12
OS oLHOS DO GRANDE IRMÃO uma etnograa dos fãs do Big Brother Brasil

Livro Bruno Campanella.pdf

Embed Size (px)

Citation preview

  • OS oLHOS DO GRANDE IRMO

    uma etnografi a dos fs do Big Brother Brasil

  • Conselho Editorial

    Alex Primo UFRGSlvaro Nunes Larangeira - UTP

    Carla Rodrigues PUC-RJCristiane Freitas Gutfreind PUCRSEdgard de Assis Carvalho PUC-SP

    Erick Felinto UERJJ. Roberto Whitaker Penteado ESPM

    Joo Freire Filho UFRJJuremir Machado da Silva PUCRS

    Maria Immacolata Vassallo de Lopes USPMichel Maff esoli Paris V

    Muniz Sodr UFRJPhilippe Joron Montpellier III

    Pierre le Quau GrenobleRenato Janine Ribeiro USP

    Sandra Mara Corazza UFRGSSara Viola Rodrigues UFRGS

    Tania Mara Galli Fonseca UFRGSVicente Molina Neto UFRGS

    Apoio:

  • Bruno Campanella

    OS OLHOS DO GRANDE IRMO

    uma etnografi a dos fs do Big Brother Brasil

    Este livro baseado na tese de doutorado do autor, vencedora do prmio Comps 2011

    de melhor tese na rea de comunicao.

  • Bruno Campanella, 2012

    Capa: Humberto NunesProjeto grfi co: Fosforogrfi co/Clo Sbardelotto Editorao: Clo SbardelottoReviso: Matheus Gazzola TussiReviso grfi ca: Miriam Gress

    Editor: Luis Gomes

    Maro / 2012Impresso no Brasil / Printed in Brazil

    Todos os direitos desta edio reservados

    EDITORA MERIDIONAL LTDA.

    Av. Osvaldo Aranha, 440 conj. 101CEP: 90035-190 Porto Alegre RSTel.: (51) 3311 4082 Fax: (51) 3264 4194 [email protected]

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)Bibliotecria responsvel: Denise Mari de Andrade Souza CRB 10/960

    C186o Campanella, Bruno Os olhos do grande irmo: uma etnografi a dos fs do Big Brother Brasil/Bruno Campanella. Porto Alegre: Sulina, 2012. 295 p. ISBN: 978-85-205-0642-4

    1. Comunicao Aspectos Sociolgicos. 2. Cultura e Mdia. 3. Programa de Televiso Crtica e Interpretao. 4. Comunicao Social. I. Ttulo

    CDU: 316.77 654.19 CDD: 302.23

    A grafi a desta obra est atualizada segundo o Acordo Ortogrfi co da Lngua Portuguesa de 1990, que entrou em vigor no Brasil em 2009.

  • SUMRIO

    INTRODUO ............................................................................. 7 Chegando ao objeto ......................................................... 7 Detalhando a pesquisa ..................................................... 12

    1 AS REFERNCIAS TERICAS E O INCIO DA PESQUISA .................. 23 1.1 Olhando para o cotidiano .................................... 23 1.2 Sobre a metodologia utilizada: a recepo e a etnografi a nos estudos de audincia ................. 36 1.3 Entrando na comunidade de fs do BBB ............... 45 1.4 Um relato refl exivo ................................................ 51

    2 SOCIEDADE E INDIVDUO NO BIG BROTHER BRASIL ................ 70 2.1 Consumo miditico como ritual ............................. 70 2.2 O cotidiano na articulao do indivduo com a sociedade ..................................................... 75 2.3 A combinao de diferentes perspectivas: o jogo e a experincia de convivncia ................... 76 2.4 Como o f percebe essa combinao? O exemplo de Gyselle ............................................ 82 2.5 O indivduo na sociedade: diferentes vises ......... 98

    3O PESSOAL POLTICO: A REPRESENTAO DO FEMININO NO BIG BROTHER BRASIL ..................................................... 114 3.1 Natlia, o Vento Minuano ao vivo .................. 114 3.2 Os estudos de telenovela e os modelos do feminino na TV ............................................... 137 3.3 O BBB e a televiso da herona ....................... 143

  • 4CAINDO AS MSCARAS: EM BUSCA DO AUTNTICO NO BIG BROTHER BRASIL ..................................................... 152 4.1 A individualizao da sociedade .......................... 152 4.2 A autenticidade como le sentiment de lexistence ....................................................... 156 4.3 A segurana ontolgica do sujeito sob risco ........ 162 4.4 O cotidiano do BBB: buscando a autenticidade do indivduo ......................................................... 168 4.5 Dr. Marcelo, o tirador de mscaras do BBB8 ....... 178

    5FS, REDE GLOBO E DISPUTA SUBCULTURAL NO BIG BROTHER BRASIL .................................................... 190 5.1 Os diferentes BBBs ............................................ 190 5.2 A importncia estratgica do formato para a Rede Globo ............................................... 192 5.3 Implicaes da transmisso multiplataforma ....... 209 5.4 Rede Globo x fs do BBB: um relacionamento complexo ............................................................. 215 5.5 Disputando capital social e subcultural na comunidade ..................................................... 236

    CONCLUSO .......................................................................... 274

    REFERNCIAS ........................................................................ 283

  • 7

    INTRODUO

    Chegando ao objeto

    [O] Big Brother tem uma coisa da observao da sociedade. O Big Brother replica... como se voc pegasse a nossa realidade, pegasse a sociedade, tirasse uma fatia, cortasse um pedacinho, n?... e botasse ali para observar. Igual uma lmina de laboratrio: voc passa, tira um pedao de tecido e bota l para fi car observando. (Susan, administradora do blog De Cara pra Lua, com faixa etria entre 45 e 50 anos, moradora de Niteri)

    O reality show Big Brother estreou na televiso brasileira em janeiro de 2002. Devido ao grande sucesso comercial do pro-grama junto audincia nacional, a Rede Globo, detentora dos seus direitos no Brasil, lanou uma segunda edio em meados daquele mesmo ano. Foi exatamente nesse perodo, quando eu estava fazendo mestrado em Londres, que descobri o Big Brother, porm em sua verso britnica. Embora j conhecesse o formato por meio de comentrios de amigos e da imprensa em geral, foi assistindo ao BB3 UK, como era popularmente conhecido, que experimentei, de fato, o reality show. Durante quase trs meses, acompanhei o dia a dia de um grupo de con-fi nados britnicos em suas conversas, brincadeiras, intrigas e relacionamentos amorosos. Mais do que isso, segui a reper-cusso gerada por esses acontecimentos nas revistas e jornais, especialmente os tabloides. Mesmo j morando na Inglaterra h aproximadamente um ano, fui surpreendido pela quantidade de informaes novas relativas aos modos de pensar da sociedade britnica, s maneiras como as diferenas de classe e etnia se

  • 8

    materializavam nas prticas cotidianas do indivduo (e como elas repercutiam na mdia), s formas com que as sexualidades diversas manifestadas no confi namento eram interpretadas pela audincia, entre outras.

    A participao de Jade Goody naquela edio do BB UK foi particularmente informativa nesse sentido. Proveniente de um contexto familiar problemtico1 fi lha de uma me dependente de herona e defi ciente fsica (devido a um aciden- te de moto) e de um pai com diversas prises por furto e porte de drogas (ele estava cumprindo pena quando Jade entrou no BB) , a enfermeira dentria do bairro londrino de Bermondsey foi considerada inimiga pblica nmero um do pas2 aps poucas semanas de confi namento. Jade, apelidada pelo tabloide The Sun de pig (porca) devido ao seu porte avantajado, lbios carnudos e nariz largo, herana de seu av paterno negro de origem caribenha, foi vtima de uma campanha hostil desferida por vrios meios de comunicao3. Alm da aparncia, esses tabloides ironizavam seu comportamento rude junto aos com-panheiros de BB, sua ignorncia em relao a conhecimentos bsicos de histria e geografi a geral4, seu forte sotaque5 cockney

    1 Mum was a lesbian, Dad was a drug addict burglar who hid guns under her cot, The Sun, 22/03/2009.

    2 Public enemy number one Jade up for eviction, The Guardian, Media Guardian, 22/07/2002.

    3 Jade has black roots through Grandpa Winston, Daily Mail, 20/01/2007.4 Em conversa com sua companheira de confi namento Adele, Jade pergun-

    tou se Rio de Janeiro no seria o nome de uma pessoa, em vez de uma cidade no Brasil. Em outra situao, Jade Goody confessou pensar que a regio de East Anglia (referida por ela como East Angular), onde se localiza a cidade inglesa de Cambridge, fosse localizada ao lado da Tunsia. Do you think I am thick? The Sun, 13/06/2008.

    5 O instituto Hear the World realizou uma pesquisa com 4 mil adultos britnicos em junho de 2007 sobre as percepes da populao sobre

  • 9

    (associado s classes operrias de Londres) e o fato de ela ter mantido relao sexual com um outro confi nado, conhecido como PJ, ao fi nal de uma noite em que ambos consumiram grande quantidade de lcool6. A campanha contra Jade culmi- nou com uma manchete na primeira pgina no The Sun, onde se lia Expulsem a porca, em que o tabloide afi rmava que Jade uma infl uncia destrutiva na casa e a prova condenatria do sistema educacional britnico 7.

    As discusses envolvendo a participao de Jade Goody no BB3 UK expuseram inmeras tenses dentro daquela socie- dade que, at o momento, eram invisveis para mim. Talvez ainda mais surpreendente tenha sido a reviravolta dada pelos meios de comunicao aps a no eliminao de Goody em seu primeiro paredo. Ao perceber que a participante ganhava simpatia da populao, a despeito de ter sido impiedosamente ridicularizada em inmeras manchetes, a imprensa popular ini- ciou um processo de mea culpa em que reconhecia o papel das difi culdades socioeconmicas na formao da personalidade rs- pida da confi nada, assim como tambm assumia o carter racista e preconceituoso de inmeros comentrios direcionados a Jade8.

    os diversos sotaques daquele pas. Um dos resultados mostrou que o sotaque de Jade Goody foi considerado o mais irritante entre todas as celebridades britnicas, recebendo 30% da totalidade dos votos (http://www.hear-the-world.com/en/experience-hearing/current-studies.html).

    6 Aps esse evento, somente Jade foi repreendida pelos jornais. O comportamento do seu parceiro PJ foi considerado aceitvel para os padres morais britnicos. O jornal The Guardian sugere que o fato de Jade ser mulher e proveniente das classes operrias foi fundamental na condenao pblica a qual foi submetida por outros rgos de imprensa (A refl ection of our times: what our treatment of Jade Goody taught us about ourselves, The Guardian, 24/03/2009).

    7 Vote out the pig, The Sun, 03/07/2002.8 A refl ection of our times: what our treatment of Jade Goody taught us

    about ourselves, The Guardian, 24/03/2009.

  • 10

    As discusses suscitadas pelo BB3 UK envolvendo os mais diversos aspectos da cultura britnica me incitaram (aps meu retorno ao Brasil) a realizar um estudo aprofundado do caso brasileiro, pas em que aproximadamente 40% dos do- miclios com televiso acompanham o resumo dirio do Big Brother exibido pela Rede Globo9. Embora no exista uma cultura de jornais tabloides consolidada como no Reino Unido, a repercusso do reality show na sociedade brasileira no menor. Ao contrrio, o pas responsvel por um fenmeno aparentemente singular no mundo10: o do aparecimento espon-tneo de uma comunidade on-line de grandes propores de fs desse programa.

    Criada em 2003 pelos blogueiros Tors11 e Dona Lupa com o intuito de debater o Big Brother Brasil (BBB), a comu-nidade de fs cresceu substancialmente ao longo dos anos, transformando-se em um espao no qual inmeros segmentos da sociedade brasileira interagem. Entre seus frequentadores sejam eles visitantes espordicos ou ativos blogueiros e comen-

    9 Almanaque IBOPE on-line. Dados referentes ao ano de 2008.10 Mesmo que no tenha conduzido uma investigao de blogs e fruns em

    todos os pases em que o Big Brother j tenha sido exibido, tentei, sem sucesso, localizar na internet fenmenos parecidos com o que apresento aqui. Igualmente, no foi possvel encontrar qualquer trabalho acadmico, livro ou artigo, sugerindo a existncia de uma comunidade de fs do Big Brother com a dimenso e as caractersticas daquela existente no Brasil. Nem mesmo nos congressos de comunicao e de antropologia da mdia que participei na Inglaterra e na Espanha nos ltimos anos j se tinha ouvido falar de algo semelhante.

    11 Por uma preocupao com a confi dencialidade em relao aos informantes, no trago qualquer dado neste trabalho que permita que se chegue s identidades verdadeiras dos fs do programa. De modo geral, adoto os prprios apelidos (nicks) que os fs utilizam na comunidade de discusso. Em um caso especfi co, no entanto, utilizo um nome alternativo para fazer referncia a uma informante, pois seu apelido na comunidade oferece indcios da sua identidade verdadeira.

  • 11

    taristas possvel encontrar, por exemplo, acadmicos, profi s-sionais liberais, funcionrios pblicos, jovens estudantes, donas de casa, desempregados e executivos de empresas12. A Net.BBB13, conforme fi cou conhecida entre os seus membros pio-neiros, era composta, no incio de 2008, por aproximadamente14 vinte e cinco blogs e um frum. O Tevescpio15, um dos mais infl uentes blogs desse espao social, recebeu uma mdia diria de 6 mil comentrios, enquanto que o blog De Cara Pra Lua16 registrou recorde de 12 mil comentrios em um s dia durante o perodo de exibio do BBB daquele ano. A prpria Rede Globo, percebendo a importncia dessa iniciativa, tentou sem sucesso, porm negociar a incorporao de alguns dos blogs com maior visitao da comunidade ao portal ofi cial do Big Brother Brasil (Campanella, 2009a).

    Tendo em vista tanto o ineditismo quanto a relevncia do fenmeno descrito acima, este trabalho tem por objetivo central analisar como se do as articulaes entre uma parcela

    12 Embora no tenha coletado uma amostragem estatisticamente signifi ca-tiva, dados provenientes tanto dos informantes quanto da observao participante conduzida nesta pesquisa revelaram a presena majoritria de fs na Net.BBB com situao econmica relativamente estabilizada. Tal fato no surpreendente se for levada em conta a necessidade de acesso a um computador conectado internet por longos perodos para que o f possa participar de maneira efetiva das discusses na Net.BBB, acesso que pode ser comprometido caso o indivduo tenha recursos fi nanceiros limitados para investir na atividade em questo.

    13 Mesmo que recentemente o nome Net.BBB tenha cado em relativo desuso pelos frequentadores dos espaos de discusso do Big Brother Brasil, eu o adotarei neste trabalho por motivo de praticidade.

    14 A palavra aproximadamente utilizada porque novos blogs so criados e fechados durante cada verso do BBB. O fechamento de blogs ocorre especialmente com aqueles que no conseguem se estabelecer como pontos de referncia dentro da comunidade.

    15 http://tevescopio.blogger.com.br/16 http://decarapralua.zip.net/

  • 12

    da audincia nacional, os participantes da Net.BBB e o reality show Big Brother Brasil (BBB), um dos contedos televisivos de maior impacto junto ao pblico dos ltimos anos. Mais espe-cifi camente, deseja-se responder s seguintes perguntas: Quais so as principais motivaes que levam os fs do programa a participarem ativamente dos debates envolvendo o cotidiano dos confi nados? Quais critrios so utilizados para avaliar a atuao dos postulantes ao prmio fi nal do BBB? At que ponto categorias sociais presentes na sociedade brasileira (tais como: classe social, raa, gnero e identidade regional) interferem nas leituras feitas do Big Brother Brasil? Como as condies criadas pelo ambiente de confi namento do reality show podem ser relacionadas s narrativas contemporneas que privilegiam a autenticidade e a autossuperao do indivduo? De que maneira os diferentes pontos de vista em relao ao programa moldam dinmicas e criam tenses dentro da comunidade de fs?

    Detalhando a pesquisa

    O interesse acadmico despertado pelo reality show Big Brother, desenvolvido pela produtora de formatos televisivos Endemol, to antigo quanto o prprio programa. Dezenas de artigos, dissertaes e captulos em livro foram escritos sobre as vrias caractersticas inovadoras do BB. Dentre estas, a promessa de vigilncia ininterrupta da rotina dos seus partici-pantes, que vivem em regime de confi namento pelo perodo de durao do programa algo em torno de trs meses17 tem

    17 Provavelmente, a mais notvel exceo seja a verso do Big Brother alemo exibido entre 2005 e 2006, chamado localmente de Das Dorf (A Vila). Nessa verso alternativa do formato original, os participantes moraram por um ano (363 dias, para ser mais preciso) em uma cidade fi ctcia construda especialmente para o reality show.