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A JUDICIALIZAÇÃO DOS DIREITOS LGBT NO STF Limites, possibilidades e consequências

Limites, possibilidades e consequências · Antônio Márcio da Cunha Guimarães ... zações e correções. É um lugar comum afirmar que uma dissertação não se escreve ... XI

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A JudiciAlizAção dos direitos lGBt no stF

Limites, possibilidades e consequências

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A JudiciAlizAção dos direitos lGBt no stF

Limites, possibilidades e consequências

DANIEL CARVALHO CARDINALIMestre em Direito Público pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Advogado

Belo Horizonte2018

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342.087 Cardinali, Daniel CarvalhoC267j A judicialização dos direitos LGBT no STF: limites, possibilidades e2018 consequências / Daniel Carvalho Cardinali. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2018. 242 p.

ISBN: 978-85-8238-326-1 ISBN: 978-85-8238-327-8 (E-book)

1. Direito das pessoas. 2. Direito constitucional. 3. Direitos individuais. 4. Direitos LGBT. 5. Movimento LGBT – Brasil. 6. União homoafetiva. 7. Adoção homoafetiva. I. Título.

CDD(23.ed.)–342.087 CDDir – 342.1156

Belo Horizonte2018

CONSELHO EDITORIAL

Elaborada por: Fátima Falci CRB/6-700

É proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer meio eletrônico,inclusive por processos reprográficos, sem autorização expressa da editora.

Impresso no Brasil | Printed in Brazil

Arraes Editores Ltda., 2018.

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Álvaro Ricardo de Souza CruzAndré Cordeiro Leal

André Lipp Pinto Basto LupiAntônio Márcio da Cunha Guimarães

Bernardo G. B. NogueiraCarlos Augusto Canedo G. da Silva

Carlos Bruno Ferreira da SilvaCarlos Henrique SoaresClaudia Rosane Roesler

Clèmerson Merlin ClèveDavid França Ribeiro de Carvalho

Dhenis Cruz MadeiraDircêo Torrecillas Ramos

Emerson GarciaFelipe Chiarello de Souza Pinto

Florisbal de Souza Del’OlmoFrederico Barbosa Gomes

Gilberto BercoviciGregório Assagra de Almeida

Gustavo CorgosinhoGustavo Silveira Siqueira

Jamile Bergamaschine Mata DizJanaína Rigo Santin

Jean Carlos Fernandes

Jorge Bacelar Gouveia – PortugalJorge M. LasmarJose Antonio Moreno Molina – EspanhaJosé Luiz Quadros de MagalhãesKiwonghi BizawuLeandro Eustáquio de Matos MonteiroLuciano Stoller de FariaLuiz Henrique Sormani BarbugianiLuiz Manoel Gomes JúniorLuiz MoreiraMárcio Luís de OliveiraMaria de Fátima Freire SáMário Lúcio Quintão SoaresMartonio Mont’Alverne Barreto LimaNelson RosenvaldRenato CaramRoberto Correia da Silva Gomes CaldasRodolfo Viana PereiraRodrigo Almeida MagalhãesRogério Filippetto de OliveiraRubens BeçakVladmir Oliveira da SilveiraWagner MenezesWilliam Eduardo Freire

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Direitos são conquistados apenas por aqueles que fazem suas vozes serem ouvidas.

- Harvey Milk

Essa é a consequência de uma decisão da Suprema Corte, mas, sobre-tudo, é a consequência de incontáveis pequenos atos de coragem de milhões de pessoas ao longo de décadas que resistiram, que saíram do armário, que falaram com seus pais – pais que amaram seus filhos a despeito de tudo. Pessoas que estiveram dispostas a suportar bullying e provocações, e permaneceram fortes, e passaram a acreditar em si mesmas e em quem elas eram, e pouco a pouco fizeram um país inteiro perceber que amor é amor.

- Barack Obama, acerca da decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos no caso Obergefell v. Hodges (2016), que reconheceu o di-reito ao casamento entre pessoas do mesmo sexo em todo o país.

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AGrAdeciMentos

O presente trabalho corresponde em larga medida à dissertação de mestrado defendida em fevereiro de 2017 junto ao programa de pós-graduação em direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ, com alguns acréscimos, atuali-zações e correções. É um lugar comum afirmar que uma dissertação não se escreve sozinho, e que nela se faz sentir a influência, o apoio e o auxílio – conscientes ou não – de uma pluralidade de pessoas. Se tal afirmação já se tornou um clichê em agradecimentos deste tipo é porque a mesma corresponde a uma inegável verdade. Assim, nada mais justo do que reconhecer neste espaço aqueles que são responsá-veis pela própria possibilidade de existência das páginas que vêm a seguir.

Assim, o primeiro e mais importante agradecimento cabe à minha mãe, Már-cia, pelo seu amor incondicional e sua dedicação incansável. É graças à certeza de ter sempre um porto seguro que me permito a aventura de navegar rumo ao desconhecido dos meus sonhos.

Agradeço ao meu orientador, Rodrigo Brandão, pelo auxílio, incentivo, comen-tários e críticas que foram essenciais para o desenvolvimento do presente trabalho.

Agradeço aos professores que me honraram aceitando o convite para participar da minha banca: Daniel Sarmento, inspiração para quem acredita no potencial do Direito Constitucional como instrumento de transformação social e concretização de utopias; e Roger Raupp Rios, cuja produção engajada e pioneira na academia jurídica brasileira sobre a diversidade sexual abriu portas para trabalhos como este.

Sou muito grato às instigantes arguições realizadas durante a minha defesa pelos membros da banca, cujas valiosas críticas e sugestões me fizeram reavaliar escolhas e repensar ideias desenvolvidas na dissertação, além de incorporar novas reflexões e complementar algumas passagens, tendo sido responsáveis pelo aperfei-çoamento geral do trabalho.

Este estudo dificilmente poderia ser realizado fora do ambiente de cordialidade e seriedade acadêmica que marca a UERJ, minha segunda casa. Agradeço à UERJ por resistir e seguir em frente apesar de tudo e contra todos; pelo ensino público de exce-lência; por ser um espaço de debate franco e aberto; pelo seu papel pioneiro na luta por uma educação mais inclusiva e plural; pelo ambiente de amizade e tolerância que

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renova diariamente a esperança de dias melhores; por ter construído, descontruído e reconstruído profundamente minha visão de mundo ao longo dos últimos dez anos; por me fazer quem eu sou hoje.

Assim, agradeço a todos os meus colegas de mestrado, brilhantes publicistas, pelas frutíferas discussões em sala de aula – e fora dela, nas infindáveis trocas de mensagens pelo WhatsApp.

Agradeço também aos meus professores da graduação, do mestrado e da vida em geral, e em especial a Luís Roberto Barroso, referência essencial de mais de uma geração de constitucionalistas, e a Jane Reis, exemplo de pensamento crítico, questionador e independente.

Agradeço, finalmente, a todas as minhas amigas e a todos os meus amigos, por compartilharem comigo as alegrias e as tristezas que dão significado à vida. Embora seja impossível agradecer nominalmente a todos que de forma direta ou indireta contribuíram para as reflexões que fazem parte do presente trabalho, al-guns registros individuais se fazem necessários; assim, agradeço a Luiz Fernando Esteves, pela ajuda constante durante toda a elaboração da dissertação, e a Wallace Corbo e Lucas Freire, pelos comentários.

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suMário

PREFÁCIO ................................................................................................................. X

APRESENTAÇÃO .................................................................................................... XIII

INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 1

CAPíTulO 1CONSTRUÇÃO DO MOVIMENTO LGBT BRASILEIRO ............................ 111.1. A FORMAÇÃO HISTÓRICA DO MOVIMENTO LGBT BRASILEIRO.. 15

1.1.1. Primeira Onda: Contracultura e construções identitárias na “abertura lenta e gradual” ................................................................................. 161.1.2. Segunda Onda: A epidemia da AIDS e a Constituinte .................... 211.1.3. Terceira Onda: Institucionalização e alianças com o Estado e perspectivas atuais ........................................................................................... 25

1.2. DEMANDAS ATUAIS DO MOVIMENTO LGBT: A CONSTRUÇÃO DE UMA GRAMÁTICA DE DIREITOS ................................................................. 32

1.2.1. Casamento igualitário ............................................................................. 391.2.2. Criminalização da homofobia .............................................................. 411.2.3. Demandas de pessoas trans .................................................................... 44

CAPíTulO 2A JUDICIALIZAÇÃO DOS DIREITOS LGBT NO DIREITO COMPARADO .......................................................................................................... 482.1. ESTADOS UNIDOS ......................................................................................... 512.2. COLÔMBIA ....................................................................................................... 692.3. ARGENTINA ..................................................................................................... 78

CAPíTulO 3ACESSO AO STF ...................................................................................................... 853.1. ACESSO AO CONTROLE ABSTRATO ...................................................... 89

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3.2. ACESSO AO CONTROLE CONCRETO ................................................... 973.3. INFLUENCIANDO INTERPRETAÇÕES CONSTITUCIONAIS: AMICUS CURIAE E AUDIÊNCIA PÚBLICA .................................................... 105

CAPíTulO 4POSSIBILIDADES E LIMITES DA FUNÇÃO CONTRAMAJORITÁRIA: UMA ANÁLISE DOS CASOS ENVOLVENDO DIREITOS LGBT NO STF .. 1134.1. UNIÃO HOMOAFETIVA (ADPF Nº 132 E ADI Nº 4277) ..................... 124

4.1.1. Adoção Homoafetiva (RE nº 846.102) ................................................ 1444.1.2. Casamento Homoafetivo (Resolução nº 175/2013 do CNJ) ........... 149

4.2. PEDERASTIA (ADPF Nº 291) ........................................................................ 1504.3. AÇÕES SOBRE DIREITOS DE PESSOAS TRANS (RE Nº 845.779, RE Nº 670.422 E ADI Nº 4275) ............................................................................. 1544.4. DOAÇÃO DE SANGUE (ADI Nº 5543) ..................................................... 1594.5. CRIMINALIZAÇÃO DA HOMOFOBIA (MI Nº 4733 E ADO Nº 26) 164

CAPíTulO 5CONSEQUÊNCIAS DA JUDICIALIZAÇÃO DOS DIREITOS LGBT ........ 1715.1. EFEITOS DA JUDICIALIZAÇÃO JUNTO AO STF PARA O DEBATE PÚBLICO ................................................................................................. 1725.2. BACKLASH E CONTRAMOVIMENTO: DISPUTANDO SIGNIFICADOS CONSTITUCIONAIS .............................................................. 180

5.2.1. A reação no Congresso Nacional e a Frente Parlamentar Evangélica .. 1875.2.2. Principais projetos reativos à judicialização dos Direitos LGBT .... 197

CONCLUSÃO ........................................................................................................... 207

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 216

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PreFácio

Conheci Daniel Carvalho Cardinali quando ele cursava a graduação em Di-reito na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, quando tive a oportunidade de orientar a sua ótima monografia de conclusão de curso sobre o princípio constitu-cional da igualdade. Logo após a sua formatura, Daniel foi aprovado no disputado processo seletivo para o mestrado em Direito Público da UERJ, no qual teve um desempenho exemplar. Este livro é fruto da sua valiosa dissertação de mestrado, aprovada com nota dez, distinção e louvor por Banca composta por mim (orienta-dor) e pelos Professores Daniel Sarmento (UERJ) e Roger Raupp Rios (UniRitter).

O presente trabalho consiste em relevante contribuição para a compreensão dos limites e possibilidades da judicialização dos direitos LGBT no STF. A for-mação histórica do movimento LGBT brasileiro é descrita de maneira minuciosa, permitindo que se conheça as diversas fases da sua organização na sociedade civil em uma leitura tão leve quanto informativa. Na parte final do mesmo capítulo 1, Daniel aponta, com precisão, as principais demandas atuais do movimento: casamento igualitário, criminalização da homofobia e demandas das pessoas trans.

No capítulo seguinte Daniel faz um ótimo uso de experiências estrangeiras, pois as que escolheu tratar são claramente relevantes para os propósitos do seu trabalho. Os avanços e retrocessos da experiência norte-americana são úteis para afastar a noção de que a evolução do reconhecimento dos direitos LGBT repre-sentaria uma inevitabilidade histórica; o caso colombiano é revelador de como a ampliação do acesso da jurisdição constitucional a minorias é relevante para a tutela de direitos fundamentais; e a experiência argentina revela que as vantagens da judicialização não se limitam à hipótese de vitória judicial, na medida em que, como defende o autor, “ainda assim [no caso de derrota] a judicialização pode ter impactos indiretos importantes, produzindo pressão política sobre os demais poderes para que ajam, especialmente quando combinada com estratégias para maximizar as suas consequências para o debate público.”

No capítulo 4 Daniel traz importantes considerações em apoio à corrente doutrinária - na qual me incluo - que defende a ampliação do conceito de “entida-de de classe de âmbito nacional”, enquanto legitimada ativa para a propositura de Ação Direta de Inconstitucionalidade, Ação Declaratória de Constitucionalidade e Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental. A restrição do conceito de

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“classe” a grupos econômicos e profissionais, na linha da atual jurisprudência do STF, nega acesso à jurisdição constitucional abstrata às entidades mais representati-vas em âmbito nacional sobre questões de inequívoco relevo constitucional, como a proteção do meio ambiente, dos direitos da comunidade LGBT, dos indígenas etc. A busca de um “legitimado oficial” para veicular pretensões destes grupos dificulta, em muito, a tutela de direitos de minorias, e explica, ao menos em par-te, o reduzido percentual de ações de direitos humanos na pauta do Plenário do Supremo Tribunal Federal.

No capítulo 4 o potencial de a jurisdição constitucional contribuir para a proteção dos direitos LGBT é analisado a partir de seis casos emblemáticos, en-volvendo adoção homoafetiva, casamento homoafetivo, pederastia, ações sobre direitos de pessoas trans, doação de sangue e criminalização da homofobia. No quinto e último capítulo, Daniel analisa as “consequências indiretas” da judiciali-zação dos direitos LGBT. Nele destaca que, embora muito se fale e efetivamente se verifique um cenário de “judicialização da política”, o Judiciário ainda apresenta relevantes limitações de acesso a grupos de menor renda e escolaridade. De todo modo, salienta o autor que “a capacidade de a judicialização das demandas LGBT e o seu posterior julgamento aumentarem a sua saliência no debate público deve ser colocada sob perspectiva. Igualmente, a capacidade de o julgamento modificar a opinião pública diante do “efeito legitimador” do discurso judiciário é modulada pelo fato de que os direitos LGBT envolvem questões polêmicas de intensa diver-gência moral, na qual as preferências costumam estar mais arraigadas.”

Daniel não deixou de examinar os riscos de “backlash” decorrentes da expan-são da judicialização de uma pauta progressista, analisando em detalhes os “méto-dos de atuação” de bancadas conservadoras no âmbito do Congresso Nacional no sentido da neutralização ou mesmo de promover retrocessos na tutela dos direitos LGBT. Embora reconheça que a composição atual do Congresso Nacional não seja favorável ao avanço da agenda de minorias sexuais, o autor adverte para os riscos de “serem jogadas todas as fichas no Judiciário”, enfatizando a necessidade de cons-trução de candidaturas viáveis comprometidas com esta pauta, sobretudo para a reversão do quadro atual no Legislativo. Nesta esteira, conclui que “embora a arena judicial seja um importante espaço de luta política para a garantia de direitos, ela não deve ser encarada como o único caminho possível para tanto. Outros lócus de disputa e reivindicação, como a política representativa ordinária dos parlamentos e partidos e o campo informal do ativismo social persistem sendo essenciais para o avanço das pautas LGBT. Apenas a ampla mobilização é capaz de efetiva trans-formação social, e a reivindicação de direitos e mudanças jurídicas deve buscar os diversos canais e estratégias possíveis.”

Esta breve síntese já é suficiente para se perceber a relevância do trabalho do Daniel para a compreensão do fenômeno da judicialização dos direitos LGBT. Diversas razões podem ser destacadas para esse propósito. Primeiro, a sua inter-disciplinaridade, pois, para além de uma séria análise jurídica do tema, o autor elaborou um didático panorama da evolução histórica do movimento LGBT e

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compreendeu precisamente os limites políticos e institucionais inerentes ao pa-pel contramajoritário da jurisdição constitucional. Além disso, utilizou-se muito bem do direito comparado, pois as experiências internacionais escolhidas se mos-traram claramente relevantes para o tema do livro, trazendo insights valiosos para o seu argumento. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal foi adequada-mente analisada, sem que se verificasse um excesso de otimismo ou pessimismo, que não-raro se encontram em análises menos detidas de casos paradigmáticos como os aqui tratados.

Essa abordagem séria resulta em uma compreensão madura sobre os limites e possibilidades da judicialização dos direitos LGBT no STF. Sem super-heróis ou vilões, mocinhos ou bandidos, protagonistas ou figurantes. Vislumbra, correta-mente, o Supremo Tribunal Federal como um importante locus na luta pelo reco-nhecimento de direitos de minorias sexuais, mas sem descurar das suas limitações político-institucionais. Por outro lado, o autor destaca, de modo muito apropria-do, que a crença de minorias sexuais na atuação contramajoritária da jurisdição constitucional, sem a necessária mobilização na sociedade civil e a articulação de candidaturas viáveis, não é uma boa estratégia de atuação. O cotejo entre o reco-nhecimento dos direitos dos homossexuais com os das pessoas trans consiste em excelente exemplo disso. A articulação social, com atuação de movimentos sociais organizados perante os três poderes do Estado, a mídia, as redes sociais e os mais diversos espaços na sociedade civil, é o melhor caminho para a desconstrução do estigma, em prol de uma efetiva igualdade de direitos, meta tão importante para o Brasil contemporâneo.

Itaipava, outono de 2017.

RODRIGO BRANDÃOProfessor de Direito Constitucional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro

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APresentAção

O Brasil vive momento triste, com governantes ilegítimos, graves retrocessos no campo dos direitos fundamentais e o crescimento assustador do conservadoris-mo – quando não do próprio fascismo – no âmbito da sociedade. A UERJ também atravessa crise terrível, que ameaça a sua própria sobrevivência. Em momento tão difícil, ler um livro como o de Daniel Carvalho Cardinali é um sopro de esperança e de alegria.

O livro corresponde à sua brilhante dissertação de Mestrado, aprovada na UERJ com distinção, louvor e indicação para publicação, perante banca compos-ta pelos professores Rodrigo Brandão (orientador), Roger Raupp Rios e por mim. Trata-se de trabalho de excepcional qualidade sobre tema extremamente relevante: “a judicialização dos direitos LGBT no STF: limites, possibilidades e consequências”.

O livro é denso, criativo e muito bem escrito. A obra se inicia com a exposi-ção da trajetória histórica do movimento LGBT brasileiro, com destaque para suas reivindicações jurídicas. Em seguida, passa-se à análise da judicialização dos direitos LGBT no Direito Comparado, com destaque para a atuação das cortes nos Estados Unidos, Colômbia e Argentina – todas elas com decisões importantes nessa matéria.

O autor segue com a discussão das formas de acesso da sociedade ao Supremo Tribunal Federal. Neste capítulo, destaco a desmistificação do discurso apologético da plena democratização da jurisdição constitucional no Brasil. Em seguida, a obra se dedica à análise da atuação do STF em casos já julgados e ainda em tramitação naquele tribunal – união homoafetiva, “pederastia” nas Forças Armadas, direitos de pessoas trans, doação de sangue de homossexuais masculinos e criminalização da homofobia. O estudo não se limita à discussão dos argumentos apresentados publicamente pelas partes e ministros, mas também busca aferir o impacto de as-pectos extrajurídicos sobre os julgamentos.

O último capítulo contém arguta análise das estratégias e consequências da judicialização dos direitos LGBT, com a apreciação do seu impacto sobre o debate público e sobre a esfera política. Cardinali discute a questão do backlash, enfati-zando as reações negativas de setores do Congresso Nacional e da sociedade civil contra avanços na esfera jurisdicional na proteção dos direitos dos homossexuais.

Destaco várias características importantes da obra. Em primeiro lugar, a ma-turidade das reflexões do autor. Apesar de militante engajado na causa dos direitos

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LGBT, Daniel Carvalho Cardinali não é inocente nem panfletário. Ele não se deixa seduzir por visões romantizadas sobre a atuação do STF, e revela pleno conhecimen-to da complexidade do litígio estratégico de direitos humanos na área da sua pesqui-sa, no contexto de uma sociedade e de um sistema político conservadores, em que as ameaças de retrocessos e retaliações sempre sobrepairam a atuação jurisdicional.

Saliento também a riqueza e interdisciplinaridade da pesquisa realizada. Tra-ta-se de estudo denso, que recorre às melhores fontes nacionais e estrangeiras sobre o tema analisado. A obra é de Direito Constitucional, mas dialoga de modo fértil com outras disciplinas, especialmente as Ciências Políticas e a História.

Cardinali tem ideias próprias, que sabe apresentar de forma clara e elegante, em texto saboroso e fácil de ler. O livro foi uma dissertação de mestrado, mas, pela qualidade e originalidade das ideias, preencheria certamente todos requisitos para aprovação também como tese de doutorado.

Tive o prazer de ser professor de Daniel Carvalho Cardinali em várias maté-rias no Mestrado em Direito Público da UERJ. Nas aulas, ele revelava o seu bri-lhantismo e espírito crítico, que também afloram neste belo livro.

Nesse momento de retrocessos na proteção dos direitos fundamentais, e em que o próprio STF parece por vezes titubear no desempenho do seu papel de prote-tor de minorias vulneráveis, a publicação de obra de tamanha qualidade, por jovem autor tão promissor, é fato que deve ser comemorado não só pela comunidade jurídica, mas por todas aqueles que se importam com os direitos fundamentais e com a emancipação social.

DANIEL SARMENTOProfessor Titular de Direito Constitucional da UERJ