linguistica II

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SUMRIO

lIngStICa II 1. sEmntICa formaL ............................................................. lIng II 05 2. sEmntICa da EnunCIao E sEmntICaCognItIVa ............................................................................... lIng II 17

3. sntEsE Para auto-aVaLIao ....................................... lIng II 27 4. PragmtICa ........................................................................... lIng II 33 5. anLIsE da ConVErsao ............................................... lIng II 49 6. sntEsE Para auto-aVaLIao ....................................... lIng II 61 7. LIngstICa tExtuaL .......................................................... lIng II 65 8. do tExto ao dIsCurso ..................................................... lIng II 77 9. sntEsE Para auto-aVaLIao ....................................... lIng II 85 10. anLIsE dE dIsCurso ........................................................ lIng II 89 11. HEtErogEnEIdadE EnunCIatIVa .................................. lIng II 101 12. sntEsE Para auto-aVaLIao ...................................... lIng II 111 13. BaKHtIn, dIaLogIsmo E gnErosdo dIsCurso ........................................................................ lIng II 115

14. Estudos sEmItICos ....................................................... lIng II 129 15. sntEsE Para auto-aVaLIao ..................................... lIng II 145

REFERnCIa CRUZaDalingstica II

apOStIlaatIVIDaDE1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15

IntERnEtatIVIDaDE1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15

aSSUntOsEmntICa formaL sEmntICa da EnunCIao E sEmntICa CognItIVa sntEsE Para auto-aVaLIao PragmtICa anLIsE da ConVErsao sntEsE Para auto-aVaLIao LIngstICa tExtuaL do tExto ao dIsCurso sntEsE Para auto-aVaLIao anLIsE dE dIsCurso HEtErogEnEIdadE EnunCIatIVa sntEsE Para auto-aVaLIao BaKHtIn, dIaLogIsmo E gnEros do dIsCurso Estudos sEmItICos sntEsE Para auto-aVaLIao

aSSUntOVdeoaula 1 Vdeoaula 2 auto-avaliao Vdeoaula 3 Vdeoaula 4 auto-avaliao Vdeoaula 5 Vdeoaula 6 auto-avaliao Vdeoaula 7 Vdeoaula 8 auto-avaliao Vdeoaula 9 Vdeoaula 10 auto-avaliao

SEMntICa FORMal oBjEtIVos

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Introduzir os estudos de semntica e abordar fundamentos e princpios de anlise da semntica formal.

tExtoEm linhas gerais, a semntica o campo da Lingstica que se ocupa do estudo do significado. Lembremos que, com bases nos ensinamentos de ferdinand de saussure, o significado no a coisa nomeada pelo signo e sim um conceito, uma idia. ao definir a relao entre significante e significado, duas grandezas que constituem o signo lingstico, saussure (1916) postula que o significante a imagem acstica do signo, de ordem fonolgica, e o significado o conceito, a idia, de ordem semntica.

de acordo com Pietroforte e Lopes (2003, p. 113), duas hipteses podem ser levantadas quando se trata de construir e investigar sentidos na linguagem: [...] seria a estruturao do mundo em categorias algo previamente constitudo nas prprias coisas ou dependeria ela das diferentes maneiras de olhar para o mundo? a primeira hiptese revela uma teoria ancorada no referente externo linguagem nas prprias coisas e independe da insero scio-histrica e cultural dos sujeitos. Para essa viso, as lnguas naturais seriam como que nomenclaturas apensas s coisas e um mundo preliminarmente discretizado, recortado (PIEtrofortE; LoPEs, 2003, p. 113-114). a segunda hiptese sugere uma teoria da linguagem que privilegia os diferentes modos de olhar as coisas do mundo, de forma a priorizar o ponto de vista e no o objeto. nessa perspectiva, possvel dizer, por exemplo, que sujeitos pertencentes a comunidades lingsticas distintas no vem o mundo da mesma maneira e podem atribuir diferentes sentidos a um mesmo objeto. as diferentes maneiras de tratar a linguagem e seus sentidos, ilustradaslIng II 5

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acima pela apresentao de duas hipteses, revelam embates entre as vrias formas de tratar o significado e apontam para a existncia de diferentes semnticas e de diferentes sentidos para significado. Essa pluralidade terico-metodolgica introduzida pela breve apresentao de trs formas de fazer semntica: a semntica formal, a semntica da Enunciao e a semntica Cognitiva. Pires de oliveira (2001, p.19) sintetiza o papel dessas linhas de estudo ao mostrar como uma ocorrncia lingstica a pressuposio recebe tratamento diferenciado em cada abordagem. uma mesma sentena o homem de chapu saiu pode ser analisada: pela semntica formal h uma pressuposio de existncia: existe um e apenas um indivduo tal que ele homem e est de chapu e saiu; pela semntica da Enunciao ocorre a presena da polifonia, a voz de mais de um enunciador: uma fala (voz) que diz que h um indivduo, outra, que ele est de chapu e outra, que ele saiu; pela semntica Cognitiva a sentena descrita a partir da hiptese de que na sua interpretao formamos espaos mentais: o espao mental em que h um homem.

Procuraremos ampliar a abordagem dessas trs linhas como um recorte terico de estudos que vm se desenvolvendo no Brasil, mas sem desconsiderar a existncia da semntica lexical, da semntica argumentativa, da semntica textual, da semntica discursiva... no se trata de reconhecer perspectivas totalmente incompatveis, posto que todas elas investigam o significado, e o significado possui vrios ngulos. tratase, sobretudo, de observar como as diversas teorias recortam o objeto e estabelecem ou privilegiam aspectos envolvidos na anlise do significado. desenvolvemos nesta aula estudos de semntica formal. a Semntica Formal Para mller e Viotti (2003, p. 140), a semntica formal pode ser descrita como um programa de pesquisa que procura responder s seguintes perguntas: o que representam ou denotam as expresses lingsticas? Como calculamos o significado de expresses complexas a partir dos significados de suas partes? a semntica formal considera como propriedades centrais das lnguas humanas a referencialidade e a produtividade.

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Por referencialidade, entende-se o significado como uma relao entre a linguagem e aquilo sobre o que a linguagem fala. falamos sobre objetos, fatos,acontecimentos, pessoas... Esse mundo sobre o qual falamos por meio da linguagem pode ser tomado como real ou parte dele, ou ainda como mundo ficcional ou hipottico. nesse paradigma, conhecer o significado de uma sentena , em parte, conhecer suas condies de verdade, isto , saber em que circunstncias, no mundo, aquela sentena pode ser considerada verdadeira ou falsa (mLLEr; VIottI, 2003, p. 139). Por exemplo, quando ouvimos uma frase como H um ladro na casa, no sabemos se ela verdadeira ou falsa, mas sabemos em que situaes ela seria verdadeira, j que esse conhecimento semntico (e gramatical) em sua natureza; faz parte do nosso conhecimento do significado da sentena, mesmo considerando variveis como o ladro est no quarto, o ladro est sobre o telhado etc. Construmos as suas condies de verdade a partir do significado dos elementos que a constituem h (tem, existe), um, ladro (indivduo que furta ou rouba), na, casa (imvel, moradia). o significado a descrio de uma situao. Para a semntica formal, se no conhecemos as condies em que uma sentena verdadeira, no conhecemos seu significado. Considera, nessa perspectiva, que construmos o significado da sentena pelo significado de suas partes. no que concerne produtividade, outra propriedade central das lnguas naturais, mencionada acima, torna possvel produzir e compreender significados novos, no s pela flexibilidade de criao de novas palavras como tambm pela possibilidade de construir e compreender novas sentenas. Por meio de tal propriedade, possvel perceber que: cada parte de uma sentena contribui de forma sistemtica para a construo de seu significado e de suas condies de verdade: Maria inteligente. (Composio s + P = o sujeito maria pertence ao conjunto das pessoas inteligentes e assim descrito no predicado.) Maria inconstante. (Composio s + P = o sujeito maria pertence ao conjunto das pessoas inconstantes, tal como descreve o predicado.) Maria inteligente, mas inconstante. (denotao de sentenas coordenadas = maria simultaneamente inteligente e inconstante, numa soma das situaes descritas anteriormente.) o significado de uma sentena no determinado apenas pelo significado de suas palavras, mas tambm por sua estrutura gramatical: Maria deixou Joo. (maria ocupa a posio e a funo de sujeito agente em relao ao processo verbal.) Joo deixou Maria. (joo ocupa a posio e a funo de sujeito agente em relao ao processo verbal.) Em (b), percebemos que no o significado das palavras analisadas individualmente o responsvel pelo sentido, mas sim a disposio das palavras na sentena,lIng II 7

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em uma estrutura sinttica relacionada estrutura argumental do verbo, para determinar quem o sujeito (agente) e quem o objeto (paciente) em cada frase. a introduo de uma estrutura sentencial que possibilita semntica avanar para alm do estudo do significado das palavras, afirmam mller e Viotti (2003, p 140). ainda no campo de estudos da semntica formal e para entender relaes semnticas no nvel da palavra e do sintagma, correspondentes a propriedades equivalentes no nvel da sentena, necessrio entender a diferena entre as noes de sentido e de referncia. Para esclarecer a diferena entre sentido e referncia, o lgico alemo gottlob 1 frege prope uma analogia com um telescpio voltado para a lua. A lua a referncia: sua existncia e propriedade independem daquele ou daquela que a observa. Ela pode, no entanto, ser olhada a partir de diferentes perspectivas, e observla de um ngulo pode nos ensinar algo novo sobre ela. A imagem da lua formada pelas lentes do telescpio o que tanto eu quanto voc vemos. Essa imagem compartilhada o sentido. Ao mudarmos o telescpio de posio, vemos uma face diferente da mesma lua, alcanamos o mesmo objeto por meio de outro sentido. Lembremos que a imagem mental que cada um de ns forma da imagem objetiva do telescpio est fora dos interesses da Semntica (PIRES DE OLIVEIRA, 2001, p. 22). nessa perspectiva, entende-se que o sentido s nos permite conhecer algo se a ele corresponder uma referncia. Em outros termos, o sentido permite alcanarmos um objeto no mundo, mas o objeto no mundo que nos permite formular um juzo de valor, ou seja, avaliar se o que dizemos falso ou verdadeiro. a verdade no est, pois, na linguagem, mas nos fatos do mundo (PIrEs dE oLIVEIra, 2001, p.22). dessa interpretao, entende-se que a linguagem apenas instrumento de alcance da verdade ou da falsidade. Para frege, mas no para a Semntica Formal contempornea, sentenas que falam de personagens fictcios carecem de valor de verdade. uma sentena ficcional, por exemplo Papai noel tem barba branca, no pode ser cognitiva, porque ela no se refere a um objeto real (PIrEs dE oLIVEIra, 2001, p. 22). Relaes semnticas no nvel da palavra e da sentena as sentenas constituem-se de palavras e sintagmas que estabelecem nexos1. gottlob frege (1848 1925) traz para a semntica em geral a noo de significado. afirma que o estudo cientfico do significado s possvel quando se diferenciam seus diversos aspectos e se retm apenas aqueles que so objetivos.lIng II 8

atIVIdadE 1 semnticos para que se produzam sentidos. as relaes semnticas no nvel sentencial constroem-se por meio de mecanismos da lngua e das propriedades de tais mecanismos para a constituio do significado. a seguir, ilustramos esses mecanismos lingsticos. Sentido e referncia de acordo com Ilari (2006, p. 176), entende-se por referncia a operao lingstica por meio da qual selecionamos no mundo que nos cerca um ou mais objetos (isto , pessoas, coisas, acontecimentos) especficos, tomando-os como assunto de nossas falas. o significado de uma sentena possui tanto um sentido quanto uma referncia. Em determinadas situaes, pode-se identificar um mesmo referente em sentenas distintas (elas apontam para um mesmo objeto), mas com sentidos diferentes. Para ilustrar, transcrevemos exemplos de mller e Viotti (2003, p. 143), observados em (1), (2) e (3): (1) o organizador do livro Introduo Lingstica I jos Luiz fiorin. (2) o indivduo que organizou o livro Introduo Lingstica I o indivduo nomeado pela expresso Jos Luiz Fiorin. (3) jos Luiz fiorin jos Luiz fiorin. (4) jos Luiz fiorin = jos Luiz fiorin na anlise das autoras, a sentena (2) parece descrever bem o significado da sentena (1). no entanto, se verdade que (2) explicita o significado de (1), teremos que aceitar a sentena (3) como sinnima de (1), j que em ambas afirmamos uma relao de igualdade entre um indivduo e ele mesmo, tal como representamos em (4). Contudo, se observarmos bem, as sentenas (1) e (3) no dizem a mesma coisa, no so sinnimas. a sentena (1) informativa. sua veracidade precisa ser verificada no mundo, posto que no se estabelece a priori. j a sentena (3) traduz a obviedade de que um indivduo igual a ele mesmo. Essa uma verdade estabelecida independentemente dos fatos do mundo (mLLEr; VIottI, 2003, p. 143). Essa perspectiva de anlise pe de lado o postulado de frege de que a referncia de uma sentena o seu valor de verdade. Como vimos acima, nem sempre se preserva a verdade de um raciocnio pela substituio de duas expresses com a mesma referncia. a esse respeito, acrescentam mller e Viotti (2003, p. 144): [...] podemos entender por que (1) uma sentena informativa e (3) no : as expresses o organizador do livro Introduo Lingstica I e Jos Luiz Fiorin tm a mesma referncia, ou seja, elas apontam para o mesmo indivduo no mundo. Entretanto, elas possuem sentidos diferentes. Elas nos informam que o indivduo JoslIng II 9

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atIVIdadE 1 Luiz Fiorin pode ser encontrado no mundo por caminhos diferentes. Por isso que podemos dizer que aprendemos algo com a sentena (1) e no com a sentena (3).

finalizamos este item reiterando que palavras, sintagmas e sentenas estabelecem relaes semnticas. Essas relaes ora se manifestam entre os sentidos, ora entre as referncias. acarretamento e pressuposio a noo de acarretamento depende da noo de hiponmia. a hiponmia pode ser definida como a relao de sentido entre palavras, de tal modo que o significado de uma inclui-se no significado da outra. a hiponmia ope-se hiperonmia. Hipnimos e hipernimos so palavras pertencentes a um mesmo campo semntico. o hipnimo uma palavra de sentido mais especfico e o hipernimo, de sentido mais genrico, como ilustram Cereja e magalhes (2005, p. 389): Comprou um computador, um monitor, um teclado e uma impressora para o escritrio, pois, sem esse equipamento, no conseguiria dar conta do trabalho. Computador, monitor, teclado e impressora pertencem a um mesmo campo semntico o universo da informtica. a palavra equipamento engloba todas as outras e denota um sentido mais amplo, geral. no campo semntico universo da informtica, computador, monitor, teclado e impressora so hipnimos de equipamento que, por sua vez, um hipernimo dessas palavras. Para chegar noo de acarretamento, consideramos que a noo de hiponmia estende-se sentena: (5) jlia continua a escrever poemas. (6) jlia escreveu poemas. a sentena (5) acarreta a sentena (6). Em (6) temos hipnimo de (5). Entretanto e de acordo com mller e Viotti (2003, p. 145), enquanto a relao de hiponmia uma relao que pode se estabelecer tambm entre sentidos, acarretamento uma relao que se estabelece exclusivamente entre referncias. a noo de acarretamento formalmente definida com base no conceito de verdade, que a referncia de uma sentena. uma sentena acarreta uma outra sentena se a verdade da primeira garante, necessariamente, a verdade da segunda, e a falsidade da segunda garante, necessariamente, a falsidade da primeira. Para verificar que (5) acarreta (6), consideramos que se verdade que Jlia continua a escrever poemas, tambm verdade que ela escreveu poemas. Interpretamos essas sentenas em um mesmo mundo e com base em um mesmo referencial temporal. Identificamos na locuo continua a escrever

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atIVIdadE 1 uma ao-processo em continuidade espao-temporal, o que nos permite tambm afirmar que tal ao-processo iniciou-se no passado em outro momento, jlia escreveu poemas. uma noo prxima de acarretamento a noo de pressuposio2. de acordo com rodolfo Ilari (2006, p. 85), diz-se que uma informao pressuposta quando ela se mantm mesmo que neguemos a sentena que a veicula. Ilari assim exemplifica: Se algum nos disser que o carro parou de trepidar depois que foi ao mecnico conclumos que o carro trepidava antes de ir ao mecnico; se esse mesmo algum nos disser que o carro no parou de trepidar apesar de ir ao mecnico, tambm concluiremos que o carro trepidava antes (ILARI, 2006, p. 85). nesses exemplos, o verbo parar introduz uma pressuposio, tanto no contexto parou de trepidar quanto no contexto no parou de trepidar, pois os interlocutores reconhecem que o carro trepidava antes (no seria possvel parar de trepidar sem que isso acontecesse antes). Como diferenciar um caso de pressuposio de um caso de acarretamento? a diferena pode ser constatada em contextos que preservam pressuposies mas no acarretamentos, como segue: (7) a. o carro parou de trepidar. b. o carro parou de trepidar? c. o carro no parou de trepidar. d. Eu lamento que o carro no tenha parado de trepidar. e. se o carro parou de trepidar, ento seu desempenho deve ter melhorado.

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as sentenas a, c, d, e tanto pressupem quanto acarretam o carro trepidava. a sentena b apenas pressupe, pois, como j vimos, o acarretamento definido em termos de preservao da verdade. Em b, temos uma pergunta e no podemos atribuir a ela nem verdade nem falsidade, logo a noo de acarretamento no se aplica. Sinonmia e parfrase a sinonmia define-se como a relao entre expresses lingsticas que tm sentidos semelhantes. a parfrase consiste na relao de sinonmia entre sentenas. no contexto de (8) e (9), a seguir, carro e automvel podem ser consideradas expresses sinnimas:2. trata-se aqui de pressuposio lgica, tambm um tipo de implicao. outras noes de pressuposio podem ser encontradas nos estudos do significado.lIng II 11

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atIVIdadE 1 (8) o mecnico consertou o carro. (9) o mecnico consertou o automvel.

j em (10) e (11) temos sentenas em relao de parfrase, construdas pelo mecanismo lingstico de emprego de voz verbal ativa e passiva. Embora sejam sentenas estruturalmente sinnimas, h diferenas na forma de organizar a informao e enfatizar um ou outro elemento. Como vimos nos estudos de sintaxe, a voz verbal ativa apresenta em tpico o constituinte que exerce a funo e sujeito agente em relao ao processo verbal. na voz verbal passiva analtica, o constituinte topicalizado o paciente da voz verbal (o objeto-alvo do processo verbal). (10) o mecnico consertou o carro. (11) o carro foi consertado pelo mecnico. Podemos dizer, ainda, que (10) acarreta (11): se verdade que o mecnico consertou o carro, tambm verdade que o carro foi consertado pelo mecnico. Para mller e Viotti (2003, p. 150), a escolha entre sentenas estruturalmente sinnimas no se d de maneira impensada, inocente. dizem as autoras que o que tema ou informao velha na forma ativa, rema ou informao nova na voz passiva, e vice-versa. nos exemplos acima, constatamos que as formas ativa e passiva alteram a organizao informacional das sentenas, de forma a percebermos que as relaes entre sentenas no se esgotam nas relaes lgicas que estabelecem. Contradio Quando duas expresses tm sentidos incompatveis com a mesma situao, so expresses contraditrias, de modo que se perceba estar a noo de contradio ligada s noes de acarretamento e de sinonmia. a relao lexical comumente chamada antonmia (oposio) pode ou no envolver contradio, como ilustram mller e Viotti (2003, p. 151): (12) Carlos nasceu na Bahia. (13) Carlos morreu na Bahia. afirmam as autoras que embora as sentenas apresentem itens lexicais considerados opostos, no h contradio, pois nascer e morrer no so processos contraditrios, mas momentos extremos do processo de viver. Com os exemplos a seguir, observamos uma relao de antonmia que contraditria. o par de sentenas no pode ser simultaneamente verdadeiro ou simultaneamente falso:

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atIVIdadE 1 (14) Comprei um carro novo. (15) Comprei um carro velho. Em algumas situaes, a existncia de contradio produz um significado metafrico ou irnico colocado em discurso pelos interlocutores, como em joo e maria no se casaram. foi a maria que se casou com joo. ambigidade

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Como vimos nos estudos de sintaxe, uma sentena torna-se ambgua quando oferece diferentes possibilidades de relao entre constituintes, das quais decorrem diferentes sentidos: (16) o monge caminhava para o convento silencioso. (17) o monge caminhava silencioso para o convento. (18) o monge caminhava para o silencioso convento. as diferentes relaes entre constituinte observadas em (17) e (18) desfazem a ambigidade presente em (16). H, porm, ambigidades que no decorrem da estruturao de constituintes sentenciais. manifestam-se por elementos lexicais ou pelo contexto de uso da linguagem. a foto de um outdoor, apresentada abaixo, ilustra um caso em que a sentena ambgua porque a palavra coroa ambgua no contexto:

Esse tipo de ambigidade intencional ocorre com freqncia em anncios publicitrios, charges, cartoons, textos humorsticos e poticos. trata-se de um recurso expressivo utilizado para atender s especificidades do gnero de texto no que concerne sua funo social. Relaes diticas e anafricas as relaes diticas dizem respeito ao uso de diticos que se interpretamlIng II 13

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por referncia a elementos do contexto extralingstico, por exemplo, os pronomes eu e voc/tu, de primeira e segunda pessoa, respectivamente, os quais remetem pessoa que fala e pessoa com quem se fala. Ditico todo elemento lingstico que, num enunciado, faz referncia: (1) situao em que esse enunciado produzido; (2) ao momento do enunciado (tempo e aspecto do verbo); (3) ao falante (modalizao) (duBoIs et al., 2007, p. 167). as referncias situao, ao momento e ao sujeito da linguagem constituem a dixis. os diticos manifestam-se como pronomes demonstrativos, advrbios de lugar e de tempo, pronomes pessoais, artigos (o que est prximo oposto a o que est distante), entre outros, e constituem aspectos indiciais da lngua. (19) meus amigos viro me visitar neste sbado. meus = pronome possessivo que indica a marca da pessoa que fala (1 pessoa). Viro [...] neste sbado = o tempo verbal aliado expresso adverbial de tempo constituda pelo pronome demonstrativo neste indica futuro prximo (o sbado mais prximo). Ilari (2006, p. 55) chama de anafricas as expresses que se interpretam por referncia a outras passagens do texto e servem para retomar outras passagens do texto, como em: (20) a gasolina subiu de novo, e isso vai gerar outros aumentos de preo (= a palavra isso, nesse contexto, faz referncia ao aumento da gasolina). (21) Eles viro me visitar neste sbado (em referncia a meus amigos, no exemplo 19, acima). Relaes de escopo de acordo com mller e Viotti (2003, p. 154), relaes de escopo so as relaes que se estabelecem quando a interpretao de uma expresso depende da interpretao de outra, como ilustram as autoras: (22) Vrios eleitores escolheram um candidato jovem. a sentena pode significar que um certo candidato jovem foi escolhido por vrios eleitores ou que cada um entre os eleitores escolheu um candidato jovem, mas no necessariamente o mesmo. a interpretao da sentena depende da relao de distribuio entre vrios eleitores e um candidato. Como podemos notar, a sentena ambgua. a abordagem dos fundamentos de semntica

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atIVIdadE 1 formal encerra-se aqui, com a expectativa de que outras leituras sejam feitas para ampliar o conhecimento desse campo dos estudos lingsticos. na prxima unidade, trataremos de semntica da Enunciao e semntica Cognitiva.

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rEfErnCIasCErEja, Willian; magaLHEs, thereza Cochar. Gramtica reflexiva: texto, semntica e interao. so Paulo: atual, 2005. duBoIs, j. et al. Dicionrio de lingstica. 15. ed. so Paulo: Cultrix, 2007. ILarI, r. Introduo Semntica: brincando com a gramtica. 6. ed. so Paulo: Contexto, 2006. mLLEr, a. L. de P.; VIottI, E. de C. semntica formal. In: fIorIn, j. L. (org.). Introduo Lingstica II: princpios de anlise. 2. ed. so Paulo: Contexto, 2003. PIEtrofortE, a. V.; LoPEs, I. C. a semntica lexical. In: fIorIn, j. L. (org.). Introduo lingstica II: princpios de anlise. 2. ed. so Paulo: Contexto, 2003. PIrEs dE oLIVEIra, r. semntica. In: mussaLIn, f.; BEntEs, a. C. (orgs.). Introduo lingstica: domnios e fronteiras. so Paulo: Cortez 2001. v. 2. saussurE, ferdinand de (1916). Curso de lingstica geral. so Paulo: Cultrix, 2003.

anOtaES

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atIVIdadE 1

anOtaES

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SEMntICa Da EnUnCIaO E SEMntICa COgnItIVa

atIVIdadE 2

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oBjEtIVoapresentar fundamentos de semntica da Enunciao e de semntica Cognitiva e como essas linhas tericas investigam a linguagem.

tExtono captulo semntica, em Introduo lingstica: domnios e fronteiras1, Pires de oliveira (2001, p. 19) prope discutir como a pressuposio tratada pela semntica formal, pela semntica da Enunciao e pela semntica Cognitiva. Como vimos anteriormente, a partir de uma sentena o homem de chapu saiu a autora apresenta as seguintes interpretaes: para a semntica formal, h uma pressuposio de existncia: existe um e apenas um indivduo tal que ele homem e est de chapu e saiu; para a semntica da Enunciao, h na sentena a presena da polifonia, a voz de mais de um enunciador: uma fala que diz que h um indivduo, outra, que ele est de chapu e outra, que ele saiu; para a semntica Cognitiva, h a hiptese de que na interpretao da sentena formam-se espaos mentais: o espao mental em que h um homem.

na aula anterior, tratamos dos fundamentos de semntica formal. nesta, apresentamos e discutimos as perspectivas tericas da semntica da Enunciao e da semntica Cognitiva no estudo do significado. a Semntica da Enunciao as crticas de oswald ducrot concepo de linguagem que subsidia a semntica formal possibilitaram o surgimento de um outro modelo a semntica da Enunciao. ducrot considera inadequado o tratamento da semntica formal por ela se respaldar num modelo informacional que situa o conceito de verdade externamente linguagem. Na Semntica Formal, a linguagem um meio para alcanarmos uma verdade que est fora da linguagem, o que nos permite falar objetivamente sobre o mundo e, conseqentemente, adquirir um conhecimento seguro sobre ele. possvel que o conceito de referncia em Frege1. mussaLIm; BEntEs, 2001.lIng II 17

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atIVIdadE 2 esteja mesmo revestido de tal realismo: a metfora do telescpio deixa claro que o objeto descrito, a lua, no uma funo da descrio dada, do sentido. o nosso conhecimento da lua que depende do sentido. Vemos a lua a partir de pontos de vista diferentes, no vemos luas diferentes (PIRES DE OLIVEIRA, 2001, p. 27).

a semntica da Enunciao trata o significado como o resultado de um jogo argumentativo criado na linguagem e por ela. a noo de enunciao formulada por oswald ducrot nos anos 1970 considerada como o acontecimento correspondente produo do enunciado, uma abordagem anloga de mile Benveniste2. Para ducrot (apud PaVEau; sarfatI, 2006, p. 178), [a enunciao] o acontecimento histrico constitudo pelo fato de que um enunciado foi produzido, isto , que uma frase foi realizada. Pode-se estud-lo buscando as condies sociais e psicolgicas que determinam essa produo. [..] Mas podese tambm estudar [...] as aluses que um enunciado faz enunciao, aluses que fazem parte do sentido mesmo desse enunciado. Um tal estudo se deixa conduzir de um ponto de vista estritamente lingstico, na medida em que todas as lnguas comportam palavras e estruturas cuja interpretao faz necessariamente intervir o fato da enunciao. Com essa abordagem, ducrot distingue entre frase e enunciado e, como afirma acima, adota um ponto de vista estritamente lingstico. Para ele, a frase o encaixamento sintagmtico virtual e o enunciado o segmento efetivamente produzido pelo locutor (PaVEau; sarfatI, 2006, p. 179). Em seu estudo Ls motes du discours (as palavras do discurso, 1980), ducrot integra o conceito de polifonia e coloca em discusso a unicidade do sujeito. Em outro momento (1929), o pensador russo mikhail Bakhtin j apresentava tal conceito em suas reflexes. Embora Bakhtin e ducrot no falem da mesma coisa, tm em comum um mesmo objetivo a multiplicidade de vozes que se manifestam na linguagem, seja no nvel textual, seja no discursivo. Bakhtin utiliza o termo polifonia em 1929 ao estudar a criao em dostoievski, Bakhtin discute as relaes de reciprocidade entre o autor e o heri, o que sintetiza sua descrio na noo de polifonia3, fundada no princpio dialgico. ducrot, no quadro terico da semntica da enunciao, resgata o dialogismo bakhtiniano quando o considera como princpio constitutivo da linguagem e do sentido dos2. o conceito e enunciao de mile Benveniste discutido no prximo contedo, destinado aos estudos de Pragmtica. 3. os postulados de mikhail Bakhtin sero retomados na matria 5, atividade 13 videoaula 9.lIng II 18

atIVIdadE 2 enunciados. Em seu Esboo de uma teoria polifnica da enunciao (1984/1987), ducrot contesta a tese da unicidade do sujeito falante, especificada a partir de trs propriedades (Brando, 1995, p. 57):

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o sujeito encarregado de toda atividade psicofisiolgica necessria produo do enunciado; o sujeito o autor, a origem dos atos ilocutrios executados na produo do enunciado (atos do tipo da ordem, da pergunta, da assero...); alm da produo fsica do enunciado e da execuo dos atos ilocutrios, habitual atribuir ao sujeito falante uma terceira propriedade, a de ser designado em um enunciado pelas marcas da primeira pessoa quando elas designam um ser extralingstico: ele , neste caso, suporte dos processos expressos por um verbo cujo sujeito eu, o proprietrio dos objetos qualificados de meus, ele que se encontra no lugar chamado aqui... E toma-se conseqentemente que este ser designado por eu ao mesmo tempo o que produz o enunciado, e tambm aquele cujo enunciado exprime as promessas, ordens, asseres etc.

a teoria polifnica de ducrot, contrria a essa tese de unicidade do sujeito, estabelece que o sujeito que produz psicofisiologicamente o enunciado, aquele que diz eu ou/e origina os atos ilocutrios no so obrigatoriamente o mesmo. distingue, assim, locutor e enunciador e, com base na teoria da narrativa apresentada por genette (Figures III, 1972), faz duas distines, tal como apresenta Brando (1995, p. 58): Primeira distino: locutor/sujeito falante emprico. A teoria de Genette faz aparecer na narrativa duas instncias semelhantes s por ele detectadas na linguagem ordinria. Podemos esquematizar assim as suas colocaes:

A figura do locutor corresponde figura do narrador da teoria de Genette. O locutor o ser apresentado como responsvel pelo dizer, mas no um ser no mundo, pois se trata de uma fico discursiva. aquele que fala, que conta, que tido como fonte do discurso. a ele que referem o pronome eu e as outras marcas da primeira pessoa.lIng II 19

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atIVIdadE 2 Assim como o narrador se distingue do autor, o locutor se distingue do sujeito falante emprico o produtor efetivo do enunciado e exterior ao seu sentido. Segundo Genette, o autor de uma narrativa (romancista ou novelista) mobiliza um narrador, responsvel pela narrao e que tem caractersticas diferentes das de um autor. Dentre essas caractersticas, citam-se trs: a primeira, desenvolvida por Genette, diz respeito atitude do narrador em relao aos acontecimentos relatados: enquanto o autor imagina ou inventa estes acontecimentos, o narrador os relata; a segunda relaciona-se com o tempo: o tempo gramatical utilizado num relato pode muito bem no tomar como ponto de referncia o momento em que o autor escreve, mas aquele em que o narrador conta. Por exemplo, um autor, vivendo em 1991, pode imaginar um narrador, vivendo no ano 2100, que conta o que se passou no ano 2000; a terceira diz respeito existncia emprica que predicado necessrio ao autor, mas pode ser recusado ao narrador. Assim, da mesma forma que o narrador um ser fictcio, interior, o locutor um ser de discurso que, pertencendo ao sentido do enunciado, est inscrito na descrio que o enunciado d de sua enunciao.

Segunda distino: locutor/enunciador Esquematicamente, o paralelo que Ducrot estabelece o seguinte: O enunciador se distingue tanto do locutor quanto do sujeito falante. a figura da enunciao que representa a pessoa de cujo ponto de

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atIVIdadE 2 vista os acontecimentos so apresentados. Corresponde ao centro de perspectiva de Genette ou ao sujeito de conscincia dos autores americanos. Se o locutor aquele que fala, que conta, o enunciador aquele que v, o lugar de onde se olha sem que lhe sejam atribudas palavras precisas. [...] Aquele que fala e aquele que v constituem papis no atribuveis a um nico ser. As atitudes expressas no discurso por um locutor podem ser atribudas a enunciadores dos quais ele se distancia, como os pontos de vista manifestos numa narrao podem ser os de sujeito de conscincia estranhos ao narrador. a polifonia no discurso relatado a polifonia pode ocorrer tanto no nvel do locutor quanto no nvel do enunciador. tentamos exemplificar tais manifestaes no discurso relatado na forma direta e na forma indireta.

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a polifonia no discurso direto manifesta-se por desdobramentos da figura do locutor. tem-se um caso de dupla enunciao e de existncia de dois locutores L1 e L2 sendo que L1 responsvel pela totalidade do enunciado e L2 responsvel por parte do enunciado, como observamos a seguir:

L1: minha filha me disse: preciso de um vestido novo. L2: preciso de um vestido novo nesse caso, as marcas lingsticas de 1 pessoa expressas pelos pronomes minha (possessivo) e me (pessoal oblquo) e pela terminao verbal em preciso referem-se a locutores diferentes. Contribuem tambm para marcar a citao da fala de algum em discurso direto o emprego de aspas (como no exemplo) ou o emprego de travesses. os verbos dicendi (verbos introdutores ou verbos de elocuo, como dizer, afirmar, responder etc.) participam da construo de sentido e possibilitam ao leitor/ouvinte depreender as apreciaes do discurso citante em relao ao discurso citado. a polifonia no discurso indireto manifesta-se tambm de forma marcada, porm de maneira menos delimitada. na formulao do discurso indireto, o locutor incorpora lingisticamente em sua fala a fala de L2. Esse tipo de construo caracteriza-se pela ocorrncia de subordinao em que, isto , a formulao de um perodo composto por subordinao, com a ocorrncia de uma conjuno integrante que ou equivalente. o exemplo dado em (a), construdo na forma indireta, resulta:

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atIVIdadE 2 L1: minha filha disse que precisa de um vestido novo.

nesse caso, L1 manifesta-se como o eu que enuncia (minha filha me disse) e incorpora um referente marcado pela terceira pessoa do discurso (ela disse, ela precisa). a conjuno integrante que introduz o complemento de dizer, a fala de L2 agora diluda na fala de L1. outros elementos lingsticos podem modalizar o enunciado e demarcar a perspectiva de quem fala, por exemplo: minha filha [afirmou] que precisa de um vestido novo [urgentemente]. a polifonia no discurso indireto livre no demarcada lingisticamente, embora o locutor fale de perspectivas enunciativas diferentes. Vejamos um exemplo em Clarice Lispector:

o tronco fora bom. mas dera aqueles azedos e infelizes frutos, sem capacidade sequer para uma boa alegria. Como pudera ela dar luz aqueles seres risonhos, fracos, sem autoridade? o rancor roncava no seu peito vazio. Uns comunistas, era o que eram; uns comunistas. olhou-os com sua clera de velha. Pareciam ratos se acotovelando, a sua famlia4. o enunciado em destaque uns comunistas, era o que eram; uns comunistas expressa a fala do locutor de sua prpria perspectiva, mas de forma ambgua reflete tambm a perspectiva da personagem. outros casos de dupla enunciao, como a negao e a ironia, so estudados por ducrot para provar a pertinncia da enunciao. no estudo da negao, encontra-se sua melhor forma de ilustrar a polifonia: todo enunciado negativo de um locutor L1 supe a existncia de um enunciado inverso/afirmativo de um locutor L2. Por exemplo, quando se diz maria no est em casa, ope-se a um ponto de vista inverso que diria sim, maria est em casa. no que concerne ironia, compete plenamente lingstica enunciativa uma vez que os sinais que a marcam so implcitos e contextuais, por exemplo, quando se diz Que gracinha! a uma criana travessa ou inconveniente. a inteno irnica do locutor impe ao interlocutor uma estratgia de decifrao que pode, s vezes, fracassar. os sinais da ironia podem ser inscritos na matria linguageira (palavras enfticas, contrastes) ou depender do sistema mimogestual (mmicas, tom) (PaVEau; sarfatI, 2006, p. 186). o conceito de polifonia de ducrot tem sido adotado e, por vezes, reformulado por muitos pesquisadores em lingstica e anlise de discurso, sobretudo no que concerne noo de historicidade, fundamental para m. Bakhtin, mas que em ducrot resume-se ao presente, ao momento concreto da enunciao.

4. Laos de famlia (contos). rio de janeiro: Editora do autor, 1965, p. 56.lIng II 22

atIVIdadE 2 a Semntica Cognitiva a semntica Cognitiva tem como um de seus marcos inaugurais a publicao de Metaphors we live by, de george Lakoff e mark johnson, em 1980. nesse campo de estudos, parte-se da hiptese de que o significado central na investigao da linguagem, uma abordagem que entra em choque com a gerativista, que defende a centralidade da sintaxe. a forma deriva da significao, porque a partir da construo de significados que aprendemos, inclusive a lgica e a linguagem. da a semntica Cognitiva se inscrever no quadro do funcionalismo (PIrEs dE oLIVEIra, 2001, p. 34). algumas particularidades da semntica Cognitiva so apresentadas a seguir, com bases em Pires de oliveira (2001):

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a semntica Cognitiva est mais prxima da semntica da Enunciao, j que ambas negam a hiptese da referncia. no entanto, difere da semntica da Enunciao, pois no se baseia na crena de que a referncia constituda pela prpria linguagem nem que a linguagem um jogo de argumentao; afirma-se na semntica Cognitiva que o significado nada tem a ver com a relao de pareamento entre linguagem e mundo. ao contrrio, o significado emerge de dentro para fora, e por isso motivado, constrise a partir de nossas interaes fsicas, corpreas, com o meio em que vivemos. o significado corpreo no exclusiva e prioritariamente lingstico. Por exemplo, o significado de nossas expresses lingsticas sobre o espao ancora-se na nossa experincia corprea com o mundo: fui do quarto para a sala; Vim de so Paulo; Estou em florianpolis; nasceu no Brasil. nos dois primeiros casos, h instncias do esquema do CamInHo (de a fonte do movimento para B alvo do movimento), proposto por Lakoff. nos dois ltimos casos, h instncias do esquema do rECIPIEntE5; Esses esquemas, organizaes cinestsicas diretamente apreendidas, carregam uma memria de movimentao ou de experincia. essa memria que ampara nosso falar e pensar. na semntica Cognitiva, o significado uma questo da cognio em geral, e no pura ou prioritariamente lingstico (PIrEs dE oLIVEIra, 2001, p. 35).

Por outro lado, nem todos os nossos conceitos resultam de esquemas5. na semntica Cognitiva, os conceitos e esquemas so sempre apresentados em caixa alta.lIng II 23

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imagticos-cinestsicos. H aqueles que dependem de mecanismos de abstrao privilegiados pela semntica Cognitiva, como a metfora e a metonmia. o termo metfora em semntica Cognitiva tem um sentido especial, diferente daquele que aprendemos na escola, a exemplo de aquele homem um leo. Essa construo para a semntica Cognitiva uma metfora lingstica, que expressa uma maneira figurada de falar; no uma metfora conceitual. Em semntica Cognitiva, o termo metfora nomeia um processo cognitivo que permite mapearmos esquemas, aprendidos diretamente pelo nosso corpo, em domnios mais abstratos, cuja experimentao indireta (PIrEs dE oLIVEIra, 2001, p. 36), como observamos nas sentenas a seguir:

de ontem para hoje, o preo dos combustveis subiu. o Congresso foi de tera a sexta-feira.

Essas sentenas so consideradas metafricas, pois organizamos dados da nossa experincia de maneira mais concreta, pelo esquema imagtico CamInHo mapeado para o domnio do tempo. Isso significa que conceituamos o tempo a partir de correspondncias com o espao. falamos, pensamos e agimos sobre o tempo como se ele fosse uma linearidade, como uma reta direcionada para o futuro (PIrEs dE oLIVEIra, 2001, p. 36). H o ponto de partida do movimento temporal ontem, na primeira sentena, e tera na segunda sentena; h um percurso que identificamos pela idia de direo das preposies para e a, isto , o tempo decorrido entre os dois pontos; e h um ponto de chegada, respectivamente hoje e sexta-feira. a metonmia, assim como a metfora, no tratada pela semntica Cognitiva como uma figura de linguagem. trata-se de um processo cognitivo que permite criar relaes de hierarquias entre conceitos, como observamos, por exemplo, em maria saiu com seu animal de estimao (PIrEs dE oLIVEIra, 2001, p. 41). diramos, provavelmente, que o animal de estimao de maria um cachorro, por se tratar de uma situao mais familiar, embora o animal de estimao pudesse ser um gato, um coelho, um hamster etc. temos em animal uma categoria genrica e em animal de estimao uma categoria superordenada com relao categoria de nvel bsico, cachorro. Com bases em experimentos da Psicologia, a semntica Cognitiva afirma que: Aprendemos primeiro e diretamente categorias como cachorro e mesa e s posteriormente, pelo processo de metonmia, as categorias genricas animal e mveis e aslIng II 24

atIVIdadE 2 particulares como boxer e mesa de cabeceira. Da mesma forma que metfora o processo para estender os esquemas imagticos, a metonmia estende as categorias (PIRES DE OLIVEIRA, 2001, p. 40).

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nas duas aulas iniciais deste semestre, em que introduzimos os estudos de semntica, constatamos que a questo do significado na Lingstica contempornea no descrita por uma metodologia nica. H diferentes modos de descrever o significado, o que nos leva a perceber, tambm, que os problemas so tratados de maneiras diferentes. Por exemplo, a categorizao interessa semntica formal e semntica Cognitiva, mas secundria na semntica da Enunciao. de certo modo, podemos dizer que a descrio semntica est relacionada viso que se tem de linguagem e de suas relaes com o mundo e o conhecimento. se entendemos que a linguagem estrutura-se logicamente, tratamos o significado com bases no instrumental da semntica formal. mas ser que podemos dizer que a linguagem lgica? Por outro lado, se adotamos o ponto de vista da semntica da Enunciao e da semntica Cognitiva, jogamos fora a idia de que a verdade tem algo a ver com o significado, de que o extralingstico tem um papel na determinao do significado. Esse tambm um postulado polmico (PIrEs dE oLIVIEra, 2001, p. 43). finalmente, entendemos que, por ser a linguagem um objeto de estudo to complexo, necessrio, por vezes, que coexistam diversos modos e mtodos de abord-la.

rEfErnCIasBrando, H. H. n. Introduo Anlise do Discurso. 4. ed. Campinas, sP: EdunICamP, 1995. duCrot, o. O dizer e o dito. rev. trad. Eduardo guimares. Campinas, sP: Pontes, 1987. PaVEau, m.-a.; sarfatI, g-. As grandes teorias da Lingstica: da gramtica comparada pragmtica. traduo de m. r. gregolin et al. so Carlos, sP: Claraluz, 2006. PIrEs dE oLIVEIra, r. semntica. In: mussaLIm, f.; BEntEs, a. C. Introduo lingstica: domnios e fronteiras. so Paulo: Cortez, 2001. v. 2.

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anOtaES

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SntESE paRa aUtO-aValIaO oBjEtIVos

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rever e fixar conceitos, fundamentos e princpios de anlise dos estudos do significado na perspectiva da semntica formal, da semntica da Enunciao e da semntica Cognitiva.

tExtoa semntica formal Busca descrever o significado, mas encontra dificuldades: 1a. dificuldade: no h consenso entre semanticistas para definir significado; 2a. dificuldade: a questo do significado est ligada aquisio do conhecimento como possvel (se que possvel) o conhecimento?

H vrias semnticas e vrias maneiras de conceber significado: Saussure: o significado se constri na diferena mesa se define por no ser cadeira, sof, abajur (posio relativista); Semntica formal o significado um termo complexo que se compe de duas partes: o sentido e a referncia: o sentido de um nome a mesa da professora o modo de representao do objeto/referncia mesa da professora (modelo lgico, relao da linguagem com o mundo, relaes entre expresses lingsticas e conceitos mentais a elas associados): todo homem mortal. joo homem. Logo, joo mortal.

o raciocnio garantido apenas pelas relaes; no se considera o sentido de homem e mortal. a contribuio de Frege (lgico alemo, 1848-1925) 1) Distino entre sentido e referncia o sentido o que nos permite chegar a uma referncia no mundo: a estrela da manh a estrela da manh. (bvio)lIng II 27

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a estrela da manh a estrela da tarde. (interpretado) descoberta da astronomia Estrela da manh e estrela da tarde so as mesmas (Vnus) dois caminhos para chegar mesma referncia. 3 + 3 = 10 4 (lgica) a referncia 6. a verdade no est na linguagem, mas nos fatos do mundo (real); a linguagem apenas o instrumento para alcanar a verdade ou a falsidade. Papai Noel tem barba branca. (a sentena carece de verdade, no cognitiva, no se refere a um objeto real). so Paulo a capital de so Paulo. (ref. Verdade) so Paulo a capital de santa Catarina. (ref. falsidade) o valor de verdade se estabelece nos argumentos que preenchem os espaos do predicado ----------- capital de ----------------- (expresso insaturada- apresenta ligao dupla, predicado de dois lugares). 2) O conceito de quantificador o predicado pode ser preenchido por uma expresso quantificada (outro tipo de argumento). uma expresso quantificada indica um certo nmero de elementos, da o termo quantificador. uma cidade de santa Catarina a capital de santa Catarina. (quantificador existencial apenas uma cidade) todos os homens so mortais. (quantificador universal aplica-se a todos os elementos aos quais se aplica o predicado ser homem) todos os meninos amam uma professora. (quantificador universal e quantificador existencial duplo sentido) o joo no convidou s a maria. (duplo sentido) - ...no s ... mas tambm...; ...s no...

Relao de escopo estabelecida quando a interpretao de uma expresso depende da interpretao de outra. a sentena Vrios eleitores escolheram um candidato jovem pode significar que um certo candidato jovem foi escolhido por vrios eleitores ou que cada um entre vrios eleitores escolheu um candidato jovem, mas no necessariamente o mesmo. assim, a interpretao da sentena depende da relao de distribuio entre vrios eleitores e um candidato. Cada aluno nesta sala leu dois livros. Cada aluno leu dois livros (possivelmente) distintos. Existem dois livros determinados que cada aluno leu.

Cada aluno tem escopo sobre dois livros.

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atIVIdadE 3 Relaes diticas (dixis) e anafricas: diticos palavras que mostram dixis ato de mostrar O presidente do Brasil socilogo.

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o artigo o um ditico mostra a situao em que a sentena proferida (o e no um ou nosso presidente socilogo); outro ditico o uso do presente do indicativo ( momento atual: fHC). pressuposio: no um fenmeno do sentido; pragmtica (frege). o presidente do Brasil no socilogo. Existe algum que presidente, mas esse algum no socilogo. (neste caso, se a pressuposio fosse semntica, poderia negar a existncia de um presidente.) a Semntica da Enunciao ducrot considera inadequada a viso de linguagem que subsidia a semntica formal. na semntica formal (frege): a linguagem se respalda num modelo informacional, em que o conceito de verdade exterior; a linguagem o meio para alcanarmos uma verdade que est fora da linguagem, o que nos permite falar objetivamente sobre o mundo e, conseqentemente, adquirir um conhecimento seguro sobre ele (relaes lgicas: 3+3 = 10-4; h dois caminhos, dois sentidos, para alcanarmos a mesma referncia); o sentido s nos permite conhecer algo se a ele corresponder uma referncia; o sentido nos permite alcanar um objeto no mundo, mas o objeto no mundo que nos permite formular um juzo de valor avaliar se o que dizemos falso ou verdadeiro. na semntica da Enunciao (ducrot): a linguagem constitui o mundo, por isso no possvel sair dela; a referncia uma iluso criada pela linguagem ao usarmos diticos (termos cujo contedo a remisso externalidade lingstica), temos a sensao/iluso de estar fora da lngua; para ducrot, a linguagem um jogo de argumentao enredado em si mesmo, pois: 1. no falamos para o mundo, falamos para construir um mundo e a partirlIng II 29

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atIVIdadE 3 dele tentar convencer nosso interlocutor da nossa verdade, verdade criada pela e nas nossas interlocues; 2. a verdade deixa de ser um atributo do mundo e passa a ser relativa comunidade que se forma na argumentao; 3. a linguagem dialogia, ou melhor, argumentao. no falamos para trocar informaes sobre o mundo, mas para convencer o outro a entrar no nosso jogo discursivo, para convenc-lo de nossa verdade. 4. nas verses atuais da semntica da Enunciao, o conceito de pressuposio substitudo pelo conceito de enunciador. um enunciado constitui-se de vrios enunciadores (vozes que dialogam e se manifestam no espao discursivo):

Brasil no aceita mais ser paisinho de terceiro mundo. E1: o Brasil j foi paisinho de terceiro mundo. E2: o Brasil aceitou ser paisinho de terceiro mundo. E3: o Brasil no um paisinho de terceiro mundo. polissemia = um mesmo enunciado se abre num leque de significados diferentes, mas relacionados. negao polmica (carter refutativo) e metalingstica (feita pela prpria linguagem): seu carro est mal estacionado! no, meu carro no est mal estacionado (porque no tenho carro). = negao polmica (nego o quadro criado por meu interlocutor, na medida em que nego o enunciador que afirma a existncia de um carro que seja meu). no, meu carro no est mal estacionado (porque est bem estacionado). = negao metalingstica (o locutor retoma a fala do outro para neg-la).

a semntica cognitiva nesse campo de estudos, parte-se da hiptese de que o significado central na investigao da linguagem, uma abordagem que entra em choque com a gerativista, que defende a centralidade da sintaxe. a semntica Cognitiva est mais prxima da semntica da Enunciao, j que ambas negam a hiptese da referncia. no entanto, difere da semntica da Enunciao, pois no se baseia na crena de que a referncia constituda pela prpria linguagem nem que a linguagem um jogo de argumentao. afirma-se na semntica Cognitiva que o significado nada tem a ver com a

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relao de pareamento entre linguagem e mundo. ao contrrio, o significado emerge de dentro para fora, e por isso motivado, constri-se a partir de nossas interaes fsicas, corpreas, com o meio em que vivemos. o significado de nossas expresses lingsticas sobre o espao ancora-se na nossa experincia corprea com o mundo: fui do quarto para a sala; Vim de so Paulo; Estou em florianpolis; nasceu no Brasil. nos dois primeiros casos, h instncias do esquema do CamInHo (de a fonte do movimento para B alvo do movimento), proposto por Lakoff. nos dois ltimos casos, h instncias do esquema do rECIPIEntE. o termo metfora, em sC, nomeia um processo cognitivo que permite mapearmos esquemas, aprendidos diretamente pelo nosso corpo, em domnios mais abstratos, cuja experimentao indireta CamInHo mapeado pelo domnio do tempo: de ontem para hoje, o preo dos combustveis subiu e o Congresso de Lingstica foi de tera a sexta-feira. a metonmia, assim como a metfora, no tratada pela semntica Cognitiva como uma figura de linguagem. trata-se de um processo cognitivo que permite criar relaes de hierarquias entre conceitos, como observamos, por exemplo, em maria saiu com seu animal de estimao (PIrEs dE oLIVEIra, 2001, p. 41). diramos, provavelmente, que o animal de estimao de maria um cachorro, por se tratar de uma situao mais familiar, embora o animal de estimao pudesse ser um gato, um coelho, um hamster etc. temos em animal uma categoria genrica e em animal de estimao uma categoria superordenada com relao categoria de nvel bsico, cachorro. nas duas aulas iniciais deste semestre, em que introduzimos os estudos de semntica, constatamos que a questo do significado na Lingstica contempornea no descrita por uma metodologia nica. H diferentes modos de descrever o significado, o que nos leva a perceber, tambm, que os problemas so tratados de maneiras diferentes. Por exemplo, a categorizao interessa semntica formal e semntica Cognitiva, mas secundria na semntica da Enunciao. de certo modo, podemos dizer que a descrio semntica est relacionada viso que se tem de linguagem e de suas relaes com o mundo e o conhecimento.

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pRagMtICa oBjEtIVo

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Introduzir fundamentos tericos e princpios de anlise da Pragmtica, campo de estudos que investiga a prtica lingstica, a linguagem em uso.

tExtoa Pragmtica a cincia do uso lingstico. tal campo de estudos investiga as condies que governam a utilizao da linguagem, a prtica lingstica. dubois et al. (2007, p. 480) postulam que o aspecto pragmtico da linguagem concerne s caractersticas de sua utilizao (motivaes psicolgicas dos falantes, reaes dos interlocutores, tipos socializados da fala, objeto da fala etc.) por oposio ao aspecto sinttico (propriedades formais das construes lingsticas) e semntico (relao entre as unidades lingsticas e o mundo). na verdade, preciso reconhecer que essas oposies mencionadas dizem respeito ao tratamento que os estudos sintticos, semnticos e pragmticos do linguagem, uma vez que o estudo dos aspectos pragmticos toma como base a expresso lingstica na enunciao, durante a produo de enunciados. por meio da organizao dos enunciados e dos elementos diticos que se investiga o uso da linguagem, a prtica lingstica. o estudo pragmtico considera que os sujeitos que possibilitam a existncia da linguagem. trata-se, pois, de reconhecer os aspectos lingsticos e extralingsticos que participam do ato de linguagem. Correntes da pragmtica a Pragmtica uma rea genrica, no sentido de que se define por pesquisar os usos lingsticos, por meio de temas amplos e variados. Paveau e sarfati (2006, p. 217) postulam que a Pragmtica, quer seja autnoma (filosofia da linguagem ordinria), quer seja incorporada (pragmtica lingstica), conserva uma identidade prpria. suas orientaes tomam um caminho diferente daquele do Curso de lingstica geral de saussure. dois debates histricos (Benveniste/austin; ducrot/searle) fizeram a pragmtica progressivamente adaptar-se lingstica. relembrando, saussure considerava que o verdadeiro objeto da lingstica a lngua a linguagem menos a fala , isto , a linguagem menos seu uso concreto. a Pragmtica no considera a lngua isolada da utilizao da linguagem; ocupa-se em estudar a relao entre a estrutura da linguagem e seu uso.lIng II 33

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a Pragmtica tem como ponto de partida trabalhos dos filsofos da linguagem, em particular john austin e Paul grice. Para austin, a linguagem no tem uma funo descritiva, mas uma funo de agir. ao falar, o homem realiza atos. Por exemplo, ao dizer Eu lhe prometo vir, o ato da promessa realizado quando se diz Eu prometo. Para grice, a linguagem natural comunica mais do que aquilo que se significa num enunciado, pois quando se fala, comunicam-se tambm contedos implcitos. Quando algum diz a outro que est se aprontando para sair, So oito horas, ele no est fazendo uma simples constatao sobre o que marca o relgio, mas dizendo Apresse-se; Vamos chegar atrasados (fIorIn, 2003a, p.166). Pinto (2001, p. 51) observa que trs correntes podem ser delimitadas nos estudos pragmticos o pragmatismo americano, influenciado pelos estudos semiolgicos de Willian james; os estudos de atos de fala, sob o crdito dos trabalhos do ingls j. L. austin; e os estudos da comunicao, com preocupao firmada nas relaes sociais, de classe, de gnero, de raa e de cultura, presentes na atividade lingstica. a autora tambm observa que os franceses oswald ducrot e mile Benveniste e o americano H. P. grice so referncias para a Pragmtica at o final da dcada de 1980. no entanto, a evoluo dos trabalhos desses estudiosos conferiu-lhes campos de estudos e mtodos hoje separados dos pragmticos. a semntica argumentativa (j mencionada na aula anterior) e a anlise da Conversao (que estudaremos na prxima aula) so duas correntes que participaram do movimento que integrou componentes pragmticos aos estudos lingsticos. fiorin (2003a, p. 167), citando moeschler1, diz haver trs domnios de fatos lingsticos que exigem a introduo de uma dimenso pragmtica nos estudos lingsticos: os fatos de enunciao, de inferncia e de instruo. Enunciao: ato de produzir enunciados as realizaes lingsticas concretas. Certos fatos lingsticos s so entendidos em funo do ato de enunciar, por exemplo: os diticos (estudo ampliado adiante) elementos lingsticos que indicam o lugar ou o tempo em que um enunciado produzido, e os participantes da enunciao (produo do enunciado); enunciados performativos realizam a ao que eles nomeiam (promessa, ordem, juramento, desejo, agradecimento, pedido de desculpas etc). Por exemplo, Eu prometo no sair de casa sozinha Eu prometo no h possibilidade de realizar esse ato seno enunciando-o; uso de conectores, por exemplo em Voc pode vir aqui um pouquinho? Porque estou precisando de ajuda, o conector porque no liga contedos, mas atos de enunciao, isto , explica o motivo da pergunta e no seu contedo; certas negaes, como em O trnsito no estava ruim; estava pssimo negao no incide sobre a proposio negada, mas sobre sua1. moEsCHLEr, jacques e rEBouL, anne. dictionnaire encyclopdique de pragmatique. Paris: seuil, 1994.lIng II 34

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assertabilidade, isto , sobre a possibilidade de sua afirmao. o que o falante diz no que o trnsito esteja ruim, e sim que o termo pouco apropriado para caracterizar o estado do trnsito; advrbios de negao, como em Sinceramente, no gostei de sua atitude o advrbio sinceramente no modifica o verbo,mas qualifica o prprio ato de dizer como sincero.

Inferncia: Certos enunciados tm a propriedade de implicar outros. assim, quando se diz Joo meu sobrinho, esse enunciado implica Sou tio de Joo; quando se afirma Se tivesse chovido, no haveria falta de energia, essa afirmao implica que No choveu e h falta de energia. Trata-se de informaes derivadas dos prprios enunciados, mas h outras que s podem ser entendidas em contextos especficos, como em No h mais homens no mundo, o que est se dizendo, quando se comenta, por exemplo, o fato de que muitos homens cuidam da casa, enquanto as mulheres trabalham fora, que o papel masculino, tal como era concebido, est mudando. so relevantes algumas observaes de fiorin (2003a, p. 168) sobre o papel da Pragmtica: A Pragmtica deve explicar como os falantes so capazes de entender no literalmente uma dada expresso, como podem compreender mais do que as expresses significam e por que um falante prefere dizer alguma coisa de maneira indireta e no de maneira direta. Em outras palavras, a Pragmtica deve mostrar como se fazem inferncias necessrias para chegar ao sentido dos enunciados. H duas distines fundamentais em Pragmtica: significao versus sentido e frase versus enunciado. A frase um fato lingstico caracterizado por uma estrutura sinttica e uma significao calculada com base na significao das palavras que a compem, enquanto o enunciado uma frase a que se acrescem as informaes retiradas da situao em que enunciada, em que produzida. A mesma frase pode estar vinculada a diferentes enunciados. A frase Est chovendo pode ocorrer, dependendo da situao em que enunciada, como os seguintes enunciados: Finalmente, seca vai acabar; No podemos sair agora; preciso ir recolher a roupa; Feche as janelas etc. A significao o produto das indicaes lingsticas dos elementos componentes da frase. Assim, a significao de Est chovendo Tomba gua do cu. O sentido, no entanto, a significao da fraselIng II 35

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atIVIdadE 4 acrescida das indicaes contextuais e situacionais. Num contexto em que se comenta o problema do racionamento de energia derivado do esvaziamento das represas das hidreltricas, Est chovendo pode significar Agora o racionamento vai acabar. A frase estudada pela sintaxe e pela semntica, enquanto o enunciado objeto da Pragmtica.

Instruo: para a Pragmtica, as chamadas palavras do discurso, como conectores, conjunes, preposies, advrbios, apresentam variao de funes de acordo com o contexto em que so utilizadas e significam porque h uma instruo sobre a maneira de interpret-las, isto , da concluso que se tira de cada uso, por exemplo, os significados de e nos seguintes casos: Ele rico e vive pedindo dinheiro emprestado e Ele rico e vive distribuindo dinheiro aos pobres. no primeiro caso, cria-se o significado de adversidade; no segundo, conclui-se sobre uma ao adicionada a outra, numa relao de conseqncia. no que concerne aos papis atribudos sintaxe, semntica e Pragmtica, pode-se dizer, grosso modo, que a sintaxe ocupa-se da boa formao das frases; a semntica ocupa-se da significao, e a Pragmtica explica a interpretao completa dos enunciados. fiorin (2003a, p. 170) aponta para duas grandes correntes da Pragmtica: uma que considera que ela estuda o conjunto de conhecimentos que deve ter o falante, para utilizar a lngua em diferentes situaes enunciativas, e outra que afirma que os aspectos pragmticos esto codificados na lngua (contm todas as instrues para os usos possveis). Para o autor, a primeira corrente pensa que a Pragmtica, por estudar fatos de fala, est radicalmente separada da semntica; a segunda integra a Pragmtica e a semntica, cada uma estudando aspectos diferentes do sentido. austin e a teoria dos atos de fala a Pragmtica, tal como hoje conhecida, teve incio com o desenvolvimento da teoria dos atos de fala de austin. de acordo com marcondes (2006, p. 217-230), [...] Austin (1962, 1 Conferncia) parte da hoje famosa distino entre constatativos e performativos, isto , entre o uso de sentenas para descrever fatos e eventos e sentenas que so usadas para realizar (to perform) algo, e no para descrever ou relatar. Um exemplo de constatativo tpico Maria est brincando na praa e, de performativo, Prometo que lhe pagarei amanh. Enquanto constatativos podem ser

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atIVIdadE 4 verdadeiros ou falsos em relao aos fatos que descrevem, um performativo no realmente nem verdadeiro nem falso, uma vez que no descreve um fato, mas deve ser considerado como bem ou mal sucedido, dependendo das circunstncias e conseqncias da realizao do ato. Austin logo percebeu que esta dicotomia era inadequada, uma vez que o constatativo tem tambm uma dimenso performativa, isto , descrever tambm um ato que realizamos e pode ser bem ou mal sucedido; assim como os performativos tm uma dimenso constatativa, j que mantm uma relao com um fato; tomando-se o exemplo acima, o fato de eu lhe ter ou no pago no dia seguinte. Prope, portanto, que sua concepo do uso da linguagem como uma forma de agir seja estendida para toda a linguagem, considerando o ato de fala como a unidade bsica de significao e tomando-o, por sua vez, como constitudo por trs dimenses integradas ou articuladas: respectivamente os atos locucionrio, ilocucionrio e perlocucionrio. ainda de acordo com marcondes (2006), ato locucionrio consiste na dimenso lingstica propriamente dita, isto , nas palavras e sentenas empregadas de acordo com as regras gramaticais aplicveis, bem como dotadas de sentido e referncia; ato ilocucionrio pode ser considerado o ncleo do ato de fala; tem como aspecto fundamental a fora ilocucionria. a fora consiste no performativo propriamente dito, constituindo o tipo de ato realizado. Quando algum diz Prometo que lhe pagarei amanh, o proferimento (no original, utterance) do verbo prometer constitui o prprio ato de prometer; no se trata de uma descrio de intenes ou de estado mental. ao proferir a sentena, o falante realiza a promessa. a fora do ato a da promessa. Portanto, prometer um verbo performativo, e os verbos performativos geralmente descrevem as foras ilocucionrias dos atos realizados. os atos ilocucionrios tambm podem ser realizados com verbos performativos implcitos e, ainda assim, ter a fora que pretendem ter (Eu lhe pagarei amanh). Por isso, pode-se dizer que a realizao de um ato de fala com uma determinada fora vai alm de seus elementos lingsticos propriamente ditos; ato perlocucionrio tem recebido menos ateno dos especialistas. foi definido por austin (1962 apud marCondEs, 2006) como caracterizando-se pelas conseqncias do ato em relao aos sentimentos, pensamentos e aes dos ouvintes, ou do falante, ou de outras pessoas, e pode ter sido realizado com o objetivo, inteno ou propsito de gerar essas conseqncias.lIng II 37

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marcondes (2006, p. 217-230) acrescenta que austin vai, em seguida, caracterizar as condies pressupostas para a realizao desses atos, em meio a uma combinao de intenes do falante e convenes sociais com diferentes graus de formalidade. A satisfao dessas condies o critrio do sucesso ou fracasso da tentativa de realizao do ato. As intenes so consideradas como psicolgicas e, portanto, subjetivas; embora, em ltima anlise, se originem de prticas sociais. Wittgenstein dizia que no se poderia ter a inteno de jogar xadrez se o xadrez no existisse (Investigaes filosficas, 205, 337).

J. l. JustiN

As convenes so de natureza social e podem ser mais formais, por exemplo, no caso de um tribunal, ou informais, no caso de um grupo de amigos discutindo o resultado da final do campeonato de futebol. Mas, em ambos os casos, as convenes esto presentes, e os falantes esto seguindo regras, normas, procedimentos habituais, com variados graus de formalidade, porm constitutivos de suas formas de conduta, enquanto elementos bsicos do contexto de realizao dos atos. Com freqncia, especialmente em circunstncias informais, essas regras so implcitas, mas esto sendo aplicadas, e isso se torna evidente quando so violadas. A doutrina das infelicidades proposta por Austin (1962, 2 Conferncia) precisamente uma maneira de lidar com esse aspecto dos atos de fala. Uma vez que o mapeamento ou a explicitao completa das regras pode ser uma tarefa inexeqvel, a anlise dos motivos pelos quais alguns atos falham, ou so infelizes, reveladora das regras que foram rompidas nesses casos e pode, portanto, ser uma boa forma de torn-las evidentes. Na ltima conferncia de How to Do Things with Words (Austin, 1962), temos a seguinte classificao das foras ilocucionrias dos proferimentos em cinco tipos gerais: 1) veredictivos; 2) exercitivos; 3) compromissivos ou comissivos, 4) comportamentais, 5) expositivos. Esta classificao proposta como provisria, e Austin procura tornar a definio de cada classe mais clara por meio de exemplos. Seu objetivo com isso parece ser a identificao do tipo de ato realizado, uma vez que, como vimos acima, nem sempre um performativo explcito empregado, e a anlise dependeria, assim, da identificao do atolIng II 38

atIVIdadE 4 para a reconstruo das regras que tornam possvel a sua realizao. Isso revela que j na formulao inicial de Austin a preocupao com um mtodo de explicitao de elementos implcitos um dos objetivos centrais da teoria e uma das principais caractersticas de sua viso pragmtica. john searle, um dos sucessores de austin, retoma seu programa e desenvolve uma srie de aspectos de sua teoria. Em exemplo dado por fiorin (2003a, p.174), observa-se um dos aspectos tericos desenvolvidos por searle, no sentido de que, ao comunicar uma frase, so realizados um ato proposicional e um ato ilocucional. o primeiro corresponde referncia e predicao, ou seja, ao contedo comunicado. o segundo, como pensava austin, ao ato que se realiza na linguagem, ao dizer. os exemplos a seguir mostram que enunciados que tm fora ilocucional diferente podem exprimir a mesma proposio: 1. 2. 3. 4. Paulo trabalha bastante. Paulo trabalha bastante? trabalhe bastante, Paulo. Exijo que voc trabalhe bastante, Paulo.

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searle mostra que no podemos confundir a proposio com a fora ilocutria. nos enunciados acima, os atos ilocucionais so, respectivamente, a afirmao, a interrogao, o conselho e a ordem. o contedo proposicional sempre o mesmo: Paulo trabalhar bastante. no ampliaremos, neste segmento, a abordagem sobre as propostas de searle, mas disponibilizamos no material de apoio desta matria uma sugesto de leitura que resgata alguns aspectos tericos desenvolvidos at aqui sobre a teoria dos atos de fala. na seqncia da aula, fazemos uma discusso breve sobre os estudos pragmticos da enunciao, com nfase questo dos diticos. Os estudos pragmticos da enunciao fiorin (2003b), em Introduo Lingstica II, inicia o captulo Pragmtica com o seguinte texto: Veja, agora a senhora est bem melhor! Mas, francamente, acho que a senhora devia ter uma dama de companhia! Aceito-a com todo prazer! disse a Rainha . Dois pence por semana e doces todos os outros dias. Alice no pde deixar de rir, enquanto respondia: No estou me candidatando... e no gosto tanto assim de doces.lIng II 39

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atIVIdadE 4 doce de muito boa qualidade afirmou a Rainha. Bom, hoje, pelo menos, no estou querendo. Hoje voc no poderia ter, nem pelo menos nem pelo mais disse a Rainha. A regra : doce amanh e doce ontem e nunca doce hoje. Algumas vezes tem de ser doce hoje objetou Alice. No, no pode disse a Rainha. Tem de ser sempre doce todos os outros dias; ora, o dia de hoje no outro dia qualquer, como voc sabe. (CARROLL, Lewis. As aventuras de Alice. 3. ed. So Paulo: Summus, p. 182).

Com esse excerto de As aventuras de Alice, fiorin explica o significado do ditico hoje na produo do enunciado: Para a rainha, o sentido das palavras ontem, hoje e amanh fixo. Por isso, se a regra doce amanh e doce ontem, Alice nunca poder ter os doces. J Alice mostra que o sentido dessas palavras est relacionado ao ato de produzir um enunciado e, por isso, algumas vezes tem de ser doce hoje, j que hoje o dia em que um ato de fala produzido. O significado da palavra hoje se d na relao com a situao de comunicao (FIORIN, 2003b, p. 161). a enunciao situao de produo do enunciado um dos domnios lingsticos que exigem a introduo de uma dimenso pragmtica de estudos. de acordo com fiorin (2003b), essa exigncia ocorre por haver fatos lingsticos que s so entendidos em funo do ato de enunciar (= ato de produzir enunciados, na enunciao), como acontece com os diticos. Vimos, no estudo de semntica formal, os conceitos de ditico e dixis. os diticos so os elementos lingsticos que indicam os participantes da enunciao (pronomes pessoais eu/tu;voc), os marcadores temporais da enunciao (p. ex. advrbios e expresses adverbiais de tempo hoje, agora, ontem etc.) e os marcadores espaciais da enunciao (p. ex. advrbios ou expresses adverbiais de lugar aqui, l, nesta sala etc. e pronomes demonstrativos este, esse, aquele etc.). a dixis compreende a referncia feita pelos diticos situao de enunciao. um ditico s pode ser entendido dentro da situao de comunicao e, quando aparece num texto escrito, a situao enunciativa deve ser explicitada. Por exemplo, voc encontra um bilhete que diz Estive aqui ontem. (Quem esteve aqui? Quando ontem? onde aqui?) Para saber o sentido de eu/ontem/aqui necessrio no s o conhecimento lingstico como tambm o conhecimento da situao de uso desses elementos lingsticos.

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atIVIdadE 4 a enunciao, segundo mile benveniste

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Em Problemas de lingstica geral (2005, p. 82), mile Benveniste define a enunciao com um colocar em funcionamento a lngua por um ato individual de utilizao. tem como objeto o ato mesmo de produo do enunciado e no o texto do enunciado. na enunciao, o locutor mobiliza a lngua por sua conta. a relao do locutor com a lngua determina os caracteres lingsticos da enunciao. deve-se consider-la como o fato do locutor, que toma a lngua por instrumento, e nos caracteres lingsticos que marcam essa e.BeNVeNiste relao. Para Benveniste (2005, p. 83), a enunciao supe a converso individual da lngua em discurso, o que requer investigao de como o sentido se forma em palavras. o ato individual pelo qual se utiliza a lngua introduz em primeiro lugar o locutor como parmetro nas condies necessrias da enunciao. antes da enunciao, a lngua no seno possibilidade da lngua. depois da enunciao, a lngua efetuada em uma instncia de discurso, emana de um locutor (enunciador) e atinge um interlocutor (enunciatrio), o que suscita uma outra enunciao de retorno. a categoria de pessoa essencial para que a linguagem transforme-se em discurso. o homem constitui-se como sujeito na/pela linguagem. ao produzir linguagem, constitui-se como eu. nos atos de linguagem, eu aquele que diz eu. o eu existe por oposio ao tu. dessa forma, o eu estabelece uma outra pessoa, aquela qual ele diz tu e que lhe diz tu, quando, por sua vez, toma a palavra. o sujeito da enunciao (enunciador e enunciatrio) ponto de referncia para a organizao do tempo e do espao. assim, espao e tempo esto na dependncia do eu, que neles se enuncia. o aqui o espao do eu e o agora o momento da enunciao. a partir desses dois elementos, organizam-se todas as relaes espaciais e temporais (fIorIn, 2003b, p. 163). Benveniste afirma ser a enunciao o lugar do ego (eu), do hic (aqui) e do nunc (agora). Com a utilizao de termos latinos, mostra que as categorias de pessoa, espao e tempo no so particulares de algumas lnguas. ao contrrio, manifestam-se em qualquer lngua e em qualquer modo de usar a linguagem, por exemplo, nas linguagens visuais. as instncias enunciativas de acordo com fiorin (2003b, p 163-164), em um texto h basicamente trs instncias enunciativas:lIng II 41

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atIVIdadE 4 a instncia do enunciador e do enunciatrio, que compreende o primeiro nvel da enunciao considerada como ato implcito de produo do enunciado e logicamente pressuposto pela prpria existncia do dito. nessa instncia, enunciador e enunciatrio correspondem ao autor e ao leitor implcitos ou abstratos, ou seja, imagem (grifo nosso) do autor e do leitor construdas pela obra. Enunciador e enunciatrio participam conjuntamente da produo do discurso. ao produzir um enunciado, o enunciador tem em perspectiva um enunciatrio, a quem se dirige, e quem, de certa forma, orienta o discurso. se considerarmos como exemplo a produo da divulgao cientfica, perceberemos que esse gnero de discurso circula em diferentes veculos de informao, cada qual com suas especificidades de linguagem para atender a diferentes pblicos leitores (crianas, adultos, leigos, especialistas etc). a instncia do eu e do tu instalados no enunciado, que compreende o segundo nvel da hierarquia enunciativa. Eu e tu so, respectivamente, narrador e narratrio, como o eu que se manifesta em Eu afirmo que todos viro. narrador e narratrio podem permanecer implcitos como, por exemplo, quando se narra uma histria em terceira pessoa (fIorIn, 2003b, p. 163) ou, a partir do exemplo anterior, formular todos viro. a instncia do interlocutor e do interlocutrio, que compreende o terceiro nvel da hierarquia enunciativa. Instala-se quando o narrador d voz a uma personagem, em discurso direto (fIorIn, 2003b, p. 164), por exemplo:

jos disse a sua esposa: todos viro! tempo, espao e pessoa o aparelho formal da enunciao as categorias de tempo, espao e pessoa que se manifestam no enunciado constituem o que Benveniste chamava o aparelho formal da enunciao. a categoria de pessoa possui, para Benveniste (2005), duas correlaes: a correlao da pessoalidade, em que se opem

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atIVIdadE 4 pessoa (eu/tu) e no-pessoa (ele) participantes da enunciao e elementos do enunciado; a correlao da subjetividade, em que se contrapem eu versus tu; a primeira a pessoa subjetiva (quem fala) e a segunda a pessoa no subjetiva (com quem se fala). a terceira pessoa (ele) jamais instaurada como participante da situao de enunciao, pois ela no implica nenhuma pessoa. Pode representar qualquer sujeito ou nenhum sujeito, expresso ou no. Para fiorin (2003b, p. 164), usa-se a terceira pessoa nas chamadas expresses impessoais, em que um processo relatado como fenmeno cuja produo no est ligada a qualquer agente ou causa (Chove; faz sol.; faz dois anos.). alm disso, eu e tu so reversveis na situao de enunciao. Quando dirijo a palavra a algum, ele o tu; quando ele me responde, passa a ser o eu e eu me torno tu. no entanto, no possvel a reversibilidade com o ele. fiorin tambm chama a ateno ao fato de que a situao de enunciao que especifica o que pessoa e o que no pessoa, pois ela que determina quem so os participantes do ato enunciativo e quem no participa dele. o autor denomina pessoas enunciativas aquelas que participam do ato de comunicao, isto , o eu e o tu, e pessoa enunciva aquela que pertence ao domnio do enunciado, isto , o ele. a categoria de tempo marca se um acontecimento concomitante, anterior ou posterior a cada um dos momentos de referncia (presente, passado e futuro) estabelecidos em funo do momento da enunciao: o momento presente um agora coincide com o momento da enunciao; o momento de referncia passado indica anterioridade ao momento da enunciao; o momento de referncia futuro indica posterioridade ao momento da enunciao; os momentos passado e futuro precisam ser marcados no enunciado, com uma ancoragem do tempo lingstico no tempo cronolgico, embora o momento da enunciao possa ser colocado em qualquer diviso do tempo cronolgico, como segue:

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Estamos em 1500. Os portugueses chegam oficialmente terra brasileira. Tem incio o processo de colonizao. nesse caso, o agora (estamos, chegam, tem) est colocado no passado cronolgico remoto (em 1500). o tempo lingstico comanda as marcaes cronolgicas referidas no texto. o tempo do discurso sempre uma criao da linguagem, com a qual se

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pode transformar o futuro em presente, o presente em passado, o passado em presente. no exemplo em questo, temos o que se revela no aspecto verbal como um presente histrico. mas, de acordo com fiorin (2003b, p. 166), uma coisa situar um acontecimento no tempo cronolgico e outra inseri-lo no tempo da lngua. o tempo lingstico diferente tanto do tempo cronolgico, quanto do tempo fsico. o tempo fsico marcado, por exemplo, pelo movimento dos astros, que determina a existncia de dias, anos etc. o tempo cronolgico o tempo dos acontecimentos, do calendrio. j o tempo lingstico est ligado ao exerccio da fala, tem seu centro no presente da instncia da fala; esta sua singularidade (BEnVEnIstE, 2005). A temporalidade lingstica marca as relaes de sucessividade entre os eventos representados no texto. Ordena sua progresso, mostra quais so anteriores, quais so concomitantes e quais so posteriores. Isso significa que se aplica [...] a categoria concomitncia vs no concomitncia (anterioridade vs posterioridade) a cada um dos momentos de referncia e, assim, obtemos um tempo que indica concomitncia ao presente, anterioridade ao presente, posterioridade ao passado e assim sucessivamente. H, pois, trs momentos significativos para a determinao do tempo lingstico: ME momento da enunciao; MR momento de referncia (presente, passado, futuro); MA momento do acontecimento (concomitante, anterior e posterior a cada um dos momentos de referncia (FIORIN, 2003b, p. 166-167). Entre muitas situaes textuais apresentadas por fiorin, reproduzimos como exemplos de anlise: Presente pontual existe coincidncia entre mr e mE: Um relmpago fulgura no cu. o evento fulgurar ocorre no momento de referncia presente. Como este um ponto preciso no tempo, h coincidncia entre ele e o momento da enunciao. Pretrito perfeito 1 (simples) marca uma relao de anterioridade entre o momento do acontecimento e o momento de referncia presente: Lus Felipe Scolari assumiu a seleo para salvar a ptria do vexame da eliminao de uma Copa (Veja, julho 2002, ed. 1758, p. 22). o momento de referncia presente um agora. Em relao a ele, o momento do

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atIVIdadE 4 acontecimento (assumir) anterior, ou seja, em algum momento anterior ao momento em que estou falando, scolari assumiu a seleo. futuro do presente simples marca uma relao de posterioridade em relao ao momento de referncia: No momento em que eu terminar, telefonarei para voc. o momento de referncia futuro o momento da chegada. Em relao a ele, o ato de telefonar concomitante.

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a categoria de espao expressa-se lingisticamente pelos pronomes demonstrativos e por certos advrbios de lugar. o espao lingstico aquele onde se desenrola a cena enunciativa. Em funo ditica, os pronomes demonstrativos este e esse indicam o espao da cena enunciativa; o demonstrativo aquele indica o que est fora da cena enunciativa, como nos exemplos: Este livro que est comigo foi escrito por mario de andrade. E esse que est com voc? Voc sabe quem aquela garota que acabou de entrar?

Cabe observar que no portugus brasileiro comum os falantes no diferenciarem este/esse, de tal forma que os pronomes tm se tornado equivalentes, com ntido predomnio de esse nos usos cotidianos. tempo, espao e pessoa: um esboo de anlise apresentamos, na seqncia, uma anlise ilustrativa das categorias de tempo, espao e pessoa em uma charge de angeli, publicada na Folha de S. Paulo 1/3/2006 opinio, para que se observem os diticos na cena enunciativa criada pelo chargista.

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a imagem do presidente Lula e de d. marisa na praia, articulada fala representada na legenda, dialoga com o contedo da reportagem de Luciana Constantino, Folha de S. Paulo de 28/2/06, Escndalo do mensalo/o Presidente. no que concerne demarcao do tempo, a citao da fala em discurso direto, em legendas, produz efeito similar transcrio de falas em bales nas histrias em quadrinhos, ou seja, h o efeito de concomitncia entre o discurso do enunciador e do enunciatrio no momento de referncia presente que se estabelece pela leitura. - Marisa, estava aqui pensando na minha vida, na minha histria, neste pas... a, quando olhei para esse mar infinito, percebi o quanto hoje me faz falta no ter freqentado uma escolinha de natao! trata-se de caractersticas do gnero textual, no s relativas necessidade de se integrar aos textos opinativos que comentam a histria do presente noticiada pelo jornal, mas tambm por constiturem um todo cuja funo principal propiciar ao leitor ponto de vista e informao atualizada, elementos contratuais estabelecidos no prprio discurso jornalstico e na adeso de um pblico leitor que j tem conscincia do que o jornal vai lhe oferecer. outro dado da demarcao temporal consiste em observar na fala de Lula o momento do hoje, registrado lingisticamente, em que o tempo semntico do ditico coincide com o tempo cronolgico da constatao feita pelo eu que enuncia, mas torna-se um acontecimento passado se considerarmos a presena de um narrador que implicitamente introduz a fala, como em Lula disse:.... Essa maneira de retratar o fato leva a identificar no gnero a caracterstica narrativa, a exemplo do noticirio, articulada aos dispositivos de opinio crtica e humor, na medida em que uma sntese do acontecimento apresentada ao leitor e permite a ele inferir detalhes e relacion-los por meio da intertextualidade encontrada no todo do jornal. ainda sobre a demarcao do tempo, o sentido de hoje na correlao com o emprego do presente em me faz falta aponta, na charge, a constatao do enunciador a respeito de uma transformao de estado considerada necessria no momento da enunciao. tal transformao, no entanto, no ocorre, o que gera, na construo de sentidos do enunciado, a oposio entre dois presentes: um, explcito lingisticamente, Lula no sabe nadar, e outro, implcito na metfora Lula enfrenta um mar de problemas. nessa oposio, constri-se o tom crtico-opinativo prprio do estilo do gnero e, em reforo crtica, observamos as formas de representao do dd e de demarcao da pessoa. os sintagmas minha vida e minha histria, marcados pelo pronome/adjetivo possessivo de primeira pessoa, so posicionados de forma gradativa em relao ao sintagma neste pas, o que possibilita dizer que a situao sintetizada e re-significada na charge se d na relaolIng II 46

atIVIdadE 4 causa/conseqncia temporal: Lula vive (em aspecto durativo, Estive aqui pensando em minha vida)/Lula constri sua histria e a histria do pas (... estive pensando na minha vida, na minha histria, neste pas...). Parafinalizar... sabemos da necessidade de um estudo mais aprofundado das teorias abordadas nesta aula. recomendamos a leitura do material de apoio, das obras mencionadas nas referncias bibliogrficas e, para ampliar as discusses sobre as categorias de pessoa, tempo e espao na enunciao, sugerimos leitura do livro As astcias da enunciao, do professor jos Luiz fiorin.

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rEfErnCIasBEnVEnIstE, . Problemas de lingstica geral. 5. ed. Campinas, sP: Pontes, 2005. duBoIs, j. et al. Dicionrio de lingstica. traduo de frederico Pessoa de Barros et al. 15. ed. so Paulo: Cultrix, 2007. fIorIn, j. L. a linguagem em uso. In: fIorIn, j. L. (org.) Introduo lingstica: objetos tericos. 2. ed. so Paulo: Contexto, 2003. v. 1, p. 165-186. . Pragmtica. In: fIorIn, j. L. (org.) Introduo lingstica: objetos tericos. 2. ed. so Paulo: Contexto, 2003b. v. 2, p. 162-185. marCondEs, d. a teoria dos atos de fala como concepo pragmtica de linguagem. Filosofia Unisinos v. 7, n. 3, set./dez. 2006, p. 217-230. disponvel em: . acesso em: 20 jan. 2009. PaVEau, m.-a.; sarfatI, g-. As grandes teorias da Lingstica: da gramtica comparada pragmtica. traduo de m. r. gregolin et al. so Carlos, sP: Claraluz, 2006. PInto, j. P. Pragmtica. In: mussaLIm, f.; BEntEs, a. C. (orgs.) Introduo lingstica: domnios e fronteiras. so Paulo: Cortez, 2001. v. 2.

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anOtaES

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anlISE Da COnVERSaO oBjEtIVos

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Estudar os fundamentos tericos que subsidiam a anlise da Conversao e estimular a observao e anlise dos mecanismos da linguagem falada nos processos conversacionais e na interao.

tExtoa anlise da Conversao (aC), como o prprio nome diz, um campo de estudos que tem como objeto os processos conversacionais. Consiste em uma abordagem discursiva de tais processos, como formas de interao verbal. Conversar a prtica social mais comum do ser humano, uma dentre as razes que justificam o estudo da conversao. outra razo que a prtica da conversao no s favorece as relaes interpessoais como tambm desempenha importante papel na construo de identidades sociais. alm disso, conversar exige uma enorme coordenao de aes que exorbitam em muito a simples habilidade lingstica dos falantes (marCusCHI, 2003, p. 5), o que possibilita abordar questes que envolvem a sistematicidade da lngua em uso e seu estudo.

Fonte: BrowNe, diK. o mElHor DE HAgAr o HorrvEl. Porto alegre: l&PM, 1996.

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o primeiro livro de anlise da Conversao lanado no Brasil, na dcada de 1980, foi produzido pelo professor Luiz antonio marcuschi. Para o autor, a conversao a primeira das formas de interao a que estamos expostos e provavelmente a nica da qual nunca abdicamos pela vida afora1. Conversao aqui compreende todas as formas de interao verbal existentes na sociedade, ainda que muitos estudiosos a concebam como interaes verbais face a face. a anlise da Conversao teve origem na dcada de 1960, ligada aos estudos sociolgicos especficos da Etnometodologia, com os trabalhos de Harold garfinkel, Harvey sacks, Emanuel schegloff e gail jefferson. Enquanto os socilogos reconhecem que a conversao nos diz algo sobre a vida social, ao procurarem responder a questes do tipo como ns conversamos?, os lingistas da Anlise da Conversao perguntam como a linguagem estruturada para favorecer a conversao? e reconhecem que a conversao nos diz algo sobre a natureza da lngua como fonte para fazer a vida social (EGGINS; SLADE, 1997 apud DIONSIO, 2001, p. 70). de acordo com marcuschi (2003, p. 8), a Etnometodologia de garfinkel (incio dos anos 1960) liga-se sociologia da Comunicao e antropologia Cognitiva e se preocupa com as aes humanas dirias nas mais diversas culturas. Trata da constituio da realidade no mundo do diaa-dia e investiga as formas de as pessoas se apropriarem do conhecimento social e das aes (da o radical etno); diz respeito forma metdica de como os membros de uma sociedade aplicam aquele seu saber socio