LITERATURA E ENSINO: FORMAÇÃO DO PROFESSOR X FORMAÇÃO DE LEITOR DO ALUNO

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    LITERATURA E ENSINO: FORMAÇÃO DO PROFESSOR XFORMAÇÃO DE LEITOR DO ALUNO

    Fátima Aparecida de Oliveira SOZZA (PG-UEM)1 

    ISBN: 978-85-99680-05-6 

    REFERÊNCIA:

    SOZZA, Fátima Aparecida de Oliveira. Literatura eensino: formação do professor x formação de leitordo aluno. In: CELLI – COLÓQUIO DE ESTUDOSLINGUÍSTICOS E LITERÁRIOS. 3, 2007,Maringá. Anais... Maringá, 2009, p. 345-356.

    1.INTRODUÇÃO

    Esse trabalho vem de sobremaneira se somar a certa tradição de estudos que setêm ocupado de questões relacionadas à leitura do texto literário, da dinamização do

     processo de formação de leitores e de professores. No entanto, nesse município doOeste paranaense ele é inédito e faz-se necessário para que se possam buscar caminhos,romper com um senso comum e alcançar uma visão científica e reveladora.

    Ao apresentar um texto literário a fim de trabalhar a leitura e, por conseguinte aformação do leitor imagina-se que o professor esteja preparado para tal demanda, masserá que isso constitui uma verdade? Essa pesquisa realizada em um município do Oestedo Paraná no primeiro semestre do ano de dois mil e seis, tenciona saber o que o

     professor de Língua Portuguesa, o que aqui vamos chamar de professor formador dealuno leitor, considera como idéia ou conceito de literatura/leitura e leitor e como o

     próprio tem encaminhado seu trabalho de leitura em sala de aula. Esses dados foramcoletados através de um questionário contendo três questões, sendo:a)Concepçãoleitura, leitor e literatura; b)Alguns encaminhamentos dados pelo professor ao trabalharo texto literário e, c)Quantos e quais livros foram lidos pelo professor no ano passado e

     por quê.Da mesma forma relata também resultados obtidos com os alunos deste

     professor em relação à compreensão deste tipo de leitura. Para se obter o diagnósticocom o aluno a pesquisa se procedeu da seguinte maneira: cada aluno recebeu uma folhacontendo um texto literário, o mesmo texto para todos. Trata-se da fábula da escritoraAna Maria Machado com o título “A galinha que criava um ratinho”. Feitos algunscomentários para contextualizar o texto, dado um encaminhamento através do métodorecepcional, cada aluno realizou uma leitura silenciosa e individual, quantas vezes ele

    achou necessário. Após, elaborou de quatro a cinco questões referentes ao texto, de

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    acordo com sua leitura. Estas perguntas foram classificadas como: perguntas onde oaluno acionou os processos mentais, para verificar a presença ou ausência deinformação no conjunto de conhecimentos. Perguntas que fazem com que o alunointegre novos conhecimentos a esse conjunto e a pergunta linear, onde as informações

    aparecem nas linhas do texto. Terzi (1990, p. 118) considera estas perguntas da seguinteforma: pergunta avaliação, pergunta didática e pergunta livresca. No momento do diagnóstico, os alunos somente elaboraram perguntas sem

    registrar respostas, pois o objetivo era avaliar o nível de compreensão do textoatribuindo sentido à leitura e dialogando com ele, o que segundo Cosson (2006 p.46)

     pode se chamar de leitura compreensiva. Esta pesquisa foi realizada com um grupo denove professores e em nove escolas das quais sete são públicas, situadas em localidadesdiferentes no município pesquisado e duas escolas privadas.

    O município pesquisado está localizado a Oeste do Paraná. É um município jovem, possui apenas 39 anos, mas sem muita perspectiva de crescimento, pois não háindústrias, nem grandes empresas, tendo como principal atividade econômica a

    agricultura mecanizada. Sua população atualmente é de 32.528 habitantes, com cercade 30 mil moradoras na zona urbana.

    A população jovem, entretanto carece de trabalho e estudo. Esta comunidadetermina afastando-se da cidade para centros maiores em busca de uma vida mais

     produtiva. O município conta com 16 escolas. Sendo 14 públicas e 2 escolas privadas.Das estaduais, seis ofertam ensino fundamental e médio. Na rede particular, as duasoferecem ensino fundamental e médio. Há ainda uma faculdade que trabalha comlicenciaturas, pedagogia e bacharelados. O interesse da população pela escola érazoável, nas áreas periféricas e distritais contam-se muitos adolescentes e jovens forada escola. Por outro lado, a escolaridade da comunidade adulta também é baixa.

    Quanto à bibliotecas públicas, o município pesquisado conta apenas com uma,que disponibiliza, atualmente, aos habitantes um acervo de 13.484 livros ao todo, nãoexiste o registro separadamente do acervo literário. A maioria dos livros é de doações. Éinexistente também política de leitura, tanto na biblioteca pública, quanto na redeescolar, a não ser cada professor com sua prática, embora todas as escolas possuam

     bibliotecas, apesar do acervo ser inferior ao número de alunos.A pesquisa entrevistou sete professores de escolas públicas e duas professoras de

    escolas privadas. As escolas e os colégios públicos foram escolhidos de acordo com onúmero de alunos e a localidade, variando desde o centro da cidade à áreas periféricas edistritos.

    2.LITERATURA, LEITURA E LEITOR: CONCEITOS E CONCEPÇÕES

    É papel do professor buscar realizar na escola um trabalho que desenvolva todasas dimensões do seu aluno. Seja a dimensão sociológica/antropológica,ideológica/política e filosófica. Pensando dessa forma, um questionamento se torna

     bastante pertinente: Qual é a concepção de literatura, leitura e leitor que norteiam otrabalho do professor? O professor tem clareza das concepções de seu trabalho e dasdimensões humanas a serem trabalhadas na escola? Só através deste ponto claro é que otrabalho pode tomar um rumo, partir para uma direção, direcionar metodologia e prática

     para que atinja as determinadas dimensões. 

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     Na intenção de se obter melhor clareza na discussão deste tema, este tópicotenciona dirigir uma discussão das concepções de literatura, leitura e leitor, pautando-seem autores renomados no campo desses estudos.

    Antonio Candido dirige seu trabalho para atender várias dimensões humanas,quer seja a sociológica, a antropológica, quer seja a ideológica. Em Literatura esociedade (1965), Candido analisa entre outros aspectos a literatura do branco civilizadoe o primitivo. Sobre os dois tipos de literatura e mais propriamente sobre o homem, eleafirma: “No homem de hoje perduram lado a lado o mágico e o lógico, fazendo ver que,ao menos sob este aspecto, as mentalidades de todos os homens têm a mesma baseessencial”.

    Para Candido, a literatura tem a ver com o todo, com o universo simbólico, como social e muito com o ideológico. Verificando estes aspectos percebe-se quão profundoé o pensamento de Candido quando discorre sobre a literatura. Ele comenta:

    A literatura é uma transposição do real para o ilusório por meiode uma estilização formal que propõe um tipo arbitrário deordem para as coisas, os seres, os sentimentos. Nela secombinam um elemento de vinculação à realidade natural ousocial, e um elemento de manipulação técnica, indispensável àsua configuração e implicando uma atitude de gratuidade.Gratuidade tanto do criador, no momento de conceber eexecutar, quanto do receptor, no momento de sentir e apreciar(CANDIDO, 1965a, p.53 ).

     Nesse sentido, a criação literária corresponde a certas necessidades derepresentação do mundo, às vezes como preâmbulo a uma  práxis  socialmentecondicionada. Mas isso só se torna possível graças a uma redução ao gratuito, aoteoricamente incondicionado, que dá ingresso ao mundo da ilusão e se transformadialeticamente em algo empenhado, na medida em que suscita uma visão de mundo.

    Pensando na dimensão política do homem, Candido (1995) pergunta: “Quemtem direito à literatura?” Sua resposta é: “pensar em direitos humanos pelo olhar da arteé pensar em eqüidade”. Parece ao pensador que a literatura é uma necessidade de benscomo alimento, casa, roupa, liberdade, lazer e integridade espiritual.

    A conclusão de Candido é que quanto mais igualitária for a sociedade, e quanto

    mais lazer proporcionar, maior deverá ser a difusão humanizadora das obras literárias e, portanto, a possibilidade de contribuírem para o amadurecimento de cada um.

    Sobre o que é leitura, Candido pensa que a leitura pode estar na palavra, nocontexto e nas idéias de forma simbólica, por isso ele fala da função total da literatura.O estudioso exemplifica dizendo:

    Assim, uma tragédia grega, composta para ser encenada emdadas ocasiões e de certa maneira, pode ser lida hoje e guarda,nesta leitura, um impacto suficiente para fazer sentir a pujançada sua função total. Isto porque na literatura erudita, a extrema

     plurivalência da palavra confere ao texto uma elasticidade que

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    lhe permite ajustar-se aos mais diversos contextos (CANDIDO,1965b, p.51).

    Quanto ao leitor do texto literário, para o crítico é aquele que se sente niveladoao personagem pela comunidade do meio expressivo, se sente participante de umahumanidade que é a sua e, deste modo, pronto para incorporar a sua experiência humanamais profunda que o escritor lhe oferece como visão da realidade.

    Para falar da dimensão política do homem vamos buscar essa fundamentação, nomarxista e bem humorado Terry Eagleton. Para Eagleton a literatura não é uma questãode escrita imaginativa, de arte da linguagem, de uma reunião de artifícios como sons,imagens, ritmo, sintaxe e métrica. Nem um caso de estranhamento. O marxista nosmostra uma reflexão ideológica, histórica e contextual sobre o que pensa ser literatura.Eagleton (1997a, p.22) pondera que “se não é possível ver a literatura como umacategoria ‘objetiva’, descritiva, também não é possível dizer que a literatura é apenas

    aquilo que, caprichosamente, queremos chamar de literatura” .Para Eagleton (1997b, p.22) “ a literatura não existe da mesma maneira que os

    insetos, é que os juízos de valor que a constituem são historicamente variáveis, mas queesses juízos têm, eles próprios, uma estreita relação com as ideologias sociais”. Lendoestas palavras do crítico literário percebemos que para ele a concepção de literatura seresume numa única palavra: literatura é poder.

    Quanto a definição de leitura, para Eagleton tem um conceito tambémrelacionado à literatura, que é muito relacionável ao contexto. Às vezes histórico àsvezes ideológico. Segundo o pensador a leitura ainda pode ser algo que esteja ligada ao

     prazer ou ligada a busca de informação, ao pragmático. Ele diz que a leitura não tem

    conceito definido, ora pode ser isto, ora pode ser aquilo, dependendo de situaçõesespecíficas de acordo com critérios específicos e à luz de determinados objetivos(Eagleton, 1997c).

    Quando o crítico fala em objetivos determinados, deixa inferir aí também aestreita relação que a leitura tem com o poder, quer dizer ora é isto, ora é aquilo deacordo com a relação de poder que posso estabelecer através da leitura.

    Por outro lado, é da filosofia que vêm as palavras e os princípios das quais seserve a literatura para trabalhar a dimensão filosófica do homem. Encontramos essafundamentação nos trabalhos de Teresa Colomer. Assim é sua consideração a respeitoda literatura.

    “La creación de un lenguaje interior Del que emerge laliteratura, la consolidación de una estructura mental, del

     pensamiento abstracto que es esencialmente lenguaje, la lucha por recrear continuamente en torno a los principios de verdad, justicia, libertad, belleza, generosidad, todo eso marca elcamino del progreso y de convivencia. Y esto es, a su vez,cultivo y cultura de las palabras, revisión del inmenso legadoescrito, que no es otra cosa que pensar con lo pensado, desearcon lo deseado, amar con lo amado, [...] ( LLEDÓ apud  

    COLOMER, 2001, p. 1)

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    Para Colomer, a literatura é a representação cultural do mundo e da experiência,além disso, tem a ver com a linguagem. No seu artigo (La enseñanza de la literaturacomo construcción de sentido 2001 p. 6-23) ela diz: “O texto literário como discurso é

    capaz de absorver todo tipo de forma de linguagem e de transformar as formas derealização lingüística habituais no mundo ordinário.”

    Sobre o leitor, Colomer afirma que a confrontação entre a diversidade de textosliterários oferece aos alunos a diversidade social e cultural ao mesmo tempo em que seiniciam nas grandes questões filosóficas abordadas ao longo do tempo.

    3.A ESCOLA, A LITERATURA, A LEITURA E O LEITOR 

    Entendemos que uma escola que se queira crítica, integradora e contemporâneaseja norteada também por um currículo integrado e acima de tudo humanista. Por isso,falamos nas dimensões do homem, mas do homem como um todo. E é no espaçoescolar que esta ação toma forma e direção.

    Vera Teixeira de Aguiar, Regina Zilberman e Ezequiel Theodoro da Silvatrazem pensamentos comuns sobre a literatura. “A literatura está ligada à escola”. Ecompletam “a literatura não é somente um objeto histórico, mas crítico e que deve serassociado ao ensino escolar”, mas advertem: “a literatura não é como um espelho ondeo indivíduo se espelha para formar” (ZILBERMAN e SILVA, 1990a, p.16)

    Uma outra concepção de literatura dos pensadores nos vem de modo duplo,

    eles se referem à literatura como um documento de seu tempo de modo lúdico e crítico;mas mostra-se sempre original não esgotando as possibilidades de criar, pois oimaginário empurra o artista à geração de formas e expressões inusitadas. Dúbia, aliteratura provoca no leitor um efeito também dúplice: aciona sua fantasia colocandofrente a frente dois imaginários e dois tipos de vivência interior, mas suscita um

     posicionamento intelectual, uma vez que o mundo representado no texto mesmoafastado no tempo ou diferenciado enquanto invenção produz uma modalidade dereconhecimento em quem lê. 

    Em certo sentido, a leitura revela outro ângulo educativo da literatura: “O textoartístico talvez não ensine nada nem se pretenda a isso, mas seu consumo induzalgumas práticas socializantes, que estimuladas mostram-se democráticas porqueigualitárias” (ZILBERMAN e SILVA, 1990c, p.19).

    Já a concepção de leitura que serve para conceituar a idéia que endossa estetrabalho vem de Aguiar (1988, p. 16) que assim atesta: “podemos definir a leitura comouma atividade de percepção e interpretação dos sinais gráficos que se sucedem de formaordenada guardando entre si relações de sentido”. Como vemos, a definição de Aguiar é

     bastante escolar e didática. Tanto que mais a frente a própria se repete: “A leitura não éum comportamento natural do ser humano, como comer ou dormir; ela é cultural e

     precisa ser adquirida, normalmente cabe à escola nossa introdução no mundo dasletras”.

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    4.LITERATURA E ENSINO

    Sobretudo, esse trabalho não será completo se não falarmos de Bredella.

    Bredella concebe que o estudo da literatura ofereça ao estudante uma oportunidade dealargamento do horizonte de experiência.

    Para que este não reaja com aversão medo e resistência àquilo que se lheapresenta como novo, desconhecido e estranho, o professor desta disciplina deve tomaralguns cuidados com sua prática. Determinar o âmbito da didática da literatura, qual é oseu objeto e quais as tarefas que lhe cabem são discussões que se desenrolam hoje emdia. Para tanto, poderá contar com uma plena concordância, uma concepção que entendea didática de uma disciplina como a integração de outras disciplinas específicas como asociologia, a psicologia e a pedagogia.

    O que o Bredella observa é que a didática do ensino da literatura deve nortear-se

     por princípios de uma didática de integração. Na prática este pensamento de Bredella écolocado assim: a disciplina em causa trata do objeto, a psicologia e a sociologiaestudam o aluno e a sociedade e a pedagogia estabelece e fundamenta os objetivosgerais da educação de forma a organizar os processos de aprendizagem. Desta forma,todas as decisões no âmbito da didática de uma disciplina deverão atender sempre aodiscente, ao objeto a transmitir e ao objetivo que se pretende alcançar.

    Aqui, torna-se mais uma vez visível que a didática da literatura não se podecontentar com um conhecimento reduzido do objeto e que, em primeira instância, sedeverá ocupar do aluno.

    Uma outra discussão apresentada por Bredella é sobre o ensino tradicional da

    literatura e o ensino voltado para a emancipação. A crítica sobre o ensino tradicionalestá no fato de ele não refletir o seu significado sóciopolítico e de se orientar pelaciência da literatura e pelos critérios desta, válidos apenas para uma literatura de carátermuito restrito e elitista, ao mesmo tempo de pouco efeito e pouco motivador sobre ascrianças das camadas mais baixas. Esse fato também é comprovado por nossa pesquisa.As crianças das escolas periféricas foram as que atingiram o menor nível de leituracompreensiva por ser o ensino em grande parte livresco e tratado de modo tradicional.

    Por outro lado, uma educação literária que se preocupe com uma análise dasociedade contemporânea e das tendências que lhe são imanentes, para depois, com basenesses dados definir a tarefa que cabe ao sistema educativo em geral, e à educação

    literária em particular, que se preocupe em abolir preconceitos e privilégios e emconcretizar a justiça e a igualdade de oportunidade seria por demais desejada, e possívelde deduzir como deverá ser o ensino de literatura .

    E sobre a formação do professor? Obter o conhecimento científico do objeto e da prática pedagógica norteadora de seu trabalho é imprescindível. Como afirma Bredella(1989) “A didática da literatura como teoria da educação e da formação literária temcomo missão tornar conscientes todas as concepções, princípios e normas, de quequalquer  práxis  sempre exigiu socorrer-se”. Ou seja, todo professor além de terconhecimento sobre as conseqüências promovidas por um ensino tradicional ouemancipatório deve também conhecer várias concepções de seu objeto de trabalho. Deacordo com sua concepção tomada será sua prática. Esta contribuição vem de Aguiar eBordini (1988) “Se o professor está comprometido com uma proposta transformadora

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    de educação, ele encontra no material literário o recurso mais favorável à consecução deseus objetivos”

    O papel da escola é decisivo na formação do leitor. As pesquisas têm mostradoque “em toda parte, os estudantes são sem dúvida, leitores mais assíduos quanto mais

     permanecem na escola” (Barker & Escarpit, 1975,p.122). Para que haja umacontinuidade do comportamento positivo em relação ao livro, é preciso que o hábito deler não seja apenas um padrão rotineiro de resposta, automaticamente provocado erealizado. A busca freqüente da literatura precisa surgir de uma atitude consciente, dadisposição de enfrentar o desafio que o texto oferece como nova alternativa existencial.Para Lins: “muitos alunos têm nos livros escolares sua única ração para a literatura, e oúnico meio de chegar a conclusões sobre o que são as letras e os escritores”. (1977,

     p.35).

     Na verdade entre argumentos e contra-argumentos dos textos que tratam datemática literatura e ensino, uma inferência “cai como uma luva”: uma educação

    literária orientada para a emancipação seria o nosso desejo e o desfecho para toda a problemática que perturbam Bredella e todo professor de literatura engajado na luta.

    5.SALA DE AULA: O ENCONTRO ENTRE DOIS LEITORES DE FORMAÇÃOPRECÁRIA, O PROFESSOR E O ALUNO3 

     No tópico anterior falamos de literatura e ensino. Antes de tudo é necessário queo professor conheça as correntes pedagógicas que nortearam o ensino no passado enorteiam no presente, tomar também o conhecimento das várias concepções filosóficas

    que pulverizam o ensino da disciplina em questão, observar que sua teoria contempleum currículo integrador que atenda o aluno em todas as dimensões humanas. Nestetópico falaremos da questão da leitura e sala de aula.

    Fala-se já há algum tempo na crise do ensino da literatura, acusação genérica queno Brasil, pode ser interpretada de várias maneiras. Numa acepção ampla, significa faltade leitura: recriminam-se os alunos por não gostarem de ler. Por outro lado denuncia-sea falta de eficiência do professor de literatura. Um dos sintomas da crise do ensino daliteratura é a falta de leitura por parte dos estudantes, paradoxalmente compete hoje aoensino da literatura a responsabilidade pela formação do leitor. Sobre a formação doleitor as primeiras palavras nos vêm de Zilberman (1990, p. 18): “A execução dessa

    tarefa depende de se conceber a leitura não como o resultado satisfatório do processo dealfabetização e decodificação de uma matéria escrita, mas como atividade propiciadorade uma experiência única com o texto literário”.

    Todavia, as sociedades gradualmente se dividem em segmentos cultos e incultos,tomando como critério distintivo o domínio do código lingüístico escrito. Do ponto devista histórico, a situação de desigualdade entre elementos alfabetizados e analfabetos

     produziu uma relação de domínio dos primeiros sobre os segundos e assim seacrescentou todas as outras formas de domínio.

    Mas como já dissemos, principalmente ao mundo de hoje não bastaapenas ter o domínio, é preciso dominar também o sentido do código, o que envolve

    outras pertinências como contexto social e histórico, visão de mundo e outros aparatos.

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    Todos os textos favorecem à descoberta de sentidos, mas são os literários que fazem demodo mais abrangente. Enquanto os textos informativos atêm-se aos fatos

     particulares, a literatura dá conta da totalidade do real, pois, representando o particular,logra atingir uma significação mais ampla. Segundo Aguiar e Bordini (1988a, p.14) “A

    linguagem literária extrai dos processos histórico político-sociais nela representadosuma visão típica da existência humana”. Isso confere não apenas sobre o fato o qual seescreve, mas às formas de o homem pensar e sentir esse fato que o identificam comooutros homens de tempos e lugares diversos.

    A atividade do leitor de literatura se exprime pela reconstrução a partir dalinguagem, de todo universo simbólico que as palavras encerram e pela concretizaçãodesse universo com base nas vivências pessoais do sujeito.

    Leitor é aquele que diante da plurissignificação de um texto vai adiante na tarefado deciframento dos sentidos organizados através de um delimitado corpo esquemáticooferecido pela obra. Esta é uma das definições de leitor hoje. Todavia não somente.

    Leitor é também aquele que reconhece os sentidos do texto operado pelo deciframentodos signos que foram codificados e que sabe prover o prazer da leitura, uma vez que elamobiliza mais intensa e inteiramente a consciência sem obrigá-lo a manter-se nasamarras do cotidiano. Entretanto, esse tipo de leitor tão solicitado ainda aparece em

     pequena escala nas estatísticas, e mais escassa ainda em nossas salas de aula.

    A compreensão de sentidos do professor não vai muito além da compreensão doaluno a não ser pela sua experiência de mundo. Na verdade, nós professores somosmuito mais leitores de mundo do que leitores de livros. Quando se fala em leitura delivro, o livro que mais orienta o professor em seu trabalho é o livro didático, por não terconhecimento o suficiente para produzir outros materiais ou por insuficiência de tempo

     para pesquisa.A capacidade de eficiência de leitura do professor e a incapacidade de

    compreensão do aluno geram mais conflitos do que edificação para novos atos deaprendizagem e a insatisfação é absoluta.

    Porém, quais os meios de romper as barreiras e o senso comum? A pesquisa e oestudo. Nós, professores ainda temos uma visão equivocada sobre a teoria e,conseqüentemente a prática, pela pesquisa que realizamos, observamos que oitenta porcento dos pesquisados foram incapazes de elaborar um conceito de leitura/literatura eleitor. Todos copiaram de livros ou manuais as respostas sem se dar conta que no dia-a-dia isso tem que ser trabalhado com o aluno. Na questão referente aos livros que havia

    lido nos últimos doze meses o resultado é mais assustador. Noventa por cento leu de uma três livros da literatura clássica e por que precisavam trabalhar o livro com o aluno.Apenas um por cento dos professores pesquisados leu o livro por deleite o que completaa definição de leitor. Atos e omissões que justificam a crise da leitura, da formação do

     professor X formação de leitor do aluno.

    Ao propor estudarmos o ensino de literatura e conseqüentemente o nível decompreensão de leitura dos alunos do município em questão, não nos preparamos paratamanha surpresa. A decisão por uma coleta de dados grande foi na intenção de obterum diagnóstico o mais real possível. A pesquisa seguiu uma tentativa de aplicação dométodo recepcional da Escola de Constança. Dizemos uma tentativa, porque aorealizarmos o trabalho percebemos que ao lado do novo os alunos se mostraramabsorvidos pelos métodos usados nos livros didáticos.

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    Sobre o método recepcional maior esclarecimento nos apresenta Aguiar eBordini apoiadas em Ingarden e Vodicka. Para Ingardem “o exame do modo de ser daobra literária descobre que ela é uma estrutura lingüística-imaginária, permeada de

     pontos de indeterminação e de esquemas potenciais de impressões sensoriais, os quais,

    no ato de criação ou da leitura, são preenchidos e atualizados, transformando o que eratrabalho científico do criador em objeto estético do leitor” (INGARDEN, 1973, apudAGUIAR e BORDINI, 1988b, p.82).

    Para Vodcka, “a obra é um signo estético dirigida ao leitor, que exige areconstituição histórica da sensibilidade do público para entender-se como ela seconcretiza”. (ct. VODICKA, 1978:299-300 apud AGUIAR e BORDINI, 1988c, p.12).

    O quadro de referências que permite a comunicação entre dois parceiros sociaisé constituído pelas indicações e perguntas que cada falante faz a seu interlocutor paraassegurar-se de que está controlando a fluência comunicativa. Com a obra e o leitor issonão é possível, uma vez que a obra fornece pistas a serem seguidas pelo leitor, mas

    deixa muitos espaços em branco, que o leitor não encontra orientação e precisamobilizar seu imaginário.

    Dadas as explicações necessárias, consideramos de primeiro momento que seriaeste leitor que esperávamos encontrar: o leitor que seria capaz de levantar um horizontede expectativas a respeito do texto e preencher os espaços em branco. Uma folhacontendo um texto literário da escritora Ana Maria Machado, com o título “A Galinhaque criava um ratinho”, foi entregue para cada aluno. O pesquisador explicou o objetivoda pesquisa, a importância da leitura nos dias de hoje, o papel do texto literário. Após,contextualizou o texto e explicou o trabalho. Cada aluno leu silenciosamente e, após,elaborou de quatro a cinco questões referentes ao texto. Essas perguntas foram

    classificadas como: pergunta onde o aluno acionou os processos mentais, para verificara presença ou ausência de informação no conjunto de conhecimentos. Perguntas quefazem com que o aluno integre novos conhecimentos a esse conjunto e a perguntalinear. Terzi (1990, p.118) considera essas perguntas como: pergunta avaliação, didáticae livresca. Os alunos apenas registraram os questionamentos, e não respostas.

    Para o resultado, foi contado o total de perguntas elaboradas pela turma noconjunto. Depois, verificou-se a classificação das questões de acordo com que já foiexplanado. Ao final, realizou-se o cômputo da percentagem entre o todo de cadaturma/escola e a parte considerada de leitura compreensiva. Foi elaborado ummapeamento por escola contendo o número de alunos participantes, o número dequestões elaboradas por turma, o número de questões consideradas que atenderam àexpectativa de leitura entrando no texto, preenchendo os vazios numa atitude dialógica.O nível de leitura encontrado no município como um todo foi bastante variável, sendode 2,5 a 42,65%, chegando a 68,57% numa escola particular.

    Dos professores boa parte não possui especialização na área. As concepções deformação do leitor foram copiadas dos PCNs ou do Currículo Básico do Paraná. Um

     professor parafraseou a definição de leitura do dicionário. Quanto às práticas de leitor,resumem-se em dois ou três livros por ano e algumas revistas, lêem para trabalhar comos alunos. Apenas uma professora disse que lê por deleite.

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    6.CONSIDERAÇÕES FINAIS

    O professor de literatura ensina mal porque tem má formação. Essa seria quase

    uma premissa se não fossem algumas exceções. Pela pesquisa realizada nesse municípiodo Oeste paranaense observamos que o baixo nível de leitura dos professores reflete nonível de leitura dos alunos. Agregam-se a esse fato outras implicações que contribuem

     para o diagnóstico encontrado. Podemos citar a distribuição de disciplinas na gradecurricular, bibliotecas desprovidas de materiais de leitura, ausência de programa decapacitação para professores, falta de inspiração para aprender entre professor e aluno.

     Na grade curricular das escolas públicas do ensino médio no município pesquisado, a disciplina literatura aparece inserida na disciplina de língua portuguesa ecabe ao professor a responsabilidade de conjugar o ensino da leitura/literatura com oensino de gramática e produção textual. Como em geral os alunos vêm muito fracos deescrita e o professor desta modalidade sente-se no dever de sistematizar a gramática,torna-se uma opção o trabalho com esses dois tópicos e a leitura literária termina porficar num segundo plano.

    Outro fator desesperador são as bibliotecas das escolas públicas. Estão cheias delivros ultrapassados, revistas e jornais que recebem de doações da comunidade, mastotalmente desprovidos de material literário, a maioria não tem sequer um livro paracada aluno, enquanto uma turma lê a outra espera ou lê jornal e revistas também velhos.

    Ademais, são livros todos variados sem repetir os volumes o que impossibilitaum trabalho sistematizado pelo professor. Na prática o professor tem trinta e cincoalunos na sala e trinta e cinco livros sendo lidos. Como um professor que lê de um a três

    livros por ano, vai dar conta de ler e conhecer os trinta e cinco que estão sendo lidos acada vinte e dois dias, um mês ou um bimestre? O aluno faz de conta que lê e o professor pensa que trabalha, lendo resumos que em grande parte, de comum, nessetrabalho são apenas os nomes das personagens, quanto a história o aluno inventa outra eo professor confia que ele eu.

    Por outro lado, toda essa falta de instrumentalização para o trabalho vem da faltade um programa de capacitação atuante no município. Reclama-se que com os duzentosdias letivos não sobra espaço no calendário para cursos. De outra forma como preverdias de estudos se falta material humano para fomentar este estudo com conhecimento e

     bibliografias atualizadas? Para tudo se há uma explicação, para tudo se há uma respostaenquanto a situação de sala de aula passa pelo descaso de todos. E, por último falta

    inspiração para aprender tanto do aluno quanto do professor. Apesar de quase sempreser ressaltado apenas o lado do aluno e da família. Dos professores pesquisados,cinqüenta por cento possuem especialização fora da disciplina de atuação.

    Sobre os encaminhamentos dados para a aula de leitura, os professores citaram:motivação sobre o texto a ser lido para seduzir o aluno, discussão sobre o tema do textoe confronto com a realidade, contextualização do texto, autor e época, despertar acuriosidade do aluno. Parece-nos que estas atividades trabalhadas efetivamente sãointeressantes e pertinentes à aula de leitura. O que nos pareceu difícil aos professores

     pesquisados foi dar seqüência ao trabalho mantendo o aluno entusiasmado para darseguimento, proporcionar oportunidades de rever a leitura outras vezes com cada leitor,

     propiciar o que Cosson (2006) chama de “intervalo de leitura.” Da mesma forma, se

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    mostraram frágeis quanto às atividades posteriores. O que podemos inferir é que para o professor está claro somente a fase inicial, o que fazer durante e depois da leitura aindacarece de metodologias e estratégias.

    Do exposto, concluímos que o ensino de literatura, a formação do professor e,conseqüentemente, o nível de leitura no município pesquisado é relativamente baixo.

     Novos rumos calcados em estudos do objeto de ensino, em metodologias, em correntesfilosóficas são urgentes. Esperamos que esta pesquisa contribua para a tomada deconsciência que possa buscar um nível de instrução melhor tanto para o professorquanto para o aluno, e assim, podermos vislumbrar um futuro melhor e comprometidoscom uma escola emancipadora.

    Palavras-chave: Literatura – Ensino – Formação do professor.

    NOTAS:1Mestranda em Letras – PLE. Universidade Estadual de Maringá.2A criação de uma linguagem interior de que emerge a literatura, a consolidação de umaestrutura mental, do pensamento abstrato que é essencialmente linguagem, a luta por recriarcontinuamente em torno dos princípios de verdade, justiça, liberdade, beleza, generosidade, tudoisso marca o caminho do progresso e da convivência. E isto é, por sua vez, cultivo e cultura das

     palavras, revisão do imenso legado escrito, que não é outra coisa que pensar com o passado,desejar com o desejado, amar com o amado, [...]. (tradução livre).3ZILBERMAN, Regina. A leitura e o ensino da literatura, São Paulo, p. 127, 1991.

    REFERÊNCIAS

    BARKER, Ronald E. & Escarpit, Robert. A fome de ler . Rio de Janeiro, FundaçãoGetúlio Vargas/MEC, 1975. p. 122.

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     _______________. O direito à literatura. In: vários escritos.3. ed., Revista Ampliada.São Paulo: Duas Cidades, 1995.

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    COSSON, Rildo.  Letramento literário: teoria e prática, São Paulo, p.46, 2006.

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    Kretschemer. São Paulo: ed. 34, 1996.JAUSS, Hans Robert. A história da literatura como provocação à teoria literária. Trad.De Sérgio Telarolli. São Paulo: Ática, 1994.

    LINS, Osman.  Do ideal e da glória. Problemas Inculturais Brasileiros. São Paulo,Summus Editorial, 1978.

    TERZI, S, B.  A interação em sala de aula e sua influência no esquema de perguntas erespostas das crianças. Campinas, nº 16, p.115-125, jul/dezembro. 1990.

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