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Estudo pioneiro no país analisou dejetos de uma ETAR # Cocaína encontrada aponta para consumo de 1,8% no centro de Lisboa ESROrO REVEU I OUSE D E COCA m 50 PESSMS Diná Margato [email protected] A primeira análise em Por- tugal à presença de meta- bolitos de cocaína nas águas residuais, que indi- ciam o consumo da subs- tância, encontrou uma dose diária de 0,1 grama por 50 pessoas. O estudo efetuado por uma equipa da Faculdade de Farmácia de Lis- boa (FFL), coordenado por Álvaro Lopes, especialista em toxicologia forense, a partir de colheitas à entrada na Estação de Tratamento de Águas Residuais (ETAR) de Alcântara (Lisboa), foi publi- cado poucos dias na revis- ta "Science of the Total Envi- ronment da Elsevier". A análise fina aos dejetos (urina e fezes) detetou 252 gramas de cocaína pura, em 24 horas, numa área por onde terão passado 380 mil pessoas (o valor tem em con- ta a quantidade de resíduos libertados por homem/dia). O cálculo apoia-se em pes- soas que terão passado na zona, porque esta é uma área muito particular da cidade. A ETAR recebe resíduos expe- lidos dos bares mais frequen- tados da capital. A este valor, os investigado- res juntaram o fator de corre- ção relativo à pureza da cocaí- na no mercado (na ordem de 33,7% em 2011, ano alvo do estudo), e ainda o consumo misto considerado em fun- ção do álcool. Resultado: apu- rou-se terem sido consumi- das 7490 doses de 100 mili- gramas de cocaína impura, explica o professor da FFL e

Lisboa ESROrO REVEU D 50 PESSMS · cool e cocaína, valor franca-mente superior ao dos últi-mos indicadores. O mais re-cente relatório do Serviço de Intervenção nos Comporta-mentos

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Estudo pioneiro no país analisou dejetos de uma ETAR # Cocaína

encontrada aponta para consumo de 1,8% no centro de Lisboa

ESROrO REVEU I OUSE D

E COCA m 50 PESSMS

Diná [email protected]

A primeira análise em Por-tugal à presença de meta-bolitos de cocaína nas

águas residuais, que indi-ciam o consumo da subs-

tância, encontrou umadose diária de 0,1 gramapor 50 pessoas.

O estudo efetuadopor uma equipada Faculdade deFarmácia de Lis-

boa (FFL), coordenado porÁlvaro Lopes, especialistaem toxicologia forense, a

partir de colheitas à entradana Estação de Tratamento de

Águas Residuais (ETAR) deAlcântara (Lisboa), foi publi-cado há poucos dias na revis-ta "Science of the Total Envi-ronment da Elsevier".

A análise fina aos dejetos(urina e fezes) detetou 252gramas de cocaína pura, em24 horas, numa área poronde terão passado 380 milpessoas (o valor tem em con-ta a quantidade de resíduos

libertados por homem/dia).O cálculo apoia-se em pes-soas que terão passado nazona, porque esta é uma áreamuito particular da cidade. AETAR recebe resíduos expe-

lidos dos bares mais frequen-tados da capital.

A este valor, os investigado-res juntaram o fator de corre-

ção relativo à pureza da cocaí-

na no mercado (na ordem de

33,7% em 2011, ano alvo do

estudo), e ainda o consumomisto considerado em fun-ção do álcool. Resultado: apu-rou-se terem sido consumi-das 7490 doses de 100 mili-gramas de cocaína impura,explica o professor da FFL e

ex-investigador da PJ, que se

apresenta como um "CSI à

portuguesa". Fazendo as

contas, "estima-se o consu-mo de 0,1 gramas por 50 pes-soas".

"É significativo para o país

que temos", diz Álvaro Lo-

pes, mas que também deveser visto à luz das caracterís-ticas da amostra, no centrode Lisboa, onde estão os esta-belecimentos de diversãonoturna: Bairro Alto, Santos,Cais do Sodré e Docas, polode atração para a toda a re-gião. A maior ETAR da capitalserve ainda parte de Benfica,Amadora e Oeiras.

Por outro lado, o valor esti-mado pode pecarpor defeito,uma vez que as amostras fo-ram levantadas às terças e

quintas-feiras. "Ao fim de se-

mana, estas quantidades dis-

parariam". As colheitas fo-ram feitas duas vezes por se-

mana, durante quatro sema-

nas, entre Outubro e Novem-

bro de 2011.Para Álvaro Lopes, partir

destas conclusões para apon-tar a prevalência a nível na-cional é "arriscado". "Os con-sumos não são iguais de re-gião para região". Se a amos-tra decalcasse o país, a preva-lência andaria pelos 1, 8 % , ex-cluindo a conjugação de ál-cool e cocaína, valor franca-mente superior ao dos últi-mos indicadores. O mais re-cente relatório do Serviço de

Intervenção nos Comporta-mentos Aditivos e Toxicode-

pendências, de 2012, davaconta de consumos de 0,2%para o último ano e 0,1% parao último mês.

Além do consumo, estaavaliação deixa alertas novossobre o mercado. "Em 2011,um grama custava 50 euros.Convertendo isto em termosde cocaína impura, falamosde valores muito altos", lem-bra Álvaro Lopes.

Este primeiro estudo per-

mite ao nosso país estrear-seno ranking das cidades euro-peias. "Ficamos a meio da ta-bela. Milão, Santiago de

Compostela, Paris e Bruxelas

apresentam níveis superio-res. Abaixo estão Helsínquia,Oslo e Estocolmo". Para o es-tudo europeu, não foi feito o

cálculo do consumo de ál-cool, novidade da pesquisanacional não contempladano resto da Europa.

Esta metodologia, baseada

na espetrometria de massa,tem vindo a revolucionar a

avaliação dos consumos de

drogas, ao ponto de a UniãoEuropeia ter criado linhas definanciamento para estesprojetos. "Torna-se mais fi-dedigna que os inquéritos,onde as pessoas podem omi-tir ou mentir, e que demo-ram anos". Para esta pesqui-sa trabalharam cinco investi-

gadores, além dos técnicos da

ETAR, e o equipamento usa-do é único no país e está ins-

talado na FFL. "Estes estudos

permitem uma melhor ava-

liação do abuso de drogas ilí-citas", sublinha. Lá fora, a

técnica foi usada para moni-torizar o consumo na prisão.

Foi ainda avaliada a presen-ça de nicotina expelida.Numa soma bruta de 5.9 gra-mas por mil habitantes, e

considerando a média de ni-cotina por cigarro de 0,8, es-timou-se terem sido fuma-dos 7,3 cigarros por pessoanaquela área de Lisboa. •NÚMERO

7400doses de 100 mili-gramas de cocaínaimpura foram con-sumidas, mostrao estudo.

GLOSSÁRIO DOTRATAMENTO

?Águas residuais

Aguas usadas (exceto de ar-refecimento), que podemconter quantidades de pro-dutos em suspensão ou dis-

solvidos, com ação pernicio-sa para o ambiente.

? ETARA estação de tratamento de

águas residuais é uma insta-

lação que permite a recicla-

gem e a reutilização de

águas residuais de acordo

com parâmetros ambientais

aplicáveis ou outras normasde qualidade.

? Substâncias interditas

Nos sistemas de drenagemde esgotos urbanos, não po-dem ser rejeitados produtose substâncias químicas.Além de inviabilizarem otratamento nas ETAR, poreliminarem os microrganis-mos que fazem a sua depu-ração biológica, contami-nam linhas de água ou solo.

Metabolitos de cocaínanão são problema sanitário

Não há dados quemostrem perigo paraa saúde e ambientedestes resíduos

Alfredo [email protected]

O PROBLEMA da presença demetabolitos de cocaína emáguas residuais "não é consi-derado particularmente si-

gnificativo em engenhariasanitária", disse ao JN o sani-tarista Cheng Chia-Yau, daFaculdade de Engenharia daUniversidade do Porto(FEUP).

Aquelas substâncias não fa-zem parte aliás dos parâme-tros de qualidade da água do

efluente rejeitado pelas esta-

ções de tratamento de águasresiduais (ETAR), nem mes-mo da destinada a abasteci-mento.

O diretor do Laboratório de

Engenharia Sanitária daFEUP ainda não possui - a úl-tima informação é de 2011 -"dados relativos ao impacteambiental ou efeito adverso

na saúde humana das subs-tâncias derivadas das drogasilegais originadas de descar-

ga de esgotos urbanos, umavez que as concentraçõesexistentes são muito baixas".

Os estudos em ETAR têmsido realizado desde 2003,para estimar o consumo de

cocaína em zonas urbanas,tendo sido encontradas dro-

gas ilegais nos esgotos brutosafluentes a praticamente to-das as instalações europeias e

norte-americanas pesquisa-das. Algumas ETAR no ReinoUnido conseguem removeraté quase 100% dos metaboli-tos de cocaína, mas outras

apresentam uma remoção"substancialmente reduzi-da". Mas "remoção" não im-plica necessariamente "eli-minação", observa ChengChia-Yau. "Muitos contami-nantes - metais pesados, porexemplo - podem podem sertransformados de uma formadissolvida para uma sólida e

removida (separados) da fase

líquida".No efluente final das ETAR

de esgotos urbanos, são obri-

gatoriamente monitorizadostrês dezenas de parâmetros,como o pH, o oxigénio dissol-

vido, a alcalinidade, a carên-cia (química e bioquímica) de

oxigénio, nitratos, azotos,cloretos, sulfatos, fósforos,sólidos (fixos, suspensos e

voláteis), metais pesados, hi-drocarbonetos, gorduras, co-liformes e Escherichia coli.

Já a água para consumo hu-mano deve ser analisada sis-

tematicamente em meiacentena de parâmetros,como por exemplo o antimó-nio, o arsénio, metais pesa-dos, fluoretos, nitratos, pes-ticidas ou radioatividade. •

Ol.ObjetosDeve ser evitada a rejeiçãode objetos sólidos, designa-damente através da sanita,

mesmo aparentemente ino-

fensivos ou de pequena di-

mensão, pois concorrem

para entupir as redes e di-ficultar o funcionamentodos órgãos eletromecânicos

do sistema e até das ETAR.

02. Óleos e tintasÓleos alimentares, metais

pesados, tintas e vernizes

são de evitar a todo o cus-

to.

01. MedicamentosOs medicamentos devemser entregues nas farmá-cias, num sistema de reco-lha próprio.

01. PlásticosNão devem ser deitadosnas sanitas plásticos, mes-mo quando são de peque-nas dimensões, nem pre-servativos.

3 PERGUNTAS A //ÁLVARO LOPES

"Todos estesestudos sobreresíduos estãona infância"

Álvaro Lopes, professorda Faculdade de Farmá-

cia de Lisboa

01 A recolha para análi-se foi feita antes do tra-tamento. Há garantia deos vestígios serem eli-minados no processo detratamento?

As estações de trata-mento monitorizam essa

qualidade das águas. Otratamento é eficaz para a

maior parte das substân-cias.

Mas não há garantia ab-soluta?

São quantidades muitobaixas, mas há moléculas

que podem ser resisten-tes. Já se fizeram estudossobre os resíduos dos me-dicamentos e não se en-contraram quantidadessignificativas nos rios e

nas redes de água, quesuscitassem preocupação.Passa sempre algummaterial, apesar dos so-fisticados tratamentos?

Passam sempre, há com-

postos resistentes. O tra-tamento nunca é lOO%

eficaz, mas passarão deuma forma muito diluídae não terá grande impac-to a nível ambiental e desaúde pública. Todos estesestudos à volta dos resí-duos estão na infância. O

primeiro ranking euro-peu é de 2011. No próximoestudo, em vez de 19 cida-des já haverá 30 analisa-das. •

Estudo do ISEP encontraresíduos de remédiosEstudo encontrou resíduos de medicamentos

Uma equipa de investigadores do Instituto Superior de

Engenharia do Porto (ISEP) analisou amostras de terranas imediações de várias estações de tratamento da

Região Norte e concluiu, em 2012, que apresentamníveis de contaminação por medicamentos

"preocupantes". Antibióticos, ibuprofeno e paracetamol,os medicamentos mais consumidos pela população,resistem aos tratamentos usados nas estações detratamento de águas residuais (ETAR) e vão parar aos

rios, mares e também aos solos, com consequências

negativas para a saúde, concluíram as investigações.