18
CDA CONCURSOS LITERATURA BRASILEIRA - A história da literatura brasileira tem início em 1500, com a Carta de Pero Vaz de Caminha, escrivão da frota de Pedro Álvares Cabral, enviada a D. Manuel I, comunicando a descoberta das terras brasileiras. Este período inicial de nossa literatura é conhecido por Quinhentismo, porém tal denominação refere-se à cronologia (século XVI), não possuindo uma conotação estética. Pode ser utilizada também para o Classicismo, período literário marcado por uma mentalidade renascentista e cultivado na época em Portugal. No entanto, como nosso estudo centra-se na literatura brasileira, utilizaremos esse termo para denominar o primeiro período histórico da mesma. Faz-se necessário, entretanto, ressaltar que este período constitui se mais como uma literatura sobre o Brasil, produzida no Brasil, do que uma literatura efetivamente de autoria brasileira. Nesta época, Portugal desenvolvia a crônica histórica e informativa, devido às grandes navegações, conquistas e descobertas ultramarinas. Predominam o desejo de expansão do cristianismo e o anseio de conquista e domínio. Podemos dividir as obras deste período entre as que se enquadram na literatura informativa, da qual fazem parte os textos sobre o Brasil, transmitindo ao europeu informações da terra e da gente que aqui vivia, e as que integram a literatura jesuítica, reunindo os escritos dos jesuítas envolvidos com a catequese. Literatura Informativa Os primeiros textos em terras brasileiras de que se tem notícia são “informações” de viajantes e missionários europeus, descrevendo a natureza e os primeiros habitantes de nossa terra: os índios. Estes escritos não podem ser classificados como textos literários, pois são crônicas históricas, refletindo a visão de mundo e a linguagem dos colonizadores. Dentre os textos de origem portuguesa escritos nesta época destacam-se: a Carta de Pero Vaz de Caminha a elrei D. Manuel; o Diário de Navegação de Pero Lopes e Sousa, escrivão de Martim Afonso de Sousa; o Tratado da Terra do Brasil e a História da Província de 1

Literatura Cda - Professor - Quinhentismo

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Literatura Cda - Professor - Quinhentismo

CDA CONCURSOS

LITERATURA BRASILEIRA -

A história da literatura brasileira tem início em 1500, com a Carta de Pero Vaz de Caminha, escrivão da frota de Pedro Álvares Cabral, enviada a D. Manuel I, comunicando a descoberta das terras brasileiras.

Este período inicial de nossa literatura é conhecido por Quinhentismo, porém tal denominação refere-se à cronologia (século XVI), não possuindo uma conotação estética. Pode ser utilizada também para o Classicismo, período literário marcado por uma mentalidade renascentista e cultivado na época em Portugal. No entanto, como nosso estudo centra-se na literatura brasileira, utilizaremos esse termo para denominar o primeiro período histórico da mesma. Faz-se necessário, entretanto, ressaltar que este período constitui se mais como uma literatura sobre o Brasil, produzida no Brasil, do que uma literatura efetivamente de autoria brasileira.

Nesta época, Portugal desenvolvia a crônica histórica e informativa, devido às grandes navegações, conquistas e descobertas ultramarinas. Predominam o desejo de expansão do cristianismo e o anseio de conquista e domínio.

Podemos dividir as obras deste período entre as que se enquadram na literatura informativa, da qual fazem parte os textos sobre o Brasil, transmitindo ao europeu informações da terra e da gente que aqui vivia, e as que integram a literatura jesuítica, reunindo os escritos dos jesuítas envolvidos com a catequese.

Literatura InformativaOs primeiros textos em terras brasileiras de que se tem notícia são “informações” de

viajantes e missionários europeus, descrevendo a natureza e os primeiros habitantes de nossa terra: os índios.

Estes escritos não podem ser classificados como textos literários, pois são crônicas históricas, refletindo a visão de mundo e a linguagem dos colonizadores.

Dentre os textos de origem portuguesa escritos nesta época destacam-se: a Carta de Pero Vaz de Caminha a elrei D. Manuel; o Diário de Navegação de Pero Lopes e Sousa, escrivão de Martim Afonso de Sousa; o Tratado da Terra do Brasil e a História da Província de Santa Cruz a que Vulgarmente Chamamos Brasil de Pero Magalhães Gândavo; a Narrativa Epistolar e os Tratados da Terra e da Gente do Brasil do jesuíta Fernão Cardim; o Tratado Descritivo do Brasil de Gabriel Soares de Souza; os Diálogos das Grandezas do Brasil de Ambrósio Fernandes Brandão; as Cartas dos Missionários Jesuítas escritas nos dois primeiros séculos de catequese; o Diálogo sobre a Conversão dos Gentios de Pe. Manuel da Nóbrega e a História do Brasil de Frei Vicente de Salvador.

Incumbido por Pedro Álvares Cabral da tarefa de comunicar a D. Manuel o “achamento” da nova terra, o escrivão da frota Pero Vaz de Caminha escreve a carta, relatando com fidelidade a realidade observada.

A linguagem da carta é simples, direta; o texto assemelha-se a um diário de viagem pela riqueza de detalhes; Descreve a terra descoberta e sua gente, além das primeiras atitudes dos futuros colonizadores. Há uma clara intenção exploratória das terras brasileiras, sobretudo em relação a suas possíveis riquezas naturais, decorrente do pensamento mercantilista português da época. Além disso, identifica-se um desejo de cristianização do povo indígena, considerado desprovido de espiritualidade e fé. Percebe-se o espanto do homem branco diante de um “outro” ser que lhe causa estranheza. A nudez do índio é enfatizada como demonstração de sua pureza e ingenuidade. O deslumbramento diante da nova terra transmite-nos a sensação de uma “visão do paraíso”, estudada por Sérgio Buarque de Holanda em Visão do Paraíso: Os

1

Page 2: Literatura Cda - Professor - Quinhentismo

Motivos Edênicos no Descobrimento e Colonização do Brasil1. Tal visão é influenciada por uma mentalidade medieval, de valores essencialmente cristãos.

Enquanto Portugal vivia o auge do Renascimento, expandia seu poder além dos mares, e Camões escrevia seus versos, a esquadra de Cabral, em 22 de abril de 1500, chega ao Brasil. Nessa ocasião, o escrivão Pero Vaz de Caminha envia ao rei de Portugal uma carta em que dava as primeiras noticias da exótica “Terá de Santa Cruz”. É com essa carta que se costuma marcar o nascimento da literatura brasileira.Leia um trecho da carta escrita por pero Vaz de Caminha.

CARTA A EL-REI DOM MANOEL

(Pero Vaz de Caminha)

1º trecho

E neste dia1, a hora de véspera2, houvemos vista de terra, isto é, primeiramente d'um grande monte, mui alto e redondo, e d'outras serras mais baixas a sul dele e de terra chã3 com grandes arvoredos, ao qual monte alto o capitão pôs nome o Monte Pascoal e à terra a Terra de Vera Cruz.

Vocabulário

1 neste dia: quarta-feira, 22 de abril de 1500

2 a hora de véspera: à tarde, entre as 15 horas e o sol-posto. As horas de véspera eram as horas canônicas, em que os clérigos rezavam as orações da tarde (do lat. vespera, "tarde")

3chã: plana

2º trecho

E dali houvemos vista d'homens, que andavam pela praia, de 7 ou 8, segundo os navios pequenos disseram, por chegarem primeiro. (...) E o capitão mandou no batel4, em terra, Nicolau Coelho, para ver aquele rio. E, tanto que5 ele começou para lá d'ir, acudiram pela praia homens, quando dous, quando três, de maneira que, quando o batel chegou à boca do rio, eram ali 18 ou 2O homens, pardos, todos nus, sem nenhuma cousa que lhes cobrisse suas vergonhas. (...) Ali não poude deles haver fala nem entendimento que aproveitasse, por o mar quebrar a costa. Somente deu-lhes um barrete vermelho e uma carapuça de linho, que levava na cabeça, e um sombreiro6 preto. E um deles lhe deu um sombreiro de penas vermelhas e pardas, como de papagaio. E outro lhe deu um ramal7 grande de continhas brancas, miúdas, que querem parecer d'aljaveira8, as quais peças creio que o capitão manda a Vossa Alteza. E com isto se volveu às naus por ser tarde e não poder deles haver mais fala, por azo do mar9.

Vocabulário

4 batel: barco pequeno, que vinha nas naus

5 tanto que: logo que

6 sombreiro: chapéu de copa cônica e alta

2

Page 3: Literatura Cda - Professor - Quinhentismo

Barrete (francês barrette, barra usada como ornamento de vestuário)

7 ramal: colar

8 d'aljaveira: de um molúsculo dos trópicos. Há quem indique tratar-se de planta que produz pequenas contas brancas

9 por azo do mar: por causa do mar

3º trecho

E sendo10 Afonso Lopes, nosso piloto, em um daqueles navios pequenos por mandado do capitão, por ser homem vivo e destro para isso, meteu-se logo no esquife11 a sondar o porto dentro. E tomou em uma almadia12 dous daqueles homens da terra, mancebos13 e de bons corpos. (...) Trouxe-os logo, já de noute, ao capitão, onde foram recebidos com muito prazer e festa.

A feição deles é serem pardos, maneira d'avermelhados, de bons rostos e bons narizes, bem feitos. Andam nus, sem nenhuma cobertura, nem estimam14

nenhuma cousa cobrir nem mostrar suas vergonhas. E estão acerca disso com tanta inocência como têm em mostrar o rosto.

Vocabulário

10 sendo: estando

11esquife: menor que o batel

12 almadia: três travas atadas juntas

13 mancebos: jovens

14 nem estimam: nem se importam com, nào se preocupam com

4º trecho

O capitão, quando eles vieram, estava assentado em uma cadeira e uma alcatifa aos pés por estrado, e bem vestido, com um colar d'ouro mui grande ao pescoço. (...) Um deles, porém, pôs olho no colar do capitão e começou d'acenar com a mão para a terra e despois para o colar, como que nos dizia que havia em terra ouro. E também viu um castiçal de prata e assim mesmo acenava para a terra e então para o castiçal, como que havia também prata. (...) Deram-lhe ali de comer pão e pescado cozido, confeitos, fartes15, mel e figos passados; não quiseram comer daquilo quase nada. E alguma cousa, se a provaram, lançavam-na logo fora.

Vocabulário

alcatifa s. f.1. Tapete (para o chão).

15 fartes: massa doce, mais ou menos delicada, envolta em uma capa de farinha

3

Page 4: Literatura Cda - Professor - Quinhentismo

5º trecho

Viu um deles umas contas de rosário, brancas, acenou que lhas dessem e folgou muito com elas e lançou-as no pescoço e depois tirou-as e embrulhou-as no braço; e acenava para a terra e então para as contas e para o colar do capitão, como que dariam ouro por aquilo. Isto tornávamos nós assim por o desejarmos; mas, se ele queria dizer que levaria as contas e mais o colar, isto não queríamos nós entender, porque lhos não havíamos de dar. E despois tornou as contas a quem lhas deu.

6º trecho

E uma daquelas moças era toda tinta16, de fundo a cima, daquela tintura, a qual, certo, era tão bem feita e tão redonda e sua vergonha, que ela não tinha, tão graciosa, que a muitas mulheres de nossa terra, vendo-lhes tais feições, fizera vergonha, por não terem a sua como ela.

Vocabulário

16 tinta: tingida

7º trecho

Os outros dous, que o capitão teve nas naus, a quem deu o que já dito é, nunca aqui mais apareceram, de que tiro ser gente bestial e de pouco saber17 e por isso assim esquivos. Eles, porém, com tudo, andam muito bem curados18 e muito limpos e naquilo me parece ainda mais que são como aves ou alimárias monteses que lhes faz o ar melhor pena e melhor cabelo que às mansas, porque os corpos seus são tão limpos e tão gordos e tão formosos, que não pode mais ser. E isto me fez presumir que não têm casas nem moradas em que se acolham. E o ar, a que se criam, os faz tais.

Vocabulário

17 gente bestial e de pouco saber: gente que vivia como os animais silvestres, por civilizar, e ignorantes. Não quer dizer, porém, que a não achasse humana e educável

18 em curados: que cuidam de si

8º trecho

Parece-me gente de tal inocência que, se os homens entendesse e eles a nós, que seria logo cristãos, porque eles não têm nem entendem em nenhuma crença, segundo parece. E, portanto, se os degredados que aqui hão de ficar aprenderem bem a sua fala e os entenderem, não duvido, segundo a santa tenção de Vossa Alteza, fazerem-se cristãos e crerem na nossa santa fé, à qual praza a Nosso Senhor que os traga, porque, certo, esta gente é boa e de boa simplicidade e imprimir-se-á ligeiramente19 neles qualquer cunho que lhes quiserem dar. E logo lhes Nosso Senhor deu bons corpos e bons rostos, como a bons homens e ele, que nos por aqui trouxe, creio que não foi sem causa. E portanto, Vossa Alteza, pois tanto deseja acrescentar na santa fé católica, deve entender20 em sua salvação; e prazerá a Deus que, com pouco trabalho, assim

4

Page 5: Literatura Cda - Professor - Quinhentismo

será. Eles não lavram, nem criam, nem há aqui boi, nem vaca, nem cabra, nem ovelha, nem galinha, nem outra nenhuma alimária, que costumada seja ao viver dos homens; nem comem senão desse inhame que aqui há muito e dessa semente e fruitos que a terra e as árvores de si lançam.

Vocabulário

tenção (latim tentio)2. Propósito; resolução; intento. devoção.

19 ligeiramente: facilmente, depressa

20 deve entender: deve cuidar

9º. trecho

Nela até agora não pudemos saber que haja ouro, nem prata, nem nenhuma cousa de metal, nem de ferro; nem lho vimos. A terra, porém, em si, é de muito bons ares, assim frios e temperados como os d'Antre Doiro e Minho, porque neste tempo d'agora assim os achávamos como os de lá. Águas são muitas, infindas. E em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo por bem das águas que tem. Mas o melhor fruto que nela se pode fazer me parece que será salvar esta gente. E esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza em ela deve lançar.

10º trecho

Chantada a cruz com as armas e divisa de Vossa Alteza, que lhe primeiro pregaram, armaram altar ao pé dela. Ali disse missa o padre frei Anrique, a qual foi cantada e oficiada por esses já ditos. Ali estiveram conosco obra de cinqüenta deles [índios] assentados todos em joelhos, assim como nós.

(CAMINHA, Pero Vaz de. Carta a el-rei dom Manuel sobre o achamento do Brasil. Introdução atualizada do texto e notas de M. Viegas GUERREIRO; leitura paleográfica de Eduardo NUNES. Lisboa, Imprensa Nacional, 1974.)

A carta de Caminha adota evidentemente a perspectiva dos europeus. Não se registram as impressões que os indígenas tiveram a respeito dos portugueses que chegavam em suas caravelas ao litoral brasileiro. Mas alguns artistas criaram obras que fantasiam sobre o que teriam pensado os nativos desse encontro.

“ Os tupiniquins viram com o mesmo assombro a chega dos estrangeiros. Eles eram pálidos, cheiravam muito mal, traziam o corpo todo coberto de panos, menos as mãos e o rosto, que eram peludos como os dos macacos. Alguns tinham os cabelos amarelos e não havia mulheres entre eles, ou pelo menos assim parecia, já que não era possível ter certeza porque traziam suas partes encobertas”

Jorge Furtado e Guel Arraes, A Invenção do Brasil, RJ: Objetiva, 2000, p. 12

5

Page 6: Literatura Cda - Professor - Quinhentismo

O exotismo dos trópicos, os perigos enfrentados pelos primeiros colonizadores, o sonho de localizar riquezas naturais foram relatados por diversos viajantes. Vieram para cá a partir do século XVI biólogos, geógrafos, cartógrafos, pintores, que estudaram e registraram, cada um a seu modo, a realidade inédita do novo continente. Os relatos desses viajantes são considerados os primeiros documentos sobre o Brasil e classificados como Literatura Informativa.

Pero de Magalhães Gândavo (? – ?)Pero de Magalhães Gândavo era professor de Humanidades e amigo de Camões.

Escreveu o Tratado da Terra do Brasil provavelmente no ano de 1570, sendo publicado postumamente em 1826. Já sua História da Província de Santa Cruz a que Vulgarmente Chamamos Brasil foi publicada em Lisboa no ano de 1576. Capistrano de Abreu considera seus textos “uma propaganda da imigração”, pois enfatizam os bens e o clima da colônia.

Gabriel Soares de Sousa (1540 – 1592)O Tratado Descritivo do Brasil (1587) de Gabriel Soares de Sousa é obra de grande

importância para o estudo e compreensão deste período. Enfatiza, as vantagens da colônia, além de descrever minuciosamente a natureza e a gente que aqui se encontrava.

Os textos propriamente literários dos anos de 1500 foram produzidos pelos jesuítas. Os mais importantes são os de Jose de Anchieta, que escreveu cartas e peças de teatro para catequese, poesia religiosa e versos a respeito da vida dos índios. José de Anchieta costuma ser lembrado pela dedicação aos indígenas e por seu empenho na fundação de um colégio em São Paulo, como também pelo seu comportamento.

A Literatura Jesuítica

Os jesuítas produziram uma literatura repleta de informações, tal como as crônicas dos viajantes, porém de caráter pedagógico e moralizante. Merecem destaque no século XVI os nomes de Manuel da Nóbrega, com o Diálogo sobre a Conversão do Gentio, Fernão Cardim, com seu Tratado da Terra e da Gente do Brasil, e principalmente José de Anchieta, com suas poesias e autos

Padre Manuel da Nóbrega (1517 – 1570)Nóbrega nasceu em Portugal em 1517. Realizou seus estudos em Salamanca e

Coimbra, vindo a integrar a Companhia de Jesus em 1544. Veio para o Brasil com Tomé de Sousa, primeiro governador-geral, anos depois. Posteriormente, foi nomeado primeiro Superior e primeiro Provincial da Ordem no Brasil. Juntamente com Anchieta, fundou em 25 de janeiro de 1554 São Paulo de Piratininga. Ambos dedicaram-se à catequese de índios e colonos portugueses. Escreveu as Cartas doBrasil (1886) e um Diálogo sobre a Conversão do Gentio.

José de Anchieta (1534 – 1597)Padre José de Anchieta nasceu em 1534 em Tenerife, Ilhas Canárias. Estudou desde a

infância com os frades dominicanos, iniciando o estudo do latim com sete anos de idade. Em 1553, ainda noviço da Companhia de Jesus, veio para o Brasil e fundou um colégio em Piratininga, São Paulo, com o objetivo de realizar seu apostolado. Foi, portanto, o primeiro professor desta cidade e, provavelmente, o maior humanista clássico do Brasil. Escreveu crônicas, correspondências, sermões e poesias em português, castelhano, tupi e latim, nas quais percebe-se sua intensa vida espiritual. Estes textos possivelmente eram recitados,

6

Page 7: Literatura Cda - Professor - Quinhentismo

cantados, dialogados ou mesmo encenados. Além de poesia religiosa de cunho místico, realizou uma poesia que exaltava a nova terra e louvava a ação colonizadora dos portugueses. Dentre as poesias, sobressaem-se Em Deus, meu criador, Do Santíssimo Sacramento e A Santa Inês, de caráter religioso, e Feitos de Mem de Sá governador do Brasil, de cunho laudatório, bendizendo o Novo Mundo e enfatizando a colonização portuguesa. Escreveu oito autos, dos quais podemos destacar Na Festa de São Lourenço, representado em 1583, em Niterói, pela primeira vez. Estas peças sofreram grande influência de Gil Vicente, precursor do teatro em Portugal. Em 1595, publicou a Arte de Gramática da Língua Mais Usada na Costa do Brasil, a primeira gramática de língua indígena brasileira. Veio a falecer em Reritiba, Espírito Santo, em 1597.

Em Deus, meu criador

Não há cousa segura.Tudo quanto se vêse vai passando.A vida não tem dura.O bem se vai gastando.Toda criaturapassa voando.Em Deus, meu criador,está todo meu beme esperança,meu gosto e meu amore bem-aventurança.Quem serve a tal Senhornão faz mudança.Contente assim, minha alma,do doce amor de Deustoda ferida,o mundo deixa em calma,buscando a outra vida,na qual deseja sertoda absorvida.Do pé sacro montemeus olhos levantandoao alto cume,vi estar aberta a fontedo verdadeiro lume,que as trevas de meu peitotodas consume.Correm doces licoresdas grandes aberturasdo penedo.Levantam-se os errores,levanta-se o degredoe tira-se a amargurado fruto azedo!

(NAVARRO, Eduardo de Almeida. Anchieta: vida epensamentos, São Paulo: Martin Claret, 1997.)

7

Page 8: Literatura Cda - Professor - Quinhentismo

A linguagem segue a tradição medieval espanhola e portuguesa, caracterizada pela “medida velha” (versos de sete sílabas poéticas). Nada, exceto Deus, pode trazer segurança ao homem, pois todas as coisas terrenas são passageiras e a vida do ser humano caracteriza-se pela brevidade.

Apenas o amor divino constitui-se como esperança deste, além de fonte de alegria e bem-aventurança, pois é infinito. A fé mostra-se como único meio de superar as adversidades da vida, pois desvia a atenção do homem dos bens terrenos, transitórios e muitas vezes geradores de sofrimento, para algo mais sublime e permanente: a comunhão com Deus. O poeta volta-se para o alto, numa tentativa de ficar mais próximo da divindade, fonte dissipadora das trevas, do pecado, dos males que atormentam os homens.A presença divina consegue fazer frutificar aquilo que já não parecia dar fruto, muda a concepção das coisas, transforma nossa maneira de ver o mundo e enche-nos de esperança e alegria. Tirada a “amargura do fruto azedo”, o homem encontra sua felicidade plena, pois fica completamente saciado.

Influências Posteriores da Literatura Informativa

A literatura informativa emprestou muitos de seus temas e formas para períodos literários posteriores, como o Romantismo e o Modernismo. A Carta de Pero Vaz de Caminha, apesar de caracterizar-se mais como um relato, uma crônica de viagem, possui muitas qualidades literárias, as quais influenciaram poetas modernistas como Oswald de Andrade, na composição de Pau-Brasil (O manifesto escrito por Oswald de Andrade foi inicialmente publicado no jornal Correio da Manhã, edição de 18 de março de 1924: no ano seguinte, uma forma reduzida e alterada do manifesto abria o livro de poesias Pau-Brasil. No manifesto e no livro Pau-Brasil [ilustrado por Tarsila do Amaral], Oswald propõe uma literatura extremamente vinculada à realidade brasileira, a partir de uma redescoberta do Brasil.) e Mário de Andrade, ao realizar sua glosa, (Breve interpretação de um texto). 2. Comentário; anotação. 3. Poesia feita sobre um mote. 4. Crítica; censura.) em Macunaíma, na “Carta pras Icamiabas”. (Macunaíma e a renovação da linguagem literária. Publicado em 1928, numa tiragem de apenas oitocentos exemplares (Mário de Andrade não conseguira editor), Macunaíma, o herói sem nenhum caráter, é uma das obras pilares da cultura brasileira.Numa narrativa fantástica e picaresca, ou, melhor dizendo, “malandra”) – (personagem-título, um herói sem nenhum caráter (anti-herói), é um índio que representa o povo brasileiro, mostrando a atração pela cidade grande de São Paulo e pela máquina. A frase característica da personagem é "Ai, que preguiça!" . Como na língua indígena o som "aique" significa "preguiça", Macunaíma seria duplamente preguiçoso. A parte inicial da obra assim o caracteriza: "No fundo do mato-virgem nasceu Macunaíma, herói de nossa gente. Era preto retinto e filho do medo da noite.")

Oswald de Andrade realizou o que Affonso Romano de Sant’Anna chama de “apropriação parodística”, pois subverteu o sentido original do texto ao recortar as frases da carta e dispô-las de outra maneira. Através deste jogo intertextual, Oswald dialogou com o passado, compondo um texto de nova significação.

Resumo do Quinhentismo

Momento sócio-cultural• É o momento das grandes navegações e descobertas: em busca de riquezas, as nações européias enviam expedições marítimas, que as põem em contato com outras culturas.Portugal é uma das principais potências marítimas e possui colônias ou relações comerciais na América, Ásia e África.

8

Page 9: Literatura Cda - Professor - Quinhentismo

• Dois objetivos distintos (e até contraditórios) guiam as navegações portuguesas: a expansão do cristianismo e o desejo de conquistas e de enriquecimento.

Características literárias• A literatura produzida no Brasil do século XVI não possui traços próprios. Apenas descreve as características do território recém-descoberto. É uma literatura sobre o Brasil e não uma literatura do Brasil.• Destacamos a literatura informativa – descrição das terras brasileiras, em tom de deslumbramento, e a literatura jesuítica –– obras que exaltam a fé cristã, visando à conversão dos índios.

Autores e obras• Pero Vaz de Caminha: Autor da Carta, documento de inestimável importância por ser a primeira descrição do Brasil.

• Padre Manuel da Nóbrega: Importante figura do início da colonização e da catequese dos índios, escreveu Cartas do Brasil (1886) e Diálogo sobre a Conversão do Gentio (1557).

• José de Anchieta:Principal humanista clássico do Brasil. Escreveu poemas religiosos que exaltavam a colonização e a primeira gramática do tupi. Obras: Na Festa de São Lourenço (1583). Arte de Gramática da Língua mais Usada na Costa do Brasil (1595).

9

Page 10: Literatura Cda - Professor - Quinhentismo

QUESTÕES DE VESTIBULAR

1. (FUVEST) Entende-se por literaturainformativa no Brasil:

a) o conjunto de relatos de viajantes emissionários europeus, sobre a naturezae o homem brasileiros.

b) a história dos jesuítas que aqui estiveram no século XVI.

c) as obras escritas com a finalidade de catequese do indígena.

d) os poemas do Padre José de Anchieta.

e) os sonetos de Gregório de Matos.

2. (UFPA)

Texto 1

“De ponta a ponta, é tudo praia...muito chã e muito formosa. Nela, atéagora, não podemos saber que haja ouronem prata... porém a terra em si é demuitos bons ares, assim frios e temperados...Águas são muitas; infindas.”

Texto 2

“Então estiraram-se de costas naalcatifa, a dormir, sem buscarem maneirade encobrir suas vergonhas.”Sobre o autor dos fragmentosacima é correto afirmar que:

a) escreveu documentos oficiais.

b) é festejado representante da prosamodernista.

10

Page 11: Literatura Cda - Professor - Quinhentismo

c) criou vasta obra romanesca.d) concedeu textos com finalidade pedagógica.

e) não propaga em sua obra a fé cristã.

3. (UFPA) A gênese da nossa formaçãoliterária encontra-se no século XVI. Dela fazem parte:

a) a obras produzidas pelos degregados que eram obrigados a se instalar no Brasil.

b) os escritos que os donatários das capitanias hereditárias faziam ao rei de Portugal.

c) os relatos dos cronistas e viajantes.

d) as produções arcádicas.

e) as poesias de Gregório de Matos.

4. (UFPA) Quanto ao sentimentonativista das primeiras manifestaçõesliterárias feitas no Brasil:

a) é um sentimento de apego aos valoresculturais portugueses, conforme se vênos poemas de Anchieta.

b) consiste na propagação da mentalidadecolonial portuguesa, sobre o que giramos poemas de Gregório de Matos.

c) a obra dos cronistas viajantes representao apogeu deste sentimento.

d) é um sentimento tênue de apego à terrabrasileira que, mais tarde, irá desaguarno nacionalismo do Romantismo.e) só se observa nos poetas árcades devido ao seu envolvimento na inconfidênciaMineira.

5. (UFPE)

“Se suas cartas não apresentam valor literário reconhecível, os demais aspectos da obra do missionário – um representado por criações literárias com objetivo pedagógico em relação à catequese, outro por criações desinteressadas – devem ser literariamente valorizados, sobretudo o teatro em verso”.

11

Page 12: Literatura Cda - Professor - Quinhentismo

O texto refere-se aos textos produzidos no século XVI por:

a) José de Anchieta.b) Pero Vaz de Caminha.c) Antônio Vieira.d) Bento Teixeira.e) Manuel da Nóbrega.

6. (UFPA) Quanto às manifestaçõesliterárias brasileiras aparecidasdurante o período colonial:

a) refletiam a grandeza da Literatura Portuguesa da época.

b) não havia obras escritas, existia, pois, como manifestação oral.

c) eram ainda incipientes, apesar de escritas, pois a metrópole não incentivavaeste tipo de produção.

d) o expressivo número de escritores que apareceram obreiam-se com os maiores vultos da literatura universal.

e) representa o esplendor das tendências literárias do medievalismo português.

7. (UNISA-SP) A “literatura jesuítica”,nos primórdios de nossa história:

a) tem grande valor informativo.

b) marca nossa maturação clássica.

c) visava à catequese do índio, à instruçãoao colono e sua assistência religiosa e moral.

d) estava a serviço do poder real.

e) tem fortes doses nacionalistas.

8. (UFRN) Sabe-se que a literaturabrasileira do século XVI não primavapelo valor estético, mas sedestacava pelo caráter informativo.Dentre os autores daqueleperíodo, podemos citar, comrespectiva obra:

a) Bento Teixeira, com História do Brasil.

12

Page 13: Literatura Cda - Professor - Quinhentismo

b)Frei Vicente Salvador, com Prosopopéia.

c) Pero Magalhães Gândavo, com Tratadoda Terra do Brasil.

d) Nuno Marques Pereira, com Compêndionarrativo do peregrino da América.

e) Manoel Botelho de Oliveira, com Música do Parnaso.

DICA DE CINEMA

Desmundo

Dirigido por: Alain Fresnot Com: Simone Spoladore, Osmar Prado, Caco Ciocler Gênero: Drama, Histórico Nacionalidade: Brasil

Sinopse e detalhes

Brasil, por volta de 1570. Chegam ao país algumas órfãs, enviadas pela rainha de Portugal, com o objetivo de desposarem os primeiros colonizadores. Uma delas, Oribela (Simone Spoladore), é uma jovem sensível e religiosa que, após ofender de forma bem grosseira Afonso Soares D'Aragão (Cacá Rosset) se vê obrigada em casar com Francisco de Albuquerque (Osmar Prado), que a leva para seu engenho de açúcar. Oribela pede a Francisco que dê algum tempo, para ela se acostumar com ele e cumprir com suas "obrigações", mas paciência é algo que seu marido não tem e ele praticamente a violenta. Sentindo-se infeliz, ela tenta fugir, pois quer pegar um navio e voltar a Portugal, mas acaba sendo recapturada por Francisco. Como castigo, Oribela fica acorrentada em um pequeno galpão. Deprimida por estar sozinha e ferida, pois seus pés ficaram muito machucados, ela passa os dias chorando e só tem contato com uma índia, que lhe leva comida e a ajuda na recuperação, envolvendo seus pés com plantas medicinais. Quando ela sai do seu cativeiro continua determinada em fugir, até que numa noite ela se disfarça de homem e segue para a vila, pedindo ajuda a Ximeno Dias (Caco Ciocler), um português que também morava na região.

13