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n:s • \
co(eçào artE', direção: Glória Fe rreira
[.) Arte conceitual Cristina Fre ire
[.) Arte de vanguarda no Brasil: Os anos 60 Paulo Re is
[.) Arte e Mídia Arlindo Machado
[.) Brasília e o projeto construtivo brasileiro Grace de Freitas
r- r Corpo, imagem e representação Viviane Matesco
r'r O legado dos anos 60 e 70 Ligia Canongia
r·) linguagens inventadas,
Palavra, imagem, objeto: formas de contágio Fe rnando Gerheim
[.) local/global: Arte em trânsito Moacir dos Anjos
[.) Manet: Uma Mulher de Negócios, um Almoço no Parque e um Bar
Luiz Renato Martins
r-I Performance nas artes visuais Regina Melim
[<[ O projeto do renascimento Elisa Byngton
r<[ Razões da critica Luiz Cam illo aso rio
[-r A teoria como projeto: Argan, Greenberg e Hitchcock
Guilhe rme Bueno
-
/
ARLINDO MACHADO
arte e mídia 3 a edição
~~ZAHAR
-.. SE _ _
•
Copyright © 2007, Arlindo Machado
Copyright desta edição © 2010:
Jorge Zahar Editor Ltda. rua México 31 sobreloja
2003 1-144 Rio de Janeiro, RJ teI.: (21) 2108-0808/ fax: (21) 2108-0800
[email protected] www.zahar.com.br
Todos os direitos reservados. A reprodução não autorizada desta publicação, no todo
ou em parte, constitui violação de direitos autorais. (Lei 9.610/98)
M 129a .\. cd.
III 10 10
Edições anteriores: 2007,2008
Capa: Dupla Design
Grafia ai ualizada respeitando o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa
CIP-BrasiL Cata logação na fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ
Machado, Arlindo, 1949-Arte e mídia / Arli ndo Machado. - 3. ed. - Rio de Janeiro :
Jo rge Zahar Ed., 2010. (Arte+ )
Inclui bibliografia ISBN 978-85-7110-979-7
1. Arre e tecnologia. 2. Arte digita l. 3. Arte por computador. 4, Estéti ca moderna. 5. Multimídia (Arte). I. Título. II. Série.
CDD: 700.105
CDU: 7.021
r
,
,
f
I , ,
I I
I
, . sumano
•
In trodução [7]
Arte e mídia: aproximações e distinções [9]
Tecnologia e arte: como politizar o debate [30]
Convergência e divergência das artes e dos meios [57]
Ref erências e fontes [79]
Suges tões de leitura [83]
-•
•
•
\
•
(
•
I
,
I
Introdução
o VOCÁBULO" ARTEMíDIA", forma aportuguesada do
inglês "media arts", tem se generalizado nos últimos
anos para designar formas de expressão artística que se apropriam de recursos tecnológicos das mídias e da
indústria do entretenimento em geral, ou intervêm
em seus canais de difusão, para propor alternativas
qualitativas. Stricto sensu, o termo compreende, por
tanto, as experiências de diálogo, colaboração e inter
venção crítica nos meios de comunicação de massa.
Mas, por extensão, abrange também quaisquer expe
riências artísticas que utilizem os recursos tecnoló
gicos recentemente desenvolvidos, sobretudo nos
campos da eletrônica, da informática e da engenha
ria biológica. Incluímos, portanto, no âmbito da arte
mídia não apenas os trabalhos realizados com med ia-
•
(7)
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"O c:
[8]
(
ção tecnológica em áreas mais consolid adas, com o as
artes visuais e audiovisuais, literatura, música e artes
performáticas, mas também aqueles que acontecem
em campos a inda não inte iramen te mapeados -
com o a criação colaborat.i va baseada em redes, as in
tervenções em a mbientes virtuais ou semivirtuais, a
aplicação de recursos de hardware e softwareparaa ge
ração de ob ras interativas, probabilísticas, potenciais, , .
acessave ls remotamente etc. Nesse sentido, "artemí-
d ia" engloba e extrapola expressões anteriores, como
"a rte & tecnologia': "artes eletrônicas", "arte-comuni
cação", "poéticas tecnológicas" etc.
Mas essa designação gen érica apresenta o in
conveniente de res tringir a d iscussão da artemídia .
apenas ao plano técnico (suportes, ferramentas, mo
dos de produção, circuitos de difusão), sem atingir o
cerne da questão, que é o entendimento da imbrica
ção des tes dois termos: "mídia" e "arte". Q ue faze m
eles juntos e que relação m antêm entre si? Dizer arte
mídia significa sugerir que os produtos da mídia
podem ser encarados como as formas de arte de nosso
tempo ou, ao contrário, que a arte de nosso tempo
busca de alguma forma in terferir no circuito massivo
das mídias? Em sua acepção própria, a artemídia é
algo mais que a mera utili zação de câm eras, compu
tado res e sinteti zadores na produção de arte, ou a
sim ples inserção da arte em circuitos massivos como
. a televisão e a In tern et. A questão mais com plexa é
saber de que maneira podem se combinar, se conta-
,
,
I i i ,
minar e se distinguir arte e míd ia, in , lillli ~' () c, 1:10
diferentes do ponto de vista das suas rcsp 'c l ivas his
tó rias, de seus sujeitos ou p ro tagonistas c da in sc r~' ; \ () social de cada uma. O objetivo deste livro é bus a r n:s
postas a essa questão.
Arte e mídia: aproximações e distinções
A arte sempre foi produzida com os meios de seu tem
po. Bach compôs fugas para cravo porque este era o
instrumento musical m ais avançado da sua época em
termos de engenharia e acústica. Já Stockhausen pre
feriu compor texturas sonoras para sintetizadores ele
trônicos, pois em sua época já não fazia m ais sentido
conceber peças para cravo, a não ser em termos de ci ta
ção histórica. Mas o desafio enfrentado por ambos os •
co mposito res foi exatamente o m esmo: extra ir o
máximo das possibilidades musicais de dois instru
mentos recém-inventados e que davam forma à sensi
bilidade acústica de suas respectivas épocas. Edga r , . -
Degas, que nasceu quase simultaneamente a lI1vençao
da fotografia, utilizou extensivamente essa tecnologia
não apenas para estudar o comportamento da I uz, que
ele traduzia em técnica impressionista, m as tam bém
para suas esculturas, ao congelar corpos em movi
mento com o mesm o frescor com que o fazia rapi
díssimo obturador da câmera. A sér ie fund ad o ra de
Marcel Duchamp,Nu descendo a escada, é um a apli . ;t
[9]
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'O c:
[10]
ção direta da técnica da cronofotografia (precursora
da cinematografia) de Étienne Marey, com a qual o
artista travou contato através de seu irmão Raymond
Duchamp-Vallon, cronofotógrafo do Hospital da
Salpêtriere, em Paris. Por que, então, o artista de nosso
tempo recusaria o vídeo, o computador, a Internet, os
programas de modelação, processamento e edição de
imagem? Se toda arte é feita com os meios de seu
tempo, as artes midiáticas representam a expressão
mais avançada da criação artística atual e aquela que '
melhor exprime sensibilidades e saberes do homem do início do terceiro milênio.
Desviando a tecnologia do seu projeto industrial. Mas
a apropriação que a arte faz do aparato tecnológico
que lhe é contemporâneo difere significativamente
daquela feita por outros setores da sociedade, como a
indústria de bens de consumo. Em geral, aparelhos, instrumentos e máquinas semióticas não são projeta
dos para a produção de arte, pelo menos não no sen
tido secular desse termo, tal como ele se constituiu no
mundo moderno a partir mais ou menos do século
Xv. Máquinas semióticas são, na maioria dos casos,
concebidas dentro de um princípio de produtividade
industrial, de automatização dos procedimentos para
a produção em larga escala, mas nunca para a produ
ção de objetos singulares, singelos e "sublimes". A pia
nola, por exemplo, foi inventada em meados do sé
culo XIX como um recurso industrial para automati-
(
I
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zar a execução musical e dispensar a performance ao
vivo. Graças a uma fita de papel cujas perfurações
"memorizavam" as posições e os tempos das teclas
pressionadas durante uma única execução, o piano
mecânico podia reproduzir essa mesma execução
quantas vezes fosse preciso e sem necessidade da
intervenção de um intérprete. A função do aparato
mecânico era, portanto, aumentar a produtividade
da música executada em ambientes públicos (cafés,
restaurantes, hotéis) e diminuir os custos, substi
tuindo o intérprete de carne e osso pelo seu clone
mecânico, mais disciplinado e econômico. As perfu
rações de uma fita podiam ser ainda copiadas para
outra fita e assim uma única apresentação se multipli
cava em infinitas outras, dando início ao projeto de •
reprodutibilidade em escala que, um pouco mai s
tarde, com a invenção do fonógrafo, desembocaria 11,1
poderosa indústria fonográfica.
A fotografia, o cinema, o vídeo e o computador
foram também concebidos e desenvolvidos segundo
os mesmos princípios de produtividade e ra c ion~li
dade, no interior de ambientes industriais e den I ro, LI mesma lógica de expansão capitalista. Mesmo os a pi i
cativos explicitamente destinados à criação a 1'1 1st i, .1
(ou, pelo menos, àquilo que a indústria enlend\' plll
criação), como os de autoria em computação gd fi, ,I,
hipermídia e vídeo digital, apenas formalizalll 11111
conjunto de procedimentos conhecidos, hcn l;ldll," ,'' ,
uma história da arte já assimilada e consagrada . Nl'i l'/',
•
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a parte "computável" dos elementos constitutivos de
determinado sistema simbólico, bem como as suas
regras de articulação e os seus modos de enunciação,
é inventariada, sistematizada e simplificada para ser
colocada à disposição de um usuário genérico, prefe
rencialmente leigo e "descartável", de modo a permi
tir a produtividade em larga escala e atender a uma
demanda de tipo industrial.
Os atuais algoritmos de compactação da ima
gem, utilizados em quase todos os formatos de vídeo
digital, são a melhor demonstração da "filosofia" que
ampara boa parte dos progressos no campo das tec
nologias audiovisuais. Eles partem da premissa de que
toda imagem contém uma taxa elevadíss ima de re
dundância, entendidas como tal as áreas idênticas
dentro de um único quadro e as que se repetem de um
quadro a outro, no caso da imagem em movimento.
Eliminando-se essa redundância por m eio de uma
codificação específica, obtém-se uma significativa
compactação dos arquivos de imagem, o que possibi
lita um armazenamento económico (poucos bytes de
memória) e uma rápida recuperação da imagem (vi
sualização em tempo real ).
A premissa do vídeo digital é evidentemente dis
cutível, pois só é aplicável à produção mais banal e
otidiana - de onde, aliás, foi extraída. Ela não pode
s ' r ap l icada a imagens limítrofes da arte contemporâ-
1I L':1, o mo os quadros da Action Painting (pintura
G'i I ~ '0 111 :l <;~O performática do corpo do artista, como
,
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em Pollock, por exemplo) ou osflickeringfilms (fil
mes "piscantes", em que cada fotograma individual é
diferente dos demais) do cinema experimental norte
americano - razão pela qual obras dessa natureza aca
bam destruídas pela compactação digital. Para com
provar isso, basta tentar gravar em DVD os filmes ~e Stan Brakhage pintados à mão di reta mente na peb
cula cin em atográfica: o gravador de DVD simples
mente entra em pane, P?is, não havendo nenhuma
redund ância nas imagens, a compactação fica impos
sibilitada. Experi ências co mo as de Brakhage, que ,
lidam co m questõe ' essenciais da arte contempora-
nca (co mo o esl ranhamen to, a i ncerteza, a indetermi
na çã ,a hi ste ria, o colapso, o desconforto existen
cial), não estão obv iamente no horizonte do mercado
c da indústria, ambientes usualmente positivos, oti
mistas e banalizados. Algoritmos e aplicativos são
concebidos industrialmente para uma produção mais
rotineira e conservadora, que não perfura limites
nem perturba os padrões estabelecidos. Existem, portanto, diferentes maneiras de se
lidar com as m áquinas semióticas cada vez mais dis-. ,
poníveis no mercado e1etrónico. A perspectiva artls-
tica é certamente a mais desviante de todas, uma vez
que ela se afasta em tal intensidade do projeto tecno
lógico originalmente imprimido às máqUInas e pro
gramas que equivale a uma completa reinvençã~ d~s meios. Quando Nam June Paik, com a ajuda de Imas
poderosos, desvia o fluxo dos e1étrons no interior do
[13]
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, •
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[14]
tubo iconoscópico da televisão para corroer a lógica
figurativa de suas imagens; quando fotógrafos como
Frederic Fontenoy e Andrew Davidhazy modificam o
mecanismo do obturador da câmera fotográfica para
obter não o congelamento de um instante, mas um
fulminante processo de desintegração das figuras
resultante da anotação do tempo no quadro fotográ
fico; quando William Gibson, em seu romance digital
Agrippa (1992), coloca na tela um texto que se emba
ralha e se destrói graças a uma espécie de vírus de
computador capaz de detonar os conflitos de memória
do aparelho -então não se pode mais, em nenhum des
ses exemplos, dizer que os artistas estão operando den
tro das possibilidades programadas e previsíveis dos
meios invocados. Eles estão, na verdade, ultrapassando
os limites das máquinas semióticas e reinventando
radicalmente os seus programas e as suas finalidades.
O que faz, portanto, um verdadeiro criador, em
vez de simplesmente submeter-se às determinações
do aparato técnico, é subverter continuamente a fun
ção da máquina ou do programa que ele utiliza, é
manejá-los no sentido contrário ao de sua produtivi
dade programada. Talvez até se possa dizer que um
dos papéis mais importantes da arte numa sociedade / . ..
tecnocratlCa seja Justamente a recusa sistemática de
submeter-se à lógica dos instrumen tos de trabalho,
ou de cumprir o projeto industrial das máquinas
semióticas, reinventando, em contrapartida, as suas
funções e finalidades. Longe de se deixar escravizar
(
,
, I ,
por uma norma, por um modo estandardizado de
comunicar, as obras realmente fundadoras na ver
dade reinventam a maneira de se apropriar de uma
tecnologia.
Vejamos o caso de Conlon Nancarrow, compo
sitor norte-americano (que posteriormente se exilou
e se naturalizou mexicano) que, a partir de 1960, deci
diu compor especificamente para a pianola, instru
mento do século XIX que introduziu, juntamente •
com a fotografia, a padronização, a reprodutibilidade
e a serialização dos bens culturais. Um século após a
invenção do piano mecânico, Nancarrow viu nele
algo que as gerações anteriores não puderam ver,
limitadas como estavam pela adesão ao projeto in
dustrial do instrumento. Como a música era produ
zida graças à "memorização" das notas codificada nas
fitas perfuradas, ela podia ser produzida pela mani
pulação direta das fitas e não apenas, como se fazia até
então, pelo registro de uma performance. Prod uzin
do as perfurações manualmente, era possível fazer
o piano soar como nunca antes, pois já não havia o
constrangimento da performance de um intérprete,
restrita, como não poderia deixar de ser, aos limites do
desempenho humano, A máquina, até então limitada
à reprodução de uma performance humana, podia
agora produzir uma música que potencializava in
finitamente essa performance. Mais que isso: ex
plorando diferentes velocidades de rotação das fitas,
"vozes" diferentes podiam ser combinadas de forma
[15]
1
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ompl exa em simultâneos acce/erandos e ritardandos.
Dessa m aneira, ao inverter ou corromper a programa
ção o riginal da pianola, Nancarrow contribuiu para
L1 l11a reinvenção radical dessa m áquina até então res
I ri ta a aplicações com erciais banais.
As técnicas, os artifícios, os dispositivos de que se
LI tiliza o artista para conceber, construir e exibir seus
traba lhos não são apenas ferramen tas inertes , n em
mediações inocentes, indiferentes aos resultados, que
se poderiam substituir por quaisquer outras. Eles estão
ca rregados de conceitos, eles têm uma história e deri
va m de condições produtivas bastante específicas. A
a rtemídia, como qualquer arte fo rtemente determi
nada pela mediação técnica, coloca o artista diante do
desafio permanente de, ao m esmo tempo em que se
ab re às fo rmas de p roduzir do presente, contrapor
se ta mbém ao determinism o tecnológico, recusar o
projeto industrial já embutido nas máquinas e apare
lh os, evitando ass Íln que sua obra resulte simples
l11 ente num endosso dos objetivos de produtividade da
sociedade tecnológica. Longe de se deixar escravizar
Jlelas normas de trabalho, pelos modos estandardiza
dos de operar e de se relacionar com as máquinas;
longe ainda de se deixar seduzir pela festa de efeitos e
li hês que atualmente domina o entretenimento de
ll1 assa, o ar tista digno desse nome busca se apropriar
das tecnologias mecânicas, audiovisuais, eletrônicas e
ti igi la is n LIma perspectiva inovadora, fazendo-as tra
h:dh :lI ' cm benefício de suas ideias estéticas. O desafio
(
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da artemíd ia não está, por tan to, na m era apologia
ingênua das atuais possibilidades de criação. A artemí
dia deve, pelo contrário, traça r uma diferença nítida
en tre o que é, de u mIado, a produção industrial de estí
mulos agradáve is pa ra as mídias de massa e,de outro, a
b usca de Lima ética e u ma es tética para a era eletrônica.
A arte como metalinguagem da mídia. Com o podería
mos entender esse "desvio" do projeto tecn ológico
original no diálogo com a's m íd ias e a sociedade
industrializada? O ra, a artem íd ia é justa men te o lugar
onde essa ques tão en con t ra um a resposta consis
tente. O fa to m esm o de as suas ob ras estarem sendo
produzidas n o interio r dos m odel os eco nômicos
v igentes, mas na di reção co ntrária deles, faz delas um
dos m ais poderosos instrumentos crí ticos de que d is
pom os hoje para pensar o modo com o as sociedades
contemporâneas se constituem, se reprod uzem e se
m antêm . Pode-se m esm o dize r qu e a artemídia repre
senta hoje a metalinguagem da sociedade mid iática,
na medida em que poss ibilita praticar, no interior da
própria mídia e de seus derivados institucionais (po r
tan to não mais nos guetos acadêmicos ou nos espaços
tradicionais da ar te ), alterna tivas críticas aos mode-,
los atuais de normatização e controle da sociedade.
A videoa rte talvez tenha sido um dos primeiros
lugares onde essa consciên cia se constituiu de forma
clara desde o in ício . Antes m esm o da invenção do
videoteipe p or tátil e de a mídia eletrônica ser reco-
• ,
• -
[17]
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-
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[18]
nhecida como campo de possibilidades para a expres
são estética, alguns criadores como Wolf VosteIl e
Nam June Paile já desmontavam os sintagmas televi
suais em instalações ao vivo ou através do registro em
suporte cinematográfico. Pode-se dizer que a pertur
bação dos signos visuais e sonoros da televisão, o reta
lhamento e a desmontagem impiedosa de seus pro
gramas, de seus fragmentos, ou até mesmo de seus
ruídos naturais, constituem ii matéria de boa parte
das pesquisas plásticas em vídeo. Daí a razão de não
ser exagero dizer que a televisão tem sido o referente
mais direto e frequente da videoarte nos seus mais de
40 anos de história.
Algumas verificações. This Is a Television Receiver (1971), vídeo de David HalL Nele, a imagem e a
voz bastante familiares do apresentador da BBC Ri
chard Baker recitando as notícias de um telejornal são
progressivamente deformadas em anamorfoses cada
vez mais acentuadas, ao m esmo tempo em que suas
sucessivas recopiagens vão fazendo suas formas origi
nais se desintegrarem. Assim, nós assistimos a uma
desintegração implacável da face do apresentador, à
medida que as anamorfoses a distorcem, tornando-a
cada vez mais grotesca, e à medida também que as
sucessivas regravações de sua voz vão degenerando o
sinal sonoro original, dissolvendo-o progressiva
mente nos ruídos do canaL O resultado é que essa
figura respeitável e emblemática da mídia se vê redu
zida àquilo que ela é em sua essência: uma sequência
(
de padrões pulsantes de luz sobre a superfície da tela.
Outra verificação: Technology/Transformation (1979 ), vídeo de Dara Birnbaum, que utiliza imagens "pira
teadas" do seriado americano Mulher Maravilha e as
desmonta para discutir a imagem da mulher nos meios
de massa. A artista fixou-se basicamente na sequência
da transformação da mulher comum em Mulher
Maravilha, um espetáculo típico de seriados juvenis,
baseado em efeitos pirotécnicos de mágico de vaudevil/e. Essa seq uência é repetida mais de uma dezena de
vezes, até esgotar todo o seu apelo sedutor e resultar
em sua banalização pelo excesso de ênfase.
No caminho que vai da videoarte à artemídia, há
uma obra que se pode considerar fundadora no que diz
respeito ao questionamento da sociedade midiática: a
de Antoni Muntadas. De fato, poucas obras, a partir da
segunda metade do século XX, foram capazes de reve
lar o funcionamento mais íntimo e invisível de nossas
sociedades com a mesma penetração e radicalidade
com que o fez esse artista catalão. As mídias eletrônicas,
os espetáculos de massa, os cenários da performance
política e econômica, a instituição das artes, a arquite
tura e a organização urbana, tudo isso foi dissecado por
ele com o rigor de um cirurgião, o alcance de um filó
sofo , mas sobretudo com a sensibilidade de um artista
capaz de experimentar as contradições mais agudas de
nosso tempo e exprimi-las na linguagem mais ade
quada. Em outras palavras, a análise que Muntadas faz
das estruturas de poder, que subjazem às formas apa-
[ 19]
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rcntemente inócuas de nossas sociedades, não toma a
ro rma de um discurso racional e distanciado, mas é
produzida com os mesmos instrumentos e meios com
que essas estruturas são construídas. Trata-se, por
tanto, de um ataque por dentro, de uma contaminação
interna, que faz com que essas estruturas deixem
momentaneamente de funcionar como habitualmen
te se e$pera, para que as possamos enxergar por um outro viés, preferencialmente o crítico. ,
A obra de Muntadas é extensa e variada: com
preende vídeos, programas para a televisão, instala
ções multimídia tanto em espaços fechados quanto
em espaços públicos, intervenções na paisagem ur
bana e, mais recentemente, projetas para a Internet.
Nessa obra, a tendência mais forte consiste em reci
clar materiais audiovisuais, por meio da construção
de novos enunciados a partir dos materiais que já
es tão em circulação nos meios de massa. Nesse
aspecto, Muntadas retoma uma grande tradição da
arte contemporânea, que começa com os readyma- .
des de Duchamp, segue com a reapropriação de
bjetos industriais pelo dadaísmo, as colagens de
Sc hwitters, Rodtchenko e Heartfield, até a reto
mada da iconografia de massa pela Pop Art. Mas a
sua contribui ção particular está em colocar toda
essa poética da reciclagem a serviço de uma investi
gação sistemática e implacável do modo como se
o rga ni za m e se reproduzem as formas de poder no Illund o contemporâneo.
(
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f •
,
I ,
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Para proceder ao exame crítico dos mecanis
mos subjetivos com que trabalha, por exemplo, a
telev isão, Muntadas recicla as imagens e os sons da
própria mídia eletrônica , justapondo fragm entos
uns em seguida aos outros, como se estivesse zapean
do, porém num ritmo muito mais lento, de modo a
permitir um exam e mais sistemático de seu modo de
funcionamento. Basica mente, ele faz correrem na
tela, tal e qual foram nela enco ntrados, spots publici
tários, programas reli gios~s, propaga nda eleitoral ou
créditos de abertura e encerramento de programas,
todos eles tomados dos mais diferentes ca nais, dos
mais variados modelos de fazer telev isão nas várias
partes do globo. O resultado perturbador é que tudo,
seja qual for a fonte ou a origem, é tristemente igual
e repetitivo, confirmando uma espécie de variação
infinita em torno da identidade única . Cross-cultural Television (1987), realizado em parceria com Hank
Buli, é exemplar nesse sentido: imagens elet rônicas
provenientes de inúmeros países demonstram que,
malgrado as variações locais ditadas po r especifici
dades culturais ou linguísticas e por diferenças de
suporte econômico, a televisão se constrói da m es
ma maneira, se endereça de forma sem elhante ao
espectador, fala sempre no mesmo tom de voz e
utiliza o mesmo repertório de imagens sob qual
quer regim e político, sob qualquer modelo de
tutela institucional, sob qualquer patamar de pro
gresso cultural ou econômico. Trata -se, nesse ví-
• • •
[21]
'O '-E ., ., t::
'"
I
,
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'" E o -o c
[22]
,
deo, de tornar evidente o imperialismo do Mesmo
na tela pequena.
Os exemplos poderiam se multiplicar ao infi
nito, Em nosso tempo, a mídia está permanente
mente presente ao redor do artista, despejando o seu
fluxo contínuo de sedução audiovisual, convidando
ao gozo do consumo universal e chamando para si o
peso das decisões no plano político. É difícil imaginar
que um artista sintonizado com o seu tempo não se
sinta forçado a se posicionar com relação a isso tudo
e a se perguntar que papel significante a arte pode
ainda desempenhar nesse contexto. As respostas que
ele pode dar constituem a diferença introduzida pela
intervenção artística no universo midiático. Em lugar
de simplesmente cumprir o papel que lhe foi desig
nado - como criador de demo tapes atestadores do
poder da tecnologia, alimentando assim com enun
ciados agradáveis a máquina produtiva - , o artista, na
maioria das vezes, tem um projeto crítico relacionado
aos meios e circuitos nos quais ele opera. Ele busca
interferir na própria lógica das máquinas e dos pro
cessos tecnológicos, subvertendo as "possibilidades"
prometidas pelos aparatos e colocando a nu os seus
pressupostos, funções e finalidades. O que ele quer é,
num certo sentido, "desprogramar" a técnica, distor
cer as suas funções simbólicas, obrigando-as a fun
cionarfora de seus parâmetros conhecidos e a explici
tar os seus mecanismos de controle e sedução. Nesse
sentido, ao operar no interior da instituição da mídia,
,
(
i
r I I [
,
a arte a tematiza, discute os seus modos de funcionar,
transforma -a em linguagem-objeto de sua mirada
metalinguística.
A mídia como reordenamento da arte. Mas há também
o movimento no sentido inverso. Falamos até aqui de
arte como se ela correspondesse a um conceito defini
tivo. Entretanto, sabemos que arte é um processo em
permanente mutação. Era uma coisa para os arquitetos
egípcios, outra para os cafígrafos chineses, uma ter
ceira para os pintores bizantinos, outra ainda para os
músicos barrocos ou os cineastas russos do período
revolucionário. Nesse sentido, não é preciso muito
esforço para perceber que o mundo das mídias, com
sua ruidosa irrupção no século XX, tem afetado subs
tancialmente o conceito e a prática da arte, transfor
mando a criação artística no interior da sociedade
midiática numa discussão bastante complexa. Basta
considerar o fato de que, em meios despontados no
século XX, como o cinema por exemplo, os produtos
da criação artística e da produção midiática não são
mais tão facilmente distinguidos com clareza. Ainda
hoje, em certos meios intelectuais, há uma controvér
sia sobre se o cinema seria uma arte ou um meio de
comunicação de massa. Ora, ele é as duas coisas ao
mesmo tempo, se não for ainda outras mais. Já houve
um tempo em que se podia distinguir com total clareza
entre uma cultura elevada, densa, secular e sublimada
e,de outro lado, uma subcultura dita "de massa", bana-
•
[23]
-o '-E Q)
Q) ~ ~
'"
•
•
o u ,
'" L
" " "J
I izada, efêmera e rebaixada ao nível da compreensão e
da sensibilidade do mais rude dos mortais. Se em tem
pos heroicos, como aqueles da Escola de Frankfurt por
xemplo, a distinção entre um bom e um mau objeto
de reflexão era simplesmente axiomática, nestes nos
sos tempos de ressaca da chamada "pós-modernidade"
ii cisão entre os vários níveis de cultura não parece tão
cristalina. Em nossa época, o universo da cultura se
mostra muito mais híbrido e turbulento do que o foi
em qualquer outro momento.
Mas a ideia de que se possa fazer arte nas mídias
ou com as mídias é uma discussão que está longe de
ser matéria de consenso. De uma forma geral, os inte
lectuais de formação tradicional resistem à tentação
de vislumbrar um alcance estético em produtos de
massa, fabricados em escala industrial. No seu modo
de entender, a boa, profunda e densa tradição cultu
ral, lentamente filtrada ao longo dos séculos por uma
ava liação crítica competente, não pode ter nada em
comum com a epidérmica, superficial e descartável
produção em série de objetos comerciais de nossa
época. Portanto, para esses intelectuais, falar em cria
t ividade ou qualidade estética a propósito da produ
ção midiática só pode ser uma perda de tempo.
Os defensores da artemídia, entretanto, costu
mam ser m enos arrogantes e mais espertos. Eles de
rend em a ideia de que a demanda comercial e o con
texto i ndustrial não necessariamente inviabilizam a
c ri ação artísti ca, a m enos que identifiquemos a arte
,
I
I
,
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com o artesanato ou com a aura do objeto único. No
entender destes últimos, a arte de cada época é feita
não apenas com os meios, os recursos e as demandas
dessa época, m as também no interior dos modelos
eco nómicos e institucionais nela vigentes, m esmo
quando essa arte é francamente contestatória em
relação a eles . Por m ais severa que possa ser a nossa
crítica à indústria do entretenimento de massa, não se
pode esquecer que essa indústria não é um monolito.
Po r ser complexa, ela está répleta de contradições inter
nas, e é nessas suas brechas que o artista pode penetrar
para propor alternativas de qualidade. Assim, não h á
nenhuma razão por que, no interio r da indústria do
entretenimento, não possa m despo ntar produtos
como programas de televisão, v id eocl ipes, música
pop etc. - que, em termos de qualidade, o riginalidade
e densidade significante, rivali zem com a melhor arte
"séria" de nosso tempo. Não há também nenhuma
razão para esses produtos qualitativos da comunica
ção de massa não serem considerados verdadeiras
obras criativas do nosso tempo, se jam elas vistas
como arte ou não. O fato de determinadas formas artísticas serem
criadas no interior de regimes de produção restriti
vos, estandardizados e automatizados, com o suporte
de instrumentos, know how e linguagem desenvolvi
dos pela ou para a indústria do entretenimento de
massa, às vezes até mesmo encomendadas e/ou finan
ciadas pelas mesmas instâncias económicas que sus-
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[25]
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tentam ou promovem essas formas industrializadas
de produção, não as torna necessariamente homolo
gatórias dessas estruturas e poderes. Pelo contrário,
elas podem estar sendo produzidas sob forte conflito
intelectual e com inabalável capacidade de resistência
contra as imposições do contexto industrial. Afinal, a
cultura de outras épocas não esteve menos constran
gida por imposições de ordem política e econômica
do que a de agora e nem por isso ela deixou de ser rea
lizada com grandeza. Assim como o livro impresso,
tão hostilizado nos seus primórdios, acabou por se
revelar o lugar privilegiado da literatura, não há por
que a televisão ou a Internet não possa abrigar as formas de arte de nosso tempo.
Talvez possamos com proveito aplicar à arte
produzida na era das mídias o mesmo raciocínio que
Walter Benjamin aplicou à fotografia e ao cinema: o
problema não é saber se ainda cabe considerarmos
"artísticos" objetos e eventos tais como um programa
de televisão, uma história em quadrinhos ou um
show de uma banda de rock. O que importa é perce
ber que a existência mesma desses produtos, a sua
proliferação, a sua implantação na vida social colo
cam em crise os conceitos tradicionais e anteriores
sobre o fenômeno artístico, exigindo formulações
mais adequadas à nova sensibilidade que agora emer
ge. Uma crítica não dogmática saberá ficar atenta à
dialética da destruição e da reconstrução, ou da dege
neração e do renascimento, que se faz presente em
, •
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,
todas as etapas de grandes transformações. O que não
se pode é julgar toda essa produção com base numa
legislação teórica prefixada, já que ela está sendo
governada por modelos formativos que provavel
mente não foram ainda percebidos ou analisados teo
ricamente. Com as formas tradicionais de arte en
trando em fase de esgotamento, a confluência da arte
com a mídia representa um campo de possibilidades
e de energia criativa que poderá resultar proximamen
te num salto no conceitó e na prática tanto da arte
quanto da mídia -se houver, é claro, inteligências e sen
sibilidades suficientes para extrair frutos dessa nova
situação.
Existe hoje toda uma polêmica a respeito das
origens das artes eletrônicas, e ela pode nos trazer
ensinamentos. Para alguns, ela nasce no ambiente ., • A
sofisticado da videoarte, com as pnmelras expenen-
cias do alemão WolfVostell e do coreano Nam June
Paik. A videoarte surge oficialmente no começo dos
anos 1960, com a disponibilização comercial do Portapack (gravador portátil de videoteipe) e graças
sobretudo ao gênio indomável de Paik. Mas, se a tele
visão puder ser incluída no âmbito das artes eletrôni
cas (e não há nenhuma razão para que não seja), tere
mos de acrescentar à galeria de seus pioneiros nomes
como o do húngaro-americano Ernie Kovacs e do
francês Jean -Christophe Averty, que introduziram na
televisão a autoria e a criação artística, além de terem
sido os primeiros a explorar largamente a linguagem
•
[27J
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do nov meio, razão por que alguns autores os consid~ram os verdadeiros criadores da videoarte, antes 111 ( mo de Vostell e Paik.
Averty, o Mélies da televisão, foi um dos primeiros a propor e a realizar, em quase uma centena de
programas, uma televisão autoral e delirante, utiliz;lndo largamente recursos de inserção eletrônica
q Lia ndo eles ainda mal tinham acabado de ser inventados. Seus Ubu Roi e Ubu Enchafne, produzidos
I ara a Radio et Télévision Française na década de 1960, hipertrofiam o que já havia de absurdo na peça
ho mônima de Alfred Jarry, inaugurando aberta
men te uma televisão de invenção. Kovacs, por sua vez, desde o começo dos anos 1950, escreveu, dirigiu , ln terpretou uma série de programas fulminante
mente inventivos para as três principais redes com rciais de televisão dos EUA, onde foram experi
mentados, de forma sistemática e radical, vários procedimentos que depois seriam conhecidos como
rfl'scol'/strutivos: dissociação entre imagem e som, re
vl'lação dos bastidores da televisão com seus apa
ratos e técnicos, desmistificação das técnicas ilus io ni stas, co nstante referência à televisão como
ti isp i tivo. O crítico Bruce Ferguson chegou a vis
lumbra r na obra de autores seminais da vanguarda co nt empo rânea, como Michel Snow, Bruce Nau-
111 ;1 11 c Vito Acconci, vários procedimentos des
mns t rutivos e metalinguísticos que já haviam sido IIt ili zados por Kovacs.
•
• •
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O sentido das artes eletrônicas adquire rumos
completamente diferentes se contarmos a sua história a partir de Paik e Vostell, que vêm do circuito sofis
ticado e erudito dos museus e galerias de arte, ou a
partir de Kovacs e Averty, que despontam da experiência da cultura popular "eletrificada" e ampliada
pelas tecnologias eletrônicas. É a mesma tensão que
existe entre Eisenstein e Chaplin no cinema, ou entre Stockhausen e Theremin na música eletrônica. Tradi
cionalmente, a história da árte con temporânea é conta da a partir apenas da primei ra perspectiva, igno
rando quase completamente a segunda , mas uma
artemídia consequente tem de ser capaz de encontrar o ponto de fusão das duas principai s perspectivas.
Talvez a dificuldade exista a penas para aqueles que encaram essa questão a partir do prisma das artes
tradicionais e para os teóricos que se co locam tam
bém nessa perspectiva. Quem faz arte hoje, co m os meios de hoje, está obrigatoriamente enfrentando a
todo momento a questão da mídia e do seu contexto,
com seus constrangimentos de ordem institucional e
econômica, com seus imperativos de dispersão e anonimato, bem como co m se us atributos de alcance e
influência. Trata-se de uma prática ao mesmo tempo
secular e moderna, afirmativa e negativa, integrada e
apocalíptica. Os públicos dessa nova arte são cada vez mais heterogêneos, não necessariamente especializa
dos e nem sempre se dão conta de que o que estão
vivenciando é uma experiência estética. À medida
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[29]
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[30]
que a arte migra do espaço privado e bem definido do
museu, da sala de concertos ou da galeria de arte para
o espaço público e turbulento da televisão, da Inter
net, do disco ou do ambiente urbano, onde passa a ser
fruída por massas imensas e difíceis de caracterizar,
ela muda de estatuto e alcance, configurando novas e
estimulantes possibilidades de inserção social. Esse
movimento é complexo e contraditório, como não
poderia deixar de ser, pois implica um gesto positivo ,
de apropriação, compromisso e inserção numa sociedade de base tecnocrática e, ao mesmo tempo, uma
postura de rejeição, de crítica, às vezes até mesmo de
contestação. A arte, ao ser excluída dos seus guetos
tradicionais, que a legitimavam e a instituíam como
tal, passa a enfrentar agora o desafio da sua dissolução e da sua reinvenção como evento de massa.
Tecnologia e arte: como politizar o debate
Em um livro recente - intitulado Politizar as novas tecnologias -, o sociólogo Laymert Garcia dos Santos
procurou dar expressão a um sentimento cada vez
mais generalizado de insatisfação para com os discur
sos apologéticos da tecnologia, discursos estes de glo
rificação das benesses do progresso científico, de pro
moção do consumismo, quando não de marketing
direto de produtos industriais, que costumam tomar
, ,
corpo em boa parte dos eventos internacionais dedi
cados às relações entre arte, ciência e tecnologia. Em
um país como o Brasil, deslocado geograficamen
te em relação aos países produtores de tecnologia e
em que o acesso aos bens tecnológicos é ainda seletivo
e discriminatório, uma discussão séria sobre o tema
das novas tecnologias deve necessariamente refletir
esse deslocamento e essa diferença, para que possa
servir, ao mesmo tempo, de caixa de ressonância a
experiências e pensamentos independentes, proble
matizadores e divergentes, que acontecem, ainda que
marginalmente, em várias partes do mundo, sobre
tudo fora dos centros hegemônicos.
A onipresença dos computadores à nossa volta,
o estabelecimento definitivo da Internet, os avanços
da biotecnologia e as promessas da nano, as inovações
tecnológicas de toda sorte já ultrapassaram infinita
mente os limites dos laboratórios científicos e hoje
fazem parte do cotidiano de uma porcentagem cada
vez maior das populações urbanas de grande pa rt.c elo
planeta. À medida que o mundo natural, tal C0l110 ()
conheceram as gerações de outros séculos, vai sendo
substituído pela tecnosfera - a natureza c riad ~1 ou
modificada pela ciência -, novas rea I iel a I cs se i III
põem. De um lado, aumento das expectativas de vida.
incremento da produtividade, l11ullipli c <1 ç~IO d:lI
riquezas materiais e culturais, I11U lan ças profulld.I "
nos modos de existir, circular, relaciOllar sr, P(' I'\ dl1'l
e representa r 0111 U I1do, C;1111 po rórt i I pu r!1 I' X lli'ri II( 1,1 "
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,1I1!s1 i 'as i novadoras; de outro, generalização dos efei
I OH colal crais, dos riscos de acidentes de toda espécie,
Cl: n [ral ização da produção e do poder nas mãos de um
núm cro cada vez menor de nações e empresas trans
na io nais, ampliação da exclusão social, do apartheid
. 'Qnô mico, do gap entre ricos e pobres, produtores e
<:o nSLI m ido res, hegemônicos e marginais.
As novas tecnologias, associadas ao processo de
globa lização, penetraram todos os espaços do planeta e
interferiram na vida de todos os povos, até mesmo das
populações mais isoladas e refratárias à modernização,
'o mo é o caso dos povos indígenas. Uma notícia sur
prcendente, que circulou há pouco tempo apenas nos
meios interessados emmídias mortas, informa que o
Li! li 111 0 serviço de pombos-correios que ainda existia
no mundo fechou finalmente as suas portas em 2001.
Atuando na região de Orissa, na Índia, uma das mais
rcmo tas e miseráveis do planeta, a pequena empresa
q uc se dedicava à mais arcaica forma de comunicação à
d iSlâ ncia do mundo não pôde resistir à chegada dos ser
vi ços de telecomunicações e telemática. Até mesmo a
'squecida, longínqua e quase inacessível Orissa, último
rl:d uto do mundo em que as informações ainda viaja
V~11ll atadas fisicam ente às patas de uma ave, teve de do
I ) r~ 1 r-sc à globalização implacável dos serviços de telefo
II i;l l! ii conexão universal via Internet. Hoje, quando os
IlIdio$ do Xingu usam a Internet para construir um sis-
1l'1ll;1 alternat ivo de comunicaçao entre as nações indí
I', ' ll ;IH dA região do Pará; quando os camponeses mise-
, ,
I
ráveis da região de Chiapas vão à web buscar adesão à rebelião zapatista contra o governo do México; quando
os índios norte-americanos, praticantes da mais antiga
forma de comunicação interativa em tempo real do
mundo, trocam a skywritíng (linguagem dos sinais de
fumaça) pela netwrítíng, não há mais com o ignorar o
fato de que a conexão universal via Internet é um fato
consolidado e sem retorno. Mas as novas tecnologias não promoveram esse
avanço democratizando o acesso, universalizando as
riquezas produzidas, gerando o crescim ento mate
rial e cultural de todo o planeta atingido pela sua in
fluência. Elas avançaram fortemente ancoradas em
instrumentos políticos e jurídicos autoritários, como
a propriedade privada, a patente e o copyright, a hege
monia do capital global, a divisão do planeta em es
tratos sociais, classes, raças, etnias e gêneros diferen
ciados, desigualmente beneficiados com o acesso aos
bens produzidos. A divisão do formato DVD em seis
diferentes regiões planetárias, para possibilitar a dis-•
tribuição desigual dos bens culturais, sobreposta
ainda à anterior divisão do planeta em sistemas de
vídeo incompatíveis entre si (NTSC, SECAM, PAL-G,
PAL-M, PAL-N etc.) é um bom exemplo da perspec
tiva segregacionista do pensamento tecnológico glo
balizado. A aceleração tecnológica modulou também
o ritmo de nossas vidas, exigindo atualizações cada
vez mais rápidas, premiando os que se adaptam mais
facilmente e descartando os que não conseguem
•
[33]
•
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acompanhar a velocidade das mudanças - os "dra
mo-inaptos", na feliz acepção de Eugênio Trivinho. As novas tecnologias colocaram ainda em risco o am
biente em que vivemos, promovendo os cenários ca
tastróficos que diariamente perturbam as páginas dos
jornais.Ao mesmo tempo, as novas descobertas cientí
ficas, com raras exceções, têm sido conduzidas por
velhas instituições econômicas, na direção de uma apropriação legal (sob forma de patentes) de plantas e ., A •
al1lmalS transgel1lcos, células e sementes genetica-mente modificadas, genes sintéticos e genomas, e con
figuram, portanto, uma forma de enquadramento da
vida como propriedade privada. No entanto, apesar de todo o impacto produ
zido sobre a vida cotidiana, sobre a política ambiental
e sobre a geopolítica de dominação internacional de
nações ricas sobre pobres, as novas tecnologias conti
nuam sendo implantadas por decisões políticas
exclusivas dos Estados ou por estratégias das empre
sas privadas, sem a participação da sociedade, que fica escamoteada da discussão por negligência, desconhe
cimento ou incapacidade crítica. A centralidade das
novas tecnologias, sejam elas eletrônicas, digitais ou
biogenéticas, é também pouco problematizada nos eventos dedicados a elas, sobretudo no campo que aqui
mais nos interessa: a arte contemporânea. Predomina
ainda, no universo das artes eletrônicas ou das poéti
cas tecnológicas, um discurso legitimador, um tanto
ingênuo, alheio aos riscos que a adoção de uma estra-
tégia de aceleração tecnológica comporta. Se é verdade, como demonstra Martín-Barbero, que nos últimos 50 anos assistimos a um processo de esvazia
mento da política, vazio esse que foi sendo aos poucos
preenchido pelo discurso hegemônico da tecnologia, também é verdade, por outro lado, que a tecnologia foi
se convertendo em um novO campo de utopias, que
doutrinas as mais variadas vislumbraram nas máquinas e nos algoritmos perspectivas de emancipação,
•
progresso e felicidade coletíva que antes estavam cIr-
cunscritas ao discurso político. Alguns analistas do ciberespaço têm sugerido,
por exemplo, que os computadores conectados em • •
[35)
rede, ao colocar também em conexão os seus usuanos e permitir que cada um deles se distribua dentro dessa
rede, estão afetando profundamente as relações de intersubjetividade e de sociabilidade dos homens, assim como a própria natureza do "eu" e da sua rela
ção com o outro. O inglês Roy Ascott, um dos líderes
dessa corrente, chega a afirmar que a Internet está produzindo uma "consciência planetária", resultante
da síntese de todos os sujeitos presentes no ciberes
paço. O navegante da rede, integrado ao corpo das
interfaces, não é mais um mero espectador passivo,
incapaz de interferir no fluxo das energias e ideias;
pelo contrário, ele se multiplica pelos nós da rede e se
distribui por toda parte, interagindo com outros parti cipantes e constituindo assim uma espécie de cons
ciência coletiva. Com essas ideias, Ascott parece pro-
•
I11 ()V ' r a lgo como uma hipertrofia do ciberespaço, I r:ln sformando-o num "espaço" privilegiado, numa
'spéc ic de agora virtual em que, diferentemente do
pob rc c degradado espaço real, as promessas de uma
v 'rdadeira democracia finalmente encontrariam a sua
~x prcssão acabada, "Ou você está no interior da rede';
ti iz elc, "ou você não está em parte alguma, E, se você
'sl,j no interior da rede, você está em todos os lugares,"
Na linha do pensamento de Ascott, vemos hoje
multiplicarem-se esses novos discursos utópicos que
' ,. 'ditam aos dispositivos tecnológicos um potencial
q II , IS "revolucionário'; promotor dos ideais de demo
' ra I ização universal tão duramente perseguidos pela
hlllllnnidade em sua história, um potencial desenca
dl':l 10 1' também de mutações na própria natureza bio
ló 'i ca humana, a ponto de converter o homem em
uma cspécie de übermensch (super-homem ou sobre
homcm), na acepção nietzchiana, capaz de superar a
(ragil i lade ou a perecibilidade do corpo através de pró-
I ('s 'S elctrônicas e engenharia genética, O canadense
i'>" rrickde Kerckhove, o alemão Peter Weibel, o francês
I'i ' ITC Lcvy, o norte-americano Nicholas Negroponte,
(' 111 rc tanlos outros, representam hoje a vanguardainte
k 'lu ,1I dessas utopias tecnológicas que rapidamente
1:(' 'sp:llh all1 e ga nham adeptos por todo o mundo, É
( II rioso vcrifica r também como essas do utrinas neopo
',i i ivislas, quc se generalizam na Europa, Japão e Amé-
I it I I (lo No I'lC, encontram eco em setores significativos
tI.I fi 1116 'i 'a I ,a li na,mesmo quando a realidade ao nosso
,
,
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,
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,
redor as questiona permanentemente, No Brasil, sobre
tudo, em que ideias como as de Roy Ascott estão, além
de tudo, mescladas com um misticismo de tipo folclo
rizado e de fundo colonizador (retorno ao xamanismo,
ao tribalismo e aos efeitos terapêuticos de drogas indí
genas como a aiuasca, supostamente formas "primiti
vas" de imersão e navegação, co mo aquelas que hoje
experimentamos no ciberespaço e nos dispositivos de
realidade virtual) , a importação em larga escala de ideias ' . . "-
e de modelos de ação de outras realtdades SOCloecono-
micas tem impedido o desenvolvimento entre nós de
uma consciência alternativa relacionada às novas tec
nologias, Com isso, seguimos a reboque - e sem m assa
crítica - de um movimento hegemônico, arquitetado
em escala planetária,
Por sua vez, a crítica ainda não foi capaz, entre
nós, de discutir as novas tecnologias em to da a sua
complexidade, limitada que está, muitas vezes, por
uma tendência tecnófoba igual m en te ingên ua e
igualmente importada de modelos apocalípticos
europeus ou norte-am ericanos (Pa ul Virilio, Jean
Baudrillard, Fredric Jameson , entre o utros), Em pri
meiro lugar, o que se percebe é uma crescente dificul
dade, à medida que os aplicativos de computador se
tornam cada vez mais poderosos e "amigáveis", de
saber discriminar entre a contribuição original de um
verdadeiro criador e a m era demonstração das vir
tudes de um programa, Nesse sentido, assistimos
hoje a um certo degringolamento da noção de valor,
• ,
[37]
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sobretudo em arte. Os juízos de valorização se tor
naram frouxos, ficamos cada vez mais condescen
dentes em relação a trabalhos realizados com mediação tecnológica, po rque não temos critérios sufic iente
mente madu ros para avaliar a contribuição de um
artista ou de uma equip e de realizadores. Com o
consequência, a sensibilidade começa a fi car embotada, perde-se o rigor do julgamento e qualquer bo
bagem nos excita, desde que pareça estar up to da te
com o estágio da corrida tecnológica. Para além das
tendências mais confortáveis da tecnofilia e da tec
nofobia, o que importa é politizar o debate sobre as tecnologias, sobre as relações entre a ciência e o ca
pital, sobre o significado de se criarem obras artísti
cas com pesada mediação tecnológica.
A contribuição de Flusser. Dentre os vários pensadores
da tecnologia qu e despontaram no Ocidente na
segunda metade do século XX, Vilém Flusser talvez
seja aquele cuja importância mais tem crescido ulti
mamente. O que chama a atenção, em primeiro lugar,
na figura desse pensador, é a sua posição divergente
com relação tanto à posição tecnófila quanto à cor
rente tecnófoba - ambas atualmente em vigor. Tcheco de nascimento (e criado no seio de uma família
judaica), Flusser teve de abandonar seu país em 1939
para fugir dos nazistas, que já tinham liquidado toda sua família, inclusive o pai, então reitor da Universi
dade de Praga. Depois de viver algum tempo na In-
glaterra e já cansado de ver a Europa submergir nas
trevas, com seus mitos arcaicos de raça, poder, ideolo
gia e nação, ele migra com sua mulher, Edith Barth ,
para o Brasil, acreditando encontrar no país umacivi
lização descompromissada com os valores do Velho Mundo. Não foi exatamente o que encontro u. Em
bora tenha conseguido se tornar um polo de atração entre os intelectuais mais independentes do país, ele
foi hostilizado tanto pela ditadura militar, que domi
nou o país entre 1964 e 1984; quanto pela esquerda local, que, no dizer de SérgÍo Paulo Rouan et, "não
podia entender um pensamento tão aná rquico, tão
genuin amente subversivo, tão liv re de todos os cli
chês". Flusser viveu 31 anos no Brasil e foi, possivel
mente, o principal m entor intelectual de várias gera
ções de artistas brasileiros que enfrentaram o desafio
da tecnologia. Mesmo depois de seu retorno à Europa e até o seu falecimento em Praga em 199 1, continuou
frequentand o regularmente o ambiente intelectual
brasileiro, país onde deixou não apenas do is filho s,
mas também um largo círculo de discípulos. Os seus
estudos sobre o impacto causado à civilização con
temporânea pelas tecnologias eletrônicas e biogené
ticas com eçaram a se desenvolver muito precoce
mente, já a partir dos anos 1960 e ainda no período
brasileiro. Além dos primeiros escritos sobre as ima
gens técnicas e da polêmica com o grupo brasileiro da
poesia con creta, Flusser aproximou-se bastante dos
artistas brasileiros que estavam trabalhando com as
•
[39]
, •
•
• I
I
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lIovas lccnologias, e essa aproximação produziu in
fi" n ias mútuas. Vários desses artistas eram seus alu
II OS ou colegas nas Faculdades Armando Álvares Pen
I L'ado (Faa p), em São Pa ulo. É possível, portan to, traçar
11111;1 relação entre o surgimento das ideias flusserianas
sobrc a sociedade tecnológica e o contexto das artes ele
I rónicas no Brasil a partir da década de 1960.
Toda a notoriedade post mortem que Flusser
v '111 recebendo em grande parte do mundo se explica,
'nlrc o utras coisas, pelo fato de seu pensamento ser
;lbso lutamente certeiro na análise das mutações cul
lu ra is, sociais e antropológicas que estão ocorrendo
!lO I11U ndo contemporâneo, e também o mais convin
c ' n I c na advertência dos riscos que corremos. Na ver
dadc, o filósofo tcheco-brasileiro só reconhece uma
'poca co 111 parável com a nossa: a Antiguidade, quan
lo O homem passou de um estágio pré-histórico e
m íti co para uma fase histórica, lógica e baseada na
's ri la alfanumérica. No atual estágio, chamado por
Plu ssc r de pós-histórico, a "escritura" é construída
lO 111 o u por máquinas e consiste essencialmente numa
01'1 i ' ulação de imagens - no limite, imagens digitali
~ . .Id:1s, multiplicáveis ao infinito, manipuláveis à von-
1.111 . , pass íveis de distribuição instantânea ii todo o
pl .1 1l ' 1:1. a rac te res se tornam bytes, sequências de
Irx lo Sé o nvcrtem em sequências de pixels, os fins e
ti .' 11I<'ios sao substituídos pelo acaso, as leis pelas pro
h.lhilill :ld 'S c a razão pela programação. É certo que
1IIIlÍlos pensadores contemporâneos - de McLuhan a
•
Kerckhove, de Debord a Baudrillard, de Ong a Lévy
buscaram ou continuam buscando exprimir algo
semelhante por outras vias e com outros argumentos,
mas Flusser o fez não apenas mais precocemente que os
outros, mas também com uma clareza, precisão e radi
calidade que tornam todos os outros caminhos mais
tortuosos, áridos, retóricos, comprometidos e estrate
gicamente menos eficazes.
Falar de Flusser significa falar, em primeiro lu
gar, de Filosofia da caixa-préta, sua obra mais densa e
também a mais conhecida. Esse livro apresenta uma
história bastante singular. Publicado pela primeira
vez na Alemanha, em 1983, a sua versão para o portu
guês não é simplesmente uma tradução, mas já uma
revisão da versão alemã. A começar pelo título. En
quanto a primeira versão recebeu o nome de Für eine Philosophie der Fotografie ("Por uma filosofia da foto
grafia"), título que foi mantido em todas as traduções
para as outras línguas, a versão para o português teve
o seu título modificado .conforme acima, permitindo
perceber melhor o universo conceituaI e o campo de
abrangência do livro. As mudanças foram providen
ciadas pelo próprio autor, que aliás escreveu ele mes
mo a versão em português, depois de reconsiderar
alguns aspectos de sua argumentação.
Em 1984, data provável de redação da versão
brasileira, Flusser estava envolvido com a concepção
do livro Ins Universum der technischen Bilder ("Em
direção ao universo das imagens técnicas"), que era,
•
•
[41]
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[42]
na verdade, um desdobramento da Philosophie e uma ' ; " ' , -resposta aos lllumeros comenta nos CrItlCOS que o
filósofo recebeu com a edição desta última. Era
impossível , portanto, que essa nova discussão não
afetasse a "tradução" da Philosophie para o português.
Eis a razão por que a versão em língua portuguesa
dessa obra fundamental de Flusser é única e difere sig
nificativamente das outras traduções conhecidas
(baseadas no original alemão). Uma simples compa
ração das versões para o alemão e para o português já
deixa entrever as diferenças. O prefácio foi inteira
mente refeito na versão brasileira, o glossário acres
centou novos termos, não considerados na versão
alemã, e partes inteiras do texto principal do livro
foram reescritas para dar maior precisão e consistên
cia à argumentação. Nesse sentido, para ser realmente
fiel ao pensamento de Flusser, a versão em língua por
tuguesa (e não a alemã) é que deveria ser tomada
como o texto definitivo da Filosofia e, por consequên
cia' ela é que deveria estar sendo utilizada como base da tradução para outras línguas.
A mudança do título é fundamental. Malgrado a
fotografia seja realmente o objeto principal da refle
xão efetuada no livro, ela funciona mais propria
mente como um pretexto para que, através dela,
Flusser possa verificar o funcionamento de nossas
sociedades "pós-históricas", ou seja, de nossas socie
dades marcadas pelo colapso dos textos e pela hege
monia das imagens. Na verdade, a fotografia ocupa,
•
entre as mídias de nosso tempo, um lugar bastante
estratégico, porque é com base na sua definição se
miótica e tecnológica que se constroem hoje as má
quinas contemporâneas de produção simbólica au
diovisual. É com a fotografia que se inicia, portanto,
um novo paradigma na cultura do homem, baseado
na automatização da produção, distribuição e con
sumo da informação (de qualquer informação, não
só da visual), com consequências gigantescas para os
processos de percepção individual e para os sistemas
de organização social. Mas foi com as imagens eletrô
nicas (difundidas pela televisão) e com as imagens
digitais (difundidas agora no chamado ciberespaço) • • •
que essas mudanças se tornaram mais perceptlvels e
suficientemente ostensivas para demandar respostas
por parte do pensamento crítico-filosófico. Que nin
guém espere, portanto, encontrar nessa obra de
Flusser uma análise da fotografia de tipo clássico. A
fotografia é nela abordada com base sobretudo em
conceitos da informática e comparece aí apenas
como um modelo básico para a análise do modo de
funcionamento de todo e qualquer aparato tecnoló
gico ou midiático. Por essa razão, Filosofia da caixapreta traduz melhor as ambições da obra do que um
lacônico Filosofia da fotografia. Por que "caixa-preta"? Sabemos que o termo
vem originalmente da eletrônica, onde é utilizado
para designar uma parte complexa de um circuito
eletrônico que é omitida intencionalmente no dese-
[ ~ 3 ]
'" .-"O o-
E (l)
~ '"
I
11 ho de um circuito maior (geralmente para fins de
s implifi cação) e substituída pelo desenho de uma
a ixa vazia, sobre a qual apenas se escreve o nome do
ir uito omitido. Atentemos ao fato bastante signifi
olivo de que Gregory Bateson, em seu 5teps to an licology of Mind, amplia ironicamente o significado
Ic "caixa-preta", com o propósito de aplicá-lo a grande
pa rte dos conceitos problemáticos da filosofia e da
iC: ncia. Como os engenheiros e1etrônicos - explica
Bateson - , também os filósofos e cientistas utilizam
ró tulos, nomes ou "caixas-pretas" para designar cer
lOS fenômenos, mas diferentemente daqueles, estes
l i II i mos acreditam, muitas vezes, que tais expedientes
impli cam uma compreensão do fenômeno. Assim,
po r exemplo, damos a uma certa classe de fenômenos
o no me de instinto e acreditamos que isso resolve o
pro blema. Mas o que chamamos de instinto pode ser
:lpcnas uma caixa-preta que está ali para mascarar o
'I" C justamente não conseguimos compreender.
No cas() específico de Flusser, o conceito de caixa
pr ' Ia deriva mais propriamente da cibernética. Nesse
(lllllPO I articular, dá-se o nome de caixa-preta a um
dispositivo fechado e lacrado, cujo interior é inacessí
w l . só pode ser intuído através de experiências basea
d.ls 11:1 i 111 rodução de sinais de onda (input) e na obser
VoI\ , i() da res posta (output) do dispositivo. Em geral,
I "i X.I p '''1 a I rad uz um problema de engenharia: como d( 'lhl'/,ir:l ' ' rca do que há dentro de uma caixa, sem
III 'I I"",II ' i l llll 'l1le abri-Ia , mas apenas aplicando volta-•
gens, choques ou outras interferências em suas paredes
externas? No entender de Flusser, o transporte desse
conceito para a filosofia possibilita exprimir um pro
blema novo, que a fotografia foi justamente o primeiro
dispositivo a colocar - o surgimento de aparatos tecno
lógicos que se podem utilizar e deles tirar proveito, sem
queo utilizador tenha a menor ideia do quese passa em
suas entranhas. O fotógrafo, de fato, sabe que se apon
tar a sua câmera para um motivo e disparar o botão de
acionamento o aparelho lhe 'dará uma imagem nor
malmente interpretada como uma réplica bidimen
sional do motivo que posou para a câm era. Mas o
fotógrafo, em geral, não conhece todas as equações
utilizadas para o desenho das objetivas, nem as reações
químicas que ocorrem nos componentes da emulsão fo
tográfica. A rigor, pode-se fotografar sem conhecer as
leis de distribuição da luz no espaço, nem as proprieda
des fotoquímicas da película, nem ainda as regras da
perspectiva monocular que permitem traduzir o mun
do tridimensional em imagem bidimensional. As câme
ras modernas estão automatizadas a ponto de até mes
mo a foto metragem da luz e a determi nação do ponto de
foco serem realizadas pelo aparelho.
Nesse sentido, a caixa-preta "cibernética" de Flus
ser se encontra com a caixa-preta "e1etrônica" de Bateson
no ponto em que ambas exprimem um desconheci
mento fundamental e, mais que isso, um desconhe
cimento que se transforma em atividade, força motriz
e razão estrutural, seja do pensamento (no caso de
•
[45]
,
o "O ro
.<:: u ro E o
"O c: '-
[46]
Bateson), seja da sociedade (no caso de Flusser) . Somos, cada vez mais, operadores de rótulos, aperta
dores de botões, "funcionários" das máquinas, lida
mos com situações programadas sem nos darmos
conta delas. Pensamos que podemos escolher e, como decorrência disso, nos imaginamos criativos e livres,
mas nossa liberdade e nossa capacidade de invenção
estão restritas a um software, a um conjunto de possi
bilidades dadas a priori e que não podemos dominar ,
inteiramente. Esse é justamente o ponto em que a Filosofia de Flusser quer intervir: ela quer produzir
uma reflexão densa sobre as possibilidades de criação
e liberdade numa sociedade cada vez mais progra
mada e centralizada pela tecnologia. Em termos bastante esquemáticos, podemos
resumir mais ou menos assim o percurso do pensa
mento de Flusser na Filosofia: a imagem fotográfica não tem nenhuma "objetividade" preliminar, n ão
corresponde a qualquer duplicação automática do mundo; ela é constituída de signos abstratos forjados
pelo aparato (câmera, objetiva, película), pois a sua
função fundamental é materializar conceitos científi
cos. Em outras palavras, o que vemos realmente ao
contemplar as imagens produzidas por aparelhos não é o "mundo", mas determinados conceitos relativos
ao mundo, a despeito do aparente automatismo da
impressão do mundo na película. Talvez tenha sido
necessário esperar até o surgimento do computador e das imagens digitais para que as imagens técnicas se
•
I !
revelassem mais abertamente co mo resultado de um
processo de codificação icônica de determinados
conceitos científicos. O computador permite hoj e
forjar imagens tão próximas da fotografia, que muita gente não é mais capaz de distinguir entre uma ima
gem sintetizada com recursos da informática e outra
"registrada" por uma câmera. Só que, no computa
dor, tanto a "câmera" que se utiliza para descrever com plexas trajetórias no espaço como as "objetivas" de
que se lança m ão para dispor de diferentes campos focais, como ainda os focos de "luz" distribuídos na
cena para iluminar a paisagem, são todos eles opera
ções matemáticas e algoritmos baseados em alguma lei da física. Eis por que as imagens técnicas, ou seja, as
representações icônicas mediadas por aparelhos, não
podem corresponder a qualquer duplicação inocente
do mundo, porque entre elas e o mundo se interpõem os conceitos da formalização científica.
O aparelho fotográfico é, portanto, uma máquina programada para imprimir nas superfícies simbó
licas modelos previamente inscritos. Nesse sentido, as
fotografias são atualizações de algumas dessas potencialidades inscritas no aparelho. O fotógrafo "esco
lhe", dentre as categorias disponíveis, as que lhe pare
cem mais convenientes, mas essa "escolha" é limitada
pelo número de categorias programadas na constru
ção do aparelho. O universo fotográfico inteiro é rea
lização causal, por "funcionários da transmissão", de algumas dessas virtualidades, mas não cabe em seu
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horizonte a instauração de novas categorias. Num
certo sentido, não é o fotógrafo quem fotografa, mas a câmera (ou o dispositivo fotográfico inteiro ). "O
fotógrafo só pode fotografar o fotografável", sentencia Flusser. "Quem contemplar o álbum de um fotó
grafo amador", continua ele mais à frente, "estará ven
do a memória de um aparelho, não a de um homem.
Uma viagem para a Itália, documentada fotograficamente, não registra as vivências, os conhecimentos,
os valores do viajante. Registra os lugares onde o aparelho o seduziu para apertar o gatilho." Não é por
acaso que quase todas as fotografias da Torre Eiffel, do Big Ben, da Estátua da Liberdade ou do Pão de Açúcar
são idênticas, independentemente dos valores de
quem as fotografou. Para produzir novas catego rias, não previstas na concepção do aparelho, seria
necessário intervir no plano da própria engenharia do dispositivo, seria preciso reescrever o seu pro
grama, o que quer dizer: penetrar no interior da caixa-preta e desvelá-la.
Numa primeira aproximação, Flusser adverte,
portanto, sobre os perigos da atuação puramente
externa à caixa-preta. Na era da automação, o artista,
não sendo capaz ele próprio de inventar o equipamento de que necessita ou de (des)programá-Io, queda-se
reduzido a um operador de aparelhos pré-fabricados,
isto é, a um funcionário do sistema produtivo que não faz outra coisa senão cumprir possibilidades já pre
vistas no programa, sem poder, todavia, no limite
desse jogo programado, instaurar novas categorias. A
repetição indiscriminada das mesmas possibilidades conduz inevitavelmente à estereotipia, ou seja, à
homogene idade e previsibilidade dos resultados. A multiplicação à nossa volta de modelos pré-fabrica
dos, generalizados pelo software comercial, conduz a
uma impressionante padronização das soluções, a uma uniformidade generalizada, quando não a uma abso
luta impessoalidade, conforme se pode constatar em muitos encontros internacionais de artes eletrônicas,
onde se tem a impressão de que tudo o que se exibe foi
feito pelo mesmo designe r ou pela m esma empresa de comunicação. Se é natural e até m esmo desejável que
uma máquina de lavar roupas repita sempre e invariavelmente a mesma operação técnica, que é a de
lavar roupas, não é todavia a mesma coisa que se espera de aparelhos des tinados a intervir no imaginá
rio, ou de máquinas semióticas cuja função básica é
produzir bens simbólicos destinados à inteligência e à sensibilidade do homem. A estereotipia das máqui
nas e processos técnicos é, aliás, o principal desafio a
ser vencido na área da informática, talvez até mesmo o seu dramático limite, que se busca superar de todas
as formas.
Artemídia: a experiência brasileira. O Brasil apresenta
uma trajetória de cerca de 50 anos de história no
campo das poéticas tecnológicas. Essa história come-•• 'A '
çou, nos anos 1950, com as pnmelras expenenclas
• •
[49]
•
o
" ro .cc u ro E o " c
[50]
com arte cinética por Abraham Palatnik, e na década
seguinte, com o surgimento da música eletroacústica,
por iniciativa de Jorge Antunes, e a introdução do computador na arte, por Waldemar Cordeiro. Desde
então, as poéticas tecnológicas se definiram muito
rapidamente entre nós com pelo menos duas caracte
rísticas mais marcantes: 1) sintonia e sincronia com o
que estava sendo produzido fora do Brasil, o que dava aos brasileiros uma condição de atualidade, quando
não até mesmo de precocidade em alguns casos espe
cíficos; 2) ao mesmo tempo e paradoxalmente, uma
certa diferença de abordagem, motivada principal
mente pelo veio crítico de boa parte dos trabalhos, fruto do enfrentamento de uma trágica realidade
social e de uma vida política massacrada por uma
ditadura militar, o que tornava as obras brasileiras
um tanto distintivas com relação ao que se fazia no
exterior. As gerações seguintes, que enveredaram
pelos terrenos da videoarte, computer art, computer
music, arte-comunicação, holografia, poesia interse
miótica e interseção arte-ciência (para citar apenas os
campos que mais se desenvolveram no Brasil nos
anos 1980 e 1990), um pouco mais aliviadas dos cons
trangimentos, pelo menos no campo político, deram
continuidade aos princípios dos pioneiros e fizeram
expandir o campo de experiências de modo a abarcar
quase todo o universo das poéticas tecnológicas.
Seria o caso de se indagar um pouco sobre o sig
nificado dessa precocidade e expansão qualitativa das
•
poéticas tecnológicas no Brasil, fenômenos surpreen
dentes se considerarmos que poucos outros países da América Latina (a não ser, talvez,Argentina e México)
atingiram o mesmo patamar de experiências. O Brasil
teve a sorte de contar desde cedo com um contexto favorável à inserção do computador na criação artís
tica, graças primeiramente à discussão aberta aqui
pela poesia concreta, ambiente de onde saiu, já na
década de 1970, um dos primeiros exemplos mundiais de poesia gerada em computador, tal com.o
foram concebidos por Erthos Albino de Souza. Além disso, embora grande parte dos pioneiros da compu
ter art, nos anos 1960/70, tenha sido de europeus e norte-americanos - pela razão óbvia de que viviam
em contextos científicos em que a pesquisa com informática estava mais desenvolvida -, um brasileiro
ocupou lugar importante entre os inventores desse
campo de criação artística. Trata-se de Waldemar
Cordeiro, artista que, ao incorporar as imagens di gi
tais ao seu trabalho, já era reconhecido nacional e
internacionalmente, sobretudo por sua produção no campo da arte concreta. Trabalhando em conjunto
com o físico italiano Giorgio Moscati, Cordeiro foi
importante também por ter dado uma dimensão crí
tica à computer art, acrescentando às imagens o
comentário social que não havia na produção mun
dial. Comunista assumido e militante, Cordeiro não promove, com suas imagens digitais, o milagre da tec
nologia, mas busca uma forma diferenciada de discu-
[51]
ro .-" .-E <li
~ ro
I
tir, em pleno auge da ditadura mil itar, o desastre
sociopolítico do país. O desenvolvimento das artes
computacionais no Brasil foi grandemente impulsio
nado pelo fato de Cordeiro ter organizado em São
Paulo, em 1971, uma das primeiras conferências
internacionais de computer art - a Arteônica - que
reuniu os nomes mais importantes nessa área no
plano mundial e colocou o país na rota internacional
do uso criativo dos computadores na arte.
Durante um certo tempo, acreditamos aqui no
Brasil que as tecnologias eletrônicas e digitais esta
vam introduzindo, no campo das práticas significan
tes, novos problemas de representação, abalando
antigas certezas no plano epistemológico e, por con
sequ ência, exigindo a reformulação de conceitos
es téticos. Supúnhamos, então, que as ideias que esta
vam brotando no campo das diversas engenharias e
das ciências "puras" como a física e a matemática po
deriam possibilitar à arte reinventar-se novamente e
~ , manter em sintonia com o seu tempo. Nessa época,
quando o grupo que trabalhava com arte e tecnologia
l'!":1 ai nda bastante reduzido, quando a tecnologia e a
·i 11 ia a inda eram consideradas intromissões mais
(III 111 nos estranhas, e até certo ponto indesejáveis,
II( I lIll i verso es tabelecido das artes oficiais, sentíamos
qll \' cr;1 preciso juntar forças para implantar no Brasil,
1.11 (() 1ll 0 já vinha acontecendo em outros lugares do
1ll llnd o, um novo ca mpo de intervenção estética.
1\ 11' 111 di sso buscávamos também dar legitimidade a
•
uma prática artística que era vista então com uma
certa desconfiança pela ala hegemônica da cultura.
Ideias como as da videoarte, holographic art, com
puter art, web art, telepresence art, ambientes intera
tivos, instalações multimídia etc. foram sendo aos
poucos introdu zidas, desde os tempos heroicos d e
Abraham Palatnik e Waldemar Cordeiro, até serem
reconhecidas como formas legítimas de expressão ar
tística neste nosso período de generalização das tecno
logias, da eletrônica e da informática.
De lá para cá, muita coisa mudo u.As poéticas tec
nológicas foram perdendo seu caráter marginal e
quase underground para rapidamente se converterem
nas novas formas hegemônicas da produção artística.
Nos últimos anos, temos visto multiplicarem-se em
todo o mundo os festivais, encontros e mostras dedica
dos exclusivamente a experiências de interseção da arte
com a tecnologia e a ciência. Cada vez mais, artistas
lançam mão do computador para construir suas ima
gens, músicas, textos, ambientes; o vídeo é agora uma
presença quase inevitável em qualquer instalação. A
incorporação interativa das respostas do público se
transformou numa norma (quando não numa mania)
em qualquer proposta artística que se pretenda atuali
zada e em sintonia com o estágio atual da cultura.
De repente, nos damos conta de uma multipli
cação vertiginosa, ao nosso redor, de trabalhos rea
lizados com mediação tecnológica pesada. Mas o
que prometia aflorar como um p eríodo intensivo de
• •
[53]
'" .-'-E IV IV t
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•
I •
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'" E o
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[54]
descoberta e invenção logo se revelou uma fase de
banalização de rotinas já cristalizadas na história da arte, quando não um retorno do conformismo e
da integração como valores dominantes. O grosso da
nova produção parece hoje marcado por uma impressionante padronização, por uma uniformidade
generalizada, como se o que estivesse em jogo fosse
uma espécie de estética do merchandising, em que
cada trabalho deve fazer nada mais que uma demonstração das qualidades do hardware ou das potencia
lidades do software. Por outro lado, percebemos
também que nossos critérios de julgamento e crítica não se tornaram suficientemente maduros para
possibilitar uma avaliação desses trabalhos em ter
mos de sua real importância, ou de sua contribuição
efetiva para uma redefinição dos conceitos de arte e
de cultura. O que parece estar ocorrendo, em grande parte
dos casos, é uma perda sutil, mas inegável, da perspec
tiva mais radical da arte. Hoje, quando visitamos
qualquer evento de arte eletrônica, de música digital
ou de escritura interativa, ou quando folheamos
qualquer revista dedicada a essas especialidades, não
é preciso muito esforço para constatar que a discus
são estética foi quase inteiramente substituída pelo
discurso técnico, e que questões relativas a algoritmos, hardware e software tomaram grandemente o
lugar das ideias criativas, da subversão das normas e
da reinvenção da vida. Com o boom das tecnologias
•
eletrônicas, a arte parece ter-se reduzido - excetuadas,
naturalmente, algumas poucas experiências podero
sas e inqu ietantes - a uma espécie de perícia profissional, à medida que a habilidade técnica foi tomando o
lugar das atitudes mais radicais. No âmbito dos relacionamentos entre arte e tecnologia, poucos eventos
até agora lograram ultrapassar a mera consideração
de algoritmos, linguagens de computador, progra
mação, circuitos eletrônicos e o inevitável emolduramento industrial de tudo 'isso, buscando enfrentar,
por outro lado, as interrogações mais profundas e
mais dramáticas de nosso tempo. Necessário seria restabelecer o elo perdido entre
a atual atividade de criação e a melhor tradição de
inconformismo da arte contemporânea, elo este que
foi artificialmente cortado por um certo número de
teses obtusas sobre a pós-modernidade. Nada pode
ser mai s inconcebível do que toda uma geração de yuppies desinformados, que hoje produz trabalhos
de autoria em multimídia, utiliza dispositivos de edi
ção não linear, diagrama suas homepages na Inter
net, mas nunca viu um filme de Vertov, nunca leu
Artaud, jamais ouviu falar de Beckett ou tocou num
bicho de Lygia Clark. Em segundo lugar, temos de buscar critérios mais severos e mais rigorosos para
separar o joio do trigo dentro desse terreno movediço das poéticas tecnológicas, de modo a diferenciar e
privilegiar trabalhos feitos para marcar o seu tempo,
trabalhos que tragam uma contribuição efetiva e
[55]
E (lJ
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"1 I
" " I \ III
duradoura, trabalhos, enfim, que apontem para perspectivas de invenção, liberdade e conhecimento.
No Brasil, alguns eventos dedicados às novas tecnologias vêm tentando, desde há algum tempo,
reintroduzir no cenário artístico a produção e o debate que nos últimos anos têm sido escamoteados.
Para isso, eles têm buscado reunir as inteligências e os talentos não alinhados de várias partes do mundo,
sobretudo daquelas partes que não participam das •
estratégias globais de inserção tecnológica. Dentre esses eventos, podem-se citar as duas primeiras edi
ções de Emoção Art.ficial, evento bienal sediado em São Paulo e que tem explicitamente essa preocupa
ção, a ponto de o tema da segunda edição, em 2004, ter
sido justamente "Divergências Tecnológicas". Outro exemplo é o Festival Internacional de Arte Eletrónica
Videobrasil, também bienal e já com mais de quinze
edições. Esse festival abre espaço para experiências também divergentes no campo tecnológico, sobre
tudo as que acontecem em regiões não hegemónicas do planeta, como a América Latina, a África, o Su
deste Asiático, o Leste Europeu, o Oriente Médio e a
Oceania. Um leque imenso de possibilidades está
a berto para a intervenção problematizadora da arte:
a crítica das novas formas de dominação baseadas em gê nero, classe, raça ou nacionalidade (as guerras im
peri alistas, os genocídios, o terrorismo, a migração i J1lernacional, a intolerância com relação aos estran
g<: i ros etc.); a crítica da vigilância universal, da globa-
lização predatória, da espetacularização da vida e da degradação ambiental. E também as novas formas de engajamento social direto baseadas nas redes tele
máticas, as mídias táticas, a utilização de sistemas de
distribuição multi usuários para a criação de obras colaborativas verdadeiramente coletivas, a busca de
novas políticas do corpo, a expressão de identidades culturais diferenciadas etc. Trata-se agora de inda
gar onde a inserção de novas tecnologias nas artes
está introduzindo umá diferença qualitativa ou produzindo acontecimentos verdadeiramente no
vos em termos de meios de expressão, conteúdos e formas de experiência. Enfim, trata-se de buscar as
pequenas revoluções, as "revoluções moleculares"
como dizia Felix Gattari, que hoje estão claramente identificadas com a criação digital e com os novos
cenários biológicos.
Convergência e divergência das artes e dos meios
Podemos imaginar o universo da cultura como um l11ar de acontecimentos ligados à esfera humana e as .
artes ou os meios de comunicação como círculos que •
delimitam cam os es ecíficos de acontecimentos -entro desse mar. Um círculo poderia definir o cam
po da fotografia, outro o campo do cinema, outro o
campo da música e assim por diante. Estamos, evi-
• •
[57]
o
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'" E o " c:
i8]
dentemente, esquematizando para efeito apenas de
argumentação. Na prática, é impossível delimitar
çom exatidão o campo abrangido por um meio de >
ceIDllnicação ou uma forma de C!Jltllra , pois as suas
bordas são imprecisas ese confundem com outros ca[Il
pos.t!elhor seria imaginar que os círculos que definem
cada meio interceptam, nas proximidades de suas bor
das, os círculos definidores de outros meios, com maior
ou menor grau de penetração, segundo o grau de vizi
nhança ou parentesco entre eles.J
Fotografia Cinema
Música
Evidentemente, há maior zona de interp'enetra
ção entre os círculos definidores da fotografia e do
cinema do que entre fotografia e música, pelo simples
fato de que o cinema tem uma base fotográfica que lhe
é inerente e é impossível falar de cinema sem falar de
fotografia. Ainda assim, é possível imaginar inúme-
•
I I
ros acontecimentos que ocorrem também na zona de
interseção entre fotografia e música, como por exem
plo o trabalho de Ansel Adams, fotógrafo-pianista
que transpôs a escala de tons musicais para a escala de
tons de cinza da fotografia (através de seu "sistema de
zonas"), possibilitando compor uma fotografia como
se fosse uma peça musical. \C~da um desses círculos seria mais bem repre
sentado se, em lugar de imaginá-lo uma simples cir
cunferência vazia, optássêmos por imaginá-lo um
círculo preenchido por uma mancha gráfica de den
sidade variável: mais densa no centro, menos densa
nas bordas, perfazendo portanto um gradiente de
tons que vai de um centro muito negro a bordas m ais
suaves, tendendo ao re-sentaria a chamada de cada meio,
aquilo que o distingue como tal e que nos permite
diferenciá-lo dos outros meios e dos outros fatos da
cultura humana. Cada círculo teria então o seu "nú
cleo duro", que define conceitos, práticas, mndos di: p~oduçãO, tecnologias, economias e públicos es ecí
!Cos. utros Clrcu os tenam outros "núcleos duros",
com outras definições. À m edida que nos aproxima
mos das bordas e das zonas de interseção, a diferen
ciação entre os meios já não é tão evidente, os concei
tos que os definem podem ser transportados de uns
para outros, as práticas e as tecnologias podem ser
compartilhadas, o sustentáculo econômico e o públi
co atingido podem ser os mesmos.
1 ';91
lO ... :si E '" ~ <o
•
) I
o pensamento da divergência . j\o longo da história dos meios e do pensamento sobre eles, há um deslo
camento das atenções ora para o "núcleo duro'~ ora •
para as interseções entre as bordas. Entre os anos 1950 •
e m eados dos 1980, há uma tendência m a io r de se
pensar os meios em função de suas especificidades.
~o terreno da fotografia, por exemplo, Roland Barthes se preocupava, naquela época, em definir o noema desse meio, ou seja, a sua verdade objetiva, que
seria, para ele, o referente (a coisa fotografada). Susan
Sontag, por su a vez, buscava definir o es tatu to da fotografia e a sua essência mais básica, que ela encon
trava no "traço do real'~ na marca de luz que o próprio
rea l deixa no negativo fotográfico. Mais radical ainda
na defesa dessa visão mimética da imagem fotográfi ca, André Bazin chega m esmo a suspeitar de que a
ro tografia talvez tenha a vermais com o mundo mine-
,
raldo quecom a cultura humana, porque há nela uma "objetiv idade ontológica" que d ispensa a m ed iação
humanaJ No terreno da prática, todo esforço se con centrou em definir uma espécie de identidade da fo to
grafia, iden tidade esta que logo se m anifes tou na mÍstica do "clique", do "momento decisivo" (com o dizia o
fo tógrafo fra ncês Cartier-Bresson), daquele instante
mágico em que o obturador pisca, deixando a luz entrar na câmera e sensibilizar o filme. Tudo o dem ais,
isto é, o antes e o depois do"clique", passa a ser consi
derado afe tação pictó rica (icóni ca) o u "m anipulação" in telectual (s imbólica), fugind o po rta nto do
âmbito do específico fotográfico. Alguns an alistas m ais ta rdios, com o Philippe Dubois e Jean -Marie
Schaeffer, que ainda pensavam a fo togra fi a a partir de
sua especificidade, encontraram no co nceito de indexicalidad~ do sem ioticista norte-america no Charles
Pe irc~ uma explicação mais sistem ática pa ra essa suposta v inculação entre a foto e a coisa fo tografada.
O.Índice peirceano é um signo (uma representação; •
no caso, uma fo tografia ) que tem uma "conexão dinâ-
mica" com o seu referente.
Em outros campos, não fo i mui to diferente a
ênfase na esp ecificidade do m eio. O cinem a, pelo
menos a partir da abordagem clássica deAndré Bazin, afirm a-se sobretudo pelo papel que nele desem penha
a p rofundidade de campo, ou seja, a escala de planos
que vai da frente (foreground) ao fundo (background) e que permite compor graus variados de densidade
•
[61]
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62]
dramática. O plano-sequência, dotado de fluência e continuidade, substitui a intervenção fragmentadora da montagem, que foi hegemónica em outros tempos. Na década de 1970, o processo de recepção do filme e o modo como a posição, a subjetividade e os afetos do espectador são trabalhados ou "programados" no cinema mereceram também uma atenção concentrada da crítica, a ponto de esses temas terem se constituído no foco de atenção privilegiado tanto das teorias estruturalistas, psicanalíticas e desconstrucionistas, quanto das análises mais "engajadas" nas várias perspectivas marxistas, feministas e multiculturalistas. Nessas abordagens, o aparato tecnológico e económico do cinema (na época chamado de "o dispositivo"), bem como a modelação do imaginário forjada por seus produtos, foi submetido a uma investigação minuciosa e intensiva, no sentido de verificar como o cinema (um certo tipo de cinema) trabalha para interpelar o seu espectador enquanto sujeito, ou como esse mesmo cinema condiciona o seu público a identificar-se com e através das posições de subjetividade construídas pelo filme.
Nesse mesmo período que estamos considerando, surge um meio novo - o vídeo -, que nessa primeira fase também vai optar pelo caminho da especificidade. Marshall McLuhan é o primeiro a notar a principal diferença introduzida pela imagem eletrônica: sua natureza "mosaicada", resultado de sua constituição através de linhas de varredura, que
lhe determina condições de definição e profundidade de campo completamente diferentes do cinema, além de modos de recepção também distintos. O vídeo também se distingue da televisão porque ele é
•
a sua metalinguagem crítica, ele é contra-informa-ção. Não por acaso, no campo da produção, a videoarte vai explorar justamente os recursos que são pró
prios a esse meio e apenas a ele: o feedback de vídeo (efeito que se obtém quando se aponta a câmera para o monitor que exibe a imágem captada), a incrustação de imagens umas dentro das outras (chroma key), a colorização, a deformaçao e metamorfose das figuras etc. Era preciso deixar claras as diferenças retórica, estética, econômica e tecnológica desse meio com relação aos seus dois vizinhos mais próximos - o cinema e a televisão.
\(.otografia, cinema, televisão e vídeo, apesar de serem meios bastante próximos em muitos aspectos, foram durante todo esse tempo pensados e praticados de forma independente, por gente diferente, e esses grupos quase nunca se comunicavam ou trocavam experiência~As escolas ou os cursos onde esses meios eram ensinados eram independentes uns dos
outros. Mesmo um pensador importante como Marshall McLuhan, que era capaz de pensar os meios como um todo, tomava-os, todavia, como separados. Ele era ainda um pensador da especificidade, como todos os seus contemporâneos: cada meio, para ele, era a extensão de um dos nossos sentidos ou apti-
• [63]
'" .-"O ,-E (lJ
~ '"
•
dões. Claro, se é verdade que- como ele dizia -" o meio é a mensagem': então cada meio deve ser claramente
distinguido dos outros, pois do contrário não haveria nenhuma mensagem a transmitir. Ivana Bentes, num
artigo sobre as relações entre cinema e vídeo, observa
que, até o fim dos anos 1980, havia um embate entre os praticantes e pensadores desses meios: o pessoal do
vídeo lutava por legitimação, desqualificando o outro, enquanto o pessoal do cinema arrogava sua supe
rioridade hierárquica com relação ao outro. ( ~as
sociedades humanas, uma ênfase exagerada nas identidades isoladas pode levar à intolerância e à guerra
entre as culturas, enquanto os processos de hibridização podem favorecer uma convivência mais pacífica
entre as diferenças. Da mesma forma, no campo da comunicação, chega um momento em que a diver
gência entre os meios torna-se improdutiva, limitativa e beligeran te , deixando claro, pelo menos aos
setores de vanguarda, que a melhor alternativa pode , .
estar na convergencla.:j
o pensamento da convergência. Façamos agora uma
pa usa e voltemos à nossa figura dos círculos tangen
tes. Na verdade, a metáfora está imperfeita, pois ela pode nos dar a falsa impressão de que o mundo da
cultura e dos meios é estático e pode, portanto, ser
demarcado. Nada mais inexato. No interior de cada mçio, há conflito, embate, surgimento d@ novas ten ·
dências e movimentos antagônicos. O repertório de
,
obras produzidas em cada círculo se expande em progressão geométrica, e algumas delas, mais revolucionárias, redirecionam o rumo do pensamento e da
prática. Isso quer dizer que tanto os círculos como os •
seus "núcleos duros" vivem um movimento perma- . ,nente de expansão e, nesse movimento, as suas zonas
• ,de interseção com outros círculos também se am-
•
, pliam. Çhega um momento em que a ampliação dos círculos atinge tal magnitud e que há interseção não
apenas nas bordas, mas também nos seus "núcleos duros". Ora, esse é justamente o ponto de ru tUfa: no
momento em que o centro mais denso do círculo,!
identificador de sua especificidade, começa a se confundir com os outros, chegamos a um novo patamar
da história dos meios: o momento da convergência dos
meios, que se sobrepõe à antiga divergênci<yAo purismo e, às vezes, até mesmo ao fundamentalismo ortodoxo das abordagens divergentes e separatistas,
tendemos hoje a preferir os casos mais prósperos e
inovadores de hibridização, de fusão das estruturas discretas.
•
[65]
o "O
"' .c u "' E o
"O c: ---~ "'
[66]
Gene Youngblood é, possivelmente, o primeiro
a pensar a convergência, num livro histórico sobre o
tema intitulado Expanded Cinema. Ele percebe, a par
tir do exemplo do cinema experimental norte-ameri
cano e do surgimento da televisão, do vídeo e do com
putador, que o conceito tradicional de cinema havia
explodido. Até a época em que o livro foi escrito, o ci
nem a era ainda uma forma de "artesanato" que deri
vava do período da Revolução Industrial e não havia
sofrido qualquer mudança substancial desde os tem
pos de Griffith. Tudo estava ainda embasado numa
tecnologia que já havia se tornado arqueológica (a
câmera analógica de arrasto mecânico e a película
fotoquímica), além de contar com uma modalidade
de sustentação económica vinculada às formas de
espetáculos teatrais e derivada unicamente dos in
gressos comprados pelo público. No entender de
Youngblood, podíamos pensar o cinema de uma ou
tra maneira, um cinema lato sensu, seguindo a etimo
logia da palavra (do grego kínema-ématos + gráphein,
"escrita do movimento"), que inclui todas as formas
de expressão baseadas na imagem em movimento,
preferencialmente sincronizadas a uma trilha sonora.
~esse sentido expandido de arte do movimento, tele
visão e vídeo também passam a ser cinema, assim
cultura. Eis por que essa arte das imagens em movi
mento - que no passado já foi teatro de sombras,
caverna de Platão, lanterna mágica, praxinoscopia
(Reynaud), fenaquistiscopia (Plateau), cronofotogra
fia (Marey) e depois se tornou cinematografia (no sen
tido que lhe deu Lumiere) - está sofrendo agora um
novo corte em sua história para se tornar cinema expan
dido, ou seja, o audiovisual. Nesse sentido, ele vive um
momento de ruptura com as formas e as práticas fossi
lizadas pelo abuso da repetição e busca soluções inova
doras para reafirmar sua modernidade.
~ideia de "expansão" germinou muito nas déca
das seguintes: em certo sentido, todos os meios e artes
entraram num processo de expansão, como se os cír
culos definidores de todas as artes e meios ameaças
sem se fundir num único círculo do tamanho do campo
inteiro da cultur!IJ A partir de então, passou-se a falar
em escultura em campo expandido (Rosalind Krauss),
ou seja, a escultura que sai às ruas, dialoga com a paisa
gem e com as outras mídias, cumprindo uma missão
pública.
Fala-se também em fotografia expandida (Ru
bens Fernandes Jr.), ou seja, a fotografia que se hibri
diza, importa técnicas e ferramentas das artes plásticas
e outras artes e atualmente migra para o digital. Essa
nova fotografia surge mais ou menos ao mesmo tempo
em que o peso jurássico da suposta "indexicalidade" de
suas imagens passa a ser questionado e relativizado por
uma outra geração de pensadores (Vilém Flusser,
[67J
"' ,-"O '-E (lJ
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•
E
'" U t '-\~ III
11,11 1
i\ rlin lo Machado). Fala-se ainda em vídeo expandido ( Itoberto Cruz), ou seja, o vídeo que se apresenta de
fo rm a múltipla, variável, instável, complexa, ocor-
" ndo numa variedade infinita de manifestações. De Cato, o vídeo hoje pode estar presente em esculturas, in stalações multimídia, ambientes, performances,
intervenções urbanas, até mesmo em peças de teatro,
salas de concerto, shows musicais e raves. As obras ele
trônicas podem existir ainda associadas a outras . modalidades artísticas, a outros lneios, a outros materiais, a outras formas de espetáculo. Muitas das expe
riências videográficas são mesmo fundamentalmente efêmeras, no sentido de que acontecem ao vivo apenas
num tempo e lugar específicos e não podem ser resga
tadas a não ser sob a forma de documentação. Como consequência dessa dissolução do vídeo em todos os
ambientes, os profissionais que o praticam, bem como os públicos para os quais ele se dirige, foram se tor
nando cada vez mais heterogêneos, sem qualquer referência padronizada, perfazendo hábitos cultu
rai s em expansão, circuitos de exibição efêmeros e
experimentais, que resultam em verdadeiros quebra
cabeças para os analistas. É como ?e o conceito de "é'xpansão" cumprisse, pelo menos num primeiro momento, um papel estratégico na superação do re-
gime da especificidade. Depois de Youngblood, outro importante pen
sador da convergência dos meios foi Raymond Bellouro Começando por Passages de l' Image, exposição
,
organizada por Bellour e outros em 1990, a questão que primeiramente ele se coloca é a impossibilidade
de se continuar pensando os meios como separado i e independentes. Chega um momento em que "torna
se claro que não se pode mais continuar dizendo como
antes: o cinema, a fotografia, a pintura": a multiplicação problemática dos modos de produção e dos su
portes de expressão, introduzidos pela televisão, pela gravação magnética do som, pelo vídeo e o computa
dor exige uma mudança de estratégia analítica. Em
lu ar de ensar os meios individualmente, o que começa a interessar agora são as passagens que se operam
entre a fotografia, o cinema, o vídeo e as mídias digi-, tais. Essas passagens permitem compreender melhor ,
as tensoes e as ambiguidades que se operam hoje entre
o movimento e a imobilidade (também há movimento na fotografia, assim como há filmes feitos exclusivamente de fotos fixas), entre o analógico e o
digital, o figurativo e o abstrato, o atual e o virtual.
Mas não se trata apenas de uma estratégia para compreender as novas imagens; essa é a maneira como
a indústria inteira do audiovisual agora funciona. As
fronteiras formais e materiais entre os suportes e as linguagens foram dissolvidas, as imagens agora são
mestiças, ou seja, elas são compostas a partir de fontes
as mais diversas - parte é fotografia, parte é desenho, parte é vídeo, parte é texto produzido em geradores de
caracteres e parte é modelo matemático gerado em
computador. Cada plano é agora um híbrido, em que
[69]
o -o
'" -<= u
'" E o -o c
70]
já não se pode mais determinar a natureza de cada um
de seus elementos constitutivos, tamanha é a mistura,
a sobreposição, o empilhamento de procedimentos diversos, sejam eles antigos ou modernos, sofisticados
ou elementares, tecnológicos ou artesanais. ° próprio conceito de "plano", importado do cinema tradicio
nal, revela-se cada vez mais inadequado para descre
ver o processo organizativo das imagens, pois em geral há uma infinidade de "planos" dentro de cada tela,
encavalados, superpostos, recortados uns dentro dos outros. Não só as origens são diferentes, mas essas
imagens estão ainda migrando o tempo todo de um
meio a outro, de uma natureza a outra (pictórica, foto
química, eletrônica, digital), a ponto de este trânsito permanente se tornar sua característica mais mar
cante. Muitos materiais utilizados, inclusive, são reci
clagens de imagens em circulação nos meios de massa, cujas origens já se perderam.
A partir da década de 1990, Bellour se dedica quase que exclusivamente ao exame da convergência
dos meios, através de inúmeros artigos e curadorias.
Uma boa parte dessa reflexão encontra-se compilada
nos dois grossos volumes de seu L'Entre-images, cujo
tema não é nunca o que define um meio enquanto tal, mas o que há de um meio em outro - o que há de pin
tura no cinema ou de cinema na literatura, ou de foto
grafia na música, ou de televisão no vídeo. Em uma
exposição recente dedicada ao tema da presença da
fotografia em outros meios - Estados da Imagem, no
,
Centro Cultural Belém, Lisboa -, o
seguinte em seu texto" ,tálogo: to, ponto de partida é, pois, o arché da fotografia, con
tudo deve-se esclarecer que, no nosso entendimento, o 'fotográfico' não é uma categoria exclusiva à foto
grafia, nem aos seus procedimentos específicos, ou
seja, o 'fotográfico' é uma condição transversal a
vários gêneros e práticas da imagem ... e liga-se sobretudo a um campo de visualidade do qual sobressaem
as ações de paragem e desdobramento do movi
mento, bem como os efeitos que essas experiências
induzem na percepção de um tempo (complexo, aberto, 'cristal') que é imanente à imagem) Para
demonstrar sua tese, Bellour apresenta trabalhos de
12 artistas que produzem com meios diferentes (cinema, vídeo, computação gráfica, instalação multimí
dia, sintetizador de som etc.) , mas que tentam resolver ou dar forma a problemas originalmente colocados
pela fotografia: a questão da interrupção e congelamento do tempo, o intervalo e o instante, a tênue tron-
. . . , . telra entre o movImento e a merCla.
L Ora, se o "específico" da fotografia pode ser en
contrado em todos os outros meios, então a nossa
metáfora dos círculos definidores dos campos dos
meios deve ser reformulada. Em vez de imaginá-Ia no plano bidimensional, talvez fosse mais adequado
representar o mar da cultura num espaço tridimen
sional, em que, dependendo do ângulo de visão, o
vários círculos se sobrepõem, se ajustam, se repetem
[71]
'" .--o .-E <lJ <lJ 1:: '"
o " '" lJ '" I
" " I , , }d
Sl' inte rceptam perpendicularmente e se confundem.
() J1 Ú Ico duro de um meio, além de jáexpandido,ecoa
'111 o utrojNão por acaso fala-se tanto hoje eIl'\ sineste-~
siri .- a mÚsica é visual, a escultura é líquida ou gasosa, "
() vídeo é processual, a literatura é hipermídia, o teatro
é vi rtual, o cinema é eletrônico, a televisão é digital.
Uma interessante recolocação desse problema
es tá num livro recente de Jay David Bolter e Richard
rusin - Remediations: Understanding New Media
d cdicado ao tema da convergência nos meios digi
ta is. Os autores criticam o p ensamento "esp ecifici
za nte" que se instalou nos novos meios, para o qual
tudo o que não é digital "já era", Como uma tentativa
de promover o "nÚcleo duro" da mídia di gital,
demonstrando nao apenas que os meios "velhos" já
es tão mortos, mas também que os novos meios (rea
lidade virtual, computação gráfica, videogam e,
[n ternet ) são alguma coisa de absolutamente dife
rente com relação a eles e, nesse sentido, devem bus
car princípios es téticos e culturais distintos. Para
Bo i ter e Grusin, esse modo de ver as coisas repre
se nta uma ingênua retomada, a qualquer custo, do
m i to modernista do "novo", Eles preferem acreditar
qu e os novos meios encontram sua relevância cultu
ra l quando reavaliam e revitalizam m eios mai s anti
gos, como a pintura perspectivada, o filme, a fotogra
fi a e a televisão. Na verdade,lQs chamados "novos
mcios" só puderam se impor como "novos" e ser ra
pidamente aceitos e incorporados socialmente pelo
I
que eles tinham também de "velhos" e familiare.1 AJ esse processo de remodelação ou reajuste (refashio
ning) dos meios precedentes eles dão o nome de
"remediation" (re-mediação ), e o exemplo mais elo
quente é a tela do computador, onde se pode ter,
superpostas ou lado a lado, várias janelas abertas
textos, planilhas de cálculos, fotografias, vídeos, grá
ficos , músicas etc.\,,O computador carrega, portanto,
essa contradição de aparecer como uma mídia Única,
sintetizadora de todas as demais, e, ao m esmo tempo,
um híbrido, onde cada um dos meios (texto, foto ,
vídeo, gráfico, mÚsica) pode ser tratado e experimen
tado separadament~
Nas Últimas décadas, as discussões relativas aos
m eios de comlfnicação começam a ser contamina
das por novos conceitos, como os de hibridização,
mestiçagem e outros. Vale recordar que !talo Calvi
no, em suas Seis propostas para o próximo milênio,
reconhecia, dentre as principais características da
arte que deveria marcar a virada do milênio a multi
plicidade. Ela é definida por Calvino como um con
junto de "redes de conexões entre os fatos , entre as
p essoas, entre as coisas do mundo" .• Se for possível .
reduzir a uma palavra o projeto estético e semiótico • que está pressuposto em grande parte da produção
• •
audiovisual m ais recente, podemos dizer que se trata
dê uma procma sem tréguas dessa m!!lhplicídadê
que exprime o modo d e conhecimento do hom~m •
contemporâne9· -•
[73]
'" .-"O "-E
'" '" t:: '"
,
•
o "O <O .c u <O
E o
"O c:
[74]
o mundo é visto e representado como uma tra
ma de relações de uma complexidade inextricável, em
que cada instante está marcado pela presença simul
tânea de elem entos os mais heterogêneos, e tudo isso
oco rre num m ovimento vertiginoso, que torna mu
tantes e escorregadios todos os eventos, todos os con
textos, todas as operações. ~ recursos de edição e
processam ento digital permitem hoje jogar para den
tro da tela uma quantidade quase infinita de imagens
(m ais exatam ente, fragmento s de imagens), fazê-las
combinarem -se em arranjos inesperados, para, logo
em seguida, repensar e questionar esses arranj os,
redefinind o-os em novas combinações) A técnica
m ais utilizada consiste em abrir "janelas" dentro do
quadro para nelas invocar novas imagens, de modo a
tornar a tela um espaço híbrido de múltiplas imagens,
múltiplas vozes e múltiplos textos. Essa espécie de
escritura múltipla, em que texto, vozes, ruídos e ima
gens simultâneas se combinam e se entrechocam para
compor um tecido de rara complexidade, constitui a
própria evidência estrutural daquilo que m oderna
m ente nós convencionamos chamar de uma estética -
da saturação, do excesso (a máxima concentração de
qualq uer integridade estrutural uer siste-
Trata-se, numa
palavra, de superpor tudo (textos, imagens, sons) ou
de imbricar as fontes umas nas outras, fazendo-as acu-
I ,
I
•
•
I I
•
•
mularem-se infinitamente dentro do quadro, de modo
a saturar de informação o espaço da representação.
A multiplicidade nos coloca ca ra a cara com o
que se convencionou chamar de segundo barroco o u
neobarroco, tendência geral da arte e dos meios con
temporân eos caracterizada pela recusa das formas
unitárias ou sistemáticas e pela aceitação deliberada >
<ia p luridimensionalidade, da instabilidade e da .
mutabilidade como categorias produtivas no uni-
verso da CIIltur'!. Severo'Sarduy, em seu livro sobre o
barroco, afirma que esse m ovimento es tá sempre
associado a momentos de crises epistem ológicas,
quando valores perenes - principalmente no campo
da astrofísica - em que se baseavam os sistemas polí
ticos, as crenças e as religiões são abalados por novas
descobertas, como a não centralidade da Terra no sis
tem a solar, a relatividade do tempo e do espaço ou a
efemeridade do universo.D barroco é expressão de
m o mentos em gue falta à humanidade solo firm e • para pI sar.,
Alguns trabalhos mais recentes, com o os filmes de
Jean-Luc Godard e Peter Greenaway, os vídeos de David
Larcher, Gianni Toti, Zbigniew Rybczynski e as m odal i
dades computadorizadas de multimídia ou hipermídia
apontam hoje paraa possibilidade de uma nova "gramá
tica" dos m eios audio;"isuais e também ara a necessi
. a e e novos parâmetros de leitura por parte do sujeito
receptor. A tela (do monitor, do aparelho de televisão)
torna-sê agora um espaço topográfico onde os diversos
u, "
" • I
, IIi
'" t ' ,,' • •
delll entos imagéticos (e também verbais, sonoros) vêm
ills ' r 've r-se, tal como já se pode hoje vislumbrar em
,Imbi 'nt e computacionais multitarefas.\.Qo espaço isofâ/Jico da figuração clássica, baseado na continuidade e
11 :1 homogeneidade dos elementos representados, pas
S:11ll \lS agora ao espaço politápico, em que os elementos
ço nst i tutivos do quadro migram de diferentes contextos
<.'s pacia is e temporais e se encaixam, se encavalam, se
wb repõem uns sobre os outros em configurações híbri-• • •
(bsJ~ u ma vez que agora os novos processos lmagetlCos
d 'spejam seu fluxo de imagens e sons de forma simultâ
II '3, isso exige, da parte do receptor, reflexos rápidos para
'nptar todas (ou parte delas) as conexões formuladas,
IllIma velocidade que pode mesmo parecer estonteante
:1 lIm "leitor" maís conservador, não familiarizado com
as formas expressivas da contemporaneidade.
Até agora, tentamos discutir as tendências que
dão expressão à co nvergência dos meios e as relações de • • se ntid o que constituem essa mesma convergencla.
Iles ta perguntar agora para onde toda essa hibridização
nos cond uz e que políticas ela pressupõe. Muitas vezes,
:1 noção de convergência pode sugerir uma fácil integra
,'ao e uma fusão harmoniosa das formas de cultura, sem
la r peso suficiente às contradições que se operam den-
tI'O dela e sem considerar os prejuízos que ela pode cau
sa r a tudo aquilo que não se deixa hibridizar com facili
dade. O discurso da convergência às vezes tem um tom
excessivam ente celebratório, como se toda hibridiza
~'óo correspondesse sempre a uma harmonização da-
I I I
,
i
quilo que antes era fragmentado e beligerante:t~m im
portante cientista social argentino, Néstor Canclini,
propõe que pensemos os processos atuais de hibridiza
ção no contexto das ambivalências da industrialização,
da massificação globalizada dos processos simbólicos e
dos conflitos de poder que suscitam,J A hibridização,
sem n enhuma dúvida, produz inovação e avanço em
termos de complexidade, mas também relações de desi
gualdade e assimetrias entre os fatos de cultura que ela
agrega. É o caso do processo' de informatização forçada
que estamos vivendo hoje, em que os meios (fotografia,
cinema, vídeo, televisão, gravação sonora etc.) estão
sendo constrangidos a transitar para o digital, numa
velocidade que chega a ser predatória, pois gera excluí
dos, gerações incapazes de se adaptar, obsolescência
tecnológica e sucateamento de acervos.
Além disso, as constantes fusões e mudanças tec-
nológicas im as
para amadurecer o domínio de um
- meio ou técnica, tornando os novos produtos necessa- -.
namente mais sUperfiCl31S e de fôlego mais curto. Nos
tempos da divergência e da especificidade, um cineasta
levava muito tempo para chegar à direção, passando
por um longo processo de amadurecimento como
assistente de direção e diretor de curtas-metragens.
Hoje, uma nova tecnologia ou uma nova mídia não
dura mais que cinco ou dez anos, impossibilitando
portanto o amadurecimento profissional, a constitui
ção de uma linguagem suficientemente desenvolvida,
•
[77]
" ::l
" ---'
" --:> ::l ----o
8]
•
a destilação de uma estética e a formação de um acervo
de obras representativas. Às vezes, o hibridismo pode
até mesmo dar expressão a algum tipo de esquizofre
nia, como acontece nos ambientes computacionais,
em que a possibilidade de acesso às mais variadas fon
tes em formatos digitais e a facilidade de fu são de todas
essas fontes na tela do computador fazem com que
muitos realizadores se sintam quase constrangidos a
juntar tudo, produzi ndo resultados que estão mais
para a pirotecnia de efeitos do que para a consistência
estética e comunicativa do produto.
A hibridização e a convergência dos meios são
processos de interseção, de transações e de diálogo,
implicam movimen tos de trânsito e provisoriedade,
implicam também as tensões dos elementos híbridos
convergi os, artes ue 1 e n ao c e am a
ndir-se completamente.~'.~ma teoria não ingénua da hibridização", diz Can-clini, "é inseparável de uma
consciência crítica de seus limites, do que não se
deixa, ou não quer ou não pode ser hibridizado.,j
H [.] [. ]
I
•
I I
, I I
referências e fontes
•
[p26] A referência a Walter Benjamin foi retirada de seu
texto "A obra de arte na época de sua reprodutibilidade
técnicà~ publicado em A ideia do cinema (org. de José
Lino Grünnewald, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira,
1969).
[p28] A observação de Bruce Ferguson foi extraída de
seu texto "The importance ofbeing Ernie", publicado
em Illuminating Video (org. Doug Hall and Sally Jo
Fifer, Nova York, Aperture, 1990).
[p30] O livro de Laymert Garcia dos Santos foi publi
cado pela editora 34 Letras (São Paulo, 2003).
[p32] A notícia sobre a extinção do último serviço de
pombos-correios foi extraída do artigo de Bruce SI ' 1'
o
" <O .c u <O
E o
" c:
[82]
quarto iconoc/asmo e outros ensaios hereges, de Arlindo
Machado (Rio de Janeiro, Contracapa, 2001 ); 5) O
vídeo expandido, de Ro berto Cruz (dissertação de
mestrado defendida na Escola de Comunicação da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2001).
[p69-71] A primeira citação de Raymond Bellour foi
extraída da in trodução do catálogo Passages de l' image (Paris, Georges Pompidou, 1990). Os demais textos
são: 1) L'Entre-images (Paris, La Différence, 1990); 2) '
L'Entre-images 2 (Paris, P.O.L., 1999) ; 3) "Percursos",
Lisboa Photo 2005 (Lisboa, Câmara Municipal, 2005).
[p72] Remediations foi publicado pela The MIT Press
(Berkeley, 2000).
[p73] O livro de h alo Calvino foi publicado pela Com
panhia d as Letras (São Paulo, 1990).
[p75] O livro de Severo Sarduy é Barroco (Buenos Aires,
Sudamericana, 1974).
[p77] As citações de N éstor Canclini foram extraídas de
Culturas híbridas (São Paulo, Edusp, 2003).
, I
,
•
sugestões de leitura
•
PARA UMA BASE MAIS filosófica do problema da produ
ção de arte numa época de pesada m ediação tecnoló
gica, sugiro a obra visceral de Vilém Flusser, Filosofia da caixa-preta. Esse livro foi publicado originalmente
no Brasil pela editora Hucitec, de São Paulo, em 1985,
mas a edição se esgotou e durante muito tempo o lei
tor brasileiro ficou sem acesso à obra. Em 1998, saiu
uma edição do mesmo texto em Portugal, mas com o
título alterado para Ensaio sobre a fotografia (Lisboa,
Relógio d'Água). Recentemente, em 2005, a editora
Relume-Dumará, do Rio de Janeiro, relançou o texto
clássico de Flusser, conservando o título original, mas
acrescentando um subtítulo: "Ensaios para uma
futura filosofia da fotografia". Qualquer das edições é
confiável, pois todas elas reproduzem o texto origi-
'I
[811
o 'O ro
.<::: u ro E o
'O c:
80]
ling, "Goodbye, dear pigeons", publicado em LAB
Jahrbuch 2001/02 für Künste und Apparate (Colônia,
Kunsthochschule für Medien, 2002).
[p33] A expressão de Eugênio Trivinho foi extraída de
seu O mal-estar da teoria: a condição crítica na sociedade tecnológica atual (Rio de Janeiro, Quartet, 200 1).
As idéias de Jesus Martín-Barbero foram extraídas de
seu artigo "Razón técnica y razón política: espa
cios/tiempos no pensados", publicado na revista '
Ciencias de la Comunicación, ano I, n.1.
[p35] Todas as citações de Roy Ascott foram retiradas
de seu livro Telematic Embrace: Visionary Theories of Art, Technology, and Consciousness (Berkeley, Univer
sity of California Press, 2003).
[p39]A citação de Sérgio Paulo Rouanet foi extraída do
artigo "Flusser em Praga", publicado no caderno
Ideias do Jornal do Brasil (11 jan 1997).
[p40-1] As ideias de Vilém Flusser contidas nessas página
foram extraídas de seu livro Pós-história: vinte instantâneoseum modo de usar (São Paulo, Duas Cidades, 1978).
O livro Filosofia da caixa-preta foi publicado original
mente pela editora Hucitec (São Paulo, 1985).
[p41]Ins Universum dertechnischen Bilderfoi publicado
em Gottingen pela European Photography (1985).
[p44] Steps to an Ecology of Mind foi publicado em No
va York, pela Ballantine Publishers (1972).
[p60·1] Os livros citados nessas páginas são: 1) La chambre claire, de Roland Barthes (Paris, Gallimard/Seuil,
1980); 2) On Photography, de Susan Sontag (Har
mondsworth, Penguin, 1979); 3) Qu'est-ce que le cinéma?, de André Bazín (Paris, Cerf, 1958); 4) I.:Acte photographique, de Philippe Dubois (Paris, Nathan &
Labor, 1983); 5) I.:Image précaire, de Jean-Marie Scha
effer (Paris, Seuil, 1987).
[p62-3] As referências a Marshall McLuhan foram
extraídas de seu livro Understanding Media (Londres,
Routledge,1964) .
[p64]A citação de Ivana Bentes foi extraída de seu texto
"Vídeo e cinema: rupturas, reações e hibridismo",
publicado em Made in Brasil: três décadas do vídeo brasileiro (org. A. Machado, São Paulo, ltaucultural,
2003 ).
[p66] Expanded Cinema foi publicado pela Dutton de
Nova York (1970).
[p67-8] Os textos citados nessas páginas são: 1) "Sculp
ture in the Expanded Field", de Rosalind Krauss,
publicado em TheAnti-Aesthetic: Essays on Postmodern Cu/ture (org. Hal Foster, Seattle/Washington, Bay
Press, 1983); 2) A fotografia expandida, de Rubens
Fernandes JI. (tese de doutorado defendida na Pontifí
cia Universidade Católica de São Paulo, 2002); 3) Máquina e imaginário: o desafio das poéticas tecnológicas, de Arlindo Machado (São Paulo, Edusp, 1993); 4) O
[81]
ro .-'O '-E
'" '" t ro o
, ,
•
• • i ,
~ l
•
n;lI , " lrad uzido" do alemão diretam ente pelo próprio
I :Iussc r.
Infelizmente, outro livro fundamental- Expanded Cill ema (Nova York, Dutton ), de Gene Yo ungblood
n;1O fo i a té hoje traduzido para o português, embora
Il' nh a sido p ublicado em 1970. É uma obra clássica, a
primcira a pensar a convergên cia das artes e m eios
Ilum a perspectiva absolutamente con tempo rânea.
I :cz h istó ria, influen ciou muito o pensamento poste- .
ri o r e é po r isso indispensável.
Fundamental também é a coletânea de artigos de
Ray lllond Bellour chamada L'Entre-images, dedicada à 111 iscigenação das artes com as mídias. Na França, o
li vro fo i publicado em dois volumes (um em 1990 e
o utro em 1999). No Brasil, apenas o primeiro fo i publi-
ado, pela editora Papirus, de Campinas, em 1997. O
segundo só está disponível aos falantes do francês:
L'Entre-images 2 (Paris, P.O.L., 1999) .
M esm o sem ser dedicado especificamente ao
exam e das relações entre arte e m ídia, o livro do cien
tista social argentino Néstor Canclini Culturas híbridas (São Paulo, Edusp, 2003) oferece um pano de fundo
h istó rico e político para se pensar a hib ridização dos
vários estra tos, das várias dimensões e das várias vias da
cultura contemporânea, permitindo entender melhor
a atual indistinção entre culturas "elevadas" (antes cha
mad as "de elite") , culturas populares e culturas "de
massa" (no sentido industrial do termo) .
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