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INFORMAÇÃO E MISSÃO INSTITUCIONAL: PESQUISA DESVENDA ECONOMIA PAULISTA

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INFORMAÇÃO E MISSÃO INSTITUCIONALpesquisa desvenda economia paulista

Ao desenhar os cenários mais prováveis, aqueles es-tudos ocuparam-se tanto dos dilemas que precisariam serenfrentados pela economia brasileira, diante dos proble-mas internos que foram se acumulando naquela virada dedécada, quanto das interrogações colocadas pelas novastendências que se afirmavam no cenário internacional. Nashipóteses trabalhadas, foram valorizados, particularmenteno tocante à indústria, os processos de interiorização daatividade produtiva que vinham tendo curso durante osanos 80 e cujo aprofundamento e ampliação, salientava-se ali, deveriam ocorrer na década seguinte.

A intensidade desses processos dependeria, porém, devários fatores, com perspectivas cambiantes, em face, porum lado, da velocidade e do alcance das transformaçõesque principiavam por estabelecer seu pleno domínio e,por outro, das dificuldades enfrentadas pelos formuladorese executores das políticas econômicas em seu propósitode buscar, com sucesso, a execução de programas de es-tabilização inflacionária associados à retomada do cres-cimento. Tal combinação acabava sintetizando, em vastamedida, o apanágio retórico de tantas quantas fossem aspropostas de políticas econômicas propugnadas para opaís, ainda que estas guardassem entre si profundas dife-renças e mesmo que acabassem remetendo, na prática, aconflitos e contradições que tornavam inconciliáveis en-tre si esses dois objetivos.

Os cenários traçados pelos estudos e diagnósticos ela-borados acabariam, no entanto, sendo ultrapassados pelarealidade que viria se impor. No lançamento da coletâ-nea, ocorrido em março de 1992, já vislumbravam-se osprimeiros indícios de que a década, então apenas recém-

PEDRO PAULO MARTONI BRANCO

Economista, Diretor Executivo da Fundação Seade

m abril de 1991, quando teve início nossa pri-meira gestão na Diretoria Executiva da Funda-ção Seade, alguns graves desafios se colocavam

diante do órgão estadual de estatísticas e estudos socioeco-nômicos e populacionais. Dentre estes, os mais instigan-tes talvez fossem o de suprir de informações econômicaso planejamento estratégico público e privado e o de ali-mentar com maior luminosidade a curiosidade científicaque efervescia das atividades acadêmicas nesse campo.Em ambos os casos, os usuários dessas informações res-sentiam-se da ausência de dados atualizados de qualida-de e capazes de traduzir a dinâmica e os fatos de um pro-cesso de transformações que começava a tomar vulto,impulsionado pela acelerada abertura comercial e finan-ceira em que o Brasil aprofundava o seu envolvimento.

Pouco antes, durante 1989 e l990, a Fundação Seadehavia contribuído para a elaboração de uma coletânea deestudos e pesquisas, publicada por esta instituição doisanos após, denominada São Paulo no Limiar do SéculoXXI, cujo principal mérito foi o de reunir, a partir da com-binação dos esforços da análise acadêmica e de algunsestudos de consultoria técnica, um apanhado abrangentee aprofundado dos processos de mudança que vinham seconsumando na economia do Estado de São Paulo, espe-cialmente durante a segunda metade da década passada.Ao mesmo tempo, procurava-se verificar as tendências queestariam se desenhando para o futuro imediato, à luz dosparadigmas ditados pela terceira revolução tecnológica epela competição externa, bem como dos determinantesmacroestruturais que, àquela altura, inibiam drasticamenteo crescimento sustentado do produto nacional.

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iniciada, prometia rebuliços incomuns. Àquela altura, doisanos se acumulavam sobre o lançamento do Plano Collor,mas as suas conseqüências, longe de se esgotar, acarreta-ram extensos, duradouros e definitivos processos de re-estruturação na base produtiva, acompanhados de profun-das mudanças nos paradigmas reinantes. A rápida e quasegeneralizada abertura comercial, promovida em meio àforte recessão que se instalara imediatamente após o de-sencadeamento do plano, multiplicou as falências econcordatas, as transferências de controle e o fechamen-to de empresas. Ao mesmo tempo, para sobreviverem, asempresas de maior porte e domínio de mercado viram-sesubmetidas aos referenciais competitivos externos. Ini-ciara-se o país em sua irreversível inserção globalizante.Todo o aparelho produtivo fora atingido pelo processoinstaurado, bem como os diferentes setores da sua vidaeconômica e social.

No âmbito da administração pública, as proposiçõesdo Consenso de Washington alcançaram os comandos dagestão nacional, ainda que nem sempre de modo irrestri-to, claro e explícito. Estas proposições, baseadas em re-comendações destinadas à realização de mudanças radi-cais nos padrões até então vigentes de intervenção estatalna esfera econômica, incentivando e induzindo os pro-cessos de desregulamentação e privatização, provocaramsignificativas alterações nas dinâmicas nacional e regio-nais da produção e do emprego. Na sua esteira, foram seredefinindo as feições do país e da sociedade. Alteraram-se as pautas e as agendas do governo central, dos gover-nos estaduais e municipais, das representações corporati-vas de empresas e de trabalhadores, dos partidos políticose das entidades associativas. O Brasil viu-se sacudido porextenso e irreversível movimento sísmico das camadas queestiveram alicerçando o anterior padrão de acumulação esobre as quais foram sendo sedimentadas as coalizõespolíticas que exerceram o poder ou a ele se opuseram,particularmente durante os anos que se seguiram ao se-gundo pós-guerra.

A economia brasileira e notadamente a paulista passa-ram a ostentar comportamentos repletos de mudanças,cujas conseqüências repercutiriam amplamente em todosos setores da vida social e política. Acirraram-se os ques-tionamentos acerca das opções macroestruturais que vi-nham sendo feitas, mas os êxitos colhidos no controle dainflação acabaram beneficiando, com expressivas vitó-rias eleitorais, os autores dessas escolhas. Nem por issoreduziram-se as discussões. Especialmente nos últimosdois anos, tornaram-se mais evidentes algumas contradi-

ções do modelo, entre as quais a sua vulnerabilidade àsturbulências externas, fruto de uma exagerada dependên-cia dos fluxos internacionais de capitais financeiros vo-láteis. Na seqüência desta fragilidade e como sua decor-rência, revelaram-se as rígidas limitações impostas àgestão das políticas fiscal e monetária, que passaram aser operadas sob a imposição de drásticas e continuadasrestrições ao crescimento e à própria competitividade daeconomia.

As mudanças puderam ser percebidas desde as suasprincipais conseqüências imediatas, devido ao grandeimpacto que causaram, mas quase não permitiram co-nhecer sobre o conteúdo do seu próprio processo, umavez que, para esse entendimento, pouco contribuíramas constatações sobre as fortes elevações das taxas dedesemprego em determinadas regiões e as oscilaçõesnas condições de atividade dos ocupados ou, ainda, nosdeslocamentos da ocupação para o setor de serviços,compensando os empregos eliminados pela indústria.Da mesma forma, os seus impactos sobre a produção eas transformações que então se davam, traduzidas emdeslocamentos de plantas, mudanças de controle patri-monial, aumento da concentração econômica – inclu-sive em termos regionais –, perdas de participação nomercado em benefício de concorrentes estrangeiros, fe-chamentos de empresas, etc., tornaram-se visíveis por-que foram ostensivamente exibidos, sem que, entretan-to, estivessem revelando os arranjos e as estratégias queos engendraram.

AS GRANDES MUDANÇAS NÃO ESTAVAMSENDO APURADAS DE FORMA ADEQUADA...

Dos seus primeiros movimentos, no início da atualdécada, até os dias de hoje, o processo, em sua essência,não sofreu alterações no seu rumo principal, apenas ga-nhou intensidade e ampliou o próprio espectro. Quando,daqui até ter decorrido um período de tempo considerá-vel e seguro para que se possa medir plenamente os seusefeitos, fizerem-se as devidas apurações históricas, cer-tamente estar-se-á analisando aquela que terá sido a eradas mais profundas e significativas transformações vivi-das pelas economias brasileira e paulista. Tais mudanças,ainda que impulsionadas ou originárias do sistema eco-nômico, transbordaram suas conseqüências para muitoalém desse limite, provocando alterações de toda ordemnas relações sociais, na dinâmica populacional, na geo-grafia econômica e política e até mesmo na compreensão

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e na elaboração de propostas para o enfrentamento dasprincipais questões associadas aos desafios do desenvol-vimento.

Apurar devidamente os seus determinantes, medir ri-gorosamente as suas múltiplas manifestações, conhecercom máxima precisão os seus distintos e diversificadosnexos – internos e externos –, enfim, identificar e carac-terizar os processos ocorridos e os seus desdobramentospassaram a constituir-se, diante do quadro histórico vi-gente, no talvez mais relevante dever e missão das insti-tuições produtoras de dados estatísticos de natureza eco-nômica, social e demográfica. Isto porque, dentre asinúmeras e angustiantes carências de informações que têmafligido os analistas do país, a ausência de dados sobretais transformações e mudanças tornou-se um grande,senão o maior, desafio para as instituições de pesquisa eprodução de estatísticas.

Sob o peso desse contencioso, estavam vergando asbases de dados e as séries históricas dedicadas ao acom-panhamento e à mensuração da atividade econômica noBrasil e em São Paulo. As contas nacionais e regionaiscontinuavam sendo apuradas a partir do processamentodos dados disponíveis na matriz de coeficientes técnicosconstruída a partir do Censo Econômico de 1985, aindaque algumas adequações e adaptações tivessem sido acres-centadas. As pesquisas mensais e anuais de caráter seto-rial também apoiavam-se nas representações da estruturaprodutiva que tinham origem naquela matriz.

Para tornar esse quadro ainda pior, a reforma adminis-trativa promovida pelo Governo Collor abatera-se dura-mente sobre o IBGE. Com isso, além de acarretar o adia-mento do Recenseamento Populacional Geral de 1990,acabou por impedir a manutenção da periodicidade qüin-qüenal, que se pretendia assegurar para os Censos Eco-nômicos.

A economia paulista, dada sua complexidade, tama-nho e grau de exposição externa, padecia ainda mais dacarência de informações acerca do seu comportamento edas repercussões sobre o seu funcionamento das mudan-ças que tomavam curso com grande vigor, produzindoimpactos profundos em sua estrutura e dinamismo. Me-diam-se, como já mencionado, e mesmo assim de modobastante imperfeito, apenas as conseqüências mais evi-dentes desse processo. Além disso, estas mensurações,apoiadas em matrizes de cálculo pouco representativas,não conseguiram mais refletir as tantas e tão significati-vas alterações sofridas pelas estruturas produtivas, nosúltimos anos.

Na Região Metropolitana de São Paulo, graças à PED– Pesquisa de Emprego e Desemprego –, realizada men-salmente pela Fundação Seade e pelo Dieese desde 1985,eram apurados meticulosamente os impactos e as conse-qüências das mudanças em curso sobre o funcionamentodo mercado de trabalho. Assim, no período de sete anos,compreendido entre o último ano da década passada(1989) e a data da realização da Paep (1996), o nível deemprego industrial sofreu recuo de um terço. Por sua vez,as taxas de desemprego total, neste período, expandiram-se em cerca de 75%, deslocando-se do patamar médio de8,7%, em 1989, para 15,1%, em 1996, após ter alcançadosucessivos recordes em anos anteriores, quando, em maioe junho de l992, já lograra ultrapassar a barreira dos 16%.Em decorrência, o estoque de desempregados na regiãopassou a manter-se cronicamente acima da marca de lmilhão de pessoas, sendo sucessivamente superado anoapós ano, para, nos dois últimos (1998 e 1999), aproxi-mar-se dramaticamente da casa dos 2 milhões de desem-pregados.

À medida que avançava o desemprego na Região Me-tropolitana, cresciam as tentativas analítico-explicativasde associá-lo aos processos de reestruturação produtiva ede realocação da atividade industrial, bem como aos im-pactos decorrentes da franca entrada de produtos impor-tados que, suspeitava-se, acabavam por inibir e, em cer-tos casos, até mesmo destruir a produção local. A verdadeé que o emprego industrial na região, como já afirmado,reduziu a sua participação na ocupação total em cerca deum terço. Uma queda tão acentuada que, a despeito docrescimento da PEA e do aumento da produção física,refletiu-se também numa forte diminuição do númeroabsoluto de ocupados nesse setor.

Paralelamente, durante toda a década – e de modo maisacentuado nos últimos anos –, o cenário metropolitanoviu-se sacudido por fatos e discussões envolvendo o des-locamento de plantas industriais e a fuga de investimen-tos nessa área. De maneira geral, a economia paulista foie continua sendo intensamente exposta aos processos as-sociados à chamada guerra fiscal. Engalfinham-se os Es-tados, nas diferentes regiões, na tentativa de atrair indús-trias, quase a “qualquer preço” e, no território paulista,também confrontam-se os municípios, disputando os no-vos investimentos que já optaram por fixar-se no Estadoou os que estejam se deslocando da Região Metropolita-na para outro ponto dentro do próprio Estado.

Além disso, ganharam intensidade – e estão longe dese esgotar – os processos de fusões e aquisições de em-

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presas, freqüentemente implicando a transferência docontrole acionário para o capital estrangeiro. Movimen-tos que não se limitam ao setor industrial: são igualmenteexpressivos no comércio, nos serviços e no setor finan-ceiro.

Também discute-se, com grande ênfase, a aparenteinexorabilidade da preponderância dos novos paradigmassobre a empregabilidade dos indivíduos. Nesse contexto,sobressaem os aspectos relacionados à escolarização for-mal e à especialização e/ou qualificação profissional. Oflagelo do desemprego, que tem castigado ainda maisduramente os de menor escolaridade e experiência pro-fissional, segundo muitos analistas, também seria frutoprevisível e inevitável, ainda que perverso, da tão procu-rada inserção do país e da sua principal economia regio-nal no mundo globalizado.

Entretanto, o conhecimento disponível, a partir dosdados coletados pelas pesquisas econômicas conven-cionais e pelos acompanhamentos estatísticos rotinei-ros, oferecia escasso poder explicativo para iluminaresses debates e era insuficiente para dar suporte a es-tudos de maior profundidade, particularmente os denatureza acadêmica.

Em conseqüência, enveredou-se muitas vezes pela con-fecção de mosaicos explicativos, cujas formações apoia-ram-se muito mais nas aparências – nos “parece ser” e“presumo que”, mais elegantes e sóbrios, para substituiros “acho que” – em face do fato incontornável de que nãose dispunha nem de método, nem de régua e compassoque possibilitassem aquilatar o que estava realmente ocor-rendo sob a capa mais elementarmente visível das conse-qüências apuradas, quer fossem visíveis o vertiginosocrescimento do desemprego e a precarização de parte dasocupações remanescentes ou que então passaram a seroferecidas, quer saltasse aos olhos a presença cada vezmais ostensiva de bens importados nas gôndolas de su-permercados, nas prateleiras do comércio ou nos conges-tionamentos das avenidas e rodovias.

Este movimento provocou quebras de empresas,transferências patrimoniais, mudanças de padrões tec-nológicos aplicados à produção e alterações nos méto-dos e modelos de gestão, calcinando empregos esucatando profissões, mas atraindo, diante da magni-tude dos mercados existentes para a absorção de deter-minados bens e serviços, volumosos aportes de inves-timentos produtivos que também ensejaram sig-nificativas mudanças setoriais e subsetoriais, em dife-rentes áreas da atividade econômica.

Expressões como “just- in-time”, “downsizing”, “ter-ceirização” e tantas outras tornaram-se correntes no jar-gão dos que aludiam aos processos em curso. A partir dassituações concretas em que se viram adotadas, tiveramcurso profundas transformações não apenas nas estrutu-ras do emprego e da produção industrial, mas também nasde serviços e no comércio. A penetração e disseminaçãodos novos paradigmas, elevando aceleradamente os grausde automação nos diferentes setores, contribuíram tantopara a ampliação dos níveis de desemprego, como paraas mudanças constatadas no controle de fatias dos mer-cados.

De modo suficientemente perceptível, a atividade eco-nômica e a geração de valor concentraram-se intensamen-te. Ao mesmo tempo, a perpetuação, por longo período,de uma apreciável sobrevalorização cambial adicionououtros ingredientes às mudanças em curso, funcionandocomo acelerador de transferências de controle patrimo-nial de empresas de capital nacional, além de proporcio-nar, pelo forte estímulo dado às importações, a aquisiçãode máquinas e equipamentos necessários à modernizaçãodos estabelecimentos e também para o aumento da ofertade bens de consumo estrangeiros, acirrando a concorrên-cia com os produtos de origem local e provocando, emmuitos casos, abalos irreversíveis em empresas ou, atémesmo, em ramos inteiros de produtores. Porém, nas si-tuações de modernização bem-sucedida, houve recupe-ração da competitividade e de espaços anteriormente per-didos no mercado.

Nas distintas situações assinaladas, alteraram-se enor-memente as matrizes de geração de valor, ao mesmo tempoem que afetava-se o emprego e deslocava-se o controlepatrimonial de um sem-número de empresas. Estratégi-cas questões passaram, assim, a demandar respostas. Es-tar-se-ia vivendo um processo de desestruturação indus-trial, seguido de desnacionalização? A integração pre-existente nas diferentes cadeias produtivas estaria sendorompida, em quais delas? A exposição, sob escassa ou semqualquer proteção à concorrência externa, acirrada ade-mais pela moeda nacional apreciada, estaria levando aocolapso determinados ramos da produção? Em vista da“guerra fiscal”, o Estado e especialmente a sua regiãometropolitana estariam “perdendo”, num percurso semretorno, parcela considerável da sua base produtiva? Ofenômeno da “desindustrialização” teria se instalado demodo irreversível na área metropolitana?

Ao lado da “modernização” que se procurava obser-var nessa nova configuração do processo acumulativo,

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identificavam-se, com maior nitidez, os danos sociais quedela decorriam. A rigor, essas conseqüências ultrapassa-ram os marcos da economia e do mercado de trabalho,acabando por afetar a vida coletiva em sua totalidade, tantono conjunto dos seus aspectos materiais e institucionaiscomo naquilo que correntemente se chama de comporta-mento, mas que, na verdade, diz respeito à moldagem designificativas mudanças culturais.

Assim foram os principais fatos das economias pau-lista e brasileira na corrente década, prestes a terminar.Sob os auspícios da inserção globalizante, a sociedadepassou a lidar com alguns dos seus seculares problemasem escala multiplicada, a despeito dos ganhos obtidos emoutros campos. No tocante às estratégias de sobrevivên-cia, por exemplo, tudo tornou-se mais aflitivo ou angus-tiante, acirrando-se a competição entre os indivíduos ereduzindo-se os espaços de solidariedade.

O desemprego saltou ao topo – e lá se mantém, anoapós ano – em todas as enquetes que, rotineiramente, pro-curam conhecer os problemas e desafios que mais preo-cupam as pessoas e famílias. Buscam-se, para enfrentá-lo, as mais diferentes saídas, especialmente no camporetórico, já que, no plano concreto, mesmo nos períodosde conjuntura econômica favorável (atividade econômi-ca em franco crescimento, etc.), os resultados têm sidodesfavoráveis, expressos pela redução continuada do as-salariamento com carteira assinada e pela ampliação dasformas mais precárias de inserção ocupacional.

A ausência de carteira assinada – vínculo cada vezmais restrito à grande empresa – barra o acesso do tra-balhador aos convênios de saúde privada, ao treina-mento profissionalizante e a um importante leque debenefícios, que, além do seu significado material, tra-duzem-se em segurança e conforto para os trabalhado-res e seus dependentes.

De fato, além de se tornarem mais raros, os empregosque efetivamente merecem esta denominação revelaram-se mais exigentes perante aqueles que os disputam. Au-mentaram os requisitos de escolarização e de experiênciaanterior. Apregoa-se, com incomum intensidade, que aeducação é o caminho. Como corolário, depreende-se que,aos com pouca escolarização, resta-lhes amargar a exclu-são. Com efeito, as taxas de desemprego entre os de ele-vada qualificação permanecem muito baixas. O proble-ma é que, até mesmo nestes grupos, as taxas são ascen-dentes, uma vez que os avanços dos processos de moder-nização e de reestruturação seguem provocando novasreduções nos níveis ocupacionais, inclusive na quantida-

de de postos de trabalho destinados àqueles com escola-ridade equivalente ao nível superior e ao ensino médiocompleto, sempre que estes sejam comparados com a si-tuação anterior às mudanças.

Questionam-se, então, as grandes empresas como ge-radoras dos empregos que urgem ser criados. Afinal, oque elas têm feito é comandar esses processos dizimadoresdo emprego. Por conta disso, nunca foram tão exaltadasas virtudes das micros, pequenas e médias empresas, es-pecialmente pela sua peculiar condição de estarem supos-tamente mais vocacionadas para a geração dos empregostão requeridos para compensar os que foram e seguirãosendo eliminados pelos empreendimentos de grande por-te e pela continuidade dos processos de modernização ereestruturação.

Mas o quê, de fato, esteve ocorrendo, durante o perío-do em questão, com essas empresas de menor porte, qua-se invariavelmente controladas por pequenos capitais lo-cais? Em que medida puderam expandir sua presença eparticipação nos mercados na situação de eventuais cau-datárias da reestruturação levada a efeito pelas grandesempresas, particularmente pela absorção de funções quepassaram a ser objeto de “terceirizações”? Que empregosforam e estão sendo gerados por essas empresas, quais ascaracterísticas desses vínculos? Que participação vêmtendo nos processos de geração de valor?

Também para a obtenção de respostas a indagaçõesdeste tipo, poucas referências encontravam-se disponíveis,uma vez que os marcos existentes haviam sido fincadossobre outras bases de funcionamento do sistema econô-mico. Sabidamente, o conhecimento que estava sendoproduzido sobre os fenômenos apontados limitava-se àrealização de estudos de caso, de alcance extremamentelimitado, já que restritos a situações singulares e maisfacilmente controláveis sob o ponto de vista metodológi-co e operacional.

Desenvolvidos por pesquisadores atuando individual-mente ou em grupos de pequeno tamanho, sob a cobertu-ra de financiamentos concedidos por entidades nacionaisou internacionais de fomento à atividade científica, taisestudos, de origem tipicamente acadêmica, a despeito desua inegável e relevante contribuição para a compreen-são dos processos em estudo, não tinham como oferecerrespostas às questões de ordem mais geral e menos aindaseriam capazes de explicar globalmente as transformaçõesestruturais em curso.

Por sua vez, a formulação de estratégias de investimen-to privado, o desenho de políticas públicas, a atuação de-

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fensiva de empresários ou trabalhadores no afã de pre-servar espaços de mercado e condições de competitivida-de, no caso dos primeiros, ou os próprios empregos e ren-dimentos, no caso dos segundos, entre outras questões,passaram a depender ainda mais do conhecimento ade-quado da realidade em que tais mudanças estavam se de-senrolando. Os profundos descompassos entre os fenô-menos em curso e os dados a eles referentes tornaram-seemblemáticos da travessia a ser feita, convertendo-se noexpressivo e instigante desafio a ser encarado pela Fun-dação Seade.

PESQUISA DA ATIVIDADE ECONÔMICAPAULISTA: DESAFIO ASSUMIDO

Os marcos de referência estavam delineados com cla-reza. Tratava-se, portanto, de convertê-los em um planode ação, que, ao mesmo tempo, desenvolvesse as meto-dologias das pesquisas a serem realizadas e equacionasseas condições materiais, financeiras e institucionais reque-ridas para a sua concretização.

O campo metodológico configurava-se complexo erepleto de exigências de naturezas técnica e acadêmica.Os fenômenos cuja investigação pretendia-se levar a ter-mo não tinham sido objeto de nenhuma outra pesquisasemelhante em qualquer época. Ao mesmo tempo, já sehavia assentado a premissa de que o levantamento deve-ria ter abrangência totalizadora, capaz de permitir amplase minuciosas aferições, tanto do valor econômico gera-do, quanto dos processos de reestruturação produtiva emcurso. Assim, se alguma limitação se imporia, esta seriade caráter territorial: a pesquisa abrangeria tão-somenteo Estado de São Paulo.

O núcleo responsável pelo desenho da pesquisa e peloplanejamento da sua execução logo procurou articular-secom os centros de pesquisas econômicas que vinham igual-mente se inquietando com semelhantes indagações e cu-jos pesquisadores já estavam produzindo importantescontribuições ao estudo do tema. A colaboração obtidajunto aos Institutos de Economia e de Geociências daUnicamp, à Fundação Instituto de Pesquisas Econômicase à Fundação Vanzolini, ambas da Universidade de SãoPaulo, tiveram significado estratégico para a definição dospadrões conceituais do levantamento.

Ao mesmo tempo, agregou-se à equipe da FundaçãoSeade um grupo de consultores, cujos estudos acadêmi-cos também vinham se desenvolvendo em torno de temase objetos relacionados ao foco da pesquisa. Procurava-se

reunir, em torno do projeto, desde a sua montagem ini-cial, as melhores referências teóricas e práticas que seencontravam disponíveis. Com isso, a pesquisa acaboupor se converter na aspiração comum de todos os quepartilhavam, com grande ansiedade, a vontade de se con-seguir a superação do estágio de precário conhecimentoentão reinante.

No tocante aos aspectos institucionais, financeirose materiais, sabia-se que o êxito do empreendimentodependeria da forte associação que se lograsse estabe-lecer entre os diferentes atores para a sua concretiza-ção. Desde logo, foi fundamental o apoio obtido juntoà Fapesp – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estadode São Paulo – que prontamente reconheceu a relevân-cia estratégica do projeto para o avanço, em São Pau-lo, da investigação científica na área das ciências eco-nômicas e sociais, possibilitando, com a aprovaçãoconcedida ao projeto, a totalidade dos recursos neces-sários à realização do campo da pesquisa, aí conside-radas todas as etapas atinentes à coleta das informa-ções junto aos estabelecimentos econômicos. Res-salte-se que a etapa de trabalho de campo terá sido,dentre as várias fases da pesquisa, a de maior custo fi-nanceiro, quando tomada em separado, além do fato deque as exigências técnicas de tê-lo completamente exe-cutado em curto espaço de tempo acabariam inviabili-zando a sua realização não fosse o financiamento obti-do junto à Fapesp.

Da Finep – Financiadora Nacional de Estudos e Proje-tos – vieram os recursos que permitiriam custear o desen-volvimento de estudos da metodologia que seria aplicadano processo de captação das informações, resultando nosquestionários da pesquisa. Outra parcela dos recursosconcedidos pela Finep seria destinada a financiar o trata-mento analítico, com vistas à disseminação dos princi-pais resultados e conclusões propiciados pela pesquisa.

À Fundação Seade, com o emprego de recursos do seupróprio orçamento, reforçado por receitas provenientesda prestação de serviços, coube arcar com o restante dosgastos. Sublinhe-se que, desde 1992, vinha se realizan-do, na instituição, um esforço sistemático e significativode elaboração técnico-metodológica sobre o assunto. Umnúcleo composto por membros do quadro permanente econsultores, já naquele momento, debatia alternativas quetinham como propósito central a realização, no Estado deSão Paulo, sob a coordenação do Seade, de uma pesquisaeconômica voltada para a renovação da matriz de cálculodas contas regionais referentes ao Estado.

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Tal preocupação era fruto da ausência de perspectivaspara a execução, por parte do IBGE, de um novo censoeconômico que viesse finalmente substituir a superadabase de dados existente, cuja origem remontava ao censolevado a efeito em 1985. Entretanto, avançava o reconhe-cimento, por parte dos membros dessa equipe e especial-mente da direção da entidade, de que não seria convenien-te limitar o âmbito da pesquisa às mensurações de valoragregado, por mais importantes e necessárias que estasfossem. Imprescindível ir além, buscando-se investigar,em profundidade, todos os processos associados aos fe-nômenos da reestruturação produtiva, às mudanças tec-nológicas em curso, aos novos procedimentos de gestãoda produção, às questões relacionadas aos requisitos dacontratação de empregados à luz das transformações emandamento, etc.

Definidos os marcos teóricos da pesquisa e equacio-nados os recursos financeiros para a sua realização, ti-nha-se ainda o desafio de assegurar que, uma vez desen-cadeadas as operações de campo, fossem obtidas, comgarantia de sigilo, as melhores, mais consistentes e com-pletas informações jamais produzidas sobre a atividadeeconômica no Estado de São Paulo, como de resto emqualquer outra região do país. Para tanto, tornou-se cru-cial conquistar a confiança e o interesse das entidadesempresariais do Estado, representativas da indústria detransformação, da construção civil, do setor financeiro,do comércio, da agroindústria e dos serviços de informá-tica – as áreas temáticas abrangidas pela pesquisa.

Instalou-se, em conseqüência, um inusitado e fecundoprocesso de convivência institucional e técnica de coo-peração entre o Seade e as entidades representativas doempresariado. Ao mesmo tempo em que os seus dirigen-tes davam-se conta da importância da pesquisa, como ins-trumento essencial para a superação de carências básicasde informações que comprometiam o planejamento estra-tégico das empresas, os técnicos pertencentes aos depar-tamentos de estudos e pesquisas dessas entidades envol-viam-se no processo de elaboração final dos questionários,aportando preciosas contribuições ao seu aperfeiçoamento.

A Fiesp – Federação das Indústrias do Estado de SãoPaulo, a Fecesp – Federação do Comércio do Estado deSão Paulo, a Associação Comercial de São Paulo, a Fe-deração das Associações Comerciais do Estado de SãoPaulo, a Febraban – Federação Brasileira dos Bancos, oSinduscon – Sindicato da Construção Civil e a Sucesu –Sociedade de Usuários de Informática e Telecomunica-ções tornaram-se parceiros e fiadores do sucesso da em-

preitada. Não se tem notícia de algo equivalente na pro-dução do conhecimento cuja chave de entrada, estandoem mãos do setor empresarial, acabasse contando comparticipação tão dedicada quanto aquela concedida à pes-quisa por essas entidades.

A intervenção direta dos dirigentes empresariais nadivulgação da pesquisa junto aos seus pares e o ofereci-mento de espaço em seus órgãos de comunicação para apublicação de explicações minuciosas sobre a importân-cia do levantamento foram decisivos para que os pesqui-sadores da Fundação Seade fossem acolhidos com inte-resse e envolvimento pelos representantes de dezenas demilhares de unidades empresariais locais, nos mais dife-rentes pontos do território estadual. No caso do Sinduscon,pôde-se contar, inclusive, com a cessão de algumas desuas sedes regionais, que temporariamente abrigaram es-critórios de campo da pesquisa. O mesmo apoio foi obti-do junto às Associações Comerciais, facilitando-se enor-memente as operações de coleta dos dados.

Deve-se ressaltar que o engajamento das entidades derepresentação empresarial foi fundamental para que osíndices de recusa e/ou não-fornecimento de informações,freqüentemente muito elevados nesse tipo de pesquisa,atingissem níveis tão baixos quanto os que foram alcan-çados pela Paep, assegurando-se, com isso, altíssima qua-lidade e significância aos dados coletados, comparáveisàs melhores marcas alcançadas por semelhantes levanta-mentos realizados em alguns países desenvolvidos.

Para ampliar a garantia de acesso às informações, ain-da se obteve a importantíssima adesão do CRC – Conse-lho Regional de Contabilidade, cujos afiliados – pessoasfísicas e/ou jurídicas – são os responsáveis, em última ins-tância, pela produção de parte – e, em alguns casos, pelatotalidade – das informações econômicas de interesse dolevantamento.

Quando a logística da execução do levantamento decampo teve o seu desenho concluído e preparava-se odesencadeamento das operações de visita às empresas paraa obtenção das informações, o Consórcio Intermunicipaldas Bacias do Alto Tamanduateí e Billings (congregandoos municípios de Diadema, Mauá, Ribeirão Pires, RioGrande da Serra, Santo André, São Bernardo do Campo eSão Caetano do Sul) confirmou seu interesse na produ-ção de um desdobramento da pesquisa que possibilitassea produção de uma base de dados com representatividadeem separado para cada município dessa microrregião.

A peculiaridade da demanda consistia no fato de que,além do estrato certo (aquela parcela da pesquisa que al-

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cançaria a totalidade dos estabelecimentos existentes aci-ma de determinada quantidade de empregados e que jáseria levantada independentemente de qualquer solicita-ção especial ou particular), ter-se-ia que ampliar a parce-la de unidades locais a serem amostradas. Este aumentono número de estabelecimentos pesquisados incidiria ba-sicamente sobre unidades locais de médio e pequeno por-tes, uma vez que tal subuniverso de empresas, em funçãodo seu tamanho, integraria o estrato aleatório do levanta-mento, contemplado por sorteio probabilístico e original-mente calculado para ostentar representatividade apenasem âmbito de agregação supralocal.

Dado o interesse dos municípios participantes do con-sórcio de assumir um posicionamento mais ativo no en-frentamento das questões microrregionais, especialmen-te aquelas associadas ao desenvolvimento econômico comgeração de emprego e renda para as suas populações, adisponibilização da referida base de dados tornou-se com-ponente estratégico dos planejamentos regional e local.

A concordância da Fundação Seade em incorporar aoprojeto original essa proposta de ampliação do levanta-mento e a disposição do Consórcio Intermunicipal de ar-car com os custos adicionais envolvidos proporcionaramum desdobramento da mesma pesquisa para mais um re-corte regional além daqueles inicialmente planejados,possibilitando, ao mesmo tempo, a produção, no caso doABC paulista, de uma base de dados que sustentará a ela-boração de estudos em separado para os seus diferentesmunicípios.

Avançou-se a tal ponto nessa direção que, mais recen-temente, o consórcio dedicou-se à constituição da Agên-cia de Desenvolvimento Econômico do Grande ABC, hojeem franca atuação na elaboração de minuciosos diagnós-ticos sobre os principais problemas e desafios a seremenfrentados e na elaboração dos primeiros estudos desti-nados à implementação de ações de reconversão econô-mica que contribuam para a retomada dos investimentos,além de melhorar as perspectivas de geração de trabalhoe renda em cada uma das cidades da região. Para o dese-nho de tais ações, foi imprescindível o auxílio dos resul-tados da Paep referentes à região do ABC.

Sabidamente, o ABC paulista consagrou-se, durante opós-guerra, como o mais importante pólo industrial dopaís. Ali instalaram-se as primeiras empresas montado-ras do complexo automotivo, bem como divisões de rele-vante peso específico: indústrias química e petroquími-ca, eletroeletrônica, moveleira, mecânica pesada, auto-peças, entre outras.

Todavia, na presente década, a economia regional viu-se sacudida por fortíssimos abalos. Se, de uma maneirageral, a atividade industrial brasileira fora fortemente afe-tada pela maior exposição à concorrência externa e, noprocesso de modernização e/ou atualização em que seengajou, acabou submetendo-se a um leque de conseqüên-cias quase sempre contraditórias e de fortíssimos impac-tos, no tocante ao ABC paulista, a escala em que o solo semovimentou conferiu-lhe características de terremoto.

Nesse contexto, as lideranças políticas, empresariais esindicais da região, com o apoio e o engajamento da mí-dia regional, vinham manifestando contínuo apoio aodebate e à elaboração de estratégias voltadas para a supe-ração dos impasses e desafios colocados. Assim, a parce-ria que acabou por se estabelecer entre o consórcio demunicípios e a Fundação Seade, se, por um lado, atendeua uma demanda já em si relevante, por outro, veio ao en-contro de propósitos centralmente contemplados pelamissão institucional da Fundação, de modo especial quantoaos objetivos de oferecer respostas qualificadas aos seususuários e de aprofundar, através de parcerias revestidasde elevado interesse público, os graus de conhecimentodisponíveis sobre os fenômenos tão relevantes quantoesses em questão.

Assim, os dados que começam a ser divulgados, en-volvendo o conjunto dos recortes setoriais e regionaiscontemplados pela pesquisa em sua abrangência maisgeral, são reveladores da sua inegável oportunidade e doacerto da decisão de tê-la empreendido.

PRIMEIROS RESULTADOS DA PAEP:REFERÊNCIAS INÉDITAS E SURPREENDENTESPARA AS INDAGAÇÕES COLOCADAS

Não constitui propósito deste artigo o tratamento ana-lítico exaustivo dos diferentes e complexos temas que apesquisa abarcou. Em alguma medida, ainda estão por serconstruídos os marcos de referência sob os quais se pro-cessarão as abordagens exigidas pelos resultados. No pre-sente momento, as equipes de técnicos e consultores mo-bilizados diretamente pela Fundação Seade concentram-separa finalizar os trabalhos de consistência da base de da-dos, de sistematização dos principais elos de “amarração”das interpretações que a pesquisa proporcionará e de cons-trução das “portas” de entrada que estarão franqueadasaos diversificados usuários da sua base de dados.

Como primeira decorrência desse esforço, deve-se re-gistrar a ampla disseminação da base de dados original,

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em CD-ROM. Tal franquia, mesmo que longe de possibi-litar acesso irrestrito às informações, já está proporcio-nando fecundas incursões exploratórias sobre os dadosdisponíveis. Em conseqüência, vão sendo despertadasnovas e importantes indagações que conduzirão à elabo-ração de versões mais bem preparadas e “amigáveis” da-quele produto, de maneira a permitir que, preservadas assituações cobertas pela plena garantia de sigilo aos infor-mantes do levantamento, os seus usuários possam breve-mente ter acesso ainda mais amplo aos microdados.

A edição do presente número da revista São Paulo emPerspectiva constitui-se num segundo passo nessa mes-ma direção. Ao serem divulgadas algumas dessas incur-sões, feitas ainda sob a cobertura de resultados prelimi-nares, está-se atiçando o interesse de todos aqueles queestiveram demandando respostas às questões que acaba-ram por definir a Paep. Portanto, as observações a seguirbuscam, à luz das indagações expendidas anteriormente, tão-somente sublinhar algumas hipóteses analíticas ou verten-tes interpretativas, além de destacar outros aspectos bastan-te reveladores da riqueza e profundidade que caracterizarama pesquisa e que, por essa razão, deverão incentivar a ela-boração de trabalhos revestidos de incomum relevância, tantopara os usuários dos setores público e privado, como para osque se dedicam à atividade acadêmica.

Dentre as tendências mais assinaladas para a econo-mia paulista, que estariam sendo consolidadas na viradado milênio, destacava-se a desconcentração da atividadeindustrial, rumo ao interior do Estado – subsidiariamen-te, em direção a outras regiões do país –, acompanhadapor idêntico movimento do comércio e, em menor esca-la, dos serviços. De fato, os anos 80 foram marcados pelarealização de importantes investimentos industriais nointerior do Estado, ainda que grande parte deles em áreasmais próximas da região metropolitana.

Nitidamente, esses deslocamentos beneficiavam-sedas significativas vantagens comparativas oferecidaspelas novas localizações e aliviavam as empresas dascrescentes deseconomias provocadas pela excessivaaglomeração. Entretanto, a Paep revelou que estasempresas continuaram mantendo com a região metro-politana os mais íntimos nexos, uma vez que nesta áreapermaneceram seus centros de decisão e de planejamen-to. Quando emigravam, eram apenas as plantas produ-toras que se deslocavam.

Tinha-se, contudo, a impressão de que a atividade in-dustrial na região metropolitana, e marcadamente na ca-pital, passava por extenso e profundo esvaziamento e que

esse processo, iniciado na década passada, ganhara aindamaior intensidade nos anos 90. Reforçava essa leitura aconvulsão que tomara de assalto o mercado de trabalho,com a ascensão incontrolável dos índices de desempregoe o avanço assustador do fenômeno da precarização dascondições de trabalho.

Combinavam-se fenômenos distintos que se davamnum mesmo momento, confundindo causas ou explica-ções e seus efeitos. Assim, por exemplo, nem todo o de-semprego industrial, sequer a sua maior parcela, era de-corrente de uma diminuição dessa atividade na capital e/ou na região metropolitana, mas sim da sua moderniza-ção e, portanto, do seu fortalecimento. Dessa forma, en-quanto o interior do Estado e, em alguns casos, outrasregiões do país recebiam novos investimentos industriais,a região metropolitana reciclava a sua competitividade,através da reestruturação das plantas já instaladas e me-diante a introdução de novos métodos de gestão.

O ineditismo da Paep não impede comparações entreseus resultados e dados referentes a pontos anteriores daescala temporal, mas, como estes não existem, desconhe-ce-se o grau de “concentração” espacial da atividade in-dustrial, ou das demais atividades econômicas, porventuraprevalecentes ao final da década passada ou da que a an-tecedeu.

Porém, a Paep permite descrever a situação atual rela-tivamente ao ano-base da pesquisa, 1996. Os números sãoeloqüentes: a região metropolitana responde por 60,4%do valor adicionado industrial do Estado, por 56,8% docontingente de pessoal ocupado e detém 56,9% das uni-dades locais de natureza industrial. Se a esses resultadosforem acrescidos aqueles referentes às regiões de Campi-nas e de São José dos Campos, alcançar-se-ão os níveisde 83,0% do valor adicionado total, 78,1% do pessoal ocu-pado e 74,9% do número de unidades locais. Quando seacrescentam os dados das regiões de Sorocaba e da Bai-xada Santista, chega-se a 90,3%, 85,2% e 82,0%, respec-tivamente.

Ao restante do Estado está reservada a geração demenos de 10% do produto industrial paulista. Se, a estefato, for acrescentado outro, suficientemente reconheci-do, de que, desde as décadas de 70 e 80, a indústria haviadeitado importantes raízes nas regiões aqui citadas e queo anel por elas conformado, no entorno de cerca de 100km da capital, passou a constituir-se na área de expansãopor onde naturalmente se iria “esparramar” a atividadeindustrial que “transbordava” da região metropolitana, seráinevitável concluir, a despeito de algumas “evidências”,

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que nada se alterou na presente década, apenas reforça-ram-se as tendências de concentração da atividade indus-trial na própria região metropolitana e em seu entorno.

Indicadores semelhantes atestam idêntico comporta-mento para o comércio. Os estabelecimentos comerciais,na região metropolitana, respondem por 51,6% do valoradicionado total gerado no Estado, por 50,5% do pessoalocupado e são 40,5% das unidades locais. Quando acres-cidos os resultados referentes às regiões de Campinas ede São José dos Campos, as cifras alcançam 69,3% dovalor adicionado, 69,2% do pessoal ocupado e 61,4% donúmero de unidades locais. Se a esses resultados foremtambém incorporados os relativos às regiões da BaixadaSantista e de Sorocaba, os valores corresponderão a 76,6%,78,9% e 71,8%, respectivamente.

Ainda que de forma menos intensa, a concentração daatividade comercial também é muito significativa nomesmo espaço em que ocorre a concentração da indús-tria. Essa simetria é reforçada por diversos fatores, masconcorrem sobremaneira para isso, especialmente no casodo comércio, as concentrações da população, do empre-go e da renda, conformando um mercado consumidor cujadistribuição, em termos de poder de compra, deve guar-dar grande paralelismo com estas três variáveis.

Os dados já disponíveis sobre os serviços de informá-tica acentuam as tendências de concentração, em funçãode serem representativos das escolhas de localização es-pacial das empresas geradoras e/ou usuárias de alta tec-nologia. Assim, as unidades instaladas na região metro-politana respondem por 90,8% do valor adicionado totalgerado no Estado, por 85,6% do pessoal ocupado e por78,7% das unidades locais. Ao acrescentarem-se os re-sultados das regiões de Campinas e de São José dos Cam-pos, alcançam-se, respectivamente, as cifras de 98,5%,96,0% e 90,8%. Ora, tais serviços, estratégicos para agestão e operação das atividades industriais, comerciaise financeiras, concentram-se exatamente onde as demaisse expandem. Além disso, esse tipo de atividade requer aproximidade de centros de desenvolvimento tecnológicoe científico e estes, no Estado de São Paulo, também es-tão instalados na região metropolitana e no seu entorno.

Outros indicadores referentes ao setor industrial, cujosingular dinamismo fornece importantes referências parao melhor entendimento do padrão de desenvolvimento dasforças produtivas que se instalaram e, em alguma medi-da, se consolidaram no Estado de São Paulo e no país nosanos mais recentes, atestam que a concentração apontadapelos resultados anteriormente comentados constitui ten-

dência firme, destinada a se manter inalterada no futuropróximo.

Embora a Paep seja referente a um momento específi-co, alguns quesitos dedicaram-se a levantar informaçõescobrindo um período mais amplo, compreendido entre oano-base de 1996 e uma data anterior. Do total de 3.592empresas industriais multilocais, 1.276 (36% do total)abriram novas unidades locais entre 1990 e 1996. Des-sas, 53% instalaram novas unidades locais na própria re-gião metropolitana, 46% no interior do Estado (concen-tradamente no entorno metropolitano), 18% em outrosEstados, 2% no Mercosul e 1% em outros países (o totalsupera 100% porque a pergunta comportava resposta múl-tipla).

Quanto aos processos de reestruturação organizacio-nal e da produção, a estratégia mais adotada, alcançando64,2% das empresas – as quais representam, por sua vez,cerca de 90% do valor adicionado na indústria paulista –foi a introdução de novos métodos de organização do tra-balho. Tendo em vista que tais procedimentos acabaramimplicando extensos cortes no pessoal diretamente ocu-pado, ainda que uma parcela do emprego eliminado te-nha sido em verdade terceirizada, conclui-se que ocorreupelo menos um processo de “desindustrialização” doemprego. Esse fenômeno, entretanto, foi vislumbradocomo se estivesse havendo uma redução efetiva da pró-pria atividade industrial. Esta, ao contrário, cuidava demelhorar sua competitividade, acrescentando-se, por in-termédio dos novos métodos praticados, significativos ga-nhos de produtividade.

A altíssima concentração da atividade industrial naregião metropolitana, demonstrada pela geração de 60,4%do valor adicionado pela indústria em todo o Estado, ex-plica por que o desemprego industrial elevou-se tão ace-leradamente nessa região sem que, ao contrário do queequivocadamente se esteve inferindo, a própria atividadeestivesse definhando. Ora, se a geração de valor susten-ta-se em nível tão significativo de participação, é incon-testável que a atividade encontra-se fortalecida na região,deixando, entretanto, uma gravíssima seqüela social, re-presentada pela eliminação de mais de meio milhão deempregos no setor em curtíssimo período de tempo.

Não por acaso, dentre as regiões do Estado em quepodem ser desagregados os resultados da PCV/1998 –Pesquisa de Condições de Vida, da Fundação Seade, asde Campinas e São José dos Campos integram as queexibem as mais elevadas taxas de desemprego e são tam-bém as que revelam a maior participação na geração de

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valor adicionado industrial. Suas taxas de desempregototal, referentes a novembro de 1998, respectivamente15,1% e 18%, são bastante próximas da apurada, em se-tembro desse mesmo ano, para a Região Metropolitanade São Paulo: 17,3%.

Os resultados já disponíveis da Paep possibilitam ou-tras ricas incursões. O total de estabelecimentos indus-triais do Estado (unidades locais) alcançava, em 1996, amarca de 41.379 unidades. Destas, 660 empregavam maisde 500 pessoas em cada unidade e respondiam por R$ 88bilhões (57,14%) do valor adicionado gerado pelo con-junto das empresas industriais do Estado e por 793 milpostos de trabalho (37,09%). As empresas que possuíamentre 30 e 499 pessoas ocupadas geravam R$ 54 bilhõesdo valor adicionado (35,06% do valor total) e responsa-bilizavam-se por 973 mil ocupações (45,51% do total depostos). Os estabelecimentos com até 29 pessoas ocupa-das adicionavam R$ 12 bilhões (7,79% do total estadual)e detinham 372 mil empregos (17,40% do total de postosde trabalho existentes na indústria do Estado).

Sobressaem os imensos desníveis existentes entre gran-des, médias e pequenas empresas. Proporcionalmente aovalor da produção, os estabelecimentos de grande portecontribuem com parcela diminuta dos empregos. As em-presas médias, por sua vez, responsabilizam-se em maiorproporção pela geração de ocupações do que de valoradicionado. Os estabelecimentos de pequeno porte res-pondiam em muito maior medida pela manutenção deempregos do que pela criação de valor, aparentementeconfirmando as recorrentes assertivas de que competefundamentalmente às micros e pequenas empresas a tare-fa de gerar os empregos que deverão compensar a elimi-nação de postos de trabalho promovida pelas grandesempresas.

Deve-se admitir, entretanto, que no contexto acirra-damente competitivo em que se disputa a existência eco-nômica, a adoção de inovações constitui-se na pedra detoque da sobrevivência e do crescimento das empresasindustriais. Neste aspecto, as empresas de grande porteoutra vez se destacam. Dentre as que empregam 500 oumais pessoas, 69,7% são inovadoras e responsabilizam-se por 82,4% do valor adicionado total dos estabelecimen-tos de igual porte.

No outro extremo, dentre as empresas com 5 a 99 em-pregados, apenas 21,7% são inovadoras e participam com33% do valor adicionado gerado nesse segmento de ta-manho. Torna-se mais elevada a participação das empre-sas inovadoras no grupo das que empregam entre 100 e

249 pessoas, atingindo a marca de 51,7% dos estabeleci-mentos dessa faixa, responsáveis por 56,6% do valor adi-cionado pelo segmento. Das empresas com 250 a 499 em-pregados, 59,4% são inovadores e respondem por 61,7%do valor adicionado pelo conjunto de empresas com esseporte.

Na medida em que as empresas com até 99 emprega-dos representam 91,23% do total de unidades locais exis-tentes no Estado e destas apenas 21,7% são inovadoras,conclui-se que as pequenas e microempresas são bastan-te refratárias às inovações ou, o que é ainda pior, a elasnão têm acesso e, por essa razão, estão fadadas à obten-ção de resultados econômicos muito distanciados dosexibidos pelas mais competitivas e, em decorrência, es-tão mais sujeitas ao fracasso ou a níveis de desempenhopouco estimulantes.

Tais inferências ganham maior nitidez quando se ana-lisam outros indicadores. Ao se comparar os saláriosreais médios pagos pelos estabelecimentos industriais, es-tratificados segundo o porte, verifica-se que, em valoresde dezembro de 1996, nas empresas com até 29 emprega-dos, atingia-se a cifra de R$ 403,08, passando a R$ 728,36nas empresas entre 30 e 499 pessoas ocupadas, para al-cançar R$ 1.221,44 no grupo de estabelecimentos com500 ou mais pessoas ocupadas.

Tão flagrantes discrepâncias indicam que, do ponto devista dos empregados e do mercado consumidor, os vín-culos gerados pelas micro e pequenas empresas são demuito pior qualidade em face dos oferecidos pelos esta-belecimentos de maior porte, certamente refletindo a bai-xa rentabilidade dos negócios mantidos pelas empresasde pequeno porte.

Tomados os indicadores referentes à participação dasempresas, segundo o tamanho, em atividades de exporta-ção, constata-se que, do total de estabelecimentos com 500ou mais empregados, 72% eram constituídos de empre-sas exportadoras, percentual que se reduz para apenas 22%quando consideradas as empresas com 30 a 499 pessoasocupadas e que se torna insignificante para o grupo da-quelas com até 29 empregados (2%).

É sabido que a inserção no comércio internacionalexige níveis bastante elevados de qualidade e compe-titividade dos produtos e serviços comercializados,decorrendo da sua ausência a baixíssima participaçãodas pequenas e médias empresas no esforço exporta-dor. Resta-lhes, dessa forma, o mercado interno. Este,entretanto, graças à abertura comercial, encontra-se hojemais franqueado à penetração das importações, mes-

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mo sob a vigência de taxas de câmbio menos aprecia-das do que as que vigoraram até janeiro de 1999. Taisempresas tendem a sofrer, portanto, crescentes dificul-dades na disputa por espaços no mercado interno agra-vada pela conjuntura recente, com a estagnação do cres-cimento. Para superá-las dependerão mais e mais daincorporação de competitividade, o que se traduz naintrodução de inovações, bem como dos ciclos quevenham a favorecer a expansão do mercado interno.

No tocante ao treinamento próprio de pessoal, 75% dasempresas com mais de 500 empregados o fornecem, cifraque cai para 28% no grupo de estabelecimentos com 30 a499 ocupados e para 4%, quando consideradas as empre-sas com até 29 pessoas empregadas. Já com referência àutilização de técnicas de gestão de qualidade total, cons-tata-se que 65% das empresas com mais de 500 ocupadosas aplicam, enquanto no grupo de estabelecimentos com30 a 499 empregados essa prática alcança 39% das em-presas, reduzindo-se para 20% no caso daquelas com até29 ocupados.

Finalmente, quando confrontados os dados referentesao fornecimento de benefícios aos seus empregados, ve-rifica-se que os do tipo mais usual – vale-refeição, trans-porte oferecido pela própria empresa, plano de saúde,convênios odontológicos, óticos e farmacêuticos – alcan-çam níveis muito elevados, superiores a 80% dos estabe-lecimentos com 500 ou mais empregados, com exceçãode transporte que atinge 67%. São razoáveis os níveisexibidos pelas empresas com 30 a 499 pessoas ocupadas,mas se reduzem a patamares muito baixos, inferiores a30% das empresas do grupo, as ofertas desses benefíciospor parte dos estabelecimentos com até 29 ocupados.

No caso de benefícios menos usuais, como seguro devida ou participação nos lucros e resultados, constata-seserem típicos das empresas de grande porte, com 500 oumais empregados. Também com respeito a conquistasainda menos freqüentes, como o acesso a previdência pri-vada, a creche para filhos de funcionários, a linha de cré-dito para empregados ou a plano de reembolso vinculadoao salário, notou-se participação significativa apenas dasempresas de grande porte.

Se os caminhos para se alcançar empregos de melhorqualidade continuarem dependendo dos estabelecimentosde maior porte, particularmente quando se tratar de em-presas industriais, eles se tornarão cada vez mais estrei-tos e menos acessíveis. Desse modo, a atração de novosinvestimentos no setor e a preservação daqueles existen-tes mais estarão se distanciando dos objetivos de geração

de ocupações e mais estarão associadas a objetivos estra-tégicos de ocupação e conquista de mercados, quer emâmbito local, quer especialmente com respeito à inserçãoexterna.

Sendo assim, as ações voltadas para a criação de em-pregos deverão necessariamente ultrapassar as políticaspassivas cada vez mais presentes nas iniciativas dos go-vernos estaduais e municipais, que acabam meramente fo-mentando sucessivas escaladas na “guerra fiscal”, ao in-vés de exercerem qualquer papel indutor, orientador ouordenador do desenvolvimento e do crescimento econô-mico.

Em seu lugar, deverão ser desenhadas políticas desti-nadas a efetivamente promover a expansão dos investi-mentos para aqueles espaços menos subordinados à lógi-ca do “transbordamento natural” das atividades inten-samente concentradas nos espaços em que originalmentese estabeleceram. Trata-se, tipicamente, do caso do Esta-do de São Paulo, onde o deslocamento de plantas para ointerior tem estado inteiramente vinculado a essa lógica.

Assim tem sido, a despeito dos esforços despendidospor um crescente número de municípios, à custa de in-centivos e renúncias fiscais concedidos. As razões deter-minantes da decisão locacional freqüentemente estão as-sociadas a fatores de outra natureza, tais como proxi-midade das fontes de abastecimento e dos mercados deconsumo, acesso aos corredores de distribuição, proxi-midade dos centros de fornecimento de tecnologia e demão-de-obra mais qualificada, etc. Em vista disso, aca-bam sendo reforçadas as tendências de concentração dasatividades no restrito território em que elas, hoje, já seconcentram, uma vez que nele também estão intensamentepresentes os requisitos apontados como mais relevantespara a decisão.

Entretanto, ainda que os incentivos fiscais acabem nãosendo o principal fator a influenciar definitivamente amaior parte das decisões, ou que isoladamente pouco sig-nifiquem para que elas sejam tomadas, a verdade é que asempresas, diante da vulnerabilidade política dos adminis-tradores, acabam os exigindo e quase sempre conseguin-do esses benefícios, que se transformam em ganhos com-parativos adicionais em detrimento de finanças públicasjá combalidas.

Aspecto não menos importante para o melhor entendi-mento dos fenômenos em curso e dos processos decorri-dos diz respeito às características do controle patrimonialdas empresas investigadas nos diferentes setores cober-tos pela pesquisa, mas com particular ênfase para as divi-

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sões da indústria. Assim, por exemplo, constatou-se queas empresas associadas a grupos empresariais são respon-sáveis por 71% do valor adicionado industrial paulista,com destaque para os grupos controlados por pessoa jurí-dica, que correspondem a 55%, restando 16% para o con-trole de pessoas físicas. Depreende-se daí que as empre-sas de maior capacidade econômica são justamente asresponsáveis por mais do que dois terços da produção total,amplificando as tendências à concentração.

Este comportamento é reforçado pelo fato de que 873empresas, apenas 2,11% do total de unidades, mas quesão responsáveis por pelo menos 40% das receitas indus-triais, efetuaram aquisições ou incorporações entre 1990e 1996. Ao mesmo tempo, em idêntico período, 6.520 em-presas industriais paulistas mudaram de controle, passandopara o rol de estabelecimentos e/ou grupos empresariaiscom maior poderio econômico e produtivo.

Avançou, por outro lado, a internacionalização do con-trole patrimonial da indústria paulista, ainda que de ma-neira diferenciada segundo divisões e categorias de ativi-dade. Não obstante a pequena quantidade de empresas sobcontrole do capital estrangeiro (apenas 2,2% do total deunidades), estas já respondem pela geração de 37% dovalor adicionado total industrial no Estado. Como, em suamaioria, tais empresas estão inscritas no grupo das demaior porte (com 500 ou mais empregados), também os-tentam os mais elevados níveis de inovação, já que 90,1%podem ser consideradas inovadoras. Quando os dados sãodesagregados por divisão, nota-se que as empresas decapital estrangeiro compõem a maioria dentre as do seg-mento químico (55,6% do valor adicionado), as de mate-rial eletrônico e de comunicação (53,2% do valor adicio-nado) e automobilística (73,9% do valor adicionado).

Também constatou-se que, independentemente de suaparticipação mais ou menos expressiva no valor adicio-nado total, os ramos de maior competitividade e densida-de tecnológica, como os voltados para a produção de equi-pamentos óticos e de precisão, material elétrico, de trans-porte e máquinas e equipamentos, aqui incluídos os deinformática, são justamente aqueles em que é muito maiora participação do capital estrangeiro.

Contrapondo-se a essa configuração, verifica-se o pre-domínio de empresas exclusivamente nacionais nos seg-mentos mais tradicionais, como as indústrias têxtil, dovestuário, do couro e calçados e de produtos de metal.Além dessas, seguem sob o controle de capital nacionalos ramos que, para se consolidar, contaram no passadocom forte estímulo ou proteção estatal, como a indústria

de refino do petróleo e do álcool, a extrativa e a da meta-lurgia básica e fabricação.

A Paep também revelou que a indústria paulista exibeampla diversidade e complexidade, com suas atividadesestendendo-se a praticamente todas as divisões e segmen-tos da indústria de transformação. Com efeito, os anosmais recentes, até a data da pesquisa e mesmo até o anoseguinte, foram repletos de movimentos que aparentemen-te reforçaram a diversidade preexistente.

Assim, muito embora as hipóteses levantadas sobre aeventual ruptura de algumas cadeias produtivas ou sobrea eventual tendência de eliminação por inteiro de algunsramos ou gêneros da paisagem industrial paulista depen-dam, para a sua recusa ou confirmação, de estudos maisaprofundados sobre a base de dados, bem como da novatomada da pesquisa a ser feita tendo por referência o ano2000, os dados já disponíveis apontam no sentido con-trário, estimulando a hipótese de que, ao menos no Estadode São Paulo, alargou-se a base industrial e moderniza-ram-se as empresas pertencentes àqueles ramos e gê-neros em que o Estado ostentava incomparáveis vantagenscompetitivas.

De qualquer forma, constata-se também que são inci-pientes as presenças dos ramos e gêneros que, em escalamundial, detêm a liderança das mudanças tecnológicas ea vanguarda competitiva. Em São Paulo, fortaleceram-seaqueles segmentos que já eram os mais fortes nas duasdécadas anteriores.

Deve-se aguardar a oficialização dos resultados da novaPAI – Pesquisa Anual da Indústria, realizada em 1998 peloIBGE. Entretanto, dados preliminares desse levantamen-to, recentemente ventilados, estariam apontando a manu-tenção, pelo Estado de São Paulo, de posição semelhantea que exibia há duas ou três décadas na geração do PIBindustrial do país, quando os demais Estados em seu con-junto, salvo os de industrialização já iniciada, não osten-tavam participação estatisticamente significativa na pro-dução industrial brasileira.

Como se pôde ver, a Paep constitui-se num riquís-simo manancial de informações, em grande medidainéditas e de representatividade estatística incompará-vel, dado não só o caráter praticamente censitário querecobre os dados obtidos sobre as parcelas mais rele-vantes do produto econômico adicionado em cada se-tor pesquisado, mas também porque os estabelecimen-tos integrantes do denominado estrato certo (em quese deu o recenseamento) compõem o mosaico mais ricono tocante às diferentes mudanças em curso nas estru-

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turas produtivas e que ainda estão muito longe de seesgotar.

Nestes apontamentos e para simplesmente assinalar osobjetivos deste artigo, foram suficientes as notas e comen-tários expendidos e que se limitaram a abordar aquelescomportamentos e mudanças mais visíveis na indústriapaulista. Deve-se, entretanto, aprofundar a análise nãoapenas nesse terreno, como também nos demais setorescobertos com idêntica acuidade e precisão pela pesquisa.Parte dessa caracterização preliminar está sendo ofereci-da aos leitores pelos demais artigos que se encontram nestaedição da revista São Paulo em Perspectiva, mas se espe-ra muito mais das análises que certamente serão produzi-das pelos incontáveis e especialmente qualificados usuá-rios da base de dados gerados pela Paep e que tãoansiosamente estiveram aguardando a sua divulgação.

A extensa e profunda exploração que atingirá a basede dados objeto de ampla e generalizada disponibiliza-ção por parte da Fundação Seade encarregar-se-á de ofe-recer as melhores e mais consistentes respostas a todosos interessados nos temas apontados nos itens anteriores.O Seade, além disso, prosseguirá atendendo às demandasque vierem a ser colocadas por aqueles pesquisadoresvoltados para a elaboração de estudos ainda mais apro-fundados que venham a requerer, para tanto, a confecçãode processamentos e/ou tabulações especiais.

A instituição já está se debruçando com todo o afinco,acrescido dos privilegiados ensinamentos recolhidos du-rante a realização da Paep-1996, sobre as tarefas envol-vidas no planejamento e desenho da Paep-2000, a ser rea-lizada durante o ano de 2001. Aos que temerariamentepossam considerar esta decisão como cercada de excessi-va prudência, é conveniente sublinhar que a pesquisa oradivulgada teve o seu planejamento iniciado em 1992 e,desta vez, está-se a apenas 18 meses da data prevista parao início do próximo levantamento!

MISSÃO INSTITUCIONAL DA FUNDAÇÃOSEADE: COMPROMISSO COM A SOCIEDADEEM CONSTRUÇÃO

A realização da Paep estende-se, do ponto de vista dosobjetivos que lhe foram determinantes, para muito alémdos seus próprios e significativos marcos. Concluí-la re-presentou o coroamento de um ambicioso, porém inde-clinável projeto de construção institucional, sustentadopela premissa de que o fulcro da missão reservada à Fun-dação Seade repousava sobre a tarefa de oferecer, aos

múltiplos usuários de informações estatísticas sobre oEstado de São Paulo, uma visão abrangente e estruturadado conjunto de aspectos mais relevantes e decisivos paraa formação social e econômica do Estado, em permanen-te processo de mudança.

Sob tal desígnio, a instituição especializou-se e, aolongo da atual década, finalmente converteu-se em cen-tro de altíssima qualificação na produção de indicadoresdemográficos e socioeconômicos, revestidos de procedi-mentos metodológicos marcados pelo rigor da excelên-cia, tanto na captação dos dados quanto no seu processa-mento e análise.

Constituem marcos dessa capacidade de prover infor-mações de qualidade a PED – Pesquisa de Emprego eDesemprego, realizada mensalmente de forma ininterruptadesde 1985, a PCV – Pesquisa de Condições de Vida, le-vada a campo a cada quatro anos desde 1990 – o últimolevantamento foi realizado em 1998 –, os Sistemas de Es-tatísticas Vitais e de Projeções Populacionais, que acu-mulam informações atualizadas mês a mês, com defasa-gens de no máximo 90 dias, e, de modo particular, pelo seupioneirismo e qualificação metodológica, o Sensor RuralSeade, que quadrimestralmente registra a demanda da forçade trabalho agrícola no Estado de São Paulo e no Brasil.

Paralelamente, em vista da sua importância para o pla-nejamento das políticas públicas, cuja execução vem sedando de forma cada vez mais descentralizada, tornou-seimprescindível contar com as mais diversificadas infor-mações de âmbito municipal. Introduziu-se, em conse-qüência, a PMU – Pesquisa Municipal Unificada, de rea-lização bienal, já acumulando três rodadas de coleta edisseminação de resultados, a última delas tendo por re-ferência o ano de 1998. Em complemento, ganhou maiorenvergadura o Sistema de Acompanhamento de FinançasPúblicas, com óbvio destaque para as informações sobrefinanças municipais.

Restava, entretanto, um elo imprescindível para quese completasse a missão de fornecer pleno conhecimentodos principais determinantes da formação econômica esocial paulista, em seu processo contemporâneo e cotidi-ano. Ainda não se dispunha em São Paulo, como conti-nua não se dispondo no país, de um instrumento de pro-dução periódica e sistemática de estatísticas relacionadasà esfera das estruturas da produção econômica que, ade-mais, não se limitasse ao importante, porém insuficiente,acompanhamento e mensuração dos processos de gera-ção e agregação de valor durante a produção dos bens eserviços.

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INFORMAÇÃO E MISSÃO INSTITUCIONAL: PESQUISA DESVENDA ECONOMIA PAULISTA

Diante dos cenários da globalização e considerandoos seus impactos sobre o Brasil e principalmente sobreo Estado de São Paulo, os desafios colocados pelos pro-cessos em curso exigiam a realização de complexa esofisticada pesquisa, que permitisse dar conta de inda-gações que ultrapassavam o conhecimento estatísticodisponível e que estavam impondo a necessidade de quese desenvolvesse metodologia de coleta e tratamentodos dados, revestida de grande originalidade e cujaconfecção demandaria um amplo e generoso desenvol-vimento científico.

A Paep – Pesquisa da Atividade Econômica Paulistaconstitui-se, portanto, no marco mais representativo doalcance, pela Fundação Seade, dos mais elevados propó-sitos que poderiam ter sido almejados e conquistados pelainstituição. Com isso, mais do que emblemática de umnotável feito, a sua existência também passa a significarque o futuro estará cobrando a preservação desse novopatamar atingido, impondo aos seus dirigentes e técnicos,como principal sinal da vitalidade e legitimidade da ins-tituição, a busca permanente das condições que possibili-tarão perpetuar e ampliar o papel que lhe foi reservado.

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M

SOBRE OS MODOS DO FAZER novas institucionalidades para as pesquisas

econômicas em São Paulo

LUIZ HENRIQUE PROENÇA SOARES

Sociólogo, Coordenador Geral da Paep, Diretor Adjunto de Produção de Dados da Fundação Seade

uito provavelmente, o interesse de boa partedos leitores deste número de São Paulo emPerspectiva estará concentrado nos inéditos

informações socioeconômicas e em nossas próprias ativida-des analíticas da cena paulista, de se obter estatísticas con-fiáveis, representativas e atualizadas sobre o universo deempresas instaladas no Estado de São Paulo, em seus aspec-tos econômico-financeiros e técnico-produtivos.

Como se sabe, desde 1960, a produção de estatísticaseconômicas no Brasil esteve fortemente ancorada na rea-lização dos censos econômicos pelo IBGE, com periodi-cidade qüinqüenal a partir de 1970 até 1985, quando fo-ram suspensos. Pouca ou quase nenhuma iniciativa cabiaaos Estados e municípios nessa matéria, mesmo os provi-dos de instituições estaduais de produção de estatísticas einformações. As exceções correm por conta dos cálculosdas contas regionais a partir de metodologia disseminadapelo próprio IBGE.

É preciso que se diga, em favor do fortalecimento dasatividades de produção e análise de estatísticas, que a in-certeza reinante no início dos anos 90, quanto à estraté-gia e às condições de funcionamento do IBGE nesse e emoutros domínios, provocava significativas e justificadasinquietações em toda a comunidade usuária de informa-ções socioeconômicas. Incerteza produzida por fatos comoo protelamento do Censo Demográfico de 1990 para 1991,a não realização do Censo Econômico de 1990, o atrasona divulgação das pesquisas anuais (PIA, PAC, etc.), asdificuldades de acesso aos resultados do Censo Econô-mico de 1985, para citar alguns dos problemas à épocadiscutidos. Não cabe aqui analisar as razões que levarama essa situação, felizmente superada, de debilitamento daentidade nacional de produção de estatísticas. Haverá cer-tamente as internas ao IBGE, tais como suas grandes di-

resultados que a Pesquisa da Atividade Econômica Pau-lista – Paep gerou, permitindo o primeiro sobrevôo ana-lítico que aqui se apresenta em diversos artigos. Poucadúvida há quanto a ser exatamente isto – a divulgaçãode resultados – a realização plena da finalidade precípuade instituições que, como a Fundação Seade, têm nocentro de sua missão institucional as tarefas de coleta,tratamento, análise e disseminação de estatísticas. Istonão se realiza, entretanto, como simples registro foto-gráfico de evidências: “Todo mundo sabe que os‘fatos’são construídos e que a observação é um pro-cesso de definição do objeto”, como lembra Besson(1995). Tampouco as estatísticas se fazem descoladasdo contexto social, político e institucional em que ope-ram instituições e agentes de algum modo envolvidosna sua produção e no seu uso: “...as estatísticas não re-fletem a realidade, refletem o olhar da sociedade sobresi mesma” (Besson, 1995). É para tais aspectos, em quea Paep também inova, que gostaria, nestas breves no-tas, de chamar a atenção do leitor. Menos por eventualpretensão nesse inovar, do que como contribuição parao pensar a (re)construção de um Sistema EstatísticoNacional, à luz do ambiente democrático em que vive-mos hoje, em meio ao processo de requalificação dopacto federativo e sob a forte influência de um períodohistórico marcado pelo uso intensivo da informação.

A Paep foi gestada no início desta década como fruto danecessidade, percebida junto à comunidade de usuários de

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SOBRE OS MODOS DO FAZER: NOVAS INSTITUCIONALIDADES PARA AS...

mensões, a forte centralização de seus processos produti-vos e outras, sobre as quais o observador externo àquelainstituição pode intuir ou formular hipóteses, mas dificil-mente aprofundar-se de maneira conseqüente. No entan-to, esta fragilização adveio, em larga medida, da crise ge-rada em todo o setor público federal naquele período, peloarremedo de reforma administrativa praticado pelo gover-no Collor e pela própria crise de financiamento do setorpúblico no Brasil – situação que, de resto, perdura até osdias de hoje. Somente em 1994, a diretoria de Pesquisasdo IBGE veio a público explicitar o novo modelo de pro-dução de estatísticas econômicas. Este, mesmo tendo aban-donado os levantamentos censitários, significava efetivoavanço no quadro vigente, ao definir-se, enfim, uma novaestratégia. Anunciavam-se como próximos passos a pu-blicação da nova Classificação Nacional de AtividadesEconômicas – CNAE, a realização da Pesquisa do CensoCadastro, a reformulação das pesquisas anuais (PIA ePAC) e a realização posterior de pesquisas satélites. Nes-se momento, entretanto, já ia adiantada a construção me-todológica e institucional da Paep.

A reforçar a carência de estatísticas econômicas, ha-via a percepção de que, ao se abrirem as fronteiras daeconomia brasileira à competição internacional, produzi-ram-se significativos impactos sobre as empresas aquiinstaladas. Rapidamente parecia disseminar-se o uso denovas tecnologias, em especial no tocante à informática– cuja legislação de proteção havia expirado em 1991 –,mas também quanto a novos métodos de organização daprodução; novos requisitos para a contratação da forçade trabalho; nova divisão de trabalho entre empresas de-corrente, dentre outros fatores, das terceirizações e sub-contratações; o uso de Internet e de novas formas de co-municação entre empresas de uma mesma cadeia produ-tiva, bancos e clientes; e muito mais. As mudanças eramjá perceptíveis em universos explorados por pesquisascomo a PED – Pesquisa de Emprego e Desemprego naGrande São Paulo, que sinalizava não apenas patamaresmais elevados de desemprego, mas igualmente alteraçõesnas formas de ocupação, com a precarização dos vín-culos, a tendência à terciarização do mercado de tra-balho, etc.

“A literatura econômica produzida no Brasil acumu-lou um rico conhecimento empírico, baseado em surveyssetoriais e em estudos de caso de empresas, mas pouco seavançou no entendimento do processo de modernizaçãoe difusão tecnológica e de suas implicações, quando tra-tados de maneira agregada e intersetorialmente. Existem

aspectos da reestruturação produtiva que dizem respeitoa um amplo processo de mudança tecnológica, organiza-cional e territorial, cujo conhecimento é apenas parcial-mente captado pelos indicadores econômicos. Além dis-so, a elaboração de metodologias e a construção de sérieshistóricas de indicadores de eficiência produtiva, de ino-vação e capacitação tecnológicas e de competitividade sãotemas pouco explorados nas pesquisas... Inexistem por-tanto informações em volume e profundidade suficientespara instrumentalizar políticas públicas condizentes coma dinâmica atual em uma perspectiva de médio e longoprazos.” É o que se explica nos Registros Metodológicosdo CD em que se divulgam os resultados da Paep.

Por fim, sentia-se a necessidade de avaliar o impactoespecífico das transformações econômicas ocorridas nasegunda metade dos anos 80 e no início dos 90, especifi-camente no interior de São Paulo. Faltavam dados maisprecisos sobre a dinâmica das principais regiões econô-micas do Estado e, nelas, sobre alguns setores de impor-tância para a economia paulista, como no caso dos prin-cipais ramos da agroindústria, das indústrias têxtil, cal-çadista, etc. As pesquisas anuais existentes (PIA, PAC,entre outras), mesmo se feitas e disponibilizadas em pe-ríodos razoáveis, não permitiriam, por pretenderem darconta do universo nacional, desagregações em níveis infra-estaduais, exceto para as regiões metropolitanas.

Lamentavelmente, nem mesmo os registros adminis-trativos existentes (ainda que superadas, por hipótese,eventuais dificuldades de acesso) cobriam tais lacunas,seja por subnotificações dos procedimentos supostamen-te controlados, seja por terem abrangências limitadas, sejaporque rarissimamente se prestam à utilização para finsestatísticos. Exceção importante é dada pelo sistema Rais/Caged, do Ministério do Trabalho, que se constituiu emimportante fonte cadastral para pesquisas no mundo em-presarial.

Assim, a Fundação Seade, em sua dupla condição deprodutora e usuária de estatísticas socioeconômicas, res-sentia-se, e manifestava isto a seus parceiros, da carênciade tais informações – fossem as relativas à mensuraçãopropriamente dita, base para o cálculo do PIB e de outrosagregados macroeconômicos referentes ao Estado de SãoPaulo, ainda em boa parte ancorados na matriz de 1985,fossem os indicadores qualitativos da velocidade, inten-sidade e abrangência dos processos de mudança. Era im-prescindível que se completassem as informações sobrea dinâmica socioeconômica (obtidas através das pesqui-sas domiciliares produzidas pela Fundação Seade, em

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especial, como se disse, a PED, mas também a Pesquisade Condições de Vida – PCV, o acompanhamento da di-nâmica demográfica, as informações setoriais e do padrãode intervenção das prefeituras municipais – eixos estru-turadores das atividades-fim do Seade) com outras infor-mações, colhidas diretamente junto às empresas. Deu-seinício então, a partir de 1992, à construção metodológicada Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep.

Tratava-se de desenhar um projeto inédito de pesquisadireta, periodicamente atualizável, de âmbito estadual,junto a um expressivo conjunto de empresas. Em outrasocasiões, a Fundação Seade já havia ousado inovar naelaboração de metodologias de pesquisas diretas, segui-das da realização dos levantamentos de campo, como noscasos da PED, da PCV e da Pesquisa Municipal Unifica-da – PMU. Era, no entanto, a primeira vez que se lançavana realização de pesquisa junto a empresas, tendo em vistacriar um instrumento para a formulação de políticas ade-quadas ao novo cenário (fornecendo), tanto aos gestoresdo poder público como às empresas privadas, indicado-res básicos para a fundamentação de suas decisões, alémde tornar disponível ao meio acadêmico um banco dedados atualizado para a elaboração de pesquisas.1

Muito rapidamente, deu-se conta da complexidade edo ineditismo da tarefa, no campo que se poderia chamarde técnico-científico (Senra, 1998) da produção estatísti-ca, relativo à objetivação dos fatos a serem investigados,já que a existência destes era, em boa parte, fenômenorecente, cuidando-se ainda de buscar as melhores esco-lhas em termos da sua comensurabilidade. Procurou-setodo o tempo trabalhar no sentido de produzir indicado-res nacional e internacionalmente comparáveis, apesar dasparcas referências encontradas quanto a levantamentosprimários dessa envergadura na literatura internacional.

Ao mesmo tempo percebeu-se, em boa medida graçasàs discussões em curso em diversos fóruns acerca do cha-mado Sistema Estatístico Nacional e das relações entreprodutores, especialistas e usuários de estatísticas, a ri-queza potencial do plano sociopolítico (Senra, 1998) desseprocesso.

Oferecia-se, então, rara oportunidade para a constru-ção de mecanismos abrangentes e mais democráticos deprodução de estatísticas em nosso Estado. A primeiraagência procurada foi o próprio IBGE. Envolvido em sig-nificativo processo de mudança, estabeleceu uma parce-ria que levou a Fundação Seade à aplicação, na RegiãoMetropolitana de São Paulo, do questionário da Pesquisado Censo Cadastro junto a um conjunto de quase 120.000

empresas – um dos primeiros alicerces do novo processode produção de estatísticas econômicas. Além disso, re-cebeu cinco técnicos desta Fundação para, ao longo deaté um ano, trabalharem em áreas estratégicas desse pro-cesso. Isto propiciou intenso e importante debate meto-dológico entre as equipes técnicas de ambas as institui-ções, facilitando, posteriormente, o acesso privilegiadodo Seade a cadastros, assim como o intercâmbio de resul-tados das pesquisas anuais para batimentos e compara-ções com os da Paep.

Foram ao mesmo tempo chamados a participar dos tra-balhos especialistas vinculados aos mais relevantes cen-tros de produção do pensamento econômico no Estado deSão Paulo, como os Institutos de Economia e de Geo-ciências da Unicamp, a Fipe e a Fundação Vanzolini daUSP, o Dieese, o Cebrap, a PUC/SP. Para além das con-tribuições individuais de muitos especialistas, tais enti-dades foram institucionalmente convidadas a participardo processo de produção dos questionários, a orientar e/ou referendar escolhas metodológicas e conceituais emesmo a selecionar eixos de exploração da pesquisa.

A agregação de tais competências foi facilitada, emgrande medida, pelo aporte de recursos financeiros trazi-dos pela Finep, ao incluir a Paep em seu Plano de Açãopara a Área Social, na chamada relativa a Macropolíticasde Modernização. Uma das linhas prioritárias deste pla-no era apoiar estudos sobre Inserção Competitiva e Mo-dernização Produtiva. Além disso, os recursos da Finepprevêem, na etapa de análise dos resultados, a realizaçãode estudos exploratórios iniciais por parte daqueles e deoutros especialistas e entidades de pesquisa voltados aostemas abordados.

Posteriormente, fundamental ajuda financeira foi tra-zida pela Fapesp que, preocupada com as recorrentes de-mandas, nos projetos de pesquisa a ela submetidos, porrecursos para a realização de pesquisas diretas e levanta-mentos de dados primários, refletindo a carência de in-formações econômicas atualizadas, decidiu custear par-cela significativa da etapa de campo. Assegurava-se, comisso, a realização da Paep, pois, com essas duas contri-buições, somadas aos recursos orçamentários e às recei-tas próprias da Fundação Seade, pôde-se apostar numcenário favorável para o equacionamento financeiro dapesquisa.

Entretanto, considerou-se imprescindível o envolvi-mento do universo empresarial, com o qual buscou-se criarvínculos de troca. Estabeleceram-se com as entidades re-presentativas do empresariado – Fiesp, Federação do Co-

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mércio, Associação Comercial de São Paulo e Federaçãodas Associações Comerciais do Estado, Conselho Regio-nal de Contabilistas, Sinduscon, Aberje, Associação Bra-sileira de Agribusiness, Abigraf e diversas outras organi-zações – inéditos e significativos vínculos de cooperação,que permitiram ampliar e precisar os horizontes da in-vestigação, trouxeram à Paep importantes subsídios téc-nicos e metodológicos, materializados em inúmeras reu-niões efetuadas com os corpos técnicos dessas entidades,e também aportaram respaldo institucional para a ida àsempresas. Não sendo a Fundação Seade entidade tão co-nhecida de nossos informantes, obteve-se daquelas insti-tuições a chancela simbólica para a realização da Paepjunto a seus associados, expressa por suas logomarcasimpressas no material de campo. Além disso, o Sindusconabrigou em suas sedes regionais de Campinas e Bauru a equipede campo da Paep, o mesmo acontecendo com as associaçõescomerciais e industriais de Sorocaba e Ribeirão Preto e com asprefeituras de Santo André e São José dos Campos.

Estabeleceu-se um cuidadoso plano de divulgação so-bre a realização e os objetivos da pesquisa, incorporandoa mídia setorial e associativa, que lhe ofereceu amplacobertura, assim como os grandes órgãos de comunica-ção, de modo a reduzir as recusas. Mencione-se tambéma oportuna colaboração da Imprensa Oficial do Estado,com a impressão gratuita das duas edições do Jornal daPaep, distribuído aos entrevistados e às mencionadas en-tidades, do material de divulgação, dos questionários emanuais de aplicação da pesquisa. Esse material incluía,além dos questionários em papel, versões em disquete,tendo em vista facilitar o respondimento, a consistência ea formação da primeira base de dados.

Às vésperas da ida a campo – ocorrida entre agosto de1997 e agosto de 1998 – entraram em contato com a Fun-dação Seade dirigentes do Consórcio Intermunicipal dasBacias do Alto Tamanduateí e Billings, que reúne os setemunicípios do chamado ABC paulista – Santo André, SãoBernardo, São Caetano, Diadema, Mauá, Ribeirão Pirese Rio Grande da Serra. A região, conhecida pela impor-tância econômica de sua produção industrial, muito liga-da a setores como o automobilístico, o químico e o debens de capital, tornou-se também paradigmática dosimpactos ocasionados pelas transformações na estruturaprodutiva mencionadas, de importância medular para osobjetivos da Paep. Em iniciativa inédita em nível regio-nal, aqueles dirigentes municipais pretendiam inicialmentepatrocinar, mediante convênio com a Fundação Seade, aprodução de estatísticas sobre o mercado de trabalho, atra-

vés da realização da Pesquisa de Emprego e Desemprego– PED, e cogitavam a realização de um censo econômicona região. Ao conhecer os objetivos e possibilidades daPaep, foram rapidamente convertidos à condição de seusco-patrocinadores naquela importante região, onde aca-bou por se operar uma ampliação do universo amostral,de modo a se obterem resultados desagregáveis para o con-junto e para cada um dos municípios integrantes do Con-sórcio. O mesmo passou a ocorrer com a PED, demons-trando-se mais uma importante inovação no modelopolítico-institucional de produção de estatísticas socioeco-nômicas. Os resultados dessas duas pesquisas têm forne-cido subsídios para a Agência Regional de Desenvolvi-mento, importante locus de formulação de estratégiaslocais e regionais para as intervenções públicas e priva-das – ampliando-se, portanto, as condições de governa-bilidade – nos processos de transformação por que pas-sam aquelas cidades, cuja leitura, à falta de elementosobjetivos e abrangentes, torna-se muito mais difícil e vul-nerável a discursos ideológicos.

Por fim, realizado o levantamento de campo e o trata-mento das informações, mediante sofisticados procedi-mentos de consistência e expansão estatística dos resul-tados, a Fundação Seade dedicou-se a tornar amplamentedisponível em CD Rom uma base de dados – e não ape-nas uma coletânea de tabelas preformatadas – flexível,apresentada por um sistema de consultas amigável, e aentregá-la para utilização desses e de outros parceiros.Cuidados especiais foram tomados quanto à preservaçãodo sigilo das informações – compromisso explicitamenteassumido pela Fundação Seade com os informantes du-rante o levantamento de campo. Ainda assim, foi possí-vel publicar o CD contendo cerca de 1.100 variáveis, paraum universo de mais de 400.000 empresas, agrupadassegundo setores e subsetores, consistentes com os gruposda CNAE, e regiões. Novas versões do CD, mais flexí-veis do que a primeira, segmentas por setor de atividade,foram a seguir produzidas.

Pesquisas mais aprofundadas nesse universo de infor-mações, impossíveis de execução através do CD, pode-rão ser apresentadas à Fundação Seade, que procederá atabulações especiais da Paep. Por fim, trabalha-se, nestemomento, na preparação da Sala de Consulta para usuá-rios cujas necessidades sejam ainda mais sofisticadas, naqual pesquisadores poderão processar a base – sempredesidentificada –, de acordo com suas próprias ferramen-tas de análise. Trata-se aqui de importantíssima questãopara produtores e usuários de estatísticas em todo o mun-

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do – a do sigilo estatístico, ainda pouco discutida no país,e que tem tratamentos diversos em outras paragens.2 Pro-curando alargar as possibilidades dessa estreita margemde manobras, balizada pelo sigilo e pela democratizaçãodo acesso aos resultados da pesquisa, as alternativas ado-tadas no caso da Paep procuram satisfazer uma amplagama de usuários, sem infligir danos à privacidade dosinformantes. Não havendo neste campo verdades objeti-vas, mas antes questões de fortes conteúdos simbólicos,histórica e socialmente construídos, é necessário avançarno sentido da busca dos consensos possíveis, que se pre-tende com as soluções adotadas.

Como se pode depreender da descrição apresentada, aimportância da Paep transcende os resultados que acaboupor produzir, por mais significativos que possam ser esobre os quais interessantes amostras se poderá encontrarneste número de São Paulo em Perspectiva.3 Além dequalificar a Fundação Seade em novos métodos e técni-cas de pesquisa econômica, permitiu a articulação, emtorno do projeto, de todo um universo de agentes interes-sados nesse tipo de informação, instalados em entidadesacadêmicas, de pesquisa e de seu financiamento e asso-ciativas. Estabelece também, com entidades nacionais eregionais voltadas para a produção e análise de estatísti-cas socioeconômicas, um novo patamar de relacionamen-to, demonstrando ser possível pensar-se um modelo deprodução de estatísticas mais descentralizado e maisfocado nas necessidades, preocupações e capacidadesespecíficas de cada ente da Federação e dessa difusa nu-vem de atores englobados na categoria de usuários. Junto

com a certeza sobre a relevância dos resultados assimproduzidos, temos a convicção de que a próxima rodadada Paep, que se pretende realizar em 2001, será benefi-ciária, no Seade e fora dele, dos avanços técnicos, políti-cos e institucionais que até agora se verificaram.

NOTAS

E-mail do autor: [email protected]. CDRom Paep, Registros Metodológicos.

2. Veja-se, a esse respeito, o interessante artigo “Public Use Microdata Files:Current Practices at National Statistics Bureau” (1993:783-794).

3. O pleno entendimento do Sistema Estatístico Nacional implica lançar-lhe umduplo olhar, a saber: de um lado, sobre sua vertente social, referindo-se às rela-ções sociais entre as agências públicas, as agências privadas, a comunidade deespecialistas, os organismos internacionais, bem como, de certo modo, os infor-mantes, ou seja, os muitos atores envolvidos nas diferentes etapas do processode pesquisa; de outro lado, sobre sua vertente cognitiva, referindo-se às estatís-ticas propriamente ditas, incluindo os pressupostos acerca da realidade social,as fronteiras do conhecimento, os ordenamentos legais, sociais, econômicos emesmo estatísticos, base que são das escolhas dos princípios de equivalência, osmétodos de observação, as regras de cálculo, os modos vários para a interpreta-ção dos resultados” (Senra, 1998:13).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BESSON, J.L. “Editorial”. In: BESSON, J.L. (org.). A ilusão das estatísticas.São Paulo, Editora Unesp, 1995.

“PUBLIC use microdata files: current practices at National Statistics Bureau.”Journal of Official Statistics, v.9, n.4, 1993.

SENRA, N.C. A Coordenação da Estatística Nacional: o equilíbrio entre o de-sejável e o possível. Tese de Doutorado. Rio de Janeiro, Escola de Comuni-cação – ECO, Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ e InstitutoBrasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia – IBICT, Conselho Na-cional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, 1998.

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PESQUISA DA ATIVIDADE ECONÔMICA PAULISTA: UMA METODOLOGIA DE ...

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PESQUISA DA ATIVIDADEECONÔMICA PAULISTA

uma metodologia de produção dedados e de conhecimento

O dimensionamento dos impactos derivados das transfor-mações macroeconômicas sobre a estrutura produtivanacional, e paulista em particular, somado à inexistênciade dados atualizados – o último Censo Econômico doIBGE foi realizado em 1985 – motivou a elaboração daPesquisa da Atividade Econômica Paulista.

Para isso, concentrou parcela de sua capacitação téc-nica na definição desta metodologia, que teve como pon-to de partida a definição de um conjunto de indicadorescapazes de sinalizar as mudanças recentes derivadas dosprocessos de reestruturação produtiva nas diferentes re-giões do Estado – estratégicos para a análise da econo-mia paulista contemporânea e para a definição de políti-cas regionais mais adequadas à nova realidade. Valesalientar que a elaboração de metodologias e a constru-ção de séries históricas de indicadores de eficiência pro-dutiva, de inovação e capacitação tecnológicas e de com-petitividade eram temas pouco explorados nas pesquisasestatísticas. A literatura econômica produzida no Brasilacumulou um rico conhecimento empírico, baseado emsurveys setoriais e em estudos de caso de empresas, maspouco se avançou no entendimento do processo de mo-dernização e difusão tecnológica e de suas implicações,quando tratados de maneira abrangente e intersetorial.Existem aspectos da reestruturação produtiva que dizemrespeito a um amplo processo de mudança patrimonial,tecnológica, organizacional e territorial, cujo conhecimen-to, até então, era apenas parcialmente captado nas pes-quisas e/ou estudos realizados.

A Paep definiu como seu objetivo central o provimen-to de informações sobre o Estado de São Paulo necessá-

EQUIPE TÉCNICA DA PAEP*

ste artigo tem por objetivo apresentar uma sínte-se da metodologia da Pesquisa da Atividade Eco-nômica Paulista – Paep realizada pela Fundação

Seade,1 de forma a facilitar a compreensão do seu proces-so de concepção e do desenvolvimento do seu arcabouçoanalítico. Serão focalizadas as principais etapas e proces-sos de produção de informações primárias, cuja inovaçãofoi a tônica tanto nos resultados alcançados, derivados dasabordagens temáticas inéditas em pesquisas econômicasde ampla cobertura no Brasil, como nos procedimentosmetodológicos que propiciaram a construção de um am-biente de contínuo aprendizado da equipe envolvida. Pre-tende-se, assim, fornecer as ferramentas conceituais e me-todológicas básicas da Paep, que servirão também comosuporte técnico para a leitura dos demais artigos destarevista.

Na primeira parte, apresenta-se uma síntese metodo-lógica da Paep nos aspectos centrais de sua formulação.Na segunda, elabora-se uma rápida análise sobre a “Es-tratégia de Produção e Gestão do Conhecimento Metodo-lógico” realizado nesta pesquisa; e, finalmente, nas con-siderações finais, algumas lições quanto aos resultadosesperados e obtidos.

SÍNTESE METODOLÓGICA DA PAEP

Contextualização e Objetivos

Desde 1992, a Fundação Seade vem se dedicando àconstrução desta metodologia, buscando captar os novosprocessos econômicos em curso no Estado de São Paulo.

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rias à caracterização de sua atividade econômica a partirde uma base pública de dados, a ser periodicamente atua-lizada. Considerada como insumo básico para a formula-ção de políticas adequadas ao novo cenário, a Paep for-nece, tanto aos gestores do setor público como do setorprivado, indicadores básicos para a fundamentação de suasdecisões, além de tornar disponível ao meio acadêmicoum banco de dados para a elaboração de pesquisas e aná-lises acerca das transformações técnico-produtivas emcurso. A partir destas questões, são colocados três objeti-vos básicos:- desenvolvimento de uma metodologia especialmentevoltada à mensuração da atividade econômica e adequa-da à compreensão do processo de reestruturação produtiva;- levantamento de dados primários de âmbito amostralde empresas e suas unidades locais industriais, da cons-trução civil, comerciais, de serviços e agroindustriais paraa elaboração de um conjunto de indicadores correntes, taiscomo número de unidades, produção física e pessoal ocu-pado, e, principalmente, para a construção de indicado-res que permitam avaliar a extensão dos recentes proces-sos de reestruturação e seus impactos nos diferentes setoresda economia paulista;- elaboração de análises com recortes setoriais, temáti-cos e regionais, derivadas de indicadores construídos,agregando-se à base estatística o desenvolvimento analí-tico necessário à exposição do conhecimento sobre a es-trutura produtiva paulista e sua dinâmica territorial.

ESCOPO METODOLÓGICO

O período de referência da Paep é o ano de 1996. Suametodologia permite, através da expansão da amostra,construir um sistema de informações representativo daeconomia estadual. Diferentemente de outras pesquisaseconômicas voltadas a temas específicos, a Paep consistede um levantamento abrangente, junto a empresas, de in-formações que permitam mensurar a atividade econômi-ca, tendo como indicador básico o valor adicionado.2 Desua metodologia deriva a produção de uma série de indi-cadores adequados a análises comparativas inter-regio-nais e internacionais e à caracterização do processo dereestruturação produtiva. A pesquisa busca captar aspec-tos-chave relacionados à inovação tecnológica, aos recur-sos humanos e à adoção de novas formas de organizaçãodas empresas, assim como informações que permitammapear as principais características estruturais da econo-

mia. Para a elaboração dos questionários, buscou-se apoiotécnico/metodológico nas universidades paulistas e cen-tros de pesquisas, que também participaram da formula-ção dos primeiros estudos analíticos posteriores à cons-trução da base de dados. Papel especial foi desempenhadopelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGEno processo de preparação e execução da Paep. Além detornar disponível seu cadastro de empresas, foi intensa acooperação de seus técnicos nas discussões metodológi-cas, que envolveram desde o desenho amostral e os ques-tionários da pesquisa até a sua finalização, com a cons-trução da base de dados e consistência de agregados.

Abrangência

A Paep é uma pesquisa econômica por amostragem quetem como unidades de pesquisa e análise a empresa e suasunidades locais. O universo considerado foi dividido emdois estratos: aleatório e certo. O estrato certo da pesqui-sa seguiu os mesmos critérios definidos pelo IBGE parasuas pesquisas econômicas em 1996, abrangendo todasas empresas com 30 ou mais pessoas ocupadas nos seto-res da indústria e da construção civil, e com 20 ou maispessoas ocupadas nos outros setores. A pesquisa foi diri-gida a empresas que possuíam pelo menos uma unidadelocal produtiva de sua principal atividade em São Paulo,no ano de referência, independentemente de terem ou nãosede no Estado, desde que se enquadrassem nos critériosdescritos no subitem “Definição do Universo”. No setorbancário, foram incluídas empresas com pelo menos umaagência no Estado.

Setores de Atividade

Fizeram parte da Paep todas as empresas dos segmen-tos da indústria de transformação, extrativo, da constru-ção civil, de serviços de informática, bancos e comércio.A construção civil foi incluída, após estudos realizadosjunto a entidades de classe, devido à importância que estesegmento tem como absorvedor de mão-de-obra e por estarsendo alvo de processos de reestruturação técnico-pro-dutiva. No setor de serviços, a Paep pesquisou as empre-sas de serviços de informática – consideradas estratégi-cas no processo de reestruturação produtiva – e os bancos– pela essencialidade de sua função na economia paulis-ta. A demanda por serviços prestados às empresas foi iden-tificada a partir dos seus principais usuários – indústria,comércio e bancos –, através de um bloco de questões

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PESQUISA DA ATIVIDADE ECONÔMICA PAULISTA: UMA METODOLOGIA DE ...

relativas à compra de serviços de terceiros. Quanto aosserviços de informática, o questionário específico buscoucaracterizar a atividade de outsourcing realizada pelasempresas informantes.

Classificação de Atividades

Tendo em vista a integração com o Sistema de Estatís-ticas Nacional (SEN), buscou-se maximizar a compara-bilidade entre a Paep e as pesquisas econômicas produzi-das por outras fontes; e para assegurar maior homo-geneidade entre os vários segmentos estudados, adotou-se o sistema da CNAE/95 (Classificação Nacional de Ati-vidades Econômicas). Complementarmente, para o deta-lhamento da análise de alguns segmentos mais relevantesdo ponto de vista econômico e dos processos de reestru-turação produtiva do Estado de São Paulo, estabeleceu-se uma agregação especial, denominada Caepaep (Clas-sificação de Atividade Econômica específica da Paep), queorientou a amostragem da pesquisa (Diagrama 1). Essaagregação especial exclui do universo pesquisado as ati-vidades comerciais de reparação e manutenção, interme-diários do comércio, comércio varejista de artigos usa-dos, comércio varejista realizado em vias públicas e asatividades de reciclagem industrial, consideradas fora doâmbito da Paep.

UNIDADES DE INVESTIGAÇÃO EUNIDADE INFORMANTE

Para a indústria e o comércio, a empresa e a unidadelocal (UL) foram definidas como as unidades de investi-gação. Na empresa, levantaram-se informações financei-ras e de estratégia da produção e nas unidades locais, in-formações relativas às atividades operacionais e aosaspectos de localização. Na construção civil, a unidadede investigação foi a empresa, já que não se aplica o con-ceito de unidade local a este segmento. Também nos seg-mentos de serviços de informática e bancos, a unidadeinvestigada foi a empresa. Em todas as situações, os ques-tionários foram encaminhados à empresa, que era a uni-dade informante, inclusive para o preenchimento de in-formações relativas à(s) unidade(s) local(is). Eventual-mente, para empresas com sede fora do Estado de SãoPaulo ou aquelas cujas informações são descentralizadas,os questionários foram enviados para outras localidades,mas a empresa continuou sendo responsável pelas infor-mações prestadas. A unidade local é considerada como

um espaço físico contínuo onde se desenvolve uma oumais atividades de uma empresa, e cada uma é identifica-da pelo sufixo do número do CGC. Corresponde, na maio-ria das vezes, a cada endereço da empresa, que pode serconstituída por uma ou mais unidades locais. Empresascom apenas uma UL são denominadas unilocais e aque-las com mais de uma, multilocais.

Questionários – Instrumentos de Coleta

Os questionários da Paep foram elaborados a partir deanálises de experiências nacionais e internacionais simi-lares, com o objetivo de garantir a comparabilidade dosdados. Para o seu desenvolvimento, estudos prévios fo-ram encomendados a diversas instituições de pesquisasobre temas considerados mais relevantes e elaboraram-se relatórios técnico-metodológicos especialmente parafornecer suporte teórico aos questionários, a partir de ter-mos de referência produzidos pela equipe da Paep. Emlinhas gerais, estes estudos, relacionados no Quadro 1,foram organizados em torno de cinco eixos metodológi-cos: análise teórica e crítica da metodologia de indicado-res; proposta de um sistema de variáveis e indicadores;proposta de questões para o questionário; glossário determos técnicos; referências bibliográficas.

Além de reuniões sobre temas específicos com a equi-pe técnica da Paep, os responsáveis pela elaboração des-ses estudos participaram de dois seminários conjuntos. Noprimeiro, ocorrido em dezembro de 1996, debateram-sea reestruturação produtiva e seu impacto sobre o merca-do de trabalho, e foram expostas as linhas gerais da Paepvisando orientar a elaboração das propostas de questio-nários. No segundo, em março de 1997, discutiu-se a for-ma final dos questionários, já incorporadas as contribui-ções dos estudos prévios, e sistematizaram-se novas suges-tões. Um seminário específico, dirigido ao segmento daconstrução civil, foi realizado em dezembro de 1996, paraapresentação e discussão de uma proposta inicial de ques-tionário. Além das contribuições das instituições que ela-boraram os estudos prévios, participaram da Paep con-sultores individuais, contratados para fazer o acompa-nhamento geral de questões setoriais.

Mídias Utilizadas: versão eletrônica,formulários impressos e Internet

A Paep introduziu uma nova forma de responder pes-quisas econômicas, através de um sistema eletrônico

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Fonte: Fundação IBGE. Classificação Nacional de Atividades Econômicas – CNAE; Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep.(1) Categoria excluída.

DIAGRAMA 1

Categorias da Classificação Especial para a Paep (base para domínios amostrais)

CNAE CLASSIFICAÇÃO ESPECIAL PAEP

1000 - Extração de Carvão Mineral1100 - Extração de Petróleo e Serviços Correlatos1300 - Extração de Minerais Metálicos

1134 - Indústria Extrativa

1400 - Extração de Minerais Não-Metálicos1500 - Fabricação de Alimentos e Bebidas1700 - Fabricação de Produtos Têxteis1800 - Confec. de Vestuários e Acessórios1900 - Repar. e Confec. de Artef. de Couro2100 - Fabric. de Celulose e Papel2200 - Edição, Impressão, Reprod. de Grav.2300 - Fab. e Ref. Petróleo, Álcool2400 - Fabricação de Produtos Químicos2500 - Fabricação de Artigos de Borracha e Plásticos2600 - Fab. Prod. Minerais Não-Metálicos2700 - Metalurgia Básica2800 - Fab. Prod. Metal (Excl. Máq. e Eq.)2900 - Fab. de Máquinas e Equipamentos3000 - Fab. de Máq. Escritório e Equipamentos de Informática3100 - Fab. de Máq., Ap. e Mat. Elétrico3200 - Fab. Mat. Eletrônico e Aparelhos e Equipamentos de Comunicações3300 - Fab. Equip. Méd. Ótica e Relógios, Instr. Precisão, Automação Industrial3400 - Fab. e Montagem de Veículos Automotores, Reboques e Carrocerias3500 - Fab. Outros Equip. de Transp.

1600 - Fabricação de Produtos de Fumo2000 - Fabricação de Produtos de Madeira 3990 - Outras Indústrias3900 - Outras Indústrias3700 - Reciclagem (1)

INDÚSTRIA DA CONSTRUÇÃO4521 - Edificações (resid., industriais, comerciais e de serviços) 4501 - Construção Edificações4540 - Obras de Instalações5450 - Obras de Acabamento e Serviços Auxiliares 4504 - Serviços Auxiliares de Construção

4510 - Preparação do Terreno4522 - Obras Viárias4523 - Grandes Estruturas e Obras de Arte4524 - Obras de Urbanização e Paisagismo 4509 - Outras Construções4525 - Montagem de Estruturas4529 - Obras de Outros Tipos4530 - Obras de Infra-Estrutura

COMÉRCIO

5010 - Com.Veículos Automotores5030 - Com.Peças e Acessór. Veíc. Autom.

5000 - Com. Veículos Automotores e Motoc. e Varejo de Combustíveis5041 - Com. Motocicletas, Peças e Acessór.5050 - Varejo de Combustíveis5020 - Manutenção e Reparação de Veíc. Autom. (1)5042 - Manutenção e Reparação de Motocicletas (1)5110 - Intermediários do Comércio (1)5120 - Atacado Prod. Agrop. in Nat., Animais5130 - Atacado Prod. Alim., Bebidas e Fumo5140 - Atacado Art.Uso Pessoal e Domést. 5100 - Atacado5150 - Atac. P. Intermediários, Resíd. Sucata5160 - Atacado Máq. Apar. e Equipamentos5190 - Atac. Merc. em Geral, Não Compreend.5211 - Varejo Hipermercados 5201 - Varejo Hipermercados e Supermercados5212 - Varejo Supermercados

5213 - Varejo Pequenos Mercados5214 - Varejo Lojas de Conveniência5215 - Varejo Não. Espec. sem Prod. Alimentares5242 - Varejo de Máq. e Aparelhos5220 - Varejo Alimentares, Bebidas e Fumo

5230 - Varejo Tecidos, Armar.,Vest., Calçados5241 - Var. Cosméticos, Art. Médico, Ortop. e Farmácias5243 - Var. Móveis, Art. Iluminação e Residenciais

5290 - Varejo Especializado e Outros5244 - Var. Mat. de Construção, Ferragens, Vidros, Tintas, etc.5245 - Var. Equip. Mat. Escritório, Inform. Comunicação5246 - Var. Livros, Jornais, Revistas e Papelarias5249 - Varejo Outros Produtos Não Especificados5250 - Varejo em Lojas de Artigos Usados5260 - Varejo Não Realizado em Lojas5270 - Reparação de Objetos Pessoais e Domésticos (1)

SERVIÇOS DE INFORMÁTICA

7200 - Atividades de Informática e Conexas 7200 - Serviços de Informática

INDÚSTRIA

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PESQUISA DA ATIVIDADE ECONÔMICA PAULISTA: UMA METODOLOGIA DE ...

distribuído em disquetes. A versão eletrônica do ques-tionário, dentre outros atributos, visava facilitar a “na-vegação” pelas perguntas, ou seja, o preenchimento doquestionário. Além disto, tais programas permitiram aconsistência dos dados pré-programada com base emum plano de consistência que possibilitou o cruzamen-to e a correção automáticos das informações durante opreenchimento do questionário. Nos casos em que aempresa não dispunha de computador ou, por algummotivo, não desejasse utilizar o meio eletrônico pararesponder a pesquisa, tinha a opção de preencher for-mulários impressos distribuídos junto com o disquete.Neste caso, a conferência foi realizada pelo pesquisa-dor, através do plano de consistência impresso, duran-te a fase de recolhimento do questionário. Além da ino-vação anteriormente citada, a Paep Serviços de Infor-mática introduziu uma forma inédita no Brasil de usoda Internet na realização de pesquisas econômicas pro-duzidas por órgãos oficiais de estatística, oferecendouma página de acesso restrito a seus participantes.

Estrutura e Conteúdo

Os questionários foram organizados estrategicamenteem capítulos agrupados em blocos, de maneira a permitirsua distribuição no interior da empresa aos informantesmais qualificados. O conteúdo subdividiu-se nos seguin-tes blocos temáticos:- mensuração econômica, em que são solicitadas infor-mações para a construção do valor adicionado, além depessoal ocupado, salários, informações financeiras, cus-tos e despesas e informações patrimoniais;

- reestruturação produtiva, sobre inovação tecnológica,novas formas de gestão, difusão da automação e infor-mática, requisitos para contratação, terceirização, entreoutras;- dinâmica territorial, sobre especialização regional, es-tratégias de localização e distribuição espacial da ativi-dade econômica.

Os questionários da Paep contêm preponderantemen-te questões fechadas, em que são captadas informaçõesqualitativas, ou seja, as alternativas de respostas são pre-definidas. Além destas, há as questões quantitativas, amaioria das quais relativas a informações econômico-fi-nanceiras, e as abertas, que se referem apenas à descrição deatividades realizadas pela empresa e pelas unidades locais.

Questionários Setoriais

Os questionários de indústria e comércio (versão com-pleta) foram organizados em três blocos: os blocos 1 e 2contêm questões sobre a empresa, e o bloco 3, sobre asunidades locais situadas no Estado de São Paulo. Os deconstrução civil e serviços de informática constituem-seapenas de dois blocos, pois, para estes setores, assim comopara os bancos, não se aplicam os conceitos de ULs.

Indústria

O questionário foi concebido a partir do estudo de pes-quisas industriais realizadas em outros países (Espanha,Canadá, Chile, Argentina, Venezuela), e também no Bra-sil (PIA e Censo Econômico Industrial – IBGE, BNDES,Piam/Senai, Anpei, Cepal, Ecib/Unicamp/UFRJ, etc.).

QUADRO 1

Estudos Prévios e Instituições Contratadas

Temas Instituições Contratadas

Novas Formas de Organização da Produção e Gestão do Trabalho Dieese

Qualificação, Treinamento e Demanda da Mão-de-Obra Dieese

Indicadores de Competitividade Instituto de Economia/Unicamp

Inovação e Capacitação Tecnológica Instituto de Geociências/Unicamp

Dinâmica Espacial e Regional Instituto de Economia/Unicamp

Produtividade e Qualidade Fundação Vanzolini/USP

Reestruturação Patrimonial Cebrap

Serviços Instituto de Economia/Unicamp

Mensuração Econômica Fipe/USP

Bancos Instituto de Economia/Unicamp

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep.

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Foram investigados também outros documentos, comomanuais internacionais (OCDE, Oslo, Frascatti e ONU) ea legislação tributária e de contabilidade empresarial, ten-do em vista definir a forma mais simples de obter dadoscontábeis e fiscais que permitissem realizar a análise eco-nômica pretendida.

Os indicadores do setor industrial foram organizadoscom base na taxonomia elaborada pelo Estudo da Com-petitividade da Indústria Brasileira – Ecib, sendo classi-ficados basicamente em três grandes grupos:- indicadores de desempenho: procuram captar informa-ções sobre a competitividade nacional e internacional dasempresas/setores através de informações sobre sua parti-cipação no mercado nacional e internacional;- indicadores de eficiência: relacionam-se basicamentecom os preços e custos dos bens e serviços comercializa-dos pelas empresas, sendo o cálculo da produtividade oprincipal deles;- indicadores de capacitação: conferem o fator dinâmicoda Paep, dado seu objetivo de estudar o processo de rees-truturação produtiva da indústria paulista. Tais indicado-res procuram avaliar o sucesso competitivo das empresasassociado à incorporação de avanços tecnológicos emprodutos e processos e aos ganhos cumulativos deriva-dos das formas apropriadas de organização empresarial ecooperação interfirmas. Dividem-se em cinco subgrupos:recursos humanos, inovações tecnológicas, inovaçõesorganizacionais, investimentos e meio ambiente.

Além desses três grupos, há o de indicadores de meioambiente, que avalia as oportunidades de negócios nessaárea, os efeitos da atividade empresarial sobre o meioambiente e suas ações visando a preservação ambiental;o de contratação de terceiros, que busca indicações sobreo grau de terceirização dos serviços; o de reestruturaçãopatrimonial, que procura confirmar a tendência generali-zada no país à maior concentração econômica e à maiorpresença do capital estrangeiro; finalmente, o de estraté-gia produtiva e locacional, que procura captar basicamenteos processos de especialização produtiva e de localiza-ção industrial, produzindo informações sobre algumascaracterísticas ou fatores de atração produtiva das regiões.

Comércio

A pesquisa foi precedida de um amplo levantamentodas metodologias de pesquisa e instrumentos de coleta noIBGE em outros países. Além da Pesquisa Anual de Co-

mércio do IBGE, foi desenvolvido um trabalho de estudodas pesquisas da França, Canadá, Argentina, EUA e Es-panha, bem como das recomendações do Manual de Co-mércio da Eurostat. Entretanto, dado que estas pesquisascentram seu enfoque nas questões das contas nacionais, ocomércio carece de pesquisas estruturais sobre transfor-mações tecnológicas. A inexistência de uma metodolo-gia para abordar o comércio no âmbito dos processos dereestruturação produtiva levou ao desenvolvimento deuma metodologia própria, fruto de discussões que envol-veram técnicos da Fundação Seade, da universidade e dasinstituições que colaboraram com a pesquisa. Busca-seenfocar o recente processo de informatização e automa-ção das atividades comerciais e as novas formas de rela-cionamento empresa-fornecedor e empresa-cliente, basea-das nos novos serviços de comunicação, tendo em vista aprodução de indicadores que permitam a análise do de-sempenho econômico das empresas e da estrutura de co-mercialização instalada no Estado de São Paulo.

Há dois tipos de questionários definidos com base nanecessidade de abordagens distintas das empresas de acor-do com seu porte e respeitando as diferenças dos siste-mas de contabilidade empresarial utilizados:- a versão completa, para o levantamento dos dados demensuração econômica, reestruturação patrimonial, em-prego e recursos humanos, terceirização, utilização deinstrumentos gerenciais, automação, informatização eutilização de serviços de telecomunicações. O último ca-pítulo, dirigido a unidades locais, visa a produção dosindicadores da estrutura de comercialização do Estado;- a versão simplificada, para as empresas unilocais commenos de 30 pessoas ocupadas.

Em concordância com os objetivos da pesquisa, o qua-dro de indicadores do setor de comércio foi definido em13 grupos principais: desempenho da atividade, desem-penho financeiro, eficiência, produtividade, remuneraçãodo pessoal assalariado, custo do trabalho, custo financei-ro, densidade de difusão de equipamentos, automação,subcontratação, qualificação de pessoal, mix de produtosimportados e concentração de compras.

Construção Civil

Neste segmento destacam-se algumas variáveis espe-cíficas, como receita por média de pessoal ocupado total,nos indicadores de produtividade; média de remuneraçõesda média do pessoal ocupado, nos indicadores de remu-

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PESQUISA DA ATIVIDADE ECONÔMICA PAULISTA: UMA METODOLOGIA DE ...

neração do pessoal ocupado; e média mensal de pessoalocupado, rotatividade do pessoal ocupado e pessoal ocu-pado em 31 de dezembro de 1995, nos indicadores depessoal ocupado. Há ainda outras variáveis, como eficiên-cia em gestão de recursos humanos e informações acercado processo de modernização.

Serviços de Informática

O questionário deste segmento também foi resultadode investigação de metodologias nacionais e internacio-nais. No âmbito nacional, dado que se dispõe de poucasexperiências de coleta de dados voltadas para o segmen-to, esse levantamento envolveu o estudo do Censo Eco-nômico/85, para o setor de serviços, e do Manual de ContasRegionais: Propostas Metodológicas de 1992, ambos ela-borados pelo IBGE, e o questionário da pesquisa Panora-ma do Setor de Informática, desenvolvido pela Secreta-ria de Política de Informática e Automação, do Ministérioda Ciência e Tecnologia. Já no âmbito internacional, ana-lisou-se primeiramente o Manual de Contabilidade Na-cional, elaborado pela Organização das Nações Unidas –ONU, em 1986. Posteriormente, foram traduzidas e sis-tematizadas as informações de diversos trabalhos desen-volvidos pelo Escritório Estatístico das ComunidadesEuropéias – Eurostat, denominados Meetings of VoorburgGroup – que reúnem institutos de pesquisa estatística devários países, com o objetivo de desenvolver metodolo-gias de pesquisa para o setor de serviços. Desta forma,foi possível tomar conhecimento dos trabalhos realizadosna Espanha, Suíça, Canadá, Japão, França e outros paí-ses. Outra metodologia que se destaca é aquela desenvol-vida pelo Departament of International Economic and So-cial Affairs, de 1991, denominada A model survey ofcomputer services por tratar especificamente dos servi-ços de informática.

Os indicadores construídos para o segmento são clas-sificados em quatro grandes grupos:- indicadores de desempenho: captam informações sobrereceitas e despesas do segmento para avaliar a eficiênciada empresa no ano de referência. Entre estes indicadores,estão os relativos às margens operacional e financeira e,principalmente, à renda gerada;- indicadores de produtividade: buscam relacionar osresultados da empresa com sua estrutura tecnológica e derecursos humanos. Destaca-se o indicador de renda porpessoal ocupado;

- indicadores de remuneração e qualificação do pessoal:procuram captar as peculiaridades do mercado de traba-lho do setor. Entre outros, incluem-se a média salarial porpessoal ocupado e o total de pessoas qualificadas em in-formática por pessoal ocupado;- indicadores de capacitação: investigam a estrutura deinformática e comunicações do segmento, bem como aforma de uso dessas tecnologias pelas empresas, desta-cando-se o número de computadores por pessoal ocupa-do e o sistema de troca e consulta eletrônica de dadosexternos.

Segmento Bancário

As principais variáveis e grupos de indicadores defi-nidos com base nos estudos prévios são: atuação no mer-cado, estrutura patrimonial, emprego e recursos humanos,automação e tecnologia bancária, e terceirização de ser-viços. As variáveis sugeridas para compor essa base dedados, os critérios de regionalização e períodos de refe-rência estabelecidos fundamentam a elaboração do ques-tionário. Para a construção do quadro de indicadores, sãoenfocadas as tendências mais gerais de reestruturação daatividade bancária, agrupados nos seguintes temas: perfildo conglomerado, estrutura patrimonial, desempenho,perfil de crédito, atuação no mercado de capitais, porte,emprego, organização e gestão, automação e informati-zação, investimento e terceirização.

De forma geral, os indicadores setoriais de tecnologiada Paep foram construídos a partir de três perspectivas:- esforço de inovação, captado exclusivamente para a in-dústria, medido através de duas variáveis constantes noquestionário da Paep, referentes especificamente a essatemática: a) se existiu, entre 1994 e 1996, algum tipo deinovação tecnológica na empresa, seja de produto, sejade processo; b) se a empresa, nesse período, desenvolveuatividades de pesquisa e desenvolvimento (P&D).3 No casodos serviços de informática, foi investigado o esforço em-presarial no desenvolvimento de softwares.- difusão de novas tecnologias, medida por meio de um con-junto de variáveis intersetoriais que investigavam a ampli-tude da utilização de equipamentos de automação, da utili-zação de técnicas de controle de qualidade e produtividadee da utilização de computadores: a) uso de técnicas de pro-dutividade e qualidade, no período 1994/1996 (just-in-time,engenharia simultânea, uso de minifábricas, etc.); b) uso deequipamentos convencionais de automação (de base

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eletromecânica); c) uso de equipamentos de automação combase microeletrônica; d) uso de sistema CAD/CAE (tecno-logias utilizadas na engenharia de projeto); e) uso de equi-pamentos de automação de processos; f) se a empresa era,em 1996, usuária de computadores;- uso da tecnologia, entendido como complemento ao pro-cesso de difusão da inovação tecnológica. As variáveisescolhidas para esta caracterização são: a) se os compu-tadores das empresas estavam ligados em rede, configu-rando um sistema de troca de dados interno; b) se a em-presa utilizava um sistema de troca e consulta eletrônicade dados externa (rede de longa distância); c) um indicadorconstruído, que permite avaliar a densidade de uso de com-putadores, obtida pela divisão do total de microcomputado-res da empresa pelo total do pessoal ocupado na empresa.

Base Cadastral

Para a execução da Paep, a Fundação Seade contou como Cadastro Central de Empresas do IBGE, que reúne da-dos do Censo Cadastro de 1995 e da Rais (Relação Anualde Informações Sociais) para o mesmo ano. Esta basecadastral consiste de registros de unidades locais (UL),com informações sobre CGC, razão social, endereço, có-digo de município e Estado, número do telefone, fax, uni-dade da federação da sede da empresa, código de ativida-de a quatro dígitos (CNAE/95) e número de pessoas ocu-padas na unidade local e na empresa. O Cadastro Centralde Empresas tem fins estatísticos e se diferencia de ca-dastros de registros administrativos, como os da Rais edo CGC, pela ampla abrangência geográfica e setorial epor parâmetros de estratificação e critérios de classifica-ção precisos e controlados – o que minimiza problemasdecorrentes da autoclassificação. Algumas informaçõesdeste arquivo foram agregadas em novas variáveis, deacordo com o objetivo da pesquisa. Entre as mais impor-tantes podem-se citar:- Caepaep: código de Classificação de Atividade Econô-mica específica da Paep (agrupamentos da CNAE);- Local da Sede: correspondente à unidade de sufixo demenor número do CGC;- Tipo de Empresa: unilocalizada (um único local de fun-cionamento) ou multilocalizada (com duas ou mais uni-dades locais).

O cadastro sofreu ainda alguns ajustes, devido a pro-blemas que implicaram a eliminação de algumas empre-sas, como número de pessoas ocupadas com valor zero e

código de atividade inexistente ou sem informação. Alémdisso, as informações sobre endereçamento foram com-plementadas com dados da Rais/Caged 97, do Ministériodo Trabalho, e comparadas com o cadastro eletrônico deempresas das áreas cobertas pela antiga Telesp.

Para o setor bancário, o cadastro foi organizado combase em listagens do Banco Central (relação de todos osbancos comerciais e múltiplos que operavam no ano de1996 – posição de 31 de dezembro – ou que tinham auto-rização para isto) e da Febraban (relação atualizada deseus bancos associados). Também foram utilizadas infor-mações do Guia Bancário, publicação anual que reúnedados cadastrais sobre todas as instituições bancárias esuas agências, por municípios do país.

Definição do Universo

O universo da Paep foi definido a partir de quatro cri-térios básicos:- ramo de atividade: foram consideradas as empresas clas-sificadas em uma das atividades relacionadas;- porte: para a indústria e a construção civil foram consi-deradas as empresas com cinco ou mais pessoas ocupa-das, de forma a se abranger um volume maior de pessoalocupado e um número menor de empresas (visto que asempresas com menos de cinco pessoas ocupadas repre-sentam 5% e 7,9%, respectivamente, do total de pessoalocupado e 60% do total de empresas nesses setores). Omesmo critério foi utilizado para serviços de informáti-ca. Para o comércio, foram consideradas as empresas comuma ou mais pessoas ocupadas;- localização da sede: foram consideradas todas as em-presas com sede no Estado de São Paulo que se enqua-dravam nos dois critérios anteriores. Para as empresas comsede fora do Estado, foram incluídas aquelas cujas uni-dades locais aqui situadas exerciam a mesma atividadeda empresa e que somavam pelo menos 30 pessoas ocu-padas no setor industrial e na construção civil e pelo me-nos 20 nos demais setores;- atividade produtiva: foram excluídas empresas que nãoexerciam atividade produtiva relacionada ao seu ramo deatividade no Estado de São Paulo.

De acordo com esses critérios, e após a análise e tria-gem do cadastro, definiu-se um universo de 515.129 em-presas, divididas entre unilocais (487.229) e multilocais(27.900). Este universo era composto por 456.506 em-presas comerciais, 47.652 industriais, 9.243 no segmento

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PESQUISA DA ATIVIDADE ECONÔMICA PAULISTA: UMA METODOLOGIA DE ...

da construção civil e 1.728 no de serviços de informáti-ca. Para o segmento bancário, o universo de pesquisa foiconstituído de bancos comerciais e múltiplos, com pelomenos uma agência no Estado de São Paulo e que opera-ram em 1996 – totalizando 155 unidades. Os bancos co-merciais e múltiplos foram escolhidos por representarema maioria dos estabelecimentos bancários e por serem osmais atuantes no mercado.

Desenho da Amostra

O universo considerado foi dividido em dois estratos:aleatório e certo. O estrato certo da pesquisa seguiu osmesmos critérios definidos pelo IBGE para suas pesqui-sas econômicas de 1996, abrangendo empresas com 30ou mais pessoas ocupadas no setor da indústria e na cons-trução civil, e com 20 ou mais pessoas ocupadas nos ou-tros setores. Os percentuais de pessoal ocupado e de em-presas no estrato certo para cada setor de atividade en-contram-se na Tabela 1.

TABELA 1

Pessoal Ocupado e Empresas no Estrato Certo,segundo Setor de AtividadeEstado de São Paulo – 1995

Em porcentagem

Setor de Atividade Pessoal Ocupado Empresas

Indústria 81,5 10,2

Comércio 40,0 2,3

Construção Civil 75,1 9,1

Informática 54,0 3,0

Fonte: Fundação IBGE.

O levantamento para as empresas do estrato certo totali-zou 25.772 empresas, distribuídas segundo o setor de ativi-dade (Tabela 2). As empresas do estrato aleatório foram di-vididas segundo a atividade e a localização da sua sede. Oobjetivo era restringir os subdomínios para os quais os da-dos seriam divulgados, atendendo os objetivos da Paep. Aslocalizações consideradas foram a Região Metropolitana deSão Paulo e o interior do Estado. As atividades originais dasempresas foram agrupadas em 32 categorias. O setor da in-dústria foi agregado em 21 categorias (em sua maioria cor-respondentes às divisões da indústria); o de comércio, emoito; o segmento da construção civil, em três; e o de servi-ços de informática, em apenas uma. No total, chegou-se a64 subdomínios (duas regiões e 32 categorias de atividade).

Para cada um dos subdomínios definidos, constituiu-seuma amostra independente. A seleção das empresas para cada

subdomínio foi definida através de uma amostra aleatóriasistemática, com estratificação implícita por localidade, có-digo de atividade e porte para cada categoria. Na Tabela 2,encontra-se o número de empresas pesquisadas no estratoaleatório, segundo setor de atividade. A partir do contrato como Consórcio Intermunicipal das Bacias do Alto Tamanduateí eBillings, foi realizada uma expansão da amostra para o ABC,4

elevando o total de 34.109 para 39.312 empresas.

TABELA 2

Amostra Original, por Estrato Certo e Aleatório,segundo Setor de AtividadeEstado de São Paulo – 1996

Setor de Atividade Estrato Certo Estrato Aleatório Total

Total 25.772 8.337 34.109Indústria 12.475 4.834 17.309

Comércio 10.451 2.445 12.896

Construção Civil 2.468 815 3.283

Informática 378 243 621

Fonte: Fundação IBGE; Fundação Seade.

No setor bancário, o universo da pesquisa foi relativa-mente pequeno, não havendo necessidade de desenhoprévio da amostra. Os questionários foram enviados atodos os bancos listados e, na medida em que eram res-pondidos, compunham-se grupos representativos com baseno critério de porte.

Período de Coleta de Dados e de Referência

Os dados foram coletados entre agosto de 1997 e agostode 1998. O ano de referência básica da pesquisa é 1996, to-davia, tendo em vista a complexidade dos fenômenos eco-nômicos que a Paep pretendia captar, foram elaboradas ques-tões com períodos de referências específicos, respeitando-sea natureza destas informações. Para as informações contábeis,foram consideradas aquelas de competência no ano civil de1996 (janeiro a dezembro), prestadas de acordo com a legis-lação societária. No caso da coleta de dados no comérciosimplificado, a estratégia de abordagem envolveu a entre-vista com os informantes no primeiro contato do pesquisa-dor com a empresa. As informações contábeis, quando nãodisponíveis, previam o acesso ao contador para complemen-tação das informações. Este procedimento, além de aumen-tar a velocidade do preenchimento e garantir a qualidade dasinformações prestadas, agia no sentido de diminuir a recusadas empresas, pois mostrava que as informações solicitadaseram de fácil obtenção.

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 13(1-2) 1999

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Para as questões que visavam a construção de indica-dores quantitativos e numéricos, ou informações que ne-cessitavam de datas de referências, foi adotada como re-ferência a data de 31/12/1996. São exemplos as questõesrelacionadas ao número de pessoas ocupadas, ao númerode computadores e a mudanças do controle acionário ouda estrutura e origem do capital. Já para os processos dedifusão de novas técnicas de organização e gestão de pro-dução, de automação e inovação tecnológica, era funda-mental arbitrar um corte temporal para a elaboração detaxas comparativas de utilização das novas tecnologias.Assim, estabeleceu-se como período de referência aque-le compreendido entre os anos de 1994 e 1996. Para asquestões que abordavam o tema da regionalização, apli-cadas somente para as unidades industriais, o período dereferência adotado foi de 1990 a 1996, entendido comopertinente sob os critérios de maturação, longevidade ede atratividade para a decisão empresarial de implemen-tar os investimentos produtivos.

Estratégia de Gestão Operacional:coordenação colegiada

A Paep foi estruturada a partir de uma coordenaçãocolegiada composta por cinco membros: uma coordena-ção técnica executiva realizada pela gerência de Base deDados e Produção de Indicadores da Fundação Seade equatro coordenações temático-operacionais – coordena-ção técnica dos setores e atividades, responsável pela ela-boração dos questionários, suporte técnico e processamen-to das informações; coordenação de cadastro e amos-tragem, responsável pela definição do universo objetivo,desenho e expansão da amostra; coordenação do setor deinformática, responsável pela versão eletrônica dos ques-tionários, sistemas de controle e produto eletrônico paradivulgação da base de dados; e coordenação da operaçãode campo, responsável pela definição dos procedimentosde campo, gerenciamento do processo de coleta e apura-ção e crítica de dados. Ainda subordinada à coordenaçãocolegiada, havia a coordenação de crítica de agregados ebase operacional, responsável pela identificação e corre-ção de dados discrepantes, imputação e estruturação dabase de dados.

Escritórios Regionais de Campo

A operação de campo da Paep foi organizada a partirde sete escritórios regionais: São Paulo (responsável pela

realização da pesquisa em todas as cidades da RegiãoMetropolitana de São Paulo, com exceção das do GrandeABC); ABC (Grande ABC e Região de Governo de San-tos); Campinas (regiões de governo de Bragança Paulis-ta, Campinas, Jundiaí, Limeira, Piracicaba, Rio Claro, SãoCarlos e São João da Boa Vista); Ribeirão Preto (regiõesde governo de Araraquara, Barretos, Catanduva, Fernan-dópolis, Franca, Jales, Ribeirão Preto, São Joaquim daBarra, São José do Rio Preto e Votuporanga); Bauru (re-giões de governo de Adamantina, Araçatuba, Assis, Avaré,Bauru, Botucatu, Dracena, Jaú, Lins, Marília, Ourinhos,Presidente Prudente e Tupã); Sorocaba (regiões de gover-no de Itapetininga, Itapeva, Registro e Sorocaba); e SãoJosé dos Campos (regiões de governo de Caraguatatuba, Cru-zeiro, Guaratinguetá, São José dos Campos e Taubaté).

Recursos Humanos

Dadas as características específicas da Paep, a sele-ção dos pesquisadores baseou-se nos seguintes critéri-os: escolaridade mínima de 2º grau completo, conhe-cimentos básicos de informática, boa comunicaçãoverbal e raciocínio matemático. Após triagem e atingi-do o número necessário de currículos, iniciou-se o pro-cesso de seleção, coordenado por técnicos da Funda-ção, em quatro etapas:- entrevista coletiva com os interessados para a transmis-são de informações sobre o trabalho;- avaliação dos candidatos através de teste e redação;- entrevistas individuais, realizadas com candidatos selecio-nados após análise do currículo e correção dos testes;- treinamento dos pesquisadores selecionados.

O principal instrumento utilizado para o treinamentode pessoal foi o Manual do Pesquisador, utilizado tam-bém durante a atividade de campo. Seu objetivo era pa-dronizar os procedimentos adotados na pesquisa. Os trei-namentos foram estruturados em módulos: apresentação;principais conceitos; procedimentos de campo; procedi-mentos de controle; questionários; informática; e ques-tionário eletrônico e relatórios. Para sua realização, osinstrutores contaram com o apoio de textos, transparên-cias, computadores, etc. A partir dos treinamentos dos pes-quisadores, foram selecionados os supervisores, críticose checadores, que passaram a receber treinamento espe-cífico. Durante o processo de trabalho de campo, foramrealizados ainda treinamentos de reciclagem para super-visores e pesquisadores.

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PESQUISA DA ATIVIDADE ECONÔMICA PAULISTA: UMA METODOLOGIA DE ...

ORGANOGRAMA DA PAEP

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep.

Coordenação deRegionalização e

Mapeamento

Fundação Seade

Pesquisadores

Coordenação de Checagem

Checadores

Coordenação de Crítica

Críticos

Coordenação de Campo

Supervisores deCampo

CoordenaçãoRegional

Supervisores Críticos/Verificadores

Pesquisadores

Coordenação deAdministração

Coordenaçãode Seleção

Coordenação deTreinamento

Escritório São Paulo Demais EscritóriosRegionais

Coordenação CríticaAgregados e Base

Operacional

Equipe Coordenadora da Paep

Coordenação Técnica dosSetores/Atividade

Coordenação deCadastro e Amostragem

Coordenação doSetor de Informática

Coordenação de Operação deCampo

Coordenação TécnicaExecutiva

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 13(1-2) 1999

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Coleta de Dados

O processo de captação de dados da Paep se pautou nadiferenciação das organizações empresariais com a qualiria se defrontar. A flexibilidade e o rigor na apuraçãodos dados foram metas perseguidas em todas as etapasdo trabalho de campo. Procedimentos diferenciados porsetores de atividade foram adotados. Para a Paep – indús-tria, construção civil e parcela do comércio – as estraté-gias de coleta são semelhantes; para o comércio simplifi-cado (pequenas empresas), serviços de informática ebancos, os procedimentos foram específicos em face dascaracterísticas de organização e estruturação setorial decada um destes.

Para o trabalho de campo, formaram-se equipes fixasde pesquisadores, subordinadas a um supervisor e coor-denadas por técnicos responsáveis pelos escritórios regio-nais. A coleta foi especializada de acordo com os setoresde atividade econômica. Cabe destacar o campo de servi-ços de informática, que introduziu o uso da Internet comouma nova mídia na realização de pesquisas econômicas,complementarmente à captação direta dos dados. Parte daamostra de empresas de serviços de informática foi esco-lhida como base experimental para implementação e ava-liação dessa metodologia. Foi criada uma página na Internetde acesso restrito aos participantes da Paep, que pôde seracionada através de um username (raiz do CGC) e umasenha (código Paep) individualizados. Também foi pormeio dessa página, do e-mail e eventualmente do telefo-ne e do fax, que ocorreram as trocas de informações en-tre a equipe técnica da pesquisa e as empresas informan-tes. O sigilo foi garantido pela Certificação Digital do siteda Fundação Seade, que assegurou a autenticidade dasinformações utilizando o protocolo SSL (Secure SocketLayer).

O campo de bancos teve duas etapas de realização. Naprimeira, os questionários foram enviados às unidadespesquisadas com a intermediação da Febraban e, apósrecolhidos, encaminhados à Fundação Seade. Na segun-da, foi retomado o contato com as unidades que não res-ponderam a pesquisa e distribuídos os questionários paraas demais unidades não abordadas na primeira etapa pornão serem associadas à Febraban.

A atividade de crítica e consistência dos dados, enten-dida como garantia da qualidade da informação, estevepresente em todas as etapas do campo, desde o preenchi-mento do questionário (no caso do disquete, com progra-mas de consistência interativos ao preenchimento do ques-

tionário), até a etapa final de consistência de agregados paraa formação do banco de dados resultante da pesquisa.

Empresas de Coleta Especial

Uma seleção especial foi formada inicialmente por umconjunto de 520 empresas, definidas como as de maiorimportância para a caracterização de seu setor de ativida-de, com base na participação deste no total da economia,assim como na participação de cada um de seus gêneros.Posteriormente, incluíram-se à amostra empresas relacio-nadas em listagens de publicações especializadas. Foramescolhidos os pesquisadores com perfil mais adequadopara realizar a coleta de informações. Em muitos casos, ocoordenador de campo e/ou o supervisor assumiram pes-soalmente algumas das atividades, tais como agenda-mento, entrega, monitoração ou recolhimento dos questi-onários. As eventuais dificuldades encontradas eram re-latadas à equipe central de coleta especial para novosencaminhamentos.

Resultados Obtidos

Após o encerramento dos trabalhos de campo, a Paepobteve como resultado final cerca de 22 mil questioná-rios. Considerada a amostra inicial de 39.312 empresas, aquebra de cadastro foi da ordem de 30%. A Tabela 3mostra a situação final do levantamento de campo, segun-do tipos de ocorrência e escritórios regionais. O índice derecusa da coleta foi de 15,9%, que pode ser consideradobaixo no segmento de pesquisas econômicas. Os núme-ros apresentados demostram a abrangência e a magnitu-de do banco de dados construído.

No caso dos bancos, os resultados finais da pesquisarevelaram que os informantes representam mais de 84%do ativo total do sistema bancário em 1996,5 podendo-seconcluir que o resultado geral do campo foi bastante sa-tisfatório.

Processamento e Divulgação das Informações – BaseOperacional

A base operacional estrutura-se a partir de dois siste-mas de informação: o banco de dados, propriamente dito,construído a partir do SAS – Statistical Analysis Sistem;e um banco de metadados, em Access, contendo as infor-mações sobre os dados coletados. A partir dessa base, sãoelaborados os produtos eletrônicos (específicos ou não),

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PESQUISA DA ATIVIDADE ECONÔMICA PAULISTA: UMA METODOLOGIA DE ...

a base pública de divulgação (Microdados) e as tabula-ções especiais. A base operacional apresenta uma estru-tura organizada, documentada e que permite análises lon-gitudinais e transversais entre os setores de atividade. Talsistema visa facilitar a recuperação das informações co-letadas. É constituída por dois grupos de arquivos – deempresa e de unidades locais –, que servem para tabula-ções de informações, podendo ter como unidades de aná-lise tanto a empresa como a unidade local. Os arquivoscontêm variáveis originais e derivadas, segundo sua for-ma de obtenção. Elas podem ser comuns, pertencer a doisou mais setores, ou específicas de um setor. No setor debancos, todas as variáveis foram tratadas como específi-cas. A Tabela 4 apresenta o total de variáveis construí-das, conforme sua classificação.

TABELA 4

Variáveis do Banco de Dados da Base Operacional da PaepEstado de São Paulo – 1996

Variáveis Empresa Unidade Local Total

Total 1.296 135 1.431Originais 1.106 117 1.223Derivadas 190 18 208

Total 1.296 135 1.431Comuns 258 9 267Específicas 1.038 126 1.164

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa de Atividade Econômica Paulista – Paep.

Banco de Metadados

O banco de metadados consolida todas as informaçõessobre as variáveis, a saber: nome e label (título) da va-

riável, formato, obtenção, conceito e observações. A par-tir dele, são gerados diferentes dicionários de variáveisque auxiliam a exploração da base de dados. Um dos di-cionários tem por objetivo a associação do nome do cam-po no questionário ao nome da respectiva variável na baseoperacional e o outro compõe o resumo do banco demetadados, contendo o nome da variável na base, o labele as fórmulas de obtenção (ou correspondente no ques-tionário). Os dicionários de variáveis de cada setor, orga-nizados por blocos temáticos e setores de atividades, es-tão disponíveis para consulta e impressão no CD doproduto eletrônico, podendo ser acessado pelo Word. Asinformações introduzidas no banco de metadados servemà leitura e à conversão da estrutura da base de campo (ban-co de dados originais em Epi-Info extraídos dos questio-nários), atribuindo parâmetros que geram automaticamenteprogramas em SAS para construção do banco de dados.

Expansão dos Dados

O peso de expansão corresponde à representatividadede cada unidade amostral (empresa sorteada) na popula-ção. Entretanto, estes pesos também podem corrigir fa-lhas de cadastro (empresas extintas e com classificaçãode atividade inadequada) e a não-resposta (empresas nãolocalizadas e recusas). Os pesos amostrais são retificados,considerando-se estas duas situações. Para as empresasdo estrato aleatório, o peso de expansão é corrigido paracada um dos domínios (atividade econômica e região geo-gráfica). Para o estrato certo, excetuando-se as empresasde coleta especial, consideram-se como base para corre-ção as empresas classificadas segundo porte (tercis das

TABELA 3

Situação Final do Levantamento de Campo da PaepEstado de São Paulo – Janeiro 1999

CampoSão Paulo ABC Campinas Ribeirão Preto Bauru Sorocaba

São José Estado de

dos Campos São Paulo

Nos Abs. % Nos Abs. % Nos Abs. % Nos Abs. % Nos Abs. % Nos Abs. % Nos Abs. % Nos Abs. %

Amostra Efetiva 12.689 100,0 5.531 100,0 4.083 100,0 2.237 100,0 2.085 100,0 1.047 100,0 744 100,0 28.416 100,0

Perdas Operacionais 643 5,1 202 3,7 93 2,3 48 2,1 41 2,0 11 1,1 16 2,2 1.054 3,7

Recusa 2.200 17,3 500 9,0 1036 25,4 359 16,0 289 13,9 77 7,4 68 9,1 4.529 15,9

Questionários Coletados 9.846 77,6 4.829 87,3 2.954 72,3 1.830 81,8 1.755 84,2 959 91,6 660 88,7 22.833 80,4

Não-Aproveitados 276 2,2 205 3,7 118 2,9 43 1,9 208 10,0 5 0,5 12 1,6 867 3,1

Aproveitados 9.570 75,4 4.624 83,6 2.836 69,5 1.787 79,9 1.547 74,2 954 91,1 648 87,1 21.966 77,3

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep.Nota: Exclusive setor de bancos.

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 13(1-2) 1999

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empresas), atividade econômica e região geográfica. Paraas empresas de coleta especial, não se realiza nenhumacorreção, sendo-lhes atribuído peso igual a 1. As estima-tivas (médias, proporções, totais, etc.) das variáveis deinteresse estão sujeitas a erros amostrais, que poderão seravaliados através de medidas de precisão como o coefi-ciente de variação (razão entre o erro amostral absoluto eo valor do indicador na população). Dessa forma, paracada estimativa poderá ser calculado também o seu coe-ficiente de variação.

Divulgação da Base de Dados

A principal forma de divulgação dos dados da Paep éum sistema em CD-ROM com banco de dados desi-dentificado e criptografado e protegido por senha queimpede a individualização das informações e garante osigilo estatístico. Inclui um programa de recuperação dedados de fácil manuseio que possibilita tabulaçõesespecificadas pelo usuário.6 Adicionalmente, fornece es-timativa de erro amostral associado às tabulações solici-tadas. O sistema possibilitou grande flexibilidade para aconstrução de tabulações. As restrições a ele incorpora-das devem-se, exclusivamente, ao compromisso de sigiloestatístico, que se estende à não divulgação de informa-ções referentes a duas ou menos unidades de análise, op-tando-se pela agregação das categorias. Desenvolvido pelaFundação Seade, em Visual Basic 5.0, com a base de da-dos em Access, pode ser executado a partir do sistemaoperacional Windows 95, pressupondo necessário, paraapresentação dos resultados em tabela, o Microsoft Excelversão 5.0 ou superior.

Além da base pública de divulgação de microdados,são utilizadas ainda outras mídias, como a Internet e ou-tros produtos eletrônicos para a divulgação dos dados,entre eles, um CD-ROM específico para o setor de ban-cos. O CD-ROM da Paep está disponível em duas ver-sões: uma para uso em equipamento individual e outrapara instalação em rede. As informações para sua aquisi-ção podem ser obtidas através do site da Fundação Seade(www.seade.gov.br).

Estratégia de Produção eGestão do Conhecimento Metodológico

O sistema de aprendizagem e transferência do conhe-cimento metodológico e operacional, assim como a pa-dronização e harmonização de acordo com as diretrizes e

normas metodológicas recomendadas pelas instituições depesquisas estatísticas nacionais (IBGE) e internacionais(Manual de Oslo, entre outros), constituiu uma das eta-pas mais importantes deste projeto. A equipe coordena-dora, através da celebração de vários protocolos de coo-peração técnica, foi responsável por assegurar a trans-ferência, aplicação e disseminação da metodologia parao seu quadro de funcionários e colaboradores, fornecen-do o suporte e a consultoria técnica especializada, para aavaliação, o diagnóstico ambiental, integração informa-cional, implementação, treinamento e capacitação. Por-tanto, esse processo exigiu uma abordagem diferenciadana estratégia de gestão do modelo de produção e codifi-cação da metodologia, do conhecimento técnico e analí-tico acumulado pela equipe.

Sob a ótica da organização institucional, o conhecimen-to entendido como a capacidade de captação, tratamento,armazenamento, gestão, análise e difusão da informaçãoestatística, como também a capacidade de elaboração demetodologias de pesquisas, constituiu o patrimônio es-tratégico expresso em duas dimensões:- o caráter social e coletivo do aprendizado memorizadoe ativado pelas rotinas e convenções introjetadas no am-biente institucional;- a capacidade cognitiva, nas competências e qualifica-ção dos funcionários e colaboradores.

O ciclo de aprendizagem e aquisição do conhecimen-to apresentado no Diagrama 2 foi expresso em cinco es-tágios.

Aquisição de Conhecimento – Este estágio está relacio-nado ao desenvolvimento e criação de competências ehabilidades da organização e do quadro de recursos hu-manos. Em termos práticos, caracterizou-se duas dimen-sões que interoperaram simultaneamente. A primeira, foia fase de rastreamento, identificação das pesquisas e me-todologias existentes no plano nacional e internacional,selecionando e adaptando aos objetivos institucionais daPaep; e também de contratação de consultores externos ede estudos prévios junto aos centros e instituições de ex-celência, universidades, etc. O segundo plano referiu-seà compreensão do suporte de tecnologia de informação,dos métodos e do padrão operacional do sistema eleito.Com isso, objetivou-se formar uma visão global, estimu-lando a equipe a pensar os processos de trabalho de for-ma sistêmica, interativa e integrada à rede de tecnologiade informação. A equipe foi preparada para compreender

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PESQUISA DA ATIVIDADE ECONÔMICA PAULISTA: UMA METODOLOGIA DE ...

Aquisição deconhecimento

Compartilhamento/Transmissão doConhecimento

Utilização/Aplicação doconhecimento

Renovação doConhecimento

AMBIENTE EXTERNO

Universidades,Centros dePesquisa

Instituiçõesde PesquisaEstatística

Usuáriose Sociedade

em Geral

Codificação doConhecimento

Empresas Consultores

o circuito e ciclo completo da produção, tratamento, aná-lise e disponibilização da informação eletrônica.

Codificação do Conhecimento – Desde o início do pro-jeto, houve a preocupação em registrar e documentar to-das as etapas percorridas. Foram elaborados relatóriosmetodológicos, manuais de treinamento e de procedimen-tos, glossários e dicionários de variáveis, os trabalhos de

levantamento e organização de campo, os workshops eseminários temáticos. Através dos trabalhos de registrometodológicos, tornou-se possível sua transmissão e aharmonização das informações para o conjunto dos ato-res envolvidos na Paep, criando condições objetivas eformais para a sua reprodução em outras regiões, redu-zindo as incertezas, as assimetrias e os custos de difusãoda informação.

DIAGRAMA 2

MODELO INSTITUCIONAL DE AQUISIÇÃO, PRODUÇÃO E RENOVAÇÃO DO CONHECIMENTO – PAEP

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep.

Ciclo de Aprendizagem e Inovação do Conhecimento Metodológico

Aquisição deConhecimento

Utilização/Aplicação do

Conhecimento

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 13(1-2) 1999

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Compartilhamento/Transmissão do Conhecimento –Este estágio correspondeu à difusão do estoque de conhe-cimento assimilado pelos grupos de trabalho sobre a me-todologia do projeto. Ressalte-se que a transmissão doconhecimento só é possível quando este é codificado etransformado em informação. Portanto, foi necessária acriação de uma estratégia de comunicação institucional,com a adesão da alta hierarquia da coordenação executi-va da Paep para a criação de uma equipe de facilitadoresou líderes das células de trabalho que funcionassem comoagentes difusores da informação. Neste estágio, foi fun-damental a realização de uma estratégia consistente detreinamento dos atores e colaboradores, de vários semi-nários e workshops junto aos grupos de trabalho visandoa disseminação, harmonização e eventuais esclarecimen-tos sobre os principais pontos do projeto.

Utilização/Aplicação do Conhecimento – Esta etapafundamentou-se na capacidade real para a análise das in-formações estatísticas e a operacionalização do sistema.Foram observadas as deficiências qualificatórias do sis-tema, dos recursos tecnológicos e humanos. Verificou-seem que medida as fases de treinamento e transferência dametodologia foram suficientes para gerar uma capacida-de operacional, organizacional e intelectual para propici-ar o bom funcionamento do projeto. Foi também a fasede aprendizagem da equipe técnica para a produção deanálise e relatórios temáticos.

Renovação do Conhecimento – Constitui-se em umavariável estratégica, pois é através da atualização doconhecimento – por meio de políticas de treinamento ereciclagem profissional do pessoal técnico, intercâm-bio constante com outras instituições e encontros e se-minários – que se criam as condições para o aperfei-çoamento deste projeto. O aprendizado efetuado atra-vés das dinâmicas de “tentativa, ensaio e erro” foraminestimáveis fontes pedagógicas, permitindo um avan-ço considerável para a consecução de novas pesquisas.As relações de cooperação e parceria ocuparão um lu-gar central e estratégico para a alavancagem de um novociclo de aprendizagem e renovação metodológica.

CONCLUSÕES

Neste artigo, espera-se ter demonstrado de forma sin-tética o grande desafio e o esforço coletivo institucionalque consistiu a concepção, a gestão operacional e a dis-

ponibilização das informações da Paep. Embora reconhe-cendo o longo caminho ainda a ser percorrido na produ-ção de informações estatísticas, contabilizando os erros,acertos e as dificuldades reveladas pela pesquisa, parece-nos que o balanço geral é altamente positivo.

A experiência da Paep demonstrou que é possívelinovar na produção metodológica, desde que sejam con-siderados pelo menos três fatores estratégicos: o co-nhecimento da demanda e a interação com os usuáriosde informações; o estabelecimento de parâmetros decomparabilidade, sejam eles internacionais, nacionaisou subnacionais; e a própria continuidade destas no-vas séries históricas estatísticas. Umas das contribui-ções fundamentais da Paep é a disponibilização aosusuários de um amplo, sofisticado e diversificado ban-co de dados com informações convencionais e inéditassobre a economia regional paulista contemporânea. Sobesta ótica, da base de informações econômicas e cadas-trais da Paep, poderão frutificar vários produtos analí-ticos ou projetos de pesquisas temáticas e acadêmicas.

O êxito alcançado pela metodologia da Paep habili-tou a Fundação Seade a enfrentar um novo e desafianteprojeto, expandindo a sua metodologia, agora sob aperspectiva de uma nova territorialidade. Através doconvênio celebrado em junho de 1998 com o Ministé-rio da Educação – MEC, deu-se início aos trabalhos doprojeto de abrangência nacional intitulado “Estudos demercado de trabalho como subsídios para a reforma daeducação profissional”. Neste projeto busca-se identi-ficar as futuras demandas empresariais por ocupaçõesde ensino técnico de nível médio, em face do processode reestruturação produtiva. A implementação desteprojeto implicou a adaptação e inclusão de novas ques-tões nos instrumentos de coleta, considerados os obje-tivos propostos e a própria heterogeneidade tecnológi-ca e produtiva regionais do país, alçando um novopatamar do desenvolvimento metodológico da Paep.

NOTAS

* Equipe técnica da Paep:Coordenação Geral: Luiz Henrique Proença Soares; Equipe de Coordenação:Maria de Fátima Infante Araujo (Coordenação Geral Técnico Executiva), MiguelMatteo, Vagner de Carvalho Bessa, Flavio Pinto Bolliger, Silvia de AndradeBuzatti Filinto, Maria Lucinda Meirelles Aguiar .

Técnicos: Maria Regina Novaes Marinho (Coordenação de Bancos), Wadih JoãoScandar Neto (Coordenação de Base de Dados e Crítica de Agregados), AldaRegina Ferreira de Araújo (Coordenação de Crítica), Adriana Prest Mattedi,Anésio Imperador, Cesar Augusto de Faria, Daniela Cristina Terci, Eliane CristinaFranco, Guilherme Castanho Franco Montoro, Ligia Schiavon Duarte, Luis An-

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PESQUISA DA ATIVIDADE ECONÔMICA PAULISTA: UMA METODOLOGIA DE ...

tonio Paulino, Maria Elena Turpin, Maria Regina Paro, Osvaldo Guizzardi Fi-lho, Paulo Antonio Borges Lemos, Roberto Carlos Bernades, Roberto NovaesFilho, Simone Deos, Wilson Roberto de Oliveira Furquim, Alexsandro Oliveirade Abreu, Daniela Lenci, Milton Gomes dos Santos, Roberto Ferreira do Carmo,Daniela Domingues, Fabíola Cristina V. Serrano, Helena Pchevuzinske Katz,Italo Giovanni de Lima Sampaio, João Paulo Raposo Giannoni, Klaus AugustoTofoli, Luis Carlos Martins, Ricardo Rossi de Oliveira, Sueli Paslar, Susana Pa-trícia dos S.B. de M.Q. Reis, Wilber Linhares, Antonio Carlos Galani Gonçal-ves, Carlos Roberto Lilla, Heloisa Helena Sampaio Padovani, Regina Maria G.de Azevedo, Cássia Chrispiniano Adduci, Neuma Maria de B. Menegatti, AndréRodrigues Nagy, Aldo Rivelino Carlini, Rodolfo Luis Quintino Martins, WagnerSilvestrin, Solimar Fernandes Reche. Coordenadores Regionais: Amay Silvia C.dos Santos, Amaysa Elcídia Camazano, Ana Sílvia Soares Schychof, CarlosRoberto Almeida França, Maria de Fátima Gigeck, Maria da Graça Moura Brito,Nair de Oliveira Marin, Raquel Leonhardt Amrain, Reinaldo Cesar Cafeo. Con-sultores: José Francisco Graziano da Silva, Ruy de Quadros Carvalho, Paulo RobertoNassar de Oliveira, Mauro Sinder, Pedro Luis Nascimento e Silva, Luciano GalvãoCoutinho, Carlos Américo Pacheco, Rosa Maria Marques, Gildo Magalhães dos SantosFilho, Sergio Buarque de Holanda, Paulo Gonzaga Mibielli de Carvalho.1. Este artigo é um resumo analítico do documento “Registros Metodológicos –Paep”, cuja íntegra encontra-se no “CD-ROM – Paep”. São Paulo, Fundação Sea-de, versão 1, ago. 1999.2. O indicador de Valor Adicionado (VA) é calculado pela metodologia de Con-tas Nacionais. Corresponde ao valor bruto da produção (receita líquida – varia-

ção de estoques) subtraído do consumo intermediário (somatório dos custos edespesas diretamente relacionado à atividade produtiva), apurados na empresa.O valor adicionado de cada unidade local é obtido por rateio do valor adicionadoda empresa para a totalidade de suas unidades locais.

3. Considerou-se inovação tecnológica a implementação de produtos e proces-sos tecnologicamente novos e/ou aperfeiçoamentos tecnológicos significativosem produtos ou processos. A Paep não limitou o conceito de inovação, como sefaz usualmente, exclusivamente às atividades de P&D, que, segundo a concep-ção exposta no Manual de Oslo, da OCDE, são parte integrante, entre outras, doesforço inovativo das empresas.

4. Para a região do ABC, o desenho amostral da pesquisa garante a representati-vidade para os sete municípios que compõem o Consórcio – no caso da indústriao levantamento foi censitário e no caso do comércio, amostral no estrato de 1 a20 pessoas ocupadas e censitário no de 21 e mais pessoas ocupadas.5. Referência obtida a partir de “Especial – Os Maiores Bancos do Brasil”, Con-juntura Econômica, v.51, n.6, jun. 1997, p.22-33.

6. No CD-ROM que tem a empresa como unidade de análise, são tabuladas so-mente as empresas com sede no Estado de São Paulo. Neste sentido, estão ex-cluídas a divulgação das informações de empresas de serviços de informática eda construção civil pesquisadas pela Paep que tenham sede fora do Estado deSão Paulo, visto que o levantamento, nestes casos, teve apenas a empresa comounidade de investigação. No caso de indústria e comércio, as informações deempresa estão associadas às suas ULs situadas no Estado de São Paulo.

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 13(1-2) 1999

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A

MAPA DA ESTRUTURA INDUSTRIAL ECOMERCIAL DO ESTADO DE SÃO PAULO

MARIA DE FÁTIMA INFANTE ARAUJO

Coordenadora Técnica e Executiva da Paep, Gerente de Base de Dados e Produção de Indicadores da Fundação Seade

abertura comercial do início da década de 90, aestabilização econômica e a sobrevalorizaçãocambial foram elementos fundamentais defi-

nidores do formato de inserção que a economia brasileirapassaria a ter no comércio internacional contemporâneo.A estrutura produtiva de São Paulo respondeu a esses con-dicionantes macroeconômicos – não sem problemas – comincremento de produtividade e a implementação de estra-tégias de competitividade pelos principais setores quecompõem seu parque produtivo, em especial os segmen-tos mais dinâmicos da indústria nacional.

Este processo de atualização não alterou significativa-mente a distribuição espacial da produção industrial. Tantoquanto em 1990, em 1996 o Estado de São Paulo concen-trava cerca de 50% da produção industrial do país, quaseo dobro da produção conjunta de Minas Gerais, Rio Grandedo Sul e Rio de Janeiro, que respondiam, cada um, por9% do total nacional (Tabela 1).

Essas diferenças, como revelam inúmeros estudos,1

estão associadas a processos históricos muito distintos, atémesmo contraditórios: enquanto as trajetórias do interiordos Estados de São Paulo, Minas Gerais e do Rio Grandedo Sul são de crescimento pós-70, o Rio de Janeiro e aRegião Metropolitana de São Paulo seguem em sentidooposto, reduzindo sua participação na indústria nacional,ao longo das décadas de 70 e 80, e, particularmente no casoda capital paulista, se transformando estruturalmente.

Porém, as distâncias permanecem grandes e, mais im-portante, a concentração dos setores industriais ligados àprodução de bens de alto valor agregado e conteúdo tec-nológico continua alta no Estado de São Paulo, possibili-

tando a comparação da economia paulista à dos paísesmais desenvolvidos.

Em 1995, o Estado respondia por cerca de 53% da pro-dução da indústria mecânica nacional, 60% da química,62% da de material de transporte, 70% da de borracha,65% da de produtos de matérias plásticas, 57% da de pa-pel e papelão e 46% da metalurgia – para citar apenas al-guns dos principais genêros da indústria de transformação.

Cabe ressaltar o peso da produção industrial na Re-gião Metropolitana de São Paulo que, em meio ao turbi-lhão de mudanças ocorridas neste longo período – sejaaquelas decorrentes da crise dos anos 80, que afetou pre-ponderantemente esta indústria, seja as de caráter técni-co-gerencial em curso nos anos 90 –, mantém alta suaparticipação relativa na produção industrial do Estado,como mostram os dados da Pesquisa da Atividade Eco-nômica Paulista – Paep para 1996. E ainda a forte pre-sença, nesta região, daqueles gêneros que formam a ma-triz dinâmica da indústria de transformação nacional: oscomplexos metal-mecânico, eletroeletrônico e de comu-nicações e petroquímico (borracha e material plástico).

A “interiorização do desenvolvimento”,2 em continui-dade com as décadas anteriores, ocorre em um espaçoconcentrado, num raio de aproximadamente 150 km apartir do centro da RMSP, abrangendo as regiões admi-nistrativas de Campinas, São José dos Campos, Santos eSorocaba.

Fatores responsáveis pela desconcentração metropo-litana, decorrentes dos “custos de aglomeração” – expres-sos na saturação da infra-estrutura de transporte, na va-lorização imobiliária, nas restrições impostas pela legis-

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MAPA DA ESTRUTURA INDUSTRIAL E COMERCIAL DO ESTADO ...

lação ambiental, etc. –, assim como fatores indutores docrescimento industrial no interior do Estado – como osmaciços investimentos estatais em infra-estrutura ener-gética e de transportes, o crescimento da agroindústria dacana (Proálcool) e da laranja (voltado à exportação) – ex-plicaram, em grande medida, o movimento de desconcen-tração econômica nas décadas de 70 e de 80, cujas conse-qüências se somam àquelas da crise dos anos 80 sobre oaparato produtivo da RMSP.

Nos anos 90, novos fatores passam a interferir na defi-nição da localização das empresas, com as escolhas recain-do preferencialmente sobre as regiões administrativas noentorno da RMSP, em particular as vantagens oferecidaspela proximidade do grande mercado consumidor da re-gião.3 A densidade da malha urbana, a infra-estrutura viáriae a intensidade dos fluxos, associadas à redução dos cus-tos de transporte decorrente dessa proximidade, acaba-ram criando uma extensa região econômica.

A distribuição espacial das intenções de investimen-tos externos diretos de empresas ou grupos industriaistende a confirmar o movimento de “desconcentração con-centrada”, da qual se beneficiam, inclusive, diversosmunicípios da RMSP, principalmente Guarulhos, SãoBernardo, São Caetano e Barueri (Tabela 2).

Grandes grupos estrangeiros vislumbram no mercadoconsumidor brasileiro – ampliado pelo Mercosul – novasoportunidades de investimentos, canalizando para a RMSPe seu entorno importantes recursos para expansão ou im-plantação de novas unidades produtivas, tanto no setor

industrial como nos de comércio e serviço. O volume deinvestimentos programados no período 1995-2000 atestao dinamismo econômico da região, superada apenas pelaRA de Campinas e seguida pela região do Vale do Paraí-ba no eixo Rio-São Paulo.

Observar com mais nitidez estes movimentos, analisá-loscom mais profundidade e extensão tornou-se possível coma Paep – Pesquisa da Atividade Econômica Paulista. A es-trutura produtiva do Estado de São Paulo ganhou inúmeraslentes por onde se pode perceber os sinais das transforma-ções tecnológicas e dos processos produtivos e os impactosderivados destes nos diferentes setores econômicos.

Este artigo irá desenvolver, de forma exploratória edescritiva, uma rápida análise de alguns aspectos relati-vos à composição e às características da estrutura de pro-dução industrial e comercial do Estado e de suas regiões,destacando segmentos mais importantes.

A definição de hierarquias respeitará a distribuiçãorelativa dos montantes referentes ao valor adicionado pro-duzido (VA) e ao pessoal ocupado (PO), em dezembrode 1996, nos setores e nas regiões, e comparativamenteao total estadual.

Através da localização regional de novos investimen-tos, seja na implantação de novas unidades locais pós-1990, seja na ampliação da capacidade produtiva das uni-dades locais (ULs), entre 1994 e 1996, tratar-se-á deidentificar quais os gêneros industriais que mais se bene-ficiaram destes investimentos.

Finalmente, serão examinados os atributos relaciona-dos à inovação produtiva, às estratégias de gestão utiliza-das e à oferta de treinamento aos empregados por parte

TABELA 2

Intenções de Investimento da Indústria de 1995 a 2000, segundo RegiõesAdministrativas Selecionadas

Estado de São Paulo – 1998 (1)

Regiões Administrativas Valor %

Selecionadas (US$ milhões)

Total 24.125 100,00Região Metropolitana de São Paulo 5.399 22,38

Campinas 7.567 31,37

São José dos Campos 5.188 21,50

Sorocaba 1.993 8,26

Santos 829 3,44

Subtotal 20.976 86,95

Demais Regiões 3.149 13,05

Fonte: Fundação Seade, 1998. Dados Básicos: Governo do Estado de São Paulo/Secretariade Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico.(1) Posição em março.

TABELA 1

Distribuição Espacial da Indústria de Transformação, segundoRegiões e Estados Selecionados

1980-1995

Em porcentagem

Regiões e Estados 1980 1985 1990 (1) 1995 (1)

Total 100,0 100,0 100,0 100,0Nordeste (menos Bahia) 4,4 4,8 4,3 4,3

Bahia 3,1 3,8 4,0 3,7

Minas Gerais 7,8 8,3 8,1 8,8

Rio de Janeiro 10,2 9,5 9,8 8,8

São Paulo 54,4 51,9 49,2 49,9

Paraná 4,1 4,9 5,7 5,9

Santa Catarina 3,9 3,9 4,2 4,3

Rio Grande do Sul 7,9 7,9 7,7 8,7

Outros Estados 4,2 5,1 7,0 5,6

Fonte: Pacheco (1996:76). Dados Básicos: Fundação IBGE. Censos Industriais – 1980 e 1985;Índices da Produção Física da PIM/PF – 1985-95.(1) Os percentuais foram estimados com base na distribuição regional do VTI de 1985 e nosíndices de crescimento da PIM/PF.

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 13(1-2) 1999

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das empresas, visando qualificar, minimamente, os seto-res e regiões em face das transformações tecnoprodutivas,e as ações das empresas no sentido da requalificação dostrabalhadores.

A PESQUISA DA ATIVIDADEECONÔMICA PAULISTA

Dados da Paep mostram que a indústria responde pelamaior parcela do valor adicionado do Estado e do seupessoal ocupado, e o comércio, pela grande maioria dasempresas e com boa parte das ocupações (Tabela 3).

Do ponto de vista regional, a Paep permite analisar asregiões administrativas (RAs) do Estado de São Paulo,Registro, Santos, São José dos Campos, Sorocaba, Cam-pinas, Ribeirão Preto, Bauru, São José do Rio Preto, Ara-çatuba, Presidente Prudente, Marília, Central, Barretos,Franca e Região Metropolitana de São Paulo.4

A atividade econômica no Estado de São Paulo encon-tra-se altamente concentrada na RMSP, seja em termosde pessoal ocupado (PO), valor adicionado (VA) ou emnúmero de unidades locais (ULs) (Tabela 4). É significa-tiva também nas RAs de Campinas, São José dos Cam-pos e Sorocaba. Quanto à atividade comercial, esta é mais

TABELA 4

Distribuição das Unidades Locais, Pessoal Ocupado e Valor Adicionado, por Setores de Atividade Econômica, segundo Regiões AdministrativasEstado de São Paulo – 1996

Em porcentagem

Indústria Comércio Serviços de Informática (1)Regiões Administrativas Unidades Pessoal Valor Unidades Pessoal Valor Empresas Pessoal Valor

Locais Ocupado Adicionado Locais Ocupado Adicionado Ocupado Adicionado

Região Metropolitana de São Paulo 56,9 56,8 60,4 40,5 50,5 51,6 78,7 85,6 90,8

Registro 0,4 0,2 0,2 0,6 0,7 2,4 (2) - (2) - (2) -

Santos 1,3 1,1 2,1 3,7 4,3 3,4 0,7 0,1 0,1

Sorocaba 5,8 6,0 5,2 6,7 5,4 3,9 1,3 0,5 0,2

São José dos Campos 3,2 4,4 6,5 6,4 5,7 5,6 2,0 2,5 5,0

Campinas 14,8 16,9 16,1 14,5 13,0 12,1 10,1 7,9 2,7

Ribeirão Preto 2,1 2,3 2,2 5,0 4,1 3,4 1,7 0,7 0,6

Bauru 2,1 2,6 1,4 3,4 2,6 7,7 1,1 0,5 0,1

São José do Rio Preto 3,2 2,0 1,0 3,5 2,7 2,8 0,7 0,5 0,3

Araçatuba 1,6 1,4 0,6 1,8 1,4 1,1 1,0 0,3 0,0

Presidente Prudente 1,4 0,8 0,4 2,7 1,7 1,1 1,2 0,3 0,1

Marília 2,0 1,2 0,6 3,7 2,7 1,2 0,3 0,1 0,0

Central 2,4 2,4 1,9 3,8 2,4 1,5 0,6 0,7 -0,1

Barretos 0,6 0,5 0,8 1,5 1,1 1,3 0,2 0,1 0,0

Franca 2,1 1,5 0,6 2,2 1,8 0,9 0,3 0,2 0,3

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep.(1) Não se aplica aos Serviços de Informática o conceito de unidade local, só o de empresa.(2) Não foram encontrados casos na região.

TABELA 3

Empresas, Pessoal Ocupado e Valor Adicionado, segundo Setores de AtividadeEstado de São Paulo – 1996

Setores de Atividade Empresas Pessoal Ocupado Valor Adicionado

Números Absolutos % Números Absolutos % Em R$ milhões %

Indústria 41.466 10,1 2.188.358 46,4 74.165 75,8

Comércio 359.298 87,6 2.072.894 44,0 19.507 19,9

Serviços de Informática 1.597 0,4 43.326 0,9 1.772 1,8

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep.

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MAPA DA ESTRUTURA INDUSTRIAL E COMERCIAL DO ESTADO ...

intensa na RMSP e nas RAs de Campinas, Bauru e SãoJosé dos Campos.

Tendo em vista o grau de complementaridade da es-trutura produtiva e a proximidade física entre a RMSP eas regiões mais densamente industrializadas do Estado,situadas no seu entorno, optou-se, neste artigo, em agru-par as regiões administrativas em três grandes regiões: aRegião Metropolitana de São Paulo; o Entorno da RegiãoMetropolitana de São Paulo (Entorno Intermetropolitano),compreendendo as regiões administrativas de Sorocaba,Campinas, São José dos Campos e Santos; e o interior doEstado, incluindo todas as demais regiões administrati-vas (Mapa 1).

ESTRUTURA INDUSTRIAL DO ESTADO

A estrutura industrial do Estado de São Paulo, em de-zembro de 1996, era formada por 49.466 unidades locaisde empresas (unilocalizadas ou multilocalizadas), queempregavam 2.188.358 trabalhadores. Do total das Uls,7,3% eram de grande porte, e respondiam por 58,2% do VA;10,4% de médio porte, responsáveis por 24,3% do VA; e82,3% de pequeno porte, responsáveis por 17,5% do VA. 5

A importância das grandes empresas em São Paulo nãose mede apenas pelo seu significado econômico na gera-

ção de valor e de emprego, mas pelo diferencial apresen-tado quanto aos atributos de modernização pesquisadospela Paep, vis-à-vis as empresas médias e pequenas. 6

Exceção pode ser feita no caso da produção de gênerosmais intensivos em tecnologia, como equipamentos mé-dicos, ótica e relógio e instrumentos de precisão e auto-mação industrial, em que se verifica uma distribuiçãoeqüitativa entre as pequenas, médias e grandes empresasna produção do valor adicionado.

A Paep revela mais continuidades que rupturas; ou seja,prevalece a concentração do valor de produção nas gran-des empresas dos principais gêneros que, em grande me-dida, conformaram a matriz da industrialização tardiabrasileira: a indústria de bens intermediários, a de bensde capital e a de bens de consumo duráveis. Mais ainda, oesforço inovador, associado às imposições ditadas pelacompetição estimulada pela abertura comercial pós-1990,ampliou o (já alto) grau de heterogeneidade estrutural ca-racterístico de nossa formação industrial. 7

Pode-se verificar que a estrutura industrial paulista estáainda mais complexa e diversificada, comparativamentea atividades distribuídas em praticamente todos os gêne-ros da indústria de transformação. Destacam-se, quer pelovalor adicionado produzido, quer pelo número de pessoasocupadas, os setores de fabricação de produtos químicos

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep.

MAPA 1

Distribuição da Indústria e Comércio, por Regiões AdministrativasEstado de São Paulo – 1996

IndústriaUL: 17,9%PO: 14,8%VA: 9,7%

ComércioUL: 28,1%PO: 21,2%VA: 23,3%

IndústriaUL: 25,2%PO: 28,3%VA: 29,9%

ComércioUL: 31,4%PO: 28,3%VA: 25,0%

IndústriaUL: 56,9%PO: 56,8%VA: 60,4%

ComércioUL: 40,5%PO: 50,5%VA: 51,6%

InteriorEntorno IntermetropolitanoRegião Metropolitana de São Paulo

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 13(1-2) 1999

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(14,1% do VA industrial e 7,1% do PO estadual); de ali-mentos e bebidas (12,9% do VA e 12,4% do PO); de veí-culos automotores, reboques e carrocerias (11,4% do VAe 8,2% do PO); de máquinas e equipamentos (9,9% doVA e 9,3% do PO); e de edição, impressão, reproduçãode gravação (6,9% do VA e 4,4% do PO). Somados, estessetores respondem por 55,2% do VA e 41,4% do PO, erepresentam 32,4% das unidades locais das empresas in-dustriais paulistas. Estes gêneros, como mostram algunsindicadores, são também os mais dinâmicos.

As unidades locais instaladas após 1990 no Estado de SãoPaulo correspondem a 30% do total existente em 1996, edistribuem-se segundo os principais gêneros industriais, so-mando-se a estes as indústrias de confecção de vestuário eacessórios, de borrachas e plásticos e de produtos de metal.

A mesma distribuição pode ser observada para o totaldas 11.086 unidades locais das empresas que realizaraminvestimentos em ampliação da capacidade produtiva noperíodo 1994-96 e que detêm uma parcela expressiva dovalor adicionado. Destacam-se aquelas pertencentes aosgêneros de maior valor agregado, como os de fabricaçãoe montagem de veículos automotores e de fabricação deprodutos químicos.

O mesmo ocorre na fabricação de alimentos e bebidas,em que os investimentos se concentram em 16,6% das unida-des locais, preponderantemente de grande porte, que respondempor cerca de 40% do valor adicionado do gênero no Estado.

Por outro lado, é significativo o volume de unidadeslocais que realizaram investimento em ampliação da ca-pacidade produtiva no setor de confecção de vestuário eacessórios. Foram 1.150 ULs que responderam afirmati-vamente à Paep. Vale salientar que, nesse caso, trata-sede um setor composto principalmente de pequenas e mé-dias empresas e por isso este montante representa 16,4%do número de ULs, além de pertencerem às empresas quedetêm apenas 19% do VA do setor.

A diferenciação no espectro e perfil das empresas si-naliza, além da concentração apontada nos principais gê-neros, a dispersão do investimento entre os demais gêne-ros e os diferentes tamanhos de empresas, numa dinâmicaabrangente de crescimento da capacidade produtiva na in-dústria paulista – atingindo cerca de 22% das unidadeslocais, que representam quase a metade do valor adicio-nado produzido por este setor em 1996.

O universo de unidades locais de empresas inovado-ras8 no Estado de São Paulo limita-se a 26,7%. Este con-junto, por sua vez, representa cerca de 66% do VA e 54%do PO da indústria.

Entre as indústrias de máquinas de escritório e equi-pamentos de informática, de equipamentos médicos, óti-ca e relógio e instrumentos de precisão e de material ele-trônico e aparelhos e equipamentos de comunicação, maisde 40% de suas unidades locais pertencem a empresasinovadoras, embora, no conjunto, estes gêneros represen-tem apenas 5,2% do valor adicionado da indústria paulis-ta. Ou seja, a indústria de eletroeletrônicos e de equipa-mentos de microinformática e automação industrial,embora com altos índices de inovação, está longe do quepoderia se supor como competitiva e estratégica, não sópelo tamanho, mas também por ser altamente importado-ra de peças e componentes e apresentar baixa capacidadeexportadora. Deste ponto de vista, o país e o Estado deSão Paulo se distanciam dos modernos sistemas indus-triais, ficando em uma órbita subalterna.

Dos principais setores da indústria, o de fabricação deprodutos químicos tem 43,4% das unidades locais (75%do VA) associadas a empresas inovadoras; o de máqui-nas e equipamentos, 35,9% (72% do VA); o de fabrica-ção e montagem de veículos automotores, reboques ecarrocerias 33% (88% do VA); o de edição, impressão,reprodução de gravação, 26,2%; e o de alimentos e bebi-das, apenas 22%.

Menos abrangente é o universo de empresas que ofe-recem treinamento a seus empregados, que represen-tam apenas 14,2% das unidades locais da indústria doEstado. Este pequeno conjunto, constituído de grandesempresas, agrega cerca de 70% do VA da indústriapaulista e cerca de 50% do pessoal ocupado. Sobres-saem os gêneros de fabricação e refino de petróleo eálcool (45,5%) e de máquinas de escritório e equipa-mentos de informática (47,7%), seguidos dos de fabri-cação de produtos químicos (31%), de máquinas e equi-pamentos (20,3%); de fabricação e montagem deveículos automotores (21,5%); de edição, impressão,reprodução de gravação (18,8%); e de alimentos e be-bidas (14,2%).

Distribuição no Território Estadualda Produção Industrial

A Região Metropolitana de São Paulo, como mostra aPaep, apresenta grande concentração industrial, respon-dendo por 60,4% do VA, 56,8% do PO e 57% das Uls(Tabela 5). 9

Um segundo grupo de regiões, liderado pela RA deCampinas, mostra-se extremamente dinâmico. Incluindo

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MAPA DA ESTRUTURA INDUSTRIAL E COMERCIAL DO ESTADO ...

as RAs de São José dos Campos, Sorocaba e Santos, estegrupo totaliza cerca de 30% do VA, 28,4% do PO e 25,2%das ULs industriais do Estado (Tabela 6).

As demais regiões administrativas do interior apresen-tam perfil menos industrial, embora, como veremos adian-te, apresentem algumas especializações setoriais que lhesconferem importância não apenas intra e inter-regional,mas, em alguns casos, até mesmo nacional. Perfazem, emconjunto, 9,6% do VA, 14,8% do PO e 17,8% das ULsindustriais do Estado.

ESTRUTURA INDUSTRIAL DA REGIÃOMETROPOLITANA DE SÃO PAULO

A estrutura industrial da RMSP, dado seu alto grau deconcentração, determina a hierarquia existente entre os

TABELA 5

Participação do Valor Adicionado da Indústria, segundo Divisão da CNAEEstado de São Paulo – 1996

Divisão da CNAE Região Metropolitana de São Paulo Entorno Intermetropolitano Interior

% no Estado % na Região % no Estado % na Região % no Estado % na Região

Total 60,4 100,0 29,9 100,0 9,7 100,0Alimentos e Bebidas 35,7 7,6 33,1 14,2 31,2 41,3

Artefatos de Couro, Artigos de Viagem e Calçados 21,7 0,3 12,9 0,4 65,4 6,5

Edição, Impressão e Reprodução de Gravações 86,0 9,8 10,5 2,4 3,5 2,5

Coque, Refino de Petróleo e Produção de Álcool 7,3 0,2 16,3 0,7 76,4 9,8

Fabricação de Produtos Químicos 65,6 15,3 30,5 14,3 3,9 5,7

Metalurgia Básica 46,3 3,0 51,1 6,7 2,6 1,1

Fabricação de Máquinas e Equipamentos 64,0 10,5 27,3 9,1 8,7 8,9

Montagem de Veículos Automotores 67,1 12,7 32,1 12,2 0,8 1,0

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep.

principais gêneros da indústria de transformação do Es-tado. Destacam-se, assim, quer pelo valor adicionado pro-duzido, quer pelo montante de pessoal ocupado, os seto-res de fabricação de produtos químicos (15,3% do VA e8,2% do PO regional); de fabricação e montagens de veí-culos automotores, reboques e carrocerias (12,7% do VAe 9,7% do PO); de fabricação de máquinas e equipamen-tos (10,5% do VA e 9,5% do PO); de edição, impressão,reprodução de gravação (9,8% do VA e 6,1% do PO); ede alimentos e bebidas (7,6% do VA e 7,5% do PO). Nototal, estes setores representam cerca de 56% do valoradicionado, 41% do pessoal ocupado e 31,6% das unida-des locais.

Prevalece a estrutura de grandes empresas, que sãoresponsáveis por cerca de 85% do VA do setor de fabri-cação e montagens de veículos automotores, reboques e

TABELA 6

Participação do Pessoal Ocupado na Indústria, segundo Divisão da CNAEEstado de São Paulo – 1996

Divisão da CNAE Região Metropolitana de São Paulo Entorno Intermetropolitano Interior

% no Estado % na Região % no Estado % na Região % no Estado % na Região

Total 56,8 100,0 28,3 100,0 14,8 100,0Alimentos e Bebidas 34,2 7,5 31,1 13,6 34,7 29,1

Artefatos de Couro, Artigos de Viagem e Calçados 22,3 1,2 12,1 1,3 65,7 13,4

Edição, Impressão e Reprodução de Gravações 77,8 6,1 14,0 2,2 8,2 2,4

Coque, Refino de Petróleo e Produção de Álcool 4,3 0,1 17,9 0,9 77,8 7,6

Fabricação de Produtos Químicos 65,9 8,2 29,4 7,3 4,6 2,2

Metalurgia Básica 63,9 4,2 30,2 3,9 5,9 1,5

Fabricação de Máquinas e Equipamentos 57,6 9,5 28,3 9,4 14,0 8,9

Montagem de Veículos Automotores 66,9 9,7 30,4 8,9 2,8 1,5

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep.

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 13(1-2) 1999

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carrocerias; 77,5% de alimentos e bebidas; 59,1% de pro-dutos químicos; 50,9% de máquinas e equipamentos. Nosetor de edição, impressão, reprodução de gravação, o VAdistribui-se entre pequenas, médias e grandes empresasna geração do valor adicionado.

Das 15.013 ULs instaladas após 1990 (até 1996), noEstado, cerca de 52% (7.803) localizaram-se na RMSP,representando 62,2% do VA total deste agrupamento. Es-tes investimentos, do ponto de vista do valor agregado,ocorreram preponderantemente nos principais gêneros daregião. Da mesma forma, o valor adicionado das unida-des locais que realizaram investimentos em ampliação dacapacidade produtiva entre 1994 e 1996, na RMSP, re-presenta 53% do total deste grupo no Estado; e cerca de53% da ULs que fizeram este tipo de investimento, emgrande medida, pertencem a empresas dos principais gê-neros da indústria regional.

Do ponto de vista da assimilação de novos métodos etécnicas produtivas, poucas são as empresas – embora sig-nificativas na produção do VA e no montante de PO –que no período 1994-96 desenvolveram algum tipo deinovação tecnológica nos produtos ou nos processos deprodução. Entre os principais gêneros da estrutura indus-trial da RMSP, sobressai-se a indústria química, com cer-ca de 40% de empresas inovadoras representando 66,5%do VA do gênero, seguindo-se as de fabricação e monta-gens de veículos automotores (37% das empresas e 66%do VA) de máquinas e equipamentos (35,6% das empre-sas e 63% do VA); 26,3% das empresas de edição, im-pressão, reprodução de gravação e apenas 19,2% dasempresas e cerca de 34% do VA de fabricação de alimen-tos e bebidas. À exceção deste último, todos os demaisgêneros estão acima da média da RMSP, que apresentou26,5% de empresas inovadoras representando cerca de60% do valor adicionado da indústria da região.

Contrastando com a elevada percentagem de empre-sas inovadoras na RMSP, é bastante significativo o da-quelas que não oferecem qualquer tipo de treinamento aosseus trabalhadores: cerca de 87%. As empresas que ofe-recem treinamento (cerca de 13%) são as de grande por-te, que representam 58,4% do valor adicionado. Nos prin-cipais gêneros, à exceção novamente da indústria dealimentos e bebidas, em que apenas 8,2% das empresasoferecem treinamento, nas demais, essas proporções sãoelevadas: 30,3% na de produtos químicos (responsáveispor aproximadamente 63% do VA); 25% na de fabrica-ção e montagens de veículos automotores (cerca de 66,5%do VA); 20,2% na de máquinas e equipamentos (cerca de

63% do VA); e 20,4% nas de edição, impressão, reprodu-ção de gravação (cerca de 83% do VA).

A grande maioria das empresas da RMSP (mais de60%) adotou estratégias de gestão da produção pró-ati-vas no período 1994-96, tais como ampliação do númerode produtos, aumento da escala de produção, implemen-tação de novos métodos e organização do trabalho e cres-cimento da automação industrial. Destacam-se as empre-sas de fabricação e montagens de veículos automotores,das quais 84,2% adotaram estratégias de crescimento daautomação industrial; as de máquinas e equipamentos, dasquais 93,6% introduziram novos métodos de organizaçãodo trabalho, assim como 69,2% das de edição, impres-são, reprodução de gravação; de produtos químicos, emque 65,2% ampliaram o número de produtos; e de alimentose bebidas, em que 85% aumentaram a escala de produção.

Observando-se a distribuição intra-regional do valoradicionado da indústria da RMSP em relação ao VA esta-dual, que no total corresponde a 60,4%, destacam-se, emordem de importância, o Município de São Paulo (33,1%),a região do ABCD (13,8%) e os demais municípios(13,5%).

O restante da produção (39,6%) distribui-se pelo inte-rior do Estado, conforme já visto: 29,9% nas regiões doentorno intermetropolitano (RAs de Campinas, Soroca-ba, São José dos Campos e Santos); e o restante (9,7%)nas demais regiões do interior.

ENTORNO INTERMETROPOLITANO

A estrutura industrial do conjunto de regiões que for-mam o entorno da Região Metropolitana de São Pauloapresenta elevado grau de complementaridade e de inte-gração técnica e funcional com esta. Encontra-se em cur-so, nesta porção do território paulista, um extenso pro-cesso de metropolização, integrando aglomerações urba-nas metropolitanas (São Paulo, Campinas e Santos) e não-metropolitanas (São José dos Campos e Sorocaba), emuma grande área socioeconômica.

A evidência mais concreta desta integração está no fatode que a matriz produtiva do Estado de São Paulo, emseus principais gêneros, completa-se nestas regiões. Maisde 90% do valor adicionado produzido está concentradoneste território: 96% na fabricação de produtos químicos;99% na fabricação e montagens de veículos automotores,reboques e carrocerias; 91% na fabricação de máquinas eequipamentos; e 96,5% no setor de edição, impressão, re-produção de gravação. A exceção é a indústria de alimen-

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MAPA DA ESTRUTURA INDUSTRIAL E COMERCIAL DO ESTADO ...

tos e bebidas (67% do VA), mais espraiada pelo interior(33% do VA).

Nas RAs de Campinas, São José dos Campos, Soroca-ba e Santos destacam-se fabricação de produtos quími-cos (30,5%); fabricação e montagens de veículos auto-motores (32,1%); alimentos e bebidas (33,1%); fabrica-ção de máquinas e equipamentos (27,3%) e edição, im-pressão, reprodução de gravação (10,5%).

Na RA de Campinas, que tem a maior e mais diversifi-cada estrutura industrial, o setor de fabricação de produ-tos têxteis representa cerca de 9% da produção regional;na RA de São José dos Campos, a mais inovadora, o dematerial eletrônico e aparelhos e equipamentos de comu-nicação representa 10,2% do VA regional; na RA de So-rocaba, o mais expressivo é o de produtos minerais não-metálicos que responde por cerca de 12%; e na RA deSantos, a metalurgia básica é responsável por cerca de 50%da produção regional e 26% da produção estadual.

A localização dos investimentos em novas plantas in-dustriais acentua o caráter concentrador das iniciativasempresariais no espaço estadual. As unidades locais no-vas, instaladas após 1990 (78% das unidades locais e 90%do VA produzido), situam-se nesta metrópole expandida.

Na região de Campinas (18,6% do VA produzido porplantas novas no Estado), os investimentos mais signifi-cativos foram realizados nos setores de alimentos e bebi-das (20,25%) e de máquinas e equipamentos (34,02%).

Na RA de São José dos Campos, estes investimentosforam importantes, pois ali se concentrou cerca de 27%do VA das novas plantas de fabricação de material ele-trônico e aparelhos e equipamentos de comunicação doEstado e cerca de 33% de outros equipamentos de trans-portes vinculados ao complexo aeroespacial, ambos seg-mentos modernos do ponto de vista tecnológico.

Na região de Sorocaba, o gênero que mais se expan-diu, seja pelo VA “novo” produzido na própria região,seja pela participação estadual (21%), foi o de edição,impressão, reprodução de gravações, sinalizando forte in-tegração do setor com São Paulo.

Ampliaram a capacidade produtiva, entre 1994 e 1996,cerca de 3.062 ULs na região do entorno intermetropo-litano, ou cerca de 27%, segundo a Paep. Somadas às daRMSP, representam cerca de 80% deste universo.

A maior proporção de unidades locais de empresas ino-vadoras encontra-se na RA de Campinas, cerca de 32%,sendo mais de metade da indústria química, cerca de 36%de alimentos e bebidas, 36,6% de máquinas e equipamen-tos e 36,1% de fabricação e montagens de veículos auto-

motores. As empresas inovadoras respondem por cercade 57% do PO e 68,3% do VA da RA de Campinas.

Nas demais regiões, as proporções estão abaixo damédia do Estado, embora setorialmente alguns segmen-tos se destaquem: em Sorocaba, onde estão cerca de 23%das ULs de empresas inovadoras (responsáveis por cercade 45% do PO e de 55% do VA), realizaram algum tipode inovação aproximadamente 65% das indústrias quími-cas, 22% de máquinas e equipamentos, 53% de celulosee papel e 50% de material eletrônico e aparelhos e equi-pamentos de comunicações. Na indústria de alimentos ebebidas, essa proporção é bem menor (13,6%), mostran-do-se muito menos inovadora que as plantas localizadasna região de Campinas.

Na região de São José dos Campos, o processo de ino-vação embora atingindo poucas unidades é abrangente:das Uls industriais, apenas 18,8% são inovadoras – o quese explica por se tratar de uma estrutura industrial em quepredominam as grandes empresas. Estas respondem por67,3% do pessoal ocupado e 80,2% do valor adicionadoindustrial gerado na região. Os principais gêneros semostraram em franco processo de assimilação de inova-ções: na indústria de máquinas e equipamentos, eram cercade 40% das ULs; na de fabricação e montagens de veícu-los automotores, reboques e carrocerias, 41%; na de ma-terial eletrônico e aparelhos e equipamentos de comuni-cações, cerca de 80%. Vale lembrar que estão con-centrados nesta região, respondendo por 20% do VA doEstado para estas indústrias, dois gêneros consideradosestratégicos em face do novo paradigma de produção in-dustrial: o de fabricação de material eletrônico e apare-lhos e equipamentos de comunicações e de equipamen-tos médicos, ótica e relógios, instrumentos de precisão,automação industrial. O restante se distribui entre a RMSP,em maior volume, e a RA de Campinas.

Na RA de Santos, realizavam algum processo inova-dor cerca de 21% das ULs responsáveis por 80% do VAda região e 63,5% do PO. Vale destacar a indústria dealimentos e bebidas, onde somente 8,9% das ULs reali-zaram inovação, justamente as grandes empresas, quegeram cerca de 62% do VA, e a indústria química, queacompanha o desempenho de gênero no Estado, inovan-do em cerca de 57% de suas ULs.

As unidades locais dessa região que não oferecem qual-quer tipo de treinamento aos seus trabalhadores são nu-merosas, correspondendo a cerca de 85% do total. A dis-tribuição de empresas que oferecem treinamento entre osprincipais gêneros é semelhante, em grande medida, à do

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 13(1-2) 1999

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Estado e da RMSP. Mais uma vez, destacam-se as gran-des empresas: em todas as RAs do entorno intermetro-politano, aquelas que oferecem treinamento representamcerca de 78% do VA regional e empregam 53,4% dos tra-balhadores. Em ambos os casos, os patamares são supe-riores aos da RMSP e do Estado.

A grande maioria das empresas da região adotaramestratégias de gestão da produção no período 1994-96,tais como ampliação do número de produtos, aumento daescala de produção, adoção de novos métodos e organi-zação do trabalho e crescimento da automação industrial.

Na região de Campinas, cerca de 83% das empresasdo setor químico ampliaram o número de produtos; emSorocaba, cerca de 93% do setor de alimentos e bebidasimplantaram novos métodos de organização do trabalho;em São José dos Campos, cerca de 99% do de veículosautomotores adotaram estratégias de crescimento da au-tomação industrial; e na Baixada Santista, praticamentetodas as empresas do setor químico ampliaram a escalade produção no período.

Finalmente, nestas regiões, tal como na RMSP, preva-lecem na formação do valor adicionado da indústria re-gional as empresas de grande porte: aproximadamente70% do VA das empresas de Sorocaba e cerca de 86%em São José dos Campos, por exemplo. Nas grandes em-presas, estão concentrados os principais gêneros das re-giões, as empresas mais inovadoras, aquelas que ofere-cem treinamento aos seus funcionários e que adotaram,em massa, estratégias de gestão do processo de produçãoativas e modernas.

REGIÕES DO INTERIOR DO ESTADO

Bastante distinto das regiões anteriormente analisadas, ointerior (formado, para efeito deste estudo, pelo conjunto dasdemais regiões administrativas do Estado) representa ape-nas 9,7% do valor adicionado industrial do Estado, com umaestrutura industrial voltada basicamente à produção de ali-mentos – cerca de 41% da produção industrial.

Dos demais gêneros, têm alguma expressão a produ-ção de álcool (cerca de 10% do VA regional), a indústriade preparação do couro e de calçados (cerca de 6,5%) e afabricação de máquinas e equipamentos (cerca de 9%).

Do ponto de vista da produção estadual, cerca de 31%da indústria de alimentos, 65% da produção e preparaçãode couros e calçados e cerca de 76% da fabricação decoque, refino de petróleo, combustíveis e álcool estãoconcentrados nesta região.

Embora pequeno, o movimento de abertura de novasunidades locais no interior, a partir de 1990, correspon-dendo a cerca de 22% do total, representou cerca de 10%do VA produzido por plantas novas no Estado.

Do total das empresas inovadoras, 8,7% se encontramno interior, e respondiam por cerca de 60% do valor adi-cionado e 47% do pessoal ocupado. Importantes fatias daprodução, nos gêneros mais significativos desta região,realizam-se em empresas inovadoras: 60% do VA da in-dústria de alimentos, 40% da indústria de couro e 47% dafabricação de álcool.

O montante de empresas que oferecem treinamento aostrabalhadores equivale ao daquelas que realizaram qual-quer tipo de inovação. Do total do valor adicionado esta-dual, 8,8% das empresas que oferecem treinamento aostrabalhadores encontram-se no interior e representam 63%do VA das empresas desta região.

Finalmente, nesta região do Estado, a atividade indus-trial é menos intensa e os indicadores de inovação e trei-namento estão abaixo do patamar estadual – à exceção daindústria de alimentos que, segundo a Paep, é tão dinâmi-ca no interior quanto no entorno intermetropolitano.

ESTRUTURA COMERCIAL DO ESTADO

A distribuição do valor adicionado produzido pelo se-tor comercial no Estado de São Paulo, nos vários segmen-tos (atacado; veículos, peças e combustíveis; hiper e su-permercados; lojas de conveniência e minimercados; lojasde departamento e boutiques; aparelhos eletroeletrônicos;e varejo), revela a convivência de novas formas e escalasde produção da atividade comercial com estruturas con-vencionais de lojas de pequeno e médio portes, ainda he-gemônicas no setor – tanto na produção de valor agrega-do como em pessoal ocupado (Tabela 7).

Cerca de 40% do valor adicionado do comércio esta-dual advém destas lojas de varejo, que empregam 56%do pessoal ocupado. O comércio atacadista produz cercade 28% do VA comercial estadual e emprega 15,5% doPO. Segmentos mais modernos, como os de hiper e su-permercados (9,16% do VA e 6,36% de PO), e mais es-pecializados, como o de veículos, peças e combustíveis(14,22% de VA e 11,26% de PO), embora estratégicosnas relações intersetoriais, são ainda bem menos signifi-cativos na geração de valor e emprego. Os hipermerca-dos e os supermercados destacam-se pelo tamanho mé-dio das lojas, que empregam em média 37 pessoas porunidade, no Estado, e apresentam maior concentração de

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MAPA DA ESTRUTURA INDUSTRIAL E COMERCIAL DO ESTADO ...

valor adicionado – quase três vezes superior à média dosetor atacadista. Entretanto, a produtividade do trabalhoé bem maior na atividade do atacado.

Distribuição no Território Estadual daProdução Comercial

A Região Metropolitana de São Paulo concentrava, em1996, 50% do pessoal ocupado na atividade comercial doEstado, 52% do seu valor adicionado e 40% do númerototal de unidades comerciais. Essa concentração reflete oimenso mercado formado pela aglomeração urbana dessaregião, que abriga 49% da população estadual.

O restante do Estado apresenta maior adensamento nasregiões do entorno intermetropolitano, que produzem umquarto do valor adicionado da atividade, cabendo às de-mais regiões do interior do Estado cerca de 23% do valorgerado na atividade do comércio estadual (Tabela 8).

A distribuição espacial dos segmentos do comércio (di-visões e classes selecionadas) apresenta diferenças signifi-cativas: as outras atividades do varejo, assim como as lojasde conveniência e minimercados, encontram-se espalhadasnas várias regiões do Estado, quase que proporcionalmenteà sua população residente, portanto, menos concentradas naRegião Metropolitana de São Paulo. Já as atividades ataca-distas, os hipermercados e supermercados apresentam alta

TABELA 8

Distribuição do Valor Adicionado, Pessoal Ocupado e Unidades Locais,segundo Divisões e Classes do Comércio

Estado de São Paulo – 1996Em porcentagem

Divisões Região Metropolitana de São Paulo Entorno Intermetropolitano Interior

Classes do Comércio Valor Pessoal Unidades Valor Pessoal Unidades Valor Pessoal Unidades

Adicionado Ocupado Locais Adicionado Ocupado Locais Adicionado Ocupado Locais

Total 51,63 50,46 40,54 25,02 28,32 31,39 23,34 21,23 28,07Veículos, Peças e Combustíveis 57,98 51,25 45,76 25,73 25,70 27,08 16,30 23,05 27,16

Atacado 74,47 63,43 56,96 12,84 21,22 23,83 12,69 15,36 19,21

Varejo 38,73 47,60 38,36 30,89 30,22 32,58 30,38 22,19 29,07

Hiper e Supermercados 62,04 52,17 36,41 25,42 26,92 27,29 12,55 20,91 36,30

Lojas de Conveniência e Minimercados 33,24 36,39 31,73 32,10 30,79 33,07 34,66 32,82 35,20

Lojas de Departamentos e Boutiques 51,06 53,39 40,41 26,36 26,85 33,44 22,58 19,75 26,15

Aparelhos Eletroeletrônicos 57,92 51,49 42,96 35,10 37,87 40,71 6,98 10,65 16,32

Outras 31,92 48,10 39,36 32,10 30,37 32,36 35,97 21,53 28,28

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep.

TABELA 7

Pessoal Ocupado, Valor Adicionado e Unidades Locais, segundo Divisõese Classes Selecionadas do Comércio

Estado de São Paulo – 1996

Divisões e Classes Pessoal Ocupado Valor Adicionado Unidades Locais

do Comércio % Números Absolutos % Em R$ mil % Números Absolutos

Total 100,0 2.072.893 100,0 19.507.216 100,0 372.184Veículos, Peças e Combustíveis 11,3 233.324 14,2 2.774.850 8,0 29.785

Atacado 15,5 320.412 28,5 5.548.967 8,5 31.775

Varejo 72,3 1.519.158 57,3 11.183.397 83,5 310.624

Hiper e Supermercados 6,4 131.933 9,2 1.786.489 0,9 .529

Lojas de Conveniência e Minimercados 6,8 139.623 3,1 594.186 11,6 43.279

Lojas de Departamentos e Boutiques 1,8 37.085 2,6 514.473 2,3 8.579

Aparelhos Eletroeletrônicos 1,9 39.394 2,3 449.418 1,4 5.355

Outras 56,5 1.171.123 40,2 7.838.830 67,1 249.883

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep.

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 13(1-2) 1999

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concentração do valor adicionado e pessoal ocupado naRMSP. Parte do atacado, responsável pela distribuição daprodução industrial, acompanha a concentração industrialexistente nesta região. Já os minimercados têm menor impor-tância relativa, concentrando 36,39% do pessoal ocupado.

Reestruturação Tecnológica eDistribuição Regional do Comércio

O comércio, tal como a indústria, vem passando nosúltimos anos por expressivo processo de reestruturaçãodas atividades, derivado, em grande medida, da automa-ção comercial e de novas tecnologias de informação.

Este processo é muito diferenciado tanto setorialmen-te como geograficamente. De acordo com estudos reali-zados pela equipe técnica da Paep, as estruturas de co-mercialização apresentam diferenças substantivas dedesenvolvimento. As grandes empresas (hipermercados,redes de magazines e lojas de departamento populares,bem como as grandes lojas especializadas) têm se apro-priado de fatias expressivas do mercado, passando a ado-tar procedimentos típicos da grande indústria. Isto signi-fica escalas de produção planejadas, sustentadas porinvestimentos impulsionados por elevada capacidade decapitalização e uma organização operacional e adminis-trativa mais complexa. Sua lucratividade advém de port-fólios de receitas e custos mais abrangentes e não maisde simples operações de compra e venda.10

Este processo de reestruturação incide de maneira con-tundente sobre uma estrutura na qual convivem empresascom grande poder de mercado e capacidade de inovação eoutras que realizam suas atividades de forma tradicional.

O suporte tecnológico dos diversos segmentos do co-mércio depende das escalas de mercado das principaisempresas e das possibilidades de contínuos investimen-tos em modernização de sua capacidade operacional. Por-tanto, apesar da significativa disseminação dos equipa-mentos de informática no comércio, é sobretudo nasgrandes organizações de distribuição, varejistas e ataca-distas, que a automação, associada à introdução das tec-nologias de intercâmbio eletrônico de dados, é mais di-fundida, possibilitando a redução de custos e o alinha-mento logístico entre fornecedores e clientes. Segundo aPaep, 80% nas lojas pertencentes a empresas com maisde 250 empregados, utilizavam leitura ótica, responden-do por 74% das receitas geradas pelas unidades dotadasdesses equipamentos, enquanto no segmento comércio emgeral essa proporção era de apenas 32%.

A distribuição dos 209.456 computadores instaladosnas empresas é um bom sinal difusão das tecnologias deinformação e da informatização entre as regiões do Esta-do: 54% do total encontravam-se na RMSP, 26% no en-torno intermetropolitano e 20% no interior. Na RMSP,registra-se também a maior densidade de computadorespor empresa: 77 para cada 100, bem acima da média es-tadual (58 para 100). No entorno metropolitano, a rela-ção é de 47 para 100 e no interior, de 42 para 100.

Do total de 45.720 empresas com rede externa (inter-câmbio eletrônico de dados com bancos, fornecedores,clientes, empresas de transporte, etc.), 48% situavam-sena RMSP, 35% no entorno intermetropolitano e 17% nointerior. A distribuição das 18.242 empresas com redeinterna é similar: 58%, 24% e 17%, respectivamente.

O alto grau de concentração das inovações do comér-cio, na RMSP, corresponde ao das demais atividades eco-nômicas e da população. As atividades e produtos deman-dados pelas classes de médias e altas rendas podemexplicar a densidade das atividades comerciais modernasnesta área, assim como o estabelecimento de grande par-te das sedes das maiores empresas do Brasil nesta região.Estas sedes processam as informações administrativas dasredes varejistas e atacadistas de atuação regional e/ounacional, centralizando as funções de núcleo de planejamentoe decisão estratégica dos grandes grupos na capital.

Os dados da Paep permitem observar o grau de auto-matização das lojas através da participação dos vários siste-mas de operação do caixa em cada região, desde os maistradicionais (digitação de preços e outras formas, que in-cluem calculadoras, contas feitas à mão, etc.) até os maismodernos. Os estabelecimentos com leitura ótica ou digitaçãode códigos numéricos estão bastante difundidos no interior,correspondendo a 56% das lojas dotadas desse equipamen-to no Estado. Estas, no entanto, respondem por apenas 27%de pessoal ocupado e 20% do valor adicionado – o que su-gere o predomínio de lojas de pequeno porte no processo deautomação comercial nesta região. Na RMSP, onde se en-contram 40% dos estabelecimentos com leitura ótica oudigitação de códigos numéricos, a participação destes noemprego e no valor adicionado é de 64% e 70%, respectiva-mente. Nesta região, a presença das grandes empresas – so-bretudo os hiper e supermercados – determina a maior pro-dutividade do sistema com maiores taxas de automação. Adisseminação no entorno intermetropolitano de lojas comleitura ótica é baixo: apenas 3% dos estabelecimentos, res-ponsáveis por 8% do PO e 10% do VA; a proporção de lojascom digitação de códigos numéricos é significativamente su-

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MAPA DA ESTRUTURA INDUSTRIAL E COMERCIAL DO ESTADO ...

perior, 23% do total, mas ainda inferior à participação dointerior (28%). O atraso no processo de automação nestaregião deve-se a que a maioria das lojas automatizadas nãodispõe de scanner para registrar automaticamente a saída demercadorias que passam pelo check-out, sendo necessáriodigitar o código gravado nas embalagens. Mesmo que seconsidere este equipamento mais avançado que as tradicio-nais caixas mecânicas e eletrônicas, ele ainda permanecesujeito a certas dificuldades operacionais (Tabela 9).

Em termos de número de lojas e emprego, ressalta-sea importância das formas de operação através da digitaçãode preços e em outros sistemas que, juntas, agregam maisde 90% dos estabelecimentos e 80% do emprego em to-das as regiões. Na RMSP, embora respondam por apenas2% dos estabelecimentos e 9% do PO, as lojas com leitu-ra ótica e digitação de preços são responsáveis por 25%do VA regional – o que evidencia a alta produtividadedeste sistema na RMSP e a diminuição relativa da impor-tância das lojas na geração do valor agregado da região.O mesmo acontece no entorno intermetropolitano, ondeas lojas com leitura ótica e digitação de códigos numéri-cos representam cerca de 16% do VA. Entretanto, dife-rentemente da RMSP, as lojas com sistema de digitação

de códigos, além de gerar um valor adicionado apenas umpouco abaixo do que aquelas com leitura ótica, empre-gam mais (9% contra 4%, respectivamente). No interior,as unidades com digitação de preços e similares repre-sentam 94% das lojas, 87% do PO e 85% do VA. Entre osestabelecimentos com algum grau de automação, nota-seo equilíbrio em termos de número de lojas e emprego,embora as que utilizam leitura ótica sejam mais produti-vas e, portanto, tenham maior participação no VA.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com estruturas produtivas densas e diversificadas, emum parque industrial e comercial parcialmente inovadore com grandes escalas de produção, inclusive dinâmicoem suas relações inter-regionais, o novo mapa da estru-tura produtiva da indústria e do comércio, desenhado pelaPaep, aponta para a existência de três regiões economica-mente interligadas e estruturalmente complementares:- a primeira, no topo da hierarquia, sob a ótica de qual-quer dos indicadores trabalhados, é a Região Metropoli-tana de São Paulo, que reaparece com toda sua força eco-nômica e em pleno processo de reestruturação dosprincipais segmentos produtivos. Concentra o esforçoinovador da indústria e do comércio estadual, assim comoamplia a heterogeneidade técnica e funcional de sua es-trutura de produção;- a segunda região, chamada de entorno intermetro-politano, apresentou, tal como a primeira, estruturas eco-nômicas altamente diversificadas e, em grande medida,complementares à RMSP. Juntas, ambas formam umaampla região, num raio de aproximadamente 150 km docentro da cidade de São Paulo, e parece estar se consoli-dando como um grande espaço econômico e social emacelerado processo de metropolização. Concentra cercade 90% do valor adicionado e 85% do pessoal ocupadona indústria paulista e aproximadamente 76% do VA e78% do PO do comércio estadual.- a terceira região, o interior, bem mais especializado,voltado preponderantemente à produção agroindustrial,reproduz, tanto na produção industrial como no setor co-mercial, indicadores de inovação tecnológica e de estra-tégias de gestão das empresas que, embora em graus maismodestos de difusão, apontam na direção de uma exten-siva assimilação de novas tecnologias de processo e pro-dutos existente no restante da produção paulista e, tal comoesta, uma profunda ampliação da heterogeneidade estru-tural desta economia.

TABELA 9

Distribuição de Unidades Locais, Pessoal Ocupado e Valor Adicionado,segundo Formas de Operação do Caixa

Estado de São Paulo – 1996

Formas de Operação Unidades Locais Pessoal Valor

do Caixa Nº Abs. % Ocupado (%) Adicionado (%)

Região Metropolitanade São Paulo 150.452 100,0 100,0 100,0Sem Informação 420 0,3 1,6 4,6Outros Sistemas 119.519 79,2 67,1 57,7Digitação de Preços 19.899 13,2 14,7 12,7Digitação de Códigos Numéricos 8.594 5,7 7,4 8,6Leitura Ótica 2.440 1,6 9,2 16,4

Entorno Intermetropolitano 62.612 100,0 100,0 100,0Sem Informação 76 0,1 0,8 2,5Outros Sistemas 46.625 74,4 62,2 66,2Digitação de Preços 11.598 18,5 23,9 14,7Digitação de Códigos Numéricos 4.171 6,7 9,0 7,2Leitura Ótica 219 0,3 4,2 9,4

Interior 157.093 100,0 100,0 100,0Sem Informação 1.531 1,0 1,5 4,4Outros Sistemas 124.685 78,6 67,0 72,1Digitação de Preços 23.954 15,1 19,9 12,5Digitação de Códigos Numéricos 4.960 3,1 5,8 3,9Leitura Ótica 3.494 2,2 5,8 7,0

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep.

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 13(1-2) 1999

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Finalmente, vale salientar que este é um dos mapaspossíveis de ser desenhado pela Paep. Outros recortes, semdúvida, poderão problematizar esta abordagem, agregan-do outros indicadores, trazendo à luz outros aspectos econtradições inerentes à dinâmica de reestruturação pro-dutiva dos anos 90 da economia brasileira.

NOTAS

E-mail da autora: [email protected]

Este artigo contou com a colaboração de membros da equipe técnica da Paep:Miguel Matteo, Vagner Bessa, Guilherme Montoro, Eliane Franco, Cesar AugustoFaria, Roberto Bernardes e Wadih Scandar.

1. O mais recente foi realizado por Pacheco (1996).

2. Termo cunhado a partir de estudos coordenados por Wilson Cano (1988,1992).

3. “Com 10,6% da população nacional, ali se realizam, em média, 20% das ven-das de varejo no Brasil. Dos 631.501 pontos de vendas existentes no Brasil, em1996/97, 9,2% se encontram na região. (...) As empresas têm procurado não fi-car tão perto para fugir dos problemas inerentes às grandes metrópoles mun-diais, mas não tão longe a ponto de se distanciar em demasia de seu grande mer-cado consumidor” (Paulino, 1998:17-18).

4. Para uma análise das informações regionalizadas dos dados gerais da Paep,como valor adicionado e pessoal ocupado, que dão a dimensão de porte e deimportância econômica de cada região, deve-se utilizar o conceito de unidadelocal, que corresponde à filial de empresa que possua um sufixo do CGC dife-rente, uma vez que os dados econômicos gerais foram obtidos através das em-presas (e, portanto, de suas sedes), sendo depois rateados pelas suas unidadeslocais (UL), de forma a poder-se captar o porte e o valor adicionado pelas em-presas em cada região que elas atuam.5. Considera-se de grande porte as unidades locais com mais de 500 pessoasocupadas; de médio porte, aquelas com mais de 100 até 499 pessoas ocupadas; ede pequeno porte, aquelas com até 99 pessoas ocupadas.

6. Consideram-se atributos de modernização a adoção de qualquer procedimen-to inovador de produto ou processo, e de novas estratégias de gestão, assim comoprocedimentos em relação aos recursos humanos condizentes com padrões quese considere aceitáveis (por exemplo: ter planos de cargos e salários, possuirplanos de benefícios, preocupação com a formação e oferecer treinamento aostrabalhadores, etc.).

7. Ver, sobre esta discussão, o texto clássico de Maria da Conceição Tavares(1981).

8. O conceito de “empresa inovadora” utilizado pela Paep acompanha a metodo-logia de estudo sobre inovação tecnológica adotada pela OCDE (Organizaçãopara Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Considera-se inovadora todaempresa que, no período de 1994 a 1996, desenvolveu algum tipo de transfor-mação tecnológica, seja nos produtos, seja nos processos de produção. A inova-ção de produto pode estar relacionada à elaboração de um produto com caracte-rísticas inteiramente novas (“inovação significativa”) ou a ligeiras modificações

realizadas em um produto já existente (inovação incremental). A inovação deprocessos corresponde à adoção de uma nova forma de produzir que, efetiva-mente, promova mudanças no processo produtivo, seja através da introdução euso de máquinas e equipamentos mais automatizados e/ou de novos métodos deorganização do trabalho.

9. Ao compararmos com os resultados da Paep, os dados até então disponíveisdo Valor Adicionado Industrial da Secretaria da Fazenda para a década de 90,observa-se, pela Paep, uma maior concentração industrial na RMSP. Certamen-te, diferenças metodológicas nos referenciais de coleta e nas formas de cálculodestes valores devem ser devidamente consideradas e ressaltadas, muito emboranão mostrem grandes discrepânciais nas distribuições relativas entre as regiõesdo Estado, embora as grandezas sejam distintas, apontando diferenciais signifi-cativos em face das análises anteriores à Paep realizadas.

10. Análise detalhada do Comércio no Estado se encontra em Bessa, nesta revista.

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PADRÕES DE INOVAÇÃO TECNOLÓGICA NA INDÚSTRIA PAULISTA...

E

PADRÕES DE INOVAÇÃO TECNOLÓGICANA INDÚSTRIA PAULISTA

comparação com os países industrializados

ste artigo analisa o padrão de inovação tecnoló-gica da indústria paulista a partir de resultadosobtidos pela Pesquisa da Atividade Econômica

bito de pequenos grupos de engenharia de produto e pro-cesso, ao invés de laboratórios de P&D formalmente or-ganizados. Portanto, nestes países, é ainda mais impor-tante medir os variados aspectos da inovação tecnológica,que vão além da atividade de P&D. Neste contexto, a di-fusão de uma metodologia para pesquisas de inovação,com base no Manual de Oslo, tem se revelado útil e opor-tuna para que os países emergentes aumentem seu conhe-cimento sobre as decisões e a capacidade de inovação dasempresas. Isto decorre do fato de as pesquisas de inovaçãofocarem as distintas dimensões da inovação tecnológica.

Nosso objetivo, neste artigo, é apresentar os principaistraços do padrão de inovação tecnológica das empresasindustriais paulistas no período 1994-96, com base no pri-meiro survey de inovação realizado no Brasil.1 Ao longodo artigo, esses traços são comparados e analisados à luzde resultados de surveys de inovação realizados em ou-tros países que adotaram a mesma metodologia. Na se-gunda parte, são apresentados os principais conceitos quenortearam a formulação das questões de inovação da Paep/Seade. A seguir, discute-se o desempenho inovador dasindústrias paulistas. Os resultados da Paep sugerem que,em termos de taxa de inovação, isto é, da proporção deempresas que adotaram produtos e/ou processos inova-dores, o desempenho da maior parte dos setores indus-triais paulistas não ficou distante daquele das economiasindustrializadas. Procura-se demonstrar ainda que a per-formance inovadora da empresa está diretamente relacio-nada ao seu tamanho, à sua origem (estrangeira ou nacio-nal) e à natureza do setor industrial em termos de opor-tunidades tecnológicas.2 Entretanto, a distância entre as

RUY QUADROS

Professor do Departamento de Política Científica e Tecnológica da Unicamp, Consultor da Fundação Seade

ANDRÉ FURTADO

Professor do Departamento de Política Científica e Tecnológica da Unicamp, Consultor da Fundação Seade

ROBERTO C. BERNARDES

Sociólogo, Analista da Fundação Seade

ELIANE FRANCO

Economista, Analista da Fundação Seade

Paulista – Paep do Seade. O desempenho inovador e oesforço tecnológico das empresas industriais paulistas sãodiscutidos com base na literatura referente a pesquisas se-melhantes, realizadas em países industrializados. O ques-tionário da Paep para o setor industrial, respondido pormais de 10.000 empresas, incluiu nove questões sobre asatividades inovadoras das empresas. Almejou-se, desde aconcepção da pesquisa sobre inovação tecnológica naPaep, sua harmonização com as diretrizes metodológicasrecomendadas pelo Manual de Oslo da OCDE (OCDE,1992), de modo a assegurar a comparabilidade com aspráticas internacionais.

A elaboração de indicadores de inovação tecnológicapara países em desenvolvimento como o Brasil enfrentaum duplo desafio. O primeiro diz respeito à crescente fal-ta de recursos de que se ressentem as agências de gover-no produtoras de estatística, e o segundo, à pouca expe-riência em pesquisas sobre o tema. Além disso, há umdesafio metodológico, que advém da posição distinta des-ses países em termos de acumulação de capacitações tec-nológicas, em comparação com os países desenvolvidos.A maior parte das atividades ligadas à inovação nos paí-ses em desenvolvimento refere-se à difusão, adaptação emelhoria de tecnologias já existentes, mais do que à gera-ção de novas tecnologias (Nelson, 1993). Freqüentemen-te, estas atividades são realizadas junto com funções derotina, como o controle de qualidade, a engenharia de ma-nutenção e a engenharia de manufatura, ou ainda no âm-

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indústrias paulistas e suas congêneres nos países indus-trializados é substancial quando nos referimos ao esforçode inovação por elas empregado, particularmente no quese refere às atividades de P&D – assunto tratado na quar-ta parte. Este argumento apóia-se nas informações sobrenúmero de pessoas ocupadas alocadas em atividades deP&D, que permitiram a classificação dos setores indus-triais paulistas por intensidade e volume de pesquisa. Fi-nalmente, as informações sobre as fontes e os motivos dainovação, tratados nas partes seguintes, reforçam os tra-ços do padrão de inovação tecnológica da indústria pau-lista, apresentados anteriormente.

INOVAÇÃO TECNOLÓGICA:CONCEITOS E MEDIDAS

Desde o pós-guerra, organismos internacionais multi-laterais, como a Organização das Nações Unidas, ou re-gionais, como o Escritório de Estatística da ComunidadeEuropéia, somam esforços no sentido de definir sistemasde classificações uniformizados para informações esta-tísticas produzidas internacionalmente (Naciones Unidas,1990). Consagrou-se como idéia-força entre os organis-mos internacionais de estatísticas um consenso sobre anecessidade de geração, revisão e harmonização dos in-dicadores e conceitos dos sistemas nacionais de dadosestatísticos, de modo que se favoreça a comparabilidadedas informações entre as nações. Em sincronia com esteprojeto, a pesquisa de inovação da Paep, desde a sua fasede concepção até a execução, preocupou-se em harmoni-zar seus parâmetros conceituais com a metodologia reco-mendada pelo Manual de Oslo, elaborado pela Organiza-ção para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico– OCDE (Furtado, 1996).

O bloco temático de questões relacionadas à inovaçãotecnológica, que compõem o questionário de indústria daPaep, foi elaborado com base naquele Manual. O objetivoera captar informações que permitissem avaliar em que me-dida e de que forma a indústria paulista, nos seus diversossegmentos, vem respondendo, através do seu esforço tecno-lógico, aos desafios impostos pelos processos de aberturacomercial, desregulamentação e globalização da economia.

A dimensão da comparabilidade potencial da Paep podeser avaliada com base em informações coletadas por ou-tras pesquisas similares realizadas na América Latina (Mé-xico, Colômbia e Argentina), União Européia (França,Itália, Espanha e UE), Ásia (China, Indonésia e Coréiado Sul) e Austrália.

Os principais conceitos e definições sobre inovaçãotecnológica utilizados na Paep são os que seguem:- Inovação de Produto: corresponde à introdução de no-vos produtos na linha de produção da empresa ou a mo-dificações tecnológicas dos mesmos, excluindo-se inova-ções puramente estéticas ou de estilo;- Inovação de Produto de Natureza Incremental: corres-ponde a substancial aperfeiçoamento tecnológico de pro-duto previamente existente;- Inovação de Produto de Natureza Significativa: refere-se a um produto inteiramente novo, que apresente carac-terísticas tecnológicas ou de uso e finalidade que o dis-tingam daqueles produzidos até então;- Inovação de Processo: corresponde à incorporação deum novo processo de produção ou a modificações tecno-lógicas em processos já adotados;- Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico (P&D): sãoas atividades que compreendem a investigação básica ouaplicada dirigida à aquisição de novos conhecimentosrelevantes para a atividade produtiva da empresa, bemcomo o trabalho de comprovação ou demonstração deviabilidade técnica ou funcional de novos produtos ou pro-cessos, ou ainda de aperfeiçoamento dos existentes. Es-tas atividades podem ser desenvolvidas pela própria em-presa (P&D interno), ou contratadas a terceiros (P&Dexterno). As atividades internas de P&D são considera-das sistemáticas ou contínuas quando a empresa empre-ga, por ano, pelo menos uma pessoa com dedicação ple-na a essas atividades, ou um grupo de pessoas comdedicação parcial, cujo tempo total de trabalho equivaleao de uma pessoa com dedicação plena, e tenha previsãode assim continuar; ou ainda ocasionais (não-rotineiras),quando a empresa realiza atividades de P&D sem a dedi-cação plena de pelo menos uma pessoa (em tempo equi-valente) a essas atividades. As informações apresentadasneste artigo referem-se exclusivamente a atividades deP&D contínuas.

DESEMPENHO INOVADOR DASEMPRESAS INDUSTRIAIS

Os dados da Paep mostram que, em nível agregado, asempresas industriais no Estado de São Paulo apresentamuma performance significativa no que se refere à intro-dução de inovações tecnológicas. A Tabela 1 indica que24,8% das empresas introduziram produtos tecnologica-mente modificados (sejam novos ou aperfeiçoados) e/ou

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PADRÕES DE INOVAÇÃO TECNOLÓGICA NA INDÚSTRIA PAULISTA...

processos tecnologicamente aperfeiçoados ou novos, noperíodo 1994-96. Os resultados obtidos por estas empre-sas não se distanciam muito daqueles apresentados pelaspesquisas de inovação realizadas nos países industriali-zados. Por exemplo, a pesquisa italiana do CNR-ISTAT,referente ao período 1981-85, mostra que a parcela deempresas inovadoras correspondia a aproximadamente35% do total das 24.000 empresas, de todos os portes,investigadas. Na pesquisa australiana, com informaçõespara o quadriênio 1994-97, a proporção de empresas ino-vadoras equivalia a cerca de 26%. E a pesquisa da SESSIfrancesa concluiu que 38,8% das empresas industriais commais de 20 empregados introduziram pelo menos umainovação de produto ou processo, no período 1991-92(Lhuillery, 1996).

A importância econômica das empresas inovadoras éainda muito maior do que seu peso numérico. Estas fo-ram responsáveis por mais de dois terços (68%) do valoradicionado da indústria paulista, em 1996, embora cor-respondessem apenas a um quarto do número de empre-sas do Estado (Tabela 1). A mesma concentração da ati-vidade econômica nas empresas inovadoras é encontradaem outras pesquisas de inovação. A pesquisa italiana maisrecente, referente ao período 1990-92, revela que dasempresas com mais de 20 empregados, as inovadoras re-presentavam 33,3%, e respondiam por 70,7% das vendas(Evangelista et alii, 1998).

A explicação da performance inovadora das indús-trias paulistas deve levar em consideração as caracte-rísticas do período especial a que se referem as infor-mações (1994-96). Até a década de 90, o alto grau deprotecionismo desestimulava qualquer tipo de inova-ção nas empresas, particularmente no que se refere àintrodução de produtos novos e tecnologicamente trans-

formados. No início dos anos 90, o protecionismo foiabandonado, mas a inflação e a recessão restringiramos investimentos em novas linhas de produtos. No en-tanto, o processo de estabilização, a partir de 1994, es-timulou um crescimento substancial do mercado inter-no nos dois anos seguintes. Estas condições e a maiorliberalização para o investimento direto estrangeiro(IDE) atraíram novas empresas, especialmente atravésde fusões e aquisições. Esse conjunto de novas condi-ções estimulou as empresas nacionais a buscar se adap-tar para sobreviver.3 Portanto, este período, ao qual sereferem as questões de inovação do questionário daPaep, coincide com uma fase de intensa renovação domix de produtos em vários setores industriais.4

Os resultados da Tabela 1 evidenciam ainda duas ca-racterísticas importantes. Primeiro, há uma relação diretaentre a propensão a inovar e o tamanho da empresa. En-tre as pequenas (cinco a 99 pessoas ocupadas), a parcelade inovadoras é de 21,7%, subindo para 51,7% e 59,4%nas médias (100 a 249 e 250 a 499 pessoas ocupadas),alcançando a taxa de 69,7% entre as grandes empresasindustriais (500 pessoas ocupadas e mais). Note-se queas empresas pequenas, que correspondem a quase 95%do universo, contribuem decisivamente para elevar amédia de empresas inovadoras, que é de 24,8%. Estesdados reforçam a hipótese neoschumpeteriana de uma cor-relação positiva entre o tamanho da empresa e sua per-formance inovadora, reafirmada por Archibugi et alii(1995) na pesquisa sobre inovações na Itália.5

A segunda característica é que, dentro do grupo deempresas inovadoras, a proporção das que realizaram ino-vações de produto e de processo é expressivamente supe-rior à das que adotaram apenas um tipo de inovação. Essadinâmica confirma outra hipótese neoschumpeteriana,

TABELA 1

Empresas Industriais e Participação dasEmpresas Inovadoras, segundo Porte de Empresas

Estado de São Paulo – 1996

Porte de Empresas Total de Empresas (1) Participação das Empresas Participação das Empresas

(Nº de Pessoas Ocupadas) (Números Absolutos) Inovadoras no Total (%) Inovadoras no Valor Adicionado Total (%)

Total 41.193 24,8 68,05 - 99 37.582 21,7 33,0

100 - 249 2.196 51,7 56,6

250 - 499 804 59,4 61,7

500 e Mais 610 69,7 82,4

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep.(1) Inovadoras e não-inovadoras com sede somente no Estado de São Paulo.

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acerca da natureza cumulativa do aprendizado tecnológi-co. Uma análise mais detalhada traz evidências a favordeste argumento. A Tabela 2 mostra que 63,1% das em-presas introduziram inovações de produto e de processo,enquanto 23,3% inovaram apenas no produto e 13,3% noprocesso, para todos os tamanhos de empresas.

A distribuição das empresas inovadoras por segmentode atividade revela que a adoção de inovações também éinfluenciada pelos padrões setoriais de mudança técnicae oportunidades tecnológicas. Na Tabela 3, verifica-se queos segmentos intensivos em ciência – science-based –(Pavitt, 1984), relacionados com a indústria eletrônica,

TABELA 2

Empresas Inovadoras (1), por Tipo de Inovação, segundo Porte de EmpresasEstado de São Paulo – 1996

Tipo de Inovação

Porte de Empresas Produto e Processo Só Produto Só Processo

(Nº de Pessoas Ocupadas) Números Absolutos % Números Absolutos % Números Absolutos %

Total 6.420 63,1 2.373 23,3 1.384 13,65 - 99 4.397 57,8 2.146 28,2 1.070 14

100 - 249 777 69,3 157 14 187 16,7

250 - 499 350 74,3 46 9,8 75 15,9

500 e Mais 346 81,6 25 5,9 53 12,5

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep.(1) Com sede somente no Estado de São Paulo.

TABELA 3

Empresas Industriais e Participação das Empresas Inovadoras, segundo Segmento de AtividadeEstado de São Paulo – 1996

Segmento de Atividade Total de Empresas (1) Participação das Empresas Participação das Empresas Inovadoras(Números Absolutos) Inovadoras no Total (%) no Valor Adicionado Total (%)

Total 41.213 24,8 68,0Equip. Informática e de Escritório 109 63,8 87,2

Instrumentos e Automação 577 43,8 76,5

Eletrônico e Telecomunicações 459 43,0 72,8

Químico 1.818 39,9 77,0

Máquinas e Equip. Mecânicos 2.864 34,0 75,6

Outros Materiais de Transporte (Aeronaves e Ferrovias) 202 33,4 65,1

Borracha e Plásticos 2.698 32,2 64,9

Veículos Automotores e Autopeças 1.133 31,9 87,5

Refino de Petróleo e Álcool 91 30,0 46,7

Máquinas e Material Elétrico 1.178 29,0 78,7

Metalurgia Básica 1.245 28,1 66,6

Produtos de Metal 4.390 26,7 52,6

Papel e Celulose 937 24,6 80,4

Edição, Impressão e Gravação 2.584 23,3 55,2

Têxtil 2.038 23,0 59,1

Minerais Não-Metálicos 2.684 23,0 67,9

Outras Indústrias 4.418 23,0 48,5

Couro e Calçados 1.547 21,2 47,1

Alimentos e Bebidas 4.047 17,5 60,5

Vestuário e Acessórios 5.600 13,9 28,0

Extração Mineral 594 7,1 34,6

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep.(1) Inovadoras e não-inovadoras com sede somente no Estado de São Paulo.

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PADRÕES DE INOVAÇÃO TECNOLÓGICA NA INDÚSTRIA PAULISTA...

são os que apresentam maior proporção de empresas ino-vadoras. Os segmentos industriais com participação deempresas inovadoras superior a 40% – equipamentos deinformática e escritório; de instrumentos e automação; eeletrônico e de telecomunicações – são todos caracteri-zados por um nível elevado de oportunidades tecnológi-cas. Um grupo intermediário de segmentos, com partici-pação de empresas inovadoras variando entre 25% e 40%,é composto majoritariamente por ramos intensivos em es-cala, como é o caso de grande parte do chamado comple-xo químico e metal-mecânico. Por ordem decrescente deimportância, este grupo compreende os segmentos quí-mico; de máquinas e equipamentos mecânicos; outrosmateriais de transportes; borracha e plásticos; veículosautomotores e autopeças; refino de petróleo e álcool;máquinas e material elétrico; metalurgia básica; e produ-tos de metal.6 Finalmente, o grupo de segmentos menosinovadores – papel e celulose; edição, impressão e gra-vação; têxtil; minerais não-metálicos; couro e calçados;alimentos e bebidas; vestuário e acessórios; e extraçãomineral – compõe-se de um grande número de empresascom baixas oportunidades tecnológicas.

Entretanto, esses números revelam apenas a propensãodas empresas a inovar, mas não o peso efetivo das empresasinovadoras no produto setorial. Os dados sobre a proporçãodo valor agregado setorial das empresas inovadoras, em al-guns dos segmentos classificados como intermediários nouso de alta tecnologia, mas nos quais há forte concentraçãoeconômica, mostram que essas empresas são responsáveispor uma parcela do produto superior até mesmo à dos seto-res tecnologicamente mais dinâmicos (Tabela 3). Este é ocaso, sobretudo, dos segmentos de veículos automotores e auto-peças; papel e celulose; máquinas e material elétrico; e máqui-nas e equipamentos mecânicos. Nestes casos, a concentração da

atividade econômica em empresas inovadoras compensa a me-nor participação destas no total de empresas do segmento.

Um aspecto crucial a ser analisado na economia pau-lista é a origem do capital das empresas inovadoras, dadaa grande participação do capital estrangeiro nos segmen-tos industriais de maior peso econômico. Com base naTabela 4, pode-se concluir que, em termos relativos, asempresas controladas integral ou parcialmente por capi-tais estrangeiros têm maior propensão a inovar do queaquelas controladas integralmente por capital nacional.Tanto em termos do percentual das empresas inovadorassobre o total de empresas de cada porte (faixa de númerode empregados) e origem do capital (nacional, estrangei-ra e nacional/estrangeira), como de seu peso no valor adi-cionado, as empresas estrangeiras ou com participação decapitais estrangeiros apresentam participações maiores,com exceção daquelas com 250 a 499 pessoas ocupadas.As diferenças são mais marcantes nos extremos, isto é,na comparação entre pequenas e grandes.

Este resultado pode ser explicado por vários fatoresque favorecem a competitividade das empresas estrangei-ras, como o menor custo de produção e facilidades de cap-tação de recursos financeiros no exterior (uma empresaestrangeira no Brasil pode fazer parte de um grande gru-po internacional com grande capacidade de concentraçãode capital). No que diz respeito às questões tratadas nesteartigo, o fator mais importante é a maior facilidade deacesso das empresas estrangeiras a diversas modalidadesde transferência de tecnologia e conhecimento – o quecontribui para acelerar a introdução de novos produtos eprocessos. Em geral, esses produtos e processos modifi-cados tecnologicamente têm origem nos países industria-lizados, onde se localizam os principais centros de ino-vação tecnológica e P&D das empresas transnacionais.

TABELA 4

Participação das Empresas Inovadoras (1), por Origem do Capital, segundo Porte de EmpresasEstado de São Paulo – 1996

Porte de Empresas

Participação das Empresas Inovadoras, por Origem do Capital

(Nº de Pessoas Ocupadas)

Nacional Estrangeiro Nacional e Estrangeiro

%% no Valor

%% no Valor

%% no Valor

Adicionado Total Adicionado Total Adicionado Total

5-99 21, 5 31,2 43,5 56,5 39,7 58,7

100-249 50,5 54,6 57,1 61,0 83,0 83,1

250-499 59,2 63,4 63,2 59,9 56,3 43,2

500 e Mais 65,0 75,4 80,6 90,1 89,2 85,8

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep.(1) Com sede somente no Estado de São Paulo.

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No Brasil, estas incorporam as inovações, adaptando-asàs características do mercado brasileiro7 ou às limitaçõestécnicas determinadas pelo fornecimento de matérias-pri-mas e componentes locais. Não obstante, a atividade deadaptação de produtos e processos desenvolvida por em-presas com participação estrangeira – conhecida como“tropicalização” ou, nos termos de Boyer (1992), comoprocessos de “hibridação” – é responsável pelo empregoda maior parcela de engenheiros e outros profissionais denível superior que atuam em pesquisa e desenvolvimentona indústria paulista, como se verá adiante.

ESFORÇO DE INOVAÇÃO EINTENSIDADE TECNOLÓGICA

Com relação ao esforço realizado pelas empresas ematividades de inovação tecnológica, a informação quanti-tativa mais importante produzida pela Paep refere-se ao

número de pessoas ocupadas (total e de nível superior)alocadas em P&D.8 Neste ponto, os resultados da pesqui-sa apontam para três conclusões importantes. Primeira, aintensidade relativa do esforço de inovação (esforço emP&D) é, em geral, diretamente proporcional ao desempe-nho inovador (taxa de adoção de inovações) do segmen-to. Segunda, o esforço em P&D ainda é pequeno em com-paração com o das empresas dos países desenvolvidos.Terceira, o maior volume de esforço em P&D (númeroabsoluto de pessoal empregado em P&D), na indústriapaulista, concentra-se em segmentos intermediários quantoà intensidade tecnológica. Essa característica reflete opadrão de desenvolvimento da industrialização brasileirarecente, particularmente com relação à criação de capa-citações tecnológicas.

A Tabela 5 ilustra esse esforço em P&D da indústriapaulista. Com algumas exceções, a classificação dos seg-mentos de atividade é similar à da Tabela 3, considerado

TABELA 5

Empresas com Staff em P&D (1) e Pessoal de Nível Superior Alocado em Atividades de P&D, segundo Segmento de AtividadeEstado de São Paulo – 1996

Segmento de Atividade

Empresas com Staff em P&D Pessoal de Nível Superior Pessoal em P&D/(Números Absolutos) em P&D Pessoal de Empresas com

(Números Absolutos) Staff em P&D (%)

TOTAL (2) 3.422 8.905 1,2Outros Materiais de Transp.

(Aeronaves e Ferrovias) 24 613 13,6

Equip. de Informática e de Escritório 14 185 5,2

Eletrônico e Telecomunicações 61 454 3,1

Instrumentos e Automação 45 239 2,4

Veículos Automotores e Autopeças 177 2.803 2,0

Máquinas e Material Elétrico 147 617 1,7

Químico 253 956 1,2

Borracha e Plásticos 259 445 1,0

Couro e Calçados 125 69 0,9

Máquinas e Equipamentos Mecânicos 323 751 0,9

Vestuário e Acessórios 220 89 0,9

Refino de Petróleo e Álcool 13 48 0,8

Produtos de Metal 302 266 0,8

Metalurgia Básica 124 193 0,7

Edição, Impressão e Gravação 150 80 0,6

Têxtil 271 283 0,5

Minerais Não-Metálicos 141 222 0,5

Papel e Celulose 124 144 0,5

Alimentos e Bebidas 384 448 0,4

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep.(1) Com mais de 99 pessoas ocupadas e com sede no Estado de São Paulo. Considera-se ”staff” em P&D as pessoas, de nível técnico ou superior, alocadas, integral ou parcialmente, para realizaratividades sistemáticas de P&D.(2) Excluídos os setores “Extração Mineral” e “Outras Indústrias”.

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PADRÕES DE INOVAÇÃO TECNOLÓGICA NA INDÚSTRIA PAULISTA...

o índice de intensidade tecnológica. Este é definido aquicomo a relação entre a quantidade de pessoal de nívelsuperior ocupado em atividades de P&D, em cada ramo,e a soma dos totais de pessoas ocupadas das empresas queos empregam. Observa-se, assim, que os segmentos ba-seados em ciência (equipamento de informática; eletrô-nica e telecomunicações; e instrumentos e automação)apresentam índices de intensidade tecnológica superio-res aos dos ramos intensivos em escala. Estes, por sua vez,são mais intensivos em tecnologia do que aqueles cujasinovações tecnológicas decorrem menos de mudanças emproduto e/ou processo realizadas pela empresa e mais dasinovações desenvolvidas pelos fornecedores de bens decapital – como nos segmentos têxtil, de calçados e deedição e impressão. Outros, como o químico, ocupam uma

TABELA 6

Participação do Pessoal de Nível Superior Alocado em P&D sobre oPessoal das Empresas (1) com Staff em P&D, por Origem de Capital,

segundo Segmento de AtividadeEstado de São Paulo – 1996

Em porcentagem

Segmento de Atividade Participação do Pessoal

Capital Capital Capital

Nacional Estrangeiro Nacional e

Estrangeiro

Total 0,5 0,9 1,0Extração Mineral 0,3 - -

Alimentos e Bebidas 0,3 0,4 0,9

Têxtil 0,3 0,0 0,0

Vestuário e Acessórios 0,2 0,3 0,0

Couro e Calçados 0,3 0,0 -

Papel e Celulose 0,2 0,4 0,8

Edição, Impressão e Gravação 0,1 0,0 0,2

Refino de Petróleo e Álcool 0,1 - -

Químico 0,9 1,5 0,6

Borracha e Plásticos 0,5 0,5 1,2

Minerais Não-Metálicos 0,5 0,6 1,2

Metalurgia Básica 0,5 1,0 0,1

Produtos de Metal 0,3 0,6 1,0

Máquinas e Equip. Mecânicos 0,7 0,7 0,6

Equip. de Informática e de Escritório 3,3 3,4 -

Máquinas e Material Elétrico 1,1 0,9 1,0

Eletrônico e Telecomunicações 1,3 1,1 5,3

Instrumentos e Automação 1,8 2,8 -

Veículos Automotores e Autopeças 0,7 1,1 1,5

Outros Materiais de Transporte

(aeronaves e ferrovias) 0,3 0,9 8,7

Outras Indústrias 0,5 0,0 0,1

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep.(1) Com mais de 99 pessoas ocupadas e com sede no Estado de São Paulo. Considera-se"staff" em P&D as pessoas de nível técnico ou superior, alocadas, integral ou parcialmente,para realizar atividades sistemáticas de P&D.

posição inferior na classificação de intensidade tecnoló-gica (Tabela 5) do que na de desempenho inovador (Ta-bela 3) – o que sugere que a inovação, nesse ramo, estárelacionada a atividades de P&D realizadas por empresastransnacionais fora do Brasil, particularmente no caso daindústria farmacêutica. Outra importante diferença é o po-sicionamento do segmento outros materiais de transpor-te, que apresenta o mais alto índice de intensidade tecno-lógica, mas que mantém uma posição intermediária naclassificação de desempenho inovador. Este resultadopode ser atribuído à heterogeneidade das empresas quecompõem este ramo, que combina indústrias altamenteintensivas em tecnologia – como a aeroespacial – comoutras menos dinâmicas – como a naval e a ferroviária.Na verdade, a Embraer é a principal responsável pelo altoíndice de intensidade tecnológica da indústria aeroespacial.9

Deve-se ainda ressaltar os índices de intensidade rela-tivamente (e inesperadamente) elevados dos segmentosde vestuário e de couro e calçados – o que aparentementeresulta da classificação errônea do pessoal empregado emdesign como pessoal de P&D. Verifica-se também que ossegmentos que apresentam os maiores índices de intensi-dade tecnológica – de equipamentos de informática; ele-trônico e telecomunicações; instrumentos e automação;máquinas e material elétrico; químico e farmacêutico –concentram a maior parte de suas atividades internas deP&D em empresas de capital estrangeiro instaladas noBrasil (Tabela 6). Estes dados revelam ainda que mesmosegmentos pouco intensivos em tecnologia – como os dealimentos e bebidas; papel e celulose; minerais não-me-tálicos; e metalurgia básica – igualmente concentram osmaiores níveis de densidade tecnológica10 nas multina-cionais ou em empresas de capital misto.

Entretanto, a despeito dessa tendência, a participaçãodo pessoal de P&D no total do emprego é visivelmentepequena quando comparada com índices equivalentes nospaíses desenvolvidos. Apenas três segmentos apresentamíndices de intensidade acima de 3%: outros materiais detransporte; equipamentos de informática e de escritório;e material eletrônico e de telecomunicações. No total, 16de 20 ramos apresentam índices abaixo de 2%.

Outra constatação importante diz respeito à distribui-ção de pessoal em atividades de P&D em números abso-lutos (volume do esforço). Neste caso, a hierarquia seto-rial é bastante distinta da anterior. Para efeito de um melhorentendimento do padrão de inovação tecnológica da in-dústria paulista, redistribuiu-se o total de pessoal de ní-vel superior ocupado em P&D em uma classificação sim-

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 13(1-2) 1999

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plificada, que agrupa os segmentos industriais de acordocom padrões setoriais11 de oportunidades tecnológicas(Pavitt, 1984).

A distribuição do Quadro 1 sugere que o maior volumeem P&D da indústria paulista (e brasileira) está concentradoem segmentos industriais não intensivos em ciência, queapresentam menores oportunidades tecnológicas. Esta carac-terística não aparece ao acaso. Como sugerido em pesquisasanteriores (Furtado et alii, 1994), as indústrias produtorasde bens intermediários e algumas metal-mecânicas e elétri-cas convencionais compõem o grupo de indústrias brasilei-ras mais competitivas, e estão entre aquelas que desenvol-veram uma considerável capacitação tecnológica.

Considerando os dados da Tabela 7, é possível estabe-lecer uma comparação entre o número de pessoas aloca-das em atividades de P&D na indústria paulista e em ou-tros países. Assim, a despeito das diferenças temporais econceituais envolvidas na obtenção deste tipo de indica-dor pela Paep e por outras estatísticas internacionais, ébem visível o hiato entre o volume de esforço em P&Dproduzido por países industrializados, como Estados Uni-dos, Japão, Alemanha e França, e por países em desen-volvimento, como Brasil, México, Espanha e Hungria.

GRÁFICO 1

Fontes de Informação para Inovação, segundo Porte de Empresas Inovadoras (1)Estado de São Paulo – 1996

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep.(1) Empresas com sede somente no Estado de São Paulo.Nota: Considerou-se somente as variáveis “muito importantes” ou “cruciais” como fontes de informação para a empresa inovar no período de 1994 a 1996.

0 10 20 30 40 50 60 70 80

Fontes de Informação

Para se chegar a uma conclusão mais abrangente apartir desses dados, é preciso remeter-se às taxas deinovação das empresas paulistas apresentadas anterior-mente. Ao mesmo tempo em que apresentaram umanotável performance inovadora em termos de adoçãode novos produtos e processos, no período 1994-96, asfirmas industriais do Estado de São Paulo não depen-deram primordialmente de atividades de P&D para al-cançar tal desempenho. Portanto, outras atividades re-lacionadas à inovação tecnológica devem ser consi-deradas como insumos importantes para a performan-ce inovadora. A seção seguinte, que focará as fontesde informação para a inovação tecnológica, trará algu-ma luz a este tópico.

FONTES DE INFORMAÇÃO PARA INOVAÇÃO

A inovação tecnológica é um processo multifacetado,que se utiliza de uma complexa combinação de insumos.As informações da Paep sobre fontes de informação a queas empresas recorreram para realizar inovações contribuipara elucidar quais são esses insumos e a natureza dasatividades tecnológicas.

Total de Empresas Empresas Grandes Empresas Médias Empresas Pequenas

Clientes

Fornecedores de Materiais

Competidores

Departamento P&D

Feiras e Exibições

Fornecedores de Bens de Capital

Outros Departamentos

Instituto de Pesquisa

Publicações

Licenças e Patentes

Universidades

Consultorias

Outras Empresas do Grupo %

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PADRÕES DE INOVAÇÃO TECNOLÓGICA NA INDÚSTRIA PAULISTA...

fluenciadas primordialmente por relações comerciais. Ouseja, para mais de 64,7% das empresas industriais inves-tigadas que introduziram alguma inovação (de produto ouprocesso), no período 1994-96, foram muito importantesou cruciais suas relações com os clientes para a realiza-ção de atividades inovadoras. Para 36%, foram conside-radas indispensáveis as relações com fornecedores dematérias-primas/componentes, bem como a concorrênciaentre empresas.

Se isto é uma evidência da forte orientação das empre-sas para o mercado, que se acentua com o aumento dacompetição na economia brasileira desde 1994, tambémrevela a relativa fraqueza do esforço interno (em P&D,por exemplo) para antecipar as tendências de mercado eexplorar oportunidades tecnológicas. Nesse sentido, asempresas industriais paulistas parecem ser muito maisreativas ao mercado do que propensas a ser inovadorasativas no sentido schumpeteriano; ou seja, suas estra-tégias de inovação são predominantemente defensivase pouco prospectivas em face das necessidades de mer-cado.

Nota-se que as grandes empresas destoam um poucodesse quadro, ao atribuírem maior importância aos depar-tamentos de P&D – o que coloca este item na quarta po-sição entre os insumos necessários ao desenvolvimentode novos produtos e processos nas empresas inovadoras.

Este resultado pode ser explicado pela maior capaci-dade das grandes empresas de concentrar recursos técni-cos e financeiros em áreas internas voltadas especifica-mente à realização de P&D. Nesse sentido, ao contráriodas empresas menores, que muitas vezes promovem arealização de atividades inovadoras em setores ligados aomercado, como marketing, vendas e manufatura, as em-presas de grande porte têm maior capacidade de ampliare intensificar seu processo de inovação, através de depar-tamentos internos de P&D. A despeito desta particulari-dade, os dados analisados até aqui sugerem que mesmoas grandes empresas parecem seguir o padrão de inova-ção tecnológica induzido pelo mercado, cuja característi-ca dominante é o desenvolvimento de inovações incre-mentais baseadas na adoção e na melhoria de tecnologiasjá existentes.

O fato de os institutos de pesquisa, as licenças e paten-tes e as universidades ocuparem posições inferiores naescala de importância das fontes de inovação (12,6%,10,5% e 8,3%, respectivamente) mostra não apenas a fra-ca interação entre empresas e instituições públicas depesquisa, mas, sobretudo, seus limites para aprofundar os

TABELA 7

Número de Pessoas em P&D (1), segundo Países SelecionadosEstado de São Paulo – 1996

Países Selecionados Anos Nº de Pessoas Ocupadasem P&D (1)

Brasil (Estado de São Paulo) (2) 1996 8.905

México 1995 1.339

Espanha 1993 8.084

Austrália 1995 8.541

Canadá 1994 22.662

Itália 1994 24.136

Alemanha 1993 121.705

França 1994 55.857

Hungria 1995 2.069

Suécia 1995 14.890

Japão 1995 368.960

Estados Unidos 1994 540.700

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep; OECD, BasicScience and Technology Statistics, 1997.(1) Para o Estado de São Paulo, compreende o total de pessoas de nível superior e para osDemais Países o número de cientistas e engenheiros alocados nesta atividade.(2) Corresponde a empresas com mais de 99 pessoas ocupadas e com sede somente no Es-tado de São Paulo. Exclui os setores "Extração Mineral" e "Outras Indústrias".

QUADRO 1

Segmentos de Atividade por Intensidade TecnológicaEstado de São Paulo – 1996

Segmentos de AtividadePessoal de Nível

Superior Alocado em P&D(Números Absolutos)

Intensivos em Ciência (science-based) –Outros Materiais de Transportes (inclui Aeronáutica);Informática e Equipamentos de Escritório; 1.491Material Eletrônico e de Telecomunicações, eInstrumentos e Automação.

Metal-Mecânicos e Elétricos –Máquinas e Equipamentos Mecânicos; 4.437Máquinas e Material Elétrico; Veículos Automotorese Autopeças; e Produtos de Metal.

Bens Intermediários – Químico (1);Refino de Petróleo e Álcool; Metalurgia Básica; 2.553Produtos Plásticos e Borracha; Produtos MineraisNão-Metálicos; e Papel e Celulose.

Demais Indústrias – Edição, Impressão e Gravação;Têxtil; Outras Indústrias; Produtos de Couro e 969Calçados; Alimentos e Bebidas; Vestuário e Acessórios;e Extração Mineral.

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep.(1) A indústria química é classificada como intermediária neste exercício, pois a maior partede suas atividades em P&D situa-se na petroquímica básica e intermediária.

Os dados do Gráfico 1 sobre fontes de informação in-dicam que, para a maioria das empresas industriais noEstado de São Paulo, as atividades de inovação são in-

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esforços de inovação e explorar novas oportunidades tec-nológicas.

A título de comparação destes dados com outras pes-quisas internacionais sobre inovação tecnológica, pode-se verificar, por exemplo, o comportamento diferenciadodas empresas inovadoras na China com relação às princi-pais fontes de informação para inovação. Segundo pes-quisa realizada naquele país, entre 1993 e 1995, junto a3.346 empresas de grande e médio portes, cerca de 74%das que realizaram algum tipo de inovação nesse períodoconsideraram como principais instrumentos de suas rela-ções de cooperação com universidades e instituições deP&D, relações estas estreitamente relacionadas a progra-mas e políticas governamentais de apoio à ciência e tec-nologia (Zhang e Xu, 1998). Também a pesquisa SESSIfrancesa, realizada em 1991 e 1992, mostrou que, tantopara as empresas pequenas como para as maiores, os es-forços de P&D constituem as mais importantes fontes deinformação para inovação (Lhuillery, 1996).

Constata-se, assim, a diferença estrutural entre o nívelde esforço interno em P&D nas empresas brasileiras lo-calizadas no Estado de São Paulo e o de outros países,como a França ou mesmo a China, também consideradaem desenvolvimento. A Paep vem confirmar ainda a evi-dência empírica da frágil interação entre empresas e uni-versidades – apenas 7,5% das que introduziram algumainovação, entre 1994 e 1996, atribuíram grande impor-tância às universidades como fonte de informação para odesenvolvimento de novos produtos e/ou processos – oque revela o baixo nível de formalização das atividadesde P&D nas empresas brasileiras.

MOTIVOS PARA INOVAÇÃO

As questões referentes aos principais motivos que im-pulsionaram as empresas a inovar, no período de 1994 a1996, no questionário da Paep, têm como objetivo verifi-car a grau de influência das atividades inovadoras sobreo desempenho econômico e o cumprimento de metas daempresa. Os resultados obtidos sugerem, por um lado, aexistência de uma forte correlação entre os processos deinovação e dinâmica de mercado, e, por outro, o esforçoreduzido das empresas inovadoras no sentido de intensi-ficar suas atividades internas de pesquisa e desenvolvi-mento visando ampliar o mix de produtos ou substituir osobsoletos por novos.

A abertura da economia brasileira, no início dos anos90, estimulou as empresas locais a concorrer no mercado

com grandes conglomerados internacionais e, conseqüen-temente, com bens importados, em geral mais competiti-vos que os produtos fabricados por empresas instaladasno Brasil. Portanto, a necessidade de melhorar a perfor-mance econômica, inserindo no mercado produtos commaior qualidade e menor preço, faz com que as empresasinovadoras do Estado de São Paulo elejam como princi-pais estímulos à inovação a melhoria da qualidade de seusprodutos (86,1%), a redução dos custos de produção(76,2%) e manutenção/ampliação no mercado (70,8%),conforme indica o Gráfico 2.

Essa classificação vem reforçar os dados do Gráfico 1sobre as principais fontes de informação para inovação.Ou seja, ao acompanhar as tendências de consumo e ocomportamento de seus competidores, e ao estabelecernovas relações com fornecedores de insumos e matérias-primas, as empresas vêm adotando como estratégia o de-senvolvimento de novos produtos ou processos, com oobjetivo de elevar a qualidade dos produtos, reduzir cus-tos de produção e, assim, manter ou elevar sua participa-ção no mercado.

Quando se analisam os fatores de inovação segundo otamanho das empresas, tanto para as pequenas como paraas médias e grandes, a escala de importância destes é muitosemelhante àquela apresentada pelo total das empresasinovadoras. Pela ordem, aparecem a melhoria da quali-dade dos produtos, a redução dos custos de produção e amanutenção/ampliação no mercado.

Embora revelem um ambiente de maior competiti-vidade no mercado doméstico, os resultados do Gráfi-co 2 mostram que as empresas atribuem pouca priori-dade à ampliação do mix de produtos, o que indica aatitude reativa das empresas brasileiras em face da rea-lização de atividades inovadoras. Verifica-se tambémque as condições de trabalho e ambientais não forammotivos relevantes para a introdução de inovações pe-las empresas no período de 1994 a 1996. Contudo, acriação de novos mercados aparece em quarto lugar, oque demonstra que as empresas têm procurado novosespaços dentro e fora do país para sobreviver. Este fe-nômeno está, certamente, relacionado à abertura daeconomia brasileira e ao papel do Mercosul como umanova oportunidade de mercado.

A interdependência entre as estratégias de inovação ede mercado das empresas inovadoras analisadas parecenão ser uma característica específica de um país conside-rado em desenvolvimento, como o Brasil. Na Austrália,de acordo com os dados coletados em pesquisa junto a

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PADRÕES DE INOVAÇÃO TECNOLÓGICA NA INDÚSTRIA PAULISTA...

mais de 6.000 empresas industriais, entre julho de 1994 ejunho de 1996, cerca de 90% das empresas inovadorasconsideram a redução dos custos, a maximização dos lu-cros e o aumento de produtividade os objetivos mais im-portantes para a realização de inovações tecnológicas(Pattinson,1998).

Em suma, os resultados apresentados no Gráfico 2qualificam, por um lado, o mercado (e suas principaistendências e variações) como principal instrumento demotivação para o desenvolvimento pelas empresas de al-gum tipo de inovação, entre 1994 e 1996, e, por outro, oreduzido esforço das empresas inovadoras, independen-temente de seu tamanho, no sentido de intensificar suasatividades de pesquisa e de criação de projetos voltados àampliação do mix de produtos ou à substituição de pro-dutos obsoletos.

CONCLUSÃO

O principal objetivo deste artigo é mostrar os traçosprincipais do padrão de inovação tecnológica da indús-tria paulista, a partir das informações sobre inovação tec-nológica da Paep. O exercício analítico realizado produ-ziu evidências sobre certas características estruturais daeconomia paulista e brasileira que não haviam sido de-monstradas empiricamente, em nível agregado.

Entre os principais resultados da pesquisa, o primeiroé que a intensidade relativa do esforço de inovação porsetor é proporcional à performance inovadora do setor in-dustrial. A pesquisa revelou também que essas empresasnão realizaram um esforço de P&D compatível com talperformance inovadora, ficando muito atrás de suas con-gêneres nos países desenvolvidos. O terceiro resultado

GRÁFICO 2

Motivos para Inovação, segundo Porte de Empresas Inovadoras (1)Estado de São Paulo – 1996

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep.(1) Empresas com sede somente no Estado de São Paulo.Nota: Considerou-se somente as variáveis "muito importantes" ou "cruciais" para a empresa inovar no período de 1994 a 1996.

Motivos para Inovação

0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100

%

Melhoria de Qualidade do Produto

Redução dos Custos de Produção

Manutenção/Ampliação no Mercado

Criação de Novos Mercados

Aumento de Flexibilidade na Produção

Melhoria das Condições de Trabalho

Preservação do Meio Ambiente

Ampliação do Mix de Produtos

Substituição de Produtos Obsoletos

Total de Empresas Empresas Grandes Empresas Médias Empresas Pequenas

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importante apontado pela Paep é que o maior volume deesforço em P&D, na indústria paulista, está concentradoem setores intermediários na escala de intensidade tecno-lógica e não intensivos em ciência. As indústrias produto-ras de bens intermediários (química, petroquímica, entre ou-tras) e algumas das indústrias metal-mecânicas e elétricasconvencionais compõem o grupo de indústrias brasileirasmais competitivas, e estão entre aquelas que desenvolveramuma considerável capacitação tecnológica. Ressalve-se queestes setores foram eleitos como estratégicos e beneficiadospelo II PND, o último grande bloco de investimentos reali-zado na década de 70, liderando o padrão de desenvolvi-mento industrial brasileiro contemporâneo.

Os dados da Paep mostram que o período de 1994-96foi intensivo em introdução de inovações tecnológicas deproduto e processo nas empresas industriais do Estadomais industrializado do país. O esforço de inovação em-presarial identificado neste período foi direcionado paraa melhoria na qualidade dos produtos e para a reduçãonos custos de produção, visando a sustentação e, em al-guns casos, a ampliação das posições de mercado. Estaestratégia demonstra a atitude reativa (ou caudatária) damaior parte das empresas industriais paulistas no desen-volvimento de inovações. Somente uma pequena parcelade empresas, pertencentes a um número restrito de seg-mentos – indústrias metal-mecânicas e produtoras de bensintermediários, como a química e petroquímica –, optoupor construir vantagens competitivas baseadas em estra-tégias tecnológicas prospectivas ou pró-ativas, vislum-brando a abertura ou a conquista de novos mercados, atra-vés de um esforço endógeno empresarial estruturado ematividades de P&D interno (in house).

As experiências internacionais demonstram a impor-tância de parcerias e novas formas institucionais de coo-peração entre universidades, institutos de pesquisa e em-presas como fontes de informação para inovação, assimcomo para os processos de aprendizagem e transferênciatecnológica. Neste estudo, evidenciou-se a fraca intera-ção e os vínculos tênues existentes entre as empresas e asinstituições públicas de pesquisa, no sentido de aprofun-dar os esforços de inovação e explorar novas oportunida-des tecnológicas de mercado.

De outro ângulo, as informações captadas pela pesquisade inovação tecnológica da Paep são coerentes com os re-sultados obtidos pelo estudo de Bielschowsky (1998).12

Embora presenciando, neste período, uma etapa virtuosa deinovações e investimentos na indústria automotiva, segun-do o autor, para o conjunto da indústria houve a ocorrência

de um miniciclo de modernizações e de investimentos, queconsistiram predominantemente em redução de custos,desobstrução de gargalos e reposição de equipamentos (gra-ças à queda acentuada de preços das importações), persis-tindo a baixa propensão de investimentos em P&D.13

Nas economias cêntricas avançadas, os segmentos in-tensivos em conhecimento têm exercido uma função es-tratégica como difusores do progresso tecnológico, ele-vando o perfil do conteúdo técnico da rubrica de expor-tações, além de responder por uma parcela significativado PIB, dos empregos qualificados e da renda. No casode São Paulo, ao contrário, observa-se a baixa participa-ção destes segmentos na estrutura industrial do Estado (emtorno de 6% do total do valor adicionado da indústria). Aconformação deste cenário revela uma fragilidade com-petitiva que se expressa no grande desafio, ainda não su-perado, de constituir-se um núcleo endógeno de inova-ção na estrutura produtiva industrial.

O artigo também procurou demonstrar que, em nívelagregado, existe uma forte relação entre o tamanho dafirma, a origem de capital e sua performance inovadora.Estes resultados confirmam uma tendência já assinaladaem um dos primeiros estudos sobre o tema realizado porMatesco (1993), fundamentado em estatísticas do CensoIndustrial do IBGE de 1985, e que testavam algumas dashipóteses neoschumpeterianas aqui mencionadas. Naqueleestudo, as principais conclusões da autora apontavam paraa influência positiva do esforço tecnológico, do tamanhoda empresa e da concentração da estrutura industrial so-bre as decisões das empresas quanto ao ato de inovar.14

No tocante à origem de capital, verificou-se a expres-siva participação das empresas estrangeiras ou com par-ticipação de capitais estrangeiros nos processos de ino-vação e na geração de riqueza industrial. As assimetriasidentificadas nas performances inovadoras entre as em-presas nacionais e multinacionais podem ser mais bemelucidadas por uma pletora de fatores que acabam porvulnerabilizar a competitividade das empresas nacionais.Enquanto para as empresas nacionais o acesso aos recur-sos tecnológicos, financeiros e de financiamento locais ébastante restritivo, as empresas multinacionais dispõemde acesso rápido ao crédito dos mercados financeiros in-ternacionais a um custo menor, além dos recursos tecno-lógicos, centros de P&D e canais de distribuição e comér-cio globais disponibilizados pelas matrizes e suas filiaisinstaladas em vários países (Furtado e Valle, 1999).

Em síntese, procurou-se, neste estudo, explorar a basede dados da pesquisa de inovação da Paep, com o intuito

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PADRÕES DE INOVAÇÃO TECNOLÓGICA NA INDÚSTRIA PAULISTA...

de revelar suas potencialidades de análise e motivar futu-ros trabalhos utilizando estas informações. A Paep con-sagra-se como uma iniciativa pioneira, tornando disponí-vel uma base de dados com um rico acervo de informaçõesa serem exploradas. Porém, para o aperfeiçoamento dasestatísticas na área de P&D e de inovação tecnológica,no sentido mais amplo, será necessário, no futuro, reali-zar pesquisas temáticas com maior profundidade e deta-lhamento sobre as dinâmicas de inovação e capacitaçãotecnológica empresariais, inclusive enfrentando o desa-fio de construir uma metodologia de pesquisa sobre ino-vação tecnológica para o setor de serviços.

NOTAS

Os autores agradecem o esforço da equipe da Paep/Seade e, particularmente, da co-ordenadora da Paep, Maria de Fátima Infante Araujo. E ainda a Wadih Scandar, peloauxílio na preparação dos dados, e Annamaria Inzelt, do Centro de Pesquisa em Ino-vação de Budapeste, pelas valiosas sugestões na preparação dos dados.1. A Anpei – Associação Nacional de Desenvolvimento das Empresas Indus-triais mantém, desde 1992, uma base de indicadores empresariais de inovaçãotecnológica. Constituída a partir de um painel de cerca de 365 empresas, estabase reúne informações sobre P&D e engenharia não rotineira. A pesquisa, des-de o início, contou com o apoio do governo federal através do Pacti – Programade Apoio à Capacitação Tecnológica da Indústria e de agências como Finep eSebrae.

2. Entende-se por oportunidades tecnológicas a criação de novos negócios ou denovos mercados relacionados com o desenvolvimento de novas tecnologias ounovas aplicações de tecnologias existentes.

3. O estudo realizado por Laplane e Sarti (1997) mostra como o fluxo de inves-timentos diretos estrangeiros nos anos 90 estava associado a um processo deracionalização e modernização da estrutura produtiva. Algumas das estratégiasmais importantes ocorreram com o abandono de linhas de produtos com escalasde produção inadequadas e/ou estruturas não competitivas, o aprofundamentodo processo de terceirização para as atividades produtivas e não apenas comple-mentares e a elevação do conteúdo de importados decorrente da substituição defornecedores locais por externos. Segundo os autores, as decisões de investi-mentos empresariais foram definidas, em grande medida, pelas possibilidadesde expansão do mercado interno.

4. Para uma ilustração com relação à indústria automobilística, ver Quadros etalii (1997). Na década de 90 (até 1999), as montadoras lançaram 22 novas plata-formas de veículos, contra sete plataformas lançadas em toda a década de 80.Quadros e Bernardes (1998) mostram a importância da inovação de produto emum artigo sobre as estratégias de ajuste de empresas líderes brasileiras.

5. Entretanto, para Archibugi et alii, este tipo de conclusão revela-se limitado,conforme a análise avança para o nível agregado, uma vez que oportunidadestecnológicas e características estruturais diferentes em vários setores industriaislevam a diferentes possibilidades e perfis de inovação para as empresas peque-nas. Um exemplo internacionalmente conhecido é o das empresas de informáti-ca do Vale do Silício, nos EUA. No contexto paulista, a validade deste argumen-to foi comprovada em alguns segmentos – equipamentos de informática e escri-tório e de instrumentação e automação industrial – que apresentam, proporcio-nalmente, maior esforço tecnológico nas pequenas e médias empresas.

6. O segmento químico é composto, predominantemente, pelas indústrias petro-química, de fertilizantes e farmacêutica, sendo que esta última é consideradaintensiva em ciência e conta com nível elevado de oportunidades tecnológicas.O mesmo se aplica à indústria aeronáutica, intensiva em ciência, mas que seencontra agrupada no segmento outros materiais de transportes, a indústrias commenores oportunidades tecnológicas, como a ferroviária e a naval.7. Estudo realizado em uma subsidiária de empresa transnacional do setor debens de consumo de massa mostra alguns exemplos de esforços endógenos deadaptação de produto aos hábitos e costumes dos consumidores locais (Franco,1998).

8. Dado o tamanho da amostra e o fato de seu peso estar concentrado nas empre-sas de pequeno porte, considerou-se que questões sobre os valores de custo dosesforços de inovação – como gastos em P&D, desenho, marketing, etc. – teriamproduzido informações pouco confiáveis. A estratégia da Paep é complementaro primeiro survey de inovação com um segundo, que tratará de enfocar as firmasque declararam realizar atividade de P&D, aprofundando a investigação.

9. Para uma descrição mais detalhada da dinâmica de inovação desta empresa,ver Bernardes (1998).

10. A densidade tecnológica é medida pela média da relação entre o número depessoas de nível superior alocadas em P&D e o total de empregados nas empre-sas de cada segmento industrial.11. A taxonomia setorial elaborada por Pavitt tem sido adotada, usualmente, emestudos que buscam examinar a natureza do esforço tecnológico e das fontes deconhecimento dos processos inovadores empresariais. Esta classificação agrupaquatro tipos de ramos, segundo suas especificidades tecnológicas: intensivos emciência (computadores, farmacêutica, etc.); fornecedores especializados (auto-peças, bens de capital seriados, etc.); intensivos em escala ou standard materials(siderurgia, química, etc.); e dominados pelos fornecedores (agroindústria doaçúcar e do álcool); entre outros.

12. A pesquisa realizada por Bielschowsky (1998), patrocinada pela CNI/Cepal, apresenta uma radiografia ampla sobre o processo de investimento naindústria brasileira. Embora o estudo não tenha sido construído com técnicaprobabilística, constitui um universo representativo de 730 empresas, que re-presentavam 13% das 5.700 grandes empresas nacionais, responsáveis porcerca de 85% a 90% da produção industrial brasileira. Segundo o autor, asincertezas geradas pela crise mexicana e asiática e a deterioração do quadromacroeconômico interno não permitiram que a ocorrência de um miniciclode modernização se convertesse na etapa inicial de um novo ciclo de investi-mento, mais robusto, de longo prazo. Comparativamente às experiências depaíses como o México e a Argentina, onde tais processos tiveram início ain-da nos anos 80, a novidade no caso brasileiro não teria residido na adoçãodestas estratégias e práticas gerenciais e produtivas, mas na velocidade e in-tensidade com que elas se difundiram na década de 90.

13. Se, por um lado, o processo de reestruturação e o esforço inovador da indús-tria, na década de 90, permitiram a sobrevivência e a reconversão de parte ex-pressiva do parque produtivo preexistente, por outro, algumas pesquisas têm si-nalizado a parcial desmobilização dos segmentos de maior intensidade tecnoló-gica (química fina, informática, componentes eletrônicos, bens de capital seria-dos, entre outros) (Coutinho e Ferraz, 1994).

14. Neste estudo, a autora considerou dois tipos de determinações: o que afeta-va a decisão das empresas no tocante ao investimento em inovação tecnológicae às variáveis explicativas da intensidade deste investimento em inovação tec-nológica e às variáveis explicativas da intensidade destes investimentos, fazen-do uso, no primeiro caso, de um modelo logit e, no segundo, de um modelo li-near segundo o método de mínimos quadrados ordinários. A base de dados con-sistiu de empresas industriais recenseadas pelo IBGE, num total de 59.944. Des-te total, apenas 2.11 empresas (3,5%) realizavam algum dispêndio em tecnolo-gia (gastos em P&D, patentes e contratos em transferência de tecnologia).

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HIERARQUIA E COMPETIÇÃO NAECONOMIA PAULISTA

a hora e a vez dos grupos econômicos

ALEXANDRE COMIN

Professor da Faculdade de Economia e Administração da PUC-SP.Autor do livro De volta para o futuro: política e reestruturação industrial do complexo automobilístico nos anos 90

como a de São Paulo. Para além daquilo que vários ou-tros indicadores podem revelar desta heterogeneidade –em termos de tamanho, grau de integração comercial como exterior, assimetrias tecnológicas, entre tantas outras –,estas questões procuram focar justamente as variáveisrelativas ao âmago do capital – ou seja, as relações depertencimento – e que estão, portanto, atrás de todas asoutras.

Deste modo, a discriminação da origem do capital,nacional versus estrangeiro, procura detectar o passo úl-timo da internacionalização da economia, isto, a interna-cionalização do próprio capital. O exame do per-tencimento a grupos, outras formas de associaçãointercapitais, as joint ventures, todas estas relações desolidariedade que complementam mas também se opõemà concorrência em sentido estrito, permitem analisar oprocesso competitivo com uma profundidade que sem-pre esteve vetada para os conceitos tradicionais dos cen-sos econômicos, a saber, o estabelecimento, a empresa.Por fim, a Paep é pioneira também ao captar as mudan-ças nas relações de pertencimento, isto é, as fusões, aqui-sições e demais formas de mudança de propriedade e con-trole, em outras palavras, a dinâmica do processo com-petitivo.

Juntas, e associadas aos demais blocos de questões daPaep, estas três dimensões têm a ambição de introduzirna prática do recenseamento econômico a noção de que areestruturação produtiva é um processo contraditório,dominado pela forte hierarquização dos atores, sua cons-tante recomposição estratégica, a instabilidade das rela-ções de propriedade, a mescla de relações de conflito e

entre as múltiplas dimensões dos processos dereestruturação produtiva, poucas sofrem de umainsuficiência de estudo como aquela referente à

concorrência. Desconsiderando-se a perspectiva conven-cional da concorrência como uma força abstrata e homo-gênea – e aqui reside o ponto de partida deste artigo –,abre-se o caminho para seu efetivo exame: já com o nomemais apropriado de competição, as formas específicas derelacionamento entre entidades capitalistas autônomasconstituem-se, ao mesmo tempo, em produto e vetor cau-sal de primeira ordem sobre o curso mais geral da rees-truturação da economia paulista nesta década.

A inclusão, na Pesquisa da Atividade Econômica Pau-lista – Paep, de um bloco de questões relativas à reestru-turação patrimonial visou captar algumas das dimensõesque condicionam o processo competitivo enquanto fenô-meno concreto e eivado de heterogeneidade. As recon-figurações nas relações de propriedade e de controle dasunidades empresariais podem ser justapostas a inúmerasoutras mudanças observadas em outros blocos da pesqui-sa. Em particular, a acelerada internacionalização da eco-nomia brasileira no período recente é o pano de fundo detodas as mudanças, atribuindo-lhes um conteúdo históri-co preciso e permitindo situá-las no vetor mais geral daabertura comercial, produtiva e financeira que marcaramestes últimos anos.

Porém, o conjunto de indicadores que podem ser gera-dos a partir das questões de reestruturação patrimonial éparticularmente relevante quando se pretende examinar adiversidade dos tipos de empresas que compõem qualquereconomia que atingiu um grau elevado de complexidade,

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de cooperação que marcam a competição em sentidoamplo. Numa frase, a velha centralização dos capitais,sempre presente, porém mais forte do que nunca, é umdos fios condutores fundamentais da reestruturação daeconomia paulista.

A próxima seção procura expor brevemente os princi-pais indicadores que podem ser extraídos deste bloco dapesquisa. A seguinte apresentará alguns dos primeirosresultados neste tema, também de forma muito sucinta.Por fim, nas conclusões, pretende-se sublinhar as poten-cialidades da base de dados, procurando apontar perspec-tivas para a pesquisa futura.

CONCEITOS

Para além das dificuldades comuns a um levantamen-to censitário1 das proporções da Paep, o bloco referenteàs questões patrimoniais oferece riscos e problemas quesão inerentes ao objeto pesquisado, ou seja, à estruturamesma do capital. Assim como no caso das variáveiscontábeis-financeiras (faturamento, patrimônio líquido,etc.), as questões sobre propriedade e controle do capitaldeparam-se com uma barreira natural por parte das em-presas, ciosas de manter o sigilo sobre informações quesão, ao menos potencialmente, estratégicas do ponto devista da concorrência. Esta recusa só é revertida em duassituações: ou a necessidade de financiamento externo àempresa (através do mercado de capitais, vale dizer, bol-sas de valores) a obriga a informar o mercado; ou o pró-prio Estado, através de suas agências reguladoras do mer-cado de capitais, obriga a isto, sendo que os dois casos,de um modo geral, estão correlacionados. Como, no Bra-sil, não existe nem uma coisa nem outra, cria-se uma si-tuação em que a opacidade das informações empresariaisé a regra.2

O temor de que esta resistência natural pudesse com-prometer todo o bloco de reestruturação patrimonial dapesquisa – tanto pela ampliação das não respostas quan-to, principalmente, pelo fornecimento de respostas impre-cisas ou incompletas – levou à formulação de uma estra-tégia defensiva desde a confecção do questionário, re-duzindo os riscos mediante uma eliminação de questõesque pudessem provocar maior resistência. Deste modo, apretensão de que a pesquisa permitisse a elaboração deum mosaico completo das relações de propriedade, co-nectando cada empresa às demais, com os percentuaisprecisos de propriedade do capital, foi abandonada em prolde uma visão mais restrita, porém mais confiável. Exem-

plificando: o ideal seria saber os nomes e os percentuaisdos controladores (ao menos dos principais) de cada em-presa, bem como dos controlados, de modo a tecer umarede completa das relações de propriedade; ao invés, op-tou-se apenas por indagar a origem destes controladores,bem como o número e a localização geográfica dos con-trolados. No caso das fusões e aquisições (F&A), nova-mente, o ideal seria conhecer os nomes de quem comproue de quem vendeu/foi vendido, assim como os percen-tuais; no entanto, optou-se por perguntar apenas se a em-presa havia mudado de dono, ou se havia estendido seucontrole sobre outras empresas, detalhando as operaçõesde F&A do ponto de vista jurídico (fusões, aquisições,cisões, incorporações, etc.) e geográfico (no Brasil, noMercosul, etc.).3

Isto posto, e de forma bastante sintética, pode-se divi-dir o bloco da reestruturação patrimonial em dois gran-des tipos de informação: as relativas à estrutura do capi-tal; e aquelas relacionadas à sua dinâmica.4 No tocante àestrutura, que toma sempre como referência a data de31/12/96, destacam-se três tipos de questões: origem docapital; pertencimento a grupos; e número de empresascontroladas.

Desde logo, cabe explicitar a noção de controle docapital, que permeia praticamente todas as questões dobloco. Genericamente, pode-se definir o sócio controla-dor como sendo a pessoa, física ou jurídica, ou grupo depessoas vinculadas por acordo de voto, ou sob controlecomum, que é titular dos direitos de sócio, assegurando-lhe, de modo permanente, a preponderância sobre as de-cisões da empresa. No caso de empresas organizadas deforma corporativa (sociedades anônimas, de capital abertoou fechado), isto implica a detenção da maioria dos votosnas deliberações da assembléia geral e o poder de elegera maioria dos administradores da companhia, bem como autilização efetiva deste poder para dirigir as atividades so-ciais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia.

Quanto à origem do capital, este é considerado nacio-nal quando o controle está em caráter permanente sob ti-tularidade direta ou indireta de pessoas físicas domiciliadase residentes no país, ou por empresas brasileiras de capi-tal nacional, inclusive entidades de direito público interno.É estrangeiro quando esta(s) pessoa(s) é(são) domi-ciliada(s) fora do país. Menos evidente é a noção de em-presa de capital nacional e estrangeiro: foram assim con-siderados os casos em que há mais de um controlador porforça de acordo de acionistas, sendo que pelo menosum deles é estrangeiro. A estratégia defensiva aparece

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aqui: ao invés de melindrar os entrevistados com uma de-finição precisa da repartição do poder, optou-se por dis-tinguir a presença do controle estrangeiro em três casos:ou ele é nulo; ou é completo; ou é parcial, sendo que, nesteúltimo caso, ele pode ser majoritário ou não. Nos casosem que o controle estrangeiro existe, foram identificadasas nacionalidades dos três principais sócios.

A questão do pertencimento a grupos representou umdos principais desafios do bloco patrimonial. Como ates-ta a vasta literatura sobre o tema,5 o grupo econômico nãoé uma entidade que possa sempre ser identificada de for-ma unívoca e precisa. O formato (inclusive jurídico) dosgrupos pode variar caso a caso e, ao longo do tempo, emcada caso, sendo que suas fronteiras não são evidentes,vale dizer, a forma de inserção de cada entidade jurídicaindependente (empresas) a um grupo pode também va-riar. Em outras palavras, se a empresa pode ser sempreidentificada de forma cabal (através de um CGC), o gru-po não; em alguma medida, ele é um constructo que de-pende da metodologia de pesquisa. Tomando como refe-rência sempre a noção de controle anteriormente citada,o conceito de grupo econômico pode ser expresso da se-guinte maneira: “... o grupo econômico deve ser conside-rado como uma unidade empresarial de grande porte queestá subordinada a um centro único de poder, de controlee de decisão estratégica, embora atue, em geral, em di-versos mercados e através de diversas empresas, com umaorganização institucional descentralizada e com diferen-tes graus de autonomia nas decisões de gestão. Por con-trole estratégico entende-se o poder de definir e vetar gran-des linhas de desenvolvimento de longo prazo e dealocação de recursos no que diz respeito a investimentos,expansão de mercado, diversificação e progresso tecno-lógico” (Portugal et alii, 1994:26).

Em outras palavras, a idéia de grupo está baseada nasrelações de controle, que, em última instância, repousamsobre as relações de propriedade do capital. Tendo istoem mente, o questionário foi montado visando enquadraras empresas em quatro situações típicas:- empresa independente: sociedade controlada porpessoa(s) física(s) que não controla(m) outras empresas;- empresa pertencente a grupo de empresas de pessoa fí-sica: sociedade controlada por pessoa(s) física(s) quecontrola(m) outra(s) empresa(s);- empresa controlada de pessoa jurídica: sociedade con-trolada, pertencente a grupo de empresas formal ou in-formalmente constituído, cujo controlador é pessoa jurí-dica (exceto a categoria seguinte);

- empresa controladora principal: empresa controladorade um grupo de empresas que, por sua vez, não é contro-lada por outra empresa (no caso de grupo de sociedades,refere-se à holding principal).

Deste modo, as duas últimas categorias procuram iden-tificar os grupos econômicos da maneira como eles sãoconvencionalmente entendidos, em suas dimensões eco-nômica e jurídica, discriminando ainda a cabeça do gru-po (empresa controladora principal) e seus membros com-ponentes (empresa controlada de pessoa jurídica). Juntas,as duas respostas permitem identificar o estrato superiorda hierarquia dos capitais, isto é, aquele conjunto de em-presas que estão inseridas em estruturas empresariais maisamplas, organizadas por uma teia de pertencimento entrepessoas jurídicas, e cuja solidariedade se assenta sobre ocontrole único, essência mesma do conceito de grupo eco-nômico. Acrescente-se que as empresas estrangeiras, pordefinição, estarão na categoria de grupo econômico, porsua própria natureza, isto é, devido ao fato de pertence-rem a complexos empresariais de porte amplo, interna-cional.

A primeira categoria (empresa independente) apontapara aquilo que se pode considerar o protótipo da empre-sa familiar ou individual que, em princípio, não mantémnenhuma relação de cooperação e/ou solidariedade comoutras empresas. Identifica a forma mais simples de or-ganização capitalista, na qual a figura do proprietário edo gerente (não há como saber, mas é bastante razoávelsupor) se confundem numa mesma pessoa, ou grupo depessoas, geralmente unidas por laços de parentesco. Es-sas empresas devem se confundir, em sua ampla maioria,com aquilo que se convencionou a chamar de micro epequenas empresas, representando o amplo (em termosde número de empresas) estrato inferior da hierarquia decapitais e, simetricamente, englobando empresas de ca-pital nacional.

A menos evidente nesta classificação, e ao mesmo tem-po uma inovação em termos conceituais e metodológi-cos, é a categoria 2 (empresa pertencente a grupo de em-presas de pessoa física). A verdade é que a hierarquia doscapitais apresenta-se como um contínuo, indo das formasmais simples (a firma individual) às mais complexas (aholding), fazendo com que a separação entre grupo e nãogrupo seja, além de arbitrária em alguma medida, exces-sivamente simplificadora. A inovação reside em procu-rar identificar uma forma de organização que, embora nãoatenda completamente aos quesitos legais de formação degrupos econômicos, tampouco possa ser encaixada no

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mundo do capital atomizado das empresas individuais. Aintenção foi mapear um estrato intermediário de empre-sas que, embora não solidárias do ponto de vista estrita-mente jurídico, assemelham-se aos grupos econômicos emsentido convencional, pelo fato de possuírem um centroúnico de controle, sendo que este é constituído não de umaempresa (holding), mas sim de uma ou mais pessoas físi-cas. O problema da continuidade de formas passa então ase concentrar basicamente aqui: no extremo inferior, al-guns destes grupos de empresas podem representar tão-somente um pequeno número de pequenas empresas (emgeral no mesmo ramo de atividade), cuja sinergia podenão ser maior do que o compartilhamento da capacidadegerencial de seus donos comuns; no outro extremo, elespodem ser grandes e diversificados grupos empresariaiserigidos em torno da propriedade e do controle de algu-mas pessoas físicas, pouco se distinguindo dos gruposeconômicos em sentido convencional. Dado o carátermarcadamente familiar do capitalismo brasileiro, estacategoria intermediária procura captar justamente o am-plo espaço econômico que se assemelha àquele domina-do pelos grupos econômicos, mas que é ocupado pelopatrimônio de algumas famílias. Somente o refinamentointerno a esta categoria, através de indicadores de porte,extroversão comercial, etc., poderá evidenciar melhor seuconteúdo.

Por fim, a questão do número de empresas controla-das não oferece maiores dificuldades. Sua riqueza está emprocurar localizar no espaço o espraiamento das empre-sas sediadas em São Paulo, visando criar mais um indica-dor de internacionalização produtiva, agora com sinalinvertido: importa saber em que medida as empresas pau-listas estão avançando para o exterior em termos de fi-liais no Mercosul, no restante do subcontinente e nas de-mais partes do mundo.

No tocante à dinâmica da reestruturação patrimonial,o foco recai sobre as operações de F&A, vale dizer, sobreas mudanças na propriedade e no controle das empresas pau-listas, sempre tendo como referência o período 1990-96.

Dentre as inúmeras variáveis geradas pela pesquisaneste tema, duas serão mencionadas aqui: o número deempresas que foram objeto de F&A, isto é, que sofrerammudanças de controle; e o número daquelas que atuaramcomo sujeito destes processos, ou seja, que adquiriram e/ou incorporaram outras empresas.

Desde logo cabe explicitar os conceitos de base da idéiade mudança de controle, tendo sempre como referência oarcabouço jurídico que normatiza estes tipos de opera-

ções, ao qual se acrescenta a preocupação econômica dedistinguir os casos em que houve ou não mudança efetivade controle, isto é, de controlador, por trás do mecanis-mo legal que o tornou possível. Deste modo, é precisodistinguir as seguintes operações:- aquisição: corresponde à aquisição da empresa por ou-tra sociedade com manutenção de sua identidade jurídica(CGC). A empresa é adquirida quando o seu capital foitotal ou majoritariamente adquirido por outra sociedade,o que caracteriza a tomada de seu controle, mas não im-plica o desaparecimento da empresa como entidade juri-dicamente autônoma;- incorporação: operação em que a empresa adquire atotalidade do capital de outra(s) empresa(s), caracterizandotomada de controle e desaparecimento dessa(s) empresa(s)como entidade(s) jurídica(s) autônoma(s);- fusão: unem-se duas ou mais sociedades para formaruma nova sociedade, que lhes sucederá em todos os di-reitos e obrigações; na fusão em que a empresa sucessoranão tem o(s) mesmo(s) controlador(es) das antecessoras,verifica-se uma mudança de controle;- cisão: o patrimônio de uma empresa é transferido totalou parcialmente para outras sociedades, constituídas paraesse fim; na cisão em que a empresa sucessora não temo(s) mesmo(s) controlador(es) da antecessora, verifica-se uma mudança de controle.

Cabe observar que, ao identificar as empresas que fo-ram objeto de mudanças patrimoniais, as quatro opera-ções indicadas são válidas. Porém, ao tentar localizar ossujeitos, somente as aquisições e as incorporações per-mitem identificar claramente uma parte ativa (quem com-pra ou incorpora), uma vez que, nas fusões e cisões, asfiguras do sujeito e do objeto se confundem, ou, ainda,há casos em que não houve efetivamente mudança decontrole, mas apenas de constituição jurídica. Uma sériede outras variáveis foram criadas com o intuito de refinaresta análise, porém, nesta sucinta apresentação, optou-sepor reter apenas as questões básicas que, como será vistoadiante, já permitem traçar um panorama geral do impac-to das F&A na economia paulista.

PRIMEIROS RESULTADOS: AVANÇO DOSGRUPOS E DO CAPITAL ESTRANGEIRO

O elevado grau de internacionalização da economiabrasileira é um fato conhecido há décadas. Em estudopioneiro, Queiroz (1965) já notava a preponderância dos

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capitais estrangeiros em alguns setores nos anos 60. Maisrecentemente, Cunha (1995) mostra que o Brasil era, emfins da década de 70, uma das economias mais internacio-nalizadas do planeta, com seus 27% de controle estran-geiro da produção. Tomando como base apenas as gran-des empresas, o estudo mostra ainda que esta participa-ção (nas vendas) estabilizou-se, na primeira metade dosanos 90, em torno de um terço. Em outro estudo (Cominet alii, 1994:162), em que também trabalhou-se com osdados das grandes empresas, mas focando apenas a in-dústria de São Paulo, estima-se que, no final da décadade 80, os capitais estrangeiros controlavam 27% do fatu-ramento da amostra, embora representassem somente 10%das empresas.

Os dados da Paep mostram um avanço considerávelda internacionalização da economia paulista (Tabela 1).As diferenças de metodologia não permitem uma compa-ração estrita, mas o fato de a pesquisa ter caráter abran-gente reforça a impressão do movimento: ao contemplaro conjunto da economia, e não apenas as grandes empre-sas, em que o capital estrangeiro obviamente está sempresuper-representado, a Paep evidencia um avanço da in-ternacionalização produtiva com relação aos dados amos-trais antes disponíveis.

O caso da indústria é bem claro: verifica-se que asempresas de capital estrangeiro, embora representem ape-nas 1,5% do total pesquisado, foram responsáveis por29,5% da receita líquida total (isto é, não só aquela gera-da no Estado de São Paulo) das empresas paulistas. Sesomadas aquelas de capital nacional e estrangeiro, a par-ticipação na receita ultrapassa os 37%, correspondendo aapenas 2% das empresas. No final das contas, as poucomais de 900 empresas com origem total ou parcialmenteestrangeira geraram uma receita da ordem de R$ 79 bi-lhões, que é superior à metade do que produziram as maisde 40 mil empresas industriais nacionais do universo pes-quisado. A Tabela 1 revela também que a desproporçãoentre estes dois grupos de empresas é ainda mais forte notocante ao emprego (pessoal ocupado total): embora te-nham gerado quase 40% das vendas, as poucas e grandesempresas de capital internacionalizado só empregaram umquinto do total de pessoas ocupadas. Como resultado seufaturamento anual por pessoa supera os R$ 150 mil, en-quanto as empresas brasileiras, em média, estão na casados R$ 67 mil.

Em compensação, a participação estrangeira é bemmenor nos demais setores (em torno de 20%). No caso daconstrução civil, é praticamente inexistente, uma vez que

TABELA 1

Empresas, Pessoal Ocupado e Receita, segundo Setor de Atividade e Origem do CapitalEstado de São Paulo – 1996

Setor de AtividadeEmpresas Pessoal Ocupado Total Receita (1)

e Origem do CapitalNúmeros

% Em 1.000 pessoas % Em R$ bilhões %Absolutos

Indústria 41.466 100,0 2.514 100,0 97 100,0Capital Nacional 40.529 97,7 1.984 78,9 60 62,2Capital Estrangeiro 638 1,5 412 16,4 29 29,5Capital Nacional e Estrangeiro 269 0,6 112 4,4 7 7,6

Comércio (2) 15.070 100,0 786 100,0 13 100,0Capital Nacional 14.809 98,3 731 93,0 10 82,8Capital Estrangeiro 216 1,4 48 6,1 3 15,9Capital Nacional e Estrangeiro 32 0,2 7 0,9 0 1,2

Indústria de Construção 7.630 100,0 407 100,0 8 100,0Capital Nacional 7.582 99,4 396 97,4 8 97,1Capital Estrangeiro 31 0,4 5 1,3 0 1,5Capital Nacional e Estrangeiro 13 0,2 5 1,3 0 1,4

Serviços de Informática 1.630 100,0 70 100,0 3 100,0Capital Nacional 1.591 97,6 64 91,6 2 79,9Capital Estrangeiro 15 0,9 4 6,2 0 17,0Capital Nacional e Estrangeiro 4 0,3 1 1,1 0 1,9

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep.(1) Para Indústria da Construção a receita é bruta; para os demais setores a receita é líquida.(2) Inclui apenas empresas com mais de 30 pessoas ocupadas e/ou multilocalizadas.

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 13(1-2) 1999

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as empresas de capital exclusivamente nacional são res-ponsáveis por mais de 97% da receita bruta.

No caso do comércio, a presença estrangeira (total ouparcial) é menor do que na indústria, mas não pode serdesprezada. Embora representando apenas 1,5% da amos-tra, estas 248 empresas foram capazes de obter pratica-mente um sexto das vendas.

A Tabela 2 apresenta informações similares, mas atra-vés do critério de pertencimento a grupo. Desde longa data,procura-se chamar a atenção para o desenvolvimento dofenômeno da organização dos grupos econômicos: atra-vés de estimativas de seu porte e em comparações indire-tas, tentou-se mostrar que seu tamanho é determinante ecrescente, ao menos na indústria paulista desde os anos80 (Comin et alii, 1994). Porém, até realização da Paep,nada mais do que inferências aproximativas eram possí-veis, mas agora tem-se a confirmação, com todos os nú-meros, deste formidável fenômeno: a empresa indepen-dente é hoje uma força secundária na economia paulista.

As empresas independentes são amplamente majoritá-rias no que se refere à quantidade: no caso do comércio, re-presentam dois terços do total6 e, na indústria, são quase 85%.Ao todo, são mais de 53 mil empresas, 81,5% das mais de65 mil que compõem o levantamento. Entretanto, o pesoeconômico deste grupo não é majoritário em nenhum dosgrandes setores da economia paulista. No caso da constru-ção civil, em que ele é maior, nem chega a 44%.

Novamente, a indústria aparece como o locus onde oavanço das formas mais elevadas da hierarquia dos capi-tais – no caso, os grupos – é mais sentido. As quase 35mil empresas independentes foram responsáveis por poucomais de um quinto da receita no setor, enquanto os gru-pos (holdings e suas controladas) ocuparam 58% do mer-cado. Observe-se ainda que as formas híbridas – as con-troladas de pessoa física – encontram na indústria umaperformance relativamente pequena: menos de 13% dareceita, contra 18% no comércio e 23% na construção civil.Em outras palavras, em se supondo um contínuo entre abase e o topo da pirâmide dos capitais, isto é, da empresaindividual aos grupos, a indústria parece ser o setor emque o peso econômico mais se deslocou em direção aoalto. Cabe lembrar que foi aí que se encontrou o maioríndice de internacionalização dos capitais.

Neste sentido, a indústria da construção representaria ocaso oposto em todos os sentidos: não só o peso das empre-sas independentes é maior neste setor, mas também o dascontroladas de pessoa física. Como contrapartida, os gruposocupam menor espaço – é o único caso em que seu fatura-mento é inferior ao das empresas individuais –, porém nãodevem ser desprezados, uma vez que representaram quaseum terço do total. Como visto, é o único setor no qual a pre-sença estrangeira pode ser considerada marginal.

Finalmente, cabe examinar alguns dos dados relativosà dinâmica patrimonial, ou seja, às mudanças no controle

TABELA 2

Empresas e Receita Operacional, por Setor de Atividade, segundo o Pertencimento a GrupoEstado de São Paulo – 1996

Indústria Comércio (1) Construção Serviços de Informática

Pertencimento a GrupoReceita Receita Receita Receita

Líquida Líquida Bruta LíquidaEmpresas

(R$ bilhões)

Empresas

(R$ bilhões)

Empresas

(R$ bilhões)

Empresas

(R$ bilhões)

Total 41.325 213,5 15.017 122,0 7.619 20,8 1.606 4,7Empresa Independente 34.752 44,8 11.370 36,4 6.003 9,1 1.305 1,3Controlada de Grupo de Pessoa Física 5.168 27,1 2.900 21,9 1.415 4,8 246 0,4Controlada de Pessoa Jurídica 1.257 88,8 726 44,2 175 5,3 46 1,4Empresa Controladora Principal 148 35,2 21 3,8 26 1,4 9 0,5

Total (Em Porcetagem) 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0Empresa Independente 84,1 21,0 75,7 29,8 78,8 43,8 81,2 26,4Controlada de Grupo de Pessoa Física 12,5 12,7 19,3 18,0 18,6 22,9 15,3 8,7Controlada de Pessoa Jurídica (A) 3,0 41,6 4,8 36,2 2,3 25,6 2,9 30,4Empresa Controladora Principal (B) 0,4 16,5 0,1 3,2 0,3 6,8 0,6 10,8(A + B) 3,4 58,1 5,0 39,4 2,6 32,4 3,4 41,3Não Respondeu 0,0 8,3 0,0 12,8 0,0 0,9 0,0 23,6

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep.(1) Inclui apenas empresas com mais de 30 pessoas ocupadas e/ou multilocalizadas.

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HIERARQUIA E COMPETIÇÃO NA ECONOMIA PAULISTA: A HORA E ...

empresarial. A Tabela 3 apresenta o número e o peso eco-nômico das empresas que sofreram algum tipo de mudançade controle entre 1990 e 1996, através de aquisições, fu-sões, ou ainda cisões (naqueles casos em que houve mu-dança de controle).

De um total de mais de 54 mil empresas (para as quaisesta questão se aplica), nada menos do que 11,4 mil so-freram algum tipo de mudança de controle nestes sete anos,ou seja, 17,5% do total. Em todos os setores, o número deempresas envolvido foi significativo: quase 13% na cons-trução civil; 15,8% na indústria; mais de 20% na infor-mática; e quase 25% no comércio.

Curioso observar que, com exceção do caso da cons-trução civil, a proporção das receitas que “mudaram decontrole” é inferior à proporção em termos de número deempresas. Este jogo de médias sugere que as empresasque mudaram de mãos são menores do que a média geralde cada setor. Deste modo, na indústria, quase 16% das

empresas mudaram de mãos, mas a receita envolvida nãopassou de 11,8%.

A Tabela 4 procura mostrar o outro lado da mesmamoeda: qual a importância dos processos de mudança decontrole, agora do ponto de vista de seus sujeitos, isto é,daquelas empresas/grupos que adquiriram e/ou incorpo-raram outras empresas. O quadro geral que emerge é muitoclaro: embora o número de empresas ativas no processode centralização de capitais seja pequeno, seu peso eco-nômico é considerável.

Como sempre, a indústria apresenta os traços mais pro-nunciados: apesar de apenas 873 empresas terem efetua-do aquisições no período, sua receita representava, em1996, nada menos do que 35,7% do total do setor. Estaenorme desproporção só pode ter uma causa: as empre-sas ativas na compra de outras possuem uma dimensãomuito superior à média. Isto pode ser calculado a partirda Tabela 4: a receita líquida média das empresas que

TABELA 3

Empresas e Receita Operacional, por Condição de Mudança de Controle (entre 1990 e 1996),segundo Setor de AtividadeEstado de São Paulo – 1996

Sofreram Mudança Não Sofreram Mudança % que Sofreram Mudança sobre o Total

Setor de AtividadeEmpresas

Receita (1)Empresas

Receita (1)Empresas

Receita (1)

(R$ bilhões) (R$ bilhões)

Indústria 6.520 23,2 34.840 173,0 15,8 11,8

Comércio (2) 3.671 19,6 11.348 86,8 24,4 18,4

Construção 974 4,4 6.651 16,3 12,8 21,4

Serviço de Informática 328 0,7 1.282 4,0 20,4 14,2

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep.(1) Para Indústria da Construção a receita é bruta; para os demais setores a receita é líquida.(2) Inclui apenas empresas com mais de 30 pessoas ocupadas e/ou multilocalizadas.

TABELA 4

Empresas e Receita Operacional, por Setor de Atividade, segundo as Empresas que Efetuarame Não Efetuaram Aquisições e Incorporações (entre 1990 e 1996)

Estado de São Paulo – 1996

Efetuaram Indústria Comércio (1) Construção Serviços de Informática

Aquisições e Receita Receita Receita Receita

Incorporações Empresas Líquida Empresas Líquida Empresas Bruta Empresas Líquida

(R$ bilhões) (R$ bilhões) (R$ bilhões) (R$ bilhões)

Total 41.466 213,5 15.070 122,0 7.630 20,8 1.630 4,7Sim 873 76,2 314 21,5 196 2,5 53 1,3

Não 40.499 119,8 14.710 85,0 7.428 18,3 1.574 3,5

% que Efetuaram Aquisições sobre o Total 2,1 35,7 2,1 17,7 2,6 11,9 3,2 27,0

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep.(1) Inclui apenas empresas com mais de 30 pessoas ocupadas e/ou multilocalizadas.

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efetuaram aquisições é da ordem de R$ 87 milhões, con-tra R$ 3 milhões das que responderam que não efetuaramnenhuma operação. Somente um refinamento maior notratamento destas variáveis poderá esclarecer esta ques-tão de forma indubitável, mas desde já fica bastante evi-dente que são as grandes empresas que estão por trás des-te forte movimento de F&A aqui registrado.

Novamente, a construção civil aparece no extremooposto: o número de empresas é até um pouco maior(2,6%), mas o peso econômico é de menos de 12%. Asituação do comércio é intermediária, com menos de 18%da participação econômica, e a informática destaca-se pelo(relativamente) grande número de empresas envolvidas(3,2% do total) e pelo peso econômico também conside-rável, da ordem de 27%, em termos de faturamento.

Não há dúvidas de que o movimento de F&A foi con-siderável nesta primeira metade da década, seja do pontode vista das empresas que trocaram de mãos, seja das queefetuaram compras, seja ainda do peso econômico dasempresas envolvidas.

Muitos outros aspectos podem ser examinados a partirdos dados da Paep. A Tabela 5 restringe-se à indústria, que,como visto, é o segmento mais dinâmico da economia pau-lista na questão patrimonial, e apresenta apenas cruzamen-tos de variáveis antes examinadas, com o objetivo de cotejara ocorrência das F&A, bem como sua importância econômica,com a origem do capital e o pertencimento a grupo.

Quanto à origem do capital, agora agrupando as em-presas estrangeiras e aquelas de participação mista numa

só categoria, verifica-se um relativo equilíbrio, no que serefere a aquisições e/ou incorporações, entre empresas dosdois tipos de capitais. Deste modo, a Tabela 5 mostra queo percentual da receita líquida, com relação ao total dacategoria, das empresas que adquiriram e/ou incorpora-ram outras é muito similar entre as empresas brasileiras(38%) e aquelas parcial ou totalmente estrangeiras (daordem de 44%). Mais ainda, a participação, sempre emtermos de receita, das estrangeiras no total da receita dasempresas que efetuaram compras é de apenas 32%, sen-do que o peso global destas empresas (conforme a Tabela1) é de 38%. Em outras palavras, não se pode dizer que ocapital estrangeiro tenha sido mais ativo do que a médiano que diz respeito à aquisição de empresas, ao menos naindústria paulista.

Já na variável pertencimento a grupos, emerge um pa-drão mais polarizado de atuação: claramente, são os gru-pos econômicos os grandes atores no processos de F&Ada indústria paulista. Na soma das duas categorias que osenglobam, verifica-se que seu peso é da ordem de 87,5%de toda a receita das empresas envolvidas em aquisiçõese/ou incorporações (ao passo que sua participação geralna indústria, conforme a Tabela 2, é inferior a 60%). ATabela 5 revela também que, no caso das holdings, maisde 80% das empresas adquiriram outras empresas e, emtermos de receita, a participação supera os 70%. No casodas controladas de pessoa jurídica, a participação em ter-mos de número de empresas é relativamente pequena, masno que se refere à receita é quase metade. Em resumo, os

TABELA 5

Empresas Industriais que Efetuaram e Não Efetuaram Aquisições e Incorporações e Receita Líquida,segundo Origem do Capital e Pertencimento a Grupo

Estado de São Paulo – 1996

Efetuaram Aquisições Não Efetuaram Aquisições % que Efetuaram

e Incorporações e Incorporações AquisiçõesOrigem do Capital e Pertencimento a Grupo

EmpresasReceita

EmpresasReceita sobre o Total

(R$ bilhões) (R$ bilhões) da Receita

Origem do CapitalNacional 714 49,1 39.767 78,8 38,4Estrangeiro ou Nacional e Estrangeiro 131 23,0 483 28,9 44,3Estrangeiro ou Nacional e Estrangeiro/Total (%) 15,5 31,9 1,2 26,9

Pertencimento a GrupoEmpresa Independente 386 4,6 34.357 40,2 10,2Controlada de Grupo de Pessoa Física 192 4,9 4.976 22,1 18,2Controlada de Pessoa Jurídica (A) 224 41,4 1.030 46,5 47,1Empresa Controladora Principal (B) 67 25,2 81 10,0 71,6Grupos (A + B) como % do Total 33,5 87,5 2,7 47,5

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep.

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HIERARQUIA E COMPETIÇÃO NA ECONOMIA PAULISTA: A HORA E ...

grupos estiveram majoritariamente devotados a operaçõesde F&A e seu impacto no conjunto da indústria é de lon-ge o mais poderoso.

Entretanto, não se pode desprezar a importância dasF&A nas duas outras categorias. No caso das controladasde pessoa física, nada menos do que 18% da receita líqui-da esteve ligada a empresas que foram ativas no processode aquisições e incorporações e, no caso das empresasindependentes, cerca de 10%. Cabe ressaltar que, emambos os casos, o número de empresas envolvidas foimuito pequeno. Para as independentes, foram pouco maisde 1% das empresas, o que sugere que se trata das maio-res empresas nesta categoria, o que exigirá um refinamentoulterior, em termos de tamanho.

CONCLUSÕES E PERSPECTIVAS DE PESQUISA

Embora sumária, esta descrição deve ter sido capaz deevidenciar que a complexa hierarquia dos capitais atuan-tes em São Paulo está em movimento, e ela tem vetoresmuito claros. Procurou-se mostrar como esta economiajá está, nos anos 90, dominada pela figura dos gruposeconômicos, que não só controlam a maior parte destaeconomia, como são os que, de forma arrebatadora, co-mandam o processo de reestruturação do capital, isto é,sua centralização em marcha acelerada.

Como foi visto, parcelas substanciais de todos os seto-res examinados apresentaram uma atividade intensa defusões e aquisições: conforme o segmento, algo entre umsexto e um quarto das empresas mudaram de mãos entre1990 e 1996, totalizando mais de 11 mil empresas. Estatalvez seja a novidade mais expressiva da Paep neste blo-co de questões patrimoniais. Aos olhos dos analistas, obri-gados a trabalhar tão-somente com fontes secundárias (ba-sicamente as notícias da imprensa) neste tema, apareciam,de forma esparsa e assistemática, apenas os movimentosregistrados no topo da hierarquia de capitais. Deste modo,os registros de F&A sempre foram computados, apesarda notável aceleração sofrida nos últimos anos, na casadas centenas de casos por ano (em todo o país). Com olevantamento abrangente de que ora se dispõe, é possívelafirmar com tranquilidade: a reestruturação patrimonialé um fenômeno geral, do ponto vista setorial, e abran-gente, no que diz respeito à população atingida. Em ou-tras palavras, as F&A estão em toda parte na economiapaulista. Um dos caminhos óbvios de pesquisa, a partirdaqui, é justamente refinar a análise do ponto de vista se-torial, buscando saber exatamente em que segmentos da

economia as F&A foram mais intensas, quem as coman-dou, etc.

Desde já, ao observar os agentes que comandam esteprocesso, uma figura emerge claramente: são aqueles si-tuados no topo da hierarquia, isto é, os grupos econômi-cos, que numa proporção de quase nove para dez (no casoda indústria) é que operaram este vasto processo de cres-cimento externo do capital. Aqui, estrutura e movimentose confundem: são os maiores e mais poderosos agentesaqueles que mais cresceram através das F&A – isto é,engolindo outros – e, portanto, reforçaram ainda mais suapredominância.

Não se esperava outra coisa. Como mostra a literaturaantes mencionada, a força dos grupos econômicos comoagentes líderes dos processos econômicos, de um modogeral, e, muito particularmente, dos processos de centra-lização de capital é um dos traços distintivos do capita-lismo contemporâneo. O que é certo nos países desenvol-vidos, onde os estudos da estrutura empresarial são maiselaborados, era apenas uma forte suspeita no Brasil, de-vido à falta de elementos empíricos que dimensionassema presença destas entidades. É o que a Paep justamentepode agora proporcionar.

Há um amplo terreno a explorar, mas os dados mais de-talhados que foram mostrados para a indústria não deixamdúvida sobre esta predominância dos grupos. Aliás, deixamclaro igualmente a vanguarda da indústria no que tange aoprocesso de reestruturação patrimonial em curso. Aí os gru-pos econômicos têm maior peso, é aí que mais fortementeeles comandam a reestruturação do capital.

Por outro lado, surpreendeu o fato de que o capitalestrangeiro, embora muito poderoso, como se mostroudesde logo, não tenha assumido uma clara dianteira nes-tes processos de F&A. Como discute a literatura sobre otema da globalização econômica,7 um dos traços marcan-tes deste momento do capitalismo é justamente o fato deque o investimento direto externo, desde longa data o fa-tor preponderante na internacionalização, assume hojeuma dimensão cada vez mais financeira, ou seja, uma partemajoritária deste deslocamento de recursos e deve-se àaquisição de ativos e não de sua criação, daí um aumentoconsiderável das F&A transfronteiriças. Em outro estudo(Comin, 1998), procurou-se mostrar que, no Brasil pós-Real, o investimento direto externo já estava dominadopor esta lógica financeira, muito em função, mas não só,das privatizações.8

Por conta de tudo isto, era de se esperar uma presençamaior do capital estrangeiro nas F&A. Dado o caráter ainda

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 13(1-2) 1999

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preliminar do exame que se faz aqui, seria precipitado ti-rar muitas conclusões. De todo modo, é sabido tambémque a participação estrangeira nas F&A é crescente aolongo da década, só tendo ultrapassado a metade do nú-mero de operações em 1996 ou 1997.9 Como a Paep res-tringe-se ao período 1990-96, talvez esteja aí a resposta.Ou talvez o caráter censitário venha efetivamente mos-trar que a presença estrangeira é muito concentrada notopo da hierarquia, aquele que aparece nas fontes secun-dárias, e portanto está superestimado. Esta certamente éuma das dimensões da base de dados que precisa ser ex-plorada com mais cuidado.

Uma outra dimensão que seguramente dará um bomcampo de pesquisa é a questão do porte das empresas,assunto que aqui nem foi mencionado. Boa parte das no-vas evidências aqui apresentadas somente farão plenosentido quando esta questão for minimamente tratada.Afinal de contas, o porte, absoluto e relativo, é o fator demaior importância na configuração da hierarquia de ca-pitais. A partir daí, o cruzamento das variáveis patrimo-niais com um sem número de outras da Paep permitirá oaprofundamento do estudo desta hierarquia sob diversosângulos. Longo caminho há pela frente, mas, desde já,uma coisa é certa: a Paep representa uma ampliação doacervo de dados para o estudo da concorrência em SãoPaulo e no Brasil que não tem precedentes.

NOTAS

E-mail do autor: [email protected].

O autor agradece a colaboração de Flávio Pinto Bolliger responsável pela extra-ção dos dados aqui utilizados, além de supervisionar todas as fases da pesquisaneste bloco.

1. Lembrando apenas que, no caso do comércio, o levantamento não é censitá-rio: particularmente neste bloco, ele se refere apenas aos estabelecimentosmultilocais e/ou com mais de 30 funcionários. Nos demais casos, pode-se enca-rar os dados como uma cobertura extensiva do universo de empresas, mesmoporque a taxa de não resposta (recusa na informação e as respostas consideradasinconsistentes) foi extremamente baixa, raramente superando 1%, e por issomesmo nem será mencionada nas tabelas deste artigo.

2. Para uma discussão mais detalhada destes problemas metodológicos, ver Cebrap(1992) e Comin (1996, 1997a e 1997b).

3. Há que se acrescentar que a estratégia detalhista traria ainda dificuldades deordem prática que seriam consideráveis. De um lado, o esforço das empresas emcoletar (inclusive recorrendo a sua memória corporativa) todas estas informa-ções, pelo menos em muitos casos, seria de grande monta. Posteriormente, natabulação, a organização e teste da enorme teia de relações resultante exigiriam

da equipe de pesquisa um trabalho imenso, ao qual há que se agregar ainda umaestrutura de apresentação final dos dados que preservasse o sigilo empresarial.

4. Acrescentem-se ainda outras questões conexas (como, por exemplo, a forma-ção de joint ventures) e acessórias (como a data de fundação da empresa), que afalta de espaço não permite detalhar.

5. Para um resumo dos problemas teóricos e metodológicos da questão dos gru-pos econômicos, ver Portugal et alii (1994) e Comin (1996).6. Lembrando sempre que, nestas tabelas, o comércio inclui apenas as empresasde um certo porte. Isto obviamente obriga a ver estes números com cuidado:certamente a empresa independente está subestimada, senão fortemente no quediz respeito à receita, seguramente quanto ao número de empresas.

7. Ver, em particular, Chesnais (1994 e 1996). O papel preponderante das F&A nosprocessos de penetração internacional do capital pode ser visto, do ponto de vistaempírico, nos relatórios anuais (World Investment Report) da United NationsComission on Trade and Development (UNCTAD). Para o Brasil, ver Comin (1997b).

8. Mais recentemente, a Carta da Sobeet, diversos números, tem trazido estima-tivas mais abalizadas sobre a qualidade do investimento direto externo no Bra-sil. Apesar das dificuldades na obtenção de dados, não seria descabido suporque ao menos metade do investimento direto externo no país tem sido dirigidopara a aquisição de ativos, mormente sob a forma de F&A, aí incluídas as priva-tizações.

9. A ascensão é visível em toda a década, mas até 1995 as transações comanda-das pelo capital nacional ainda eram majoritárias, conforme Comin (1997b). Atual-mente, o predomínio estrangeiro é muito claro, como atestam os levantamentosde empresas de consultoria. Sobre isto, ver Folha de S.Paulo de 26/2/99 e OEstado de S. Paulo de 5/8/98.

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DESEMPENHO EXPORTADOR DA INDÚSTRIA PAULISTA

O

DESEMPENHO EXPORTADOR DAINDÚSTRIA PAULISTA

LUÍS A. PAULINO

Engenheiro, Analista da Fundação Seade

GUILHERME MONTORO

Professor do Departamento de Economia do Mackenzie, Analista da Fundação Seade

objetivo deste artigo é analisar, com base nosdados da Pesquisa da Atividade Econômica Pau-lista – Paep, o desempenho exportador da indús-

tria paulista no ano de 1996. Dividido em duas partes, naprimeira, o propósito é caracterizar as diferentes regiõesdo Estado de São Paulo quanto ao seu desempenho ex-portador, e, na segunda, as empresas exportadoras pau-listas vis-à-vis o conjunto de empresas industriais comatuação no Estado.

O processo de abertura e desregulamentação comer-cial no Brasil, que se iniciou timidamente no final da dé-cada de 80, ganhou força no início da década de 90, econsolidou-se no governo de Fernando Henrique. A aber-tura econômica fez com que a produção nacional tivessede enfrentar a concorrência dos produtos importados. Essaconcorrência foi importante para o sucesso da estabiliza-ção de preços obtida com o Plano Real.

As políticas monetária e cambial adotadas para o con-trole dos preços no início deste Plano levaram à valoriza-ção da moeda nacional sobre o dólar norte-americano. Aabertura comercial, aliada à mudança na política cambi-al, levou à reversão do saldo da balança comercial brasi-leira, que passou de um superávit médio de 12 bilhões dedólares, no período 1985-94, para um déficit de 5,5 bi-lhões, em 1996. Para superar o desequilíbrio comercial ediminuir o déficit em conta corrente, o aumento das ex-portações tornou-se imperativo. A taxa de câmbio realvalorizou-se até 1996 e, a partir de 1997, a política deminibandas permitiu uma pequena desvalorização real damoeda nacional. Este ano, portanto, marca o auge da va-lorização do real sobre o dólar.

O estudo das empresas exportadoras pode trazer re-sultados estratégicos para a elaboração de políticas deincentivo à exportação, e, ao diminuir a restrição exter-na, permitir um crescimento maior, sem prejuízo da esta-bilização de preços.

As exportações brasileiras em 1996 foram de 47 bi-lhões de dólares, e o Estado de São Paulo representou34,7% deste total (Fundação Seade, 1997). O país expor-tou principalmente produtos industrializados, totalizan-do 35,2 bilhões de dólares, entre manufaturados esemimanufaturados, contra 11,9 bilhões de produtos bá-sicos. Entre os semimanufaturados incluem-se produtosalimentícios que envolvem processos de transformaçãoindustrial, como o suco de laranja congelado.

O Estado de São Paulo é responsável por 43% das ex-portações industriais do Brasil, percentual que vem semantendo desde o começo da década de 90. Em 1996,essas exportações totalizaram 15,4 bilhões de dólares,contra 1,0 bilhão de dólares de produtos básicos.

METODOLOGIA

A Paep incluiu em seu questionário diversas perguntassobre o grau de inserção internacional das empresas no Es-tado de São Paulo. Neste artigo, serão exploradas as ques-tões referentes ao percentual da receita total que provêm domercado interno, do Mercosul e de outros países. Para di-versos itens, foram selecionadas as empresas exportadoras,ou seja, aquelas que exportam 1% ou mais de sua receita.Do total de 41.465 empresas industriais, apenas 3.374 (8,1%)enquadram-se nesta categoria.

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A Paep não fornece a receita de exportação por em-presa, mas possibilita fazer uma aproximação deste va-lor. As empresas informaram a receita líquida da ativi-dade e o percentual da receita que provêem dasexportações. Para efeito desta análise, criou-se a vari-ável receita de exportação, multiplicando-se a receitada unidade local pelo percentual de exportação decla-rado pelas empresas industriais.

Para trabalhar essa variável, é preciso considerar, pri-meiro, que o percentual de exportações declarado re-flete bem a performance da empresa (os erros são pe-quenos e simétricos); e, segundo, que, para empresasmultilocais, o percentual de exportações da empresa éconstante e válido para todas as unidades locais.

A crítica que pode ser feita à primeira suposição éque o percentual de exportação declarado pelas empre-sas não é uma medida exata, mas aproximativa. Por essemotivo, não será apresentado o valor da receita de ex-portação, mas os percentuais referentes a cada divisãoda indústria e região administrativa do Estado.

Quanto à segunda suposição, pode-se argumentar queo critério utilizado, de dividir o total exportado peloconjunto das unidades locais, leva ao risco de se su-bestimar a especialização regional, visto que uma mes-ma empresa pode ter unidades locais direcionadas àprodução para o mercado interno e outras à exporta-ção. Com isso, pode-se deixar de captar algum póloexportador regional, mas aumenta a segurança no casode haver alguma concentração exportadora regional. Agrande vantagem da variável é poder captar as expor-tações regionalmente, uma vez que a receita de expor-tação está vinculada à unidade local, e não à matriz, nocaso de empresas multilocais.

A fim de testar a qualidade das informações obtidaspela variável receita de exportação, os resultados daPaep foram comparados com as informações da Secre-taria do Comércio Exterior – Secex, extraídas do Anu-ário Estatístico do Estado de São Paulo (Fundação Sea-de, 1997). A variável receita de exportação industrialtotalizou, segundo os dados da Paep, 16,9 bilhões dereais, contra 15,4 bilhões de dólares, segundo a Secex.Visto que a cotação do dólar estava em torno de umR$1,00, pode-se afirmar que, no total do Estado, a in-formação é boa, embora os valores estejam levementesuperestimados.

Outros exercícios de consistência foram feitos, cons-tatando-se que o mesmo acontece com as exportaçõesregionais e setoriais paulistas.

DESEMPENHO EXPORTADOR

Conforme se verifica na Tabela 1, praticamente todasas divisões da indústria paulista participam das exporta-ções do Estado. A maior participação relativa é da divi-são de fabricação e montagem de veículos automotores,reboques e carrocerias, que respondeu, em 1996, por apro-ximadamente 22% das exportações do Estado, seguindo-se as de produtos alimentícios e bebidas (21%), máqui-nas e equipamentos (13%), produtos químicos (7%) emetalurgia básica (6%). Essas cinco divisões, em con-junto, representaram quase 70% das exportações da in-dústria paulista em 1996.

Desagregação Regional das Exportações

Na Região Metropolitana de São Paulo, a divisão defabricação e montagem de veículos automotores respon-dia, em 1996, por aproximadamente 30% das exportaçõesdas indústrias da região, seguida das de máquinas e equi-pamentos (18%) e de produtos químicos (10%). Soma-das, essas três divisões respondiam por pouco mais de meta-de do total do valor exportado pelas indústrias da região.

TABELA 1

Participação das Exportações Industriais, segundo Divisão da IndústriaEstado de São Paulo – 1996

Em porcentagem

Divisão da Indústria Participação no Estado

Fabr. Mont. Veículos Automotores, Reboq. Carrocerias 22

Fabricação de Alimentos e Bebidas 21

Fabr. de Máquinas e Equipamentos 13

Fabr. de Produtos Químicos 7

Metalurgia Básica 6

Fabr. Celulose, Papel e Produtos de Papel 4

Fabr. Artigos Borracha e Plástico 4

Fabr. Máq., Aparelhos e Material Elétricos 3

Prep. Couros Fabricação Art. Viagem e Calçados 3

Fabr. Mat. Eletrônico, Apar. Equip. Comunicação 3

Fabr. Prod. de Metal – Exclusive Máq. e Equip 2

Fabricação de Produtos Têxteis 2

Fabr. Equip. Instrum. Méd., Instr. Precisão, Autom. Ind. 2

Fabr. Outros Equipamentos de Transporte 2

Fabr. Produtos Minerais Não-Metálicos 1

Edição, Impressão, Reprodução de Gravações 1

Fabr. Coque, Ref. Petróleo, Comb. Nucleares e Álcool 1

Fabr. de Máq. Para Escrit. e Equip. de Informática 1

Extrativa 1

Outras 2

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep.

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DESEMPENHO EXPORTADOR DA INDÚSTRIA PAULISTA

Na Região Administrativa de Campinas, a divisão defabricação e montagem de veículos automotores respon-dia por aproximadamente 19% das exportações da indús-tria; a de fabricação de produtos têxteis, por cerca de 16%;a de fabricação de máquinas e equipamentos, por 14%; ea de fabricação de celulose, papel e produtos de papel,por cerca de 12%. Essas quatro divisões respondiam, por-tanto, por aproximadamente 61% das exportações indus-triais da região.

A divisão de fabricação e montagem de veículosautomotores, na Região Administrativa de São José dosCampos, respondia por metade do total das exportaçõesindustriais da região; a de fabricação de outros equipa-mentos de transportes, por aproximadamente 11%; a deequipamentos e instrumentos médicos, instrumentos deprecisão e automação industrial, por aproximadamente8%; e a de fabricação de material eletrônico, aparelhos eequipamentos de telecomunicações, por 7%. Somadas,essas quatro divisões respondiam por três quartos dasexportações da indústria, na região.

Na Região Administrativa de Sorocaba, a divisão defabricação de produtos alimentícios e bebidas respondiapor um quarto das exportações da indústria; a de máqui-nas e equipamentos, por aproximadamente 17%; a de fa-bricação e montagem de veículos automotores, em tornode 12%; e a de produtos metálicos, exclusive máquinas eequipamentos, por 10%. Essas quatro divisões da indús-tria juntas respondiam, portanto, por aproximadamente65% das exportações industriais da região.

A divisão de metalurgia básica respondia por mais de 80%das exportações na Região Administrativa de Santos.

Nas regiões administrativas de Ribeirão Preto, Bauru,São José do Rio Preto, Presidente Prudente, Marília, Cen-tral e Barretos, a participação da divisão de fabricação deprodutos alimentícios e bebidas nas exportações indus-triais era, em média, superior a 60% das exportações in-dustriais dessas regiões. O caso extremo é o da RegiãoAdministrativa de Barretos, onde essa divisão respondiapor 98% das exportações da indústria.

A divisão de preparação de couros e fabricação de cal-çados na Região Administrativa de Araçatuba respondiapor mais de 80% das exportações da indústria. Na RegiãoAdministrativa de Franca, a participação dessa divisão daindústria era de aproximadamente 76%.

Quando se analisa a distribuição inter-regional dasexportações industriais do Estado por divisão da indús-tria, observa-se que a Região Metropolitana de São Pauloresponde por cerca de 41% do total das exportações da

indústria paulista (Tabela 2). Em seguida, vêm as regiõesadministrativas de Campinas (17%) e de São José dosCampos (13%). Essas três regiões somadas respondiam,portanto, por mais de 70% do total das exportações daindústria do Estado. As regiões Central, com quase 7%,de Barretos, com cerca de 5%, de Santos e de Sorocaba,cada uma com aproximadamente 4%, e de Ribeirão Pre-to, com pouco mais de 3%, configuram um segundo blo-co, respondendo, em conjunto, por 23% do total das ex-portações industriais do Estado. A participação das demaisregiões na atividade exportadora é pouco expressiva.

A Região Metropolitana de São Paulo respondia, em1996, por mais de metade das exportações da divisão defabricação e montagem de veículos automotores no Esta-do de São Paulo, seguida das regiões de São José dosCampos, com quase 30%, e de Campinas, com aproxi-madamente 14%. Essas três regiões respondiam pela quasetotalidade das exportações dessa divisão da indústria noEstado.

A divisão de fabricação de produtos alimentícios ebebidas é aquela cujas exportações estão mais bem dis-tribuídas pelo interior do Estado. Praticamente todas asregiões administrativas têm uma indústria alimentíciadesenvolvida. As de Barretos e Central ocupam posiçõesde destaque, respondendo, cada uma, por pouco mais de20% do total exportado por essa divisão, seguidas das de

TABELA 2

Distribuição das Exportações Industriais, segundo Região AdministrativaEstado de São Paulo – 1996

Em porcentagem

Região Administrativa Exportações Industriais

Estado de São Paulo 100Região Metropolitana de São Paulo 41

Campinas 17

São José dos Campos 12

Central 7

Barretos 5

Santos 4

Sorocaba 4

Ribeirão Preto 3

Bauru 2

São José do Rio Preto 1

Franca 1

Marília 1

Presidente Prudente 1

Araçatuba 1

Registro 0

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep.

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Campinas, com aproximadamente 14%, Metropolitana deSão Paulo e de Ribeirão Preto, com cerca de 10%. As re-giões de Bauru, São José do Rio Preto, Sorocaba, Presi-dente Prudente e Marília apresentam participações quevariam entre 3% e 5%, aproximadamente, e as das de-mais regiões são inexpressivas.

Na divisão de fabricação de máquinas e equipamen-tos, a Região Metropolitana de São Paulo participava commais de metade das exportações; a de Campinas, comaproximadamente 18%; a Central, com cerca de 16%; ade Sorocaba, com 5%; e a de São José dos Campos, com4%. Juntas, essas cinco regiões respondiam por quase todaexportação dessa divisão.

Na divisão de fabricação de produtos químicos, a RegiãoMetropolitana de São Paulo respondia igualmente por maisde metade das exportações do Estado, seguida das de Cam-pinas, com aproximadamente 24%, São José dos Campos,com 14%, e Santos, com 5%. Juntas, respondiam por apro-ximadamente 96% das exportações dessa indústria.

Na divisão de fabricação de produtos têxteis, encabe-çavam as exportações a Região Metropolitana de SãoPaulo, com aproximadamente 40%, a de Campinas, comcerca de 33%, e a de Sorocaba, com 19%. Somadas, es-sas três regiões respondiam por aproximadamente 92%do total das exportações.

Na divisão de fabricação de celulose, papel e produtosde papel, a liderança nas exportações cabia à Região Ad-ministrativa de Campinas, com quase 50% do total, se-guida da Metropolitana de São Paulo, com cerca de 33%,e da de Ribeirão Preto, em torno de 17%. Juntas, essastrês regiões respondiam por praticamente todas as expor-tações dessa divisão.

Na divisão de metalurgia básica, a Região Adminis-trativa de Santos participava com aproximadamente 57%das exportações do Estado, a Metropolitana de São Paulocom cerca de 20% e a de São José dos Campos com cercade 18%. Somadas, essas três regiões respondiam por apro-ximadamente 95% das exportações.

A análise dos dados apresentados permite as seguintesconclusões:- a pauta de exportações da indústria paulista, além debastante diversificada, tem uma significativa participaçãode segmentos dinâmicos da indústria, como é o caso daindústria automotiva, de máquinas e equipamentos e quí-mica. A indústria alimentícia, que vem passando por pro-fundas mudanças tecnológicas, também tem uma partici-pação importante na pauta de exportações da indústriapaulista. Segmentos tradicionais da indústria, como o têx-

til, de calçados, metalurgia básica e papel e celulose, ti-veram participação modesta no conjunto das exportaçõesindustriais do Estado, em 1996. Apesar da boa participa-ção de alguns segmentos dinâmicos, alguns dos que es-tão na vanguarda da evolução tecnológica, como de equi-pamentos de informática, material eletrônico e aparelhosde comunicação, instrumentos de precisão e automaçãoindustrial, não conseguiram apresentar boa performanceexportadora no ano de 1996;- a teoria do ciclo do produto mostra que, em fase dedesenvolvimento, os produtos mais sofisticados são pro-duzidos e exportados pelos países tecnologicamente maisavançados, principalmente os Estados Unidos. Após estafase – quando a tecnologia começa a ser difundida –, aprodução se desloca para países de tecnologia intermediá-ria. Finalmente, quando esse produto atinge a maturida-de, e a tecnologia de produção é simplificada e difundi-da, ele é produzido e exportado por países periféricos, comindústrias simples. Se interpreta esse resultado à luz dateoria do ciclo do produto, pode-se afirmar que o Estadode São Paulo está em uma posição intermediária na esca-la mundial de tecnologia industrial;- o perfil da atividade exportadora paulista está concen-trado na Região Metropolitana de São Paulo e nas regiõesadministrativas de Campinas e São José dos Campos. Talpadrão de concentração reflete, naturalmente, a própriaconcentração da atividade industrial do Estado nessasmesmas regiões;- de todas as regiões do Estado, a Região Metropolitanade São Paulo é a que apresenta maior participação nasexportações industriais do Estado;- a Região Administrativa de Campinas, além de ser,depois da Região Metropolitana de São Paulo, a que apre-senta maior participação nas exportações da indústriapaulista, é, dentre todas, a que tem a pauta mais diversifi-cada e bem distribuída de exportações industriais, comuma participação importante em praticamente todas asdivisões da indústria paulista;- a Região Administrativa de São José dos Campos, alémde ser a terceira mais importante região do Estado em ter-mos de exportações industriais, é a que apresenta a maiorparticipação relativa proporcional nos setores mais dinâ-micos da indústria: instrumentos de precisão e automa-ção industrial, material eletrônico e equipamento de co-municação e outros equipamentos de transporte (aviões);- a Região Administrativa Central tem uma participaçãonas exportações industriais proporcionalmente maior que

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DESEMPENHO EXPORTADOR DA INDÚSTRIA PAULISTA

na produção industrial do Estado. Além de importanteparticipação na exportação da indústria de alimentos, estaregião se destaca pela exportação da indústria de máqui-nas e equipamentos (aproximadamente 16% do total doEstado).

DESTINO DAS EXPORTAÇÕES

Na Tabela 3, foram selecionadas apenas as divisões daindústria que representam 3% ou mais no valor da pautade exportações paulistas. As exportações paulistas para oMercosul, em 1996, representavam pouco menos de 30%das exportações totais, segundo o Anuário Estatístico doEstado de São Paulo (Fundação Seade, 1997). Ainda naTabela 3, podem-se identificar as divisões industriais queexportam mais para cada destino de venda.

Os dados da Tabela 3 mostram uma tendência geral docomportamento das exportações por destino de vendas.Os produtos mais sofisticados tecnologicamente, commaior utilização de capital, como químicos, borracha eplástico, material elétrico, aparelhos de comunicação eautomóveis, apresentam um percentual de exportação parao Mercosul acima de 40%, e os segmentos mais tradicio-nais da indústria, como alimentos e bebidas, calçados emetalurgia básica, apresentam mais de 80% de vendas paraoutros países. Papel e celulose e máquinas e equipamen-tos apresentam a participação de exportações para o Mer-cosul em torno de 30%.

É importante lembrar uma exceção a essa regra. A di-visão outros equipamentos de transporte – que incluiaviões, produtos extremamente sofisticados – tem as ven-das direcionadas para fora do Mercosul. Essa divisão tevefraca performance exportadora em 1996 e não entrou naseleção por representar menos de 3% das exportações doEstado, mas sabe-se que a Embraer aumentou substanci-almente suas vendas externas nos anos seguintes.

As teorias de comércio internacional ajudam a enten-der esta dinâmica. Os maiores parceiros comerciais doEstado de São Paulo são os países do Mercosul, EstadosUnidos e a União Européia. Os países do Mercosul sãopaíses com renda e estágios de desenvolvimento seme-lhantes ao Brasil. Nos outros países, sabe-se que os maioresparceiros comerciais do Brasil são países mais ricos e comeconomias mais desenvolvidas que a nacional, emboratambém se encontrem alguns países subdesenvolvidos.

O padrão de comércio com países ricos pode ser ex-plicado parcialmente pelas teorias tradicionais de comér-cio, como a neoclássica (Krugman e Obstfeld, 1994). Ateoria neoclássica explica os padrões de comércio peladotação de fatores (capital e trabalho). Retirando-se asbarreiras ao comércio, o país abundante em capital iráexportar produtos intensivos em capital, e aquele abun-dante em mão-de-obra irá exportar produtos intensivosem mão-de-obra. Isso explica por que as exportações daindústria alimentícia e de calçados estão direcionadas aospaíses ricos. O mesmo raciocínio não pode ser feito comrelação à metalurgia básica, pois trata-se de uma produ-ção intensiva em capital, realizada em grandes plantas.Este tipo de comércio pode ser explicado se considerar-mos que os recursos naturais influenciam a pauta de ex-portações, no caso, a abundância de minério de ferro noBrasil.

Ressalte-se, entretanto, como destaca Paulino (1997),que o padrão de comércio do Brasil com os países desen-volvidos está bastante condicionado pelo caráter assimé-trico das relações internacionais de comércio. Tal assi-metria se manifesta na postura agressiva dos países desen-volvidos ao exigirem maior abertura comercial dos paí-ses em desenvolvimento, ao mesmo tempo em que insis-tem em manter inúmeras restrições às exportações destespaíses naqueles segmentos em que são mais competiti-vos. De particular relevância é o fenômeno da escaladatributária, isto é, quanto maior o grau de elaboração deum produto e o valor adicionado no país exportador, maio-res são as tarifas. A escalada tributária induz à especiali-zação em produtos com baixo grau de processamento e

TABELA 3

Participação da Exportação Industrial, por Destino,segundo Divisão da IndústriaEstado de São Paulo – 1996

Em porcentagem

Destino das ExportaçõesDivisão da Indústria

Mercosul Outros Países

Prep. Confecção de Artefatos de Couro,

Calçados e Art. Viagem 4 96

Fabricação de Alimentos e Bebidas 10 90

Metalurgia Básica 18 82

Fabr. de Máq. e Equipamentos 30 70

Fabricação de Celulose e Papel 33 67

Fabricação e Montagem de

Veículos Automotores e Carrocerias 44 56

Fabricação de Artigos de Borracha e Plástico 44 56

Fabr. de Máquinas, Aparelhos e Material Elétrico 47 53

Fabricação de Produtos Químicos 56 44

Material Eletrônico, Aparelhos e

Equip. de Comunicação 67 33

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep.

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 13(1-2) 1999

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menor valor agregado como forma de fugir das tarifas maiselevadas e das demais restrições não tarifárias. Esse fe-nômeno é particularmente presente nas relações comer-ciais do Brasil com a União Européia. No complexo soja,por exemplo, enquanto o grão é importado com tarifa zero,o óleo de soja é taxado, no caso do óleo bruto, em até9,4%, podendo chegar a 11,4% em outros produtos. Comoresultado da proteção efetiva proporcionada pela escala-da tributária, a Europa, que há alguns anos não produziaum só litro de óleo de soja, processou, em 1996, em tornode 12 milhões de toneladas do produto. Já no caso do cafésolúvel, o produto brasileiro pagou, em 1996, uma taxa decerca de 9% para entrar no mercado europeu, que foi eleva-da para 10,4%, em janeiro de 1997 (Paulino, 1997:167).

O padrão de comércio com os países do Mercosul podeser mais bem explicado pela teoria do comércio intra-in-dústria, com concorrência imperfeita e economias de es-cala (Krugman e Obstfeld, 1994). Segundo essa teoria,países com dotações de fatores semelhantes comerciali-zam produtos tecnologicamente semelhantes, mas nãohomogêneos. São produtos diferenciados, cuja estruturade mercado não é a concorrência perfeita e que aprovei-tam economias de escala. Essa teoria explica por que asexportações para o Mercosul são maiores em setores comoa indústria automobilística e química do que em setorestradicionais (Tabela 3).

PERFIL DA EMPRESA EXPORTADORA

Uma empresa é considerada exportadora quando elavende parte de sua produção (pelo menos 1%) ao exte-rior. Entende-se que se a empresa realizou alguma expor-tação, por menor que seja, é um sinal de competitividadeinternacional. Esta empresa tem algum contato no exteriore já superou problemas de burocracia e regulamentação in-ternacional, tornando-se uma potencial exportadora.

Uma característica marcante da empresa exportadora noBrasil é o tamanho, ou seja, a maior parte das exportações éfeita por grandes empresas. No Estado de São Paulo, maisde 80% da receita de exportação industrial provêem de em-presas com mais de 500 pessoas ocupadas, o que pode indi-car economias de escala na atividade exportadora.

A história recente do país pode ajudar a explicar esseresultado. O modelo de desenvolvimento adotado peloBrasil, nas últimas décadas, enfatizou a produção substi-tutiva de importações, voltada, prioritariamente, ao mer-cado interno. A atividade exportadora, para a grandemaioria das empresas, sempre foi encarada de forma mar-

ginal, destinada a compensar reduções eventuais na de-manda interna. Com exceção de um número relativamen-te pequeno de empresas com tradição exportadora, ou queatuam no setor de commodities, para a grande maioria dasempresas a preocupação em explorar o mercado externoé recente. As pequenas e médias não têm histórico expor-tador, e muitas vezes encontram dificuldades técnicas eoperacionais para entrar no mercado externo.

A grande riqueza da Paep com relação a outras pes-quisas econômicas é a possibilidade de cruzar informa-ções econômicas com informações internas das empre-sas, como estratégias de gestão, de tecnologia, de recursoshumanos, características do capital controlador, etc. Nossahipótese é que a empresa exportadora se diferencia dasempresas que produzem apenas para o mercado interno.Para exportar, é necessário que os produtos possuam duascaracterísticas essenciais, preço e qualidade. É necessá-rio um padrão de qualidade suficientemente alto para oproduto ser aceito no país de destino, seja pelo mercadoou pela legislação local. Segundo, a produção deste pro-duto deve ser mais eficiente que no país de destino, poiso preço doméstico acrescido do custo de transporte deveser suficientemente baixo para que a mercadoria seja ven-dida a preços competitivos no exterior. Um resumo dosresultados está na Tabela 4.

As grandes empresas apresentam características que asdistinguem das pequenas e médias em diversos quesitos,como recursos humanos, tecnologia, produtividade, etc.,mostrando-as como mais modernas e eficientes. Como asempresas exportadoras tendem a ser maiores que as em-presas não-exportadoras, pode-se confundir o perfil dagrande empresa com o da empresa exportadora, indepen-dentemente do seu relacionamento com o mercado exter-

TABELA 4

Perfil da Empresa Industrial Exportadora e Não-ExportadoraEstado de São Paulo – 1996

Perfil da Empresa Exportadora Não-Exportadora Total

Grande Porte 508 203 711

Médio e Pequeno Porte 2.867 37.887 40.754

Inovadora 1.822 8.420 10.242

Não-Inovadora 1.466 29.563 31.029

Oferece Treinamento 1.506 3.123 4.629

Não Oferece Treinamento 1.818 34.906 36.724

Capital Controlador Nacional 2.274 37.445 40.219

Capital Controlador Estrangeiro/Misto 586 316 902

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep.

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DESEMPENHO EXPORTADOR DA INDÚSTRIA PAULISTA

no. Para se evitar esse viés, a análise será feita separan-do-se as empresas por porte, comparando assim a grandeempresa exportadora com a grande empresa não-expor-tadora e repetindo-se o procedimento com a média e pe-quena empresa.

Uma característica das empresas exportadoras é queelas têm uma performance inovadora maior que as em-presas não-exportadoras. Mais de metade (55%) das em-presas exportadoras inovaram no período 1994-96, con-tra apenas 22% das empresas não-exportadoras. RuyQuadros e outros1 indicam haver uma correlação positivaentre a performance inovadora e o tamanho da empresa.Para filtrar o “efeito tamanho da firma”, a análise foi re-feita, separando-se as empresas por porte, entre peque-nas (até 99 pessoas ocupadas), médias (100 a 499) e gran-des (500 e mais).

Dentre as empresas grandes, constata-se que 72,6% dasempresas exportadoras inovam, contra 62,6% das não-exportadoras. Para as empresas médias, verifica-se que63,2% das empresas exportadoras inovam, contra 47,5%das não-exportadoras, e para as pequenas a proporção éde 45,5% e 20,6%, respectivamente. Para evitar o efeito“tamanho da empresa”, separaram-se as empresas porporte, entre pequenas, médias e grandes, e foi feito umteste de independência entre as variáveis: empresa expor-tadora (X) e empresa inovadora (Y). A estatística do tes-te é a Qui-quadrado, que é obtida através do somatóriodo desvio quadrático entre o valor observado e o valoresperado caso fossem independentes, dividido pelo valoresperado. Caso as variáveis sejam independentes (expor-tação não influi na performance inovadora da empresa),teremos um valor próximo de zero.

Ho: X e Y são independentesHa: X e Y não são independentesχ2 = Σ ((valor observado – valor esperado)2 /valor esperado)

Os resultados obtidos foram:1 a 29 pessoas ocupadasχ2 = 573,0 Rejeita Ho a 0,1%30 a 499 pessoas ocupadasχ2 = 70,4 Rejeita Ho a 0,1%500 e mais pessoas ocupadasχ2 = 8,1 Rejeita Ho a 0,5%

Conclui-se, portanto, que existe relação entre a per-formance exportadora e inovadora das empresas indus-triais paulistas, mesmo quando se desconta o fator “ta-manho da empresa”. É mais comum uma empresa

exportadora realizar alguma inovação do que uma empresanão-exportadora.

O próximo passo é verificar se existe relação entre avariável exportação (X) e a variável treinamento nas em-presas (Z). Do total de 41.465 empresas, apenas 4.629ofereceram algum tipo de treinamento (fora do posto detrabalho) para qualificação, atualização ou formação pro-fissional aos seus empregados em 1996 (11,2%). Dentreas 3.373 empresas exportadoras, 1.506 ofereceram trei-namento (44,6%), percentual que leva a crer que as em-presas exportadoras têm uma política de treinamento muitomais ativa que a média. Constata-se que as grandes em-presas treinam proporcionalmente mais que as pequenas.Deve-se dividir as empresas em três grupos, de acordocom o porte (PO).

Dentre as empresas grandes, constata-se que 81,2% dasexportadoras oferecem treinamento contra 64,6% das não-exportadoras. Para as médias, verifica-se que 58% dasexportadoras oferecem treinamento contra 37% das não-exportadoras. Para as pequenas empresas, a proporção éde 25,8% e 6,1%. Foi efetuado o teste de independênciapara cada porte de empresa, entre as variáveis empresaexportadora (X) e empresa inovadora (Y).

Ho: X e Z são independentesHa: X e Z não são independentesχ2 = Σ ( (valor observado – valor esperado)2 /valor esperado)

1 a 29 pessoas ocupadasχ2 = 880,1 Rejeita Ho a 0,1%

30 a 499 pessoas ocupadasχ2 = 129,5 Rejeita Ho a 0,1%

500 e mais pessoas ocupadasχ2 = 24,4 Rejeita Ho a 0,1%

As variáveis empresa exportadora (X) e empresa que ofe-rece treinamento (Z) não são independentes. É mais comumuma empresa exportadora oferecer treinamento do que umanão-exportadora, para cada porte de empresa.

Também é interessante investigar a origem do capitalcontrolador da empresa. O banco de dados da Paep pos-sibilita separar as empresas com capital controlador na-cional daquelas cujo capital controlador é estrangeiro oumisto (divisão do capital controlador entre sócios brasi-leiros e estrangeiros).

Os dados recentes mostram que a maioria das empre-sas multinacionais que estão investindo no Brasil temcomo objetivo principal a conquista do mercado domés-tico. Não pretendem, na maior parte dos casos, usar o

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Brasil como plataforma de exportação de seus produtos,a exemplo do que acontece em países do sudeste asiático.Porém, a empresa multinacional tem um canal direto deexportação, através de sua matriz ou de filiais, que facili-ta o acesso ao mercado externo.

O banco de dados fornece a nacionalidade dos princi-pais sócios controladores da empresa. As empresas fo-ram separadas em dois grupos, o primeiro composto deempresas cujo capital controlador é nacional, e o segun-do por empresas de capital controlador estrangeiro somadoàs empresas cujo capital controlador é misto (nacional eestrangeiro).

Os resultados indicam que as empresas de capital contro-lador nacional são menos exportadoras que as empresas decapital controlador estrangeiro ou misto. Das empresas decapital controlador estrangeiro, 86% são exportadoras con-tra 66% das nacionais. Entre as empresas médias, esse per-centual cai para 75% e 36%, respectivamente.

O total de pequenas empresas com capital controladornacional é de 34.387, das quais 1.425 são exportadoras(4,1%). O perfil altera-se totalmente para as pequenasempresas de capital estrangeiro ou misto, em que quase47% das empresas são exportadoras (172 em 367). Parase assegurar a validade estatística desta conclusão, foiefetuado o teste de independência entre as variáveis em-presa exportadora (X) e origem do capital controlador (W).

Ho: X e W são independentesHa: X e W não são independentesχ2 = Σ ( (valor observado – valor esperado)2/valor esperado)

1 a 29 pessoas ocupadasχ2 = 1.577,4 Rejeita Ho a 0,1%

30 a 499 pessoas ocupadasχ2 = 175,5 Rejeita Ho a 0,1%

500 e mais pessoas ocupadasχ2 = 28,1 Rejeita Ho a 0,1%

Os dados da Paep permitem dois comentários a res-peito da relação entre capital controlador e exportações.A maioria das empresas industriais paulistas que expor-tam são controladas por capital nacional, pois elas são agrande maioria das empresas paulistas. Porém, as empre-sas controladas por capital estrangeiro têm maior propen-são a exportar que as nacionais.

Outro resultado interessante é constatado quando secompara a remuneração média dos empregados das em-presas exportadoras (R$ 1.200) com a das não-exporta-doras (R$ 624). A remuneração média é calculada divi-

dindo-se a remuneração total paga pela empresa (saláriosmais retiradas) pelo total do pessoal ocupado (assalaria-dos e sócios/proprietários que trabalham na empresa). Aremuneração média do primeiro grupo é quase duas ve-zes maior que a do segundo.

Tem-se como certo que as grandes empresas tendem apagar salários maiores que as pequenas, fato comprova-do pela Paep. Novamente, a análise foi feita selecionan-do-se as empresas segundo porte, para separar a variaçãosalarial devido ao tamanho da empresa daquela que esta-mos investigando, a saber, a variação observada entreempresas exportadoras e não-exportadoras.

A remuneração média das grandes empresas exporta-doras é de R$ 1.310,48 contra R$ 983,85 das grandes em-presas não-exportadoras. Nas médias, os valores são deR$ 921,67 e R$ 633,50, respectivamente. Nas pequenas,de R$ 646,14 e R$ 393,17.

Foi feito um teste de igualdade de médias, onde a variá-vel X é a remuneração média dos empregados das empre-sas exportadoras e a variável Y, a dos empregados dasempresas não-exportadoras. Para o cálculo da média decada grupo, as variáveis X e Y foram ponderadas por ni emi, o total de pessoal ocupado em cada empresa, ou seja,equivale à soma do total de remunerações pagas, dividi-do pelo total de pessoal ocupado.

A estatística utilizada foi o teste T para comparar asmédias de duas populações com variâncias desconheci-das e desiguais. O teste mostra que a remuneração médianas empresas exportadoras é superior à das empresas não-exportadoras.

Ho: µx = µyHa: µx > µyT = ( X – Y ) /√( S2x/ n + S2y/ m )

1 a 29 pessoas ocupadasTo = 5,93 Rejeita Ho a 0,1%30 a 499 pessoas ocupadasTo = 9,77 Rejeita Ho a 0,1%500 e mais pessoas ocupadasTo = 9,79 Rejeita Ho a 0,1%

A caracterização da empresa exportadora permite apre-sentar algumas conclusões. As exportações industriaispaulistas estão concentradas nas grandes empresas, commais de 500 pessoas ocupadas. A empresa industrial ex-portadora tem uma melhor performance inovadora e ofe-rece mais treinamento a seus empregados que as não-ex-portadoras. Essas empresas remuneram melhor que as

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DESEMPENHO EXPORTADOR DA INDÚSTRIA PAULISTA

MAPA 1

Desempenho Exportador da Economia Paulista, segundo Regiões AdministrativasEstado de São Paulo – 1996

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep.

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep.

Participação nasexportações do Estado

até 1%

de 1% a 5%

de 5% a 10%

de 10% a 20%

20% e Mais

MAPA 2

Principais Produtos de Exportação Paulista, segundo Regiões AdministrativasEstado de São Paulo – 1996

Principais Produtos de Exportação

Produtos Alimentícios

Veículos

Máquinas e Equipamentos

Produtos Químicos

Artigos de Borracha e Plástico

Aviões

Metalurgia Básica

Produtos de Metal

Papel e Celulose

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 13(1-2) 1999

86

não-exportadoras, e se se tomar a remuneração como me-dida de qualificação/produtividade da mão-de-obra, cons-tata-se que os empregados das empresas exportadoras sãomais qualificados.2 Verifica-se também que as empresasde capital controlador estrangeiro ou misto tendem a sermais exportadoras que as nacionais. Cabe lembrar que acaracterização foi feita, separando-se as empresas porporte (PO).

CONCLUSÃO

A pauta de exportações da indústria paulista é bastan-te complexa e diversificada, seja quanto ao seu perfil se-torial e regional, seja quanto à caracterização das empre-sas exportadoras. A presença destacada de segmentos daindústria relativamente modernos, como os de fabricaçãoe montagem de veículos automotores, aviões, máquinase equipamentos e produtos químicos, ao lado de segmen-tos tradicionais, como de alimentos, metalurgia básica efabricação de papel e celulose, aproxima a pauta de ex-portações da indústria paulista àquela das economias avan-çadas. Por outro lado, produtos com tecnologia de pontae alto grau de conhecimento tecnológico, como de infor-mática, material eletrônico e equipamentos de comunica-ção, instrumentos de precisão e automação industrial,apresentam fraco desempenho nas exportações paulistas.

A caraterização do perfil de empresa exportadora pau-lista, ao lado de produtos tecnologicamente avançadospresentes na pauta de exportações, revela que se, de umlado, parte das exportações paulistas é resultado de van-tagens comparativas naturais, de outro, parte expressivadessas exportações é resultado do domínio pela indústrialocal de tecnologias modernas, que a coloca em condi-ções de competir no mercado internacional em segmen-tos onde as vantagens comparativas construídas são o ele-mento mais importante.

Destaque-se ainda que o fato de as exportações nossetores tecnologicamente mais avançados estarem maisvoltadas para os parceiros do Mercosul e demais paíseslatino-americanos, enquanto as exportações dos setoresmais tradicionais se destinam prioritariamente à Europae Estados Unidos. Isso reforça, de um lado, o carátermultilateral da atividade exportadora, e, de outro, a im-portância do Mercosul para a economia paulista.

As empresas industriais exportadoras têm uma melhorperformance inovadora e oferecem mais treinamento a seusempregados que as não-exportadoras. Verificou-se tambémque as empresas de capital controlador estrangeiro ou mistotendem a ser mais exportadoras que as nacionais. Por fim,as empresas exportadoras remuneram melhor que as não-exportadoras, constatando-se maior qualificação da mão-de-obra. Cabe lembrar que essa caracterização foi feita sepa-rando-se as empresas por porte (pessoal ocupado).

NOTAS

E-mail dos autores: [email protected] e [email protected]. Ver artigo de Ruy Quadros, André Furtado, Roberto Bernardes e Eliane Fran-co, nesta revista.2. Resultado semelhante foi constatado com dados de 1974 por Silber (1983),concluindo que no Brasil as empresas exportadoras são maiores, mais intensivasem capital e têm mão-de-obra mais qualificada que as não-exportadoras.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FUNDAÇÃO SEADE. Anuário Estatístico do Estado de São Paulo. 1997.KRUGMAN, P.R. e OBSTFELD, M. International economics theory and policy.

Third Edition, Harper Collins College Publishers, 1994.PAULINO, L.A. O Brasil no leito de Procusto. Uma análise sob a ótica neo-

schumpeteriana da Rodada Uruguai do Gatt. Tese de Doutorado. Campi-nas, Unicamp, Instituto de Economia, 1997.

SILBER, S.D. The export perfomance at firm level: the brazilian case. Tese deDoutorado. New Heaven, Yale University, 1983.

VERNON, R. “The product cicle hipoteses”. New international environment.Oxford, Bulletin of Economics and Statistics, v.41, 1979, p.255-267.

87

RECURSOS HUMANOS E INOVAÇÃO NA INDÚSTRIA PAULISTA

A

RECURSOS HUMANOS E INOVAÇÃONA INDÚSTRIA PAULISTA

ROSA MARIA MARQUES

Professora do Departamento de Economia da PUC-SPANITA KON

Professora do Departamento de Economia da PUC-SPJÚLIO MANUEL PIRES

Professor do Departamento de Economia da PUC-SPANTÔNIO PRADO

Professor do Departamento de Economia da PUC-SP, Técnico do Dieese

literatura especializada assinala que o grau de mo-dernização e de reestruturação produtiva deman-dado pela economia mundial está diretamente

relacionado às condições de ajustamento dos recursoshumanos aos requisitos solicitados pelas novas tecnolo-gias e formas de organização da produção (Rima,1996;Shostak, 1996).

Os impactos ocasionados pelas mudanças nos conheci-mentos, representados pelas técnicas, são diversificados en-tre as empresas. Isto porque a distribuição do trabalho não écondicionada apenas às mudanças dos processos produtivosou ao desenvolvimento e produção de novos produtos, umavez que a capacidade de introdução do progresso tecnológi-co também se manifesta por meio da ampliação dascapacitações dos trabalhadores.

O desenvolvimento das técnicas altera substancialmentea forma anterior da divisão social do trabalho. As novastécnicas, em sua parte operacional, definem uma série novade atos e normas que orientam sua aplicação seqüencial,sendo que a mão-de-obra deve estar adaptada a estas ope-rações. Como cada ocupação é definida tecnicamente poruma série de atos e normas, a estrutura ocupacional daeconomia reflete a forma pela qual este conhecimento tec-nológico difundiu-se e foi capaz de ser absorvido pela forçade trabalho. O repositório de técnicas conhecidas é ape-nas uma parte de um conjunto maior de conhecimentoshumanos que se expressa pela compreensão da proprie-dade das coisas, das relações entre objetos e proprie-dades, bem como das estruturas de interpretação (Fer-retti et alii, 1994). Parte deste conhecimento é adquiri-da na escolarização formal ou cursos técnicos, mas parte

baseia-se em experiência, com generalizações puras esimples.

A possibilidade da força de trabalho de um país termaior ou menor acesso ao conjunto mais geral de conhe-cimentos – via escolarização elementar ou acesso à ex-periência por meio de treinamento em alguma atividadeprodutiva – determinará o nível de ajustamento daquelasociedade às exigências da inovação tecnológica. Teori-camente, todas as técnicas podem ser transmitidas enquan-to um conjunto de instruções. No entanto, indivíduos compoucos conhecimentos gerais não poderão utilizá-las tão bemquanto um técnico ou um indivíduo de maior qualificação.

Dessa forma, as ocupações em um sistema econômicoadaptam-se a funções específicas criadas pelos proces-sos de produção, refletindo conhecimentos apropriados adeterminado estado da técnica. A transmissão de conhe-cimentos técnicos à força de trabalho por meio da educa-ção, do treinamento ou da experiência, ao atender às ne-cessidades de absorção de uma nova tecnologia, altera adivisão social do trabalho existente e o potencial de cres-cimento e rentabilidade das empresas.

Nas formas de organização não flexíveis da produção,as técnicas e conhecimentos, freqüentemente, associam-se a ocupações e funções cada vez mais especializadas,sendo que sua transmissão torna-se institucionalizada notreinamento ocupacional e profissional. Porém, nos pro-cessos produtivos flexíveis, a capacitação do trabalhadorfica ainda mais relevante para o atendimento dos requisi-tos necessários às novas formas de organização do pro-cesso produtivo (Kupfer, 1995:114). No Brasil, nos anos90, observa-se um novo padrão de crescimento industrial,

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 13(1-2) 1999

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caracterizado, de um lado, pela mudança no ritmo e nanatureza do progresso técnico mundial – com reflexos nasestratégias de competição e de crescimento das empresas– e, de outro, pelas políticas de comércio exterior e in-dustrial, que conduzem à redução da demanda de mão-de-obra pouco qualificada e a redefinição do perfil do tra-balho qualificado requerido (Guimarães, 1995:70).

Independente do porte das empresas, a maior parte dossetores de atividades requer de alguns indivíduos envol-vidos em ocupações de chefia e coordenação conhecimen-tos altamente especializados. Quando a tecnologia éautomatizada ou tão nova que não existe experiência an-terior, o sistema educacional global é o fator mais impor-tante para o suprimento da mão-de-obra que se adapte àsnovas funções ou ocupações criadas. A um nível cons-tante de conhecimento tecnológico, a produção por ope-rário pode ser aumentada com a instalação de mais equi-pamentos ou aperfeiçoamento do treinamento, até que aspossibilidades de expansão produtiva se esgotem. Porém,com a introdução de novas tecnologias e a criação de novasocupações, os trabalhadores que revelarem maior capa-cidade de aprender rapidamente novas técnicas terão van-tagens em termos salariais. Altas remunerações ocorremse o novo processo ainda não foi rotinizado, no sentidode atrair os indivíduos de educação superior que são maisfácil e rapidamente treináveis para novas tarefas, ou quemelhor se ajustem a processos de flexibilização do traba-lho. O progresso tecnológico, portanto, cria altos níveisde demanda por pessoal capacitado.

As diferentes ocupações resultantes do maior ou me-nor grau de inovação tecnológica exigem do operáriohabilitado para exercê-las uma série de atributos, quedevem responder às seguintes situações:- exigência de determinado esforço físico e mental;- necessidade de habilidade manual ou geral (compreen-são e competência na arte);- uso da teoria formal aplicada à tarefa (educação);- riscos de acidentes;- exigência de responsabilidade, de iniciativa, de grau dedecisão, de capacidade de liderança e de capacidade detrabalhar em grupo;- exigência de experiência profissional;- domínio de instrumentos atualizados e flexíveis de tra-balho (particularmente informática);- conhecimentos de idiomas e outras informações técni-cas que permitam a inter-relação com ambientes socioeco-nômicos mundializados.

Dada essa realidade, como a indústria paulista tem tra-tado os Recursos Humanos? Preocupa-se em patrocinarprogramas de educação e promover algum tipo de treina-mento a seus empregados? Que requisitos exige no mo-mento da contratação? Os resultados apresentados pelaPesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep são bas-tante reveladores de como a indústria paulista tem enfren-tado o desafio do novo ambiente econômico mundial nocampo dos recursos humanos. Mais do que isso, a pesqui-sa indica que as empresas inovadoras em processo e/ou pro-duto tendem a exigir mais dos trabalhadores ligados à pro-dução no momento da contratação e preocupam-se rela-tivamente mais em patrocinar o desenvolvimento do ensinoformal e treinar sua mão-de-obra.

REQUISITOS EXIGIDOS PARARECRUTAMENTO

Os requisitos para recrutamento contemplados pelaPaep abrangem o grau de escolaridade formal e de outroscursos profissionais e/ou técnicos, o conhecimento deoutras línguas e de informática, a experiência profissio-nal e outros requisitos essenciais de responsabilidade, ini-ciativa, capacidade de liderança e de trabalhar em grupo.

Os resultados da pesquisa, apresentados na Tabela 1,indicam, como era de se esperar, que o perfil exigido paraa contração de quem vai exercer atividade ligada à pro-dução é bastante diferente daquele requerido para pessoalalocado em atividades não ligadas à produção e/ou emcargos de gerência e chefia. Mesmo assim, há requisitoscomuns a todos os tipos de trabalhadores, tais como ex-periência profissional, responsabilidade e iniciativa ecapacidade de trabalhar em grupo.

No caso do pessoal ligado à produção, destacam-sequatro quesitos: experiência profissional; responsabilidadee iniciativa; capacidade de trabalhar em grupo; e ensinofundamental completo (antigo 1o grau). Apenas 22% dasindústrias paulistas exigem cursos profissionalizantes outécnicos para contratação. Contudo, essas empresas em-pregam 40,4% do pessoal ocupado no total da indústriapaulista e são responsáveis por 52% do valor adicionadoproduzido por esse setor.

Já para o pessoal não ligado à produção, aumenta sig-nificativamente a exigência de educação formal (41,7%das empresas declararam requerer o ensino médio com-pleto) e de conhecimento de informática. Para os cargosde gerências e chefias, além dos quesitos comuns já men-cionados, destaca-se o ensino superior completo. Obser-

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RECURSOS HUMANOS E INOVAÇÃO NA INDÚSTRIA PAULISTA

ve-se que essa exigência está presente em empresas quesão responsáveis por 69,4% do pessoal ocupado e pelageração de 82,5% do valor adicionado.

Dessa forma, levando-se em conta a participação dasempresas, no total do pessoal ocupado da indústria e novalor adicionado, segundo os requisitos exigidos paracontratação, pode-se afirmar que:- para o pessoal ligado à produção, a indústria paulista,embora privilegie a experiência profissional, a responsa-bilidade e iniciativa e a capacidade de liderança, tambémconfere importância ao conhecimento formal mínimo;- para o pessoal não ligado à produção, há um aumentoda exigência de educação formal e de conhecimento eminformática;- para os cargos de gerência e chefia, além do ensinosuperior completo, aumenta a exigência do conhecimen-to em línguas e informática.

Esses requisitos estão particularmente presentes nas empre-sas com mais de 1.000 empregados: para a contratação de pes-soal ligado à produção, 47,5% dessas empresas exigem ensinofundamental completo; 69,8% requerem experiência profissio-nal; 83,9% valorizam responsabilidade e iniciativa; e 88,0% re-quisitam a capacidade de trabalhar em grupo.

Recrutamento nas Empresas Inovadoras

Tomando-se apenas o subgrupo de empresas que ado-taram alguma inovação de processo ou de produto (Ta-

bela 2), verifica-se que todos os requisitos exigidos paraa contratação de pessoal ligado à produção apresentam-se sistematicamente superiores ao do conjunto do setorindustrial paulista.

Tal fato revela a preocupação destas empresas em bus-car, no mercado de trabalho, pessoas com maior nível deescolaridade formal, detentores de certos conhecimentosespecíficos e que possuam algumas características consi-deradas importantes para um melhor desempenho profis-sional.

TABELA 1

Participação das Empresas Industriais, Pessoal Ocupado e Valor Adicionado, por Tipo de Ocupação, segundo Requisitos para RecrutamentoEstado de São Paulo – 1996

Em porcentagem

Requisitos para Recrutamento Pessoal Ligado à Produção Pessoal não Ligado à Produção Gerências e Chefias

Empresas Pessoal Valor Empresas Pessoal Valor Empresas Pessoal Valor

Ocupado Adicionado Ocupado Adicionado Ocupado Adicionado

Ensino Fundamental Completo 52,2 46,1 52,5 11,5 17,4 7,1 2,6 5,1 1,2

Ensino Médio Completo 16,5 10,1 24,8 47,8 41,7 43,9 17,9 26,7 11,8

Ensino Superior Completo 5,7 2,6 7,6 30,2 11,9 43,5 69,4 38,5 82,5

Capacidade de Trabalho em Grupo 78,6 69,9 77,9 83,2 64,4 88,5 87,8 68,9 92,4

Responsabilidade e Iniciativa 75,7 66,3 76,9 84,4 66,6 89,6 89,6 71,2 94,1

Experiência Profissional 70,5 67,9 74,0 82,7 64,6 87,6 89,1 68,9 94,9

Cursos Profissionalizante/Técnico 40,4 22,2 51,9 52,8 25,7 64,8 61,2 40,3 64,0

Capacidade de Liderança 30,7 30,7 30,1 50,4 41,4 52,3 88,6 68,8 93,5

Conhecimento de Informática 9,0 4,1 14,9 70,4 40,3 82,6 73,8 44,9 86,0

Conhecimento de Línguas 1,8 1,0 2,9 17,9 3,8 32,4 37,3 11,2 57,8

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista– Paep.

TABELA 2

Participação das Empresas Industriais Inovadoras, do Pessoal Ligado àProdução e do Valor Adicionado, segundo Requisitos para Recrutamento

Estado de São Paulo – 1996Em porcentagem

Requisitos para Recrutamento Empresas Pessoal Ocupado ValorInovadoras (Ligado à Produção) Adicionado

Ensino Fundamental Completo 55,6 49,9 53,6

Ensino Médio Completo 20,4 12,1 28,4

Ensino Superior Completo 7,1 3,7 7,9

Capacidade de Trabalho em Grupo 83,3 80,8 82,1

Responsabilidade e Iniciativa 82,2 77,3 83,1

Experiência Profissional 72,6 72,6 75,2

Cursos Profissionalizante/Técnico 50,9 33,8 61,5

Capacidade de Liderança 31,4 37,4 31,7

Conhecimento de Informática 11,8 6,6 18,0

Conhecimento de Línguas 2,4 2,0 3,2

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista– Paep.

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PATROCÍNIO DE PROGRAMAS DE EDUCAÇÃO

A pesquisa revelou que, para o total da indústria, émuito pequena a participação (1,6%) das empresas quepreocupam-se em desenvolver ou patrocinar programasde educação para sua mão-de-obra (Tabela 3).

Contudo, as poucas empresas que promovem ou incen-tivam programas de educação são responsáveis por partesignificativa dos empregos existentes na indústria: aque-las que patrocinam o supletivo do ensino fundamental,respondem por 23,6% da mão-de-obra ocupada e por38,2% do valor adicionado da indústria paulista. Isso sig-nifica que há uma relação direta entre o porte da empresae o patrocínio de programas de educação. Esse resultadoestá dentro do esperado, pois as empresas de porte maiortendem a ser mais organizadas e mais preocupadas com odesenvolvimento de seus trabalhadores.

Do total de empresas industriais de grande porte (commais de 1.000 trabalhadores), o curso de alfabetização é

patrocinado por 23,7%, o supletivo do ensino fundamen-tal por 41,6%, o supletivo do ensino médio por 31,2%, oensino fundamental regular por 13%, o ensino médio re-gular por 14,3% e o ensino superior por 23,8%. Essesresultados expressam a importância que as empresas maio-res conferem à capacitação formal de sua mão-de-obra.

Patrocínio nas Empresas Inovadoras

Quando considerado apenas o universo de empresasindustriais que adotaram inovações tecnológicas (Tabela4), evidencia-se a maior importância deste segmento comrelação à oferta de programas de educação para seus fun-cionários relativamente ao total das indústrias. Para to-dos os níveis de escolaridade – desde alfabetização até oensino superior –, a participação de empresas inovado-ras, tanto no pessoal ocupado quanto no valor adiciona-do, supera em cerca de 40% a 50% aquela constatada parao conjunto do setor industrial.

TIPOS DE TREINAMENTO OFERECIDOSPELAS EMPRESAS INDUSTRIAIS

O número de empresas que declararam oferecer algumtipo de treinamento a seus empregados foi relativamentemaior do que o encontrado em relação ao patrocínio deprogramas de educação. Mesmo assim, para o total da in-dústria, o percentual de empresas que se preocupam emtreinar seus empregados é ainda muito baixo (Tabela 5).Contudo, aquelas que o fazem empregam parte extrema-mente significativa do pessoal ocupado na indústria pau-lista. No caso dos cursos de controle de qualidade dirigi-dos ao pessoal ligado à produção, por exemplo, 7,1% dasempresas promovem esse tipo de treinamento, responden-do por 41,9% do emprego da indústria paulista e por 58,1%do valor adicionado produzido no Estado.

Tal como na questão relativa ao patrocínio de progra-mas de educação, a participação das indústrias que ofere-cem algum tipo de treinamento a seus empregados, fren-te ao total de empresas em cada faixa de tamanho, aumentaà medida que se amplia o porte. Para se ter uma idéia,vale mencionar a representatividade das empresas commais de 1.000 empregados que desenvolvem treinamen-to para seu pessoal ligado à produção. É a seguinte suaparticipação no total das empresas desse porte, por tipode treinamento oferecido: 24,4% para métodos e técnicasgerenciais; 62,9% para cursos de controle de qualidade;44,4% para cursos de relações interpessoais e/ou compor-

TABELA 3

Participação das Empresas Industriais, do Pessoal Ocupado e do ValorAdicionado, segundo Programas de Educação Patrocinados

Estado de São Paulo – 1996Em porcentagem

Programas de Educação Empresas Pessoal Valor

Patrocinados Ocupado Adicionado

Alfabetização 1,6 15,6 25,1

Supletivo do Ensino Fundamental 1,5 23,6 38,2

Supletivo do Ensino Médio 0,8 17,7 32,0

Ensino Fundamental Regular 0,8 9,5 13,2

Ensino Médio Regular 0,8 9,5 14,1

Ensino Superior Regular 1,6 14,3 20,4

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep.

TABELA 4

Participação do Pessoal Ocupado Ligado à Produção e do ValorAdicionado nas Empresas Industriais Inovadoras, segundo

Programas de Educação PatrocinadosEstado de São Paulo – 1996

Em porcentagem

Programas de Educação Pessoal Ocupado Valor

Patrocinados (Ligado à Produção) Adicionado

Alfabetização 25,5 35,3

Supletivo do Ensino Fundamental 37,5 52,1

Supletivo do Ensino Médio 29,0 44,8

Ensino Fundamental Regular 16,1 18,9

Ensino Médio Regular 15,3 20,0

Ensino Superior Regular 22,8 28,1

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep.

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RECURSOS HUMANOS E INOVAÇÃO NA INDÚSTRIA PAULISTA

tamentais; aproximadamente 20% para cursos em línguasestrangeiras; 37,3% para cursos de informática; 60,9%para cursos técnicos; 38,1% para outros cursos.

A preocupação em oferecer cursos de controle de qua-lidade, no entanto, não se restringe às grandes empresase tampouco é dirigida apenas aos empregados ligados àprodução. A elevada freqüência observada em todas asfaixas de tamanho – quando comparada a de outros tiposde treinamento concedidos – indica que a preocupaçãocom a qualidade é um valor incorporado pelo total da in-dústria paulista, percorrendo o conjunto das atividades daempresa. Enfatiza-se, mais uma vez, que treinamentosdessa natureza são desenvolvidos por empresas que em-pregam 41,9% do pessoal ocupado vinculado à produção.

Os demais resultados estão dentro do que se poderiaesperar. Evidencia-se que os cursos de métodos e técni-cas gerenciais são os mais dirigidos ao pessoal em cargosde gerência e chefia e os cursos técnicos são mais desen-volvidos junto aos empregados ligados à produção. Veri-fica-se, ainda, que a realização de cursos de relaçõesinterpessoais e/ou comportamentais aumenta para os em-pregados não ligados à produção e para aqueles que exer-cem cargos de gerência e chefia. O mesmo é observadoem relação aos cursos de língua estrangeira e aos cursosde informática.

Tipos de Treinamento nas Empresas Inovadoras

Focando-se a análise nas empresas industriais que sãoinovadoras – tanto de processo como de produto –, veri-fica-se que aumenta significativamente a preocupação coma capacitação dos trabalhadores ligados à produção. Isso

TABELA 5

Participação das Empresas Industriais, do Pessoal Ocupado e do Valor Adicionado, por Tipo de Ocupação, segundo Treinamentos OferecidosEstado de São Paulo – 1996

Em porcentagem

Treinamentos Oferecidos Pessoal Ligado à Produção Pessoal não Ligado à Produção Gerências e Chefias

Empresas Pessoal Valor Empresas Pessoal Valor Empresas Pessoal Valor

Ocupado Adicionado Ocupado Adicionado Ocupado Adicionado

Métodos e Técnicas Gerenciais 1,9 16,5 26,3 2,4 20,6 32,4 5,3 39,6 58,8Cursos de Controle de Qualidade 7,1 41,9 58,1 4,4 30,7 44,9 5,5 36,7 51,8Cursos de Relações Interpessoaise/ou Comportamentais 3,0 25,9 39,8 3,6 31,0 48,3 4,2 35,3 53,8Cursos em Línguas Estrangeiras 0,7 11,5 21,0 1,9 26,3 42,4 2,5 31,9 52,2Curso de Informática 2,7 22,8 38,0 5,6 42,0 62,2 5,1 39,7 59,0Cursos Técnicos 5,2 37,4 54,8 3,7 31,1 40,1 3,5 27,1 40,7Outros 3,2 24,8 38,2 3,0 26,0 40,5 3,2 26,7 42,5

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep.

TABELA 6

Participação do Pessoal Ocupado Ligado à Produção e do ValorAdicionado nas Empresas Industriais Inovadoras, segundo

Treinamentos OferecidosEstado de São Paulo – 1996

Em porcentagem

Treinamentos Pessoal Ocupado Valor

Oferecidos (Ligado à Produção) Adicionado

Métodos e Técnicas Gerenciais 25,9 36,3Cursos de Controle de Qualidade 62,4 75,6Cursos de Relações Interpessoais e/ou Comportamentais 40,8 55,3Cursos em Línguas Estrangeiras 18,0 29,2Curso de Informática 34,0 50,7Cursos Técnicos 56,7 72,1Outros 37,5 50,5

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep.

pode ser observado com particular ênfase em relação aopatrocínio de programas de treinamento (Tabela 6).

Do mesmo modo como observado nos itens anterio-res, há uma participação relativa bem mais acentuada dasempresas inovadoras vis-à-vis o conjunto do setor indus-trial no que respeita à promoção de treinamentos para seusfuncionários. Para o pessoal ligado à produção, cabe des-taque especial aos cursos de controle de qualidade e téc-nicos, oferecidos por empresas responsáveis por mais dametade do pessoal ocupado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Paep revelou, no campo de recursos humanos, queas empresas mais preocupadas em contratar e formar/trei-

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nar sua mão-de-obra tendem a ser aquelas com mais de1.000 empregados e as que introduziram inovações de pro-cesso ou de produto em sua linha de produção.1

Mesmo assim, a hierarquia dos requisitos é simular àdo conjunto da indústria e a experiência profissional apa-rece como mais importante do que o conhecimento for-mal no momento da contratação. Note-se, contudo, queesse requisito é mais expressivo nas empresas inovado-ras, o mesmo ocorrendo com a responsabilidade e inicia-tiva e a capacidade de trabalho em grupo, qualidades cor-rentemente associadas às empresas empreendedoras emodernas.

A maior importância atribuída pelas empresas inova-doras ao conhecimento adquirido em cursos formais de-termina que essas tendam a patrocinar mais programasde educação para seus trabalhadores, bem como a pro-mover todo o tipo de treinamento, com destaque para odesenvolvimento de cursos de controle de qualidade ecursos técnicos. Isso pode indicar que parte importantedas empresas inovadoras começa a entender que é sua aresponsabilidade da formação de seus trabalhadores.

Vale notar, ainda, que as empresas inovadoras atri-buem importância maior aos cursos de informática parao pessoal ligado à produção do que o conjunto da indús-tria paulista. Na medida em que as empresas inovadorasapresentam maior uso do progresso tecnológico, necessi-

tam de mão-de-obra mais familiarizada com os novos equi-pamentos.

Para a imensa maioria das empresas da indústria pau-lista, no entanto, a alfabetização, bem como os demaisníveis formais de educação, não faz parte da agenda. Dessaforma, o patrocínio dos programas de educação da maio-ria dos trabalhadores ocupados na indústria é, no Estadode São Paulo, de responsabilidade do setor público ou dopróprio trabalhador.

NOTA

1. Embora os cruzamentos utilizados para este artigo não tenham explorado oporte das empresas inovadoras, é bastante provável que os percentuais obtidosaumentem significativamente para as empresas de porte maior.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FERRETTI, C.J. et alii. Tecnologias, trabalho e educação. Petrópolis, Vozes,1994.

GUIMARÃES, E.A. “A política científica e tecnológica e as necessidades dosetor produtivo”. In: SCHWARTZMAN, S. (coord.). Ciência e tecnologiano Brasil: política industrial, mercado de trabalho e instituições de apoio.Rio de Janeiro, FGV Ed., 1995.

KUPFER, D. “A política de qualidade”. In: SCHWARTZMAN, S. Op. cit., 1995.RIMA, I. Labor markets in a global economy. New York, M.E. Sharpe, 1996.SHOSTAK, A. (org.). Impacts of changing employment: if the good jobs go away.

London, Sage, 1996.

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AGROINDÚSTRIA PAULISTA: HETEROGENEIDADE E REESTRUTURAÇÃO

O

AGROINDÚSTRIA PAULISTAheterogeneidade e reestruturação

WALTER BELIK

Professor do Instituto de Economia da Unicamp

FLÁVIO P. BOLLIGER

Analista da Fundação Seade

JOSÉ GRAZIANO DA SILVA

Professor do Instituto de Economia da Unicamp

presente artigo explora informações da Pesquisada Atividade Econômica Paulista – Paep da Fun-dação Seade referentes a um recorte específico do

setor industrial, que é a agroindústria. Ainda que a nova Clas-sificação Nacional de Atividades Econômicas do IBGE –CNAE/95, adotada como base de referência para o levanta-mento e estruturação dos dados na Paep, considere um agru-pamento de atividades homogêneas que não contempla aagroindústria, é possível estabelecer critérios de agregaçãocorrespondentes a vários dos seus segmentos.

Ao se produzirem tabulações separadas para a agroin-dústria, a preocupação era aferir o desempenho e a estra-tégia das empresas deste segmento comparativamente aoconjunto da indústria paulista. O caráter inédito deste tra-balho está em buscar suprir a carência de informaçõessobre a agroindústria a partir da segunda metade dos anos80 – justamente o período em que a produção agrícola,assim como as exportações, alcança seus níveis mais ele-vados.

O primeiro trabalho completo realizado com a finali-dade de captar o dinamismo da agroindústria paulista éde 1978, e foi patrocinado pelo extinto Banco de Desen-volvimento do Estado de São Paulo (Badesp, 1978). Uti-lizando-se do conceito de agribusiness desenvolvido emHarvard por Davis e Golberg (1957) e adaptado porLauschner (1975) para o caso latino-americano, o Badespfazia uma série de recomendações de políticas para o se-tor agroindustrial. Mais tarde, este trabalho foi retomadopor uma equipe formada por pesquisadores da Unicampe das secretarias de Estado da Agricultura e Abastecimentoe da Indústria e Comércio, Ciência e Tecnologia. Esta

equipe deu origem à pesquisa Condições de Operação daAgroindústria Paulista, que analisou os dados censitá-rios e realizou levantamentos qualitativos em mais de umadezena de segmentos agroindustriais do Estado. Os re-sultados desta pesquisa proporcionam uma série de ele-mentos para as políticas que vinham sendo tomadas emâmbito estadual naquele período (Convênio Unicamp/SAA/SICCT, 1984). Entre essas, podem ser citadas a po-lítica de zoneamento para a cana-de-açúcar e expansãodo Proálcool, implementada pelos governos paulistas nosanos 80. Infelizmente, após estes dois trabalhos muitopouco se acrescentou sobre a agroindústria de São Paulo.

Há uma enorme discussão em torno do que se costumadenominar de agroindústria.1 Para efeito desse trabalho,considera-se como tal apenas as atividades ligadas ao pri-meiro processamento de matérias-primas derivadas daagropecuária, o que não inclui a produção de insumos emáquinas. Ou seja, são as atividades à jusante da agrope-cuária. Um detalhe importante é que, em muitas delas,não é viável separar o primeiro processamento dos de-mais, por se tratar de processos integrados (assim, sem-pre que possível tomou-se unicamente o primeiro proces-samento, evitando-se os possíveis desdobramentos).

A partir dos dados da Paep, a agroindústria paulistafoi dividida em dez ramos de atividade: carnes, sucos,óleos vegetais, leite, moagem de cereais, cana-de-açúcar,café, fibras têxteis, madeira e celulose e, finalmente, umagrupamento reunindo as demais agroindústrias, no qualse destacam conservas, fumo, couros. Este último agru-pamento reúne atividades agroindustriais de menor im-portância econômica e outras que, embora expressivas não

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contam com um número de empresas que assegure a ma-nutenção de sigilo dos dados.2 A composição dos ramosestabelecidos é apresentada no Quadro 1.

Os resultados mostram que há uma grande heteroge-neidade neste agregado denominado de agroindústria pro-cessadora. A análise dos dados desagregados pelos dezsegmentos mostra um grande dinamismo nos de cana-de-açúcar, leite, óleos vegetais e sucos. No outro extremo,naqueles de desdobramento de madeira, café e fibras têx-teis, nota-se a predominância de empresas de pequenoporte e baixo valor agregado.

EVIDÊNCIAS EMPÍRICAS

O exame das estatísticas obtidas pela Paep requer aten-ção sobre alguns aspectos metodológicos e conceituais.O universo de empresas industriais pesquisado incluiu nãoapenas empresas com sede em São Paulo, mas tambémem outros Estados da federação, desde que seu desempe-nho fosse expressivo.3 As unidades locais (UL) de em-presas estabelecidas fora do Estado não foram objeto daPaep, mas somente aquelas situadas dentro dos limites.4

A Tabela 1 mostra os resultados obtidos para as em-presas agroindustriais pesquisadas. Pelo critério usualmen-te utilizado para vinculação de estatísticas econômicas àposição geográfica – que é a localização da sede –, a agro-indústria paulista corresponde ao totalizado na tabela:1.864 empresas, 250.362 pessoas ocupadas, receita líqui-da de R$ 27.198 milhões e valor adicionado de R$ 10.765milhões. Esses valores, no entanto, devem ser tomadosnão como os dados da agroindústria paulista mas, maisprecisamente, das empresas agroindustriais paulistas.

Ainda na Tabela 1, observa-se que parte expressiva dasatividades das empresas agroindustriais com sede em SãoPaulo ocorre em unidades localizadas fora do Estado,5 querespondem por nada menos que 14,8% do pessoal ocupa-do e 23,0% das receitas. Estes percentuais são bem supe-riores aos obtidos para as demais atividades industriais (não-agroindustriais), respectivamente 6,9% e 11,9%. Trata-se deum resultado plausível se se considera que a agroindústriaprocessadora, tal como aqui definida, deve ter como estraté-gia a extensão de suas fontes de abastecimento de matéria-prima agrícola e mesmo da localização de plantas, em partevinculada às zonas produtoras agropecuárias.

Esse resultado, em certa medida, mostra os interesses dasempresas agroindustriais paulistas nos demais Estados dafederação, através de um conjunto menor de grandes em-presas, representadas por empresas com atuação fora doEstado (Tabela 1). São 156 empresas, das quais 33,8% dopessoal ocupado (36.959 funcionários) atua em unidades forado Estado, que respondem por 37,9% das receitas.

QUADRO 1

Delimitação da Agroindústria Paulista

1 - Carnes1511 - Abate de reses, preparação de produtos de carne1512 - Abate de aves e outros pequenos animais e preparação de produtos

de carne1513 - Preparação de carne, banha e produtos de salsicharia não associa-

das ao abate

2 - Sucos1523 - Produção de sucos de frutas e de legumes

3 - Óleo Vegetal1531 - Produção de óleos vegetais em bruto1532 - Refino de óleos vegetais

4 - Leite1541 - Preparação do leite1542 - Fabricação de produtos do laticínio

5 - Moagens de Cereais1551 - Beneficiamento de arroz e fabricação de produtos do arroz1552 - Moagem de trigo e fabricação de derivados1553 - Fabricação de farinha de mandioca e derivados1554 - Fabricação de fubá e farinha de milho1555 - Fabricação de amidos e féculas de vegetais e fabricação de óleos de

milho1556 - Fabricação de rações balanceadas para animais1559 - Beneficiamento, moagem e preparação de outros alimentos de

origem vegetal

6 - Cana-de-Açúcar1561 - Usinas de açúcar1562 - Refino e moagem de açúcar1591 - Fabricação, retificação, homog. e mistura de aguardentes e outros

destilados2340 - Produção de álcool

7 - Café1571 - Torrefação e moagem de café1572 - Fabricação de café solúvel

8 - Fibras Têxteis1711 - Beneficiamento de algodão1719 - Beneficiamento de outras fibras têxteis naturais

9 - Madeira e Celulose2010 - Desdobramento de madeira2110 - Fabricação de celulose e outras pastas para a fabricação de papel

10 - Conservas, Fumo, Couros e Demais Agroindústrias1521 - Processamento, preservação e produção de conservas de frutas1522 - Processamento, preservação e produção de conservas de legumes e

vegetais1533 - Preparação de margarina e outras gorduras vegetais e de óleos de

origem animal não comestíveis1589 - Fabricação de outros produtos alimentícios1592 - Fabricação de vinho1600 - Fabricação de produtos do fumo1910 - Curtimento e outras preparações de couro

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista– Paep.

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AGROINDÚSTRIA PAULISTA: HETEROGENEIDADE E REESTRUTURAÇÃO

Chama também a atenção o fato de apenas 15 empre-sas agroindustriais com sede fora do Estado atuarem emSão Paulo. Mas note-se que essas empresas agroindus-triais com sede fora do Estado são grandes empresas, comuma média de 3.492 ocupados; e as ULs localizadas noEstado, apesar de possuírem menos de um quinto dos em-pregados dessas empresas em todo o país, respondiam pormais de 40% de suas receitas líquidas totais e proporçãosemelhante do seu valor agregado global. Isso significaque as empresas agroindustriais que possuem ULs noEstado, mas cuja sede se localiza fora, têm aqui suas plan-tas mais intensivas em capital.

Estratégias locacionais foram objeto de quesitos especí-ficos da Paep e diferenciam-se segundo os diferentes ramosda agroindústria e tipos de empresa, mas o aprofundamentodessas questões não cabe nos limites desse artigo.

Os dados da Paep permitem dimensionar a agroindús-tria paulista de uma outra perspectiva: o conjunto das ati-vidades das empresas agroindustriais realizadas no terri-tório paulista, o que corresponde ao somatório das ULssituadas no Estado. Trata-se de 1.879 empresas, das quais1.864 com sede no Estado e 15 com sede fora. Assim vis-ta, a agroindústria paulista era constituída de 3.584 ULsque ocupavam diretamente 223.991 pessoas, em 1996, egeraram uma receita de cerca de R$ 23 bilhões e um va-lor adicionado de quase R$ 9 bilhões.

Este seria o tamanho da agroindústria paulista quandodelimitada com base na classificação de atividade princi-pal das empresas. No caso das empresas com apenas uma

UL, a atividade principal da empresa (ou a própria em-presa) confunde-se com a da respectiva (e única) UL. Jáno caso de empresas com mais de uma UL, ocorre de nemtodas terem a mesma atividade e classificação. Ou seja,muitas vezes a empresa possui também ULs que exercemoutras atividades diferentes da sua atividade principal. Épossível, por exemplo, que a principal atividade da em-presa seja o abate de suínos (agroindústria), mas que dentresuas ULs exista uma planta produtora de alimentos pron-tos congelados, o que, embora componha a indústria dealimentos, está fora de definição de agroindústria aquiadotada. Inversamente, é possível que entre as ULs deempresas cuja principal atividade é a tecelagem, existamunidades que se ocupem especificamente do beneficia-mento de fibras têxteis.

Às 1.879 empresas agroindustriais relacionadas na Ta-bela 1 correspondiam 3.584 ULs, sendo 3.561 de ativida-de agroindustrial localizadas no Estado de São Paulo eapenas 23 de atividade não-agroindustrial, enquanto as39.587 empresas não-agroindustriais possuíam somente18 ULs classificadas entre as agroindústriais no Estadode São Paulo. No total, eram 3.579 ULs classificadas comoagroindustriais no Estado de São Paulo(Tabela 2).

A Tabela 2 mostra as estatísticas referentes à agroin-dústria paulista com base na classificação e valores apu-rados segundo ULs, confrontando com aquelas apuradastendo a empresa como unidade de análise. A delimitaçãoda atividade tendo por base a classificação da UL é maisprecisa. Segundo essa forma de apropriação dos dados,

TABELA 1

Empresas, Pessoal Ocupado, Receita Líquida e Valor Adicionado de Empresas Agroindustriais,por Localização da Atividade, segundo Tipo de Empresa

Estado de São Paulo – 1996

Pessoal Ocupado Receita Líquida (R$ millhões) Valor Adicionado (R$ milhões)

Tipo de Empresa Empresas Estado de Demais Total Estado de Demais Total Estado de Demais Total

São Paulo UFs São Paulo UFs São Paulo UFs

Total 1.879 223.991 78.757 302.748 23.226 10.265 33.491 8.745 4.126 12.871Sede em São Paulo 1.864 213.404 36.959 250.362 20.950 6.249 27.198 8.030 2.735 10.765

Com Uma Unidade Local 1.497 80.818 - 80.818 6.024 - 6.024 2.247 - 2.247

Com Mais de Uma Unidade Local 367 132.586 36.959 169.545 14.926 6.249 21.175 5.783 2.735 8.518

Com Atividade só em São Paulo 211 60.304 - 60.304 4.701 - 4.701 1.844 - 1.844

Com Atividade Fora do

Estado de São Paulo 156 72.282 36.959 109.241 10.225 6.249 16.473 3.938 2.735 6.674

Sede em outra Unidade da Federação 15 10.693 41.692 52.385 2.589 3.704 6.293 898 1.208 2.106

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep.

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há em São Paulo 3.579 ULs, 222.749 pessoas ocupadas,receita líquida de R$ 23.340 milhões e valor adicionadode R$8.754 milhões, em 1996.

A Tabela 2 mostra ainda que a agroindústria tem umaparticipação significativa no valor adicionado (VA) ge-rado na economia paulista. Em 1996, o conjunto dos ra-mos agroindustriais gerou um valor total superior a R$8,7 bilhões correspondendo a quase 12% do VA indus-trial paulista. A participação na receita do setor industrialfoi um pouco superior (14,5%), o que mostra que a agro-indústria produz mercadorias com menor valor adiciona-do que os demais segmentos.

Por outro lado, quando se analisam os indicadores decada unidade produtiva, o conjunto formado pela agroin-dústria, em comparação com os demais segmentos, pos-sui uma receita por unidade produtiva assim como umvalor adicionado por unidade produtiva superiores, con-forme mostra a Tabela 3. Isto se explica pelo maior porterelativo dos estabelecimentos da agroindústria, vis-à-viso restante da indústria paulista.

A Tabela 3 permite também questionar alguns mitoscorrentes quando se analisa a agroindústria. O primeirodeles é com relação ao tamanho do estabelecimento. Nor-malmente, considera-se que a agroindústria é formada porpequenas empresas. Observa-se que, ao contrário, o pesodas médias e grandes empresas (mais de 30 de pessoasocupadas) é maior no segmento agroindustrial que nosdemais. Na agroindústria, 66,6% das empresas se enqua-dram neste porte contra apenas 32,6% para as empresasnão-agroindustriais.

Essa maior escala de produção está associada a outra ca-racterística geral da agroindústria, que é reunir principalmenteindústrias de processo. Como tal, ela apresenta valor adicio-nado por pessoa ocupada (R$ 39.299) e receita por pessoaocupada (R$ 104.783) superiores aos das demais atividadesindustriais, respectivamente R$ 33.270 e R$ 69.902. Noentanto, considerando essa característica, ela apresenta ummenor valor agregado por produto (receita líquida): 37,5%para agroindústria contra 47,6% para as demais atividadesindustriais. Considere-se também que a remuneração médiana agroindústria é inferior àquela verificada nas demais ati-vidades (R$ 9.235 anuais contra R$ 11.171).

A Tabela 3 apresenta também alguns indicadores dasempresas que ajudam a reforçar as conclusões obtidas paraas ULs. Observa-se, por exemplo, que a receita por em-presa nas agroindústrias é muito superior à obtida para anão-agroindústria, atingindo um valor pelo menos trêsvezes maior que a média de todo o setor industrial. Tam-bém são superiores a receita e o valor adicionado por pes-soa ocupada. Em contrapartida, o nível de remuneraçãona agroindústria é menor que o da média da indústria emuito inferior que da média dos segmentos não-agroin-dustriais. O exame do indicador remuneração/PO confir-ma que a remuneração anual (salários mais encargos) daagroindústria é menor: R$ 10.477,00 contra R$ 12.055,00do segmento não-agroindustrial, tal como observado an-teriormente para as ULs.

A Tabela 4 identifica algumas características dos dife-rentes ramos da agroindústria que estamos considerando.Vale notar que são dados para o conjunto das ULs, inde-

TABELA 2

Empresas, Pessoal Ocupado, Receita Líquida e Valor Adicionado de EmpresasAgroindustriais e Não-Agroindustriais, segundo Tipo de Apuração

Estado de São Paulo – 1996

Tipo de Apuração Agroindústria Não-Agroindustrial Total Proporção (%)

Empresas com sede no Estado de São PauloEmpresas 1.879 39.587 41.466 4,5

Pessoas Ocupadas 250.362 2.070.296 2.320.658 10,8

Receita Líquida (R$ milhões) 27.198 152.708 179.906 15,1

Valor Adicionado (R$ milhões) 10.765 71.443 82.209 13,1

Unidades Locais Situadas no Estado de São PauloUnidades Locais 3.579 45.438 49.017 7,3

Pessoas Ocupadas 222.749 1.965.609 2.188.358 10,2

Receita Líquida (R$ milhões) 23.340 137.574 160.915 14,5

Valor Adicionado (R$ milhões) 8.754 65.411 74.165 11,8

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep.Nota: O agrupamento como agroindústria teve por base, nos casos respectivos, a classificação de atividade da Empresa e da Unidade Local.

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AGROINDÚSTRIA PAULISTA: HETEROGENEIDADE E REESTRUTURAÇÃO

TABELA 4

Distribuição das Unidades Locais, Pessoal Ocupado, Receita, Remunerações e Valor Adicionado, segundo Ramos da AgroindústriaEstado de São Paulo – 1996

Ramos Agroindustriais Unidades Locais Pessoal Ocupado Receita Líquida Remunerações Valor Adicionado

Números % Número % Em % Em % Em %

Absolutos Absolutos R$ milhões R$ milhões R$ milhões

Total Geral 49.017 2.188.358 160.915 24.020 74.165Não-Agroindustrial 45.438 1.965.609 137.574 21.962 65.411

Total da Agroindústria 3.579 100,0 222.749 100,0 23.340 100,0 2.057 100,0 8.754 100,0Carnes 342 9,6 28.617 12,8 1.965 8,4 188 9,1 476 5,4

Sucos 102 2,8 10.502 4,7 1.425 6,1 98 4,7 707 8,1

Óleo Vegetal 40 1,1 2.949 1,3 1.019 4,4 32 1,6 237 2,7

Leite 899 25,1 20.155 9,0 4.139 17,7 304 14,8 1.529 17,5

Moagens de Cereais 407 11,4 14.700 6,6 2.098 9,0 189 9,2 868 9,9

Cana-de-Açúcar 484 13,5 87.865 39,4 7.522 32,2 734 35,7 2.690 30,7

Café 216 6,0 4.435 2,0 425 1,8 45 2,2 109 1,3

Fibras Têxteis 115 3,2 4.946 2,2 196 0,8 34 1,6 84 1,0

Madeira e Celulose 228 6,4 5.001 2,2 122 0,5 20 1,0 44 0,5

Conservas, Fumo, Couros e Demais 745 20,8 43.579 19,6 4.428 19,0 413 20,1 2.010 23,0

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep.

pendentemente do seu porte. Observa-se que a maior pre-sença está nos segmentos de leite e cana-de-açúcar, moa-gem de cereais e carnes. No entanto, quando se conside-ram os demais indicadores, como emprego, receita,remunerações e valor adicionado, aparece em primeirolugar a agroindústria da cana-de-açúcar. Este ramo repre-

senta sozinho cerca de 40% do emprego e quase um terçoda receita, dos salários e do valor adicionado da agroin-dústria paulista de primeira transformação, sendo segui-do muito de longe pelos demais ramos agroindustriais.

A Tabela 4 mostra também algumas diferenças bási-cas no processo de trabalho e certas especificidades das

TABELA 3

Indicadores da Agroindústria, da Não-Agroindústria e da Indústria PaulistaEstado de São Paulo – 1996

Indicadores Agroindustrial Não-Agroindustrial Indústria em Geral

Unidades LocaisPessoas Ocupadas/ULs 62 43 45

Receita Líquida/ULs (R$) 6.520.951 3.025.389 3.280.753

Receita Líquida/Pessoal Ocupado (R$) 104.783 69.902 73.453

Valor Adicionado/Pessoal Ocupado (R$) 39.299 33.270 33.884

Remuneração/Pessoal Ocupado (R$) 9.235 11.171 10.974

Valor Adicionado/Receita Líquida (%) 37,5 47,6 46,1

ULs de Empresas com 30 Pessoas Ocupadas e Mais (%) 66,6 32,6 35,1

Empresas (1)Pessoas Ocupadas/Empresas 161 56 61

Receita Líquida/Empresas (R$) 17.825.089 4.547.818 5.149.439

Receita Líquida/Pessoal Ocupado (R$) 110.625 81.420 84.937

Valor Adicionado/Pessoal Ocupado (R$) 42.515 37.858 38.419

Remuneração/Pessoal Ocupado (R$) 10.477 12.055 11.865

Valor Adicionado/Receita Líquida (%) 38,4 46,5 45,2

Empresas com 30 Pessoas Ocupadas e Mais (%) 41,4 25,2 26,0

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep.(1) Totais para o conjunto de empresas que atuam em São Paulo, independentemente do local da sede.

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 13(1-2) 1999

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agroindústrias. Observa-se, por exemplo, que o ramo deleite tem uma elevada contribuição para o valor agregadogerado na agroindústria paulista (17,8%), como tambémpara os salários e as receitas geradas. No entanto, nota-seuma participação bastante inferior do leite em termos depessoal empregado, o que faz transparecer um processode trabalho industrial que se utiliza de tecnologias de ca-pital mais intensivo.

Outro segmento que chama a atenção na Tabela 4 é o docafé. No passado, o Estado de São Paulo refletia o poderiodo café e as atividades de torrefação tinham uma parcelaimportante na manutenção da renda e do emprego. Os da-dos recolhidos pela Paep mostram a pequena importânciaque tem hoje a agroindústria do café na economia paulista.Em 1996, havia 216 empresas nesse segmento, que empre-gavam 4.946 pessoas, mas que respondiam apenas por1,3% do VA e menos de 2% da receita agroindustrial.

O segmento de carnes também merece destaque. Estaatividade compreende algumas instalações grandes emodernas de abates de aves e bovinos, ao lado de muitospequenos abatedouros tradicionais. As ULs modernas sãoresponsáveis pelos bons indicadores de produtividade epelos salários acima da média do conjunto dos ramos agro-industriais aqui tratados.

A agroindústria paulista poderia ser separada em três blo-cos. No primeiro, estão os segmentos de madeira e celulose,café e fibras têxteis, que se caracterizam por baixos níveisde salários, produtividade e faturamento. No outro extremo,estão os ramos de sucos, óleos vegetais, leite e moagem decereais, com elevado grau de concentração, alta produtivi-dade e altos salários, em razão de possuírem uma mão-de-obra mais qualificada. Finalmente, no espaço intermediárioencontram-se a cana-de-açúcar, carnes e outros ramos, comofumo, couros, conservas e outros.

A Tabela 5 apresenta a distribuição da atividade agro-industrial entre as regiões administrativas do Estado e aimportância relativa da agroindústria em cada uma delas.Estas informações são de grande interesse, considerandoque a atividade agroindustrial é de base agropecuária.Tendo em vista que as matérias-primas provêem princi-palmente de áreas rurais do interior do Estado, é naturalque boa parte das instalações industriais se localizem ali.

Todavia, já neste ponto reside uma primeira conclu-são do estudo que, de certa forma, é surpreendente: a prin-cipal região agroindustrial do Estado é justamente a Re-gião Metropolitana de São Paulo, que responde por 28,8%das unidades do Estado e 24,8% da receita agroindustrial.Seguem-se as regiões de Campinas e de Ribeirão Preto.

TABELA 5

Distribuição e Peso Relativo da Agroindústria, segundo Regiões AdministrativasEstado de São Paulo – 1996

Em porcentagem

AgroindústriaProporção

Regiões Administrativas Agroindústria/Indústria Total

Número dePessoas Ocupadas Receita Líquida

Número dePessoas Ocupadas Receita Líquida

Unidades Locais Unidades Locais

Total 100,0 100,0 100,0 7,3 10,2 14,5Região Metropolitana de São Paulo 28,9 23,1 24,8 3,7 4,1 6,3

Registro 1,2 0,5 0,2 23,6 31,7 16,3

Santos 1,7 0,8 1,5 9,6 7,5 10,4

São José dos Campos 4,6 1,5 1,4 10,4 3,4 2,4

Sorocaba 8,7 6,0 6,2 10,9 10,1 18,7

Campinas 17,4 20,9 24,5 8,5 12,6 21,2

Ribeirão Preto 3,0 9,5 9,1 10,2 42,3 62,0

Bauru 5,1 9,7 5,0 18,0 37,6 41,4

São José do Rio Preto 6,7 5,4 4,0 15,2 27,9 49,3

Araçatuba 4,1 3,1 2,3 18,8 22,5 53,6

Presidente Prudente 5,8 3,1 2,9 30,9 39,6 73,1

Marília 6,0 4,4 4,0 21,6 36,2 68,4

Central 3,5 5,7 6,1 10,4 24,7 42,9

Barretos 1,3 3,6 5,8 14,7 69,3 91,4

Franca 2,0 2,8 2,2 7,2 19,5 39,5

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep.

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AGROINDÚSTRIA PAULISTA: HETEROGENEIDADE E REESTRUTURAÇÃO

Estas três regiões são responsáveis por cerca de 60% dareceita e das unidades agroindustriais do Estado.6 Curio-samente, tanto a RMSP como Campinas têm uma baixaparticipação relativa da agroindústria nas suas atividadesindustriais. Na RMSP, por exemplo, onde é gerada a maiorreceita agroindustrial do Estado, esta representa apenas6,3% da receita industrial, enquanto a agroindústria re-presenta apenas 3,7% das ULs.

Na Região Administrativa de Sorocaba, observa-se estemesmo quadro: uma grande diversidade de indústrias comuma participação relativamente pequena das receitas agro-industriais (18,7%). Ainda assim, Sorocaba tem uma gran-de contribuição para a receita agroindustrial do Estado,participando com 6,2% do total estadual.

Ribeirão Preto constitui um caso único onde a base desua indústria é agroindustrial e a região tem grande parti-cipação na receita agroindustrial do Estado com um fatu-ramento conjunto das agroindústrias de R$ 2,1 bilhões.Estas informações são apresentadas na Tabela 5, onde senota que praticamente dois terços das receitas industriaisda região são provenientes da agroindústria. Entre as re-giões cuja receita industrial é eminentemente agroindustrial,podem ser citadas ainda as de Barretos, com 14,7% das ULse 91,4% de receita agroindustrial, Presidente Prudente (30,9%e 73,1%), Marília (21,6% e 68,4%), Araçatuba (18,8% e53,6%) e São José do Rio Preto (15,2% e 49,3%).

Outro caso exemplar, no extremo oposto, é o da Re-gião Administrativa de Registro. Nesta área da porção suldo Estado, conhecida pelos seus elevados níveis de po-breza, tanto a participação das unidades da agroindústriacomo de sua receita estão próximas de zero em compara-ção com a massa do Estado. Observa-se, no entanto, que,do ponto de vista da movimentação industrial, a agroin-dústria tem um peso importante em Registro, reunindo23,6% das ULs industriais, mas com um faturamento baixoe uma participação na receita industrial da região de ape-nas 16,3%.

A agroindústria no interior do Estado, de modo geral, estálocalizada em regiões de alta densidade na produção daque-les produtos relacionados na Tabela 4. Ou seja, as receitasda agroindústria da cana-de-açúcar, suco de laranja e leitepuxam para suas regiões produtoras a maior parte da receitae a maior quantidade de instalações fabris.

Entretanto, um caso que merece maior atenção é o daRMSP, onde, muito embora não haja atividade agrícola im-portante, desenvolve-se uma atividade agroindustrial signi-ficativa. Pode-se observar que uma parte importante da agro-indústria tende a manter-se mais próxima do mercado.

O que pode parecer a alguns um peso “descabido” daRMSP no segmento agroindustrial deve-se, em grandeparte, a mudanças recentes que tendem a valorizar as fun-ções de logística em relação à produção strictu-sensu. Ouseja, é o reconhecimento de que parte importante da com-posição das receitas dos ramos agroindustriais deve-se aatividades relacionadas ao transporte, distribuição, em-balagem, propaganda e marketing realizadas em ULs nãonecessariamente envolvidas com a produção.

Ainda que se possa questionar o caráter “produtivo”ou não dessas atividades, vale a pena lembrar que elassão grandes geradoras de emprego. É por isso que, ao seobservar o peso da RMSP no total do pessoal ocupado, seencontrará uma percentagem similar (23,1%) ao obtidopela distribuição de suas receitas (24,8%).

Considere-se que as estatísticas de receita representama distribuição do conjunto das atividades das empresasagroindustriais e não o equivalente apenas ao valor datransformação industrial.7 Como em boa parte das agro-indústrias as atividades de venda e distribuição são muitoimportantes,8 não é de se estranhar que estas se concen-trem na RMSP, onde se localizam os principais mercadosfinais. Na agroindústria em São Paulo, 31,3% do pessoalocupado é assalariado em atividades não ligadas à produ-ção industrial; na RMSP, este indicador se eleva a 44,7%,enquanto para as demais indústrias tem-se, respectivamen-te, 22,4% e 25,4%. Soma-se a isto o fato de que na agro-indústria encontra-se um número relativamente maior degrandes empresas com unidades especializadas como se-des administrativas e departamentos de venda que igual-mente se concentram na RMSP: cerca de 21% das recei-tas agroindustriais aí apuradas estão associadas a esse tipode unidade local.

Grosso modo, pode-se segmentar o território paulistaconforme a predominância de atividades agroindustriaisou também pelo peso de cada região na receita agroin-dustrial do Estado (Mapa 1). Cruzando esses indicadores(Tabela 5) as 15 regiões administrativas do Estado foramagrupadas em seis grandes regiões:- um grupo com pequena participação de atividades agro-industriais (abaixo do perfil do Estado), mas com grandeimportância para a receita agroindustrial do Estado, queé composto unicamente pela RMSP;- um grupo com média participação de atividades agroin-dustriais (acima da média do Estado), e sem grande predo-mínio da agroindústria (abaixo de 40%), mas com alta par-ticipação da região administrativa na receita agroindustrialdo Estado, composto unicamente pela região de Campinas;

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MAPA 1

Distribuição da Receita Agroindustrial e Peso da Agroindústria na Atividade Industrial, por Regiões AdministrativasEstado de São Paulo – 1996

- um grupo em que os dois indicadores são elevados –alta composição de receitas agroindustriais e alta partici-pação na receita agroindustrial do Estado –, no qual figu-ra isoladamente a região de Ribeirão Preto;- um quarto grupo composto pelas regiões em que essesindicadores têm comportamento oposto ao anterior: bai-xa participação na receita agroindustrial do Estado e baixaparticipação da agroindústria na receita da indústria re-gional. Neste caso, encontram-se as regiões administrati-vas de Santos e São José dos Campos.

Os dois últimos grupos caracterizam-se por uma pe-quena participação na receita agroindustrial do Estado emédia ou alta predominância da receita agroindustrial nareceita industrial da região. Com uma participação consi-derada média (acima da média do Estado e inferior a 40%da receita industrial) tem-se: Sorocaba e Registro. Comalta participação da receita agroindustrial, destacam-se Cen-tral, Franca, São José do Rio Preto, Bauru, Barretos, Marí-lia, Presidente Prudente e Araçatuba, sendo que nas quatroúltimas a agroindústria é absolutamente predominante.

Em conclusão, verifica-se que a metade oeste do Esta-do corresponde a uma grande região para qual as ativida-

des agroindustriais são extremamente significativas e, emgrande parte de suas sub-regiões, absolutamente predo-minantes. Curioso que a maior parte dessa região oestetem uma contribuição menos significativa para a ativida-de agroindustrial do Estado. Essa se concentra sim e, pe-sadamente, no eixo São Paulo/Campinas/Ribeirão Preto,sendo mais significativas as áreas de maior diversifica-ção industrial.

CONCLUSÕES

O principal objetivo deste artigo é mostrar o potencialdas análises que permitem os dados da Paep relativos àagroindústria processadora no Estado de São Paulo. Defato, existe a possibilidade tanto de se construir uma re-gionalização da agroindústria como de determinar as di-ferentes características de cada um dos seus segmentos;e, pela primeira vez, de construir os chamados “comple-xos agroindustriais” do Estado a partir, por exemplo, dasdiferentes cadeias produtivas dos produtos de origemagropecuária. Isso permitirá identificar as diferentes di-nâmicas de cada um dos segmentos agroindustriais do

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep.

2,9 %PresidentePrudente

2,3%Araçatuba

4,0%São José

do Rio Preto

5,8%Barretos

2,2 %Franca

9,1%Ribeirão Preto

4,0%Marília

5,0%Bauru

6,1%Central

24,5%Campinas

6,2%Sorocaba

0,2%Registro

24,8%RMSP

1,5%Santos

1,4%São José

dos Campos

Participação Alta Peso da Agroindústria

BaixoMédioAlto

101

AGROINDÚSTRIA PAULISTA: HETEROGENEIDADE E REESTRUTURAÇÃO

Estado, sua capacidade de gerar renda e emprego, as ino-vações realizadas bem como as diferentes estratégiasempresariais determinadas pela concorrência em cada umdesses ramos.

Como se mencionou na introdução deste trabalho, oconceito de agroindústria pode ser construído de diferen-tes formas. Os resultados aqui apresentados foram basea-dos em um recorte específico da indústria da transforma-ção, que considerou apenas o primeiro processamento dematérias-primas de base vegetal ou animal. Embora a Paepnão tenha recolhido informações sobre a agricultura pau-lista, seria possível, visando outros objetivos, remontartoda a cadeia de valor inerente aos produtos processadosde base agropecuária. Isto poderia ser feito a partir dosdados de receita líquida e valor adicionado dos segmen-tos à montante da agropecuária e, posteriormente, dossetores à jusante da mesma. Alternativamente, poderiamser feitos também outros recortes, como, por exemplo, aindústria de alimentos, a agroindústria exportadora, etc.

Enfim, o que se procura demonstrar é que, com a Paep,abrem-se inúmeras possibilidades de análise para o casoda agroindústria, seja através de recortes horizontais, con-siderando regiões e atividades com maior incidência dematérias-primas provenientes da agropecuária ou, comrecortes verticais, aprofundando-se o grau de processa-mento das matérias-primas.

Nesse artigo, analisam-se unicamente informaçõeseconômicas básicas de caráter geral. Trata-se de uma ex-ploração ainda bastante restrita, uma vez que se conside-re que a base de dados da Paep oferece um sem númerode outras informações qualitativas ou mais específicas.Já as diferenciações entre os ramos da agroindústria e comrelação às demais atividades industriais anteriormenteapresentadas apontam para o desdobramento da análisecom base em outros blocos temáticos da Paep.9 Por exem-plo, a remuneração relativamente menor observada entreas agroindústrias deve ser atribuída à sua localização maisinteriorana ou também ao perfil da mão-de-obra e aosrequisitos das empresas para contratação? Sua maior pro-dutividade está associada apenas ao seu tipo de produçãoe tamanho de empresa ou a agroindústria apresenta maio-res índices de tecnificação e inovação tecnológica? Essase outras questões podem ser muito aprofundadas, na me-dida em que foram objeto de quesitos específicos do le-vantamento.

Os dados da Paep para a agroindústria permitem tam-bém formular algumas recomendações de políticas paraesse importante setor da economia paulista. A primeira

delas, sem dúvida alguma, é que é preciso pensar não emuma política agroindustrial, mas em muitas políticas es-pecíficas. Ou seja, é fundamental ter em conta a imensaheterogeneidade desse agregado macroeconômico deno-minado agroindústria paulista na hora de se propor inter-venções por parte do setor público. Isso significa reco-nhecer tanto as especificidades dos vários segmentos queintegram a agroindústria processadora como também assuas diferenças regionais no plano estadual. Assim é que,em decorrência fundamentalmente dos diferentes perfiseconômicos de cada uma das regiões do Estado, as agro-industriais apresentam diferentes graus de integração in-tersetorial. Disso resulta não só uma composição setorialdiferente mas também diferentes características de umdeterminado segmento agroindustrial naquela região emrelação ao tamanho das empresas, tipo de mão-de-obracontratada, valor gerado, dentre outros aspectos.

NOTAS

E-mail dos autores: [email protected]; [email protected] [email protected]

1. Ver a este respeito Davis e Goldberg (1957) já mencionado, Malassis e Padilla(1973), Prado (1981), Guimarães (1982), Kageyama (1990), Haguenauer (1984)e Muller (1982), entre outros.

2. A composição desses distintos ramos agroindustriais exige a ampliação dosníveis de desagregação considerados na amostragem da Paep e o estabelecimen-to de domínios de estimação especiais, sendo que o levantamento junto às em-presas agroindustriais, que de resto também compõem diferentes classes e gru-pos da indústria, foi realizado com os mesmos instrumentos de coleta adotadospara as atividades industriais em geral.

3. Os critérios estabelecidos para inclusão no universo de pesquisa foram: seruma empresa industrial; ter ao menos uma unidade produtiva industrial no Esta-do de São Paulo; e ter ao menos 30 pessoas ocupadas no Estado de São Paulo, noano-base da pesquisa.

4. Portanto, além da empresa, é definida uma segunda unidade de pesquisa eanálise, constituída pela unidade local (UL). Ela mantém correspondência como sufixo do CGC, ou seja, constitui uma unidade separada da atividade da em-presa associada a um determinado endereço.

5. Essa informação é obtida por simples diferença entre o total correspondente àempresa e a soma dos valores correspondentes às UL situadas no Estado.6. Se se considerar a área territorial correspondente à antiga definição da RegiãoAdministrativa de Ribeirão Preto, que também englobava as atuais regiões ad-ministrativas de Franca, Barretos e Central, tem-se mais de 23% da receita líqui-da agroindustrial.

7. A referência aqui são as estatísticas de valor da transformação industrial (VTI)construídas com base nos censos econômicos que tinham como unidade de investi-gação o estabelecimento industrial e não a empresa ou a unidade local industrial.

8. O caso exemplar é o da agroindústria do leite, intensiva em capital do pontode vista da planta industrial, mas, sendo seus produtos perecíveis distribuídos,em grande parte, diretamente ao comércio varejista, torna-se necessária uma es-trutura robusta de vendas e distribuição. Esta indústria emprega nada menos que51,6% de seu pessoal como assalariados em atividades não ligadas à produçãoindustrial, muito embora se valha também de serviços de terceiros.

9. O levantamento da Paep é dividido nos seguintes blocos temáticos: Caracteri-zação da Unidade, Informações Patrimoniais, Informações Econômico-Financei-ras, Emprego e Recursos Humanos, Automação e Inovações Tecnológicas, Es-

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tratégias de Gestão da Produção, Contratação de Terceiros, Informática e Co-municações, Clientes e Fornecedores, Meio Ambiente, Regionalização.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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DAVIS, J.H. e GOLDBERG, R.A. A concept of agribusiness. Boston, MA,Harvard University, 1957.

GUIMARÃES, A.P. A crise agrária. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1982.

HAGUENAUER, L. et alii. “Os complexos industriais na economia brasileira”.IEI/UFRJ, n.62, 1984 (Textos para Discussão).

KAGEYAMA, A. et alii (coord.). “O novo padrão agrícola brasileiro: do com-plexo rural aos complexos agroindustriais. In: DELGADO, G.C.; GASQUES,J.C. e VILLA VERDE, C.M. Agricultura e política públicas. Brasília, Ipea,1990 (Série Ipea n.127).

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MALASSIS, L. e PADILLA , M. Économie agroalimentaire. Paris, Cujas, 1973.MULLER, G. “Agricultura e industrialização do campo no Brasil”. Revista de Eco-

nomia Política . São Paulo, Brasiliense, v.2/1, n.6, abr.-jun. 1982, p.47-77.PRADO, E.F.S. Estrutura tecnológica e desenvolvimento regional. São Paulo,

IPE/USP, 1981 (Série Ensaios Econômicos n.10).

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ESTRUTURA ECONÔMICA E TECNOLÓGICA DO COMÉRCIO

A

ESTRUTURA ECONÔMICA ETECNOLÓGICA DO COMÉRCIO

VAGNER DE CARVALHO BESSA

Geógrafo, Analista da Fundação Seade

MARIA ELENA TURPIN

Engenheira Agrônoma, Analista da Fundação Seade

MAURO SINDER

Economista, Consultor da Fundação Seade

estrutura comercial no Estado de São Paulo émarcada por sua grande heterogeneidade, suanecessária dependência do conjunto de bens dis-

poníveis para revenda e da massa de rendimento disponí-vel para os consumidores bem como pelo tipo de acesso evolumes de crédito disponíveis. Além disso, do mesmomodo que as demais atividades econômicas, o comérciotem passado por importantes transformações nos últimosanos.

Dado que este processo ocorre de forma diferenciadaao longo do tempo, vale uma breve síntese da evoluçãoda atividade comercial no Estado de São Paulo. Até adécada de 30, aproximadamente, o comércio reproduziuos padrões de funcionamento típicos de uma sociedadeprimário-exportadora, em que os segmentos comerciaismais importantes eram os entrepostos de intermediaçãoatacadista ligados ao abastecimento do mercado internoou aos capitais mercantis exportadores. No contexto deuma urbanização ainda incipiente, o comércio varejistaapresenta-se pouco diversificado, dividido entre as sofis-ticadas lojas de importados no centro da cidade e umagrande e dispersa soma de pequenas unidades de revenda(empórios, mercearias, quitandas, feiras-livres, etc.).

No curso dos anos 40 a 60, o crescimento da indústriabrasileira, concentrada em São Paulo, e a difusão dos mo-dernos padrões de consumo de uma sociedade de massasque se urbanizava rapidamente estimularam a diversifi-cação da atividade comercial. A industrialização, além depromover o crescimento da massa de rendimentos, com aexpansão do emprego na própria indústria e nos serviços,aumentou a escala de produção local de duráveis e de pro-

dutos alimentares industrializados, permitindo a substi-tuição de produtos importados e tornando acessível aosassalariados um conjunto de bens antes restritos ao con-sumo das classes de renda mais altas.

Com a regulamentação das organizações especializa-das no crédito ao consumidor, através da reforma do sis-tema financeiro em 1967, estavam dadas as condiçõeseconômicas necessárias para a generalização do estilo devida das classes médias e para o desenvolvimento doscanais de intermediação comercial ligados ao consumode automóveis, eletrodomésticos e eletrônicos. Mas so-mente na década de 70 constituiu-se um mercado de bensculturais que possibilitou a homogeneização dos padrões deconsumo induzidos pela televisão, pelas indústrias edito-rial, fonográfica e cinematográfica e pela publicidade.

Já nos anos 80, em que pese o movimento errático daeconomia e os problemas crônicos relacionados ao con-trole inflacionário, registrou-se o avanço de grupos deempresas comerciais capazes de administrar favoravel-mente a gestão dos estoques e, sobretudo, dos ativos fi-nanceiros. Por outro lado, a expansão dos mercados deaplicações permitiu um maior acesso às famílias, quepassaram a auferir “ganhos rentistas”1 e a incrementar seusgastos, o que proporcionou o crescimento das empresaspresentes nos seus canais de consumo. Isto levou a umasérie de inovações comerciais, tais como a expansão dosshopping centers, moldada pela necessidade de “seguran-ça” e identificação social das classes médias.

Depois de um período de crise em seus anos iniciais, adécada de 90 foi marcada pela abertura econômica e arelativa estabilidade monetária, levando as empresas a um

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realinhamento das estratégias empresariais, até então for-temente amparadas pelos repasses de custos aos preços eníveis de rentabilidade elevados, decorrentes da especu-lação financeira em um cenário inflacionário. Com o acir-ramento da competição, as estratégias comerciais anteslimitadas à tradicional “guerra de preços” passam a serincrementadas pela busca de eficiência e novos serviçosao consumidor: cresce o número de empresas especiali-zadas em vendas pela Internet e ampliam-se as possibili-dades de pagamento através da transferência eletrônicade fundos (cheques eletrônicos). Desde a implantação doCódigo de Defesa do Consumidor, o atendimento passaa ser importante diferencial, requerendo das empresas aampliação dos serviços tradicionais (balcão de reclama-ções, atendimento por telefone, estacionamento, entregaem domicílio, etc.), além de outros, como os comitês declientes e a criação do cargo de ombudsman, que consti-tuem importantes novidades.

A partir do crescimento das importações, com a ofertade novos produtos e marcas a preços mais competitivosque os similares nacionais, iniciou-se uma dinâmica detransformação das expectativas de consumo e a inserçãodas empresas nos circuitos internacionais de comércio. Adiversificação do mix e o aparecimento de lojas especializa-das em bens importados de alto padrão tecnológico (carrossofisticados, computadores, softwares, produtos eletroele-trônicos de última geração, etc.) intensificaram sobremaneiraos padrões globais de consumo das classes médias.

Essas mudanças reforçaram a necessidade da introdu-ção de modernos sistemas de logística e de inovações tec-nológicas, que foram determinantes para a reestruturaçãoprodutiva do comércio (Diniz Filho, 1996). Em seus mo-mentos iniciais, esse movimento seria ainda favorecidopelo aumento dos gastos das famílias e dos indivíduos,expansão do crédito, baixa acentuada dos preços dos ali-mentos e dos bens de consumo duráveis, gerando oportu-nidades para o crescimento das unidades comerciais par-ticipantes dos circuitos de consumo dos estratos sociaisbeneficiados pelo aumento da renda de forma geral.

Tal dinâmica implicou um processo de reestruturaçãoque atingiu, com diferentes graus de profundidade, as ati-vidades comerciais. Visando compensar margens maiscompetitivas, as empresas reescalonaram sua estruturaadministrativa, optaram pela terceirização de atividades,implantaram novos métodos gerenciais, fecharam pontosde venda deficitários, redimensionaram o tamanho de suaslojas e implementaram um vigoroso processo de infor-matização para gestão de estoques.

A partir deste quadro de transformações, este artigotem por objetivo discutir as principais características docomércio varejista no Estado e o processo de moderniza-ção que vem ocorrendo neste setor, nos anos 90, tendocomo base informações da Pesquisa da Atividade Econô-mica Paulista – Paep, referentes a 1996.

ESTRUTURA E FRAGMENTAÇÃO DO VAREJO

As características da estrutura comercial reportam-sea um quadro socioeconômico no qual o aparecimento denovas necessidades tem um papel dinâmico na diversifi-cação dos canais de comercialização. A integração denovos produtos ao mercado de consumo deve ser atribuí-da às características da distribuição de renda no Estadode São Paulo que, apesar de reproduzir a alta assimetriados padrões brasileiros de distribuição da riqueza, com-porta uma extensa classe de indivíduos integrada a for-mas de consumo próprias dos países desenvolvidos. Doponto de vista da demanda, o comércio depende das ex-pectativas dos mais bem situados na hierarquia social deexpandir e preservar sua riqueza, e no caso dos mais po-bres, de ter acesso aos rendimentos do trabalho e das trans-ferências do Estado (aposentadorias, programas de rendamínima, bolsa-escola, etc.).

Esta forte concentração do poder de consumo entre osmais ricos e a alta dispersão das realizações dos gastosentre os mais pobres permitem a convivência de estrutu-ras de comercialização com formas de organização, dis-ponibilidade de capitais e produtividade muito heterogê-neas. Tudo isto se reflete no comércio pela existência decircuitos de distribuição diferenciados.

Em primeiro lugar, destaca-se a apropriação de algunsmercados de distribuição por organizações capitalistascom um modus operandi típico da grande indústria. Istosignifica a expansão de empresas com escalas de produ-ção planejadas, sustentadas por investimentos impulsio-nados por elevada capacidade de capitalização e estrutu-ras de organização operacional e administrativa razoa-velmente sofisticadas. Parte das empresas comerciais passaa ter sua lucratividade assentada não em simples opera-ções de compra e venda, mas em uma estrutura patrimo-nial de receita e custos mais complexa e abrangente, talcomo a das grandes organizações produtivas industriaise de serviços. É o caso dos hipermercados, redes de ma-gazines e lojas de departamento populares, bem como dasgrandes lojas especializadas (material de construção,móveis, etc.).

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ESTRUTURA ECONÔMICA E TECNOLÓGICA DO COMÉRCIO

Em segundo lugar, encontram-se as pequenas em-presas, que normalmente possuem um único estabeleci-mento (empresas unilocalizadas), com baixa densidade decapitais e formas mais simples de organização, normal-mente vinculadas ao mercado consumidor de menor ren-da. O consumo desta categoria, disperso em lojas de vizi-nhança (açougues, mercearias, vendas, quitandas, camelôs,etc.), contribui para a existência de pequenos estabeleci-mentos com uma estrutura locacional pulverizada e umadinâmica empresarial instável. Esta simbiose é garantidana medida em que estes estabelecimentos oferecem me-canismos de pagamento que possibilitam a postergaçãode débitos baseados em relações interpessoais – esta tam-bém uma forma de “crédito” –, além do fato de que vá-rias “moedas” são aceitas como forma de pagamento(tickets alimentação, vale-transporte, móveis, troca de ser-viços, etc.). Como grande parte do orçamento domésticoé direcionada para a alimentação, tais consumidores sãoextremamente dependentes do crédito das lojas para aqui-sição de bens duráveis, pois não possuem contas bancá-rias ou qualquer outra forma de acesso a instituições fi-nanceiras. Neste sentido, a sobrevivência destas peque-nas empresas vincula-se a uma clientela cativa de baixarenda, presa a esta dinâmica por imposição de sua pró-pria capacidade de compra.

Esta dispersão do consumo incide diretamente sobre aorganização do comércio, sobretudo no que diz respeitoà grande importância das empresas unilocalizadas no va-rejo, que normalmente são de pequeno porte. Na Tabela1, verifica-se que estas empresas empregam 77,8% dopessoal ocupado e se apropriam de 59,5% da receita totaldo varejo, enquanto as empresas que possuem seis ou maisunidades locais são responsáveis por apenas 15,4% dopessoal ocupado e 32,6% da receita.2 Todavia, verifica-se a elevada eficiência deste último grupo, quando se cons-tata que seu desempenho é obtido por apenas 596 empre-sas contra 296.296 de unilocalizadas.

Analisando-se os vários segmentos do varejo, obser-va-se que é no Varejo Especializado e Outros que as em-presas unilocalizadas têm a maior predominância da re-ceita, com 69,2%, e do pessoal ocupado, e 77,9% do totaldo comércio varejista.

Esta relação também pode ser observada quando seanalisa o comércio por área de vendas. A Tabela 2 permi-te verificar que, mesmo nos setores ligados à comerciali-zação de alimentos, cujos segmentos vêm passando porum processo de concentração, sobretudo por conta daexpansão dos hipermercados, a representação dos esta-

belecimentos com grande área de vendas na apropriaçãoda receita é menos significativa do que se poderia espe-rar. Nota-se que os estabelecimentos com até 300 m2, res-ponsáveis por 73,1% do pessoal ocupado, ainda represen-tam 45,3% das receitas, enquanto aqueles com mais de5.000 m2, que incluem os grandes hipermercados, geramcerca de 17% das receitas obtidas no varejo de alimentos.Os supermercados e lojas médias, que ocupam áreas entre300m2 e 5.000 m2, são responsáveis por 37,3 % das receitas.

O controle sobre o comando da cadeia de distribuiçãovarejista ainda é relativamente restrito quando compara-do a outros países. Entretanto, em que pese este relativograu de desconcentração imposto pelas pequenas empre-sas, é expressiva a heterogeneidade dos padrões de pro-dutividade. Enquanto os estabelecimentos com área devendas maior que 5.000 m2 apresentam densidade de 4,0empregados, o faturamento por pessoal ocupado é cercade seis vezes maior que o daqueles com área de vendasentre 121m2 e 300 m2 (estrato que concentra cerca de 42%dos estabelecimento comerciais).

Quando se comparam as formas de comercialização, oavanço do auto-serviço (acesso direto às mercadorias pe-los compradores), tão salientado na bibliografia existen-te sobre o tema, não reduz a importância das estruturasde comercialização baseadas em formas tradicionais, quecorrespondem ao atendimento com a intermediação de umvendedor, típicas das pequenas empresas comerciais (Ta-bela 3). Vale ressaltar a tímida participação das vendasnão realizadas em lojas (vendas por catálogo, Internet,televendas, etc.), tanto em número de estabelecimentoscomo na receita global do varejo.

Já na forma “sem predominância”, em que nenhumadas outras formas citadas atinge isoladamente mais de 40%da receita das unidades, observa-se a segunda maior par-ticipação na receita do varejo, de 30,1%, embora seja asegunda menor em número de estabelecimentos. Estes têmuma área média de 173,8 m2, produtividade de R$ 4.571,9/m2 esão, em grande medida, representados pelas lojas de de-partamento e grandes lojas de material de construção, oque justifica a elevada receita por metro quadrado, 74%superior ao auto-serviço (que inclui, além dos hipermer-cados, pequenos estabelecimentos).

Por outro lado, ao cotejar-se o auto-serviço com a formatradicional de comercialização – que representa 76,5% esta-belecimentos varejistas, 37,5% da receita, a mais baixa pro-dutividade, R$ 945,00/m2 e uma área média por loja de 137,9m2 –, verifica-se uma grande estrutura segmentada, em queconvivem setores dinâmicos com grande poder de mercado

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TABELA 1

Empresas, Pessoal Ocupado e Receita Líquida, segundo Atividades Agregadas Selecionadas e Faixas de Unidades Locais do Comércio VarejistaEstado de São Paulo – 1996

Atividades Agregadas e Empresas Pessoal Ocupado Receita Líquida

Faixas de Unidades Locais Valor Absoluto % Valor Absoluto % Em reais (1) %

TOTAL GERAL 300.074 100,0 1.633.554 100,0 92.156.524.147 100,0Unilocalizadas 296.296 98,7 1.271.448 77,8 54.820.989.048 59,5

2 a 5 ULs 3.182 1,1 110.363 6,8 7.327.709.826 8,0

6 ou Mais ULs 596 0,2 251.743 15,4 30.007.825.273 32,6

Hiper e Supermercados 2.782 0,9 175.977 10,8 19.439.762.306 21,1Unilocalizadas 2.556 0,9 61.269 3,8 4.228.036.808 4,6

2 a 5 ULs 176 0,1 25.853 1,6 2.274.709.924 2,5

6 ou Mais ULs 50 0,0 88.855 5,4 12.937.015.574 14,0

Pequenos Mercados e Lojas de Conveniência 43.133 14,4 135.786 8,3 3.940.903.157 4,3Unilocalizadas 43.115 14,4 134.794 8,3 3.873.898.804 4,2

2 a 5 ULs 15 0,0 504 0,0 35.812.190 0,0

6 ou Mais ULs 3 0,0 488 0,0 31.192.163 0,0

Demais Varejo Não-Especializado 7.679 2,6 49.801 3,0 4.971.142.520 5,4Unilocalizadas 7.499 2,5 21.523 1,3 736.690.262 0,8

2 a 5 ULs 19 0,0 441 0,0 24.136.490 0,0

6 ou Mais ULs 161 0,1 27.837 1,7 4.210.315.768 4,6

Varejo Especializado e Outros 246.480 82,1 1.271.990 77,9 63.804.716.164 69,2Unilocalizadas 243.126 81,0 1.053.862 64,5 45.982.363.174 49,9

2 a 5 ULs 2.972 1,0 83.565 5,1 4.993.051.222 5,4

6 ou Mais ULs 382 0,1 134.563 8,2 12.829.301.768 13,9

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep.(1) Valores em reais de dezembro de 1996.Nota: Os dados são relativos à empresa (com suas ULs dentro e fora do Estado de São Paulo).

TABELA 2

Distribuição da Área de Vendas, Receita Líquida e Pessoal Ocupado do Comércio Varejista de Alimentos, segundo Faixa de Área de VendasEstado de São Paulo – 1996

Faixas de Área de Vendas

Comércio Varejista de Alimentos

Área de Vendas Receita Líquida Pessoal OcupadoReceita Líquida/

Pessoal Ocupado/

(%) (%) (%)Pessoal Ocupado

100m2(R$) (1)

Total 100,0 100,0 100,0 44.669,66 4,7Pequenas ULs 70,8 45,3 73,1 - -

Menos de 21 m2 2,5 2,7 7,1 17.213,92 13,3

21 a 60 m2 11,5 10,8 16,4 29.535,16 6,7

61 a 120 m2 14,7 11,8 19,2 27.569,36 6,1

121 a 300 m2 42,1 19,9 30,4 29.165,79 3,4

Médias ULs 24,5 37,3 22,9 - -

301 a 1.000 m2 16,9 17,9 13,9 57.726,38 3,8

1.001 a 2.500 m2 5,0 12,5 6,3 88.537,96 5,9

2.501 a 5.000 m2 2,6 6,9 2,7 113.646,25 4,9

Grandes ULs 4,7 17,4 4,0 - -

5.001 m2 e Mais 4,7 17,4 4,0 194.570,73 4,0

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep.(1) Valores em reais de dezembro de 1996.Nota: Os dados são relativos ao total de ULs da empresa no Estado de São Paulo.

107

ESTRUTURA ECONÔMICA E TECNOLÓGICA DO COMÉRCIO

TABELA 3

Unidades Locais, Receita Líquida, Área das ULs e Indicadores de Densidade de Ocupação e Produtividadedo Comércio Varejista, segundo Formas de Comercialização

Estado de São Paulo – 1996

Formas de ComercializaçãoUnidades Locais Receita Líquida Área/UL Pessoal Ocupado/

Receita

(m2) 100m2/ ÁreaLíquida

Números Absolutos % Em reais (1) % (R$/m2) (1)

Total (2) 310.340 100,0 77.930.711.002 100,0 149,0 3,3 1.634,6Auto-Serviço 36.921 11,9 22.109.218.404 28,4 203,2 3,6 2.628,3

Tradicional 237.486 76,5 29.255.250.358 37,5 137,9 3,2 945,0

Catálogo, Internet, Televenda 8.521 2,7 3.106.763.135 4,0 - - -

Sem Predominância 27.412 8,8 23.459.479.105 30,1 173,8 3,9 4.571,9

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep.(1) Valores em reais de dezembro de 1996.(2) Correspondem apenas às ULs que responderam à variável “Forma de Comercialização”.Nota: Os dados são relativos ao total de ULs da empresa no Estado de São Paulo.

e capacidade de inovação com setores nos quais o processode acumulação de capital é realizado de forma extensiva,através de estruturas de comercialização tradicionais e combaixa produtividade. Enquanto os segmentos do comérciovarejista especializado (como o de alimentos, bebidas e fumo;tecidos, artigos de armarinho, vestuário e calçados e peque-nos mercados) apresentam uma das mais baixas relações dereceita por área de vendas, cerca de R$ 1.000,0/m2, os hi-permercados possuem índice nove vezes maior.

Não obstante a alta produtividade dos hipermercados,quando se compara o indicador de densidade de ocupa-ção, pessoal ocupado por área de vendas, entre os estabe-lecimentos com a forma tradicional e aqueles com auto-serviço, observa-se que este último não emprega menos,como se poderia supor (3,2 e 3,6 pessoas por m2, respec-tivamente). Conforme Sproesser (1999), a produtividadeem receita por área tende a se elevar quando o número deempregados por metro quadrado aumenta, o que ratificaos dados referentes ao auto-serviço. Vale ressaltar aindaque este é o setor que possui a maior área média de vendaspor loja, fato considerado pelo mesmo autor como de im-portância relevante para o aumento da produtividade, namedida em que possibilita a oferta de um maior número deserviços, com o conseqüente aumento do volume de transa-ções e uma maior agregação de valor aos produtos.

Os dados apresentados até o momento ajudam a explicara reduzida presença do capital externo em vários segmentosdo varejo: muito embora os processos de aquisições e fu-sões estivessem em relativa expansão a partir de meados dadécada de 90, a participação das empresas estrangeiras nareceita total do comércio varejista foi de apenas 15%, noEstado de São Paulo, em 1996. Dado que o comércio pade-

ce das dificuldades comuns à estrutura produtiva brasileira,com grande heterogeneidade de grupos econômicos, baixograu de aglomeração e escalas (Fiori e Tavares, 1993), ain-da há um número reduzido de organizações empresariaisestruturadas com grande alcance de mercado.

Assim, esta situação é altamente indicativa dos limitesque encontra o comércio para sua internacionalização,tendo em vista que essa dispersão de capitais impõe sé-rias restrições para sua integração nas estratégias das gran-des redes varejistas americanas e européias. Até no setorde hiper e supermercados, no qual as disputas patrimo-niais entre capitais nacionais e estrangeiros são mais acen-tuadas, a participação do capital externo chegou a poucomais de 26% da receita em 1996, muito aquém dos seg-mentos monopolizadas pelo capital estrangeiro na indús-tria paulista ou no próprio comércio em outros países3

(Belik, 1997 e Furtado, 1995).

ESTRUTURA TECNOLÓGICA EREQUISITOS DE CONTRATAÇÃO

Até o ponto aqui discutido, verifica-se que o comérciovarejista apresenta uma organização segmentada, na qualconvivem empresas com grande poder de mercado e ca-pacidade de inovação com outras nas quais o processo deacumulação de capital é realizada de forma extensiva,através de estruturas de comercialização tradicionais e combaixa produtividade.

Estas características refletem também a assimilação dasinovações no varejo. O estudo da estrutura tecnológicanos seus diversos segmentos ganha significado em virtu-de das escalas de mercado de cada empresa, bem como

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 13(1-2) 1999

108

de sua capacidade de sustentar contínuos investimentosna modernização de suas estruturas operacionais. Nestesentido, os ganhos de produtividade são o resultado defatores que incidem sobre o sistema de modernização tec-nológica propriamente dita (a assimilação de tecnologiasde automação), introdução de novos métodos gerenciaise política de recursos humanos (Furtado, 1995).

No comércio, nota-se que, a despeito da relativa pul-verização do setor, a modernização difundiu-se com re-lativa intensidade no que diz respeito ao uso de computa-dores. De fato, 86 mil empresas comerciais utilizavamcomputadores, o que significa que uma em cada quatroempresas já possuía recursos para a informatização dasoperações administrativas e controle de estoques, relaçãoque se eleva para três em cada quatro nas empresas commais de 20 empregados no Estado de São Paulo, em 1996.A informatização da área administrativa e da operação dosfluxos de venda nos estabelecimentos comerciais é o fa-tor mais destacado neste processo de modernização in-tensiva, permitindo a racionalização das atividades decontrole e a melhoria do nível de informações para a to-mada de decisões. Esta dinâmica foi favorecida pelo acessoaos mercados internacionais de equipamentos de automa-ção, larga difusão das embalagens com códigos numéri-cos, generalização do uso de microcomputadores e, noâmbito das grandes empresas, pela abertura de linhas definanciamento para projetos de reestruturação de empre-sas do varejo pelo BNDES (Gimenez e Santos, 1999; Bran-co e Melo, 1997).

Do ponto de vista regional, quando se observa a distri-buição dos 125.946 computadores instalados nas empre-sas comerciais, verifica-se que a Região Metropolitana deSão Paulo absorvia 45,6% do total, o entorno metropoli-tano 28,0% e o interior 26,4%. A RMSP apresentava tam-bém maior densidade de computadores: 50 para cada 100empresas, pouco acima da média estadual (42 para 100).4

A maior concentração na RMSP pode ser explicada pelaelevada densidade das inovações tecnológicas nesta área,associada aos circuitos de consumo das classes médias ede altas rendas, bem como pelo fato de aí se estabelece-rem as sedes das maiores empresas do Estado. Dado queestas sedes processam as informações administrativas dasredes varejistas de atuação regional, concentrando as fun-ções de núcleo de planejamento e decisão estratégica dosgrandes grupos na capital, a RMSP alcança níveis relati-vamente mais expressivos de adensamento tecnológico.

A informatização vem acompanhada por mecanis-mos mais sofisticados de automação comercial, essen-

ciais para a implementação de novas formas de geren-ciamento. O número de estabelecimentos que substi-tuíram as caixas registradoras manuais e eletrônicas porsistemas de digitação de códigos numéricos ou leituraótica totalizou 5.713 lojas, em 1996. Os ganhos de pro-dutividade são notórios: ainda que representassem 1,8%dos estabelecimentos comerciais e empregassem apro-ximadamente 9% do pessoal ocupado, as lojas com lei-tura ótica concentraram cerca de 19% de todo fatura-mento do varejo paulista (Gráfico 1).

A automação do varejo, tal como a informatização,desenvolveu-se também em outras regiões do Estado.Tomando a participação das unidades de revenda comleitura ótica ou digitação de códigos numéricos na recei-ta das regiões administrativas de Campinas e Santos, cons-tata-se que estas representam, respectivamente, 39,0%, e36,7% de toda a receita varejista obtida nestas regiões,bem superiores à da RMSP (27,1%).

Do ponto de vista estrutural, vale destacar a heteroge-neidade do processo de reestruturação comercial a partirda dimensão das empresas, pois há diferenças significati-vas no grau de automação comercial implantado. Obser-vando a distribuição das lojas que utilizavam leitura óti-ca ou digitação de códigos numéricos, segundo o portedas empresas, nota-se que em grande parte delas a infor-matização do caixa não era complementada com a gestãointegrada dos estoques. A Tabela 4 permite verificar que

GRÁFICO 1

Distribuição da Renda Líquida no Comércio Varejista,segundo Sistema de Operação de Caixa

Estado de São Paulo – 1996

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep.Nota: Os dados são relativos ao total das ULs da empresa no Estado de São Paulo.

9% 19%

16%

56%

digitação de preço leitura ótica

digitação de código numérico outros sistemas

109

ESTRUTURA ECONÔMICA E TECNOLÓGICA DO COMÉRCIO

é sobretudo nas grandes empresas que se generaliza o pro-cesso de interligação do caixa com a entrada e saída demercadorias: apenas 12,5% das unidades de revenda dasempresas com até 29 empregados que utilizavam leituraótica informatizavam o controle de estoques, enquanto naslojas pertencentes às empresas com 500 a 999 emprega-dos esta proporção era de 67,9% e naquelas com mil emais pessoas ocupadas, era de 88,3%. Neste sentido, par-te substancial do esforço de modernização dos pequenosestabelecimentos ainda não se traduz em ganhos com ogerenciamento mais racional da entrada e saída de mer-cadorias, pois este se reduz aos benefícios mais superfi-ciais destas novas tecnologias (agilização das filas, redu-ção dos erros de digitação, etc.).

Assim, a elevação da produtividade, com a adoção deinovações, ocorreu com maior intensidade nas grandesorganizações de distribuição varejista. Vale dizer que cercade 70% das receitas geradas pelas lojas que utilizavamleitura ótica no Estado pertenciam às empresas de mil emais empregados. Associada à introdução de tecnologiasde intercâmbio de dados, a automação das operações co-merciais vem possibilitando a redução de custos de ar-mazenagem e transporte de mercadorias, além de criarambientes mais favoráveis para o fortalecimento de par-cerias e alinhamento estratégico com fornecedores e clien-tes (Almeida e Crosseti, 1995).

Este processo não deixaria de impor modificações im-portantes na esfera dos recursos humanos. De um lado, oavanço da automação das lojas, com a introdução de

scanners nas empilhadeiras e a substituição de caixasmecânicos e eletrônicos por equipamentos que exigemdigitação de códigos numéricos e leitura ótica, vem su-primindo ou introduzindo novos requisitos de qualifica-ção para ocupações que tradicionalmente exigem baixaescolaridade, tais como estoquistas, conferentes, remar-cadores de preços, vendedores e balconistas. Mesmo nossegmentos que normalmente exigem escolaridade médiados vendedores (lojas de departamento e eletroeletrôni-cos), a introdução de emissão de pedidos por computa-dor vem requerendo novos conhecimentos de informáti-ca desses profissionais.

De outro lado, a expansão de cadeias comerciais deprodutos de maior valor agregado fomentou o apareci-mento de lojas especializadas em bens importados de altopadrão tecnológico (computadores, eletroeletrônicos deúltima geração, telefones celulares, etc.) e a necessidadede um conjunto de vendedores com experiências especí-ficas e conhecimentos técnicos qualificados em merca-dos sujeitos a constantes inovações de produto. Estes pro-fissionais vêm se qualificando com os avanços da moder-nização da economia industrial e a assimilação de novosprodutos na cadeia comercial. Surge, assim, um grandecontigente de jovens com remunerações mais altas recém-egressos dos cursos técnicos e universitários com conhe-cimentos de línguas e capacitados para realizar consultasem livros técnicos e periódicos internacionais. Conseqüen-temente, aumenta a heterogeneidade do mercado de tra-balho: coexistem profissões de baixa remuneração (cai-xas, balconistas, frentistas, atendentes de farmácias, etc.)e profissões de maior qualificação técnica, ligadas à co-mercialização dirigida aos segmentos de alta renda e in-tegrada aos padrões de consumo internacionalizados, bemcomo ocupações tradicionais de escolaridade média (re-presentantes comerciais e vendedores de lojas de cliente-la popular), que vêm sofrendo um processo de desvalori-zação nos últimos anos.

Neste sentido, tanto a automação das lojas como a ex-pansão dos serviços auxiliares de venda e o aparecimen-to de produtos mais complexos na cadeia comercial tive-ram implicações diretas sobre o processo de qualificaçãodos empregados. As informações da Paep permitem ob-servar os requisitos de contratação das empresas com maisde 30 empregados no Estado de São Paulo. Trata-se deum segmento representativo, pois possui 2.357 empresas,sendo responsável por 25,0% do emprego, 45,5% das re-ceitas e cerca de 56% do valor adicionado no comérciovarejista paulista.

TABELA 4

Unidades Locais com Informatização do Controle dos Estoques, porFormas de Operação do Caixa, segundo Porte da Empresa

Estado de São Paulo – 1996Em porcentagem

Porte da Empresa

Formas de Operação do Caixa

(Pessoal Ocupado) DigitaçãoDigitação

Leitura Outras

de Preços de Código

Ótica FormasNumérico

Total 9,2 28,3 32,3 9,41 a 29 7,5 22,4 12,5 9,0

30 a 49 32,8 75,9 57,6 32,9

50 a 99 41,3 75,6 72,9 32,7

100 a 249 49,1 81,8 81,6 49,7

250 a 499 50,7 54,4 89,7 58,5

500 a 999 48,6 95,7 67,9 35,9

1.000 e Mais 46,3 95,3 88,3 98,3

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep.Nota: Os dados são relativos ao total de ULs da empresa no Estado de São Paulo.

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 13(1-2) 1999

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Neste universo de empresas, destaca-se a predominân-cia dos requisitos tradicionais vinculados ao comporta-mento e às características pessoais (trabalho em grupo,responsabilidade, iniciativa, etc.), bem como a experiên-cia profissional, atestando que as relações interpessoaisentre vendedores e compradores ainda são determinantespara a efetivação do processo de venda, em que o carismae a persistência são tidos como valores fundamentais.

Vale notar, conforme apontado anteriormente, que osconhecimentos de informática são outro importante re-quisito de contratação: 23,6% das empresas no Estadosolicitam conhecimentos de informática para contrataçãonos estabelecimentos de revenda. Além de garantir for-mas de gerenciamento mais seguras sobre as operaçõescomerciais e administrativas, a informatização permite aintrodução de técnicas mais avançadas de gestão (auto-mação do controle de estoques, emissão de pedidos porcomputador, etc.) o que pressupõe a familiaridade dosempregados com o manejo de computadores e equipamen-tos de automação comercial, como pontos de venda mo-dulares e impressoras com código de barras.

Entretanto, essa exigência, isoladamente, não é sufi-ciente para retratar os impactos da modernização na de-manda por trabalhadores, dado que a introdução de no-vas tecnologias não tem desdobramentos apenas nosquesitos estritamente técnicos relacionados à informáti-ca, mas no conjunto de capacitações para o cumprimentodas funções existentes nas empresas varejistas.

Observa-se também que a modernização vem incidin-do na elevação da exigência de escolaridade no momentoda contratação. Para funcionários ligados diretamente àsoperações nas lojas (balconistas, caixas, vendedores, es-toquistas, entre outros), verifica-se que apenas cerca de14% das empresas não exigem nenhuma escolaridade,enquanto 44,0% não dispensam o ensino fundamental e33,9 % das unidades de revenda exigem ensino médio.5

O aumento do nível de escolaridade e a necessidadede conhecimentos em informática como requisitos dedestaque na contratação sinalizam modificações impor-tantes no processo de trabalho das lojas. À medida queestas se automatizam, há uma tendência de agrupamentodas atividades mais simples, anteriormente realizadas pordiversos funcionários, para atividades mais complexas queexigem maior qualificação. A adoção de leitura ótica, oudigitação de código numérico, passa a agregar certas ta-refas a uma mesma rotina de trabalho, por exemplo: o usode código de barras no caixa, associado a um software decontrole de estoques, elimina a necessidade do controle

manual. Em contrapartida, os operadores de equipamen-tos de automação devem saber lidar com formas de con-trole mais abrangentes, o que se traduz na necessidade dedominarem equipamentos mais sofisticados.

CONCLUSÃO

Os dados apresentados permitem perceber que, nãoobstante a manutenção de certas características básicasligadas à heterogeneidade da estrutura de comercializa-ção do varejo (alta pulverização, grande variação de pro-dutividade, pequena presença de capitais estrangeiros,etc.), há um processo de transformação bastante acentua-do em sua base tecnológica e em suas estratégias geren-ciais. Essa dinâmica se evidencia com a difusão do usode computadores, o avanço do número de lojas auto-matizadas e o uso crescente de sistemas de intercâmbioeletrônico de dados, que refletem diretamente em novasexigências de contratação para o varejo.

Outro fator de destaque é a significativa presença dospequenos estabelecimentos no processo de acumulaçãode capital no comércio varejista. Isto se manifesta tantosob a ótica das redes como da área de vendas, em queesse grupo mostra a maior participação na apropriaçãoda renda e da geração de empregos quando comparada àsgrandes e médias lojas.

Em síntese, algumas conclusões podem ser apresenta-das:- ainda que as tendências de internacionalização do vare-jo estejam em evidência, seus limites de crescimento es-tão vinculados diretamente à estrutura empresarial exis-tente no Estado. Dado que o número de redes é rela-tivamente restrito, o avanço da reestruturação patrimo-nial, em curso na segunda metade da década de 90, podeter uma abrangência limitada;- o processo de informatização/automação é o destino dovarejo, como de quase todas as atividades econômicas.Vale dizer que ainda assistiremos a muitas mudanças pro-vocadas por este processo;- como conseqüência, entre outras, devemos presenciar oaumento da produtividade do varejo e do nível de exigênciaem termos de capacitação da mão-de-obra empregada;- finalmente, vale chamar atenção para a participação demuitas das pequenas empresas no processo de moderni-zação simultaneamente às grandes, e possivelmente emproporções inéditas, ainda que não se dê em toda sua po-tencialidade.

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ESTRUTURA ECONÔMICA E TECNOLÓGICA DO COMÉRCIO

NOTAS

E-mai l dos au to res : vagner@seade .gov .b r ; e l ena@seade .gov .b r [email protected]. Sobre as implicações do processo de “financeirização” da riqueza e seus im-pactos no consumo, ver Belluzo e Coutinho (1998) e Chesnais (1995).2. Esses percentuais se reduzem para 9,1% do pessoal ocupado e 22,7% da re-ceita nas empresas com mais de 20 unidades locais.3. Ver artigo de Alexandre Comin, nesta revista.4. O entorno metropolitano compreende as regiões administrativas de Campi-nas, Sorocaba, São José dos Campos e Santos. Ver artigo de Maria de FátimaInfante Araujo, nesta revista.5. A elevação dos requisitos de contratação deve ser visto também como umprocesso dinâmico, cujas motivações não decorrem unicamente da moderniza-ção do processo produtivo propriamente dito, mas podem expressar momentosparticulares (transitórios ou estruturais) do mercado de trabalho. O aumento dodesemprego de jovens com escolaridade no mercado de trabalho, motivado peloavanço do processo de universalização do ensino básico e médio, pode contri-buir para um aumento dos requisitos em função do incremento da oferta da forçade trabalho escolarizada, sem que certos processos de inovação se instauremnecessariamente. Para um apanhado sobre as relações entre o mercado de traba-lho e a política econômica nos últimos anos, ver Tavares (1998).

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SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 13(1-2) 1999

112

É

MODERNIDADE E ARCAÍSMO NACONSTRUÇÃO PAULISTA

CARLOS ROBERTO ALMEIDA FRANÇA

Sociólogo, Analista da Fundação Seade

MIGUEL MATTEO

Engenheiro, Analista da Fundação Seade

consensual a análise de que os anos 90 têm sidopalco de um intenso processo de modificação dasatividades econômicas em direção ao aumento da

eficiência produtiva.No Brasil, o ano de 1990 é um importante marco nesta

trajetória, visto que significa o começo efetivo de umanova fase de abertura dos mercados e de internacionali-zação da economia. O empenho do governo para criarmaior competição entre empresas visava interromper oprocesso inflacionário e induzir uma espiral de crescimentoda competitividade dos produtos nacionais, com efeitosexpansíveis para toda a economia. Aquele ano caracteri-zou-se também como um dos mais críticos para a indús-tria da construção.

Após 1994, com o Plano Real, observou-se um relati-vo sucesso na estabilização econômica e espasmódicosmovimentos de aumento dos investimentos produtivos, oque permitiu que este segmento obtivesse ganhos desseprocesso.

Dentre os vários aspectos desse período, marcado pelachamada “globalização da economia”, alguns tiveram sig-nificativos impactos sobre a indústria da construção, como,por exemplo, as privatizações.

As transferências de propriedade de empresas esta-tais para o capital privado significaram, para algumaspoucas grandes empresas deste segmento, oportunida-des de investimento do capital acumulado e de diversi-ficação de atividades, mantendo-se uma certa lógica deintegração vertical, já que conheciam razoavelmentebem o campo de atuação das estatais, por terem parti-cipado da construção de vários empreendimentos. Isso

ocorreu, entre outros, nos segmentos energético e deestradas de rodagem.

No entanto, se novas vantagens surgiram para alguns,é indiscutível que esse ambiente econômico trouxe tam-bém desafios inéditos. A concorrência por uma partici-pação destacada no mercado significou maiores exigên-cias de qualidade e crescentes dificuldades para repassaraumentos de custos aos consumidores. Aliadas à intensi-ficação da busca pela lucratividade máxima, essas preo-cupações das empresas imprimiram novas lógicas admi-nistrativas.

Há boas indicações de que esse movimento moderni-zador e a corrida por aumentos de eficiência chegou maistarde, e com alguns atenuantes, na indústria da constru-ção, devido à própria natureza do setor. É largamente re-conhecido que a média das empresas ligadas à atividadeda construção tem uma postura refratária a mudanças.

O principal motivo desse conservadorismo é o óbvioconflito entre investimentos em tecnologia e oferta abun-dante de mão-de-obra. Iniciativas inovadoras estão atre-ladas à poupança de esforços e recursos, tendo nas situa-ções de escassez ótimas motivações, o que, por muitotempo, não foi a tônica desse setor.

Afora os fatores de caráter geral, é possível identificarcomo especificidade da atividade construtiva o longo pra-zo de maturação dos investimentos, o que ajuda a expli-car a lentidão para absorver mudanças conjunturais. Alémdisso, o alto preço do produto determina a tendência dosconsumidores a adiar decisões de compra quando surgemsituações potenciais de crise, fazendo com que os movi-mentos de retração do setor se dêem antecipadamente aos

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MODERNIDADE E ARCAÍSMO NA CONSTRUÇÃO PAULISTA

de muitas outras atividades econômicas. Contrariamente,em momentos de expansão da economia e retomada deinvestimentos, este é o último setor a beneficiar-se, poisapenas com sólidas indicações de que os perigos da criseforam afastados é que empresas e pessoas sentem-se se-guras para pôr em prática seus planos de longo prazo (Fun-dação João Pinheiro, 1984:28). Essa reatividade do com-portamento da construção aos movimentos conjunturaismais gerais contribuiu para fortalecer uma impressão deque os fatores decisivos para a atividade estavam fora deseus limites de ação.

Também contribuindo para a lentidão de movimentosda indústria da construção há o fato que nesse setor é muitocomum a administração familiar de empresas. Isso refle-te em conservadorismo técnico e administrativo, do qualse pode tomar como indicador o baixo nível de endivida-mento de grande parte das empresas (Contador, 1993:3).Ineficiências devidas à falta de profissionalização dosexecutivos, problema típico de empresas geridas por gru-pos definidos por relações de parentesco, também aca-bam criando um clima organizacional que dificulta a cla-reza de planejamento necessária para implementar asmudanças de rumo exigidas pelo mercado moderno.

É importante ainda frisar que o processo de interna-cionalização da economia vivido nos últimos anos inter-feriu de forma diferenciada nas várias atividades econô-micas. Enquanto indústrias como a têxtil e de vestuáriotiveram de enfrentar a concorrência direta de produtoresestrangeiros, na construção civil isso não aconteceu tãointensamente.

Por depender de relações cheias de nuances específi-cas, nesse setor é pouco comum que empresas consigamatuar longe de seus mercados locais, para consumidoresque não conhecem e com fornecedores com os quais nãotêm ligações. As exceções são grandes empresas, espe-cializadas em obras gigantescas, que, por isto, evidente-mente, têm maior alcance regional. Vale explicitar que,mesmo para empresas de maior porte, experiências recen-tes de expansão em direção ao Mercosul não foram mui-to bem-sucedidas (Magalhães, 1997).

O baixo valor agregado por tonelada de produto, co-mum na indústria de materiais e componentes para a cons-trução civil, ajuda a confirmar que toda a cadeia produti-va tem poucas tendências exportadoras, caracterizando ocunho regional da atividade.

Contudo, a indústria da construção não ficou totalmentealheia à chamada modernização da economia e, à sua ma-neira, vem se adaptando aos novos tempos. Um exemplo

desta adaptação é a necessidade de adequação aos padrõesconstrutivos exigidos pelas empresas transnacionais que ins-talam suas unidades no Brasil, provocando uma imprescin-dível racionalização dos processos produtivos.

A maior proteção ao consumidor também impulsionaas empresas de construção, seja na melhoria dos padrõesde qualidade dos produtos finais, seja no cumprimentode prazos, cada vez mais exíguos, com pesadas cláusulaspara a sua não observância.

INDÚSTRIA DA CONSTRUÇÃO EPESQUISAS ECONÔMICAS

Embora em geral seja considerada uma atividade tra-dicional, a indústria da construção tem aparições muitoraras nos compêndios de análises econômicas.

Suas qualidades especiais fazem com que as metodo-logias de pesquisa ofereçam dificuldades de aplicação nãoobservadas em outros setores, e até indicadores aparente-mente simples deixem muitas dúvidas sobre sua efetivi-dade. É o caso, por exemplo, de medidas de porte dasempresas, que, normalmente, são baseadas apenas no con-tingente de pessoal ocupado em uma determinada data.Segundo alguns analistas da indústria da construção, paraser precisa, esta classificação deveria levar em conside-ração as estratégias de subcontratação, muito comunsnesse setor.

Também medidas de produtividade do trabalho podemser muito discutíveis se baseadas em produção física, da-das as diferenças entre padrões de obras, que não permi-tem a comparabilidade entre medidas como o metro qua-drado construído, a menos que se trate de um conjuntoespecialmente homogêneo de empresas.

Nas estatísticas oficiais de contas nacionais, o setorconstrução é um capítulo à parte, apresentando proble-mas que poderiam parecer triviais à primeira vista. Exem-plo disto é a composição de indicadores regionalizadosda atividade econômica, complicada pela mobilidade dasempresas, enquanto o produto é fixo no espaço. Note-se,no entanto, que “trivialidades” como essas explicam ainexistência de números precisos sobre a indústria da cons-trução em um grande número de países (Brisolla et alii,1998:3; United Nations, 1968).

Além das estatísticas econômicas, em outros aspectosda atividade de construção há, de modo geral, uma defi-ciência de informações que possibilitem ao setor conhe-cer-se melhor e planejar seu desenvolvimento. Até agoraforam poucas as iniciativas de constituição de um esto-

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que de dados abrangentes sobre a indústria da constru-ção, cabendo destaque para algumas exceções.

O IBGE, com a Pesquisa Anual da Indústria da Cons-trução (Paic), realizada desde 1990, alimenta um bancode dados que, não obstante conta com uma variedade re-lativamente pequena de informações, pode fornecer indi-cadores muito interessantes. Note-se, porém, que mesmoapós o esforço daquele instituto para reformular suas pes-quisas anuais, a Paic não superou a grave carência de re-tratar apenas um painel de empresas, constituído a partirda posição delas em relação à realidade remota do ano de1985, quando foi realizado o último Censo Econômicoda Construção. Isso limita bastante a representatividadeda pesquisa e contribui para que ela continue sendo poucoreconhecida por grande parte dos especialistas do setor.

Da mesma forma que o IBGE, outras entidades, comoo Sindicato da Indústria de Construção e Grandes Estru-turas de São Paulo (Sinduscon/SP) e o Núcleo Orientadopara a Inovação da Edificação (Norie), ligado à Univer-sidade Federal do Rio Grande do Sul, têm desenvolvidorespeitáveis esforços de pesquisa sobre a atividade deconstrução.

Foi com base nessas experiências, e procurando con-siderar as demandas dos principais usuários desse tipo deinformação, que a equipe da Fundação Seade aliou-se atécnicos do Sinduscon/SP, do Norie-UFRGS, do ITQC(Instituto Tecnológico da Qualidade da Construção) econsultores individuais1 para discutir a adequação daPesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep ao se-tor da construção.

Sobre o processo de reestruturação produtiva, ponto fo-cal da Paep, essas discussões revelaram que, embora tardia-mente, o setor começava a ressentir-se da modernização, sejadas técnicas produtivas e da introdução de novos produtos,seja, principalmente, dos métodos gerenciais, para garantiruma produtividade mais elevada e resguardar-se das conse-qüências da abertura do mercado brasileiro a empresas es-trangeiras que aqui se estabeleciam.

A indústria da construção encontrava-se, pois, no “olhodo furacão”, e estava por merecer um estudo de carátergeral e amplo. Este concretizou-se na Paep, da qual deri-vam os resultados apresentados, ainda que de forma su-cinta, neste artigo. Em seguida a uma análise sobre a eco-nomia nacional e outra sobre as estatísticas sobre o setor,discorre-se sobre sua estrutura e os aspectos que caracte-rizam sua modernização, de forma a explicitar os moti-vos que levaram a equipe técnica da Paep a construir osquestionários da forma como foram passados às empre-

sas. Ao final, são mostrados alguns dos principais resul-tados obtidos pela pesquisa e levantadas questões paraanálises futuras.

Contudo, a pretensão maior deste artigo é abrir umprocesso de discussão – que, esperamos, seja amplo – nosetor e com os outros setores da atividade econômica, alémde indicar que aprofundamentos ulteriores estão à esperade novas investigações.

CARACTERIZAÇÃO DO SETOR

Uma empreitada com o intuito de quantificar e quali-ficar os novos paradigmas ditados pelo processo recentede reestruturação produtiva da indústria da construçãodepara-se, de saída, com a grande heterogeneidade entreas empresas a serem pesquisadas.

Do ponto de vista do padrão tecnológico vigente, é per-feitamente possível a convivência entre empresas pequenase grandes, tradicionais e modernas (e combinações cruza-das desses atributos), no mesmo tipo de atividade.

A existência de poucas barreiras econômicas e técni-cas à entrada no mercado permite que, praticamente, qual-quer pessoa física ou jurídica esteja habilitada a atuar,senão como construtor, ao menos como empreiteiro, prin-cipalmente em um ambiente socioeconômico e culturalcomo o brasileiro, marcado pela necessidade de geraçãode ocupação para um grande número de pessoas, pela dis-posição ao improviso e ao “faça você mesmo”.2

Isto, inclusive, ajuda a explicar o grande número deincorreções cadastrais no banco de dados da RelaçãoAnual de Informações Sociais (Rais), do Ministério doTrabalho, no qual muitas pessoas físicas e jurídicas dasmais diversas atividades – farmácias, açougues, padarias– aparecem como empregadores do setor construção ci-vil. Este fato, diga-se, dificulta ainda mais a operação depesquisas econômicas sobre a indústria da construção, jáque tornam pouco confiáveis os cadastros disponíveis.3

Para caracterizar a indústria da construção, a Classifi-cação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE/95),criou a seção F - Construção, é composta apenas pela di-visão 45, de mesmo nome, com seis grupos: 45.1 - Prepa-ração do terreno; 45.2 - Construção de edifícios e obrasde engenharia civil; 45.3 - Obras de infra-estrutura paraengenharia elétrica e de telecomunicações; 45.4 - Obrasde instalações; 45.5 - Obras de acabamentos e serviçosauxiliares da construção; e 45.6 - Aluguel de equipamen-tos de construção e demolição com operários. Esses gru-pos compreendem 21 classes, desde a abrangente “45.21-

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MODERNIDADE E ARCAÍSMO NA CONSTRUÇÃO PAULISTA

7 - Edificações residenciais, industriais, comerciais e deserviços”, até especialidades como a classe “45.31-4 -Construção de barragens e represas para geração de ener-gia elétrica”.

Mesmo tendo significado um avanço em relação à Clas-sificação das Atividades Econômicas anterior, a CNAE/95,mereceu críticas de especialistas do setor, por ser demasia-damente detalhista em alguns pontos e agregada demais emoutros, não refletindo a real organização do mercado.

Além disso, segundo algumas análises, como a daTrevisan Consultores e Rosemberg e Associados (1996),para configurar todas as relações envolvidas no negócioda construção, deveriam fazer parte de uma avaliação sis-têmica atividades como a produção e o comércio de ma-teriais de construção, a indústria de bens de capital paraconstrução, atividades imobiliárias, etc.

Considerando a dificuldade de uma abordagem gene-ralista desse universo, e também as restrições inevitáveisem qualquer levantamento de dados, cuja alocação derecursos precisa ser eficaz e equilibrar-se entre o idealteórico e o real prático, percebeu-se que a Paep não po-deria ter sua amostra estratificada segundo a Classifica-ção Nacional de Atividades Econômicas no limite máxi-mo de desagregação, isto é, em classes. Também não seriarazoável fazê-la apenas para a agregação genérica indús-tria da construção, a dois dígitos (divisão 45).

Já a segmentação intermediária, de grupos, a três dígi-tos, ao mesmo tempo em que se mostrava demasiadamenteaberta (e, portanto, onerosa para o desenho da amostra dapesquisa), representava também a perda da oportunidadede garantir resultados específicos para a maior e maisimportante parcela do setor, representada pela constru-ção de edificações (classe 4521-9).

Para contornar esses problemas, a coordenação da Paepescolheu um caminho alternativo, construindo o que se cha-mou de Classificação de Atividade Econômica específica daPaep (Caepaep), definindo estratos amostrais para três seg-mentos, quais sejam:- edificações, representado pela classe edificações resi-denciais, industriais, comerciais e de serviços;- serviços auxiliares da construção, que abarca os servi-ços de instalações e partes de obras, formado pelas clas-ses instalações elétricas; instalações de sistemas de arcondicionado, ventilação e refrigeração; instalações hi-dráulicas, sanitárias, de gás e de sistemas de prevençãode incêndio; outras obras de instalações; alvenaria e re-boco; impermeabilização e serviços de pintura em geral;e outros serviços auxiliares de construção;

- outras atividades da construção, abrangendo todo o res-tante do setor, ou seja, as classes demolição e preparo doterreno; perfurações e execução de fundações para constru-ção civil; grandes movimentações de terra; obras em infra-estrutura de transporte; grandes estruturas e obras de arte;obras de urbanização e paisagismo; montagens industriais;obras de outros tipos; construção de barragens e represas parageração de energia elétrica; construção de estações e redesde distribuição de energia elétrica; construção de estações eredes de telefonia e comunicação; aluguel de equipamentosde construção e demolição com operários.

É evidente que esta agregação representou tambémalgumas perdas de representatividade, porém, era o limi-te alcançável nas condições dadas. Provavelmente, o seg-mento mais prejudicado foi outras atividades da constru-ção, no qual não se pôde evitar uma certa disparidade entreas várias classes que o compõem. Por outro lado, a seconfirmar a hipótese de que este conjunto é formado porum grande número de empresas de portes médio e gran-de, isto é, com mais de trinta pessoas ocupadas, e tendoem vista o alto índice de aproveitamento nos questioná-rios emitidos, a análise futura da pesquisa poderá permi-tir que se construam estratos estatisticamente representa-tivos do universo de empresas de cada classe de ativida-de inserida nesse segmento da CAEPaep.

A Tabela 1 apresenta os montantes e a participação decada subsetor da indústria da construção no total de em-presas, de pessoal ocupado e de valor adicionado.4

Como se pode observar, quase metade das empresaspesquisadas pertence ao subsetor Edificações, e as res-tantes dividem-se de maneira aproximadamente eqüitati-va entre os outros subsetores.

O mesmo não acontece com o montante de pessoalocupado em que o segmento outras atividades da cons-trução suplanta edificações e serviços auxiliares da cons-trução. Neste último, está alocado pouco mais de um sex-to do total, enquanto os dois primeiros segmentos sãocontemplados com cerca de 40% cada. Chama a atençãoque o subsetor serviços auxiliares da construção tem umaparticipação no pessoal ocupado equivalente a aproxima-damente três quintos de sua parcela no número de empre-sas, confirmando a expectativa de se encontrar nesse seg-mento, em geral, empresas de pequeno porte. A média depessoas ocupadas por empresa nesse subsetor é igual aum terço da encontrada no segmento outras atividades daconstrução.

Ainda na Tabela 1, temos o valor adicionado,5 quedemonstra uma concentração ainda mais pronunciada.

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TABELA 1

Empresas, Pessoal Ocupado e Valor Adicionado, segundo Subsetores da Indústria da ConstruçãoEstado de São Paulo – 1996

Subsetores Empresas Pessoal Ocupado Valor Adicionado

Números Absolutos % Números Absolutos % Em R$ %

Total 7.630 100,0 407.048 100,0 7.683.016.199 100,0Edificações 3.647 47,8 163.413 40,1 2.460.636.382 32,0

Serviços da Construção 2.205 28,9 73.047 17,9 1.099.301.476 14,3

Outras 1.778 23,3 170.588 41,9 4.123.078.341 53,7

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep.

Enquanto o subsetor outras atividades detinha poucomenos de 54% de todo o valor adicionado da indústria daconstrução, os serviços auxiliares ficavam com menos de15%. Assim, a média de valor adicionado por empresaera de pouco mais de um milhão de reais para o total dosetor, chegando a R$ 2.318.942,00 para o subsetor outrasatividades e não passando de R$ 498.546,00 para os ser-viços auxiliares.

A partir de algumas das características descritas natabela anterior, explica-se a limitação deste trabalho àanálise do segmento edificações.

Esse segmento, como afirmou-se anteriormente, é for-mado apenas pela classe de atividade edificações residen-ciais, industriais, comerciais e de serviços, de forma que,segundo a Classificação Nacional de Atividades Econô-micas, é o mais homogêneo de todos.

A construção de edificações, por sua característicageneralista, é a classificação preferida pelos informantesdesse setor ao cadastrarem suas empresas na Rais e naSecretaria da Receita Federal.

Nos cadastros, mesmo descontando-se os erros de classi-ficação, tão mais numerosos quanto mais genérica é a deno-minação da atividade, essa classe agrega a maior parte dasempresas que atuam na indústria da construção. Emboraabarque desde os pequenos empreiteiros de obras, que seocupam de pequenas reformas, até grandes empresas, queconstroem edifícios, shopping centers e indústrias, existemcertas semelhanças nos processos produtivos, que permitemtratar o conjunto sob um mesmo prisma.

Outro motivo importante para a escolha do subsetoredificações para o presente recorte analítico é a inegáveladequação privilegiada deste a alguns quesitos levanta-dos pelos instrumentos de coleta utilizados pela Paep. Porcontar com a maior parte da massa de informações já exis-tentes sobre essa indústria, este subsetor é mais bem re-tratado pela pesquisa.

Os dados da Tabela 2 descrevem as principais caracte-rísticas dessa divisão da indústria da construção, segmen-tando-a por faixas de pessoal ocupado.

Nota-se uma grande concentração de pequenas em-presas (com mais de quatro e menos de 30 pessoas ocu-padas), representando 69,1% do total, embora partici-pem com apenas 21,2% do emprego e 37,8% do valoradicionado.

Por outro lado, agregando-se as empresas com maisde 99 pessoas ocupadas, obtém-se menos de 10% dasempresas, que empregam cerca de 53% das pessoas ocu-padas e participam com aproximadamente 40% do valoradicionado do subsetor.

Essa grande participação das maiores empresas na ge-ração de renda determina a diferença entre as médias devalor adicionado por empresa, segundo porte. Cada em-presa com 500 ou mais pessoas ocupadas obtém cerca de24 vezes o valor adicionado de uma empresa pequena.Empresas com maior número de empregados operam obrasmaiores e mais caras, tendo acesso a maior volume derecursos. Ao tomar para si uma proporção desses recur-sos, é coerente que o volume absoluto de valor adiciona-do desse grupo seja consideravelmente maior do que odas pequenas empresas.

O que chama a atenção, no entanto, é a proporção re-lativa entre valor adicionado e pessoal ocupado compa-rada entre esses dois extremos. Essa medida de produti-vidade é de R$ 9.035,00 por pessoa ocupada no grupodas maiores empresas e chega a R$ 26.857,00 nas meno-res. Na média, a produtividade do pessoal ocupado dosubsetor edificações é de R$ 15.058,00. Isso ilustra mui-to bem a idéia descrita anteriormente sobre porte de em-presas e sua relação com o número de pessoas ocupadas,e demonstra a dificuldade de compor um conceito queguarde coerência entre o contingente ocupado diretamentepelas empresas e sua capacidade de geração de valor.

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MODERNIDADE E ARCAÍSMO NA CONSTRUÇÃO PAULISTA

COMO SE CARACTERIZA A MODERNIZAÇÃONO SUBSETOR EDIFICAÇÕES?

O movimento em busca da ampliação da capacidadecompetitiva das empresas, que deve ser conjugado com oaumento de eficiência nos processos produtivos e de qua-lidade dos produtos, é particularmente evidente no sub-setor de edificações.

Assim como em outras especialidades, neste segmen-to as tendências do processo são definidas pelo compor-tamento das maiores e mais importantes empresas do gê-nero. É comum que se façam análises das ações dessasempresas com o intuito de delinear o caminho que o con-junto do setor pode seguir na adoção de novas estraté-gias. Sobre essa premissa está baseada a maioria dos es-tudos da indústria da construção, calcados, quase sempre,em estudos de caso.

Evidentemente, o fato de os estudos focalizarem deter-minadas empresas, com especificidades não reproduzíveispara outras, não tira nenhuma partícula do mérito dessas ini-ciativas, muito pelo contrário, visto que estes cumprem opapel que se propõem, ou seja, mostrar possíveis tendên-cias, não necessariamente retratando a totalidade do setor.

De qualquer forma, essas tendências acabam por se tor-nar paradigmas através dos quais passa-se a medir o grau deconformidade das empresas ou dos grupos de empresas aessas “líderes”. Com o fim de caracterizar o processo demodernização do subsetor edificações, vejamos quais sãoos itens mais comumente presentes entre esses modelos.

Mesmo parecendo anacrônico, ainda é comum nasanálises qualificar-se como uma tendência modernizado-ra a adoção de ferramentas de informática para a gestãodas empresas. Empresas de construção civil, principalmen-te as de menor porte, são “habitats naturais” de empresá-

rios com os traços típicos de resistência e desinteresse pelouso de microcomputadores. Concorrem para isso, entreoutros fatores, a baixa escolaridade dos indivíduos e pos-turas pessoais conservadoras.

No entanto, enquanto existem empresas onde não seutilizam computadores nem para atividades administrati-vas, outras mais modernas vêm se diferenciando pelo usode trocas eletrônicas de dados com a finalidade de usu-fruir de um mercado virtual para compras de materiais oupara garantir comunicação ágil entre canteiros de obras eos departamentos administrativos da empresa (sede, de-partamento de compras, etc.).

Ainda dentro das tendências relativas à adoção de equi-pamentos, delineia-se uma trajetória em direção à trans-formação do processo produtivo em algo que se asseme-lhe o mais possível à produção seriada. A montagem dearmações para vigas, esquadrias e outros conjuntos quefarão parte da obra pode ser transferida para locais espe-cíficos, geralmente anexos ao canteiro, significando ga-nhos de produtividade típicos das já antigas técnicas defabricação em série e organização científica da produção.Nesse sentido, a utilização de centrais de fabricação de com-ponentes vem possibilitar a separação de fases do processo,deixando para a realização no canteiro apenas aquelas ope-rações que não poderiam ser feitas em outro local.

Vêm também das empresas fornecedoras de materiaisde construção muitas novidades em termos de componen-tes. São exemplos típicos as argamassas pré-misturadas,os revestimentos de maior dimensão (ou, quando meno-res, prefixados entre si), as paredes pré-fabricadas emgesso acartonado (dry wall) e várias outras partes que,embora possam ter surgido no mercado por outros moti-vos, prestam-se muito bem à racionalização dos procedimen-tos de construção, reduzindo e simplificando operações.

TABELA 2

Empresas, Pessoal Ocupado e Valor Adicionado do Subsetor Edificações, segundo Faixas de Pessoal OcupadoEstado de São Paulo – 1996

Faixas de Pessoal Ocupado Empresas Pessoal Ocupado Valor Adicionado

Números Absolutos % Números Absolutos % Em R$ %

Total 3.647 100,0 163.413 100,0 2.460.636.382 100,01 a 29 2.520 69,1 34.643 21,2 930.418.867 37,8

30 a 49 410 11,2 15.992 9,8 184.905.184 7,5

50 a 99 379 10,4 26.260 16,1 354.296.946 14,4

100 a 249 245 6,7 37.238 22,8 495.669.014 20,1

250 a 499 66 1,8 22.925 14,0 257.229.601 10,5

500 e Mais 27 0,7 26.355 16,1 238.116.770 9,7

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep.

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Além de novos materiais, a modernização da ativida-de de construção de edificações passa pela adoção de novasferramentas e técnicas. A partir da constatação de que partesignificativa do tempo dispendido e do material desper-diçado é fruto de operações inadequadas de movimenta-ção de materiais, algumas das empresas líderes do setordemonstram cada vez maior interesse em mecanizar essaparte do processo, utilizando o acondicionamento empallets desde o fornecedor até o local do consumo efeti-vo do material e substituindo o trabalhador braçal porempilhadeiras e gruas.

Algumas outras máquinas e ferramentas, como os me-didores de nível a laser e de prumo eletrônicos, estaçõesde topografia com microprocessadores, shields e minishields, diferenciam empresas que investem em tecnolo-gia das que apenas reproduzem práticas tradicionais.

Essa tendência de tirar do trabalho na construção civil –e, por conseguinte, o trabalhador – de seu reconhecidocaráter artesanal já foi apontada por Farah (1992) em umaanálise de cunho técnico e sociológico desse processoprodutivo. Isso também se relaciona ao fato de que umdos passos da adoção de estratégias para o aumento daqualidade e da produtividade na indústria da construçãoé a definição de manuais de procedimentos, onde se do-cumentam traços das misturas, manuseio de materiais,seqüências das operações, enfim, todas as atividades, tor-nando-as reproduzíveis e, portanto, não artesanais. A de-finição clara da ordem dos procedimentos a realizar emcada etapa da obra tem também um importante efeito naredução de tempos ociosos e de re-trabalhos.

Em relação ainda à administração da produção, aten-ção tem sido dispensada à organização do canteiro deobras. A limpeza e a segurança vêm merecendo maiorescuidados, com resultados na redução de perdas e no au-mento da produtividade – já que diminui o tempo gastoem atividades improdutivas (localização de ferramentas,rotas de movimentação tortuosas) –, e mesmo da melho-ra da auto-estima dos funcionários.

Embora seja listada aqui entre as medidas moderniza-doras, não se pode perder de vista que essa forma de or-ganização do trabalho não é muito diferente do que se vêna indústria de transformação há mais de um século, eque poderíamos denominar genericamente de padrãotaylorista/fordista. O fato é que na indústria da constru-ção esse padrão ainda se configura como novidade.

Outro indicador das tendências apontadas pelas em-presas líderes se refere à contratação de consultorias paraa implementação de programas de qualidade.

Mesmo sendo ainda muito raro no setor a obtenção decertificados da série ISO 9000, à medida que isso se ge-neraliza em outros setores, pode-se esperar um movimentodessa natureza entre empresas construtoras. O baixo ní-vel relativo de internacionalização do setor construtor deedificações, já apontado anteriormente, é um fator que nãoincentiva o grande esforço necessário para uma emprei-tada árdua como o processo de certificação, visto que, parao mercado interno, esse diferencial para a empresa conti-nua apresentando uma relação custo X benefício poucovantajosa.6

Na perspectiva de implantação de programas de quali-dade e produtividade, utilizam-se também os chamadosCírculos de Controle de Qualidade (CCQ), que procuramenvolver os empregados em uma política integrada degarantia dos produtos e processos.

Como primeiro e mais importante passo para essesprogramas, empresas reconhecidas como modernas defi-nem indicadores de qualidade, que devem ser medidos eavaliados continuamente para direcionar as correçõesnecessárias nos processos produtivos. Entre esses indica-dores figuram, com destaque, aqueles relacionados amedidas de perdas e desperdícios.

Além dessas inovações diretamente ligadas à produção,têm sido identificadas por analistas do setor outras atitudesempresariais, voltadas às suas estratégias de mercado, queteriam grande impacto nos resultados das empresas.

A primeira refere-se ao foco de atividade da empresa,isto é, à centralização de esforços na sua maior compe-tência (core competence), tratando como atividades se-cundárias aquelas que só são efetuadas para viabilizar aprincipal. Este processo, chamado de “desverticalização”,quando bem-sucedido consiste do planejamento das ativi-dades a serem terceirizadas, possibilitando que a empresa sediferencie no mercado através daquilo que sabe fazer melhor.

Embora possa parecer contraditório, ao lado da cen-tralização na core competence, estratégias de flexibiliza-ção também são encontradas em empresas líderes. Açõespara adequar produtos e processos visando atingir novosmercados podem perfeitamente tomar um caminho inversoao da desverticalização, quando existem nichos de mer-cado com semelhanças de interesses. É o caso das empre-sas especializadas na construção de obras públicas que,na falta dessas, entraram em concorrências para a cons-trução de equipamentos como shopping centers, hiper-mercados, etc.

Outra tendência apontada por alguns estudos de casoé a organização de empresas construtoras em grupos eco-

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nômicos, objetivando o fortalecimento das entidades demodo a enfrentar a sazonalidade e o comportamento cí-clico da atividade de construção. A diversificação dos ris-cos, o aproveitamento de oportunidades de mercado emesmo estratégias de verticalização explicam esse com-portamento expansionista.

Também são cada vez mais comuns associações entreempresas para a operação de empreendimentos conjuntos,formando joint ventures ou, mesmo sem a criação de umapersonalidade jurídica específica, constituindo parcerias,como as que existem para construção e administração deshopping centers e outras obras de grande porte.

Isto permite que se estabeleçam relações menos destrutivasentre potenciais concorrentes e que se transponha para essesegmento um padrão inovador de administração.

Novos padrões administrativos, aliás, como já foi dito,são uma carência especial da indústria da construção. Épara resolver esse problema que algumas empresas vêmse transformando através de processos de profissionali-zação da gestão, superando dificuldades advindas do for-mato familiar dos seus corpos dirigentes. Considerandoque é comum encontrar entre as empresas mais antigas dosetor situações de transição, com o fim da carreira profissio-nal dos seus fundadores, este pode ser um momento privile-giado para a mudança do caráter da direção, abrindo espaçopara uma nova geração de executivos profissionais.

Assim como as relações com os concorrentes, a convi-vência com clientes e fornecedores é também objeto deestratégias modernizadoras. Em relação à clientela, nasúltimas décadas esta vem apresentando novas exigên-cias, o que está levando as empresas mais preparadas paraos novos tempos a se orientarem para o consumidor. Umsinal dessas mudanças é a criação dos chamados serviçosde pós-venda. Sobretudo para o comprador de imóveisresidenciais, as empresas construtoras passam a ofereceralguns diferenciais como manuais do proprietário e ga-rantias de assistência técnica para correção de defeitos defabricação.

Já com os fornecedores, no passado as relações fre-qüentemente eram marcadas pelo conflito com cada ladose preocupando apenas em obter vantagens máximas,mesmo que isso custasse a sobrevivência do outro. O quese vê agora, como demonstração de modernidade, é jus-tamente um relacionamento de parceria, garantindo van-tagens para ambos os atores. Assim, passam a ser maiscomuns acordos de fornecimento de longo prazo, o quepermite a implantação de programas do tipo just-in-timee afasta problemas relativos à incompatibilidade de com-

ponentes e baixa qualidade de materiais, causadores deaumentos dos custos de construção.

Ainda sobre o item relações de mercado, é importanteressaltar a questão das estratégias de financiamento, já queesse é um insumo fundamental para um empreendimentode construção.

Após a crise vivida nos anos 80, que forçou empresasa trabalharem quase que exclusivamente baseadas emautofinanciamento, abriram-se possibilidades de obten-ção de recursos no mercado de capitais como novas es-tratégias no campo da engenharia financeira. Sendo as-sim, inovações como a emissão de títulos baseados emoperações de securitização de ativos passaram a indicarpossíveis tendências em empresas líderes. A obtenção derecursos a custos mais baixos através de acordos com in-vestidores institucionais, como fundos de pensão e mes-mo financiamentos bancários de longo prazo, passou aser um indicador de uma estratégia diferenciadora paraempresas mais capacitadas a se relacionar com o moder-no mercado financeiro.

No conjunto de estratégias voltadas ao gerenciamento derecursos humanos, algumas tendências identificadas nosestudos de casos das empresas formadoras de opinião de-vem ser citadas como ferramentas do processo modernizador.

Por sua presumida difusão, a principal delas é a sub-contratação ou terceirização. Essa prática, embora nãoesteja estritamente vinculada com o gerenciamento dosrecursos humanos da empresa, produz grande impactosobre este, já que transfere empregos das empresas cons-trutoras para as denominadas prestadoras de serviços deconstrução. A diferença entre esses dois tipos de empre-sas pode parecer sutil no que se refere à classificação daatividade, mas não são desprezíveis seus reflexos na ofertade garantias trabalhistas e benefícios aos empregados.

Na organização da produção, o funcionamento em ti-mes ou células de produção é outra estratégia adotada porempresas consideradas mais modernas, e vai ao encontrodo que se noticia como inovação em outras atividadesmontadoras, especialmente as automobilísticas.

Os últimos anos trouxeram também, quase que comouma nova moda, operações de redução de níveis hierár-quicos nas estruturas administrativas (downsizing). Ado-tado por empresas importantes e diretamente relacionadocom o enxugamento de custos e aumento da agilidade dascorporações, esse artifício passou a indicar uma das no-vas vocações do setor.

Por outro lado, enquanto extinguir cargos de chefiaintermediária indica uma administração moderna, demi-

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 13(1-2) 1999

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tir funcionários ligados à produção, devido ao comporta-mento sazonal da atividade, demonstra irracionalidadeadministrativa. Os decantados altos custos das operaçõesde contratação e demissão determinados pela legislaçãotrabalhista podem, em uma estratégia simplista (e con-servadora), levar à terceirização ou até à contratação doschamados “gatos”. Como alternativa, as empresas toma-das como modelos vêm investindo na formação de traba-lhadores multifuncionais, que podem se adaptar às deman-das específicas de cada fase da obra. Se isto, por um lado,garante o emprego do trabalhador e aumenta sua qualifi-cação, por outro, pode significar a aceitação de condiçõesmais flexíveis e momentaneamente menos favoráveis –situação, aliás, plenamente compatível com o brutal en-fraquecimento dos sindicatos da categoria.

Essa necessidade de trabalhadores multifuncionais e aintrodução de novas técnicas construtivas induz a um outroimpacto positivo do processo de modernização da constru-ção civil, que é a difusão de programas de treinamento.

O que se percebe em empresas que buscam entender eagir sobre o problema da baixa qualificação média dostrabalhadores da construção é que o ponto nevrálgico nãoestá na oferta de treinamentos específicos, mas em pro-gramas de educação básica, já que uma parte significati-va do contingente empregado é de analfabetos ou semi-analfabetos. Essa baixa escolaridade é um impedimentointransponível para qualquer programa de melhoria daqualidade e da produtividade da mão-de-obra e, portan-to, deve ser resolvida prioritariamente. Por isso, certasempresas destacam-se pelo pioneirismo na oferta de sa-las de aula nos canteiros de obras e por outras iniciativasde patrocínio à educação escolar de seus funcionários.

Ações no sentido de possibilitar aos empregados me-lhores condições de vida denotam a preocupação dosempregadores em manter um bom clima organizacio-nal e, especialmente no setor da construção civil, devi-do aos reconhecidos baixos níveis de qualidade dospostos de trabalho, podem ter um efeito importantesobre a imagem pública da empresa. Contudo, ainda secaracteriza como iniciativa modernizadora no setor ofato de a empresa garantir alguns salários indiretos,como alimentação, transporte, prêmios por produtivi-dade, seguros de vida, etc.

É evidente que, além do efeito sobre a imagem daempresa, a adoção de programas que garantam o cumpri-mento de normas de segurança pode ter as vantagens de-monstradas financeiramente, se for levada em conta a le-gislação trabalhista e considerada como efetiva a

possibilidade de a empresa pagar as multas e indeniza-ções devidas por irregularidades.

Ainda com relação ao gerenciamento de recursos hu-manos, vale considerar que a melhoria das condiçõesofertadas pelas empresas líderes está diretamente asso-ciada às novas exigências impostas aos candidatos a em-pregos em boa parte das empresas do setor. Fatores comoo aumento da escolaridade média da população e os altosíndices de desemprego verificados atualmente possibili-tam que se condicione a oferta empregos à comprovaçãode escolaridade básica e experiência profissional anterior,conforme já observado.

Os fatores enumerados anteriormente como indicado-res do nível de modernização das empresas do subsetoredificações são algumas das informações representadasem dados levantados pela Paep junto a empresas infor-mantes da indústria da construção. Com base neles, o itemseguinte apresenta uma análise preliminar da intensidadeda difusão dessas práticas nas 3.647 empresas construto-ras com mais de cinco pessoas ocupadas, que atuavamem São Paulo em 1996. No alcance do levantamento, re-presentado pelo tamanho da amostra, está uma das gran-des novidades da Paep, que possibilitou expandir para umuniverso amplo de empresas a construção de indicadoresaté então possível apenas em estudos de caso.

DIFUSÃO DE ESTRATÉGIASMODERNIZADORAS NA CONSTRUÇÃODE EDIFICAÇÕES

Na Tabela 3, é possível verificar quanto representa emnúmero de empresas, pessoal ocupado e valor adiciona-do a adoção de algumas estratégias selecionadas entre ascaptadas pela Paep. A presente análise, por ser apenas umaprimeira aproximação das potencialidades do banco dedados da pesquisa, declina de tratar uma outra série deinformações disponíveis sobre os processos mencionadosno item anterior.

Entre as selecionadas, a estratégia que teve o maiornúmero de respostas afirmativas foi o uso de sistemas deapropriação de custos por obra, o que denota a preocupa-ção central com o controle de custos. Em segundo lugar,aparece o planejamento informatizado de obras, reflexodo barateamento dos equipamentos de informática e dadisponibilidade de sistemas desenvolvidos especificamen-te para o controle de obras.

Um número expressivo de empresas pesquisadas ado-tava avaliação pós-ocupação, sendo que a participação no

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MODERNIDADE E ARCAÍSMO NA CONSTRUÇÃO PAULISTA

TABELA 4

Participação das Empresas do Subsetor Edificações que Adotaram as Estratégias Selecionadas, segundo Faixas de Pessoal OcupadoEstado de São Paulo – 1996

Faixas de Pessoal Ocupado Estratégias (1)

A B C D E F G H I J K L M Total

Total Empresas 4,5 9,1 17,4 56,5 16,5 65,9 22,8 13,2 31,5 27,4 41,7 25,3 15,5 100,0Pessoal Ocupado 7,8 15,4 37,1 65,1 31,7 78,2 35,3 25,4 42,9 39,9 48,2 42,8 29,6 100,0Valor Adicionado 8,5 18,0 54,5 58,0 28,0 84,5 30,0 46,5 39,3 37,1 58,7 36,8 31,6 100,0

5 a 29 Empresas 2,8 7,7 12,3 51,6 12,4 62,1 17,0 8,5 26,3 22,3 39,2 21,7 10,7 100,0

Pessoal Ocupado 3,2 8,1 14,4 55,4 12,6 65,8 18,3 11,1 29,1 25,3 37,4 23,7 11,1 100,0

Valor Adicionado 2,3 10,0 63,9 27,0 5,9 84,5 14,2 61,0 12,6 13,4 67,1 15,7 10,0 100,0

30 a 49 Empresas 9,1 10,6 23,8 68,9 13,2 68,1 33,9 20,4 43,4 43,2 48,3 20,4 26,6 100,0

Pessoal Ocupado 8,7 9,9 23,5 67,5 13,1 67,7 33,4 20,9 42,3 42,8 47,3 20,8 27,5 100,0

Valor Adicionado 16,5 1,5 26,2 67,3 32,7 76,4 30,1 24,4 56,9 53,5 42,0 40,8 36,7 100,0

50 a 99 Empresas 5,2 9,5 21,5 70,5 24,8 74,2 33,4 20,6 36,7 30,6 41,2 32,5 19,3 100,0

Pessoal Ocupado 5,7 8,7 22,3 70,8 26,3 73,6 34,8 21,6 37,3 31,0 40,6 32,8 19,2 100,0

Valor Adicionado 7,7 12,4 26,2 76,8 29,2 72,3 32,4 20,6 45,6 27,5 42,0 39,1 36,6 100,0

100 a 249 Empresas 11,4 15,9 35,9 59,6 42,4 81,2 40,2 32,0 51,3 37,2 52,3 48,9 35,1 00,0

Pessoal Ocupado 10,9 17,4 38,0 56,9 43,7 81,8 42,1 34,0 53,3 39,8 53,9 49,5 37,3 100,0

Valor Adicionado 15,8 22,5 47,0 67,2 49,8 88,8 36,3 43,2 47,2 44,7 60,8 49,0 58,7 100,0

250 a 499 Empresas 10,0 16,8 56,9 69,9 38,8 82,4 45,9 32,0 50,2 55,3 55,6 45,4 19,7 100,0

Pessoal Ocupado 9,2 16,6 57,3 72,4 40,0 84,4 49,7 34,2 53,0 56,2 57,8 47,7 20,0 100,0

Valor Adicionado 24,6 16,4 68,9 81,6 39,7 87,6 45,5 44,9 66,7 65,4 58,0 36,6 11,4 100,0

500 e Mais Empresas 6,5 30,4 73,3 71,7 47,3 93,9 36,4 30,4 42,5 52,2 55,9 69,7 50,0 100,0

Pessoal Ocupado 9,9 31,0 71,3 75,8 49,5 95,0 37,3 30,8 43,5 52,1 54,2 77,8 62,9 100,0

Valor Adicionado -5,3 63,1 81,5 99,6 51,3 97,0 58,4 54,5 74,4 84,8 60,1 87,1 70,5 100,0

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep.(1) A - Downsizing; B - Contratação de consultorias; C - Movimentação mecanizada de materiais; D - Planejamento informatizado de obras; E - Troca eletrônica de dados; F - Sistema deapropriação de custos por obra; G - Índices de produtividade/desperdício; H - Círculos de Controle de Qualidade; I - Manuais de procedimentos; J - Projetos de produtividade por obra; K -Avaliação pós-ocupação; L - Qualificação de fornecedores; M - Financiamento por securitização, invest. institucionais, bancos longo prazo.

TABELA 3

Empresas, Pessoal Ocupado e Valor Adicionado, segundo Adoção de Estratégias SelecionadasEstado de São Paulo – 1996

Estratégias Selecionadas Empresas Pessoal Ocupado Valor Adicionado

Números Absolutos % Números Absolutos % Em R$ %

Total 3.647 100,0 163.413 100,0 2.460.636.382 100,0A - Downsizing 163 4,5 12.790 7,8 208.508.031 8,5

B - Contratação de Consultorias 332 9,1 25.146 15,4 444.041.820 18,0

C - Movimentação Mecanizada de Material 633 17,4 60.680 37,1 1.340.172.963 54,5

D - Planejamento Informatizado de Obras 2.061 56,5 106.333 65,1 1.427.856.408 58,0

E - Troca Eletrônica de Dados 603 16,5 51.845 31,7 689.836.452 28,0

F - Sistema de Apropriação Custos por Obra 2.403 65,9 127.795 78,2 2.080.273.883 84,5

G - Índices de Produtividade/Desperdício 832 22,8 57.691 35,3 738.908.530 30,0

H - Círculos de Controle de Qualidade 483 13,2 41.526 25,4 1.145.375.332 46,5

I - Manuais de Procedimentos 1.150 31,5 70.116 42,9 966.930.955 39,3

J - Projetos de Produtividade por Obra 998 27,4 65.153 39,9 913.371.917 37,1

K - Avaliação Pós-Ocupação 1.522 41,7 78.773 48,2 1.444.161.725 58,7

L - Qualificação de Fornecedores 923 25,3 69.969 42,8 904.859.384 36,8

M - Financ. Missão de Títulos, Inv. Instit.,

Bancos Longo Prazo 564 15,5 48.327 29,6 778.633.685 31,6

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep.

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montante de valor adicionado era ainda maior do que averificada em número de empresas, o que indica uma pre-dominância neste grupo de empresas com maior valoradicionado, provavelmente as de maior porte.

As estratégias menos adotadas foram a contratação deconsultorias específicas para programas de aumento dequalidade e produtividade e a diminuição de níveis hie-rárquicos (downsizing). O pequeno número de casos emque houve contratação de consultores pode dar uma di-mensão da falta de uma coordenação de caráter geral àsações modernizadoras adotadas pelas empresas, o que,provavelmente, prejudica os efeitos sobre a melhoria sis-têmica das empresas, não permitindo que as estratégiastenham os resultados esperados em termos de aumentoda eficácia produtiva.

Ressalte-se também a adoção das técnicas de mediçãoe acompanhamento de índices de produtividade e de des-perdício, que, segundo os informantes, já são realidadeem cerca de 23% das empresas, que, juntas, representam30% do valor adicionado do subsetor.

A Tabela 4 possibilita verificar a difusão das estraté-gias de acordo com o porte das empresas. Observa-se queapenas 2,8% das empresas com mais de 4 e menos de 30pessoas ocupadas diminuíram o número de níveis hierár-quicos entre 1994 e 1996 (item A), o que era de se espe-rar, uma vez que essas empresas, em geral, já tinham umapequena quantidade de níveis de chefias.

Os contratos de mais de um ano com fornecedores, quedemonstram uma preocupação em qualificar esses par-ceiros (item L), são encontrados em quase 70% das em-presas de maior porte, enquanto nas menores não chegama 22%. Situação semelhante ocorre em relação ao uso detécnicas de movimentação mecanizada de materiais (uti-lização de pallets, gruas ou empilhadeiras). Enquantopouco mais de 12% das empresas com menos de 30 em-pregados responderam afirmativamente a essas questões,a parcela das usuárias dessas técnicas era superior a 70%entre aquelas com mais de 499 pessoas ocupadas.

Apenas o planejamento informatizado e o uso de sis-temas de apropriação de custos por obra são utilizadospela maior parte das empresas de menor porte. Essas duasestratégias são também as únicas que alcançam a maioriado pessoal ocupado do subsetor.

É importante observar que o monitoramento de índi-ces de produtividade e desperdício, a implantação de Cír-culos de Controle de Qualidade e o desenvolvimento demanuais de procedimentos para documentar os processosprodutivos, embora sejam adotados por parcelas consi-

deravelmente pequenas das empresas com menos de 30empregados (17,0%, 8,5% e 26,3%, respectivamente),alcançam participações elevadas entre as maiores. Comisso, a chamada formação on the job dos empregadosdessas empresas médias e grandes poderá influenciar demaneira significativa a população ocupada em atividadesde construção, difundindo essas técnicas.

Note-se que, em termos de valor adicionado, o percen-tual das empresas que fizeram downsizing entre as commais de 499 pessoas ocupadas é negativo. Isso decorrede que o somatório do valor adicionado desse grupo émenor que zero, visto que, as empresas tiveram um con-sumo intermediário maior que o valor bruto da produção.Tendo um valor adicionado negativo, a participação dogrupo de empresas no conjunto com o qual é comparadofica negativa também.

CONCLUSÕES

De acordo com o demonstrado pelos dados da Paep,podem ser confirmadas algumas idéias sobre o processode modernização do segmento construção de edificações,da indústria da construção.

A inexistência de medições anteriores e posteriores dosmesmos fatores levantados pela primeira edição da Paep,referente ao ano de 1996, limita as possibilidades de con-clusões sobre as tendências do processo de adoção de es-tratégias inovadoras de gestão e de produção. No entan-to, tratando os dados como um retrato datado do setor,pode-se perceber sinais dos movimentos mais recentes.

Comparando os resultados da pesquisa com as hipóte-ses que ela logrou testar, verifica-se um baixo índice dedifusão das novas estratégias.

Utilizando as mesmas variáveis descritas aqui e cru-zando-as entre si, é possível testar o nível de adequaçãodos modelos teóricos definidos sobre o processo de mo-dernização do subsetor e o que efetivamente foi afirmadopelos entrevistados.

Ao que indicam as primeiras análises, pode-se afirmar,concordando com Cardoso (1997), que as estratégias utili-zadas pelas empresas não correspondem direta e univoca-mente às novas formas de racionalização da produção.

É mais plausível a idéia que os procedimentos toma-dos como sinais desse processo resultam de articulaçõesparticulares de cada empresa. Assim, cada fator tomadoisoladamente não deve possibilitar a distinção entre em-presas mais ou menos modernas, nem entre resultadosmelhores ou piores na gestão delas.

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MODERNIDADE E ARCAÍSMO NA CONSTRUÇÃO PAULISTA

Nesse contexto, empresas que adotaram estratégias coe-rentes às suas especificidades podem ter alcançado melho-res resultados gerais, como se supõe a partir da informaçãoque aquelas que contrataram consultorias para implantaçãode programas de aumento da qualidade e da produtividadetêm uma melhor relação entre valor adicionado e pessoalocupado (de R$1.338.402,57 por empregado, enquanto quea média do subsetor é de R$ 674.610,86).

Ainda de acordo com Cardoso (1997), é provável quese encontrem entre empresas do subsetor edificações for-mas de gestão da produção contrárias àquelas freqüente-mente aceitas como indicadores de modernização na in-dústria de transformação. Há, por exemplo, empresas quebuscam maior integração vertical e internação de ativi-dades-chave do processo de geração de valor, para ga-rantir maior controle sobre os resultados da cadeia pro-dutiva. Essa estratégia é uma aparente contradição comos movimentos de terceirização e de concentração de es-forços na atividade principal, porém, tem sido verificadaem empresas que, após a experiência de transferir paraoutras a venda de imóveis, passaram a cuidar dessa ativi-dade por conta própria.7

No que se refere à convivência com fornecedores, po-dem também existir movimentos antagônicos na busca domesmo fim, visto que há empresas que vêm diminuindoo número de fornecedores para estreitar seus relaciona-mentos e obter vantagens em termos de qualidade demateriais, componentes e serviços e ainda garantir conti-nuidade e confiabilidade quanto ao fornecimento, enquan-to outras buscam aumentar a quantidade de fornecedoreshabilitados como forma de induzi-los à concorrência eassim obter melhores preços e maior qualidade.

Na relação com clientes, se a padronização de pro-dutos parece ser o caminho natural para se chegar à pos-sibilidade de produção seriada – fundamental para trans-formar o processo produtivo em atividade objeto deadministração científica do tempo –, a flexibilidade quegarante produtos “customizados”, isto é, definidos pelocliente, também se configura como tendência em seto-res modernos da economia. Este, ao lado da terceiriza-ção/“primeirização”, é um bom exemplo de como asindústrias de transformação e de construção, após dis-tanciarem-se uma da outra, parecem convergir, deixan-do dúvidas sobre qual dos dois setores é realmente mais“moderno”.

Outra tendência que a Paep procurou medir e que podeapresentar interpretações distintas refere-se às estratégiasde financiamento utilizadas pelas empresas.

Como foi afirmado anteriormente, operações baseadasem conceitos recentes da chamada “engenharia financei-ra”, como a securitização de recebíveis, parcerias cominvestidores institucionais e créditos bancários de longoprazo apresentam-se como medidas da capacidade de ino-vação administrativa das empresas. Porém, em situaçõesparticulares vividas por algumas delas, a saída mais efe-tiva foi a utilização de financiamento próprio para obrase novos planos de pagamento para os compradores,8 pos-sibilitando a elas isentarem-se dos juros proibitivos pra-ticados no mercado financeiro. É evidente, porém, queisto diminui sensivelmente a capacidade produtiva dasempresas, limitando-as aos empreendimentos que, por seucusto, caibam no seu universo de recursos disponíveis.

Ao encerrar essa inicial incursão analítica sobre osdados colhidos pela Paep acerca da indústria da constru-ção, é importante não perder de vista que todo o esforçoem compreender no que consiste a modernização do sub-setor construção de edificações, visa, essencialmente,apontar os caminhos que essa atividade deve trilhar paragarantir ganhos de produtividade para si.

Neste sentido, devem ser considerados outros pontospara os quais ainda são raros os dados objetivos disponí-veis. Fatores como a localização (e a conseqüente valori-zação) dos terrenos utilizados não podem ser negligen-ciados, ainda que estejam mais diretamente associados aosprocessos de especulação imobiliária e da chamada “ren-da da terra” urbana (Maricato, 1986), do que às caracte-rísticas da atividade construtiva.

Sob o mesmo prisma, devem ser levados em conta trêsproblemas cruciais que se interpõem no caminho da ado-ção de novos métodos e técnicas de produção de edifica-ções: o alto custo de capital, a baixa demanda e a grandeoferta de mão-de-obra barata.

É fato indiscutível que o baixíssimo custo da mão-de-obra é um potente freio à introdução e disseminação deinovações tecnológicas em processos ou produtos na in-dústria da construção, limitando-as a casos pontuais degrandes empresas, com atribuições muito específicas (tipoda construção, prazos curtos, especificidade ditada pelosclientes, etc.).

Os baixos salários, por sua vez, são um fator inibidorà melhoria da qualificação da mão-de-obra, o que difi-culta enormemente a introdução de novos equipamentosou técnicas construtivas. Onde a necessidade dessa intro-dução é imperativa, as empresas têm de promover cursosde requalificação, ou mesmo de educação formal, para seusempregados.

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 13(1-2) 1999

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O alto custo dos equipamentos e a ausência de finan-ciamentos específicos para a sua aquisição são outros fa-tores que impedem a introdução de inovações na indús-tria da construção. Diante dessa situação e do custoirrisório da mão-de-obra, a opção pelo uso intensivo des-ta última é quase sempre a que traz melhores resultadoseconômicos.

Deve-se perguntar qual o objetivo final do esforçomodernizante: se se trata de obter melhores resultados porunidade de valor alocado na produção de bens, isto nãosignifica obrigatoriamente que utilizar equipamentos quenecessitam de uma grande imobilização de capital, pou-pando mão-de-obra desqualificada e aumentando as exi-gências de preparo profissional, seja o caminho mais ren-tável; se o objetivo é aumentar a produtividade física,decorrente de exigências específicas, a empresa constru-tora terá de superar as limitações anteriormente expostas.

Da mesma forma, não se pode considerar que a demandareprimida por habitação é formada efetivamente por poten-ciais consumidores, dado o baixo nível de renda de grandeparte da população que não possui moradia. Ou seja, ao au-mentar a produtividade, as empresas terão de contar comum mercado que tenha alternativas de financiamento, sobpena de se ver diante do dilema: produzir para quem?

Concluindo, a indústria da construção apresenta, deforma radical, as vicissitudes por que passa uma econo-mia de caráter dependente, como a brasileira, na qual ascaracterísticas mais conservadoras não são destruídas paradar lugar às mais inovadoras. Ao contrário, a marca dis-tintiva de uma economia deste tipo é justamente a coe-xistência do arcaico e do moderno.

NOTAS

E-mail dos autores: crfranç[email protected] e [email protected]

1. Em especial Nilton Vargas, Maria Angélica Covelo Silva e Sônia Lemos Grandi.

2. Segundo Raposo (1996), em 1995, a autoconstrução foi responsável pelo consumo decerca de 14 milhões das 28 milhões de toneladas de cimento produzidas no país.

3. Não deve ser ignorado, no entanto, que outros fatores estão ligados aos pro-blemas do cadastro da Rais, sobretudo os ardis dos empreiteiros para escapar àsobrigações trabalhistas.

4. É importante observar que, pela metodologia da Paep para o setor indús-tria da construção, foi considerado como universo de pesquisa o conjunto deempresas com cinco ou mais pessoas ocupadas, que possuíam unidades lo-cais, isto é, sufixos de CGC, registrados no Estado de São Paulo, indepen-dentemente da localização da sede e da atuação concomitante em outros Es-tados ou países.

5. O valor adicionado, grosso modo, é calculado subtraindo-se os custos e des-pesas das receitas obtidas pela empresa.6. Para definir padrões de qualidade específicos para o setor, e considerando ograu de dificuldade que a maior parte das empresas teria para se adequar às exi-gências para a certificação ISO, a Companhia de Desenvolvimento Habitacionale Urbano do Estado de São Paulo implantou o programa Qualihab, que pretendequalificar todos os fornecedores de produtos e serviços de construção aptos aparticipar dos seus empreendimentos.

7. Conforme também a análise de Carlos Torres Formoso (professor da Univer-sidade Federal do Rio Grande do Sul) em Comunicação Pessoal, 16/12/1996.

8. Caso típico é o do Plano 100, citado por Cardoso (1997:146).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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SERVIÇOS DE INFORMÁTICA: CARACTERIZAÇÃO E INTER-RELAÇÃO SETORIAL

E

SERVIÇOS DE INFORMÁTICAcaracterização e inter-relação setorial

da Política Nacional de Informática – PNI. Porém, ape-sar dessa tentativa de desenvolvimento de uma políticatecnológica recheada de bons propósitos, sua implanta-ção ocorreu de maneira incompleta e inconsistente, con-figurando-se em um descompasso entre intenção e ação.

De fato, a indústria de informática brasileira apresen-tou taxas de crescimento superiores às do mercado mun-dial durante a década de 80, alcançando o objetivo querefletia a II Política Nacional de Desenvolvimento, po-rém, ao contrário das expectativas da PNI, houve umaqueda da exportação, sendo que as poucas efetuadas eramde responsabilidade das empresas estrangeiras (Fajnzylber,1993).

A reformulação da política de informática duranteo governo Collor levou à abertura do mercado e ao fimdo tratamento diferenciado entre as empresas nacionaise as estrangeiras. É nesse contexto que a indústria deinformática passou a enfrentar uma drástica queda novalor de suas vendas, acompanhada por uma significa-tiva redução nos seus preços e margens de lucro. Comoconseqüência, as empresas passaram a se concentrar navenda de produtos importados, no que diz respeito tantoaos equipamentos quanto aos programas (software), oque ensejou diversas atividades subseqüentes de ser-viço para apoio pós-venda, praticadas agora pelos re-presentantes nacionais, tais como instalação, manuten-ção, expansão e modernização da base de equipamentosdas empresas usuárias. Isto pode ser comprovado pelorelatório setorial desenvolvido pelo BNDES sobre ocomplexo eletrônico, em que se afirma que o setor deinformática, mais especificamente o de hardware, so-

GILDO MAGALHÃES DOS SANTOS

Professor de História da Tecnologia da USP

LÍGIA SCHIAVON DUARTE

Economista, Analista da Fundação Seade

DANIELA CRISTINA TERCI

Economista, Analista da Fundação Seade

ste artigo traz uma primeira análise dos serviçosde informática e sua repercussão na atividade eco-nômica do Estado de São Paulo. Após uma bre-

ve retrospectiva histórica da política de informática bra-sileira, destaca-se a importância das atividades de servi-ços de informática no atual contexto econômico. Este se-tor é retratado de forma sucinta em suas principais carac-terísticas, a partir do exame dos dados coletados pela Pes-quisa da Atividade Econômica Paulista – Paep. A análiseé centrada nas atividades de desenvolvimento de progra-mas e consultoria, em função da sua presença dissemina-da por vários campos de serviços e do fato de serem ativi-dades mais ligadas à difusão tecnológica e, portanto, commaiores reflexos nos diversos setores da economia pau-lista. Dentro dessas atividades, privilegiam-se as áreas deautomação comercial, industrial e bancária, como elemen-tos de ponta nos processos de inovação.

BREVE HISTÓRICO DAINFORMÁTICA NO BRASIL

O setor de informática nacional foi influenciado pordois diferentes períodos na política brasileira: o primei-ro, entre 1979 e 1991, foi marcado por uma política ba-seada na reserva de mercado, cujo objetivo era induzir acriação de uma indústria local competitiva; e o segundo,a partir de 1991, presenciou uma reformulação da políti-ca de informática, resultando na abertura do mercado.

A percepção da importância estratégica do setor deinformática foi o que levou à convergência de objetivos einteresses do BNDES e da Marinha, resultando na gênese

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 13(1-2) 1999

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freu uma reestruturação que levou a um desaparecimen-to ou transformação de grande parte dos fabricantesindependentes de microcomputadores e periféricos emprestadores de serviços (Melo e Rosa, 1997).

A IMPORTÂNCIA DOS SERVIÇOSDE INFORMÁTICA PARA ODESENVOLVIMENTO ECONÔMICO

A importância estratégica do setor de serviços de in-formática no desempenho produtivo dos outros seto-res econômicos pode ser justificada a partir de dois prin-cipais fatores. Um deles pode ser descrito como oreflexo do aumento de importância que o setor terciá-rio, mais especificamente os serviços produtivos,1 doqual fazem parte os serviços de informática, vem assu-mindo na atividade econômica. Tal fato decorre dasrecentes mudanças na estrutura organizacional adota-das pelas empresas que, buscando uma maior competi-tividade através da objetivação da sua atividade-fim,exigiram a formação de uma complexa rede de servi-ços que oferecessem apoio a uma nova e mais sofisti-cada forma de produção.

Desta forma, deve-se considerar que o setor de servi-ços de informática carrega em seu bojo a capacidade deindução ao desenvolvimento e, assim como os serviçosprodutivos de uma forma geral, é de extrema relevânciapara o desenvolvimento das novas formas de produçãoque têm como características a diferenciação, a adapta-ção a demandas específicas, o enfoque sobre a qualidade,a economia de recursos, a inovação e o aprendizado tec-nológico, o que leva à necessidade, por parte dos agentesprodutivos, de serviços modernos e eficientes que lhespermitam competir dentro dessa nova dinâmica de pro-dução (De Brandt e Petit, 1992).

O segundo fator está relacionado com a crescente im-portância que a microeletrônica vem assumindo no de-senvolvimento econômico mais recente, chegando a serapontada como base de um novo paradigma técnico eeconômico, conseqüência das transformações nas estru-turas produtivas, que vêm intensificando a automação nosprocessos produtivos e novas tecnologias nos produtosdesde a década de 70. Naturalmente, esse novo paradig-ma exige o desenvolvimento não só de uma infra-estru-tura de telecomunicações mais complexa, que permita aexistência de uma eficiente rede de comunicações de da-dos, como também de ativos intangíveis fundamentais,como o software.

É por isso que, segundo o levantamento das 100 maio-res empresas de informática (InfoExame, 1998), as em-presas de serviços, apesar de serem responsáveis por ape-nas 30% da receita operacional bruta do setor no Brasil,têm apresentado maior crescimento relativo de vendas emaior rentabilidade do patrimônio se comparadas com asde hardware.

Nesse contexto, a interação dos serviços de informáti-ca com o setor industrial, comercial e bancário assumeum papel de relevância no desenvolvimento e difusão deinovações tecnológicas (consultoria e desenvolvimento desoftware), além de oferecer o apoio necessário para a for-mação dessa nova estrutura produtiva (manutenção e re-paração, processamento de dados).

CARACTERIZAÇÃO DO SETOR DE SERVIÇOSDE INFORMÁTICA NO ESTADO DE SÃO PAULO

Distribuição das Empresas por Atividade

Para efeito de análise dos dados da Paep – Serviços deInformática, nesse trabalho, o setor foi subdividido nasseguintes atividades: consultoria em informática; desen-volvimento de programas; processamento de dados; ma-nutenção e reparação; e outros serviços de informática.2

Observa-se pela Tabela 1, que a distribuição do núme-ro de empresas nessas cinco atividades, em 1996, estavabastante equilibrada no Estado de São Paulo, sendo quecada uma representava aproximadamente 20% do total.

No entanto, no que se refere ao peso econômico, asempresas classificadas como “outros serviços de infor-mática” eram responsáveis por cerca de 40% do total da

TABELA 1

Empresas do Setor de Serviços de Informática, Receita Líquida ePessoal Ocupado, segundo Atividades

Estado de São Paulo – 1996

Atividades EmpresasReceita Líquida Pessoal

Média (R$) Ocupado

Total do Setor 1.630 2.909.795,97 69.592Consultoria em Sistemas de Informática 296 1.986.507,62 8.359

Desenvolvimento de Programas 342 3.160.555,54 23.110

Processamento de Dados 330 2.458.095,24 13.879

Manutenção e Reparo 282 1.208.327,51 5.842

Outras Atividades de Informática 381 5.459.235,24 18.402

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep.

127

SERVIÇOS DE INFORMÁTICA: CARACTERIZAÇÃO E INTER-RELAÇÃO SETORIAL

receita do setor, seguidas pelas de “desenvolvimento deprogramas”, que participavam com aproximadamente23%. O grupo de empresas com o menor desempenho foio de “manutenção e reparação”, correspondendo a ape-nas 7,2% do total da receita.

É interessante perceber que, apesar da diferente parti-cipação de cada segmento de atividade no total da rendado setor, aproximadamente 50% das empresas de servi-ços de informática do Estado de São Paulo, inclusive aque-las classificadas como “outros serviços de informática”,prestaram os seguintes serviços em 1996: desenvolvimentode software; consultoria; desenvolvimento, implantaçãoe integração de sistemas; e manutenção e reparação.

No caso do grupo detentor da maior parte da receitado setor, o serviço de desenvolvimento de software foiprestado por 77,4% das empresas, enquanto o serviço

de desenvolvimento, implantação e integração de sis-temas estava presente em 63,7% da amostra, seguidopelo serviço de consultoria, participando em 61,7% dasempresas do Estado. Esses dados reforçam a relevân-cia das atividades de software e consultoria para o se-tor de Serviços de Informática, uma vez que são essasas principais responsáveis pela propagação das inova-ções tecnológicas.

Cabe ainda ressaltar que os serviços de manutenção ereparação e os de curso e treinamento também são ofere-cidos pela grande parte das empresas informantes. Issoocorre porque são esses os serviços que propiciam a fide-lidade das empresas demandantes àquelas que oferecemserviços de informática, pois são atividades decorrentesdos serviços de consultoria e de desenvolvimento desoftware.

GRÁFICO 1

Empresas do Setor de Serviços de Informática, segundo Serviços PrestadosEstado de São Paulo – 1996

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep.

Desenvolvimento de produtos multimídia

Automação bancária

Implementação de sist. EDI

Seleção e implant. de pacotes

Implantação de Intranets

Editoração eletrônica e comunicação visual

Automação industrial

"Bug do milênio"

Treinamento certificado

Destinado ao mercado SOHO

Redes: migração de ambientes

Implantação de sistemas groupware

Automação comercial

Redes: instalações de redes

Outsourcing

Automação de escritórios

Banco de dados

Cursos e treinamentos

Help desk

Desenvolvimento de software

Desenv. implant. e integ. de sistemas

Consultoria em geral

Serviços Prestados

Número deEmpresas

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 13(1-2) 1999

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Fragmentação do Setor

Nota-se ainda que a maioria das empresas, aproxima-damente 83%, tem receita líquida de até R$ 1,5 milhão,enquanto cerca de 14% declararam receita entre R$ 1,5milhão até R$ 12 milhões e apenas 3% encontram-se en-tre aquelas que possuem uma receita superior a R$ 12milhões, porém são responsáveis por 71,5% da receitatotal. Essa tendência de fragmentação do setor pode serjustificada pelo elevado potencial de difusão que possuemas atividades relacionadas à microeletrônica, uma vez queos recursos oferecidos pela informática são demandadosnão só pelas grandes empresas, com alto grau de especia-lização tecnológica e elevada participação de mercado,mas também por grande número de pequenas empresas,que necessitam de soluções de baixa complexidade e queatuam em um mercado limitado (Tigre, 1994).

Formação e Origem das Empresas

Os dados da Paep referentes ao ano de constituição dasempresas demonstraram que, em 1985, apenas 22,5% dasempresas pesquisadas já existiam. Este foi o ano do augeda política de reserva de mercado, bem como o momentoem que se inicia com mais vigor a sua contestação. A partirde então, se acelera a formação de empresas de serviçosde informática, sendo que, em 1991, ano de aprovaçãoformal da abertura do mercado nacional, já existiam apro-ximadamente 69% do total das empresas observadas.

Quanto à origem do capital, as empresas nacionaisdetinham cerca de 75% da receita total. Embora estevalor pareça significativo, não corresponde numerica-

mente ao peso da participação estrangeira: as empre-sas estrangeiras, apesar de corresponderem a apenas 1%do total, respondem por aproximadamente 25% da re-ceita do setor.

Geograficamente, cerca de 61% das empresas de ser-viços de informática estão sediadas no Município deSão Paulo e têm suas receitas originadas basicamenteno mercado interno. Considerando a origem setorial dareceita, verifica-se que cerca de 90% são geradas nosetor privado, destacando-se os setores industrial, co-mercial e de serviços, responsáveis por aproximada-mente 80% do total.

Base Instalada de Equipamentos

A base dos equipamentos instalados, próprios ou não,pode ser avaliada pela média de computadores e termi-nais, que era de 41 por empresa, sendo que o padrão dosprocessadores correspondia ao 486.

A quantidade de microcomputadores portáteis era re-lativamente baixa, equivalendo à média de menos de umaunidade para cada 12 empresas. Estimativas recentes in-dicam que o mercado de micros portáteis nos EUA jáchegou a 25% do parque de microcomputadores, mascertamente no Brasil o número esperado é bem menor,devido ao alto preço local desse equipamento (ExameInformática, 1997).

Registrou-se uma grande disseminação das redes lo-cais de computadores (Local Area Network – LAN) nasempresas. A participação das empresas conectadas à redee a daquelas com acesso à Internet corresponderam a quase61% do total de empresas. Esse resultado é elevado, prin-cipalmente quando se considera que, do lado das teleco-municações, havia um estrangulamento evidenciado tan-to pela falta de linhas quanto pela alta taxa de falhas nosistema, devido à incapacidade das operadoras em pro-ver a demanda reprimida de comunicação de dados atra-vés da rede pública de comunicação. Deve-se considerartambém os altos custos ocasionados pelo uso de linhasprivadas de comunicação.

Quanto à forma de uso da Internet, cerca de 77% dasempresas que estavam conectadas objetivavam a comu-nicação com seus clientes, inclusive fornecendo o ser-viço de manutenção e reparação, e como fonte de in-formações.

Pouquíssimas empresas prestaram serviços de infor-mática utilizando uma rede externa própria, recorren-do para esta finalidade aos serviços on line das con-

TABELA 2

Empresas do Setor de Serviços de Informática, Receita Líquida ePessoal Ocupado, segundo Região

Estado de São Paulo – 1996

Em porcentagem

Região EmpresasReceita Pessoal

Líquida Ocupado

Fora do Estado 2,0 35,8 37,7

RMSP (exceto MSP e ABC) 12,9 15,1 15,4

Município de São Paulo 60,9 40,8 36,5

ABC 3,4 1,0 1,3

Interior 20,9 7,2 9,0

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep.

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SERVIÇOS DE INFORMÁTICA: CARACTERIZAÇÃO E INTER-RELAÇÃO SETORIAL

cessionárias públicas de telecomunicações, mesmo con-siderando a deficiência apontada anteriormente. Paracomunicações com outras empresas, a Internet acabousuprindo essa demanda.

Emprego, Qualificação de Pessoal e aAtividade de P&D

Os serviços de informática não contrataram um nú-mero relativamente grande de trabalhadores autônomos.Mesmo nas empresas menores (com menos de 20 pes-soas), cerca de 60% eram assalariados permanentes,valor que sobe para aproximadamente 83% nas empre-sas maiores. Esse comportamento contradiz um poucoa idéia comum de que se trata de setor em que predo-minariam as relações informais de trabalho. É verdadeque havia uma quantidade apreciável de pessoas foradas relações tradicionais de trabalho, decorrente daviabilidade de o autônomo poder ter maior participa-ção nesse mercado, especialmente quando possui suaprópria ferramenta, isto é, o microcomputador, mas essacondição ainda não se generalizou.

Em conexão com a idéia de trabalho realizado remota-mente, uma pequena parcela de empresas (menos de 6%)já adotava o conceito flexível de teletrabalho. Essas em- Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep.

GRÁFICO 3

Distribuição do Pessoal Ocupado das Empresas de Serviços deInformática, segundo Forma de Contratação

Estado de São Paulo –1996

GRÁFICO 2

Empresas de Serviços de Informática, segundo Origem Setorial da ReceitaEstado de São Paulo – 1996

Número de Empresas

Fonte: Fundação Seade: Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep.

Assalariados com carteira assinada

Trabalhadores contratados através de outrasempresas, mas trabalhando nesta empresa

Trabalhadores autônomos

Outras formas de contratação(inclusive trabalhadores avulsos)

Setores

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 13(1-2) 1999

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presas concentravam-se nas áreas de consultoria e desen-volvimento de programas.

As empresas de serviços de informática, em geral e emtodas as faixas de porte, investiram na formação de seustrabalhadores – em torno de 46% das empresas fornece-ram algum tipo de treinamento formal, sendo que aproxi-madamente 26% possuíam funcionários certificados porempresas fornecedoras de tecnologia.

Quanto à certificação em gestão da qualidade na área desoftware, os serviços de informática de São Paulo possuíam2.402 profissionais nestas condições (cerca de 3% do total),repartidos de maneira aproximadamente uniforme por to-das as atividades, embora com alguma predominância emconsultoria e desenvolvimento de programas.

A participação de profissionais com nível de pós-gra-duação (mestres e doutores) é pequena (cerca de 0,6% dototal de trabalhadores). No entanto, esse número poderiaser considerado elevado quando comparado com a maio-ria das empresas de outros setores, levando-se em contao pouco peso que costuma ter no mercado de recursoshumanos a formação de pós-graduados. Dentro dos ser-viços de informática mais especificamente, dos 434 mes-tres e doutores, mais de 60% estavam dedicados às ativi-dades de consultoria e desenvolvimento de programas.Nestas, pela sua própria natureza, é possível haver traba-lhos genuinamente de pesquisa e desenvolvimento.

Contudo, mesmo com essa qualificação proporcional-mente maior de pessoas com títulos acadêmicos, deve-seobservar que cerca de 87% das empresas de serviços deinformática não investiram em pesquisa e desenvolvimen-to (P&D). Pode-se afirmar que, de forma geral, as presta-doras de serviços de informática limitaram-se a investirem treinamento. Como conseqüência, verificou-se um flu-xo maior no sentido do pagamento por tecnologias utili-zadas do que no da venda de tecnologia própria. É im-portante frisar que, apesar disso, houve efetivamentegeração de tecnologia, porém no contexto de abertura eco-nômica do setor e da presença avassaladora dos gigantesinternacionais de desenvolvimento de programas. O maisprovável é que os nichos legados para as empresas nacio-nais que praticam pesquisa e desenvolvimento são deimportância relativamente menor.

A ESTRUTURA DE DEMANDADOS SERVIÇOS DE INFORMÁTICA

A importância das atividades de informática no desem-penho da atividade econômica está relacionada não só à

necessidade das empresas em automatizarem os seus pro-cessos produtivos e seus produtos, mas também à impor-tância estratégica que as Tecnologias de Informação – TIvêm assumindo para a gestão da empresa. De fato, a tro-ca e a organização das informações passam a ser consi-deradas de grande relevância, não só no aumento de pro-dutividade dos processos, como também na compe-titividade, por permitirem uma nova forma de relação dasempresas com seus fornecedores e clientes, aumentandoa velocidade da troca de dados e possibilitando o acessoa mercados cada vez mais distantes. Em função disso,considera-se que a existência de um setor de serviços deinformática atualizado e diversificado seja fundamentalpara a sustentação da reestruturação e transformação quevêm passando os diversos setores econômicos do Estadode São Paulo.

Essas tecnologias vêm se apresentando como uma dasáreas mais promissoras de crescimento da economia bra-sileira. Segundo informações da Gazeta Mercantil, en-quanto o crescimento mundial era de 13,1%, em 1996, aAmérica Latina registrava um aumento de 20,9%, sendoque o Brasil representa atualmente mais de 50% dessemercado.

Um dos mais importantes componentes desse setor é aindústria de software, que representa uma significativafonte de inovação para a economia e permite a atuaçãode um grande número de empresas de pequeno porte. Ascaracterísticas desse setor – “alta velocidade na introdu-ção de inovações técnicas, contínuo desenvolvimento deprodutos, competição acirrada, baixo investimento emcapital fixo e capacidade criativa e intelectual da mão-de-obra” (Melo e Castelo Branco, 1997) – propiciam efe-tivas possibilidades de crescimento às empresas, dandoamplas condições à indústria de software nacional de sedestacar na atuação desse setor.

Por isso, esse artigo fez uma análise mais detalhadadas empresas que desenvolveram software em 1996, des-tacando aquelas que desenvolveram software de automa-ção industrial, comercial e bancária, por representaremuma importante interação entre o setor de serviços de in-formática e os outros setores.

Seguramente, foi na indústria que se começou a intro-duzir a automação no processo produtivo, isto é, sem serpara assuntos como folha de pagamentos, contabilização,etc. Na verdade, no âmbito do chão de fábrica, a instru-mentação esteve ligada com o maquinário desde a Revo-lução Industrial, pois possibilitava fazer as mensuraçõesnecessárias com um grau crescente de automação. Já no

131

SERVIÇOS DE INFORMÁTICA: CARACTERIZAÇÃO E INTER-RELAÇÃO SETORIAL

século XX, o uso crescente da eletrônica, a partir dos anos30, acarretou a invenção de numerosos transdutores nasplantas químicas e metalúrgicas, tais como termopares,espectrômetros, cromatógrafos, etc. Mais tarde, o usocomercial de computadores fez com que estes recursosde medição e calibração fossem acoplados à instrumen-tação analógica e digital, para processar em tempo real eautomaticamente as medidas e controlar o desempenhodos processos monitorados. O controle em malha fechada,por sua vez, permitiu a existência de tais sistemas distribuí-dos dentro de uma unidade fabril ou em diversos pontos deuma rede de unidades geograficamente separadas.

A diversidade dos processos industriais se reflete naautomação diretamente do lado da referida instrumenta-ção, que se liga de forma peculiar e às vezes individual-mente a cada processo. Do lado dos computadores, háporém maior uniformidade, pois surgiram séries de famí-lias de equipamentos com propriedades comuns para tra-tar os dados coletados pela instrumentação, tais comocontroladores lógico-programáveis, controladores numé-ricos, SDCDs (Sistemas Digitais de Controle Distribuí-do), etc. A especificidade maior da instrumentação paraprocessos químicos, físicos, ambientais ou de linhas deprodução explica por que, em geral, essa fase da automa-ção industrial foi largamente importada no Brasil. Mui-tas vezes, a instrumentação era desenvolvida pelo própriofabricante nos países de origem da tecnologia do proces-so e era importada junto com o maquinário da produção,não existindo escala para sua fabricação local. Mesmoassim, houve uma série de produtores nacionais queautomatizaram a instrumentação, incluindo fabricantes demedidores de pressão, de vazão, etc., que modernamenteevoluíram para uma integração maior com a eletrônica,

utilizando reguladores bastante modernos, como aquelesà base de lógica difusa (fuzzy control).

Durante o período da reserva de informática, a Secre-taria Especial de Informática – SEI incentivou mais anacionalização dos computadores para controle de pro-cesso do que a nacionalização da instrumentação, o queestava correto pelos motivos citados de escala de produ-ção. Os maiores usuários de computadores de controle deprocesso eram as indústrias e alguns setores até então es-tatais, como os de geração e distribuição de energia elé-trica, transportes, água, etc. Foi desenvolvida uma razoá-vel capacitação da engenharia brasileira em prover equipa-mentos, programas e serviços correlatos, e, mesmo como final da política de reserva e desmobilização do pessoaltécnico, esta foi uma das principais origens para a forma-ção de empresas de serviços de desenvolvimento e ma-nutenção de informática, que acabaram diversificando-se para outros setores.

A despeito disso, observa-se que as empresas atuantescomo desenvolvedoras de software de automação indus-trial, que representam 12% do setor, são, em sua maioria,de pequeno porte, em relação tanto à sua receita quantoao pessoal ocupado.

Isso provavelmente é um reflexo do menor nível deterceirização dos serviços de informática do setor indus-trial, se comparado com o comercial e o bancário. Por meiodos dados fornecidos pela Paep, percebeu-se que, em 1996,aproximadamente 44% das empresas industriais que pra-ticavam a atividade de desenvolvimento de sistemas e deprogramas terceirizavam integralmente ou parcialmenteesse serviço. Isto pode ser resultado da importação de parteda tecnologia de automação industrial junto com o ma-quinário, conforme já foi citado, enquanto uma outra parte

TABELA 3

Empresas do Setor de Serviços de Informática, Receita Líquida, Pessoal Ocupado, Máquinas e Produtividade,segundo Tipo de Software Desenvolvido

Estado de São Paulo – 1996

Tipo de Software Desenvolvido Empresas Receita Líquida Pessoal Máquinas com Produtividade (R$)

Média (R$) Ocupado Processador Do Pessoal Ocupado Por Micro

Total do Setor 1.630 2.909.048,38 69.592 49.014 68.136,41 96.742,74

Automação Industrial 192 1.991.855,64 4.441 3.971 86.240,86 96.442,73

Automação Comercial 442 2.990.568,02 17.685 9.918 74.669,21 133.141,34

Automação Bancária 62 18.180.912,17 12.065 5.859 93.757,91 193.084,49

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep.

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 13(1-2) 1999

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é desenvolvida pelas próprias indústrias fabricantes dosequipamentos nacionais. Deve-se levar em conta tambéma queda na atividade industrial ocasionada pela aberturado mercado brasileiro.

Já a automação comercial se fez sentir a partir dofim da reserva de mercado, que propiciou o acesso aosequipamentos de automação nos mercados internacio-nais, além da difusão das embalagens com códigosnuméricos, da generalização do uso de microcomputa-dores e da abertura de linhas de financiamento paraprojetos de reestruturação de empresas do varejo peloBNDES. O ritmo desse processo vem se acelerando, jáalcançando os estabelecimentos de menor porte. Segun-do os dados da Paep – Comércio, 86 mil empresas co-merciais utilizavam computadores, enquanto 32 milestabelecimentos já possuíam sistemas de digitação decódigos numéricos ou leitura ótica.3

No setor comercial, a participação das empresas queterceirizavam serviços de informática, entre aquelas querealizavam as atividades, é bem mais elevada do que osetor industrial: cerca de 75% terceirizavam a atividadede desenvolvimento de sistemas e aproximadamente 90%a de manutenção e reparação. Essa demanda fez com quecerca de 27% das empresas de Serviços de Informáticadesenvolvessem software para automação comercial em1996, demonstrando um número relativamente maior deempresas atuando nessa atividade se comparado aos de-mais grupos.

Essa diferença fica clara quando se observa que o gru-po de empresas que desenvolveram software de automa-ção bancária representa apenas 4,1% do total do setor. Noentanto, esse grupo apresentou uma receita média muitoacima dos outros, assim como a produtividade do pessoalocupado e dos computadores. Isso demonstra que as em-presas que prestaram serviços ao setor bancário são, emsua maioria, de grande porte, criadas para atender à de-manda de empresas de grande porte, muitas vezes consti-tuídas pelas próprias instituições financeiras.

Essas características das empresas que suprem a de-manda do setor bancário podem ser explicadas devido àhistória inflacionária nacional, que se perpetuou duranteanos e foi responsável pelo desenvolvimento da automa-ção bancária em um nível não observado nos outros paí-ses. Isso ocorreu porque os lucros bancários dependiamde uma maior agilidade no direcionamento do fluxo dodinheiro das contas correntes, o que viabilizava os ganhoscom o floating. Dessa forma, a automação bancária nesseperíodo tinha o objetivo de agilizar os procedimentos in-

ternos dos bancos e foi financiada com os próprios ga-nhos obtidos por essas instituições com a inflação. Tam-bém devido a esse nível tecnológico alcançado pelos ban-cos, eles passaram a realizar, no Brasil, atividades que nãodesempenhavam em outros países, transformando-se emuma grande máquina arrecadadora e pagadora (Exame,1997).

Com a estabilidade monetária, os gastos com informá-tica estão sendo redirecionados pelas instituições finan-ceiras com o objetivo de buscar a eficiência no atendi-mento aos clientes e aumentar a competitividade dessasinstituições no mercado. Dessa forma, observa-se que,cada vez mais, os bancos buscam oferecer seus produtose serviços a preços competitivos, “procurando introduzircanais de distribuição mais baratos do que as agênciastradicionais, como o banco por telefone, o home bankinge o auto-serviço” (Exame, 1997), o que implicará umaampliação da automação. Por isso, ainda segundo a re-vista Exame, os bancos brasileiros estão entre os maioresconsumidores de informática do mundo, com um total degastos em automação de 4,3 bilhões de dólares em 1996.

Mesmo considerando essa demanda originada no se-tor bancário, os dados da Paep – Serviços de Informá-tica demonstraram que as empresas desenvolvedoras desoftware de automação bancária vêm diversificando suaárea de atuação, desenvolvendo também software deautomação para os setores comercial, industrial e deserviços. Isto pode estar sinalizando a intenção destasempresas em alargar os seus mercados de atuação,concorrendo com aquelas menores e menos consolida-das, que atualmente suprem a demanda por automaçãodos outros setores.

Foi também o setor bancário que demonstrou um maiorgrau de terceirização das atividades de informática, sen-do que aproximadamente 89% das empresas declararamterceirizar a atividade de desenvolvimento de sistemas4 ecerca de 97% a de manutenção e reparação.5

É possível notar que as características de maior re-levância na determinação da capacidade de desenvol-vimento e de competição no mercado dos grupos deempresas de automação, como investimento em P&D,despesas com royalties, número médio de mestres edoutores nas empresas e treinamento para os funcioná-rios oferecidos pelas empresas, foram relativamentemais encontradas nas empresas de desenvolvimento desoftware para automação bancária, seguidas pelo gru-po de empresas de desenvolvimento de software paraautomação comercial. Ressalta-se que esses dois gru-

133

SERVIÇOS DE INFORMÁTICA: CARACTERIZAÇÃO E INTER-RELAÇÃO SETORIAL

pos também se destacaram quando comparados ao se-tor de serviços de informática.

Salienta-se ainda que a média salarial do pessoal ocu-pado nas empresas pertencentes ao grupo de desenvolvi-mento de software para automação bancária ficou bemacima do total do setor de serviços de informática e dosoutros grupos de automação.

Esse comportamento acabou por se refletir no poten-cial de exportação das empresas de serviços de informá-tica que atuam com automação bancária e comercial, sendoque ambos os grupos declararam obter receita originadasnos países do Mercosul, em 1996, e apenas as empresasque desenvolveram automação bancária afirmaram obterreceitas nos outros países que não os do Mercosul.

CONCLUSÃO

Os serviços de informática no Estado de São Pauloapresentam grande diversificação e potencial para cres-cer a ritmos elevados. Parte de seu bom desempenho deveser creditado ao efeito multiplicador de inovações gera-das pelo setor de consultoria e desenvolvimento de pro-gramas, como exemplificado pelos serviços de automa-ção comercial, industrial e bancária. Sem dúvida, houveaproveitamento de um esforço de formação de pessoalqualificado resultante da extinta Política Nacional de In-formática, apesar da dispersão de recursos humanos cau-sada não só pela mudança de orientação na informática,como também pela desaceleração econômica que o paísatravessa nesta última década do milênio.

Pela característica da informática de permear todosos setores da atividade econômica e invadir aos pou-cos até as áreas de lazer doméstico, pode-se prever queo setor de serviços de informática possa mesmo ultra-passar o da produção de equipamentos. No entanto, háum longo caminho a ser percorrido, que passa peloaumento de competitividade, maior capacidade de ex-portação e aprofundamento da capacitação do pessoalempregado.

O setor sofre dos mesmos males que o conjunto da ati-vidade econômica brasileira, em que a falta de investi-mento em pesquisa traz pouca oportunidade de aumentara receita e, por outro lado, significa maior dependênciado exterior e perda com pagamento de royalties, sem umequilíbrio correspondente na geração de benefícios compatentes brasileiras. Neste sentido, o setor de serviços deinformática está numa posição privilegiada, pois apresentano Estado de São Paulo a oportunidade de reverter esse

quadro, ao menos parcialmente, e alavancar diversos ou-tros setores.

Na década de 90, abandonou-se a meta de autonomiatecnológica nacional na informática. O Brasil antes daabertura era comparado a países com grande potencialnesse setor, especialmente no de desenvolvimento de pro-gramas, mas perdeu posição nas parcerias com as gran-des corporações mundiais para países como a Índia.

Estratégias empresariais e políticas governamentais po-dem ainda transformar a situação, dado o potencial de re-cursos humanos e a rede de relações econômicas pene-tradas pelos serviços de informática. O Estado de SãoPaulo, a exemplo do que fez Santa Catarina, poderia in-centivar um poderoso pólo de “software”, com real ca-pacidade de exportar para o Mercosul e outros países. Umaarticulação bem planejada e executada dos serviços deinformática, com ênfase em programas de aprofundamentode capacitação tecnológica, é importante na esfera esta-dual, sendo que o resultado será rapidamente sentido naindústria e agroindústria, comércio e outros setores daeconomia paulista.

NOTAS

E-mail dos autores: [email protected]; [email protected] [email protected]

Os autores agradecem a contribuição de fundamental importância do economis-ta Paulo Borges Lemos na construção e execução da Paep – Serviços de Infor-mática.1. Serviços que suprem a demanda intermediária para os setores primário, se-cundário e terciário.

2. A Paep – Serviços de Informática abordou as empresas identificadas na divi-são 72 da Classificação Nacional de Atividades Econômicas – CNAE, que cor-responde às empresas de “Atividades de Informática e Conexas”. Apesar dessadivisão estar subdividida em seis diferentes classes, para análise dos dados daPaep, a classe denominada “Atividade de Banco de Dados” foi agregada à classe“Outras Atividades de Informática não Especificadas Anteriormente” por cor-responder a um número muito pequeno de empresas no Estado de São Paulo.

3. Ver artigo de Vagner Bessa, Maria Elena Turpin e Mauro Sinder, nestarevista.

4. Segundo a Paep – Bancos, essa questão engloba também elaboração deprojetos.

5. Ver artigo de Fernando Nogueira da Costa, Maria Regina Novaes Marinho eAdriana Prest Mattedi, nesta revista.

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135

A DEMANDA POR SERVIÇOS: O QUE HÁ DE NOVO NA ECONOMIA PAULISTA

A

A DEMANDA POR SERVIÇOSo que há de novo na economia paulista

PAULA MONTAGNER

Economista, Analista da Fundação Seade

ROBERTO C. BERNARDES

Sociólogo, Analista da Fundação Seade

MIGUEL MATTEO

Engenheiro, Analista da Fundação Seade

produção de serviços no Estado de São Paulo,desde os anos 80, ultrapassava a metade do Pro-duto Interno Bruto gerado pelo Estado, atingin-

do apenas 59% no final da década de 90.1 Este resultado,de certo modo, é surpreendente não apenas devido à trans-formação pela qual vêm passando as atividades produto-ras de bens nos anos 90, mas também porque se esperavacrescimento mais intenso do setor terciário da economiapaulista, em função da crescente especialização na cida-de de São Paulo.

Entre os principais motivos que devem permitir enten-der o que se passou com a economia paulista ao longo dequase duas décadas, destacam-se dois: a importância daalternância de períodos de profunda crise econômica comoutros, relativamente mais curtos, de intenso crescimen-to das atividades; e a transformação das relações inter eintra-setoriais decorrentes da crescente difusão das tec-nologias de base microeletrônica.

A recorrência das crises econômicas, além de implicara descontinuidade das atividades de muitas empresas, degerar estratégias defensivas de manutenção ou ampliaçãoda produtividade ou de especialização regressiva, de pro-piciar expressivas alterações patrimoniais e de incentivara mudança nas áreas de atuação predominante das em-presas que sobreviveram, deve ser considerada um impor-tante fator explicativo do relativamente baixo grau de ar-ticulação de redes empresariais, devido às conseqüênciasnão desprezíveis que representam para sua capacidade con-correncial, seja no mercado interno ou no externo.

Estas crises, ao induzirem a sofisticação dos sistemasfinanceiros nacionais para garantir formas eficientes de

valorização financeira dos recursos monetários, estabe-leceram novos parâmetros para a realização de projetosprodutivos (Coutinho e Belluzzo, 1998). Com isto, a ne-cessidade de racionalizar, simultaneamente, custos pro-dutivos, patrimoniais e financeiros reforçou, por um lado,a adoção de estratégias defensivas que eliminam, do or-ganograma das empresas, atividades que, devido à suamenor importância para o controle da produção, podemser adquiridas a custos menores, de terceiros e, por ou-tro, reforçou a necessidade de crescimento sustentado, demodo a garantir as condições para realizar investimentosem atividades que dinamizassem a economia. No Brasil,as dificuldades de ordem micro e macroeconômica mos-traram-se obstáculos de difícil superação no período re-cente.

Este ambiente desfavorável – combinado aos proble-mas da heterogeneidade estrutural que caracteriza a ma-lha produtiva instalada, às limitações impostas pelo en-dividamento do país e à decorrente especulação financeiracom títulos públicos – contribuiu de forma negativa paraa incorporação das novas formas de produção. Conseqüen-temente, essas novas formas, propiciadas pela introdu-ção e difusão das novas tecnologias de base microeletrô-nica e de comunicação, que têm alterado as formas deprodução de bens – não apenas na indústria de transfor-mação mas também nos demais setores (agropecuária,extrativa e construção civil) – e de grande parte das ativi-dades do terciário, não adquirem dinamismo para se di-fundir por todo o conjunto das atividades produtivas.

Neste contexto, o objetivo deste artigo é descrever,ainda que parcialmente, como vêm se organizando as re-

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 13(1-2) 1999

136

lações intersetoriais a partir da análise do tipo de servi-ços adquiridos de terceiros pelas empresas dos principaissetores de atividade do Estado de São Paulo. Essas infor-mações foram investigadas pela Pesquisa da AtividadeEconômica Paulista – Paep, para o ano-base de 1996,quando os estudos relativos ao desempenho da economiaindicam estar em processo a etapa “fácil” da recuperaçãodos investimentos no país, o que, em princípio, reforça-ria o processo de reorganização das atividades empresa-riais.2

Estudar este aspecto da transformação das relaçõesintersetoriais deve permitir vislumbrar em que medida esteprocedimento tendeu a se generalizar entre as empresasde portes e setores diversos, servindo de indicador do es-tágio de transformação do conjunto da economia paulistae também da nacional, devido à elevada participação deSão Paulo no Produto Interno Bruto brasileiro e na suacapacidade de atrair novos investimentos.

Vale notar ainda que, ao avaliar este tipo de atividade,destaca-se apenas uma parte do heterogêneo setor de ser-viços – os destinados predominantemente às empresas,segmento que tende a estar mais diretamente associado àdinâmica da economia. Foram ignorados os serviços queatendem demandas de indivíduos e famílias, cujo dina-mismo decorre do crescimento do emprego e dos rendi-mentos do trabalho, ou ainda do gasto público em servi-ços essenciais à população. Para ilustrar a relevância dosegmento selecionado, estimou-se, através dos dados daPesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNADde 1995, que este agregava aproximadamente 18% e 22%dos ocupados nos serviços do Brasil e do Estado de SãoPaulo, respectivamente. Na Região Metropolitana de SãoPaulo, onde este tipo de atividade ganha maior relevân-cia em função de sua crescente especialização, os servi-ços destinados a empresas correspondiam, no mesmo pe-ríodo, a cerca de 40% dos ocupados neste setor – valedizer, proporção semelhante à do emprego na indústria,isto é, cerca de 20% dos ocupados da Região.3

A DEMANDA POR SERVIÇOS COMOINDICADOR DAS RELAÇÕES INTERSETORIAIS

As tendências internacionais têm indicado que o mo-vimento de reestruturação no setor produtivo gera nãoapenas a expansão da demanda pelos serviços existentes,mas também uma redefinição no papel das telecomuni-cações nas estratégias empresariais e na demanda pornovos serviços. Estes tendem a estar ligados diretamente

à dinâmica daqueles segmentos de alta tecnologia consi-derados estratégicos para o desenvolvimento econômicocontemporâneo, sendo denominados na literatura recentecomo “baseados em conhecimento” (Dosi, 1995), “inten-sivos em ciência” (Pavitt, 1984) ou ainda “difusores doprogresso técnico” (Coutinho e Ferraz, 1994).

Entre as características importantes deste processodesencadeado com a adoção de tecnologias de base mi-croeletrônica, destaca-se a crescente complementaridadeentre as atividades associadas ao processo produtivo (agro-pecuária, indústria, construção civil) e aquelas agrupadasno terciário (comércio, transportes, comunicação e outrosserviços). Avaliar este processo supõe que se conheçaquais são os serviços executados no interior das empre-sas, seu papel no processo produtivo e como vêm se alte-rando as demandas intersetoriais das empresas produto-ras de bens, de modo a melhor entender os rumos dasdiferentes economias nacionais e regionais.

A amplitude das transformações em curso decorrem,principalmente, de sua capacidade de redefinir mercadosde bens e de serviços, sendo importante perceber aindade que maneira estas mudanças na forma de produzir es-tariam associadas às novas estratégias empresariais quepermitem a transição entre os diferentes padrões de con-corrência.

Outros aspectos relevantes sugeridos pela literatura4

referem-se, de um lado, ao fato de que a difusão das no-vas necessidades empresariais atinge empresas de todosos portes, não estando restritas às mudanças das relaçõesde produção apenas das grandes corporações, ainda queseja através da observação do que se passa nestas que seobtenham indicações mais detalhadas do alcance das trans-formações em curso e, de outro, de que a potencialidadedas transformações técnico-organizacionais tende a rede-finir as regras de funcionamento das empresas em todosos países, independentemente de seu porte ou de sua im-portância estratégica na cadeia produtiva, reforçando apercepção de que se trata de uma revolução do padrãotécnico, embora afete diferenciadamente regiões, empre-sas e indivíduos, dependendo de aspectos institucionais,macroeconômicos, do grau de desenvolvimento da estru-tura produtiva e da organização de seu mercado de trabalho.

Embora a percepção destes fenômenos venha sendoelaborada desde os anos 80, ainda há poucos estudos re-lativos à identificação do tipo de demanda de serviços quevem se cristalizando, em especial devido à diversidadede experiências nacionais encontradas. No Brasil, a cres-cente exposição das empresas à concorrência nos merca-

137

A DEMANDA POR SERVIÇOS: O QUE HÁ DE NOVO NA ECONOMIA PAULISTA

dos internacionais, a partir do início dos anos 90, impli-cou expressiva racionalização das atividades produtivas,com impactos ainda mais importantes para a população,uma vez que mudaram as demandas relativas à quantida-de e à qualidade da mão-de-obra, gerando desemprego eperda de direitos sociais.

Em função das dificuldades encontradas pelo sistemaestatístico nacional para dar continuidade às pesquisascensitárias e do conjunto heterogêneo de atividades quecompõem o setor serviços, não existe, ao contrário dosdemais, um acompanhamento sistemático do desempenhodestas empresas prestadoras de serviços.5 Na Pesquisa daAtividade Econômica Paulista – Paep, optou-se por apro-fundar apenas os aspectos relativos à demanda das em-presas em relação aos segmentos de prestação de serviços.As empresas industriais, de construção civil, comer-ciais6 e os bancos, que integraram a amostra da Paep, alémde responderem sobre a aquisição parcial ou integral deuma ampla gama de serviços, tiveram a possibilidade deindicar se aquelas atividades, quando não terceirizadas,eram realizadas internamente.

Esta informação, combinada com aquela relativa à ter-ceirização,7 permite averiguar o grau de difusão de deter-minados serviços na estrutura produtiva e aponta para ademanda potencial deste novos mercados. Deve-se des-tacar ainda que, nesta abordagem inicial do tema, man-tiveram-se como indicações importantes os resultadosobtidos para os diferentes tipos de serviços, que foram agre-gados em cinco grandes blocos: gerais; informática; mar-keting e vendas; projetos e ensaios; e produção, estes doisúltimos investigados apenas junto à construção civil e àindústria.8

No primeiro bloco, em que se encontra um amplo le-que de atividades de apoio, foi realizada uma subdivisão,separando-se as de maior tradição (assessoria jurídica,auditoria contábil e fiscal e serviços de cobrança e conta-bilidade), que passaram a integrar o Subgrupo I; as queampliaram sua expressividade nas grandes empresas du-rante os anos 80 (transporte de mercadorias, de funcioná-rios, serviços de ambulatório, alimentação e restaurante,serviços de limpeza, conservação predial, portaria, vigi-lância e segurança), que formaram o Subgrupo II; e osnovos serviços gerais que tendem a crescer a partir daampliação das novas formas de organização empresariale concorrencial (os serviços de assessoria em gestão em-presarial, controle e gestão de contratos terceirizados,logística, serviços de recrutamento, seleção e treinamen-to em recursos humanos), que formaram o Subgrupo III.

No caso dos serviços de informática, procurou-se se-parar os serviços de manutenção dos demais serviços in-vestigados – processamento de dados, desenvolvimentode programas e sistemas –, enquanto nos serviços demarketing e vendas isolaram-se os serviços de pesquisade mercado e publicidade daqueles de assistência técnicade pós-vendas, comunicação empresarial, organização deeventos e de distribuição e revenda. Com isso, procurou-se separar atividades associáveis ao novo padrão produ-tivo daquelas já presentes na economia, embora mais bemconhecidas apenas das empresas de maior porte.

A análise destes dados descreve a difusão setorial dosprocedimentos de aquisição de serviços de terceiros, ex-plicitando, na medida do possível, se a contratação exter-na das atividades ocorre por serem estas executadas inte-gralmente pelas próprias empresas. Assim, buscou-setornar mais clara a interface setorial efetiva e aquela quepotencialmente tende a ser objeto de atendimento por partedos serviços destinados à produção, a partir da amplia-ção e sofisticação dos serviços já prestados ou ainda daadequação destes às especificidades dos demandantes.Destacam-se, a seguir, alguns resultados reportados pe-las formas de atuar das empresas paulistas em 1996.

Elevada Difusão dos Serviços Geraismais Tradicionais

A primeira importante constatação apresentada pelosdados da Paep é a elevada difusão dos serviços gerais decaracterísticas mais tradicionais – assessoria jurídica, au-ditoria contábil e fiscal e serviços de cobrança e contabi-lidade. Na indústria, 92,7% das empresas terceirizavampelo menos um destes serviços e 58,5% realizavam inte-gralmente pelo menos um deles. Destaque-se que foramexatamente as empresas de maior porte que, devido à uti-lização mais freqüente destes serviços, as que tenderam aindicar a realização integral dessas atividades, possivel-mente em função da necessidade de executar tarefas bas-tante especializadas que ainda não foram suficientemen-te desenvolvidas pelas empresas que atuam nestes seg-mentos.

Entre as empresas comerciais com mais de 30 empre-gados e da construção civil, também foram verificadassituações semelhantes, correspondendo a, respectivamen-te, 96,9% e 97,6% a proporção das que terceirizavam, pelomenos em parte, um destes serviços.

No caso dos bancos, pelo contrário, as atividades decontabilidade e de auditoria são estratégicas e, portanto,

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 13(1-2) 1999

138

não foram objeto de terceirização, ao contrário dos servi-ços jurídicos (95,6%) e de cobrança (75,0%), que se en-contram majoritariamente terceirizados, devido à atuaçãode grandes empresas multinacionais junto a este segmen-to (Relatório da Gazeta Mercantil, 1995).

Difusão Expressiva dos Serviços de Informáticaem Todas as Atividades

Entre as transformações de maior difusão do novo pa-drão técnico-organizacional, são freqüentemente desta-cadas aquelas associadas ao uso crescente da informáti-ca. No entanto, com exceção dos estudos relativos à suaimportância no setor bancário (Segnini, 1998; Dieese, 1995),pouco se conhece sobre seu papel para o conjunto dasdemais atividades no país. Segundo os dados da Paep, estesserviços apresentaram importante difusão na Indústria(46,7% das empresas, que respondem por mais de doisterços do valor adicionado setorial), no Comércio (49,5%)e na Construção Civil (62,8%).

Os serviços de manutenção de equipamentos de infor-mática foram terceirizados por 45,1% das empresas in-dustriais paulistas que, no entanto, respondem por cercade 85% do valor adicionado industrial e por 77% do em-prego industrial do Estado. Além disto, é reduzida a pro-porção das empresas que realizavam este tipo de ativida-de internamente à sua estrutura.

Nas unidades comerciais com mais de 30 empregados,pouco mais de 37% terceirizavam pelo menos parcialmen-te este tipo de serviço, o que corresponde a cerca de 48%do valor adicionado do setor e a 51% do pessoal ocupa-do. Neste setor, no entanto, 33,0% das empresas realiza-vam este serviço internamente. Tendo em vista que estasunidades respondiam por cerca de um terço do valor adi-cionado do setor e por aproximadamente 45% do empre-go, pode-se inferir que trata-se daquelas de menor porte,que ainda não utilizam equipamentos com intensidade talque necessitassem contratar serviços permanentes demanutenção.

Quanto aos serviços de informática propriamente di-tos – processamento de dados, desenvolvimento de pro-gramas e sistemas –, verificou-se que nas empresas co-merciais de maior porte há uma clara tendência deterceirização destas atividades, uma vez que pouco maisde 48% contratavam pelo menos um desses serviços deterceiros e apenas 5% realizavam integralmente estas ati-vidades. Tendência semelhante foi encontrada entre asempresas do setor de construção civil, pois aproximada-

mente 63% terceirizavam atividades de informática, noperíodo em análise. Aparentemente, estes resultados cor-roborariam os estudos de caso que chamavam a atençãopara a terceirização dos serviços nestes setores de ativi-dade (Furtado, 1995).

Já nas atividades industriais, possivelmente devido àmaior sofisticação destes serviços nos programas desen-volvidos especialmente para suas atividades, em particu-lar as multinacionais que adaptam programas utilizadospelas suas matrizes, observou-se um comportamento di-ferenciado: 36,4% das empresas industriais investigadas– que representavam cerca de 75% do valor adicionadoindustrial paulista em 1996 – terceirizavam pelo menosum destes serviços, mas 28,0% destas, responsáveis porcerca de 59% do valor adicionado industrial paulista, nomesmo período, realizavam integralmente pelo menos umdestes serviços.

No setor bancário, em que estas atividades avança-ram de forma mais expressiva e precoce que nos de-mais setores de atividade, em função da sua utilizaçãoem todo o território nacional e da necessidade de evi-tar perdas associadas ao processo inflacionário, verifi-caram-se situações diferenciadas. Embora os serviçosde elaboração de projetos e desenvolvimento de siste-mas sejam predominantemente terceirizados (para cercade 18% dos bancos de forma integral e para 72% deforma parcial), o mesmo ainda não ocorre com os ser-viços de processamento, que ainda são realizados deforma integral em 52% dos bancos e terceirizados par-cialmente em 42%. Além disso, um novo tipo de servi-ço, representado pelo gerenciamento da rede de infor-mática, passou a ser majoritariamente (70,1%) realizadointernamente, uma vez que o funcionamento desta redetornou-se atividade estratégica para o banco.

Parte dos Serviços Gerais Permanece Terceirizadaapenas nas Grandes Empresas

No subgrupo II dos serviços gerais foram incluídosaqueles que estavam associados a atividades crescen-temente externalizadas pelas grandes empresas, desdeos anos 80 – transporte de mercadorias e de funcioná-rios, serviços de ambulatório, de alimentação e res-taurante, serviços de limpeza, de conservação predial,portaria, vigilância e segurança. Em sua grande maio-ria, compreendem atividades não-essenciais que, noentanto, envolvem custos de administração, notadamen-te aquelas que necessitam de mão-de-obra com menor

139

A DEMANDA POR SERVIÇOS: O QUE HÁ DE NOVO NA ECONOMIA PAULISTA

qualificação e que, por conseguinte, tendem a estarsujeitas a maior rotatividade.

Note-se que, no setor industrial, cerca de 34% dasempresas terceirizavam pelo menos um destes serviços.Embora esta proporção seja relativamente reduzida, re-presenta predominantemente as empresas de maior por-te, uma vez que respondem por aproximadamente 79%do valor adicionado setorial e por cerca de 68% do em-prego gerado pela indústria. Verifica-se, ainda, que a maiorparte das empresas industriais permanece realizando in-tegralmente estas atividades, o que indica haver espaçopara sua ampliação nas empresas já existentes.

Igualmente importante é o resultado encontrado paraas atividades comerciais, em que 36,5% das empresasterceirizavam este tipo de serviços, proporção semelhan-te à do setor industrial, embora representando proporçãomenor do valor adicionado (47,1%) e do emprego (51,8%)setorial. Também nestas atividades, parte expressiva(68,7%) das empresas realizavam integralmente algunsdestes serviços, ampliando a possibilidade de crescer aterceirização destas atividades.

Já nos bancos, as atividades de transportes de valo-res, de segurança, vigilância e manutenção predial játinham sido terceirizadas, de forma praticamente inte-gral pela maior parte das empresas do setor (87%, 79%e 69%, respectivamente).

Novos Serviços Gerais:encontrados apenas nas grandes empresas

Os serviços gerais relacionados ao novo padrão orga-nizacional das empresas foram incorporados apenas nascomerciais e industriais de maior porte. Neste subgrupo,agregaram-se os serviços de assessoria em gestão empre-sarial, de controle e gestão de contratos de terceirizados,de logística, serviços de recrutamento e os de seleção etreinamento em recursos humanos.

No setor industrial, estas atividades tenderam a sercontratadas de terceiros por um grupo relativamente pe-queno de empresas (25,6%), que, no entanto, represen-tam 70,0% do valor adicionado e pouco mais de 57% doemprego industrial. A maior parte das empresas que in-

TABELA 1

Participação das Empresas Comerciais, Pessoal Ocupado e Valor Adicionado, por Formas de Realização de Serviços, segundo Tipos de ServiçoEstado de São Paulo – 1996

Em porcentagem

Formas de Realização de Serviços

Tipos de Terceirizados (1) Realizados Integralmente

Serviço Empresas Pessoal Valor Empresas Pessoal Valor

Ocupado Adicionado Ocupado Adicionado

Total Geral 98,4 85,9 67,8 98,4 85,9 67,8

Gerais 97,5 82,8 65,9 84,4 77,9 62,4

Grupo I 96,9 80,7 64,4 63,1 63,7 45,1

Grupo II 36,5 51,8 47,1 68,7 63,8 69,2

Grupo III 25,5 39,5 45,0 55,2 64,5 46,8

Informática 48,8 65,1 45,5 32,9 44,7 33,8

Grupo I 37,1 51,0 47,9 33,0 44,8 33,6

Grupo II 48,3 64,4 44,9 5,0 5,9 12,1

Marketing e Vendas 27,1 35,7 40,8 44,4 49,4 43,9

Grupo I 19,6 27,3 32,5 42,1 44,2 47,9

Grupo II 17,6 29,8 36,0 27,8 27,1 12,9

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep.(1) Incluem os serviços que foram terceirizados total e/ou parcialmente.

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 13(1-2) 1999

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TABELA 2

Participação das Empresas Industriais, Pessoal Ocupado e Valor Adicionado, por Formas de Realização de Serviços, segundo Tipos de ServiçoEstado de São Paulo – 1996

Em porcentagem

Formas de Realização de Serviços

Tipos de Terceirizados (1) Realizados Integralmente

Serviço Empresas Pessoal Valor Empresas Pessoal Valor

Ocupado Adicionado Ocupado Adicionado

Total Geral 95,2 93,0 91,7 95,2 93,0 91,7

Gerais 93,8 90,9 89,0 81,9 86,1 85,2 Grupo I 92,7 88,2 82,0 58,5 68,6 68,6 Grupo II 33,7 67,6 79,1 70,8 69,9 63,9 Grupo III 25,6 57,4 70,0 57,8 70,4 72,9

Informática 46,7 79,8 86,6 28,4 54,8 59,6 Grupo I 45,1 77,1 84,7 2,9 4,3 3,4 Grupo II 36,4 66,5 74,6 28,0 54,3 59,2

Marketing e Vendas 26,4 55,0 61,6 66,6 72,3 65,9 Grupo II 22,8 49,9 58,0 65,7 71,7 65,6 Grupo I 13,9 40,6 50,5 21,2 20,5 16,0

Produção 34,0 53,5 58,6 71,9 72,9 63,1 Grupo II 26,0 47,0 52,8 69,2 71,1 61,6 Grupo I 15,2 28,4 36,2 34,3 33,0 23,7

Projetos e Ensaios 19,5 38,0 41,1 50,6 67,7 65,3

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep.(1) Incluem os serviços que foram terceirizados total e/ou parcialmente.

TABELA 3

Distribuição dos Bancos, por Grau de Terceirização de Serviços, segundo Tipos de ServiçoEstado de São Paulo – 1996

Em porcentagem

Tipos de Serviço

Grau de Terceirização

Integralmente Parcialmente Integralmente Total

Terceirizado Terceirizado Realizado

GeraisLimpeza 98,6 0,0 1,4 100,0Transporte de Valores 87,1 9,7 3,2 100,0Portaria, Vigilância e Sistemas de Segurança 78,8 19,7 1,5 100,0Manutenção Predial 68,7 26,6 4,7 100,0Serviços Jurídicos 18,8 76,8 4,4 100,0Treinamento de Pessoal 15,6 60,9 23,5 100,0Cobrança 11,7 63,3 25,0 100,0Recrutamento de Pessoal 4,8 37,1 58,1 100,0Contabilidade 1,5 1,5 97,0 100,0

InformáticaManutenção e Conserto de Equipamentos Eletrônicos 76,8 20,3 2,9 100,0Elaboração de Projetos e Desenvolvimento de Sistemas Integrados por Computador 17,9 71,6 10,5 100,0Processamento de Dados 6,1 42,4 51,5 100,0Gerenciamento de Rede de Informática 4,5 25,4 70,1 100,0

Marketing e VendasPesquisa de Mercado 51,1 38,3 10,6 100,0Publicidade e Propaganda 49,1 42,4 8,5 100,0

OutrosServiços Gráficos 76,8 20,3 2,9 100,0Compensação de Cheques 47,7 35,4 16,9 100,0Telemarketing 10,0 33,3 56,7 100,0Auditoria Interna 3,2 3,2 93,6 100,0Central de Atendimento (call center) 2,5 20,0 77,5 100,0

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep.

141

A DEMANDA POR SERVIÇOS: O QUE HÁ DE NOVO NA ECONOMIA PAULISTA

troduziram este tipo de atividade realizavam o serviçointernamente.

No comércio, da mesma forma, este tipo de ativida-de foi terceirizado por cerca de um quarto das empre-sas, que representam 45,0% do valor adicionado e cer-ca de 40% do emprego. No entanto, na maior parte dasempresas com presença destes serviços, as atividadeseram desenvolvidas integralmente pelas unidades(55,2% das empresas, que representam 46,8% do valoradicionado setorial).

Nos bancos, os serviços de recrutamento de pessoaleram realizados, em boa medida (58,1%) de forma inter-na, tendo sido terceirizados integralmente apenas por 4,8%das empresas. Entretanto, o treinamento dos empregadosera contratado de terceiros de forma mais expressiva, sen-do que apenas 23,5% dos bancos desenvolviam este ser-viço internamente. Uma atividade específica deste setorque mostrou importante processo de terceirização foi acompensação de cheques (83,1%), devido à sua padroni-zação e à especialização de algumas empresas no atendi-mento deste tipo de serviço.

Serviços de Marketing e VendasPermanecem Restritos às Grandes Empresas

O uso dos serviços de marketing e vendas permanecerestrito às grandes empresas, sendo utilizados por 26,4%das empresas industriais, 26,6% das comerciais e 22,6%das construtoras. Nas empresas do setor industrial, am-pliou-se significativamente a utilização das técnicas deatendimento aos clientes, pois cerca de 23% das empre-sas – que respondiam por 58,0% do valor adicionado epor 49,9% do emprego – já indicaram haver terceirizado,pelo menos parcialmente, serviços de assistência técnicade pós-vendas e de distribuição e revenda, além de co-municação empresarial e organização de eventos.

A difusão deste tipo de atividade ocorreu de forma ain-da mais intensa que a utilização de pesquisas e publicida-de (subgrupo I dos serviços de marketing e pesquisa), umtipo de atividade que envolve grande especialização e quefoi terceirizada por apenas 13,9% das empresas (que re-presentam cerca de 51% do valor adicionado e 41% doemprego setorial).

Já no comércio, estes serviços permanecem restritos aalguns dos segmentos deste setor: este grupo não alcança20% das empresas com pelo menos 30 empregados, querespondiam, aproximadamente, por um terço do valor adi-cionado do comércio. Note-se, no entanto, que as ativi-

dades de pesquisa e publicidade obtiveram maior difusãoque as novas técnicas de venda e de propaganda empre-sarial, ao contrário do que ocorre no setor industrial.

No setor bancário, os serviços de publicidade e propa-ganda já estavam expressivamente terceirizados, no en-tanto, o setor desenvolveu duas novas atividades que seencontram ainda majoritariamente internalizadas: otelemarketing (56,7%) e a central de atendimento (77,5%),como forma de aprimorar seu contato com os clientes.

Serviços de Projetos e Ensaios noSetor Industrial e as Grandes Empresas

Os serviços de projetos e ensaios vinham sendo reali-zados por um pequeno número de empresas nas ativida-des industriais e de construção civil no país, situação estaque não se alterou expressivamente nos anos 90.

Na construção civil, a proporção de empresas que in-dicaram terceirizar parcial ou integralmente estas ativi-dades é relativamente elevada (44,5% das empresas), massua representatividade setorial permanece reduzida. Já naindústria, verifica-se que apenas uma fração pequena deempresas (19,5%) contratou este tipo de atividade, de ter-ceiros, permanecendo, quando realizado, um serviço exe-cutado integralmente pela empresa.

Terceirização dos Serviços deManutenção de Equipamentos Restrita aAlguns Segmentos Industriais

A terceirização das atividades de manutenção de equi-pamentos foi apontada por um pequeno número de em-presas industriais (15,2%), predominantemente do com-plexo metal-mecânico, que representavam, no entanto,36,2% do valor adicionado setorial. Uma proporção sig-nificativa dentre elas, no entanto, ou não realiza este tipode atividade, ou desenvolve estas atividades sem a con-tratação de terceiros.

Estes resultados sugerem que o tipo de transformaçãoocorrido na economia paulista, nos anos 90, embora te-nha propiciado a mudança das relações inter-setoriais, ofez de forma menos dinâmica do que se esperava origi-nalmente. Ainda que tenha havido expressiva difusão dautilização dos serviços de informática em todas as ativi-dades, independentemente do porte das empresas, nosdemais grupos de serviços esta situação praticamente nãose verifica, permanecendo a sua introdução nas ativida-des produtivas, terceirizadas ou não, restrita às empresas

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 13(1-2) 1999

142

de grande porte, com a exceção do setor bancário, cujamodernização ocorreu de forma muito mais intensa.

Este tipo de resultado fragiliza a possibilidade de am-pliar o papel das redes produtivas que caracterizariam onovo padrão produtivo, reforçando a impressão de que aterceirização das atividades menos importantes nas gran-des empresas ainda obedeceria apenas a estratégias redu-toras de custo e que não tenderiam a propiciar a forma-ção de ambientes cooperativos mais amplos capacitadosa gerar ciclos virtuosos de crescimento sustentado. Napróxima seção, são estudados aspectos do processo deterceirização de serviços na indústria paulista, correla-cionando-o às suas estratégias e ao processo de inovaçãodo período.

ESTRATÉGIAS DE AJUSTE ETERCEIRIZAÇÃO NA INDÚSTRIA PAULISTA

O conjunto de estudos que descreveram o processo dereorganização da estrutura produtiva e de difusão de no-vas tecnologias à luz do processo de transição do marcoregulatório político institucional brasileiro, na década de90, mostrou seu caráter emergencial, determinado pelacrise macroeconômica e pela percepção da irreversibili-dade da abertura da economia aos concorrentes interna-cionais. Destaca-se, de forma relativamente consensual,a forma desarticulada, desigual e assimétrica, associada aeste processo, que aprofundou ainda mais a heterogenei-dade da estrutura produtiva e tecnológica da indústrianacional (Abramo, 1989; Abreu e Sorj, 1993; Coutinho eFerraz, 1994; Haguenauer, Kupfer e Ferraz, 1995).

No entanto, no contexto de estabilidade e crescimentomacroeconômico, aprofundamento da abertura comercial,apreciação cambial e aporte vigoroso de investimentosdiretos estrangeiros, expresso na onda de fusões e aquisi-ções de empresas nacionais, que caracterizou a primeirafase do Plano Real, houve expressivo impulso no sentidoda modernização dos principais setores produtivos. Nes-te ambiente marcado pela expansão do consumo internoe da atividade econômica, seguido de um ciclo de impor-tações de bens de capital – motivado pela valorização cam-bial e barateamento do preço das máquinas e equipamen-tos importados –, verificou-se expressiva alteração dasexpectativas e decisões empresariais quanto à performan-ce econômica (ver, entre outros, Laplane e Sarti, 1997;Bielschowsky, 1998).

Com isto, a adoção de novos métodos de organizaçãodo trabalho e da produção estaria articulada a uma estra-

tégia de focalização nas atividades centrais das empre-sas, com redução e seleção dos integrantes da cadeia desuprimentos e fornecedores, suportadas por plataformastecnológicas informacionais, desativação de linhas pro-dutivas, importação de produtos, priorização de contra-tos com terceiros nas atividades de comercialização e pres-tação de serviços. Com estas estratégias de focalização/descentralização, buscava-se evitar ociosidade e atingirníveis “ótimos” de escala. Com isso, o conflito entre eco-nomia de escopo e economia de escala podia, aparente-mente, ser enfrentado pela desverticalização da indústria,gerando inclusive condições para reduzir ainda mais cus-tos administrativos e de desenvolvimento de produto eprocesso e transformar custos fixos em variáveis, obten-do a mesma produção final com menor investimento porparte da fábrica e menores tensões relativas às relaçõesde trabalho (Martins e Ramalho, 1994; Salerno, 1995 eBresciani, 1997).

No entanto, os estudos mais recentes (Abreu et alii,1998) sugerem que, mesmo neste contexto, pouco se avan-çou sobre as tendências que haviam sido identificadas porSouza (1993) para o primeiro estágio do processo de ex-ternalização das grandes empresas. Este se concentrariamenos nas áreas de serviços à produção do que nas ativi-dades não-essenciais, tais como os serviços de limpeza,restaurante, manutenção de máquinas e equipamentos,transporte de empregados, recrutamento e seleção de mão-de-obra, da mesma forma como já ocorria nas grandescorporações. Em síntese, não se alterava a natureza de-fensiva destas estratégias,9 permanecendo direcionadasmais para a racionalização de custos do que para a for-malização de uma estratégia competitiva dinâmica volta-da para a captura de sinergias provenientes da especiali-zação produtiva empresarial.

Diante deste cenário, procura-se analisar aqui a situa-ção das empresas industriais paulistas, identificando anatureza e a dinâmica destas novas articulações interse-toriais, engendradas pelas empresas a partir da implemen-tação das estratégias de terceirização de seus serviços.Conforme revelam os dados da Paep, em cerca de 62%das empresas que terceirizaram alguma atividade de ser-viços, a estratégia de produção que mais se disseminoufoi a implementação de novos métodos de organizaçãode trabalho. Este universo de empresas correspondia apouco mais de 82% do valor adicionado e cerca de 80%da ocupação na indústria. Além disso, as empresas indus-triais que adotaram tal estratégia demonstram um padrãode compra de serviços comparativamente mais elevado

143

A DEMANDA POR SERVIÇOS: O QUE HÁ DE NOVO NA ECONOMIA PAULISTA

TABELA 4

Proporção e Distribuição das Empresas Industriais que Realizaram Serviços e Pessoal Ocupado, por Formas de Realização, segundo Tipos de ServiçoEstado de São Paulo – 1996

Em porcentagem

Tipos de Serviço

Proporção das Empresas que Distribuição destas Empresas, por

Realizaram os Serviços Forma de Realização do Serviço

Terceirizados (1) Realizados Integralmente

Empresas Pessoal Empresas Pessoal Empresas Pessoal

Ocupado Ocupado Ocupado

GeraisCobrança e Contabilidade 84,5 87,3 53,2 32,0 46,8 68,0

Transporte de Mercadorias 81,6 86,7 53,4 74,2 46,6 25,8

Limpeza e Conservação Predial 80,9 87,2 17,8 51,3 82,2 48,7

Auditoria Contábil e Fiscal 74,7 81,9 92,4 83,1 7,6 16,9

Assessoria Jurídica 69,7 85,0 96,2 89,9 3,8 10,0

Seleção e Locação de Mão-de-Obra 60,5 80,0 21,8 49,0 78,2 51,0

Portaria, Vigilância e Segurança 53,0 81,2 24,4 54,2 75,6 45,8

Logística 29,4 58,0 26,7 33,0 73,7 67,0

Assessoria de Gestão Empresarial 29,3 54,5 39,4 53,7 60,6 46,3

Serviços de Ambulatório 21,6 63,7 55,3 45,3 44,7 54,7

Serviços de Alimentação e Restaurante 20,5 57,1 60,4 76,8 39,6 23,1

Transporte de Funcionários 14,7 43,6 63,0 82,2 36,9 17,8

Gestão de Contratos com Terceiros 13,2 30,2 34,2 27,0 65,8 73,0

Treinamento de Recursos Humanos 8,8 47,0 48,7 67,0 51,3 33,0

InformáticaManutenção e Conserto de Equipamento de Informática 48,1 81,5 93,7 94,5 6,3 5,5

Processamento de Dados 42,6 78,3 38,4 34,5 61,6 65,5

Desenvolvimento de Programa de Informática 40,8 78,0 81,0 79,2 19,0 20,8

Desenvolvimento de Sistema de Informática 39,8 77,6 78,1 76,9 21,8 23,1

Marketing e VendasDistribuição e Revenda 63,1 72,3 22,0 45,0 77,9 55,0

Assistência Técnica e Pós-Venda 50,2 69,8 14,4 19,9 85,6 80,1

Comunicação Empresarial 48,4 67,9 13,5 32,8 86,5 67,2

Pesquisa de Mercado e Publicidade 35,5 61,3 39,1 66,2 60,9 33,8

Organização de Feiras, Exposições e Eventos 26,3 57,3 42,3 61,8 57,7 38,2

ProduçãoMovimentação Interna de Cargas 66,7 79,8 8,9 23,5 91,1 76,5

Fabricação de Partes e Componentes 56,5 71,5 32,9 45,7 67,1 54,3

Manutenção de Máquinas e Equipamentos 51,1 62,0 29,7 45,9 70,3 54,1

Projetos e EnsaiosDesenvolvimento de Produto 52,3 73,1 14,7 16,7 85,3 83,3

Ensaio de Materiais e Produtos 49,7 73,7 27,8 33,1 72,2 66,9

Desenvolvimento e Gerenciamento de Projetos de Engenharia 23,5 55,8 39,2 43,8 60,8 56,2

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep.(1) Incluem os serviços que foram terceirizados total e/ou parcialmente.

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 13(1-2) 1999

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que o encontrado entre aquelas que centraram suas estraté-gias de produção em outras formas de ajuste produtivo.10

Nas empresas que implementaram novos métodos deorganização do trabalho e da produção, observa-se o usomais intensivo dos expedientes de terceirização dos ser-viços gerais (61,8%), de informática (36,1%), serviços deprodução (26,7%) e serviços de manutenção (20,8%).Constitui-se também no conjunto de empresas que maisrecorreram à compra externa de serviços de projetos eensaios (16,6%), que envolvem desde projetos de enge-nharia, desenvolvimento de novos produtos e serviços deteste e qualidade de produtos.

Entre as empresas industriais que adotaram expedientesde terceirização, outras estratégias implementadas que apre-sentaram expressiva ampliação foram: aumento da escala daprodução (32,3% das empresas); ampliação de produtos(31,4%); redução do número de fornecedores (19,5%); ecrescimento da automação industrial (18,1%). Em todo estegrupo de empresas, os principais serviços terceirizados com-preendiam, em ordem de importância, os serviços gerais eos de informática.

A difusão de novas técnicas de organização do trabalho,combinada ao crescimento da compra de serviços de infor-mática, parece corresponder à principal característica doprocesso de transformação das atividades industriais. Restaverificar se o intercâmbio e a organização das informaçõescorporativas internas e externas às organizações, com for-necedores e clientes, teriam passado a representar variáveiscruciais nas estratégias competitivas das empresas. Dois as-pectos deste processo podem ser explorados: de um lado, ainterligação do processo de inovação com a terceirização deserviços; e, de outro, o papel da comunicação através de meioseletrônicos das empresas e seus fornecedores e clientes.

EMPRESAS INOVADORAS E TERCEIRIZAÇÃO

Na indústria paulista, 24,1% das empresas que tercei-rizaram os serviços empreenderam algum tipo de atividadeinovativa, fosse esta inovação de produto ou de processo,no período em análise. Embora estas representem fraçãorelativamente pequena do conjunto das empresas industriaisdo Estado de São Paulo, respondiam por uma parcela ex-pressiva na composição da estrutura ocupacional e produti-va paulista: 63,9% do valor adicionado e 53,2% do pessoalocupado (Tabela 5).

No entanto, encontrou-se proporção maior de empre-sas inovadoras, que adotaram a compra de serviços deterceiros do que para o total das empresas, destacando-

se: aquisição de serviços de informática (aproximadamente77% entre as inovadoras, contra cerca de 49% para o con-junto das empresas); serviços de produção (55% e 36%,respectivamente); e serviços de marketing (52% e 28%,respectivamente), não sendo desprezível a importância daterceirização dos serviços de projetos e ensaios (41% e20%, respectivamente) e de novos serviços gerais (46% e27%, respectivamente).

Devido à elevada concentração econômica, característi-ca da indústria nacional e paulista, apesar de as empresasque terceirizaram e realizaram algum tipo de inovação re-presentarem um número relativamente reduzido, sua impor-tância em termos de valor adicionado é alta. Por exemplo,apenas 14,6% das empresas industriais inovaram e, em si-multâneo, adquiriram serviços de informática; no entanto, ovalor adicionado que representavam correspondia a 54,6%do total da indústria.

Com a abertura das fronteiras econômicas e o acirramen-to das rivalidades concorrenciais, as empresas industriaispassaram a ser confrontadas pela lógica de competição in-ternacional. Com efeito, houve diminuição relativa da capa-cidade para a prática de imposição de preços pelas grandesempresas, além da pressão por novas exigências quanto aospadrões de custo e qualidade dos produtos comercializadosno mercado.

As informações captadas pela Paep, referentes a inova-ção tecnológica, atestam que a alteração do quadro macroe-conômico e institucional foi fator determinante para o deli-neamento das estratégias de desenvolvimento de novosprodutos ou novos processos produtivos na indústria paulis-ta, no período 1994-96. As variáveis que impulsionaram taisestratégias foram relacionadas ao esforço empresarial dire-cionado para a melhoria na qualidade dos produtos (86,1%)e para a redução nos custos de produção (76,2%), visando asustentação e, em alguns casos, a ampliação das posições demercado.11 Nesse sentido, os esforços tecnológicos de ino-vação empresarial estiveram, em grande medida, mais con-dicionados a uma estratégia nitidamente defensiva, orien-tados por lógica de racionalização de custos da produção emelhoria da qualidade dos produtos, do que a uma estraté-gia ofensiva ou pró-ativa de mercado, baseada em um esfor-ço endógeno empresarial estruturado em atividades de P&Dinterno.

As empresas inovadoras apresentam uma dinâmica im-portante em relação à internalização daqueles serviços qua-lificados ou das atividades mais sofisticadas tecnologicamen-te, que são considerados estratégicos pelas empresas. Umexemplo disso são os serviços industriais relacionados ao

145

A DEMANDA POR SERVIÇOS: O QUE HÁ DE NOVO NA ECONOMIA PAULISTA

TABELA 5

Participação das Empresas Industriais Inovadoras (1), Pessoal Ocupado e Valor Adicionado,por Formas de Realização dos Serviços, segundo Tipos de Serviço

Estado de São Paulo – 1996Em porcentagem

Formas de Realização dos Serviços

Tipos de ServiçoTerceirizados (2) Realizados Integralmente

Pessoal Valor Pessoal Valor

Empresas Ocupado Adicionado Empresas Ocupado Adicionado

GeraisGrupo I

Assessoria Jurídica 19,9 84,2 77,0 0,7 10,6 18,4Auditoria Contábil e Fiscal 18,1 76,1 74,5 1,8 14,6 18,7Cobrança e Contabilidade 10,7 29,0 26,1 12,0 66,7 69,3

Grupo IITransporte de Mercadorias 15,2 77,8 75,9 7,4 17,6 19,0Transporte de Funcionários 3,8 49,7 56,9 1,6 8,6 13,5Serv. de Ambulatório 5,3 38,7 48,1 4,0 42,8 40,4Alimentação 5,9 60,8 73,3 2,7 15,0 13,4Limpeza e Conservação Predial 5,6 63,2 76,5 16,6 32,6 19,3Portaria, Vigilância e Segurança 5,7 61,4 73,6 10,9 31,4 21,0

Grupo IIIAssessoria em Gestão Empresarial 4,8 41,2 48,0 6,4 29,4 29,1Controle de Contratos Terceirizados 1,8 10,6 10,3 3,2 30,5 35,1Logística 3,6 27,6 26,4 8,1 48,2 57,4Recrutamento, Seleção e Locação de RH 6,2 53,9 65,2 11,9 38,4 29,1Treinamento 3,2 49,8 63,7 2,8 19,8 18,6

InformáticaGrupo I

Manutenção 18,1 92,0 95,5 1,1 4,9 3,3Grupo II

Processamento de Dados 6,3 33,6 36,0 3,8 60,7 61,3Desenvolvimento de Programas 13,6 76,7 81,1 3,7 19,5 16,9Desenvolvimento de Sistemas 12,8 72,5 75,8 3,8 22,1 22,1

Projetos e EnsaiosDes./Gerenc. Projetos de Engenharia 4,5 33,7 33,1 6,8 42,6 43,1Desenvolvimento de Produto 3,6 16,2 15,4 16,3 73,2 67,2Ensaio de Materiais 7,3 33,5 30,8 11,2 54,8 51,7

ProduçãoGrupo I

Manutenção Máquinas/Equipamentos 7,0 40,7 46,1 8,6 30,1 19,9

Grupo II

Movimentação Interna de Cargas 1,9 28,0 35,9 18,2 61,6 46,5

Produção 8,6 47,3 46,3 10,6 41,7 35,9

Marketing e VendasGrupo I

Pesquisa de Mercado/Publicidade 7,3 57,4 60,9 7,2 20,9 16,3

Grupo II

Assistência Técnica de Pós-Venda 3,1 20,6 21,7 15,6 63,8 57,9

Comunicação Empresarial 3,2 32,8 38,5 13,9 50,0 40,6

Organização de Eventos 6,0 50,0 55,1 6,2 25,5 20,5

Distribuição e Revenda 6,0 44,5 48,5 13,1 37,2 27,7

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep.(1) Referem-se aos totais dessas empresas.(2) Inclui os serviços que foram terceirizados total e/ou parcialmente.

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 13(1-2) 1999

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grupo de projetos e ensaios, composto pelas atividades dedesenvolvimento e gerenciamento de projetos de engenha-ria, ensaios de materiais e de produtos e análise de qualida-de, que apresentavam uma participação média de 54% dovalor adicionado industrial. Estas informações sugerem que,quando o desenvolvimento de tais serviços constitui parteintegrante da estratégia produtiva ou de mercado da empre-sa, estes tendem a ser realizados internamente pelas empre-sas inovadoras.

TERCEIRIZAÇÃO E USO DE REDES DECOMUNICAÇÃO ELETRÔNICA

Nas economias mais industrializadas, o progresso tecno-lógico e os padrões de concorrência vêm adquirindo umcaráter mais interdependente e sistêmico, impulsionados peladisseminação de práticas comerciais cooperativas. O novoenfoque de competitividade considera a eficiência coletivae a inovação tecnológica sistêmica como forças indutoraspara a geração de vantagens competitivas estratégicas nasempresas. Essas vantagens virtuosas encontrariam nas re-des cooperativas importantes aliados, desde que, suportadaspor plataformas telemáticas de longo alcance, fosse possí-vel às empresas interagirem com rapidez, trocando informa-ções corporativas e tecnológicas entre produtores, fornece-dores, distribuidores e usuários (Coutinho, Cassiolato e Silva,1995).

O acesso a serviços especializados de telecomunicações,sobretudo aqueles de elevado valor agregado, tem se reve-lado crucial para as estratégias de concorrência no setor. Aformação destas redes de subcontratação, apoiadas por tec-nologias de informação, registra pelo menos três dimensões:inauguração de novas relações com fornecedores; incrementosistêmico da produtividade das empresas; e celebração denovos vínculos institucionais de concorrência. No setor in-dustrial, estudos apontam a difusão limitada e concentrada,particularmente, nos setores automobilístico e petroquími-co.12 Contudo, se estes novos vínculos de integração deli-neiam uma tendência nas economias avançadas, nos paísesperiféricos eles ainda são bastante incipientes e tênues, o quese pode atribuir à persistência de formas tradicionais de con-corrência e à fragilidade da infra-estrutura tecnológica.

No Brasil, foram poucos os estudos realizados sobre esteenfoque. Todavia, estes indicam o avanço da telemática emapenas determinadas cadeias produtivas, com a constituiçãode redes ou canais dinâmicos de informações (como EDI –Eletronic Data Interchange, e do uso da Internet). Nestascadeias produtivas (e, nesse sentido, o setor automobilístico

é o caso mais evidente), houve condições para a emergênciade novas formas de organização, integradas, articulando osetor produtivo e de serviços, principalmente com os seg-mentos distribuidores e os clientes (Coutinho, Cassiolato eSilva, 1995).

Um dos sistemas mais estudados tem sido o EDI –Eletronic Data Interchange13 –, com alto potencial de redu-ção dos custos de transação e de melhoria da eficiência ope-racional e gerencial. O EDI permite que as empresas usuáriaspossam exercer a função de “centro nervoso de pilotagemda produção”, coordenando o fluxo de materiais, hierar-quizando e selecionando a cadeia de suprimento e impondoseus parâmetros de qualidade. 14

As informações da Paep mostram que esta ferramentacontinua sendo utilizada de modo muito restrito; mesmoassim, destaca-se, entre os segmentos que mais utilizam ossistemas de EDI, exatamente o setor de montagem de veícu-los automotores, reboques e carrocerias, que inclui as mon-tadoras e autopeças. Este segmento representa 12,2% de to-das as empresas que usam EDI e terceirizam ou compramalguma atividade de serviços.

O setor químico era o segundo setor a apresentar maiorgrau de utilização (11,2%) do EDI, seguido pela metalurgia(10,2%), fabricação de artigos de borracha e plástico (8,1%),edição e impressão e reprodução de gravações (7,2%), con-fecção de artigos do vestuário e acessórios (7,0%), fabrica-ção de máquinas e equipamentos (6,5%) e fabricação deprodutos alimentícios e bebidas (6,1%).

Tal como a experiência internacional vem apontando, ouso de EDI na indústria paulista é extremamente concentra-do e restrito, circunscrito a alguns setores. Em números re-lativos, somente 2,6% do total de empresas industriais queterceirizam (responsáveis por 42,7% do valor adicionado epor 25,7% do pessoal ocupado) usam os sistemas de EDI.Das empresas que terceirizam e utilizam EDI, parece haverum certo equilíbrio na distribuição relativa de compras pe-los serviços gerais e de informática; isto vale tanto para osserviços mais modernos como para os mais tradicionais.

CONSIDERAÇÕES GERAIS

A partir da necessidade de avaliar de que forma o setorserviços havia evoluído ao longo de quase duas décadas,tomou-se como indicativo de sua falta de dinamismo o pro-cesso de transformação da economia e o atual estágio dademanda por parte das atividades produtivas. A hipótese aser desenvolvida tomava como ponto de partida os estudosque indicavam que, quanto mais avançado o processo de re-

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A DEMANDA POR SERVIÇOS: O QUE HÁ DE NOVO NA ECONOMIA PAULISTA

estruturação industrial, maior seria o leque de serviços de-mandados e maior a difusão do processo de terceirizaçãodas empresas produtivas, formando com as empresas pro-dutoras de serviços redes articuladas e crescentemente inte-gradas.

Saliente-se que esta hipótese determinou a forma de abor-dagem desta análise, que, não sendo a única possível, pos-sui a vantagem de utilizar, através da base de dados da Paep,as informações da demanda por serviços combinadas comas de modernização da estrutura produtiva. Outras aborda-gens, com detalhamentos setoriais e regionais, devem reve-lar novas facetas deste processo no Estado de São Paulo.

Entre os principais resultados encontrados através dasinformações da Paep, destaca-se a importante difusão dasatividades de informática, aparentemente o único grupo deserviços que atingiu empresas de todos os portes em todosos setores, não apenas no que diz respeito aos serviços demanutenção, mas principalmente pelo desenvolvimento desoftwares e sistemas, além do processamento de dados.

Quanto aos serviços gerais de apoio e de marketing evendas, no entanto, verificou-se que estes tendem a perma-necer restritos às empresas de maior porte, tal como ocorriano passado recente. Não obstante, não deixa de ser interes-sante observar que as empresas afirmam que muitos destesintegram as atividades executadas no interior da estruturaprodutiva, ainda que não de forma sistemática.

Chama a atenção a importante transformação que se en-contra em curso nas atividades comerciais, bancárias e nosserviços de informática, segmentos do terciário que forampesquisados pela Paep. A modernidade do setor bancárionacional era conhecida; no entanto, tornou-se possível ave-riguar o grau de integração deste com outros serviços, emespecial com os de informática, elemento-chave de sua es-tratégia de funcionamento, em um mercado altamente sofis-ticado e competitivo.

Menos conhecida, no entanto, era a transformação dasatividades comerciais de maior porte. Houve importante re-organização destas atividades, no sentido da incorporaçãode novas formas de vendas e da utilização da informática,em todos os subgrupos de atividades, não estando restritoaos segmentos de hiper e supermercados, que já haviam sidoobjeto de outras investigações. Com isto, aparentemente tor-nou-se mais clara a indicação de racionalização de parte dasatividades mais produtivas nos serviços, o que tem implica-ções importantes quanto ao volume e ao tipo de demanda demão-de-obra a ser empregada pelo setor.

Além disso, buscou-se explicitar aspectos da associaçãodo processo de terceirização às estratégias empresariais ado-

tadas pela indústria paulista. Como esperado, a adoção denovos métodos e organização do trabalho foi indicada pelamaioria das empresas (62,4%), enquanto outras estratégiascomo ampliação da escala da produção e do número de pro-dutos foram apontadas por apenas cerca de um terço dasempresas, mesmo em se tratando de um momento aparentementefavorável, seja pela estabilização da economia, seja pelo maiorpotencial de crescimento do mercado consumidor.

Como aponta a literatura, os efeitos deste tipo de estraté-gia reativa restringem-se à racionalização do uso do fatortrabalho, em geral estando associada à perda de direitos, pelaprecarização das condições de trabalho ou pela flexibiliza-ção das formas de contratação. Seus efeitos sobre o proces-so de dinamização das atividades pela criação de vantagenssistêmicas mantêm-se reduzidos.

Investigou-se, por outro lado, a situação das empresas quepromoveram inovações de produto ou processo e a utiliza-ção que estas teriam feito da terceirização de serviços. Em-bora não se constate grande diferença no perfil demandado,fica explícito que estas externalizaram serviços de todos ostipos em proporção bastante superior ao do conjunto dasempresas do setor, destacando-se os serviços de informáticamais elaborados, tal como o desenvolvimento de softwarese sistemas.

Já quanto ao uso de novas formas da telemática, obser-vou-se que, no caso paulista, estas continuam sendo bastan-te restritas, tanto na indústria como no comércio. Apenas ocomplexo automotivo parece ser o que mais avançou na di-reção de ampliar a rede de fornecedores e distribuidores quese utilizam desta poderosa ferramenta de planejamento econtrole.

Se associados estes resultados aos já encontrados nos es-tudos relativos ao desenvolvimento recente da indústria na-cional, aparentemente pode-se indicar com maior detalha-mento que a interrupção do processo de crescimento dasatividades industriais teve importante papel na perda de di-namismo dos serviços. A fragilidade das condições de atua-ção das empresas difusoras de progresso técnico – informá-tica, eletrônica, química fina, além do segmento produtorde máquinas, equipamentos e componentes – sem dúvida édecisiva para a redução da interação entre os diferentes seg-mentos de ambos os setores de atividade. Além disso, pode-se intuir que estes processos tendem a conectar o desenvol-vimento desses serviços com a atividade industrial, o queremeteria a um novo problema: a crescente incapacidade des-te setor de gerar novas oportunidades de trabalho bem re-muneradas, reproduzindo-se, assim, também no país, partedos problemas que ocorrem nos países mais desenvolvidos.

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NOTAS

1. Segundo cálculos da Fundação Seade, o Produto Interno Bruto a Custo deFatores do setor terciário passou de 52,0%, em 1980, para 58,9%, em 1997. VerFundação Seade, 1997.

2. Segundo estudo de Bielschowsky (1998) relativo aos efeitos do novo contex-to regulatório, pós-abertura e privatizações e do novo contexto macroeconômicointroduzido pelo Plano Real, sobre o desempenho da economia brasileira, o qua-dro atual teria dado fortes estímulos ao investimento na produção de bens deconsumo, mas teria desincentivado toda a “retaguarda” produtiva, ou seja, ossegmentos produtores de bens de capital, a maior parte dos insumos básicos ecomponentes. Com isso, o processo de racionalização produtiva e organizacio-nal propiciado pelo período 1990-94 teria fragilizado, possivelmente de formaexagerada, algumas cadeias produtivas, em especial aquelas de maior intensida-de tecnológica.3. Este exercício atualiza os resultados obtidos por Dedecca e Montagner (1992)para os anos 80, quando estimou-se que a ocupação em serviços destinados pre-dominantemente ao setor produtivo representavam cerca de 13% da ocupaçãobrasileira e paulista.

4. Ver, entre outros, Fucks (1985) e Momigliano e Siniscalco (1986).

5. O IBGE realiza anualmente a PIA (Pesquisa Industrial Anual), a PAC (PesquisaAnual do Comércio) e a PAIC (Pesquisa Anual da Indústria da Construção). Realizaainda pesquisas mensais para análise de conjuntura, além de ter elaborado o CensoAgropecuário em 1997. Aguarda-se para breve a concretização de uma pesquisanacional, nos mesmos moldes da PIA e da PAC, para o setor de serviços.

6. As empresas comerciais que responderam a este tipo de questão deveriam ter 30 emais empregados ou serem multilocais, o que corresponde a cerca de 4% do total deempresas do setor no Estado de São Paulo, que, no entanto, equivaliam a cerca de66% do valor adicionado e a 38% do emprego do total do comércio paulista.7. Denominaram-se terceirização as políticas, programas ou estratégias delibe-radas de transferência da responsabilidade de determinadas fases ou processointegral de produção, comercialização, distribuição ou prestação de serviços, deuma empresa para outra chamada de “terceira”. Estas outras empresas ou insti-tuições contratadas para fornecer serviços ou produtos, que atuam dentro ou foradas instalações da empresa contratante são chamadas de “terceirizadas” (Dieese,1993).8. Para as indústrias foi investigada, como parte dos serviços de produção, alémdos serviços de manutenção de máquinas e equipamentos e de movimentação decargas internas, a compra de componentes e partes fabricados por terceiros.9. Ou como a denominaram Gitahy et alii (1993) “restritiva”.10. Referem-se às estratégias de desativação de linhas, redução de produtos, am-pliação da produção, redução de fornecedores e aumento da escala de produção.Vale lembrar que a dificuldade de construir uma taxonomia de estratégias deterceirização decorre, entre outros aspectos, da heterogeneidade das empresasque compõem as cadeias de subcontratação e, portanto, da sobreposição de es-tratégias diferentes entre os diversos elos da cadeia.11. Ver artigo de Ruy Quadros, André Furtado, Roberto Bernardes e Eliane Fran-co, nesta revista.12. Conforme registram os estudos sobre a difusão de EDI, mesmo na experiên-cia internacional o uso desta tecnologia como ferramenta-chave é limitado a umconjunto de setores, essencialmente os segmentos da automobilística, varejo,financeiro e setores governamentais. Nos Estados Unidos, por exemplo, as in-dústrias automotivas, transporte, alimentos e bebidas apresentam o maior graude difusão.13. EDI – é uma técnica de formatação e transmissão eletrônica de informaçãotransacional interempresas. Trata-se de uma nova tecnologia de comunicação quecombina diferentes recursos – redes de telecomunicações, software, harmonizaçãode práticas comerciais e padronização de dados – visando conformar comunida-des de intercâmbio eletrônico de informações. Ver: Tigre (1997).14. A magnitude do mercado de EDI pode ser analisada pela receita obtida coma venda desses serviços. Em 1992, o mercado mundial dessa aplicação (redespadronizadas e proprietárias) foi de US$ 620 milhões e a previsão para 1997atingia a marca de US$ 2,5 bilhões. Em 1992, o faturamento concentrou-se naAmérica do Norte, com 53% do total, sendo que a Europa e o Japão respondiamcada um por 21% do total do mercado mundial. O mercado brasileiro correspon-dia em 1992 a US$ 8,2 milhões, equivalendo a uma participação mundial emtorno de 1%. Em 1993, era calculado em torno de US$ 16,9 milhões e as estima-tivas para 1995 eram da ordem de US$ 60 milhões. A pequena participação domercado nacional refletia a incipiente difusão de EDI na economia nacional. Ver:Wohlers de Almeida (1995).

Terceirização de Serviços de ProduçãoOcorre de Forma Localizada

Como a nova Classificação Nacional de Ativida-des Econômicas – CNAE passou a incluir os servi-ços industriais como parte dos respectivos setores in-dustriais e não mais nos serviços auxiliares, torna-semais difícil entender a elevada proporção de empre-sas industriais que indicaram não produzir partes ecomponentes.

Do conjunto de empresas que responderam “ati-vidade inexistente na empresa”, 25,8% não possuíamestoques de insumos ou de produtos. Além disso,19,0% das empresas apresentavam receitas gastascom a compra de insumos inferiores a R$ 10.000,00.Quando ambas as características eram consideradasem simultâneo – inexistência de estoque e receitasreduzidas na compra de insumo – verificou-se que,em 1996, cerca de 11% das empresas industriais en-contravam-se nesta situação. Este resultado leva acrer que, a estas empresas, a questão em análise defato não se aplicava, uma vez que apresentavam es-tas características típicas das empresas prestadorasde serviços auxiliares.

Reforça esta hipótese, ainda, o reduzido valoragregado destas empresas, praticamente representa-do em sua totalidade pelo valor dos salários pagosno período, que correspondia a 0,9% do valor adi-cionado do total da indústria.

Com isso, ganha mais credibilidade a proporçãode empresas que indicaram estar adquirindo partes ecomponentes de terceiros na indústria paulista, que,em 1996, correspondiam a um terço das empresasdo setor. Destaque-se ainda que estas empresas, emgeral de grande porte, estavam concentradas nas ati-vidades do agregado metal-mecânico, embora esti-vessem presentes também na química, nos alimen-tos e bebidas e na indústria de papel e celulose.

A fabricação de partes e componentes mostrou-se atividade realizada em apenas 57% das empresasdo setor industrial, o que inicialmente sugeria haversomente um problema de interpretação da questãopor parte dos respondentes. De fato, das 43,5% em-presas industriais que declararam “não possuir a ati-vidade”, cerca de um quarto corresponderia a em-presas às quais esta questão não se aplicaria, porserem atividades de serviços auxiliares.

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A DEMANDA POR SERVIÇOS: O QUE HÁ DE NOVO NA ECONOMIA PAULISTA

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SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 13(1-2) 1999

150

B

ESTRUTURA DO MERCADO BANCÁRIO

FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA

Professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas

MARIA REGINA NOVAES MARINHO

Economista, Analista da Fundação Seade

ADRIANA PREST MATTEDI

Economista, Analista da Fundação Seade

ancos, em seus negócios, buscam clientes, tantopessoas físicas quanto jurídicas. Da populaçãobrasileira – 160 milhões de habitantes –, cerca

de 22% vivem no Estado de São Paulo: são 35 milhões depessoas – uma população superior à das regiões Sul e Cen-tro-Oeste juntas. Quase 10 milhões moram na capital deSão Paulo, ou seja, uma população maior que a do RioGrande do Sul, ou que as do Uruguai e do Paraguai jun-tas. Com um PIB de US$ 290 bilhões, o Estado de SãoPaulo detém aproximadamente 36% da economia brasi-leira e sua renda per capita, em 1997, era de US$ 8.354.Logo, há um significativo mercado potencial a ser explo-rado pela atividade bancária, no Estado.

Cerca de 50% da população economicamente ativa temconta bancária (Gazeta Mercantil, 1999) e o total de ope-rações de crédito em relação ao PIB é muito baixo – pou-co mais de 30% – quando comparado ao padrão interna-cional (normalmente, o crédito supera o valor do PIB).Isto parece demonstrar que não há excesso de bancos, massim escassez, para atender a população e suprir a necessi-dade de financiamento. Porém, na economia com pior dis-tribuição de renda do mundo desenvolvido e/ou em desen-volvimento, o mercado que realmente interessa aos bancosé excludente e concentrado, inclusive regionalmente.

Não é só a concentração na distribuição pessoal da rendaque chama a atenção na economia brasileira, mas tambéma concentração regional, especialmente no sistema finan-ceiro nacional. “A participação do Estado de São Pauloem outros setores está longe da posição excepcional querevelam os indicadores do sistema financeiro” (Costa eMarinho, 1995:62).

A capital de São Paulo possuía, em janeiro de 1997,segundo dados da Febraban, 116 sedes de bancos – ouseja, 50,6 % dos 229 bancos existentes no Brasil adota-ram-na como o centro de decisões financeiras –, bem comouma extensa rede de agências e postos de atendimentobancário, o que corresponde a 11,7% do total nacional.Quase um terço da rede bancária brasileira localiza-se noEstado de São Paulo.1

Os resultados da Paep – Pesquisa da Atividade Eco-nômica Paulista, realizada pela Fundação Seade, referentesao setor bancário, permitem uma análise inédita sobre osistema financeiro nacional, particularmente no âmbitoregional. É possível verificar as principais variáveis des-sa atividade sob o ponto de vista da segmentação exis-tente no setor; isto é, estratificando-o por faixas de clien-tela, obtém-se uma proxy de classificação por porte e/oupor estratégias de atuação no mercado, seja a ênfase novarejo – grande número de clientes –, seja no atacado –grandes contas de poucos clientes.

As hipóteses de investigação, para a apresentação dosdados, neste artigo, são as seguintes:- os bancos que dominam o mercado financeiro, em SãoPaulo, têm poder de domínio do mercado nacional;- esses bancos – gigantes – colocaram barreiras à entra-da no mercado de varejo, intransponíveis para bancos demenor porte, criados após a liberalização financeira; emconseqüência, restou a esses a busca de nichos de merca-do atacadista;- o acirramento da disputa de mercado bancário, a nívelglobal, demonstrado pelas fusões e aquisições, repercuteno âmbito doméstico como uma ameaça potencial de en-

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ESTRUTURA DO MERCADO BANCÁRIO

trada de bancos estrangeiros. Num contexto de aberturafinanceira, os bancos nacionais buscam um padrão inter-nacional de eficiência;- a desestatização e/ou privatização de bancos oficiais,inicialmente, estaduais e, possivelmente, federais seria oevento crucial na desnacionalização do setor bancário, nosegmento de varejo;- superada a proteção do mercado bancário por decisãopolítica, a barreira tecnológica seria um dos obstáculos àconquista do mercado de varejo brasileiro por bancos es-trangeiros, devido ao volume de investimentos necessá-rio, em face da prioridade estratégica desses bancos.

Neste artigo, adotou-se, então, uma apresentação portópicos, nessa ordem de temas: estrutura de mercado; pro-cura de nichos de mercado; busca de escala e de padrãointernacional de eficiência; privatização e desnaciona-lização bancária; e barreira tecnológica.

MERCADO BANCÁRIO NO ESTADO

A importância do mercado de varejo é evidenciada narelação entre o porte dos bancos por ativo no Brasil, em1996, e o número de correntistas que esses bancos pos-suem no Estado de São Paulo (Tabela 1). Verifica-se queos bancos com mais de um milhão de correntistas no Es-tado também possuem ativos acima de 2% do total do setorbancário. Constata-se, ainda, que existe uma boa correla-ção entre as duas variáveis, ou seja, as instituições de maiorporte tendem a ter um número elevado de correntistas noEstado. Os desvios devem-se às diferentes estratégias dosbancos (atacado ou varejo) e ao fato de alguns bancosgrandes, como os estaduais, terem atuação mais concen-trada fora do Estado de São Paulo.

Estes dados referem-se à Paep/Bancos, que contou cominformações de 76 dos 155 bancos comerciais e múlti-plos com pelo menos uma agência no Estado de São Pau-lo, em 1996. O conjunto dos bancos pesquisados corres-ponde a aproximadamente 85% do total de ativo do setorbancário no Brasil.

Neste artigo, optou-se pela denominação de bancosgigantes, grandes, médios, pequenos e micros de acordocom as diferentes faixas de clientela no Estado de SãoPaulo. Cabe observar que esta classificação é muito se-melhante mesmo quando as informações são referentesao Brasil. Assim, no Estado de São Paulo, o grupo debancos gigantes é constituído por Itaú, Bradesco, Banespa,Unibanco e Banco do Brasil; bancos grandes são a NossaCaixa, Real, Caixa Econômica Federal, América do Sul,Noroeste, Mercantil de São Paulo e Sudameris.

Talvez a mais marcante estratificação é a que caracte-riza os cinco bancos gigantes como varejistas muito à fren-te de outros: participação de sua clientela no total do Es-tado e média de correntistas por banco. Os bancos gigantespossuem 77,1% dos correntistas do Estado e os grandesrespondem por 18,5%, o que equivale a 95,6% da clien-tela paulista – somando-se pessoas físicas e jurídicas (Ta-bela 2). Os micro e pequenos bancos têm um elevadonúmero de clientes pessoa jurídica em relação ao seu to-tal de clientes (63,6% e 41,5%, respectivamente), indi-cando concentrada atuação no atacado.

Em relação à média de correntistas por banco, os gi-gantes estão bem à frente dos bancos pequenos e micros:são cerca de 2,230 milhões de clientes por banco contrapouco mais de 90 clientes para os microbancos. Isto evi-dencia que, além de existirem dois segmentos bem dis-tintos dentro do setor bancário (atacado e varejo), há tam-

TABELA 1

Número de Bancos, por Porte de Ativo, segundo Faixas de ClientelaEstado de São Paulo – 1996

Faixas de Clientela (1) DenominaçõesFaixas de Ativo (2)

TotalMenos 0,2% 0,2 até 2,0% Mais de 2,0%

Total 35 31 7 730 a 500 Microbancos 25 7 0 32

501 a 10.000 Bancos Pequenos 8 7 0 15

10.001 a 100.000 Bancos Médios 2 12 0 14

100.001 a 1.000.000 Bancos Grandes 0 5 2 7

Acima de 1.000.000 Bancos Gigantes 0 0 5 5

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep.(1) Corresponde exclusivamente à clientela do Estado de São Paulo.(2) Corresponde ao ativo total do sistema bancário.

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 13(1-2) 1999

152

bém uma tendência a aumentar a distinção entre estes doistipos de atuação.

Para atender uma clientela desta dimensão, os bancosgigantes e os grandes têm, conjuntamente, 92,8% dasagências e postos de atendimento bancário do Estado. Partedos outros bancos são, provavelmente, atacadistas, sen-do que os micro e pequenos bancos devem ter apenas“agências aéreas” (sem “porta na rua”) e seus negóciossão concentrados em pouquíssimos clientes. Em propor-ção menor, há também, neste grupo, bancos varejistas (quesão ou foram estaduais) com atuação maior fora do Esta-do de São Paulo.

Da clientela bancária nacional, o Estado de São Paulopossui cerca de 46% e 33% entre pessoas físicas e jurídi-cas, respectivamente. Percebe-se a relevância do merca-do paulista, especialmente para os maiores bancos – osvarejistas, pois aqueles que dominam o mercado finan-ceiro, em São Paulo, têm poder de domínio do mercadonacional.

BUSCA DE NICHOS DE MERCADO

Com a abertura financeira, considera-se que no seg-mento dos bancos de negócios os bancos brasileiros nãoconseguirão concorrer com as grandes instituições finan-ceiras internacionais. Daí se entende a movimentação debancos como o Bozano, Simonsen – que adquiriu o Meri-dional em sua privatização –, tentando se firmar no mer-cado de varejo. O Pactual, por exemplo, optou por ser umbanco de nicho que atua em reestruturação de empresas eadministração de fundos. No mercado de atacado – as

grandes contas –, a competição está acirrada, obrigandoa uma sensível redução de margem de lucro. A vantagemcomparativa dos bancos nacionais privados está na suarede varejista, que possibilita ampliar a oferta de servi-ços financeiros.

O problema é que há muitos bancos de negócios es-trangeiros em busca de um mesmo e reduzido número denegócios na América Latina. O movimento de procura deum rico e inexplorado filão de novos negócios coincidecom um momento em que a crise financeira internacionale o desaquecimento da economia latino-americana redu-ziram a demanda por novos projetos. Todo mundo lutapela mesma fatia de mercado.

Os bancos de negócios estrangeiros são atraídos peladisputa em importantes leilões de privatização – estima-se somarem US$ 30 bilhões –, por consultorias de fusõese aquisições e por mercado de capitais em rápido desen-volvimento, com subscrição de títulos de dívida direta ede ações. As fusões e aquisições na América Latina qua-se duplicaram, passando de US$ 36,5 bilhões, em 1996,para cerca de US$ 70 bilhões, em 1997. No Brasil, o grandemovimento foi responsável por aproximadamente 35% detodos os negócios desse segmento, na América Latina,nesse último ano.

No entanto, o aumento da concorrência entre os ban-cos de negócios, na América Latina, reduz as comissõese gratificações sobre transações como fusões e vendas deativos estatais. Um exemplo é a comissão de 0,7% pagaao Morgan Stanley, Dean Witter, Discover & Co. e aoSalomon Smith Barney pela venda da empresa de telefo-nia estatal Telebrás. A taxa correspondeu a cerca da me-tade do que era esperado.

Com as comissões de operações e taxas por consultoriasem queda, deverão sobreviver apenas os bancos de inves-timento mais flexíveis – aqueles capazes de se diversifi-carem, procurando atuar também em operações comosecuritização de dívidas ou finanças empresariais. É ne-cessário transferir recursos de uma área de produtos paraoutro nicho. Em 1997, por exemplo, em torno de 75% dototal de US$ 750 milhões apurados por bancos de inves-timento na América Latina em taxas bancárias vieram daestruturação de dívidas e das operações no mercado fi-nanceiro. A área de administração de carteiras de ativostambém está com alto crescimento.

A diversificação dos investimentos, assim como o forta-lecimento da eficiência e da posição no mercado latino-ame-ricano, é uma forma de compensar a queda das margens delucro na Europa. Este é o caso dos bancos espanhóis.

TABELA 2

Participação dos Bancos no Total de Clientes, no Ativo e nasAgências e Postos de Atendimento dos Bancos Pesquisados,

segundo Faixas de ClientelaEstado de São Paulo – 1996

Em porcentagem

Participação dos Bancos

Faixas de Clientela (1) No Total de No Ativo No Total de Agências

Clientes PF e PJ Total e Postos de Atendimento

Total 100,0 100,0 100,00 e 500 0,02 5,9 0,7

501 e 10.000 0,4 4,8 0,7

10.001 e 100.000 4,1 11,6 5,9

100.001 e 1.000.000 18,5 29,5 23,9

Acima de 1.000.000 77,1 48,2 68,9

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep.(1) Corresponde exclusivamente à clientela do Estado de São Paulo.

153

ESTRUTURA DO MERCADO BANCÁRIO

Diferentemente dos bancos de varejo, os bancos deinvestimento trabalham com operações sofisticadas –emissão de títulos financeiros no exterior, crédito paragrandes empresas, fusões e aquisições – e na conduçãodas privatizações. Com a intensificação da concorrência,rediscutem suas estratégias, optando entre limitar os ho-rizontes e se tornar banco de nicho ou expandir as fron-teiras, filiando-se a um gigante global. Os sócios do BancoGarantia, sempre muito imitado pela concorrência, fica-ram com a segunda opção, vendendo o controle para oCredit Suisse First Boston – CSFB.

Assim, os bancos de investimento decidem focar emnichos, em que seu domínio é maior, como reestrutura-ção de empresas em crise, administração de fundos deinvestimentos, análise de empresas com ações negocia-das em bolsa de valores, ou operações diárias de grandesclientes, como modelagem de operações de captação decrédito, com o lançamento de papéis e operações de câm-bio. Nestes últimos nichos, os estrangeiros levam vanta-gem, dada sua estrutura global. Os não associados a es-trangeiros desistem de competir em grandes operações noexterior.

A causa desse dilema entre integrar um grande grupomundial ou limitar sua atuação a um mercado específicoestá na globalização dos mercados financeiros. Tornou-se indispensável ter o que se convencionou a chamar decapacidade de distribuição global, ou seja, estar em todosos mercados. Em um mundo sem fronteiras para o fluxode capitais, esse aspecto passou a ser determinante da com-petitividade. Quem não possui esse alcance mundial temde optar por focar seu negócio, escolhendo nichos espe-cíficos que dispensem esse atributo.

BUSCA DE ESCALA E DE PADRÃOINTERNACIONAL DE EFICIÊNCIA

Os problemas atuais, na cena financeira, são sistêmi-cos e derivam-se do próprio mecanismo de funcionamentodo capitalismo financeiro global. “A questão básica é tãoantiga quanto o capitalismo financeiro em si. O sucessocria confiança e leva a um excesso de autoconfiança. Aganância sobrepõe-se à prudência. Então, algo inespera-do acontece e levanta dúvidas. O medo se torna conta-gioso. As autodefesas individuais ajudam a espalhar o mal-estar. E se os excessos se espalharem demais, a crise fi-nanceira torna-se uma crise econômica, na qual a maiorparte dos mercados emergentes se encontra hoje”(Volcker, 1998).

Volcker vê duas grandes diferenças nos mercados fi-nanceiros hoje. Uma é a diferença de grau, devido à re-volução na tecnologia de informações, que propicia oaumento exponencial de giro de dinheiro – fluxos de ca-pitais voláteis – em âmbito global. A segunda diferença éde gênero, ligada ao pequeno porte do sistema financeirodos países que ingressaram no mercado internacional. “Otamanho agregado dos bancos num país emergente típicoequivale ao de um simples banco regional nos EstadosUnidos – precisamente o tipo de banco que seria conside-rado pequeno demais para sobreviver nos mercados tur-bulentos de hoje” (Volcker, 1998).

Os bancos no Brasil sempre foram muito frágeis emâmbito internacional, em função de sua maior concentra-ção na captação de recursos para aplicação no mercadomobiliário do que para concessão de crédito. Ao contrá-rio do que se espera de intermediários financeiros, nãoforam clientes privados os grandes tomadores de emprés-timos, mas sim o setor público, através da contínua rola-gem do estoque de títulos de dívida pública.

De fato, os bancos brasileiros não têm dimensões in-ternacionais por terem ficado praticamente enclausuradosno território nacional. Poucos aventuraram-se a sair, atémesmo para outros países latino-americanos.

A recente onda de megafusões de bancos, nos EstadosUnidos e no Japão, está criando instituições financeirasque administram um montante de ativos desproporcional-mente maior do que o tamanho do mercado brasileiro. Seforem somados os ativos em poder dos cinco maioresbancos privados nacionais – Bradesco, Itaú, Unibanco,Real e Safra –, o resultado seria de, aproximadamente,US$ 160 bilhões (balanços de dez./1997). Nos casos dasfusões recentes de bancos com dimensões internacionais, osativos de cada instituição financeira resultante correspon-dem, por exemplo, a mais de cinco vezes o valor da somados ativos dos cinco maiores bancos privados nacionais.

As empresas financeiras brasileiras deparam-se comdois caminhos: em um, buscam escala; em outro, espe-cialização. No Brasil, entre 1988 e junho de 1994, predo-minava entre os bancos múltiplos recém-criados a buscade foco. As recentes fusões e aquisições vêm reforçandoa idéia de que o tamanho da empresa será vital para torná-la competitiva. Com o advento do banco on line, investi-mentos em tecnologia tornaram-se indispensáveis. Ava-lia-se que somente grandes instituições conseguirãoinvestir em novas tecnologias e dominar o mercado aomesmo tempo. Portanto, atualmente, as fusões são apon-tadas como o melhor caminho para ganhar escala. Com

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 13(1-2) 1999

154

elas, as instituições financeiras protegem-se da crescentecompetição internacional, ganhando competitividade.

Deve-se distinguir o modelo de fusão em que uma ins-tituição saudável incorpora outra com problemas, daque-le que prega a união entre duas instituições fortes em áreasque se complementam. O principal aspecto negativo nasfusões é o risco de o choque entre as culturas das empre-sas superar as vantagens do porte da instituição criada.

A “mania de fusões” ressurge de tempos em tempos,nos Estados Unidos, porque, cada vez que ocorre umagrande fusão, as cotações das ações reagem com um sal-to, estimulando a própria fusão, em uma relação reflexi-va. No entanto, a tendência ao monopólio tem sido frus-trada por duas forças preponderantes. A primeira é que ocapitalismo mostra capacidade de se renovar com novastecnologias, nações emergentes e animal spirits dos em-preendedores criadores de novas empresas. A segunda éo capitalismo infringir suas próprias normas de livre mer-cado: quando os monopólios começam a se formar, osgovernos intervêm e os desmembram.

No final dos anos 80, nos Estados Unidos, o “boom deconglomerados” ocorreu a partir de aquisições alavancadascom financiamento de alto risco e controle agressivo deempresas através de takeovers hostis (controle de umaempresa através da compra de suas ações na bolsa de va-lores). Nos anos 90, ao contrário, as forças econômicasque impulsionam o mercado de fusões e aquisições são acompetição internacional intensificada, o aumento deempreendedores muito ágeis, uma explosão de novas tec-nologias de informação e as desregulamentações. No en-tanto, mais e mais transações estão sendo financiadas porações sobrevalorizadas. Diferentemente dos acordosalavancados dos anos 80, quando as empresas podiammergulhar na inadimplência, atualmente, quando pagamum preço alto demais pelas ações e a rentabilidade espe-rada não se materializa, a cotação de suas ações sofre umgolpe, mas as empresas mantêm-se auto-suficientes finan-ceiramente.

As transações com ações desapontam à medida que otempo passa. Os retornos obtidos com base nesse tipo denegócio ficam abaixo daqueles conseguidos no caso deaquisições em dinheiro, porque os administradores comu-mente pagam apenas com ações que acham que estãosobrevalorizadas. Eles estão trocando uma ação sobre-valorizada por outra. Assim, esse boom planta a sementede sua própria destruição. O sucesso inicial fomenta osexcessos à medida que o otimismo aumenta – e os preçosdas ações acompanham. Logo, quando as condições ma-

croeconômicas mudam, essas fusões, baseadas em proje-ções cada vez mais otimistas de fluxos de caixa e de cor-tes de custos das empresas reunidas, sofrem um recuo.Os investidores, nas bolsas de valores, começam a reagirmal às notícias de megafusões e derrubam os preços dasações tanto da empresa compradora como da vendedora.O ciclo de fusões e aquisições termina.

Classicamente, os objetivos para as fusões são: adqui-rir clientes, entrar em novos mercados, ou cortar custos.A fusão entre dois bancos pode complementar, geografi-camente, seus mercados e reduzir, proporcionalmente,custos, em função de um melhor aproveitamento queambos terão com uma infra-estrutura de maior porte.Atualmente, os grandes bancos unem-se porque seus cresci-mentos estão ameaçados. O objetivo não é tanto dominar omundo quanto reduzir custos e ampliar a oferta de serviços.

O que está por trás de tantas fusões e aquisições, emvários países, é uma mudança no funcionamento do sis-tema financeiro internacional. No passado, a atividademais forte dos bancos era captar recursos e emprestar odinheiro a empresas ou governos. Nos anos 90, as empre-sas têm recorrido mais à venda de títulos de renda fixa ouvariável aos investidores. A margem de lucro dos bancoscaiu e está sendo necessário buscar novos mercados. Ofilão mais promissor é prestar serviços para uma grandeclientela. Por isso, os bancos estão se unindo.

Os bancos norte-americanos querem reduzir sua de-pendência de renda proveniente de empréstimos através,em parte, do estabelecimento de corretagem, negócios defundos mútuos de investimento e subscrição de ações, paracomplementar os ganhos do setor de hipotecas e outrasatividades de empréstimos. Buscam obter mais receitasprovenientes de tarifas de operações com títulos e valo-res mobiliários, tarifas de administração de capital, cor-retagem e de serviços de atendimento à clientela.

Três grandes riscos oriundos da concentração são apon-tados para o sistema bancário. O primeiro refere-se ao fatode essa concentração tender a aumentar o grau de insta-bilidade inerente ao sistema bancário, que decorre de osbancos criarem moeda escritural e multiplicarem emprés-timos tendo como reserva em espécie somente uma fra-ção dos depósitos. O nível de exposição multiplica-se comas fusões bancárias. O segundo risco é o da assimetria in-formacional: a concentração bancária, objetivando práti-ca manipuladora do mercado, tende a aumentar a possi-bilidade do disclosure (deslocamento) das informações,para os regulamentadores e supervisores. Finalmente, oúltimo risco é o da predominância da doutrina “grande

155

ESTRUTURA DO MERCADO BANCÁRIO

demais para falir” (“too big to fail”), ou seja, da proteçãode instituições financeiras imprudentemente administra-das, para evitar uma reação em cadeia negativa, no siste-ma financeiro.

A onda mundial de concentração no sistema financei-ro abre espaço para a manipulação de cotações no merca-do, caindo o número de instituições financeiras com po-der de decisão e resultando na concentração dos marketmakers – negociadores que movimentam grandes volu-mes de divisas, no mercado secundário. Portanto, a con-centração dos players (investidores) com acesso a infor-mações que estão ao alcance de poucos bancos é justificadatambém pela volatilidade do mercado de títulos financei-ros e de câmbio.

O sistema bancário brasileiro desenvolveu-se absor-vendo custos elevados, porém, com a abertura financeiraque aumenta a competição com bancos estrangeiros, nãopoderá mantê-los. Em 1997, a relação despesas/ativos fi-cou em 7,1% no Brasil, ante uma média mundial de 2,5%.Com a queda do floating – de R$ 10 bilhões, em 1994,para R$ 6 milhões, em 1997 –, provocada pelo controleda inflação, a saída encontrada pelos bancos foi aumen-tar a margem de lucro com receitas de serviços – cresce-ram cinco vezes, no mesmo período. Os spreads creditícios(margem líquida) elevados são resultados de riscos deinadimplência, que tendem a cair com a melhoria nos sis-temas de informações sobre os créditos. A progressiva dis-seminação das redes compartilhadas, com conseqüente quedano fluxo de clientes em agências, permitirá aos bancos tra-balhar com menores redes de agências, reduzir o tamanhodestas e cortar funcionários, para diminuir custos.

A análise da concentração bancária sugere que o paísnão deverá comportar mais do que cinco ou seis grandesbancos com rede de agências nacionais e uma série deoutros pequenos e médios regionalizados e com foco napeculiaridade do cliente. As barreiras tecnológicas exigi-rão grandes investimentos para competir nesse segmento.

A adoção de um índice internacional de eficiência –medido, mundialmente, pela divisão da soma das despe-sas de pessoal e administrativas pela soma da receita deintermediação financeira (juros recebidos menos jurospagos) e da receita de serviços – está sendo a principalmeta dos grandes bancos brasileiros. Muitos bancos acre-ditam que o aumento dos volumes negociados compensao estreitamento da margem de lucro, provocado pela maiorconcorrência. Entretanto, os custos também crescem sema margem de ganho acompanhar, proporcionalmente, omovimento.

Os índices de eficiência piores do que os de bancosinternacionais não impedem, porém, que os bancos bra-sileiros tenham lucratividade igual ou maior. Os bancosespanhóis são mais lucrativos, apesar de não terem osmelhores índices de eficiência porque são mais ala-vancados. Nos bancos brasileiros, o ganho está mais con-centrado nas operações de tesouraria do que nas de crédi-to. A margem líquida (relação entre a receita da interme-diação financeira e os ativos totais) é maior nos brasileirospor causa dos juros elevados. Overheads ratios (relaçãoentre despesas operacionais e receitas totais) são muitomaiores nos bancos privados nacionais. Os bancos brasi-leiros são menos eficientes, operacionalmente, porquepossuem altas despesas administrativas, devido à extensarede de agências, que exige inclusive um quadro de pes-soal elevado, a despeito dos cortes que vêm sendo reali-zados, desde a década passada.

PRIVATIZAÇÃO E DESNACIONALIZAÇÃOBANCÁRIA

No Brasil, em 1994, entre os 15 maiores bancos priva-dos por porte de ativo em operação no país, figuravamapenas dois bancos estrangeiros: o Lloyds e o Sudameris.Em 1998, oito eram estrangeiros: (ABN Amro (+Real);HSBC Bamerindus; Santander (+Noroeste, +Banco Ge-ral de Comércio); CCF; Sudameris (+América do Sul);Citi; BBV; e o Bank Boston. Além disso, há outro (BBA)que tem participação estrangeira (cerca de 48% do capi-tal). Entre junho de 1995 e junho de 1998, os estrangei-ros aumentaram de 10,4% para 24,8% sua participaçãonos ativos totais do sistema bancário. Constata-se tam-bém que cinco dos grandes bancos brasileiros deixaramde existir – Bamerindus, Nacional, Real, BCN e Econô-mico – pelo menos sob seu antigo controle acionário.

Pelo fato de o mercado brasileiro já estar, aparente-mente muito concentrado, quando comparado aos siste-mas bancários de outros países, não há muito mais mar-gem para aumento da concentração. Assim, somando-sea circunstância de crise sistêmica, não deve haver maisum movimento de entrada de bancos estrangeiros comgrandes proporções, com exceção da privatização doBanespa, mesmo porque, nos Estados Unidos e na Euro-pa, ainda existe um mercado significativo para a expan-são bancária. Na realidade, na América Latina, a expan-são significativa é realizada por quatro bancos europeus(HSBC, ABN Amro, Santander, BBV) e somente doisnorte-americanos (Citibank e Boston).

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 13(1-2) 1999

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Os grandes bancos nacionais também fizeram aquisi-ções para assegurarem suas posições no mercado. OBradesco foi o mais agressivo neste campo: adquiriu oBCN (que havia comprado o Credireal, o Itamarati), oPontual (que havia comprado o Martinelli e o Continen-tal), o Bemge, o BCR e, recentemente, o Banco do Esta-do da Bahia. Isto não apenas garantiu sua posição como omaior banco de varejo privado no país, como também odistanciou dos demais em termos de ativo. A principaldiferença entre as aquisições dos bancos estrangeiros eas dos nacionais é que os primeiros concentraram-se nosbancos privados de forte atuação no varejo e, os últimos,na compra de bancos nacionais menores e de bancos es-taduais – Banerj, Credireal, Meridional e Bemge, com aexceção do Bandepe, que foi adquirido pelo ABN Amro.

O ponto decisivo na reestruturação do setor será a pri-vatização do Banespa. Este negócio pode interessar tantoaos grandes bancos nacionais quanto aos estrangeiros –os que já atuam ou outros que querem entrar no país ecomeçar com uma instituição de grande porte. Os bancosnacionais terão dificuldade em competir com os estran-geiros na compra do Banespa. Isto porque é um negóciode grande dimensão e, além disso, a desvalorização do realproporciona uma vantagem adicional para os estrangeiros.

O Banespa possui cerca de 1.400 agências e pontos deatendimento e 2,9 milhões de contas correntes de funcio-nários públicos paulistas, dos quais 3/4 cadastrados comoclientes financeiros. Concentra a maior parte da movimen-tação financeira do governo paulista em pagamento defuncionários e recebimentos de tributos e deverá perma-necer com as contas do Estado durante algum tempo de-pois da privatização. É o agente financeiro mais atuanteem 100 dos maiores municípios paulistas. Além disso, nãoé um banco de dimensão estritamente regional, pois seusnegócios estão concentrados em uma área geográfica res-ponsável por quase 40% do PIB nacional, além de pos-suir agências nas principais capitais dos outros Estados eno exterior. O Banespa possuía, isoladamente, em dezem-bro de 1997, 8,7% do ativo total, 5,1% dos depósitos e 1,8%das operações de crédito do sistema bancário brasileiro.

Em 1998, sua folha de pagamento registrava 22 milnomes, cerca de 13 mil a menos do que na época da inter-venção federal, em dezembro de 1994. Levar o Banespaa leilão tem um significado especial para aqueles queacham que isso sinalizaria o fim de uma era de “emissõesparalelas de moeda” nos Estados.

Segundo o Banco Central do Brasil, a conclusão doprocesso de reestruturação do sistema financeiro esta-

dual reduzirá para 6,5% a participação de bancos contro-lados por Estados no total do sistema, se tomado comocritério o volume de captações. Antes do programa de fi-nanciamento para reduzir a presença do setor público naatividade bancária, criado pelo governo federal em agos-to de 1996, as 31 instituições financeiras estaduais emfuncionamento (26 bancos múltiplos ou comerciais, qua-tro bancos de desenvolvimento e uma caixa econômica)respondiam por 19,3% do total de depósitos captados (àvista, a prazo, interfinanceiros, de poupança e a assistên-cia financeira de liquidez por parte do Banco Central). Aparticipação de 6,5% corresponde ao volume de capta-ções, em abril de 1998, das 11 instituições que vão rema-nescer, depois de concluída a reestruturação.

O destino apontado pelo Proes – Programa de Rees-truturação do Sistema Financeiro Estadual, para as ins-tituições que desaparecem, está sendo ou a privatiza-ção ou a transformação em agência de fomento,instituição financeira que não poderá captar depósitos,mas apenas repassar recursos. Mais de R$ 50 bilhõesterão sido gastos pelo governo federal no refinancia-mento de passivos e outras medidas de reestruturação,quando terminado o processo, dívida que está sendoassumida pelos Estados. Uma vez feito o saneamento(inclusive com programas de demissão voluntária), asinstituições remanescentes passam a cumprir critériosmais rígidos de gestão e a ser tratadas como bancosprivados, sob o ponto de vista da fiscalização do Ban-co Central do Brasil.

Acredita-se ainda que a reestruturação do sistema fi-nanceiro nacional é irreversível e resultado da perda deganhos inflacionários e da globalização financeira, queimpulsiona a expansão de instituições estrangeiras. Asprivatizações dos bancos estaduais fornecem boas opor-tunidades nesta reestruturação. Após a privatização doBanespa, poderá haver procura pelos demais bancos es-taduais, que são fortes regionalmente. Isto ajudaria osbancos que querem ampliar sua atuação no mercado eaumentaria a concentração no setor.

Tomando o ano de 1993 como referência, vale a penaregistrar que, antes da estabilização da inflação e do proces-so de privatização e desnacionalização do setor bancário, osbancos públicos (federais e estaduais) eram responsáveis porcerca de 62% das operações de crédito, captando aproxima-damente 48% dos depósitos totais. A dedução lógica é quetinham uma característica mais “emprestadora” do que a dosbancos privados. A ausência do Banespa no sistema bancá-rio nacional (ou sua atuação como futuro banco privado)

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ESTRUTURA DO MERCADO BANCÁRIO

refletirá, provavelmente, num menor atendimento das ne-cessidades de financiamento.

Na verdade, com a federalização do Banespa, além dosdois grandes bancos varejistas nacionais privados, só osgrandes bancos públicos federais têm porte para enfren-tar as investidas dos bancos estrangeiros, no segmento devarejo. Os bancos públicos (federais e estaduais), situa-dos entre os 11 bancos que detinham, individualmente,acima de 2% do ativo total do setor (considerando-se 144bancos), em dezembro de 1997, somados possuíam 43,4%do ativo total, 51,3% dos depósitos e 44,9% das opera-ções de crédito.

Nesse ranking, salienta-se o elevado grau de concen-tração bancária existente no Brasil. Os 11 bancos atin-gem mais de 2/3 do ativo total, quase 3/4 dos depósitos e70% das operações de crédito. Entretanto, se forem con-siderados apenas os cinco maiores bancos (entre eles oBanespa), suas porcentagens seriam, respectivamente,53,1% dos ativos, 60,5% dos depósitos e 57,8% do crédi-to, o que significa que somente esses cinco maiores de-têm mais da metade do sistema financeiro nacional.

Com o intenso movimento de concentração bancária,ocorrido até meados dos anos 70, os grandes bancos bra-sileiros deram saltos em seus portes, adquirindo bancosem dificuldades. Para isso, contaram com os incentivosdo Banco Central do Brasil. Depois, o sistema bancáriobrasileiro estratificou-se. Há dois bancos nacionais comestratégias bem definidas, distanciamento tecnológico,atuando pesadamente no varejo. Neste mercado, poucostêm escala para competir com esses dois maiores. Umconjunto de bancos médios terá que redefinir sua faixade atuação no mercado. No mercado a atacado, os bancosestrangeiros podem oferecer mais serviços e mais reta-guarda internacional.

O setor bancário brasileiro é altamente concentrado.Dessa maneira, uma amostra que inclua os poucos gran-des bancos torna-se muito representativa do universo emtermos de valores totais. No entanto, para a análise dasestratégias de sobrevivência dos bancos menores, é ne-cessário estratificar o sistema bancário.

BARREIRA TECNOLÓGICA

O Brasil é um dos pioneiros nas tecnologias e serviçosde automação bancária, comparável e às vezes superioraos dos países desenvolvidos. Possui, nesse campo, umadas mais sofisticadas tecnologias do mundo, com um se-tor financeiro que obteve a flexibilidade de adaptar seus

sistemas de informática em vários momentos, em curtoprazo, em virtude de mudanças nos regimes monetários.

Os bancos são os maiores clientes da indústria da tec-nologia da informação no Brasil. O retorno desses inves-timentos ocorre sob forma de maior produtividade, con-quista de clientes e lucros. O uso da tecnologia, em especialaquela de auto-atendimento, torna os bancos mais com-petitivos, uma vez que diminui os custos de transação.

Os bancos preferem que seus clientes usem a transa-ção eletrônica, em terminais de auto-atendimento, que émais segura e com menor custo. Um estudo feito nos Es-tados Unidos revela que uma transação de pagamento semenvolver papel-moeda ou cheque custa US$ 1,08 na agên-cia bancária, US$ 0,54 pelo telefone, US$ 0,26 pelo homebanking e US$ 0,13 pela Internet (Gazeta Mercantil,20/10/98). Outra facilidade dos equipamentos de auto-atendimento é o acesso mais fácil aos serviços financei-ros, independentemente do horário de expediente de aten-dimento ao público dos postos e agências.

Os investimentos na interligação da rede de agências– aproximadamente 86% já estão conectadas on line e 72%on line/real time – garantem rapidez e segurança nas trans-ferências de recursos e nas transmissões de informações,além de permitirem o atendimento em qualquer ponto doPaís, como se o cliente estivesse em sua própria agência.Os investimentos em tecnologia de informática e de te-lecomunicações também possibilitaram aumentar aoferta dos sistemas de auto-atendimento, por intermé-dio de equipamentos remotos, plataformas de retaguar-da, telefonia e microcomputadores interligados aos sis-temas dos bancos.

Esses sistemas vêm possibilitando reduzir sensivelmen-te os custos bancários e aumentar a eficiência do atendi-mento. Em um país de dimensões continentais e com umadas maiores populações do mundo, que passou por umregime de alta inflação exigente de alta velocidade de cir-culação da moeda, seu sistema bancário por força dessascircunstâncias incorporou a atual revolução na tecnolo-gia de informação.

Os cinco bancos gigantes possuem acima de 1/3 doscomputadores de grande porte, quase 3/4 dos microcom-putadores Pentium e 586 e mais de 2/3 dos 486. Propor-cionalmente, em microcomputadores mais defasados, tec-nologicamente, os bancos grandes se sobressaem, sinalde que estão perdendo competitividade nessa corrida pelaautomação dos processos bancários.

No Estado de São Paulo, a concentração de equipa-mentos de auto-atendimento ocorre de maneira quase

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absoluta nos bancos gigantes do varejo. Percebe-se, niti-damente, a barreira tecnológica existente entre a atuaçãono mercado de atacado – caso dos micro, pequenos emédios bancos – e no mercado de varejo – bancos gran-des e gigantes (Tabela 3).

O uso de novas tecnologias é fundamental para a ma-nutenção da posição no mercado. Os bancos grandes egigantes adotam uma estratégia para conquistar e mantera clientela varejista com base em crescente disponibili-dade de tecnologias de informação e equipamentos deauto-atendimento. A tecnologia tornou-se decisiva nadisputa pelo mercado.

Os bancos menores, que atuam no atacado e/ou emnicho de mercado, não investem em tecnologias de aten-dimento para clientes. Na realidade, a capacitação de seustécnicos especializados e a tecnologia voltada para suaárea de atuação são mais estratégicas do que a disponibi-lidade de tecnologias para clientes.

Por sua vez, os bancos gigantes, em 1998, gastaramcerca US$ 2,06 bilhões em hardware, software e servi-ços, segundo estimativa feita pela Febraban. Em 1997, oinvestimento foi de US$ 1,8 bilhão; em 1996, US$ 1,5bilhão; em 1995, US$ 1 bilhão. Somadas, essas quantiasrepresentam um volume de investimentos significativo,mesmo para bancos de escala internacional, desde que seconsidere que o mercado brasileiro não é a prioridadeestratégica desses bancos. Portanto, a barreira tecnológi-ca seria um dos obstáculos à conquista do mercado devarejo brasileiro por bancos estrangeiros.

CONCLUSÕES

O que distingue este artigo de outros na área bancáriaé o foco no Estado de São Paulo, com ênfase no cliente,concentrando-se menos nos dados financeiros. Apesardeste caráter regional, a pesquisa em que foi baseado estetrabalho, devido à concentração locacional da atividadebancária no Brasil, possui expressivas informações deâmbito nacional.

É relevante verificar os portes dos bancos brasileirosprecisamente porque o país possui o tipo de banco queseria considerado pequeno demais para sobreviver nosatuais mercados globalizados e instáveis. Os bancos bra-sileiros, de fato, não têm dimensões internacionais e sem-pre foram muito frágeis em âmbito internacional, porquese concentraram mais nas atividades domésticas.

Os bancos têm concentrado cada vez menos suas ati-vidades em intermediação financeira. As empresas têmprocurado se financiar, mais recentemente, através davenda de títulos de renda fixa ou variável aos investido-res. Isto comprimiu a margem de lucro dos bancos, tor-nando necessária a busca de novos mercados. O surgi-mento mais promissor é a prestação de serviços para umagrande clientela. Mudanças no funcionamento do siste-ma financeiro internacional, no processo de desin-termediação financeira, é a razão fundamental para a re-cente onda de fusões e aquisições.

Os bancos querem reduzir sua dependência de ren-da proveniente de empréstimos através, em parte, do

TABELA 3

Distribuição de Equipamentos de Auto-Atendimento, por Tipo, segundo Faixa de ClientelaEstado de São Paulo – 1996

Em porcentagem

Tipos de Equipamento de Auto-Atendimento

Faixas de Clientela (1) ATMs Cash Dispensadores Terminais Terminais de

(saque/depósito) Dispensers de de Consulta Depósito

Rede Própria Cheque (extrato/saldo)

Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,00 e 500 0,0 0,0 0,0 0,03 0,0

501 e 10.000 0,0 0,1 0,0 0,6 0,0

10.001 e 100.000 7,4 3,6 4,2 5,7 2,0

100.001 e 1.000.000 2,9 30,1 5,7 18,9 37,1

Acima de 1.000.000 89,7 66,2 90,2 74,7 60,9

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep.(1) Corresponde exclusivamente à clientela do Estado de São Paulo.

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ESTRUTURA DO MERCADO BANCÁRIO

estabelecimento de corretagem, negócios de fundosmútuos de investimento e subscrição de ações, paracomplementar os ganhos do setor de hipotecas e ou-tras atividades de empréstimos. Buscam obter mais re-ceitas oriundas de tarifas de operações com títulose valores mobiliários, tarifas de administração de ca-pital, corretagem e de serviços de atendimento à cli-entela.

O processo de fusões e aquisições, ocorrido a partir de1996, redefiniu o setor bancário brasileiro. Disto resul-tou uma concentração ainda maior do setor, ampliandosignificativamente a participação dos bancos gigantes.Com isto, houve uma acomodação no sistema, não ha-vendo espaço para a entrada de bancos estrangeiros degrandes proporções. A única exceção neste cenário seráa privatização do Banespa, o que definirá as posições re-lativas no mercado bancário.

Com a federalização do Banespa, além dos dois gran-des bancos varejistas nacionais privados, só os gran-des bancos públicos federais terão porte para enfrentaras investidas dos bancos estrangeiros, no segmento devarejo.

O uso crescente de tecnologia no setor bancário tam-bém contribuiu para redefinir a participação dos bancosno mercado brasileiro. Observa-se que os bancos com forteatuação varejista distanciaram-se dos demais. A tecnolo-gia de auto-atendimento diminui custos e atrai novos clien-tes e, por isso, cria vantangens competitivas dentro dosistema.

NOTAS

E-mail dos autores: [email protected]; [email protected] [email protected]

1. Dados do Banco Central.

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A

MERCADO DE TRABALHOmudanças estruturais e comportamento

SINÉSIO PIRES FERREIRA

Economista, Gerente de Análise e Estudos Especiais da Fundação Seade

GUIOMAR DE HARO AQUILINI

Economista, Analista da Fundação Seade

compreensão da extensão e da profundidade dastransformações por que passa o mercado de tra-balho brasileiro e paulista, nos dias atuais, é ta-

refa complexa diante da multiplicidade de fenômenos que,simultaneamente, afetam e refletem o comportamento dasempresas, do Estado e dos indivíduos e famílias que cons-tituem a força de trabalho.

Estes fenômenos, no âmbito empresarial, incluem odesenvolvimento de novos produtos e processos de pro-dução, o crescimento e o declínio de diferentes merca-dos, a adoção de distintas estratégias de concorrência,os chamados processos de reestruturação produtiva erelocalização industrial, as várias formas de negocia-ção adotadas por empregadores e trabalhadores na re-solução de seus conflitos, entre outros. No âmbito dogoverno, destacam-se as mudanças na regulação daordem econômica, da previdência social e das relaçõesde trabalho nos setores público e privado, os constran-gimentos fiscais e as alterações na legislação tributáriae na dimensão e direcionamento do gasto público, asprivatizações de empresas públicas (e a adoção pelosnovos proprietários ou concessionários de mudanças naadministração de pessoal e nos processos de produção),além da implementação de políticas macroeconômicasrestritivas, condicionadas pelas dificuldades do balan-ço de pagamentos e pela instabilidade econômica in-ternacional.

No caso brasileiro, tem sido ressaltada, com especialatenção, a mudança da política de comércio exterior apartir do início dos anos 90, que, associada à manutençãode uma taxa de câmbio muito elevada, provocou efeitos

importantes sobre a estrutura industrial e o mercado detrabalho brasileiro e paulista.1

Mesmo admitindo que todos estes eventos guardem re-lações entre si, ainda está por ser realizada uma análiseintegrada e profunda do seu significado para as condi-ções de vida, correntes e futuras, da população brasilei-ra. Outros artigos desta publicação, produzidos a partirda Pesquisa da Atividade Econômica Paulista (Paep), de-verão lançar mais luzes sobre estes movimentos, contri-buindo para melhor avaliar sua extensão e profundidade.

Os efeitos de cada um destes eventos sobre o mercadode trabalho são de difícil mensuração, mas não parecehaver dúvidas de que tem havido importante realocaçãodos postos de trabalho, em termos tanto espaciais (no casodeste estudo, da Região Metropolitana para o interior doEstado de São Paulo) quanto de setores de atividade (daindústria para o setor terciário) ou da qualidade destespostos (do assalariamento com carteira de trabalho assi-nada para outras posições ocupacionais), em simultâneoao aumento do desemprego.

Além disso, as competências e qualificações adquiri-das pelos indivíduos que perderam seus empregos freqüen-temente distanciam-se daquelas associadas aos postos detrabalho que vêm sendo criados. Isto pode implicar a im-possibilidade de uma reinserção produtiva, temporária oupermanente, para parcelas da força de trabalho ou umacerta “regressão ocupacional”, no sentido de que todo oarsenal de conhecimentos acumulado pelo trabalhador aolongo de sua vida produtiva pode mostrar-se inútil no novoambiente econômico, obrigando-o a reiniciar sua carrei-ra profissional, possivelmente em uma inserção ocupa-

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MERCADO DE TRABALHO: MUDANÇAS ESTRUTURAIS E COMPORTAMENTO

cional mais insegura que a anterior. Por outro lado, al-guns conseguem manter-se inseridos em empregos de boaqualidade – em que pese, mesmo para estes, o aumentoda insegurança no trabalho (Mattoso, 1995) –, passando aocupar postos de trabalho inatingíveis para a maioria dostrabalhadores, o que provoca o aumento da segmentação,da heterogeneidade e da exclusão social, que caracterizamhistoricamente o mercado de trabalho brasileiro.2

Por seu turno, vêm ocorrendo importantes mudançasna composição da PEA, em parte como reflexo das trans-formações do ambiente da economia e em parte comoresultado de processos demográficos, culturais e sociaisde longo alcance. Certos trabalhadores, ao perderem seusempregos, permanecem desempregados – em geral porlongo período – até obterem outro posto de trabalho, cujaqualidade e remuneração, freqüentemente, são menoresque as associadas ao posto de trabalho anterior (Watanabee Brandão, 1997). Alguns retiram-se temporária ou per-manentemente do mercado de trabalho e, no caso dos jo-vens, adiam seu ingresso nesse mercado. Outros mudamde residência em busca da garantia de um emprego maisseguro, migrando para outras regiões do Estado ou do país.Para certos segmentos, no entanto, a nova composição doemprego parece significar maiores oportunidades de in-gresso no mundo do trabalho.

A avaliação quantitativa dessas diferentes trajetórias eos efeitos sobre as condições de vida individuais e sociaisda perda do posto de trabalho e das estratégias pessoais efamiliares adotadas para suprir a sua ausência têm sidoobjeto de estudo de vários pesquisadores.3 Embora nãosejam o objeto central do presente trabalho, devem cons-tituir seu pano de fundo, permitindo uma interpretaçãomais abrangente das informações apresentadas, as quaislimitam-se a proporcionar uma síntese dos principaismovimentos do mercado de trabalho do Estado de SãoPaulo e de sua região metropolitana na atual década, de-tectados pelas PNADs de 1992 e 1997.4

Na primeira parte deste artigo, procura-se demonstraras mudanças na taxa de participação por sexo e idade noEstado de São Paulo e, na medida do possível, acompa-nhar a evolução dos níveis de ocupação e de desempregosegundo estas variáveis. A segunda parte descreve as al-terações na estrutura ocupacional do Estado de São Pau-lo, em especial as mudanças na composição do empregosegundo setores de atividade e posição ocupacional. Naúltima parte, apresentam-se as considerações finais, emque são sintetizadas as informações apresentadas e desen-volvidas algumas reflexões sobre possíveis formas da ação

pública, com vistas a enfrentar as questões que se evi-denciarão ao longo do texto.

O COMPORTAMENTO DA PEA,DO NÍVEL DE OCUPAÇÃO E DO DESEMPREGO

As informações produzidas pela PNAD mostram que,entre 1992 e 1997, houve pequena redução da taxa glo-bal de participação,5 que passou de 58,5% para 58,1%,no período. Tal redução, no entanto, não implicou dimi-nuição absoluta da População Economicamente Ativa(PEA) do Estado. Ao contrário, esta cresceu de 14,2 mi-lhões de pessoas, em 1992, para 15,7 milhões de pessoas,em 1997, o que corresponde a uma taxa anual de cresci-mento de 2,0%. A queda da taxa de participação deveu-se ao aumento mais acentuado da População em IdadeAtiva (PIA) – que agrega as pessoas com idade igual ousuperior a dez anos – , cuja taxa anual de crescimento foide 2,2%.

Portanto, a queda da taxa global de participação mostraque vem ocorrendo incorporação de pessoas à PEA a umritmo menor que o do crescimento da PIA. Tal comporta-mento foi observado tanto na Região Metropolitana de SãoPaulo (onde a taxa global de participação passou de 58,6%,em 1992, para 58,3%, em 1997), quanto no interior do Esta-do (de 58,4% para 57,8%, naqueles dois anos).

Este movimento pode ser compreendido com maioresdetalhes a partir das informações apresentadas no Gráfi-co 1. Nota-se que cresceu a taxa de participação femini-na, mas não o suficiente para compensar a queda da mas-culina. De fato, a taxa de participação das mulheres passoude 43,6%, em 1992, para 45,0%, em 1997, enquanto ados homens apresentou declínio de 74,2% para 72,1%,no período, comportamento observado na Região Metro-politana de São Paulo e no interior do Estado.

Além disso, introduzindo o corte segundo faixas etá-rias, percebe-se que a entrada de mulheres na PEA ocor-reu, principalmente, para aquelas em idade adulta, umavez que diminuíram as taxas de participação das mais jo-vens (entre 10 e 19 anos de idade) e, em menor medida,das que tinham idade igual ou superior a 60 anos. No casodos homens, embora a queda da taxa de participação te-nha sido verificada em quase todas as faixas etárias, foimais intensa entre os jovens (de 10 e 24 anos) e os maisidosos (com idade igual ou maior que 60 anos). Para aque-les nas faixas etárias adultas (entre 30 e 59 anos), as taxasde participação mantiveram-se relativamente estabiliza-das. Embora com pequenas particularidades regionais,

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estes movimentos foram semelhantes na Região Metro-politana de São Paulo e no interior.

Em síntese, o comportamento da taxa global de parti-cipação resultou da queda da participação de jovens nomercado de trabalho e, em menor medida, de pessoas maisvelhas. Tal redução, no entanto, foi parcialmente com-pensada pelo crescimento da taxa de atividade das mu-lheres em idade adulta.

Assiste-se, portanto, ao adiamento do ingresso dos jo-vens no mercado de trabalho paulista e à antecipação daretirada das pessoas mais velhas, em simultâneo a um aflu-xo mais intenso das mulheres adultas a esse mercado. Paramelhor compreender o significado desses movimentos, ob-serve-se, inicialmente, o comportamento do nível de ocupa-ção e da taxa de desemprego desagregados por sexo e idade.

Entre 1992 e 1997, o nível de ocupação apresentoucrescimento de 1,6% a.a., inferior à taxa de variação daPEA urbana no período (2,0% a.a.). Em conseqüência,houve intensa expansão (5,8% a.a.) do contingente dedesempregados e da taxa de desemprego aberto, que pas-sou de 8,9% para 10,7%, entre aqueles dois anos. Note-se que, mesmo com um crescimento relativamente mo-desto da PEA, inclusive com queda da taxa de participação,o número de empregos gerados no período foi insuficien-te para acompanhar sua expansão.

Na Região Metropolitana de São Paulo, por sua vez, onível de ocupação cresceu a taxas ainda menores (1,4%a.a.) e o contingente em desemprego variou a uma taxamédia anual de 5,8%, elevando a taxa de desempregoaberto de 10,4%, em 1992, para 12,6%, em 1997. Por di-ferença, infere-se que no interior do Estado a situação foimenos desfavorável, pois seu nível de ocupação cresceuà taxa de 1,9% a.a. (contra 2,2% da PEA urbana), masnão o suficiente para impedir o aumento expressivo docontingente em desemprego, cuja taxa de variação médiaanual foi de 5,9%, e da taxa de desemprego, que passoude 7,2% para 8,6%, no período. Observe-se que, mesmocom este crescimento, a taxa de desemprego no interiordo Estado de São Paulo continua substancialmente me-nor que a registrada na RMSP.

A análise destes movimentos segundo sexo e faixa etá-ria mostra que, no Estado de São Paulo, o nível de ocupa-ção cresceu de forma mais intensa para as mulheres (2,5%a.a.) do que para os homens (1,1% a.a.), mas guardou al-guma semelhança entre os dois sexos no que diz respeitoao seu comportamento nas distintas faixas etárias: houveredução absoluta dos contingentes de ocupados mais jo-vens; crescimento ao redor da média nas faixas adultas

GRÁFICO 1

Taxas de Participação, por Grupos de Idade, segundo SexoEstado de São Paulo –1992-1997

Grupos de Idade

Grupos de Idade

Fonte: Fundação IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD.Nota: Refere-se à população urbana.

Grupos de Idade

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MERCADO DE TRABALHO: MUDANÇAS ESTRUTURAIS E COMPORTAMENTO

(pouco mais intenso para as mulheres); expansão bemsuperior à média entre a população de 40 a 59 anos (tam-bém mais intensa entre as mulheres); e crescimento pró-ximo à média para a população com mais de 60 anos.

No caso da Região Metropolitana, de forma geral, ob-servou-se comportamento semelhante, embora com algu-mas particularidades: o crescimento da ocupação femini-na (1,9% a.a.) também foi mais intenso do que o damasculina (1,1% a.a.), concentrado na população adulta(de 40 a 59 anos entre as mulheres e de 50 a 59 anos entreos homens). Houve redução da ocupação entre os maisjovens (na faixa etária de 10 a 14 anos, para os homens ena de 10 a 24 anos para as mulheres) e crescimento pró-ximo à média para os homens de 25 a 49 anos e mais in-tenso para as mulheres na faixa etária de 30 a 39 anos.Para a população com mais de 60 anos, observaram-seredução absoluta de seu contingente ocupado entre oshomens e expansão próxima à média entre as mulheres.

O Gráfico 2 mostra o crescimento generalizado dastaxas de desemprego entre a população paulista, com maiorintensidade para as mulheres (7% a.a.) que para os ho-mens (5% a.a.). Em ambos os casos, esta expansão foifortemente concentrada na população jovem, mas, paraos homens, a taxa de desemprego também cresceu de for-ma expressiva nas faixas etárias mais elevadas.

Na Região Metropolitana, estes movimentos reprodu-ziram-se com intensidade ainda maior. Chama a atenção,em particular, o deslocamento mais acentuado da curvade desemprego das mulheres, inclusive daquelas nas fai-xas etárias intermediárias, sugerindo que o forte ingressode mulheres adultas na força de trabalho tenha provoca-do tal deslocamento, ainda que o número de ocupadastenha crescido no período. Já para os indivíduos nas fai-xas etárias extremas, o comportamento foi bastante dife-rente, pois, mesmo com a redução da taxa de participa-ção, as taxas de desemprego ampliaram-se substan-cialmente. Pode-se supor, portanto, que as dificuldadespara estes segmentos populacionais permanecerem (ouingressarem, no caso dos jovens) no mercado de trabalhotêm sido crescentes, podendo ter induzido a sua saída domercado de trabalho, refletida na queda de suas respecti-vas taxas de participação.

Estas mudanças na composição da PEA vêm dandomargem a várias interpretações. Sobre o maior ingressode mulheres adultas na PEA, há vasta literatura mostran-do que resultaria “não apenas da necessidade econômicae das oportunidades oferecidas pelo mercado, em conjun-turas específicas, mas também, em grande parte, das trans-

formações demográficas, culturais e sociais que vêm ocor-rendo no país, que têm afetado as mulheres e as famíliasbrasileiras. A intensa queda da fecundidade reduziu onúmero de filhos por mulher, sobretudo nas cidades, li-berando-a para o trabalho. A expansão da escolaridade eo acesso à universidade viabilizaram o acesso de mulhe-res a novas oportunidades de trabalho. Por fim, transfor-mações nos padrões culturais e nos valores relativos aopapel da mulher na sociedade, intensificadas pelo impac-to dos movimentos feministas desde os anos setenta e pelapresença cada vez mais atuante das mulheres nos espaçospúblicos, alteraram a constituição da identidade femini-na, cada vez mais voltada para o trabalho produtivo”(Bruschini, 1998:21-22).

Ainda que não se possa restringir a explicação do au-mento da participação feminina no mercado de trabalhoa fatores de natureza estritamente econômica (Bruschini,1998 e Troncoso, 1996), pode-se admitir que, na atualconjuntura econômica, tais fatores estejam reforçandoainda mais aquela tendência, seja pelas necessidades demanutenção da renda familiar numa situação de desem-prego crescente (Troncoso, 1996), seja pelas característi-cas dos postos de trabalho que vêm sendo gerados, apa-rentemente mais adequados à ocupação feminina (Sassen,1988 e Bercovich; Madeira e Torres, 1998).

Tendo em vista que são as mulheres nas faixas etáriasadultas, provavelmente cônjuges, que têm ampliado demaneira mais expressiva sua presença no mundo do tra-balho, vários elementos relacionados com este tema vêmsendo discutidos. Troncoso (1996), por exemplo, chamaa atenção para o provável aumento de gastos necessáriospara manutenção da vida familiar, representados pelamercantilização do consumo doméstico, tendo em vista opapel tradicionalmente ocupado pela mulher de principalresponsável pelas tarefas associadas à casa e à família.Outra abordagem destaca as conseqüências negativas dasobreposição dos afazeres domésticos com a atividadeeconômica das mulheres, seja sobre suas possibilidadesde uma inserção profissional de qualidade (Bruschini,1998), seja sobre as próprias condições de vida de suasfamílias, em que se salienta o problema da guarda dosfilhos6 na fase pré-escolar, ou, quando estudantes, nosperíodos em que se encontram fora da escola. SegundoBercovich; Madeira e Torres (1998), com freqüência, parasuperar este problema, adotam-se estratégias familiaresem que as tarefas domésticas, tradicionalmente realiza-das pelas mães, passam a ser executadas pela(s) filha(s),retardando o ingresso desta(s) no mundo do trabalho e,

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GRÁFICO 2

Taxas de Desemprego, por Grupos de Idade, segundo SexoEstado de São Paulo e Região Metropolitana – 1992-1997

Fonte: Fundação IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD.(1) Refere-se à população urbana.(2) Refere-se ao total da população, dada sua inexpressiva população rural.

Total

Mulheres

Estado de São Paulo (1) Região Metropolitana (2)

Homens

Grupos de IdadeGrupos de Idade

1992 1997

Grupos de IdadeGrupos de Idade

Grupos de IdadeGrupos de Idade

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MERCADO DE TRABALHO: MUDANÇAS ESTRUTURAIS E COMPORTAMENTO

em muitos casos, reduzindo suas chances de uma inser-ção produtiva de boa qualidade.

O que há em comum nestas abordagens é o fato dedestacarem que o ingresso de mulheres adultas no mer-cado de trabalho, ao lado de seus aspectos claramentepositivos, provoca mudanças nos padrões de consumo e,principalmente, na forma de organização da vida familiar,cujas conseqüências, ainda não suficientemente avaliadas,podem incluir várias dimensões negativas importantes.

Quanto ao retardamento do ingresso ou à saída de jo-vens da força de trabalho, associados ao aumento do de-semprego neste segmento populacional,7 as explicaçõesmais freqüentes, por um lado, apontam para as maioresexigências de contratação por parte das empresas, valori-zando a experiência anterior de trabalho e a escolarida-de,8 dificultando assim o ingresso ou a permanência dejovens no mercado de trabalho,9 e, por outro, associam-nos à opção dos jovens e/ou de suas famílias por perma-necer mais tempo na escola, ampliando as chances de umafutura inserção profissional de melhor qualidade, o quepode ser potencializado pela conjuntura adversa do mer-cado de trabalho. Não se deve desconsiderar também asmaiores restrições legais e as próprias pressões sociaiscontra o trabalho infantil, assim como o que Bercovich;Madeira e Torres (1998) chamam de “onda jovem” (o alar-gamento das faixas etárias jovens que vem se assistindono país) e seus efeitos sobre a inserção produtiva destesegmento populacional.10 Não é trivial avaliar com preci-são o peso de cada um desses fatores na explicação dofenômeno em pauta, mas há indicações de que a obten-ção do primeiro emprego pelos jovens vem se tornandoum problema sério, que merece ser tratado com mais aten-ção pela sociedade.

Embora se possa admitir que o retardamento do ingressodos jovens no mercado de trabalho tenha aspectos positi-vos, sobretudo porque lhes permite concluir sua formaçãoescolar, há estudos que apontam para graves problemas re-lacionados à perda de auto-estima entre os jovens com difi-culdade para obter seu primeiro emprego, sobretudo entreas mulheres (Sen, 1997:162).11 Bercovich; Madeira e Tor-res (1998:10) também chamam a atenção para a maior gra-vidade do problema entre as mulheres jovens, concluindoque “as adolescentes e as jovens requerem, portanto, um apoiomaior e mais específico das políticas públicas, seja para ad-quirir a escolaridade mínima que lhes possibilite disputar umemprego que não o doméstico remunerado, seja obtendoqualificações específicas que lhes permitam romper a rígidadivisão sexual do trabalho”.

Observe-se por fim que, embora venha se registrandocrescimento da taxa de desemprego entre os jovens, estatem sido amortecida pela sua saída da PEA. Contudo, oadiamento do ingresso da população mais jovem no mer-cado de trabalho deve significar que, no futuro, isto é,quando esses jovens atingirem uma faixa etária mais ele-vada, ocorrerá um aumento importante do número denovos ingressantes nesse mercado, o que torna prementea discussão do tema do primeiro emprego, ou da transi-ção da escola para o trabalho, e da qualificação profissio-nal desta parcela da população.

Outro segmento populacional cujas relações com omercado de trabalho merecem comentários é o dos indi-víduos com idade superior a 60 anos. Conforme mencio-nado anteriormente, vem se notando, para ambos os se-xos, redução da taxa de atividade e crescimento da taxade desemprego aberto. O nível ocupacional vem decli-nando entre os homens, mas aumentando para as mulhe-res nesta faixa etária.

Pode-se admitir que as pessoas mais idosas tenhammaiores dificuldades de se manter em seus empregos, dian-te das mudanças nos conteúdos das tarefas executadas edas novas exigências de qualificação profissional decor-rentes da reestruturação produtiva. O crescimento das ta-xas de desemprego deste segmento populacional indicaas maiores dificuldades na obtenção de um novo empre-go, podendo ter como implicação a antecipação de suaretirada do mercado de trabalho.

Outro possível elemento explicativo deste comporta-mento é o expressivo aumento do número de aposenta-dos ocorrido entre 1992 e 1997, quando passou de cercade 2,7 milhões para 3,7 milhões de pessoas, no Estado deSão Paulo, segundo dados da PNAD. Tal fenômeno se deucom intensidade semelhante para homens (de 1,3 milhão,em 1992, para 1,8 milhão, em 1997) e mulheres (de 1,4milhão para 1,9 milhão, nos mesmos anos). Parte destecrescimento deve-se ao envelhecimento da população, massua intensidade requer outras explicações, como as pró-prias dificuldades de se manter no mercado de trabalhoou a antecipação da aposentadoria, decorrente da maiorinsegurança quanto ao futuro, provocada pelas discussõesem torno das mudanças nas regras da Previdência Social.

Ainda que este movimento possa ser deletério para asfinanças públicas e, em muitos casos, significar uma re-dução da renda disponível dos indivíduos aposentados ede suas famílias, seu impacto foi positivo nos indicado-res de mercado de trabalho, pois, em tese, permitiu queos postos de trabalho ocupados por estas pessoas passas-

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sem a ser preenchidos por outros trabalhadores, prova-velmente mais jovens. Em outros termos, a redução dataxa de participação do segmento populacional mais ido-so significou uma redução da pressão sobre o mercado detrabalho e, em princípio, a abertura de novas oportunida-des de trabalho a outros indivíduos.

Observe-se, porém, que não é de se esperar que a re-dução da taxa de atividade deste segmento mantenha-seno futuro. Ao contrário, o mais provável é sua amplia-ção, tendo em vista as mudanças nas regras da Previdên-cia Social, entre as quais o aumento da idade legal para aaposentadoria, o que deverá constituir um fator adicionalpara a ampliação futura da PEA. Isto torna-se particular-mente sério numa conjuntura de elevado desemprego ebaixo dinamismo econômico, podendo agravar ainda maisos problemas na obtenção de emprego pela populaçãojovem (Sen, 1997:165).

A mudança da composição etária da população impli-ca a alteração da demanda por serviços públicos e, fre-qüentemente, traz consigo problemas para o financiamentodesses serviços. A elevação da taxa de dependência, istoé, o aumento da carga depositada sobre a população tra-balhadora mais jovem para financiar as demandas porserviços públicos da geração mais velha, sinaliza um des-ses problemas. Um dos objetivos da elevação da idadepara a aposentadoria é reduzir a relação entre o númerode beneficiários e o de contribuintes para a PrevidênciaSocial. Seus efeitos, porém, podem ser amortecidos pelofato de implicar o prolongamento da permanência da po-pulação mais velha no mercado de trabalho e, em conse-qüência, a redução das oportunidades de emprego paraos mais jovens. Isto aponta para a necessidade de se bus-car outras formas de ampliação do número de contribuin-tes, seja por iniciativas que visem legalizar as relações detrabalho ou combater os contratos ilegais de trabalho, sejapor passar a considerar o crescimento do emprego comoum dos objetivos centrais da ação pública. Como afirmouSen (1997:164), é necessário adotar uma ação pública queleve em conta os custos do desemprego e que inclua oobjetivo de geração de novas oportunidades de empregode forma integrada a seus demais objetivos, inclusive osde natureza macroeconômica.

MUDANÇAS NA ESTRUTURA OCUPACIONAL

As mudanças que vêm ocorrendo na composição do mer-cado de trabalho urbano, no Estado de São Paulo, podemser observadas sob diversas perspectivas. No presente estu-

do serão destacadas as alterações na distribuição espacial doemprego não-agrícola, na sua composição setorial e na suadistribuição segundo posição ocupacional.12

Observe-se, de início, a mudança na distribuição es-pacial do emprego não-agrícola paulista. Em 1992, a Re-gião Metropolitana de São Paulo abrigava 52,3% dospostos de trabalho urbanos do Estado e, em 1997, passoua responder por 50,4%. Esta mudança reflete os distintosritmos de crescimento do nível de ocupação na RMSP eno interior, conforme mencionado anteriormente.

Tais variações, analisadas sob a ótica dos setores deatividade econômica, mostram que o principal determi-nante da perda da importância relativa da Região Metro-politana na geração de empregos no Estado de São Paulofoi o comportamento muito desfavorável do emprego in-dustrial. Na Região Metropolitana, entre 1992 e 1997,houve redução absoluta de mais de 150.000 postos de tra-balho na indústria de transformação. Como no total doEstado este setor eliminou cerca de 120.000 postos de tra-balho, infere-se que, no interior, houve um saldo líquidopositivo de tímidos 30.000 novos postos de trabalho ge-rados na indústria, neste período. Ainda que a expansãodo emprego industrial não tenha sido expressiva no inte-rior do Estado, a situação ali foi muito mais favorável quea observada na Região Metropolitana. Mesmo assim, estacontinua responsável por mais da metade (53,8%) dosempregos existentes na indústria paulista, em 1997, con-tra 56,7%, em 1992.

A indústria da construção manteve praticamente inal-terado seu nível de emprego na RMSP, no período emanálise. No conjunto do Estado, este elevou-se apenas emcerca de 70.000 postos de trabalho. O comércio e os ser-viços foram os setores que apresentaram melhor desem-penho: geraram, respectivamente, cerca de 380.000 (o quecorresponde a uma taxa de variação média de 3,8% a.a.)e 1.300.000 postos de trabalho (4,0% a.a.), no conjuntodo Estado de São Paulo.

Na perspectiva regional, observa-se que, na RegiãoMetropolitana, o comércio gerou quase 100.000 novospostos de trabalho (1,9% a.a.) e os serviços mais 645.000(4,0% a.a.). Portanto, o crescimento do emprego no co-mércio foi mais acentuado no interior do Estado, provo-cando a queda da participação relativa da Região Metro-politana no total dos postos de trabalho no comérciopaulista (de 53,2%, em 1992, para 48,5%, em 1997).Quanto aos serviços, a intensidade da expansão foi seme-lhante nas duas áreas, de modo que a participação relati-va da RMSP na oferta de postos de trabalho neste setor

167

MERCADO DE TRABALHO: MUDANÇAS ESTRUTURAIS E COMPORTAMENTO

em relação ao conjunto do Estado (50%) manteve-se pra-ticamente inalterada.

Portanto, no interior do Estado de São Paulo e, princi-palmente, em sua Região Metropolitana, verificou-se umclaro deslocamento dos empregos em direção ao setor decomércio e de prestação de serviços. Tal movimento podeser percebido também na composição do emprego segundosetor de atividade internamente às áreas geográficas es-tudadas. A Tabela 1 mostra a evidente perda da impor-tância relativa da indústria de transformação e da cons-trução civil na geração de empregos, assim como a am-pliação do peso do comércio e dos serviços.

Análise semelhante, sob a perspectiva da evolução donível de ocupação por posição ocupacional, também apon-ta para mudanças estruturais expressivas. Note-se, de iní-cio, que o número de empregados no Estado de São Pau-lo cresceu a taxas extremamente reduzidas (1,2% a.a.),enquanto as demais posições ocupacionais cresceram ataxas anuais médias superiores a 4% (trabalhadores do-mésticos a 4,8%, trabalhadores por conta-própria a 4,2%e empregadores a 4,9%). Em números absolutos, enquantoo contingente de empregados aumentou em 545.000 pes-soas, no período em análise, o de trabalhadores domésti-cos expandiu-se em 262.000 pessoas, o dos conta-própriaem 489.000 pessoas e o de empregadores em 146.000pessoas.

Se, entre os empregados, forem discriminados os quepossuem carteira de trabalho assinada,13 observar-se-á queeste contingente diminuiu ao longo do período a uma taxamédia anual de -0,3%. Portanto, a expansão do númerode empregados deveu-se ao crescimento dos contingen-

tes de funcionários públicos (mais 107.000 pessoas, o queequivale a um crescimento médio anual de 2,5%) e, prin-cipalmente, de assalariados sem carteira de trabalho assi-nada (mais 386.000 pessoas ou 3,9% a.a.). O simples fatode os três principais componentes que sustentaram o cres-cimento do nível de ocupação total terem sido os traba-lhadores por conta-própria, os assalariados sem carteirade trabalho assinada e os trabalhadores domésticos já in-dica as precárias condições de funcionamento do merca-do de trabalho no período em análise.

Sob a ótica regional, nota-se que esta precarização dasrelações de trabalho foi muito mais intensa na RegiãoMetropolitana de São Paulo do que interior do Estado.Na RMSP, o número de empregados elevou-se em 147.000pessoas, no período, o que corresponde a uma taxa médiaanual de crescimento de apenas 0,6%, enquanto no inte-rior estes indicadores equivalem a 399.000 pessoas e 2,0%,respectivamente.

Quanto às demais posições ocupacionais, verificou-seexpressivo aumento do emprego doméstico (6,4% a.a.),do número de trabalhadores por conta-própria (3,6% a.a.)e de empregadores (2,6% a.a.). O número de empregadoscom carteira de trabalho assinada reduziu-se à taxa mé-dia anual de 0,8% e o de funcionários públicos manteve-se estabilizado, enquanto o de empregados sem carteira detrabalho assinada cresceu de forma explosiva (7,0% a.a.).

No interior, o comportamento destes indicadores foi oseguinte: o número de empregados cresceu a uma taxamédia anual de 2,0% e o de trabalhadores domésticos, a3,7%. Já o número de trabalhadores por conta-própria e ode empregadores elevaram-se a taxas médias anuais de

TABELA 1

Distribuição dos Ocupados em Atividades Não-Agrícolas, segundo Setor de Atividade EconômicaEstado de São Paulo, Região Metropolitana e Interior – 1992-1997

Em porcentagem

Setores de Atividade Estado de São Paulo Região Metropolitana Interior

1992 1997 1992 1997 1992 1997

Total (1) 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0Indústria de Transformação 24,4 21,0 26,5 22,4 22,2 19,5

Construção Civil 8,2 7,8 7,3 6,7 9,1 8,9

Comércio 14,7 15,9 14,9 15,2 14,4 16,5

Serviços 47,4 51,5 45,3 51,2 49,8 51,9

Outros (2) 5,3 3,8 6,0 4,4 4,6 3,2

Fonte: Fundação IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD.(1) Exceto emprego agrícola.(2) Incluem Outras Atividades Industriais.

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 13(1-2) 1999

168

TABELA 2

Distribuição dos Ocupados em Atividades Não-Agrícolas, segundo Posição OcupacionalEstado de São Paulo, Região Metropolitana e Interior – 1992-1997

Em porcentagem

Posição Ocupacional Estado de São Paulo Região Metropolitana Interior

1992 1997 1992 1997 1992 1997

Total (1) 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0Empregados 68,2 64,9 70,9 67,9 65,3 62,0

Trabalhadores Domésticos 7,9 8,9 6,0 7,7 9,9 10,2

Conta-Própria 16,9 18,6 16,5 18,4 17,2 18,8

Empregadores 4,3 4,9 4,0 4,2 4,7 5,6

Outros (2) 2,7 2,7 2,5 1,9 2,9 3,4

Fonte: Fundação IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD.(1) Exceto emprego agrícola.(2) Incluem os trabalhadores não remunerados, os que trabalham na produção e na construção para o próprio consumo e uso e os sem declaração.

4,9% e 6,9%, respectivamente. Note-se, porém, que dife-rentemente do corrido na Região Metropolitana, não houvecrescimento expressivo do número de assalariados semcarteira de trabalho assinada (1,6% a.a.), mas, mesmoassim, foi muito mais intenso que o observado para osempregados com carteira de trabalho assinada (0,2% a.a.).Chama a atenção o aumento do emprego público no inte-rior (4,7% a.a.), bastante superior ao observado na RMSP.

A Tabela 2 mostra a composição da ocupação segun-do posição ocupacional em cada uma das áreas em estu-do. A redução do peso dos empregados e a elevação daparticipação das demais posições ocupacionais, em espe-cial dos trabalhadores por conta-própria, são evidentes,tanto no interior quanto na RMSP.

Há grande relação entre a mudança da estrutura seto-rial do emprego e a precarização das relações de trabalhoaqui descritas. Tendo em vista que é na indústria que seconcentram os assalariados com carteira de trabalho assi-nada, a redução do emprego industrial significa a elimi-nação de postos de trabalho com tal característica. Por seuturno, como no setor terciário predominam relações detrabalho menos estruturadas, a expansão do emprego nestesetor tende igualmente a aumentar a presença das demaisposições ocupacionais. Caso se estivesse assistindo a ummovimento de grande modernização do setor terciário,com a superação das suas características tradicionais deatraso e desestruturação, o aumento de sua importâncianão implicaria, necessariamente, a precarização das rela-ções de trabalho. Porém, infelizmente não é o que ocorre(Dedecca, 1998), sendo que alguns analistas, não semrazão, chamam este processo de “terceirização à brasilei-ra” (Pacheco, 1998).

Não é o caso de se estender, aqui, sobre as causas dasmudanças na estrutura ocupacional, mesmo porque, comose comentou na introdução deste artigo, há uma grandequantidade de fatores concorrendo para isto. No entanto,pode-se afirmar que, desde o final dos anos 80 e sobretu-do ao longo dos anos 90, vem se assistindo a um impor-tante ajuste nos processos de produção das empresas, emespecial daquelas localizadas na Região Metropolitana deSão Paulo. Em parte, este ajuste foi uma resposta defen-siva às políticas econômicas adotadas no período, queconjugaram a abertura da economia brasileira à competi-ção externa e à valorização cambial, com implicaçõesnegativas para a produção e o emprego domésticos.

Como salientou Pacheco (1998:164), “ainda que esteajuste muitas vezes revelasse uma mera acomodação pas-siva às orientações da política econômica (...), ele condu-ziu a ganhos acentuados de produtividade, ampliação dosmercados externos e importantes mudanças organizacio-nais no interior das empresas”. Entre estas mudanças or-ganizacionais, a mais relevante para se entender as cau-sas das alterações da estrutura ocupacional paulista foi ochamado processo de terceirização, em que as empresas,sobretudo industriais, procuraram reduzir a dimensão deseu pessoal ocupado em simultâneo à “externalização” departe das atividades anteriormente realizadas pelas pró-prias empresas, em especial os serviços de apoio (Dedecca,1997:15).

Note-se, porém, que estas atividades “externalizadas”tendem a ser realizadas ou por trabalhadores subcontra-tados ou por empresas que, freqüentemente, não utilizamo trabalho assalariado ou o fazem através de contratos detrabalho não regulamentados. Observe-se, adicionalmente,

169

MERCADO DE TRABALHO: MUDANÇAS ESTRUTURAIS E COMPORTAMENTO

que nem todas as empresas foram bem-sucedidas nessatrajetória, pois alguns segmentos da economia, em parti-cular da indústria, sofreram um rápido processo de suca-teamento (Dedecca, 1998:18), com o que muitas empre-sas simplesmente saíram do mercado, incapazes de concorrercom suas competidoras estrangeiras, ou sobreviveram à custada precarização das suas relações de trabalho.14

Em resumo, como afirmou Dedecca (1998:20), “a novadinâmica econômica reconfigura os diversos segmentosda estrutura produtiva, bem como as relações que estabe-lecem entre si. No nível do mercado de trabalho, obser-vam-se a perda de importância do trabalho assalariado, amanutenção permanente do desemprego em patamar ele-vado e a ampliação significativa de formas não assalaria-das de trabalho ou daquelas assalariadas não regulariza-das legalmente”.

Também é possível buscar estabelecer relações entreas características dos empregos que vêm sendo destruí-dos e criados com as alterações do perfil da força de tra-balho anteriormente descritas. Seria factível admitir queparte expressiva dos postos de trabalho eliminados, emespecial aqueles pertencentes ao setor industrial, seriaocupada por homens adultos ou em idade mais avançada.Desse modo, a elevação da taxa de desemprego destessegmentos populacionais e mesmo a queda de sua taxade participação, em especial dos mais idosos, poderiamser explicadas por este componente.

Por outro lado, a expansão do número de postos de tra-balho no comércio e nos serviços, inclusive nos serviçosdomésticos, abre possibilidades de inserção produtiva paraas mulheres, uma vez que são setores onde estas tradicio-nalmente atuam. Note-se, porém, que mesmo com o cres-cimento mais intenso do emprego entre as mulheres, suataxa de desemprego elevou-se substancialmente, o quepode ser explicado pelo expressivo ingresso das mulhe-res no mercado de trabalho. A propósito, convém mencio-nar a observação de Sen (1997:163), segundo a qual, emperíodos de desemprego elevado, diminuem as chances deas mulheres ocuparem postos de trabalho de boa qualidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Vários problemas que merecem atenção pública foramtratados ao longo do texto: as dificuldades dos jovens naobtenção do primeiro emprego; a transição da escola parao trabalho e a necessidade de qualificação dos jovens; ospossíveis efeitos negativos da entrada das mulheres adul-tas no mercado de trabalho sobre as condições de vida

das suas famílias; e a necessidade de se buscar novas for-mas de financiamento das atuais demandas sociais. Há,no entanto, dois problemas que merecem maiores consi-derações, desenvolvidas a seguir.

As informações apresentadas mostram claramente quea geração de empregos no Estado de São Paulo e, princi-palmente, em sua Região Metropolitana, tem sido insufi-ciente para permitir a incorporação dos atuais desempre-gados e dos novos ingressantes na força de trabalho. Poroutro lado, as tendências sociodemográficas e as mudan-ças institucionais mencionadas, se tiveram o efeito líqui-do de amortecer o crescimento da PEA nos últimos anos,apontam para sua substancial ampliação no futuro próxi-mo, o que intensifica ainda mais a necessidade de gera-ção de novos postos de trabalho.

Do ponto de vista das características dos postos de tra-balho gerados nos últimos anos, houve nítida redução dosempregos com contrato registrado em carteira de traba-lho em contraste com a expansão dos empregos não re-gistrados (ilegais, portanto) e da ocupação de trabalha-dores domésticos e por conta-própria, além de empre-gadores. Não parece desejável ou mesmo sustentável acontinuidade desta trajetória, que possivelmente refletemuito mais a busca de alternativas individuais de sobre-vivência diante da escassez de empregos do que uma even-tual “modernização” das relações de trabalho do país.

Deve-se, portanto, direcionar esforços no que diz res-peito tanto à geração de empregos quanto à melhoria daqualidade dos postos de trabalho existentes. Em relaçãoao primeiro aspecto, não resta dúvidas de que a reversãodo quadro negativo em que se encontra o mercado de tra-balho só poderá ocorrer com a retomada do crescimentoeconômico, a despeito de já se ter identificado o descola-mento da trajetória do emprego e do produto na atual dé-cada (Dedecca, 1998). Para tanto, não parece haver outraalternativa a não ser a de considerar a geração de empre-gos um dos objetivos centrais da ação pública, a ser per-seguido com a mesma pertinácia aplicada a outros objeti-vos macroeconômicos. O sistema de preços, incapaz derefletir os custos sociais e individuais do desemprego (Sen,1997:164), impede que a superação desse problema se dêao sabor dos movimentos do mercado. Em outros termos,não se pode atribuir ao mercado a capacidade de solucio-nar os problemas sociais e individuais se estes não sãopassíveis de valoração econômica. Ao contrário, “a he-gemonia do mercado traz uma ameaça ao tecido social,destrói as relações coletivas de solidariedade” (Castel,1998:24). O problema reside exatamente em buscar for-

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 13(1-2) 1999

170

mas de “domesticar” este mercado, sendo que, historica-mente, foram as regulações sociais, fundadas no traba-lho, que cumpriram este papel (Castel, 1998).

O direcionamento de esforços públicos com vistas amelhorar a qualidade dos postos de trabalho, em especialos que vêm sendo criados nos últimos anos, tem sido ob-jeto de várias críticas. O discurso dominante em todo omundo apresenta fortes restrições à ação do Estado noâmbito do mercado de trabalho, pois considera que a glo-balização, inapelavelmente, exige a desregulamentaçãodos mercados, inclusive o laboral. Argumenta-se que oestabelecimento de determinados padrões para a contra-tação e o uso da força de trabalho implicaria a elevaçãodos custos do trabalho e a perda da competitividade in-ternacional. Para evitá-la, nosso destino seria uma contí-nua e interminável redução daqueles padrões. Note-se,porém, que até o momento não se demonstrou teórica ouempiricamente que a regulação do mercado de traba-lho acarreta necessariamente maior custo do trabalho(Freeman, 1994 e Lee, 1997).

Argumenta-se também que a regulamentação do mer-cado de trabalho provocaria o aumento da sua segmenta-ção e mesmo o estabelecimento de uma “aristocracia ope-rária”. Tampouco neste caso há evidências de que talargumento esteja correto. Ao longo deste texto, procu-rou-se demonstrar que a maior integração internacionalda economia implicou o aumento da segmentação domercado de trabalho, resultado, aliás, observado em vá-rios dos grandes centros urbanos do mundo (Sassen, 1988).

Nesse discurso, a superação das dificuldades atuais domercado de trabalho deve ser buscada a partir de iniciati-vas individuais e estas sim deveriam ser incentivadas eapoiadas pelo poder público. Sem desconsiderar que estecaminho possa gerar algumas soluções interessantes ecriativas, é difícil imaginar que estas sejam capazes desubstituir o mercado e o assalariamento. Recorrendo maisuma vez a Sen (1997:167), sugerir a alguns grupos de tra-balhadores – para quem é quase impossível obter umemprego – que tomem a iniciativa de criar seus própriospostos de trabalho é inútil e cruel. É necessário, portanto,ter em mente que tal estratégia tem alcance limitado e nãopode ser considerada a única, nem mesmo a principal,opção para superar o problema do desemprego.

Em síntese, a geração de empregos deve constituir umdos objetivos centrais da ação estatal, mas este não podeser obtido à custa da degradação das relações de traba-lho. É necessário estabelecer algum equilíbrio entre ascondições necessárias à produção da riqueza e as condi-

ções de existência daqueles que a produzem. Trata-se deuma meta difícil, mas que permite encerrar este texto re-petindo a indagação formulada por Castel (1998): “serápossível construir ou reconstruir regulações coletivas que nãosejam fundadas numa organização coletiva do trabalho, quenão se inscrevam num regime geral de emprego?”

NOTAS

E-mail dos autores: [email protected] e [email protected]

1. Para várias abordagens desse tema, ver, entre outros, Baltar (1996), Amadeoe Pero (1996) e Cacciamali (1997).

2. Sassen (1988:21-25) registra a ampliação da segmentação do mercado de tra-balho associada à reestruturação produtiva, que denomina “polarização de clas-ses”, em várias das grandes cidades do mundo que são objeto de seus estudos.Dedecca (1998) também aponta para este resultado, percorrendo a evolução dasinterpretações a cerca do binômio “desenvolvimento e mercado de trabalho” edas relações entre dinâmica econômica e mercado de trabalho desde os anos 30.3. Sobre as mudanças na estrutura ocupacional e as conseqüentes trajetórias daforça de trabalho, ver Davis, Haltiwanger e Schuh (1998), para o caso norte-americano; Elias (1997), para o caso inglês; e Watanabe e Brandão (1997), parao caso da Região Metropolitana de São Paulo. Uma revisão da literatura sobre adeterioração de várias dimensões da vida social e individual decorrente da perdado emprego pode ser encontrada em Sen (1997).

4. A escolha desses anos deveu-se ao fato de se dispor de informações compatí-veis entre si, uma vez que produzidas após as mudanças conceituais adotadaspela PNAD na atual década. Trata-se do primeiro ano em que tais mudanças fo-ram implementadas e dos dados mais recentes disponibilizados por aquele le-vantamento.

5. As informações utilizadas nesta seção referem-se à população urbana quandoassociadas ao conjunto do Estado de São Paulo. Em relação à Região Metropo-litana de São Paulo, dada sua inexpressiva população rural, referem-se ao totalda população. As estimativas para o interior do Estado foram obtidas pela dife-rença entre os indicadores referidos àquelas duas áreas geográficas.

6. Embora, em termos legais, as trabalhadoras do setor formal da economia te-nham garantidos vários direitos sociais, entre os quais o acesso à creche, parcelaexpressiva das mulheres trabalha em atividades não regulamentadas ou mesmocomo empregadas domésticas, em que este direito não é garantido.

7. Para uma discussão mais detalhada do tema, ver Bercovich; Madeira e Torres(1998), que dão especial atenção às descontinuidades demográficas e às especi-ficidades do desemprego juvenil. Para o caso da Região Metropolitana de SãoPaulo, ver Rosandiski e Watanabe (1998).

8. Diante do crescimento do desemprego e na falta de mecanismos de seleçãomais adequados (ou como forma de reduzir os custos de contratação), as empre-sas tendem a ampliar seus níveis de exigência na contratação de novos trabalha-dores, em especial selecionando indivíduos com maior escolaridade. SegundoBercovich; Madeira e Torres (1998), tais exigências são ainda mais elevadasquando se trata de jovens mulheres.9. Para Bercovich; Madeira e Torres (1998), além de maiores exigências de contra-tação, estariam sendo diminuídas as oportunidades de emprego típico dos jovens emconseqüência da introdução e disseminação de certas inovações tecnológicas.

10. Rosandiski e Watanabe (1998), com base no conceito de descontinuidadedemográfica, consideram que o fato de os jovens constituírem hoje parcela par-ticularmente elevada da população, associado à conjuntura desfavorável do mer-cado de trabalho, sobretudo para este segmento populacional, pode constituirum desestímulo adicional para a sua permanência neste mercado e um incentivopara manter-se na escola.

11. Sen (1997) menciona grande número de estudos sobre o assunto, entre osquais pode-se citar Freeman e Wise (1982).

12. As informações usadas nesta seção referem-se às atividades não-agrícolas enão à população urbana, como na seção anterior. Não são, portanto, dados estri-tamente comparáveis, o que não parece suficiente para desqualificá-los diantedos objetivos deste texto.

171

MERCADO DE TRABALHO: MUDANÇAS ESTRUTURAIS E COMPORTAMENTO

13. Ao se utilizar o corte segundo posse de carteira assinada, estão sendo incluí-dos os que trabalham em atividades agrícolas.

14. É interessante notar que Sassen (1988:22), tratando da reestruturação da de-manda por trabalho no que chama de centros globais, apontou que seu resultadoseria “a expansão dos empregos técnicos e profissionais de alta renda, a reduçãodos empregos de escritório e industriais de média renda e a grande ampliaçãodos postos de trabalho de baixa renda”. Conclui que estes últimos decorrem daprópria ampliação das atividades modernas e, secundariamente, da decadênciade determinados segmentos produtivos.

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SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 13(1-2) 1999

172

A

A INDÚSTRIA INTENSIVA EMRECURSOS NATURAIS

novas dinâmicas e perspectivas

HAROLDO DA GAMA TORRES

Economista, Consultor da Fundação Seade e Pesquisador do Cebrap

última política industrial explícita implementa-da no Brasil – o Segundo Plano Nacional deDesenvolvimento (II PND), dos anos 70 – im-

- a indústria de bens intermediários estaria se descon-centrando espacialmente em nível nacional. O II PND for-taleceu indústrias de bens intermediários em áreas exte-riores ao antigo centro industrial (o eixo Rio-São Paulo)– tais como as localizadas no Pólo Petroquímico de Ca-maçari (BA) e as do Vale do Aço (MG). Mais recente-mente, a desconcentração industrial estaria atingindooutros segmentos industriais, como as indústrias de bensde consumo duráveis e não duráveis (Rodrigues, 1998;Pacheco, 1996; Diniz, 1994);- a expansão da indústria de bens intermediários para aperiferia brasileira estaria relacionada a seus impactosambientais. Esta indústria se beneficiaria de vantagenslocacionais ambientais, fruto da menor capacidade insti-tucional local no controle da poluição. É difícil identifi-car a existência de intencionalidade por parte dos inves-tidores na busca desse tipo de vantagem. No entanto,estudos de caso (Franco, 1997; Paula, 1997) oferecemevidências de que práticas ambientais de empresas de bensintermediários na periferia industrial continuam a apre-sentar problemas significativos, apesar da mudança no dis-curso e da ocorrência de investimentos na área de prote-ção ambiental.

De modo geral, esses argumentos ainda são consisten-tes. A principal restrição diz respeito à hipótese de que aindústria de bens intermediários estaria ganhando parti-cipação na produção industrial nacional. Embora isto te-nha ocorrido nos anos 80, não se verificou nos anos 90.Esta década – caracterizada pela abertura da economia,pelas privatizações e pela perspectiva de um novo ciclode investimentos – obriga-nos a repensar quais seriam as

plicou uma importante alteração do significado ambien-tal da indústria no Brasil, ao induzir fortes investimentosem indústrias de bens intermediários, identificadas comosujas e intensivas em recursos naturais e energia (Torres,1993).1 Os elementos que permitiram esta caracterizaçãopodem ser resumidos em quatro argumentos principais:- a indústria de bens intermediários seria mais poluente eintensiva em recursos naturais do que a média da indús-tria de transformação. Estudos empíricos têm permitidosustentar de forma consistente tal proposição. Vale des-tacar, por exemplo, o amplo levantamento da poluiçãoindustrial realizado pela Agência Ambiental Americanapara os Estados Unidos (EPA, 1995). Este relatório dizrespeito ao monitoramento da poluição do ar, da água edo subsolo provocada diretamente pela indústria. Desta-cam-se, no caso americano, as indústrias siderúrgica e deprodutos químicos como os segmentos mais fortementepoluidores;- o setor de bens intermediários, com o advento do II PND,teria ganhado participação crescente na indústria brasi-leira, inclusive em termos de comércio exterior. Para asdécadas de 70 e 80, este argumento encontra ampla fun-damentação empírica e na literatura (Castro e Souza,1985). Na década de 90, embora a indústria de bens inter-mediários tenha apresentado um desempenho acima damédia da indústria de transformação, foi a de bens deconsumo duráveis que apresentou maiores níveis de cres-cimento (no próximo item);

173

A INDÚSTRIA INTENSIVA EM RECURSOS NATURAIS: NOVAS DINÂMICAS ...

novas perspectivas ambientais da indústria. Identificamoscinco elementos condicionantes principais: crescimentodiferencial de setores com nítido impacto ambiental,mudanças nos padrões espaciais da indústria, novas es-tratégias empresariais de acumulação de capital, mudan-ças na estrutura de propriedade e mudanças nas práticasde gestão ambiental. Cada uma destes elementos afeta demodo diferenciado as relações entre indústria e meioambiente.

Buscamos identificar padrões de mudança que possamimplicar avanços no sentido de uma maior sustentabili-dade. Assim, na próxima seção, mostramos a evoluçãosetorial da indústria brasileira, tentando caracterizar o novociclo de investimentos. A seguir, indicamos de modo sin-tético os novos padrões locacionais, as estratégias empre-sariais e as mudanças mais importantes na estrutura depropriedade e de gestão ambiental das principais indús-trias de transformação geradoras de impacto ambiental: aautomobilística e a de bens intermediários (siderurgia,papel e celulose, produtos químicos).2 Ao final, expomosnossas conclusões.

EVOLUÇÃO RECENTE DAPRODUÇÃO INDUSTRIAL BRASILEIRA

O Gráfico 1 contém dados relativos à evolução da pro-dução da indústria de transformação brasileira, de 1975 a1998. Observa-se que o desempenho da indústria de bensintermediários supera o da média da indústria de trans-formação, no período observado.

No entanto, este não foi o segmento com maior cresci-mento no período. A indústria de bens duráveis foi o des-taque, tendo atingido, em 1997, um nível de produção200% superior ao de 1975. A indústria de bens interme-diários, entre 1975 e 1998, cresceu 88%, contra um cres-cimento de 60% para a média da indústria de transforma-ção.3 Até 1985, porém, o crescimento da indústria de bensintermediários foi o mais expressivo dentre os segmentosestudados. Entre 1985 e 1992, bens intermediários e bensde consumo durável apresentaram uma evolução próxi-ma. O descolamento do setor de bens duráveis ocorreu apartir de 1992, com o aumento do consumo que se seguiuao advento das câmaras setoriais, do Plano Real e do novo

Fonte: Fundação IBGE.

GRÁFICO 1

Produção Industrial, por Categoria de ConsumoBrasil – 1975-98

Índice (Base: 1975=100)

Anos

-

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regime automotivo. Ao longo de todos esses anos, a in-dústria de bens de capital ficou estagnada nos níveis deprodução de 1975, enquanto a indústria de bens não du-ráveis apresentou um desempenho idêntico à média daindústria de transformação.

Vale destacar que tais dados refletem sobretudo a bai-xa taxa de investimento da economia brasileira neste pe-ríodo. De modo geral, o crescimento verificado na indús-tria parece ter decorrido, em grande medida, da ocupaçãoda capacidade ociosa e do melhor aproveitamento do equi-pamento existente. Apenas o crescimento que se regis-trou a partir de 1992 – puxado sobretudo pela indústriade bens de consumo durável – parece ter acionado umvolume significativo de investimentos. Discutimos esteselementos adiante.

Um Novo Ciclo de Investimentos?

Como se trata de uma experiência bastante recente,a avaliação do porte e da intensidade deste novo ciclode investimentos só pode ser realizada a partir de in-formações fragmentárias, colhidas na imprensa e juntoa entidades de classe. Um dos raros trabalhos que bus-ca sistematizar este tipo de informação foi produzido

por Rodrigues (1998), do qual extraímos grande partedos dados aqui resumidos. Esta autora pesquisou as in-tenções de investimento anunciadas em 1996 e 1997.É difícil determinar até que ponto tais intenções se con-cretizaram ou vão se concretizar, principalmente nocontexto turbulento da economia brasileira do período1998-99. Sabemos, contudo, que parte desse investi-mento – sobretudo na indústria automobilística – já foirealizado e terá impactos duradouros sobre a economiabrasileira, inclusive do ponto de vista de seu significa-do ambiental (Tabela 1).

Como podemos observar, o padrão de intenção de in-vestimentos acompanha, em grande medida, o perfil docrescimento da produção observado anteriormente. Osmaiores projetos orientam-se para a indústria de bensduráveis e de bens intermediários, com destaque para osegundo grupo. De certa forma, a intenção de investimen-tos na indústria de bens intermediários faz sentido. Sãoindústrias predominantemente de capital nacional, recen-temente privatizadas e que têm encontrado um contextode significativo crescimento da demanda interna, sobre-tudo decorrente do aumento da produção de bens de con-sumo duráveis. De fato, diversos estudos do BNDESmostram que houve um importante incremento das im-

TABELA 1

Intenções de Investimento (1),segundo Setores da Indústria de Transformação

Brasil – 1996-1997

Setores 1996 1997

Em US$ milhões % Em US$ milhões %

Total 55.162 100,00 52.071 100,00

Bens Duráveis 19.280 34,95 14.452 27,75

Mecânica, Metalúrgica e Material de Transporte 15.539 28,17 12.234 23,49

Eletroeletrônica 3.741 6,78 2.218 4,26

Bens Intermediários 22.091 40,05 25.675 49,31

Petroquímica 8.980 16,28 11.186 21,48

Siderurgia 5.897 10,69 5.928 11,38

Papel e Celulose 4.067 7,37 4.770 9,16

Produtos Químicos, Fertilizantes e Farmacêuticos 3.147 5,71 3.791 7,28

Bens Semi e Não-Duráveis 11.003 19,95 8.196 15,74

Alimentos, Bebidas e Fumo 9.559 17,33 6.754 12,97

Têxtil e Confecções 654 1,19 921 1,77

Higiene e Limpeza 644 1,17 366 0,70

Calçados 146 0,26 155 0,30

Diversos 2.788 5,05 3.748 7,20

Fonte: Rodrigues (1998).(1) Anunciadas em 1996 e 1997 a serem realizadas no período 1997/2002.

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portações nesse segmento e um considerável estreitamentoda capacidade ociosa – o que aponta para o esgotamentoda capacidade produtiva nacional, particularmente no casoda indústria de produtos químicos (Andrade, Cunha eVieira, 1998; Montenegro e Monteiro Filha, 1997;Macedo, Valença, Leite e Mattos, 1998; Andrade, Cunha,Vieira e Keller, 1997).

A avaliação do padrão espacial das intenções de in-vestimento também é relevante. Neste caso, os dados dis-poníveis abrangem também investimentos em infra-estru-tura, comércio e serviços. Em 1997, o Município de SãoPaulo apresentava as maiores intenções de investimento,com amplo destaque para os setores de transportes e deserviços. Em outras palavras, apesar da importância deSão Paulo no investimento total, para a indústria de trans-formação a tendência geral parece ser de nítida descon-centração. As novas plantas da indústria automobilística,por exemplo, foram para o Paraná, Minas Gerais e Rio deJaneiro, como se verá adiante; a indústria química temnovos investimentos direcionados principalmente para aBahia, Rio de Janeiro e interior de São Paulo; a indústriasiderúrgica tem novas plantas e/ou investimentos progra-mados para Minas Gerais, Espírito Santo, Ceará e Para-ná; e a indústria de papel e celulose concentra seus maio-res investimentos na Bahia, Minas Gerais, interior de SãoPaulo e Paraná (Rodrigues, 1998).

Em síntese, verifica-se a ocorrência de um novo ciclode investimentos, restrito a certos segmentos da cadeiaprodutiva, desconcentrado espacialmente e voltado parasetores problemáticos do ponto de vista ambiental: a in-dústria automobilística e a de bens intermediários. A se-guir, detalharemos a informação apresentada anteriormen-te para este grupo específico de setores, tentando extrairdados mais específicos a respeito da localização dos no-vos empreendimentos, de seu porte e de possíveis impac-tos ambientais.

INDÚSTRIA AUTOMOBILÍSTICA

O segmento automobilístico – o mais importante dogrupo de bens duráveis – registrou notável crescimento,mais do que duplicando sua produção na década. Em 1991,foram produzidos 960 mil veículos e, em 1997, 2,1 mi-lhões. Em 1998, porém, recuou-se para 1,6 milhão de uni-dades, em decorrência do processo recessivo. No período1991-98, verificou-se também algum crescimento dasexportações e um forte incremento das importações, fe-nômeno praticamente inexistente no início da década.4

O salto observado na produção e nas vendas pode serexplicado por uma série de fatores convergentes, dentreos quais destacam-se: a política de câmaras setoriais pos-ta em prática a partir de 1992, que contribuiu para a redu-ção do preço final do produto e a valorização dos mode-los populares; o advento do Mercosul, que induziu aadoção de estratégias de ação regional por parte das mon-tadoras – centrada na especialização do Brasil em mode-los populares e da Argentina em modelos médios; o Pla-no Real, que gerou um aumento expressivo da demanda apartir de 1994, principalmente com o reestabelecimentode mecanismos de crédito ao consumidor; e, finalmente,o novo regime automotivo, que taxou fortemente a im-portação para as montadoras que não tinham fábricas ouque não exportavam a partir do Brasil, ao mesmo tempoque diminuiu impostos sobre a importação de componen-tes e reduziu o coeficiente de nacionalização dos veícu-los (Santos, 1998; Santos e Pinhão, 1997).

Como conseqüência, assistiu-se a novo ciclo de inves-timentos no setor, com a instalação de um número signi-ficativo de novas plantas e a atração de novas empresasinternacionais, até então ausentes do mercado brasileiro.Depois de 1996, já foram construídas 12 novas fábricas,totalizando um investimento de US$ 4,3 bilhões, e a ca-pacidade instalada foi ampliada em 490 mil novas unida-des por ano. Esta nova capacidade instalada correspondea um volume de produção potencial de, aproximadamen-te, 25% da produção registrada em 1997.5 Está tambémprevista, ou em execução, a construção de mais 11 plan-tas, num volume de investimentos total da ordem de US$4,7 bilhões. Parte deste investimento já está sendo con-cretizado, mas seria temerário afirmar que todos esses pro-jetos serão concluídos nos próximos anos (Tabela 2).

Um aspecto importante desse processo é o padrão es-pacial desconcentrado das novas plantas automobilísticas.Até recentemente, à exceção da Fiat em Betim (MG), quasetoda a produção brasileira estava localizada na RegiãoMetropolitana de São Paulo e no Vale do Paraíba (SP).Nessa nova fase, dos US$ 4,3 bilhões já investidos, ape-nas 3,5% destinaram-se à RMSP (correspondente à fábri-ca da Land Rover) e 16,6% ao Estado de São Paulo (LandRover, Honda, Toyota e Volkswagen-motores). Os Esta-dos com maiores investimentos foram o Paraná, com47,7% (Chrysler, Renault e Volkswagen/Audi) e MinasGerais, com 24,5% (Fiat e Mercedes-Benz). Caso os in-vestimentos previstos se concretizem, o Rio Grande doSul receberá investimentos importantes, ao lado do Para-ná, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Bahia.

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Esta aparente consolidação do processo de desconcen-tração industrial, ao menos no caso da indústria automo-bilística, será tanto mais verdade quanto mais as novasmontadoras atraírem fornecedores para suas imediações.Novos processos de gestão empresarial, tais como o just-in-time, requerem grande proximidade entre fornecedo-res e fabricantes, de modo a assegurar a minimização dosestoques e a agilização das entregas.6

Principais Aspectos Ambientais

Do ponto de vista ambiental, a forte expansão da indús-tria automobilística no Brasil tem uma série de conseqüên-cias, que podemos relacionar de forma especulativa:

- impactos derivados do aumento da produção. Em faceda expansão da capacidade instalada, a indústria automo-bilística deverá aumentar a produção a médio prazo, in-clusive através de exportações (que passaram a ser esti-muladas pela desvalorização cambial de 1999). Osegmento apresenta grandes efeitos multiplicadores “paratrás”, isto é, seu crescimento induz aumentos significati-vos da produção em outros segmentos, tais como autope-ças, siderurgia, borrachas, químicos, etc.7 Em outras pa-lavras, o aumento da produção resultará em impactosambientais em todos os elos da cadeia produtiva associa-da ao segmento;- impactos derivados da expansão da frota. O aumentoda produção deverá ter efeitos importantes sobre o au-

TABELA 2

Investimento (1) em Novas Fábricas AutomobilísticasBrasil – 1996

Investimento CapacidadeFase do projeto

Empresa Cidade e UF Produto (US$ milhões) (mil unidades)

em dezembro

de 1998

Investimentos Realizados até Dezembro de 1998 4.330 490,7 -Fiat Belo Horizonte MG Comerciais leves 240 45 Pronta

Honda Sumaré SP Automóveis 150 30 Pronta

Chrysler Campo Largo PR Comerciais leves 315 15 Pronta

Mercedes-Benz Juiz de Fora MG Automóveis 820 50 Testes

Renault São José dos Pinhais PR Automóveis 1000 120 Pronta

Toyota Indaiatuba SP Automóveis 150 30 Pronta

Volkswagen São Carlos SP Motores 270 - Pronta

Volkswagen Resende RJ Caminhões 250 - Pronta

Volkswagen-Audi São José dos Pinhais PR Automóveis 750 168 Pronta

Land Rover São Bernardo do Campo SP Comerciais leves 150 1,5 Pronta

Navistar Caxias do Sul RS Caminhões 200 1,2 Pronta

Mitsubishi Catalão GO Comerciais leves 35 30 Pronta

Investimentos Previstos ou em Realização 4.686 322 -Ford Camaçari BA ND 700 ND Terraplanagem

GM Mogi das Cruzes SP Componentes 150 - Acabamento

GM Gravataí RS Automóveis 600 150 Estruturas

Renault São José dos Pinhais PR Motores 500 - ND

Iveco – Fiat Sete Lagoas MG Comerciais leves 240 12 ND

Volvo Curitiba PR Motores e Cabines 90 - ND

Hyundai Simões Filho BA Comerciais leves 286 30 Parado

Kia Itu SP Caminhões 42 10 Parado

Peugeot-Citröen Porto Real RJ Automóveis 600 100 ND

Chrysler-BMW Campo Largo PR Motores 500 - ND

Fiat Betim MG Motores 500 - Terraplanagem

Fonte: Anuário Estatístico da Anfavea, 1998 (site: www.anfavea.com.br).(1) A partir de 1996.Nota: ND: não disponível.

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mento da frota. Mesmo diante da crise de 1999, é prová-vel que a indústria e seus trabalhadores pressionem o se-tor público para obter políticas específicas de estímulo àprodução automobilística, como é o caso da recente pro-posta de redução no IPI e ICMS. Como sabemos, mesmocom o desenvolvimento de modelos de automóveis me-nos agressivos ao meio ambiente, o aumento da frota ine-vitavelmente contribui para a poluição urbana, além degerar impactos secundários derivados das necessidadesde expansão dos eixos viários e da reciclagem dos auto-móveis. Esta possibilidade é tanto mais real em face dacrise no sistema de transporte público, que apresenta quedano número de passageiros;8

- impactos regionais. Os novos investimentos da indús-tria automobilística colocam no mapa industrial brasilei-ro regiões e localidades com menos tradição institucio-nal de controle dos impactos ambientais da indústria detransformação. Nesse sentido, o padrão desconcentradodos novos investimentos tenderia a gerar problemas ur-banísticos e ambientais importantes nestas novas áreas, oque tem ocorrido mesmo quando esse tipo de investimentoé capaz de gerar mais renda e emprego em nível local.9

Em síntese, já se delineou o novo ciclo de investimen-tos do setor automobilístico. Com isto, prevêem-se im-pactos significativos sobre o meio ambiente, seja devidoa seus efeitos multiplicadores (“para trás”, junto aos for-necedores, e “para frente”, junto aos consumidores), sejadevido ao seu novo padrão espacial, com clara tendênciaà desconcentração. A intensidade e a profundidade des-tes impactos dependerão evidentemente de uma série deelementos impossíveis de serem previstos no momento,tais como o próprio ritmo de crescimento econômico fu-turo, as decisões mais gerais de política industrial, a polí-tica de controle ambiental nacional e local, o fortaleci-mento da sociedade civil em nível local, etc. De qualquermodo, as bases físicas para o crescimento da produção deautomóveis estão lançadas e esse crescimento (assim comoseu impacto) deverá se concretizar na próxima década.

INDÚSTRIA SIDERÚRGICA

A indústria siderúrgica brasileira é a oitava produ-tora mundial de aço, tendo mantido, entre 1996 e 1998,uma produção total em torno de 25 milhões de tonela-das, ou aproximadamente 3,2% da produção mundial.10

O crescimento ocorrido na produção foi de apenas 25%,entre 1990 e 1997, valor relativamente pequeno em facedo crescimento de outros segmentos industriais, como

o de produtos duráveis, por exemplo. No mesmo pe-ríodo, a produção mundial caiu em termos absolutos, oque confirma o quadro de superoferta siderúrgica emnível mundial.11

De certa forma, o baixo crescimento da produção bra-sileira pode ser explicado pelo fato de o consumo apa-rente de aço ter oscilado entre 50% e 60% da produçãonacional na última década, gerando um excedente a seroferecido a um mercado internacional superabastecido.Ao mesmo tempo, as transformações ocorridas nos últi-mos anos, como a privatização do setor e a emergênciade novos e complexos arranjos societários, fez com que oaumento físico da produção não tenha constituído umaprioridade da indústria na década de 90.

Isto não significa um baixo nível de investimentos. Oinvestimento anual triplicou, entre 1990 e 1996, e o pla-no de modernização da siderurgia prevê o investimentosde US$ 6,0 bilhões entre 1996 e 2000 (Andrade et alii,1997). Quase todo recurso é destinado ao aumento da pro-dutividade (que dobrou entre 90 e 96) e ao enobrecimentoda linha de produtos.12 Ainda assim, observa-se a presençade produtos de baixo valor agregado. A produção de semi-acabados, por exemplo, corresponde a 25% do total na-cional, grande parte dela destinada à exportação. Em 1997,a exportação destes produtos atingiu 5,2 milhões de to-neladas (82% da produção total), principalmente nas plan-tas da CST e Açominas (BNDES, 1998:1). Os semi-aca-bados respondem por quase 50% da exportação brasileirade siderúrgicos e foi o único segmento da siderurgia queapresentou crescimento expressivo das exportações nadécada (6,6% ao ano) (BNDES, 1998b). No sentido con-trário, quase toda importação de siderúrgicos é compostapor aços nobres, cujo preço médio é até quatro vezes maiordo que o do produto tipicamente exportado (Andrade etalii, 1997).

Novos Aspectos Institucionais e Ambientais

Na década de 90, nenhuma planta siderúrgica de gran-de porte foi inaugurada no Brasil, o que é bastante rele-vante do ponto de vista ambiental. Além do quadro deelevada oferta siderúrgica mundial, o não surgimento denovas plantas pode ser explicado pelo complexo quadrosocietário que emergiu da privatização. Os principais gru-pos econômicos envolvidos são o Usiminas/Cosipa; CSN/Vale do Rio Doce; Acesita/CST; Gerdau/Açominas; eBelgo Mineira/Mendes Júnior. É forte ainda a participa-ção em quase todas as empresas dos fundos de pensão das

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estatais e ex-estatais, bem como a presença ubíqua da Valedo Rio Doce, que faz parte da composição societária daCSN, Usiminas, CST e Açominas, enquanto é controladapela CSN e fundos de pensão (Andrade et alii, 1997; Tor-res et alii, 1997).

O Grupo Usiminas, o maior nacional, conhecido porsua elevada produtividade, debate-se com a aquisição daCosipa. A empresa de Cubatão vem enfrentando elevadograu de endividamento, baixo desempenho produtivo epesado passivo ambiental. As principais unidades dessegrupo são usinas integradas a coque, processo que se ca-racteriza pela elevada emissão de poluentes, o que é ape-nas parcialmente mitigado pelo importante investimentoambiental que o grupo tem realizado (Torres et alii,1997).13

O Grupo CSN vem se afirmando por uma ousada es-tratégia de endividamento externo, que culminou com aaquisição de importante participação na Cia. Vale do RioDoce. Tal estratégia foi colocada em cheque pela desva-lorização da moeda, sugerindo a possibilidade de novosarranjos societários. Neste período, o grupo anunciou aconstrução de três novas plantas semi-integradas (mini-steel) no Ceará (CSC), Paraná (Cisa) e Rio de Janeiro(GalvaSud), totalizando um investimento de US$ 1,3 bi-lhão, a ser desembolsado entre 1998 e 2001.14 Provavel-mente, parte deste investimento será revista diante do novoquadro econômico-financeiro da empresa. Os investimen-tos em usinas semi-integradas (sem coqueria) sugere umaopção por projetos de menor repercussão ambiental. Alémdisso, a CSN tem um projeto de investimentos ambien-tais de R$ 170 milhões, entre 1999 e 2001, para a plantade Volta Redonda, envolvendo a ampliação da estação detratamento biológico de efluentes, bem como a implanta-ção de sistemas de despoeiramento para o alto forno ebaterias de coque.15

A participação dos fundos de pensão na Acesita foi re-centemente adquirida pela francesa Usinor, que tambémpassou a controlar indiretamente a CST. Esta mudançaresolveu o quadro de forte endividamento do grupo e abriuum cenário de expansão da produção. Recentemente, aCST confirmou a construção de um laminador de tiras aquente em sua planta em Tubarão (ES), entrando no mer-cado de produtos acabados no Brasil. A se confirmar, esteé o maior investimento siderúrgico previsto para o futuropróximo (US$ 1,2 bilhão), o que permitirá uma expansãosignificativa da capacidade instalada brasileira nos pró-ximos anos (Andrade et alii, 1997). Historicamente, aAcesita não é reconhecida como uma empresa preocupa-

da com o meio ambiente, apresentando parâmetros de po-luição piores do que outras siderúrgicas do Vale do Aço (Tor-res et alii, 1997). É provável que a entrada de investidoresinternacionais e a orientação exportadora da CST estimu-lem um maior comprometimento ambiental deste grupo.

O mercado de aços não planos é monopolizado pelosgrupos Belgo Mineira e Gerdau, e vem apresentando cres-cimento modesto nos últimos anos. O primeiro grupo aindaestá por consolidar sua participação na Siderúrgica Men-des Júnior, de Juiz de Fora, enquanto o segundo persegueuma estratégia de expansão internacional, com plantas naArgentina, Chile e Canadá, além de deter importante par-ticipação na Açominas.16 Recentemente, a Gerdau anun-ciou a aquisição de uma siderúrgica nos Estados Unidos.As plantas desses grupos – por não usarem coqueria –apresentam menores níveis de poluição. No entanto, tan-to a Belgo quanto a Gerdau continuam a operar plantasantigas, como as de Sabará (Belgo) e Barão de Cocais(Gerdau), em Minas Gerais. Isto implica impactos ambien-tais importantes e lança dúvidas sobre seu compromissoambiental (Torres et alii, 1997).

Por uma questão de custos (e devido a pressões am-bientais), o carvão vegetal é cada vez menos utilizado nasiderurgia de grande porte (Torres et alii, 1997), mas éamplamente empregado na produção de ferro gusa. Aprodução chegou a 24 milhões de toneladas, em 1996,pulverizada em empresas de médio e pequeno portes dis-tribuídas por distintas áreas do interior do país (inclusiveno sul do Pará), o que dificulta sobremaneira o controlesobre o consumo de carvão vegetal de origem nativa. Nãoexistem indicações de qualquer expansão na produção degusa nos últimos dez anos (Andrade et alii, 1997).

Em síntese, a indústria siderúrgica brasileira não deveser pensada nos anos 90 pelo lado do aumento da produ-ção, mas principalmente por sua intensa transformaçãono plano microeconômico. Observa-se um novo arranjosocietário (ainda não concluído), redução do nível deemprego, aumento da produtividade e uma preocupaçãomoderada com a questão ambiental, principalmente entreos grupos exportadores. No entanto, as características tec-nológicas do segmento não permitem um avanço radicalneste campo. Para o futuro, o enobrecimento da linha deprodutos parece ser a mais promissora estratégia de cres-cimento, tanto do ponto de vista financeiro como da bus-ca de maior sustentabilidade, por assegurar um maiorvolume de vendas para uma mesma quantidade de maté-rias-primas. Esta estratégia dependerá do avanço da ca-pacitação tecnológica das empresas, fenômeno heterogê-

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neo na siderurgia nacional (Ferraz; Kupfer e Haguenauer,1997).

INDÚSTRIA DE PRODUTOS QUÍMICOS

Ao contrário dos outros ramos da indústria de bensintermediários, a indústria de produtos químicos vem re-gistrando saldos comerciais negativos ao longo da déca-da de 90. Em 1996, por exemplo, foi de US$ 5,97 bi-lhões, pressionado especialmente pelas áreas deprodutos químicos orgânicos (saldo negativo de US$2,17 bilhões), plástico e suas obras (US$ 0,96 bilhão),adubos e fertilizantes (US$ 0,80 bilhão) e produtos far-macêuticos (US$ 0,7 bilhão) (Montenegro e MonteiroFilha, 1997). Este processo inverteu a tendência dosanos 80, quando a indústria de produtos químicos lo-grou obter saldos positivos, embora mais modestos doque da siderurgia e da celulose.

Estes elementos refletem, em parte, um quadro de bai-xa competitividade da indústria de produtos químicos noBrasil. De fato, a indústria química tem sido consideradapouco competitiva por uma série de razões: o pequenoporte relativo das empresas que emergiram do processode privatização; a baixa integração vertical dos proces-sos produtivos dentro dos pólos petroquímicos (Bahia, SãoPaulo e Rio Grande do Sul), levando a perdas fiscais edeseconomias de escala; a baixa capacitação tecnológicae de inovação das empresas do setor; e a superoferta mun-dial de produtos petroquímicos derivada de investimen-tos realizados nos países produtores de petróleo (Ferraz;Kupfer e Haguenauer, 1997).17

O famoso modelo tripartite (capitais estatal, privadonacional e multinacional), que deu origem à expansãopetroquímica brasileira nos anos 70, acabou redundandonum quadro societário complexo e instável pós-privati-zação. Por exemplo, a Odebrecht Petroquímica, atravésde suas subsidiárias OPP e OPE, controla parcialmente aCopesul (central de matérias-primas do pólo de Triunfo,RS) em conjunto com o grupo Ipiranga (através de suascontroladas Empetro e IPG), Petroquisa (nas mãos daPetrobrás) e Conepar (pertencente ao Grupo Econômico,em liquidação).18 O controle da central de matérias-pri-mas é fundamental para que as empresas a jusante no pro-cesso produtivo possam ser eficientes.

É evidente a rede cruzada de propriedades, no contex-to de um tipo de processo produtivo contínuo e integradofísica e territorialmente, que resultam em ineficiências ge-renciais, fiscais e técnicas que seriam evitadas caso exis-

tisse maior integração vertical. A liquidação do GrupoEconômico acrescentou dificuldades ao processo, uma vezque a Norquisa (sua controlada) possuía uma participa-ção importante na central de matérias-primas do pólo deCamaçari, BA (Copene). Assiste-se, desde então, a umadisputa (a ser mediada pelo governo federal, uma vez queo Banco Central assumiu os ativos remanescentes do grupoEconômico) entre os grupos Odebrecht e Dow Químicapelo controle da Norquisa.19

A este complexo quadro societário, podem-se acres-centar outros importantes atores nacionais e internacio-nais envolvidos no processo.20 Por um lado, o BNDESparece ter tentado viabilizar, ainda sem sucesso, repeti-dos esforços de consolidação do quadro societário, prin-cipalmente através da concessão de crédito e de sua par-ticipação no processo de venda da Norquisa. É difícilcompreender o papel da Petrobrás, uma vez que – mesmoapós a privatização do setor – a empresa ainda manteve ocontrole de uma empresa importante (a Petroquisa) e, re-centemente, apresentou novos projetos, em conjunto como Grupo Odebrecht, para a produção de polipropileno emPaulínia, no Estado de São Paulo (Rodrigues, 1998).

De certa forma, o apoio do BNDES ao setor parecefundamentar-se, até o momento, menos na lógica de po-lítica industrial propriamente dita e mais na preocupaçãocom o forte saldo negativo da balança comercial do setor(Suzigan e Villela, 1997). A verdade é que os dados so-bre o déficit comercial do setor realmente sugerem umquadro de esgotamento da capacidade produtiva nacio-nal, principalmente nas áreas de resina PET, poliestireno,policarbonato, fibras artificiais, náilon e fertilizantes, nasquais o consumo aparente tem sido consistentemente maiordo que a produção nacional nos últimos cinco anos(Montenegro e Monteiro Filha, 1997).

De qualquer modo, vale a pena insistir no argumentode que, sem uma consolidação do quadro societário, é im-provável que a situação de déficit estrutural do setor ve-nha a ser contornada. O déficit comercial diminuirá nocurto prazo devido à recessão de 1999, mas, na eventua-lidade do retorno do crescimento, voltará a elevar-se.Existem intenções de investimento importantes, tais comoo projeto do Grupo Odebrecht, em Paulínia, e o pólo gás-químico do Rio de Janeiro (sob a liderança dos gruposSuzano, Marini e Unipar). Estas propostas estão em ques-tão, em face desta instabilidade societária e do novo qua-dro econômico do país após a crise cambial de 1999. OGrupo Marini, por exemplo, vem anunciando repetida-mente a intenção de vender sua participação acionária na

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Petroquímica, para se concentrar na atividade bancária.21

O Grupo Odebrecht tem uma grande dívida em dólares,que teve um acréscimo substancial com a desvalorizaçãocambial.22 Neste contexto, a Dow Química, que se fun-diu ao Grupo Union Carbide, poderá crescer no Brasil aooptar por uma estratégia expansão através de aquisições,em vez de optar por novas plantas.23

Principais Aspectos Ambientais

A instabilidade do regime societário, causada pelo pro-cesso de privatização do segmento de produtos químicos– numa modelagem que parece ter dado pouca atenção àsconseqüências de longo prazo da privatização do setor –gerou um quadro de semiparalisia que, em nossa opinião,só deverá ser superado na eventualidade da ocorrência deduas hipóteses alternativas: o aprofundamento da inter-nacionalização do segmento, com a entrada de atores in-ternacionais de grande porte nas centrais de matérias-pri-mas e outros pontos nodais do processo produtivo; e umaação articulada entre BNDES e Petrobrás, no sentido deauxiliar a consolidação dos grupos nacionais em um con-junto menor e mais orgânico de empresas.

A reestruturação societária pela qual provavelmen-te passará este segmento poderá ter conseqüências sig-nificativas do ponto de vista ambiental. Em tese, em-presas de grande porte – com maior capacidadefinanceira e um grau mais elevado de exposição aomercado internacional – têm se mostrado mais sensí-veis à questão ambiental e melhor preparadas para li-dar com as pressões comunitárias e institucionais. Umnúmero menor de atores permitirá uma interlocuçãomais fluida e um quadro mais bem definido para a ne-gociação de conflitos. Evidentemente, esta possibili-dade depende do fortalecimento da capacidade institu-cional e comunitária em nível local.

A indústria de produtos químicos no Brasil produzgrandes externalidades, tendo um longo histórico de aci-dentes industriais, de desrespeito à saúde do trabalhadore às comunidades onde estão implantadas e de falta depreocupação com o meio ambiente e a qualidade de vida.Por exemplo, entre 1983 e 1993, foi noticiada na impren-sa de Salvador a ocorrência de 193 acidentes industriaisrelacionados ao Pólo de Camaçari (mais de um acidentepor mês), sendo que 114 ocorrências envolviam explo-sões, incêndios, vazamentos e/ou tombamentos de cargas(Franco e Afonso, 1997:191). Na prática, os custos des-tes acidentes são cobertos pelo setor público ou sociali-

zados silenciosamente por milhares de famílias que resi-dem em áreas como Camaçari e Cubatão.

Em síntese, as tentativas de retomada dos investimen-tos (fruto do elevado consumo interno e do déficit comer-cial) podem ser frustradas devido às indefinições no qua-dro societário, geradas pelo processo de privatização. Doponto de vista ambiental, expansões horizontais da indús-tria – implicando simplesmente a maior produção de pe-troquímicos básicos (eteno, propeno, butadieno, benzenoe p-xileno) – são obviamente problemáticas. Expansõesverticais na geração de petroquímicos intermediários efinais, mesmo que lesivas ao meio ambiente, poderiam,em tese, justificar-se por levar ao aumento do valor agre-gado total, resultando em maior eficiência no uso de ma-térias-primas em importante redução do volume de im-portações, concentradas, sobretudo, nestes ramos de maiorvalor agregado (Montenegro e Monteiro Filha, 1997). Dequalquer modo, se fosse este o caso, tais investimentosdeveriam ser acompanhados de um intenso monitoramentopor parte do setor público, o que nem sempre ocorre.

INDÚSTRIA DE PAPEL E CELULOSE

A balança comercial do setor de celulose brasileiro vemapresentando superávit desde de 1979, tendo gerado umsaldo positivo de US$ 900 milhões em 1997. Neste ano,foram produzidas 6,3 milhões de toneladas de celulose,das quais aproximadamente um terço (2,3 milhões) foiexportado (Macedo et alii, 1998). A produção total decelulose apresentou um acréscimo de 5,7% em 1998, quan-do atingiu o volume de 6,7 milhões de toneladas.24

A produção nacional de papel, ao contrário da de ce-lulose, manteve-se estagnada entre 1997 e 1998. Trata-sede um segmento em que o saldo comercial é menos signi-ficativo, tendo sido praticamente nulo no ano de 1996.Mesmo quando ocorreram exportações, estas se concen-traram em produtos menos nobres, tais como o kraftliner(papel para embalagens de papelão ondulado) e o papelpara imprimir não revestido (Macedo et alii, 1998). Emoutras palavras, no caso do segmento de papel e celulose,repete-se o quadro geral verificado para bens intermediá-rios: o país é exportador no segmento menos nobre, en-quanto continua importador nos de maior valor agrega-do.

A produção brasileira de celulose é fortemente con-centrada no ramo de celulose de fibra curta branqueada,com 70,5% da produção total em 1998. Trata-se basica-mente de um produto oriundo do eucalipto, no qual o

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A INDÚSTRIA INTENSIVA EM RECURSOS NATURAIS: NOVAS DINÂMICAS ...

Brasil é considerado altamente competitivo devido aobaixo tempo de crescimento desta planta devido ao ele-vado nível de insolação (Macedo et alii, 1998).

Aspectos Institucionais e Ambientais

O processo de branqueamento da celulose por meio decloro é poluente e provoca um forte odor, responsável pelaimpopularidade das plantas de celulose em áreas urba-nas.25 No período recente, empresas brasileiras têm ado-tado outros processos de branqueamento (como no casodas expansões da Cenibra e Riocell), caracterizando im-portante investimento ambiental em suas plantas indus-triais (Paula, 1997).

De modo geral, as empresas do setor são – por sua ori-entação exportadora – relativamente sensíveis à questãoambiental, embora o impacto das plantas de celulose nãoseja o elemento mais significativo. De fato, o seu maiorimpacto está relacionado aos grandes maciços florestais,que necessariamente acompanham esses projetos. Emgeral, a implantação destes maciços é acompanhada deconcentração fundiária e forte redução da biodiversidade,mesmo quando estes empreendimentos se localizam emlocais previamente desmatados (Paula, 1997). A princi-pal área de produção de celulose no Brasil está localiza-da numa região de Mata Atlântica, ao longo da margemesquerda do rio Doce, mais especificamente no triânguloformado pelo Vale do Aço, no leste de Minas Gerais(Cenibra), norte do Espírito Santo (Aracruz) e sul da Bahia(Bahia Sul). Estas três empresas foram responsáveis por83% das exportações brasileiras de celulose em 1996, numtotal de 1,9 milhão de toneladas (Macedo et alii, 1998).26

Assim como no caso da siderurgia, a presença da Cia.Vale do Rio Doce é significativa, sendo sócia dos proje-tos da Cenibra e Bahia Sul. Mais recentemente, a Vale doRio Doce lançou o projeto Celmar (MA), com a intençãode reproduzir as condições que viabilizaram a Cenibra:grande oferta de terras baratas, elevada insolação e logís-tica adequada (estrada de ferro-porto), viabilizada pelosinvestimentos prévios do projeto Carajás. A continuida-de da Celmar dependerá, no entanto, do direcionamentoestratégico da Vale do Rio Doce no contexto de sua re-cente privatização e da crise cambial de 1999.

O ramo de papel apresenta um perfil de localizaçãoespacial diferente do de celulose, com as principais em-presas localizadas no Centro-Sul do país, destacando-seos Estados de São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul. Osprincipais grupos são o Votorantim (ex-Simão), Suzano,

Champion, Klabim, Igaras, Ripasa e Impacel (Macedo etalii, 1998). Assim como no caso da celulose, as empre-sas do ramo de papel são predominantemente nacio-nais. Muitas delas operam com tecnologia de fibraslongas, derivadas de florestas de Pinus, mais compatí-veis com o clima temperado do Sul do País. Ao contrá-rio da celulose, são empresas bastante dependentes domercado interno.

Estudos do BNDES sugerem a necessidade de uma sig-nificativa expansão da produção de celulose e papel casoo país pretenda continuar a ser exportador no segmentonos próximos anos (Macedo et alii, 1998). É evidente,porém, que este investimento seria mais sustentável doponto de vista ambiental se perseguisse uma estratégia deenobrecimento da linha de produtos e não de aumento daprodução bruta de celulose, como sugere a perspectivado projeto Celmar. Este projeto localiza-se na amazôniamaranhense, região polêmica para a implementação deuma floresta homogênea de grande porte.

Em síntese, a área de papel e celulose pode ser consi-derada como típica do setor de bens intermediários noBrasil: empresas de grande porte, fortemente exportado-ras, baixa sofisticação da linha de produtos e elevadosimpactos ambientais. De fato – mesmo considerando aocorrência de investimentos ambientais significativos– o impacto ambiental deve ser visto como relativamen-te inerente ao segmento, dado o elevado conteúdo derecursos naturais e as extensas áreas necessárias à suaimplantação.

CONCLUSÕES

Buscamos mostrar, ao longo do artigo, que as caracte-rísticas históricas do processo industrial condicionamsobremaneira a dinâmica ambiental da indústria. De fato,é evidente que certos processos industriais são mais po-luentes que outros. Neste sentido, a herança do II PNDainda condiciona a intensidade dos impactos ambientaisda indústria no Brasil, por ter fomentado de forma maci-ça a indústria de bens intermediários, poluente, intensivaem recursos naturais e energia. Por outro lado, o acentua-do crescimento recente da indústria automobilística anun-cia um cenário de agravamento dos impactos produzidospor este segmento. Em face destas heranças, os caminhospara a sustentabilidade não deixam de ser tortuosos paraa indústria brasileira. Vale destacar alguns elementos:- os dados disponíveis indicam que está se delineando umnovo ciclo de investimentos, capitaneado pela indústria

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automobilística, que já implantou 12 novas fábricas noperíodo recente. Esta dinâmica acarretará impactos im-portantes nos outros elos da cadeia produtiva, inclusivena indústria de bens intermediários;- a abertura comercial impôs uma lógica de competiçãointernacional à indústria de bens intermediários, o que in-duziu uma importante modernização, o aumento da pro-dutividade e a redução do nível de emprego. Até agora, amaior parte do investimento foi canalizada para a moder-nização produtiva, e não para a instalação de novos equi-pamentos industriais;- é plausível esperar um crescimento importante da de-manda futura por automóveis e bens intermediários, prin-cipalmente porque o consumo per capita desses itens noBrasil é bastante modesto em termos internacionais(Ferraz; Kupfer e Haguenauer, 1997);- a indústria de bens intermediários continua a apresentarum padrão bastante desconcentrado de localização indus-trial, estando presente em áreas pouco industrializadas,menos urbanizadas e com menor tradição institucional ecomunitária de oposição a seus impactos ambientais. Aindústria automobilística, no período recente, passa a apre-sentar um padrão locacional mais desconcentrado;- houve um completo rearranjo do perfil societário nosegmento de bens intermediários no Brasil. As empresasestatais saíram de cena dando lugar a grupos predomi-nantemente nacionais, num quadro não totalmente defi-nido. Entre os principais atores cabe destacar a Cia. Valedo Rio Doce e os grupos Votorantim, Odebrecht, Ipiran-ga, Suzano e Gerdau, bem como diversos fundos de pen-são e bancos nacionais,27 com participações cruzadas emquase todas as empresas do segmento;- o BNDES passou recentemente a financiar indústriasmultinacionais investindo no Brasil e empresas do setorde comércio e serviços, ampliando significativamente oseu espectro de atuação. O banco vem anunciando o inte-resse em estimular fusões de empresas nacionais, princi-palmente no setor de bens intermediários.28 Este últimoelemento permitiria que a agência, em tese, pudesse de-sempenhar também um papel mais agressivo na vincula-ção entre concessão de crédito e práticas ambientais ade-quadas, numa lógica de atuação por cadeias produtivas;- as lógicas de expansão corporativa, a disponibilidadede financiamento e o investimento em capacitação tecno-lógica vão, em grande medida, condicionar o impactoambiental potencial desses segmentos no futuro. Se as

empresas se orientarem por um crescimento horizontal,via aumento da capacidade produtiva de produtos bási-cos, isto acarretará impactos ambientais muito mais subs-tanciais do que aqueles gerados por um aumento do valorda produção derivado do enobrecimento da linha de pro-dutos;- as empresas passaram a dar mais atenção à questão am-biental, mesmo que nem sempre isto se traduzisse em pro-cedimentos completos de controle. A principal razão paratanto decorre do elevado grau de exposição internacionaldas empresas envolvidas, o que envolve o risco de perdade mercado no caso de adoção de práticas ambientais con-sideradas inadequadas nos países importadores. Mesmoassim, muitos desses procedimentos de controle são par-ciais (Franco, 1997), ou se preocupam apenas com inter-venções no final do processo produtivo (do tipo end ofthe pipe), sem atuar nas várias etapas da produção ou nocontexto do ciclo do produto (Paula, 1997);- as economias de escala e a logística têm um papel es-sencial na rentabilidade dos segmentos de bens interme-diários e automobilístico, o que implica a operação degrandes equipamentos integrados a partir de redes (mui-tas vezes próprias) de transporte ferroviário e marítimo.Neste sentido, o conceito de impactos ambientais ampli-ados, referido também aos sistemas de transporte e arma-zenamento de matérias-primas e produtos finais, ganhaparticular relevância para o gerenciamento ambiental destesegmento.

Dentre as estratégias de crescimento empresarial, oenobrecimento da linha de produtos – por permitir o au-mento do valor da produção sem um aumento proporcio-nal do conteúdo material do produto – parece ser a maisadequada do ponto de vista ambiental, possibilitando tam-bém melhores condições de competitividade. De fato,mostramos que uma das principais características da in-dústria de bens intermediários no Brasil é a baixa sofisti-cação de sua linha de produtos. As empresas brasileirasdo segmento têm tido mais facilidade em exportar aluminado que alumínio; celulose do que papel; produtos semi-acabados do que aços planos e especiais, etc.29 Muitasvezes, mesmo exportando os produtos primários, a indús-tria brasileira é obrigada a importar os bens intermediá-rios mais sofisticados. Em outras palavras, as empresasbrasileiras têm se dedicado mais àqueles segmentos demenor capacitação tecnológica e menor valor agregado.

Quanto maior o volume de tecnologia incorporado aum dado produto, maior é o conteúdo “informacional”

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como porcentagem do valor total do produto, e menor éseu conteúdo material (matérias-primas, energia, etc.). Emoutras palavras, ao se especializar em commodities indus-triais de baixo conteúdo tecnológico, o país está expor-tando proporcionalmente mais matérias-primas do queconhecimento, ao contrário de outros países que – ope-rando no mesmo setor – investem em produtos mais no-bres e diferenciados.

Não por acaso, o enobrecimento das linhas de produtoé considerado uma proposta crucial para o aumento dacompetitividade da indústria de bens intermediários bra-sileira (Ferraz; Kupfer e Haguenauer, 1997). Evidente-mente, esta proposta pode também ser considerada, demodo geral, como consistente com o objetivo de aumen-tar o grau de sustentabilidade desta indústria, uma vez quetende a implicar aumentos no valor total produzido e ex-portado, sem necessariamente elevar o consumo de ma-térias-primas.30 No entanto, nem sempre as condiçõesde possibilidade desta estratégia estão dadas. Isto de-pende da capacidade financeira, tecnológica e organi-zacional das empresas, bem como do conjunto de estí-mulos eventuais que as políticas creditícia, cambial efiscal possam induzir.

Isto implica também preocupações com diversas dimen-sões do processo produtivo, tais como a logística, a esca-la, a capacitação tecnológica, a qualificação da mão-de-obra, o sistema de crédito, o sistema tributário e o meioambiente, gerando intervenções que têm o potencial deinduzir ganhos competitivos ao longo de toda a cadeiaprodutiva em um dado segmento industrial, e desencadean-do processos sustentáveis economicamente e do ponto devista ambiental no longo prazo (Ferraz; Kupfer eHaguenauer, 1997). Neste sentido, lógicas de maximiza-ção de lucros de longo prazo tendem a ser mais capazesde incorporar características de sustentabilidade do quelógicas de curto prazo. Em tese, as lógicas de longo pra-zo podem ser induzidas pelo Estado, seja pela alteraçãodas condições gerais da economia, seja pela interferênciano sistema de financiamento à produção, etc. Estratégiasde crescimento mais sustentáveis poderiam ser desenvol-vidas pelas agências públicas (como o BNDES e Minis-tério do Desenvolvimento), que controlam instrumentosde crédito bem como formulam políticas tarifárias e decomércio exterior, e continuam sendo acionistas (diretaou indiretamente) de empresas do segmento. Além disso,sem um quadro legal e institucional estabelecido e sempressões sociais intensas, apenas algumas indústrias vãose mobilizar no sentido da adoção de padrões ambientais

mais adequados. Assim, o avanço democrático, que trazconsigo o fortalecimento de instituições independentes demonitoramento e repressão a práticas ambientais inade-quadas, bem como o maior grau de organização comuni-tária e sindical contrárias a situações de degradação am-biental, é também essencial para que as indústriasbrasileiras possam avançar no sentido de uma maior sus-tentabilidade.

De fato, o enobrecimento da linha de produtos não é –por si só – garantia de menor impacto ambiental. Esteprocesso deve ser acompanhado por intenso monitoramen-to por parte dos órgãos de gestão ambiental e também dasociedade local. Em tese, há chances de que esta pressãotenha algum significado, visto que as empresas deste seg-mento são de grande porte, têm capacidade financeiracompatível com significativos investimentos ambientaise dificilmente vão mudar de lugar em função da pressãosocial, devido ao alto custo do deslocamento de suas ins-talações industriais (Torres et alii, 1997).

No presente momento, quando a própria importânciade uma política industrial é objeto de controvérsia, con-sideramos improvável que intelectuais e organizaçõesambientalistas possam viabilizar proposições de “políti-ca industrial ambientalizada”. Se, e quando, uma novapolítica industrial vier a ser implementada, o movimentoambiental poderá propor não apenas a vinculação do cré-dito oficial a instrumentos efetivos de proteção ambien-tal, mas discutir a lógica de estímulo a determinados se-tores produtivos, que podem induzir impactos ambientaise externalidades tão significativos como aqueles geradospela indústria química.

Neste caso, restaria buscar o reforço da capacidade defiscalização ambiental em nível local, bem como o fortale-cimento e conscientização dos movimentos sindicais e co-munitários das áreas afetadas pela degradação. Nem sempreestas tentativas são bem-sucedidas. A rigor, a história daslutas sindicais, comunitárias e ambientais de cada local con-dicionam em grande medida a eficácia deste tipo de estraté-gia (Braga e Monte-Mór, 1996; Borges e Franco, 1997).Trata-se, porém, da única forma de que dispõe o movimen-to ambiental, no momento, de promover transformaçõesadicionais nas práticas ambientais das grandes indústrias.

NOTAS

E-mail do autor: [email protected]. A indústria de bens intermediários engloba siderurgia, química, papel e celu-lose e minerais não-metálicos. Este segmento é considerado parte do grupo de

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commodities industriais. São bens padronizados, de baixo valor unitário e oriun-dos de processos contínuos de produção. Uma de suas principais característicastem a ver com o fato de que seus produtos são negociados em bolsas internacio-nais de mercadorias (ou cotados em revistas especializadas) e os preços sofremgrandes oscilações determinadas pelos níveis de demanda (Ferraz; Kupfer eHaguenauer, 1997).2. Não discutimos aqui o caso da mineração, nem o da indústria de alumínio.Também não incluímos também o setor petroquímico na análise da indústriaquímica, devido à dificuldade de isolá-lo da produção de petróleo (indústria ex-trativa). Para a indústria de alumínio, ver Andrade, Cunha e Vieira (1998).

3. Os dados relativos à evolução da produção em termos de valor apresentam umquadro subestimado do aumento da produção em termos físicos, que constitui aunidade relevante do ponto de vista do estudo do impacto ambiental da indús-tria.4. Ver Anfavea, 1998 (www.anfavea.com.br).

5. Esses dados referem-se apenas aos investimentos efetuados em novas plantas.Os investimentos ocorridos ou previstos para as plantas já existentes não foramcomputados para fins desta análise. Isto permite supor que o investimento glo-bal da indústria automobilística no Brasil é mais significativo do que o represen-tado na Tabela 2.

6. A Fiat, por exemplo, instituiu uma política de “mineirização” de seus forne-cedores.

7. É provável que o efeito multiplicador seja menor que no passado, dado o au-mento da proporção de componentes importados ocorrida com o advento do re-gime automotivo. Porém, o efeito continua existindo. Não por acaso, o anúncioda construção de plantas automobilísticas no Rio Grande do Sul e Paraná foiacompanhado do anúncio de investimentos importantes no setor de autopeças emesmo siderúrgico.

8. O número de passageiros transportados pelo sistema de ônibus em São Paulocaiu de 6,5 milhões de passageiros por dia, em 1991, para 4,5 milhões, em 1998(Gazeta Mercantil, 30/01/99 – Caderno Grande São Paulo, p.6).

9. Indústrias de grande porte, instaladas em áreas pouco urbanizadas, produzemintensos e rápidos processos de urbanização, mesmo quando o número de em-pregos gerados é modesto. Ver Costa (1996), para o Vale do Aço.10. Ver os dados do Instituto Brasileiro de Siderurgia IBS (site: www.ibs.org.br).

11. A produção mundial de aço, que era de aproximadamente 786 milhões detoneladas, em 1989, caiu para 750 milhões, em 1996. A maior queda ocorreunos países da antiga União Soviética (Andrade, 1997).

12. O número total de empregados passou de 167 mil, em 1989, para 77 mil, em1996 (Andrade et alii, 1997).13. O principal investimento em proteção ambiental da siderurgia brasileira, emtermos de valor, está ocorrendo na Cosipa. Isto é fruto, em parte, da consistentepressão do Ministério Público paulista. O investimento da Cosipa em moderni-zação e meio ambiente, para o período 1996-2000, atinge o montante de US$700 milhões (Andrade et alii, 1997).14. O projeto do Paraná conta com 49% de participação da Imsa Aceros, do Mé-xico, e o projeto de Porto Real, com 49% da Thyssen Krupp, da Alemanha. VerGazeta Mercantil Latino-Americana, 18.01.99, p.10.

15. Gazeta Mercantil, 02.06.1999, p.A-8.

16. O Estado de São Paulo, 22.01.1999, p.B-10; Gazeta Mercantil, 07.07.99, p. C-2.

17. Ver, também, Gazeta Mercantil, 10.02.99, p. A1, C1 e C2.18. Gazeta Mercantil, 10.02.99, p. A1, C1 e C2.

19. Gazeta Mercantil, 10.02.99, p. A1, C1 e C2.

20. Entre grupos nacionais, cabe mencionar Marini, Ultra, Suzano, Unipar eItausa. Entre os internacionais, Rhodia, Basf, Bayer e Shell. Os fundos de pen-são detêm importante participação no setor.

21. Existem evidências de que o Grupo Suzano é o principal candidato à compradas participações na área química do Grupo Marini. Ver Gazeta Mercantil,10.02.99, p. C2 e Estado de São Paulo, 04.06.99, B-2.

22. Esta dívida atingiria o montante de US$ 1,3 bilhão, no exercício de 1998.Gazeta Mercantil, 10.02.99, p. A1.

23. Com esta fusão, o Grupo Dow passa a ter participação importante no pólo deSão Paulo, com controle parcial (13%) da Petroquímica União. Gazeta Mercan-til Latino-Americana, 09.08.99, p. 6.24. Ver os dados da Associação Brasileira da Indústria de Papel e Celulose (site:www.bracelpa.com.br).

25. Este fenômeno ficou bem caracterizado na polêmica sobre a expansão daRiocell, na periferia de Porto Alegre.

26. O Projeto da Vera Cruz Celulose, em implantação pelo Grupo Odebrecht,localiza-se na mesma região.

27. O Banco Safra, por exemplo, é acionista da Aracruz. O Bradesco tem parti-cipação em diversas empresas do segmento de bens intermediários, inclusive naCSN; o Banco Itaú tem importante participação no setor químico.28. Gazeta Mercantil, 10.02.99, p.C1.

29. “Assim como nos insumos metálicos e na indústria de produtos químicos, osníveis de eficiência e produtividade (da indústria de papel e celulose) decrescemao longo da cadeia produtiva. Quanto mais longe da base de recursos naturais,menor a competitividade do conjunto de empresas e maior a dispersão dascapacitações entre empresas. A evolução para produtos de maior valor unitáriorequer capacitação em tecnologia e qualidade” (Ferraz; Kupfer e Haguenauer,1997:144).

30. Esta hipótese tem de ser testada caso a caso, uma vez que podem existirprocessos de enobrecimento de produtos com impactos ambientais significati-vos. No caso da indústria siderúrgica, várias linhas de produtos enobrecidos im-plicam novos desafios ambientais, tendo em vista o aumento do volume de emis-sões para os recursos hídricos de substâncias químicas não utilizadas no proces-so siderúrgico convencional (Torres et alii, 1997).

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CENÁRIOS DA POPULAÇÃO PAULISTAdos anos 90 ao futuro

BERNADETTE CUNHA WALDVOGEL

Estatística e Demógrafa, Gerente de Indicadores e Estudos Populacionais da Fundação Seade

ROSANA CAPASSI

Matemática, Analista da Fundação Seade

crescimento da população residente no Esta-do de São Paulo já não mantém o ritmo ob-servado até 1980, quando superava aquele cor-

tal, enquanto o dinamismo dos demais municípios per-manece importante, registrando a maior taxa regionaldo Estado.

Através da Tabela 1, observa-se que as taxas de cres-cimento populacional correspondentes ao Estado de SãoPaulo foram superiores àquelas da população brasileiraem todos os períodos. Por outro lado, o aumento popula-cional da Região Metropolitana ultrapassou aquele regis-trado para o Estado até 1980, passando então a um pata-mar inferior, sendo que a população residente no interiordo Estado de São Paulo, que crescia a taxas menores quea RMSP até 1980, passa a superá-la a partir deste ano.

ANÁLISE DOS COMPONENTES DOCRESCIMENTO POPULACIONAL:MIGRAÇÃO, FECUNDIDADE E MORTALIDADE

Para entender o novo padrão demográfico paulista, éfundamental considerá-lo resultante do comportamentodos componentes da dinâmica populacional: migração,fecundidade e mortalidade.

As alterações registradas no ritmo de crescimentopopulacional do Estado de São Paulo podem serexplicadas, em parte, pela análise dos componentesvegetativo e migratório.

Na década de 70, o componente migratório era res-ponsável por 42,4% do crescimento total paulista, re-duzindo-se a 9,5% entre 1980 e 1991. No qüinqüênio1991-96, recuperou um pouco sua participação, respon-dendo por 11,8%. No interior do Estado, a participa-ção do componente migratório não variou muito neste

respondente ao total do país com taxas superiores a 3,2%ao ano. No qüinqüênio 1991-96, a população paulistacresceu apenas 1,6% ao ano, atingindo 34.074 mil ha-bitantes em 1996.

Considerando-se o Estado de São Paulo dividido emduas áreas – Região Metropolitana e interior –, observa-se que, apesar de a redução nas taxas de crescimento terocorrido em ambas as regiões, o ritmo de desaceleraçãofoi distinto entre elas.

A Região Metropolitana de São Paulo, que tradicio-nalmente representava uma das áreas de maior atraçãopopulacional do Brasil, diminuiu seu ritmo anual de cres-cimento de 4,5% para 1,5% entre a década de 70 e o qüin-qüênio 1991-96. Já o interior, que registrava taxas meno-res entre 1970 e 1980 (2,6%), supera o crescimento daRegião Metropolitana no período final, com uma taxa de1,7% ao ano.

A dinâmica demográfica no interior da Região Me-tropolitana também é distinta. O município de São Pauloapresentou, sempre, taxas de crescimento inferiores aoconjunto formado pelos demais municípios que com-põem a RMSP. Na década de 70, enquanto a populaçãoda capital crescia a 3,7% ao ano, aquela residente nosdemais municípios da RMSP aumentava a uma taxa de6,4%. No qüinqüênio 1991-96, estas taxas foram, res-pectivamente, 0,5% e 3,2%, indicando que o poder deatração populacional da Região Metropolitana diminuiem decorrência do comportamento específico da capi-

187

CENÁRIOS DA POPULAÇÃO PAULISTA: DOS ANOS 90 AO FUTURO

período, sendo de aproximadamente 28%, em 1970-80,e 24%, em 1991-96.

Até 1980, o peso do componente migratório no cresci-mento populacional da RMSP superava o componentevegetativo, com um saldo migratório anual superior a 200mil pessoas. No período seguinte, os papéis inverteram-se e o componente migratório passou a ter uma contribui-ção negativa no crescimento total.

Contrariando a evolução histórica, a RMSP inverteu atendência de área de atração e passou a expulsar um vo-lume de migrantes maior do que conseguia reter, de modoque os saldos migratórios registrados entre 1980 e 1996foram negativos. Este comportamento foi de difícil pre-visão, apesar da expectativa existente, naquela ocasião,de que os níveis observados pela migração não se mante-riam em um patamar tão elevado por muito mais tempo.Esta expectativa baseava-se nas mudanças importantes quevinham ocorrendo no Brasil e no Estado de São Paulo,como a interiorização do desenvolvimento, a abertura denovas frentes de trabalho em outras regiões do país e osurgimento de novos pólos de atração populacional(Perillo e Aranha, 1994).

No período 1980-91, a composição no crescimentopopulacional alterou-se bastante. No município de SãoPaulo, ocorreu a maior mudança, registrando um saldomigratório anual de menos 66.970 pessoas. Isto resultaem uma participação negativa importante do componen-

te migratório e em uma forte redução das taxas de cresci-mento populacional. Este comportamento repetiu-se noperíodo 1991-96, aumentando o saldo migratório anualpara menos 97.299 pessoas.

É interessante observar que, com exceção do municí-pio de São Paulo – que intensifica a perda populacionalno último qüinqüênio considerado, só apresentando cres-cimento populacional devido à participação do compo-nente vegetativo –, o conjunto formado pelos demaismunicípios da RMSP recuperou a participação do com-ponente migratório no total do crescimento, que passoude 28,4%, entre 1980 e 1991, para 46,8%, no período1991-96.

O Gráfico 1 descreve a evolução dos saldos migrató-rios anuais para o Estado de São Paulo, Região Metropo-litana e interior do Estado, de 1970 a 1996. Vale lembrarque os saldos migratórios foram estimados pelo “Métododas Estatísticas Vitais”. Este procedimento parte da de-composição do crescimento populacional observado emsaldos migratório e vegetativo. Para tanto, são necessá-rios dois recenseamentos da população e o saldo vegeta-tivo calculado com os nascimentos e os óbitos ocorridosno período considerado. O saldo migratório é calculadosubtraindo-se o saldo vegetativo do crescimento popula-cional observado, e representa a diferença entre as entra-das e as saídas de migrantes, da área selecionada. Para asestimativas dos saldos vegetativos para o Estado de São

TABELA 1

Evolução da População e das Taxas Anuais de CrescimentoBrasil, Estado de São Paulo, Região Metropolitana, Interior, Capital e Demais Municípios da Região Metropolitana

1970-1996 (1)

População e Taxas Brasil Estado Interior Região Metropolitana de São Paulo

de São Paulo de São Paulo Total Capital Demais Municípios

População

1970 92.786.273 17.670.013 9.591.726 8.078.287 5.885.475 2.192.812

1980 118.585.492 24.953.238 12.403.382 12.549.856 8.475.380 4.074.476

1991 146.768.655 31.436.273 16.066.968 15.369.305 9.610.659 5.758.646

1996 156.992.050 34.074.808 17.512.581 16.562.227 9.836.129 6.726.098

Taxas de Crescimento (%)

1970/1980 2,48 3,51 2,60 4,50 3,71 6,39

1980/1991 1,96 2,12 2,38 1,86 1,15 3,20

1991/1996 1,36 1,62 1,74 1,51 0,46 3,15

Fonte: Fundação Seade/Fundação IBGE.(1) Refere-se a 1o de julho.

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 13(1-2) 1999

188

Paulo, consideraram-se os nascimentos e os óbitos anual-mente processados pela Fundação Seade, a partir dos da-dos coletados junto aos Cartórios de Registro Civil detodos os municípios paulistas.

Outro componente demográfico decisivo na desacele-ração do ritmo de crescimento populacional paulista foi afecundidade, cujos níveis e tendências podem ser siste-maticamente avaliados por intermédio das estatísticas denascimentos existentes no Sistema de Estatísticas Vitais,da Fundação Seade.

Em 1970, o número médio de filhos por mulher, noEstado de São Paulo, era 4,20 filhos, passando a 3,43 fi-lhos, em 1980, a 2,33 filhos, em 1991, e a 2,26 filhos, em1996. A maior queda ocorreu entre 1980 e 1991, quandoa redução foi de mais de um filho por mulher paulista(Yazaki e Morell, 1997).

Aliada a esta queda, houve uma alteração importanteno padrão etário da fecundidade, com uma concentraçãogradativa nas idades mais jovens. O grupo etário de maiorfecundidade situava-se entre 25 e 29 anos, em 1970, pas-sando para 20 a 24 anos, em 1991. Outro fato que mereceser destacado refere-se à redução das taxas específicas defecundidade em todo o período reprodutivo, com exce-ção das idades mais jovens, entre 15 e 19 anos, que regis-traram um aumento de cerca de 27% no período analisa-do. O Gráfico 2 permite visualizar melhor as mudançasocorridas nos níveis e padrões da fecundidade paulista,entre 1970 e 1996.

As taxas de fecundidade total foram maiores no inte-rior do Estado do que na Região Metropolitana até 1991,invertendo esta posição em 1996, quando a fecundidadena RMSP apresentou um pequeno aumento. Por outro lado,a fecundidade no interior rejuvenesceu mais cedo: já em1980, a maior taxa específica foi registrada nas idades de

GRÁFICO 1

Saldos Migratórios AnuaisEstado de São Paulo, Região Metropolitana e Interior – 1970-1996

Fonte: Fundação Seade.

GRÁFICO 2

Taxas Específicas de Fecundidade, por IdadeEstado de São Paulo – 1970-1996

Fonte: Fundação Seade.

TABELA 2

Taxas de Fecundidade Total (1)Estado de São Paulo, Região Metropolitana e Interior – 1970-1996

Anos Estado Região Metropolitana Interior

1970 4,20 3,64 4,75

1980 3,43 3,38 3,48

1991 2,33 2,29 2,36

1996 2,26 2,35 2,17

Fonte: Fundação Seade.(1) Número de filhos por mulher.

Por 1.000 mulheres

Idades

189

CENÁRIOS DA POPULAÇÃO PAULISTA: DOS ANOS 90 AO FUTURO

20 a 24 anos, enquanto na Região Metropolitana isto sóocorreu em 1991.

A queda da fecundidade na década de 80 foi tão inten-sa que reduziu o número absoluto de nascimentos obser-vados no Estado de São Paulo, que era crescente até 1982,quando passou a diminuir gradativamente. A despeito doaumento registrado a partir de 1993, após 15 anos o volu-me anual de nascimentos ainda não atingiu o pico ante-rior. Comportamento semelhante foi verificado no inte-rior e na Região Metropolitana (Gráfico 3).

O terceiro componente responsável pela dinâmica de-mográfica é a mortalidade, que apresentou um comporta-mento muito singular entre 1980 e 1996. Se, por um lado,as taxas de mortalidade infantil sofreram redução grada-tiva neste período, por outro, a mortalidade da populaçãojovem adulta registrou um significativo aumento. Estasduas tendências divergentes resultaram na redução oumanutenção da esperança de vida ao nascer da populaçãopaulista do sexo masculino, no último ano avaliado, e numpequeno incremento para a população feminina (Ferreirae Castiñeiras, 1998). Para as mulheres residentes no Es-tado de São Paulo, houve um aumento de 3,22 anos naesperança de vida ao nascer, entre 1980 e 1991, passandode 70,0 anos para 73,2 anos neste período. No qüinqüê-

nio seguinte, o incremento ficou reduzido a quase meioano e a esperança de vida foi de 73,8 anos. Verifica-seum comportamento semelhante tanto para a RMSP quan-to para o interior.

Já para a população masculina, o incremento observa-do, entre 1980 e 1991, foi de apenas 1,6 ano, sendo que a

GRÁFICO 3

Evolução do Número de Nascidos VivosEstado de São Paulo, Região Metropolitana e Interior – 1970-98

Fonte: Fundação Seade. Movimento do Registro Civil.

TABELA 3

Esperança de Vida ao Nascer, segundo SexoEstado de São Paulo, Região Metropolitana e Interior – 1980-1996

Em anos

Esperança de Vida ao Nascer Incremento

Sexo 1980 1991 1996 1980/91 1991/96

Homens

Estado de São Paulo 63,30 64,87 64,98 1,57 0,11

Região Metropolitana 62,65 63,51 63,76 0,86 0,25

Interior 64,17 66,18 66,12 2,01 -0,06

Mulheres

Estado de São Paulo 70,02 73,24 73,81 3,22 0,57

Região Metropolitana 69,85 72,89 73,48 3,04 0,58

Interior 70,73 73,59 74,13 2,86 0,54

Fonte: Fundação Seade. Ferreira e Castiñeiras (1998).

Fonte: Fundação Seade. Movimento do Registro Civil.

GRÁFICO 4

Evolução das Taxas de Mortalidade InfantilEstado de São Paulo, Região Metropolitana e Interior – 1970-98

Anos

Anos

Por mil nascidos vivos

Nos Absolutos

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 13(1-2) 1999

190

esperança de vida passou de 63,3 anos para 64,9 anos nesteperíodo, quase não se alterando entre 1991 e 1996. Comoconseqüência, amplia-se o diferencial existente entre asesperanças de vida masculina e feminina de 6,3 anos para8,8 anos, entre 1980 e 1996. Também neste caso foramobservados comportamentos semelhantes na capital e nointerior (Tabela 3).

A mortalidade infantil apresentou uma importante que-da no período considerado, passando de 84,3 óbitos demenores de um ano por mil nascidos vivos, em 1970, para51,2, em 1980, e para 18,7, em 1998. Durante todo o pe-ríodo observado, as taxas de mortalidade infantil na Re-gião Metropolitana superaram as do interior, aproximan-do-se muito no último ano avaliado (1998), como seobserva no Gráfico 4.

Nas faixas etárias acima de 15 anos, a situação é mui-to heterogênea e apresenta avanços e retrocessos em re-lação às condições observadas em 1980. Para a popula-ção feminina, os dados revelam diminuição da mortalidadeem todas as idades, embora a intensidade desta queda, noúltimo qüinqüênio, tenha-se reduzido muito. Quanto àpopulação masculina, observa-se um aumento significa-tivo dos riscos de morte nas idades entre 15 e 39 anos,retrocedendo aos níveis registrados 40 anos atrás (Ferreirae Castiñeiras, 1998).

O impacto da violência urbana na sobrevivência dapopulação masculina residente no Estado de São Paulo,principalmente nas idades economicamente ativas, é cadavez maior e representa a primeira causa de morte destecontingente populacional, bem à frente das demais cau-sas. A este fator, acrescenta-se a Aids, responsável porum relevante percentual da mortalidade também nestafaixa etária. Este comportamento explica, em grande parte,o aumento das diferenças de esperança de vida entre ossexos, como foi mencionado anteriormente.

TRANSFORMAÇÕES NAESTRUTURA ETÁRIA DA POPULAÇÃO

O novo padrão demográfico, revelado pelos últimosCensos Demográficos e pela série histórica das Esta-tísticas Vitais, resultou em uma importante transforma-ção na estrutura etária da população residente no Esta-do de São Paulo.

As pirâmides etárias da população, que apresentam adistribuição proporcional de cada faixa etária qüinqüenal

e sexo, permitem avaliar com bastante detalhe as mudan-ças ocorridas no perfil populacional, entre 1970 e 1996.

Em 1970, cerca de 12% da população paulista tinhaentre 0 e 4 anos de idade, passando para pouco mais de8%, em 1996. A diminuição na base da pirâmide popula-cional, representada por estas crianças, é conseqüênciadireta da forte queda da fecundidade registrada neste pe-ríodo.

Comparando-se a estrutura etária de 1970 com a de1996, apresentadas no Gráfico 5, observa-se claramenteo envelhecimento populacional, processo que se intensi-ficou mais nos últimos anos. A população em 1996 émarcadamente adulta, perdendo a forma piramidal obser-vada em 1970.

Considerando-se três grandes grupos etários tradicio-nalmente analisados – os jovens (menores de 15 anos),

GRÁFICO 5

Pirâmide Etária da População Residente, segundo SexoEstado de São Paulo – 1970-1996

1970

1996

Homens Mulheres

Homens

Fonte: Fundação Seade; Fundação IBGE.

0,00 2,00 4,00 6,00 8,008,00 6,00 4,00 2,00 0,00

0,00 2,00 4,00 6,00 8,008,00 6,00 4,00 2,00 0,00

Mulheres

%

%

191

CENÁRIOS DA POPULAÇÃO PAULISTA: DOS ANOS 90 AO FUTURO

os adultos e potencialmente ativos (entre 15 e 65 anos) eos idosos (maiores de 65 anos) –, encontram-se signifi-cativas mudanças na composição da população no perío-do analisado e alguns diferenciais entre as duas áreas doEstado de São Paulo.

PERSPECTIVAS FUTURAS ESPERADASPARA OS COMPONENTES DEMOGRÁFICOS 1

A partir da análise aqui contemplada, é possível supe-rar, definitivamente, o mito de que a população paulistacontinua crescendo a altas e crescentes taxas de incrementopopulacional. Dificilmente este panorama se repetirá nofuturo próximo, uma vez que se têm indícios concretosde continuidade do processo de mudanças na dinâmicapopulacional.

Quanto ao componente demográfico fecundidade, ob-serva-se que sua queda, que se intensificou nos anos 80,tem-se mostrado efetiva nos anos recentes. É pouco pro-vável que ocorra uma total inversão de tendência nos pró-ximos anos. As alterações ocorridas no padrão etário dafecundidade devem permanecer no futuro devido, princi-palmente, à tendência de concentração nas idades maisjovens e à interrupção do período fértil em decorrênciada intensa utilização de métodos anticoncepcionais, so-bressaindo a esterilização como método definitivo.

Outro fator que contribui de forma significativa na ten-dência de queda da fecundidade corresponde aos meiosde comunicação, vinculando padrões de famílias meno-res. A melhora no nível de escolarização da populaçãofeminina e sua entrada crescente na população economi-camente ativa atuam, também, no sentido de baixar a fe-cundidade.

Desta forma, são esperadas a continuidade da quedanos níveis da fecundidade no Estado de São Paulo, nospróximos anos, e uma tendência gradativa de convergên-cia dos níveis diferenciados de fecundidade nas regiõesque compõem o Estado.

A hipótese considerada para a projeção da fecundida-de foi uma redução lenta e gradativa, alcançando, em 2015/2020, um número médio esperado de 2,03 filhos por mu-lher, abaixo do nível de reposição. Espera-se, também, acontinuidade na tendência de concentração da fecundi-dade nas idades mais jovens.

Para o componente demográfico mortalidade, observa-se que ainda persiste o comportamento singular verificadonos últimos 16 anos, quando a população infantil apresen-tou maiores progressos em termos de redução dos níveis damortalidade, enquanto o impacto da violência urbana, acres-cido da incidência da Aids, aumentou os riscos de morte dapopulação jovem-adulta no Estado de São Paulo.

Apesar do comportamento sem precedentes na histó-ria paulista, de diminuição da esperança de vida masculi-na, espera-se que os fatores incidindo negativamente nos

Em 1996, 27,8% da população paulista era jovem,66,6% era adulta e 5,6% era idosa. Comparando-se as duasáreas do Estado, as diferenças são pequenas. No interiordo Estado, encontra-se uma maior proporção de idosos(6,1%) e de jovens (28,0%), em comparação com a Re-gião Metropolitana (5,0% e 27,6%, respectivamente). Con-seqüentemente, a maior proporção de adultos é registra-da na capital, 67,4% contra 65,9% no interior.

Em 1970, os jovens no Estado representavam 36,9%da população total, os idosos correspondiam a 3,4% e osadultos a 59,7%. Também neste ano, as diferenças entreas áreas do Estado eram pequenas, permanecendo o com-portamento registrado em 1996.

As diferentes estruturas etárias da população, nas duasáreas do Estado de São Paulo, conformam uma distribui-ção espacial dos três grandes grupos etários.

As populações jovem e adulta apresentam distribuiçãoespacial semelhante à população total, em 1996, ou seja,48,6% são residentes na Região Metropolitana e 51,4%no interior. Por outro lado, a população idosa encontra-se mais concentrada no interior, com 56,5% deste contin-gente populacional (Tabela 4).

TABELA 4

População e Participação Relativa, segundo Grupos de IdadeEstado de São Paulo, Região Metropolitana e Interior – 1996 (1)

Grupos de IdadeEstado de Região

InteriorSão Paulo Metropolitana

População 34.074.808 16.562.227 17.512.581

Menores de 15 Anos 9.479.189 4.574.094 4.905.095

Entre 15 e 64 Anos 22.705.539 11.165.879 11.539.660

Maiores de 64 Anos 1.890.080 822.254 1.067.826

Participação Relativa (%) 100,00 48,61 51,39

Menores de 15 Anos 100,00 48,25 51,75

Entre 15 e 64 Anos 100,00 49,18 50,82

Maiores de 64 Anos 100,00 43,50 56,50

Fonte: Fundação Seade; Fundação IBGE.(1) Refere-se a 1o de julho.

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 13(1-2) 1999

192

riscos de morte sejam minimizados no futuro próximo,de modo a reverter a tendência recente e evoluir nova-mente de forma favorável.

Um ponto importante, que torna este cenário um pou-co mais promissor, é a redução que vem ocorrendo comos casos fatais de Aids. A partir de 1996, a tendência damortalidade por Aids reverteu e passou a diminuir signi-ficativamente seu peso na mortalidade da população jo-vem-adulta. Este comportamento deve continuar no fu-turo, em decorrência dos novos tratamentos e medi-camentos mais eficazes no controle desta epidemia (Wald-vogel e Morais, 1998).

Os acidentes de transporte também apresentaram di-minuição no último ano, como reflexo do novo código detrânsito que foi implantado e que já começa a ter resulta-dos positivos (Fundação Seade, 1999b). Na direção oposta,aparecem os homicídios, que continuam crescendo.

Por outro lado, a mortalidade infantil deve permane-cer diminuindo, mas com ganhos futuros cada vez meno-res, pois os níveis alcançados já estão em um patamarbaixo e a composição da mortalidade infantil agora é pre-dominantemente neonatal, em que as doenças perinataissão mais difíceis de serem reduzidas.

A hipótese elaborada para o futuro é de diminuiçãolenta dos níveis da mortalidade, considerando-se que umaproporção considerável dos óbitos, que ocorrem no Esta-do, é evitável através de maior controle médico e preven-tivo, além da expectativa positiva de que sejam implanta-das medidas eficazes de redução da violência urbana.

O modelo utilizado de projeção da mortalidade baseia-se na evolução das probabilidades de morte observadasem uma grande quantidade de países, resultando em ga-nhos qüinqüenais de esperança de vida de acordo com onível inicial considerado.

Desta forma, espera-se que a esperança de vida ao nas-cer no Estado de São Paulo, no período 2015/2020, al-cance 72,3 anos para os homens e 80,9 anos para as mu-lheres. Para as regiões que compõem o Estado, consi-dera-se uma evolução semelhante, mantendo-se os dife-renciais de níveis da mortalidade registrados no períodode base para a projeção.

No que se refere ao terceiro componente da dinâmicademográfica, a migração, considerou-se a evolução recenteobservada no Estado de São Paulo para elaborar as ten-dência futuras, uma vez que, apesar de no passado maisdistante a migração ter desempenhado um papel decisivono crescimento populacional, no presente reduziu seu pesono ritmo de incremento populacional paulista.

Considerando-se o novo padrão migratório, com o pro-cesso de interiorização do desenvolvimento no territóriopaulista e a diminuição da capacidade da Região Metro-politana de reter a população migrante, acredita-se queeste comportamento não deva se alterar drasticamente nofuturo, podendo o Estado apresentar uma recuperaçãolenta do volume migratório no período de projeção.

Acredita-se que as altas taxas de migração, registra-das até os anos 70, não mais ocorram nas próximas déca-das. A expectativa é de que as taxas anuais líquidas demigração passem de 1,9%o, entre 1996/2000, para 1,7%o,em 2015/2020.

Quanto às duas áreas que compõem o Estado de SãoPaulo, espera-se a continuidade da tendência registradanos últimos anos. A capital deverá permanecer como umpólo que atrai, mas que também expulsa muito migrantepara os demais municípios da Região Metropolitana e paraas outras regiões do Estado de São Paulo. Assim, as taxasde migração devem permanecer negativas. O conjuntoformado pelos municípios paulistas, excluindo-se a capi-tal, deverá manter o dinamismo de atração populacional,mas desacelerando lentamente até o final do período a serprojetado.

CENÁRIOS FUTUROS PARA A POPULAÇÃODO ESTADO DE SÃO PAULO 2

O modelo adotado pela Fundação Seade para realizaras projeções populacionais, para as regiões e municípiosdo Estado de São Paulo, constitui-se no “método dos com-

GRÁFICO 6

Projeção da Pirâmide Etária da População Residente, segundo SexoEstado de São Paulo – 2020

Fonte: Fundação Seade.

Homens Mulheres

0,00 2,00 4,00 6,006,00 4,00 2,00 0,00

% % 0-4

10-14

20-24

30-34

40-44

50-54

60-64

70 e +

193

CENÁRIOS DA POPULAÇÃO PAULISTA: DOS ANOS 90 AO FUTURO

ponentes demográficos”, o qual considera a interação dostrês componentes demográficos – fecundidade, mortali-dade e migração –, na simulação dos possíveis cenáriosfuturos.

Para o Estado de São Paulo, a interação das tendênciasesperadas para os componentes da dinâmica demográficadeverá resultar na desaceleração, ainda maior, do ritmode crescimento futuro, com alterações significativas naestrutura etária da população.

A população paulista deverá alcançar a cifra de 45.200mil habitantes, no ano 2020. Seu ritmo de crescimento sereduzirá, gradativamente, passando de 1,5% ao ano, en-tre 1996/2000, para 0,9%, no último qüinqüênio consi-derado (2015/2020).

Uma importante conseqüência das tendências espera-das para os componentes demográficos, no futuro, é aexpressiva modificação do perfil populacional do Estadode São Paulo nos próximos 24 anos.

As pirâmides etárias, relativas às populações projeta-das para o próximo século, apresentam uma populaçãomarcadamente adulta. No ano 2021, a população resul-tante deverá ser constiuída por contingentes, em cada faixaetária até 50 anos, numericamente muito semelhantes,

sendo que a população com 70 anos e mais deverá serbastante expressiva (Gráfico 6).

Os idosos representam a parcela da população que maiscrescerá nos próximos anos, beneficiados, em parte, peloaumento esperado na esperança de vida ao nascer, prin-cipalmente para o sexo feminino. Desta forma, em 2020deverão representar 12,3% da população paulista.

A população menor de 15 anos, em 2020, deverá sermenor do que a atual. As taxas anuais de crescimento dapopulação jovem poderá aumentar um pouco entre 2000/2010, como conseqüência da interação entre a tendênciadecrescente lenta dos níveis da fecundidade e o rejuve-nescimento do padrão etário da fecundidade, com o au-mento do contingente populacional feminino em idadefértil. No decênio seguinte (2010/2020), deverá ocorreruma reversão nas taxas de crescimento da população jo-vem, passando a registrar taxas negativas.

A população adulta deverá continuar crescendo, resul-tando em uma população em idade ativa, residente noEstado de São Paulo, mais volumosa em 2020 do que aatual, embora com taxas anuais de crescimento decres-centes a cada período de projeção. O Gráfico 7 permiteuma melhor visualização do comportamento diferenciandoFonte: Fundação Seade.

GRÁFICO 7

Taxas Anuais de Crescimento das Populações Projetadas,segundo Grupos de Idade

Estado de São Paulo – 1996-2020

TABELA 5

População Projetada, por Grandes Grupos de IdadeEstado de São Paulo, Região Metropolitana e Interior – 2000-2020(1)

AnosMenores de Entre 15 e Maiores de

Total15 Anos 64 Anos 65 Anos

2000

Estado de São Paulo 9.646.041 24.348.845 2.107.989 36.102.875

Região Metropolitana 4.778.645 11.744.672 917.180 17.440.497

Interior 4.867.396 12.604.173 1.190.809 18.662.378

2010

Estado de São Paulo 10.082.693 27.918.152 3.012.171 41.013.016

Região Metropolitana 4.950.060 13.181.161 1.334.503 19.465.724

Interior 5.132.633 14.736.991 1.677.668 21.574.292

2020

Estado de São Paulo 9.253.902 30.388.009 5.557.474 45.199.385

Região Metropolitana 4.376.080 14.051.039 2.588.013 21.015.132

Interior 4.877.822 16.336.970 2.969.461 24.184.253

Fonte: Fundação Seade.(1) Refere-se a 1o de julho.

Jovens Adultos Idosos(menores de (entre 15 e (maiores de

15 anos) 65 anos) 65 anos)

Em porcentagem

1996/2000 2000/2010 2010/2020

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dos ritmos de crescimento da população paulista, espera-dos para o próximo século.

Considerando-se o Estado dividido em Região Metro-politana e interior, observa-se que o comportamento des-crito para o total do Estado se repete nestas áreas. A Ta-bela 5 apresenta os totais populacionais projetados paraos três grandes grupos de idade. É interessante observarque a distribuição percentual destes grupos aproxima-sebastante em 2020, nas duas áreas do Estado de São Pau-lo, reduzindo também os diferenciais de ritmos de cresci-mento anteriormente verificados.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A constatação de que os três grupos etários popula-cionais considerados apresentam distintas taxas de cres-cimento evidencia que a taxa global de crescimento de-mográfico não reflete o que realmente está ocorrendono interior da população. Não é possível, portanto, apli-car uma única taxa de crescimento para projetar a po-pulação por idade no futuro, nem considerar constantea estrutura etária observada no passado, pois a mesmaestaria longe de expressar as mudanças que se proces-sam na dinâmica populacional, como se constatou naavaliação das diferentes pirâmides etárias da popula-ção paulista. A simulação dos possíveis cenários futu-ros deve levar em consideração as tendências diferen-ciadas de comportamento dos componentes demo-gráficos no crescimento populacional.

Uma rápida reflexão sobre os resultados aqui apre-sentados permite visualizar alterações profundas em to-das as esferas da vida social. Uma proporção menor decrianças (ou mesmo uma redução no número absolu-to), uma maior população em idade ativa e uma pro-porção crescente de idosos implicam mudanças nasdemandas por educação, saúde, emprego, previdência,etc. Na área de saúde, o processo de envelhecimentoda população acarreta modificações do perfil das doen-ças e das demandas específicas por serviços médicos.Passa-se a conviver com problemas de sociedades eco-nomicamente mais avançadas, ao mesmo tempo em quepersistem características epidemiológicas do passado,reproduzindo acentuados diferenciais sociais e regio-nais, como ressalta Ferreira (1991).

É preciso ter presente que a dinâmica da população,nos próximos anos, modificará muito o perfil atual doEstado de São Paulo. Uma visão mais realista da compo-sição futura da população permitirá orientar o planejamen-

to para as questões mais emergentes e minimizar os pro-blemas e dificuldades a serem enfrentados.

Por outro lado, não se pode esquecer que os resultadosde uma projeção de população representam uma combi-nação de supostos elaborados sobre as tendências futurasdo comportamento populacional. Eles indicam um cená-rio para a população no futuro, caso se confirmem as ten-dências assumidas por ocasião da realização das proje-ções. Os resultados das projeções populacionais, aodesenharem um cenário futuro, podem também desem-penhar um papel de modificador das tendências espera-das, devendo, portanto, ser consideradas um sinalizadordo dimensionamento e da composição da população, pas-síveis de revisões sempre que novas informações estejamdisponíveis e indiquem uma alteração na tendência de cres-cimento.

NOTAS

E-mail das autoras: [email protected] e [email protected]

1. As hipóteses aqui analisadas foram elaboradas pela equipe técnica da Gerên-cia de Indicadores e Estudos Populacionais, da Fundação Seade.

2. As projeções populacionais até o ano 2021, aqui analisadas, foram elaboradaspela Gerência de Indicadores e Estudos Populacionais da Fundação Seade.

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O

ORIGEM E DESDOBRAMENTO DA CRISEDA TEORIA DO DESENVOLVIMENTO

NA AMÉRICA LATINA

se assumiu a forma de uma profunda revisão do enfo-que estruturalista da Cepal. A essência deste movimentoconsistiu na negação do suposto de que o controle dassociedades dependentes sobre o desenvolvimento ca-pitalista é solapado pelas tendências centrípetas do ca-pitalismo e pelo extremo desequilíbrio social herdadodo período colonial. A projeção de uma conjunturahistórica muito particular, marcada pela internaciona-lização dos mercados internos como um dado invariá-vel da situação periférica, levou à concepção de quenão havia incompatibilidade entre imperialismo e con-solidação de sistemas econômicos nacionais. A presen-ça de burguesias dependentes com maior capacidadede negociação no cenário internacional – fenômeno re-lacionado com o complexo equilíbrio geopolítico daguerra fria – induziu à superestimação do grau de au-tonomia das economias periféricas. O interesse do ca-pital internacional em aproveitar as oportunidades deinvestimento geradas pelo processo de substituição deimportações mediante o deslocamento de unidades pro-dutivas – interesse associado a uma fase específica domovimento de internacionalização do capital – levouà inferência de que já não havia obstáculos intranspo-níveis que pudessem comprometer o avanço da indus-trialização periférica.

Dependência e Desenvolvimento, de Fernando Hen-rique Cardoso e Enzo Faletto, marca esta inflexão nopensamento da Cepal (Cardoso e Faletto, 1970). Noplano teórico, o dinamismo da economia periféricapassou a ser visto como produto de processos condicio-nados, em primeira instância, por forças internas, e, em

PLINIO DE ARRUDA SAMPAIO JR.Professor do Instituto de Economia da Unicamp, Técnico da Diretoria de Economia do Setor Público da Fundap

balanço sombrio de um modelo econômico quegera crescentes desigualdades sociais e fortíssimainstabilidade econômica impõe a urgência de vis-

lumbrar novos caminhos para o continente latino-ameri-cano. Consciente dos riscos envolvidos na continuidadedas políticas propugnadas pelo Consenso de Washington,sobretudo quando se leva em consideração que o agrava-mento da crise econômica internacional exacerba os efei-tos perversos da globalização, até mesmo o Banco Mun-dial, liderado pelo seu vice-presidente Joseph Stiglitz, jápercebe a necessidade de um novo receituário para ospaíses da periferia, postulando maiores controles sobre osmovimentos de capitais, uma presença mais ativa do Es-tado nas políticas sociais e maior ênfase no crescimentoem relação à estabilização.

A disposição do establishment internacional de re-discutir sua política para as regiões periféricas e de gerarum discurso ideológico condizente com as exigênciasdo momento histórico contrasta com a grande confu-são que reina nas forças comprometidas com a defesado interesse nacional e com o aprofundamento da de-mocracia. Embaladas ora pelo esdrúxulo socialismo cor-de-rosa de Tony Blair, ora pela extemporânea utopiabolivariana de Hugo Chavez, as forças antiliberais têmse demonstrado incapazes de apontar alternativas queabram novos horizontes para nossas sociedades. O imo-bilismo da inteligentzia progressista revela a magnitu-de da crise que abalou os alicerces da teoria do desen-volvimento.

Na tradição que hegemonizou a reflexão crítica so-bre os dilemas das economias latino-americanas, a cri-

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última, por forças externas. No plano histórico, che-gou-se à conclusão de que dependência e desenvolvi-mento poderiam marchar paralelos. Eliminada a urgên-cia de superar a dependência externa, o destino dassociedades periféricas passava a depender de estraté-gias de associação com o capital internacional que es-timulassem a entrada de investimentos estrangeiros, nasuposição de que o avanço da acumulação capitalistaasseguraria o sucesso da industrialização e de que aindustrialização era o próprio desenvolvimento.

A mudança fundamental no modo de interpretar ograu de autonomia relativa das economias satélites nosistema capitalista mundial decorre do suposto de que,dentro do raio de possibilidades abertas pelo contextoexterno, o sentido, o ritmo e a intensidade das trans-formações capitalistas poderiam ser calibrados de den-tro para fora, como se a condição periférica significas-se apenas um retardo na forma de absorver as estruturase dinamismos do capitalismo, mas não comprometessea capacidade das sociedades dependentes de controlaros fins e os meios do desenvolvimento. A evolução daseconomias dependentes passa, então, a ser vista comouma espécie de eterno catching up, cuja eficácia reve-laria a maior ou menor capacidade do Estado nacionalde articular estratégias de acesso às tecnologias de van-guarda do processo de modernização das forças pro-dutivas. Na temporalidade do sistema capitalista mun-dial, a sociedade periférica teria um movimento próprioque poderia se aproximar mais ou menos do padrão dedesenvolvimento das economias centrais. Assim, o es-forço de compreender a especificidade das respostas daseconomias dependentes ao contexto internacional le-vou à diluição dos condicionantes externos que adesestabilizam, bem como ao reforço do mito do de-senvolvimento, recuperados como caminho que leva àsuperação do subdesenvolvimento. Abriam-se as por-tas para que o movimento das economias periféricasfosse pensado como um processo endógeno.

A evolução do movimento revisionista acabaria levan-do às últimas conseqüências o deslocamento da perspec-tiva original da economia política da Cepal. Curiosamen-te, o desdobramento da crítica polarizou-se em duastrajetórias distintas. No interior da própria Cepal, a críti-ca abriu espaço para a cristalização do neo-estruturalis-mo – o braço latino-americano do neoliberalismo; noBrasil, a tradição cepalina metamorfoseou-se na perspec-tiva do capitalismo tardio – uma racionalização da sagada industrialização retardatária.

NEO-ESTRUTURALISMO E A ILUSÃO DAINSERÇÃO COMPETITIVA

A convicção de que a industrialização não estava aoalcance da maioria dos países latino-americanos levou osteóricos renovados da Cepal a abandonar o modelo desubstituição de importações como paradigma que deve-ria orientar a política econômica dos países da região. Aavaliação de que a ordem internacional emergente abriaimportantes nichos de mercado para os produtos oriun-dos da periferia levou-os a adotar um receituário que de-fendia a inserção dinâmica das economias periféricas nosistema capitalista mundial. Capitaneado por FernandoFajnzylber, este movimento culminou na consolidação deum novo paradigma teórico, cujos contornos básicos fo-ram definidos em Transformación productiva con equidad(Cepal, 1990). A nova Cepal passa, então, a defenderpolíticas econômicas que se articulam em torno de doisobjetivos básicos: a busca da competitividade internacio-nal autêntica e o gradualismo como estratégia de enfren-tamento do problema da eqüidade.

Eliminada a preocupação com a ruptura da dependên-cia, a crítica às relações sociais responsáveis pela subor-dinação externa e pelas fortes assimetrias internas cedeulugar a uma lógica conformista que mitifica as possibili-dades de uma inserção virtuosa na economia mundial,racionalizando, assim, a inevitabilidade de uma acomo-dação passiva às novas tendências do sistema capitalistamundial. A denúncia dos problemas gerados pela tendên-cia à concentração de progresso técnico nas economiascentrais abriu espaço a um detalhado receituário sobreaprendizado tecnológico endógeno, de caráter neoschum-peteriano, que ressalta as “janelas de oportunidades” aber-tas pela nova revolução tecnológica. O pleiteado nexoentre competitividade e eqüidade, um dos pontos quedeveria diferenciar o neo-estruturalismo e a ortodoxia,permanece até hoje como um elo teórico perdido, pois anova Cepal não conseguiu dar um tratamento adequado àquestão do desemprego estrutural. A importância decisi-va atribuída à centralização do Estado nacional foi subs-tituída pela defesa de políticas flexíveis de descentraliza-ção regional destinadas a elevar o grau de autonomia dasinstâncias de poder infranacionais a fim de aumentar oseu raio de manobra para articular estratégias de inserçãona economia mundial e a sua plasticidade para adaptar-seàs exigências do capital internacional. O diagnóstico dainflação como reflexo de conflitos distributivos que apon-tavam para a necessidade de mudanças nas estruturas da

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economia e da sociedade foi simplesmente abandonado.Ao transformar a estabilidade em condição sine qua nondo crescimento, a teoria neo-estruturalista da inflaçãoconverteu o status quo em um parâmetro da situação quedeveria ser aceito como fato consumado, e passou a enfa-tizar a necessidade de reformas institucionais queerradicassem os mecanismos de propagação da inflação– agora reinterpretados como produto de choques exóge-nos sobre o nível de preços.

A frustração com os resultados da industrialização porsubstituição de importações e o trauma gerado pela rea-ção contra-revolucionária que abortou os sonhos refor-mistas latino-americanos provocaram uma radical mudan-ça no modo de a nova Cepal encarar os problemas dasociedade periférica. As proposições a favor de reformasestruturais sofreram abrupto giro de perspectiva, que in-verteu completamente seu significado. Em vez de ade-quar o modo de organização da economia e da sociedadeà necessidade de colocar a acumulação de capital a servi-ço do desenvolvimento nacional, o neo-reformismo daCepal passou a defender a necessidade de subordinar aeconomia e a sociedade às exigências de uma reinserçãodinâmica no comércio internacional. A primazia dos ob-jetivos estratégicos de longo prazo, ligados à necessida-de de impulsionar o desenvolvimento nacional, foi asfi-xiada pelas preocupações imediatistas com a estabilidademonetária. Profundo conhecedor dos meandros da escolada Cepal, Octavio Rodríguez pôs em evidência a capitu-lação do pensamento neo-estruturalista ao imperialismoda racionalidade instrumental: “Em resumo, tratamos demostrar que esta estratégia padece de um desequilíbrionas suas ênfases; excessivo no que toca ao progresso téc-nico e a seus efeitos virtuosos sobre o crescimento, a rein-serção internacional e a eqüidade distributiva: insuficien-te no que tange à dinâmica perversa da heterogeneidadee o subemprego característicos do subdesenvolvimento,bem como ao complexo conjunto de medidas requeridopara superá-los” (Rodriguez, 1994:58).

Portanto, apesar de reivindicar a continuidade do en-foque estruturalista, o novo pensamento da Cepal negaos fundamentos da tradição desenvolvimentista latino-americana. Ao defender o ajustamento passivo das eco-nomias periféricas aos imperativos do processo de “glo-balização”, a nova perspectiva rejeitou a agenda e ostermos das soluções que caracterizavam a proposta origi-nal do estruturalismo da Cepal. O neo-estruturalismo re-nunciou, assim, aos dois principais objetivos que inspira-vam Prebisch – construir sistemas econômicos nacionais

e consolidar centros internos de decisão –, tornando-seuma alternativa heterodoxa, mais amena e humana, à ló-gica fria da ortodoxia. As diferenças entre as doutrinasneoliberais anglo-saxã e latino-americana reduzem-se fun-damentalmente ao reconhecimento de que a condição pe-riférica impõe a necessidade de que se estabeleçam crité-rios específicos para orientar a estratégia de liberalização.

CAPITALISMO TARDIO E OMITO DA AUTODETERMINAÇÃO

No caso do Brasil, o movimento de revisão da econo-mia política da Cepal teve um desdobramento próprio. Acerteza de que o salto para a industrialização pesada per-mitia uma nova síntese sobre as peculiaridades do desen-volvimento capitalista na América Latina incentivou umaradical ruptura teórica. Abandonou-se a explicação domovimento das economias dependentes como uma rea-ção adaptativa ao contexto internacional; e levou-se àsúltimas conseqüências a perspectiva inaugurada por Car-doso e Faletto (1970). A perspectiva do capitalismo tar-dio, cujos contornos estão delimitados em Cardoso deMello (1982) e Tavares (1974), caracteriza de maneiraparadigmática a mudança no modo de explicar a trajetó-ria da industrialização nas economias capitalistas de ori-gem colonial.

O novo enfoque consiste, essencialmente, em desven-dar os processos que explicam a internalização de meca-nismos de acumulação de capital, cujo ponto culminanteé a constituição de um departamento produtor de bens deprodução.1 No momento final da industrialização retar-datária, o grande desafio é superar as descontinuidadestécnicas e financeiras que obstaculizam o salto para a in-dustrialização pesada. Uma vez que tais descontinuida-des não poderiam ser ultrapassadas pelo mero desdobra-mento do processo de acumulação de capital, conclui-seque a internalização da indústria de bens de capital, mo-mento decisivo da revolução industrial, exigia uma asso-ciação virtuosa entre capital nacional, capital estrangeiroe Estado. Donde o caráter providencial do processo deinternacionalização dos mercados internos.

Ao reduzir a problemática da industrialização capita-lista retardatária à constituição do departamento de bensde produção, a perspectiva do capitalismo tardio esvazioua questão nacional como um dos problemas centrais dodesenvolvimento capitalista dependente. A impotência daburguesia dependente para tomar iniciativas no planoeconômico deixou de ser um obstáculo ao avanço do de-

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senvolvimento nacional, pois a intervenção do Estado naeconomia e a participação do capital estrangeiro no es-forço de industrialização supririam as deficiências intrín-secas à base empresarial do capitalismo tardio. A ênfasena necessidade de o processo produtivo ficar sob contro-le de classes sociais nativas, como único meio de subor-dinar o processo de acumulação a uma dinâmica de con-corrência ancorada no espaço econômico nacional, foi,assim, substituída pela sacralização do tripé capital na-cional, capital estrangeiro e Estado como única fórmulade impulsionar a industrialização pesada.

A fé no papel construtivo do capital estrangeiro nodesenvolvimento nacional baseia-se na idéia de que, umavez concluída a revolução industrial, o mercado internoteria se tornado um espaço estratégico da concorrênciaintercapitalista em escala mundial e, por isso, uma vezimplantado na sociedade periférica, o capital estrangeirotenderia a enraizar-se no espaço econômico nacional. Apremissa subjacente é que, após a constituição de forçasprodutivas tipicamente capitalistas, já não existiriam gran-des assimetrias entre mercado interno e mercado externoe, por isso, nada impediria o capitalismo tardio de con-correr, pela atração de investimentos estrangeiros, emigualdade de condições com as economias mais avança-das e de maior renda per capita. As filiais estrangeirasteriam vindo à periferia para ficar, pautando sua estraté-gia de valorização do capital em função das oportunida-des de negócios abertas no espaço econômico nacional.Inverte-se, assim, o papel desempenhado pelo capital in-ternacional, no desenvolvimento nacional. Já não é a na-ção que se ajusta às exigências do capital internacional,mas exatamente o contrário: é o capital internacional quese adapta às exigências da sociedade periférica.

A ênfase em apenas um dos constrangimentos externosao desenvolvimento – os obstáculos técnicos e financeirosque bloqueiam o acesso às tecnologias difundidas do centrocapitalista – acarreta a abstração de outros fatores que sola-pam a consolidação das economias periféricas como espaçode reprodução ampliada do capital. Desconsidera-se, assim,a incerteza estrutural gerada pelos efeitos desestabilizadoresdecorrentes da extrema mobilidade espacial do capital in-ternacional e do impacto desagregador do processo de mer-cantilização que se propaga do sistema capitalista mundialpara as estruturas da economia dependente. Por esse moti-vo, não se explicam adequadamente as assimetrias na capa-cidade de controlar os fins e os meios do desenvolvimentoentre as economias centrais e as economias dependentes.Ignora-se, portanto, a extrema instabilidade que caracteriza

o processo de acumulação nessas regiões, deixando de ladoum dos principais problemas que emperra o processo civili-zatório nas sociedades dependentes: a dificuldade de evitarprocessos de reversão estrutural que comprometem a linhade continuidade no movimento de integração nacional.

A convicção de que a internalização do departamentode bens de produção é condição suficiente para assegurara autodeterminação no processo de acumulação tambémesvaziou a importância da revolução democrática comopremissa do desenvolvimento capitalista nacional. A uti-lização do princípio da demanda efetiva para tratar doproblema da formação dos mercados levou à crença deque não haveria incompatibilidade entre marginalidadesocial e aprofundamento da industrialização. A priorida-de que a tradição desenvolvimentista atribuía à integra-ção da superpopulação excedente no mercado de traba-lho, como um dos pré-requisitos de um sistema econômiconacional foi, assim, excluída da agenda de questões quecompõem a problemática da industrialização capitalistaretardatária. Ao abstrair os condicionantes socioculturaisque caracterizam a especificidade dos espaços econômi-cos nacionais, o novo enfoque reduziu a discussão dodesenvolvimento nacional a uma questão pura e simplesde dinâmica capitalista, ignorando que um dos grandesdilemas do desenvolvimento nacional consiste exatamenteem conciliar valorização do capital e solidariedade orgâ-nica entre as classes sociais. Considerada mero resíduoda sociedade colonial, a superpopulação excedente mar-ginalizada do mercado de trabalho torna-se um problemadesvinculado dos determinantes do desenvolvimento eco-nômico. Em conseqüência, o combate à pobreza absolutapassa a ser encarado como uma questão moral, associada ànecessidade de erradicar os anacronismos sociais. A su-perexploração da força de trabalho não teria nenhuma fun-cionalidade e poderia, portanto, ser erradicada sem implicarqualquer tipo de problema para o padrão de acumulação.

Reduzindo a questão dos mercados a um problema dedemanda efetiva – categoria construída para tratar situa-ções de curto prazo, caracterizadas pela presença de ca-pacidade produtiva ociosa e estabilidade nos parâmetrosextra-econômicos que sobredeterminam o multiplicadorde renda –, o enfoque do capitalismo tardio acabou reti-rando de seu campo de visão os obstáculos ao desenvol-vimento derivados de constrangimentos físicos associa-dos à existência de escassez material. A utilização doprincípio da demanda efetiva – categoria que supõe umasituação muito particular em que existe abundância eco-nômica –, para dar conta das descontinuidades estrutu-

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rais no processo de mercantilização que acompanha o mo-vimento de longo prazo do desenvolvimento capitalista,ocultou uma das principais dificuldades do capitalismoretardatário: a incapacidade de generalizar para o conjuntoda população periférica os padrões de vida das economiascentrais. Abstraindo os constrangimentos objetivos que nãopermitem que as economias periféricas possam repetir a tra-jetória das economias centrais mediante a implementaçãode uma política de desenvolvimento recuperador, este enfo-que acabou racionalizando estratégias adaptativas de acu-mulação de capital que, sem questionar as bases do subde-senvolvimento, avançam nos interstícios dos espaços mercan-tis abertos pela conjuntura internacional.

Por fim, o entendimento da internalização do departa-mento de bens de produção como uma etapa terminal daindustrialização tardia levou ao abandono de problemasqualitativos do desenvolvimento econômico, relaciona-dos com as descontinuidades diacrônicas que caracteri-zam o processo de destruição criadora, em favor da dis-cussão de dinâmicas macroeconômicas endógenas. A idéiade que a formação dos mercados seria mera expressão dadivisão social do trabalho significou uma radical revira-volta teórica. Abandonadas as preocupações com os de-terminantes do processo de realização dinâmica, os dile-mas do desenvolvimento foram reduzidos à formaçãobruta de capital. Apagada a distinção entre desenvolvi-mento das forças produtivas e desenvolvimento nacional,o desenvolvimento foi confundido com crescimento eco-nômico. O debate sobre os aspectos qualitativos do pro-cesso de incorporação de progresso técnico, relacionadoscom a capacidade da sociedade nacional de conciliar au-mentos progressivos na eficiência econômica e elevaçõessistemáticas no bem-estar do conjunto da população, foiafastado do horizonte de preocupações teóricas, passan-do-se a privilegiar os aspectos associados à lógica domovimento de valorização do capital na órbita produtiva.

O divórcio entre tempo político, que diz respeito aoencaminhamento dos processos de revolução nacional edemocrática, e tempo econômico, que se refere ao avan-ço do movimento de acumulação de capital, acabou im-plicando a exclusão dos determinantes extra-econômicosque comprometem o papel da concorrência como forçapropulsora do processo de incorporação de progresso téc-nico. Por esse motivo, o enfoque do capitalismo tardionão deu a devida importância a elementos que são essen-ciais para explicar os bloqueios à monopolização do ca-pital – a heterogeneidade estrutural do sistema econômi-co – e para entender os obstáculos que impedem a trans-

ferência de ganhos de produtividade para os salários – aexistência de uma superpopulação excedente marginali-zada do mercado de trabalho. Deste modo, a nova pers-pectiva analítica excluiu de seu horizonte de preocupa-ções uma das características fundamentais das economiascapitalistas dependentes – a necessidade funcional decombinar “atraso” e “moderno” – e seu principal corolá-rio – a perpetuação de formas de acumulação de capitalbaseadas na superexploração do trabalho. Donde a im-possibilidade de explicar por que, no capitalismo tardio,a concorrência não é capaz de impulsionar a introduçãode inovações radicais nas formas de organização da pro-dução e na estrutura de mercado.

A idéia de que, após a constituição de forças produti-vas tipicamente capitalistas, o movimento de acumulaçãode capital se tornou autodeterminado, só limitado pelassuas próprias contradições, levou da perspectiva do capi-talismo tardio a superestimar o grau de autonomia relati-va das economias capitalistas dependentes. Assim, a con-corrência intercapitalista ancorada no espaço econômiconacional foi transformada em uma espécie de deus ex-machina do desenvolvimento econômico. Desvinculadadas estruturas extra-econômicas da sociedade, a incorpo-ração de progresso técnico tornou-se um movimentocanônico regido pela lógica abstrata do capital. O desafiodo desenvolvimento econômico ficou reduzido à capaci-dade da sociedade de mobilizar uma massa apropriada decapital monetário e transformá-la em capital produtivoindustrial. Em conseqüência, a ênfase da investigação foideslocada para as formas de acesso à tecnologia das eco-nomias centrais; para as estratégias de engenharia finan-ceira capazes de adequar o grau de centralização do capi-tal às exigências do padrão de acumulação do capitalismodominante; e para as condições macroeconômicas quesobredeterminam as oportunidades de investimentos nocapitalismo retardatário.

Ao reificar o caráter social do processo de industrializa-ção pesada, a perspectiva do capitalismo tardio acabou ocul-tando os mecanismos de perpetuação do capitalismo depen-dente e as possibilidades de sua superação. A supressão dascontradições entre desenvolvimento desigual e combinadoe formação de Estados Nacionais nas regiões periféricas dei-xou o novo arcabouço interpretativo sem instrumentos ade-quados para delimitar analiticamente os estreitos limites daindustrialização capitalista retardatária. Ao sacralizar o tri-pé capital nacional, capital estrangeiro e Estado como molapropulsora da industrialização pesada, a correlação de for-ças foi petrificada, limitando aos marcos do capitalismo de-

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ORIGEM E DESDOBRAMENTO DA CRISE DA TEORIA DO DESENVOLVIMENTO...

pendente o raio de ação do Estado para enfrentar os obstá-culos ao desenvolvimento nacional. A ilusão de que o avan-ço da industrialização pesada conciliaria os conflitos entreas classes sociais fez com que não surgisse nem a necessida-de nem a possibilidade de transformações estruturais. Comonão há liberdade sem o conhecimento da necessidade, estadémarche metodológica eliminou do horizonte de reflexãoprocessos de mudança estrutural que transcendessem osmarcos do próprio capitalismo dependente, e, assim, invia-bilizou o conhecimento das virtualidades inscritas no movi-mento histórico.

Os sonhos gerados pela certeza de que o capitalismobrasileiro se tornara autodeterminado levaram os defen-sores da tese do capitalismo tardio à convicção de que aconsolidação da soberania nacional e o enraizamento dademocracia confundiam-se com o próprio fortalecimentodas estruturas do capitalismo brasileiro. Argumentandocontra a inviabilidade de uma política de distribuição derenda – idéia defendida abertamente pelo regime militarbrasileiro –, e contra a proposição de que o capitalismobrasileiro estava fadado à estagnação – interpretação quefundamentava as análises de conjuntura dos defensoresda luta armada na década de 60 –, os teóricos do capita-lismo tardio propuseram a tese de que os problemas na-cionais deveriam ser tratados dentro dos marcos da situa-ção, como questões eminentemente institucionais.

Assim, a fé no destino manifesto das economias capi-talistas retardatárias que haviam conseguido instalar odepartamento de bens de produção acabou deslocando aspreocupações com os obstáculos gerados pela situação dedependência e subdesenvolvimento para questões relacio-nadas com as potencialidades abertas pela autodetermi-nação do processo de acumulação de capital. Ao afastar anecessidade de mudanças radicais nos pilares fundamen-tais do capitalismo brasileiro, o novo marco teórico trans-formou a crítica à irracionalidade e aos limites da indus-trialização subdesenvolvida como meio de consolidar umsistema econômico nacional, na defesa das potencialida-des da industrialização tardia como sustentáculo de umaeconomia autodeterminada e de uma sociedade democrá-tica. A discussão das reformas estruturais destinadas a su-perar o subdesenvolvimento e ampliar a fronteira de pos-sibilidades das sociedades dependentes transformou-se noesforço de evidenciar a necessidade de aproveitar as opor-tunidades abertas pelas estruturas existentes. O foco dascríticas passou a ser as políticas governamentais que des-perdiçavam as oportunidades abertas pela industrializa-ção pesada.

O CIRCUITO FECHADO DARAZÃO ECONÔMICA

Sem instrumentos adequados para equacionar analiti-camente a problemática da ruptura com as estruturas ex-ternas e internas responsáveis pelo subdesenvolvimento,os economistas heterodoxos circunscrevem o campo deoportunidades das sociedades latino-americanas aos limi-tes do capitalismo dependente. Sob estes parâmetros, asopções das sociedades latino-americanas ficam restritasa diferentes modos de combinar: maior ou menor taxa decrescimento; maior ou menor grau de exclusão social; emaior ou menor grau de controle dos centros internos dedecisão. Dentro desse raio de manobra, o neo-estruturalis-mo representa a ideologia dos setores “ultramodernistas” dasociedade, expressando o pensamento econômico daquelesque defendem uma rápida adaptação às tendências do siste-ma capitalista mundial; e a perspectiva do capitalismo tar-dio, a ideologia dos setores que defendem a importância es-tratégica de se preservar a integridade do sistema industrial.

Apesar da nova Cepal apresentar seu receituário comouma terceira via entre o ajustamento “puro e duro” reco-mendado pelo Consenso de Washington e o imobilismorepresentado pelos herdeiros de um nacional desenvolvi-mentismo extemporâneo, a diferença entre as recomen-dações do neo-estruturalismo e as do neoliberalismo émuito mais uma questão de forma do que de conteúdo. Adivergência real diz respeito ao ritmo e à intensidade deimplementação do programa de liberalização. Embora oimpacto social da adaptação da economia à globalizaçãoseja mencionado como fator não desprezível no desenhoda política econômica, o neo-estruturalista considera quetal preocupação não pode comprometer o objetivo estra-tégico de crescente exposição da economia periférica àconcorrência internacional. Ainda que se dê grande im-portância ao papel do Estado na definição do ritmo e daintensidade do processo de ajustamento, a interferênciano livre funcionamento do mercado é tida apenas comoum expediente temporário para atenuar os efeitos maisnocivos do movimento de liberalização, e não mais comosustentáculo fundamental de uma política industrializante.Em suma, em aberto antagonismo com a tradição estru-turalista, a nova orientação doutrinária sanciona docilmen-te as tendências espontâneas da “globalização”.

Embora defenda a construção do sistema econômico na-cional como objetivo estratégico da sociedade e o controledos centros internos de decisão como o principal instrumen-to para alcançá-lo – preservando, assim, objetivos fundamen-

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tais da desenvolvimentista latino-americana – o enfoque docapitalismo tardio não dá conta dos problemas atuais dodesenvolvimento capitalista dependente. A ausência de es-paço de liberdade para ações capazes de superar as estrutu-ras econômicas, sociais e culturais responsáveis pela perpe-tuação do subdesenvolvimento fecha as portas para oacontecer histórico. Deste modo, a revisão teórica que sur-giu em meados da década de 70 para mostrar os horizontesabertos pela industrialização pesada tornou-se, nos anos 90,uma espécie de teoria da resistência, que denuncia os riscosde desestruturação da industrialização capitalista retardatá-ria, mas não propõe alternativas que permitam superar o im-passe claustrofóbico que compromete o futuro da nação. Per-cebendo a impossibilidade de permanecer tal qual e o suicídioque seria acompanhar os ritmos da modernização impostosde fora para dentro, os teóricos do capitalismo tardio procu-ram ganhar tempo, à espera de dias melhores.

DE VOLTA ÀS RAÍZES

Contudo, como não é possível resistir sem oferecersoluções alternativas para a organização da sociedade, sequisermos fugir de um horizonte teórico que nos conde-na à ética da racionalidade adaptativa, precisamos de umarcabouço conceitual que se abra para o futuro. Daí a ur-gência de se retomar a reflexão crítica sobre os dilemasdo desenvolvimento nacional, e colocá-la em dia com asexigências do momento histórico. O desafio está em evi-denciar as relações externas e internas responsáveis pelacontinuidade da situação de dependência e subdesenvol-vimento, desvendar o caráter da antinomia entre o desen-volvimento desigual e combinado e a construção dos Es-tados Nacionais e explicitar os conflitos que determinamas tendências efetivas da luta de classes e seus possíveisdesdobramentos.

Os trabalhos de Caio Prado, Florestan Fernandes e CelsoFurtado – expoentes do pensamento desenvolvimentista bra-sileiro – constituem um rico manancial de conhecimentoteórico e histórico para inspirar a reflexão sobre três impor-tantes aspectos da problemática do desenvolvimento: a di-mensão espacial, relacionada com os determinantes das fron-teiras externas e internas de uma economia nacional; adimensão social, associada à natureza dos vínculos entreacumulação de capital e desigualdades sociais; e a dimen-são temporal, que diz respeito aos processos técnicos e cul-turais responsáveis pelas mudanças qualitativas que carac-terizam a evolução do capitalismo.

Caio Prado nos auxilia a desvendar o substrato socialde um espaço econômico nacional. Seu trabalho mostra aorigem da incerteza estrutural responsável pela eleva-díssima instabilidade do capitalismo dependente e suasrecorrentes crises de reversão estrutural. A reflexão deFlorestan Fernandes sobre como o padrão de dominaçãocondiciona o processo de acumulação trata de definir aracionalidade substantiva que sobredetermina o sentido,o ritmo e a intensidade das transformações capitalistas nassociedades que fazem parte da periferia do sistema capi-talista mundial. Sua interpretação sobre a revolução bur-guesa atrasada nos permite entender por que a combina-ção de forças produtivas em diferentes idades históricasdá às economias dependentes uma certa estabilidade, mascondena-as ao círculo vicioso do subdesenvolvimento. Acontribuição de Celso Furtado consiste em definir a rela-ção de adequação de meios a fins que deve presidir o pro-cesso de acumulação para que ele possa funcionar comoalavanca do desenvolvimento nacional. Sua crítica aosubdesenvolvimento põe em evidência a irracionalidadee o caráter anti-social do movimento de incorporação deprogresso técnico baseado na modernização dos padrõesde consumo de uma exígua parcela da população.

NOTAS

Este artigo resume idéias expostas no Capítulo 1 do livro de Sampaio (1999).

1. Agrupa-se na perspectiva do capitalismo tardio um conjunto de autores quetêm uma visão comum sobre o processo de industrialização, compartilhando omesmo conceito de industrialização, a mesma forma de interpretar os fatores in-ternos e externos responsáveis pelo movimento da economia brasileira e a mes-ma periodização do desenvolvimento capitalista no Brasil, periodização que oslevou a concluir que o Brasil havia terminado a revolução industrial e auto-determinado seu padrão de acumulação. Embora a crise da economia mundial,em meados de 1970, tenha incentivado uma série de trabalhos que procuravamdar conta da nova realidade, tal esforço ainda não foi sistematizado analitica-mente.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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RODRIGUEZ, O. Cepal: viejas y nuevas ideas. Quantum, Montevideo, v.1, n.2,otoño 1994.

SAMPAIO Jr., P.S.A. Entre a nação e a barbárie: os dilemas do capitalismodependente em Caio Prado, Florestan Fernandes e Celso Furtado.Petrópolis, Vozes, 1999.

TAVARES, M.C. Acumulação de capital e industrialização no Brasil. Campi-nas, Unicamp, 1974.

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DESENVOLVIMENTO CAPITALISTA E PROJETO NACIONAL: CAIO PRADO JÚNIOR...

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DESENVOLVIMENTO CAPITALISTA EPROJETO NACIONAL

Caio Prado Júnior e os impasses daexperiência brasileira

RUBEM MURILO LEÃO RÊGO

Professor do Departamento de Sociologia, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas

ste artigo pretende analisar as contribuições deCaio Prado Júnior à questão do desenvolvimen-to brasileiro, particularmente após o desencadea-

inclusive o seu desenvolvimento industrial, encontrava-se nos “estreitos horizontes” do regime econômico pro-dutor de alguns gêneros tropicais para exportação.

Em História econômica do Brasil (s/d:125-126), CaioPrado faz uma aguda interpretação, se bem que com ênfasequase exclusiva nas suas causas externas, do processo decrise do sistema colonial, articulando-o à criação de condi-ções estimuladoras do autônomo desenvolvimento econô-mico, social e político da sociedade brasileira. Autônomoem relação ao conjunto de severas restrições, internas e ex-ternas, que foram sempre impostas pela vigência do pactocolonial. Procurando na interpretação do passado as raízesdos impasses de nosso processo de desenvolvimento, co-meça por reconhecer que o ofuscamento do capitalismo co-mercial realizado pela expansão da indústria capitalista com-promete a existência e promove o declínio do antigo sistemacolonial, para o qual o pacto colonial era “a expressão per-feita do capitalismo comercial” (Prado Júnior, s/d:124). Oavanço do capitalismo industrial tem por efeito principal adesagregação do monopólio comercial, porque a ele inte-ressava a expansão da absoluta liberdade de intercâmbio.Dessa forma, em face do interesse na expansão contínua denovos e diversificados mercados, a destruição do sistemade monopólios mercantis se transformou em condição ne-cessária ao desenvolvimento do capitalismo industrial, por-que as restrições presentes nas relações mercantis se consti-tuía no “efeito necessário de qualquer monopólio”. Ao “favordas circunstâncias internacionais”, agregou-se a força dascontradições internas, que se apresentavam com enormevigor contra a persistência da política de monopólios e pri-vilégios. Mas, é o conjunto das medidas coloniais restriti-

mento e intensificação do processo de industrialização emnossa sociedade. Foi recorrente, principalmente entre osanos 40 e 70, o debate sobre os contornos que deveriaadquirir um projeto nacional de desenvolvimento. Nestedebate, a intervenção do autor esteve sempre pautada peloreconhecimento da força de nosso passado para qualquertentativa de definição daqueles contornos: “O passado (...)aí ainda está, e bem saliente; em parte modificado, é cer-to, mas presente em traços que não se deixam iludir. Ob-servando-se o Brasil de hoje [do início dos anos qua-renta], o que salta à vista é um organismo em franca eativa transformação e que não se sedimentou ainda emlinhas definidas; que não ‘tomou forma’. É verdade queem alguns setores aquela transformação já é profunda e édiante de elementos própria e positivamente novos quenos encontramos. Mas isto, apesar de tudo, é excepcio-nal” (Prado Júnior, 1987:10-11).

Essas palavras são singularmente expressivas de umaproblemática nuclear da análise caiopradiana sobre os al-cances, impasses e desvios da experiência brasileira dedesenvolvimento: o caráter contraditório, restrito e con-servador de nossa inconsistente assunção à contempora-neidade. Era sua opinião de que “não completamos aindahoje a nossa evolução da economia colonial para a nacio-nal” (Prado Júnior, 1987:11). Daí que, mais do que a si-tuação de subordinação política e administrativa anterior-mente vivida pelo Brasil, o maior obstáculo oposto aoprocesso de diversificação das atividades econômicas,

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vas que condiciona o processo definitivo de crise, colocan-do em cheque a “a estrutura econômica básica (...) que seorganizara, não para atender a necessidades próprias, maspara servir a interesses estranhos” (Prado Júnior, s/d:126).

Nesse contexto, “desencadeiam-se as forças renova-doras latentes que daí por diante se afirmarão cada vezmais no sentido de transformarem a antiga colônia numacomunidade nacional e autônoma”, mesmo marcadas pelalentidão e pelas intermitências que vão de fato fundamen-tar “a linha de desenvolvimento que caracteriza a evolu-ção da sociedade brasileira” (Prado Júnior, s/d:126). Porisso, as condições de dependência ao exterior, sobre asquais o país tinha se assentado, não deixam de promoversérias contradições. De início, o regime de liberdade co-mercial e a concorrência quase sem restrições da produ-ção estrangeira, inibe a emergência de uma produção bra-sileira e constringe a estrutura produtiva a seus papéistradicionais. Aí está a raiz do que o autor interpreta comoum processo de manutenção da dependência colonial ou depreservação do caráter colonial da sociedade brasileira.

“O Brasil, já com tantas dificuldades para sair destesistema que lhe tinham legado três séculos de formaçãocolonial, e em função de que se organizara a sua vida,assistia agora a seu reforçamento; em lugar das restriçõesdo regime de colônia, operava agora a liberdade comer-cial no sentido de resguardar e assegurar uma organiza-ção econômica disposta unicamente para produzir algunspoucos gêneros destinados à exportação” (Prado Júnior,s/d:134-135). Se as anteriores deficiências do comérciocolonial tinham de alguma forma operado como “barrei-ra protetora de uma pequena indústria local”, por sua vezesta não podia sobreviver à concorrência externa impul-sionada com a abertura comercial. Somem-se a isto asenormes despesas necessárias para a criação de serviçosindispensáveis e para a manutenção de um ineficienteaparelho administrativo herdado dos padrões organizati-vos da administração metropolitana, que não respondiaàs necessidades de uma nação economicamente mal es-truturada e desigualmente povoada (Prado Júnior, s/d:138). Emerge, neste momento, “um desacordo funda-mental entre o sistema econômico legado pela colônia eas novas necessidades de uma nação livre e politicamen-te emancipada” (Prado Júnior, s/d:140).

Mesmo a posterior expansão cafeeira teve, segundoCaio Prado, um caráter ambíguo e contraditório: se, deum lado, conformou um conjunto complexo e diversifi-cado de atividades produtivas, desde as destinadas ao pre-paro e beneficiamento do produto até o desenvolvimento

dos meios de transporte e comercialização, de outro re-produziu os moldes clássicos de organização da agricul-tura brasileira – “a exploração em larga escala, fundadana grande propriedade monocultural trabalhada por es-cravos negros, substituídos mais tarde por trabalhadoresassalariados” (Prado Júnior, s/d:165-6). As transforma-ções econômicas ocorridas continham esta ambivalência:contribuíram para a concretização de uma verdadeira re-volução nas relações sociais e econômicas do país e, aomesmo tempo, reforçaram os padrões tradicionais de or-ganização da estrutura produtiva agrária brasileira. A con-vivência entre transformação e preservação de processosprodutivos apresenta-se como o aspecto essencial da ex-periência brasileira que a todo o tempo se depreende dainterpretação caiopradiana.

DIVERSIFICAÇÃO DA ESTRUTURAPRODUTIVA

O período compreendido pela segunda metade do sé-culo XIX constituiu-se no momento de larga expansão dasforças produtivas e de remodelação da vida material doBrasil (Prado Júnior, s/d:192). Particularmente depois de1850, a quantidade de novos empreendimentos – “a fe-bre de negócios” – foi a expressão do súbito processo de“libertação dos capitais antes invertidos no tráfico negrei-ro” e da grande inflação de crédito e emissão de papel-moeda (Prado Júnior, s/d:192).1

A sociedade brasileira, antes “segregada e vegetandona mediocridade do isolamento, se moderniza e se esfor-ça por sincronizar sua atividade com a do mundo capita-lista contemporâneo” (Prado Júnior, s/d:195). É nessecontexto que Caio Prado aponta a presença de um duploparadoxo: a preservação de instituições políticas conser-vadoras e a dinamização do desenvolvimento das forçasprodutivas. Apesar da atuação imobilizadora e conserva-dora do conjunto das instituições do período imperial bra-sileiro, mantendo-se relativamente à margem do proces-so de dinamização do desenvolvimento econômico, ocorreuma “completa remodelação material do Brasil”, com aexpansão da população, a intensificação do intercâmbiocomercial externo, o crescimento das rendas públicasnacionais, a implantação do transporte ferroviário, a ex-pansão da navegação a vapor, o relativo progresso indus-trial assentado nas manufaturas têxteis, etc.

De outra parte, a existência de uma numerosa populaçãolivre, externa ao binômio senhor-escravo, contribuirá deci-sivamente para resolver o problema da demanda de força de

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trabalho exigida por essa expansão de atividades econômi-cas. Mas, apesar deste surto de desenvolvimento industrial,constituía ainda uma enorme barreira à preservação estrutu-ral do sistema econômico fundamentalmente assentado naatividade produtiva agrícola exportadora.

Faltava ainda uma condição essencial para a expansãoindustrial: um mercado interno amplo e em contínuo cres-cimento. A fonte mesma da riqueza brasileira é, ao mes-mo tempo, a base da fraqueza orgânica da estrutura pro-dutiva. Dessa forma, “a economia brasileira estava assimpresa num círculo vicioso de que somente transformaçõesfuturas de vulto a poderiam livrar: ela se fundava e hau-ria suas forças precisamente naquilo que constituía suafraqueza orgânica, a grande lavoura produtora de gêne-ros de exportação” (Prado Júnior, s/d:199). Permane-ciam as “perspectivas acanhadas do país”, mesmo quedisfarçadas pela contínua expansão da demanda interna-cional de café e pelo virtual monopólio que detinha oBrasil de sua produção.

O processo de desenvolvimento das forças produtivasainda será mais intenso com o advento da República (PradoJúnior, s/d:207), particularmente até a primeira década doséculo XX, período que conheceu o apogeu da produçãoagroexportadora e a consolidação de uma economia decaráter dominantemente extensivo e de produção em lar-ga escala. Como fator externo decisivo para este impulsoeconômico, deve-se considerar o expressivo desenvolvi-mento internacional do capitalismo, alargando o comér-cio de gêneros e matérias-primas agrícolas. No plano in-terno, a resolução do problema do mercado de força detrabalho, com a concretização da abolição da escravidãoe o crescente incremento do movimento imigratório eu-ropeu, criou as condições favoráveis à estimulação dodesenvolvimento econômico do país. Para tanto, a incor-poração de melhorias técnicas do processo produtivo – aintrodução da maquinaria na produção cafeeira – e a ex-pansão dos transportes ferroviários e marítimos foramelementos decisivos.

O autor é conclusivo a esse respeito: “ ... a República,rompendo os quadros conservadores dentro dos quais semantivera o Império apesar de todas suas concessões,desencadeava um novo espírito e tom social bem mais deacordo com a fase de prosperidade material em que o paísse engajara. Transpunha-se de um salto o hiato que sepa-rava certos aspectos de uma superestrutura ideológicaanacrônica e o nível das forças produtivas em franca ex-pansão. Ambos agora se acordavam. Inversamente, o novoespírito dominante, que terá quebrado resistências e es-

crúpulos poderosos até havia pouco, estimulará ativamentea vida econômica do país, despertando-a para iniciativasarrojadas e amplas perspectivas” (Prado Júnior, s/d:209).

Ao lado disso, Caio Prado chama a atenção para outrofator relevante: a transformação do papel que até entãovinha desempenhando o capital estrangeiro no desenvol-vimento da formação social brasileira, passando dos em-préstimos públicos e investimentos em obras de infra-es-trutura para os investimentos diretos (Prado Júnior, s/d:209). Em relação às atuações anteriores centradas nosempréstimos públicos e em alguns investimentos na infra-estrutura de transportes ferroviários e marítimos, é a am-pla penetração do capital financeiro internacional quecaracteriza este novo período da história brasileira, quealastra seus interesses por “todos os setores fundamen-tais da economia brasileira, até colocá-la inteiramente aseu serviço”.

CAPITAL ESTRANGEIRO E DEPENDÊNCIA

No entanto, constituía um verdadeiro paradoxo o fatode ao desenvolvimento alcançado contrapor-se uma re-corrente fragilidade estrutural: “...ao mesmo tempo quese ampliavam as forças produtivas do país e se reforçavao seu sistema econômico, acentuavam-se os fatores quelhe comprometiam a estabilidade. A concentração cadavez maior das atividades na produção de uns poucos gê-neros exportáveis, e a estruturação de toda a vida do paíssobre base tão precária e dependente das reações longín-quas de mercados internacionais fora do seu alcance, tor-navam aquele sistema essencialmente frágil e vulnerável”(Prado Júnior, s/d:211). E cada medida tomada no senti-do de sua ampliação agravava a situação de dependência.Na gênese de nosso desenvolvimento estavam presentesas contradições que o perturbariam.

Apesar desta “fragilidade estrutural da estrutura mo-nocultora”(Prado Júnior, s/d:215) revelou-se, nestas con-dições de prosperidade econômica, a conformação de umprocesso de diferenciação das atividades produtivas nosentido de reduzir a excessiva dependência ao exterior,principalmente em setores não agrícolas como a indús-tria manufatureira. Portanto, “é assim do íntimo das con-tradições inerentes ao sistema econômico do país que bro-tam as forças que com o tempo o vão transformando”(Prado Júnior, s/d:216).

Assim delimitado o campo problemático, a análise pro-cura sempre revelar as articulações que demonstram a ocor-rência de um processo de reposição contínua de “laços co-

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loniais” e de dependência de um dinamismo externo, abran-gendo tanto o movimento expansivo da produção cafeeiracomo outros setores produtivos brasileiros. Patenteia-se aquio traço característico e recorrente : “a falta de plasticidadeda estrutura econômica brasileira” (Prado Júnior, s/d:243).Este é o movimento analítico que deve ser retido: os avan-ços do desenvolvimento capitalista são traspassados, em ra-zão de imperativos estruturais, por processos que tanto man-têm a força dos laços de dependência e subordinação dasociedade, como reproduzem traços coloniais que se crista-lizaram internamente na formação social brasileira.

DIFICULDADES ESTRUTURAIS DAINDUSTRIALIZAÇÃO

Outras condições específicas contribuíram para dificul-tar o estabelecimento da indústria moderna no Brasil: as li-mitações das fontes de energia, o não desenvolvimento deuma indústria siderúrgica como básica ao processo de in-dustrialização e a estrutural deficiência dos mercados con-sumidores internos como produto da compartimentada e re-gionalizada estrutura produtiva agroexportadora. É por estasrazões que, para o autor, a industrialização brasileira, essen-cialmente centrada nas indústrias têxteis e alimentares epossuindo um baixo grau de concentração industrial, carac-terizava-se pela “extrema dispersão” e a excepcional ocor-rência de grandes unidades industriais. Aqui nos deparamoscom um limite da análise caiopradiana, qual seja o de perce-ber o processo de industrialização não sob a ótica da con-centração de capital e força de trabalho, mas enfatizando tãosomente a distribuição espacial das unidades produtivas. Aênfase na dispersão das unidades produtivas distancia o au-tor da percepção de aspectos essenciais da industrializaçãocapitalista, tanto por não se apoiar na distinção, enquantoprocesso técnico e social, entre as diferentes formas de ex-pressão do trabalho manufatureiro e industrial moderno,como por não ressaltar o caráter decisivo da concentraçãode capital e força de trabalho, enquanto evidência do domí-nio da grande indústria na experiência brasileira de desen-volvimento.2

Importa sublinhar que Caio Prado, ao reconhecer quea indústria já detinha importância indispensável na dinâ-mica econômica brasileira, observara, cremos que pionei-ramente, a existência de um grave condicionante negati-vo de nosso desenvolvimento industrial: a dependênciaparasitária em relação às elevadas tarifas alfandegárias eà contínua depreciação cambial. Ao sintetizar os caracteresbásicos da formação das indústrias brasileiras, constata a

ocorrência de uma “industrialização sem ideologia indus-trial”: “Não terá havido para elas a luta pela conquista ealargamento de mercados que constitui o grande estímu-lo das empresas capitalistas, e o responsável principal peloprogresso vertiginoso da indústria moderna. Pode-se di-zer que os mercados virão a elas, num apelo à produçãointerna de artigos que a situação financeira do país impe-dia que fossem comprados no exterior” (Prado Júnior, s/d:262). Disto resultavam tanto a fragilidade da concor-rência interindustrial, como uma estrita dependência aosmecanismos cambiais e tarifários que, impondo uma for-te subordinação às fontes externas de abastecimento demeios de produção, promovia a conformação de “indús-trias fictícias”, que se caracterizaram como verdadeirasatividades de “ajuntamentos de peças”.

Dessa forma, procurou enfatizar o papel exercido poresses condicionantes na constituição de uma indústriadispersa, rotineira e atrasada, que convive com a debili-dade do mercado interno, a deficiência técnica e a fragi-lidade do processo de capitalização (Prado Júnior, s/d:263). Procurou também ressaltar a fragilidade do pro-cesso de acumulação capitalista na economia brasileira,evidenciado no baixo grau de associação entre capitaisindividuais. Daí a constatação da “debilidade orgânica”da indústria brasileira, que se expressa na insuficiênciade um sistema protecionista: “...a sua sorte estará indis-soluvelmente ligada e estreitamente subordinada às vicis-situdes de um fator inteiramente estranho a ela e sobreque não tem a mais remota ação: o comércio exterior e obalanço de contas internacionais do país, bem como oestado das finanças públicas e o ritmo das emissões des-tinadas a cobrir as despesas do Estado”(Prado Júnior, s/d:266). Prova disto foi o declínio das atividades indus-triais provocado pelo movimento de recuperação do co-mércio exterior ocorrido no período de 1924 a 1930, noqual volta a se intensificar a importação de produtos ma-nufaturados concorrentes com a produção nacional.

Por essas idas e vindas é que, na história da formaçãosocial brasileira, as raízes de um processo de consolida-ção do desenvolvimento industrial só podem ser encon-tradas na expansão das “indústrias subsidiárias de gran-des empresas estrangeiras”, principalmente após a Pri-meira Grande Guerra. Entretanto, progressivamente, apósum período em que a maioria destas constituía-se de “sim-ples agências comerciais”, instaura-se um processo deaquisição de maior autonomia produtiva, mantendo-se avinculação financeira às suas matrizes no exterior. É nes-te processo que o investimento de capital estrangeiro no

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país trará uma “contribuição decisiva para o desenvolvi-mento da indústria brasileira”: “...será contribuição par-ticularmente importante, porque serão os principais res-ponsáveis pelo estabelecimento no país de uma indústriade base capaz de iniciar aqui mesmo a elaboração damatéria-prima e a produção do material semi-elaborado,e mesmo a maquinaria, destinados às diferentes indús-trias que trabalham diretamente para o consumo final (Pra-do Júnior, s/d:268)”. É o caso do desenvolvimento de umaindústria metalúrgica, e posteriormente siderúrgica, vol-tada para a exploração das imensas reservas de minériode ferro.

Porém, o que se deve ressaltar na análise caiopradianaé a idéia de que esse processo, fundamentalmente depen-dente, configurou-se e consolidou-se de forma não sobe-rana, comprometendo negativamente as formas de arti-culação e integração, de resto inelutáveis, da sociedadebrasileira à dinâmica reprodutiva fundada na internacio-nalização do capital. Daí essa não soberanidade consistirnuma idéia-força que produz uma recorrente tensão nasua interpretação da experiência brasileira. Porque “a si-tuação de dependência e subordinação orgânica e funcio-nal da economia brasileira com relação ao conjunto in-ternacional (...) é um fato que se prende às raízes daformação do país” (Prado Júnior, s/d:270) é que essa con-dição genética e estrutural a constituiu em oposição a umprocesso de formação de uma economia “nacional”, istoé, de uma organização produtiva voltada essencialmentepara atender as necessidades de sua população, fazendocom que seu desenvolvimento seja, ao mesmo tempo, odesenvolvimento de seu “caráter colonial”. E é essa cir-cunstância que tornará extrema a vulnerabilidade brasi-leira à penetração do capital financeiro internacional, nomomento em que o desenvolvimento do capitalismo atingesua fase de internacionalização. O autor é enfático: “Opaís far-se-á imediata e como que automaticamente, semresistência alguma, em fácil campo para suas operações”(Prado Júnior, s/d:270). Assim, a forma de participaçãodo capital estrangeiro na formação social brasileira se farácausa de um “desenvolvimento capitalista inorgânico ecaótico” (Prado Júnior, s/d:271-272).

A análise caiopradiana da formação social brasileira dáconta, de maneira detalhada, dos setores de atividades emque o capitalismo internacional se fez determinante e condi-cionador do desenvolvimento brasileiro. No entanto, é limi-tada quanto à compreensão e explicitação dos mecanismosintegradores que corresponderam, historicamente, a umanova etapa do desenvolvimento capitalista em escala mun-

dial – a etapa da reprodução internacionalizada do capital.Apesar disso, procura acentuar acertadamente os efeitoscontraditórios da ação capitalista estrangeira sobre os pro-cessos de conformação e desenvolvimento da formação so-cial brasileira. Este processo de exploração não resultou naformação e fortalecimento capitalista de uma classe burgue-sa própria, promoveu um desvirtuamento da estrutura pro-dutiva e uma imposição subordinada dos fins a que se desti-nava esta dinâmica, provocou constantes ações perturbadorasdo equilíbrio das finanças nacionais e impôs crônicos dese-quilíbrios nas contas externas.

A PERVERSA ORDEM DO DESENVOLVIMENTO

“Mas não há que sobrestimar as modificações estrutu-rais da sociedade brasileira, porque basicamente ela con-serva seus traços originários, e em particular a inferiori-zação sócio-econômica de suas classes trabalhadoras epopulares e os baixos padrões tanto culturais como mate-riais e de consumo a que aquela situação e posição ascondena” (Prado Júnior, 1989:120).

O que é importante na interpretação das transforma-ções decorrentes do processo industrializador é a apreen-são da perversa dialética de nosso desenvolvimento, nosentido de que ao mesmo tempo alcança níveis adianta-dos de estruturação capitalista da produção e promove areprodução da subordinação internacional, da exclusãoeconômica e da desigualdade social.

Esse desenvolvimento não se fez tão somente comoresultado ou decorrência imediata da expansão da produ-ção agroexportadora, mas foi justamente estimulado nosmomentos de crise, quando se impõem severas restriçõesà dinâmica de exportação e importação. É nesses momen-tos que ocorrem os “processos de nacionalização” de nossaeconomia. É importante a ressalva de que o caráter des-sas crises é fundamentalmente estrutural, ou seja, decor-re da sujeição de nosso processo de desenvolvimento aum dinamismo que sempre esteve centrado nas oscilaçõesde circunstâncias externas e sem possibilidade de contro-le nacional. Por isso, “a base oferecida pelo nosso antigosistema, voltado precipuamente para o exterior, se tornaprogressivamente mais estreita e incapaz por isso de sus-tentar a vida do país” (Prado Júnior, s/d:296).

Também decorre dessa trajetória a insistentementeapontada “debilidade orgânica da indústria brasileira”:“...tinha perspectivas de sucesso qualquer atividade quefosse capaz de substituir, embora mal e com artigos infe-riores, uma importação tornada por qualquer motivo im-

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possível; ou mesmo que unicamente eliminasse algumcusto pago em moeda estrangeira. Isso tinha de dar, comoefetivamente deu, num crescimento industrial desordena-do, desconexo, mal estruturado (...). Os diferentes seto-res do parque industrial brasileiro não se desenvolverãoem função um do outro, ajustando-se mutuamente paraformarem um conjunto harmônico” (Prado Júnior, s/d:299). Mesmo considerando que a necessidade de rees-truturação e renovação de nosso sistema econômico nãotivesse chegado a “comprometer a essência colonial”, “opaís ingressa numa fase em que a par do crescimento, sobcertos aspectos, de suas forças produtivas e de diversifi-cação de suas atividades econômicas – em particular noque diz respeito ao progresso industrial – se verificarão acen-tuados e crescentes desequilíbrios e desajustamentos que seprolongam na vida social e política” (Prado Júnior, s/d:301).

Durante e após a Segunda Guerra Mundial, deu-se umintenso revigoramento da economia exportadora de pro-dutos primários – traço estrutural de todo nosso passado –,fazendo com que se produzissem dois efeitos positivospara a economia brasileira: a acumulação de superávitescomerciais expressivos e a expansão do mercado internopara as atividades industriais (Prado Júnior, s/d:303). CaioPrado percebe que esta expansão motivou ainda o iníciode um processo de exportações de manufaturados, prin-cipalmente os produtos têxteis, e que, no contexto dessascircunstâncias favoráveis esse período representou, defato, “uma fase de nítido progresso”. Apesar dos efeitosnegativos das restrições às importações, que prejudica-ram a importação de elementos essenciais ao desenvolvi-mento do país, as condições favoráveis dos preços inter-nacionais de matérias-primas e gêneros alimentaresproduziram, no final da década de 40, vultosos saldoscomerciais, fundamentais para a implantação de progra-mas de fomento de atividades industriais, a partir de 1950(Prado Júnior, s/d:307-308).

No entanto, em sua severa crítica, Caio Prado lembraque os estímulos às atividades industriais nos anos 1950-52 tiveram o grave defeito de não terem se apoiado em“um plano de conjunto em que se previsse cuidadosamenteo aproveitamento máximo dos recursos disponíveis”, coma administração federal “limitando-se a presidir a umaliberal, generosa e não raro venal e corrupta distribuiçãode licenças de importação daqueles artigos que momen-taneamente oferecessem aos felizes beneficiários maio-res perspectivas de fáceis lucros imediatos e, em boa par-te, quase puramente especulativos” (Prado Júnior, s/d:308). O fato é que, no período de dois anos, passou-se

de uma situação extremamente favorável da balança co-mercial para a acumulação de enorme déficit.

Mesmo assim, considera que o “sistema de licença pré-via para importações”, instituído em 1948, abria a possibili-dade de “uma seleção das importações segundo sua essen-cialidade e as necessidades mais prementes e fundamentaisda economia do país” (Prado Júnior, s/d:311). Porém, o re-gime instituído em 1953, com a Instrução 70, que instituía aplena liberdade comercial e cambial, veio por sua vez agra-var ainda mais a “deformação do processo de industrializa-ção brasileiro”, colocando “a indústria e a iniciativa propria-mente nacionais em posição francamente desvantajosa frenteaos empreendimentos, no Brasil, de capitais e trustes inter-nacionais” (Prado Júnior, s/d:313). Este é o tom que percor-re toda a análise caiopradiana da industrialização brasileira:as soluções para as situações críticas de nosso processo dedesenvolvimento sempre se faziam não pelo fortalecimentodas iniciativas nacionais, mas pelo favorecimento à contí-nua expansão das áreas de penetração dos investimentos decapitais internacionais. Nisto enxergava o recorrente “lan-çar mão do velho arsenal colonialista” e a recusa da “neces-sidade de resguardar a economia do país contra os azares daliberdade comercial sem freios e procurar o necessário equi-líbrio dela pelo rigoroso disciplinamento do comércio exte-rior (...)” (Prado Júnior, s/d:313).

O entendimento de que, nos idos de 1950, o desenvol-vimento do capitalismo internacional era marcado pelas“circunstâncias gerais derivadas da intensificação do pro-cesso de trustificação da economia” (Prado Júnior, s/d:315), permitiu perceber que a conjugação dessas con-dições externas com as políticas internas de estimulaçãoda entrada de capital estrangeiro no Brasil gestou um novocaráter ao nosso desenvolvimento, plasmado na associa-ção entre inversões estrangeiras e empreendimentos na-cionais. Mas o que é grave, nesse contexto, e que se per-petua posteriormente, é que “o afluxo de capitais es-trangeiros não chegará efetivamente a compensar aquiloque, por outro lado, os mesmos empreendimentos sub-trairão às finanças brasileiras a título de remuneração di-reta ou indireta de suas atividades” (Prado Júnior, s/d:316).Nesse sistema e nas suas contradições internas encontra-se a raiz do desequilíbrio crônico de nossas finanças ex-ternas, com conseqüências conhecidas: “instabilidade fi-nanceira, inflação, perturbações profundas e incontroláveisque se repetem amiúde, ameaçando de cada vez os pró-prios fundamentos da economia brasileira. E tornandoimpossível um desenvolvimento ordenado e solidamentealicerçado” (Prado Júnior, s/d:318).

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DESENVOLVIMENTO CAPITALISTA E PROJETO NACIONAL: CAIO PRADO JÚNIOR...

Mesmo considerando que a industrialização represen-ta “um poderoso fator de destruição do velho sistemacolonial” e de sensível melhora da “composição orgânicado capital”, Caio Prado mostra que, ainda em 1970, cer-tos “vícios originários e orgânicos” continuam presentes,produzindo deformações no processo de “estruturação deuma economia efetivamente nacional” (Prado Júnior, s/d:323-324). A que deformações o autor está se referin-do? Compreendiam tanto o fato de a industrialização bra-sileira em parte ainda se fundamentar em medidas queobjetivavam solucionar “problemas prementes de abas-tecimento”, como o de ter se concentrado em “esparsas edesconectadas atividades produtoras de bens direta ouindiretamente ligadas ao consumo de restritos setores demaior poder aquisitivo”. Acrescente-se, ainda, a não pe-netração ou expansão deste movimento industrializadornas atividades rurais (Prado Júnior, s/d:324) e a ausênciade “autonomia tecnológica”, estabelecendo “um vínculoirremovível de dependência e subordinação que eliminaqualquer perspectiva (...) de um progresso tecnológicooriginal independente e impulsionado por forças e neces-sidades próprias”(Prado Júnior, s/d:330).

A questão principal é que esta situação consiste no fa-tor principal de “deformação” do processo de industriali-zação brasileira. A crítica dessa deformação implica ademonstração das conseqüências negativas desta novarealidade, na qual a dinâmica dos investimentos produti-vos industriais é dominada, direta ou indiretamente, pe-los interesses de grandes organizações monopólicas e peloprocesso de concentração do capital – o que indica o ca-ráter inibidor desses investimentos para as iniciativasnacionais (Prado Júnior, s/d:325). Entretanto, a conseqüên-cia mais negativa desse processo de industrialização é adesconexão que se produziu entre progresso industrial emelhoria das condições gerais de prosperidade do con-junto da população brasileira. Exemplos desta descone-xão seriam os efeitos produzidos pela expansão industrialque se verifica entre 1966 e 1976, por ter-se apoiado emdois fenômenos problemáticos para a construção e trans-formação da economia brasileira no sentido da definitivaruptura com os padrões de dependência e subordinaçãoque sempre caracterizaram a formação da sociedade na-cional: a extrema disponibilidade de recursos financeirosinternacionais para intensificar o processo de exportaçãode capitais característico do novo momento de desenvol-vimento do capitalismo internacional e, como conseqüên-cia, a sustentação de um processo de crescimento indus-trial no Brasil, fundado tanto na monumental expansão

das empresas multinacionais como na continuada políti-ca de endividamento externo da economia. Esses efeitosforam o aumento da desigualdade social na sociedadebrasileira, a exclusão e marginalização de amplos setorespopulacionais e a consolidação de uma das mais perver-sas estruturas de distribuição de renda.

REPOSIÇÃO DA DEPENDÊNCIA EPROJETO NACIONAL

Cabe considerar aqui que, na história da industrializa-ção brasileira, as decisões de investimentos de nossa bur-guesia, e mesmo de parte do Estado, em regra subordina-ram-se a estratégias defensivas, raramente assumindoposições ofensivas que visassem o desenvolvimento ca-pitalista com certo grau de soberania. Já se disse, jocosa-mente, que sempre que se defrontava com “um par de olhosazuis”, a burguesia brasileira era acometida de um irre-sistível impulso de prostração.

O que Caio Prado quer enfatizar é a não ruptura de nossasituação de dependência, marcada pela “condição capita-lista reflexa” do Brasil em relação ao capitalismo inter-nacional. Isto é, somos capitalistas na medida e na pro-porção das configurações e interesses do capitalismointernacional. Aqui o sistema capitalista “acrescentou-se”ao sistema econômico periférico e complementar existente.Por tais razões, a forma capitalista de produção desen-volve-se sobre uma base não superada do sistema colo-nial da economia brasileira. As deformações se produzempela convivência desses dois elementos que constituem aestrutura da sociedade: capitalismo e sistema colonial(Prado Júnior, 1954:79). Daí ser necessário, para desven-dar a “especificidade do capitalismo brasileiro” (PradoJúnior, 1954:83), a distinção entre relações econômicasinternas e relações capitalistas externas: “(...) nossas re-lações capitalistas internacionais independem no essen-cial e fundamental, do fato de nossa estrutura apresentartraços mais ou menos acentuadamente capitalistas. (...)Poderíamos ser internamente muito menos ‘capitalistas’que somos, e nem por isso nos entrosarmos menos no sis-tema capitalista internacional” (Prado Júnior, 1954:83).

Mas por que falar de “novo sistema colonial” ? Porque aessência do sistema colonial é parcialmente mantida e se tra-duz numa distribuição de valores econômicos altamentevantajosa para o “setor central” em relação ao “setor perifé-rico” (Prado Júnior, 1954:95), configurando-se numa “de-terioração permamente das relações de troca em prejuízo dascolônias; isto é, os preços relativos da produção primária e

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das manufaturas (...) se tornam cada vez mais desfavoráveispara a produção primária” (Prado Júnior, 1954:96). A con-tinuidade desse processo faz surgir uma nova contradiçãoentre sistema colonial e capital internacional: a implemen-tação de atividades econômicas nas colônias diretamenteorientadas para seu abastecimento interno. Ao integrar ecompletar o próprio “sistema colonial”, estas iniciativas cons-tituem “um fator de deformação do processo de industriali-zação dos países coloniais”. Gestam uma espécie de “indus-trialização deformada” (Prado Júnior, 1954:98). À formacomo se multiplicam as atividades industriais – enquanto ati-vidades subsidiárias – somam-se a dependência financeira,a dependência tecnológica, etc., constituindo-se aquelas como“arremedos industriais” ou um “disfarce de produção inter-na”. Assim, “(...) o sistema colonial, embora complicando-se e assumindo novas formas ignoradas no passado, conser-va seus característicos essenciais, acentuando-se mesmo aposição periférica e complementar das economias do nossotipo. A linha de evolução econômica do Brasil (...) não nosconduziu (...) no sentido de uma transformação de padrõeseconômicos e de nossa tradicional posição de colônia e eco-nomia complementar” (Prado Júnior, 1954:100-102).

Levando em consideração o contexto acima descrito,parece que, para o autor, a resposta a essa situação estána ruptura e “subversão completa do sistema colonial edo imperialismo”, de modo a conduzir à configuração deuma autonomia do processo de desenvolvimento. Tam-bém a manutenção de baixos padrões de produtividadenas atividades econômicas brasileiras decorre antes de uma“inversão do desenvolvimento”, provocada pelas “flutua-ções cíclicas da economia colonial”, do que do “atraso”de sua economia.

As dificuldades de renovação do parque industrial vi-nham demonstrar, mais uma vez, “a debilidade orgânicada indústria brasileira” (Prado Júnior, 1954:132). Essadebilidade orgânica, além de não permitir a conformaçãode um processo industrializador soberano, no sentido dese garantir internamente o controle sobre as escolhas edecisões relativas aos investimentos industriais, ratifica-se pela não superação ou negação da dinâmica colonial.

Avaliando a crise em que se encontrava a economiabrasileira no início da década de 50, o autor percebe, comextrema perspicácia – e pensamos que originalmente –, adimensão contraditória do processo de substituição deimportações. Para ele, a indústria brasileira tem um du-plo aspecto: negativo e positivo. Negativo porque a pro-dução interna consiste basicamente numa “solução deemergência” para o “suprimento de importações torna-

das impossíveis”, e que se poderia obter em melhorescondições no exterior, desde que funcionasse adequada-mente a dinâmica exportação-importação. E positivo por-que pode funcionar “como apoio e ponto de partida para umareestruturação profunda” do presente sistema econômico.

Por essas razões, a análise assume um caráter proposi-tivo, considerando fundamental a formulação de um pro-jeto nacional que organize “uma atividade produtiva quese estruture e desenvolva em função das necessidadespróprias do país, capaz de mobilizar toda a sua popula-ção válida, e portanto transformar aquelas necessidadesem demanda efetiva e estímulo daquela mesma produção”(Prado Júnior, 1954:161). Mesmo reconhecendo que onível atingido pelas forças produtivas do país representa,em grau apreciável, uma reestruturação social de grandesignificação e alcance, que se revela na formação de umexpressivo proletariado industrial, propugna um desen-volvimento que rompa com as amarras do sistema colo-nial: “(...) desenvolvimento no sentido de uma economianacional e que não seja simplesmente periférica e com-plementar do sistema internacional do capitalismo con-temporâneo” (Prado Júnior, 1954:167).

Trata-se de superar o persistente dualismo que se ob-serva na estrutura econômica brasileira: de um lado a pre-valência do “sistema colonial” e, de outro, o esboço denovo tipo de desenvolvimento baseado em “novas for-mas econômicas” (Prado Júnior, 1954:169). Caio Pradofaz essa distinção com o objetivo de criticar a “unicidade”que segundo ele está presente na compreensão da questãodo desenvolvimento formulada por Raul Prebish, enquanto“um simples efeito da difusão da técnica moderna”.3

O núcleo da questão ou da objeção encontra-se na pos-sibilidade de se escolher, no âmbito da política de indus-trialização brasileira, entre “uma produção industrial des-conexa, aleatória, oportunista e ditada unicamente peloacaso de conjunturas cambiais eventualmente favoráveis”e “uma verdadeira estrutura industrial cujas partes se com-pletam (...) num todo orgânico capaz de satisfazer as ne-cessidades efetivas do país e da massa de sua população”(Prado Junior, 1954:174). Ao mesmo tempo que aqui estápresente uma crítica à industrialização por substituiçãode importações, por não ter sido capaz de produzir umaestrutura industrial orgânica, o autor parece menosprezaros possíveis efeitos multiplicadores de grandes ativida-des industriais, como por exemplo a indústria automobi-lística. Sobre esta indústria, diz : “(...) uma tal transplan-tação de empresas estrangeiras acentuará o isolamento,no organismo econômico brasileiro, de uma atividade que

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não representará muito mais que uma extensão do apare-lhamento de vendas das matrizes (...)” (Prado Júnior,1954:175). É certo que o desenvolvimento da indústriaautomobilística tornou mais complexas as relações de de-pendência. Porém, possibilitou também a propagação ediversificação de nossas atividades industriais, ao lado deter sido fortemente responsável pela expansão do prole-tariado industrial brasileiro.

O autor quer ressaltar, entretanto, a existência, enquantoprojeto e realidade, de uma “indiscriminação do tipo dedesenvolvimento econômico”. Ao se apoiar o desenvol-vimento no capital estrangeiro “estar-se-á optando, ex-pressamente ou não, (...) por um tipo específico de evo-lução econômica em prejuízo de outro” (Prado Júnior,1954:182). A questão central é a seguinte: ou se transfor-ma ou se conserva o atual sistema colonial da economiabrasileira, decorrendo daí o caráter soberano ou não-so-berano de nossa integração econômica ao capitalismocontemporâneo.

CAPITALISMO DISTORCIDOE CAPITALISMO BRASILEIRO

Assim, no Brasil, “país periférico do sistema e onde ocapitalismo não é por enquanto senão função dessa posi-ção marginal e complementar”, a questão essencial é a de“construir o nosso capitalismo” (Prado Júnior, 1954:199).Compreender as idéias de Caio Prado sobre a construçãodo capitalismo brasileiro passa pelo entendimento do quedefine como “um nacionalismo no bom sentido” : a “cria-ção de uma cultura tanto intelectual como material pro-priamente brasileira” (Prado Júnior, 1954:216). O proble-ma é que “...não se formaram e não cresceram no Brasil,nas proporções e condições necessárias, os fatores deter-minantes em outros lugares da eclosão e progresso de umcapitalismo nacional capaz de dar largo impulso às for-ças produtivas do país”. E este capitalismo brasileiro sópode se desenvolver “em oposição ao sistema colonial”,necessitando “de uma larga reorganização e redistribui-ção dos elementos estruturais do país que lhe abram pers-pectivas que ainda faltam” (Prado Júnior, 1954:229).

A lógica da argumentação caiopradiana centra-se noseguinte argumento: se o Brasil continua com seu cresci-mento atrelado e dependente de um dinamismo que lhe éexterno, o desenvolvimento de um mercado interno, adiversificação da estrutura produtiva, a distribuição or-gânica e a complementaridade das atividades produtivas,enquanto elementos originariamente essenciais ao desen-

volvimento capitalista, não têm oportunidade nem con-dições de se efetivar em nossa sociedade. Por essa razão,a forma capitalista de desenvolvimento a qual o Brasilestá submetido é estruturalmente diversa do que poderiavir a ser a forma de desenvolvimento do capitalismo bra-sileiro. Poder-se-ia dizer que aquela forma reproduz, nostermos caiopradianos, um capitalismo distorcido.

ESTADO, BURGUESIA ECAPITALISMO BUROCRÁTICO

Para que se elimine “a pressão de fatores inerentes ao sis-tema em vigor e que tendem a conservá-lo” é fundamental aação do Estado (Prado Júnior, 1954:236): a tarefa do Estadoconsiste em enfrentar as contingências e libertar-se das li-mitações impostas pelo atual sistema, ou seja, “libertar asforças anticoloniais já presentes no interior da atual estrutu-ra econômica brasileira”. Trata-se da destruição daquilo quepersiste sendo herança do sistema colonial.

Essa questão apresenta uma nuança importante da aná-lise caiopradiana: se o processo de desenvolvimento ca-pitalista da formação social brasileira integra-se necessa-riamente à reprodução internacional do capital, o queimporta, e é fundamental, não é grau de associação entrecapitais nacionais ou estrangeiros, de resto inelutável, masa garantia do exercício do controle e domínio das deci-sões dos investimentos, privados e públicos, no sentidode responder às necessidades da sociedade brasileira. Porisso, a distinção entre “burguesia nacional” e “burguesiaassociada ao imperialismo” (Prado Júnior, 1966:190) ape-nas contribui para eludir a problemática essencial: a exi-gência de uma integração soberana e autônoma. Isto é queinforma a tese caiopradiana sobre o caráter decisivo daconstrução de um “capitalismo brasileiro”.

De outra parte, é importante destacar o papel que temdesempenhado o Estado no processo de formação e acu-mulação privada de capital, que se apresenta como um“fator de discriminação” e diferenciação no seio da bur-guesia: “o que sobretudo conta e torna o enriquecimentoprivado à custa e em função do poder público em verda-deira categoria econômica e forma específica de acumu-lação capitalista de grande vulto, é o fato de se ter consti-tuído na base das atividades e funções estatais toda umaesfera especial de negócios privados proporcionados pelopoder público e sistematicamente promovidos pelos de-tentores desse poder em benefício próprio e dos indiví-duos e grupos a que se ligam e associam” (Prado Júnior,1966:192).“Organiza-se (...) em torno da administração

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pública uma densa trama de negócios particulares, quedireta ou indiretamente se alimentam e mantêm à custadas funções públicas” (Prado Júnior, 1966:193). Dessa ma-neira, o fato de o aparelho estatal brasileiro ter-se torna-do um poderoso instrumento de acumulação capitalistaprivada, e assim constituir “a origem da categoria de bur-guesia que se alimenta diretamente da ação estatal e dasiniciativas públicas”, produz o exercício de poderes dis-cricionários do aparelho estatal em benefício de gruposprivados, o fortalecimento da estrutura burocrática dapolítica estatal e a centralização do Estado e fortalecimentodo governo federal pela ampliação desmesurada de suasfunções (Prado Júnior, 1966:194). Conforma-se assim, naexperiência brasileira, aquilo que de maneira extremamen-te lúcida Caio Prado chamou de “capitalismo burocráti-co”, que tem sua maior expressão no hibridismo dos inte-resses que transforma os recursos públicos no principalinstrumento da acumulação privada de capital. A ação docapitalismo burocrático conduz à confusão, internamen-te à administração estatal, entre interesses públicos e in-teresses privados. Ao prevalecerem esses últimos, a coi-sa pública é gerida e administrada como instrumento dedefesa dos interesses privados (Prado Júnior, 1966:202).

O CÍRCULO VICIOSO DOSUBDESENVOLVIMENTO

A análise caiopradiana inicia a discussão sobre o cará-ter subdesenvolvido da formação social brasileira, fazen-do a crítica da própria noção de subdesenvolvimento, namedida em que esta enfoca o desenvolvimento econômi-co apoiada em uma “idéia de progressão, dentro do siste-ma capitalista, unilinear e homogênea” (Prado Júnior,1961:189), descuidando-se das “diferenças qualitativas dodesenvolvimento”, que são dadas pelas circunstânciasparticulares da evolução econômica de cada país. Por isso,o fundamental não consiste em uma “insuficiência de pro-gresso”, mas na especificidade da condição subordinada,periférica e dependente. “O que os distingue e caracteri-za não é unicamente nem principalmente o seu baixo ní-vel de desenvolvimento e progresso econômico, e muitomenos a insignificância de sua renda nacional; e sim aquelaposição específica que ocupam no conjunto do sistemacapitalista”(Prado Júnior, 1961:190).

Por essas razões é que “não se trata no caso de um pro-cesso auto-estimulante e de efeitos cumulativos em queuma inversão abre oportunidades para outras atividadesprodutivas e portanto novas inversões”, mesmo quando

se está diante da nova etapa do desenvolvimento do capi-talismo marcada por investimentos diretos em unidadesprodutivas para atender os mercados internos dos paísessubdesenvolvidos. O resultado é que os centros de deci-são desses investimentos não são internalizados, portan-to, não se integram à dinâmica de uma economia nacio-nalizada. É o que o autor quer caracterizar como umprocesso de investimentos que objetiva, no essencial, uma“simples ampliação de vendas”. Nas suas palavras, “a in-versão do capital não seguirá outra norma que a do inte-resse comercial imediato (...), e se fará em atividades daespecialidade da empresa e sem consideração a outrascircunstâncias ligadas à estrutura e mesmo conjuntura dopaís em que se realiza, e ditadas pelas verdadeiras neces-sidades dele no momento”(Prado Júnior, 1961:199).

Esta situação de desequilíbrio também se manifesta noplano do movimento dos capitais: a existência de umacrônica descompensação, negativa para o país, entre osvolumes dos capitais aplicados no Brasil e das remessasfeitas para o exterior. A isto se somam as desiguais con-dições de acesso às atividades econômicas com melhoresperspectivas entre os capitais nacionais e os capitais mo-nopólicos internacionais. Por isso, “o capitalismo evoluinos países subdesenvolvidos, desde o seu nascedouro, sobo signo do monopólio” (Prado Júnior, 1961:207). Com-promete-se dessa forma “o crescimento e a adequada es-truturação do capitalismo nacional dos países subdesen-volvidos”. O capitalismo nacional, permanecendo es-truturalmente fraco e subordinado, “se mostra incapaz depromover com as próprias forças o desenvolvimento na-cional” (Prado Júnior, 1961:208-209). É um capitalismoinsuficiente e excessivamente débil.

Conclui Caio Prado: “Em suma, o desenvolvimento dospaíses subdesenvolvidos, na medida em que se promovepelo concurso de inversões estrangeiras (...), é essencial-mente precário e autolimitante, pois aquelas inversõesdeterminam elas mesmas as circunstâncias que tendem arestringi-las, e que são as novas obrigações delas deriva-das e que reduzem ainda mais a capacidade de pagamen-tos externos do país em que se efetuam. Encontra-se, por-tanto, o problema do desenvolvimento dos países sub-desenvolvidos, dentro do sistema atual do capitalismo in-ternacional, engajado num círculo vicioso” (Prado Júnior,1961:209). Para se desenvolver, tem de se apoiar neces-sariamente nas inversões estrangeiras, o que por sua vezagrava a condição de dependência e subordinação e limi-ta as possibilidades de promoção de um adequado desen-volvimento. Como romper esse círculo vicioso? “O que

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se propõe aos países subdesenvolvidos é superarem o es-tatuto em essência e fundamentalmente colonial de suaeconomia, e se reestruturarem em bases propriamentenacionais” (Prado Júnior, 1961:212).

O que se observa como especificidade das experiênciasde desenvolvimento dos países subdesenvolvidos é uma re-corrente desarticulação entre o processo de formação e acu-mulação de capital e o processo de inversão capitalista, aocontrário do que ocorre nos países de capitalismo originário(Prado Júnior, 1961:214). Cria-se uma situação especial nofuncionamento das economias subdesenvolvidas: a inversãocapitalista, conseqüência natural do processo de acumula-ção de capital, é condicionada “por fatores estranhos quelhe podem ser e freqüentemente lhe são contrários”. Estabe-lece-se um hiato entre a acumulação e a inversão, resultan-do em uma “forte drenagem aposta à formação e acumula-ção de capitais”(Prado Júnior, 1961:216).

Qual é então o grande desafio? A adoção de “uma po-lítica que vise a transformação da economia periférica,complementar e tecnologicamente primitiva (...), numaeconomia estruturada em bases nacionais e situada emnível de desenvolvimento compatível com o mundo mo-derno. A concentração de esforços e o aproveitamentomáximo de recursos, sem qualquer desperdício, que issorequer, somente é possível conseguir através de um rigo-roso controle das contas externas pelas quais não só tran-sita a principal parcela daqueles recursos que é o resulta-do financeiro das atividades produtivas fundamentaisconcentradas na produção para a exportação; mas aindase realizam os pagamentos de importações essenciais àprópria manutenção e desenvolvimento das atividadeseconômicas, em particular os bens de produção. Aquelesrecursos, que são freqüentemente incertos e inseguros, esempre insuficientes em face das necessidades a que de-vem prover, precisam por isso ser utilizados com ummáximo de rendimento e benefício, não devendo ser des-viados, por mínimo que seja, para fins menos interessan-tes à economia dos países subdesenvolvidos” (PradoJúnior, 1961:219).

Portanto, depreende-se da análise caiopradiana que atrajetória do desenvolvimento capitalista no Brasil perse-guiu um curso em que, ao mesmo tempo, realiza signifi-cativas transformações na estrutura produtiva e reproduzsua condição subordinada à dinâmica colonial do capita-lismo contemporâneo, perpetuando uma sociedade injus-ta e profundamente desigual. Diante das condições socio-políticas e econômicas em que vive hoje a sociedadebrasileira, como a extrema dependência às chamadas “res-

trições externas”, os constantes arranhões à nossa sobe-rania, a reafirmação e o agravamento do caráter concen-trado da distribuição da riqueza, a expansão da exclusãosocial e da pobreza, os obstáculos apostos por perversossetores dominantes a possibilidade de alcance de grauselevados de justiça distributiva, o enorme grau de priva-tização da coisa pública e a corrosão da capacidade doaparelho de Estado de sustentar um projeto de desenvolvi-mento fundamentalmente voltado aos interesses da maioriada sociedade, a contribuição analítica de Caio Prado Júniorainda hoje nos incita pela sua lucidez e atualidade.

NOTAS

E-mail do autor: [email protected]

Este artigo sintetiza a análise feita em dois capítulos da tese de doutoramento doautor: O sentimento do Brasil. Caio Prado Júnior: continuidades e mudançasno desenvolvimento da sociedade brasileira. São Paulo, Departamento de So-ciologia, FFLCH-USP, 1995.1. Informa Caio Prado Júnior: “No decênio posterior a 1850 observam-se índi-ces dos mais sintomáticos disto: fundam-se (...) 62 empresas industriais, 14 ban-cos, 3 caixas econômicas, 20 companhias de navegação a vapor, 23 de seguros,4 de colonização, 8 de mineração, 3 de transporte urbano, 2 de gás, e finalmente8 estradas de ferro”.

2. Sobre as considerações a respeito dos fundamentos sociais e econômicos daindústria moderna, ver Marx (1975). E, sobre a experiência brasileira, os traba-lhos de Silva (1976) e Cardoso de Mello (1982).

3. Essa concepção unívoca do desenvolvimento teria sido assim expressada, se-gundo Caio Prado Júnior, no artigo “Interpretação do processo de desenvolvi-mento econômico” (Prebish, 1961:8) “(...) o desenvolvimento econômico dospaíses que formam a periferia constitui uma nova fase de propagação universaldos métodos da técnica produtiva, ou melhor, do processo de desenvolvimentoorgânico da economia mundial”. No entanto, parece que Prebish quis enfatizarque o processo de desenvolvimento dos países periféricos enquadra-se necessa-riamente no movimento de expansão mundial do sistema capitalista.

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E

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escravista e patriarcal e, no presente, da condição do sub-desenvolvimento e da dependência.

Os títulos de duas de suas mais conhecidas obras – Aintegração do negro à sociedade de classes (1964) e Arevolução burguesa no Brasil (1975) – referem-se exa-tamente a essas situações problemáticas de uma integra-ção social que transcorre de forma insatisfatória para onegro, da mesma forma que a revolução burguesa não seefetiva de modo a tornar-se uma possibilidade aberta àmaioria do povo brasileiro para sua inclusão, por meiosdemocráticos, no processo de constituição de nação.

Um dos aspectos que certamente chama a atenção doleitor que passa a conhecer em extensão e profundidadea obra de Florestan Fernandes é a posição, sob vários as-pectos destacada, que ocupa a cidade de São Paulo. Essaposição especial, já assinalada desde seus primeiros es-tudos da década de 40, não deixa de se manifestar ao lon-go do trajeto de sua obra, que envolve um conjunto bas-tante amplo de temas e problemas.

Além do fato de reconhecer a relevância da cidadecomo um tema que está nas obras de diferentes pensado-res da sociedade moderna, ele aponta as razões particula-res que fizeram da cidade de São Paulo, por assim dizer,o lugar de referência sobre o qual se projeta a construçãoteórica de sua interpretação do Brasil.

É ele próprio que revela ter despertado para a sociolo-gia ainda menino, ao viver nas ruas de São Paulo o duroembate da vida. Aliás, toda sua trajetória pessoal ajuda aelucidar uma sociologia que se pretende comprometidacom os “de baixo”, ou seja, com a vida da maioria dopovo brasileiro. Uma das marcas distintivas da obra de

RENAN FREITAS PINTO

Professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Amazonas

ntre os diferentes elementos que Florestan Fer-nandes elege para construir sua interpretação daformação e desenvolvimento do Brasil certamen-

te está a cidade de São Paulo. Em primeiro lugar, porquepara compreender a formação da sociedade brasileira énecessário partir do presente, da constituição da ordemsocial competitiva, portanto, do Brasil das grandes cida-des em processo de urbanização e de industrialização. SãoPaulo é a cidade que melhor representa esse conjunto deprocessos e fenômenos, correspondentes a essa nova or-dem social e econômica.

A perspectiva sociológica de Florestan Fernandes é a decompreender, a partir de uma posição “de baixo”, de quemodo a sociedade brasileira está se desenvolvendo, o quemarca esse desenvolvimento em relação à posição que nelaocupam os grupos sociais identificados como “o povo”.

A rigor não existe na obra do autor uma parte dedica-da especialmente a estudar e a desvendar a questão daformação da sociedade brasileira. Em todos os momentosde seu desenvolvimento, desde a década de 40 até os últi-mos artigos de jornal que publicou, está presente a idéiade compreender e apontar que tipo de sociedade o Brasilconseguiu produzir, considerando as condições e os limi-tes em que se desenrola a história de seus diferentes gru-pos sociais, de suas populações etnicamente diferencia-das, de suas regiões, desde o marco zero da colônia até osdias de hoje.

Nos diferentes momentos de construção de sua teoriae interpretação do Brasil, seu alvo principal é destacar osentido incompleto, inacabado, dessa formação, de umasociedade produzida a partir de longa herança colonial,

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Florestan Fernandes é, portanto, voltar-se constantemen-te sobre si mesma, para reafirmar ou retificar idéias, parareexaminar e recolocar questões. Este constante reexameda obra é operado de maneira crítica, indicando que osociólogo está sempre sujeito a equívocos, ao buscar com-preender os processos quase sempre complexos das socie-dades em processo de intensas mudanças.

Nesta incessante autocrítica, São Paulo aparece comoo teatro onde se desenrola a trama de tantas mudanças,positivas e negativas, produzidas pela nova ordem sociale econômica, que é, na verdade, a questão central que querelucidar. É essa nova ordem social que constitui o pro-blema central de sua investigação sociológica, ou seja,ele busca compreender a natureza das transformações queestão ocorrendo, mas, principalmente, as razões pelasquais esses processos não se desenvolvem plenamente,identificando os bloqueios e as limitações que se inter-põem em seus percursos.

OS PRIMEIROS TRABALHOS

Para uma abordagem satisfatória desse núcleo princi-pal da contribuição da obra de Florestan Fernandes paraa formação do pensamento sociológico brasileiro, serásempre necessário buscar seus pontos de partida nos seusprimeiros trabalhos, da década de 40. Embora se possaconsiderar essa fase como de aprendiz de sociólogo, já seencontram, nesses primeiros ensaios, as questões essen-ciais de um empreendimento que se desenrola ao longode mais de 50 anos, assim como importantes sugestõesteóricas.

Esses primeiros trabalhos têm sido freqüentementepouco destacados, ou mesmo esquecidos, diante de obrascomo Organização social dos tupinambá, A integraçãodo negro à sociedade de classes e A revolução burguesano Brasil. Pretendemos demonstrar que naqueles estudosencontram-se as bases da interpretação do Brasil propos-ta por Florestan Fernandes. Em sua maior parte, eles sereferem ao desenvolvimento de novos padrões culturaisque caracterizam a vida na cidade, com destaque para asrelações raciais que aí se expressam.

Em Congadas e batuques em Sorocaba, de 1942, oautor se aproxima dos padrões usuais das pesquisas emtorno do folclore, concentrando seu interesse sobre umdeterminado evento – dança, festa ou ciclo da literaturaoral. Esta obra estaria sujeita, portanto, às restrições dopróprio aos trabalhos dos folcloristas, que considera socio-logicamente limitados. Lido com atenção, entretanto, esse

estudo inaugural revela elementos que o situam em umaperspectiva crítica em relação aos estudos do folclore. Oleitor já encontra aí referências que apontam para a cons-trução de uma hegemonia cultural no interior da qual acultura popular é representada basicamente pela situaçãode inferioridade de seus agentes e, sobretudo, pelas ten-sões que se manifestam nas relações entre os grupos en-volvidos. No caso das congadas e batuques, as tensões semanifestam nas representações das três etnias envolvidas– brancos, negros e índios –, com ênfase nos conflitosentre as duas primeiras. O estudo busca destacar que nãoé apenas a dinâmica do folclore que contribui para altera-ções das formas dessas manifestações coletivas, mas prin-cipalmente as rápidas mudanças motivadas pela crise domundo agrário, os intensos movimentos populacionais ea urbanização – que contribuem, com diferentes intensi-dades, para uma nova organização da cultura, na qual sereflete, cada vez mais a nova ordem social em pleno de-senvolvimento.

Retornar aos trabalhos iniciais de Florestan Fernandespermite ao leitor constatar não apenas que aí já estão pre-sentes alguns dos temas que marcarão sua obra, mas tam-bém que neles se inicia um novo tipo de reconhecimentoda formação do pensamento brasileiro, em um momentode mudanças sociais intensas, a partir do exame de auto-res nos quais ele identifica pontos de fragilidade e incon-sistências e igualmente contribuições muitas vezes deci-sivas para o desenvolvimento de trabalhos de investigaçãofuturos. Vale assinalar que, nesses primeiros trabalhos,Florestan Fernandes compartilha a visão culturalista, que foimarcante nesse momento das ciências sociais no Brasil.

Em Representações coletivas sobre o negro. O negrona tradição oral, de 1943, constata-se um importante avan-ço em relação à obra anterior. O ponto forte desse estudoreside na escolha acertada do tema e dos materiais utili-zados – de autoria desconhecida e reconhecidos pela po-pulação por sua larga difusão. Estas referências coloca-vam o pesquisador numa posição privilegiada paraidentificar as representações do branco sobre o negro eas do negro sobre si mesmo. O resultado do estudo é tor-nar evidente a existência de preconceito, comum a todosos estratos sociais. Assim, partindo de uma pesquisa so-bre folclore em São Paulo, Florestan Fernandes demons-trava a inconsistência da crença de que no Brasil existedemocracia racial.

Assinale-se que nesse breve estudo estão colocadasquestões que serão aprofundadas quase duas décadas de-pois. O autor mostra, por exemplo, que a hegemonia cul-

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tural pertence ao branco e que, mesmo nos casos em queo negro sobrepõe-se ao índio, isto acontece através dobranco. Segundo ele, o estudo da tradição demonstravaque na nova ordem social estava assinalado “o lugar donegro”, que a este estavam destinadas posições inferiorese que suas oportunidades se reduziam cada vez mais emfavor dos imigrantes e de seus descendentes. O autor iden-tifica atitudes e representações que se articulam com ou-tras atitudes negativas, como o ressentimento, a margi-nalidade e a discriminação.

Nestes estudos sobre o folclore, Florestan Fernandesfornece sugestões para transformar os materiais etno-gráficos, muitas vezes limitados pelo modo como eramtrabalhados pelos folcloristas, em novos pontos de parti-da para uma sociologia da cultura, com ênfase sobre acultura popular.

Em Mentalidades grupais e folclore, de 1944, a preo-cupação central é revelar o conteúdo valorativo das no-ções das classes cultas em relação à cultura popular e so-bre as quais se apóia um sistema de representações emtorno da “cultura dos incultos”. Ele busca demonstrar queesses elementos considerados como pertencendo às “clas-ses baixas” fazem parte da cultura da sociedade, mesmoque as situações vividas apresentem as desigualdades queimpregnam a estrutura da sociedade brasileira. O que fazcom que esses elementos estejam disseminados de formahegemônica por toda a sociedade é a existência do que éidentificado como “ideal social” e que, sendo produzidoe vivido pela sociedade sob a forma de valores, não po-deria deixar de se manifestar no folclore. Tais padrões deideal social certamente não se manifestarão de maneirahomogênea no sistema de valores das diferentes classes egrupos sociais.

Essas diferenças de mentalidade não expressam sim-plesmente a polarização entre o arcaico e o moderno e omundo rústico e o civilizado, mas explicitam, em muitoscasos, de forma dramática, a complexidade dos proces-sos envolvidos na formação brasileira, com suas assime-trias, desigualdades e tensões, e como essas situações to-mam forma nas representações que os indivíduos produ-zem de si mesmos enquanto partes de grupos étnicos esociais.

Em Aspectos mágicos do folclore paulistano, tambémde 1944, Florestan Fernandes tem como preocupação prin-cipal demonstrar a inconsistência da maior parte dos au-tores que, ao estudar o campo das superstições e crendi-ces populares, tendem a considerá-las como manifestaçõestípicas das camadas “iletradas” e do tradicionalismo das

“classes baixas”. O que Florestan Fernandes vai demons-trar, a partir dos materiais estudados, é que os fatos reco-lhidos nas camadas mais baixas ocorrem também nos ní-veis mais elevados da sociedade. O ponto mais importanteque se evidencia a partir desse estudo é a permanência,ou convivência, no meio urbano de novos padrões de “ra-cionalidade” típicos da nova ordem social, ao lado de for-mas tradicionais, “não científicas”, por exemplo, de me-dicina, assim como procedimentos de tipo “irracional”de conduta. De modo amplo, o estudo aponta para a exis-tência de esferas irracionais como parte da dinâmica so-cial e do comportamento dos indivíduos.

Entre esses vários elementos, o estudo indica os mo-dos pelos quais a “magia branca” vai se adaptando e sealterando para se adequar aos padrões de “racionalidade”cada vez mais dominantes no novo meio urbano. Se, aprimeira vista, as transformações da sociedade estão im-pondo uma restrição a essas práticas e, portanto, conde-nando-as ao desaparecimento a longo prazo, o desenvol-vimento da investigação revelará que esses elementosvistos como “irracionais”, longe de desaparecer, revelamum grau bastante desenvolvido de articulação e interaçãocom as esferas vistas como racionais.

“Este fenômeno, que uma análise superficial poderiatomar como desintegração e até desaparecimento da ma-gia nas sociedades relativamente urbanizadas como SãoPaulo, é apenas um processo de reajustamento desses ele-mentos a uma nova configuração sócio-cultural. Trata-sede um processo de peneiramento dos elementos da magiabranca, lentamente reajustados a um novo tipo de vida,que se está precisando em São Paulo com a urbanizaçãoda população citadina e a secularização progressiva dacultura. Os elementos da magia branca que não mais cor-respondem às necessidades dos indivíduos, que os podemsubstituir por outros de maior eficiência, são eliminadosprogressivamente. Enquanto outros, associados à vida ea motivos predominantemente urbanos, tendem a persis-tir e a aumentar”(Fernandes, 1979:350-51).

A leitura atual destes estudos, além do acesso aos da-dos referentes aos processos de mudança da cultura po-pular no meio urbano brasileiro, não apenas torna possí-vel o contato com temas como cultura popular e iden-tidade, hegemonia cultural e classes sociais, mas traz àtona contribuições pioneiras desta fase inicial da obra deFlorestan Fernandes no terreno da sugestão de novos te-mas e problemas para a pesquisa sociológica.

Ainda a respeito desses primeiros trabalhos do autor,chamamos a atenção para uma particularidade de seu en-

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saio “As trocinhas do Bom Retido”, que é seu caráter ni-tidamente autobiográfico. Produzido juntamente comoutros estudos sobre São Paulo dos anos 40, este ensaiomostra que na formação dos grupos de rua existe um es-paço próprio onde as crianças desenvolvem processos desocialização, ao mesmo tempo em que se configura umacultura infantil, como uma subcultura, na qual se expres-sam conteúdos referentes aos padrões culturais da totali-dade da sociedade.

A vizinhança aparece como o tecido social básico paraa formação das “trocinhas”, pois é a contigüidade espa-cial das famílias que torna possível a síntese social dosindivíduos. Outro aspecto considerado fundamental parao reconhecimento dessa forma de agrupamento infantilrefere-se a processos de cooperação e competição, que,na verdade, são complementares, pois os jogos entre osgrupos de crianças implicam a cooperação interna de seusparticipantes, necessária para a competição externa. Oautor assinala que a formação desses agrupamentos entreas crianças era sempre consentida pelos adultos, pois es-tes, de algum modo, percebiam neles uma forma positivade convívio entre as crianças. Esse tipo de convivênciase baseava em relações marcadas por um tipo de partici-pação homogênea, ou seja, diferentes das relações assi-métricas estabelecidas com os adultos, sejam pais, pro-fessores ou vizinhos, pois suas regras asseguravam a to-dos, mesmo quando reconhecidas as diferenças (comosaber jogar futebol), a oportunidade de participação.

O aspecto mais importante desse ensaio talvez sejamostrar o quanto são importantes, no processo de socia-lização de indivíduos que crescem em uma sociedade cadavez mais competitiva, as condutas solidárias, extremamen-te positivas para o desenvolvimento integral da persona-lidade. O relacionamento das crianças ocorria num climade cooperação e de espírito coletivo, reduzindo seu isola-mento do convívio social e de comportamentos egoístas.

Ao desenvolver esta espécie de código de ética, segun-do o qual um conjunto de normas orienta as ações dosindivíduos, o agrupamento das crianças passa a ser regi-do por obrigações dos indivíduos em relação ao grupo,implicando, portanto, reciprocidades e sanções, que decerto modo apresentam-se como uma oportunidade deajustamentos mais “realistas” a uma sociedade crescen-temente regida pela competição e pelo individualismo.

Esses primeiros trabalhos da década de 40 possuem,portanto, um interesse particular quando se pretende com-preender o quanto a cidade de São Paulo foi marcante parao desenvolvimento do pensamento sociológico de Flo-

restan Fernandes. Pode-se mesmo considerar que esteconjunto de estudos constitui um momento bem delimi-tado do desenvolvimento de sua obra, tendo como temamais geral as mudanças sociais e culturais que se proces-savam em São Paulo.

O RURAL E O URBANO NODESENVOLVIMENTO DA CIDADE

Tendo por base alguns dados do recenseamento de l950e de estudos que ele próprio desenvolveu sobre a forma-ção histórica e social de São Paulo, em Mudanças sociaisno Brasil (1960:191), Florestan Fernandes se propõe aexaminar os processos que orientam o desenvolvimentodessa cidade em direção aos padrões de urbanização dametrópole, considerando seu papel na constituição do novopadrão de urbanização no Brasil, e, em especial, sua con-figuração como o lugar onde passam a interagir com anova ordem econômica e social elementos do mundo tra-dicional e agrário em mudança.

A preocupação do autor é mostrar que o desenvolvi-mento de São Paulo interfere não apenas sobre o territó-rio, a organização ecológica e os grupos sociais da cida-de. Há, na verdade, um conjunto bastante amplo e diferen-ciado de efeitos produzidos e recebidos a partir da ex-pansão desse novo modelo de grande centro urbano.

Ele vê a cidade dotada “de uma complicada rede de co-municações e de transportes, de uma extensa área urbana,consideravelmente diferenciada, de um sistema comercial,industrial e bancário altamente complexo e com tendênciasexpansivas, de meios modernos de educação, de assistênciae de recreação. Centro de grandes operações financeiras, paraela convergem os capitais do Estado de São Paulo e deladependem as mais importantes iniciativas de desenvolvimen-to das regiões rurais de várias zonas do país, principalmentenos Estados do Paraná, Mato Grosso, Goiás e Minas Gerais.Aberta a todas as influências, está em comunicação econô-mica e cultural contínua com a maioria dos países europeuse americanos, sendo ela própria uma das aglomerações maiscosmopolitas do Brasil e América Latina” (Fernandes,1960:166-67).

As mudanças, ao se processarem com essa intensida-de, tendem a produzir efeitos de difícil controle. Parale-lamente a essa expansão, ocorrem situações críticas, porexemplo, os serviços públicos não conseguem acompa-nhar o crescimento da cidade, que, na avaliação de al-guns urbanistas, foi além do que seria necessário e pru-dente (Fernandes, 1960:186).

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Apesar do ritmo acelerado das construções, já se cons-tata uma crise habitacional; o sistema de abastecimentoapresenta-se deficiente e compromete o nível de vida; osistema escolar não consegue acompanhar o crescimentoda população. No mundo do trabalho ocorre, com grandefreqüência, a utilização de mão-de-obra não especializa-da para atender a funções que exigiriam especialização.

Um dos efeitos que Florestan Fernandes identifica nasrelações humanas é o choque de concepções de mundo, di-ferentes e até antagônicas, que se manifestam como tensõesemocionais e insatisfações morais, de tal modo que “os la-ços de solidariedade são crescentemente substituídos porconsiderações racionais de interesses e fins” (Fernandes,1960:187).

Ele mostra também que a desorganização do espaçourbano e das relações sociais e culturais que aí tem lugarnão se restringe aos seus contornos, mas implica a desor-ganização de outras comunidades, “das quais extrai assubstâncias ativas de sua própria expansão, pois partesubstancial da mão-de-obra da cidade vem de fora e par-ticularmente das zonas rurais” (Fernandes, 1960:l88), oque significa que a expansão urbana de São Paulo gera odespovoamento do campo, em particular quando se somaa mudanças que estão se processando no próprio mundoagrário, como o declínio da agricultura tradicional e osurgimento de novos setores agrícolas.

A cidade vai, assim, rapidamente, se sobrepondo aocampo, de onde retira “capitais e agentes humanos de tra-balho, propaga necessidades de consumo que são essen-ciais para a existência dela, mas que ainda não estão aoalcance do nível médio de vida rural no Brasil” (Fernandes,1960:189).

Florestan Fernandes refere-se ainda à significação sub-jetiva da urbanização – o que representa uma contribui-ção valiosa para sua sociologia da cidade no Brasil. Ano-ta, por exemplo, que, sendo essa significação subjetivaextraordinariamente variável, como em qualquer outragrande cidade, a vida urbana vai desenvolvendo nos in-divíduos e grupos diferentes sentimentos e comportamen-tos. Se, de um lado, o conforto, a autonomia, a satisfaçãomais prática das necessidades e a eficiência passam a serbuscados como signos da vida moderna, começam a semanifestar também sentimentos opostos de insegurança,irritação e desconforto, decorrentes da crescente impes-soalidade das relações e do estado de contínua tensão emque passam a viver os indivíduos.

O que a cidade apresenta de novo, segundo o autor, éque ela passa a ser o lugar onde é possível o exercício da

liberdade, a manifestação das idéias, a existência e o ple-no funcionamento das instituições, enfim, o desenvolvi-mento de uma sociedade democrática:

“Com ela é que se inicia o aparecimento de condiçõessociais que comportam o livre exercício do voto, a organi-zação de partidos de massas, a ascensão política das classesmédias e das camadas populares, o advento de correntes einstituições políticas compatíveis com a instauração de umregime democrático” (Fernandes, 1960:191).

SÃO PAULO, CIDADE-METRÓPOLE

Ao se buscar compreender o papel que a cidade de SãoPaulo ocupa na construção do pensamento de FlorestanFernandes sobre a formação do Brasil moderno, é neces-sário situar com bastante clareza os vínculos que ele vaidesvendando entre o processo de revolução social e suasconexões com a emergência da cidade-metrópole.

O autor enfatiza a importância do tempo presente, queé de profunda revolução social, desencadeada pela criseda ordem senhorial e escravocrata, cujo marco principalé o movimento abolicionista. O que vai acontecer ao lon-go de todo o século está relacionado com esse processobastante problemático da revolução burguesa no Brasil –que é examinado a partir do desenvolvimento de São Pau-lo, que, sendo “provinciana e pacata, até os fins do sécu-lo passado, ela foi, de fato, a primeira cidade autentica-mente ‘burguesa’ do Brasil” (Fernandes, 1960:274).

Ao considerar São Paulo como a expressão mais com-pleta desse novo padrão de desenvolvimento, FlorestanFernandes toma-a como paradigma para o desenvolvimen-to das grandes cidades nas condições criadas pelo subde-senvolvimento e, posteriormente, pela condição depen-dente.

Filha da grande revolução social que se operou com aAbolição e a desagregação da economia e da sociedadeescravista, o Brasil não conseguiu se livrar dessa pesadaherança colonial, de modo que a passagem para a ordemsocial competitiva foi marcada, desde o início, por essaslimitações históricas, resultando em uma revolução bur-guesa com tipologia própria, a marcada, em seus momen-tos subseqüentes, pelo subdesenvolvimento:

“As sociedades subdesenvolvidas e de economia tro-pical não possuem todos os requisitos estruturais e dinâ-micos indispensáveis ao desenvolvimento orgânico de umsistema de produção capitalista. O subaproveitamentocrônico dos fatores materiais e humanos da produção con-tribui para manter concepções obsoletas de organização

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SÃO PAULO NA OBRA DE FLORESTAN FERNANDES

da empresa, de política econômica ou de relações entre ocapital e o trabalho (Fernandes, 1960:274).

O desenvolvimento de São Paulo como cidade-metró-pole é tomado como ponto de partida para se perceber asvárias “revoluções” que envolvem a organização ecoló-gica, a estrutura demográfica, o sistema político e a éticaeconômica, entre as mais evidentes.

A transformação mais visível da revolução social emcurso é a que ocorre no cenário ecológico, pois até o iní-cio do século a cidade apresentava uma organização eco-lógica típica das comunidades rurais urbanas da AméricaLatina. Com a urbanização, o intenso crescimento da po-pulação, a expansão de bairros residenciais e a implanta-ção de empresas industriais, comerciais e de serviços, aedificação de obras públicas, essa configuração espacialse altera para se tornar mais próxima do padrão dos cen-tros urbanos norte-americanos:

“Após o Martinelli, veio a onda de arranha-céus, quefixou a fisionomia material da ‘civilização do asfalto’”(Fernandes, 1960:268). Os bairros passam a ter um ritmode vida em todos os aspectos muito semelhante ao docentro da cidade.

O crescimento demográfico e a mobilidade populacio-nal intensa devem levar o pesquisador a buscar descobriro que se oculta sob tais dados. Para Florestan Fernandes,processos de mobilidade demográfica intensos são des-favoráveis ao desenvolvimento de atitudes de solidarie-dade e cooperação entre os indivíduos. Ao contrário, oque passa a orientar a conduta de indivíduos e grupos é acompetição, que cria um ambiente de estímulo aos inte-resses egoísticos, no qual os interesses vitais para a co-munidade têm pouca chance de se manifestar.

Essa tendência se manifesta cada vez mais no mundoda política e dos negócios. Enquanto no passado os gru-pos oligárquicos e patrimoniais cultivavam práticas comoo “voto de cabresto”, os políticos profissionais modernosdesenvolvem técnicas de controle eleitoral adaptadas aomundo urbano, lançando mão de novos recursos dema-gógicos. Já no mundo dos negócios, a facilidade de al-guns em obter lucros rápidos e de enriquecer produz umpadrão de comportamento que se generaliza entre empre-endedores capitalistas, que dissipam enormes fortunas vi-vendo suntuosamente ao invés de aplicá-las na produção.

Para Florestan Fernandes o padrão de desenvolvimen-to econômico alcançado pela cidade de São Paulo criouas condições para a expansão da sociedade de classes, parao funcionamento de estruturas democráticas fundadas naigualdade de oportunidades e para a implantação de um

sistema educacional complexo, capaz de funcionar comomecanismo de mobilidade e ascensão social. Por todosesses aspectos, antecipava o que poderia vir a ser a comuni-dade urbana brasileira. Essas seriam as possibilidades posi-tivas oferecidas pelo desenvolvimento e pela prosperidade.

Havia, entretanto, a outra face dessa nova realidade,com seus efeitos negativos, capazes de comprometer aprosperidade presente e as possibilidades futuras. O pri-meiro aspecto problemático levantado pelo autor é quenão existia uma percepção suficientemente clara sobre ocrescimento em curso, em especial por não haver simila-ridades com ciclos econômicos anteriores da sociedadebrasileira, que tiveram conseqüências negativas e destru-tivas para o desenvolvimento. Assim, as possibilidadespresentes na grande cidade poderiam ser neutralizadas,ou mesmo anuladas, se o desenvolvimento econômico nãosuperasse os vários obstáculos estruturais que marcavama sociedade de classes emergente na situação de subde-senvolvimento. Florestan Fernandes via no crescimentode São Paulo uma tendência ao envelhecimento e à de-gradação precoce, que poderia convertê-la em uma gigan-tesca “cidade morta” (Fernandes, 1960:273). Esta pode serconsiderada uma das contribuições pioneiras do autor aoestudo da cidade, em especial no tocante à rápida degrada-ção que já estava sendo percebida em vastas áreas construí-das e à transformação de conjuntos de edifícios em ruínasprecoces, em decorrência de interesses efêmeros ou do de-saparecimento ou de mudança de função.

O novo padrão de sociedade resultante da concentra-ção demográfica, da urbanização e da industrialização émarcado por uma extrema diferenciação social. O princi-pal aspecto dessa nova configuração social do Brasil éque São Paulo se tornará a aglomeração com maiorespossibilidades de enriquecimento e sucesso pessoal. Con-tudo, é preciso examinar com mais atenção a história des-ses êxitos pessoais e de grupos para se perceber que asoportunidades são desfrutadas basicamente por aquelesque estão mais bem preparados para aproveitá-las, utili-zando experiência adquirida, valorizando técnicas de ra-cionalização das ações e comportamentos inventivos –elementos que passam a ser exigidos pelas novas rotinasda vida urbana. O mais comum, entretanto, neste proces-so de adaptação dos indivíduos ao ambiente da cidade, éque eles enfrentam dificuldades em graus bastante varia-dos ao procurar modificar atitudes, comportamentos eexperiências herdados do recente passado rural urbano,de estilos de vida característicos de outras regiões do paíse de outros países, com o propósito de conseguir posi-

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ções que se diferenciam bastante entre si na condição denovos habitantes da cidade.

Entre as várias situações que o autor destaca para ca-racterizar comportamentos e condutas do novo meio quemanifestam o preconceito racial está o caso do HotelExcelsior, que se recusou a hospedar a notável bailarinaamericana Catharina Dunham (Fernandes, 1964:664).

Entre os aspectos mais destacados em suas consideraçõessobre a cidade-metrópole está o papel que ela irá desempe-nhar na produção de novos padrões de organização da cul-tura, não em termos do desenvolvimento de São Paulo, masdas orientações que se tornarão predominantes no país. Osescritos de Florestan Fernandes sobre a Universidade de SãoPaulo são elucidativos do modo como ele compreende a re-lação entre as transformações culturais e o desenvolvimentofortemente diferenciado do país, em última análise, o papelda universidade brasileira no processo da revolução socialem curso. É em São Paulo que acontece a experiência uni-versitária que rompe com o padrão vigente de ensino supe-rior no Brasil. Seu dinamismo econômico, social e culturalfornece à universidade a oportunidade de se tornar um mo-delo de instituição moderna, capaz de acompanhar o desen-volvimento do país e de responder aos desafios que se apre-sentam, sobretudo no que diz respeito às exigências impostaspor esses processos de mudança. A criação da universidaderesultou do empenho de parte das elites sociais paulistas eseu desenvolvimento deixará claro que em seu interior or-ganizam-se e expressam-se interesses identificados comoutros setores sociais, particularmente setores médios emer-gentes; e, no plano das idéias, emergem expressões de dife-rentes matizes de pensamento político, que vão do conser-vadorismo das elites ao radicalismo socialista e libertário.Seria mesmo muito difícil imaginar que os diferentes inte-resses sociais e políticos e as distintas concepções estéticas,filosóficas e éticas, presentes na sociedade, não se expressa-riam na universidade.

Florestan Fernandes atribui à experiência da Univer-sidade de São Paulo um significado cultural de amplo al-cance e sustenta que ela foi muito mais transformadora ede conteúdo mais verdadeiramente revolucionário que a“Semana de Arte Moderna” e o movimento modernista(Fernandes, 1977:217).

DEMOCRACIA RACIAL, MITO E REALIDADE

Ao tomar como objeto a cidade de São Paulo para oestudo das relações raciais no Brasil, Florestan Fernandesquer demonstrar que exatamente ali onde o capitalismo

se desenvolveu de forma mais extensa, dinâmica e glo-bal, a integração do negro se mostra insatisfatória, sobre-tudo porque se recriam no ambiente da cidade modernaos valores que marcavam negativamente as relações so-ciais do passado, como o preconceito e a discriminação.

O que distingue em primeiro lugar sua abordagem daquestão racial no Brasil é que ela se funda basicamenteno reconhecimento de que existe uma interligação entreo padrão das relações raciais presentes e aqueles que tra-çam os contornos da revolução burguesa no Brasil.

Um ponto a ser mencionado em relação e essas pes-quisas sobre as relações raciais no contexto da revoluçãoburguesa no Brasil é que elas têm vínculos com o debatesobre a questão racial que se desenvolveria nas Améri-cas, em particular sobre a participação do negro na for-mação das sociedades nacionais do continente.

Exemplo dessa participação de cientistas sociais bra-sileiros e de todo o continente americano em torno dessatemática é a realização de vários eventos interamericanosque contaram com a participação de autores brasileiros,como o próprio Florestan Fernandes e Octavio Ianni.Chama atenção a este respeito o título de trabalho deGonzalo Aguirre Beltrán, A integração do negro na so-ciedade nacional do México, praticamente o mesmo deuma importante obra de Florestan Fernandes (Fernandes,1970:11)

Sua investigação sobre as relações raciais tem em A inte-gração do negro à sociedade de classes provavelmente seumomento mais significativo do ponto de vista da escolha deSão Paulo como o lugar que concentra um complexo con-junto de elementos representativos para a abordagem dasrelações raciais no processo da revolução social em curso.

Essa obra tem um interesse particular em relação àabordagem do tema, por constituir um documento atualacerca da formação da sociedade brasileira tendo comocenário São Paulo.

Um dos pontos altos dessa pesquisa sobre as relaçõesraciais está precisamente na reconstrução da vida do ne-gro em São Paulo, o que não é claramente indicado naapresentação dos capítulos de A integração do negro àsociedade de classes.

Para o autor, trata-se de um estudo de como o povoemerge na história. E, na verdade, este livro mostra, me-lhor do que qualquer outro que o autor dedicou ao tema,o processo de desenvolvimento da sociedade de classes apartir da perspectiva de um grupo subalterno. O negro foiescolhido por ser a parcela da população brasileira “queteve o pior ponto de partida para a integração ao regime

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SÃO PAULO NA OBRA DE FLORESTAN FERNANDES

social que se forma ao longo da desagregação da ordemsocial escravocrata e senhorial e do desenvolvimento pos-terior do capitalismo no Brasil” (Fernandes, 1964:1).

Este é também um trabalho pioneiro no campo da antro-pologia, na medida em que enfoca os processos de redefini-ção dos preconceitos raciais no contexto de uma sociedadeem mudança rumo à urbanização e à industrialização, apon-tando os aspectos que foram favoráveis e desfavoráveis àinclusão dessa parcela da população. Como primeiro aspec-to desfavorável ao negro, o estudo aponta sua marginaliza-ção e exclusão das oportunidades de trabalho que estavamsendo criadas ou ampliadas pelo dinamismo econômico dacidade; a ele restavam os trabalhos penosos, arriscados e malremunerados – os chamados “serviços de negro”. O segun-do aspecto desfavorável, baseado em extenso material em-pírico, é o processo de estigmatização e criminalização emque se vê enredado o negro, em decorrência das barreirasque se antepõem à sua participação no mercado de trabalho.O autor menciona ainda “condições anônimas de existênciaque, ao se tornarem permanentes impediram, por exemplo,a família negra de preencher construtivamente suas funçõessociais normais.

Os aspectos assinalados como positivos referem-se, emprimeiro lugar, à convivência do negro com o imigrantede origem italiana, a partir da qual passa a conferir im-portância à organização da família e da escolaridade noprocesso de integração à sociedade. Assim, ao lado dafamília incompleta e desintegrada, passava a existir a fa-mília negra integrada (Fernandes, 1964:188).

A apatia do negro é apontada por Florestan Fernandescomo um dos problemas de evidente importância teórica,pois, ao mesmo tempo que pode ser vista como uma es-tratégia de acomodação, pode assumir a condição de umaresistência passiva.

Há, sobretudo a partir da década de 50, uma tendênciaa uma participação maior e mais rápida, o que é confir-mado pela existência do negro operário e do negro de clas-se média, sem que deixem de existir os mecanismos ten-dentes a manter o negro em posição relativamente des-vantajosa na disputa por trabalhos mais valorizados so-cial e economicamente.

Essas mudanças, em princípio favoráveis, não foram su-ficientes para modificar, em seus traços essenciais, a identi-ficação social do negro com a pobreza, a marginalidade e acriminalidade, como forma mais visível e usual da persis-tência do preconceito e da discriminação.

Sob a idéia do “protesto negro”, Florestan Fernandesenfoca a dimensão política do problema social no Brasil.

Sintetiza, nessa idéia, a existência de uma consciênciapolítica por parte do negro, sobre sua situação e os cami-nhos e momentos particulares em que essa consciênciaemerge e se manifesta.

Seus diversos escritos sobre o “protesto negro” vãoincindir sobre determinados processos históricos e demudança, que encerram particular sentido em relação àconsciência que o negro vai adquirir de sua condição ra-cial, social e política.

É o “protesto negro”, apesar de todos os limites que otem caracterizado, a forma mais avançada de luta para aconstrução da democracia, visto que o negro representa,de forma mais aguda e completa, a condição insatisfató-ria do povo brasileiro, deixando claro, por toda a expe-riência vivida, que a democracia racial só é possível nocontexto de uma democracia social e econômica.

O exame da emergência de São Paulo como uma dasconcretizações do capitalismo em uma nação marcadapelo subdesenvolvimento, e situada como periferia domundo ocidental moderno, oferece um conjunto desugestões para se compreender os desdobramentos eimpasses do desenvolvimento brasileiro revividos nomomento atual. Entre estas, vale anotar o que FlorestanFernandes indica como as três situações típicas que ocapitalismo deveria apresentar para se livrar dos obs-táculos que se combinam, ao buscar perpetuar os limi-tados horizontes sociopolíticos, culturais e econômi-cos do passado colonial, ou, como ele prefere, do “anti-go regime”. Essas três situações estão resumidas comofases que o padrão brasileiro de capitalismo vai apre-sentar, distanciando-se da evolução típica das naçõestidas como centrais e hegemônicas. É assim que “emnenhuma das três fases o desenvolvimento capitalistachegou a impor: a ruptura com a associação dependen-te, em relação ao exterior (ou aos centros hegemôni-cos da dominação imperialista); a desagregação com-pleta do antigo regime e de suas seqüelas ou, em outraspalavras, das formas pré-capitalistas de produção, tro-ca e circulação; a superação de estados relativos de sub-desenvolvimento, inerentes à satelização imperialistada economia interna e à extrema concentração social eregional resultante da riqueza.” (Fernandes, 1975:223).

Florestan Fernandes, a partir dessa síntese, sugere queesse desenvolvimento foi posto em prática pelos grupose classes dominantes, sempre alimentando o particularis-mo e egoísmo de seus interesses que regularmente se com-binavam com a dominação externa, mantendo as maio-rias não possuidoras excluídas total ou parcialmente do

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mercado e das esferas típicas do mundo capitalista. Indi-ca ainda que a condição de dependência e subdesenvol-vimento não foi apenas imposta de fora para dentro, masalimentada e realimentada internamente.

O estudo apresenta em seus traços essenciais a forma-ção da sociedade de classes no Brasil, em particular aque-les dos diferentes grupos da burguesia, porque é sobretu-do através da ação desses grupos que se torna possívelcompreender a natureza dos processos responsáveis pornossa identidade política e social. Assinala como traçode identificação negativa o fato de que, ao contrário deoutras burguesias que desenvolveram “instituições pró-prias de poder especificamente social e só usaram o Esta-do para arranjos mais complicados e específicos, a nossaburguesia converge para o Estado e faz sua unificação noplano político” (Fernandes, 1975:204), fazendo com queo capitalismo no Brasil deixasse de ser, pouco a pouco,“economicamente orientado”, nos termos de Weber, paraser cada vez mais “politicamente orientado”.

Não assume, em conseqüência, o papel de agente dacivilização do capital e de “instrumento da modernida-de”. Mesmo mobilizando essas vantagens, que tanto po-diam ser extraídas das situações de atraso como dos even-tuais avanços e dinamismos das populações e regiões, nãose deve esquecer que o grosso dessa burguesia era prove-niente de estreitos mundos provincianos e rurais, poden-do mesmo, aqui e ali, discordar das oligarquias mas, nofundo, sempre dentro do mesmo horizonte de valores.

É verdade também que essa burguesia terminou poradotar idéias e atitudes do espírito revolucionário encar-nado pela revolução burguesa nacional e democrática, masque logo foram perdendo sua substância e força transfor-madora para se tornarem um elemento de retórica.

O desenvolvimento de sistema de poder no Brasil vaievidenciar, progressivamente, a “consolidação conserva-dora” da dominação burguesa, graças a que, em nossaatualidade política, movimentam-se com desembaraçooligarquias tradicionais e modernas.

É possível, portanto, através do estudo do desenvolvi-mento de São Paulo, compreender os sentidos das mu-danças que ocorreram e que continuam a ocorrer no Bra-sil em busca da superação dos obstáculos criados por ummodelo do “capitalismo autocrático burguês”, que, comoprocura demonstrar Florestan Fernandes, não poderá so-breviver longamente a profunda crise de que ele próprioé sintoma.

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