Literatura como missão CAP 1

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    f.

    NICOLAU SEVCENKO

    Literatura comomissaoT en so es s oc ia is e c ria ca o c ultu ra ln a P rim eira R ep ub lic a

    .2 ' e d ic a o r ev is tae amp l ia d a

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    Ficou numa atitude Ine r te , espavorida;"0 tneu pai, jc i niio ves 0 olhari"; perguntou Tsila;Respondeur'tNiio me larga a tetrica pupilal":

    Victor Hugo, "A consciencia"

    Introducao

    ;....

    Proeedente, nas suas raizes, da Filologia e da escola histori-ea alernas oitocentistas, houve no seculo xx um reconhecimentocateg6rieo de que a linguagem est a no centro de toda atividadehumana. Sabe-se hoje que, sendo eia produzida peIo compIexojogo de relacoes que as homens estabeIecem entre si e com a rea-Iidac1e,ela passou tarnbern a ser, a partir do proprio momenta desua constituicao, um elemento modelador desse mesmo conjun-to de relacoes.' A linguagem se torna, dessa forma, como que urnelemento praticamente invisivel de sobredeterrni nacao da expe-riencia humana, muito ernbora ela tenha uma existencia concre-ta e onfmoda. Foi a sua natureza ambigua oscilante entre a pal-pavel e a impalpavel, simuitaneamente material e irnaterial, quesuscitou num poeta essa imagem ao mesmo tempo muito estra-nha c muito lucida, pressentindo-a:

    [ ... ] com me le vent des greves,Fa ntorne vagissant, on ne sait d'ou venu,Qui care sse I'orc il le e t cepcndant l 'e ffr aie.:

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    Fonte do prazer e do medo, essa subsrancia impessoal e urnrecurso poderoso para a exist encia hurnana, mas significa tarn-bern lim dos seus pr i rne iros limites. As potencialidades do ho-mem 56 fluem sobre a realidade atraves das fissuras abertas pe-las palavras' Falar, nornear, corihecer, transrnitir, esse conjuntode atos se formaliza e se reproduz incessantemente por meio dafixacao de urna regularidade subjacente a toda ordem social: 0g_i_s~~lr~?~palavra organizada emdiscurso incorpora em si, des-~ ----....-.....;s( modo, toda sorte de hieKarS1.~liase enquadramentos de valorintrinsecos as estruturas socia is de que ernanam. Dar po~~~~~ 0discurso se ar ticula em funcao de regras e formas convencionais,cuja contravenc;:ao esbarra em resistencias firmes e imediatas.: 'Maior, pois, do que a afinidade que se supoe existir entre as pa-lavras e 0 real, talvez seja a homologia que elas guardam com 0ser social.

    Dentre as rnuitas formas que assume a producao discursiva,a que nos interessa aqui, a que motivou este trabalho, e a litera-tura, particularmente a literatura moderna. Ela constitui possi-velmente a porcao mais ductil , 0 l imite rnais extrema do discur-so,O espac;:oonde ele se expoe por inteiro, visando reproduzir-se,mas expondo-se igualmente a infiltracao corrosiva da dtivida eda perplexidade. E por onde 0desafiarn tam bern os inconforma-dos e os socialmente .mal-ajustados. Essa e a razao por que elaaparece como urn angulo estrategico notavel, para a avaliacaodas forcas e dos niveis de tensao existentes no seio de determina-da estrutura social. Tornou-se hoje em dia quase que urn truis-rno a afi rrnacao da interdependencia estrei ta existente entre osestudos literarios e as ciencias socials.'

    A'exigencia metodol6gica que se faz, contudo, para que naose regrida a posicces reducjorristas anteriores, e...dc_que_se_preser,.ve ! ? _ c l i l a riqueza estctica e cornuriicativa do texto litera rio cUI-d;nd~ ig~~'~i~e~a que a producao discur~iva nao pe:'ca 0

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    corijunto de sign ificados condensados na sua dirnensao social."Afi~;Ct~d;-~~~;itor pass;i- u~; especie de liberdade condicio-nal de criacao, lima vez que os seus ternas, motivos, valores, nor-mas ou revol tas sao (ornecidos ou sugeridos pela sua sociedadee s~1Uempo - ~ e_g~.tes_9ue eles falarn." Fora de qualquer du-vida: a literatu ra e antes de mais nada urn produto artistico, des-tinado a agradar e a com over; mas como se pode imaginar umaarvore sem raizes, ou como pode a qual id ade dos sells frutos naodepender das caracteristicas do solo, da natureza do clirna e dascoridicoes ambientais? , . c / ' : ' . k c~v-z .c.~ . \ C . J ' \ l "r- - ~.? \o estudo da literatura conduzido no interior de uma pes-quisa historiografica, todavia, preenche-se designificados muitopeculiares. Se a literatura moderna e uma fronteira extrema do dis-curso e 0prosceriio dos desajustados, rnais do que 0testemunhoda sociedade, ela deve trazer em si a revelacao dos seus fC;-cosmais .,.,c~~;t~7d~tenSaQ";~'~:ig~;'d~~ a-flito;."D~;-e-~~;duzir no seu~'~go' mais um anseio de rriuda nca cl o que os mecanismos daperrnanencia. ~~~do um _pr~o_desejo, seu compromisso emaior com a fantasia do gue com a realidade. Preocupa-se comaquilo qlle poderia ou deveria ser a ordem das coisas, mais doque com 0seu estado re~------~-y"p J~'j c : t:~ '1- '~~,

    Nesse sentido, enquanto a Historiografia procura __Q_s_eLda}L()\u'-{Yestruturas sociais , a li teratura fornece uma ~pectativa Q.2__seuvir-a-ser, Uma autoridade tao corispicua quanto Arist6teles ja sehavia dado conta desse contraste. Comentava ele na sua Poetica:

    , .,.v,

    Com efeito, nao diferern 0 historiador e 0 poetapor escreverernverso ou prosa (pois que bern poderiam ser postas em verso asobras de Herodoto, e nern por isso deixar iam de ser de historia, seFosseem verso 0que erarn em prosa) _:__diferern, sim, em que dizurn as coisas.que.sucedera'm, e outro as que P-9_sieriarn~~

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    Ocupa-se portanto 0his toriador da realidade, enquanto 0escri tor e atraido pela possibi lidade. Eis ai , pois, uma di ferencacrucial, a ser devidamente considerada pelo historiador que seserve do material Ii terario.

    Mas e se ..invertermos as p erspectivas: qual a posicao do es-cri tor diantc"da ' h ,istor ia? Quem nos responde e urn criti co con-ternporaneo -.

    A Historia, entao, diante do escri tor, e como 0advento de umaopcao necessaria entre varias morais da Iinguagem; ela 0obriga asignificar a Literatura segundo possiveis que ele nao domina"

    ( I } J ' U O - _ -_ \~ ~ ,,_ .C ~ / fM-IJ. . n( r.c - . V...L ?~ ~ Av~c_Q

    .', ~~~).-v$ ,consurnidas. A producao dessa Historiografi a te ri a, por conse-quencia, de se vincular aos agrupamentos humanos que ficararnmargina is ao sucesso dos fates. Estranhos ao exito ma~ nem porisso ausentes, eles formaram 0 fundo hurnano de cujo abandonoe prostracao se al imentou a lit eratura. Foi sempre c lara aos poe-tas a relacao intrinseca existente entre a~~rte.12 Esse e 0 ca-minho pelo qual a literatura se presta como um Indice admira-ve l, e em certos momentos mesmo privilegiado, pa ra 0 estudo dahist6ria social.o caso em estudo e t fpico. As duas primeiras decadas desseseculo experimentaram a vigencia e 0 p~omfnio de correntesrealistas de nitidas intens:6es sociais. Insr-i{ad;;-;;;-slinhagens-in-teTe-CtU-aTs--;;-;:~ct;;i;'tic;;d ~ B e l l e E p ; ; Ju e ""'\::Gtilitarismo, libera-lismo, pos_~~~y-~I]10,.l!g_!pani!~di'~ _:_, faziam-;Ssentar tod-a-as-uaenergia sobre conceitos eti cos bern definidos e de larga difusaoem todo esse periodo. Assim, abst ra tos universa ls como os de hu-manidade, nacao, bem, verdade e justica operavam como os pa-dr6es de referencia basicos, as unidades sernanticas constitutivas ,dessa producao artistica. 0dilem~ en:r~ 0 i~pulso de cola~oral:-!;para a cornposicao de um acervo lite ra rio universal e 0 anseio de \Jinterferir na ordenacao da sua comunidade de origem assinalou -,a crise de consciencia maior desses intelectuais. J----A lei tura dos seus textos l iterar ios nos levou a perscrutar 0seu cotidiano, familiar izando-nos com 0meio socia l em que con-viviam: 1_cidadedo-Riode-Janei-re-n0-limiar-d()_seculo~~. As pos-turas , asenfases , as crf ticas presentes nas obras nos serviram comoguias de referencia para compreendermos e anal isa rmos as suastcndencias mais marcantes, seus niveis de enquadramentos sociais- - - - _ - - _ , . _ - .. -. __ .. - - . - -- _" _. __ -- _ , - . , . . _ ...-'"r~ua_e_s.~;tlaE.evalo~s. 0material compulsado: a imprensa per io-dica (jornais, magaz ines), crcnicas, biogra fias e opusculos. Atocontinuo, esse material vultoso nos forneceu indicacoes precio-sas, que urgiram a ~~~~~I!al:einterpretac;:ao das__9b.I:~.s_ljte!a-

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    A hist6ria , a ssirn, ao envolver um escri tor, 0arroja contra-ditoriamente para fora de si. Para que e le cumpra 0 papel e 0 des-t ino que Ihe cabem, e necessario que se perca nos meandros depossiveis inviaveis. Desejos inexequiveis, projetos impraticaveis:todos, porem, produtos de situacoes concretas de carencia e pri-vacao, e que encontram ai 0 seu ambito soc ial de corresponden-cia, propenso a rransforrnar-se em publico lei tor.

    A literatura, portanto, fala ao historiador sobre a hist6riaque nao ocorreu, sobre as possibilidades que nao vingaram, so-bre os pianos que nao se concretizaram. Ela e 0 testemunho tris-te, porern sublime, dos homens que foram vencidos pelos fatos.Mas sera que toda a realidade da hist6ria se resume aos fatos e aoseu sucesso? Felizmente, urn fi losofo bastante audacioso nos re-dimiu dessa cornpreensao tao estreita, condenando "0 'poder dahi st6ri a', que, prati carnente, se transforma , a todo instante, numaadrniracao nua do exito que leva a idolatria dos fates '."

    Segundo um outro pensador, esse 110SS0 conternporaneo, "0real nao se subordina ao possivel; 0 contingente nao se op6e aonecessario"," Pode-se, portanto, pensar numa hist6ria dos dese -jcs nao consurnados, dos possive is nao realizados, das ideias nao

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    &

    III

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    rias. Dessa forma, os textos narrativos nos ajudaram a iluminara rcalidade que Ihes era imediatamente subjacente, e 0conheci-mento desta contribuiu para deslindar os intersticios da produ-

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    1.A insercao cornpulsoria do BrasilnaBelle Epoque '

    Avenida Central, 191711907

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    1. RIO DE JANEIRO, CAPITAL DO ARRIVISMO

    De tuna horn para olltra, a antiga cidade [do Rio de Janeiro] desa-pareceu e outra surgiu COIIIO seJosse ob tida par l ima mutai iio de tea-t ro. Havla mesrno r ia causa mui to de cenograf ia .

    Lima Barreto, Bz, p. 106

    Assinalando nitidamente urn amplo processo de desestabi-lizacao e reajustamento social, 0advento da ordem republicanafoi marcado tambern por uma serie continua de crises politicas- 1889, 1891, 1893, 1897, 1904. Todas elas foram marcadas porgrandes ondas de "deposicoes", "degolas", "exilios", "deportacoes",que atingiram principalmente e em primeiro lugar as elites tradi-cionais do Imperio e 0seu vasto circulo de clientes; mas tenden-do em seguida - sobretudo nos seus dois ultimos movimentos- a eliminar tarnbern da cena politica os grupos comprometi-dos com os anseios populares mais latentes e envolvidos nas cor-

    rcntes rna is fervidas do republicanismo. Opera-se atr aves delas(01110 que urna filtragem dos elementos nefastos ao novo regime,aqueles que pecavam quer por demasiada carericia, quer por ex-cesso de ideal republicano.

    Reforyando esse processo convulsivo de selecao politica, 0 es-tabelecimento danova ordem desencadeou simultanearnente urnapermutayao em larga amplitude dos grupos ecoriomicos, ao pro-mover com 0 Encilhamento a "queima de fortunas seculares",transferidas p;:r~~~~~~sd~ ;;~l~ ~~~d~d;d~~~~~h;~id~s" pormeio.de nf:gocii\~

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    cada urn com mais vantagem [... J, os ricos de hoje sao os troca-tintas de ontern". Nas palavras de urn cronista coevo, a sociedadese tornava urn "desabalado torvelinho de interesses ferozes, ondea caya ao ouro constitui a preocupacao de toda a genre",'

    . No decorrer do processo de rnudanca politica, os cargos ren-dosos e

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    no maier centro cosmopol ita da nacao, em inti rno contato C0l11 aprod ucao e 0 cornercio europeus e americanos, absorvendo-os eirradiando-os para todo 0 pais. A exper iencia de "deruocratizacao"db credito, levada a efeito pela politica do Encilhamento, levouessa aproxirnacao laterite ao al lge do paroxismo. A nova fi losofiafinanceira nascida com a Republ ica reclamava a remo delacao doshabi tos sociais e dos cuidados pessoais , Era preciso ajustar a am-pliacao local dos recursos pecuniarios com a expansao geral docornercio europeu, sintonizando 0 tradicional descompasso en-tre essas sociedades em conformidade com a rapidez dos maismodernos transatlant icos.

    Uma verdadeira febre de consumo tornou conta da cidade,toda ela voltada para a "riovidade", a "ultima moda" e os artigosdernier bateau. Na rua do Ouvidor, centro do cornercio interna-cional sofisticado do Rio,

    a afluencia era enorme. Dobrara, senao triplicara, desde os pri-meiros meses da Republica, e nas esquinas das ruas da Quitandae dos Ourives havia muita gente parada, sem poder circular. Bernraras cartolas, e tarnbern pouco frequentes chapeus moles e desa-bados [modelos tfpicos do Segundo Reinado], quase todos comchapeus baixos, de muitas cores, no geral pretos. Lojas atapetadas,atulhadas de fregueses, sobretudo casas de j6ias: a clientela diariade senhoras luxuosamente vestidas, com mais aparato do que gos-to, trazia a caixeirada numa rods-viva."

    Muito cedo, ficou evidente para esses novos personagens 0anacronismo da velha estrutura urbana do Rio de Janeiro dian-te das demandas dos novos tempos. 0 antigo cais nao permitiaque atracassem os navios de maior calado que predominavamentao, obrigando aum sistema lento e dispendioso de transbordo.As ruelas estreitas, recurvas e em declive, tipicas de. uma cidade

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    "~_ . . . . .

    '.-;.:. '.

    colonial, dificultavam a co nexao entre 0 terminal portuario, ostroncos ferroviar ios e a rede de arrnaz ens e estabelecimentos docornercio de atacado e varejo da cidade. As areas pantanosas fa-ziam da febre tif6ide, do impaludismo, da variola e da febre ama-rela endemias inextirpaveis. E 0 que era mais terrivel: 0medo dasdoericas, somado as suspeitas para com uma cornun idade derriest icos em constante turbulencia pol itica, intimidava os euro-peus, que se mostravam en tao parcimoniosos e precavidos comseus capitals, b_@5os_~_tecnicas no m__c:_rn"::~~,?_~:_9~~:era maisrivida a expectativa.por ejes. As sucess ivas crises poli ticas desde aPr;-~i;;~~ao da Republ ica haviam nao s6 exaurido 0Tesouro ~a-cional , como sustado a entrada de capita is e dificul tado a imigra-cao. Era preciso, pois, findar com a imagem da cidade insalubree insegura, com lima enorme populacao de gente rude plantadabem no seu arnago, viverido no maior desconforto, imundicie epro miscuidade, pronta para armar em barricadas as vielas estrei-tas do Centro ao som do primeiro grito de motim.

    Somente oferecendo ao mundo uma imagem de plena ere-dibil idade era possivel drenar para 0Brasil uma parcela propor-cional da fartura, conforto e prosperidade em que ja chafurdavao mundo civilizado.

    Cumpria acompanhar 0progresso que segue rapido e nao esperapor ninguern: deixar-se de estatelado como urn frade ,de pedra, aver passar a rnais bri lhante das prociss6es - ouro a rolar.""

    E acompanhar 0progresso significava.somel(~e uma coisa:alinhar-se com os padroes e 0 ritmo de desdobrarnento da eco-nomia europeia, onde "nas industrias e no cornercio 0 progressodo seculo foi assombroso, e a rapidez desse progresso miraculo-sa"," A im:agem do progresso - versao pratica do conceito ho-mologo de civilizacao - se transforma na obsessao coletiva da

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    nova burguesia. A alavanca capaz de desencadea-Io, entretanto, amoedarutilante e consolidada, mostrava-se evasiva as coridicoesda sociedade carioca.

    A todo transe, urgia apelar, reunir, mobilizar capitais, acorda-Ios,sacudi-Ios, tange-los e, sem detenca nern vacilacao, obriga-los afrutificar antes do mais em proveito de quantos se propunham,ousados epatriotas, aagitar eveneer0torpor das economias amon-toadas;apaticas, imprimindo-Ihes elasticidade e vibracao."

    : . : .

    Muito breve, essa cam ada veria concretizados seus anseios erecompensados todos os seus esforcos. Assim como as agitacoesde 1897 extinguiram os ultirnos focos monarquistas organiza-dos, a repressao de 1904 permitiu a dispersao da oposicao jaco-bina de par com 0fechamento da ternivel Escola Militar da PraiaVermelba. 0 regime estava consolidado e a estabilidade garanti-da, mormente com a ad~

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    ~'"1 palacetes representava simultaneamente lima lap ide dos velhostempos e lima placa votiva ao futuro da nova civilizacao. OlavoBilac descreve com um sadism a sensual e efusivo a dernolicao daantiga cidade e a abertura de novas perspectivas:

    Noaluirdas paredes, no ruir das pedr as, noesfarclar do barro, ha-viaum longo gemido. Era 0 gemido soturno e lamentoso doPas-sado, doAtraso, do Oprobrio, A cidade colonial, irnunda, retro-grada, emperrada nas suas velhas tradicoes, estava solucando nosolucar daqueles apodrecidos rnateriais que desabavarn. Mas 0hino clarodaspicaretas abafavaesseprotesto impotente. Com quealegriacantavam elas- aspicaretas regeneradoras! Ecomo asal-mas dos que ali estavam compreendiam bern 0 que elas diziarn,noseu clamor incessante e ritrnico, celebrando a vitoria dahigie-ne, do borngosto e da arte!"-Pai:a'ocronista Gil, era essa rernodelacao urbana, e nao a\ .'\Grito do Ipiranga, que marcava a nossa definitiva redencao da si-

    / tuacao colonial.""'--0fiovocenario suntuoso e grandiloquente exigia novas fi-gurinos. Dai a campanha da imprensa, vitoriosa em pouco tem-po, para a conderiacao do rnestre-de-obras, elemento popular eresporisavel por praticamente toda edificacao urbana ate aquelemomenta, que foi defrontado e vencido pOI' novos arquitetos deformacao acadernica. Ao estilo do rnestre-de-obras, elaborado etransmitido de geracao a geracao desde as tempos coloniais, cons-tituindo-se ao fim em uma arte autenticarnentenacional, sobre-pos-se 0 art nouveau rebuscado dosfins da Belle Epoque. Tamberncom relacao a vestirnenta verifica-se a passagem da tradicional so-brecasaca e cartola, ambos pretos, simbolos da austeridade dasoci,edade patriarcal e aristocratica do Imperio, para a moda maisleve e democratica do paleto de casimira clara e chapeu de palha.

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    o importante agora e ser chic ou smart, conforme a procedericiado tecido au do modele.

    Data dessas transforrnacoes a descoberta, pelos escritores bra-sileiros, de uma pecha que ate entao s6 nos fora impingida pelosestrangeiros: a "nossa tradicional preguica" Observando a soc ie-dade rural e 05 grupos tradicionais a partir do arigulo urbano ecosrnopolita, em que 0 tempo e encarado sobretudo como umfator de pro ducao e de acurnulacao de riquezas, seu juizo sobreaquela sociedade nao poderia ser outro. Par isso, um dos temasda Regeneracao foi exatamente este: a orgulho de, com as obrasde reconstrucao do Rio, nos havermos redimido do estigma depreguicosos com que os estrangeiros nos aculavarn.

    Onde vai perdida nossa farnade povo preguicoso, arnolentadopelo clima e pela educacao,incapaz de longo esforcoe tenaz tra-.balho? [...J ja e tempo dese recolheraogavetaoonde se guardamoschavoes inuteis, essalendatoladanossa incuravelpreguica."

    Mas essa redencao era valida somente para as grandes cida-:des. Antes de ir para a gaveta, 0chavao ainda seria esgrimido pe->los autores que escreveram sobre associedades rurais e os grupos:tradicionais. Alias, mais que nunca, agora se abusaria da oposicaocidade industriosa / campo indolente, como se pode verificar facil=.mente nas obras de Euclides da Cunha, Graca Aranhae na figu-ra-simbolo do IecaTatu de Monteiro Lobato. E nesse mornentoque se iegistrana consciencia intelectual a ideia do desmernbra-'.menta da comunidade brasileira em duas sociedades .antagoni->cas e dessintonizadas, devendo uma inevitavelmente prevalecersabre a outra, ou encontrarem um ponto de ajustarnento.

    Modelando-se essasociedade, como seria de esperar, par umcriteria utilitario de relacionamento social, nao e de admirar acondenacao veemente a que ela submete tambern certos cornpor-tamentos tradicionais, que aparecem como desviados diante do

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    novo parametro, como a serenata e a boernia . A reacao contra aserenata e centrada no instrumento que a simboliza: 0violao, Sen-do por excelencia 0 instrumento popular, 0 acompanhante in-dispensavel das "rnodinhas" e presenya constante nas rodas deestudantes boernios, 0violao passou a signif icar , por s is6, um si-nonimo de,vadiagern. Dai a imprensa incitar a perseguicao poli-cial contra 0 seresteiro em particular e 0violao em geral." Quan-to a boernia, a pr6pria transforrnacao urbana - acabando comas pensoes.j'est aurantes e confeit arias baratas do Cent ro - pos,fim a infra-estrutura que a sust inha. S6 restaram as alternat ivasde urn emprego no Centro ou a mudanca para 0suburbio, "e es-sa coisa nojenta que os imbeds divinizaram, chamada boemia"acabou-se."

    Nessa luta contra os "velhos habitos coloniais", os jornalis-tas expendiam suas energias contra os ult irnos focos que resisti-ram ao furacao do prefeito Passos, 0"ditador" da Regeneracao.Com a expulsao da populacao humilde da area central da cidadee a intensificacao da taxa de crescimento urbano, desenvolve-ramose as favelas , que em breve seriam 0 alvo predileto dos "re-generadores'." As quais outras vitirnas se juntarao: as barracas equiosques varejistas; as carrocas, carrocoes e carrinhos-de-mao:os freges (restaurantes populares) e os caes vadics." Campanhamais revcladora dos excessos inirnaginaveis a que levava esse es-tado de espir ito foi a criacao de uma le i de obrigatoriedade douso de palet6 e sapatos para todas as pessoas, sem distincao, no;\1unicfpio Neutro. 0 objetivo do regulamento era per " terrno avergonha e a irnundicie injustificaveis dos em mangas-de-cami-sa e descalcos nas ruas da cidade"," 0 projeto de lei chegou a pas-sar em segunda discussao no Conselho Municipal, e urn cidadao,para 0 assombro dos mais cet icos , chegou a ser preso "pelo cri-me de andar sern colarinho","

    ; \ao era deesperar , igualmente, que essa sociedade tivesse

    tolerancia para comas formas de cultura e rel igiosidade popula-. res. Afinal , a luta contra a "caturrice", a "doenca", 0 "atraso" e a"preguica" era tambern uma luta contra as trevas e a"ignoran-cia"; tratava-se da definitiva irnplantacao do progresso e da civi-lizacao. Aparece, pois, como natural, a proibicao das festas demalhacao do judas e do bumba-meu-boi, os cerceamentos a fes-ta da Gloria e 0 combate poli cial a todas as formas de religiosi-dade popular : l ideres rness ianicos , curandeiros, fei ticeiros etc."As exprobracoes as barraquinhas de Sao Joao no Rio VaG de par,nas croriicas diarias, com os elogios aos cerceamentos a fes ta daPenha em Sao Paulo." As autoridades zelam na perseguicao aoscandornbles, enquanto Ioao Luso, nas cronicas dominicais doJamal do Comercio, manifesta 0 seu desassossego com a popula-r izacao crescente desse culto , inclus ive dentre as camadas urba-nizadas."o carriaval que se deseja e 0 da versiio europeia, com arle-quins, pierros e colombinas de emocoes cornedidas, dai 0 vitupe-rio cont ra os cordoes, os batuques, as pastorinhas e as fantasiaspopulares preferidas: de indio e de cobra viva." As autor idadesnao demoraram a impor severas restricoes as fantasias - pr in-cipalmente de indio - e ao comportamento dos fol ioes - princi-palmente dos cordoes." Mesl110a forma de jogo popular rnaisdifundida, 0 jogo do bicho, e proibida e perseguida, muito em-bora a sociabi lidade das eli tes e legantes se fizesse em torno doscassinos e do Jockey Club."o resultado mais concreto desse processo de aburguesa-mento intensivo da paisagem carioca foi a criacao de urn espacopublico central na cidade, completamente remodelado, ernbele-zado, ajardinado e eurcpeizado, que se dese jou garanti r com ex-clusividade para 0 convivio dos "argentarios" A dernolicao dosvelhos casaroes, a essa altura ja quase todos transformados empensoes baratas , provocou uma verdadeira "crise de habitacao",

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    con forme a expressao de Bilac, que elevou brutal mente os alu-gueis, pressionando as classes populates todas para os suburbiose para cima dos morros que circundam a cidade." Desencadeia-se simultaneamente pela imprensa urna campanha, que se pro-longa por to do esse periodo, de "caca aos mendigos", visando ae li rninacao de esmole re s, pedin te s, indigentes , ebrios , prosti tu te se quaisquer outros grupos marginais das areas centrais da cida-de." Ha mesmo uma pressao para 0 confinamento de cerim6niaspopulares tradicionais em areas isoladas do Centro, para evitar 0contato entre duas sociedades que ninguern admitia mais verjuntas, embora fossem uma e a mesrna."

    Por tras dessas recriminacoes, estava 0 anseio de reservar aporcao mais central da cidade, ao redor da nova avenida, para a"concorrencia elegante e ch ic" , ou pelo rnenos modelar por essepadrao todos o u tudo que par ali passasse ou se instalasse." Asbarracas e quiosques que exasperam publico e cronistas sao asque se localizam "no perimetro central da cidade"," As favelasque aterrorizam sao as visiveis da Avenida Central." Os fregesnao inspiram nausea por si, mas sim por sua localizacao "em ple-na fisionomia da cidade"," Atentemos para 0 fato que desenca-deia a facundia colerica do cronista da Fan-Fan:

    A populacao do Rio que , na sua quase unanimidade , fe lizmenteama 0 asseio e a compostura, espera ansiosa pela terrninacao des-se habito selvagem e abjeto que nos impunham as sovaqueirassuadas e apenas defendidas por uma simples carnisa-de-meia rota'e enojante de suja, pelo nariz do pr6ximo edo ve xame de uma su-cia de cafajestes em pes no chao (sob 0pretexto hip6crita de po-breza quando 0 calcado esta hoje a 5$ [cinco mil-reis] 0par e h atarnancos por todos os precos") pelas mas mais centrais e lirnpasde urna grande cidade ... Na Europa ninguem, absolutamente nin-guern, t~m a inso lenc ia e 0despudor de vi r pa ra a s. ruas de Paris,

    Berlim, de Rorna, de Lisboa , e tc ., em pes no chao e desave rgonha -damente em mangas de camisa."

    A pr6pria concepcao de segura nca publica se subordina aesse criter io geografico, atuando com priori dade "em plena co-ra~ao da cidade, dentro, portanto, dos limites em que a seguran-~a e impresciridivel","

    Ha, alias, urn texto que esclarece com uma evidericia dida-tica a forma pela qual as transforrnacoes sociais e urbanas do Riogeravam lima consciericia de div6rcio profundo no seio da socie-dade brasileira entre os grupos tradicionais e a burguesia citadina,cosmopolita e progressista. Trata-se das reflexoes que 0 cronistado Jamal do Comercio efetua em to rrio de dois indios acultura-dos do interior de Sao Paulo, que vern pedir protecao e auxilioao governo federal.

    Ja se foi 0 tempo em que acolhiarnos com uma c erta simpatia es-ses pa rentes que vinham descalcos e malvest idos , fa la r-nos de seusinfor tunios e desuas brenhas. Entao a c idade e ra dese legante, ma lcalcada e escura, e porque nao possuiarnos monumentos, 0 ba-loucar da s palme ira s a fagava a nossa va idade . Recebiamos entaosem grande constrangimento, no casarao, a sornbra de nossa s a r-vores, o gentio e os seus pesares, e Ihes manifestavamos a nossacordialidade fraternal [...J por c lavino te s, fa ca s de ponta , enxadase colarinhos velhos. Agora porern a cidade mudoue n6s muda-mos com ela e p or ela. Ja nao e a singela morada de pedras sob co-queiros; e 0 salao com t ape te s ricos e grandesg lobo~ de luz e le tri~ca. E por isso, quando 0selvagem aparece, e como urn parente quenos envergonha. Em vez de reparar nas magcas do seu coracao,olhamos com terror para a lama 'bravia dos seus pes. 0 nossosmartismo estragou a nossa fraterriidade."

    .:~:.

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    o texto narra a passagem de relacoes sociais do tipo senho-rial para relacoes sociais do tipo burgues. E esse conflito essencialque aflora na sociedade e nail consciencias nesse mornento, e queos principals auto res do per iodo buscarao resolver, para bem oupara mal, nassuasobras.omesrno autor prossegue narrando, com extrema fineza deanalise, umoutro fato do mesmo genero, de tal maneira revela-dor sob re essa nova forma de intolerancia soc ia l, que quase sechega a sent ira sensacao de dor fisica que ele utiliza metaforica-mente para.rraduzir 0seu desconforto. 0 texto e lorigo, mas 0seu conteudo e por demais c ri st al ino.

    Lembro-me sernpre, por mais que queira esquecer, a amargura, 0desespero com que pusemos os olhos rebri lhantes de orgulho na-que le car ro fat al , a tu lhado de caboc los, que a mao da providenc iameteu em prest i to por ocasiao das fest as do Congres so Pan-Arne-r icano. A cabele ira da mala virgem daque la genre funes ta ensorn-brou toda a nos sa a legr ia, E nao era para menos , Abriamos a nossacasa para convidados da mais rara distincao e de tcdas as naccesda America . Reccbiamos a te nor te -a rner icanos! [ .. . J Iarnos 11105-t ra r- lhes a grandeza do !lOSSO Progresso, na nossa grande Avenidarecem-aberta, na Avenida a bei ra -mar , nao acabada , no Palac ioMonroe, uma teteia de acucar branco. No melhor da festa, comose tivessern caido do ceu ou sub ido do inferno eis os selvagensmedonhos, de incultas cabeleiras metidas ate os ornbros , metidoscom gente bern penteada, estragando a fidalguia das homenagens,desmoralizando-nos perante 0 estrangeiro, destruindo com 0 seuexotismo 0 nosso chiquismo.

    Infelizmente nao era mais tempo de providenciar, de tiraraquela nodoa tupinarnba da nossa correcao paris iense, de esccnderaqueles cabodos impor tunos, de, ao menos, cor ta r- Ihes 0 cabelo(ernbora parecesse melhor a mui ta gente cor tar -lhes a cabeca) , de50

    atenuar com escova e per fumaria aquele escanda lo de bugres me-tedicos [...J . Nao houve rernedio senao aturar . a s feras, mas 56Deussabe que forca de vontade tivemos de empregar para sorrir ao Sr.Root, responder em born Ingles ao seu ingles, vendo 0 nervosoque nos sacudia a mao quando empunhavarnos a taca dos brin-des solenes e engolir, d e modo que nao revelasse aos nossos h6s-pedes que t inhamos indios at ravessados na nossa garganta. Foramdias de dor aqueles dias de glori a. A f igura do indio nos perseguiacom a tenacidade do rernorso. A sua cara imovel int erpunha-se ados ernbaixadores e a nossa. As suas plumas verdes e amarelas que-braram a uniformidade negra das casacas. Broncas silabas tupispingararn, enodoando 0 primor das Iinguas educadas.?

    Como vernos, ao coritrario do periodo da Independencia,em que as elites buscavam uma identificacao com os grupos na-tivos, particularmente indios e mamelucos - era esse 0 tema doindianismo -, e manifestavam "urn desejo de ser brasileiros", noperfodo estudado, essa relacao se torna de oposicao, e 0 que emanifestado podemosdizer que e "urn dese jo de ser est rangei -ros"," 0advento da Republica procIama sonora mente a vito riado cosmopolitismo no Rio de Janeiro. 0importante, na area cen -tral da cidade, era estar em dia com os menores detalhes do co-tid iano do Velho Mundo. E os navios europeus, principalmentefranceses, nao traziarn apenas os figurines, 0mobiliario e as rou-pas, mas tambern as noticias sobre as pecas e livros mais emyoga, as escolas filos6ficas predominantes , 0comportamento, 0lazer, as esteticas e ate as doencas, tudo enfim que fosse consu-mivel por uma sociedade alta mente urbanizada e sedenta de 1110-delos de prestigio."

    Essa atitude cosmopolita desvairada adentra por quase todoesse periodo, exercendo placidamente a sua soberania sobre asir naginacces. Pelo men os ate 0 fim da Primeira Guerra Mundial,nao ha quem con teste a lei natural que fez de Paris "0 co racao do

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    Em pouco tempo e com a ajuda dos jornalistas e dos corres-pondentes em Paris, a burguesia carioca se adapta ao seu novoequipamento urbano,abandonando as varandas e os salces

    A unica tentativa de aprimoramento do gosto que parece

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    ter resultado e a que se refere a moda. 0 que e mais fac ilmentecompreensivel se tivermos em conta a formacao de urn mercadointernacional de tecidos , roupas, modelos e de todo 0 arsenal deapetrechosfemininos e masculinos da Belle Epoque; que se basea-va justarnerite na recic1agem, no hernisferio sul, dos excedentesdos estoques europeus ao fim das estacoes."

    E nesse sentido que paralelamente as crcnicas e figurinosfrancesesse destaca a atuacao do figurinista Figueiredo Pimen-tel , na sua secao "0bin6culo" da Gazeta de Noticias. Tido comoo criador da cronica socia l no Rio , esse jornalista, que logo fez es-cola, tornou-se 0eixo de toda a vida burguesa logo ap6s a inau-guracao da Avenida . Propos e incen tivou a Batalha das Flores noCampo de Santana, 0five-o'clock tea, os corsos do Botafogo e daAvenida Central, 0 footing do Flamengo, a Expos icao Canina, aMi-Carerne e 0Ladies ' Club . Tornou as senhoras e senhori tas daalta sociedade carioca pelo menos tao conhecidas como os mi-nistros de Estado, ajustadas todas ao ipadrao internacional desensibilidade afetada das "melindrosas" Ditou ti ranicamente amoda feminina e mascul ina do Rio no lustra que seseguiu a inau-guracao da Avenida, promovendo a disserninacao do tipo acabadodo janota cosmopolita: 0 smart. As expressoes "0 Rio civiliza-se"e a "ditadura do sinartismo" sao as marcas indeleveis da forte irn-pressao que esse jornalista causou na organizacao da nova vidaurbana e social da cidade." A cronica social teria uma importan-cia basica nesse per iodo de r iquezas movedicas, Era a tentativa dedar uma ordem, pelo menos aparerite, ao caos de arr ivismos eaventureirisrnos, fixando posicoes, impondo barreiras, definin-do I imites e d is tr ibu indo tao parc imoniosamente quanta possi -vel as gl6rias . Ela concorre para frear ou legitirnar, pela hierar-quia do pecul io, 0 frenesi de "aristocratizacoes" ex abiupto quebrotam como cogurnelos peJa sociedade republicana adentro."

    Mas, como era de preyer, a eficiencia dessas cronicas C0l11054

    ,~ .'

    .e.

    um ins trumento para a fixacao de uma ordem social estavel erabastante rest ri ta . Nem poderia ser de outra forma em uma socie-dad~ em que a estabi lidade das posicces depend ia da mais vola-

    . . ti ldas formas de riqueza ." Dai a cur iosa definicao que essa socie-dade recebeu da sabedoria popular:

    A vida e lim pau-de-sebo que escorregaTendo na ponta presa uma bolada."Muito poucos, contudo, se abstern da escalada escorregadia.

    Uma vez que 0 objetivo e suas regalias sao visivei s por todos eestao ao a1cance de quaisquer maos, a pressao pela conquista tor-na-se sufocante. As croriicas fervilham de censuras ao "rude rna-terialismo'; a "epoca de arrivismo', a "febre de veneer': it "brutali-dade do n05SOviver atual"," As regras morais tradicionais perdemeompletamente 0 seu efeito inibidor sobre a cobica e 0egoismo."Surge a f igura dist inta, mas nao muito edificante, do "ladrao emcasaca"?'

    Verifica-se a tendencia it dissolucao das formas tradicionaisde solidariedade social, representadas pelas relacoes de gruposfamiliares, grupos clanicos, comunidades vicinais, relacces deeompadrio Oll relacoes senhoriais de tutela. '; As relacoes sociaispassam a ser mediad as em coridicoes de quase exclusividade pe-los padroes econornicos e mercantis, cornpativeis com a nova or-dern da sociedade." Por todo lado ecoam testemunhos amargossobre a extincao dos sentimentos de solidariedade social e de COI1-dura moral , a inda v ivos nos ultirnos anos da sociedade senhorialdo Imperio. A nova sociedade orienta-se por padroes muito di-versos daqueles e mais chocantes.

    o i ndiv idual ismo, l evado aos exageros dest ruidores do egoismo, .enfraqueceu os lacos de solidariedade ... Infelizmentc [... J a nocno

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    de sacrificio se extingue com os progressos do individualiSlllo re-volucionario, cujo preceito supremo e 0 cndn !lI1! por si,"o Riode Janeiro e 0 cosmopolitismo, e a arnbicao de fortuna detodas as criaturas, talvez, de todas as nacoes da terra, cada qualquererido veneer e dominar pelo dinheiro e pelo luxo, de qualquermaneira e a qualquer preco."Sea dissolll

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    novostroncos ferroviar ios, l igando a capital ao Norte, SuI e Oes-te da nacao, e a reorganizacao da Marinha mercante. E aindamais crucial , envolve a constituicao da expedicao encarregada demapear e ligar telegraficamente todo 0 ser tao inter ior com 0 cen-. tro administrativo do pais e a rnodernizacao e reequipagern doExercito e da Marinha de Guerra, alern de uma crescente com-plexidade de todo 0 organismo burocratico do Estado, amplian-do-lhe 0 campo de acao e tornando mais efet iva a polari zacao detodo 0 ter ri torio e populacao em funcao do Centro-Sul."

    Uma fur ia transformadora de tal intensidade e proporcoessupunha, e clare/ uma sobrecarga de energia que extrapolava asraizes nacionais . Nem asmudancas sociais der ivadas do novo re-gime t raziam como lastro ta is reservas de animo. Se quiscrmosportanto compreender a contento 0 grau, a natureza e 0 sentidodessas trarisforrnacces, e preciso que nos volternos para 0 cspac;odas relacoes intersociais. 0 faro que primeiro nos despertou aatencao ai foi sem duvida a frequencia com que elas ocorre ramnesse mesmo periodo, por toda a parte ao longo do globo te rres-tre . Urn foco de vigorosas mudancas e uma atividade econornicafebri l, centrados numa cidade e irradiados para todo 0 seu Hin-terland, num unico movimento convulsive e irresist ivel , podia serentrevisto com pequenas diferencas temporais e var iacces regio-nais, pa r excmplo, em Pari s ou em Buenos Aires, Napoles, BeloHorizonte, Sao Paulo, Manaus ou Belem." A Fonte desse proces-so de germinacao s irnultanea de energias deve encontrar-se alhu-res, num nuc leo de forca que transmi ta equita tiva e crescente-mente os seus impulsos por toda a parte.

    A mais recente historiografia da era conternporanea terns ido concorde em localizar esse nucleo n~ nova estrutura produ-t iva desenvolvida no Norte da Europa na segunda metade do se-culo XIX. Aparecendo ja como resultado do processo de arnplia-< ; : 5 0 da taxa de inves timento de capital, a Revolucao Tecnologica

    enfim - tornam-se 0 slmbolo imediato do arrivismo e da am-bicao irrefreada e bem-sucedida." Vigora pleno 0 " Imperio dosmart: 0 homem simbolo dos tres primei ros lustros do seculo,ideal vivo da consagracao social e que provocaria 0 suspiro im-press ionado :de Gonzaga" de Sa: "Que inf luencia maravilhosa,meu Deus! exerce a cassa sobre os nossos sentirnentos!'."

    2. A REPl5-BLICA DOS CONSELHEIROS

    o novo regime do pafs,a capital reformada, 0janota enga-lanado sao todos sfmbolos correspondentes de urn mesmo con-teudo e decorrencias similares de urn processo unico. 0 apelo prc-mente para a reforma conforme 0 figurino europeu permearatodos osaspectos da vida urbana e era absoluto , pelo menos den-tre as classes letradas. A Regeneracao, por tanto, tal como j, \ vi-mas , nao poder ia ser considerada apenas a transforrnacao da f i-gura urbana da cidade do Rio de Janei ro. Ana lisarnos como elanasce em funcao do porto e da circulacao das mercadorias, comosubentende a saneamento e a higienizacao do meio ambiente, co-mo se estende pelos habitos, costumes, abrangendo 0proprio mo-do de vida e as ideias, e como organiza de modo parti cular todoo s is tema de cornpreensao e cornportamento dos agentes que a vi-venciam.

    Mas 0 seu aspecto material e mais vasto ainda, tanto notempo quanto no espaco. Iniciada ja, num certo sentido, com 0Encilharnento, em 1891, mas a r igor com a inauguracao da Ave-nida Central em 1904, ela se estende com 0mesrno f61egode rc-modelacao urbanistica, arquitet6nica e social ate 0 ano de 1920,quando sofre uma exacerbacao frenetica por ocasiao da vis ira dorei Alberto, da Belgica, ao Brasi l." Na sua dimensao espacial, el;1envolve toda a transforrnacao cia cidade do Rio ate a cria~-Jode

    59",-- .""---_-JIIIIdI~ _

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    ou Segunda Revolucao Industrial, que sedesenvolve em torno de1870, irnpos lima dinarnica de crescimento sern precedentes aoconjunto do processo produt ivo da economia capi tal is ta euro-peia, americana e japoriesa." Os historiadores voltados para 0 seuestudo sao praticamente unanirnes em apontar os traces funda-mentais que a est ruturam. Estes seriam: um processo crucia l detransforma

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    de Al.Afghani (1871-1879) eo Movirnento Nacional Eglpcio de1879-1882; a Rebeliao de Tai-Ping na China (1850-1866); a Guer-ra Civil Americana (1861-1865); a Restauracao Meiji no Iapao(1868) e a pr6pria Guerra do Paraguai (1864-1870).54 Esse pro-cesso de desestabilizacao das regioes perifericas ao desenvolvi-mento indt is t; ia tconsagrou a hegernonia europeia sobre todo 0globo terrestre, que viu seus modos de vida, usos, costumes, for-mas de pensar, ver e agir sufocados pelos padrces burgueses eu-ropeus. Tendea realizar-se assim urn processo dehomogeneiza-yao das sociedades hurnanas plasmado pelas potencies do VelhoMundo."

    Hobsbawm, no seu estudo sobre esse processo, confere urndestaque bastante especial para a America do SuI:

    -~.

    AAmerica La tina , ne ste periodo sob estudo , tomou 0caminho da"ocidenta lizacao" na sua forma burguesa libe ra l com grande zeloe ocasiona lmente grande bru ta lidade , de uma fonna ma is vi rtua lque qualquer outra regiao do mundo, com excecao do Iapao."

    IISe esse influxo inic iou-se em grande escala com a Guerra do

    Paraguai, ja mencionada, assistimos ao desenlace de uma sequen-cia de movimentos concatenados com ela e interligados entre si,que promoveram, num lance unico, rapido e inexoravel, a dcrrc-cada da estrutura senhorial do Imperio e a irrupcao da jovem re-publica de feicoes burguesas: a queda do Gabinete Zacarias (1868).o manifesto Re fo rma 011 r e v o lu c ao (1868).0 advento e a di fusaodo novo ideario dernocratico-cientifico europeu (l\lodernismode 1870). a fundacao do Partido Republicano (1870). a agitacaoabolicionista (1879-1888), a Abolicao (1888), a Republica (1889)eo Encilhamento (1891)."

    A perie tracao do capi ta l ingles no Brasi l d. i be rn urna mos-tra do impeto com que as econornias europeias se lancararn ao

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    pais, intensificando a taxa interna de capital izacao numa escalapressionante. Se nos 31 anos entre 1829 a 1860 a Cra-Breta-havia concedido ao governo brasilei ro emprest imos_no va-de 6289700, esse montante eleva-se para 37407300 nos

    25 anos seguin tes , de 1863 a 1888, para at ingi r a espantosa ci frade 112774433 nos 25anos decorridos de 1889 a 1914.88 A do-. ..acao do pais de uma infra-estrutura tecnica mais aperfe icoada,representada pela instalacao de gran des troncos ferroviarios.ia,melhoria dos portos do Rio de Janeiro e de Santos, juntamentecom o crescimento da demanda europeia de materias-primas,deu um impulso vertiginoso no cornercio externo brasile iro, au-mentando grandemente as suas importacoes, pagas com os re-curses das culturas agricolas em pleno fastigio do cafe, cacau eborracha." Os t ransportes faceis e 0 crescimento econornico pro-piciaram uma verdadeira avalancha de colon os europeus ao pais."A sociedade senhorial do Imperio, letargica e entravada, mal pederesistir a avidez de riquezas e progresso infinitos prometida pelanova ordem internacional; cedeu 0 lugar a jovem Republica, que,ato continuo, se Iancou a vertigem do Encilhamento e dos em-prestimos externos."

    Desde entao, a progressao da taxa de capitalizacao e a ex-pansao dos recursos, principalmente atraves dos ernprestimossucessivos e generosos dos anos que antecederam a Guerra, fez-se numa cadericia que chegava mesmo a surpreender e preocu-par os pr6prios agentes insufladores desse prccesso." Mas 0 jogointernacional ostentava regras bern claras, e a primeira delas foicondensada didatica e lapidarmente por Euclides da Cunha: "Adesordem no seio da patr ia e correlativa com a desconfianca doestrangei ro"." Ora, a tonica do cotid iano do novo regime, de for-ma intensa ate 1898 e mais brandamente ate 1905, foi a do con-luio e da subversao. Os cronistas nao secansavam de exprobrar 0quanto essa situacao era nefasta para a vida social e cultural da

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    cidade, e 0 seu papel negativo para 0 equilibrio da taxa de cam-bio e para a credibi lidade do pais no exterior!' 0 proprio Eucl idcsenvergonhava.s- de que por causa dela os estrangeiros nos compa-rassern as "Republicas de Caudilhos" da America Hispanica."

    Sob essas condi

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    oque se notava na atuacao dos primei ros presidentes civise paulistas, bern como de todo 0seu circulo politico-administra-tivo, era 0evidente esforco para forjar urn Estado-nacao modernono Brasi l, eficaz em todas assuas mult iplas atr ibuicoes diante dasnovas vicissitudes hist6ricas, como seus modelos europeus.!" Con-o . Iforme temosvisto, as formas das relacoes que se estabelecerarnentre as nacoes perifericas ao desenvolvimento industrial ~os cen-tros econornicos europeus , modeladas pela indirect rule do novoimperialismo, foram de natureza a dissolver-lhes aspeculiaridadesarcaicas e harrnoniza-las com um padrao de homogeneidade in-ternacional sintonizado com os modelos das matrizes do VelhoMundo. Nada mais cornpreens ivel , portanto, que essa correntede inf luxos transformadores convergisse tam bern para 0 campodas instituicoes politicas.

    E nesse sentido que apreciamos 0vigor, a veernencia e a cons-tancia com que estadistas, intelectuais, homens publicos e homensde imprensa c1amavam por l ima arnpliacao da atuacao inclusivado Estado sobre a sociedade e 0 territ6rio, e, paralelarnente, poruma art iculacao mais eficiente e integrada das forcas sociais emfuncao da ges tae publica.!" Nao e dif icil perceber a norma queos publicistas perseguem no "exernplo dado ao mundo inteiro pela

    . grande nacao da Mancha, apresentando-lhe 0 espetaculo grandio-samente unico da maxima prosperidade it sornbra da maximaliberdade"!" Nao se tratava, evidentemente, de imitacao, assirncomo nao 0 foram as transforrnacoes econornicas e sociais; masde ericontrar uma formula de adaptacao e estabilidade a uma cri-se de crescimento unica, cujo foco de origem se encontrava jus-tamente nas nacoes que ja haviam fund ado as inst ituicces, senaoadequadas a e la, pelo menos capazes de enfrenta-Ia,

    Assim, com os estadistas e homens publicos instando pehins ti tu icao de urn Estadc-nacao brasileiro, apreciarnos de fatoum desenvolvimento inedito na presenc;:ae na atividade do po-

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    der publico central do pais. Igualmente aqui esse desdobramen-to pode ser detectado pela arnpliacao da burocracia estatal e pelamult iplicacao dos campos de ingerencia do governo. Da mesmaforma, nota-se que a atuacao do poder cent ra l vol ta-se com pri -mazia para amanipulacao estabilizadora da opiniao publica; 0alargamento progressive do controle centralizador sobre a mas-sa territorial; 0 desenvolvimento de uma atuacao benef icente etutelar sobre os grupos urbanos, capaz de amenizar os confl itossociais e a ampliacao e 0 reforco das forcas mari timas e terres-tres.!" Como se ve, procurava-se aplicar a mesma recei ta paramales assemelhados e derivados.o curioso a se reparar nessa evolucao, entretanto, era 0pres-t ig io quase fetichis ta de que gozavam asinst ituicoes l iberais, dis -tinguidas como 0 propr io corpo e espir ito do cenar io cosmopo-lit a mundial montado nesse periodo. Result ado sem duvida de11111aova s intese res tauradora da corrente de pensamento quenutrira todo 0 processo de rernodelacao das sociedades europeiasno seculo XIX, e que agora, chegado ao seu fim, via-se revigoradapela aura da ciencia e do progresso material , assomando como 0proprio amalgama promissor ciamaxima racionalidade, fartura,paz e fel icidade poss iveis." A concorrencia entre a eli te poli ticapaulista e a vanguarda republicans positivista e militar represen-tava bern 0 confronto entre urna tendencia acentuadamente l i-beral , apcntada para a esfera internacional do cosmopoli tismoprogress is ta , e outra, marcada pelos est igmas da intolerancia, dafrugal idade e do i solamen to, quer sob a forma da "ditadura po-s it iv ista" au do "caudilhisrno latino".

    Cabe lernbrar que mes rno a militancia republicana paulistafez-se sempre pela Iinha do mais arnplo, declarado e rigoroso ape-go aos postulados do liberal ismo class ico. !" Eis por que urn dosmonarquistas mais erninentes nao hesi taria em enaltecer diantedos seus confrades 0 primeiro presidente civil, 0paulista Pruden-

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    vg4QE*! iM I~

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    te de Morais , republicano mil itante mas revestido daquela "edu-cacao liberal que se dava nas nossas Faculdades de Direito notempo do Imperio"!" Esses fatos esclarecem por que 0predorni-nio paulis ta t rouxe consigo a gestacao daRepubl ica dos Corise-Iheiros.

    Houve contudo suti lezas na insta lacao dessa republ ica taopeculiar. Se para urn republ ica no doutrinario como Alberto Sa-les, que desenvolveu praticamente toda sua atividade na oposi-~aopolit ica ao tempo do Imperio , a simples derrubada do area-bouco rnonarqu ico representaria a imediata consagracao ideal epratica do liberalismo no seu meio natural- a Republica -, talnao se deu com seus seguidores, que acompanharam a proclama-~ao do novo regime. 0 desfile equestre de Deodoro pelo centroda cidade do Rio de Janeiro nao dissolveu por si s6 a estrutura"fossilizada" da sociedade imperial. Homens de acao por exce-lencia, a elite republicana paulista - hist6ricos e adesistas _nao se deixaria prostrar pela modor ra ambiente. Dispondo deum indiscutivel dominio sobre 0 aparato governamental desde1894, esses estadistas desenvolveriam urn singular processo detransformacao do Estado num instrumento efetivo para a cons-t ituicao de uma ordem liberal no pais . Forma ousada de inspirarurn arejamento do ambiente nacional de cima para baixo , ja queo inverso nao se revelara possivel. Forma ousada e conspurcadapela propria natureza da sua origem.

    Foi essa pratica excent rica que circunscreveu os atos maisdecisivos dos prirneiros governos civis, e atraves do seu conjun-to pode-se recuperar toda a envergadura do proje to que os orien-' tou. 0 processo de pacificacao das lu tas intest inas e 0saneamen-to da crise financeira - internamente quanta as distorcoes doEnci lhamento e externamente pela renegociacao da divida~ re-cuperou 0verniz da credibil idade e nao s6 restaurou, como ain-da ampl iou os nexos com a rede cosmopoli ta. A "polit ica dos go-

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    vernadores" ao diluir as tens6es permanentes das "vinte tiranias",imp6s tarnbern urn controle central efetivo e estabilizador sobreo conjunto do territ6rio, garantindo os fluxos de recursos para 0exterior e in-terior do pais. Seguiu-se-lhe um esforco de neutrali-zacao polit ica a parti r do nucleo governamental do pais, que, aoconsumir as oposicoes organizadas - jacobi nos, monarquistas,o Partido Republicano Federal (PRF) -, elevou 0 republican is-1110 conservador e difuso, sem tonalidade partidaria, a ideal ma-ximo da el ite do Estado. Resultou dai a formacao de urn nucleomoriolitico e pretendidamente despolitizado, comprometido 50-mente com uma gestae eficiente, pacifica e estabilizadora, capazde garantir 0 chao firme em que as forcas livres e as energias in-dividuais se aplicassem ao maximo proveito pr6prio e comum.

    Na voz de urn dos mentores desse estilo de governo: "Naovenho servir a urn partido pol it ico: venho servir aci Brasi l, quetodos desejamos ver unido, integro, fortee respeitado"!"

    Seria esse nucleo assim composto que articularia por fim 0processo amplo, inclusivo, permanente e centralizado que seriadenominado de Regerieracao Nacional, sincronizado com 0 sa-neamento medico e a higienizacao das cidades. Mesmo quandoa partir de 1906 se inicia uma pratica especulat iva manifesta-mente antil iberal, gracas ao Convenio de Taubate e ao interven-cionismo no cornercio cafeeiro - pratica instigada, alias, peladissidencia paulista em cooptacao com a politica mineira e ' aso ligarquias tolhidas - , ninguern se esqueceria de justi fica-la apartir de premissas as mais legitim asda doutrin,a liberal: a teoriadas vantagens naturais, haurida da Riqueza das "l1a~?es.l09 Libera-l ismo, a rigor, nao havia; ao ccnt rario , a garantia de urn tal ar-ranjo era 0predorninio solidario e a acao coordenada das oligar-quias.!'" Mas estavam salvas as aparencias e 0 credito europeu janos adulava. Superados os6bices mais salientes, estava de~niti-vamente fundado 0Estado-nacao moderno no Brasil, ao menos

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    tal como era entendido e aceito na linguagem diplornatica inter-nacional.

    Vai entretanto uma dis tancia muito grande entre as poten-cialidades da realidade europeia e asda brasileira. 0 proprio mo-do de vinculacao das elites brasileiras ao sistema econornico inter-nacional esclarece sobre os limites impostos ao desenvolvimentode uma economia e uma sociedade assemelhadas aseuropeias noBrasil e,po,r corolario, de urn Estado-nacao modemo. 0volume-so afluxo decapital estrangeiro capaz de proporcionar urn maiorimpulse a .econornia tendia em grande parte a ser di ssipado emgastos nao produtivos. De qualquer forma, sua propria presencamacica concorr ia para asf ixiar a poupanc;:a interna, ao mesmotempo que era sintornati ca da precariedade e da pequena sign i-ficacao da estrutura financeira nacional. Por sua vez, 0 desenvol-vimento de praticas de car telizacao e trust izacao na Europa, coma fOr111

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    tral. 0 aspirado estabelecimento do regime do progresso e da ra-cionalidade seguia, assim, nurna marcha arrastada e entorpecidapcla acao corruptora cia estagnacao e da irracionalidade."'

    3 0 INFERNO SOCIAL

    A sornbra desse jogo imponente de aparencias e sortilegios,uma nova real idade surda e contundente ganhava corpo de for-ma tumultuar ia .AAbolicao e a crise da economia cafeeira que seIhe seguiu- que significou 0golpe de miseric6rdia aplicado nagrande lavoura do Valedo Paraiba carioca - desencadeou urnaenorme mobilizacao (85547 pessoas) da massa humana outrorapresa aquela atividade e que em boa parte ir ia afluir para a cida-de do Rio, fundindo-se al icom 0ja volumoso contingente de es-cravos recern-libertados, que em 1872 chegara a constitu ir 18%(48939 pessoas) da populacao to tal da capita l do Imperio. Vernsornar-se a essa multidao os sucessivos magotes de estrangeiros,que a previdencia dos proprietaries pressagiosos da Abolicao e asvicissitudes europeias arrastaram vacilantes para 0porto do Rio,os quais soma ram 70298pessoas de 1890 a 1900 e 88590 de 1900a 1920, perfazendo um total de 158888 imigrantes de 1890 a 1920.A pr6pria especulacao fiduciaria que se seguiu a instauracao daRepubl ica atuou como um catali sador populacionaI, a traindoaventureiros e rnao-de-obra desccupada de toda parte, conformeo testemunho do visconde de Taunay, referirido-se a "febre depretendido industrialismo que avassaIou 0Rio de Janeiro; fazen-do acudi r a essa cidade gente de toda parte , quer das ant igas pro-vincias, quer de fora do pais"!" .

    Assim, a maior cidade brasileira veria a sua populacao no pe-riodo de 1890 a 1900 passar de 522651 habitantes para 691565,numa escala impressionante de 32,3% de crescimento (2,84% aoanol) . Mas a mais notavel e que esse pr6prio ritrno extraordina-

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    r io de crescimento se manteria firme nos anos que se sucedem,de 1900a J 920, com a populacao do Distr ito Federal passando de691565 para 1157873 habitantes, realizando urn crescimento de67,4% em vinte anos, numa media anual de 2,61 %. Fato que le-varia nossos propagandistas em Paris a comentar orgulhosos:

    A l'exception de New York et Chicago, dont l'evolution assumedes proportions etonnantes, peu de centres urbains de l'ancien etdu nouveau continent presentent un phenornene identique a ce-lui de la capitale du Bresil.!"Nurneros fenomenais , e cerro, mas que 'ocultavarn urna si-

    tuacao tragica no seu interior.o plano geral da cidade, de relevo acidentado e repontadode areas pantanosas, constituia obstaculo permanente a edifica-

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    xos sa larie s, desemprego, mise ria: e is os frutos mais acres dessecrescimento fabuloso e que cabia a parte maior e mais humildecia populacao provar.!"

    Para tornar mais nebuloso esse cenario, concorreu a serie decrises ecoriornicas conjunturais que se sucedem a part ir de 1888,com a depressao:daeconomia cafeeira, aliada aos gastos vultososdas campanhas mili tate s empreendidas no processo de consoli -dacao do. regime , a te 1897. Seguern-se-Ihes a crise bancaria de1900 e a grande crise industri al-cornercial de 1905 a 1906. Estaultima, aliada as transforrnacoes urbanas desse periodo, assestouurn goIpeaf li tivo na populacao assalariada de mais baixa renda,.determinando s imultaneamente uma grave elevacao dos custos dealimentacao e consumo diario e provocando uma elevacao gera ldos aluguei s, Ao mesmo tempo, forcava as camadas humildes adesloca r-se para os bairros mais distantes dos suburbios, agra-varido-as t ambern com os custos adicionai s de transpcr te.!" Portras de todo esse panorama sombrio, pairavarn ainda as medidasde saneamento financeiro, desencadeadas pela adrninistracao Cam-pos Sales, e que implicavam principa l mente a re rracao do meiocirculante, a contencao de gas tos publicos, a dispensa de funcio-narios federais e a criacao de impostos de consumo: tudo con-vergindo para a inf lacao de precos e para as praticas especulat i-vas no mercado de generos e bens de consumo.!"

    Situacao que significaria um acrescirno' intoleravel ao regi-me ja por demais opressivo que pesava sobre os grupos operarios:"Nao ha cidade no mundo em que 0 t rabalho dos operarios sejamais prolongado e arduo que no Rio de Janei ro", afi rrnari a limjornalista condoido. 1550 levar ia a cronica a prognosticar a par tirdesse s intoma urn cataclisma irninente no interior da sociedadecarioca, "uma pavorosa tempestade que ruge surdamente nasmais profundas carnadas socials"!" Surgiram dai os primeirosest irnulos para as organizacoes populares e operar ias. que se de-dicavarn a pressionar 0governo central, atraves de meetings (sem-

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    pre no Largode Sao Ftancisco) e cornissoes, e os indus tr iais, atra-yes de greves. Surgiram os primeiros Centros e Associacces deResistencia, preconizando a acao sindical, formando-se paralela-mente os primeiros par tidos operarios. Dezessete movimentosde natureza grevista irromperam entre 1889 e 1906, dem~nstran-do a ja elevada capacidade de arti culacao e mobi lizacao dessesmicleos, sobretudo durante a grande greve de 1903, envolvendocerca de uma dezena de categorias profissionais. !" Mas nos rno-mentos de maior contundencia da crise social e economica, atendenc ia da populacao humilde em geral era a de ' explodir emmotins urbanos cornu mente espontaneos e desordenados, comoa Revolta do Selo (1898) e a assuada popular que se seguiu a trans-missao do cargo por Campos Sales (1902): arnbas ja anunciavamo futuro est ilo dos "quebra- larnpioes" de 1904 em diante."' .o clamor era unissono: "tude aumenta de preco"; t ratava-se da "cruel dade da vida cara", em que "urn t rabalho insano e in-suficiente por mais bem remunerado que seja, para prover as maispalpit antes necessidades do estornago e do ccnforto" A tensaosocial aguda provoca mesmo a ernergencia de atos mais arroja-dos e concretos de beneficencia, como 0 do Centro Uniao Espiri-ta do Brasil, que constituiu LIma"comissao protetora dos pobres",que se dispos a distribuir gratuitamente 0"Pao de Jesus': IOJ Mes-1110 urn conse rvador como Taunay se alarrnava com a si tuacaocri tica e potencialmente explosiva da sociedade car ioca, a que sedemonstravam aparentemente insensiveis as autoridades.

    .. , _ , : _

    Oh! 0 salar io minimo! .. .Que importa a mise ri a daque les que naoo podem ace it ar? Que impor ta a desgraca das famil ia s opera ri as,dos concidadaos, 0 pai scm trabalho , a mae avassalada po r tre-mendos t ra ri ses, os f ilh inhos se rn pao, s em roupa? . .. Que impor tao odio dos chefes pobres, 0 desejo de revindita, 0 influxo das 111;\5paixoes, superexcitadas pelo dcsesperor'"

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    Situacao que se estendia, alias, tarnbern ao pequeno funcio-nalisrno, que constituia en tao 0 maior mercado de emprego doRio. Sao constantes as invectiva s contra 0 "cstado de verdadeiramiseria em que vivern osfuncionar ios publicos de categoria su-ba lterna", que "ganham somente 0 sufic iente para nao morrer defome. E hoje a classe mais pobre e mais necessitada do Brasil".Era enfim a imagem da "rniseria de sobrecasaca e gravata" que vi-nha se somar ados "bandos de pes descalcos" que povoavam osbairros pobres.:"

    E como eram esses bairros pobres do suburbio? Lima Bar-re to os desc reve corn excepciona l conc re tude :

    Ha casas, c asinhas, c asebrc s, ba rr acoes, chocas por toda a pa rteonde se possa fincar quatro estacas de pau e uni-Ia s por paredesduvidosas. Todo 0materia l para essas construcoes serve: sao latasde f6sforos distendidas, telhas velhas, folhas de zinco, e, para asnervuras das paredes de taipa , 0ba rnbu, que nao e barato, Ha ver-dade iros a ldeamentos dessas barraca s, nas covas dos morros, queas arvores e os barnbuais escondem aos olhos dos transeuntes.Nelas hi quase sempre urna bica para todos os habitantes e ne-nhuma especie de esgoto. Toda essa populacao pobrissirna vivesob a ameac;:aconstante da variola e, quando e la da para aquelasbandas, e urn verdadeiro flagelo.!"E quando nao era sequer possivel a providencia dos barra-

    coes, restava 0 recurso as "casas de c6modos" - antigos casar6esafastados do centro e agora transformados em pardieiros dianteda imensa dernanda por alojamentos e dos altos alugueis cobra-dos. Lima Barreto tarnbe~ nos descreve urn desses estabeleci-mentos localizado no Rio Comprido:

    a tua lmente, os do is andare s do "ant igo pa lace te que e la fora , e sta-: "varn divididos em duas ou tres dezenas de quartos, o.nde moravam

    'r"",~~~?~~';1 .. '" "" ~-= ~ - - = - - = - - - - _- -

    rna is de c inquenta pessoas. [ .. . ]Num comedo (em a lguns) rnora -yam as vezes farnilias inteiras.!"

    i\las era na "cidade', no "centro" que toda essa multidao iadisputar a sobrevivencia ja nos primeiros albores da manha.

    Nessas horas as estacoes se enchern, e os trens descern cheios.Maischeios, porern, descem os que vern do limite do Distr ito [Federal]com 0 est a do do Rio. Esses sao os expressos. Ha gente por todaparte. 0 interior dos carros e sta apinhado e os vaos ent re e le s co-mo que trazem a rnetade da lotacao de urn deles. Muitos viajarncom urn pe num carro e 0 outro no irnediato, agarrando-se c~mas maos as grades das plataformas. Outros descem pa ra a c idadesentados na esc a da de acesso para 0 inter ior do vagao: e alguns,ma is ousados , dependurados no corr irnao de fe rro .corn urn uni -co pe no est ribo do ve iculo .!"

    .r:

    Era ai nesse "centro" que as agruras da populacao humildechegavarn ao extremo. Se, em 1906, a densidade demcgrafica ~osuburbio chegava a 191 habi tantes por quilornetro quadrado, nazona urbana ela atingia 3928 pessoas por quil6metro quadrado,dando plena substancia a expressao "infernos sociais" com queAlcindo Guanabara, parafraseando Tolstoi, procurava caracteri-zar as zonas de maior concentracao popular. Nesses nucleos e quese localizavam as habitacoes coletivas, precarias, insalubres e su-perpovoadas, ja estigmatizadas por Aluisio Azevedo no seu 0cor t ico em 1890.'29Efeito drastico da imigracao contingente ealv~"rotada, essasituacao foi agravada particularmente pelas dernolicoes condu-zidas pelo governo do Distrito Federal para as obras da reformado porto e construcao docais, iniciadas a partir de 1892. patadai 0 inicio da febre dernolitoria na area central, que culminaria

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    com a Regeneracao de 1904 e seria sempre acompanhada da es-peculacao imobil iar ia par ticular , ambas visando invar iave lmen-te os grandes casarces da zona central da cidade, que abrigavama maior parte da populacao modesta do Rio.I3OE a partir de en-tao que com~~am a pulular os "infernais pandernonios que saoas hospedarias eas casas de comodos", em que predorninava "umarevoltante promiscuidade, dorm indo freqiientemente em um 56leito ou em Lima s6 esteira toda uma familia': 1 . 1 1 Toda a multidaoassim deslocada e empurrada para as fimbrias da cidade, as zo-nas mais estreitas, de aspecto ruinoso e estagnado, 0 res idue scm-brio do periodo colonial:

    aqueles velhos becos imundos que seor ig inam na Run da Mise ri-cordia e VaGmorrer na Rua Dom Manuel e Largo do Moura [... Jaquela vetust a par te da cidade , hoje povoada de lobregas hospe-darias [.. .J . OSbotequins e tascas esravam povoadcs do que 1 1 , \ demais sordido na nossa pcpulacao [ ... J . Escondiarn, na sornbra da-que les sobrados, nos fundos caliginosos das sordidas t avernasdaque le t ri stonho quarte irao , a sua miser ia , 0seu Oprobrio, a suainfinita infel icidade de deserdados de tudo nesse mundo.!"

    A mesma cena e descr ita na Iinguagem crua de Ioao do Rio:Estavarnos no Beco dos Fer re iros, urna rue la de c inco palmos delargura , com casas de doi s andares , velhas e a cai roA populacaodesse beco mora em magotes em cada quarto [... J . Ha portas dehospedar ias sernpre fechadas, l inhas de fachadas tornbundo, e ,1miseri a besunta de sujo e de gordura asant igas pinturas, Urn chei-ro nauseabundo paira nessa ruela desconhecida. :"

    Urn pouco por toda parte espalhavarn-se as "casas particu-lares, em que morarn vinte e mais pessoas" Mas 0aspecto extre-

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    mo dessa agonia social estava reservado para os "zungas" as hos-pedarias baratas. Ioao do Rio des creve uma visita em plena noiteem cornpanhia de autoridades; acompanh~mos a descricao dostres andares.

    E comecamos aver 0 res-do-chao, salas com camas enfileiradascomo nos quarteis, tarimbas com lencois encardido s, em que dor- .miam de beico aberto, babando, marinheiros , soldados, trabalha-dores de face barbada. Uns cobria rn-se a te 0pescoco, Out ros es -papacavam-se completamente nus.

    o segundo e 0 terceiro andares:Trepamos todos por urna escada ingreme . 0mau cheiro aurnen-tava. Parecia que 0 ar rareava, e, parando urn instan te, ouvimos arespirncao de todo aquele mundo como 0 afastado resfolegar deuma grande maquina. Era a secao dos quartos reservados e a saladas est ei ras . Os quartos estrei tos, a sf ix iantes, com camas la rgasantigas e lencois por onde corriarn percevejos. A respiracao torna-va-se dificil.

    Quando as camas rang iarn mu ito e custavam a ab rir, 0agentemais forte ernpurrava a porta, e, il luz da vela, encoritravarnosquatro e cinco criaturas, emborcadas, suando, de lingua de fora;hom ens furiosos, cobrindo com 0 lencol a nudez, mulheres ta-pando 0 rosto, mar inhe iros "que haviam perdido 0 bote' : urnmundo v.ir io e sornbr io , gargole jando desculpas, com a gargantaseca. Alguns desses quartos, asdorrnidas de luxo, t inham ent radapela sala das esteiras, em que se donne por 800 reis, e essas qua-t ro paredes impress ionavam como urn pesade lo .

    Comple tamente nua , a sala podia conter t rint a pessoas , a von-tade , e t inha pclo menos oit enta nas velhas este iras , a tiradas ao as-soalho [.. . J .

    79

    I::1I'

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    Havia com efeito mais um andar, mas quase nao se podia hichegar , e st ando a escada cheia de corpos, gente enfiada em t rapos, .que s e e s ti ra va nos degraus, gente que s e a g ar ra v a aos balaustresdo co rrirn ao - mulheres receosas da p romiscuidade, de saias en-rodilhadas . Os agentes abr iam carninho, acordando a canalha coma ponta dos cacetes . Eu tapava 0nariz. A atmosfera sufocava. Maisurn pavimento e arrebentariarnos, Parecia que todas as respiracoessubiam, envenenando asescadas , e 0cheiro, 0 fedor , um fedor ful -rninante, irnpregnava-se nas nossas pr6prias rnaos, desprendia-sedas paredes , do assoa lho carcomido, do te to , dos corpos sem l im-peza. Ern cirna , en t ao, era a vertigem. A s al a e s ta va cheia. Ja na oh av ia d iv is oe s, tab iq ue s, n ao sepodia andar sem esrnagar urn cor -po vivo. A metade daquelc gada humano trabalhava; reben tavanas descargas dos vapores , enchendo pai6is de carvao, carregandofardos. Mais uma hora e acordar ia para esperar no cais os bateloesque a levasse ao cepo do labor, em que ernpedra 0 cerebro e re-ben t a os rnusculos.

    Grande par te desses pobres entes fora a tirada al i, no esconde-r ijo daque le covil , pela fal ta de for tuna . Para se l ivrar da pol ici a,dormiam sem ar, sufocados, ria mais repugnante prorniscuidade.[...] Desci. Doiam-rne as temperas. Erairnpossivel 0che iro de to-do aquele entulho humano.!"

    ,'0

    Mas, ta!vez, nem sequer fosse essa a pior fortuna. Aquelesque nao dispunham nem mesmo do necessario para pagar asminguadas estadias dos "zungas" refugiavarn-se nos morros quecercam a cidade, t erras publicas inabit adas, por inseguros paraqualquer arquitetura, e para onde acorr iam os mais infel izes . J a .em 1900 Alcindo Guanabara vituperava essas aglorneracoes lem-brando a seus colegas 0 dest ino que se reservou a essa parcel a dapopulacao:

    80

    quando os despo ja rnos dos seus mesrnos tugurios , que substi tui-rnos pelos palacios que nos envaidecern, esquecidos de que os rni-s e ni ve i s, e x p ul so s it f o r ca, a b r igavam-s e nos casebres de caixas dequerosene e folhas-de-flandres nos curnes dos morros, ou de sapee bar re c ru ao longo das l inhas fer reas.E prossegue em tom exaltado, enfatizando que:nao se trata aqui s6 de operario s: tr ata-se da grande, da enorrnemaioria da populacao, acumulada, acarnada em casas que nao me-recem esse nome, habit ando vinte pessoas onde nao cabem qua-tro, d e fi nh an d o- se , e s ti o la nd o -s e , gerando um a ra~a de raquit i-cos, inutilizando-se para 0 t rabalho , morrendo na idade uti l. !"

    Bilac quis atestar de perto esse cenario confrangedor:aincla hti poucos dias, fui ao Morro de Santo Antonio [... ]e vi Iaem cima tan tos e tao ign6beis pard ieiros, e as ruas tao cheias deci sco e de gatos mor tos e de porcos vivos ."

    o dr. Car los Seidl, diretor da Saude Publica do Distri to Fe- :deral , era porem menos suti l na descricao do panorama desola-do dos morros:

    hediondamente enxertados de barracoes toscos e casebres de hor-'rive! aspecto, fet idos , repelentes, abrigando moradores de ambosos sexos, numa inteira promiscuidade, sem agua, sern esgotos .

    E apresenta nurneros chccantes:S6 0Morro da Favela t em 219 habit acoes des se genero; 0de ?an-to Antonio, 450, vivendo em ambos uma populacao de perto de

    8. 1

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    I ;

    .5000 almas. Em sete dis tritos sanitarios urban oscontaram os meusauxil iares 2564 barracoes com 13601 habitantes.

    Conclui a exposicao com uma nota impressionante: "Emoutro distrito desta cidade, no 8", existern antigas cocheiras deprado de corridas transforrnadas em habitacoes humanas".

    Prevenindo-se contra 0 ceticismo que urn relato tao.alarman-te poderia despertar no publico, 0 dr. Seidl se apressa ern acres-centar: "Possulmos fotogra fi as que a test am nao haver exagero nasurpresa que este caso inspira"!"

    Suger indo com sua ironia aspera uma pretensa solucao paraessa situacao, Bilac r essaltava bem a magnitude do problema:

    Se ao menos toda essa gente pudes se morar ao ar livre, sob 0 tetopiedoso do ceu, sob 0 palio misericordioso da s e st rel as [ .. . J . Trans-formar-se -iam a Av. Cent ra l, a Av. Bei ra -Mar , 0 Campo de SaoCristovao;o Parque da Republica, osterrenos acrescidos do Man-gue, Largo do Paco, a Copacabana, a Tijuca, em imensos cara-vancaras descober tos, em vas tos acamparnentos, onde os que naopodern pagar 1 conto de reis mensalmente par urna casa ficasserndorm indo ao se reno.

    Era bern a imagem da cidade tornada integralmente pela mi-seria, que exibiria publicamente a sua execracao , recobrindo cadarnilimetro de toda a fachada marrnorea que a Regeneracao er-guera . J a haviarn s ido tomadas prov idencias , porern, para escon-jural ' esse perigo.

    Mas a policia e feroz : a l ei ruanda considerar vagabundo todo 0individuo que nao tern dornici lio certo - e nao quer saber se essein div id uo te rn ou n ao t er n a p ro ba bi lid ad e de arranjar qualquerdornicilio."

    E os vagabundos, ja 0vimos, eram retirados de circulacao sefossem capturados no centro da cidade.

    Contudo, nao s6 a carencia de dornicilio, mas tambern a si-.. tuacao de desemprego caracterizava a vagabundagern delituosa.!"Ora, na coridicao de elevado ind ice de desemprego estruturalepermanente sob que vivia a sociedade carioca, grande parte dapopulacao estava reduzida a situacao de vadios compuls6rios, re-vezando-se entre as unicas praticas a lt erna tivas que lhes restavam:o subernprego, a meridicancia, a criminalid ade, o s expedienteseventuais e incertos. Isso quando a penuria e 0 desespero nao osarrast avam ao deli rio alcoolico, a loucura ou ao suicidio. Mesmodentre a mao-de-obra ocupada, e de se crer que uma porcao bas-tante apr eciavel estivesse na situacao desse Felismino Xubregas,conhecido de Lima Bar reto, rmisico formado no Conservat6r ioe "sabendo musica a fundo", "casado e pai de muitos filhos".

    Felismino costumava se apresentar em festas particularesnos suburbios, e tarnbem compunha polcas e valsas cujas part i-turas vendia. Mas como nao obtinha assirn 0 suf ici ente para sus-tentar-se e a familia:

    P rocurou toda a espccie de empregos mais acessiveis. Foi lenha-dor em Costa Barros , ca ixei ro de botcqui rn em Maxambomba , ser -vente de pedrc iro em Sapopcmba: hoje 0 seu oficio habitual e 0deconstrutor de fossas, nas redondezas de Anchieta, onde reside.':"

    Urn exernplo caracteristico portanto de uma mao-de-obrainst avel, rot ative , f lu tuante , tendente a desclassificacao profissio-nal e em estado de transite permanente.

    Ioao do Rio chegou a esquadrinhar alguns desvaos do vastolabirinto do subemprego carioca. Caracterizou com bonornia es-sa porcao deg radada da humanidade:

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    Todos esses pobres seres tristes vivern do cisco,do que cai nas sar-jetas, dos ratos, dos rnagros gatos dos telhados, sao os herois dautilidade, os que apanham 0 inutil para viver, os inconscientesaplicadores a vida das c i d a d e s daquele axiorna de Lavoisier _ na-da seperde na natureza.Descreve em sua reportagem algumas das rnais freqUentes

    dessas "profissoes de miseria". os "trapeiros", divididos em duaslif)hagens nitidamente distintas - a dos que coletavam traposlimpos e ados trap ossujos; os "papeleiros"; os "cavaqueiros'; querevolvial11os montes de lixo em busca de objetos e materia ls ven-daveis; os "chumbeiros '; apanhadores de restos de churnho, os"cayadores de gatos'; cOl11prados pelos restaurantes onde erarnrevendidos como coelhos; os "coletores de betas e sapatos"; os"apanha-r6tulos e selistas' , que buscavam r6tulos de artigos im-portados e selos de charutos finos para vende-Ios aos falsificado-res; os "ratoei ros '; que compraval11 os ratos vivos ou mortos departiculares para revende-los a Diretoria de Saude; as "ledoras demao", os "tatlladores'; os "vendedores ambulantes" de oracoes ede Jiteratura de cordel e os compositores de "rnodinhas"

    Havia mesrno uma certa aceitacao oficial dessas "profissoesignoradas'; asquais era concedido transite livre em toda a exten-sao da cidade. Parecia haver urna adrnissao tacita da sua utilida-de e mesmo necessidade com relacao a setores diversos do co-rnercio e da industria locais. Inclusive as autoridades publicas,sempre atentas e rigorosas, principalmente no nucleo central dasgrandes avenidas,mostravam-se tolerantes com essas atividadese com os que as exercia l11:"Apol ic ia nao os prende, e, na boernia "das ruas, os desgrayados sao aindaexplorados pelos adelos, pe-los ferros-velhos, pelos proprietarios das fabricas': 141omesrno nao ocorre com a mendicidade,que se desen~ol-ve abundantemente com 0 crescimento da cidade e cu jos inte-

    crantes eram literalrnente "cacados" por toda a zona central. A"carnpanha na irnprensa era intensa e sern treguas:A civil izacao abornina justamente 0 mendigo. Ele macula comseus farrapos e suas chagas 0 asseio irnpecavel das mas, a irnpo-nencia das pracas, a majestade dos monumentos.Mas ja em 1897 a capacidade institucional de recolhimento

    e isolamento dos mendigos estava completamente esgotada: "0Asilo da Mendicidade nao basta para conter osque padecern de fo-me': A irnprensa alarmada intima as autoridades a providencia-rem urgentemente quanto ao problema e monta urn quadro pa-voroso da situacao:

    Quanto rnais baixa 0cambia, mais sobe a mendicidade, e se issocontinua, a policia, obedecendo a sua intencao benernerita, ver-se-a obrigada a meter 0 continente no conteudo: a cidade dentrodo asilo.'"

    De permeio: as mesmas cronicas a1armistas vituperarn 0de-senvolvimento prodigioso da criminalidade: "Dia a dia crescenesta capital 0 nurnero de agressoes, [...J assaltos, [... J arrornba-mentes" E, no mesmo tom: "reparern vosmeces no recfudesci i""mento dos atentados contra a vida do proximo", "afrequenciainquietante de roubos audaciosos", "a gatunagem andaas soltas';"os assa1tos noturnos [.. .J que van num cresce~do assustador".Com a mesma insistencia vern ainda as admoestacoes contra aprostituicao.!"

    Mas 0que mais chamava a atencao dos politicos, jornalistase intelectuais era 0 crescimento vertiginoso da delinquencia in-fantil e juveni l na cidade do Rio.

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    A infancia abandoriada, aumentada em mimero peIo aumento dapopulacao, continua a viverna miseria afrontosa, viveiro de delin-quentes, sementeira da prostituicao e do crime, que seavoIuma ecresce progressivamente.De 1907 a 1912, segundo os dados do Gabinete de Ident ifi-

    cacao e Estat is tica do Dis tr ito Federal, rnais de urn quarto (26%)dos criminosos presos pela policia tinha men os de vinte anos,sendo que destes, 10% tinharn menos de quinze anos de idade.!"Espalhavam-se por toda parte, "nas ruas da cidade, nas mais cen-trais ate" e constituiam "todo um exercito de desbriados e ban-didos , de prost itutas futuras , galopando pela cidade a ca ta de paopara os exploradores"!"

    Os que fossem apris ionados pela policia erarn, via de regra,"pos tos em deleter ia promiscuidade com os profiss ionais do de-l ito nas salas da Casa de Detencao"ocornissario Alfredo Pinto tentou melhorar a situacao crian-..do urn Deposito Proviso r io de Menores com oficinas e capacida-de para cinquenta criancas, que em pouco tempo transforrnou-se nUIl1asi lo com uma lotacao repleta de mais de 380 rnenores. !"

    Da mesma forma sao freqi ientes na imprensa os aplausos aperseguicao policial aos bebados e ao alcoolismo em geral, tido co-mo fator notavel de inseguranca social : "assassinates, suicidios ,ferimentos, desordens, tudo produzido pelo alcool" Repetern-seassugestoes repressivas, ora enaltecendo a fundacao de "socieda-des de temperanca", ora propondo 0 "fecharnento dos botequins110S fins de semana", visto que 0 "consume de bebidas fortes cres-ee [.. . J em prcgressao geometrica" ,

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    insti tucional senao no ultimo quadr ien io do perfodo est lldadoaqui.!"

    Aproveitando-se justamente do que seria uma das fraquczasdo movimento operario e exacerbando-a ate 0paroxismo, a Cor-rente do jacobinismo seria um dos grandes catali sadores do mal-estar geral disseminado na populacao carioca. Sua plataforma dearregimentac;:ao e combate quase que se rcsumia toda no seu prin-cipio 'basilar: 0 xenofobismo e muito particularmente a lusofobia.Nascido do estado de sitio, da censura e das perseguicoes ind is-cri minadas e obscurantistas desencadeadas por Floriano desdc 0inicio da Revolta de 1893, reuniu todo genero de insatisfe itos,aventureiros e oportunistas, particularmente os funcioriarios PLl-blicos dos escaloes inferiores, soldados, cadetes, jornalistas da irn-prensa marrom e grupos populares difusos que caiam sob suaclientela, sensiveis a sua pregacao, como os operarios do governoe da prefeitura, a lguns nucleos de ferroviarios , pequenos caixei-ros e grande parte da massa dos desempregados e subemprega-dos urbanos. As suas preocupacoes obsessivas eram desalojar osportugueses enquistados na adrninist racao publica com a "gran-de naturalizacao" do governo proviso rio, acabar com 0virtualmonopol io portugues sobre 0 cornercio a varejo e sabre a loca-cao de irnoveis e, ato final, romper relacoes com Portugal e aca-bar com a torrente imigratoria lusitana que se avolumava na so-ciedade do Rio, absorvendo grande parte dos empregos e boasoportunidades. lSI

    Atuando como "governistas" na epoca de Floriano, passaraoa oposicao radical com a ascensao de Prudente de Morais , rnani-festando a partir de entao uma hostilidade ilimitada contra a he-gemonia paulista, identificada com a regressao monarquica e at raicao aos ideais republicanos, dernocraticos e nacionais . Este ena realidade 0 nivel mais significative dessa confrontacao politi-ca. Segundo os jacobinos, a Republ ica dos Consel~ei ros marca-

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    ria a ascensao de ue' nexo soc:~1 que reuniria .05 adesistas de lI!~rima hera (as "chapeus-rnoles ), as monarquistas, os revoltosos

    . de: 1893, as estran~,eiros em geral e po~tugueses em particular,nuis os arcentarios' e escroques beneficiados com as fraudes doI , o IEncilbamento. Todq esse "sindicato" reunido contra os elemen-tos verdadeira e etnicarnente nacionais, republicanos e dernocra-tas autenticos, defensores da agricultura, industria e cornerciosob 0 controle da gente do pais. Para os defensores da Republicacivil e do eixo da hegernonia dos paulistas, 0 jacobinisrno era amanifestacao doentih do atraso, da barbaric, da tirania da tradi-cao nos seus estertores finais cont ra a vitoria da civ ilizacao, dasI'uzes,da respeitabilidade internacional e do progresso do pais._

    Mesmo apesar dh vio!entissima repressao ao sev .Pu tsch frus~t rado de 1897,0 grupo que ficara entao bastante desarticulado edesmoralizado refez-se em grande parte e manteve urna rnili tan-cia constants contra a Republica civil e so se apagaria paulatina-mente em fins do nosso periodo de estudo. Ele reaparece com vi-gor na Revol ta de 1904 e nos meetings a partir de 1914, fato q~erevela a sua perrnanencia como forca latente na sociedade do R I O .Sua orientacao manteve-se sernpre a mesma, porque evidente-mente as condicoes sociais e ambientais que lhes denim vigenci.apersistiam ainda. Tobias Monteiro, jornalista e conselheiro pe~-soa! de Campos Sales , !1a sua viagem de negocios a Europa, eI?companhia do presidente, resumiu agastado 0 significado do gru-po jacobino:

    ~ _".

    .::

    Aqueles que formaram entre n6s aslendas perversas dos sindica-tos do descredito, dos comites inimigos das instituicces: aquelesque desenterraram 0 espirito retr?grado do odio ao estrangeiro;que para especular com a ignorancia das massas tentaram apre-sentar-Ihes osbeneficios da concorrencia no trabalho sob 0a.spec-to mentiroso da invasa~ monopolizadora dos imigrantes; aqueles

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    II

    que p roclamaram a bcnemer encia higubr e da feb re amarela; quequiseram tracar ao longo da nossa costa uma rnuralha chinesa,po rque nos bastavarnos a n6s mesmos [ ... J . ' 5 2

    .j

    Paralelarnente ao jacobinismo, a acao positivista, centraliza-da no Apostolado Positivista do Rio de Janeiro, procurava ganharum espac;:o pr6prio em meio as camadas operarias, com suaspropostas dereformisrno social e de "integracao do proletariadoa s~ciedade"; .Spa forca maior res idia na ampia ressonancia queobtinha nas .escolas mi lit ares, operando por inte rrnedio dos jo-yens. cadetes uma quase que fusao com 0 movimento jacobino,conforme ocorreu durante 0 f lorianismo, e durante as revoltasde 1897 e 1904. Opunha tambern serias restricoes ao cosmopoli-t ismo desenfreado -ciaRepublica dos Conselheiros, mas era maisreticente quanta a acao combat iva , destoando nesse sentido daorientacao radical jacobinista.!"

    E sob esse aspecto parecia-se mais com uma terce ira forcade oposicao, tarnbem procurando infiltrar-se nos meios operariose em setores mui to espedficos da pol icia, do Exerc ito e da Mari -nha : os monarquistas. Chega a surpreender a na tural idade comque Taunay, 0 seu grande polemis ta, resenha algumas das ideiase propostas mais causticas de Fourier e de Proudhon para crit i-car 0 governo e propor uma reforrnulacao da polit ica social. Aacao do grupo, contudo, tem pouca repercussao e nao vai alernda frouxa revo lta dos sargentos em 1900 e de part icipacces epi -s6dicas nas revol tas de 1893 e 1904. Na rea lidade, sua t endenciumaior e para 0 adesismo a Republica dos Conselheiros, cornba-tendo juntos a a rneaca jacobina a fim de evi tar 0 re torno "ao es-t ado primi tivo da barbaria, das tabas indigenas ou dos ei tos dosescravos"!"

    Mas como explicar esse medo panico do jacobinismo, umucorrente a final d i fusa e dispersiva tanto nas suas forrnulaco ...

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    polit icas quanto na sua composicao social? Nao era esse urn gru-po a te certo ponto moderado, sendo uma de suas exigencies ba-s icas jus tarnente "a conservacao da lei fundamental de fevereirode 1891"? Quem responde e a propria ComissaoCentral do Par-tido Republicano Paulista:

    A questao nao e tanto de querer, e mais do modo de querer, nao etanto de ideias, e mais de sentimentos, de temperamentos e de pro-cessos de luta. N6s adotamos a tribuna e a imp rensa, eles p refe-rem a pra

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    sistema de ilurninacao publica, praticamente tudo era alvo doimpulse destrutivo: bondes, carrocas, carruagens, vitrines, esta-belec imentos comerciais, casas particulares, 0 ca lcarnento da sr uas, os trilhos, os relogios e bancos. Quando 0 Regul arnen to daVacina Obrigatoria passou a ser discutido e divulgado, a simplesrncncao da invasao e derrubada dos predios anti-higieriicos e amanipula

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    ;~ .

    rna popular, difundindo urn sentimento agudo de aban~~Tj~des- # - ' a J C . . . .prezo e perseguicao das autoridades oficiais paracom.~p2p~ayao

    humilde e em particular para com os brasileiros natos~~::\1resen-ya rnais marcante e vi tirnas principals do comb ate ao motim.Ioao do Rio recolheu algumas trovas com esse espir i to dentre ospresos COJ11UnSaaCasa de Detencao, em 1908:

    SOU U .n l t r is t e b r a s il e ir oV it im a d e p er se gu ic aoSo u preso so u condenadoP ot s er j il lz o d a Na c o o .

    Dia 15 de novembroA ntes d e n as ce r 0501Vi toda a cavalariaDe clavinote a tiracol.

    A s pobres mites choravantE gritavain p o r J e su s ;o c ulp ad o d is so tu doE o D r.D sva ld o C ru z!

    S ao h or ns , - ,a o h o rn sSao ho ra s d e tell emba rqu eSinto 1 la o ver flpartidaD os d es te rr ad os d o A cr e." '"

    94

    , .' '!t.~

    Ii~0 exercicio intelectual .cbmo atitude politica:OS escritores-cidadaos

    "~

    Capis trano deAbreu, Machado deAs si s, [ oaquim Nabuco, Perei ra Pas se s e OUITOS, 1906.