história brasileira.

Durante o percurso desse estudo, pude fazer um levantamento dos discursos da época

(1920-30) e concluir que:

No entendimento de que as operações de valorização/desvalorização profissional exercidas em torno da professora primária diz mais sobre os discursos de convencimento da missão nata da mulher para a educação do que propriamente da sua capacidade intelectual, esta pesquisa propõe, como possível desdobramento, a possibilidade de investigar em que medida o reconhecimento político da sua ação educadora influencia na imagem social construída pelo senso comum, redimensionando a sua função social e o seu valor profissional. (CARNEIRO, 2010, p. 103).

Dar continuidade à investigação dos argumentos dos professores sobre sua condição

profissional nos dias de hoje poderia vir a ser um contributo positivo para compreender mais

profundamente a questão da dualidade entre valorização e desvalorização da carreira docente.

Essa dualidade estaria ligada diretamente à identidade profissional que, segundo

Nóvoa (1996),

[...] não é um dado adquirido, não é uma propriedade, não é um produto. A identidade é um lugar de lutas e de conflitos, é um espaço em construção de maneiras de ser e de estar na profissão. Por isso, é mais adequado falar em processo identitário, realçando a mesma dinâmica que caracteriza a maneira como cada um sesente e se diz professor (NÓVOA, 1996, p.72).

Por conseguinte, uma investigação sobre a natureza dos argumentos usados pelos

professores durante a discussão dos problemas referentes aos alunos em situação de exclusão

mostrou-se bastante oportuna, pois revelaria suas concepções políticas, culturais e práticas

acerca de como cada um se sente na sua prática profissional. Dessa maneira, não há como

afastar a ideia de que a argumentação se desenvolve tanto para o auditório quanto para o

próprio orador, já que um dos grandes problemas que lhe cabe enfrentar é descobrir quais são

culturas, políticas e práticas lhes são próprias quando sua formação profissional está em

questão. Assim, o problema dessa pesquisa está concentrado na observação das diferentes

formas que assumem as argumentações dos docentes quando diante de um auditório especial e

quais adaptações o orador faz diante do discurso de inclusão/exclusão de alunos e de si

próprio enquanto professor diante das barreiras impostas (ou criadas) ao seu exercício

profissional.

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Ressaltamos que o problema da pesquisa não se refere somente à escolha dos

argumentos a serem utilizados, mas quais culturas, políticas e práticas sustentam cada um

deles. Desejamos tornar visível, por meio da perspectiva Omnilética (SANTOS, 2012), a

argumentação dos professores como um processo de persuasão ou de convencimento, ou seja,

como uma argumentação pautada nas suas convicções e relatadas perante um auditório

relacionado com a Universidade, espaço acadêmico de produção de saber.

1.2 O Contexto da Pesquisa

Seguindo minha motivação, parti em busca de espaços acadêmicos que pudessem

oferecer suportes outros para a compreensão e discussão sobre as barreiras enfrentadas pelos

professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental, na construção da própria identidade

profissional.

Neste mesmo período, 2012, o Laboratório de Pesquisa, Estudos e Apoio à

Participação e à Diversidade em Educação (LaPEADE), da Universidade Federal do Rio de

Janeiro, abriu inscrições para o curso de Gestão de Educação Especial na Perspectiva da

Educação Inclusiva (GEPEI).

Minha identificação com essa proposta foi imediata já que, nessa mesma época, vivia

intenso dilema acerca da inclusão de um aluno, por parte dos gestores e professores da escola

onde atuo como supervisora pedagógica, que necessitava de um atendimento pedagógico

domiciliar. Motivar os professores a incluir um aluno que se encontrava nessa situação

requeria um cuidado que envolveria a revisita às culturas, políticas e práticas docentes, além

do fomento de atitudes positivas, de valorização do ensino e da aprendizagem. Isso provocou

importantes discussões em torno da relevante participação de todos da escola, professores e

gestores, e envolveu estudos e reflexões que viessem a favorecer a reorganização de seus

conhecimentos e levar a uma atuação docente mais eficiente e eficaz.

Interessada em continuar os estudos sobre o reconhecimento cultural, político e prático

da ação educadora pelo viés da Inclusão em Educação, procurei o LaPEADE e me dispus a

fazer parte do grupo de pesquisa. Minha proposta foi imediatamente aceita pela Coordenadora

Prof.ª Dr.ª Mônica Pereira dos Santos que, na época, precisava de ajuda na orientação do

projeto formado pelos professores da EMCP. Esse grupo surgiu a partir de uma solicitação

feita ao LaPEADE, pela professora da sala de atendimento educacional especializado da

Escola, para que fossem ministradas palestras que auxiliassem os professores da escola, no

sentido de ampará-los e orientá-los na busca de estratégias e soluções que os ajudassem a

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enfrentar as fragilidades educacionais que vinham identificando no tocante à promoção de

inclusão. Sendo assim, em 2012, tornei-me pesquisadora e colaboradora do LaPEADE no

projeto da EMCP, entendendo que a inclusão em educação não abrangeria somente as

situações de exclusão de alunos com deficiência, mas a exclusão dos professores dos anos

iniciais, como profissionais políticos e intelectuais. Ser professor/professora significa, antes

de tudo, ser um sujeito que se reconhece como profissional autônomo, capaz de pensar,

discutir e promover ações pedagógicas, bem como envolver-se em discussão e elaboração de

novos projetos educacionais.

Todas as leituras desenvolvidas no projeto tomaram como base o Index para inclusão

(BOOTH; AINSCOW, 2011), instrumento de reflexão-ação que, desenvolvido com o apoio da

análise omnilética, coloca as instituições que o desenvolvem em contínua mobilização e

autoaperfeiçoamento.

Conforme as leituras do Index para inclusão (BOOTH; AINSCOW, 2011) aconteciam,

percebi que dar continuidade à investigação da relação entre os discursos de

valorização/desvalorização do magistério da Educação Básica e a construção da sua

identidade profissional poderia ser feito pelo viés da inclusão em educação e pela análise

omnilética dos argumentos utilizados pelos professores durante sua formação continuada.

Concordando com Santos et al. (2014),

[…] a leitura do Index para inclusão torna-se um momento de reflexão sobre as possibilidades de transformação das práticas diárias, seja na escola ou em outro ambiente social, como um referencial teórico. Basta uma rodada de leituras do Indexpara inclusão, uma discussão sobre os conceitos que definem as noções de barreiras à aprendizagem e à participação para que observemos a gama de oportunidades de interpretações que esse material oferece e que tocam de maneira quase íntima cada um que o estuda (SANTOS et al, 2014, p. 493).

O projeto da Escola Municipal Cícero Penna (EMCP) iniciou-se em fevereiro de 2012.

A primeira reunião aconteceu, na própria escola, entre a equipe do LaPEADE e os professores

do 1º segmento para apresentação do projeto, suas intenções e de que maneira aconteceriam

as discussões dentro daquela proposta.

A intenção inicial do projeto era mapear as barreiras à aprendizagem e à participação

dos alunos; identificar as dificuldades que porventura viessem a prejudicar a implantação de

alternativas de modificação de planejamento das atividades de sala de aula e auxiliar os

docentes em suas práticas cotidianas que suscitam tomadas de decisões no coletivo com o

comprometimento de todos no enfrentamento dos problemas institucionais. Pela crescente

demanda da problemática no ambiente escolar que causa as dificuldades de aprendizagem,

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essa ação encontrou sua justificativa na possibilidade de fomentar a discussão de estratégias

que pudessem auxiliar na melhor compreensão de tais dificuldades por parte do corpo

docente, visando um desempenho efetivo da escola, como um todo, e o sucesso de seus

alunos, em particular.

Durante o desenvolvimento do projeto, os professores e gestores que se

comprometeram em participar das reuniões de formação continuada começaram a sinalizar

certo incômodo em relação aos outros colegas que não aderiram ao projeto. Aqueles, quando

indagados sobre sua recusa em participar dos encontros, alegavam preocupação em perder

horas de aula e atraso dos conteúdos didáticos. Isso nos levou a refletir sobre as barreiras

apresentadas pelos docentes como responsáveis pelo impedimento à sua aproximação com o

projeto. Nossa análise nos levou a compreender a posição desses professores com base no

argumento do desperdício. O argumento do desperdício fundamenta-se na estrutura do real e

consiste em dizer que é preciso ir até o fim de uma determinada ação mesmo sabendo que esta

pode não ser a melhor escolha, mas é inimaginável desperdiçar tanto esforço investido

partindo numa nova empreitada. Entendemos que os argumentos usados para justificar a

escolha ou a recusa em participar dessa atividade de aprofundamento e reflexão poderiam

estar diretamente relacionados com o discurso de valorização/desvalorização da função

docente e de reconhecimento político da sua ação educadora. Esses primeiros argumentos nos

chamaram a atenção, pois acreditamos que o professor tende a assumir um papel primordial

de dinamizador de participação e de mobilização quando o assunto está diretamente ligado à

sua prática. Compreender a escolha daqueles que optaram em não participar, naquele instante,

do projeto, mostrou-se fundamental para que pudéssemos considerar as culturas, políticas e

práticas de cada membro e os papéis a eles associados, bem como as normas organizacionais

que orientavam aquele grupo para o andamento daquela atividade. E foi na conjugação destes

fatores que definimos, posteriormente, as formas que cada um, pesquisadores e pesquisados,

estaria na escola. Nesta interação foram necessários ajustamentos mútuos, que ao longo do

tempo evoluíram permitindo que, no avançar dos encontros, alguns professores optassem por

aderir ao projeto.

Encontramos no Index para inclusão (BOOTH; AINSCOW, 2011, p.11) a defesa da

ideia de que sem a participação não há como discutir a inclusão: “Aumentar a participação de

todos envolve desenvolver sistemas e ambientações educacionais de modo que estes sejam

responsivos à diversidade para valorizar igualmente a todos”. Isso implica olhar o espaço

ocupado pelo grupo coordenador e professores como um espaço social multidimensional de

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relações sociais entre agentes que costumam compartilhar interesses próximos. Esse espaço

social pode ser melhor compreendido quando visto sob a proposição de Bourdieu (1996) que

nos chama atenção para a luta constante entre os atores sociais e a ocupação dos espaços nos

diferentes campos sociais. Segundo o autor, devemos aplicar o sentido marxista no que se

refere às classes sociais, pois estas somente se tornam classes mobilizadas e atuantes quando

acontece um trabalho político de construção. Em suas palavras, o espaço social costuma

apresentar-se como:

[…] um campo, isto é, ao mesmo tempo, como um campo de forças, cuja necessidade se impõe aos agentes que nele se encontram envolvidos e como um campo de lutas, no interior do qual os agentes se enfrentam, com meios e fins diferenciados conforme a sua posição na estrutura do campo de forças, contribuindo assim para a conservação ou transformação de sua estrutura (BOURDIEU, 1996, p. 50).

Desta forma, pudemos entender que o campo construído durante os encontros com a

equipe de desenvolvimento do Index para inclusão (BOOTH; AINSCOW, 2011) da EMCP

constituiu-se em um lugar de mudanças permanentes, pois ali existiam reais possibilidades de

transformação, que diferiam consoante a posição ocupada por cada um.

Os docentes que decidiram participar dos encontros, mesmo sabendo que não era

proposta principal do Laboratório tratar da inclusão na perspectiva da educação especial,

declararam não estarem preparados para enfrentar o trabalho pedagógico dos alunos com

deficiência sem o auxílio constante de um mediador. Alguns evidenciavam a falta de cursos de

capacitação para lidar com esse “tipo de aluno” (sic). Outros afirmavam desconhecer a

maneira correta de usar as novas tecnologias de informação como ferramenta para auxiliar os

alunos com necessidades especiais. Apenas no que dizia respeito ao currículo escolar, todos

eram unânimes: aluno deficiente não pode fazer as mesmas atividades que os outros alunos,

pois não são capazes de aprender as mesmas coisas. Então, o que realmente esperavam os

professores daqueles encontros?

A primeira exigência que essa questão provocou foi a necessidade de definir uma

posição política, para além da postura pedagógica, a favor da possibilidade de aprofundar os

debates que surgiram em torno da leitura do Index para inclusão (BOOTH; AINSCOW,

2011). A forma de pensar e agir expressa pelo grupo de professores, a partir das suas culturas,

políticas e práticas, parecia tender à aceitação das normas impostas pelos estamentos sociais

que se prestam à alienação da prática educativa como algo desprovido de autoria, ou, dito de

outra forma, de valor. Os primeiros dados encontrados no campo precisavam ser investigados.

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Com essas questões em mente, construímos um projeto de pesquisa e o submetemos à

avaliação do PPGE/UFRJ, como requisito para a admissão no curso de Doutorado.

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2 A VALORIZAÇÃO DO PROFESSOR – UM ARGUMENTO RECORRENTE

A questão da valorização dos professores nos parece ser um ponto de interseção nos

discursos e documentos produzidos pelos órgãos públicos envolvidos direto ou indiretamente

com o Ministério da Educação. Citamos, como exemplo, a 11ª Semana de Ação Mundial

(SAM 2013) que teve como tema “Nem herói, nem culpado. Professor tem que ser

valorizado!”, quando se refere à melhoria da educação pública. Outro exemplo é a estratégia

anunciada pela Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado, convocada para discutir

o Plano Nacional de Educação (PNE 2014-2024), realizada no dia 15 de outubro de 2013, por

ocasião das comemorações do Dia do Professor, para promover uma melhoria dessa

qualificação. O secretário-executivo do Ministério da Educação (MEC) à época, José

Henrique Paim, lembra de ser o magistério a única categoria que tem piso estabelecido na

Constituição. Merece esclarecer que o estabelecimento do piso salarial para o magistério

remonta à Constituição Imperial.

Ao outorgar a Lei de 15 de outubro de 18276, o Imperador estabeleceu, no artigo 3º, a

responsabilidade dos presidentes dos distritos e províncias, em conselho, em taxarem

interinamente os vencimentos dos professores e das professoras, regulando-os de acordo com

o sexo do professor, as circunstâncias da população e as demandas dos lugares. Não apenas da

questão do salário dos professores tratava a lei, mas inclusive da formação docente,

estabelecendo currículo diferenciado para a formação dos professores e das professoras. Essa

preocupação com a retribuição salarial e com a formação diferenciada dos professores é algo

que reporta à constituição do Império Brasileiro e até hoje ocupa grande espaço nas

mensagens oficiais, conforme observamos na Lei do Piso (BRASIL, Lei n° 11.738, de 16 de

julho de 2008), que instituiu o piso salarial profissional nacional para os profissionais do

magistério público da Educação Básica, e na Resolução nº 7, de 26 de abril de 2012, do

Ministério da Educação.

Vale ressaltar que em 2012, segundo a reportagem de um jornal de grande circulação7,

o docente dos anos iniciais da Educação Básica, com formação em Pedagogia, recebia, em

média, somente 57% do registrado entre profissionais igualmente com formação superior. O

6Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LIM/LIM-15-10-1827.htm>. Acesso em: 22 mar. 2017.7Para conhecer um pouco mais sobre a participação da sociedade civil na Educação brasileira indicamos a página disponível em: <http://oglobo.globo.com/sociedade/educacao/>. Acesso em: 25 abr. 2015.

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Plano Nacional de Educação (BRASIL, 2001), para o decênio 2014-2024, aprovado pela Lei

Nº 13.005, de 24 de junho de 2014, estabelece, no seu Art.2º, as diretrizes para a educação

nacional. Dentre elas, destacamos a diretriz IX — a valorização dos (as) profissionais da

educação— que confirma a presença desta preocupação. Para garantir o alcance dessa diretriz,

estabeleceu-se a Meta 17, cujo propósito é: “valorizar os (as) profissionais do magistério das

redes públicas de educação básica de forma a equiparar seu rendimento médio ao dos (as)

demais profissionais com escolaridade equivalente, até o final do sexto ano de vigência deste

PNE” (Nota Técnica: avaliação técnica da Meta 17, prevista no Projeto de Lei Ordinário

(PLO) nº 8035/2010, denominado Plano Nacional de Educação - PNE – correspondente ao

decênio 2011-2020.).

O piso salarial nacional do magistério, definido pela Lei do Piso (BRASIL, 2008) e

regulamentado pela disposição já prevista na Constituição Federal (alínea ‘e’ do inciso III do

caput do artigo 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, BRASIL, 2008), e na

Lei de Diretrizes e Base da Educação – LDBEN ( BRASIL, 2012), é de R$ 2.298,80.

Segundo o Ministro da Educação, Mendonça Filho (2017), durante um

pronunciamento sobre o assunto: “o professor que tem carga horária mínima de 40 horas

semanais e formação em nível médio (modalidade curso normal) não pode receber menos do

que esse valor.” Nessa mesma reunião estava presente o presidente da União Nacional dos

Dirigentes Municipais de Educação (Undime), Alessio Costa Lima, que explicou que a lei

estabelece o piso nacional do professor, não o percentual. Ele explicou que “O piso nacional

de R$ 2.298,80 é o valor sobre o qual nenhum professor do país inteiro pode ganhar menos”,

e ainda disse que “No entanto, temos diversas situações de municípios e estados que já pagam

os salários dos seus professores acima desse valor.” No caso desses estados, ainda segundo

Costa Lima, não há a necessidade de aplicar o percentual de 7,64%. 8

Outras metas foram traçadas no mesmo plano (PNE 2014-2024) com o objetivo de

valorizar a docência. É o caso das metas 15 e 18 que, possivelmente, implicarão na formação

da carreira do magistério: a meta 15, objetivando assegurar que todos os professores e

professoras da Educação Básica possuam formação específica de nível superior, em curso de

licenciatura na área de conhecimento em que atuam (BRASIL, 2015b), e a meta 18 tratando

da valorização dos profissionais da educação escolar básica, preocupando-se em retomar a

8O pronunciamento do Ministro da Educação pode ser lido na íntegra na página disponível em: <http://portal.mec.gov.br/component/content/article?id=43931>. Acesso em: 12 abr 2016

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definição da nomenclatura “profissionais da educação escolar básica”. Conforme o artigo 61

da Lei n° 9.394/1996, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB):

Art. 61. Consideram-se profissionais da educação escolar básica os que, nela estandoem efetivo exercício e tendo sido formados em cursos reconhecidos, são: I – professores habilitados em nível médio ou superior para a docência na educação infantil e nos ensinos fundamental e médio; II – trabalhadores em educação portadores de diploma de pedagogia, com habilitação em administração, planejamento, supervisão, inspeção e orientação educacional, bem como com títulos de mestrado ou doutorado nas mesmas áreas; III – trabalhadores em educação, portadores de diploma de curso técnico ou superior em área pedagógica ou afim. (BRASIL, 2009,).

Cabe destacar que a valorização do magistério compreende uma série de condições

que dizem respeito não apenas a um fator isolado como parecem demonstrar as Metas 15 e 18,

mas a um conjunto de fatores que incluem, além do econômico, o social, o político e o

psicológico. A luta pelo seu reconhecimento e valorização por vezes leva o professor a

utilizar-se do movimento grevista como um modo de resistência à prescrição excessiva do seu

trabalho e à consequente desvalorização da sua profissão.

Na pauta da greve dos professores do Município do Rio de Janeiro, em 2013, estavam

listadas algumas reivindicações, a saber: um reajuste salarial de 19%; um plano de carreira

unificado próximo ao que os professores da rede federal possuem; 1/3 da carga horária para

planejamento e melhoria das condições de trabalho nas escolas e creches. De acordo com o

Sindicato dos Professores Municipais do Rio de Janeiro9 (SEPE/RJ), a principal reivindicação

da classe era a revisão do plano de metas10 — programa que anunciava as cinco frentes de

trabalho para a educação pública ao longo dos próximos quatro anos. Os professores, apesar

de terem sido alvo de violenta ação por parte da Polícia Militar do Rio de Janeiro, no

momento em que ocupavam a Câmara Municipal da cidade, se manifestavam e lutavam por

uma política de educação que lhes permitisse autonomia, já que, com a política educacional

da SME/RJ em exercício à época, boa parte da metodologia aplicada em sala de aula e do

material pedagógico eram impingidos por empresas terceirizadas, fundações, organizações

não-governamentais (ONGs) e institutos privados. Os professores afirmavam que essa prática

propiciava a perda da autonomia na seleção e organização do material pedagógico, reduzindo

9Disponível em: <http://educacao.uol.com.br/noticias/2013/10/08/entenda-a-greve-dos-professores-da-rede-estadual-do-rj.htm>. Acesso em: 12 abr. 2016.10 Para mais detalhes sobre o plano de metas, sugerimos a leitura do texto publicado disponível em: <http://www.uff.br/observatoriojovem/materia/plano-de-metas-da-educaco-do-rio-de-janeiro-do-economicismo-ao-cinismo>. Acesso em: 12 abr. 2016.

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os conteúdos didáticos em apenas o mínimo para atender às necessidades do mercado,

exigidas pelos exames do governo. Some-se aos baixos salários a falta de infraestrutura

mínima nas salas de aula para que a situação se tornasse insuportável e culminasse na

indignação da categoria.

De acordo com as informações colhidas no próprio site do SEPE/RJ11, as

reivindicações, à época, não foram atendidas e a luta contra o arrocho salarial, contra a

política pedagógica da Secretaria Municipal de Educação do Estado do Rio de Janeiro

(SME/RJ), exemplificada na proposta da prefeitura de “Reestruturação” da rede, e contra as

más condições de trabalho continuou em 2014.

O docente, em especial aquele ligado à SME/RJ, tem perdido progressivamente a

capacidade de decidir qual será o eixo norteador do seu trabalho, pois este chega previamente

estabelecido na forma de disciplinas, horários, programas, normas de avaliação e outras

estratégias determinadas pelas equipes gestoras. Hoje, o professor não goza de uma

independência completa. Mesmo possuindo competências adquiridas por meio da sua

formação acadêmica, no que diz respeito aos critérios de avaliação e gestão de suas aulas, o

gerenciamento da escola e a imposição de modelos pedagógicos invadem seu espaço de

atuação. Para fazer valer o direito à participação na implantação das políticas educacionais da

SME/RJ, lutando contra a falta de democracia desse órgão, o SEPE/RJ precisou, em 2006,

iniciar um processo civil para ter seus direitos respeitados. Entendendo que são eles, os

professores, os principais interessados nas mudanças promovidas pelo governo municipal na

sua rede, a Justiça deu a causa como favorável aos pleiteantes, restabelecendo alguns direitos

antes revogados. A adoção de formas de gestão autoritária, como o que ocorreu nos anos de

2008-2014, no Município do Rio de Janeiro, propiciou significativa redução da margem de

liberdade dos docentes devido aos processos de controle ideológicos e profissionais,

provocando a perda de autonomia profissional dos professores.

Falar do trabalho docente impõe enxergar os professores e professoras como

profissionais. Significa inquirir o sentido da autonomia na constante construção da identidade

profissional docente (APPLE,1989; CONTRERAS, 2012; DUBAR, 2005; KUENZER, 1999;

LAW, 2001; LIBÂNEO, 2001; PIMENTA, 2000), considerando suas culturas, políticas e

práticas pedagógicas. Defendemos, assim, a importância da construção da identidade docente

tendo a autonomia como condição provável para uma mudança na realidade educacional e

sociopolítica.

11Disponível em: <www.seperj.org.br> Acesso em: 15 fev. 2017.

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Dubar (2005) nos apresenta a possibilidade de compreender o conceito de identidade

profissional como algo que pode dar “sentido à existência individual” (p. 352). Comumente

chamado de “ofício”, “vocações” ou “profissões”, o exercício da atividade não se limita à

troca de energia física e mental por um salário, mas traz uma recompensa simbólica de

satisfação pessoal e de reconhecimento social pelo esforço desprendido. Sendo coletivamente

reconhecida por um nome específico, a função desempenhada, durante o trabalho, cria um

sentido de pertencimento a uma determinada categoria. O espaço de reconhecimento dessa

identidade profissional é, segundo o mesmo autor, inseparável dos espaços de legitimação dos

saberes e competências a ela associadas. É possível, então, que tanto a identidade quanto a

autonomia dos docentes sejam constantemente consolidadas ou enfraquecidas pelos estímulos

que recebem no dia a dia, quando confrontadas pelas suas culturas, políticas e práticas.

Lawn (2001) afirma que a identidade do professor costuma ajustar-se à imagem do

projeto educativo da nação, por meio dos seus regulamentos, serviços, programas

educacionais e outros programas derivados do discurso educacional. Sendo assim, essa

identidade é produzida e reproduzida pelas mesmas ações que constroem os programas de

governo. Podemos considerar que essas ações, se não oferecem espaço para a autonomia do

professor na construção da sua prática pedagógica, podem interferir na construção da

identidade profissional.

Para Lawn (2001),

A identidade do professor tem o potencial para não só refletir ou simbolizar o sistema, como também para ser manipulada, no sentido de melhor arquitetar a mudança. A tentativa de alterar a identidade do professor é um sinal de pânico no controle da educação, ou um sinal da sua reestruturação (LAWN, 2001, p. 119).

Mas de que profissão estamos falando quando tratamos do magistério da Educação

Básica?

O Estudo Exploratório sobre o Professor Brasileiro (BRASIL, 2009), elaborado pela

Diretoria de Estatísticas Educacionais do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa (Inep),

reconhece como docência a profissão cujo seu executor é o sujeito que está em sala de aula,

na regência de turmas e em efetivo exercício. Esse Estudo foi elaborado a partir dos dados do

Censo Escolar da Educação Básica de 2007 e tem o propósito de apresentar um conjunto de

informações sobre os professores das escolas brasileiras. Analisou a divisão da educação

básica em três etapas (Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio), alertando

para a mudança do perfil do professor e das suas condições de trabalho.

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De acordo com esse estudo, os professores da Educação Infantil (creche e pré-escola)

costumam ser docentes que trabalham em apenas uma escola, atendendo até duas turmas. Já

no Ensino Fundamental, aparecem diferenças entre os professores de anos iniciais e os dos

anos finais.

Os professores dos anos iniciais atuam, na maioria dos casos, em apenas uma turma

por turno e são multidisciplinares. Alguns são licenciados em Pedagogia, outros possuem

apenas o Curso Normal. Da mesma forma, há professores lecionando nos anos iniciais que

são graduados e licenciados em outras disciplinas, como Psicologia, Direito ou

Administração.

Os professores dos anos finais são especialistas com bacharelado e licenciatura na

disciplina em que atuam, e lecionam em várias turmas. No Ensino Médio, os professores são

especialistas de disciplina, da mesma forma que os professores dos anos finais do Ensino

Fundamental, atuando, igualmente, em diversas turmas.

Em especial, chamamos a atenção para a formação dos professores da Educação

Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Para atuar como professor, o candidato

pode escolher formar-se no antigo Curso Normal, em nível médio, ou no curso normal

superior, dentro dos institutos superiores de educação e ainda nos cursos de graduação

oferecidos pelas universidades – pedagogia e licenciatura.

Sobre a formação de docentes para a Educação Básica, os artigos 62 e 63 da Lei de

Diretrizes e Bases da Educação (LDB), Lei nº 9.394/1996, dispõem que:

Art. 62. A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutossuperiores de educação, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nos 5 (cinco) primeiros anos do ensino fundamental, a oferecida em nível médio na modalidade normal.Art. 63. Os institutos superiores de educação manterão:I -cursos formadores de profissionais para a educação básica, inclusive o curso normal superior, destinado à formação de docentes para a educação infantil e para asprimeiras séries do ensino fundamental;II -programas de formação pedagógica para portadores de diplomas de educação superior que queiram se dedicar à educação básica. (BRASIL, 2009).

Diferente daqueles que optam pela carreira de Engenharia, Arquitetura ou Medicina,

cuja formação básica para exercer a profissão é o bacharelado, para a carreira do Magistério

há um grande leque de opções. Observamos na página eletrônica do MEC12 a seguinte

orientação para quem quer exercer a profissão do magistério:

12Disponível em: <http://sejaumprofessor.mec.gov.br>. Acesso em: 15 fev. 2017.

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Podem lecionar nos Ensinos Fundamental e Médio das escolas de Educação Básica, os graduados em licenciaturas e Pedagogia. Na Educação Infantil (creches e pré-escolas) e nos quatro primeiros anos do Ensino Fundamental, admitem-se professores com formação mínima de nível médio, na modalidade normal. Porém, o projeto de lei 5.395/09, que tramita no Congresso Nacional, prevê que apenas a Educação Infantil admita professores com formação mínima de nível médio, na modalidade normal. Para ingressar como professor de qualquer instituto federal, basta apenas a graduação. Entretanto, o plano de carreira prevê uma retribuição por titulação, que aumenta o salário caso o professor tenha mestrado, doutorado ou mesmo especialização. (grifos nossos) (http://sejaumprofessor.mec.gov.br/internas.php?area=como&id=requisitos.).

Dessas informações retiradas do portal eletrônico do MEC, podemos depreender que a

formação do professor da Educação Básica está prevista em leis e decretos. Os conteúdos a

serem estudados pelos licenciandos em Pedagogia estão preestabelecidos nos programas dos

cursos de licenciatura e pós-graduação. Há um saber reconhecido que deve ser passado a esse

formando para que o habilite a desempenhar seu ofício, tornando-o um profissional consciente

de suas competências e habilidades.

Sabemos que a profissionalização costuma ser legitimada pelo seu saber científico e

isso nos permite atentar a um fato destacado por Contreras (2012, p. 69) que diz respeito à

formação do professor em relação a outras categorias profissionais:

Diferentemente de outras ocupações, nas quais há uma continuidade de formação e detitulação entre os que exercem diferentes funções dentro de uma mesma comunidade de discurso, no caso do ensino parece haver uma fratura entre os que possuem um conhecimento reconhecido e uma legitimação científica sobre a docência enquanto campo discursivo, por um lado, e os professores (não universitários), por outro (CONTRERAS, 2012, p. 69).

Assim posto, entendemos que quando perguntamos sobre qual profissão estamos

falando quando tratamos do magistério da Educação Básica, devemos levar em consideração

também a histórica caminhada de desvalorização profissional.

Incluir esse dado nas nossas reflexões apresentou-se como uma das formas de

descobrir as nuances do processo que leva ao atual quadro profissional do magistério.

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3 A ESCOLHA DOS REFERENCIAIS TEÓRICOS

“Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadloff, levou-o para que descobrisse o mar. Viajaram para o Sul. Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando. Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar, e tanto seu fulgor, que o menino ficou mudo de beleza. E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai: - Me ajuda a olhar!” (GALEANO, 1989).

3.1 A Perspectiva Omnilética

Esta tese apresenta particularidades em sua configuração metodológica, pois trabalha

com uma perspectiva pouco conhecida nos meios acadêmicos. Esse fato poderá causar alguma

estranheza inicial, porém, procuraremos demonstrar como essa nova proposta é capaz de

tornar possível uma interpretação baseada nas culturas, políticas e práticas humanas,

dialeticamente relacionadas e explicitamente complexas sem, no entanto, serem complicadas

de se entenderem.

A abordagem teórica que pretendemos utilizar nesta pesquisa, e que nos ajudará a

olhar o campo, é a perspectiva Omnilética (SANTOS, 2012, 2013). O termo omnilética foi

criado pela professora Dr.ª Mônica Pereira dos Santos a partir de três elementos morfológicos:

o prefixo latino omni, que significa tudo e/ou todo; o termo grego leto que, como substantivo,

significa um grupo de elementos linguísticos que diferenciam grupos de acordo com suas

variações de fala, e como verbo significa aquilo que está oculto; e o sufixo grego ico, que

significa ‘pertinente a’, ‘relacionado com’, indicando a ideia de referência e de relação

(SANTOS, 2013).

Construiu-se o termo omnilética para caracterizar uma perspectiva de análise que

significa, em última instância, compreender os fenômenos sociais em sua integralidade visível

e em sua potencialidade invisível, mas não necessariamente ausente, seja por estar apenas

oculta, seja por existir, ainda, apenas potencialmente (SANTOS, 2013). Significa entender a

integralidade de leis, decretos, diretrizes (e os recortes analíticos suscitados pela pesquisa) em

seus elementos únicos, íntima e dialeticamente relacionados e complexos, o que envolve

cultura, política e prática em relação.

A perspectiva analítica omnilética, segundo Santos (2013, p. 23), é um modo de

explicar/conceber e ser ao mesmo tempo. Um conceito, portanto, de caráter tanto reflexivo e

contemplativo quanto aplicativo às práticas, ao seu modo de ser.

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A base epistemológica dessa proposição está, de acordo com Santos (2015), nas

dimensões propostas por Booth (2011), de culturas, políticas e práticas; nos conceitos de

dialética, inspirados no ideário marxiano (Konder, 1981; Luckács, 2003) e na ideia de

complexidade das relações (Morin, 2006).

De acordo com Santos e Santiago (2014, p. 487), a omnilética parte do princípio de

que:

[...] todo e qualquer fenômeno humano e social pode ser compreendido (e desafiado)a partir do reconhecimento das relações, ao mesmo tempo, dialéticas e complexas, das três grandes dimensões nas quais manifestamos nossa existência pessoal, coletiva e institucional: a das culturas, políticas e práticas. A dimensão das culturas refere-se a valores que temos e justificativas que damos para explicar o mundo. A das políticas faz referência não apenas às conhecidas políticas públicas, como também abrange toda intenção expressa que tem por objetivo orientar e organizar ações. Políticas refletem decisões tomadas e geralmente implicam em planos de ação. A das práticas refere-se às práticas e ações pessoais e sociais propriamente ditas, a o quê e como fazemos as coisas.

Omnilética significa, então, uma maneira totalizante de compreender as diferenças

como partes de um quadro maior, caracterizado por suas dimensões culturais, políticas e

práticas em uma relação ao mesmo tempo complexa e dialética (SANTOS, 2013). O conceito

omnilético ultrapassa a dimensão inicial que, na sua criação, inspirou-se na amplitude do

pensamento de Luckács (2012), de Leandro Konder (1981) e de Edgar Morin (1977, 2011) e

expandiu-se, a partir da síntese de elementos dialéticos inseridos nas culturas, nas políticas e

nas práticas pedagógicas, em direção à criação de um corpo analítico.

Ao fundamentar o presente estudo na perspectiva Omnilética, elegemos a análise dos

argumentos elencados pelos professores como categoria por considerá-los o mais relevante do

processo de reflexão sobre os indicadores do Index para inclusão (BOOTH; AINSCOW,

2011). Os dados mais significativos para a construção de uma abordagem específica do

argumento, centrado na Teoria da Argumentação de Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996),

serão interpretados à luz da perspectiva analítica omnilética.

Com efeito, para que essa maneira omnilética de perceber a totalidade seja um

pensamento aplicável, e para que possa estar em condições de oferecer bases para uma

análise, a sua constituição deverá passar, durante cada efetivo exercício da análise dos

argumentos extraídos e destacados dos encontros entre professores, por alguns procedimentos

filosóficos, como a dialética e a complexidade, que se apresentam como pressupostos

imprescindíveis para o alcance do seu pleno e rico significado. Esse trajeto omnilético

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(culturas, políticas, práticas, dialético e complexo) é o procedimento escolhido como sendo

possível de proporcionar um estatuto científico à referida pesquisa.

A totalidade é uma das categorias fundamentais da perspectiva Omnilética e que pode

ser melhor compreendida a partir do conceito elaborado na década de 1940 por Lukács, que

assim a definia:

A categoria de totalidade significa (...), de um lado, que a realidade objetiva é um todo coerente em que cada elemento está, de uma maneira ou de outra, em relação com cada elemento e, de outro lado, que essas relações formam, na própria realidadeobjetiva, correlações concretas, conjuntos, unidades, ligados entre si de maneiras completamente diversas, mas sempre determinadas (LUKÁCS, 1967, p. 240).

A categoria da totalidade, na perspectiva Omnilética, não pode ser compreendida sem

que sejam discutidas as questões das culturas, políticas e práticas em jogo, para não incorrer

no erro de obter-se, na apropriação e no decorrer da análise dos argumentos, uma

interpretação superficial. Sem essa discussão, em vez de contribuir para revelar o que de

explicativo há no argumento, correríamos o risco de criar um obstáculo intransponível para

sua análise.

A totalidade de um determinado fato, assim compreendida, constituiu-se de um todo

composto por partes e de relações conectadas entre si e em constante movimento. A

fragmentação do todo em partes pode causar uma desarticulação, possivelmente impedindo a

compreensão do todo. Da mesma forma, o conhecimento das partes isoladas do todo não é

conhecimento nem das partes e nem do conjunto.

De acordo com Konder (1986, p. 36) “Qualquer objeto que o homem possa perceber

ou criar é parte de um todo.”. Cada parte também é um todo, um universo em si. Essa ideia

aproxima-se de uma definição do significado de cultura na perspectiva Omnilética.

Para Booth e Ainscow (2011), as culturas refletem as relações pessoais, os valores e

crenças profundamente enraizados. Esse conjunto de ideias, comportamentos, símbolos e

práticas sociais são passíveis de serem aprendidos e apreendidos, passados de geração a

geração por meio da vida em sociedade. Devido à sua característica cumulativa, as culturas

são herdadas entre as gerações, onde vão se transformando, perdendo e incorporando outros

aspectos.

Geertz acredita que a cultura seja formada por construções simbólicas. Para ele, “a

análise cultural é intrinsecamente incompleta e, o que é pior, quanto mais profunda, menos

completa” (GEERTZ, 1989, p. 39). Essa perspectiva semiótica que o autor utiliza para

explicar como é que o ser humano interpreta o entorno/ambiente que o envolve, como elabora

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o conhecimento e os significados, nos aponta para uma abordagem interpretativa do seu

estudo, comprometendo-se “com a visão da afirmativa etnográfica como essencialmente

contestável” (idem). A cultura, então, é vista como uma ciência interpretativa, à procura de

um significado.

Segundo Geertz (1989):

Acreditando, como Marx Weber, que o homem é um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu, assumo a cultura como sendo essas teias e a sua análise; portanto, não como uma ciência experimental em busca de leis, mas como uma ciência interpretativa, à procura do significado. É justamente uma explicação queeu procuro, ao construir expressões sociais, enigmáticas na sua superfície (GEERTZ, 1989, p. 39).

Importante ressaltar que o conceito de cultura possui grande ambiguidade e

diversidade de uso, principalmente nas ciências sociais. A polissemia de definição e

delimitação do termo nos levou a pesquisar seus diferentes sentidos. No dicionário Michaelis

online, podemos encontrar, como significado de cultura, 21 (vinte e uma) referências, sendo

que, para efeito de demonstração deste trabalho, destacamos três, a saber:

13-Sociologia: sistema de ideias, conhecimentos, técnicas e artefatos, de padrões de comportamento e atitudes que caracteriza uma determinada sociedade. 14-Antropologia: Estado ou estágio do desenvolvimento cultural de um povo ou período, caracterizado pelo conjunto das obras, instalações e objetos criados pelo homem desse povo ou período; conteúdo social. 15-Arqueologia: Conjunto de remanescentes recorrentes, como artefatos, tipos de casas, métodos de sepultamento e outros testemunhos de um modo de vida que diferenciam um grupo de sítios arqueológicos. (MICHAELIS, 2015.).

O objetivo deste trabalho não é estabelecer uma definição última para o termo cultura,

mas apenas discutir significados associados a ele e esclarecer qual é a acepção de cultura aqui

utilizada na análise dos argumentos dos professores.

A primeira diferenciação que pretendemos deixar clara é em relação ao uso do termo

“cultura” no singular. Quando o termo “cultura” é usado no singular induz à aceitação de uma

cultura única onde um conjunto de características pré-determinadas define igualmente os

membros de um determinado grupo. Se pensarmos na definição de cultura a partir do senso

comum, a encontraremos fortemente ligada ao conceito de erudição. Essa perspectiva, que é

tão forte, foi bem destacada por Bourdieu e Passeron (2015) quando analisaram o processo de

perpetuação e legitimação da herança cultural da classe dominante por meio da desigualdade

do acesso aos meios e processos de escolarização. Desse ponto de vista, cultura define, então,

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uma unidade que historicamente foi usada para demarcar fronteiras, sejam elas sociais ou

tecnológicas.

Durante muito tempo a cultura foi entendida numa perspectiva linear, ancorada de

forma resistente e conservadora nos modelos conservadores de tradições religiosas e

aristocráticas e que faziam parte de um mundo que resistia e se articulava sob o discurso de

que desenvolvimento cultural de uma determinada sociedade demonstrava sua evolução a

partir de um estágio anterior avançando a um outro estágio mais desenvolvido. A cultura,

como própria da humanidade, esteve associada à ideia de progresso, evolução, educação e

razão, servindo para classificar, determinando uma escala hierarquizada. Essa ideia de linha

evolutiva da cultura serviu durante muito tempo para balizar o preconceito e a discriminação

racial. A diversidade cultural das várias sociedades representava estágios de evolução cultural

diferentes. Assim, o ameríndio estaria no estágio cultural de selvageria enquanto o europeu

ocuparia um lugar muito mais avançado nessa escala cultural.

Defendemos que a palavra cultura deva estar sempre no plural, pois convivemos com

uma pluralidade de culturas; um indivíduo não pertence a uma única cultura, mas a várias

culturas diferentes. Não podemos negar que as nações, sociedades e grupos humanos estejam

em constante interação. Essa interação proporciona uma riqueza incontável de formas de

construções sociais, de modo que a realidade social está sempre em transformação. Santos

(2006) afirma que é fundamental entender os sentidos que uma realidade cultural tem para

aqueles que a vivem.

A maneira que conduzimos até aqui a questão das culturas aproxima-se de Santos

(2006) quando este propõe que esse conceito possa ser visto sob dois aspectos: o aspecto da

realidade social e o aspecto do conhecimento. Para a autora, “cultura diz respeito a tudo

aquilo que caracteriza a existência social de um povo ou nação, ou então grupos no interior de

uma sociedade” (SANTOS, 2006, p. 24). Mesmo que consideremos de forma particular a

cultura de um determinado grupo social, povo ou nação, encontramos a indissociabilidade

entre as culturas que os permeiam. Isso porque é inegável a interação entre os povos.

Indubitavelmente, a discussão sobre cultura é muito importante, pois permite-nos olhar por

diversos ângulos a nossa própria constituição social. Nossas crenças e valores pessoais são

adquiridos ao longo de nossa história de vida e de nossos aprendizados, sendo alterados de

acordo com o tempo.

Sustentamos a ideia de que não se pode propor um estudo dos argumentos dos

professores sem ter em mente as complexas inter-relações entre cultura, política e prática, e o

lugar daqueles que participaram da construção do Projeto Político-Pedagógico da escola. A

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prática profissional é, certamente, resultado de uma especialização e, portanto, baseada em

destrezas desenvolvidas em situações rotineiras. É essencial, como nos afirma Contreras

(2012), que o profissional da educação tenha liberdade para realizar seus próprios juízos,

baseados na sua cultura, com respeito à prática apropriada.

Entendemos, desta forma, que a cultura é uma dimensão do processo social e que

podemos utilizá-la para compreender aspectos da formação social, em especial, a formação da

classe dos professores.

Segundo Bourdieu:

A cultura dominante contribui para a integração real da classe dominante (assegurando uma comunicação imediata entre todos os seus membros e distinguindo-os das outras classes); para a integração fictícia da sociedade no seu conjunto, portanto, a desmobilização (falsa consciência) das classes dominadas; paraa legitimação da ordem estabelecida por meio do estabelecimento das distinções (hierárquicas) e para a legitimação dessas distinções (BOURDIEU 1989, p. 10).

Importante notar que o estudo da cultura não se restringe apenas às suas expressões e

representações, mas à maneira como ela se relaciona com as expressões de dominação de

classe. É igualmente certo que os processos culturais estão intimamente relacionados com os

processos educacionais e que estes reproduzem as relações de poder existentes dentro da

sociedade.

Marx (1977) nos diz que:

A teoria materialista de que os homens são produto das circunstâncias e da educaçãoe de que, portanto, homens modificados são produto de circunstâncias diferentes e de educação modificada, esquece que as circunstâncias são modificadas precisamente pelos homens e que o próprio educador precisa ser educado. Leva, pois, forçosamente, à divisão da sociedade em duas partes, uma das quais se sobrepõe à sociedade (MARX, 1977, p. 118-119).

Compartilhando desse pensamento, podemos dizer que a perspectiva Omnilética

propõe a compreensão das culturas como processos dialéticos e complexos, em que se

considera as mudanças manifestas de maneira observável ou apenas pressentidas, que se

apresentam de forma oculta, quantitativas ou qualitativas, e que podem ocorrer de modo

gradual ou repentino, apresentando-se na forma de saltos de um estado de coisas para outro

como resultado do cruzamento de uma série de saberes relacionados com as políticas e as

práticas de cada um.

O conceito de políticas adotado neste trabalho aproxima-se da definição de que

política é uma atividade orientada ideologicamente para a tomada de decisão. Numa ótica

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prática, podemos considerar que políticas nessa perspectiva significa aquilo que a sua raiz

etimológica propõe: viver em sociedade.

Booth e Ainscow (2011) nos expõem que:

Os valores são compreendidos pela observação de ações, assim como a compreensãoda natureza das políticas depende da observação de tentativas de influenciar a prática. Colocar a palavra ‘política’ na capa do documento não o torna uma política em nenhum sentido importante, a menos que represente a clara intenção de regular aprática. Sem uma estratégia de implementação, a dita política documental se torna retórica, usada talvez somente para impressionar inspetores e visitantes (BOOTH; AINSCOW, 2011, p. 46).

Agir cooperativamente, com coleguismo e solidariedade, é uma escolha que envolve

um posicionamento político, já que as políticas são uma referência permanente no nosso

cotidiano cultural, pois estão diretamente relacionadas com as questões sociais.

Num significado mais abrangente, o termo “política” pode ser entendido como um

conjunto de regras ou normas de uma determinada instituição.

Booth e Ainscow (2011) situam o conceito de políticas no campo do comum, ou seja,

no espaço onde é possível abarcar todas as atividades e práticas que devam ser partilhadas. No

Index para inclusão, material utilizado como base para essa pesquisa, os indicadores tratam

das questões políticas do dia a dia da escola, ou seja, propõem reflexão sobre as decisões que

são tomadas diariamente no fluxo do dia escolar e que têm a ver com as nossas culturas e

práticas. Assim, para nós, as políticas de trabalho de uma escola e de sua equipe devem ser

definidas a partir da visão, missão, valores e compromissos com os alunos.

Contreras (2012) chama a atenção para o fato de que esse fluxo escolar não é algo

rotineiro, pois as situações vividas na escola, em especial numa sala de aula, são situações

complexas onde se faz necessário manipular diariamente novos problemas. Ainda que o

conhecimento adquirido por meio da experiência vivida em cada situação escolar seja

importante, ele é insuficiente para atender às solicitações diárias. Isso nos leva a considerar a

importância de um corpo disciplinado de aquisição de conhecimentos. Contreras (2012) atenta

para o fato de que a primeira dimensão da profissionalidade docente advém do fato de que

supõe um compromisso de caráter moral. Na perspectiva Omnilética, essa dimensão está

fortemente ligada às culturas, porém confere essa “obrigação moral” da mesma forma à

dimensão política, já que os valores estão relacionados a princípios, à conduta ética, às

normas comportamentais entendidas como um código deontológico. Assim como políticas

podem ser definidas a partir das culturas, as culturas podem ser definidas a partir das políticas.

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Para Charlot (1986, p.11), “a educação é política”. Porém, não basta apenas

acrescentarmos o termo “política” ao projeto da escola para termos o seu entendimento

máximo. Como já comentamos, não basta somar as partes (projeto + político + pedagógico)

para formarmos o conceito de totalidade sobre a função política da educação. Como sugere o

autor, “não basta, portanto, afirmar que a educação é política. O verdadeiro problema é saber

em que ela é política” (CHARLOT, 1986, p.13)

Sabemos que os processos educacionais estão intimamente ligados aos processos

sociais, por isso afirmamos que a educação é política quando assume e transmite os modelos

sociais. As teorias e as práticas pedagógicas estabelecem relação direta com as bases das

relações sociais para melhor orientar as ações referentes à manutenção do status quo. Essas

condutas são definidas a partir dos modelos culturais postos em evidência num determinado

momento. A estrutura social determina quais as leis e regras que devem ser seguidas. Por

outro lado, “acreditar que é inexorável a adaptação dos indivíduos às normas da sociedade e

que os padrões sociais são imutáveis, corresponde a crer também que a sociedade onde

vivemos é estática e imutável, o que não é verdade” (ROBLE, 2008, p.11). Nos currículos

escolares, encontramos cada vez mais “matérias” a serem lecionadas e que dizem respeito

diretamente aos problemas relacionais que a própria sociedade gerou, tais como a homofobia,

o racismo, a violência, a gravidez na adolescência, a importância do voto, o respeito no

trânsito, a ética profissional, entre outros. Sabemos que a questão do analfabetismo é um

problema formal da escola, mas eliminar, por exemplo, a homofobia, que é um fenômeno

muito mais amplo, alimentado, inclusive, pelas formas tradicionais de relacionamentos

humanos, passando pela mídia, pelas religiões conservadoras e pelo modelo patriarcal de

família, não cabe somente à escola.

Percebe-se, então, que essas discussões, quando dentro da escola, são admitidas

possivelmente com o objetivo de corrigir e reestabelecer as estruturas determinantes e

fundamentais da sociedade, mantendo a conformidade com as suas exigências locais e

globais. A transmissão de valores está garantida por meio da impregnação de modelos de

comportamentos por visões religiosas e conservadoras.

A educação, em vista disso, transmite modelos sociais de comportamentos esperados.

As relações culturais de dominação estão presentes na escola, garantindo a geração e

transmissão de um quadro de valores que legitimam os interesses dominantes no momento.

Bourdieu (2007) discute essa dominação cultural por meio do conceito de “capital cultural”.

Segundo o autor, capital cultural diz respeito àquilo que se acumula na educação, na forma da

incorporação de conhecimentos aprendidos em livros, ou institucionalizados por meio de

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diplomas, títulos e certificados. A escola teria como função constituir-se como um espaço de

reprodução de estruturas sociais e de transferência de capitais (incorporados ou

institucionalizados) de uma geração para outra. É nela que o legado econômico da família se

transforma em capital cultural.

Uma vez que o conceito de capital cultural se mostra como uma ferramenta importante

para apreender a dimensão simbólica da luta entre os diferentes grupos sociais (como a luta

pela legitimação de certas práticas sociais e culturais que servem para definir e distinguir os

critérios de poder dos diversos grupos pela posse da cultura dominante), acreditamos que a

escola possui alguma responsabilidade na perpetuação das desigualdades sociais. Mesmo

estando o discurso político educacional atual voltado para a igualdade de condições, para o

acesso e permanência do aluno na escola, garantindo, assim, que todos sejam tratados como

iguais em seus direitos e deveres, o sistema escolar ainda é levado a dar sanção às

desigualdades iniciais diante das culturas. Na escola, os alunos sofrem a influência dos

modelos marcantes e essa ação é sempre uma ação política. Pode-se, então, concluir que a

escola é uma instituição social cuja organização e funcionamento estão diretamente

relacionados com o modelo político e econômico vigente uma vez que depende direta ou

indiretamente do financiamento, público ou privado, para exercer o controle e gestão do seu

corpo docente e discente, além de funcionários e agentes educacionais.

É possível, então, definir a expressão política da escola numa perspectiva idealista,

como atividade transformadora da realidade social, já que desempenha função instrumental da

propagação de interesses e difusão dos ideais político-sociais (CHARLOT, 1986).

Segundo o autor,

Essa dependência multiforme da escola com relação à sociedade determina, ao mesmo tempo, as finalidades da instituição escolar (formação de crentes, de cidadãos, de trabalhadores, de funcionários, de técnicos, etc; formação de massa ou formação de uma elite) e sua organização interna (poder de decisão e de organização, tipo de ensino, modo de controle pedagógico, forma de seleção, etc) (CHARLOT, 1986, p. 21).

Porém, mesmo pensando a educação e as suas consequências políticas, os professores

tendem a afastar essa ideia do processo educativo encarando apenas o fim da educação como

um fim cultural. É inegável que, por ter consequências políticas, a educação é politicamente

determinada. Portanto, a educação não pode ser vista apenas como responsável pela

transmissão dos ideais culturais de uma determinada sociedade.

Apple (2002) afirma que

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[…] ao vermos a escola apenas em termos reprodutivos, em essência, como uma função passiva de uma ordem social externa iníqua, torna-se difícil gerar qualquer ação educacional séria de qualquer tipo. Pois, se as escolas são inteiramente determinadas e não podemos fazer mais do que espelhar as relações econômicas fora dela, então nada pode ser feito dentro da esfera educacional (APPLE, 2002, p. 84).

Reconhecendo a escola como espaço de produção de resistência e de convivência,

onde o exercício da cidadania é favorecido, possuidora de formas de organização, normas e

procedimentos que estão além dos aspectos formais de sua estrutura, será possível a criação

de mecanismos pelos quais possamos permitir e incentivar ou, ao contrário, inibir e restringir

as formas de participação daqueles que constituem a escola. Nesse sentido, uma escola, por

exemplo, que pretende atingir de forma gradativa e consistente crescentes índices de inclusão,

isto é, aumentar as possibilidades de enfrentamento das barreiras excludentes, não pode deixar

de considerar, como parte integrante de seu projeto, o compromisso de participação.

Charlot (1986) afirma que a educação nos é apresentada sem cessar como um processo

cultural, ocultando sua significação social e política. Significação essa que nos parece ser

constantemente dissimulada, escondida por trás do discurso de que a educação deve ser

apolítica. Significa dizer que os professores não são os agentes legítimos nem legitimados,

chamados a opinar ou a responder sobre o problema político da educação. É nesse caldo

cultural que o sentido de desvalorização docente é cultivado.

Paulo Freire (2015) considerou, em sua obra Pedagogia da Autonomia, que não há

neutralidade na educação, pois toda prática de ensino, principalmente aquela que se diz

neutra, está carregada de ideologia política. O Projeto Político-Pedagógico de qualquer escola

é construído baseado na visão de mundo dos seus construtores e, portanto, por uma escolha

política que privilegia determinadas culturas, que necessariamente expressam um certo

conjunto de crenças e valores. Consequentemente, uma mudança significativa da educação

não é possível sem a transformação do quadro social, no qual as práticas educativas se

apoiam.

Esse quadro social foi semelhantemente discutido por Bourdieu quando afirma que

[...] a desigualdade inicial das diversas camadas sociais diante da escola aparece primeiramente no fato de serem desigualmente representadas. Ainda seria preciso observar que a parcela de estudantes originários das diversas classes reflete apenas incompletamente a desigualdade escolar, as categorias sociais mais representadas noensino superior sendo ao mesmo tempo as menos representadas na população ativa” (BOURDIEU, 2015, p. 16).

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É superficial em demasia afirmar que a desigualdade social se baseia apenas na

questão do capital cultural e que as vantagens ou desvantagens educativas estariam sujeitas

apenas às escolhas iniciais dos familiares. Devemos lembrar que, para Bourdieu (1975), a

classe social que exerce dominação especificamente sobre o campo pedagógico induz o

sistema de ensino ao cumprimento de duas funções: a) fazer com que as classes inferiores

reconheçam a cultura dessa classe dominante como a única cultura legítima; b) dificultar o

acesso a tal cultura. Dentro do sistema de ensino, a ação pedagógica é política quando os

professores aderem e participam dessa dupla empreitada por meio de instrumentos de

avaliação e planejamentos de conteúdos estritamente voltados para um tipo de valorização

cultural.

Na prática, a ação política do professor se revela, por exemplo, na adoção rígida de um

código linguístico de elite. Segundo Bourdieu (1975), toda a ação pedagógica é,

objetivamente, uma violência simbólica: simbólica enquanto imposição, por poder arbitrário,

de um arbitrário cultural.

Booth e Ainscow (2011) definem a prática pedagógica como aquilo que tem a ver com

o que é aprendido e ensinado e como isso é feito. Posto desta forma, aproxima a prática

pedagógica ao papel da educação na sociedade, ou seja, educação com o propósito de

redenção, de reprodução ou de transformação da sociedade. No entanto, não podemos negar

que, qualquer que seja a escolha pedagógica do professor, ela estará diretamente relacionada

com a sua escolha política. Nas suas práticas, o professor faz escolhas do tipo: “por que este e

não aquele conteúdo?”; “por que esta forma de avaliar e não aquela outra?”; “qual cultura

prestigiar em detrimento de outras avaliadas como de menor valor?”. Observar e discutir as

práticas cotidianas da sala de aula e a forma pela qual professores constituem o corpus formal

do conhecimento escolar são instrumentos que nos permitem identificar as culturas e as

políticas estabelecidas nessa relação de poder.

Culturas, políticas e práticas são dimensões abordadas pelo Index para inclusão para a

revisão detalhada do processo educativo e da estrutura organizacional da escola. Como

dimensões da perspectiva Omnilética, o desenvolvimento de culturas, políticas e práticas

aponta para a necessária compreensão da complexidade desse mesmo processo. Relações

dialéticas e complexas estão sempre presentes no fazer diário da sociedade. De acordo com a

perspectiva Omnilética, os valores e crenças (culturas), a organização dos pensamentos, dos

saberes e das ações (políticas e práticas) costumam estar em constante confronto e/ou em

convergência dentro do campo social onde ocorrem. Um campo é concebido, assim, como um

espaço social multidimensional de relações culturais, políticas e práticas entre agentes que

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compartilham interesses em comum, disputam ideias específicas, mas que nem sempre

dispõem dos mesmos recursos e saberes.

O conceito de campo social aqui adotado aproxima-se da interpretação dada por

Bourdieu (2004), ou seja, daquela construída a partir dos esquemas de percepção, pensamento

e ação que são constitutivos daquilo que o autor chama de habitus, bem como das estruturas

sociais chamadas de grupos ou classes sociais. No campo social podemos observar a

autonomia de um certo tipo de cultura, ao mesmo tempo que as culturas não dominantes estão

em concorrência e disputa interna. Observar as dimensões destacadas na perspectiva

Omnilética em ação dentro do campo social e relacional é possível quando a isso são

reconhecidas a dialética e complexidade das posições tomadas, vistas, em especial, nos

argumentos dos participantes do grupo. No campo educacional, objeto dessa pesquisa, e no

qual são determinadas as posições sociais dos professores, observamos que a argumentação

revelada demarca, entre outras, as figuras de “autoridade”, detentoras de maior volume de

capital cultural.

Para melhor entender a complexidade das práticas realizadas no campo educacional

constituído pela Escola Municipal Cícero Penna, onde a pesquisa aconteceu, fez-se uso da

teoria do pensamento complexo, de Morin (2011). O autor nos convida a ir além do

mecanismo do pensamento especializado ou fragmentado que nos coloca em compartimentos

disciplinares e curriculares, rejeitando os laços entre sujeitos e seus contextos. A

complexidade da análise das práticas reside no fato de que as ações constituem um sistema de

interferências de inúmeros componentes e são tecidas de acontecimentos e de

entrelaçamentos. Essa complexidade está na base da própria cultura que, para o autor, é

aquela que fornece ao pensamento as suas condições de formação, de concepção e de

conceitualização. As culturas são expressas nas práticas da escola e percebidas por meio dos

argumentos proferidos pelos professores no momento em que o grupo se reúne para discutir

as barreiras enfrentadas diariamente, seja na sala de aula, seja com os alunos com

necessidades especiais. De acordo com Mazzoti e Oliveira (2000, p.8 ), “sempre estamos

envolvidos em procedimentos argumentativos que objetivam justificar nossas afirmações”.

Essas interferências, sejam de caráter cultural, sejam de caráter político, tendem a

complexificar as práticas quando analisadas a partir dos indicadores propostos no Index para

inclusão (BOOTH; AINSCOW, 2011).

Olhar os argumentos numa perspectiva Omnilética nos possibilita alcançar um

espectro muito mais amplo de análise, pelo fato de não tender à redução de uma ou duas

opções, mas por permitir um diálogo entre diferentes possibilidades, criando sentidos entre os

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subsistemas. Ela nos convida a abandonar um pensamento reduzidamente objetivo,

determinado e estável e considerar que é possível serem as estruturas determinadas no tempo

e no espaço. Quando cercamos de tipologia as nossas observações acabamos por restringir o

campo observado, pois tendemos a descartar aquilo que não se encaixa na tipificação. Ao

contrário, a perspectiva Omnilética movimenta-se no campo de maneira mais fluida,

descobrindo, integrando e superando limitações das teorias de maneira mais abrangente. Essa

perspectiva convive com as incertezas de seu tempo e concebe a organização por meio da

valorização da multidimensionalidade dos fatos e das pessoas envolvidas, trabalhando a noção

de totalidade junto à relação parte-todo.

3.2 A Teoria da Argumentação – a Nova Retórica

Neste trabalho, como dito anteriormente, a análise dos argumentos proferidos pelos

professores será feita a partir da Teoria da Argumentação de Perelman e Olbrechts-Tyteca

(1996), em especial as técnicas argumentativas, pois são os fundamentos que estabelecem a

ligação entre as teses de adesão inicial e a tese principal. Atentamos que não é nossa pretensão

discutir a Teoria da Argumentação detalhadamente. O que propomos é discutir os aspectos

pertinentes à análise dos argumentos dos professores com base nesse construto teórico-

metodológico, numa perspectiva Omnilética.

A Teoria da Argumentação de Perelman Olbrechts-Tyteca, segundo Oliveira (2012):

[...] considera orador todo aquele que elabora um discurso, falado ou escrito, voltadopara a persuasão de outrem. O discurso pode ser um texto ou um enunciado cujo conteúdo sugira mais do que a simples descrição de um fato ou a comunicação de uma regra. (…) Já o conjunto de pessoas que o orador quer persuadir com seu discurso é denominado auditório. Os auditórios variam muito em composição e extensão. Podemos ter auditórios particulares (professores, médicos, católicos, socialistas etc.), auditórios de elite (formados por grupos que se apresentam como modelos às demais pessoas) e mesmo o auditório universal, que encarna a visão do orador acerca do conjunto dos homens razoáveis (OLIVEIRA, 2012, p. 119).

A Teoria da Argumentação nos permite analisar os textos (orais ou escritos) por meio

dos parâmetros da situação retórica, a qual consiste na presença de um orador (aqui em

especial os professores da escola) que emprega argumentos (os discursos veiculados durante

os encontros) para influenciar as disposições intelectuais e emocionais do auditório (no caso,

o laboratório de pesquisa LaPEADE). Os discursos são compreendidos como argumentação.

Orador e auditório são, respectivamente, aquele que apresenta o discurso e aquele a quem o

discurso é dirigido. Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996) evidenciam de forma precisa a

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ligação entre discurso, auditório e orador como elementos da argumentação, entendida aqui

em sentido amplo como método para provocar ou aumentar a adesão às teses que lhes são

apresentadas.

Com o propósito de esclarecer as bases da Teoria da Argumentação, dentro do

contexto desta pesquisa, e para que se torne possível acompanhar as análises dos argumentos,

se faz importante apresentar os elementos que compõem o discurso, visualizados nos

conceitos de orador (ethos), discurso (logos) e auditório (pathos), que são pressupostos para o

entendimento da nova retórica.

O ethos é o componente moral, o caráter ou autoridade do orador para influenciar o

público. É comumente descrito como o conjunto de hábitos ou crenças que definem o discurso

do orador e é essencial para o desenvolvimento de toda a argumentação. Na perspectiva

Omnilética, podemos dizer que o ethos está ligado não apenas à questão das culturas, mas aos

aspectos políticos e práticos da argumentação, já que essa perspectiva possibilita a

abrangência de modo tanto complexo quanto dialético.

Procurando caracterizar o ethos, ou seja, o orador, identificamos os qualificativos

sociais e institucionais que o autorizam a assumir essa posição – professores da EMCP e

participantes do projeto do Index para inclusão – em relação à categoria geradora do

argumento. De acordo com Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996, p. 21), o orador pode ser “às

vezes, simples membro de um grupo constituído, às vezes, porta-voz desse grupo. Há funções

que autorizam – e só elas – a tomar a palavra em certos casos, ou perante certos auditórios”.

Os argumentos emitidos durante os encontros serão examinados como discurso -

logos, do ponto de vista lógico e retórico, no intuito de compreender as estratégias

empregadas para a persuasão da audiência. Orador e auditório, neste trabalho, serão

representados por personagens inovadores. Os professores da EMCP são os oradores e a

Universidade, aqui representada pelo LaPEADE, o auditório. Sabemos que pertence ao senso

comum a ideia de que a Universidade deve atuar como oradora nas questões referentes ao

saber universal. Não pretendemos refutar essa afirmativa, mas compreendemos que é possível

(e necessário) reconhecer a voz àqueles que constituem a Escola, pois são, igualmente,

produtores de saberes. Nosso ponto de vista está fundado na ideia de que auditório e orador

são elementos em profunda e constante ligação. O auditório determina o modo de proceder do

orador, enquanto o orador deve se adaptar às características do auditório de modo a alcançar

melhores resultados em sua argumentação. Dessa maneira, a argumentação desenvolvida pelo

orador deve conter elementos necessários a serem trabalhados, objetivando um auditório em

especial.

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Na posição de orador temos os professores da EMCP que aderiram ao processo de

construção do Projeto Político-Pedagógico da escola. Essa posição (orador) foi intercambiada

entre os outros participantes em diferentes momentos, mas sem abandonar sua principal

característica: convencer ou persuadir o auditório, conseguindo sua adesão à tese desejada.

Desta forma, os oradores presumiam seus próprios auditórios, noção essa que pode, ou não,

coincidir com a realidade, pois, como veremos no transcorrer das análises dos argumentos, a

composição do auditório por vezes permutava, sendo intercambiada entre os próprios

participantes do grupo. Ou seja, numa perspectiva Omnilética, pode-se ver o interjogo entre as

cinco dimensões já explicadas (culturas, políticas, práticas, dialética e complexa) (SANTOS,

2013), representadas na composição variante do auditório.

Santos (2013, p. 23) afirma que a Perspectiva Omnilética é:

[...] uma percepção relacional da diversidade, do que é variado, variação esta que pode encontrar-se tanto presente como oculta, ao mesmo tempo e um só tempo ou em tempos-espaços diferenciados. Trata-se de um modo totalizante de se perceber os fenômenos sociais, os quais compõem, em si mesmo, possibilidades de variações dialeticamente infinitas e nem sempre imediatamente perceptíveis, visíveis ou imagináveis, mas nem por isso ausentes ou impossíveis, pois seu caráter relacional, referencial e participativo (no sentido de ser parte) torna aquilo que se percebe do fenômeno tanto sua parte instituída quanto é, esta mesma, instituinte.

Sabendo disso, é possível notar as variações dos argumentos que os oradores usaram

para pautar a sua retórica, sempre relacionadas às suas concepções culturais, políticas e

práticas, ora sobre o significado de inclusão em educação, ora sobre o valor (ou desvalor) da

sua participação docente nesse processo. Isso pode ser observado quando a tese de cada

orador é colocada em jogo, num movimento dialético, onde as posições tomadas no campo no

qual se desenrolam os argumentos funcionam como um espaço de possibilidades. A

argumentação, por ser flexível, costuma aceitar a intervenção do auditório, o que costuma dar

mais movimento a esse contato entre orador e o auditório, isto é, traz para a argumentação a

possibilidade de ser dialética. A tomada de posição dos oradores decorre das suas posições

relativas na estrutura do campo, estando diretamente relacionadas à sua lógica dos juízos de

valor, concernente não ao verdadeiro, mas ao preferível, e estarão sempre relacionadas,

simultaneamente, aos meios disponíveis (culturas) e aos objetivos a alcançar (políticas e

práticas). Partem do princípio que as suas premissas são constituídas pelas proposições

geralmente aceitas e, portanto, pertencentes ao âmbito do verossímil, plausível, mutável, isto

é, das impressões, aparências e ambiguidades, sempre com o objetivo de convencer e

persuadir.

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O auditório, entendido inicialmente como o conjunto daqueles a quem o orador dirige

sua argumentação, pode apresentar-se, segundo Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996), de

diferentes formas. Embora admitam que exista um número quase infinito de auditórios

possíveis, os autores os classificam em três espécies: a argumentação perante o chamado

auditório universal, a argumentação diante de um único ouvinte e a deliberação consigo

mesmo, sendo:

O primeiro, constituído pela humanidade inteira ou, pelo menos, por todos os homens adultos e normais, que chamaremos de auditório universal; o segundo formado, no diálogo, unicamente pelo interlocutor a quem se dirige; o terceiro, enfim, constituído pelo próprio sujeito, quando ele delibera ou figura as razões de seus atos (1996, p. 33).

Seja como for, o orador precisa se adaptar, continuamente, ao auditório. Nesse sentido,

afirmam Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996, p. 21), que “existe um condicionamento através

do próprio discurso; de sorte que o auditório já não é, no final do discurso, exatamente o

mesmo do início.” Isso significa que, ao final da exposição oral, o auditório poderá ou não ter

adquirido noções diferentes das que possuía no início da oratória. Na realidade, conforme

explica Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996 p. 22), “é, de fato, ao auditório que cabe o papel

principal para determinar a qualidade da argumentação e o comportamento dos oradores”.

Então, como definir o auditório específico dessa pesquisa? Perelman e Olbrechts-

Tyteca (1996, p. 21) nos propõem essa mesma pergunta: “Como definir semelhante auditório?

Será a pessoa que o orador interpela pelo nome?”. O conceito de auditório é, portanto, básico

à Teoria da Argumentação de Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996), sendo que a finalidade de

toda argumentação é conseguir aumentar a sua adesão à determinada tese. Como o orador tem

a necessidade de adaptar seu discurso ao auditório, diz-se que a argumentação é função deste.

O LaPEADE, na figura da sua pesquisadora, representa a opinião de todo um laboratório de

pesquisa, sediado na Universidade, para quem os argumentos são endereçados.

Não devemos nos fixar apenas na imagem do ethos – orador –e na imagem do pathos

– auditório –, pois correríamos o risco de cair numa busca psicológica sobre as razões e

motivos que levaram à sua constituição. Essa busca não cabe neste trabalho. Se o fizéssemos,

colocaríamos em perigo a relação de persuasão e deliberação que, numa Perspectiva

Omnilética, está em constante movimento dialético e complexo.

Só se compreende a conexão desses três elementos — o ethos, o logos e o pathos —

quando eles se fundem na situação retórica, constituindo a sua totalidade. Como nos diz

Mazzotti (2006, p. 545), “A situação retórica, no sentido de sua recuperação por Perelman,

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envolve o orador (ethos), o auditório (pathos) e o discurso (logos) e não pode prescindir de

nenhum deles.”.

De acordo com o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa13, retórica é uma palavra

com origem no termo grego rhetorike, que significa a arte de falar bem, de se comunicar de

forma clara e conseguir transmitir ideias com convicção. Durante muito tempo foi associada

àquele que fala muito e de modo artificial ou pomposo, mais propício ao discurso vazio de

conteúdo.

Reboul (2004, p. 14) propõe uma outra definição para a palavra: “retórica é a arte de

persuadir pelo discurso. Por discurso entendemos toda a produção verbal, escrita ou oral,

constituída por uma frase ou por uma sequência de frases, que tenha começo e fim e apresente

unidade de sentido.” Na retórica, podemos realçar quatro sentidos importantes, a saber: a) o

seu estatuto metodológico, b) o seu propósito, c) o seu objeto e d) o seu conteúdo ético.

Portanto, a emergência da retórica ao seu “status” de teoria e prática da argumentação

persuasiva possibilitou seu reconhecimento como uma ciência e arte que faz intervir no

discurso.

Encontramos no prefácio de Manuel Alexandre Júnior para a republicação da Retórica

de Aristóteles (2005) uma possível definição para esse termo que, a seguir, destacamos:

No fundo, a retórica é um saber que se inspira em múltiplos saberes e se põe ao serviço de todos os saberes. É um saber interdisciplinar no sentido pleno da palavra, na medida em que se afirmou como arte de pensar e arte de comunicar o pensamento, E como saber interdisciplinar e transdisciplinar, a retórica está presente no direito, na filosofia, na oratória, na dialética, na literatura, na hermenêutica, na crítica literária e na ciência (ALEXANDRE JÚNIOR, 2005, p. 9-10).

Observamos que nos casos em que se deve tomar uma decisão, fazer escolhas,

deliberar, discutir, criticar ou justificar qualquer coisa, a argumentação costuma ser

empregada. A prática do estudo do Index para inclusão (BOOTH; AINSCOW, 2011) está

relacionada de modo profundo com a prática argumentativa, pois trata-se de uma atividade de

persuasão e justificação na medida em que argumentar significa, basicamente, atribuir razões

que ofereçam base a certas conclusões.

Este material de estudo, Index para inclusão, é composto por um conjunto de

indicadores que contribuem para uma revisão detalhada da Escola. Pelo fato de cada indicador

ligar-se a questões que incitam reflexões e diálogos a respeito do binômio inclusão/exclusão,

observamos que os argumentos apresentados pelos professores trazem a preocupação retórica,

13“retórica", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013. Disponível em: <http://www.priberam.pt/dlpo/ret%C3%B3rica>. Acesso em: 31 mar. 2016.

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isto é, a preocupação com o discurso convincente. Justamente por serem a inclusão e a

participação duas valiosas palavras-chave desse material, fica claro que a sua leitura ensejará

momentos que envolverão fazer escolhas e decidir o que faremos, sempre em conjunto. O

desenvolvimento inclusivo acontece quando adultos e crianças relacionam suas ações a

valores inclusivos e juntos delineiam iniciativas compatíveis. (BOOTH; AINSCOW, 2011).

Inclusão e participação são as ideias que compõem a tese aceita pelo grupo. Nas

reuniões para estudo do Index para inclusão, alguns professores, na função de oradores,

desenvolveram seus argumentos observando as fases destacadas por Reboul (2004) como

necessárias à construção do discurso. São as seguintes: compreender o assunto e reunir todos

os argumentos que possam servir (invenção); pô-los em ordem (disposição); redigir o discurso

o melhor possível (elocução) e exercitar-se proferindo-o (ação). A partir do estudo do material

mencionado, os professores tiveram a oportunidade de compreender e reunir os argumentos

necessários para a discussão da tese ali apresentada, qual seja, que devemos incluir todos,

alunos e professores da escola, garantindo a sua participação.

Partindo das discussões sobre os indicadores do Index para inclusão, os professores

puderam levar suas observações para dentro das respectivas classes e testá-las na prática

diária. Esse exercício possibilitou pôr em ordem (dispor) os argumentos e prepará-los para

proferir (elocução) suas impressões a respeito das próprias experiências e, assim, montar o seu

argumento final. Vale lembrar que a expressão “argumento final” nada tem a ver com último

argumento, pois, como sabemos, todos os acordos ali produzidos, na Perspectiva Omnilética,

são sempre provisórios.

Reboul (2004, p. 45) nos diz que “toda análise dos sentimentos e das paixões deriva da

retórica. Se ethos diz respeito ao orador e o pathos ao auditório, o logos (…) diz respeito à

argumentação propriamente dita do discurso. É o aspecto dialético da retórica.”. E nesse

movimento dialético os conceitos são construídos, mas sempre como verdades transitórias.

De acordo com Santiago e Santos (2015, p. 490), “quando olhamos omnileticamente

para o discurso (…), percebemos que há uma série de fatores atuando, visíveis e invisíveis

(dialética), que podem levar, exponencialmente, a variadas novas proposições e mudanças

(complexidade).” Com esse entendimento, podemos encontrar embutidos nos argumentos dos

professores aspectos não externalizados, mas já presentes nas suas culturas, políticas e

práticas. Isso quando consideramos o ethos não distanciado da multiplicidade de fatores que

envolvem os fenômenos sociais em termos culturais, políticos, práticos, dialéticos e

complexos.

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Entendemos que só há persuasão quando se parte daquilo que o auditório já admite.

No caso da pesquisa em questão, a admissão refere-se à Inclusão em Educação. Assim,

estabeleceremos uma relação entre as crenças já existentes dos professores e o que se busca

fazer admitir. Como já dito anteriormente, para que uma argumentação se desenvolva faz-se

necessário que o orador seja portador de alguma qualidade para tomar a palavra a fim de

garantir que o auditório lhe preste atenção. O assunto da argumentação deve estar de acordo

com a experiência do orador e não se deve distanciar da sua prática. O orador deve decidir

que tipo de argumento utilizará e qual será mais contundente, capaz de seduzir o auditório. E,

sabendo que o discurso argumentativo não é um monólogo, deverá o auditório, por sua vez,

decidir sobre os argumentos apresentados. A análise dos argumentos surgidos desse diálogo

será usada, nesta pesquisa, como “uma alternativa de análise de discurso em que as

interpretações são procuradas muito mais na intenção do locutor de persuadir ou de incitar à

ação do que em significações pontuais de cada momento do discurso” (CASTRO; FRANT,

2011, p. 55).

Perelman (1996) salienta que o auditório atua como um juiz que pondera sobre os

diferentes argumentos que lhe são apresentados. A persuasão é a situação na qual esse juiz

aderiu mais fortemente a um dado argumento ou conjunto de argumentos, já que não se trata

de um processo isento de questionamentos. Os níveis de adesão variam conforme as

disposições do auditório, suas convicções e também são afetados pelo ethos do orador.

Oradores que hesitam ou que expõem seus argumentos com certa ostentação, mesmo que

estes tenham procedência, acabam por não persuadir tão fortemente o auditório quanto

desejariam.

As técnicas argumentativas, fundamentos que estabelecem o vínculo entre as teses de

adesão inicial e a tese principal, utilizadas durante os discursos, foram analisadas de acordo

com as categorias e a tipificação dos argumentos. Existem técnicas de ligação e técnicas de

dissociação. As técnicas de ligação agrupam elementos estabelecendo nexos entre eles.

Podemos dizer que as técnicas de ligação são esquemas que aproximam elementos distintos,

com o objetivo de estabelecer entre eles uma relação de união, uma solidariedade.

As técnicas de dissociação, diferentes das técnicas de ligação, têm como princípio

básico a ruptura, a separação de elementos dentro de um conjunto. Os procedimentos de

dissociação são técnicas cuja finalidade é:

[..] dissociar, separar, dessolidarizar, os elementos considerados como um todo ou, pelo menos, como um conjunto solidário no seio de um mesmo sistema de pensamento: a dissociação terá por efeito a modificação de um tal sistema,

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modificando certas noções que nesse sistema constituem peças mestras (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 1996, p. 255-256).

Como nos alertam Perelman e Olbrechts-Tyteca (idem, p. 218), “embora seja sempre

possível tratar um mesmo argumento como constituindo, de certo ponto de vista, uma ligação

e, de outro ponto de vista, uma dissociação, é útil examinar esquemas argumentativos de

ambas as espécies”.

Para este efeito, utilizamos as tipologias argumentativas propostas por esses mesmos

autores (idem), que se mostraram como uma opção de interpretação viável e bastante próxima

à Perspectiva Omnilética, diante dos valores do auditório. Desta forma, essas tipologias nos

permitirão apreender o logos não apenas como operações mentais (ou raciocínios) mas, da

mesma forma, apreender como tais esquemas são capazes de se desdobrarem

enunciativamente no orador e no auditório, explicitando de forma complexa a inter-relação da

tríade abordada pela Perspectiva Omnilética – culturas, políticas e práticas.

Com o intuito de facilitar a melhor compreensão, apresentamos uma síntese das três

grandes categorias que constituem as técnicas de ligação: os argumentos quase-lógicos (se

apresentam como comparáveis a raciocínios formais, lógicos ou matemáticos); os argumentos

baseados na estrutura do real (valem-se do real para estabelecer uma solidariedade entre

juízos admitidos e outros que se procura promover); e as ligações que fundamentam a

estrutura do real (visam buscar algo externo e conhecido para explicar o desconhecido

podendo chegar à generalização).

Essas condições prévias referem-se ao acordo sobre a existência de uma linguagem

comum, sobre a divergência de opiniões em relação a uma questão determinada, sobre a

disposição de ouvir e de aceitar um ponto de vista, sobre quem está autorizado a argumentar,

sobre a formação de uma comunidade efetiva de profissionais da educação e sobre a

adaptação do orador a essa comunidade, ou melhor, ao auditório.

Trazemos aqui um exemplo dos argumentos que pretendemos analisar a fim de

comprovar, ou não, a nossa hipótese. A transcrição é relativa a uma das primeiras reuniões que

a Coordenadora do LaPEADE administrou para o grupo de professores e gestores da EMCP.

Aconteceu durante a apresentação dos slides de um encontro transcorrido numa escola em

Fortaleza, onde um grupo de pesquisadores observa o desenrolar de uma aula e, em seguida,

há o comentário sobre o que estava acontecendo naquele espaço.

O argumento da professora foi o seguinte:

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P06- O que eu não gosto é dessas pessoas que não estão na sala de aula, no dia a dia,e chegam e te dizem: Não, você tem que fazer isso. Porque é a gente que está na sala, vivenciando a situação. Você sabe que com ele (aluno) aquilo dali não vai dar certo, né. Uma coisa que me chamou. a atenção nesse vídeo não foram as crianças, olugar, nem nada. Foi quando eu ouvi os professores. Eu ouvi as angústias dos professores Eu ouvi esses professores. Desarmada, porque todo mundo sabe muito mas estão do lado de fora da sala de aula. Você vê o pessoal falando pedagogicamente e tal... Vai pra sala. Se o cara sabe fazer tão bem aquilo, então, o que está fazendo numa direção? Vai pra sala. Sai do gabinete (Transcrição Vídeo 1-abril de 201214).

Nesse momento, o argumento da professora nos pareceu do tipo quase lógico. A fala

da professora apresenta particularidades que estão referidas à situação exposta pelo slide e que

confronta uma regra, tornando sua incompatibilidade evidente. Para a professora, a distância

existente entre aquele que afirma saber qual a melhor solução pedagógica e sua experiência na

sala de aula é uma incompatibilidade. Essa incompatibilidade está posta porque quem afirma

saber o que fazer numa sala de aula não está desempenhando essa função, comprovando assim

a sua hipótese. Segundo Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996), a incompatibilidade é sempre

relativa a situações contingentes que, no caso, refere-se às orientações do grupo de

pesquisadores.

Os argumentos baseados na dissociação são fundados na separação entre

aparência/realidade; meio/fim; acidente/essência; relativo/absoluto; individual/universal;

teoria/prática, entre outros. Essa técnica consiste em afirmar que, de forma não apropriada,

são associados elementos que deveriam ficar separados e independentes.

Trazemos aqui, em especial e com o fim de melhor entendimento da técnica

explicitada, um dos argumentos apresentados por um determinado elemento do grupo e que

ilustra esse tipo de argumento:

P07 - são crianças que não se locomovem em escadas que não tem corrimão, tem que ter piso antiderrapante e coisas assim. eu acho que só por termos a escada, elas não deveriam estar aqui, tem outras escolas com uma estrutura muito diferente, isso daria uma segurança ainda maior, e eu acho assim também, existem. Veja bem, ela não tem culpa nenhuma de ser assim (Transcrição Vídeo 40 - julho de 201415).

14Depoimento concedido por uma das participantes. Transcrição I. [abr. 2012]. Coordenador da atividade: Mônica Pereira dos Santos. Rio de Janeiro, 2012. 1 arquivo .cd (120 min.). O depoimento na íntegra encontra-se disponível nos arquivos do LaPEADE.15Depoimento concedido por uma das participantes. Transcrição 24. [jun. 2012]. Coordenador da atividade: Lillian Auguste Bruns Carneiro. Rio de Janeiro, 2014. 1 arquivo .cd (120 min.). O depoimento na íntegra encontra-se disponível para consulta nos arquivos do LaPEADE.

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O argumento central baseia-se numa dissociação que dá origem ao par

aparência/realidade. Aplicando o modelo sugerido por Perelman e Olbrechts-Tyteca (idem, p.

473):

aparência = termo I

realidade termo II

onde o termo I (aparência) refere-se àquilo que é apresentado de imediato – no argumento em

destaque é o ato de subir as escadas. O termo II, sendo uma dissociação do termo I,

O termo II fornece um critério, uma norma que permite distinguir o que é válido do que não é, entre os aspectos do termo I; não é simplesmente um dado, mas uma construção que determina, quando da dissociação do termo I, uma regra que possibilita hierarquizar-lhe os múltiplos aspectos, qualificando de ilusórios, de errôneos, de aparentes, no sentido desqualificador do termo, aqueles que não são conformes a essa regra oferecida pelo real (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA,1996, p. 473, grifo dos autores).

A dissociação se refere sempre a noções e não a fatos. No caso, a oradora dissocia a

noção “escada” em apropriada (com corrimão, que pode ser utilizada por todas as pessoas) e

não apropriada (que só pode ser usada por quem não tem deficiência).

A escolha específica desses dois argumentos trazidos nos parágrafos anteriores para

exemplificar as análises que se seguirão posteriormente deu-se por conta da importância que

ambos tiveram para a mediação sobre teses primárias que estavam sendo trazidas para o

campo.

Refletindo, após a transcrição dos encontros registrados em vídeo no primeiro

bimestre do projeto, o grupo de pesquisa entendeu que um dos problemas a serem enfrentados

parecia estar diretamente relacionado a valorização do professor como profissional capaz de

exercer sua função. Declarações como “ (...) são pessoas que não estão na sala de aula”, “É a

gente que está na sala, vivenciando a situação.” “Você sabe que (...) aquilo dali não vai dar

certo.”, “Eu ouvi as angústias dos professores” “ (…) porque todo mundo sabe muito mas

estão do lado de fora da sala de aula.” (trechos da Transcrição 24. [jun. 2012]) foram bastante

relevantes na escolha dos argumentos seguintes e sua análise.

Observou-se, igualmente, o grau de disponibilidade para a participação dos encontros;

o local onde foram realizados; a postura adotada durante os encontros como gestos, sinais

corporais e/ou mudanças de tom de voz etc. Tudo isso forneceu elementos significativos para

a leitura/interpretação posterior daqueles momentos, bem como para a compreensão dos

argumentos proferidos.

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Partimos, então, para o conhecimento das bases desse sentimento de desqualificação

tão marcante no meio docente.

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4 ASPECTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA

Segundo nossa narrativa inicial, a busca por outros espaços onde fosse possível

discutir e investigar a dualidade do sentido de valorização/desvalorização docente na

construção da sua identidade profissional nos levou ao Laboratório de Pesquisa, Estudos e

Apoio à Participação e à Diversidade em Educação — LaPEADE, da Universidade Federal do

Rio de Janeiro. Lá, pudemos conhecer, além do material base para as discussões sobre a

questão da inclusão - Index para inclusão (BOOTH; AINSCOW, 2011), os projetos

desenvolvidos pelo grupo. Um, em especial, nos chamou a atenção: o projeto Construindo

Culturas, Desenvolvendo Políticas e Orquestrando Práticas no Cotidiano Escolar na Escola

Municipal Cícero Penna, que se tornou nosso projeto matriz. Esse projeto, de abordagem

qualitativa, teve como objetivo mapear as barreiras à aprendizagem e à participação dos

alunos, não apenas àqueles com necessidades especiais, mas qualquer aluno que estivesse

vivendo alguma situação de exclusão.

4.1 A pesquisa-ação crítica e participativa

O projeto Construindo Culturas, Desenvolvendo Políticas e Orquestrando Práticas no

Cotidiano Escolar foi desenvolvido a partir da metodologia da pesquisa-ação. Esse

procedimento metodológico foi entendido como o mais adequado, pois para entrar na

dinâmica da realidade educativa apresentada pela Escola Municipal Doutor Cícero Penna, a

pesquisa precisava superar os procedimentos que pressupõe a neutralidade dos pesquisadores.

Como professores da Educação Básica, negar a nossa identidade com o grupo pesquisado

poderia interferir na análise dos dados gerados durante sua produção e coleta. Nesse sentido,

consideramos o que afirma Thiollent (1996),

[…] a pesquisa-ação é um tipo de pesquisa social com base empírica que é concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com resolução de umproblema coletivo e no qual os pesquisadores e participantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo. (THIOLLENT, 1996, p. 14, grifos nossos).

Entendemos que a pesquisa-ação, ao mesmo tempo que altera o que está sendo

pesquisado, é limitada pelo contexto e pela ética da prática. A questão é que a pesquisa-ação

requer ação tanto nas áreas da prática quanto da pesquisa, de modo que, em maior ou menor

medida, terá características tanto da prática rotineira quanto da pesquisa científica. Além da

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participação ativa do pesquisador e dos pesquisados – os professores e gestores da EMCP – a

pesquisa-ação prevê o estímulo à contribuição de todos os envolvidos.

O objetivo da pesquisa-ação consiste em resolver, ou, pelo menos, esclarecer os

problemas da situação observada; a pesquisa não se limita a uma forma de ação. Pretendemos

aumentar o conhecimento, ou o nível de consciência dos professores e gestores envolvidos na

pesquisa.

À medida que alcançávamos a primeira aproximação com a realidade escolar

investigada, com a problemática do grupo de professores e gestores e, ao mesmo tempo, com

as reflexões iniciais obtidas da leitura do Index para inclusão, foi possível definir qual a ação

a ser praticada. Tornou-se necessária a construção do Projeto Político-Pedagógico.

O desejo de construir o PPP surgiu como resultado das discussões dos indicadores

propostos pelo Index para inclusão. E foi, precisamente, na observação dos argumentos

emergidos na defesa da tese da preparação dos professores para o atendimento dos alunos

com necessidades especiais que despontou a categoria central da tese ora defendida, a saber, a

análise dos tipos de argumentos expressos e defendidos pelos professores por meio da

perspectiva Omnilética.

Sabemos que em campo devemos sempre observar como a comunidade apresenta seus

problemas quando os indicadores do Index para inclusão são trabalhados. O conhecimento da

cultura dos professores acerca do assunto inclusão apresentou-se como um exercício

metodológico da pesquisa-ação. Somente após conhecer o espaço a ser pesquisado foi

possível iniciar um estudo para compreender os argumentos de que o grupo lançava mão para

justificar e defender sua tese sobre a inclusão de alunos com necessidades especiais.

Sem abandonar a metodologia da pesquisa-ação, iniciada na pesquisa matriz, ou seja,

utilizando os encontros com os participantes daquele grupo já contatado, os colocamos a par

do desdobramento que faríamos a partir dos argumentos levantados durante as discussões dos

indicadores do Index para inclusão. O objetivo era obter apoio e engajamento de todos,

demonstrando que o método utilizado traria oportunidades de discutir e devolver algum

conhecimento adquirido à comunidade. O propósito era esclarecer que a pesquisa manteria

seu perfil qualitativo afirmando seu intuito de investigar com eles e não sobre eles. Desta

forma, permaneceríamos com a pesquisa-ação num viés crítico e colaborativo, já que

estaríamos construindo o documento da Escola em parceria, o PPP, ao mesmo tempo que

adequávamos seus objetivos à hipótese surgida naquele momento, qual seja, a possível

relação entre os argumentos utilizados pelas professoras e as barreiras enfrentadas no dia a dia

da sua prática docente. Para tanto, a descrição e a delimitação dos sujeitos a serem

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observados, assim como o seu grau de representatividade no grupo social pesquisado, se

constituiu num problema a ser imediatamente enfrentado, já que se tratava de um grupo que,

enquanto manteve-se firme até o final da pesquisa, contou com elementos flutuantes que

compareciam de acordo com seus interesses. A busca por um “ego” focal que dispusesse de

uma identidade representativa do grupo docente em estudo e que pudesse “mapear” o campo

de investigação, “decodificar” suas regras e indicar pessoas cujos argumentos estivessem

relacionados com aquele meio, nos levou a entender que a forma mais adequada de análise

seria a identificação dos sujeitos importantes em cada reunião de discussão do Index para

inclusão. Ou seja, alguém do grupo cujo ponto de vista tivesse, relativamente, melhores

condições de fornecer argumentos mais persuasivos sobre determinado indicador, assumindo

a posição de orador.

Como estratégia educativa e de emancipação dos sujeitos, a pesquisa firmou-se em sua

dinâmica participativa, identificando as situações nas quais os contatos entre pesquisador e

sujeitos da pesquisa se configuravam como partes integrantes do material de análise. Esses

contatos foram registrados por meio de anotações no caderno de campo e filmagens. Deu-se

destaque ao modo como eram estabelecidos esses contatos, a forma como o pesquisador era

recebido pelos docentes a cada encontro para leitura e estudo do Index para inclusão ou

mesmo no momento da construção do Projeto Político-Pedagógico.

Pretendemos destacar as características essenciais e observáveis nesta pesquisa, a

saber: (1) o ambiente escolar como campo e fonte direta de dados; (2) o caráter descritivo dos

encontros registrados por meio de gravações em vídeos e fotografias; (3) o significado que as

pessoas dão aos seus argumentos e a relação direta e indireta com suas políticas, culturas e

práticas; (4) o enfoque indutivo, pois trata-se de dados simbólicos, situados em determinado

contexto.

Nesse sentido, reafirmamos que a melhor abordagem metodológica para essa pesquisa

é a pesquisa-ação crítica e participativa, alicerçada numa metodologia da pesquisa-ação

desenvolvida na pesquisa maior. Esta se baseia na construção crítica e participativa do

conhecimento, onde o pesquisador não se situa em um espaço de exterioridade acadêmica ou

é o único a possuir o conhecimento, mas o constrói, em diferentes momentos e de diversas

maneiras, com o objeto/sujeito.

Thiollent (1984) estabelece, de maneira clara, a distinção entre pesquisa-participante e

pesquisa-ação. Para o autor, pesquisa-participante e pesquisa-ação não são sinônimas, pois

seus princípios não são os mesmos. Por isso, existem diferentes tipos de pesquisa-participante

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e diferentes tipos de pesquisa-ação. Ele não nega que a pesquisa-ação seja uma forma de

pesquisa-participante, mas nem toda a pesquisa-participante é pesquisa-ação.

A pesquisa-participante é, por vezes, entendida como uma “técnica-participante” e está

inserida na pesquisa prática por ser elaborada, principalmente, no contexto da pesquisa

antropológica ou etnográfica. Segundo Haguette (2010), a pesquisa-participante se define

como sendo um processo de investigação, de educação, de ação e, também, de organização,

como um componente desse tipo de pesquisa. Podemos aplicar os princípios fundamentais da

pesquisa participativa sugeridos pela autora à nossa realidade e destacar: a) a possibilidade

lógica e política dos professores serem os produtores diretos ou parceiros do próprio saber,

mesmo popular e baseado na percepção do cotidiano, não deixa de ser científica; b) o poder

de determinação de uso e do destino político do saber produzido pela pesquisa, como a

transformação dos apontamentos sobre a sua realidade no Projeto Político-Pedagógico c) o

lugar e as formas de participação do conhecimento científico erudito e de seu agente

profissional do saber, no ‘trabalho com o público-alvo da educação’ que gera a necessidade da

pesquisa, e na própria pesquisa que gera a necessidade da sua participação.

Existem diferentes formas de pesquisa-participante, todas elas apresentando

orientações e práticas de pensamento distintos. Contudo, a participação conjunta de

pesquisadores e pesquisados transcendia o objetivo de apenas avaliar os argumentos dos

professores, mas pretendia também verificar de que forma esses mesmos argumentos

interferiam na Proposta Político-Pedagógica da escola, a favor daqueles que não se sentiam

representados (opção ideológica), com objetivo da mudança ou transformação social.

4.2 O Index para inclusão como proposta metodológica: discutindo as intervenções

A leitura do Index para inclusão (BOOTH; AINSCOW, 2011) foi o suporte principal

de todo o trabalho desenvolvido, tanto na pesquisa-matriz como na pesquisa subjacente.

Importante ressaltar que a escolha desse material, e não outro, deveu-se ao fato de que

ele já faz parte da realidade metodológica dos grupos de pesquisa do LaPEADE, responsável

pela sua tradução e aplicação.

O Index para inclusão (BOOTH; AINSCOW, 2011) não é um livro-guia imposto pelo

laboratório, mas sim um material indicado para aqueles que buscam discutir e aprimorar seu

próprio ambiente de trabalho. Ele é um documento abrangente que pode ajudar a todos a

encontrar seus próprios passos no caminho do desenvolvimento.

Destacamos do Index para inclusão sua própria definição de uso:

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Assim como um guia turístico de uma cidade, o Index para inclusão capacita as pessoas a selecionar os lugares que desejam visitar, deixando em aberto a possibilidade de uma viagem de retorno, quando outros lugares poderão ser explorados (BOOTH; AINSCOW, 2011, p. 6).

Trabalhamos com a 3ª edição desse material, publicada em 2011, amplamente revisada

e bastante discutida entre seus autores e apoiadores. Logo na introdução, foi possível destacar

sua validação por meio de suas próprias palavras:

Esta versão expandiu o trabalho sobre valores inclusivos e os usou como base para delinear intervenções fundamentadas em princípios, por exemplo, que tenham a ver com a sustentabilidade ambiental, cidadania nacional e global, não violência e promoção da saúde (BOOTH; AINSCOW, 2011, p. 5).

Um dos primeiros encontros estabelecidos entre o grupo de pesquisa LaPEADE e a

EMCP foi dedicado à leitura do texto introdutório ‘Palavras de Encorajamento’. A dinâmica

dessa primeira leitura buscava identificar qual o sentimento comum a todos os participantes e

que nos autorizasse a usar esse material como apoio para reflexão. Por unanimidade, o item

escolhido, nº 9, que destacamos a seguir, traduziu o sentimento dos participantes.

Item nº 9

Palavras de Encorajamento:[…]9- Pense em algo que você e/ou outros estejam tentando fazer como escola, talvez no plano de desenvolvimento da escola, mas que vocês não estejam tão certos do quão bem-sucedida esta iniciativa possa ser. Explore até que ponto o Index para inclusão pode modificar o que vocês estão querendo fazer e até que ponto pode ajudar vocês nessa tarefa (BOOTH; AINSCOW, 2011, p. 6).

Identificado o sentimento de que era preciso fazer alguma coisa que oferecesse um

resultado profícuo, a equipe docente decidiu favoravelmente ao uso do Index para inclusão. O

passo seguinte foi estabelecer a forma e uso desse material, reconhecendo-o como um

possível ‘orientador metodológico’ para a organização e apoio às discussões necessárias para

alcançar a mudança desejada.

O Index para inclusão propõe que a revisão do processo educacional seja feito

partindo das três (3) dimensões: culturas, políticas e práticas.

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Figura 1 – Dimensões do Index

Fonte: Index para inclusão, BOOTH; AINSCOW, 2011, p. 13

Cada dimensão apresenta duas seções distintas. Quando trabalhadas juntas, estruturam

um planejamento de ação:

Figura 2 – Estrutura do Planejamento

As seções são formadas por indicadores que ajudam a tomada de decisão. A principal

função de um indicador é sugerir, de maneira clara, uma situação específica que se deseja

analisar. Um indicador irá expor as características observáveis de cada seção e deverá ser

escolhido de acordo com a sua relevância para a escola (ou qualquer outra organização). A

questão é descobrir quais são os indicadores mais importantes daquele contexto, naquele

momento, para não perder tempo acompanhando os que são pouco relevantes. A escolha do

aspecto sugestionado pelo indicador se dá de acordo com a necessidade apresentada em

acompanhar, avaliar e melhorar suas ações. Segundo seus autores, cada indicador do Index

para inclusão se liga a questões que definem seus sentidos, refinam suas explorações, iniciam

Fonte: Index para inclusão, BOOTH; AINSCOW, 2011, p. 13

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reflexões e diálogos e incitam a novas questões. O resultado da análise de um indicador

evidenciará um momento específico e sugerirá, segundo os parâmetros estabelecidos

previamente, o que está ocorrendo e o que pode ser feito. O aumento da complexidade e da

quantidade de dados disponíveis para a tomada de decisão faz com que seja necessária a

utilização de instrumentos que auxiliem a enfocar enquanto refletem as áreas que se quer

mudar.

A seguir mostramos um esquema sugerido pelo Index para inclusão e que foi posto

em prática durante a pesquisa.

Figura 3 – Esquema das fases

A proposição desta tese foi analisar os tipos de argumentos articulados durante e em

cada fase de autorreflexão desenvolvida na pesquisa, sempre com vistas a compreendê-los

pela perspectiva Omnilética.

4.3 A coleta de dados

Os dados coletados advêm das filmagens feitas durante a pesquisa perfazendo um total

de 125 DVD’s com 3 horas de gravação em cada DVD. As filmagens que tratam

especificamente das reuniões de equipe – pesquisadores, gestores e professores – somam 62

DVD’s, ou seja, 182 horas de gravação. Consideramos este número bastante representativo,

pois, numa pesquisa participativa, o trabalho de campo é tanto intensivo como extensivo. A

observação participante consiste na participação real e ativa dos pesquisadores como

membros do grupo, trabalhando junto e participando das atividades normais deste. Para

Fonte: Index para inclusão, BOOTH; AINSCOW, 2011, p. 13

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alcançar o objetivo proposto tínhamos ciência de que os acontecimentos e seus significados

surgiriam com o tempo.

4.3.1 Os dados da pesquisa e sua organização para a análise

No momento da seleção de imagens, consideramos aquelas que mais se aproximavam

do nosso objetivo. Para isso, foi necessário colocá-las em ordem, transformar sua

apresentação, reunir as informações de maneira organizada, a fim de permitir sua análise e

interpretação. Somente após a análise e interpretação dos dados é que se pode fazer a

discussão dos resultados da pesquisa.

Um importante aspecto técnico e metodológico derivado da demanda de análise dos

DVDs foi o processo de transcrição. Para realizar a análise omnilética dos argumentos, foi

necessária a seleção das partes que comporiam a transcrição final. O exercício da transcrição

de áudio costuma ser de dois tipos, literal ou editada. Para essa pesquisa, optamos por

transcrever literalmente apenas as reuniões de estudos do Index para inclusão. Nas

transcrições, procuramos reduzir, mas não eliminar, alguns vícios de linguagem, repetições,

gírias, além de outros ruídos da comunicação, pois são importantes para a análise do

argumento. Ao realizá-la, pudemos notar que estávamos, de certa forma, categorizando o que

havia sido gravado, facilitando o processo de análise. Esta seleção, feita de maneira a mais

cuidadosa possível, objetivou evitar posteriores problemas de interpretação. Para isso foi

submetida a uma verificação crítica entre os próprios pesquisadores, a fim de detectar falhas

ou erros, evitando informações confusas, distorcidas, incompletas, que poderiam prejudicar o

resultado da pesquisa.

4.3.2 Os dados da pesquisa e sua análise

A observação sistemática dos encontros foi essencial para a avaliação de cada situação

filmada. Mesmo não sendo os encontros ostensivamente dirigidos, os pesquisadores

procuraram manter-se na posição de auditório endereçando aos oradores perguntas que

propiciassem a confirmação ou contraposição do argumento.

Além desses procedimentos, introduzimos contribuições dos estudos da análise do

conteúdo como forma de apoiar as análises das transcrições. O que se pode perceber é que

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alguns aspectos metodológicos foram ficando mais claros na medida em que a proposta da

pesquisa foi tomando forma e corpo.

Citando Bardin (2016, p. 36), a análise de conteúdo “é um método muito empírico,

dependente do tipo de ‘fala’ a que se dedica e do tipo de interpretação que se pretende como

objetivo”. A autora anuncia que esta técnica precisa ser reinventada a cada momento para

poder se adequar aos objetivos propostos. Não obstante, há de se definir alguns passos de

maneira a mais criteriosa possível, com o intuito de realizar uma profícua interpretação dos

dados.

Bardin (2016) procura orientar a nossa análise sugerindo algumas questões relevantes

e que tentamos responder. A primeira questão proposta trata-se da delimitação do campo onde

a análise de conteúdo será aplicada. Delimitamos as transcrições das reuniões entre os

pesquisadores, professores e gestores como o nosso campo. Neste espaço específico, a análise

de conteúdo serviu como ferramenta para localizar os argumentos que especificamente falam

sobre o binômio valorização/desvalorização da profissão docente, elaborados nos meandros

das discussões sobre os indicadores do Index para inclusão.

Esclarecemos que o uso da análise de conteúdo como técnica de análise das

comunicações pretende considerar o que foi dito ou observado pelos pesquisadores nos

encontros com os professores participantes da pesquisa.

Na análise do material (filmagens minutadas), buscamos classificar os argumentos em

temas ou categorias com o objetivo de auxiliar na compreensão do que está por trás dos

discursos. O caminho percorrido pela análise de conteúdo, ao longo dos anos da pesquisa

(2012 a 2015), resultou na seleção de 21 argumentos que dividimos em 3 (três) tabelas

classificativas. A primeira tabela contém 11 argumentos e refere-se aos dados colhidos no ano

de 2012, quando da leitura e estudo do Index para inclusão. A segunda e terceira tabelas

analisam os argumentos identificados entre os anos de 2013-2014, quando o grupo de

professores e gestores escreviam o Projeto Político-Pedagógico.

Não houve filmagens no ano de 2015, pois o trabalho da construção do PPP já havia

sido encerrado e os encontros passaram a acontecer em dias da semana alternados, ora com as

professoras dos anos iniciais do 1º segmento (1º, 2º e 3º anos), ora com as professoras dos

anos finais do mesmo segmento (4º e 5º anos), quando a discussão passou a focar no currículo

e planejamento.

Concluímos essa seção citando Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996, p. 211-212):

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[...] para discernir um esquema argumentativo, somos obrigados a interpretar as palavras do orador, a suprir os elos faltantes, o que nunca deixa de apresentar riscos. Com efeito, afirmar que o pensamento real do orador e de seus ouvintes é conforme ao esquema que acabamos de discernir, não passa de uma hipótese mais ou menos provável. O mais das vezes, aliás, percebemos simultaneamente mais de uma forma de conceber a estrutura de um argumento.

Lembramos que, para a retórica, é vital a relação entre o orador e o auditório a que

este se dirige, pois a adesão obtida pela argumentação é sempre a adesão de um auditório

determinado. Auditório, de acordo com Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996, p. 22), referência

teórica adotada neste trabalho, é “o conjunto de todos aqueles que o orador quer influenciar

com sua argumentação”.

Os 21 argumentos que compõem esta tese são, inegavelmente, aqueles que mais

influenciaram o auditório.

4.4 O CAMPO DA PESQUISA

Esta seção tem por objetivo descrever o campo onde ocorreu a pesquisa, a Escola

Municipal Cícero Penna. Essa descrição se faz necessária para que possamos compreender de

maneira mais abrangente o campo pesquisado e de que lugar emergem as culturas políticas e

práticas dos sujeitos observados.

4.4.1 A Escola Municipal Cícero Penna (EMCP)

As informações aqui apresentadas fazem parte de conjunto atualmente disponível

sobre a escola e serão usadas para que possam servir como pano de fundo para a análise a ser

desenvolvida a partir da pesquisa de campo, iniciada em 2012.

A descrição histórica da escola (Anexo 1), constante no Projeto Político-Pedagógico

(2015), é um memorial de mais de 50 anos. A escola ocupa um endereço privilegiado na Zona

Sul do Rio de Janeiro.

Para apresentar a Escola Municipal Doutor Cícero Penna, buscamos seus resultados na

plataforma do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP)

e na página do QEDU16 . Na página de ambas as plataformas, é possível acessar os dados do

ensino básico nacional; do IDEB; da Prova Brasil e dos questionários socioeconômicos dos

16QEDU - Um portal aberto e gratuito, desenvolvido pela Meritt e Fundação Lemann, cujo objetivo é permitir oacesso às informações sobre a qualidade do aprendizado em cada escola, município e estado do Brasil. Disponível em: <http://www.qedu.org.br/>. Acesso em 15 jun. 2016.

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alunos das escolas. No entanto, os questionários de professores e diretores não são exibidos,

pois permitiria facilmente a identificação dos respondentes.

Os resultados da Escola Municipal Doutor Cícero Penna apresentados a seguir

referem-se ao ano de 2011:

● quanto ao seu IDEB, a escola alcançou 7,1.

● quanto ao aprendizado, dos 66 alunos testados em Português, 52 demonstraram o

aprendizado adequado. Em Matemática, dos mesmos 66 alunos, 53 demonstraram

o aprendizado adequado. Comparativamente às escolas do mesmo nível

socioeconômico do Município do Rio de Janeiro, a EMCP está em melhor

situação.

4.4.2 Conhecendo o corpo docente da Escola

Consoante ao que foi exposto anteriormente, o projeto Cícero Penna teve início em

2012, a partir da solicitação de uma das professoras que trabalhava, à época, na Sala de

Recurso, assistindo as crianças com necessidades especiais. Seu interesse pelo trabalho

desenvolvido pelo grupo de pesquisa surgiu logo após ter assistido a uma palestra do

LaPEADE num seminário realizado na Universidade Federal do Ceará, naquele mesmo ano.

Segundo a professora, “se pode fazer no Ceará, pode fazer no Rio.” (vídeo V-17/05/12). Foi,

então, que entrou em contato com o grupo e pediu que fizéssemos uma visita para uma rodada

de conversa sobre a temática “Educação Inclusiva”. E assim foi feito.

O primeiro encontro entre as professoras da escola e o LaPEADE aconteceu em março

de 2012. Na época, a escola possuía um total de 9 professoras do 1º segmento do Ensino

Fundamental, 5 professores especializados (Educação Física, Artes, Informática, Sala de

Leitura), 1 professora na Sala de Recursos, 3 gestoras (1 coordenadora pedagógica, 1 diretora

e 1 vice-diretora) no período da manhã, porém apenas um grupo de 4 professoras do 1º

segmento, 1 professora da Sala de Recursos e 1 gestora (vice-diretora) aceitaram participar.

O grupo que capitaneou o Projeto Cícero Penna era formado por mulheres sendo a

maioria com formação na área de Educação, conforme demonstramos no quadro 1:

QUADRO 1 - Grupo de Trabalho

Professora17 Formação Tempo de trabalho naEscola

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P01 Licenciatura em Pedagogia 4 anosP02 Licenciatura em Pedagogia 16 anosP03 Licenciatura em Pedagogia 15 anosP04 Licenciatura em Pedagogia 10 anosP05 Licenciatura em Pedagogia e pós-graduação

em psicomotricidade4 anos

P06 Curso Normal 10 anosFonte: Dados da pesquisa

O objetivo inicial desse grupo era saber que práticas escolares poderiam inibir ou

dificultar a aprendizagem e a participação dos alunos com necessidades especiais. A ideia era,

de maneira colaborativa, buscar soluções para os processos de exclusão (aqui,

especificamente compreendidos no sentido de barreiras à aprendizagem e à participação de

alunos) encontrados na escola, possibilitando a criação de estratégias que poderiam auxiliar na

compreensão de tais dificuldades por parte do corpo docente, técnico, gestor e auxiliar,

visando ao melhor desempenho da escola, como um todo, e o maior sucesso de seus alunos,

em particular.

Nos encontros acontecidos em 2012, quando a pesquisa-matriz se desenvolvia, foi

possível identificar a questão primordial que sustentou as discussões do grupo. Tratava-se da

dificuldade da inclusão dos alunos com necessidades especiais (alunos com transtornos do

espectro autista e com síndrome de Down). Todas as professoras ali presentes estavam de

acordo com o fato de que o aluno com necessidades especiais existe e está dentro da sala de

aula e o trabalho pedagógico realizado nesse espaço não é simples e requer conhecimento

prévio.

Em 2013, o grupo modificou um pouco, pois alguns professores saíram e outros

chegaram dispostos a participarem dos encontros. O quadro 2 a seguir mostra essa nova

configuração:

QUADRO 2 - Grupo de Trabalho

Professora18

Formação Tempo de trabalho naEscola

P01 Licenciatura em Pedagogia 4 anos

17Para manter resguardada a identidade das participantes, mesmo tendo em mãos o TCLE aprovado pela Comissão de Ética e assinado, usaremos nomes fictícios.18Para manter resguardada a identidade das participantes, mesmo tendo em mãos o TCLE aprovado pela Comissão de Ética e assinado, usaremos nomes fictícios.

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P02 Licenciatura em Pedagogia 16 anosP06 Curso Normal 10 anosP07 Bacharelado em Direito e Curso Normal 6 anosP08 Bacharelado em Direito e Curso Normal 4 anosP09 Curso Normal 10 anosP10 Licenciatura em Pedagogia 8 anosP 11 Bacharelado em Administração e Curso Normal 10 anos

Fonte: Dados da pesquisa

No decurso da pesquisa vivenciamos a aposentadoria da diretora. Tal evento aconteceu

antes do término do seu mandato. Com o objetivo de manter a escola em funcionamento sem

que houvesse a necessidade de chamar nova eleição para o corpo gestor, a diretora adjunta

apresentou a SME/RJ uma proposta de continuidade, indicando uma das professoras da escola

para assumir em parceria a direção da unidade a fim de completar o tempo necessário. A

proposta apresentada à SME/RJ foi o envolvimento dos professores na construção do PPP. A

divulgação desse trabalho ganhou destaque entre os gestores da SME/RJ, em especial a

direção da 2ª CRE, que, além de aprovar o nome da diretora-ajunta como a nova diretora da

escola, recomendou que outras escolas ligadas à 2ª CRE conhecessem o trabalho que a EMCP

estava desenvolvendo. Aqui, recomendamos a leitura do trabalho de Senna (2017) que narra

sua trajetória entre os professores da GED da 2ª CRE desenvolvendo o Index para inclusão

(BOOTH; AINSCOW, 2011).

Os argumentos que analisaremos mais à frente e que constituem o objetivo da pesquisa

decorrente, ora apresentada, são entendidos como instrumentos para se chegar a um acordo

sobre os valores e sua aplicação, e revelarão as controvérsias embutidas nas estratégias

utilizadas pelo grupo para ora refutar, ora apoiar a tese da inclusão dos alunos por meio da

valorização/desvalorização do trabalho pedagógico. As chamadas verdades universais,

segundo Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996), somente existirão se pudermos ter um acordo

universal e necessariamente sem controvérsias, ainda que se admita que a aludida controvérsia

seja auxílio na busca da verdade.

O grupo de professores pesquisado presume que a dificuldade maior em lidar com os

alunos com necessidades especiais vem da desestruturação familiar e ambiente de convívio. A

falta do acompanhamento dos pais na busca de tratamento adequado aos filhos é sentida. O

pouco compromisso de alguns profissionais da educação, em especial daqueles ligados a

SME, no cumprimento de programas de acolhimento, de investimento e acompanhamento dos

alunos, seja na qualidade dos materiais didáticos, seja na valorização dos profissionais da

educação, também é fator agravante.

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Acreditamos que, independentemente do discurso sobre a função da educação e da

escola, ela sempre será baseada numa determinada visão de homem pertencente a uma

realidade histórica e social específica. Cada vez mais essa categoria “função da escola” tem se

colocado presente nas reuniões docentes, palestras educacionais e até em concursos públicos.

Numa análise mais ampla, podemos dizer que a função da escola está ligada à sua missão,

incumbência ou utilidade. Melhor dizendo, para definirmos qual é a função da escola,

devemos primeiro definir a qual função estamos fazendo referência: social, legal ou política?

O que nos diz o espaço cotidiano compartilhado pelos professores e observado pelos

pesquisadores? Este é o passo que daremos a seguir.

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5 NO COTIDIANO DA ESCOLA – A PESQUISA EM PRÁTICA

A concepção de educação que estamos preconizando fundamenta-se numa perspectiva

crítica que concebe o homem na sua totalidade, enquanto ser constituído pelo biopsicossocial

considerando seu lado material, afetivo, estético e lúdico. Portanto, no desenvolvimento das

práticas educacionais, a perspectiva Omnilética nos aponta para a necessidade de termos em

consideração que os sujeitos dos processos educativos são as pessoas e suas múltiplas e

históricas necessidades. Dito isto, iniciamos o relato da nossa experiência na Escola.

No processo inicial e deliberativo da pesquisa, a argumentação se manifestou de modo

bastante significativo. No decorrer dos primeiros encontros, pôde-se perceber que o diálogo

desenvolvido ali necessitaria de inferências não limitadas apenas ao campo lógico ou

estatístico, mas também moldadas por processos de argumentação, ou melhor dizendo, de

diálogos entre os vários interlocutores.

A análise do cotidiano da escola nos parece necessária para que possamos

compreender de que lugar os argumentos dos professores emergem. Nesse espaço acontecem

oscilações entre a constituição de valores e desvalorização da prática pedagógica. Assim, os

professores se orientam nesse complexo social utilizando-se de normas e estereótipos,

avançando nas objetivações e subjetivações de suas culturas, políticas e práticas, mesmo

sabendo que provisoriamente, mas sem deixar de conter verdades, mitos, certezas e

preconceitos sobre sua atuação.

Na dissertação de Mestrado (CARNEIRO, 2010) verificamos a possibilidade de ser,

no cotidiano, o espaço onde a formação dos preconceitos sociais, em especial da função da

professora primária, acontece com mais frequência. Verificamos que esses preconceitos são,

na sua maioria, de procedência histórica. São preconceitos que estão sujeitos a uma

permanente transformação e constituem-se como obra da própria integração social. No

entendimento de que as operações de valorização/desvalorização profissional exercidas em

torno da professora primária dizem mais sobre os discursos de convencimento da missão nata

da mulher para a educação do que propriamente da sua capacidade intelectual, investigamos

em que medida o reconhecimento político da sua ação educadora influencia na imagem social

construída pelo senso comum, redimensionando a sua função social e o seu valor profissional.

Durante os encontros pudemos perceber que boa parte dos argumentos apresentados

para justificar o insucesso da atividade docente baseava-se na percepção da própria imagem

do professor e no desempenho da sua função. De maneira sensível, havia, entre os discursos

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de convencimento da sua impotência, uma cultura de desvalorização, uma política de

desmerecimento e uma prática de baixo rendimento.

A seguir, apresentaremos as transcrições dos encontros realizados entre o grupo de

professores da EMCP e o LaPEADE, organizando-os de acordo com a data em que

ocorreram. A escolha dessa organização justifica-se pela sua importância na mudança e

variação dos argumentos quando vistos através da perspectiva Omnilética.

Cabe-nos esclarecer que os encontros realizados durante o período de vigência da

pesquisa somam 64, logo foi necessário estabelecer um critério para a escolha dos encontros a

serem analisados. No momento dos encontros, no processo de coleta de dados, focalizávamos

nossa atenção no desenvolvimento do Index para inclusão (BOOTH; AINSCOW, 2011), na

busca e compreensão do processo de inclusão na escola por meio da interação do grupo de

professores e gestores. Na oportunidade da transcrição desses encontros, nossa perspectiva

mudou, pois passamos a buscar os argumentos de valorização e desvalorização da ação

docente. Desta forma, foi necessário nos distanciarmos do papel de pesquisador entrevistador

e nos colocamos no papel de interpretador de dados. À vista disso optamos por selecionar

apenas os extratos relacionados ao nosso objetivo, a saber, identificar e analisar

omnileticamente os tipos de argumentos levantados pelos professores que evidenciam as

barreiras à sua autonomia e participação pedagógica. Os excertos foram trabalhados

cronologicamente, pois a proposição é apresentar alguns avanços e retrocessos provocados

pelo desenvolvimento do Index para inclusão (BOOTH; AINSCOW, 2011).

No processo de escolhas das cenas a serem transcritas, procuramos observar

detalhamento das expressões faciais, do desvio de olhar, das mensagens corporais. Tais

informações, por vezes, precisam ser observadas, pois podem ter sido utilizadas como reforço

ou resistência ao argumento apresentado. Ou seja, são elementos que foram identificados

como parte do processo de análise e interpretação. Entendemos, assim, que a transcrição

assume a função de uma pré-análise do argumento. Como bem salientou Bardin (2016), a pré-

análise seria baseada na transcrição, na qual são realizadas várias leituras do material para

entender e compor os dados, mesmo sendo o próprio pesquisador aquele responsável pela

transcrição.

5.1 Definindo as categorias conceituais de análise

Para dar início à análise das transcrições foi necessária a criação de categorias

relacionadas ao objeto de pesquisa. Algumas categorias conceituais de análise foram definidas

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somente após seguidas leituras e releituras das transcrições, quando os temas de cada reunião

puderam ser extraídos. Para isso, consideramos a criação de uma organização de análise a

partir das dimensões sugeridas pelo Index para inclusão, ou seja, culturas, políticas e práticas.

As deduções ou inferências que foram obtidas a partir dessa categorização são

responsáveis pela identificação dos tipos de argumentos e sua compreensão omnilética.

Entretanto, é importante ressaltar que a linguagem da argumentação é suscetível de

interpretações variadas, e uma palavra repetida duas vezes numa mesma proposição pode ser

tomada, se tal for necessário, em dois sentidos diferentes.

5.2 Os argumentos

Decidimos organizar os argumentos de forma cronológica para que possas ser

compreendidos de maneira mais clara possível. Pode ser observado que os encontros

transcritos não são sequencias, mesmo estando cronologicamente classificados. Isso se deve

ao fato de que em algumas reuniões, os argumentos apresentados não faziam referência à

questão pesquisada ou não possuíam a força necessária capaz de responder a nossa questão

pesquisada.

Mais uma vez afirmamos que os argumentos escolhidos dizem respeito ao discurso de

valorização/desvalorização da carreira docente.

QUADRO 3 - Reuniões do Projeto - 2012

REUNIÕES DO PROJETO - 2012

Argumen

to

Categoria Palavras-chave

01 Reconhecimento profissional missão / valorização02 Comprometimento Região Nordeste/Região Sudeste03 Participação do professor autoridade04 Valorização docente valorização 05 Influência estatística valorização/pesquisa06 Percepção e atitudes Projeto Político-Pedagógico07 Prática docente prática docente e exclusão08 Relação com os professores e

responsáveis participação

09 Planejamento de aula autonomia/apostilas da SME10 Gestão e participação gestão11 Colaboração e participação compromisso / convivência /

respeitoFonte: Dados da pesquisa.

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Argumento – 01

Categoria – Reconhecimento profissional

Palavras-chave: missão / valorização

Data: 27 de março de 2012.

Local: EMCP – sala de vídeo

Presentes: A coordenadora do LaPEADE, acompanhada por 2 (duas) pesquisadoras, a gestora

e 4 (quatro) professoras da EMCP.

A filmagem começa com os participantes sentados em círculo. A coordenadora do

LaPEADE pergunta às professoras onde está a gestora. Uma professora explica que a viu

conversando com alguns responsáveis na entrada da escola. A professora se oferece a ir

chamá-la. A coordenadora agradece sua disponibilidade e comenta que a presença de todas no

horário marcado é essencial. Quando a gestora chega, a coordenadora argumenta:

DMO – então vamos? Poxa, P01, graças a Deus você veio, a gente estava falando daimportância da gestão nesse momento nesse projeto. Porque se é pra fazer algum milagre, é preciso que a gente esteja junto.

A coordenadora, nesse momento, desempenha a função de oradora, pois está ali para

apresentar o Index para inclusão (BOOTH; AINSCOW, 2011) e persuadir aquele auditório

em particular a aderir ao seu desenvolvimento. A coordenadora usa um argumento quase

lógico baseado no sacrifício quando afirma que estamos reunidos para “fazer algum milagre”.

Importante marcar que, para efeito de classificação do tipo de argumento, utilizamos a

terminologia empregada pelos autores Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996) quando nos

referimos à palavra “sacrifício”. Na verdade, entendemos o termo que o sacrifício ao qual os

autores se referem aproxima-se, no argumento em destaque, ao esforço que os professores

devem desprender para estarem reunidos nesse momento de estudo.

Aparentemente, o propósito do argumento analisado é apresentar um valor (milagre)

como um ideal e que deve transformar-se em um objeto de acordo, ainda que seja por meio de

um esforço (estarem juntos naquele horário, sem permitir que nada os atrasem). Por

consequência, aproxima a forma de pensar e agir do auditório em torno de uma mesma tese: o

poder e a importante missão de realizar um milagre. Não caberia aqui uma profunda discussão

sobre ser o “poder do milagre” um valor concreto ou abstrato, mas vale dizer que o que está

em jogo é a adesão do auditório à tese de que ele, professor, tem o poder de realizar esse

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milagre se sacrificar-se trabalhando junto aos seus. O argumento, então, fala do lugar

romântico, um apelo à qualidade moral do auditório enquanto reforça o sentimento

missionário do professor primário. A expressão “fazer algum milagre” é, por sua vez, uma

figura de retórica que apela para o exagero (hipérbole), fortalecendo também o valor do

esforço requerido.

Os argumentos de sacrifício revelam a disposição do sujeito quanto ao esforço

despendido para obter o que deseja. Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996, p. 282) afirmam,

ainda, que “se, no argumento do sacrifício, a pesagem compete ao indivíduo que aceita o

sacrifício, o significado deste último aos olhos alheios depende do apreço por aquele que

efetua a pesagem”. Este tipo de argumentação permite avaliar, comparar dois ou mais termos

que, no exemplo analisado, dizem respeito ao fato de estar ou não estar presente aos encontros

do projeto. Assim, constatamos que há uma medição desses elementos, que estão em

constante interação.

Recorrendo à perspectiva Omnilética podemos abrir um potencial leque de

interpretações para esse excerto. Essa possibilidade de alargar o olhar sobre uma mesma

situação nos auxilia a compreender melhor o conflito gerado pela tomada de decisão em

participar do encontro promovido pelo LaPEADE. Esse conflito pode ser sentido na escolha

entre estar presente ou ausente ao encontro e pode ser significado de diferentes maneiras. Não

pretendemos demonstrar que existe uma dualidade de escolha, pelo contrário, o que

percebemos omnileticamente é que existem sentidos polivalentes ou a incerteza de como

avaliar a sua participação nessa jornada. Quando a escolha compreende múltiplas opções que

se comparam entre si em aspectos positivos e negativos, o conflito refere-se à incerteza sobre

qual das opções é a mais valorizada.

Cabe-nos perguntar se, no argumento analisado, a exigência que se coloca diante do

grupo estaria relacionada diretamente à sua missão cultural do poder milagroso que o

professor tem. Vale ressaltar que a figura de retórica empregada (hipérbole), de que um bom

professor é capaz de fazer milagres, faz parte de um conjunto surpreendente de determinações

socioculturais que atravessa diferentes momentos históricos (CARNEIRO, 2010). Abordando

essa categoria omnileticamente, observamos que a construção da imagem do professor está

ligada às estruturas da cultura, da organização social e da prática histórica. Assim, ela

salvaguarda sua posição não apenas condicionada como também condicionante.

Mas, e se esse esforço tiver como base seu compromisso com o trabalho pedagógico?

Charlot (1986) defende que é no período de crise social e política que a educação é

mais debatida. Para o autor, o pensamento pedagógico só nasce numa sociedade atravessada

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de conflitos. Pleitear um espaço de estudo que seja seguro enquanto se desvela as diferentes

questões pedagógicas pode parecer algo difícil de conseguir e, por vezes, estranho aos

docentes. Em especial no campo onde realizamos essa pesquisa e de onde resgatamos o

argumento, a prática do encontro pedagógico, nesses últimos anos, não tem sido privilegiada.

Participar de um encontro como esse, em especial, é expor-se não apenas como indivíduo,

mas como profissional repleto de teorias sobre suas culturas, suas políticas e suas práticas.

Isso significa que as relações profissionais passarão, necessariamente, pelas relações pessoais.

A questão da valorização (ou da desvalorização) profissional poderá vir a ser problematizada

conforme o campo for construindo suas relações. Aceitar o “milagre” ao qual a coordenadora

se refere é aceitar que as relações interpessoais acontecerão e poderá vir a ser inevitável a sua

vivência.

Argumento – 02

Categoria – comprometimento

Palavras-chave: Ceará/ Rio de Janeiro

Data: 27 de março de 2012.

Local: EMCP – sala de vídeo

Presentes: A coordenadora do LaPEADE, acompanhada por 2 (duas) pesquisadoras, a gestora

e 4 (quatro) professoras da EMCP.

Os trechos destacados para análise fazem parte do encontro I. Ele foi escolhido devido

às considerações feitas pelas professoras sobre o desenvolvimento do Index para inclusão

numa escola do Ceará e da possível dificuldade em realizar o mesmo intento aqui, na sala da

escola, no Rio de Janeiro.

A discussão gira em torno do fato da proposta de revisão das dimensões de culturas,

políticas e práticas baseada na leitura reflexiva do Index para inclusão, acontecida numa

escola pública de uma cidade no Ceará, ter dado certo e originado um trabalho de sucesso. O

próprio argumento inicial é um argumento que fundamenta a estrutura do real, pois pretende

construir uma percepção pragmática quando associada à observação das imagens da pesquisa

sendo realizada numa outra escola. As imagens são usadas como exemplo do que se deseja

realizar na EMCP e pretendem generalizar o argumento.

A seguir apresentamos a transcrição que usamos para essa análise:

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DMO – então pra hoje a gente teve a ideia de passar um trecho do dvd como foi a ideia original. Aqui vocês vão poder ver o que foi que a R viu e que chamou a atenção dela. E também para vocês terem a ideia do projeto. Depois disso, a gente vai conversar sobre o nosso projeto, propriamente dito, que é parecido mas não precisa ser o mesmo. E aí, no meio dessa conversa, reconfigurar algumas coisas.

Após a apresentação das imagens, as professoras respondem com os seguintes

argumentos:

P03- isso aí foi no Ceará, não é? Você não pode comparar o nordestino porque ele tem aquela coisa, aquela garra. Eu sou filha de nordestino e posso falar. Tenho muitode nordestino. Aqui, o pessoal do Rio de Janeiro é diferente sim. A gente, aqui, na Cícero Penna, vai ter que encontrar o nosso caminho. Mesmo que você vá no subúrbio, é diferente daqui.

P01- Existe uma coisa que é muito forte, é a questão da mentalidade da filosofia de um projeto como esse no Nordeste para ser implementado aqui. Eu percebo que aquitem uma resistência muito maior, apesar de todo mundo aqui ter muito mais informação...

P02 – É aquilo, tem a ver com a filosofia e com o que a gente pensa sobre educação.Eu vejo assim, o que eu quero com o meu aluno não é diferente do que alguém que queira lá no Nordeste, na Amazônia ou lá no sul. Eu acho que, nesse primeiro momento, o que é que a gente está discutindo? O fazer pedagógico. Como é que a gente chega a resultados.

A complexidade do acordo que se propõe como tese principal busca responder ao

desafio daquilo que está sendo-lhes proposto – repensar a sua realidade educacional a partir

das dimensões propostas pelo Index para inclusão (BOOTH; AINSCOW, 2011).

Os três argumentos acima destacados nos possibilitam uma análise omnilética mais

abrangente. A tese de adesão inicial, explicitada no primeiro argumento (P03), fundamenta-se

em uma presunção. Podemos observar que a professora faz uso repetitivo da palavra

nordestino. Nesse sentido, o efeito procurado parece-nos ser de uma amplificação da figura

do nordestino como alguém que detém uma qualidade (garra), diferente do “pessoal do Rio de

Janeiro”. A professora usa uma argumentação quase-lógica para defender a tese da diferença

entre nordestinos e não-nordestinos, lançando mão da técnica de identidade e definição.

Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996) destacam que “o procedimento mais característico de

identificação completa consiste no uso das definições” (p. 238). No argumento analisado a

definição dada ao nordestino (aquele que tem garra) indica qual o sentido conferido de

maneira desejável levando-se em consideração o momento e lugar em que foi dito.

O segundo argumento (P01) dialoga com a tese de adesão. Podemos observar a

complexidade nesse diálogo, pois nos parece ser contrário o argumento de resposta ao mesmo

tempo que o apoia. Este seria um caso de refutação/apoio à tese inicial. No seu argumento de

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resposta, a professora concorda com a importância dada à “filosofia” de um projeto de

mudança e que o “nordestino possui garra” necessária (argumento de apoio), mas apresenta a

tese de que “aqui”, no Sudeste, há mais “informação” do que na outra região (argumento de

refutação). Percebe-se a inferência de um forte dado cultural no argumento de refutação – o

capital cultural. Podemos considerar a questão da diferença entre as populações brasileiras

que costuma ser de preconceito. Pesquisas recentes mostram que o preconceito continua

presente na atualidade (CUNHA; SANTOS, 2015). Essa discriminação consiste no

julgamento de uma pessoa pela sua origem ou mesmo por associações pejorativas.

Consoante com Bourdieu (2007), a posição social ocupada pelos professores em um

campo particular de existência, que no caso do argumento subdivide-se em regiões – Nordeste

e Sudeste –, depende, antes de qualquer coisa, dos capitais objetivados nas práticas

distinguidos em três dimensões “clássicas”: o econômico, o cultural e o social. É a forma

assumida pelos capitais objetivados em uma relação e incorporados (habitus) que determina

as classes sociais e, consequentemente, constitui as práticas que classificam as distinções.

Omnileticamente é possível considerar que o argumento da professora esteja apontando para o

papel cultural do saber em um quadro mais amplo, ou seja, de uma cultura socializada. Visto

dessa forma, o valor cultural docente de cada região é suficiente para construir um padrão de

referência.

O terceiro argumento (P02) mostra o auditório concordando com a tese de adesão

inicial e a argumentação ganha estabilidade. Inferimos isso ao observar o argumento (P03)

que procura responder e entender a tese de adesão inicial - “o que eu quero com o meu aluno

não é diferente do que alguém que queira lá no nordeste, na Amazônia ou lá no sul”. A

discussão já não é mais sobre quem detém a “garra” ou o “saber”, mas sim a tese de que todos

os professores estão a busca de caminhos para o desenvolvimento pleno do seu aluno. Tem-se,

aí, o emprego de um argumento quase-lógico: a inclusão das partes (diferentes regiões do

país) em um mesmo todo (o propósito do fazer pedagógico, que deve ser o mesmo em todo o

país).

Essa condição dialógica da argumentação é uma condição omnilética, dado que as

variáveis culturais, políticas e práticas estão postas em discussão e isso complexifica a tese,

uma vez que coloca, no argumento em destaque, a questão do capital cultural no campo do

acordo. Bourdieu (2011) descreve minuciosamente o sentido de capital cultural associado à

cultura num sentido amplo de gostos, estilos, valores e estruturas psicológicas, que decorrem

das condições de vida e que vão se moldando às suas características.

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É possível inferir que o que aparece visível no argumento, na realidade, esconde o

invisível que o determina. A determinante aqui pode ser o compromisso com a mudança de

paradigma sobre a participação do professor nos processos educativos e na importância da sua

decisão política sobre a sua ação, ou seja, o seu valor como profissional. Omnileticamente é

permitido induzir que a autenticidade da interação não costuma estar inteira no argumento tal

qual se apresenta, mas próxima às estratégias de condescendência, assegurando saberes já

dominados pelo senso comum e preservando aquilo que se quer deixar subentendido. Em

suma, “podem-se usar as distâncias objetivas de maneira a obter as vantagens da proximidade

e as vantagens da distância, isto é, a distância e o reconhecimento das distâncias asseguradas

pela denegação simbólica da distância” (BOURDIEU, 2004, p. 154).

O que defendemos aqui é o problema da complexidade que nos é apresentado por

Morin (2010). Devemos lutar não apenas contra a incompletude do conhecimento, mas contra

a sua mutilação. Reduzir a tese à questão da diferença de formação pedagógica aliada à sua

localização geográfica é negar a própria identidade e a diferença de todos os aspectos que

constituem um ser humano na sua face biopsicossocial.

De certa forma, argumentos como esse que não se libertam de seus preconceitos

científicos e políticos tomam como base as características do cotidiano. O pensamento

cotidiano costuma trivializar suas experiências baseando-se apenas no empírico, assumindo

estereótipos como verdades. Quando não problematizamos o estereótipo do professor do

Nordeste ou do Sudeste, afirmamos o desvalor da profissão por meio de um discurso de

menos valia.

Argumento – 03

Categoria – Participação do professor

Palavra-chave: autoridade

Data: 24 de abril de 2012.

Local: EMCP – sala de vídeo

Presentes: A coordenadora do LaPEADE, acompanhada por 2 (duas) pesquisadoras, a gestora

e 4 (quatro) professoras da EMCP.

Nesse encontro, a coordenadora do LaPEADE explica o porquê de ainda não ter

conseguido trazer uma edição das filmagens feitas na sala de aula. Segundo ela, as gravações

sobre os pontos positivos e desafios de cada aula ainda não estavam focados nas dificuldades

dos alunos, categoria principal do encontro. A coordenadora sugere, para esse encontro, que as

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professoras falem sobre as dificuldades vividas durante esse período e que estejam

relacionadas a alunos especificamente.

O trecho a seguir foi selecionado com a intenção de revelar a questão da percepção de

uma barreira à aprendizagem e à participação do aluno sentida pela professora e apresentada

aos pais numa reunião. A autoridade da professora é questionada por uma outra colega que

supõe que o fracasso da entrevista se deu devido à falta de credibilidade na fala da professora.

A professora P03 comenta sobre um determinado aluno. Dá-se, assim, início a um

diálogo que transcrevemos a seguir:

P03- na minha sala, à tarde, eu tenho a S que é uma criança que me angustia muito; eu tenho também o MF que até nessa última aula ele deu um freio, eles atrapalham muito; são crianças, tipo assim, que não dão trabalho só na minha aula, mas em todas as aulas dos professores.

P04 - no caso do MF, ele faltou muito ano passado e, assim, o primeiro passo que a gente tem que dar é ver se tem algo a mais do que só a questão comportamental, é chamar primeiro a família.

P03- já chamei.

P04- não, mas assim, tem que chamar para conversar olho no olho, pra ver se conhece um pouco mais e no último caso, conversar com a direção; isso tem dado resultado pelo menos com outros alunos

P03- já fiz isso com esse aluno e com outros (nomeia as crianças)

P04- Então, assim, se você já fez esse atendimento e não adiantou, você poderia tentar fazer com a direção porque aí já é uma coisa assim: não é uma professora, é uma diretora; não é implicância da professora, é com a diretora, isso faz uma diferença, a gente percebeu isso com a turma dela (aponta para P02)

DMO- mas pera aí, isso é no caso da S?

P04- não, nos dois, os dois estão com essa fala. Talvez uma autoridade maior …

Ao descrever o comportamento dos alunos S e MF, a professora P03 destaca que tal

comportamento se repete junto a outros professores, justificando sua preocupação. A

professora P04 chama a atenção para a necessidade de se conversar com a família e, mesmo

diante da afirmação de que isso já foi feito, insiste em dizer que a conversa deve ser feita

“olho no olho”. O uso dessa expressão reforça a ação como uma possível solução para o

problema que ocorre dentro da sala de aula. O argumento que destacamos é tautológico, pois

repete a necessidade de um encontro com os responsáveis, levantando a hipótese do encontro

não ter acontecido de maneira séria e profunda, ou seja, “olho no olho”. Como forma de

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persuadir, a professora P04 usa um argumento de autoridade, sustentando a indispensabilidade

de uma pessoa confiável e capaz de conduzir corretamente o encontro.

Segundo a professora P04, “não é uma professora, é uma diretora; não é implicância

da professora, é com a diretora, isso faz uma diferença”. É possível inferir que o peso do

argumento está centrado no desvalor da opinião da professora diante do saber da diretora. A

fala da professora aos pais corre o risco de ser tomada como “implicância”, sugerindo falta de

reflexão ou embasamento teórico, descartando a possibilidade de ter sido resultado de uma

observação empírica que tenha levado a docente a assumir algumas verdades momentâneas

baseadas nas suas reflexões. Culturalmente, a formação acadêmica docente está fundamentada

numa concepção transmissiva de conhecimento e não costuma privilegiar a observação

reflexiva, centrada no exame atento, ao olhar com pormenor e na utilização de instrumentos

de registros.

Segundo Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996, p. 350):

As autoridades invocadas são muito variáveis: ora será “o parecer unânime” ou “a opinião comum”, ora certas categorias de homens, “os cientistas”, “os filósofos”, “os Padres da Igreja”, “os profetas”; por vezes a autoridade será impessoal: “a física”, “a doutrina”, “a religião”, “a Bíblia”; por vezes se tratará de autoridades designadas pelo nome.

Mas não é possível descartar a complexidade presente na formação do professor. Isso

não aumenta ou diminui a sua capacidade de abordar uma situação vivenciada na sua sala de

aula, mesmo sabendo que a concepção ou tendência pedagógica que caracteriza a ação

docente pode ser modificada ao longo de sua trajetória profissional. Não se pode negar que há

um saber, uma profissionalidade, na prática docente. A profissionalidade, de acordo com

Contreras (2012), pode ser entendida como um conjunto de práticas docentes constituídas na

prática do seu trabalho educativo. É um estado constituído no interior de um coletivo situado

num contexto social e cultural e, sendo assim, suscetível às influências culturais, políticas e

práticas. Envolve a ideia de responsabilidade social, pois requer compromisso daqueles que

participam do processo educacional.

Por isso, longe de ser meramente um achismo pedagógico, a atitude autônoma da

professora está vinculada a uma sensibilidade capaz de entender o outro e com disposição

para a busca do consenso social.

A formação pedagógica não se constrói apenas na acumulação de cursos, de

conhecimento ou de técnicas, ou seja, do capital cultural institucionalizado, mas sim por um

trabalho de reflexividade crítica sobre as práticas ali apreendidas possibilitando a

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(re)construção permanente de uma identidade profissional. Por esse motivo é tão importante

investir na formação continuada do professor e buscar uma ordenação ao saber da experiência

adquirida no exercício da profissão.

A superação desse modelo significa valorizar a prática do professor, considerando seu

papel de “construtor de conhecimento”, e não mero instrutor que transmite os saberes

produzidos por outros. Significa reconhecer a potencialidade da observação feita sobre o

aprendizado do aluno, por mais incompleta que aparentemente transpareça.

Argumento – 04

Categoria – valorização docente

Palavra-chave: valorização

Data: 08 de maio de 2012.

Local: EMCP – sala de vídeo

Presentes: A coordenadora do LaPEADE, acompanhada por 2 (duas) pesquisadoras, a gestora

e 4 (quatro) professoras da EMCP.

Desse encontro, destacamos o seguinte argumento:

P02- a escola fica muito presa à questão daquilo que é acadêmico. Você tem que saber isso, aquilo e aquilo. (...) Aí vem a secretaria e coloca aquilo no livro como sendo a única coisa certa. O único valor absoluto. O resto não é visto ou não é válido. Aí muda o governo e muda tudo de novo. E o professor que não tem esse tempo para discussão e para essa busca, ele só vive mudando de acordo com o governo. Agora tem que fazer isso porque o governo é esse. Agora tem que fazer aquilo porque o governo mudou de ideia. E aí a gente deixa de ser o professor.

Nesse argumento, a professora deixa claro o tributo cobrado aos professores pela

Secretaria de Educação, ao mesmo tempo em que busca a adesão do auditório por meio da

tese de que a desvalorização profissional está relacionada com a supressão do seu tempo de

estudo e pesquisa.

Segundo Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996, p. 281) “um dos argumentos de

comparação utilizados com mais frequência é o que alega o sacrifício a que se está disposto a

sujeitar-se para obter certo resultado”.

No argumento em destaque, o sacrifício exigido ao professor refere-se à perda de

autonomia para exercer a sua profissão. Os processos de redução de conceitos pelos quais a

profissão docente passou, principalmente a partir da Lei de Diretrizes e Bases 5692/71,

limitaram o papel do professor e sua função no ensino. Os modelos baseados nas instruções

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programáticas que objetivavam a homogeneização do trabalho com vista à maior

produtividade e à diminuição de custos sobrepujaram a atuação docente e condicionaram a

sua prática à posição de consumidores de livros didáticos com suas orientações pedagógicas

prontas. Nessa direção, o professor viu seu papel profissional reduzido ao de um técnico,

aplicador de programas e pacotes curriculares, passível de ser testado por exames externos.

Numa perspectiva Omnilética, a fala da professora nos deixa perceber que a sua visão

de autonomia está centrada na possibilidade de exercer sua função profissional de forma

absoluta, sem interferências externas. Sua tese está no esforço despendido à resistência e à

aceitação de ingerências externas ao seu trabalho, à medida que transformações sociopolíticas

se estabelecem e novas exigências são feitas em relação à escola.

A complexidade é inerente à educação, pois nos obriga a enfrentar contradições

irredutíveis. É evidente a tensão existente entre a tentativa de promover a igualdade e o

respeito pelas diferenças sem esbarrar no projeto pessoal do professor e seu compromisso com

as recomendações recebidas pela Secretaria de Educação. Não é possível dissimular as

contradições entre as práticas pedagógicas e a variabilidade das políticas educacionais. É

importante captar essa profundidade da natureza omnilética na tese exposta para não se deixar

enganar com a superficialidade da explicação pela lei do menor esforço. Diante desse

“sacrifício” imposto ao professor, vale questionar sua representação profissional e o seu

desejo de exercer algum controle do mundo educacional. Comecemos pela referência à

autonomia.

Contreras (2012) procura recuperar a concepção de autonomia profissional para

professores sugerindo uma busca entre as estratégias ideológicas da profissionalização.

Subscrevendo, então, a ideia de que a autonomia para os professores possui uma natureza

educativa própria. O argumento estudado pode anunciar, superficialmente, a preferência por

um isolamento e não intromissão no seu trabalho. Contreras (2012, p. 80) afirma que para

melhor entendermos a autonomia perseguida pelos professores devemos entender que “as

imagens associadas à ideia de profissional e as aspirações que muitos professores representam

com esse termo transportam valores ocupacionais que estão em consonância com

características e necessidades de realização da função docente”.

Posto desta forma, a discussão dirige-se para o significado do termo profissionalidade,

outro aspecto importantíssimo da formação do professor. De maneira geral, o termo

profissionalidade, de acordo com Contreras (2012), implica na utilização responsável,

competente e ética dos requisitos necessários à atuação do professor: domínio dos conteúdos e

da metodologia de ensino, participação na construção do Projeto Político-Pedagógico da

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escola, didática e planejamento das aulas, entre outros. Para o autor, “a profissionalidade se

refere às qualidades da prática profissional dos professores em função do que requer o

trabalho educativo” (CONTRERAS, 2012, p. 82). Construir-se professor exige, desde a

formação inicial, uma eterna e vigilante reflexão do que se faz, como se faz e como deveria

ser feito. É um movimento que institui uma prática pedagógica firmada sob um processo

dialético que norteará a constante formação profissional.

Falar de profissionalidade significa expressar culturas, políticas e práticas. No Index

para inclusão encontramos pistas que nos apontam para o sentido da profissionalidade que

pode estar inserido no argumento da professora P02:

Os valores constituem guias e sugestões fundamentais para a ação. Eles nos fazem avançar, dão um senso de direção e definem um destino. Não podemos saber se estamos fazendo (ou já fizemos) a coisa certa sem compreender a relação entre nossas ações e nossos valores. Porque todas as ações que afetam os outros são sustentadas por valores. Cada uma destas ações torna-se um argumento moral, estejamos ou não conscientes disto. É uma forma de dizermos que ‘é a coisa certa a fazer’. Ao desenvolver um sistema de valores, declaramos como queremos conviver e educarmo-nos uns aos outros, agora e no futuro (BOOTH; AINSCOW, 2011, p. 21).

Para o Index para inclusão, a referência “profissional” está, do mesmo modo,

associada ao despertar da consciência para as necessidades da escola e do espaço escolar e

isso pode ser feito por meio dos valores inclusivos.

Portanto, a representação profissional e a autonomia são valores intrínsecos à prática

do ensino.

Argumento – 05

Categoria – influência estatística

Palavras-chave: valorização / pesquisa

Data: 08 de maio de 2012.

Local: EMCP – sala de vídeo

Presentes: A coordenadora do LaPEADE, acompanhada por 2 (duas) pesquisadoras, a gestora

e 4 (quatro) professoras da EMCP.

A filmagem começa com a coordenadora do LaPEADE, professora Dr.ª Mônica P. dos

Santos, lendo as páginas iniciais do Index para inclusão. A coordenadora do encontro dá

destaque à questão dos valores. Apresenta a imagem da “flor” dos valores inclusivos.

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Figura 4 – Desenvolvimento inclusivo

Index Para Inclusão (BOOTH; AINSCOW, 2011)

Destacamos o trecho a seguir:

DMO – Vamos continuar a leitura do Index para inclusão: “Enfatizar o desenvolvimento dos valores e sucessos da comunidade escolar.” Vocês estão fazendo isso? Como é que isso acontece aqui na escola? Vocês já pararam pra pensarnisso?

P02 – O resultado da pesquisa.

P03 – Qual pesquisa?

P02 – Aquela que foi feita com os pais. Antes a gente tinha uma ideia, uma visão de escola que não correspondia a realidade das pessoas da escola. Tanto que nós nos assustamos muito com a escolaridade dos pais. Lembram? Ali todo mundo tomou conhecimento da realidade dos pais e vimos que eles têm nível médio, eles tinham uma condição de vida muito boa e o que nos deu prazer foi saber que eles reconheciam o nosso trabalho. E a gente sempre teve a ideia de que não éramos reconhecidos. A escola sempre trabalha com uma ideia, um pré-conceito de que são pessoas que moram no Tabajara são pessoas que moram no Cantagalo, são pessoas que moram nos quartos dos porteiros dos prédios, são pessoas sem cultura e de um nível de pensamento muito baixo. Então é uma preocupação da escola quando olha oaluno e pensa que ele é um vaso vazio que você vai preencher com aquelas coisas que são importantes. São essas que interessam. E ignoram aquilo que eles já trazem.

Nesse argumento, a professora (P02) dá ênfase a sua surpresa ao descobrir que,

mesmo morando em lugares previstos e legitimados à população de baixa renda, os familiares

dos alunos possuem alguma instrução formal. Analisando a técnica argumentativa utilizada,

observamos que seu argumento é pragmático e fundamenta-se na relação de dois

acontecimentos sucessivos por meio de um vínculo causal. A sucessão causal do seu

argumento encontra-se na relação entre a moradia das famílias e a sua formação escolar,

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tomados a partir do resultado da pesquisa estatística realizada na escola. Morar em regiões

urbanas, onde prevalecem as famílias de baixa renda, deveria ser determinante (causa) para a

baixa escolaridade (consequência) dos pais, mas isso nem sempre se verifica. Por isso, a

oradora critica os pré-conceitos que acabam por estereotipar os alunos. Sua crítica é reforçada

pelo emprego da metáfora (argumento que fundamenta a estrutura do real) “vaso vazio”,

muitas vezes empregada por professores para desvalorizar conhecimentos e aspectos da

cultura dos alunos.

Para refletirmos sobre essa questão, voltamos ao pensamento de Geertz (1989) sobre o

conceito de cultura na constituição do ser humano. Entendemos que o sistema cultural sempre

está em mudança, e é preciso estar atento a essas transformações para não cometer situações

preconceituosas. Segundo o autor (1989, p 45.), “a cultura é a mediação entre o poder e o

objetivo de sua ação”. Ponderando que a cultura pode condicionar a visão de mundo do

homem na sociedade, podemos inferir omnileticamente que ela costuma ser representada por

um conjunto de significados transmitidos historicamente, ou seja, incorporados por meio de

símbolos que se materializam em culturas, políticas e práticas. O que a constitui são as

crenças, as tendências e as práticas do grupo tomadas coletivamente. A ruptura dessa

imposição poderá ser alcançada quando pensarmos complexamente sobre a formação

determinista dos paradigmas que a estruturam. Para isso, devemos nos valer de uma dialógica

cultural e de uma diversidade de pontos de vista potencial.

Santos (2006), com a sua proposição omnilética, aborda igualmente a questão do ser

vivo como um todo numa constante, dinâmica e complexa relação e interação com o meio,

pois a forma como ocorre esse processo depende do meio e do contexto em que se vive. Isso

significa que o meio interfere na forma com que interagiremos com nossas próprias estruturas.

Desse modo, o argumento apresentado pela P02 é fruto de uma correlação que lhe

confere sentido e procura organizar o entendimento construído, assim, da realidade externa.

Nesse aspecto, a realidade não existe independentemente do observador. Nossas ideias, nossos

valores, nossos atos e nossas emoções são produtos das nossas culturas, políticas e práticas. A

relação estabelecida entre a moradia da família e sua formação acadêmica marca essa

percepção, pois lhe causa surpresa saber que o resultado da pesquisa contradiz aquilo que

costuma ser culturalmente posto.

Não podemos deixar de destacar que, para além do entendimento do seu argumento

como pragmático, a professora dá indícios de uma postura crítica, pois manifesta

autorreflexão sobre as distorções ideológicas e condicionantes dos paradigmas sociais de

moradia. Omnileticamente, aceitamos que somos nós, os observadores, que atribuímos

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sentidos à realidade e que nossas observações dependem das distinções culturais que fazemos

e que estas estão em constante movimento, pois nossa percepção dialética torna possível a

compreensão de que o mundo é sempre resultado das relações que operamos a partir das

culturas, políticas e práticas.

Da mesma forma observamos sua surpresa em relação à valorização dada pelos pais ao

trabalho feito pela escola. P02 diz que “o que nos deu prazer foi saber que eles reconheciam o

nosso trabalho. E a gente sempre teve a ideia de que não éramos reconhecidos.”. Reafirmando

nosso entendimento de que a nossa inferência no mundo está diretamente ligada às nossas

culturas, políticas e práticas, a surpresa da professora ao saber-se valorizada pelos pais nos

indica um argumento de superação. Como nos explica Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996, p.

328), “O que vale não é realizar certo objetivo, alcançar certa etapa, mas continuar, superar,

transcender no sentido indicado por dois ou vários pontos de referência.” Na surpresa da

professora, pareceu-nos importante observar que o reconhecimento dos pais surge como uma

aprovação. O seu argumento aparenta apontar para um sentimento de segurança quanto à

utilidade e qualidade do seu trabalho, produzido a despeito de avaliações possivelmente

negativas e mesmo da indiferença de pares e superiores, como vimos nos argumentos

anteriormente analisados.

Omnileticamente, o processo de reconhecimento profissional pode ser entendido como

um processo de retribuição simbólica assentado em julgamentos culturais, políticos e sobre o

fazer das pessoas, ou seja, seu aspecto prático, portanto, tende a perceber-se, reflexivamente,

como possuidor de uma história e de um futuro e como agente capaz e eticamente responsável

por seus atos.

Argumento – 06

Categoria – percepção e atitudes

Palavras-chave: Projeto Político-Pedagógico

Data: 22 de maio de 2012.

Local: EMCP – sala de vídeo

Presentes: A coordenadora do LaPEADE, acompanhada por 2 (duas) pesquisadoras, a gestora

e 4 (quatro) professoras da EMCP.

O encontro começa com as professoras conversando sobre a ação do Conselho Tutelar.

A coordenadora do LaPEADE pergunta como é o contato da escola com essa parceria. A

professora P01 responde esclarecendo os trâmites que constituem a rotina de contato com o

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Conselho Tutelar. A coordenadora do LaPEADE pergunta aos professores se os valores da

escola são claros e se a comunidade conhece e os compartilha. O grupo se entreolha e não

responde.

A coordenadora convida, então, a retomarem a leitura do Index para inclusão, no item

que aborda o desenvolvimento inclusivo. Após a leitura, a coordenadora alerta sobre a

importância da construção dos pilares da escola baseados nos valores. Ressalta que a ação de

pensar em fazer inclusão precisará de uma sintonia com esses pilares. Em seguida, pergunta

se a escola tem um Projeto Político-Pedagógico. Desse diálogo, destacamos o seguinte

argumento:

P01 – Nós temos um PPP desde 2004. Em 2010 a direção fez a revisão. E aí o processo foi divulgado entre os professores. Nós traçamos as metas e trabalhamos com as metas no ano passado. Só que é aquilo que a gente estava conversando. Esse projeto não é um projeto da direção. Se os professores não se apoderarem, não se incorporarem nessa construção, não adianta nada. A mesma coisa foi com o blog. Me pediram para montar um blog e eu fiz e quando eu olho lá, não tem uma visita no blog. Não tem uma postagem se quer. As pessoas não incorporam. Pensando nisso que você perguntou, nos valores, (pega o PPP e folheia) deixa eu ver...(folheia,porém não localiza a informação que deseja). Mas, de qualquer forma, ele tem que ser revisto. Por exemplo, a fundamentação teórica. A minha vontade era tirar essa parte. Se você for olhar a prática ou perguntar aos professores “Onde está Freinet na sua prática ou Piaget? (balança a cabeça dando a entender desconhecimento) O que eu estou falando é sobre aonde eu coloco no meu planejamento os conceitos de Wallon, Freinet ou Piaget? Quando é que eu trago esses autores para a minha prática? Ninguém sabe. Posso até estar chateando alguém.

O argumento apresentado pela professora está fundamentado na estrutura do real. É

possível observar que ele não está ligado a uma descrição objetiva dos fatos, mas a pontos de

vista, ou seja, a opiniões relativas à participação dos professores na feitura do Projeto

Político-Pedagógico. A técnica argumentativa utilizada é a do desperdício. De acordo com a

sua argumentação, os professores não se apoderaram da construção do documento, ou seja,

não mostraram esforço em apropriarem-se das propostas contidas no projeto. Igualmente

assinala o desperdício que foi a criação do blog, mesmo sendo elaborado a partir das

solicitações dos próprios professores. Seu argumento termina com a seguinte frase: “Posso

estar chateando alguém.”. Há uma crítica velada na sua fala, pois afirma que a maior parte dos

professores não procura a pesquisa educacional para instruir e melhorar as suas práticas. Ela,

claramente, incita os professores a continuarem os estudos e projetos em função do esforço já

desenvolvido, pois o tom da sua frase pode ser entendido como um desafio a continuarem a

escrita do PPP. “Assim, encontrar-se-á no argumento do desperdício um incentivo ao

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conhecimento, ao estudo, à curiosidade, à pesquisa” (PERELMAN; OLBRESCHTS-

TYTECA, 1996, p. 319).

No seu argumento, a professora P01 chama a atenção para a relevância da participação

dos professores na construção do PPP. Ela procura estabelecer uma distinção entre o conceito

teórico do planejamento idealizado e abstrato e o planejamento na prática de acordo com as

circunstâncias reais da escola. No seu argumento observamos que a tese repousa no fato do

planejamento não poder ser considerado apenas uma teoria, pois necessita de conhecimentos

práticos sobre do que se trata. Envolver a escola num processo como esse desencadeará em

um deslocamento do discurso da negação que suporta o descaso para o discurso da aceitação

de um projeto que cobrará tomadas de decisões centralizadas e alinhadas às possibilidades de

trabalho participativo e coletivo.

Voltemos à frase da professora P01: “Posso até estar chateando alguém”. Parece-nos

que o sentido da sua afirmativa aproxima-se do pensamento omnilético, uma vez que

reconhece outros pensamentos além daquele que toma como base. Independentemente da

posição política dos professores para quem o argumento é dirigido, ela considera que existem

saberes que são indispensáveis à prática docente.

Paulo Freire (2015, p.24) nos ensina que “a reflexão crítica sobre a prática se torna

uma exigência da relação Teoria/Prática, sem a qual a teoria pode ir virando blá-blá-blá e a

prática, ativismo”. Do mesmo modo, o argumento da professora P01 procura recuperar o ato

reflexivo do professor, deixando claro que o desperdício está em exercer uma prática sem

reflexão.

A leitura do Index para inclusão continua e isso possibilita o estabelecimento de

prioridades entre os envolvidos, apontando os caminhos que estão com mais urgência no seu

enfrentamento. A construção coletiva do PPP aparece como uma Categoria importante na

pauta.

Na continuidade do encontro, destacamos o argumento lançado como resposta ao

argumento principal:

P02 – Mas aí vem a pergunta principal: Por que as pessoas não estão se apoderando disso? Eu participei dessa equipe que fez a revisão. Foi assim, veio alguém de fora e constituiu um corpo. Eu penso que aquilo que foi feito ali teria sido muito mais enriquecedor se tivesse sido discutido com mais gente. Veio uma pessoa de fora paraorientar a gente. Isso foi pago para uma equipe de pessoas que faz esse tipo de trabalho em escolas particulares. O que eu penso sobre um projeto pedagógico é queele seja feito pelo grupo e o grupo tem competência para fazer. Não precisa vir uma pessoa de fora. Eu acho, assim, foi tirado um grupo que quis participar mas foi uma discussão muito enxuta.

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Esse é um argumento baseado na estrutura do real e sua técnica argumentativa é a da

superação. Observamos a ligação de sucessão entre a técnica argumentativa anterior – do

desperdício – com a proposta pelo argumento descrito acima que caracteriza-se pela

superação. O argumento vem ao encontro do desafio lançando anteriormente, prosseguindo na

possibilidade de alçar voos em busca do Projeto Político-Pedagógico da escola. A professora

P02 busca não apenas o cumprimento do seu dever pedagógico mas instiga a superação das

dificuldades possivelmente encontradas no início do desenvolvimento do PPP.

Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996, p. 329) afirmam que:

Frequentemente essa técnica é utilizada para transformar os argumentos contra em pró, para mostrar que o que até então era considerado obstáculo é, na realidade, um meio para chegar a um estágio superior, como a doença que deixa o organismo mais resistente, imunizando-o.

Em seu argumento, a professora P02 mostra a convicção necessária para fundamentar

a sua tese. Ela defende a proposição de que os professores da escola são capazes de intervir na

realidade. Essa tarefa não é simples. Abre-se um campo complexo que não pode ser resolvido

por meio de uma discussão “muito enxuta”. É uma tarefa geradora de novos contextos, não

obstante a escola possua professores capacitados a resolverem essa demanda. Podemos

considerar que o seu argumento apresenta um cunho de valorização do saber e prática

docente. Ela procura destacar a capacidade dos seus colegas professores a embarcarem numa

difícil, mas possível e viável empreitada.

A leitura do Index para inclusão e a discussão das questões por ele propostas parece-

nos responsáveis por este argumento, uma vez que ajudam a clarear as ideias e preparam a

ação individual e coletiva (BOOTH; AINSCOW, 2011). Sua ação é resultado de uma

constante dialógica da qual a participação de todos se faz necessária.

Ambos argumentos analisados nessa categoria falam da complexidade do exercício da

profissão docente. O princípio da contradição, característica do pensamento dialético, é

exposto no instante em que a professora P01 pergunta onde estão os filósofos da educação na

prática do professor para, em seguida, ser destacado que não é a falta de competência que

mantém os docentes afastados do diálogo. Na perspectiva Omnilética, a lógica dialética

decorre daquilo que está em movimento e todo movimento é causado por elementos

contraditórios. Destarte, a complexidade coexiste numa totalidade desenvolvida sobre nossas

culturas, políticas e práticas. Ao pensar na inclusão, os participantes do projeto se veem em

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um constante movimento, onde seus argumentos são testados porque são ouvidos e discutidos

pelo auditório atento a essa energia.

Argumento – 07

Categoria – prática docente

Palavras-chave: prática docente/exclusão

Data: 09 de setembro de 2012

Local: EMCP – sala de vídeo

Presentes: A coordenadora do LaPEADE, acompanhada por 1 (uma) pesquisadora, a gestora e

4 (quatro) professoras da EMCP.

Os minutos iniciais do vídeo mostram o grupo socializando suas impressões sobre as

eleições para prefeito e sobre a greve dos professores universitários. Durante esse período, a

pesquisa-ação ficou suspensa, porém a equipe de pesquisadores deu continuidade à análise

dos dados coletados.

Assim que todos tomam assento, a coordenadora inicia a reunião falando sobre as

reflexões que o Index para inclusão propõe e como poderão orientar as discussões sobre o

PPP.

Em seguida, a discussão caminha para a análise das imagens gravadas nas salas de

aula. Uma das professoras comenta que sua maior barreira é a falta de tempo para adaptar

suas aulas de forma a alcançar todos os alunos.

Destacamos o argumento usado como resposta ao seu discurso.

P01 – A gente já recebe tudo pronto, inclusive as avaliações. O professor nem participa das reuniões de avaliação. Já vem tudo pronto. Mas também, assim, é uma questão de didática. Passa pela formação do professor organizar a sua sala com cantinhos de jogos, de pintura. Essa atuação o professor pode ter. Faz parte da didática dele em sala de aula. Se é um professor que está acostumado a fazer um trabalho mais rotulado, ele não vai conseguir fazer, naquele momento, um grupinho aqui, outro grupinho ali. Mas isso passa pela reflexão da prática de cada um.

P02 – Mas é isso que nós não estamos tendo. A gente está fazendo as coisas muito no automático. A gente está aqui, agora, discutindo isso. Quando em outro momento na escola nós podemos discutir isso?

As professoras P01 e P02 baseiam seus argumentos na estrutura do real. No argumento

de P01 temos a superação como técnica utilizada para demonstrar seu argumento. Durante a

exposição do seu argumento, a professora destaca a importância do processo educativo

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enquanto procura persuadir seu auditório. A professora P01 ressalta a capacidade da equipe

docente de refletir profundamente sobre os valores que asseguram a sua autonomia em sala de

aula. No processo de parceria da aquisição do conhecimento, por mais que a SME envie os

conteúdos e avaliações programadas e prontas para aplicação, o manejo adequado da forma e

dos procedimentos utilizados na transformação do saber dependem, exclusivamente, do

professor. Existem didáticas específicas que podem dialogar dentro da própria disciplina,

ressaltando que há formas mais eficientes de trabalhar cada conteúdo. Para que isso aconteça,

a professora P01 afirma que “isso passa pela reflexão da prática de cada um.” Essa é a tese

principal do seu argumento: um desafio à superação por meio da prática didática.

A professora P02 apresenta seu contra-argumento, baseando-o na causa e efeito.

Estabelece um vínculo causal entre a tese que propõe um pedido de solução por meio da

superação para reparar um problema, buscando evidenciar os efeitos resultantes dessa

premissa, alegando que tudo está sendo feito no “automático”. O uso da metáfora automático,

que pode ser considerada uma metófora adormecida já que constitui-se numa expressão

bastante usada no senso comum, não deixa de ser uma forma de intensificar a sua irreflexão.

Na verdade, seu argumento ocupa um lugar de qualidade, pois afirma que receber tudo pronto

não pode se sobrepor à construção do seu próprio material. A didática se constrói nas

interrelações e, para que isso aconteça, o “automático” não poderá se sobrepor ao reflexivo. A

professora P02 procura reforçar a adesão do auditório estabelecendo a prioridade do lugar de

qualidade sobre o lugar de quantidade.

Podemos inferir que a professora P02 reconhece o lugar de qualidade do seu

argumento, pois o complexifica quando afirma que é necessário um espaço de interação com

os outros professores para que o conhecimento seja construído.

De acordo com Morin (2000, p.36):

O conhecimento pertinente deve enfrentar a complexidade. Complexus significa o que foi tecido junto; de fato, há complexidade quando elementos diferentes são inseparáveis constitutivos do todo (como o econômico, o político, o sociológico, o psicológico, o afetivo, o mitológico), e há um tecido interdependente, interativo e inter-retroativo entre o objeto de conhecimento e seu contexto, as partes e o todo, o todo e as partes, as partes entre si.

Ambos argumentos se preocupam com a autonomia do professor. O conceito de

autonomia escolar tem evocado um novo paradigma gerando impactos significativos nas

concepções de gestão do espaço da sala de aula e nas ações dela decorrentes, sejam entre

pais/responsáveis e professores ou entre gestores e professores. É indiscutível afirmar que a

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autonomia docente é uma construção histórica influenciada por fatores culturais e políticos.

Contudo, é necessário compreender seu conceito no âmbito dos discursos das políticas

públicas para a educação e qual o efeito que essas reflexões têm sobre a prática do professor.

Dessa forma, não se pode analisar a autonomia por uma ótica individualista ou psicologista.

Um e outro argumento aqui analisados mostram que é necessária a participação do

professor na construção das atividades escolares que se propõem a serem aplicadas na escola.

Omnileticamente, o que observamos é a contestação das professoras em relação à veemente

imposição de uma ordem pura onde não há espaço para nada novo, nada criativo, que leva a

uma percepção imutável das coisas. A questão que emerge desses argumentos está

intimamente ligada à construção do significado do fazer pedagógico reflexivo, participativo e

dialogado, denunciada pelo sentimento de exclusão vivido pelas professoras.

Argumento – 08

Categoria – Relação com os profissionais e responsáveis

Palavra-chave: participação

Data: 25 de setembro de 2012

Local: EMCP – sala de vídeo

Presentes: A pesquisadora do LaPEADE, acompanhada por 1 (uma) pesquisadora, a gestora e

4 (quatro) professoras da EMCP.

O encontro é coordenado pela pesquisadora Lillian Auguste com apoio de outra

pesquisadora do grupo LaPEADE. Nesse encontro, as pesquisadoras dão prosseguimento à

análise do PPP iniciando uma comparação entre os indicadores do Index para inclusão e

aqueles destacados no projeto original da escola.

O primeiro item destacado no PPP original versa sobre os temas que foram marcados

como pontos positivos: o relacionamento entre os professores e o relacionamento entre as

famílias e a escola. Na sequência, o PPP destaca que o relacionamento entre pais e escola

pode melhorar. Partindo desse ponto, a coordenadora estabelece uma ligação entre a primeira

dimensão do Index para inclusão – Criando Culturas Inclusivas – e seu primeiro indicador –

A1 – Edificando a comunidade.

A seguir, copiamos sua fala:

PL – Analisando essa proposição, quando vocês afirmam que entre os professores o relacionamento é bom mas que, com os pais, ele pode melhorar, eu acho isso muito

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bom. Porque vem ao encontro desse nosso primeiro indicador: “Todos são bem-vindos”. O que é que podemos fazer para melhorar isso? Então, vamos pensar juntascomo poderemos afirmar que todos são bem-vindos à escola se no PPP é colocado que o relacionamento com os pais precisa ser melhorado.

P01 – Os pais gostam muito das coisas do jeito deles. Mas quando a gente puxa desse pai o cumprimento das regras, esse relacionamento costuma se abalar. Ou seja,coloquei meu filho aqui dentro, não reclamam e não falam nada, é porque o meu filho é maravilhoso. Na hora que você chama esse pai à responsabilidade aí, (balança as mãos em movimento oscilatório) começa a gerar o conflito.

P04 – Eu concordo com P01. Eu costumo prestar muita atenção aos responsáveis, deconversar, de explicar quando estou com problemas. Eu costumo atender até na porta. Eu fico chateada quando tem um aluno que você manda bilhete pra mãe e ela não tá nem aí.

A coordenadora suscita a possibilidade de esclarecimentos sobre a relação entre

professores, Escola e famílias. A professora P01 apresenta um argumento quase-lógico,

baseado na comparação, pois procura estabelecer uma comparação entre a forma como a

Escola trata os pais e como estes tratam e atendem às suas solicitações.

Parece-nos que tanto a professora P01 como a professora P04 esperam a reciprocidade

no tratamento com os pais/responsáveis, porém afirmam que essa correlação não acontece na

mesma intensidade. Neste ponto, retornaremos aos dados levantados na pesquisa feita pelo

QEDU.

Sabemos que, segundo a pesquisa, os pais/responsáveis acompanham os estudos dos

seus filhos e comparecem à escola sempre que solicitados. Esse acompanhamento é oferecido

independentemente do grau de escolaridade das famílias. As representações do

pais/responsáveis revelaram que eles valorizam sim a escolarização. Então, podemos

depreender desse argumento que a sua tese principal está centrada na grandeza do

acompanhamento e parceria entre os pais/responsáveis e a Escola, que deveria, por

similaridade, ser da mesma intensidade. O que a família espera da Escola pode não ser

comparável àquilo que a Escola espera da família. Os pais/responsáveis percebem a escola de

forma idealizada, ficando contentes quando são elogiados, ou introjetando as críticas que

ouvem. Enquanto isso, a escola valoriza os pais/responsáveis colaborativos e continuamente

disponíveis. Em sua tese, as professoras P02 e P04 afirmam que a vida familiar e vida escolar

são simultâneas e complementares e é imprescindível que pais/responsáveis e professores

entendam a importância de trabalharem em unidade as questões envolvidas no cotidiano

escolar. Não podemos negar que as posições tomadas nesse campo são específicas para cada

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elemento. Pais/responsáveis e professores ocupam espaços intrínsecos, o que, por si só, já

anunciaria outras interpretações.

A participação da família é uma necessidade corrente, pretendida por todos que fazem

parte do contexto escolar, não importando sua situação econômica ou seu grau de ensino.

Lidar com famílias, hoje, é lidar com a diversidade. Independentemente do arranjo familiar ou

da forma como é estruturada, é a família que propicia os aportes afetivos e materiais

necessários para o desenvolvimento e bem-estar dos seus componentes. Como bem destaca

Kaloustian (2005, p. 13), “a família é percebida não como um simples somatório de

comportamentos, anseios e demandas individuais, mas sim como um processo interagente da

vida e das trajetórias individuais dos seus integrantes”.

Mas é preciso ressaltar que isso deveria ser feito sem cair no julgamento ― culpado x

inocente. A responsabilidade do sucesso escolar está na parceria que a escola e a família

constroem. Assim, parece-nos importante a promoção de um diálogo reflexivo entre a prática

cotidiana e as bases norteadoras de sua ação.

Compreender as nuances de cada situação é o que propõem os indicadores do Index

para inclusão na dimensão A1 – Edificando a comunidade –, quando sugere que

consideremos as diferentes formas que todos, pais/responsáveis e professores, podem

contribuir para a remoção de barreiras à aprendizagem e à participação. Sempre pensando

localmente as ações, por menores que sejam, são possibilidades de estreitamento de laços

entre os participantes. Esta prática cotidiana, se refletida, pode lançar luz às ações efetivas e

não efetivas, sendo este processo fundamental para o estabelecimento de metas esclarecidas e

estratégias de ação delineadas no PPP da escola.

Argumento – 09

Categoria – planejamento de aula

Palavras-chave: autonomia/apostilas da SME

Data: 09 de out de 2012

Local: EMCP – sala de vídeo

Presentes: A pesquisadora do LaPEADE, acompanhada por 1 (uma) pesquisadora, a gestora e

4 (quatro) professoras da EMCP.

A filmagem começa com as professoras chegando à sala de vídeo. Elas vão se

acomodando e logo começam a conversar sobre a chegada das últimas apostilas didáticas

enviadas pela SME e que terão que desenvolver. Algumas comentam sobre a sua forma

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didática de aplicar as unidades e sobre a carência de conteúdos nas disciplinas de Matemática

e Português. Uma das pesquisadoras comenta que as diferentes metodologias aplicadas serão

discutidas durante a estruturação do PPP.

A conversa acaba atraindo a atenção dos participantes e a pesquisadora dá início aos

trabalhos do dia caminhando sobre essa verve.

Extraímos, assim, alguns argumentos para análise:

P03 – Pra mim seria mais confortável usar o que eles mandam. É tipo assim, já vem o pacote pronto. Mas eu não consigo. O que aconteceu nesse finalzinho de ano? Elesnão privilegiaram a Matemática. Gente, numa apostila desse tamanho (gesticula comas mãos dando a entender que a apostila é grossa) tem só 9 folhas de Matemática. Osmeus alunos, normalmente das séries anteriores, já conheciam até o 100. Sabiam fazer continhas. Eu ontem fiquei apavorada. As crianças não sabem usar o dedo. Já estamos no final do ano. Eu fiquei o tempo todo com as tampinhas, sabe, contando com eles. Mas o dedo, ele é fundamental. É o primeiro instrumento que eles têm pra fazer as continhas. Você fala assim: coloca 8 dedos. Ele não consegue.

P02 – Eu não acho nada confortável essa apostila pronta. Confortável, pra mim, é eupegar e montar a minha aula com a minha sequência lógica. Matemática está uma pobreza. Uma pobreza. E em Português está tudo muito abstrato. O texto que vem agora para o quarto bimestre, você não pode colocar na mão da criança e mandar fazer. Simplesmente o aluno não vai conseguir porque o nível de abstração das perguntas é inadmissível. Então, ele te prende naquele processo.

O argumento apresentado pelas professoras baseia-se na estrutura do real. É um

argumento de direção, pois pretende criticar atos ou acontecimentos com base no perigo da

tendência para o qual se orientam.

O argumento de direção pode ser traduzido no desapreço por algo que serviria de meio

para um fim que não se deseja. Assim, quando argumentam que a apostila enviada pela SME

não contempla as disciplinas de Matemática e Português, estamos diante de um argumento de

direção. Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996, p. 321) colocam a questão em termos bastante

marcantes e concretos: “se você ceder esta vez, deverá ceder um pouco mais da próxima, e

sabe Deus aonde você vai parar”.

A Rede de Educação Municipal do Rio de Janeiro – RIOEDUCA – prepara, desde

2009, os cadernos pedagógicos (chamados de apostila) que são distribuídos bimestralmente

aos alunos, desde a creche até o 9º ano do Ensino Fundamental. Elaborado por professores da

própria rede, o material substitui os livros didáticos que não são mais usados em salas de aula

das escolas municipais.

Os argumentos em destaque evidenciam a insatisfação das professoras em relação a

esta ação da SME. A tese principal é a de que os docentes se descobrem julgados incapazes de

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preparar suas próprias aulas, pois a apostila retira deles a autonomia de escolher e organizar

os conteúdos e sua abordagem.

A Política Nacional de Formação dos Profissionais da Educação Básica - Decreto nº

8.752, de 9 de maio de 2016- no Capítulo I , artigo 2º, afirma que:

Para atender às especificidades do exercício de suas atividades e aos objetivos das diferentes etapas e modalidades da educação básica, a formação dos profissionais daeducação terá como princípios:VII - a formação inicial e continuada, entendidas como componentes essenciais à profissionalização, integrando-se ao cotidiano da instituição educativa e considerando os diferentes saberes e a experiência profissionais;VIII - a compreensão dos profissionais da educação como agentes fundamentais do processo educativo e, como tal, da necessidade de seu acesso permanente a processos formativos, informações, vivência e atualização profissional, visando à melhoria da qualidade da educação básica e à qualificação do ambiente escolar (BRASIL, 2016).

Se interpretarmos como um exercício de formação continuada, as apostilas recebidas

pela SME proporcionariam momentos de reflexão entre a coordenação e os professores,

porém essa prática não foi evidenciada em nenhum argumento analisado. Pelo contrário, os

argumentos sugerem que essa ação não é comum e tampouco encontram espaços para realizá-

las. Isso se comprova nos argumentos destacados a seguir e que surgiram na mesma reunião:

P03 – Eu acho que para um professor recém-formado, aquela apostila ali é até boa, mas pra gente que já tem tempo de magistério, não serve. Cada um tem a sua maneira.

P01 – Para o pessoal recém-formado, então, aquilo vai fazê-los ficarem assim (postaas mãos na lateral do rosto, como se fossem duas viseiras, na forma de um antolho)

A professora P03 utiliza-se do lugar-comum para construir seu argumento. Quando se

refere ao professor recém-formado, na verdade fala do lugar-comum a todos aqueles que estão

iniciando suas carreiras profissionais e, como tal, não possuem prática ou maturidade

suficiente para refletir sobre suas ações. Essa é uma dicotomia cultural entre teoria e prática,

historicamente estabelecida pela visão da racionalidade técnica.

O argumento de resposta usado pela professora P01 é um argumento quase-lógico. Sua

hipótese deriva da consequência, considerada por ela como incoerente, do uso das apostilas

sem nenhuma indução. É um argumento baseado no apelo ao ridículo, pois expõe o erro da

suposição original - para um professor recém-formado, aquela apostila ali é até boa. A

contradição é derivada da premissa de que os professores recém-formados, por possuírem

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pouca prática pedagógica, não serão capazes de refletir e criar suas próprias estratégias de

ensino, e, com isso, mostra que a proposição é uma falácia.

A professora P01, na verdade, alerta seu auditório de que é necessária uma formação

específica no curso de Pedagogia que prepare seus alunos a tornarem-se pesquisadores e, com

isso, os capacite a desenvolver um saber que possibilite aprofundar o conhecimento do aluno.

Nesse contexto, a atuação do formador e do formado não pode ser mecânica, ou seja, devem

ser interativas e ocorrer num movimento dialético, com base nos conhecimentos e saberes que

possuem.

Nos argumentos apontados acima, fica clara a necessidade da reflexão constante do e

no trabalho docente, que é uma atitude esperada de todo professor quando se depara com

situações de conflitos e incertezas, sejam na sua formação inicial ou continuada. É importante

a continuidade do desenvolvimento no Index para inclusão em direção a uma proposta de

formação inicial e/ou continuada aos professores a fim de atender essas exigências,

possibilitando o pensamento reflexivo, de cooperação e de solidariedade.

Argumento – 10

Categoria – Participação docente

Palavras-chave: gestão/ participação

Data: 06 de nov. de 2012

Local: EMCP – sala de vídeo

Presentes: A coordenadora do LaPEADE, acompanhada por 1 (uma) professora do

LaPEADE, 1 (uma) pesquisadora, a gestora e 4 (quatro) professoras da EMCP.

O vídeo principia com a imagem das professoras conversando sobre as diferentes

técnicas de alfabetização. Quanto todas estão reunidas, a coordenadora abre o encontro

perguntando sobre o resultado da análise do primeiro indicador – Culturas – que fora levado

aos outros professores não-integrantes do projeto. A professora P01 explicou a dinâmica que

realizou com esses professores e diz que trabalharam até a letra (e), ou seja, 5 questões foram

discutidas no grupo. P01 narra a recepção do grupo em relação à dinâmica adotada, que foi

bastante favorável.

Para a melhor compreensão das análises dos argumentos proferidos nessa reunião,

apontamos o Indicador ao qual a professora P01 se refere:

A1.6 Profissionais e gestores trabalham bem, juntos.

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a) Os profissionais se encontram com os gestores e passam a conhecê-los?b) Fotos de gestores e seus interesses ficam expostas na escola?c) Os gestores recebem as informações de que precisam para compreender suas atribuições e fazer seu trabalho?d) Os gestores compreendem a maneira como a escola é organizada?e) Os profissionais e gestores conhecem e concordam com suas respectivas contribuições e poderes? (BOOTH; AINSCOW, 2011, p. 81).

A professora P01 nos conta que os professores se sentiram bastante à vontade na

discussão desses indicadores e até sugeriram adaptá-los à realidade da escola, dando mostras

de que se apropriaram do material.

Em seguida, comenta que esses indicadores geraram uma discussão sobre a presença e

participação de toda a equipe gestora – direção e coordenação – da escola.

Destacamos os argumentos utilizados e, em seguida, sua análise.

P02 – Isso é uma coisa importante. Como a gente vai estar trabalhando o PPP da escola sem a gestão estar presente. E a escola desejou o LaPEADE. E isso já mostra o que está acontecendo dentro da própria gestão.

P04 – Eu acho que é importante elas estarem aqui porque a gestão não é só uma pessoa. E quando você fala de outras questões que nesse momento são importantes para a escola e a gestão, uma pensa de uma forma e age de uma forma e a outra pensa de outra forma e age de outra forma, não existe unanimidade. No caso, a gestão, pra ser legal, gostosa, pra não estar com tanto estresse, tem que ter unanimidade. Consenso, a palavra é mais consenso que unanimidade. Eu vejo que em muitas vezes não há esse consenso. (diz isso olhando para a única gestora presente). Eu digo isso porque eu tenho amizade com elas. Então a gente fica assim, meio que entristecida porque não existe isso.

O argumento apresentado pela professora P04 nos parece ser uma tentativa de

aproximação entre elementos (o sucesso da análise dos indicadores e a gestão da escola) por

meio de uma relação causal. A relação causal estabelece uma ligação de sucessão, que faz

parte da estrutura do real.

Segundo Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996, p. 302):

A busca da causa corresponde, em outras circunstâncias, à do efeito. A argumentaçãose desenvolve, nesse caso, de uma forma análoga: o acontecimento garante certas consequências; algumas previstas, se elas se realizarem, contribuem para provar a existência de um fato que as condiciona.

O Index para inclusão apoia a participação de todos aqueles que participam da

comunidade escolar. Esta é uma das suas características mais marcantes. Ele afirma que

“Reduzir barreiras à aprendizagem e à participação envolve mobilizar recursos. Quando os

valores são deixados claros e compartilhados pelas comunidades da escola, isto se torna um

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grande recurso para ela.” (BOOTH; AINSCOW, 2011, p. 44). Esclarecemos que, para o Index

para inclusão, recurso refere-se a tudo aquilo que pode ser utilizado como ferramenta para

superar a exclusão e promover a igualdade, sejam pessoas, objetos, valores, espaços e

natureza. Tudo, dentro de sua perspectiva, pode ser transformado e utilizado como um

recurso. Isto é identificado no argumento da professora P04, quando alerta para o fato de que

a participação da gestão nesse momento de transformação da escola é tão importante quanto a

presença de outros profissionais da comunidade.

Omnileticamente estamos falando da superação de uma antinomia existente na

participação das gestoras num projeto de professores. O Index para inclusão apoia essa ideia

quando diz que o “desenvolvimento da inclusão pode envolver pessoas no doloroso processo

de desafiar suas próprias práticas, atitudes e culturas institucionais discriminatórias.”

(BOOTH; AINSCOW, 2011, p. 44). É possível que a superação desse conflito esteja no

trabalho em conjunto, na busca por aquilo que pode ser, que pode se tornar. Sabemos, por

meio das leituras de Lukács (MESZÁROS, 2013), que a sociedade é um complexo

extraordinariamente complicado de complexos, no qual existem dois polos opostos: a

totalidade da sociedade e o homem individual. E, medianamente a esses polos, nos deparamos

com o espaço das decisões que esbarram, inevitavelmente, nas nossas culturas, políticas e

práticas.

Consoante ao pensamento de Morin (2010), compreendemos que a complexidade

organizacional, constatada pelo projeto da Cícero Penna, apresenta diferentes elementos e que

a soma das suas partes não se constitui, necessariamente, num sistema único. O autor nos diz

que essas organizações são complexas porque “são a um só tempo, acêntricas (o que quer

dizer que funcionam de maneira anárquica por interações espontâneas) policêntricas (que têm

muitos centros de controle, ou organizações) e cêntricas (que dispõem, ao mesmo tempo, de

um centro de decisão).” (MORIN, 2010, p. 180). A relação causal identificada no argumento

analisado nos oferece mostras dessa complexa relação entre os professores, gestores e

comunidade escolar.

Argumento – 11

Categoria – Colaboração e participação

Palavras-chave: compromisso / convivência / respeito

Data: 11 de dez de 2012

Local: EMCP – sala de vídeo

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Presentes: A coordenadora do LaPEADE, acompanhada por 2 (duas) pesquisadoras, 3 (três)

gestoras e 24 (vinte e quatro) professoras da EMCP.

A filmagem aconteceu numa sala de aula onde a coordenadora do LaPEADE, em

companhia de duas pesquisadoras, reuniram-se com os professores e gestores da escola. Essa

reunião geral, que acontece uma vez a cada bimestre, foi convocada por uma das gestoras que

participa do projeto, que fez uso de um comunicado19 interno para sensibilizar a comunidade a

participar do encontro.

A cena inicial mostra a dinâmica do tipo entrevista feita entre os participantes. Foram

realizadas as seguintes perguntas:

a) Quem sou eu?

b) O que eu mais gosto?

c) O que eu faço para manter isso?

d) O que eu menos gosto?

e) O que eu faço para mudar isso?

A professora pesquisadora lê as respostas dadas e todos tentam adivinhar quem

respondeu. As respostas vão sendo anotadas no quadro de forma a possibilitar uma análise.

Trazemos a resposta de algumas entrevistas para esclarecer a dinâmica

Entrevista A

a) Quem sou eu? Um profissional de ensino que pretende tornar o mundo melhor com a

minha participação.

b) O que eu mais gosto? Da praia e olhar o mar. É o que tem de mais bonito aqui. Gosto

da localização e dos alunos e colegas também.

c) O que eu faço para manter isso? Eu tento ser paciente e cordial com meus colegas e

participar de todos os meus projetos.

d) O que eu menos gosto? Das advertências.

e) O que eu faço para mudar isso? Eu tento seguir as regras da mesma.

Entrevista B

19 A cópia desse comunicado encontra-se listada nos anexos (ANEXO 2).

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a) Quem sou eu? Mais um elo da corrente.

b) O que eu mais gosto? Das crianças.

c) O que eu faço para manter isso? Estabeleço uma relação afetiva com elas.

d) O que eu menos gosto? A fofoca.

e) O que eu faço para mudar isso? Procuro esclarecer as coisas e não dou importância aos

assuntos que não me dizem respeito.

Após completar o quadro de análise, a coordenadora da atividade comenta:

De acordo com esse quadro aqui, todo mundo se vê como professor, tendem a estar de bem, é o que está aparecendo. Se vê como parte de um elo de um processo que não é individual. Mas também se sente frustrado, na medida em que certas regras aparecem. Parece, também, e a gente pode tirar do quadro geral, que uma coisa que pode irP06r ou frustrar vocês um pouco são algumas posturas pessoais. Seja em relação à profissão, que é o comprometimento ou a falta de, seja com relação a maneira de ser, uma certa hipocrisia. Então a gente pode dizer que as frustrações acontecem quando elas vêm de dentro. Então acho que é o foco que podemos dar hoje.

Os argumentos que destacamos a seguir falam da dicotomia entre o pessoal e o

profissional. Acreditamos que isso seja um dos fatores que possibilitam o sentimento de

desvalorização docente.

P05 – Olha, eu posso estar errada, mas eu acho que quando uma pessoa estiver se sentindo incomodada ou com alguma dúvida, sobre o trabalho, uma postura, ou quiser dar uma opinião, mesmo com medo, ela deve procurar a outra. Isso aqui é umambiente profissional. Você não está falando com a pessoa, mas sim com o profissional. Você deve colocar o que sente porque aqui é um ambiente profissional. Ao invés da coisa ser dita claramente, o que acontece? Você diz aqui pra outra pessoa e aquilo vai vazar, gente. Esse negócio da fofoca, fui eu que coloquei. Porqueeu não dou ouvidos se não é direcionado a mim. Não quero nem saber. Mas eu sei que se eu chegar pra uma ou para outra, aquilo pode, gente, pode chegar no fulano de outra maneira.

P02 – Eu escrevi isso também. E acho que todo mundo sabe que fui eu porque isso já é minha assinatura. Eu acho que estão confundindo aquilo que é pessoal com o profissional. Isso aqui é um fórum de profissionais daqui da escola. Evidente que cada um aqui é uma pessoa e que cada um tem o seu jeito. Mas, o mais importante é a gente saber que o pessoal vai nos aproximar mais como profissionais e, possivelmente, ter amizades fora. Mas, a minha escolha de amigos é lá pra fora. Aqui, todo mundo tem o dever de se respeitar. Então, essa coisa de profissional e pessoa se confunde. Toda vez que se fala isso, vem esse papo. Porém, se existe a oportunidade de estarmos discutindo essas coisas sempre, nós, os profissionais, discutindo o nosso fazer pedagógico, a gente vai ter muito mais facilidades de se chegar e dizer para o outro.

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As argumentações de P02 e P05 se caracterizam pela técnica de ruptura com o

objetivo de dissociar, de separar, de desunir elementos considerados como um todo ou

refreamento em oposição à coexistência entre os atos e as pessoas. Esse tipo de argumentação

costuma ser utilizado para desconstituir a aproximação feita pelo argumento associativo,

ressaltando as diferenças entre os elementos e minimizando as semelhanças. Destacamos a

ligação existente entre o pessoal e o profissional como sendo responsável pela transferência

de certas animosidades ou antipatias. Esse nos parece ser o ponto onde a dissociação do

argumento repousa.

A construção do argumento da professora P05 apoia-se na pertinência e na força dos

argumentos escolhidos em função da comunhão entre o orador e o auditório – espera-se que o

auditório, por ser constituído de pesquisadores, seja mais sensível à valorização das ações

profissionais do que aos enlaces de amizade. A adesão à tese proposta é passível de reforço

por meio de argumentos que se vão evidenciando conforme a amplitude do acordo é

apresentada.

O que observamos de essencial nesses argumentos é que a preocupação com as

relações pessoais e profissionais da escola estão em questão e requerem atenção.

Assim, omnileticamente é possível retornar às três dimensões (cultura, política e

prática) para refletir sobre a relação que cada uma desempenha. Isso deve ser feito não de

maneira estigmatizada ou compartimentada, mas holisticamente, porém há de se levar em

consideração que não responderemos a qualquer questão já que nossa proposta é expor os

problemas que levam a uma desvalorização (ou valorização) do trabalho pedagógico.

5.3 Reflexões sobre os argumentos analisados

Pretendemos, nesse espaço, tecer algumas reflexões sobre a retórica dos professores

nesse primeiro ano de encontros.

A situação retórica tratada nesse trabalho envolve um auditório especial – a academia -

o qual os oradores – professores – pretendem persuadir pelo discurso. A análise dos

argumentos, feita até então, não se restringiu à valorização do discurso para saber qual foi o

mais persuasivo, uma vez que os oradores são pessoas que possuem percepções diferentes da

sua posição e, desta forma, são passíveis de variações dialéticas e complexas em seus

discursos.

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O que destacamos inicialmente, e que consideramos de extrema relevância para nossas

análises dos encontros, foi a perseverança e a frequência que manteve o grupo unido. Ele

prosseguiu-se estável e participante até o último encontro realizado em 2012.

Posto isso, as reflexões provenientes das análises desses primeiros argumentos

permitiram concentrar seu foco na questão do valor/desvalor da atuação docente.

Após a análise dos trechos selecionados, parece-nos possível dizer que as seleções das

estratégias argumentativas visaram interferir na opinião do auditório, em especial naquilo que

se refere à autonomia da ação docente. As utilizações dos argumentos pragmático, de

autoridade, de comparação, de direção e de sacrifício, entre outros, indicaram uma

ressignificação da função e do trabalho do professor.

Reconhecemos que o nosso orador possui saberes sobre a causa, advinda da sua

prática diária, e isso conta como uma vantagem para a aceitação da sua tese pelo auditório. Ao

desenvolver sua fala, o orador também constituiu seu ethos discursivo, qual seja, falar da sua

experiência baseando-se em suas culturas, políticas e práticas. Como nos diz Reboul (2004, p.

48), “o etos é o caráter que o orador deve assumir para inspirar confiança no auditório, pois,

sejam quais forem seus argumentos lógicos, eles nada obtêm sem essa confiança.”.

A perspectiva Omnilética não adota como referência a noção cartesiana da verdade,

pois está aberta e suscetível a outras possibilidades de entender os argumentos. Sua proposta é

assumir um caráter reflexivo e contemplativo que leve em conta as políticas, culturas e

práticas envolvidas dialética e complexamente nos argumentos. Ao buscar uma compreensão

totalizante, a perspectiva Omnilética considera que todas as relações são complexas e

dialéticas. Essa ruptura com a lógica demonstrativa e a evidência positivista abre espaço para

uma lógica argumentativa que se beneficia do pensamento dialético.

Reconhecemos, portanto, que a significação dos argumentos das professoras se

estabeleceu na dinâmica das interações verbais: no movimento causado pelos indicadores do

Index para inclusão que viabilizaram a construção e reconstrução dialética das suas culturas,

políticas e práticas.

Confirmamos que o exercício pleno dos saberes que alicerçaram seus argumentos se

fez por meio do domínio da sua função pedagógica e pela importância dada ao

reconhecimento de que elas detêm algum poder de decisão quanto à forma de condução de

seu trabalho. Mesmo atuando na esfera pública, claramente marcada por um controle

burocrático, político e social, a natureza intelectual da função que desempenham como

professores impõe e certamente exige a autonomia, mesmo que relativa, de decisões sobre o

que trabalhar e o como trabalhar.

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113

Ser reconhecido como um orador competente pode ser interpretado como uma reação

construtiva e autêntica, personalizada e ética e que foi manifestada cotidianamente nos

encontros de desenvolvimento do Index para inclusão. Inegável a contribuição do orador (os

professores) em termos de resultados e investimento pessoal. Por meio dos argumentos ali

apresentados podemos concluir que a primeira etapa do projeto alcançou resultado positivo no

que se relaciona à fundação da crença de que os professores, assim como cada pessoa, devem

ser reconhecidos como um ser único, igual e merecedor de respeito. A valorização do

profissional começa aí.

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6 A CONSTRUÇÃO PARTICIPATIVA DO PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO

DA ESCOLA MUNICIPAL CÍCERO PENNA

Durante o ano de 2012, no desenvolvimento do Index para inclusão, foi possível

observar que a tese principal apresentada pelos oradores em seus argumentos estava

diretamente ligada à necessidade de valorizar a figura do professor como um profissional da

educação e responsável por um trabalho de importante envergadura. Os desafios

contemporâneos apontados nas falas dos professores, como a pouca independência das

unidades escolares, bem como as mais diversas situações de conflito e fragmentação vividas

na escola, resultaram no desejo de uma mudança na maneira de pensar e agir em educação,

em especial naquele espaço compartilhado.

O Projeto Político-Pedagógico (PPP) é um dos instrumentos que a escola possui para

melhorar o seu desempenho educativo. Instituído pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação

(BRASIL,1996), seu objetivo é, além de instituir a dinâmica de organização e funcionamento

da escola, considerar o desenvolvimento sociopolítico dos educandos. Ele deve nortear as

atividades que serão desenvolvidas no decorrer do ano letivo. Costuma ser visto como um

instrumento indispensável à melhoria da qualidade do ensino e o grande responsável pela

dinâmica de funcionamento da escola, do seu calendário escolar, bem como das ações e

avaliações educacionais.

Sabemos que o PPP deve ser constituído a partir de conceitos, significados e de

experiências permeadas por culturas, políticas e práticas que incidem na prática docente. Deve

prever a articulação da unidade escolar com a sociedade. Desta forma, trouxemos para o

grupo de professores e gestores alguns modelos de PPP e soubemos pela equipe gestora que a

escola possuía o seu próprio exemplar.

Após a leitura do PPP original da EMCP e da comparação com os demais PPP trazidos

pelos pesquisadores, foi possível concluir que o material disponível na escola estava mais

próximo de um relatório estatístico do que um Projeto Político-Pedagógico.

Partimos, então, para a busca de subsídios que nos ajudassem a construir o PPP da

Escola. Começamos questionando: qual é a concepção de PPP que os professores têm?

Concluímos que: a) visto como um ato político deve, sempre que possível, envolver todos os

que integram a Escola, pois aqueles que participam da sua construção tendem a tornarem-se

responsáveis pelo sucesso da instituição; b) o PPP deve estar em constante aperfeiçoamento,

entendendo que a escola é um espaço complexo de construção e difusão do conhecimento.

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Conforme os encontros entre o LaPEADE e a EMCP aconteciam, foi possível

identificar qual autonomia estava ao nosso alcance para ser discutida, modificada e

apreendida. Essa definição foi fundamental para o grupo, pois ao diferenciar a autonomia

administrativa da autonomia pedagógica entendeu-se que as decisões políticas referentes a

cada uma delas poderiam ser alvo de deliberações inscritas no Projeto Político-Pedagógico.

Com isso, a escrita do PPP tornou-se algo para além da necessidade, mas a significar algo

representativo.

Os indicadores para o desenvolvimento do PPP surgiram a partir do desenvolvimento

do Index para inclusão (BOOTH;AINSCOW, 2011). Como um material novo e instigador, o

Index para inclusão pode revelar alterações nas culturas dos profissionais se todos os

membros do grupo estiverem dispostos a desafiar suas próprias práticas. Sabemos que a

participação é uma das palavras-chave do Index para inclusão (BOOTH;AINSCOW, 2011) e

que, somada à gestão democrática, à autonomia e ao trabalho coletivo, tornar-se-ia um

princípio norteador do PPP.

Participar é assumir a responsabilidade em conjunto, não uma responsabilidade

isolada. Somente por meio da participação é que podemos discutir, propor e elaborar ações

que estejam ligadas ao desejo da equipe pedagógica. A cultura da participação exige tempo de

amadurecimento, desde que seja incentivada e valorizada. Alguns argumentos apresentados

para justificar a sua escrita emanaram das concepções, finalidades e prioridades que passaram

a nortear as ações da comunidade escolar.

Sabemos que o PPP é um instrumento crítico e não excludente às opiniões dos

envolvidos e que respeita a todos quando busca e promove a participação de todos. Sua

validade está pautada no trabalho coletivo e com o compromisso com a transformação social e

educacional.

Nas sessões seguintes teremos a oportunidade de explorar melhor a construção do

Projeto Político-Pedagógico da Escola, relacionando-o com as escolhas dos indicadores do

Index para inclusão e dos argumentos usados para justificar cada escolha.

6.1 Os princípios norteadores do Projeto Político-Pedagógico

A necessidade da construção do PPP da EMCP derivou-se da problemática abordada

pelos professores e gestores durante as leituras e estudos do Index para inclusão

(BOOTH;AINSCOW, 2011) realizados em 2012. Para estabelecer os critérios que

organizariam a construção desse instrumento foi necessário, primeiramente, delinear seus

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princípios norteadores em termos de diretrizes, planejamentos e ação, definindo o rumo dos

encontros subsequentes. Essa atividade foi desenvolvida a partir da construção do Mapa

Conceitual20

O modelo de planejamento escolhido para a construção do PPP foi o estratégico21.

Esse planejamento utiliza métodos qualitativos e quantitativos em formato de metas,

analisando pontos fracos, oportunidades de melhoria e restrições do ambiente.

Sobre a aplicação do planejamento estratégico à realidade escolar, Lück (2000, p. 10)

nos diz que “consideramos como planejamento estratégico o esforço disciplinado e

consistente, destinado a produzir decisões fundamentais e ações que guiem a organização

escolar, em seu modo de ser e de fazer, orientado para resultados, com forte visão de futuro.”.

O estabelecimento do planejamento estratégico envolveu cinco atividades: a) a

definição da missão, visão e valores da escola; b) a análise da situação da escola; c) a

formulação de objetivos a serem alcançados pela escola; d) a formulação de estratégias e e) a

implementação, feedback e controle.

A seguir, trataremos cada etapa da construção do Projeto Político-Pedagógico a partir

dos argumentos evidenciados durante a leitura do Index para inclusão que serviram como

pilar para as nossas discussões

6.2 O Projeto Político-Pedagógico e seus argumentos: a definição da missão, visão e

valores da escola

Para esse tópico escolhemos 6 (seis) argumentos especificamente ligados à construção

do Projeto Político-Pedagógico. Esta tarefa não foi simples, pois tínhamos em mãos 25 h de

transcrições relativas ao período de 5 de março a 27 de novembro. Esse período foi

interrompido com a greve dos professores municipais do Rio de Janeiro entre agosto e

outubro.

QUADRO 4 – Reuniões do Projeto - 2013

REUNIÕES DO PROJETO - 2013

Argumen Categoria Palavras-chave

20 Mapa Conceitual é uma ferramenta que permite organizar e representar, graficamente e através de um esquema, o conhecimento. Este tipo de mapas surgiu na década de 1960, com as teorias sobre a psicologia da aprendizagem propostas por David Ausubel. O Mapa Conceitual construído pelos professores encontra-se nos anexos (ANEXO 3)21 Planejamento estratégico é um conceito comum no âmbito da administração, que significa o ato de pensar e fazer planos de uma maneira estratégica.

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to12 Missão e Visão da Escola autonomia / valorização13 Missão e Visão da Escola autonomia / valorização14 Parcerias Mais Educação / valorização15 Missão e Visão da Escola grupo / indivíduo16 Valores diferença

Fonte: Dados da pesquisa.

Argumento – 12

Categoria – Missão e Visão da Escola

Palavras-chave: autonomia / valorização

Data: 14 de maio de 2013

Local: EMCP – sala de vídeo

Presentes: A pesquisadora do LaPEADE, acompanhada por 1 (uma) pesquisadoras, 2 (duas)

gestoras e 09 (nove) professoras da EMCP.

A filmagem começa com os comentários do grupo sobre a greve dos professores. Uma

professora comenta que, apesar de não estarem mais no período da ditadura, vivem uma

ditadura disfarçada. Todos comentam sobre os rumos que a greve tomou e da participação de

outros movimentos contrários ao da greve dos professores que se aproveitaram do ensejo e

provocaram alguns tumultos.

A seguir destacamos os argumentos que serão analisados.

PL- Estar hoje aqui com vocês é muito bom. Vamos retornar ao conceito do nosso projeto. A gente precisa definir qual será a nossa proposta de trabalho. Qual o rumo que nós vamos dar para que seja uma coisa compartilhada por todo mundo. Então, o nosso trabalho com o Index para inclusão é mostrar exatamente como pode ser feito esse trabalho, com políticas, práticas e culturas de inclusão. A primeira coisa que a gente vai fazer nesse projeto, e é isso que vamos fazer hoje, é criar esse clima propício.

P02 – Na criação do nosso projeto a gente tem que ter a noção pedagógica porque disso eles22 não entendem nada. Aquilo que é da pedagogia, aquilo que nos pertence enquanto profissionais da pedagogia, está sendo tirado da gente e trocado por qualquer pessoa. Porque, qualquer pessoa que tenha um 2º grau ou até mesmo só o ginásio, ela pode pegar um caderno23 desses e aplicar na escola. Você não precisa serprofessor pra dar esse caderno. Ser professor te dá a competência de planejar, de avaliar, de saber olhar cada pessoa de uma forma diferente. Qualquer um faz isso? Não! Então eu acho assim, estão tentando destituir toda uma categoria profissional dessas questões. Está muito claro pra mim. Ou a gente assume o profissional que a gente é e o que é da nossa competência ou então a gente abre mão e diz amém.

22Referindo-se ao Governo Municipal que, na época, era comandado pelo Prefeito Eduardo Paes (2009-2017).23O Município do Rio de Janeiro, a partir da reformulação curricular iniciada no ano de 2009, adotou o ensino apostilado, por meio da utilização de Cadernos Pedagógicos para diferentes disciplinas. Eles são elaborados e distribuídos pela Secretaria Municipal de Educação.

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A técnica argumentativa utilizada pela professora P02 pode ser caracterizada como um

argumento de direção que se baseia na estrutura do real. O argumento de direção pode ser

entendido como um procedimento que consiste em criticar atos ou acontecimentos com base

no perigo da tendência para a qual se orientam. No caso destacado, P02 alerta para o fato de

que a aceitação tácita dos cadernos construídos pela SME pode vir a representar o abandono

da responsabilidade do planejamento das aulas pelos professores. Significa, então, dizer que

os professores abrem mão da sua responsabilidade negando à sua prática aquilo que lhe é

inerente. Como nos diz Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996. p. 321): “O argumento de direção

consiste, essencialmente, no alerta contra o uso do procedimento das etapas (...)” Pode ser

descrito como o argumento da reação em cadeia. Se a expertise é declinada, então outra

pessoa assumirá essa função. Isso está bem marcado na frase final do argumento da professora

“Ou a gente assume o profissional que a gente é e o que é da nossa competência ou então a

gente abre mão e diz amém.” (argumento nº 12).

Importa destacar o sentimento de desqualificação profissional expresso no argumento

de P02. O modelo de ensino adotado pela SME nos parece estar baseado nos princípios da

racionalidade técnica. A racionalidade técnica se constitui na base do sistema produtivo

capitalista e, assim, é uma das principais ferramentas culturais que moldam as instituições e

práticas sociais neste sistema. A educação é, portanto, uma das instituições impregnadas por

essa forma de pensar e agir (CONTRERAS, 2012). De acordo com esse modelo, o exercício

profissional consiste na solução instrumental de um problema feita pela rigorosa aplicação de

uma teoria científica ou uma técnica (SCHÖN, 2000). Sabemos que o racionalismo técnico é

baseado no “treinamento das habilidades”, no qual o professor é um mero executor/reprodutor

(“técnico”) de saberes produzidos por especialistas. Em outras palavras, ele aprende o

“suficiente” para conduzir o processo de ensino-aprendizagem.

Sobre essa racionalidade técnica, Morin (2000, p. 45) nos diz que:

[...] o século XX viveu sob o domínio da pseudoracionalidade que presumia ser a única racionalidade, mas atrofiou a compreensão, a reflexão e a visão em longo prazo. Sua insuficiência para lidar com os problemas mais graves constituiu um dos mais graves problemas para a humanidade.

Ainda assim, não se trata de simplesmente rechaçar a racionalidade técnica, pois seria

uma atitude apenas reducionista, sem qualquer profundidade reflexiva. O que propomos é

uma visão omnilética dessa situação, ou seja, rejeitar a dicotomia entre a racionalidade técnica

e o pensamento complexo introduzindo a dialogicidade entre ambas. Em outras palavras, “não

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se trata de abandonar o conhecimento das partes pelo conhecimento das totalidades, nem da

análise pela síntese; É preciso conjugá-las. ” (MORIN, 2000, p. 46).

Ao implantar os cadernos, a SME desconsidera o saber do professor. Suas

competências ou habilidades são treinadas (“forjadas”) por pessoas que desconhecem as reais

necessidades e os anseios desse profissional Outro aspecto presente em tal modelo é a

aparente existência de uma hierarquia da profissão que tenta designar “qual o lugar de cada

um”. Sendo assim, o argumento da professora P02 traduz um sentimento de desvalor, como

um consumidor ao qual foram impostos os saberes profissionais produzidos pelos

especialistas das áreas científicas.

Argumento – 13

Categoria – Missão e Visão da Escola

Palavras-chave: autonomia / valorização

Data: 14 de maio de 2013

Local: EMCP – sala de vídeo

Presentes: A pesquisadora do LaPEADE, acompanhada por 1 (uma) pesquisadora, 2 (duas)

gestoras e 09 (nove) professoras da EMCP.

O argumento que analisaremos a seguir assomou-se ao argumento anterior (nº12)

durante a mesma reunião. A discussão girava em torno da responsabilidade na construção do

PPP e da dualidade entre o discurso assumido na sua elaboração e o descaso na sua aplicação.

P01-Mas nós da educação somos, de certa forma, culpados, porque quando a gente fala que na escola a gente tem que criar o cidadão crítico, participativo e consciente da coletividade, você tem que transparecer isso no seu trabalho, não só dentro da sala de aula mas junto com seus parceiros e a gente não tem isso. Então a gente abre brecha para os desejos individuais, para que cada um entre na sua sala e faça o seu trabalho, entende? Então, quando a gente pensa na coletividade, isso nos fortalece e talvez nos prepare para reagir contra a um plano como esse que é jogado. Então, voltando um pouco para o projeto político, o que nos decepciona um pouco é isso, é de perceber que a gente tem que pensar no prol do coletivo, porque esse plano não é meu, nem da Fulana e nem da Ciclana e nem do LaPEADE. O projeto político é da escola onde as pessoas precisam enxergá-lo e precisam abraçá-lo.

A tese defendida nesse argumento diz respeito à reciprocidade entre a ação política

pedagógica e a atuação do professor em sala de aula. Ele anuncia, na perspectiva omnilética,

quais culturas, políticas e práticas sustentam sua base, a saber, a clareza sobre a relação entre

os valores que estruturam tanto o PPP quanto a prática educativa na sala de aula.

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O desenvolvimento de um sistema de valores que apoie o PPP deve ser definido de

maneira recíproca aos valores elaborados para a ação pedagógica. Podemos, então, sugerir

que a técnica argumentativa aplicada é a baseada na reciprocidade, um argumento quase-

lógico.

Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996, p. 250), sobre o argumento de reciprocidade,

afirmam que:

Uma relação é simétrica, em lógica formal, quando sua proposição conversa lhe é idêntica, ou seja, quando a mesma relação pode ser afirmada tanto entre b e a como entre a e b. A ordem do antecedente e do consequente pode, pois, ser invertida.

Como os argumentos de reciprocidade consideram que há, implicitamente, simetria

em certas relações e, daí, realizam a assimilação, podemos dizer que, no argumento analisado,

a consciência da coletividade está para as relações estabelecidas tanto dentro como fora da

sala de aula.

Os mesmos autores esclarecem que “ a simetria facilita a identificação entre os atos,

entre acontecimentos, entre os seres, porque enfatiza um determinado aspecto que parece

impor-se em razão da própria simetria posta em evidência” (PERELMAN; OLBRECHTS-

TYTECA, 1996, p. 251).

Para o Index para inclusão essa relação simétrica pode ser alcançada quando a escola

(professores, gestores, pais e alunos) estabelece um sistema de valores. Segundo o Index para

inclusão: “Os valores são um elemento importante nas culturas. As escolas desenvolvem seus

sistemas de valores, compreendem suas implicações para a ação e começam a implementá-

los, mudando suas práticas e as políticas que os sustentam” (BOOTH;AINSCOW, 2011, p.

27).

O reconhecimento profissional é um valor considerado inclusivo pelo Index para

inclusão quando este presume ser de real importância valores como a igualdade, o direito, a

participação, o respeito à diversidade, entre outros. Em especial destacamos o valor da

participação, pois a autora afirma que “a participação aumenta quando o engajamento reforça

um senso de identidade, quando somos aceitos e valorizados por nós mesmos”

(BOOTH;AINSCOW, 2011, p. 23). Esse senso de identidade, pretendido no argumento

analisado, é compreendido, omnileticamente, de maneira complexa, pois cada integrante da

escola é um indivíduo constituído das suas próprias culturas, políticas e práticas. A ideação

dos valores do grupo da EMCP estava se construindo diante dos acordos que surgiram na

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oportunidade da leitura dos indicadores e a valorização do professor estava, sem dúvida,

colocada em discussão.

Argumento – 14

Categoria – Parcerias

Palavras-chave - Mais Educação/ valorização

Data: 28 de maio de 2013

Local: EMCP – sala de vídeo

Presentes: A pesquisadora do LaPEADE, acompanhada por 1 (uma) pesquisadora, 2 (duas)

gestoras e 09 (nove) professoras da EMCP.

A filmagem começa com um grupo de professores conversando sobre o Projeto Mais

Educação24, enquanto aguardam as outras professoras. A professora P03 narra uma situação

acontecida no ano anterior quando pediram a um determinado Banco uma ajuda para financiar

a presença do Papai Noel na EMCP. Ela comenta que o retorno dado pela instituição não foi

satisfatório e não atendeu às expectativas.

A seguir, destacamos o diálogo marcado por esse comentário e analisaremos os

argumentos utilizados:

PL – Mas, o que é o Mais Educação?

P03 –Mais Educação é porque as escolas não funcionavam depois três horas da tarde. E aí precisavam ocupar as crianças de 3 h às 5 h. Esse é um dos projetos. Até parece que um cara formado, com conhecimento, vai se sujeitar a ganhar 400 reais?

P02 – Mas tinha qualidade. Eu conheci muita gente boa do Ciep25 que fazia um excelente trabalho. Mas, mal acabou o governo, essa gente toda foi embora. Por quê? Porque aquele mesmo governo que ganhou, não resolveu a questão funcional dessas pessoas. Elas eram contratadas. CLTistas. Aí o outro governo se livrava dessagente toda e os Cieps se transformavam em quê? Em escolas de castigo, porque ficava aquela gente toda 40 horas dentro de sala. Só saiam para Educação Física. Não tinham professores de artes, nem nada. Então, eu trabalhei nesse sistema e a

24O Programa Mais Educação, criado pela Portaria Interministerial nº 17/2007 e regulamentado pelo Decreto 7.083/10, constitui-se como estratégia do Ministério da Educação para indução da construção da agenda de educação integral nas redes estaduais e municipais de ensino que amplia a jornada escolar nas escolas públicas, para no mínimo 7 horas diárias, por meio de atividades optativas nos macrocampos: acompanhamento pedagógico; educação ambiental; esporte e lazer; direitos humanos em educação; cultura e artes; cultura digital; promoção da saúde; comunicação e uso de mídias; investigação no campo das ciências da natureza e educação econômica. Informação retirada do Portal do MEC. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/par/195-secretarias-112877938/seb-educacao-basica-2007048997/16689-saiba-mais-programa-mais-educacao>. Acesso em: 30 maio 2013. 25Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs), projeto educacional de autoria do antropólogo Darcy Ribeiro, implantado inicialmente no Estado do Rio de Janeiro ao longo dos dois governos de Leonel Brizola (1983 – 1987 e 1991 – 1994).

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gente tinha que inventar atividades. Mas eles perderam essas atividades todas extras porque eram profissionais contratados. Hoje é a mesma coisa. Você faz uma escola de 40 horas, mas não resolve a questão funcional, com pessoas que sejam da escola, e esta é a grande questão da nossa greve e das nossas reivindicações do nosso plano de carreira, porque aí você tem pessoas dentro da escola fazendo aquilo. Mas não como era antes, não é essa a intenção. É assim: pega qualquer um, contrata por um período, depois manda embora. E o governo que vem depois? É isso que sempre acontece com o que é público: a cada governo você reinventa a escola e tem que ser uma escola diferente do anterior. E aí não há uma continuidade, nem uma qualidade por causa disso. E depois, tudo cai nas nossas costas. Nós é que não estamos fazendo. Nós é que somos responsáveis pelo fracasso. Na verdade não é isso. Na verdade são esses pensamentos antipedagógicos e antiprofissionais, pois não tem nada a ver com a educação.

P03, quando tenta explicar qual o significado do Projeto Mais Educação, faz uso do

recurso do ridículo. Para a professora, o fato do projeto empregar professores capacitados para

ocupar as crianças por meio de um horário estendido, pagando um salário muito abaixo da

média nacional (orçado, em 2013, em R$ 980,00), “peca contra a lógica” (PERELMAN;

OLBRECHTS-TYTECA, 1996, P.233

Segundo Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996, p. 234), “é risível, por exemplo, não

proporcionar os esforços à importância do objeto deles”. Para P03, incluir no projeto de

governo um profissional qualificado para desempenhar uma função que é o mote do próprio

projeto, sem o reconhecimento e a valorização financeira desse profissional, é claramente uma

presunção ridícula.

Esse tipo de argumento marca, numa perspectiva omnilética, as tensões

existentes entre as culturas, políticas e práticas explicitadas pelo professor e apontadas pelo

Projeto Mais Educação. Vemos isso de maneira mais clara no argumento de P02 que utiliza a

técnica argumentativa do modelo e antimodelo que está no grupo dos argumentos que fundam

a estrutura do real. Em sua fala, P02 afirma que conhecia muita gente boa no Ciep que fazia

um excelente trabalho (modelo), e continua “Mas, mal acabou o governo, essa gente toda foi

embora. Por quê? Porque aquele mesmo governo que ganhou, não resolveu a questão

funcional dessas pessoas. Elas eram contratadas. CLTistas. Aí o outro governo se livrava

dessa gente toda e os Cieps se transformavam em quê? Em escolas de castigo, porque ficava

aquela gente toda 40 horas dentro de sala.” (antimodelo)

Segundo Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996, p. 417), “se a referência a um modelo

possibilita promover certas condutas, a referência a um contraste, a um antimodelo, permite

afastar-se delas. ”. Essa ideia de modelo e antimodelo, numa perspectiva omnilética, nos

aponta para uma complexificação, pois tende a superar paradigmas simplificadores. Pensar

complexamente o argumento de P02 significa notar que a proposta de oferecer um horário

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123

integral aos alunos é algo positivo, mas não se pode fazer isso em detrimento da valorização

do profissional. Nas palavras de Morin (2000, p. 200): “O pensamento complexo não substitui

a separabilidade pela inseparabilidade – ele convoca uma dialógica que utiliza o separável,

mas o insere na inseparabilidade”.

Konder (1986) afirma que qualquer objeto que possamos perceber ou criar é parte de

um todo, por isso a busca de soluções para os problemas depende de uma visão de conjunto,

sempre provisória e que não esgota a realidade. Essa visão de conjunto representa as nossas

políticas, culturas e práticas e é decisiva para que se possa situar e avaliar a dimensão de cada

elemento, que no argumento se refere aos professores e autores do Projeto Mais Educação,

dentro de uma estrutura específica.

Os argumentos de P03 e P02 na verdade não são conflitantes quando observamos a

preocupação em ambos de valorizar o trabalho pedagógico não apenas por meio da questão

econômica, mas também pela sua importância social.

Argumento – 15

Categoria – Missão e Visão da Escola

Palavras-chave: grupo/indivíduo

Data: 4 de junho de 2013

Local: EMCP – sala de vídeo

Presentes: A pesquisadora do LaPEADE, acompanhada por 1 (uma) pesquisadora, 2 (duas)

gestoras e 09 (nove) professoras da EMCP.

O encontro avança com uma dinâmica na qual as professoras, dispostas em trios,

escrevem suas frases propondo qual será a missão e a visão da EMCP. A coordenadora do

encontro anota as frases no quadro e começa a discutir com o grupo sobre quais frases ou

trechos devem ser usados a fim de escrever um parágrafo único, levando em conta todas as

ideias ali propostas.

Desse debate destacamos os argumentos a seguir:

P03 – Mas e se mudar a direção ano que vem?

P04 – Aí a gente vai mostrar pra nova direção o que está sendo feito e o nosso compromisso de ajudar a escola a montar seu PPP. Aí a nova direção é quem vai decidir se continua ou não.

P02 – Eu acho que isso não é do indivíduo. Isso é da Escola, é da instituição. Quem fica é que tem que mostrar que isso faz parte da instituição e que se deve manter. É

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por isso que tem que ser coletivo. Então, eu acho que o medo de nós sairmos e tudo acabar, não pode acontecer. A coisa não é personificada. A questão do LaPEADE, por exemplo, de estar aqui, se o grupo quiser, mesmo com uma direção nova, pode permanecer, deve permanecer. A própria questão dos parceiros que têm que ver a escola como instituição, não pode personificar. E é isso que as pessoas têm que começar a se conscientizar. O trabalho é coletivo.

O argumento de P02 baseia-se na estrutura do real e estabelece uma ligação de

coexistência entre o grupo e seus membros. Esse procedimento de ligação pode ser entendido

como um esquema que “aproxima elementos distintos, permitindo estabelecer entre estes

últimos uma solidariedade que visa quer estruturá-los, quer valorizar positiva ou

negativamente um relativamente ao outro” (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 1996, p

255). Os mesmos autores afirmam que “os indivíduos influem sobre a imagem que temos dos

grupos aos quais pertencem” (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA,p. 366).

O procedimento usado por P02 consiste em criar uma expectativa no grupo pelas

pessoas que dele fazem parte, reconhecendo a responsabilidade de todos pela continuação e

efetivação do PPP. De certa forma, isso tende a anunciar que o compromisso do grupo deve

ser maior do que os objetivos individuais, o que nos leva a supor que P02 esteja se referindo à

sustentabilidade da ação que norteia o grupo de professores. Isto nos parece ser a tese

principal do argumento analisado.

No Index para inclusão, encontramos algumas orientações que suportam o argumento

de P02. Destacamos a seguinte:

[...] sua própria sustentabilidade (do grupo) pode ser questionada se ainda não há espaço e compromisso para integrá-los nas atividades de aprendizagem da escola. Asoportunidades destes envolvimentos são críticas, de modo que eles se incorporam naescola num momento em que podem dar mais um impulso ao que já começou a acontecer (BOOTH; AISCOW, 2011, p. 30).

O Index para inclusão propõe que pensemos a sustentabilidade por meio de valores.

Destacamos um dos valores que pode ter apoiado o argumento de P02: “Inclusão e

participação A2.4 - A inclusão é entendida como aumento da participação de todos” (BOOTH;

AISCOW, 2011, p. 32). Uma das evidências de que a leitura e o desenvolvimento do material

escolhido vêm surtindo efeito pode ser vista pelo aumento do número de professoras

participantes no grupo.

Omnileticamente podemos perceber que o exercício e a prática rotineira dos

encontros, ainda que quinzenais, aliados à discussão dos indicadores do Index para inclusão,

têm provocado o reexame das culturas sobre a inclusão nesse processo de revisão dos

princípios da escola. A política discutida no momento poderá indicar os próximos passos a

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serem tomados na construção do PPP. O conjunto complexo de visões sobre a cultura do

pertencimento possibilita que novos acordos surjam. Na perspectiva omnilética, contradição

costuma ser mais aparente do que real, pois estamos continuamente (e descontinuadamente)

atingindo um estágio posterior, em uma complexidade cada vez maior.

O receio expresso por P03 e a transferência de responsabilidade que sugeriu P04

fazem parte desse movimento dialético e complexo que pode ser entendido como sendo as

camadas reflexivas necessárias para se alcançar uma síntese do significado da inclusão, ou

seja, antes deve passar por sucessivas modificações até que seja transformada em uma outra

perspectiva cultural, política e prática.

Os próximos argumentos a serem analisados aconteceram após um longo período de

greve. Em 2013, os professores da Rede Municipal de Educação do Rio de Janeiro

deflagraram greve no dia 8 de agosto, retornando às atividades em 25 de outubro.

Argumento – 16

Categoria: Valores

Palavras-chave: diferença

Data: 11 de novembro de 2013

Local: EMCP – sala de vídeo

Presentes: A pesquisadora do LaPEADE, acompanhada por 1 (uma) pesquisadora, 2 (duas)

gestoras e 08 (oito) professoras da EMCP.

A filmagem começa com a pesquisadora apresentando uma lista de palavras que foram

escolhidas para representarem os valores da EMCP. A seguir, ela pede para que os

participantes assinalem pelo menos dois valores. Após a votação, as professoras são

orientadas a formarem frases significativas com os termos escolhidos.

PL – Agora nós vamos montar a nossa frase dos valores. O grupo acha que RESPEITO é um dos valores mais importante. Como poderíamos transforma o respeito numa frase que mostre o quê respeitamos?

P05 – Respeitando as diferenças em todas as instâncias.

P01- Eu acho que a gente tem que marcar melhor essa diferença. Sempre que eu leioa palavra “diferença” já penso na síndrome de Down, no autismo, mas não é só isso. É a diferença de moradia, de acesso à informação, é a alimentação. Acho que a gentetem que abrir mesmo esse entendimento de diferença. Até porque o Index para inclusão fala desse tripé da cultura, política e prática, então o respeito é algo que eu tenho que ter, assumir e praticar seja em qualquer instância.

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A tese defendida por P01 busca apoio no material que está sendo desenvolvido e, desta

forma, busca validar sua argumentação. A técnica utilizada nesse argumento nos parece ser da

inclusão da parte no todo. Esse procedimento consiste em articular as partes enumeradas ou

referidas num todo que as engloba. A forma como P01 refere-se ao Index para inclusão nos

revela que houve uma apropriação significativa do seu conteúdo.

O argumento analisado procura mostrar a relação da parte com o todo, ou seja, ao

afirmar que a “diferença” deve ser melhor marcada, P01 nos diz que o todo que conhecemos

como “as diferenças” é composto por várias partes. Desta forma, ela usa o argumento de

superioridade do todo sobre suas partes para elevar aquilo que pode ser considerado na

categoria da “diferença”.

Omnileticamente, reconhecemos o enredamento das partes que formam o todo.

Quando P01 toma como base as culturas, políticas e práticas que definem o significado da

diferença, ela propõe uma dialogicidade entre as diversas situações que podem causar a

exclusão. Essa complexidade é característica das partes que estruturam o conceito de

diferença da mesma forma que essas mesmas partes são, numa perspectiva omnilética, um

todo também a ser representado.

A possibilidade de ver além do que está posto nos documentos oficiais (LDB/96) sobre

a educação especial mostra-nos uma postura política de fato comprometida. Essa postura pode

ser entendida como um apoderamento de conceitos científicos construídos durante os

encontros do grupo de pesquisa ou, quiçá, em leituras individuais. Esse fato sobreleva a

importância dos cursos de formação inicial e continuada de professores, o que precisamente

essa pesquisa propõe dentro dos seus objetivos. Dedicar atenção ao desenvolvimento da

autonomia do professor, para que haja uma sustentabilidade de ações, promove uma melhor

qualidade no ensino e, acima de tudo, a valorização docente.

6.3 O Projeto Político-Pedagógico e seus argumentos: planejamento das ações

estratégicas

Os argumentos analisados a seguir foram extraídos do período de 4 de março a 25 de

novembro de 2014, sendo que nos meses de maio e junho não foram feitas gravações devido à

greve dos professores municipais e estaduais do Rio de Janeiro, totalizando 42h30’ de

gravação.

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Durante esse período algumas mudanças administrativas ocorreram. A diretora

aposentou-se e a diretora adjunta assumiu a condução da escola, por determinação da 2ª CRE,

até que uma nova equipe fosse eleita pela comunidade escolar.

A decisão pela continuação dos trabalhos da escola sob a liderança da diretora adjunta

se deu após ela própria apresentar a dinâmica da construção do seu PPP. Esse fato impactante

garantiu não apenas a continuação do projeto como propagou seu ideal para outras escolas.

Como exemplo podemos citar a Dissertação de Mestrado intitulada “(Re)visitando culturas,

políticas e práticas de inclusão em educação no nível da gestão municipal de educação: a 2ª

CRE em ação”. (SENNA, 2017).

Relevante comentar que as professoras candidatas e vencedoras para o cargo de

Diretor e Diretor Adjunto para a gestão de 2015 a 2017 também participavam do projeto de

construção do PPP da escola e, no seu pronunciamento à SME no momento da posse,

comprometeram-se em manter a parceria.

Escolher os argumentos mais significativos é sempre uma tarefa difícil, mas

procuramos manter o foco da pesquisa escolhendo aqueles de maior significado para as

análises.

QUADRO 5 – Reuniões do Projeto - 2014

REUNIÕES DO PROJETO - 2014

Argument

o

Categoria Palavras-chave

17 Planejamento planejamento estratégico/diagnóstico18 Regimento Interno regimento / combinados19 Planejamento blocagem / planejamento20 Função Docente autonomia / valorização21 Posição Política profissionalismo / valorização

Fonte: Dados da pesquisa.

Argumento – 17

Categoria: Planejamento

Palavras-chave: planejamento estratégico/diagnóstico

Data: 26 de março de 2014

Local: EMCP – sala de vídeo

Presentes: A pesquisadora do LaPEADE, acompanhada por 1 (uma) pesquisadora, 2 (duas)

gestoras e 02 (duas) professoras da EMCP.

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O vídeo começa com a pesquisadora comentando sobre a ausência dos outros

pesquisadores que substituiriam as professoras na sala de aula para que elas pudessem

participar do encontro. A pesquisadora sugere que a reunião seja transferida para a próxima

semana. Enquanto conversam sobre o contratempo, alguns assuntos são trazidos à discussão e,

diante de tão proveitoso material, selecionamos alguns argumentos importantes para a análise.

P02 – A questão do PPP está na lei há mais de 15 anos, só que ninguém segue ou não conseguiu entender a dimensão que ele representa. Há determinações que constam no regimento escolar e que nós não exercemos como, por exemplo, as reuniões pedagógicas. Estamos abrindo mão por quê? Pode ser pelo fato de não termos gente suficiente para ficar nas salas. Então esse é um impedimento que me leva à Secretaria e, no nosso projeto, pode virar uma estratégia a ser apresentada para a Secretaria: o direito de ter um dia de saída antecipada ou a entrada retardada para que eu possa ter tempo para me reunir com as professoras. Eu já estou aqui pensando num jeito de pegar o grupo de professores para isso. Talvez num dia trabalhar com o 1º e 2º ano. No outro dia o 3º, 4º e 5º.

O argumento de P02 baseia-se na regra de justiça, pois leva a crer que algo de direito

não está sendo cumprido. Estabelece uma relação de verossimilhança, ou seja, uma verdade

instaurada no modo de funcionar uma lógica específica, como é próprio dos argumentos quase

lógicos. A lógica está ligada àquilo que diz a lei e o regimento interno. Seu argumento toma,

como base, o instrumento que está sendo construído e assenta o acordo sobre a premissa do

direito às reuniões pedagógicas.

Seu argumento nos diz, omnileticamente, que a cultura do distanciamento estabelecida

entre a gerência, no caso representada pela 2ª CRE, e o gestor da escola é algo que pode ser

revista. Reconhecer essa possibilidade de aproximação é uma decisão política que supõe uma

participação ativa na vida organizacional da escola. A validade da sua argumentação depende

das premissas do grupo para quem o discurso é direcionado. A complexidade aponta para a

possibilidade de encontrarmos, no meio do caminho dessa revisão cultural, um grande número

de problemas aparentemente insolúveis, mas que podem desaparecer caso seja possível

conceber que os motivos que impulsionam os professores e gestores são, forçosamente, os que

de fato os levarão a agir, sentir e pensar sobre o modo por que os fazem.

A dialeticidade circundada no discurso da impotência perante a SME, visto em

argumentos anteriores (argumentos nº 7 e nº 9), aparenta um certo posicionamento retraído, de

fuga à liberdade e controle da situação. Uma vez rompido esse vínculo primário que oferecia

uma certa segurança, pois não exigia nenhum posicionamento político, o enfrentamento

advirá da sua prática e isso nos parece estar claro na tese defendida pela oradora.

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Continuemos analisando os argumentos surgidos nessa mesma reunião, pois nos darão

condições de aprofundar como a dinâmica da mudança de perspectiva cultural pode ser

bastante complexa.

P02 – Aconteceu uma coisa engraçada outro dia. O Maurício, que é professor de artes e que trabalha na 2ª CRE vai em algumas escolas e filma as aulas e os professores, documentando eventos e algumas coisas assim. Aí ele queria estar numareunião nossa para filmar isso aqui porque isso deu panos pra manga na 2ªCRE na apresentação que fizemos por conta da aposentadoria da diretora. A P01 falou da construção do PPP com a parceria da UFRJ e tal. Tanto deu que agora, na semana passada, na 6ª feira, ela foi convidada para apresentar para as coordenadoras das outras escolas o que a gente está fazendo aqui, a convite da 2ª CRE.

O argumento destacado revela um vínculo causal, pois a oradora estabelece uma

relação entre um fato, no caso a apresentação da proposta de P01, para assumir

temporariamente o cargo de direção da EMCP, e sua consequência, ou seja, o convite para

apresentar a outras escolas o trabalho que está desenvolvendo.

Interessante observar que a estratégia argumentativa da oradora está na ênfase à

consequência da ação e não na ação propriamente dita, já que começa seu discurso

caracterizando o fato como “uma coisa engraçada”.

Conforme a leitura de Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996, p. 308), “ o fato de

considerar ou não uma conduta como um meio de alcançar um fim pode acarretar as mais

importantes consequências e pode, portanto, por essa razão, constituir o objeto essencial de

uma argumentação”. Podemos observar que quando P02 começa seu argumento dizendo

“Aconteceu uma coisa engraçada outro dia.”, ela procura diminuir o fato para dar ênfase à

consequência. Ela mostra-se surpreendida pelo fato da 2º CRE designar uma pessoa para

filmar as ações desenvolvidas na EMCP como exemplo para outras escolas.

Vemos, aqui, a ligação omnilética entre os dois argumentos destacados. A autoridade

com que se imbuiu P02 diante do apoderamento da prática reflexiva na construção do PPP

revela uma liberdade que eticamente assume a responsabilidade por aquelas ações

combinadas no documento. Estamos observando, nesse momento, a redução do

indiferentismo fatalista de uma cultura de dominação para o incremento e valorização da

posição cultural, política e prática dos professores e gestores da escola. Seguimos, então, para

o próximo argumento.

Argumento – 18

Categoria: Regimento Interno

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Palavras-chave: regimento/ combinados

Data: 9 de julho de 2014

Local: EMCP – sala de vídeo

Presentes: A pesquisadora do LaPEADE, acompanhada por 1 (uma) pesquisadora, 3 (três)

gestoras e 05 (cinco) professoras da EMCP.

A filmagem começa com o grupo conversando sobre a Copa do Mundo e sobre a perda

do último jogo do time do Brasil. P06 afirma que a vergonha não foi apenas do técnico

Felipão, mas sim do prefeito da cidade que concedeu apenas 6% de aumento para os

professores.

A pesquisadora dá início ao encontro com o seguinte comentário:

PL – Estamos com o nosso projeto bastante adiantado e vamos hoje avançar no item da Compreensão e Autoritarismo. Trouxe esse material do Index para inclusão para agente trabalhar e refletir sobre esses indicadores escolhidos por vocês em reunião anterior. Vocês vão trabalhar em duplinhas para tentar responder às questões colocadas. Precisamos conversar sobre o novo desenho do projeto com o nosso retorno na sala de aula para avaliarmos o efeito das nossas discussões na nossa prática diária. Os indicadores são: A1.4 - Os profissionais e as crianças se respeitam entre si? A1.5- Os profissionais e pais/responsáveis colaboram? B2 .7 As pressões por exclusão disciplinar são reduzidas? Vamos começar pelo grupo de vocês?

P07 – Eu coloquei que a gente entende como política de comportamento o regimento escolar. Colocamos que a escola precisa redigir as normas e qual é a nossa forma de agir sobre esse regimento

P06 – Esse regimento escolar é da SME. Ela é quem diz o que cada escola deve fazer.

P02 – O que deve aparecer no PPP são as regras da nossa escola.

P06 – Mas sem fugir do regimento escolar.

P02 – O que temos que fazer e ver quais são as regras da SME e como podemos adaptá-las dentro do nosso contexto.

Nessa análise, optamos por demonstrar a interação existente entre os argumentos

destacados. Lembramos que, na nova retórica, não há como falar em argumentação sem

adesão. A adesão proposta por Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996), e que utilizamos nesse

trabalho, é aquela visada pelo próprio orador quando formula seus argumentos com o desígnio

de convencer o seu auditório. Nesse sentido, o objetivo de cada argumentação é conquistar ou

fortalecer a adesão do auditório. Para realizar esse objetivo, o orador precisa adaptar seu

discurso. Dito isso, podemos, então, observar como a interação e adaptação dos argumentos

acontecem nesse discurso.

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P02 e P06 argumentam sobre quais são as regras da escola e de que maneira elas

devem ser aplicadas frente aos acontecimentos extraídos do dia a dia. A discussão foi

provocada pelos indicadores do Index para inclusão e que precisavam ser definidos para que

pudessem constar no PPP. A força do argumento de P06 está no fato das regras da escola

serem definidas por um órgão reconhecidamente superior e, portanto, não há o que se discutir.

Seu argumento baseia-se na estrutura do real, pois admite a autoridade incontestável da SME.

Percebe-se, por meio dessa escolha argumentativa, a preocupação e o cuidado em manter-se

fiel às designações da autoridade que é responsável por elaborar a política educacional do

município do Rio de Janeiro, coordenar a sua implantação e avaliar os resultados, com o

propósito de assegurar a excelência na Educação Infantil e no Ensino Fundamental Público

(RESOLUÇÃO SME Nº 1.074/2010).

A argumentação de P02 não se distancia do argumento de autoridade, pois também

está baseada nos preceitos da SME que afirma, tanto no artigo 7.º quanto no artigo 9.º da

mesma resolução (1074/2010), que a elaboração do Projeto Político-Pedagógico, no que diz

respeito às diretrizes, ações, filosofia e objetivos, é prerrogativa de cada escola e que será

construído de acordo com as necessidades e anseios da comunidade escolar, respeitadas as

diretrizes da SME.

Há um conflito entre os argumentos de P06 e P02, porém, diante disso, P02 propõe

uma “adaptação” para que as regras possam ser escritas sem entrar em conflito com a agência

reguladora e, assim, consegue a adesão do seu auditório.

A reunião prossegue possibilitando a extração de outros argumentos igualmente

importantes para a nossa análise.

P08 – O nosso grupo juntou os indicadores e falou sobre o que existe e o que não existe aqui na escola: Aqui existe um regimento oficial que é demonstrado em reuniões; os responsáveis recebem avisos e circulares sobre a importância do acompanhamento do filho e da sua presença nas reuniões e etc. Há também as reuniões entre os professores, pais e direção para atender aos casos específicos. Nós criamos um dia em que a gente recebe os pais para conversar sobre os problemas específicos. Uma vez por mês, senão fica muito cansativo. Isso é o que a gente já tem, mas eu acho que existem mais coisas.

P01 – Também temos os combinados e as regras de como os professores podem fazer uso dos materiais e áreas externas. Essas regras são nossas e a gente sempre passa nos nossos encontros pedagógicos.

Parece-nos que P08 e P01 concordam com o argumento de P02 quando declaram que

a escola possui um regimento e que os combinados e as regras pertencem à escola. Esse

sentimento de definição e propriedade do regimento e combinados pode ser caracterizado

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como um argumento quase-lógico, pois preocupa-se em demonstrar a inclusão da parte no

todo, ou seja, incluir as regras da escola no todo que simboliza a regra da SME.

É possível reparar que há uma preocupação política em delimitar as regras e

combinados a partir daquilo que a escola acha necessário. Não é negada a influência da SME,

mas o direito de escolha nos parece bem claro. Esse discurso valida o sentimento de

valorização profissional ao mesmo tempo que constata a guarda da SME no que diz respeito

às regras comuns a todas unidades escolares. O grupo não afasta essa contingência, mas

demonstra o quanto é importante ter uma certa autonomia. A prática de uma outra política

baseada numa cultura de valorização profissional é algo bem-vindo e não deve ser afastado,

nem da realidade nem tampouco do discurso.

Argumento – 19

Categoria: Planejamento

Palavras-chave: blocagem/planejamento

Data: 27 de agosto de 2014

Local: EMCP – sala de vídeo

Presentes: A pesquisadora do LaPEADE, acompanhada por 1 (uma) pesquisadora, 3 (três)

gestoras e 05 (cinco) professoras da EMCP.

A filmagem começa com o grupo conversando sobre os cadernos que recebeu a SME

para serem trabalhados no 2º semestre.

Destacamos, para análise, um trecho do diálogo.

P06 – Quando você tem um planejamento, você tem um norte então fica mais fácil de trocar as atividades.

P07 – Eu sei que a gente poderia fazer mais, mas não dá tempo de sair da sala para isso.

PL – Então deixa ver se eu estou entendendo. Aqui na escola a gente não tem um planejamento formal de matérias e conteúdos a serem dados no bimestre, é isso?

P06 – Já temos esse ano. Conseguimos montar um planejamento para esse ano.

PL – Ah bom, Então já temos um planejamento.

P07 – Foi só esse ano que nós, professores, conseguimos nos reunir e conquistar essa façanha de ter uma lista de conteúdos.

P01 – Nós já temos o conteúdo. O que falta agora é traçar os objetivos.

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P07 – Isso a gente já fez. Pelo menos o mínimo de objetivos nós já traçamos. Mas não fizemos por bimestre e sim anual. Agora, a construção desses objetivos por bimestre, o que é que nos vamos trabalhar no bimestre, como vamos desenvolver isso na sala de aula é o que está faltando. A gente não vai conseguir fazer isso esse ano.

P01 – Não, isso não. Não tem blocagem26 completa para manter os professores livres para essa atividade. Com as mudanças nos calendários esses anos todos, está cada vez mais difícil conseguir um horário para essas reuniões. Parece que ano que vem a gente vai conseguir alguma coisa.

P02 – Mas nós temos que conseguir o tempo e organização para fazer isso.

O argumento apresentado por P07 baseia-se na estrutura do real e pode ser entendido

por meio da técnica argumentativa do modelo/antimodelo. Essa técnica é usada dada a

tendência que temos de nos identificarmos com algum processo e da tentativa de imitá-lo.

Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996, p. 415) consideram que o modelo “indica a conduta a

seguir; serve também de caução a uma conduta adotada”, ou seja, ele serve de imitação e

respaldo à pessoa que o usa.

O processo, no caso, é o ato de planejar os conteúdos, seus objetivos e estratégias de

desenvolvimento. Sabendo que o modelo indica e avaliza uma conduta, então, espera-se que

os professores sigam esse modelo. O antimodelo funciona de modo contrário. Se o modelo

possui virtudes, o antimodelo apresenta pontos críticos, então a solução para esse conflito é a

criação de arquétipos ou mitos, numa tentativa de justificar a impossibilidade de atingir ao

modelo pretendido. Essa expressão arquetipal de justificativa de impossibilidade de atingir o

modelo pode ser também interpretada, omnileticamente, como um status-quo cultural. Parece-

nos que a sensação de impotência é algo que imobiliza os professores diante da demanda

escolar. O modelo pretendido é algo quase impossível de ser alcançado. O que essas

contradições apontadas no argumento do modelo e antimodelo refletem podem estar

relacionadas com a consciência particular, por parte de alguns docentes, das diferenças entre o

que se reconhece e é dito publicamente e o que internamente é percebido, mas não é aceitável

ser expressado.

O argumento de P02 lança mão da técnica de autoridade diante do grupo para

convencê-los de que a liberdade do professor de todas as restrições impostas é possível ser

alcançada se a política de ação mudar. Sua afirmação desafia o antimodelo defendido por P07

e também corroborado por P01. A força da tese de P02 está na condição de profissionalidade

esperada de um professor, ou seja, que o direito de manifestar a sua autoridade profissional

26Termo utilizado para designar a troca de horário feita entre os professores especializados (P2) e as professorasregentes (P1).

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docente só tem significado se o poder de decisão for assumido. E isso, certamente, é um fator

cultural.

Sobre isso, Contreras afirma que:

O desenvolvimento de valores educacionais não pode se realizar a partir das intuições ou sabedorias que surgem fora da própria prática se não houver professoresdispostos a participar das ideias que alimentam essas posições. Porém mesmo assim,(…) é muito difícil melhorar o ensino de fora se os próprios docentes não possuírem as ideias (CONTRERAS, 2012, p. 143).

A participação política dos professores está implicitamente marcada no argumento de

P02. Abandonar a posição de profissionais incapazes de planejar e executar seu plano de

ensino exige o abandono da posição de defesa diante da responsabilização pelo seu trabalho.

Isso requer enfrentar um determinismo cultural que estabelece o que devemos fazer, como

devemos fazer e o que não devemos fazer.

O argumento do modelo e antimodelo está eivado do discurso da desqualificação

profissional enquanto o argumento de autoridade busca o resgate da consciência da

valorização docente.

Argumento – 20

Categoria: função docente

Palavras-chave: inclusão/ valorização/profissionalismo

Data: 16 de setembro de 2014

Local: EMCP – sala de vídeo

Presentes: A pesquisadora do LaPEADE, acompanhada por 1 (uma) pesquisadora, 3 (três)

gestoras e 05 (cinco) professoras da EMCP.

A gravação do encontro começa com P0 10 contando sobre uma reunião acontecida na

escola em que estavam presentes a própria professora, a direção da escola e uma representante

do Instituto Helena Antipoff27 (IHA).

Trazemos para análise os argumentos decorrentes da exposição das professoras sobre a

eminência de receber uma criança com necessidades especiais em sua classe.

27Centro de Referência em Educação Especial da Rede Municipal da Cidade do Rio de Janeiro.

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P09 – Os professores vêm trabalhando de maneira desumana na medida em que ele está preparado para um trabalho e ele tem que fazer um outro trabalho sem estar preparado.

P02 – Não só preparado mas também tem os direitos que tem esse professor enquanto profissional. Ele tem que ter apoio sim e não tem tido apoio. Entregam ao professor todas as coisas. Então criam-se as regras que devem ser cumpridas e quemcumpre é o professor que está lá recebendo, tendo que fazer tudo. Ele tem que fazer a adaptação e a lei não garante a legalidade que realmente aquela criança está atendida. É o sistema que está totalmente errado.

A tese defendida por P09 e P02 nos diz sobre o preparo do professor para receber os

alunos considerados especiais, ou seja, aqueles que possuem alguma deficiência tanto física

quanto intelectual. A sua especialidade refere-se à formação do professor para atender a esse

público, tese que faz parte do acordo ali estabelecido.

O argumento, por ater-se ao fato, se aproxima do raciocínio rigoroso e demonstrativo

formal e adquire uma força persuasiva distinta. Ambos discursos possuem uma fácil aderência

do auditório, pois apresenta uma lógica indiscutível. Há uma exigência para a formação do

professor e esta é posta para o auditório que advém da Universidade e, portanto, é parte

responsável por essa formação.

Os argumentos, agora analisados, baseiam-se na reciprocidade, pois visam aplicar o

mesmo tratamento a duas situações correspondentes. O argumento de reciprocidade é aquele

que aproxima dois seres ou duas situações, mostrando que os termos próximos numa relação

devem ser tratados da mesma forma. P09 e P02 procuram mostrar que o benefício da lei deve

atingir os dois lados, tanto do aluno quanto do professor. O discurso da valorização do

professor é claramente visto nesse argumento, em especial quando P02 culpabiliza o sistema

pela falta de cuidado com a formação docente para enfrentar essa situação.

A seguir, destacamos outro argumento proferido na mesma reunião e essencial para a

nossa análise.

P02 – O discurso do governo diz que isso está existindo e isso não é verdade. Está existindo as custas do professor da classe. Então, precisa sim ser visto o lado do professor. E o professor é sempre acusado, e isso é uma coisa que me dói, é que o professor de sala de aula, por mais que ele queira fazer e faz minimamente, ele está fazendo, e mesmo assim dizem que o professor está com má vontade, que o professor não quer, o professor não deseja, o professor é mal preparado, o professor “não-sei-o-que”. Mas é ele quem está fazendo, apesar de todo o despreparo, quem está com a mão na massa é o professor de sala de aula. Então, precisa ser visto com muito carinho também essa questão. Com muito carinho e muito profissionalismo. Eu considero isso uma questão profissional. Qualquer outra área não iria aceitar. Está na hora de se posicionar profissionalmente. Falo até da greve. Porque fala do dia a dia da nossa sala de aula. Temos que sair lá do escondidinho do corredor e nos posicionarmos no mundo.

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P02 permanece apoiando seu argumento quase-lógico por meio da técnica

argumentativa do sacrifício. Essa técnica foi apresentada anteriormente no argumento nº 1

dessa tese (CARNEIRO, 2017, p.70).

É perceptível o nível de conflito exposto no argumento. P02 preocupa-se com a

justificação da sua posição, ou seja, procura argumentos a favor e contra para justificar aquilo

que considera imposição ao sacrifício. O maior grau de conflito sentido pelo professor está

concentrado no fato de qualquer outra área profissional se negaria a atender uma demanda

que, porventura, julgasse não ser sua. O sacrifício imposto ao docente pode ser entendido

como a negação ao direito de preparar-se para desenvolver um trabalho de qualidade.

Em seguida, temos o argumento de P01, que nos diz:

P01 – Foi aí que eu coloquei a questão da inclusão, porque questionam porque a nossa escola que se diz ser uma escola de referência na inclusão. Inclusão de quê? Primeiro, a inclusão que nós pregamos e acreditamos aqui na Cícero é inclusão derrubando barreiras à aprendizagem. Uma inclusão de todos e não só dos alunos com necessidades especiais. E, enquanto não houver uma mobilização dos professores enquanto uma organização, e aí eu digo o CEC, Conselho Escola Comunidade, de reivindicar direitos e condições de trabalho em termos de Ministério Público mesmo e Conselho Tutelar em nome do CEC, a coisa não funciona. Isso porque se espera muito que a pessoa, a direção, façam uma carta no seu nome e não é assim não. Eu dou o exemplo da festa. A festa aconteceu e deu certo, por quê? Porque tinham pais representantes, professores envolvidos, toda a comunidade escolar envolvida. Não era a diretora fazendo a festa. Então, enquanto não houver essa conscientização de que o grupo se responsabiliza e assina embaixo das suas reivindicações, vamos ficar só no discurso.

O argumento de P01 está baseado na dissociação das noções. A dissociação é utilizada

na argumentação como uma tentativa de ultrapassar as incompatibilidades dos pensamentos.

Na dissociação, o par aparência/realidade costuma ser o mais frequentemente utilizado. Dele

demandam outros pares como opinião/verdade, nome/coisa, sujeito/objeto, meio/fim,

relativo/absoluto, acidente/essência, entre outros.

P01 retoma o argumento de P02 para estabelecer a dissociação entre os valores

referendados à inclusão, apontando que isso não é compatível com a realidade da escola.

No desenrolar da pesquisa foi possível observar que, no seu dia a dia, a escola tem

revisitado normas que até então eram consideradas únicas. O esforço despendido para

reexaminá-las a partir dos indicadores sugeridos pelo Index para inclusão possibilitou

descobrir que algumas normas se apresentavam tão contraditórias que só uma reflexão

demorada poderia permitir alguma mudança.

No argumento em destaque, observamos que P01 procura correlacionar os termos que

definem o conceito de inclusão da forma como a EMCP compreende com o que é socialmente

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esperado. Os processos de dissociação que podemos localizar no argumento não se restringem

apenas ao conceito de inclusão. Mais do que isso, consistem numa tentativa de reordenar de

forma mais profunda e coerente aquilo que surge como incompatível, ou seja, a dependência

da ação de mudança centrada em apenas uma pessoa, fazendo aparecer, pela dissociação não

apenas da aparência/realidade, mas juntamente o sujeito/objeto e o meio/fim, essa

incompatibilidade.

Não obstante, é de grande valia salientar que Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996) não

trabalham com o conceito de verdade, ou seja, como se ela fosse apenas uma representação da

adequação de enunciados válidos. Da mesma forma, a perspectiva omnilética entende que as

verdades são e estão em constante processo, em constante mudança. Esse entendimento

relacional dos fatores descobertos incompatíveis possibilita uma visão mais totalizante,

complexa, das culturas, políticas e práticas que podem advir de cada relação estabelecida

entre esses mesmos valores. De acordo com Santos (2013, p. 24), “os fenômenos que

percebemos e como os percebemos são tão instituídos quanto instituintes deles mesmos e

sempre em relação com uma totalidade infinita de fenômenos, visíveis e ainda não tão-

visíveis; previsíveis e imprevisíveis”.

No final da sua argumentação, P01 procura destacar a incompatibilidade sujeito-

objeto, afirmando que a participação de todos pode alcançar sucesso maior do que o esforço

de apenas uma parte. Essa valorização do todo no processo escolar, seja para decidir uma

festa folclórica, seja para assumir a sua identidade inclusiva, demonstra, omnileticamente, que

é possível compreender os fenômenos sociais quando reconhecemos a sua complexidade.

A seguir, apresentaremos o último argumento destacado para análise desse bloco.

Argumento – 21

Categoria: Posição Política

Palavras-chave: valorização/profissionalismo

Data: 21 de outubro de 2014

Local: EMCP – sala de vídeo

Presentes: A pesquisadora do LaPEADE, acompanhada por 1 (uma) pesquisadora, 1 (uma)

gestoras e 06 (seis) professoras da EMCP.

A filmagem começa com as professoras conversando sobre as últimas notícias do

plano de carreira e os problemas acarretados com a imposição da escolha pelo regime de

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trabalho de 40 h. Falam sobre o tempo de aposentadoria daquelas que já completaram e

daquelas que ainda não alcançaram a idade mínima para isso.

A pesquisadora dá início à reunião lendo os últimos acertos do PPP e as professoras

sugerem algumas correções nas frases.

O primeiro argumento que analisaremos surgiu do relato de P02 sobre um encontro

que participou junto ao Parceiro da Escola – Fundação Lemann.

P02 – Isso me lembrou a última reunião que tivemos com os Parceiros, onde teve uma dinâmica entre os participantes e aí foram formados grupos. Tinha gente de tudo quanto era canto. Todos ficaram intrigados com um dos participantes que ficou passeando entre todos os grupos, perguntando, “Você conhece a resolução n° tal do MEC que diz assim, assim, assim? E nós respondíamos ” “Não”. Aí a gente ficou encucada. “O que será que ele quer dizer com isso?” Mas ele só queria deixar bem claro o quanto a gente não sabe nada sobre aquilo que nos pertence. Não participam,não leem, não procuram e não sabem nada, nem das mínimas ações que existem e que só caem no colo da gente quando a coisa já tá rolando e a gente, ó, não sabe de nada. A gente só é vítima do que acontece. A gente não participa. A gente não lê, a gente não procura aquilo que nos pertence, E aí a gente se faz de vítimas e somos mesmo vítimas. Quando a gente ouve o professor se queixando das coisas, a maior parte deles está se queixando daquilo que está deixando de fazer que é dizer alguma coisa a respeito. Existem portais abertos no MEC onde você pode dar opiniões e participar de debates. Quem faz isso? Eu acho que está na hora de começarmos a agir com argumentos profissionais e deixar de lamentações. Mas o professor, principalmente o PII sempre se coloca abaixo das suas possibilidades e da sua real grandeza, por isso somos sempre deixados de lado.

P06 – O que eu acho que está faltando é essa base que a Universidade deve dar a esses que estão chegando. Na Pedagogia e em qualquer outra área, eles não vão estarlivres disso. Se eles estão escolhendo, então eles têm que estar atentos. Agora mesmo eu abri o jornal de hoje e a menina queria fazer o curso “Sem Fronteiras” mas foi impedida. Ela entrou com recurso e vai de cadeira de rodas. Hoje já não é mais a legislação de 20 anos atrás. As pessoas têm o seu direito e é aí que eu acho que a academia está falhando em alguma coisa.

Nesses argumentos, a tese defendida situa-se no campo político da discussão. Parece-

nos que P02 faz uso da técnica argumentativa da ilustração, do grupo dos argumentos que

fundam a estrutura do real, para mostrar o quanto é necessário e importante que o professor

conheça os decretos e leis que regem o ensino e, portanto, regem a sua atuação profissional.

Esse procedimento faz uso de um caso particular para demonstrar um padrão já estabelecido.

A ilustração apresentada no argumento de P02 reforça o que, omnileticamente,

entendemos como uma perspectiva dialógica e complexa. P02 usa, com bastante propriedade,

a expressão “aquilo que nos pertence” para marcar seu argumento e diz respeito diretamente

às nossas culturas, políticas e práticas. O exercício do magistério requer um conhecimento

para além do técnico. A distância política entre a teoria e a ação nos parece ser o ponto-chave

que P02 usa para denunciar com o seu argumento de ilustração.

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A existência de uma oposição entre discursos (ou seja, em que é requerida a presença

de um discurso e de um contradiscurso numa situação de interação entre, pelo menos, dois

argumentadores) é observada nos argumentos analisados. P06 também faz uso da técnica

argumentativa da ilustração para reforçar a questão do “direito”, todavia procura transferir a

responsabilidade da consciência política para a universidade.

Vemos claramente que, em ambos os argumentos, a discussão política é a sua marca,

contudo a admissão da responsabilidade sobreleva a questão cultural do assentimento desse

compromisso. Essa ideia está diretamente relacionada com a postura profissional assumida.

Cabe, então, a pergunta: a quem concerne a responsabilidade de dirimir a distância

cultural, política e prática entre aqueles que controlam a escola e aqueles que trabalham no dia

a dia, de fato, com os estudantes e com os currículos?

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho, cujo objetivo geral consistiu em identificar e analisar,

omnileticamente, os tipos de argumentos levantados pelos professores que evidenciavam as

barreiras à sua autonomia e participação pedagógica, permitiu ampliar nossa compreensão

sobre essa temática.

A questão da autonomia e da participação pedagógica, vista e discutida nesse trabalho,

por meio da perspectiva Omnilética, ressaltou os aspectos contraditórios e ambíguos que os

professores, em especial os professores da EMCP, apontaram nos seus argumentos relativos à

sua prática diária e cotidiana. Esses professores se sentem despojados da qualidade, do

controle e do sentido do seu próprio trabalho, pois as atividades individuais e rotineiras os

mantém desatentos ao processo de qualificação intelectual. A recuperação de uma concepção

de autonomia profissional dos professores nos parece requerer a transposição de algumas

barreiras. Ao visitar, junto com os professores, as culturas, políticas e práticas da EMCP,

percebemos que faz parte da situação de busca desenvolver soluções por meio de reflexões

para superar seus limites frente às situações consideradas espoliante da sua autonomia.

Reiteramos que a escolha da análise dos argumentos por meio da perspectiva

Omnilética é uma abordagem inovadora e bastante capaz de responder às questões propostas

neste trabalho. Essa proposta contemporânea possibilitou a análise dos argumentos em

diferentes ângulos, abrindo espaço para uma maior reflexão e participação.

Afirmamos que o LaPEADE tem, como missão,

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Apoiar e promover a participação e a diversidade em educação nas dimensões culturais, políticas e práticas das instituições e sistemas educacionais e contribuir parao desenvolvimento, disseminação e acompanhamento do conhecimento científico-acadêmico a respeito de inclusão em educação (LAPEADE, 2010.).28

Nesse sentido, ao ser chamado pela escola pública para auxiliar como mediador de

conhecimentos, o Laboratório prontificou-se imediatamente a colaborar com a busca de

outros caminhos para discutir a inclusão em educação. E como foi rica e producente a parceria

entre o LaPEADE a EMCP. Após quatro anos de trabalho, essas duas instituições construíram

uma parceria e uma amizade duradoura. Para o laboratório, a EMCP tornou-se um espaço de

aprendizado, rico em diversidade e com uma disposição a se reinventar surpreendente. A

construção do PPP da escola, muito mais do que um documento, significou a luta diária pela

revisão das culturas, políticas e práticas daquelas pessoas e daquele espaço.

Iniciamos essa pesquisa com o objetivo de dar a voz aos professores enquanto

investigamos como eles argumentam sobre as suas culturas, políticas e práticas a respeito da

sua atuação profissional. O sentimento de exclusão era explícito em seus argumentos. No

decorrer desse processo, foi possível verificar, por meio dos argumentos analisados, que a

questão da autonomia docente aparecia sempre que os problemas relativos à sua prática diária

vinham à tona.

Enquanto estivemos envolvidos com o projeto, nos anos de 2012-2015, os professores

do município do Rio de Janeiro deflagraram duas greves em prol de melhores condições de

trabalho. Tivemos a oportunidade de acompanhar as discussões cuja tese da valorização -

desvalorização profissional ganhava o tom da retórica.

Foi nesse movimento complexo e dialético que encontramos os princípios que

confirmaram nossa hipótese inicial de que os elementos discursivos suportam ora o

argumento de valorização, ora de desvalorização da carreira docente. Essa aparente dualidade,

quando vista sob a perspectiva Omnilética, sinaliza que as bases culturais, políticas e práticas

revelam a prevalência de um tipo de argumento que identificamos como sendo aquele que

defende a tese de que a profissão docente não é reconhecida como profissão e que um dos

possíveis caminhos para alcançar essa valorização passa, necessariamente, pela posição

política perante ao seu labor.

Contudo, a tipologia argumentativa e as análises por meio da perspectiva Omnilética

apresentadas são apenas um recorte da intensidade do que aconteceu, por isso não poderíamos

28 Retirado da página eletrônica do LaPEADE. Disponível em: <http://www.lapeade.com.br/index.html>. Acesso em: 24 jun. 2017.

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afirmar que chegamos às conclusões, mas ao encontro de múltiplos oradores, reflexões,

afetos, desafetos, questionamentos e incertezas.

Entendemos que, para compreender a identidade profissional do professor, é

necessário buscar uma interpretação social da sua profissão. E quem melhor para iniciar esse

questionamento do que o próprio professor, notadamente por recurso à problemática da

construção social da sua identidade?

Verificamos, por meio do desenvolvimento do Index para inclusão (BOOTH;

AINSCOW, 2011), que a construção da identidade docente, quando aliada a um processo

contínuo e dinâmico de revisão das suas culturas, políticas e práticas, tende a tomar um

espaço importante de ressignificação. A aquisição de uma identidade profissional daquele que

busca tornar-se professor com autonomia envolve a (trans) formação da sua individualidade

docente num processo que pode ser descrito como aberto, dialógico e dinâmico, portanto

complexo.

Desta forma, para compreender como se configura e se transforma a identidade

profissional docente, propusemos investigar os argumentos utilizados por esse específico

grupo de professores, verificando como eles iam se construindo e se reconstruindo ao longo

do projeto. Tal objetivo logrou-se atingido quando o grupo investigado se percebeu sem uma

representação política própria e decidiu construir o seu Projeto Político-Pedagógico.

A posição política que marcou a discussão do PPP da EMCP foi a dimensão das bases

que constituiriam o projeto. Como considerá-lo como um conjunto de diretrizes políticas,

administrativas e técnicas, que norteiam a prática pedagógica da comunidade escolar como

um todo, sendo a Escola subordinada à SME por meio da 2ª CRE? Esse primeiro desafio foi

enfrentado quando o sentido de construção participativa, de vontade coletiva que envolve

ativamente os diversos segmentos escolares, ficou claro como sendo uma das primeiras

barreiras pedagógicas a serem enfrentadas.

No corpo desse trabalho tivemos a oportunidade de conhecer os argumentos que

defendiam a tese da imobilidade pedagógica diante das orientações dos órgãos externos e a

tese do convencimento de que a vontade política do professor, com base nas culturas, políticas

e práticas, era o instrumento necessário para propor uma organização escolar, pois

estabeleceria prioridades, definiria estratégias e ações coletivas que estariam voltadas para a

missão e visão da escola.

A utilização do Index para inclusão (BOOTH; AINSCOW, 2011) com seus

indicadores, favoreceu a discussão política pedagógica, pois implicou na revisão das culturas,

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políticas e práticas do grupo, oportunizando uma construção participativa, de vontade coletiva

que envolveu a gestão da escola e seus professores.

Compartilhar decisões e conquistar autonomia foram os temas que marcaram os

argumentos que defendiam uma escolar participativa, capaz de identificar o potencial de

colaboração de todos os segmentos e colocá-los a serviço de uma educação de qualidade, que,

conforme ficou clara na missão e visão da Escola, não se afasta do horizonte da plena

cidadania.

Discutir os indicadores escolhidos no Index para inclusão (BOOTH; AINSCOW,

2011) coletivamente propiciou a construção de novas relações sociais para a formação da

Escola como espaço público de decisão, capaz de alterar práticas pedagógicas enquanto a

impulsiona para o rumo da qualidade pretendida.

Os argumentos analisados no corpo desta tese basearam-se nas experiências pessoais

dos professores e no contexto social, cultural e institucional do seu cotidiano. Eles

expressaram suas angústias, dúvidas e, até mesmo, surpresas diante das lembranças

compartilhadas.

A tese defendida nessa multiplicidade de argumentos pronunciados esteve

constantemente vinculada ao sentimento de exclusão política daquele grupo, algumas vezes

justificada pela falta de autonomia na produção do seu próprio trabalho. A questão da

autonomia pedagógica e de seu desdobramento nos processos de avaliação foi apontada como

problema típico da escola pesquisada e, acreditamos, típico de qualquer escola pública, por

estarem sujeitas a interferências de órgãos externos.

Na análise dos argumentos enunciados, observamos que a eficácia da luta pela

autonomia pedagógica depende de um esforço por parte dos próprios professores. Por outro

lado, constatamos que esta ação está limitada pelas condições estruturais da rede de ensino a

qual esses professores pertencem. Ou seja, devido às políticas de educação, tendências de

mercado, à comunidade local, à cultura nacional e às questões econômicas, entre outras, a

autonomia do professor pode ser dificultada.

E, em uma época de tantas mudanças, tanto no campo da política quanto no campo

tecnológico, onde algumas inovações ainda não puderam ser apropriadas pela escola, a

revisão estrutural das culturas, políticas e práticas se fizeram necessárias como uma

alternativa para indicar um caminho possível para restabelecer o sentimento de autonomia e

profissionalidade.

Apoiado naquilo que identificamos no contexto das estratégias argumentativas,

colhidas ao longo dos três anos em que estivemos reunidas com as professoras e gestoras na

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construção do PPP, foi possível responder à questão da pesquisa desde que consideremos os

paradoxos e contradições que emergem dos próprios argumentos.

No que se refere especificamente à autonomia do professor, questão que observamos

como sendo aquela que desencadeia o sentimento de exclusão profissional, pudemos reparar

que sua ausência costuma estar relacionada a dois tipos de argumentos: aqueles que defendem

a tese de que não há espaço para exercê-la, tendo que responder a ordens impostas,

submeter-se a coerções externas, cumprir práticas que não correspondem à sua realidade,

sem espaços para discuti-las ou refletir sobre elas; e aqueles que, por não saberem lidar

com os espaços de autonomia que lhe são oferecidos, possivelmente por não saber

reconhecê-los como tal, resistem ou não querem responsabilizar-se por ações que

possam gerar mais trabalho ou eventuais conflitos e complicações. A autonomia não

seria, dessa forma, uma prática estimulada ou exercida na escola.

Reconhecemos que a meta da argumentação é agir eficazmente sobre as ideias.

Destacamos, ainda, que as condições culturais, políticas e práticas influenciam na realização e

consolidação do ato argumentativo. Sabendo que Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996), no

Tratado da Argumentação, a Nova Retórica, não pretendem tratar de tais condições e que sua

proposta é investigar as técnicas discursivas que permitem provocar ou aumentar a adesão dos

interlocutores, a utilização da perspectiva Omnilética como instrumental analítico mostrou-se

satisfatória para que pudéssemos investigar e conhecer a complexibilidade da construção da

identidade do professor.

Ainda que preparados para desenvolver essa pesquisa, encontramos pelo caminho,

alguns percalços que nos mostraram a necessidade de ajustarmos nossas práticas.

Identificamos como uma barreira própria da prática investigativa, o descompasso entre

o número de pesquisadores disponíveis para substituir os professores envolvidos nos

encontros. A EMCP não possuía, à época, um horário de blocagem para que os professores

pudessem participar de encontros e reuniões pedagógicas. O professor precisava ser

substituído por uma pesquisadora que assumia a regência da turma, continuamente, a cada

reunião do projeto de pesquisa. Essa ação gerava uma tensão entre os participantes do projeto

porque nunca tínhamos certeza de ter o número adequado de pesquisadores para substituírem

os professores. Isso provocava uma flutuação constante no número de professores

participantes do encontro. A gestão da escola, preocupada com essa situação, chegou a

construir um resumo das atividades desenvolvidas naquele dia, comprometendo-se em

divulgar os assuntos ali tratados.

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Em decorrência dessa dinâmica de substituição de professores, surgiram dúvidas sobre

a melhor ação a ser desenvolvida pelas pesquisadoras a fim de que cada momento vivido na

sala de aula, junto aos alunos, pudesse ser observado, analisado e somado à pesquisa. Alguns

objetivos foram traçados e tornaram-se temas de artigos em anais (GONÇALVES, S et all,

2013; SANTOS, M. et all, 2014), apresentações na JIC/UFRJ (OLIVEIRA, 2013, 2014) e

Monografia - TCC (OLIVEIRA, 2015).

Registramos que, para o exercício da docência, é fundamental que o professor adquira

e desenvolva a consciência política do seu papel na Educação. Ao propormos a perspectiva

Omnilética como referencial analítico, acreditamos que a ação educativa não é neutra, pois

está vinculada às suas culturas, políticas e práticas sociais, bem como às relações de produção,

e ao sistema político e educacional.

Admitimos que os argumentos que defendem a tese do nada fazer enquanto não

houver, por parte da sociedade, um reconhecimento e valorização da profissão docente

costumam encontrar assentimento do auditório. Mas afirmamos, por meio desta pesquisa, que

os argumentos que defendem a tese contrária, isto é, a tese de que a valorização da profissão

docente passa, necessariamente, pelas mudanças culturais, políticas e práticas dos docentes

vêm encontrado aderência favorável do mesmo auditório. Auditório esse composto por

elementos da Universidade que, assumindo a posição de ouvinte, descobrem o grande

potencial político que a classe docente possui.

Dito isso, essa tese sugere para futuros pesquisadores que se interessam pelo tema, que

deem continuidade à investigação sobre a consciência política docente e que cada vez mais

possam validar o espaço da Universidade como um local de repercussão das vozes docentes.

Encerramos esse trabalho anunciando que a EMCP continua construindo e

reconstruindo seu PPP. Ficou entendido para o grupo que o trabalho pedagógico deve ser

pautado numa interação constante entre todos os segmentos da Escola, pois assim acreditam

que ocorrerá um significativo avanço no processo ensino aprendizagem. Haja vista o folder

que a Escola construiu para ser distribuído durante a Reunião de Pais e Mestres. Isso aponta

para o sucesso das transformações ocorridas no campo cultural, político e prático da Escola.

O PPP não se transformou, assim, num documento para ser guardado em algum lugar,

mas numa parte da vida da Escola e uma proposta real para continuar aprendendo e

melhorando.

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ANEXOS

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ANEXO 1

Histórico da Escola Municipal Drº Cícero Penna29

Patrono: DR. THEODORICO CICERO FERREIRA PENNA 06/12/1856- 06/12/1920

Dr. Cícero Penna nasceu em Belém do Pará, realizou seus estudos em sua cidade natal,

ingressando a seguir na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, onde concluiu

o curso, transferindo-se para o Rio. Aqui aplicou a maior parte de seus bens e adquiriu vários

imóveis, tornando-se um homem conhecido e admirado pelos gestos de solidariedade humana

e amor à criança, no exercício de sua profissão.

Após seu falecimento deixou seu legado aos descendentes e instituições de caridade.

Dentre tais doações, destacaram-se uma linda chácara na ilha de Paquetá para uma instituição

de cegos, várias casas para fins filantrópicos e o palacete da Avenida Atlântica, em

Copacabana, na Zona Sul da Cidade do Rio de Janeiro, doado à antiga Prefeitura do Distrito

Federal, para que nele se instalasse, constituindo disposição testamentaria, um Jardim de

Infância.

A Escola Municipal Dr. º Cícero Penna, foi concebida no atual molde com 12 salas de

aula e demais instalações indispensáveis a um estabelecimento padrão de ensino para a época,

em 31 de agosto de 1965, substituindo a antiga Escola Municipal Dr.º Cícero Penna infantil.

A Escola Municipal Dr. º Cícero Penna encontra-se em área urbanizada, de grande

movimento turístico, e conta com o patrulhamento da Ronda Escolar e Guarda Municipal,

nos horários de grande movimentação dos alunos, principalmente na troca de turnos.

Conta com as Parcerias do Instituto Roma - Parceiros da Educação, desde maio de

2010; da Sociedade de Psicanálise da Cidade do Rio de Janeiro, no Jardim

Botânico, que mantém acompanhamento psicológico voluntário dentro do espaço escolar

para alunos, professores e responsáveis, desde 2007.

Em 1995, atendeu aos alunos da Classe de Alfabetização e de Primeira a Oitava

Séries.

Em 2003, passou a ter alunos da Educação Infantil a Oitava Série.

29 Retirado do Projeto Político Pedagógico da EMCP.

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Atualmente, atende crianças da Educação Infantil, entre 4 e 5 anos; do Ensino

Fundamental I do 1º ao 5ª ano com até 11 anos; do Ensino Fundamental II o 6º ano, ambos

em dois turnos; o PEJA- 1.

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ANEXO 2

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ANEXO 3

MAPA CONCEITUAL

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ANEXO 4

FOLDER