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  • OS ECONOMISTAS E AS INTER-RELAES ENTRE O SISTEMA ECONMICO E O MEIO-AMBIENTE

    Charles C. Mueller

    NEPAMA Departamento de Economia UnB

    (Abril de 2004)

    (Este volume o resultado de um intenso esforo de pesquisa e reflexo pelo autor, tornado possvel, em parte, pelos recursos do Programa Pronex, do NEPAMA, ECO-UnB).

  • RESUMO Este volume focaliza as duas principais variantes da economia do meio-ambiente,

    uma disciplina que apenas recentemente se estabeleceu como ramo da economia. Antes a anlise econmica implicitamente considerava a economia um sistema auto contido; a nova disciplina, entretanto, passou a focalizar a economia como um sistema inserido no meio-ambiente, com o qual se inter-relaciona ativamente.

    A economia do meio-ambiente se apresenta hoje basicamente em duas principais

    vertentes: a da economia ambiental neoclssica, e da economia ecolgica. A grande diferena entre as duas est nas hipteses ambientais de cada uma: a economia ambiental neoclssica considera o meio-ambiente essencialmente benigno e volta suas atenes aos efeitos de impactos ambientais causados pelo sistema econmico em termos de bem-estar dos indivduos em sociedade. No nega que tais impactos causam danos ao meio-ambiente, com repercusses negativas sociedade humana; mas considera que esses danos podem ser revertidos sem maiores problemas, desde que se adotem medidas de estmulo de mercado para a remoo dos fatores que os causaram.

    A economia ecolgica, entretanto, rejeita essa postura; para essa corrente, no

    ilimitada a capacidade do meio-ambiente de absorver os impactos do sistema econmico. Ela trata o sistema econmico como um ser vivo, que intercambia energia e matria com seu meio externo; e considera que, atualmente, a escala do sistema econmico, e natureza de seus impactos so tais que se sua expanso continuar nos moldes recentes, a resilincia do meio-ambiente poder ser seriamente afetada, com conseqncias potencialmente catastrficas.

    O livro faz uma avaliao crtica abrangente dessas duas vertentes da economia do

    meio-ambiente.

  • PARTE I. A ECONOMIA E A QUESTO AMBIENTAL

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    Captulo 1 Crescimento, desenvolvimento e meio-ambiente

    Conforme j se mencionou, parcela importante do presente manual est voltado ao

    exame das duas principais correntes de pensamento da economia ambiental, ressaltando tanto as principais contribuies como os pontos fracos de cada uma delas. Entretanto, para que se tenha uma compreenso mais precisa da essncia dos fenmenos que essas correntes de pensamento tratam, este captulo apresenta um exame das questes e controvrsias que esto na origem da economia do meio-ambiente. Em essncia, as mesmas tm a ver com os impactos sobre o meio-ambiente de um crescimento contnuo da escala da economia mundial. A populao humana e a produo material vm se expandindo, levando, de um lado, a um aumento continuado da extrao de recursos naturais do meio-ambiente, e produzindo, do outro lado, volumes cada vez maiores de emanaes de resduos e rejeitos para o meio-ambiente, muitos de elevado potencial nocivo. A questo que se coloca : ser que no existem limites para essa expanso? Ser que a economia mundial pode continuar a se expandir indefinidamente sem provocar srias repercusses ambientais?

    Associado s avaliaes a respeito dessas questes est o enorme desafio de desenhar

    estruturas institucionais e aparatos de polticas que possam reduzir os impactos ambientais mais nocivos tanto os que ocorrem em nvel local como os impactos globais decorrentes da expanso das atividades humanas. Para enfrentar com sucesso a esse desafio, desejvel que se forme um consenso a respeito dos problemas ambientais que mais preocupam, e sobre a natureza dos instrumentos a serem usados para resolv-los ou ameniz-los. Entretanto, esse consenso est longe de ser alcanado. Como veremos, h formas diferentes de ver essas questes e sugestes distintas de estratgias e polticas para enfrent-las. Esses distintos pontos de vista no se restringem anlise econmica, mas eles tm impactos importantes sobre a evoluo de corrente de pensamento da economia do meio-ambiente.

    Para que se possa melhor avaliar a situao, bem como para estabelecer uma base factual

    para o estudo da economia do meio-ambiente, julgamos, pois, necessria a presente discusso introdutria. Ela forma o pano de fundo para o estudo das principais contribuies, e das maiores deficincias das principais correntes de pensamento da economia do meio-ambiente. 1. A escala da economia, o estilo de desenvolvimento e o meio-ambiente 1.1. A escala da economia e o meio-ambiente

    Comeamos fazendo uma analogia biolgica: consideramos a sociedade humana um organismo vivo, complexo e multifacetado que, como todo ser vivo, retira energia e matria de alta qualidade de seu meio externo o meio-ambiente , as emprega para se manter, crescer, evoluir, e as devolve a esse meio externo degradados, na forma de energia dissipada, resduos e dejetos ou seja, de poluio. Desde o momento em que, nos primrdios dos tempos, o homem se organizou em sociedade, esse fluxo de matria e energia est na base do funcionamento da economia humana semelhantemente, alis, ao que acontece com todo o ser vivo. Mas, por muitos milnios isso ocorreu sem maiores problemas; h registros histricos, num mbito geogrfico localizado, de esgotamento de recursos naturais bsicos, com dificuldades para um determinado pas ou grupo social. Tambm h registros de poluio e de degradao ambiental intensas, mas tambm em um domnio muito localizado.1

    1 Isso ocorreu, por exemplo, nas cidades industriais inglesas nos sculos XVIII e XIX.

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    Depois da Segunda Guerra Mundial, entretanto, esses problemas comearam a ser

    sentidos com uma intensidade e uma amplitude cada vez maiores. Recentemente a economia mundial atingiu escala suficientemente elevada para fazer com que o ritmo de extrao de recursos naturais e o de emanaes de rejeitos, de poluio, se tornassem fonte de crescente preocupao. Na dcada de 1970 a preocupao mais intensa residia na possvel escassez de recursos energticos; hoje a preocupam mais os possveis impactos de poluio global que se acumula, especialmente a que vem originando o efeito-estufa as mudanas climticas geradas por acmulo crescente de dixido de carbono e outros gases na atmosfera. Alm disso, em nvel localizado, a poluio e a emanao e acmulo de dejetos so motivos de aes defensivas em quase todos os pases, envolvendo esforos e recursos econmicos e financeiros cada vez maiores. Essa evoluo est associada expanso recente do sistema econmico global. A partir da dcada de 1950 essa expanso se acentuou consideravelmente, exigindo quantidades crescentes de recursos naturais e gerando volumes cada vez maiores de emanaes ao meio-ambiente de rejeitos nocivos. A atual preocupao com os impactos ambientais causados pela sociedade humana resulta, pois, da escala elevada da economia mundial dos nossos dias. Enquanto esta era reduzida, os impactos globais da atividade econmica eram pequenos e localizados; com sua ampliao, esses impactos aumentaram significativamente.

    Em termos muito gerais, a escala (o tamanho, a dimenso) da economia global tem dois componentes bsicos: a magnitude da populao humana; e o nvel de renda per capita mdio ou melhor, o nvel da produo material por habitante. E esses dois componentes tm fortes relaes com a questo ambiental. Com efeito, por mais pobre que seja uma sociedade, se a sua populao cresce a uma taxa elevada, aumenta o nmero de pessoas que requerem alimentos e um mnimo de bens e servios; aumentam os requerimentos de espao para abrigar e alimentar essas pessoas; e se ampliam as emisses de resduos, de rejeitos. Aumenta, pois, sua escala. A degradao ambiental de pases pobres superpovoados e de elevado dinamismo demogrfico tende a ser qualitativamente diferente da que ocorre nos pases ricos, mas ela existe e preocupante. Inclui, por exemplo, o lixo que se acumula prximo a residncias e os dejetos humanos no recolhidos e tratados; a poeira nos aglomerados urbanos; a fumaa da queima de lenha e esterco dentro das residncias; a destruio dos solos e das florestas associados ocupao de terras, a eroso e a degradao das guas causadas por populaes de regies de elevada densidade demogrfica e de taxas elevadas de crescimento populacional. Por sua vez, mesmo que tenha populao estvel (uma populao que no cresce), um pas cuja renda per capita se expande acentuadamente usa quantidades crescentes de recursos naturais e gera emanaes de rejeitos, de poluio, cada vez maiores. Via de regra, o aumento da renda per capita est associado a uma produo material cada vez maior. E, para que esta ocorra, tornam-se necessrios cada vez mais recursos naturais. Ademais, os processos de produo e de consumo em expanso, trazem consigo poluio e degradao ambiental crescentes. A cincia e a tecnologia podem amenizar a situao, mas as leis da natureza impedem com que sejam eliminados esses efeitos da expanso da produo material. Em nvel global, portanto, os dois elementos da equao a expanso da populao e o crescimento da renda per capita vm resultando em uma escala cada vez maior do sistema econmico, com impactos ambientais negativos, que se tornaram altamente preocupantes. Algebricamente, podemos escrever:

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    Y = Y/P x P ; e, (1)

    DA = (Y) (2), onde Y o produto real total (o Produto Interno Bruto real) da economia em um dado perodo (digamos um ano), tomado como indicador da escala da sua produo material no perodo; P representa a populao da economia naquele momento do tempo; e DA, a degradao ambiental que se observa ento. A primeira equao que, na verdade, uma tautologia diz que o produto real total em um dado perodo igual renda per capita da economia no perodo, multiplicada por sua populao. Em essncia, essa representao ressalta os dois grandes elementos determinantes da escala. Por sua vez, a equao (2) afirma que a degradao ambiental uma funo da escala da produo material da economia. importante ressaltar que no h uma relao fixa e estvel entre Y e DA. Essa relao pode ser diferente entre pases e, dentro de um mesmo pas, pode variar ao longo do tempo. A configurao da funo (Y) depende da composio da produo e da tecnologia adotada na produo. Existem pases com estruturas de demanda que requerem produtos cuja manufatura envolve mais recursos naturais, geram mais poluio e, alm disso, produzem mais lixo na etapa do consumo. E, para um determinado nvel de produto real, existem tecnologias de produo que so mais eficientes na converso de materiais bsicos (recursos naturais) em produtos, e que causam menos poluio que outras. Assim, para um pas em um dado momento, a relao (Y) vai depender da composio da produo que a sociedade demanda, e da tecnologia adotada para gerar essa produo.

    A figura abaixo ilustra a relao. Ali se v que a composio da produo e o grau de limpeza das tecnologias usadas na produo determinam a natureza da ligao entre a escala da produo e a degradao ambiental. Dependendo desses dois elementos, uma mesma escala determina uma maior ou menor degradao ambiental. E, alterando a composio da produo e o grau de limpeza das tecnologias usadas, as polticas econmica e ambiental podem, at certo ponto, modificar os impactos de uma dada escala de produo. Escala da Grau de economia Composio limpeza Degradao da das tecnolo- ambiental (Y=Y/P . P) produo gias usadas (DA) Tomando a economia do globo terrestre como um todo, no vlido afirmar que existe uma relao linear e estvel entre a degradao ambiental, DA e a escala Y da produo material. de se esperar que a DA cresa com Y, mas possvel que essa expanso ocorra a taxas decrescentes. Em outros termos se, com o crescimento da economia global, houver transformaes na estrutura da demanda no sentido de bens que usem menos recursos naturais escassos e que podem ser produzidos com menores emanaes, com menos poluio; e se, ao mesmo tempo, a produo em expanso envolver o emprego crescente de tecnologias que poupam recursos naturais escassos, ser possvel continuar ampliando a produo (e o padro de vida da populao) com incrementos moderados na degradao ambiental. Entretanto, tambm pode ocorrer o contrrio; a demanda em expanso pode privilegiar produtos intensivos em recursos naturais escassos e as tecnologias podem no evoluir no sentido de uma produo com

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    menor degradao ambiental por unidade de produto. Nesse caso, os impactos do crescimento da produo sobre DA podero vir a ser dramticos.

    A tentao a de afirmar que, dos dois cenrios esboados no pargrafo anterior, o primeiro o mais plausvel. Entretanto, ao contrrio do que parecem crer alguns economistas, no h nenhuma lei, natural ou da economia, que nos garanta que isso acontea. H mesmo quem suspeite que o contrrio vem ocorrendo.

    No aleatria, entretanto, a relao entre a escala da economia e a degradao ambiental. Os diversos fatores que estabelecem essa relao so, em grande parte, determinados pelo estilo de desenvolvimento da economia. Certos estilos de desenvolvimento fazem com que uma mesma escala produza maiores impactos ambientais negativos em alguns pases do que em outros. Essa questo examinada a seguir. 1.2. Estilos de desenvolvimento e meio-ambiente

    O ponto que se deseja enfatizar que o padro de degradao ambiental de cada pas fortemente afetado por seu estilo de desenvolvimento.2 E, em larga medida, o estilo de desenvolvimento de uma sociedade resulta da forma como a renda apropriada pelos seus diferentes segmentos. Essa apropriao afeta a estrutura da demanda e, portanto, se reflete na composio da produo levada a efeito para atender a essa demanda. Influenciando na configurao da estrutura produtiva do pas, a estrutura de demanda , pois, fator na determinao das caractersticas das tecnologias empregadas, das intensidades de uso de fatores de produo como a mo-de-obra e o capital; e tambm afeta a intensidade e os tipos de recursos naturais empregados na produo e a natureza e intensidade de resduos, rejeitos e poluio que so gerados.

    Uma melhor compreenso de como o estilo de desenvolvimento se reflete no meio-

    ambiente requer, pois, que se esclaream elementos das caixas da relao, acima, entre a escala da economia e o meio-ambiente. Isso feito na Figura 1, abaixo; vemos ali o sistema econmico inserido em um meio externo, com o qual interage. Uma vez que a sociedade estabelea quem demanda e o que demandado (ou seja, que os bens e servios os diferentes grupos sociais requerem), a economia tem como principal funo a de organizar atividades e alocar recursos para a produo dos bens e servios demandados. Estabelecem-se, assim, como se produz (com que tecnologias), a partir de que recursos bsicos se produz, e onde se localiza a produo.

    Os elementos que influenciam a configurao de quem (quais os grupos da sociedade)

    tem mais ou menos fora nos mercados e o que demandado por esses grupos, so denominados fatores dinmicos do estilo de desenvolvimento. Esses fatores incluem a renda per capita; a distribuio da riqueza, da renda e das oportunidades; a estrutura de gostos e preferncias dos que tem mais renda para sustentar demandas; e os hbitos e preferncias importados do exterior (importante na atual era da globalizao).

    Como se pode ver na Figura 1, as caractersticas do sistema produtivo da economia so

    determinadas pela natureza dos produtos que a sociedade demanda, pelas tecnologias disponveis, pela estrutura empresarial, por fatores de ordem espacial, e (com muito peso na era

    2 Para uma discusso do conceito de "estilo de desenvolvimento" e sua relao com o meio ambiente, ver Sunkel, 1980.

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    da globalizao), por influncias internacionais. Todos estes configuram os fatores estruturais do estilo de desenvolvimento.

    FIGURA 1. INTE-RELAES ENTRE O SISTEMA ECONMICO E O MEIO-

    AMBIENTE RECURSOS ESTADO NATURAIS GERAL COMO DO MEIO INSUMOS AMBIENTE Rejeitos Rejeitos MEIO-AMBIENTE Degradao Degradao SISTEMA ECONMICO

    Produo Consumo Reciclagem Como se produz Quem demanda Onde ocorre a produo O que se demanda A partir de que se produz FATORES ESTRUTURAIS FATORES DINMICOS Tipos de produtos gerados Renda per capita Tecnologias Distribuio de renda, de Fatores espaciais riqueza e de oportunidades Estrutura empresarial Gostos e preferncias Fatores e influncias inter- Importao de nacionais. hbitos de consumo. POLTICAS

    Se, num primeiro momento, os elementos estruturais do estilo de desenvolvimento so

    determinados pelos fatores dinmicos, estes por sua vez, acabam sendo afetados pelos elementos estruturais. Do sistema produtivo emanam no apenas os bens e servios demandados, mas tambm renda, que apropriada por diferentes segmentos da sociedade. Assim, no longo prazo, a conformao e mudanas na estrutura produtiva podem alterar a distribuio de renda e da riqueza da economia, modificando os seus fatores dinmicos.

    Observa-se, ademais, que polticas pblicas podem afetar, tanto os fatores dinmicos (alterando, por exemplo, a distribuio da renda), como os fatores estruturais (por exemplo, facilitando a importao de tecnologias, ou abrindo a economia para o exterior).

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    A Figura 1 representa o sistema econmico em um dado momento. Como j se indicou, porm, ao longo do tempo a situao tende a se modificar. O funcionamento do sistema produtivo pode, por exemplo, alterar a distribuio de renda, afetando os montantes demandados e a composio da demanda; e essas mudanas requerem ajustes na estrutura produtiva. As polticas pblicas tambm atuam ao longo do tempo, provocando alteraes, tanto nos fatores dinmicos como nos estruturais. Entretanto, exceto em caso de alterao radical na estrutura da sociedade (por exemplo, a provocada por uma revoluo), as mudanas, tanto do lado dos fatores dinmicos como no dos fatores estruturais tendem a ser lentas, graduais. Em suma, o sistema econmico considerado um organismo vivo e complexo no atua em isolamento. Ele interage com o meio-ambiente, do qual extrai recursos naturais fundamentais, e no qual despeja dejetos. Alm disso, o sistema econmico funciona num espao geogrfico; e suas incurses nesse espao tendem a alter-lo consideravelmente. A economia afeta, pois, o estado geral do meio-ambiente. O estilo de desenvolvimento tem, assim, muito a ver com os impactos ambientais emanados do sistema econmico. Determinando as quantidades e os tipos de bens e servios a serem produzidos e consumidos, bem como a organizao da produo e as tecnologias que esta emprega, afeta, tanto a extrao de recursos energticos e naturais do meio-ambiente, como as emanaes de resduos para o meio-ambiente e as incurses sobre o espao. , assim, um fator importante na determinao da degradao que o sistema econmico impe sobre o meio-ambiente.

    Em termos da relao (2), acima, o estilo de desenvolvimento fundamental no estabelecimento dos impactos de um dado nvel de Y (produto real) sobre o meio-ambiente. Pases com um mesmo nvel de Y em um dado ano, vo exibir impactos ambientais distintos, dependendo dos respectivos estilos de desenvolvimento. Diferentes estilos de desenvolvimento geram padres de consumo e estruturas produtivas distintos e, portanto, impactos ambientais diferentes. A distribuio de renda molda a demanda, o padro de consumo, a estrutura produtiva e natureza dos resduos lanados no meio-ambiente. Alm disso, determina, em larga medida, as carncias que os segmentos mais pobres da sociedade experimentam, e que tambm produzem considerveis impactos ambientais e sociais.

    O meio-ambiente, por sua vez, possui certa resilincia, ou seja, certa capacidade de se auto-regenerar das agresses do sistema econmico. Entretanto, essa resilincia tem limites. Uma agresso muito forte pode produzir mudanas drsticas no meio-ambiente, afetando a sua resilincia. E o comprometimento da resilincia do meio-ambiente pode provocar situaes irreversveis, com efeitos dramticos sobre o prprio funcionamento do sistema econmico. o que acontece, por exemplo, em nvel de ecossistemas que experimentam o processo de desertificao causada pela ao humana.

    Os limites da resilincia do meio-ambiente so uma questo que a economia do meio-

    ambiente deveria priorizar; mas, como veremos, a escola de pensamento dominante a economia ambiental neoclssica tende a exibir forte otimismo a esse respeito, e focaliza, quase exclusivamente, aspectos do funcionamento do sistema econmico. A economia ecolgica a outra corrente de pensamento focalizada enfatiza esses aspectos Essa questo examinada em maior profundidade em outros captulos deste volume.

    Voltando relao entre a escala da economia e o meio-ambiente, vimos que, dado o seu estilo de desenvolvimento, a evoluo da degradao ambiental gerada por uma sociedade vai depender da dinmica dos dois componentes da escala da economia (Y): a da sua populao (P),

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    e a da sua produo (material) per capita (Y/P). A seguir, esboam-se as tendncias recentes das dinmicas desses dois componentes da escala da economia. 2. A dinmica demogrfica O nmero de pessoas que, em um dado momento no tempo, habitam o globo terrestre fator fundamental na determinao dos impactos da sociedade humana sobre o meio-ambiente. Mais importante, porm, so a taxa de crescimento dessa populao, e a distribuio geogrfica de tal crescimento. Essas questes so examinadas na presente seo; para tal, so focalizados as estimativas e projees demogrficas da Diviso de Populao das Naes Unidas, resumidas na Tabela 1 adiante. Tabela 1. Populao Estimada e Projetada para o Mundo, para Grupos de Pases em Classificados em Termos de Grau de Desenvolvimento, e de Grandes reas Geogrficas, 1950 e 2000 (populao estimada), e 2050 (populao projetada). Taxas Mdias Anuais de Crescimento, 1950-2000 e 2000-2050.

    Populao Estimada (milhes de habitantes) 1950 2000 2050

    Taxa Mdia Geomtrica de

    Crescimento (% ao ano)

    1950-2000 2000-2050

    MUNDO

    2.518 6.071 8.919

    1,76 0,77

    Pases Desenvolvidos

    813 1.194 1.220

    0,77 0,04

    Pases em Desenvolvimento

    1.705 4.877 7.699

    2,10 0,91

    Mais Pobres 200 668 1.675 2,41 1,84 Outros 1.505 4.209 6.024

    2,06 0,72

    Grandes Regies

    frica 221 796 1.803 2,56 1,64 sia 1.398 3.680 5.222 1,94 0,70 Amrica Latina e Caribe 167 520 768 2,27 0,78 Europa 547 728 632 0,57 -0,28 Amrica do Norte 172 316 448 1,22 0,70 Oceania

    13 31 46 1,74 0,79

    Fonte: United Nations, Department of Economic and Social Affairs, Population Division, World Population Prospects: the 2002 Revision. United Nations, fevereiro, 2003 (www.unpopulation.org.) Merecem destaque os seguintes aspectos da dinmica demogrfica recente, revelados pelos dados da tabela:

    1. Os dados das Naes Unidas mostram que, entre 1950 e 2000 a populao do mundo aumentou cerca de 141%, de 2,5 bilhes a quase 6,1 bilhes de habitantes. A taxa mdia de crescimento nesses 50 anos foi de 1,76% ao ano. No perodo a populao mundial apresentou um incremento de quase 3,6 bilhes de pessoas.

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    2. Olhando para o futuro, a expectativa a de que, em continuao tendncia observada no perodo 1950-2000, na primeira metade do sculo XXI ocorra, em todo o mundo, acentuada e generalizada desacelerao demogrfica. Considera-se que a taxa de crescimento da populao mundial, que foi de 1,76% na segunda metade do sculo XX, em mdia, e que na virada do milnio j havia cado para cerca de 1,2% ao ano, continuar declinando; a mdia esperada para a primeira metade do sculo XXI de cerca de 0,77% ao ano.

    No obstante tal desacelerao, porm, no comeo do sculo XIX o mundo ainda registrava

    um incremento de cerca de 77 milhes de pessoas por ano; e, segundo as Naes Unidas, a populao do nosso globo dever ultrapassar os 8,9 bilhes de pessoas em 2050. Se essa projeo se confirmar, ao trmino da primeira metade do sculo XXI a populao mundial ter tido um incremento de quase trs bilhes de pessoas em relao de 2000.

    3. Chama a ateno na Tabela 1 a elevada participao da populao dos Pases em

    Desenvolvimento (PEDs) na populao mundial total. Em 1950 a populao dos PEDs totalizava 1,7 bilhes de habitantes, com participao de 67,7% do total mundial; e em 2000 esta ultrapassou a casa dos 4,8 bilhes de pessoas, tendo a sua participao atingido os 80,3%. No mesmo perodo, a participao dos Pases Desenvolvidos (PDs) caiu substancialmente, de 32,3% para 19,7%.

    O que explica a diferena na evoluo demogrfica desses dois grupos so as respectivas

    taxas de crescimento mdio anual; enquanto a populao dos PDs aumentou a uma taxa mdia de apenas 0,7% ao ano em mdia entre 1950 e 2000, a dos PEDs aumentou elevada taxa mdia anual de 2,1 %. No grupo dos PEDs, a populao dos Pases em Desenvolvimento mais Pobres (PDMPs) expandiu-se a elevada taxa mdia anual de 2,4%, passando de 200 milhes de habitantes em 1950 a 668 milhes em 2000. A taxa de crescimento desse grupo mostrou-se bastante elevada, mas o incremento absoluto foi de apenas cerca de 448 milhes de pessoas. Mesmo assim, sua participao relativa aumentou de 7,9% da populao mundial em 1950, para 11,0% em 2000. A populao do grupo dos Outros Pases em Desenvolvimento, OPDs teve um aumento absoluto expressivo, passando de 1,5 bilhes, para 4,2 bilhes de pessoas; a taxa de crescimento de sua populao foi de 2,06% ao ano em mdia no perodo, e sua participao relativa na populao mundial aumentou de 59,5% em 1950, para 69,2% em 2000.

    4. As projees para o perodo 2000-2050 indicam que essa concentrao espacial do crescimento demogrfico dever continuar. Observando as projees verifica-se que:

    A populao dos Pases Desenvolvidos permanecer virtualmente constante; a taxa de crescimento mdio da populao dos PDs projetada para o perodo de apenas 0,04% ao ano no perodo.

    A populao dos Pases em Desenvolvimento como um todo, por sua vez, dever crescer

    taxa mdia anual de 0,91%. Pode no parecer muito, mas essa taxa deve ser avaliada com base na populao total desse grupo de pases, que enorme em 2000 ela totalizava quase 4,9 bilhes de habitantes. Por isso, as projees das Naes Unidas so de um crescimento absoluto de mais de 2,8 bilhes de pessoas no perodo 2000-2050, ou mais de 2,3 vezes a populao total da China em 2000.

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    Merece ateno especial a projeo de crescimento do grupo de pases em desenvolvimento mais pobres (PDMPs). Vimos que, na segunda metade do sculo passado a taxa de crescimento desse grupo de pases, de 2,41% ao ano, foi a mais elevada dentre as dos trs grupos de pases da Tabela 1. Embora em 1950 a sua populao ainda fosse diminuta (200 milhes de pessoas ou 7,9 do total mundial), esse crescimento significou a adio de quase 470 milhes de pessoas, elevando sua participao relativa para 11,0% do total mundial. Alm disso, importante ressaltar que as projees das Naes Unidas so de um crescimento da populao dos PDMPs para o perodo 2000-2050 a uma taxa mdia anual de 1,84%, quase 2,4 vezes maior do que a taxa estimada para o mundo como um todo (0,77% a.a.). Se concretizada essa previso, em 2050 o grupo dos pases mais pobres dever ter uma populao de quase 1,7 bilhes de pessoas, elevando sua participao relativa na populao mundial para 18,7%. A primeira vista esta proporo pode no parecer muito elevada, mas importante considerar que esse grupo de pases continuar a apresentar uma parcela substancial dos miserveis do nosso planeta.

    O grupo dos outros pases em desenvolvimento (OPDs) dever, segundo as projees,

    crescer a taxa moderada de 0,72% ao ano no perodo 2000-2050. Entretanto, importante ter-se em vista a base extremamente elevada sobre a qual comea a incidir esse crescimento (cerca de 4,2 bilhes de pessoas em 2000). Assim, a se cumprirem as projees das Naes Unidas, teremos um incremento absoluto de um pouco mais de 1,8 bilhes de pessoas a sua populao ao longo da primeira metade do sculo XXI. Todavia, tratando-se de pases nos quais, em mdia, a presso demogrfica sobre sua base de recursos menos intensas do que a do grupo dos mais pobres, menos grave embora no deixe de ser preocupante a situao esperada para os OPDs.

    5. A perspectiva da dinmica demogrfica de grandes grupos populacionais, acima

    registrada, traduz a mdia do que deve acontecer em cada um desses grupos. Mas ela esconde variaes bastante significativas entre os pases que compes tais grupos. Seguem-se alguns exemplos:

    Chamam a ateno as diferenas entre os dois pases mais populosos do mundo, ambos

    pertencentes ao grupo dos OPDs: a China e a ndia. A China, com poltica drstica de controle da natalidade, reduziu substancialmente sua taxa de crescimento demogrfico para prximo de zero; j a ndia, cuja populao recentemente ultrapassou a casa do bilho de habitantes, vem se mostrando mais complacente em relao expanso de sua populao, que vem crescendo a taxas relativamente elevadas.

    Na verdade, no h um comportamento uniforme entre os pases da sia, embora todos

    registrem ntida tendncia de desaceleraro demogrfica. Tanto que a projeo das Naes Unidas para o perodo 2000-2050 a de uma taxa de crescimento mdio de 0,7% ao ano para a sia, bem abaixo dos 1,94% ao ano que prevaleceram na segunda metade do sculo XX. Entretanto, mesmo esses 0,7% ao ano preocupam, dada a imensa base de populao sobre a qual incide essa taxa; em 2000 a sia j detinha quase 3,7 bilhes de habitantes e a projeo para 2050 a de um total de mais de 5,2 bilhes de habitantes para a regio, que tambm inclui enormes bolses de pobreza e misria.

    No grupo dos PDs, h um contraste entre pases com expectativas de declnio demogrfico

    no perodo, como o Japo e alguns pases da Europa, e o Estados Unidos, que deve apresentar incremento demogrfico na primeira metade do sculo XXI.

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    No grupo dos mais pobres (os PDMPs ) tambm existem contrastes; alguns pases deste grupo devero apresentar crescimento muito elevado, mas outros tero crescimento quase nulo. Isso discutido em mais detalhe no prximo item.

    6. Tm merecido ateno especial os impactos da epidemia de AIDS sobre a dinmica demogrfica dos pases da frica ao sul do Saara a maioria do grupo dos mais pobres. S para exemplificar, espera-se que o aumento de mortalidade provocada pela epidemia nos sete pases mais afetados na regio, todos localizados no sul do continente, faa as suas populaes permanecerem virtualmente inalteradas no perodo 2000-2050 (ela dever passar 74 milhes de pessoas em 2000, para apenas 78 milhes em 2050). A expectativa , inclusive, que pases como a frica do Sul, Botswana, Lesoto e Swaziland tero declnios absolutos de suas populaes. Em contraste, os pases do grupo menos afetados pela epidemia da AIDS devero apresentar crescimento demogrficos expressivo, o que explica a taxa de 1,8% ao ano empregada nas projees das Naes Unidas para a primeira metade do corrente sculo. So as seguintes as questes que se colocam em face a esse panorama da dinmica demogrfica mundial:

    1. Ter o nosso globo a capacidade de, por volta de 2050, alimentar os seus quase 9 bilhes de habitantes? Ser possvel esperar uma melhora na nutrio das camadas mais pobres dessa populao, particularmente nos pases em desenvolvimento?

    2. Podero as cidades absorver vrios bilhes de pessoas em condies adequadas de

    sade, educao, habitao, emprego e segurana? A expectativa a de que, em 2050 bem mais da metade da populao mundial esteja residindo em cidades.

    3. Qual o impacto dessa expanso demogrfica sobre o consumo de energia e de outros

    recursos naturais? E sobre a poluio? Em outros termos, ter o nosso globo condies de absorver o estresse causado pelo crescimento econmico necessrio para atender minimamente s aspiraes dos habitantes dos pases em desenvolvimento? Ou seja, ser que em 2050 o sistema econmico global ter condies de oferecer padres de vida aceitveis a quase 9 bilhes de habitantes sem impor profunda e irreversvel degradao ambiental?

    Essas questes so focalizadas em maior detalhe adiante. Antes examinaremos os

    elementos da dinmica demogrfica, com o objetivo de estabelecer uma base analtica mnima para uma avaliao desta.

    2.1. Elementos da dinmica demogrfica As projees do crescimento demogrfico de grupos de pases, examinadas acima, no foram feitas mediante mera extrapolao de tendncias recentes. Elas se apoiaram, ao invs, em hipteses sobre a evoluo de variveis demogrficas bsicas que afetam a magnitude e a evoluo no tempo das taxas de crescimento demogrfico. A demografia desenvolveu bases tericas que nos permitem ter certas expectativas sobre as mudanas desses variveis em face a estgios do desenvolvimento de sociedades de diferentes tipos. O diagrama que se segue apresenta um esboo simplificado dos principais fatores que afetam a taxa de crescimento demogrfico de um dado pas ou regio.

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    Em um dado perodo, a variao lquida da populao de um pas, ou seja, a variao do estoque de pessoas que habitam o pas, determinada pelas entradas e pelas sadas desse estoque no perodo. As entradas no estoque se originam, de um lado, dos nascimentos; e do outro, da imigrao, ou seja, das pessoas de fora do pas que para ele se deslocam e l passam a residir. Por sua vez, as sadas do estoque so determinadas, de um lado, pelos que morrem, e do outro, pelos que saem do pas, indo residir em outros lugares. Os nascimentos a natalidade so determinados pela taxa de fecundidade (alguns a denominam de taxa de fertilidade), que reflete o comportamento reprodutivo do pas (ver adiante). A mortalidade, por sua vez, tem muito a ver com as condies de sade e sanitrias do pas. J a imigrao e a emigrao que ocorre em um dado perodo que esto representados como migrao lquida no diagrama, dependem de um complexo de fatores internos e externos (que no ser detalhado aqui). Segue-se a conceituao dos elementos que compem a taxa de variao demogrfica de um pas. A taxa de fecundidade (de fertilidade): trata-se do nmero de nascimentos vivos que, em mdia, se estima que uma mulher de um pas ou regio tem ao longo de sua vida reprodutiva (para fins estatsticos esta se situa entre os 15 e 49 anos de idade, em mdia). Refere-se a um dado momento do tempo. Se considerarmos um dado ano, veremos que a taxa de fecundidade de diversos pases tende a ser muito diferente. E o mesmo tende a ocorrer para um determinado pas ao longo do tempo. Em termos de grandes regies do mundo, por exemplo, no perodo 1990-95 a taxa de fertilidade da Europa foi de 1,7 crianas por mulher, enquanto na frica essa taxa alcanou 6,0, na sia 3,2 e na Amrica do Sul, 2,9 crianas por mulher em condies de reproduzir.3 Note-se que, na Europa, a mdia dos nascimentos por mulher nem mesmo repe a unidade bsica responsvel por sua ocorrncia (o casal). Isso no obstante, a populao desse continente no vem experimentando declnio como se v na Tabela 1, no perodo 1950-2000 a taxa mdia anual de crescimento da populao europia foi de 0,57%. Isso ocorre em razo da imigrao, ou seja, das pessoas que ingressaram na Europa oriundas de outros continentes. J na frica ao sul do Saara, a taxa de fertilidade (6,0 nascimentos por mulher) muito maior que a necessria para substituir o casal; esse um fator na alta taxa de crescimento de sua populao, a despeito da tambm elevada (e crescente, em virtude da epidemia de AIDS) taxa de mortalidade do continente. Essa uma das razes porque a dinmica demogrfica dessa regio vem causando preocupao.

    3 Dados demogrficos de World Resources Institute, World Resources 1994-95. Nova Iorque: Oxford University Press, 1994, cap. 16, Tabela 15.2.

    Fecundidade NATALIDADE

    Servios de Sade e de Saneamento

    MORTALIDADE

    MIGRAO LQUIDA (imigrao emigrao)

    VARIAO

    DEMOGRFICA

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    Um outro aspecto a ser ressaltado que, ao longo do tempo, a taxa de fecundidade de um determinado pas ou regio tende a declinar. Na Europa, por exemplo, a taxa de fertilidade caiu de 2,2 nascimentos vivos por mulher entre 1970 e 1975 para os j mencionados 1,7 entre 1990 e 1995. Na Amrica do Sul a fertilidade declinou entre esses anos, de 4,6 a 2,9 nascimentos por mulher; na sia o declnio foi de 5,1 a 3,2 nascimentos. A frica, entretanto, apresentou declnio de fecundidade insignificante entre esses perodos, de 6,6 a apenas 6,0 nascimentos vivos por mulher. A evoluo da fecundidade no Brasil. O Brasil repete esse mesmo padro. Os dados da Tabela 2, a seguir, mostram que, em um dado ano, a fecundidade maior nas regies mais pobres que nas mais desenvolvidas; e que, entre 1960 e 2000 a taxa de fertilidade declinou acentuadamente em todas as regies, e assim, no pas como um todo. Tabela 2. Brasil e Grandes Regies Taxa de Fecundidade, 1960-2000

    Grandes Regies

    1960

    1970

    1980

    1991

    2000

    Brasil 6,3 5,8 4,4 2,9 2,3 Norte 8,6 8,2 6,4 4,2 3,2 Nordeste 7,4 7,5 6,2 3,7 2,6 Sudeste 6,3 4,6 3,5 2,4 2,1 Sul 5,9 5,4 3,6 2,5 2,2 Centro-Oeste 6,7 6,4 4,5 2,7 2,2

    Fonte: IBGE, Censo Demogrfico 2000 Fecundidade e mortalidade infantil: Resultados preliminares da amostra. Rio de Janeiro: IBGE, 2002. Tomando o pas como um todo, entre 1960 e 2000 a taxa de fecundidade caiu de 6,3 para 2,3 filhos por mulher. Essa reduo ocorreu inicialmente de forma lenta, de 6,3 para 4,4 filhos por mulher em 1980, mas deste ltimo ano a 1991 e queda se acentuou; nesse perodo a taxa de fecundidade passou de 4,4 e para 2,3 filhos. E uma evoluo semelhante ocorreu em todas as grandes regies do pas, embora tenham se mantidas as diferenas nos nveis da taxa de fertilidade entre elas em cada ano. As diferenas entre as regies tm a ver com diferenas nos seus graus de desenvolvimento. Como no resto do mundo, para um dado ano a fecundidade maior nas regies mais pobres que nas mais desenvolvidas. Em 1960, por exemplo, as taxas de fecundidade das regies Norte e Nordeste foram de 8,6 e 7,4 filhos por mulher, enquanto que as das regies Sudeste e Sul foram de 6,3 e 5,9 filhos por mulher, respectivamente. Semelhantemente, em 2000 as taxas de fecundidade das regies Norte e Nordeste foram 3,2 e 2,6 filhos por mulher, e as das regies Sudeste e Sul foram de 2,1 e 2,2 filhos por mulher, respectivamente. Todas as regies experimentaram forte declnio de fecundidade, mas as diferenas se mantiveram. Tero os movimentos observados nas taxas de fecundidade, no s no Brasil como em todo o mundo, sido obras do acaso? Esta questo discutida a seguir. Determinantes no declnio da taxa de fertilidade. As redues ao longo do tempo da taxa de fecundidade, tm sido determinadas por fatores como:

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    Aumentos de renda per capita, da urbanizao, do acesso contracepo e a programas de planejamento familiar ou de sade reprodutiva, e da educao da mulher. Influram, tambm, fatores religiosos, culturais e tradies. Um fator importante est no fato de que as famlias no meio rural dos pases pobres necessitam ter muitos filhos. Isso porque alta a probabilidade de alguns morrerem; o casal quer ter a certeza de que um nmero suficiente de filhos sobreviver para ajudar nos trabalhos do campo e para prover o seu sustento na velhice. Com o desenvolvimento da economia, com a urbanizao, com a melhoria de padro de vida e com o desenvolvimento da previdncia social isso cessa de ocorrer. Ocorrendo essas mudanas, um casal tpico passa a desejar menos filhos; ademais, nas cidades bem maior o acesso educao e tendem a ser disponveis mais informaes sobre como realizar controle da natalidade. O momento demogrfico. Suponhamos, apenas para raciocinar, que em um pas de elevada fecundidade (digamos, de 5,5 nascimentos por mulher, em mdia), esta subitamente casse para um nvel inferior a 2,1 nascimentos por mulher (o nvel de reposio do casal). Suponhamos ainda, que no haja movimentos migratrios e que a taxa de mortalidade permanea constante. A demografia demonstra que, apesar dessa drstica reduo da taxa de fecundidade, a populao do pas continuaria a aumentar por algum tempo. Isto porque pases de elevada fecundidade geralmente tm populaes jovens; ou seja, exibem uma estrutura de idade da populao com elevada proporo de mulheres em idade reprodutiva. Assim, mesmo que se reduzisse drasticamente a fecundidade, por algum tempo ainda permaneceria elevada a proporo de mulheres em condies de ter filhos. Mesmo que estas tivessem apenas por volta de 2 filhos, em mdia, como so numericamente expressivas, manteriam a populao crescendo por um perodo ainda substancial. Seriam necessrias algumas dcadas para que a populao fosse envelhecendo e houvesse um declnio aprecivel na proporo de mulheres em idade de procriar. S ento o pas passaria a experimentar reduo expressiva na taxa de crescimento demogrfico. Esse fenmeno recebe a denominao de momento demogrfico. A taxa de natalidade: a taxa de fecundidade e a participao das mulheres em idade de procriar na populao determinam a taxa de natalidade de um pas ou regio. Trata-se da proporo do nmero de nascidos em um perodo de tempo em relao populao total. evidente que, com a queda da taxa de fecundidade e com o envelhecimento da populao, diminui a taxa de natalidade; a procriao humana se reduz e, portanto, os nascimentos diminuem. Mas, na melhor das circunstncias, este tende a ser um fenmeno gradual, que se desenrola ao longo de muitos anos. Taxa de mortalidade: compreende o nmero de mortos anuais de um pas ou regio, como proporo de sua populao total. Nos ltimos 150 anos quase todos os pases registraram um acentuado declnio de suas taxas de mortalidade. Para se ter uma idia, na Europa de 1800 a expectativa de vida o nmero de anos que, em mdia, uma pessoa nascida em um dado ano num pas ou regio, pode esperar viver era de cerca de 35 anos apenas. Cem anos depois a esperana de vida ainda era de cerca de 50 anos um aumento de apenas 15 anos em um sculo. Mas as subsequentes redues de mortalidade fizeram a esperana de vida dos pases industrializados alcanar 66 anos em 1950, e cerca de 75 anos em 1995.4 Esse forte aumento da esperana de vida tem a ver, no s com melhorias de padro de vida, propiciados por aumentos de renda per capita, mas de forma muito especial, com melhorias da nutrio, com avanos na medicina, com o melhor acesso da populao a servios de sade, com a descoberta de vacinas e 4 Idem, ibidem, p. 29.

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    a realizao de campanhas de vacinao bem sucedidas, e com crescentes investimentos na proviso de gua tratada e em saneamento bsico. Na verdade, avanos da medicina e de prticas na rea da sade pblica fizeram com que a mortalidade dos pases em desenvolvimento tambm casse rapidamente, levando suas esperanas de vida a aumentar mais que a evoluo das suas rendas per capita permitiria prever cerca de meio sculo atrs. Para se ter uma idia, se em 1950 a esperana de vida dos pases em desenvolvimento ainda era de cerca de 40 anos, em 1995 j havia alcanado os 62 anos. A taxa de crescimento vegetativo da populao. Compreende a diferena entre a taxa de natalidade de um pas ou regio, em um dado ano, e a sua taxa de mortalidade nesse mesmo ano. Essa taxa deve, evidentemente, ser calculada sem computar a migrao lquida do pas ou regio no ano. Uma migrao lquida positiva (imigrao maior que a emigrao) faz a taxa de crescimento da populao ser mais elevada que a taxa de crescimento vegetativo. O contrrio ocorre em pas ou regio com migrao lquida negativa. No perodo 1990-1995 a taxa mdia de crescimento demogrfico dos pases desenvolvidos era de apenas 0,48%, graas a uma combinao de taxas de fecundidade e de mortalidade muito reduzidas. Vimos que nesses pases, h muito tempo a taxa de crescimento vem apresentando gradual, mas contnua desacelerao, como resultado de redues moderadas, mas persistentes, nas taxas de fecundidade e de mortalidade, sendo que a desacelerao das primeiras foi mais intensa. Nos pases em desenvolvimento, porm, a taxa de fecundidade s passou a declinar mais acentuadamente nas trs ltimas dcadas do sculo XX. Entretanto, a taxa de mortalidade comeou a cair sensivelmente j na dcada de 1950, graas a ampla difuso da vacinao e de programas de sade pblica e de investimentos em saneamento bsico. Como as taxas de natalidade se mantiveram elevadas, as taxas de crescimento demogrfico passaram a experimentar fortes aumentos. Teve incio, naqueles pases, o processo de transio de elevadas para reduzidas taxas de crescimento a transio demogrfica. Esse fenmeno examinado a seguir. A transio demogrfica. A evoluo no tempo das variveis demogrficas que caracterizam a transio demogrfica ilustrada na Figura 2, abaixo. Ali vemos uma trajetria tpica de pases em desenvolvimento mais avanados, como o Brasil. Observam-se trs fases distintas: A fase inicial (at o ano To, no grfico) em que, tanto a taxa de natalidade como a de mortalidade so elevadas e o crescimento vegetativo da populao no muito alto. Em To comeam a ser sentidos os efeitos sobre a taxa de mortalidade de programas de sade pblica, de vacinao e de saneamento bsico. Alm disso, ocorrem mudanas na economia: a industrializao se intensifica, se aprofunda a diversificao produtiva e se acelera a urbanizao. Em conseqncia, a taxa de mortalidade passa a declinar rapidamente. Como a taxa de natalidade experimenta redues muito mais lentas, ocorre um forte aumento na taxa de crescimento vegetativo (a diferena entre as duas taxas). Figura 2 - Transio Demogrfica Taxas de natalidade e de mortalidade

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    Natalidade Mortalidade To T1 T2 Tempo (anos) A segunda fase: esta se inicia em T1 e, ao seu final ter se completada a transio demogrfica. Nesta fase, a taxa de fecundidade passa a registrar fortes redues, levando a um contnuo declnio da taxa de natalidade. Em razo do fenmeno do momento demogrfico, inicialmente esse declnio reduzido; isso estaria ocorrendo, por exemplo, no momento T1. Com o tempo, entretanto, o declnio da taxa de natalidade se acentua, aproximando-se outra vez da taxa de mortalidade, que se reduziu rapidamente j em To. Quando isto acontece, a taxa de crescimento vegetativo passa a diminuir consideravelmente. Na Figura 2, a segunda fase chega ao fim em T2, quando as duas taxas se estabilizam, registrando quando muito, apenas redues graduais. Observe-se que no momento T2 a taxa de natalidade ser apenas um pouco maior que a da mortalidade, o que faz com que o crescimento vegetativo da populao seja relativamente reduzido. No Brasil, a segunda fase teve incio aps a II Guerra Mundial. A taxa de mortalidade experimentou acentuada reduo, fazendo a taxa de crescimento vegetativo da populao alcanar nveis altssimos (esta chegou a cerca de 3% em 1950). Vimos que, por volta do fim de meados da dcada de 1960 comeou a ocorrer firme queda da taxa de fecundidade e, depois, da taxa de natalidade. Em conseqncia, houve contnua reduo na taxa de crescimento vegetativo, que no perodo 1991/2000 se situou em apenas 1,63% ao ano (conforme dados dos Censos Demogrficos). E a tendncia dessa queda de continuar. Na verdade, a transio demogrfica no Brasil ainda no se concluiu; projees do IBGE estimam que, por volta de 2020, a taxa de crescimento da populao do pas atingir cerca de 0,7% ao ano menos da metade da taxa para dcada de 1990. 2.2. Populao, pobreza e meio-ambiente Por que os padres de crescimento demogrfico dos pases em desenvolvimento tendem a ser considerados ameaa ao meio-ambiente? Isso acontece essencialmente porque quase todos os pases com taxas elevadas de crescimento demogrfico so pobres. Alm disso, alguns destes exibem considerveis densidades demogrficas. Nessas circunstncias, o crescimento demogrfico implica em acentuada expanso na demanda de alimentos, combustveis e outros bens e servios, resultando em substancial presso sobre o meio ambiente. Junto com o avano recente da urbanizao nos pases em desenvolvimento, isso tambm implica na aglomerao de segmentos mais pobres da populao em espaos limitados, com igualmente forte comprometimento do meio-ambiente. Com efeito, em pases densamente povoados o aumento na demanda por alimentos geralmente conduz adoo de processos de ocupao, abertura e uso descontrolados de terras, com cultivos de zonas inadequadas (encostas de montanha, ecossistemas frgeis), resultando em crescente degradao de solos, perda de fertilidade, eroso e, no limite, em desertificao. Em

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    muitos desses pases observa-se, tambm, a abertura indiscriminada de reas virgens, com rpida eliminao da vegetao nativa e conseqente alterao de habitas e destruio de biodiversidade. Em tese, esses processos podem ser controlados, mas, em situaes de rpida expanso demogrfica e de acentuada pobreza isso se torna virtualmente impossvel. Como esperar que haja controle da degradao da natureza com uma populao pobre que cresce rapidamente e que depende fundamentalmente de recursos naturais para sobreviver? Como se mencionou, tem se verificado nos pases em desenvolvimento forte tendncia a urbanizao. Esse fato se torna bvio quando se observa que quase todas as cidades de mais de 10 milhes de habitantes de nosso planeta esto em pases em desenvolvimento.5 Acontece que essa crescente concentrao de populao vem ocorrendo em pases com baixa capacidade de investimento em infra-estrutura social, o que acaba provocando formidveis impactos ambientais.

    Com efeito, a pobreza, as desigualdades distributivas e a concentrao de populao nas grandes cidades de muitos dos pases em desenvolvimento vm ocasionando dois tipos de problemas ambientais: a poluio, a congesto de veculos e a degradao resultante dos padres de consumo de um grupo relativamente pequeno de pessoas de renda mdia e alta, favorecidas em termos de acesso aos bens e servios; e problemas ambientais resultantes da carncia de servios bsicos para as camadas de baixa renda. A congesto e a poluio causadas por automveis e outros veculos, e a degradao gerada pelo lixo so geralmente problemas ocasionados pelo primeiro grupo. A congesto humana, a precria situao sanitria, o acmulo de lixo domstico nas vizinhanas das residncias, a degradao de terras marginais, juntamente com as doenas e os acidentes oriundos dessas condies constituem as conseqncias ambientais dos grandes bolses de pobreza em reas urbanas com servios pblicos inadequados. Nas grandes cidades brasileiras, por exemplo, mesmo nas mais prosperas uma proporo considervel da populao enfrenta condies de vida precrias. A degradao associada pobreza altamente visvel ali. Os problemas ambientais urbanos comuns aos pases industrializados a poluio do ar e da gua so exacerbados por um crescimento demogrfico desordenado que vem gerando problemas do seguinte tipo:6 A existncia de grandes quantidades de pobres, amontoados em moradias inadequadas, situadas geralmente em terrenos ilegais ou semi-legais, tais como reas de encostas, reas sujeitas a enchentes ou localidades que apresentam elevados ndices de poluio. Muitas vezes apenas em tais lugares que os mais pobres tm condies de erguer ou alugar suas moradias; essa populao pode se alojar em tais lugares exatamente porque os mesmos no possuem estrutura sanitria e outros servios bsicos, e porque apresentam altos riscos de sade e de segurana, o que os tornam indesejveis para os segmentos mais prsperos da populao urbana.

    Nesses assentamentos os domiclios so geralmente precrios, pequenos e habitados por muitas pessoas; alm disso, no apresentam isolamento contra rudos e variaes de temperatura, so vulnerveis sujeira e aos ratos e insetos e tm acesso limitado a servios bsicos. Muitas vezes a gua utilizada pelos moradores de baixa qualidade e de difcil acesso, a coleta do lixo ocorre raramente e o esgotamento sanitrio deficiente. Ademais, a elevada

    5 Como, por exemplo, a Cidade do Mxico, So Paulo, Rio de Janeiro, Shangai, Beijing, Bombaim, Calcut, Nova Deli, Manila, Lagos, entre outras. 6 Para maiores detalhes, ver Mueller, 1997, p. 81-101.

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    concentrao de populao propicia o contgio de doenas, contgio esse facilitado pelos baixos nveis de resistncia dos indivduos, causados por desnutrio e por estados de sade precrios. Por ltimo, os habitantes das aglomeraes de baixa renda localizadas prximas a rodovias movimentadas e a zonas industriais tambm enfrentam nveis especialmente elevados de poluio atmosfrica. As aglomeraes urbanas de baixa renda so frgeis do ponto de vista ambiental, e a concentrao da populao contribui para sua degradao. Alm do mais, tendem a ser perigosas. Vez por outra ocorrem desastres e tragdias; cidades como o Rio de Janeiro e So Paulo tm registrado tais calamidades com alguma freqncia com vtimas que, na sua maioria, pertencem s camadas mais pobres da populao. Sendo ilegais, ou estando em desacordo com o zoneamento urbano, no h investimento pblico e os assentamentos pobres apresentam considerveis dficits de servios bsicos necessrios a uma vida saudvel e adequada. Sua infra-estrutura urbana precria (faltam ruas pavimentadas, reas verdes e sistemas de drenagem), e muitas vezes os assentamentos esto sujeitos a alagamentos e a infestados com lixo, tornando-se criadouros de ratos, insetos e outros transmissores de doenas. E, dada a grande concentrao de populao, elevada a incidncia de acidentes. Tendem a se verificar problemas decorrentes de hbitos inadequados de higiene nos assentamentos pobres. Isso acontece onde elevada a concentrao de migrantes recm chegados da zona rural, portadores de doenas infecciosas e com deficincias educacionais. A higiene pessoal precria, o lixo domstico que se acumula prximo s casas e a falta de condies sanitrias, criam condies propcias para a disseminao de doenas, algumas tipicamente rurais.7 Finalmente os ambientes fsicos e sociais inadequados das zonas de concentrao de populaes urbanas de baixa renda so propcio a acidentes domsticos e de rua, alienao, ao estresse e instabilidade social. Nessas zonas tendem a ser elevados o desemprego e o subemprego, assim como os ndices de criminalidade e violncia. O padro acima delineado longe est de ser exclusivo do Brasil; ele representativo do que acontece na maioria das grandes metrpoles do Terceiro Mundo. Na verdade, em muitas as condies so mais difceis que as do nosso pas. 2.3 Perspectivas globais de reduo da pobreza No final da dcada de 1980 a Comisso do Meio-ambiente e Desenvolvimento das Naes Unidas introduziu o conceito de desenvolvimento sustentvel, que acabou tendo forte repercusso. Para a Comisso, o desenvolvimento sustentvel requer que se cumpram, simultaneamente, as trs seguintes condies bsicas: 8

    7 De acordo com a OMS, a intensa migrao do campo para a cidade no Brasil foi um fator na transformao da esquistossomose em doena urbana (OMS, 1988, p. 25). Obviamente isso tambm foi causado pelas condies precrias de saneamento de assentamentos pobres, favorecendo o estabelecimento do vetor da esquistossomose nas zonas urbanas. 8 Ver United Nations, 1987.

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    A melhoria, ou pelo menos a manuteno, do bem estar dos atuais habitantes dos pases e regies industrializados. Vigoroso combate pobreza, com acentuada reduo nas disparidades de renda e riqueza entre os pases do Norte industrializado, e os do Sul, subdesenvolvidos, bem como dentro dos pases. E, a garantia de que tudo isso ocorra sem prejudicar as oportunidades das geraes futuras. Sem entrar no mrito da viabilidade tcnica e poltica da concretizao do paradigma do desenvolvimento sustentvel, parece claro que a questo ambiental est intimamente ligada a esses trs elementos da sustentabilidade. E evidente que a reduo da pobreza compe um desses elementos. Quais as perspectivas de mdio e longo prazo de tal reduo? Iniciamos com um breve exame do desempenho em termos de reduo da pobreza no mundo nas ltimas dcadas. O relatrio do Banco Mundial de 1992 registra a ocorrncia de considerveis progressos nesse sentido nos ltimos 25 anos. Nos pases em desenvolvimento o consumo mdio per capita aumentou 70% em termos reais, a esperana mdia de vida se elevou de 51 a 63 anos e a taxas de matrcula no ensino primrio atingiu 89%. 9 Entretanto, essa evoluo no nos permite sermos otimistas. Esses ganhos longe estiveram de ser generalizados. Na verdade, o progresso se concentrou num pequeno nmero de pases os pases mais bem sucedidos na promoo do desenvolvimento (dentre os quais alguns incluem o Brasil); e dentro de cada pas, o desenvolvimento atingiu principalmente certas regies e certas camadas da populao, deixando outras nitidamente para trs. Assim que em 1990 ainda havia cerca de 1,2 bilhes de pessoas, ou 1/5 da humanidade, vivendo em condies de misria. Cerca de metade desse total se localizava na sia, e mais de um quarto desse total, na parcela subsaariana do continente africano. Ademais, pases em estgio de desenvolvimento semelhante ao do Brasil apresentam fortes contrastes entre as regies mais e as menos prsperas. Mas a misria com seus efeitos sobre o meio-ambiente tambm deixa marcas nos pases e regies mais prsperos; o que se observa, por exemplo, em certas zonas de cidades como So Paulo, com grande concentrao de famlias vivendo em assentamentos irregulares, em condies muito precrias.

    Em suma, uma parcela significativa dos miserveis do nosso globo se concentra nos pases e regies mais pobres. E estas so as reas que mais vm sentindo o impacto da degradao ambiental resultante da pobreza. O pior que so pouco otimistas as perspectivas para o futuro. A Tabela 2 apresenta projees aproximadas, para 2030, da renda per capita de grupos de pases em estgios semelhantes de desenvolvimento. So estimativas grosseiras e que, se fossem refeitas agora, talvez apresentassem resultados at mais dramticos, dados os problemas recentes da economia mundial. Entretanto, fornecem uma indicao das magnitudes relevantes e, de forma muito especial, das disparidades entre grupos de pases e das evolues previstas para o perodo. Tabela 2. Projees Aproximadas da Renda Per Capita por Grupos de Pases, 1990-2030. (Renda em US$ de 1990 por habitante/ano).

    Regies (grupos de pases)

    1990

    2030

    frica ao sul do Saara 480 550 sia e Pacfico (sem o Japo) 540 2.000

    9 Ver Banco Mundial, 1992, p. 31.

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    Amrica Latina e Caribe 1.850 5.700 Oriente Mdio e Norte da frica 1.750 4.300 Europa oriental e antiga URSS 4.700 8.900 Pases de renda elevada (OCDE) 15.500 41.200

    Fonte: Banco Mundial, 1992 Examinando os dados de 1990 o ano-base para as comparaes chama a ateno as enormes disparidades entre os diversos grupos de pases. Num extremo esto os pases mais ricos (os pases da OCDE), com uma renda per capita de cerca de US$ 15.500; no outro, temos a frica ao sul do Saara, com menos de US$ 500 por habitante/ano e a sia e Pacfico com um pouco mais que isto. Aparecem em melhor situao a Amrica Latina e o Caribe, e o Oriente Mdio e Norte da frica. E ainda melhor, mas ainda bem abaixo do extremo superior, a situao dos pases da Europa Oriental e antiga URSS. Focalizando as projees para 2030, constata-se que no d para esperar significativa reduo nas disparidades. Na verdade, projetam-se ganhos muito reduzidos para a frica ao sul do Saara (cuja renda per capita passaria para apenas cerca de US$ 550 por habitante/ano), mas estima-se que a renda real per capita dos pases ricos aumentar mais de 2,6 vezes em relao a de 1990, ultrapassando os US$ 41.000 anuais. As projees indicam que a regio sia e Pacfico dever multiplicar sua renda per capita aproximadamente 3,6 vezes, a Amrica Latina e Caribe cerca de 3 vezes, o Oriente Mdio e Norte da frica quase 2,5 vezes, e o grupo composto pela Europa Oriental e antiga URSS, quase duas vezes. Se as projees se tornarem ralidade, em 2030 alguns grupos de pases em desenvolvimento apresentaro considerveis melhorias, mas ainda haveria muita misria, notadamente na frica e em partes da sia e Pacfico. E, como vimos acima, os pases mais pobres continuaro a ter populaes em rpida expanso, multiplicando miserveis.

    Tudo indica, portanto, que partes do globo terrestre continuaro a exibir acentuao da degradao ambiental associada pobreza. No fim do perodo, alguns pases certamente estaro em situao crtica, enfrentando processos de degradao irreversvel. um panorama preocupante para parcelas significativas do nosso globo.

    A se concretizarem as projees, os pases de renda mdia provavelmente no tero

    problemas to agudos quanto os dos grupos de pases mais pobres. Entretanto, mesmo nestes a desacelerao do crescimento da populao decorrente da transio demogrfica ainda levar algum tempo para fazer declinar para nveis bastante baixos o crescimento demogrfico. E, at que isso ocorra, aumentar a degradao ambiental causada pela presso da populao sobre a capacidade de suporte do meio ambiente. Em alguns desse pases, isso ocorrer de forma preocupante.

    3. O crescimento da produo material e o meio-ambiente Vimos que o outro determinante da escala da economia o produto material por habitante. Este pode ser representado pela renda real per capita. Da relao Y = Y/P x P, se tomarmos como dada a populao de um pas, quanto maior for Y/P, maior o nvel do produto real da economia, e maior a sua escala. A questo que se coloca nesta seo : de que forma o crescimento do produto afeta o meio-ambiente? Ao longo da dcada de 1970 firmou-se a convico de que existiria uma relao direta e rgida quase inexorvel entre o nvel de produto e a degradao ambiental. O argumento era o seguinte: uma vez que os estoques de recursos naturais bsicos so dados e que a produo material necessariamente implica na emisso de dejetos e de poluio, uma expanso continuada da atividade econmica no seria sustentvel. Isto porque ela iria de encontro a duas ordens de limites ambientais:

  • 21

    (1) O limite da disponibilidade fixa de recursos naturais. Quanto maior o nvel do

    produto quanto maior a escala da economia maior a absoro de recursos naturais. Com isso, aumentaria a escassez destes, que tenderia a se tornar aguda; e,

    (2) O da capacidade do meio-ambiente de absorver emanaes de resduos e dejetos do

    sistema econmicos. Uma elevao muito acentuada da escala da economia ampliaria excessivamente essas emanaes, levando a degradao ambiental a nveis perigosos.

    Hoje esse pessimismo se amainou, mas a questo ainda objeto de controvrsia. Embora reconhecendo que, em certas circunstncias, a ampliao da escala para nveis muito elevados pode causar graves impactos ambientais, o relatrio de 1992 do Banco Mundial, por exemplo, insiste que polticas e instituies apropriadas de manejo e ordenamento ambiental em associao ao desenvolvimento tecnolgico podem compatibilizar o crescimento com a proteo do meio-ambiente. O relatrio no nega que o crescimento econmico significa usos cada vez maiores de materiais e de energia e a produo ascendente de resduos e dejetos, mas argumenta que s seria direta a relao entre o crescimento (entre o aumento da escala) e danos ao meio-ambiente se vivssemos em um mundo de tecnologias imutveis e de coeficientes fixos de usos de recursos naturais e de emisso de dejetos na produo. Uma vez que o crescimento econmico pode vir acompanhado de mudanas qualitativas e de polticas de proteo do meio-ambiente, o crescimento no necessariamente significaria aumentos preocupantes de degradao ambiental.

    3.1. A hiptese do U invertido O relatrio de 1992 do Banco Mundial introduziu uma hiptese especial para a relao

    entre o desenvolvimento e a degradao ambiental. Tomando a renda per capita, Y/P, de um pas como indicador de desenvolvimento, e observando a relao emprica entre esse indicador e certos ndices de qualidade ambiental, desenvolveu a hiptese do U invertido. Segundo esta, s em economia com baixos nveis de renda per capita, aumentos desta seriam acompanhados de uma acentuao na deteriorao ambiental. Entretanto, se uma economia dessas continuasse a crescer, aps um determinado ponto aumentos de Y/P acabariam propiciando redues na degradao do meio-ambiente. A figura abaixo descreve a relao sugerida pela hiptese do U invertido entre as duas variveis; a relao descrita pela hiptese tambm conhecida como a curva de Kuznets ambiental.10

    Figura 3. A curva de Kuznets Ambiental ndice de Degradao Ambiental

    10 Na dcada de 1950 o economista (Prmio Nobel) Simon Kuznets, apoiado em estudos empricos, introduziu a hiptese de que a distribuio de renda e a renda per capita de uma economia que se desenvolve teriam, ao longo do tempo, uma relao que, representada em um grfico, descreveria uma linha com o formato de U invertido. Ou seja, nas fases iniciais do processo de desenvolvimento, aumentos de renda per capita piorariam a distribuio de renda; mas em estgios mais avanados do desenvolvimento, aumentos de renda per capita viriam acompanhados de melhora na distribuio de renda. Por analogia, hoje se fala de uma curva de Kuznets ambiental.

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    Renda per Capita A explicao para essa relao apoia-se no argumento de que, em um pas pobre, o

    crescimento da produo prioritrio e a preservao do meio-ambiente e o combate poluio so luxos. Contudo, se a economia do pas cresce continuamente a taxas superiores a do seu crescimento demogrfico, cedo ou tarde sua renda per capita atingir um nvel tal em que o padro de vida da populao ser relativamente confortvel; e quando isto acontece, a qualidade do meio-ambiente acaba se tornando prioritria. Em conseqncia observa-se a introduo de legislao ambiental, o desenvolvimento de instituies apropriadas, a promoo de tecnologias e de produtos limpos e a implementao de polticas de proteo ambiental.11

    Representando em um grfico a relao entre a renda per capita e um indicador de

    degradao ambiental, teramos, pois, a figura de um U invertido, como a da Figura 3. Ademais, o desenvolvimento tecnolgico e as presses da sociedade e de organizaes internacionais, fariam essa curva se deslocar para baixo; esse deslocamento tambm resultaria da disseminao global de tecnologias limpas e do aprimoramento institucional, em nvel nacional e mundial. Assim, ao longo do tempo um mesmo nvel de renda per capita estaria associado a uma degradao ambiental cada vez menor.

    Se verdadeira a hiptese do U invertido, estaria afastado o receio da

    incompatibilidade entre crescimento econmico e a qualidade ambiental. Vimos que, na dcada de 1970 tomou corpo o ponto de vista de que a continuidade e a generalizao do crescimento econmico resultariam em inexorvel degradao ambiental, de conseqncias dramticas para a humanidade. Com a teoria do U invertido, ao invs de antema, o crescimento econmico passou a ser apontado como fator de amenizao dos problemas ambientais da humanidade.

    Um exame mais detido do relatrio de 1992 do Banco Mundial, entretanto, revela que a

    relao sugerida pela teoria do U invertido foi estabelecida empiricamente apenas para o caso de alguns poluentes de impacto local muito visvel, como as emisses de particulados, de dixido de enxofre e de monxido de carbono. Estudos empricos de seo transversal (ou seja, comparando aspectos da degradao ambiental de pases com renda per capita diferentes em um mesmo ano) encontraram, por exemplo, uma relao entre a renda per capita e a concentrao urbana de matria particulada semelhante representada na Figura 4, abaixo.

    11 Vimos que a hiptese do U invertido se originou do Informe Sobre o Desenvolvimento Mundial de 1992, do Banco Mundial, enfatizando a relao entre desenvolvimento e meio-ambiente. Um exemplo de tentativa de validao da hiptese est em trabalhos do volume coordenado por Goldin e Winters, sob o patrocnio do Development Center da OCDE. Ver Goldin, Ian e L. Alan Winters (editores), The Economics of Sustainable Development. Cambridge, Inglaterra: Cambridge University Press, 1994, especialmente os artigos de Goldin e Winters, e de Gene Grossman. As concluses desses trabalhos so bastante otimistas a hiptese do U invertido considerada essencialmente correta. Reconhece-se, entretanto, que a hiptese no valida para todos os tipos de poluio.

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  • 23

    Figura 4 - Concentrao Urbana de Matria Particulada Microgramas de partculas por metro cbico de ar 1.800 0 100 100.000 Renda real per capita (escala logartmica)

    Para a relao entre a renda per capita e a concentrao urbana de dixido de enxofre na

    atmosfera, os estudos encontraram relao semelhante a esboada na Figura 5, abaixo.

    Figura 5 - Concentrao urbana de dixido de enxofre Microgramas por metro cbico de ar 50

  • 24

    0 100 100.000 Renda real per capita (escala logartmica) Observou-se, tambm, que a relao entre a renda per capita e a porcentagem da populao urbana sem saneamento bsico adequado inversa desde o incio, indicando acentuada melhoria nesse aspecto, desde as fases iniciais do processo de desenvolvimento. O padro encontrado foi semelhante ao esboado da Figura 6. Figura 6 - Proporo da Populao Urbana sem Saneamento Bsico (%) 100 0 100 100.000 Renda real per capita (escala logartmica)

    No s se constataram padres como os acima, de relao inversa entre a renda per capita e certos indicadores de degradao ambiental, como se verificou que com a passagem do tempo a curva referente a cada tipo de poluente (de degradao) tendia a se deslocar para baixo. Foram esses achados que serviram de base para o otimismo em relao aos impactos ambientais do crescimento. Os trs casos acima indicam que, fazendo aumentar a renda per capita, o crescimento econmico acaba propiciando melhoras nas condies ambientais, e no aumentos de degradao como se acreditava anteriormente. Para a corrente otimista, as evolues no tempo do Produto Real da economia mundial e de um indicador de qualidade ambiental seriam aproximadamente as seguintes:

    Figura 7 - Viso otimista da evoluo do PIB mundial e da degradao ambiental

    PIB; e ndice de degradao ambiental PIB real ndice de degradao

  • 25

    Tempo (anos)

    3.2. Crticas hiptese do U invertido H srias razes, entretanto, para no aceitar essa viso otimista. Para comear, a curva

    do U invertido se aplica a apenas alguns poluentes geralmente aqueles com impactos locais e de curto prazo. E mesmo nesses casos, os estudos empricos nos quais se apoia devem ser tratados com alguma reserva. Esses estudos pecam, por exemplo, por no avaliar o panorama global. A diminuio das emisses de um poluente em um dado pas pode significar aumentos da emisso de outros poluentes no mesmo pas, ou a transferncia da poluio a outros pases, via exportao de indstrias sujas. Ou pode resultar da transformao de resduos altamente visveis (diversos tipos de poluio atmosfrica) em poluio no to visvel, mas igualmente danosa (resduos txicos de filtragens).

    Alm disso, os estudos empricos da curva do U invertido geralmente consideram

    poluentes altamente visveis e que tendem a provocar crescentes reaes de desagrado e protesto nas populaes atingidas. Isso explica porque, to logo um pas atinge certo estgio de desenvolvimento, surgem presses para a introduo de polticas que combatam, ou pelo menos, amenizem, esses tipos de degradao ambiental. Passam-se leis, emitem-se decretos, adotam-se medidas que penalizam os poluidores e que incentivam a conteno da poluio. Em resposta, os agentes poluidores so induzidos (seno forados) a adotar medidas para diminuir a degradao que causam e a investir em mudana tecnolgica e na substituio de processos que degradam fortemente o meio-ambiente, por outros menos agressivos.

    Alm disso, como se ver adiante, em nvel global a hiptese do U invertido s teria

    validade em condies muito especiais, que requerem a manuteno do atual status quo em termos de distribuio de renda e riqueza entre pases e regies.

    Um outro reparo que se faz hiptese do "U" invertido que em alguns casos o otimismo da hiptese no se justifica. o que veremos em seguida.

    A hiptese do "U" invertido em face poluio que se acumula O ponto que precisa ser ressaltado o de que a relao da curva de Kuznets ambiental

    entre a renda per capita e o grau de degradao ambiental no vlida em todos os casos. De forma especial, ela no se aplica a poluentes com efeitos duradouros e de amplo alcance espacial como a emisso de dixido de carbono, com seus impactos em termos do efeito estufa. Em outras palavras, a expanso da renda per capita pode estar associada a melhorias em alguns indicadores ambientais, mas isso no nos permite concluir que basta o crescimento econmico para garantir uma melhoria ambiental generalizada; e nem que os impactos ambientais do crescimento podem ser ignorados e, de forma especial, que a base de recursos do globo terrestre capaz de sustentar indefinidamente o crescimento econmico. ilustrativa, nesse sentido, a relao emprica ente a renda per capita e a emisso de dixido de carbono o principal agente causador do efeito-estufa (Figura 8). Como se pode ver, h uma relao direta e fortemente ascendente entre a emisso de CO2 per capita e a renda per capita. Figura 8 Emisso de dixido de carbono per capita Toneladas/habitante/ano

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  • 26

    50 0 100 100.000 Renda real per capita (escala logartmica)

    As emisses de CO2, boa parte das quais se acumulam na alta atmosfera, tem efeitos globais mais que locais; alm disto, estes efeitos tendem a no ser facilmente detectados no curto prazo. Na verdade, foram cientistas e no a populao de um pas ou regio que perceberam o problema e que alertaram para as conseqncias potencialmente catastrficas de uma ampliao continuada da emisso de dixido de carbono para a atmosfera. Por isso, o grosso da opinio publica, mesmo de alguns pases desenvolvidos, vem apresentando reaes mornas em relao ao problema, especialmente quando os remdios sugeridos envolvem moderao no crescimento material, reduo nos nveis de emprego e penalizao das atividades no pas que emitem muito CO2. Por essa mesma razo est sendo muito difcil a concretizao, em nvel internacional, de um acordo entre pases que venha a promover redues significativas das emisses de dixido de carbono. Os pases industrializados de forma especial, os Estados Unidos temem que essas redues signifiquem aumentos de custos de suas empresas, com conseqente perda de competitividade internacional; receiam a reduo no crescimento e o aumento de desemprego que possam resultar das medidas requeridas para a reduo expressiva de emisses. E os pases em desenvolvimento querem primeiro crescer, aumentar suas rendas per capita de forma significativa, para depois considerar a possibilidade de vir a limitar suas emisses de CO2. Todos parecem ver o problema como muito remoto; com isso, vem sendo cada vez mais difcil a introduo de medidas que permitam enfrentar decisivamente o problema.

    Um outro exemplo de rejeitos do sistema econmico que tendem a aumentar com a

    renda per capita o do lixo urbano. Em um mundo que apresenta a evoluo demogrfica acima caracterizada e que vem se urbanizando acentuadamente, aumentos de renda per capita significam incrementos de consumo de produtos industrializados o que, entre outras coisas, significa a gerao de quantidades crescentes de lixo per capita. Esse lixo no desaparece; uma parte pode ser reciclada, mas mesmo em pases como a Alemanha, caracterizados por alta propenso a reciclar, a emisso de rejeitos no reciclveis vem aumentando. Se houver um esforo de disseminao do desenvolvimento, a expanso da gerao de lixo pode vir a se tornar um problema crtico. H que se ter em mente que parte dos resduos dos processos de produo e de consumo dos pases industrializados e dos em fase de industrializao txica e que a degradao ambiental que provoca requer manejo muito especial. A Figura 9 esboa a relao emprica que o relatrio de 1992 do Banco Mundial encontrou entre a renda per capita e a emisso de lixo urbano por habitante.

    Figura 9 Emisso de lixo urbano per capita

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  • 27

    Quilogramas/ habitante/ano 600

    0 100 100.000 Renda real per capita (escala logartmica)

    Um outro ponto precisa ser ressaltado. A hiptese do U invertido certamente no

    vlida para estoques de recursos naturais. A reduo desses estoques vem se acelerando em resposta ao crescimento econmico. Deve preocupar, nesse sentido, no tanto o esgotamento de recursos minerais que, na pior das hipteses, ocorrer em um futuro muito distante, mas sim a degradao de recursos do solo e da cobertura vegetal, a destruio de florestas, habitats e da biodiversidade partes fundamentais do nosso capital natural. Merecem especial ateno as perdas da capacidade de regenerao da resilincia de ecossistemas, que esto ocorrendo em ritmos preocupantes, ritmos estes que tendem a aumentar com o crescimento econmico.

    A hiptese do U invertido e o teorema da impossibilidade Alm das objees acima esboadas, h fortes razes para se suspeitar que, mesmo que a hiptese do U invertido fosse vlida para todos os poluentes no contexto de pases individuais, seria fisicamente impossvel que um crescimento generalizado no longo prazo de todos os pases do nosso globo pudesse vir acompanhado de reduo global da degradao ambiental. Vamos raciocinar com uma situao hipottica. Admitimos, apenas para raciocinar que, para altos nveis de renda per capita exista, de forma generalizada, a relao inversa entre a renda per capita e o impacto ambiental postulada pela teoria do U invertido. Supomos, tambm, que haja um bem sucedido esforo em larga escala da comunidade internacional que faa com que, com o passar do tempo, todos pases em desenvolvimento inclusive os hoje em situao crtica, como vrios pases da frica ao sul do Saara consigam registrar significativos aumentos de renda per capita. Conforme demonstrou Common,12 porm, no longo prazo essa evoluo hipottica de U invertido da degradao ambiental no garantiria um declnio da degradao global; um declnio desses no estaria assegurado nem mesmo se a renda per capita de todos os pases viesse a atingir nveis que os colocassem na faixa descendente do U invertido a faixa em que se observa a relao inversa entre a renda per capita e a degradao ambiental.

    Analisando essa questo, o autor considerou duas hipteses, que podem ser ilustradas com base na Figura 10, que se segue:

    Figura 10: Curva de Kuznets ambiental: duas hipteses de limites inferiores no muito longo prazo

    12 Ver Common, 1995.

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    Impacto ambiental por unidade de produto real k a Produto real per catita

    y* y A primeira hiptese supe que, com a economia crescendo continuamente, no muito longo prazo o produto real per capita acabar atingindo o ponto a, da Figura 10. Em outros termos, supomos aqui que se acabe descobrindo maneira de produzir e consumir sem, de nenhuma forma, degradar o meio-ambiente. A segunda hiptese, mais realista, estabelece um limite inferior para a relao entre renda per capita e degradao ambiental o nvel de degradao k, da Figura 10. Essa hiptese mais realista, pois, sabemos que, por mais que se desenvolvam tecnologias e por mais que se aprimorem esquemas de manejo racional do meio-ambiente, a produo e o consumo sempre viro acompanhados de emanaes de resduos e dejetos, com impactos sobre o meio-ambiente. Existe, pois, um limite para o declnio da degradao ambiental. Na figura, nveis de renda per capita superiores a 0y seriam sempre acompanhados da degradao k por unidade de produto real. O modelo que Common usou para efetuar suas projees supe um mundo composto de dois pases: um pas A, desenvolvido, e um pas B, em desenvolvimento. Sups, tambm, que, desde o momento inicial da projeo, ambos os pases crescem a uma mesma taxa anual, g. A diferena entre os pases A e B que, no momento inicial da projeo, A tem um uma renda per capita bem superior a de B tendo ultrapassado o nvel crtico, 0y*; ou seja, para o pas rico, a continuao do crescimento implica em degradao ambiental por unidade de produto cada vez menor. J o pas B, em desenvolvimento, tem, no momento inicial, renda per capita muito inferior a 0y*, mas supe-se que o crescimento do seu PIB seja superior ao da sua populao e que, com a passagem do tempo a sua renda per capita venha a atingir e a ultrapassar 0y*. Desta forma, num horizonte temporal o suficientemente longo, todos os dois pases estariam na faixa em que a renda per capita e a degradao ambiental apresentam relao inversa. A Figura 11, a seguir, mostra um esboo aproximado da trajetria temporal de muito longo prazo da degradao ambiental, vlida sob a hiptese otimista a de que se acabar descobrindo formas de produzir e consumir sem causar nenhuma degradao ao meio-ambiente. Figura 11 Trajetria temporal da degradao ambiental: a hiptese otimista Impacto ambiental

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    Tempo (anos) Os fortes incrementos de degradao