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Lipídios em Superfícies

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Monografia apresentada para a disciplina de Biomoléculas em Superfície - USP - 2005

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Page 1: Lipídios em Superfícies

Lipídios em superfícies Lipídios em superfícies

Monografia da Disciplina QBQ 5716 – Biomoléculas e Superfícies

Erika Temperly RabakTathyana Cristina M. C. Tumolo

Vinícius Curcino C. Vieira

2005

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Page 2: Lipídios em Superfícies

Resumo............................................................................................3Introdução..........................................................................................................4Técnicas para a formação de filmes lipídicos................................................7

Filmes de Langmuir-Blodgett (LB)...................................................................7Adsorção de filmes lipídicos em suportes sólidos a partir de vesículas........11“Black lipid membranes (BLM)”......................................................................17Filmes na interface ar-líquido (filmes de Langmuir).......................................19

Técnicas utilizadas na caracterização de filmes lipídicos e em suas interações com outras moléculas..................................................................21

Microscopia de Força Atômica (AFM)............................................................21Ressonância Plasmônica de Superfície (SPR)..............................................25Elipsometria...................................................................................................29QCM-D (Microbalança de Cristal de Quartzo com dissipação).....................31Microscopia de Fluorescência.......................................................................34Geração de segunda harmônica em superfície (SHG)..................................37

Conclusão........................................................................................................40Bibliografia.......................................................................................................41

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Page 3: Lipídios em Superfícies

Resumo

O uso de filmes lipídicos formados em interfaces ar-líquido, líquido-

líquido e sólido-líquido tem sido utilizado com grande freqüência e com grandes

resultados em estudos de interação, como a associação entre proteínas e

membranas. Esses filmes são interessantes de serem estudados pois podem

mimetizar superfícies celulares. Além dos estudos envolvendo filmes lipídicos

adsorvidos em suportes sólidos ou nas interfaces ar-líquido (como os filmes de

Langmuir) e líquido-líquido (“black lipid membranes”), há na literatura também

estudos envolvendo lipossomas e vesículas gigantes em solução.

Após a formação do filme, o mesmo pode ser caracterizado por uma

série de técnicas, tais como microbalança de cristal de quartzo com dissipação

(QCM-D) e microscopia de força atômica (AFM). Pode-se obter informações

sobre a formação da camada lipídica (mono ou bicamada ou ainda se é um

filme vesicular), a cinética de adsorção em determinada superfície e a

espessura e a massa do filme adsorvido.

Uma vez obtido o filme pela técnica desejada e caracterizado por

determinados métodos, diversos estudos podem ser feitos. Entre eles a

interação proteína-membrana, devido à importância biológica dessas

interações e que podem ser mimetizados com um filme lipídico. Como

exemplo, os estudos de interação citocromo c com membranas constituídas de

fosfolipídios carregados negativamente, como a cardiolipina, feitos com o

auxílio de técnicas como a AFM e o SPR, podem conduzir às respostas sobre o

exato mecanismo de dissociação dessa proteína da membrana mitocondrial

interna, evento que está relacionado ao desencadeamento da apoptose (“morte

celular”).

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Page 4: Lipídios em Superfícies

Introdução

Os lipídios são compostos muito abundantes na natureza e encontrados

em todas as células. São geralmente insolúveis na água e solúveis em

solventes orgânicos polares como clorofórmio e metanol. Basicamente podem

ser classificados como ácidos graxos, triacilgliceróis, glicerofosfolipídios,

esfingolipídios, e esteróides. (1-2)

Glicerofosfolipídios (também chamados de fosfolipídios) são importantes

compostos de membranas biológicas. Possuem longas caudas hidrofóbicas e

grupos cabeça altamente hidrofílicos, portanto são moléculas anfifílicas. Os

grupos cabeça podem ser carregados positivamente ou negativamente, serem

zwiteriônicos ou ainda possuírem grupos poliidroxilados não-carregados (3). A

Figura 1 exemplifica a estrutura de um fosfolipídio e alguns grupos cabeça que

podem ocorrer.

Figura 1 – Estrutura de um Fosfolipídio e exemplos de grupos cabeça representados por –X que podem ocorrer nessa molécula. As caudas hidrofóbicas são representadas por R1 e R2.

A maioria dessas moléculas fosfolipídicas normalmente se associa em

bicamadas, devido à interações entre as cadeias e entre as cabeças polares. O

modelo de bicamada lipídica (muitos estudos utilizam modelos de

monocamadas lipídicas formadas em interfaces) tem sido muito utilizado para

mimetizar as membranas celulares. Os fosfolipídios mais utilizados em estudos

envolvendo miméticos de membrana são aqueles que apresentam o grupo

cabeça fosfatidilcolina, como DMPC, DPPC e DOPC (fosfolipídios com esse

grupo cabeça estão presentes em maior quantidade nas membranas celulares (4,5). As estruturas para os dois últimos são mostradas na Figura 2.

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CH

H2C

H2C O C

O

R1

O P

O

O X

OC

O

R2

O-

Fórmula de -X Nome do fosfolipídio

H2C CH2 NH3+

H2C CH2 N+

CH3

CH3CH3

H2C CH CH2 OH

OH

Fosfatidiletanolamina

Fosfatidilcolina (lecitina)

Fosfatidilglicerol

Page 5: Lipídios em Superfícies

1,2-Dioleoil-sn-glicero-3-fosfocolina (DOPC) 1,2-Dipalmitoil-sn-glicero-3-fosfocolina (DPPC)

Figura 2 – Estruturas de dois fosfolipídios com o mesmo grupo cabeça, mas com comprimentos da cauda hidrofóbica distintos, além da presença de insaturação na estrutura de DOPC. Esses fosfolipídios são muito utilizados em estudos de formação de filmes lipídicos.

A utilização de fosfolipídios como miméticos de membrana pode ser feita

com os seguintes sistemas: lipossomas, vesículas, vesículas unilamelares

grandes (LUV), “black lipid membrane”, monocamadas e bicamadas lipídicas (6).

O sistema de monocamadas ou bicamadas lipídicas formadas a partir do

contato entre as soluções de vesículas (ou lipossomas) e um suporte sólido

abriu caminho para o estudo da cinética de adsorção desses filmes, além dos

mecanismos envolvidos na associação entre a membrana e o suporte sólido.

Esse sistema mostrou-se eficiente como um modelo mimético de membranas

celulares devido à sua simplicidade e reprodutibilidade, além de possuir

aplicações em biotecnologia e no desenvolvimento de biosensores.

A formação de filmes lipídicos nas diferentes interfaces pode ser

caracterizada por técnicas como a microscopia de força atômica (AFM) (7,8),

microbalança de cristal de quartzo com dissipação (QCM-D) (8,9), geração de

segunda harmônica em superfície (SHG) (10), elipsometria (11), reflectância total

atenuada (ATR) e espectroscopia no infravermelho com transformada de

Fourier (FTIR) (12), microscopia de fluorescência (13,14,15) e ressonância

plasmônica de superfície (SPR) (16,17,18), além de medidas eletroquímicas como

condutância e capacitância (19).

Embora toda a complexidade de constituintes presentes em uma

membrana celular não seja possível de se reproduzir experimentalmente com

esses modelos miméticos, muitos eventos podem ser estudados: adesão

celular em estudos envolvendo interação entre gangliosídeos e fosfolipídeos

presentes em membranas celulares (20,21,22); ação do antimicótico anfotericina B

em miméticos contendo esteróis de membrana (23); associação membrana-

proteína (24,25); e membrana-quitosana (utilizada em pesquisas de entregas de

5

Page 6: Lipídios em Superfícies

drogas e genes) (26,27), imunoensaios (28) dentre outras aplicações em pesquisas

biológicas.

Muitos estudos têm sido feitos também para serem avaliados os modos

de interação entre lipossomas de composição variada em diferentes

superfícies, como látex (29), aerogéis e xerogéis (13), sílica, mica, ouro oxidado ou

modificado com alcanotiol (30) e em sistemas poliméricos auto-montados em

superfície sólida (32,32), muitas vezes com os fosfolipídios modificados

quimicamente (33), levando ao desenvolvimento e aprimoramento de

biosensores para detecção de interações biomoleculares.

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Page 7: Lipídios em Superfícies

Técnicas para a formação de filmes lipídicos

Os estudos envolvendo a interação entre biomoléculas e membrana

podem ser feitos com modelos miméticos a partir de filmes lipídicos formados

em interfaces. Esses modelos podem ser formados na interface líquido-ar

(filmes de Langmuir), em interface líquido-líquido com um suporte sólido (“black

lipid films”), e também em superfícies sólidas, as quais podem estar

modificadas ou não. Os métodos utilizados na formação desses filmes são

mostrados a seguir.

Filmes de Langmuir-Blodgett (LB)

Para a formação de filmes pela técnica de Langmuir-Blodgett, deve-se

primeiramente considerar a formação de uma monocamada do composto

anfifílico em uma interface líquido-ar, a partir de uma solução do anfifílico

preparada em solvente orgânico. A monocamada é formada na interface com a

evaporação do solvente. Estudos cinéticos mostram duas etapas para a

formação dessa monocamada, esquematizadas simplificadamente na Figura 3.

Figura 3 – Reorganização interfacial das vesículas, durante a formação de uma monocamada na interface ar-água (34).

A essa monocamada é aplicada uma pressão levando a auto-

organização das moléculas, enquanto um substrato sólido é movimentado na

interface ar-monocamada, em sentido vertical ascendente, ou ainda

descendente. Isso permite a deposição da monocamada sobre o substrato, e

se a movimentação do substrato for feita várias vezes pode-se obter um filme

orientado com mais de uma camada e de espessura definida (35). Um esquema

para a deposição desses filmes é mostrado na Figura 4.

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Page 8: Lipídios em Superfícies

Com a realização de repetidos movimentos no substrato sólido (para

cima e para baixo) na interface líquido-ar, pode-se obter filmes como os

ilustrados na Figura 5.

Figura 4 – Aparato utilizado para a deposição de filmes LB em substrato sólido. São indicados: a) uma cuba, feita usualmente de Teflon; b) uma barra móvel, que permite o controle da pressão aplicada à monocamada; c) motor que movimenta a barra; d) dispositivo para controle da pressão exercida sobre o filme; e) dispositivo para medir a pressão na superfície; f) motor para movimentar o substrato sólido; g) substrato sólido(32)

Figura 5 – Formação de filmes com multicamadas pela técnica de Langmuir-Blodgett.

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Primeira camada

Segunda camada

Terceira camada

Primeira camada

Segunda camada

Terceira camada

Page 9: Lipídios em Superfícies

Na formação de filmes por essa técnica, algumas considerações devem

ser feitas. O ambiente deve estar livre de contaminantes, com vibração

minimizada e ter controle de temperatura, atmosfera e umidade. A fase líquida

é geralmente água, com pH e força iônica controlados, pois muitos anfifílicos

são susceptíveis a essas variações. Além disso, os anfifílicos utilizados devem

estar livres de contaminantes, pois qualquer impureza poderá ser incorporada

durante a formação do filme.

A natureza do substrato utilizado para deposição do filme será

modificada após a formação da primeira camada. Se o processo de deposição

for iniciado em um substrato hidrofílico, ele torna-se hidrofóbico após a primeira

transferência de monocamada. Considerando moléculas de fosfolipídios

adsorvidas em uma superfície hidrofílica, após a deposição da primeira camada

as caudas hidrofóbicas das moléculas estarão voltadas para a solução e na

próxima deposição as caudas hidrofóbicas dos fosfolipídios irão interagir, de

modo que as cabeças polares estarão voltadas para o líquido, e haverá uma

bicamada adsorvida no filme. Este tipo de deposição é também chamado de

tipo Y. Para muitos grupos cabeça polares este é o modo de deposição mais

estável, pois entre as monocamadas adjacentes as interações são hidrofóbica-

hidrofóbica ou hidrofílica-hidrofílica (36).

Outro tipo de deposição também já observado para multicamadas de

fosfolipídios é o do tipo Z, onde as interações entre as monocamadas

adjacentes são do tipo hidrofílica-hidrofóbica. A Figura 6 ilustra a diferença

entre os tipos Y e Z, encontrados em multicamadas de fosfolipídios.

Figura 6 – Tipos distintos de deposição para filmes lipídicos em multicamadas.

Embora a deposição de filmes lipídicos pelo tipo Y já fosse conhecida (37,38), a formação de filmes multicamadas pelo tipo Z foi mostrada

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Page 10: Lipídios em Superfícies

primeiramente em artigo de 1988 utilizando DPPC, onde os autores utilizaram a

técnica de ATR FTIR a fim de estudar a estrutura desses filmes (39). Foi

sugerido que os três grupos metila ligados ao nitrogênio no grupo cabeça

poderiam exercer um importante papel na redução do caráter hidrofílico do

grupo cabeça na monocamada formada na interface. Isso resultaria em uma

energia livre melhor para a interação com a superfície hidrofóbica, levando à

formação de filmes tipo Z estáveis.

A deposição de uma monocamada de fosfolipídios pela técnica de

Langmuir-Blodgett pode ser feita também em um substrato já modificado

quimicamente. Foi estudada recentemente a deposição de uma monocamada

de DPPC em uma superfície oxidada de sílica previamente modificada por

domínios de uma monocamada automontada de octadeciltriclorosilano (40),

devido ao grande potencial desses domínios para ancorar moléculas, inclusive

moléculas de fosfolipídios, levando ao aumento da estabilidade do filme lipídico

adsorvido. Para a formação da monocamada de DPPC, uma solução de DPPC

preparada em clorofórmio foi colocada gota a gota na água contida em uma

cuba de Langmuir, e após a evaporação do solvente, a monocamada de DPPC

formada na interface ar-água foi transferida para o substrato sólido aplicando-

se um pressão de 35 mN/m e com velocidade de movimentação vertical do

substrato 5 mm/min, no sentido ascendente.

Filmes LB lipídicos podem também ser formados por misturas de

fosfolipídios. A fim de serem utilizados como modelos de membrana celular,

filmes LB formados por DPPC / DOPC / gangliosídeo GM1 foram depositados

em superfície de mica, variando-se a porcentagem de cada um dos compostos

para a obtenção de filmes com a composição variada. A mistura de DPPC /

DMPC / gangliosídeo foi preparada em clorofórmio/metanol (9:1), colocada com

o auxílio de uma microseringa na solução aquosa da cuba e após a

evaporação do solvente, uma monocamada constituída pela mistura de lipídios

foi formada no substrato, com velocidade de compressão da monocamada

20mm/min, pressão na superfície 30 mN/m, e velocidade de deposição na mica

5 mm/min. As monocamadas obtidas com as diferentes composições foram

analisadas por AFM (22).

Adsorção de filmes lipídicos em suportes sólidos a partir de vesículas

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Page 11: Lipídios em Superfícies

Um método muito utilizado no estudo das propriedades de membranas e

suas interações com biomoléculas é a formação de monocamadas ou

bicamadas lipídicas sobre suportes sólidos, como sílica e mica. Este modelo é

muito utilizado como um mimético de superfície celular, e pode ser também

formado sobre suportes poliméricos finos. Avanços nessa área tem

possibilitado uma variedade de estudos envolvendo membranas, proteínas de

membrana, imunoensaios e aprimoramento de biosensores (41). A formação

dessas camadas lipídicas é comumente feita com o uso de vesículas ou

lipossomas adsorvidos em um suporte sólido, que pode ser modificado ou não.

O preparo de lipossomas é iniciado pela dissolução dos fosfolipídios de

interesse em um solvente orgânico, como clorofórmio, seguindo com a

evaporação desse solvente para que um fino filme lipídico seja formado no tubo

onde a solução estava contida. Com uma solução tampão esse filme pode ser

resuspendido, levando a formação de lipossomas com muitas bicamadas.

Entre essas bicamadas há um espaço aquoso que pode ser utilizado em

estudos de transporte e permeabilidade de membranas. Por ser um sistema

com propriedades reprodutíveis, pode ser utilizado também em vários estudos

biofísicos. Entretanto, possui entre as desvantagens a heterogeneidade em

tamanho de número de bicamadas e a inabilidade de se acessar os dois lados

da bicamada quando utilizadas em estudos eletroquímicos.

Os problemas na heterogeneidade no tamanho e no número de

camadas em soluções de lipossomas podem ser resolvidos com a utilização de

vesículas, formadas por métodos que permitam a homogeneidade dos

agregados presentes na solução (os métodos mais utilizados são extrusão e

sonicação). Agregados conhecidos como vesículas pequenas unilamelares

(SUV) são formadas por esses métodos, e pode-se diferenciar esses

agregados das lipossomas através de medidas por espalhamento de luz (SUV

possuem diâmetro menor que as lipossomas, sendo formados por apenas uma

bicamada lipídica). Entretanto, o pequeno tamanho desses agregados resulta

em um pequeno raio de curvatura comparado ao de muitas membranas

celulares. Desse modo, o empacotamento observado na bicamada não

mimetiza o empacotamento de membranas biológicas, além do pequeno

espaço aquoso disponível internamente, fazendo com que essas vesículas não

sejam úteis em estudos de transporte. A formação de vesículas unilamelares

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Page 12: Lipídios em Superfícies

com diâmetro de cerca de 1 m (LUV, large unilamellar vesicles) pode ser feita

utilizando o método de extrusão, e tais agregados podem ser utilizados em

estudos de transportes de drogas, por exemplo, por apresentarem um espaço

aquoso maior do que aquele observado para as lipossomas e as vesículas

unilamelares pequenas (3,6).

A formação de uma bicamada lipídica em sílica já foi estudada pela

adição de SUV – formadas por PC, DPPC, DODAB (brometo de

dioctadecildimetilamônio) e DHP (dihexadecilfosfato) – às partículas hidrofílicas

de sílica (Aerosil OX-50) colocadas em eppendorf e levadas ao vórtex. Após o

período de sedimentação das partículas no eppendorf e centrifugação, a

porção sobrenadante foi utilizada para determinar as concentrações dos

compostos utilizados. A construção das curvas de isotermas de adsorção

forneceu as informações sobre as diferentes afinidades desses compostos

pelas partículas de sílica hidrofílica (42). Dando continuidade a essa pesquisa

(excluindo o composto DHP), os autores publicaram um estudo em que dados

experimentais adicionais foram obtidos utilizando o corante merocianina 540

incorporado nas vesículas para detectar a ocorrência de defeitos hidrofóbicos

na bicamada formada na superfície de sílica, conforme esquematizado na

figura 7 (43).

Figura 7 – Esquema da incorporação da molécula de corante na porção externa da vesícula (a porção hidrofóbica da molécula do corante situa-se na porção hidrofóbica da vesícula), e posterior adsorção na superfície de sílica. Informações sobre a bicamada lipídica foram obtidos por dados de absorbância (43).

Em análises por QCM-D (microbalança de cristal de quartzo com

dissipação), camadas de sílica e mica são evaporadas na superfície do cristal,

seguindo os procedimentos descritos na literatura (9,30,44). Se uma solução de

vesículas for colocada em contato com essas camadas, já na cela do

equipamento, o processo de adsorção com formação da camada lipídica é

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Page 13: Lipídios em Superfícies

iniciado e pode ser monitorado em função do tempo pela técnica de QCM-D (8,9,30,44,45).

Superfícies de ouro do sensor utilizados em equipamentos de

Ressonância Plasmônica de Superfície (SPR) são modificados com uma

monocamada auto-montada de alcanotiol (SAM), deixando a superfície

hidrofóbica e permitindo que o processo de formação de uma monocamada

lipídica ocorra sobre essa superfície quando uma solução contendo vesículas a

cela de fluxo do equipamento, onde está localizado o sensor. Esses filmes são

denominados de membranas de bicamada híbrida (HBM), por serem formados

por uma monocamada de alcanotiol e por uma monocamada lipídica (46,48,49). A

formação de bicamadas lipídicas sobre uma monocamada auto-montada de tiol

também já foi descrito na literatura, com a utilização de uma molécula de

colesterol modificada com um grupo –SH inserida entre moléculas de tiol com

terminação hidroxila (49,50). A Figura 8 ilustra a bicamada lipídica formada sobre

esse suporte.

Figura 8 – Modelo de uma bicamada lipídica formada por um único fosfolipídio adsorvida sobre uma camada mista auto-montada de tiol (49).

Bicamadas lipídicas podem ser formadas também sobre suportes

poliméricos, inclusive polieletrólitos. Para estudar a formação de bicamada

contendo os fosfolipídios 1-estearoil-2-oleoil-fosfatidilserina (SOPS) e 1-

palmitoil-2-oleoil-fosfatidilcolina (POPC) em um suporte polimérico, uma

camada do polieletrólito cloreto de polidialildimetilamônio (PDDA) foi montada

sobre uma superfície de ouro modificada com ácido 11-mercaptoundecanóico

(MUA) (51). Tal sistema foi utilizado para impedir o contato entre a bicamada

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Page 14: Lipídios em Superfícies

lipídica e o substrato. Após a adsorção da camada de MUA (carregada

negativamente), uma solução contendo PDDA foi deixada em contato com

essa superfície modificada, a fim de que uma camada do polieletrólito fosse

formada, via interações eletrostáticas. Soluções de vesículas formadas apenas

por SOPS ou pela mistura SOPS / POPC foram colocada em contato com esse

sistema, e a adsorção monitorada por SPR e também por voltametria cíclica. A

inserção do peptídio protegrina-1 – que forma canal iônico em membranas,

possui atividade antimicrobiana e tem preferência por membranas de células

de bactérias carregadas negativamente – foi monitorado, concluindo-se que o

sistema utilizado como suporte para a bicamada poderia ser utilizado em

estudos envolvendo proteínas de membrana.

Entretanto, proteínas transmembrana maiores que a protegrina-1, se

estudadas nesse sistema, poderiam entrar em contato com a superfície

metálica, prejudicando sua mobilidade na membrana (41). Tal observação levou

ao desenvolvimento de um sistema multicamada formado pelos polieletrólitos

cloreto de polidialildimetilamônio (PDDA) e poliestirenosulfonato (PSS),

montados sobre a camada de MUA (31), o qual devido a sua espessura ser

maior do que para o sistema MUA / PDDA poderia ser utilizado em estudos de

proteínas transmembranas grandes. No estudo, após a adsorção da camada

de MUA, soluções de PDDA (positivo), PSS (negativo) e novamente PDDA

foram colocadas consecutivamente, de modo que o sistema é formado camada

por camada, via interações eletrostáticas entre os polieletrólitos. Soluções de

vesículas formadas apenas por SOPS ou pela mistura SOPS / POPC foram

colocada em contato com esse sistema, e a adsorção monitorada por SPR e

fluorescência. Novamente, a inserção de protegrina-1 foi monitorada, obtendo

resultados satisfatórios nessa associação membrana-peptídio observados

também por AFM. Assim, demonstrou-se a aplicabilidade desse sistema para

estudos que envolvem proteínas transmembranas, o qual previne que as

proteínas adsorvidas na bicamada entrem em contato com a superfície

metálica além de permitir a mobilidade lateral dos componentes de membrana

estudados, reproduzindo as características de uma célula. São apresentados

na Figura 9 dois esquemas que ilustram os sistemas utilizados nesses estudos.

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Page 15: Lipídios em Superfícies

Figura 9 – Ilustração dos sistemas de polieletrólitos utilizados na formação de bicamada lipídica para o estudo da interação membrana-peptídio (31,51).

Ainda focalizando o estudo de proteínas de membrana, um novo método

para a formação de bicamada lipídica em suporte sólido foi proposto visando a

formação de bicamadas lipídicas livres de defeitos em sua estrutura.

Inicialmente uma superfície de óxido de alumínio é silanizada com solução de

aminopropildimetiletoxisilano (ADMS), criando grupos amino nessa superfície.

Uma solução de NHS-LC-biotina é deixada sobre essa superfície por um

determinado tempo e, após um fluxo de tampão, uma solução de estreptavidina

é colocada em contato as moléculas de NHS-biotina adsorvidas na superfície.

Vesículas preparadas com DPPE biotinilado (além de egg-PC e DOPE, estes

em maior porcentagem e também NBD-DPPE) entram em contato com a

camada de estreptavidina. Dessa maneira as interações são estabelecidas

especificamente (estreptavidina associa-se de modo específico com moléculas

de biotina, tanto na superfíce quanto com as moléculas de lipídio biotinilado).

As vesículas não adsorvidas especificamente são removidas com sucessivas

trocas de tampão. A formação de bicamada lipídica é finalizada com a troca da

solução tampão por uma solução 30% de PEG (polietilenoglicol). Nesse

sistema o polímero PEG torna-se um agente de fusão das vesículas,

disparando rapidamente o processo de formação da bicamada lipídica.

Experimentos como esse foram também realizados em uma superfície de vidro,

e os resultados obtidos mostram que a formação e as propriedades das

bicamadas ancoradas são idênticas qualquer que seja o substrato, abrindo

possibilidades para novos estudos. Entretanto a presença de PE nas vesículas

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Page 16: Lipídios em Superfícies

mostrou-se essencial na etapa de fusão promovida por PEG. A Figura 10

ilustra as etapas necessárias até a formação de bicamada lipídica induzida por

PEG.

Figura 10 – Esquema da formação de bicamada lipídica em suporte de estreptavidina em duas etapas. No primeira passo as vesículas são acumuladas na superfície modificada por estreptavidina, com especificidade de ligação com os lipídios biotinilados. O segundo passo induz a formação da bicamada com a introdução de PEG no sistema, o qual induz a fusão entre as vesículas imobilizadas (33).

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Page 17: Lipídios em Superfícies

“Black lipid membranes (BLM)”

Embora não pertença à categoria de filmes lipídicos formados em

suportes sólidos, o modelo de membranas BLM tem tido uma grande

participação em estudos envolvendo miméticos de membranas biológicas, e

por esse motivo será descrito nesse trabalho. Tendo sido apresentado há mais

de 40 anos, esse modelo é especialmente útil devido à sua sensibilidade à

modificação de propriedades elétricas da membrana, como condutância e

constante dielétrica. É o único sistema a permitir que medidas de condutividade

elétrica sejam feitas, colocando-se eletrodos em ambos lados da bicamada

fosfolipídica (6,52).

O comportamento óptico observado durante a formação dessas

bicamadas resultou na denominação “black lipid membranes”, ou bicamada

lipídica escura. Dois métodos para a formação dessas membranas são

descritos. O primeiro utiliza os lipídios dissolvidos em solvente orgânico, como

decano e hexano, colocados através de uma abertura localizada na parede de

um recipiente de Teflon imerso em solução aquosa. O filme atravessa essa

abertura até a formação de uma bicamada simples. Uma desvantagem é a

permanência do solvente no meio em que se forma a bicamada. O segundo

método faz uso do espalhamento dos lipídios sobre a superfície de um tampão

com o auxílio de um solvente (forma-se desse modo uma monocamada lipídica

na superfície do tampão). Abaixando-se o nível do tampão até a abertura

localizada no substrato sólido, a primeira monocamada é formada. Elevando-se

novamente o nível do meio aquoso há a formação da segunda monocamada,

gerando dessa maneira a bicamada lipídica. Neste caso, a presença de

solvente no meio é menor do que no primeiro método apresentado. Entretanto,

em ambos observa-se que na formação da bicamada a membrana torna-se

opaca devido à interferência destrutiva da luz refletida dos dois lados da

bicamada (sendo percebidos pontos cinza-escuros espalhando-se pelo filme) (6,52). A formação de BLMs é ilustrada na Figura 11.

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Page 18: Lipídios em Superfícies

Figura 11 – Esquema da formação de “black lipid membranes”.

Medidas eletroquímicas são então possíveis porque podem ser

colocados eletrodos nas duas faces da membrana, sendo possível também

modificação do tampão em qualquer dos lados em que a membrana está

exposta (6,52,53).

Esse modelo mimético de membrana pode ser aplicado em estudos de

interação membrana-membrana, fusão de membrana, transporte molecular

transmembrana e lateral, transporte de prótons, incorporação de porinas

mitocondriais, entre outras aplicações (52,19,53,54,55). Colocando-se duas BLMs

separadas por distâncias muito curtas pode-se investigar a interação entre as

bicamadas, com aplicação no estudo de fusão de membranas. Utilizando-se

essa fusão, pode-se estudar a assimetria gerada na membrana pela diferença

de composição lipídica entre as bicamadas utilizadas (53).

Em um interessante estudo mostrado na literatura, a interação de

compostos odorantes com uma BLM foi utilizada como base no

desenvolvimento de um sensor potenciométrico para moléculas neutras (56).

Bicamadas de lecitina modificadas com a introdução de -caroteno foram

formadas em um oríficio de uma divisória de Teflon, separando dois meios

contendo NaCl. Mudanças de potencial foram observadas na adição de

soluções etanólicas de alguns compostos odorantes, como citral, mentol e

geraniol, à um dos compartimentos. Foi possível observar o grau de

despolarização da membrana modificada com o -caroteno causado pelos

odorantes, em comparação à uma membrana composta apenas de fosfolipídio,

além do aumento da sensibilidade para detecção de moléculas neutras por

potenciometria.

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Page 19: Lipídios em Superfícies

Filmes na interface ar-líquido (filmes de Langmuir)

Filmes lipídicos de Langmuir, formados na interface ar-água, também

não constituem exemplos de camadas lipídicas em suportes sólidos. Mas

devido à sua relevância e a grande quantidade de artigos científicos que

utilizam essa técnica em estudos de formação de filmes lipídicos, um breve

comentário sobre a técnica e algumas aplicações desses filmes são mostrados

a seguir.

A formação de um filme de Langmuir constituído por fosfolipídios segue

basicamente o mesmo estágio inicial de formação dos filmes LB: uma

determinada quantidade de uma solução de fosfolipídio ou uma mistura de

lipídios preparada em um solvente orgânico (geralmente clorofórmio) é

colocada na interface ar-água, de modo que uma monocamada contendo os

anfifílicos seja formada após a evaporação do solvente. Controlando-se a

pressão aplicada à essa monocamada, controla-se também o grau de

organização das moléculas na interface. Entretanto, os estudos com filmes

lipídicos de Langmuir utilizam a monocamada formada na própria interface,

sem a formação de filmes em suportes sólidos, como os filmes LB.

Utilizando filmes na interface ar-água, a interação entre DPPC e

etilpalmitato (EP) foi estudada, obtendo-se isotermas de adsorção que

fornecem informações relevantes sobre o empacotamento dessa monocamada

devido às interações entre os lipídios (57). Os dados experimentais desse

trabalho mostraram que a interação entre DPPC e EP leva à redução da área

superficial por molécula, o que pode ser relevante para sistemas biológicos, já

que a redução na área de membranas pode estar relacionado à diminuição do

tamanho de células e com o aumento de sua esfericidade, com importância na

etapa de diferenciação celular.

Filmes de Langmuir constituídos de dipalmitoilfosfatidiletanolamina

(DPPE) foram utilizados no estudo da interação dessa monocamada com uma

proteína que desempenha papel fundamental na divisão celular de bactérias

(denominada FtsZ). A monocamada formada apenas com DPPE foi escolhida

pelo fato desse fosfolipídio ser o componente principal da membrana interna da

bactéria E. coli (58).

19

Page 20: Lipídios em Superfícies

A interação entre o antimicótico anfotericina B e monocamadas de

DOPC contendo esteróis de membranas celulares foi estudada a partir da

formação de filmes constituídos de DOPC-ergosterol e DOPC colesterol na

interface ar-água. Informações sobre o modo de associação entre o

antimicótico e as membranas puderam ser obtidas, levantando hipóteses sobre

o mecanismo de ação desse composto que leva à morte da célula microbiana (23).

20

Page 21: Lipídios em Superfícies

Técnicas utilizadas na caracterização de filmes lipídicos e em suas interações com outras moléculas

A formação de um filme lipídico sobre uma superfície pode ser

caracterizada mediante a utilização de diversos métodos, os quais podem

fornecer informações sobre a cinética de formação do filme, sua topografia,

espessura, massa do material adsorvido, mudança conformacional das

vesículas na superfície, além da homogeneidade e fluidez da camada lipídica.

Os métodos mais utilizados e descritos na literatura para a obtenção

dessas informações são mostrados a seguir, juntamente com uma breve

explicação dos princípios operacionais do método,

Microscopia de Força Atômica (AFM)

A técnica de AFM foi desenvolvida por Bining et al. por volta de 1986 e

desde então tem se destacado por permitir a aquisição de imagens da

topografia de superfícies tanto condutoras como não-condutoras, e em

algumas situações essas imagens possuem resolução atômica (36,59). Os

principais componentes de um microscópio de força atômica são: uma ponta de

prova montada em uma alavanca (cantilever), um sensor de deflexão da

alavanca, um microposicionador piezoelétrico e um mecanismo elétrico para

esse microposicionador.

Um sistema óptico e um fotodiodo quadrante sensível à deflexão da

alavanca são utilizados para a detecção nesses equipamentos. Desajustes da

alavanca podem ser corrigidos com esse sistema. Um esquema ilustrando os

componentes básicos utilizados nessa técnica é mostrado na Figura 12.

21

Page 22: Lipídios em Superfícies

Figura 12 – Ilustração dos componentes básicos da técnica de AFM e modo de detecção da topologia da superfície da amostra.

As imagens topográficas são obtidas através do movimento da ponta de

prova do microscópio na superfície da amostra causando a deflexão da

alavanca, a qual é proporcional a força de interação que ocorre entre a ponto

da prova e as moléculas na superfície (essa força está na faixa de 10 -9 – 10-10

N) (60). Os modos de imagem podem ser divididos em contato e não contato. A

operação do microscópio na região atrativa define o modo não contato, e nesse

caso a alavanca é puxada por forças atrativas, como van der Waals, e

encontra-se curvada em direção à amostra. Imagens obtidas por contato

formam-se com operações na região repulsiva, e a alavanca está distanciada

da amostra devido às forças repulsivas. Características da ponta de prova

como a sua forma e sua geometria são pontos críticos na obtenção das

imagens. Quanto à alavanca, são importantes a constante de elasticidade (pois

determina a força entre a ponta de prova e a amostra) e a oscilação na

freqüência de ressonância quando a alavanca é movida da sua posição de

equilíbrio (é determinada por propriedades mecânicas da alavanca) (59).

Utilizando-se essa técnica, muitos estudos envolvendo camadas

lipídicas têm sido feitos, como propriedades de membrana e aspectos da fusão

de vesículas, em diferentes substratos, com diferentes composições de

fosfolipídios e também variação na força iônica. Foi demonstrado, por exemplo,

que a presença de cálcio induz a fusão das vesículas em uma superfície de

mica, enquanto que na sua ausência as vesículas adsorviam, mas não ocorria

22

Page 23: Lipídios em Superfícies

fusão (8,61). Além disso, a técnica de AFM pode ser empregada também nos

estudos de interação membrana com proteínas.

A formação de bicamada lipídica em suporte de estreptavidina foi

monitorada etapa por etapa pela técnica de AFM. As seqüências de tratamento

da superfície até a formação do filme lipídico são mostrados na Figura 13 (33).

Figura 13 – As imagens da seqüência I mostram as etapas de formação da camada de estreptoavidina: a) superfície de óxido de alumínio sem funcionalização; b) após silanização e tratamento com NHS-biotina; c) após 45 minutos com solução de estreptoavidina e lavagem com tampão. A seqüência II mostra as etapas de formação da bicamada lipídica: a) subcamada de streptoavidina, com uniformização da superfície, b) vesículas imobilizadas na subcamada de estreptoavidina; c) após tratamento com PEG; d) controle, a camada lipídica foi removida com detergente (octadecil glicopiranosideo – OG).

Pode ser facilmente observado na imagem c da seqüência II que após o

tratamento uma bicamada lipídica contínua sobre a subcamada de

estreptoavidina é formada.

As imagens por AFM podem ser também obtidas com uma escala de

cores que indica a espessura dos filmes formados. Desse modo,

monocamadas compostas de gangliosideo GM1 / DPPC / DOPC foram

23

Page 24: Lipídios em Superfícies

investigadas em uma superfície de mica, juntamente com os efeitos da

variação da composição desses lipídios na monocamada. A Figura 14 mostra

diferentes imagens obtidas com a variação na composição dessas camadas (22).

Figura 14 – Imagens por AFM para monocamadas formadas por GM1 / DPPC / DOPC, nas respectivas proporções indicadas.

Nota-se que a topologia da superfície é altamente modificada com a

variação da composição da camada. Estes resultados levaram à sugestão de

que os diferentes “estados” da monocamada dependentes da composição

podem estar relacionados à um papel específico (como transdução de sinal ou

específico reconhecimento celular) desempenhado pelo gangliosídeo GM1 em

cada órgão, pois as concentrações de GM1, DPPC e fosfolipídios insaturados

nas membranas celulares dos órgãos são diferentes.

24

Page 25: Lipídios em Superfícies

Ressonância Plasmônica de Superfície (SPR)

Informações cinéticas de interações biomoleculares podem ser obtidas

em tempo real através da técnica de SPR, um método muito utilizado na

determinação das constantes de associação e dissociação de moléculas que

ocorrem em uma interface sólido-líquido.

O fenômeno ressonante ocorre como resultado da reflexão interna total

de um feixe de luz em uma interface sólido (metal) – líquido. Essa reflexão é

observada em situações onde a luz se propaga em um meio de alto índice de

refração (como vidro) e após atingir uma interface em um meio com índice de

refração menor, com um ângulo de incidência acima do ângulo crítico, a luz é

refletida totalmente na interface propagando-se novamente no meio de alto

índice de refração. Embora a luz seja totalmente refletida, um componente do

momento de luz incidente, denominado onda evanescente, penetra a uma certa

distância no meio de índice de refração menor. Se a luz incidente é

monocromática e plano polarizada e um filme fino de metal, como o ouro, é

formado na interface entre os meios, a onda evanescente irá interagir com

elétrons livres oscilantes na superfície do filme de metal, gerando plasmons de

superfície. Desse modo, quando ocorre o fenômeno de ressonância

plasmônica de superfície, a energia da luz incidente é perdida no filme de

metal, resultando em um decréscimo na intensidade da luz refletida, para um

determinado comprimento de onda. Esse fenômeno ocorre em um determinado

ângulo da luz incidente, o qual é dependente do índice de refração do meio

próximo à superfície de metal, e também do metal (o vetor da onda plasmônica

depende do índice de refração do metal e da amostra sobre a superfície desse

metal), sendo percebida até uma distância de cerca de 300 nm da superfície de

metal. A troca de uma solução tampão presente na superfície do metal por uma

solução contendo biomoléculas, por exemplo, altera o índice de refração do

meio onde ocorre a penetração da onda evanescente. Com isso, altera-se

também a ângulo de incidência necessário para criar o fenômeno de SPR

(ângulo de SPR), o qual é detectado pelo instrumento. Essa mudança é

igualmente observada durante um processo de adsorção no filme de metal, e

com o monitoramento contínuo das variações no índice de refração, detectadas

como uma variação no ângulo de ressonância, os valores obtidos podem ser

25

Page 26: Lipídios em Superfícies

colocados em função do tempo, obtendo-se um “sensorgrama”. Amostras de

aspecto opaco também podem ser analisadas por SPR, pois é a onda

evanescente que penetra no meio e não a luz incidente. O tratamento dos

dados fornece valores de espessura do filme formado sobre o metal e

quantidade do composto adsorvido, além da obtenção dos parâmetros

cinéticos. Para determinação desses valores em experimentos de adsorção a

quantidade de material ligado na superfície é obtida pela diferença de valores

obtidos nas leituras da solução tampão e da solução de interesse (62). A figura

15 esquematiza como uma associação entre moléculas pode ser medida em

um equipamento de SPR.

Figura 15 – Ilustração dos componentes de um sensor de Ressonância Plasmônica de Superfície, onde o analito é levado até a superfície do sensor através de uma cela de fluxo. No detector, 1 indica o ângulo de SPR medido com a presença do ligante na superfície do sensor, e 2 é o ângulo observado na ligação entre o analito e o ligante.

A cinética de formação de uma monocamada fosfolipídica a partir de

vesículas em solução em uma monocamada de alcanotiol hidrofóbica foi

descrita por um modelo que considera a concentração de lipídios, difusão e

reorganização das moléculas na superfície (46). Os dados cinéticos que

possibilitaram o tratamento foram obtidos pela técnica de SPR. A Figura 16

mostra o gráfico obtido utilizando-se vesículas com diferentes concentrações

de DMPC adsorvidas em uma monocamada de dodecanotiol auto-montada

sobre ouro.

26

Page 27: Lipídios em Superfícies

Figura 16 – Cinética de formação de camada lipídica obtida por SPR. As vesículas foram colocadas na cela de fluxo no tempo t=0. Os pontos representam dados experimentais, ajustados com equação apropriada (linha sólida). As concentrações das vesículas em solução são indicadas.

Os dados obtidos neste estudo mostraram que a cinética de formação

do filme lipídico sobre monocamada de alcanotiol ocorre pelo rearranjo das

vesículas na superfície hidrofóbica e é dependente da concentração de lipídio.

Em altas concentrações há dependência da constante de difusão das vesículas (46).

Estudos cinéticos de formação de filme lipídico em monocamadas auto-

montadas de tiol foram também realizadas variando-se a composição do filme

de tiol – com terminação hidrofílica e hidrofóbica, também monitorados por

SPR (49,50,63). Desses estudos, foram propostos possíveis mecanismos para a

adsorção de vesículas nessas superfícies, mostrados na Figura 17.

27

Page 28: Lipídios em Superfícies

Figura 17 – Possíveis mecanismos para ruptura e fusão de vesículas em superfície de tiol hidrofóbico (a) e hidrofílico (b).

A velocidade inicial de formação de camada lipídica em SAM de tiol com

terminação hidrofílica ou mista é mais rápida do que aquela observada para

SAM de tiol hidrofóbico. Isso deve-se provavelmente à necessidade das

vesículas romperem sua camada externa para permitirem que as caudas

hidrofóbicas entrem em contato com as cadeias alquílicas dos tióis

hidrofóbicos. Posteriormente deve ocorrer a abertura da vesícula e difusão na

camada de tiol. Esses processos são termodinamicamente mais desfavoráveis

do que aqueles necessários para a formação de uma bicamada sobre SAM de

tiol hidrofílico.

A técnica de SPR, além de possibilitar a caracterização cinética da

formação de filmes lipídicos em diferentes superfícies, é também muito

utilizada nos estudos de cinética de associação proteínas e membranas (9,

27,31,51, 64,65).

Elipsometria

A adsorção de filmes em um substrato pode ser monitorada pela técnica

de elipsometria, que fornece também valores de espessura para o filme

adsorvido.

Em um aparelho de elipsometria, uma luz monocromática plano

polarizada (p = ângulo de polarização) atinge uma superfície. Um compensador

muda o feixe de luz refletido que é elipticamente polarizado para plano

28

Page 29: Lipídios em Superfícies

polarizada (a = ângulo de polarização). Um analisador determina então o

ângulo a, pelo qual o compensador polarizou o feixe. A figura 18 ilustra os

componentes de um elipsômetro típico.

Figura 18 – Descrição esquematizada dos componentes de um elipsômetro.

Esses dois ângulos (a e p) fornecem a diferença de fase entre os

componentes paralelo e perpendicular (), e a mudança na proporção das

amplitudes dos dois componentes (tg ), onde = 2p + /2 e = a. Para uma

superfície limpa, e estão diretamente relacionados ao índice de refração

complexo da superfície e são denominados ângulos elipsométricos. Se um

filme com índice de refração nf adsorver na superfície, esses ângulos estarão

relacionados aos índices de refração complexos tanto do filme quanto do

substrato, e também à espessura do filme. Desse modo, a técnica permite

monitorar fenômenos de adsorção (36,44).

Muitos estudos focam o uso da elipsometria na determinação de

espessura de camadas lipídicas formadas em suporte sólidos, em relação ao

tempo de exposição dos fosfolipídios ao suporte (66,67). Desse modo, variando-

se a composição e a porcentagem dos fosfolipídios estudados, além do

substrato utilizado, pode-se obter a espessura e cinética de formação dos

filmes, além de caracterizar dentre os filmes estudados o que possui melhor

estabilidade para aplicação em estudos com proteínas ou como biosensores.

Os gráficos mostrados na Figura 19 foram obtidos em um estudo de

formação de filme lipídico em wafers de silício variando-se a porcentagem dos

lipídios utilizados.

29

Page 30: Lipídios em Superfícies

Figura 19 – Formação de filmes constituídos de 50 mol% DPPC, 20 mol% DPPG and 30 mol% DPPE+Colesterol, nas proporções DPPE/Col 0,3; 2 e 14 respectivamente nos gráficos 1,2 e 3. O monitoramento foi feito por elipsometria. O seta em a indica adição de lipossomas, b indica adição de cloreto de cálcio e c indica tampão.

Além dessa superfície, o estudo também mostrou dados cinéticos

obtidos por elipsometria em uma superfície de platina. A adição de cálcio foi

feita para determinar sua influencia na formação do filme lipídico e na sua

estabilidade. O mesmo trabalho mostrou também como a presença de

proteínas (extraídas de cérebro bovino) na preparação de lipossomas pode

influenciar a formação dos filmes (66).

QCM-D (Microbalança de Cristal de Quartzo com dissipação)

Esta é uma técnica custo-efetiva simples e que permite a análise de

massa de amostra adsorvida em determinada superfície baseada no efeito

piezoelétrico. Também analisa a amostra termodinâmicamente, parâmetros

cinéticos e viscoelasticidade do sistema (68).

30

Page 31: Lipídios em Superfícies

O princípio está na proporcionalidade entre a variação da freqüência de

ressonância do cristal de quartzo e a massa depositada sobre o mesmo. A

freqüência de vibração diminui com pequena quantidade de material

depositado sobre a superfície do cristal piezoelétrico. A relação é dada pela

equação que diz que a variação da freqüência f (Hz) resulta da mudança da

massa M (g) (sendo proporcionais) e é inversamente proporcional à área

piezoelétrica do cristal (em cm2) (69). A Figura 20 esquematiza a técnica.

Figura 20 – Ilustração esquemática de equipamento de QCM utilizado em análises com células.

A técnica se popularizou quando permitiu a análise de mudança de

massas em sistemas líquidos-sólidos e sobre eletrodos de metal. Dentre as

principais vantagens da QCM estão a permissão de captação de sinais mesmo

em mudanças abruptas no sistema; eliminação da necessidade de marcação

da amostra para transdução de sinal e a análise de propriedade de biofilmes

durante sua formação e depois com perturbações na sua natureza.

Um instrumento de QCM-D, utilizado em muitos estudos, monitora

simultaneamente um segundo parâmetro importante, denominado fator de

dissipação do oscilador (D). As medidas de dissipação fornecem informações

qualitativas e também quantitativas sobre as propriedades viscoelásticas do

filme adsorvido e permite o modelamento teórico para a resposta obtida por

QCM-D. A dissipação é geralmente elevada se o filme adsorvido tem um

componente viscoso também elevado. Tal filme deforma com maior facilidade e

dissipa a energia guardada no oscilador devido à fricção interna durante a

31

Page 32: Lipídios em Superfícies

deformação cíclica na escala atômica. É importante frisar também que a

técnica de QCM-D é sensível tanto à massa do filme adsorvido quanto à massa

de água presente no sistema, como o tampão no interior de vesículas intactas

na superfície e água ao redor de proteínas adsorvidas em determinada

superfície. Além disso, a técnica é também sensível à mudanças de

viscosidade no líquido em contato com o cristal (9,45).

Em um estudo de adsorção em sílica (8), três preparações de vesículas

constituídas por DOPC / DOPS (1:1), DOPC / DOPS (4:1) e DOTAP foram

utilizadas, de modo a investigar as mudanças conformacionais que ocorriam

com as vesículas quando em contato com o suporte de sílica. O monitoramento

foi feito por QCM-D, e os dados obtidos são mostrados na Figura 21.

Figura 21 – Respostas obtidas por QCM-D para a deposição de misturas diferentes de fosfolipídios em sílica. Em (A) DOTAP, (B) DOPC / DOPS (1:1), (C) DOPC / DOPS (4:1). As ilustrações indicam as camadas lipídicas formadas em cada situação (47).

Para vesículas de DOPC / DOPS na proporção 1:1 observa-se que a

frequancia diminui monotonicamente até o equilíbrio em torno de –54 Hz, e a

dissipação aumenta, havendo equilíbrio por volta de 2,9 x 10-6. Esses valores

indicam a formação de uma camada flexível de vesículas (supported vesicular

layer - SVL), adsorvida de maneira estável após a lavagem com tampão. Para

vesículas de DOPC / DOPS com proporção 4:1, observa-se inicialmente o

mesmo caso descrito acima (diminuição na freqüência, aumento na

dissipação), entretanto um segundo estágio é observado, com aumento na

32

Page 33: Lipídios em Superfícies

freqüência e diminuição na dissipação. Isso indica a adsorção inicial de uma

camada vesicular, seguido pela formação de uma bicamada lipídica contínua

após a ruptura das vesículas. Para os dados obtidos com as vesículas de

DOTAP, há formação de uma bicamada lipídica, com possível rompimento

espontâneo das vesículas.

A adsorção em superfícies diferentes também pode ser verificada com

QCM-D. Vesículas de egg-PC foram estudadas em superfície de ouro

modificada por alcanotiol, sílica e ouro oxidado. A Figura 22 mostra os gráficos

obtidos nesse estudo (30).

Figura 22 – Variações nas freqüências de ressonância e dissipação, para as três superfícies estudadas. As ilustrações indicam as prováveis camadas que são formadas em cada um dos casos.

A freqüência de –13 Hz obtida no experimento com alcanotiol é a

metade do valor observado para a superfície de sílica (-26 Hz), o que indica a

formação de uma monocamada lipídica sobre a camada de alcanotiol. A

formação de bicamada em sílica é novamente precedida da adsorção de

vesículas intactas na superfície (freqüência diminui, dissipação aumenta),

ocorrendo após determinado tempo a ruptura dessas vesículas e formação de

bicamada. Em ouro oxidado há formação de uma camada vesicular, com

saturação alcançada rapidamente. A elevada dissipação indica que a estrutura

do filme adsorvido é diferente de uma monocamada ou bicamada.

33

Page 34: Lipídios em Superfícies

Microscopia de Fluorescência

Pode-se dizer que nos estudos feitos com microscopia de fluorescência, a

amostra é a própria fonte luminosa. Esta técnica baseia-se no fenômeno de

que certos materiais emitem uma energia detectável como luz visível quando

irradiados com uma fonte luminosa de comprimento de onda específico. A

amostra pode ser tanto fluorescente em seu estado natural (como clorofila e

alguns minerais), como devido à um tratamento com compostos químicos

fluorescentes.

Uma fonte de luz com determinado comprimento de onda, após passar por

um filtro que a “seleciona” para o material a ser analisado, alcança os átomos

da amostra fazendo com que os elétrons sejam excitados para um nível de

energia mais alto. Quando o elétron no orbital de maior energia possui spin

com orientação oposta ao do segundo elétron no orbital inferior a multiplicidade

de spin é a mesma. Isso ocorre no estado excitado singlete. Ao retornar ao

estado fundamental, o elétron não precisa mudar sua orientação de spin.

Nesse retorno ocorre a emissão de luz, e o material fluoresce, o que pode ser

detectado com um microscópio. Para tornar-se visível, a luz emitida é separada

da luz de excitação mais brilhante com um segundo filtro. A luz emitida é de

menor energia e tem comprimento de onda maior. Os esquemas da Figura 23

mostram o modo de detecção simplificado em um microscópio de fluorescência

e o princípio dessa técnica.

34

Page 35: Lipídios em Superfícies

Figura 23 – À esquerda ilustra-se a detecção da fluorescência de uma amostra. No esquema à direita, é mostrado de que maneira a espécie fluoresce: a energia é absorvida pelo átomo (1), excitando o elétron a um nível mais alto de energia (2). Ao retornar para o estado fundamental, há emissão de fótons, sendo observada a fluorescência (3).

Essa técnica revela a presença de material fluorescente com grande

sensibilidade – cerca de 50 moléculas fluorescentes por mL são suficientes

para serem detectadas. Aliado a isso pode-se estudar também os processos

dinâmicos de macromoléculas, como difusão, constantes de ligação, além de

monitorar importantes funções celulares, como endo e exocitose, transdução

de sinal e geração de potencial transmembrana (70,71).

Sistemas sintéticos, como vesículas poliméricas, podem também ser

estudados com a microscopia de fluorescência (60). Nesses casos, um corante

fluorescente solúvel em água é encapsulado durante a formação das vesículas,

seguido pela exclusão de moléculas de corantes do espaço extra-vesicular (por

cromatografia de exclusão de tamanho, diálise, ultrafiltração ou centrifugação).

A formação de bicamada contínua sobre um suporte de estreptavidina

auxiliado por PEG foi monitorado por fluorescência, entre outras técnicas (33).

As vesículas continham em sua composição o fosfolipídio fluoróforo 1,2-

dipalmitoil-sn-glicero-3-fosfo-etanolamina-N-(7-nitro-2-1,3-benzoxadiazol-4-il),

NBD-DPPE, em concentração 1 – 2 % em mol. A fluorescência foi utilizada

principalmente para obter dados quanto à eficiência do polímero PEG no

processo de fusão das vesículas, avaliando-se as propriedades de dinâmica

lateral dos lipídios antes e após o tratamento com PEG. As imagens obtidas

são mostradas na Figura 24.

35

Page 36: Lipídios em Superfícies

Figura 24 – As imagens da seqüência A foram obtidas antes do tratamento com PEG. A seqüência B mostra imagens obtidas após o tratamento com PEG. Como superfície para a camada de streptavidina foi utilizado óxido de alumínio.

Na seqüência A observou-se que as vesículas estão corretamente

imobilizadas no suporte de streptavidina e que a taxa de fusão pode ser

desprezada (coeficiente de difusão 10-11 cm2 s-1). Após o tratamento com PEG

(seqüência B), observa-se um comportamento completamente diferente. O

coeficiente de difusão dos lipídios NBD-DPPE foi estimado em 2 x 10-8 cm2 s-1.

Verificou-se dessa maneira que a presença de PEG provoca a formação de

uma bicamada lipídica contínua no suporte de streptavidina.

Geração de segunda harmônica em superfície (SHG)

A geração de segunda harmônica em superfície é um processo que

surge da radiação de dipolos oscilantes em 2 em um meio induzido não-

36

Page 37: Lipídios em Superfícies

linearmente por um laser na freqüência , e é permitido apenas em sistemas

sem inversão de simetria sob a aproximação do dipolo elétrico. Este é

geralmente o caso para modos de superfície devido à falta de simetria na

interface de sistemas água-ar, sólido-ar, etc. Portanto o método de SHG

mostra-se versátil para o estudo da orientação molecular em superfícies e pode

ser sensível o bastante para detectar até mesmo a cobertura de uma

submonocamada (36). Os componentes básicos em uma determinação por SHG

são ilustrados na Figura 25.

Figura 25 – Esquema do aparato utilizado na técnica de geração de segunda harmônica de superfície.

Um dos pontos principais da técnica é requerer a falta de simetria em

uma interface a ser estudada, permitindo com isso a visualização de certas

regiões de uma bicamada suspendida. Uma bicamada altamente simétrica

pode não gerar um sinal significante de SHG, a menos que exista alguns

domínios na estrutura que apresentem assimetria através da bicamada. A

figura 26 mostra uma imagem obtida por SHG de uma bicamada suspendida

através de um poro em um substrato de silício.

37

Page 38: Lipídios em Superfícies

Figura 26 – Imagem por SHG de uma “black lipid membrane”. A imagem foi obtida utilizando microscopia SHG resolvida por polarização. Uma ilustração da bicamada é mostrada à direita da imagem

A imagem da Figura 26 revela duas regiões, uma área central (em

vermelho) que não produz sinal de SHG e uma área que aparentemente

apresenta alguma estrutura. O aspecto dessa bicamada, ilustrado à direita da

imagem, mostra que a região central representa uma bicamada simétrica e de

espessura fina, na qual as caudas hidrofóbicas dos fosfolipídios estão longe de

qualquer solvente orgânico. A região em forma de anel, detectável por SHG,

não possui a simetria da região central e pode produzir sinal (10).

Essa técnica permite também que a dinâmica de formação de bicamada

possa ser acompanhada em relação ao tempo em diferentes substratos, sem a

necessidade de se utilizar um corante no monitoramento. Imagens obtidas da

formação de bicamada de 1-estearoil-2-oleoil-sn-glicero-3-fosfoetanolamina

(SOPE) em dois substratos distintos, delrin® (uma resina de acetal) e sílicio,

são mostradas na Figura 27.

38

Page 39: Lipídios em Superfícies

Figura 27 – Imagens da formação de bicamada de SOPE em Delrin® e silício, mapeadas em intervalos de 22 minutos.

A primeira imagem obtida no substrato de Delrin (seqüência a) é uma

bicamada recém obtida, e as imagens em seqüência mostram sua evolução. A

bicamada sofre um afinamento inicial, seguido por um período de espessura

constante, até que ocorre novamente um afinamento e a bicamada se rompe.

Esse afinamento pode estar relacionado à expulsão do solvente do interior da

bicamada para a região anular. Estas etapas de evolução de bicamada são

geralmente observadas quando se aplica voltagem, mudando o potencial

químico da região anular, forçando a bicamada a ajustar a quantidade de

solvente incorporado para manter o mínimo de energia livre. Se esse ajuste

não ocorre a bicamada rompe. Para a bicamada formada no substrato de silício

(b), as imagens revelam um aumento na porção vermelha (central),

característica de afinamento da bicamada, com expansão radial dessa região.

As regiões azuis e verdes são mais espessas. O afinamento da porção central

começa a ser observado entre a segunda e a terceira imagem. Na última

imagem, a região em vermelho ocupa cerca de 35 % da porção da bicamada.

Tais medidas por SHG com imagem mostram que a técnica é extremamente

sensível à pequenas variações na espessura da bicamada, a qual é um

parâmetro dinâmico.

39

Page 40: Lipídios em Superfícies

Conclusão

A utilização de filmes lipídicos, seja em superfícies sólidas, em interface

ar-água ou como black lipid membranes, leva à mimetização de membranas

biológicas, tornando possível o estudo de interação de proteínas,

imunoensaios, interação membrana-mebrana, desenvolvimento de

biosensores, entre outros.

O suporte utilizado na formação das camadas lipídicas, desde

alcanotióis sobre uma superfície de ouro até a utilização de estreptoavadina e

multicamadas poliméricas, pode gerar também diferentes linhas de pesquisa,

na busca pela superfície mais estável para a formação das camadas lipídicas.

Esses estudos incluem também a utilização de superfícies diferentes para a

formação desses suportes.

Devido à grande quantidade de fosfolípidos sintéticos e de origem

biológica disponíveis para estudo, pode-se aliar os estudos de superfície com a

formação de camadas lipídicas com diferentes composições de fosfolipídios,

nas mais diferentes proporções. Além de proporcionar os estudos das

propriedades físicas da membrana formada em um suporte sólido.

Pela variedade de pesquisa nas quais os fosfolipídios podem ser

estudados em interfaces, as respostas para os diferentes questionamentos de

mecanismos celulares poderão ser elucidados com a utilização de camadas

lipídicas como sistemas miméticos de membrana.

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