12
3 LIVRO DIDÁTICO, CULTURA AFRO-BRASILEIRA E INDÍGENA NA ESCOLA MUNICIPAL JOSÉ NUNES DE FIGUEIREDO EM OURO BRANCO/RN Marilene Lucena de Sousa * Almir de Carvalho Bueno Orientador RESUMO O Ensino de História da África e dos povos africanos no Brasil, bem como a História indígena, deve estar presente no ambiente escolar, tanto nas escolas públicas quanto privadas. A Lei 11.645/08 estabelece a obrigatoriedade dessa modalidade de ensino. Dessa forma, será abordado no presente trabalho a análise do livro didático adotado na escola José Nunes de Figueiredo na cidade de Ouro Branco, Rio Grande do Norte. As abordagens dos conteúdos referentes à cultura africana e afro-brasileira serão o foco principal do trabalho. De forma crítica analisaremos os conteúdos que versam sobre a cultura africana que permeia nossa própria história. O objetivo é problematizar o ensino de História e cultura africana e afro- brasileira no espaço escolar, bem como produzir uma reflexão sobre como, nós professores, estamos atuando em sala de aula. Além dos eixos elencados acima, a pesquisa contribuirá para a capacitação e formação dos professores que atuam no ensino público e privado. Um processo de reflexão da nossa atuação no ambiente escolar. O aporte teórico compõe o leque de historiadores que trabalham com o tema, tais como Giarola (2010), Guimarães (2008), Oliva (2003) e a Lei 11.645/08. Para dar respaldo ao trabalho, utilizamos como metodologia a análise do livro didático e observação na sala de aula. PALAVRAS-CHAVE Livro didático. Temática afro-brasileira. Indígena. * Discente do Curso de Especialização em História e Cultura Africana e Afro-Brasileira Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Centro de Ensino Superior do Seridó (CERES), Campus de Caicó, Departamento de História (DHC). Graduado em Pedagogia pela UFRN, CERES, Campus de Caicó. Professor da Rede Municipal de Ensino, na Escola Municipal José Nunes de Figueiredo (Ouro Branco-RN), onde é Pedagoga. E-mail: [email protected] Professor do DHC, CERES, UFRN. E-mail: [email protected]

LIVRO DIDÁTICO, CULTURA AFRO-BRASILEIRA E INDÍGENA … · da História e Cultura africana e afro-brasileira, além de enriquecer o aprendizado dos alunos e ... livro destinado ao

  • Upload
    dangtu

  • View
    232

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: LIVRO DIDÁTICO, CULTURA AFRO-BRASILEIRA E INDÍGENA … · da História e Cultura africana e afro-brasileira, além de enriquecer o aprendizado dos alunos e ... livro destinado ao

3

LIVRO DIDÁTICO, CULTURA AFRO-BRASILEIRA E INDÍGENA NA ESCOLA

MUNICIPAL JOSÉ NUNES DE FIGUEIREDO EM OURO BRANCO/RN

Marilene Lucena de Sousa*

Almir de Carvalho Bueno – Orientador†

RESUMO

O Ensino de História da África e dos povos africanos no Brasil, bem como a História

indígena, deve estar presente no ambiente escolar, tanto nas escolas públicas quanto privadas.

A Lei 11.645/08 estabelece a obrigatoriedade dessa modalidade de ensino. Dessa forma, será

abordado no presente trabalho a análise do livro didático adotado na escola José Nunes de

Figueiredo na cidade de Ouro Branco, Rio Grande do Norte. As abordagens dos conteúdos

referentes à cultura africana e afro-brasileira serão o foco principal do trabalho. De forma

crítica analisaremos os conteúdos que versam sobre a cultura africana que permeia nossa

própria história. O objetivo é problematizar o ensino de História e cultura africana e afro-

brasileira no espaço escolar, bem como produzir uma reflexão sobre como, nós professores,

estamos atuando em sala de aula. Além dos eixos elencados acima, a pesquisa contribuirá

para a capacitação e formação dos professores que atuam no ensino público e privado. Um

processo de reflexão da nossa atuação no ambiente escolar. O aporte teórico compõe o leque

de historiadores que trabalham com o tema, tais como Giarola (2010), Guimarães (2008),

Oliva (2003) e a Lei 11.645/08. Para dar respaldo ao trabalho, utilizamos como metodologia a

análise do livro didático e observação na sala de aula.

PALAVRAS-CHAVE

Livro didático. Temática afro-brasileira. Indígena.

* Discente do Curso de Especialização em História e Cultura Africana e Afro-Brasileira – Universidade Federal

do Rio Grande do Norte (UFRN), Centro de Ensino Superior do Seridó (CERES), Campus de Caicó,

Departamento de História (DHC). Graduado em Pedagogia pela UFRN, CERES, Campus de Caicó. Professor da

Rede Municipal de Ensino, na Escola Municipal José Nunes de Figueiredo (Ouro Branco-RN), onde é Pedagoga.

E-mail: [email protected] † Professor do DHC, CERES, UFRN. E-mail: [email protected]

Page 2: LIVRO DIDÁTICO, CULTURA AFRO-BRASILEIRA E INDÍGENA … · da História e Cultura africana e afro-brasileira, além de enriquecer o aprendizado dos alunos e ... livro destinado ao

4

TEXTBOOK, THEMATIC AFRO-BRAZILIAN AND INDIGENOUS IN THE

MUNICIPAL SCHOOL OF JOSÉ NUNES DE FIGUEIREDO, OURO BRANCO / RN.

ABSTRACT

The African History and Education of African peoples in Brazil, as well as the indigenous

history, must be present in the school environment, both in public and private schools. Law

11,645 / 08 establishes the obligation of this type of education. Thus, will be addressed in the

present study the analysis of the textbook adopted in school José Nunes Figueiredo at the

Ouro Branco city, Rio Grande do Norte. The approaches of content related to African culture

and african-Brazilian will be the main focus of the work. Critically analyze the contents that

relate to the African culture that permeates our own history. The intention is to discuss the

teaching of history and African culture and african-Brazilian at school as well as produce a

reflection on how we teachers, we are working in the classroom. Besides the above listed

axes, the research will contribute to capacity building and training of teachers who work in

public and private education. A reflection process of our work in the school environment. The

theoretical framework makes up the range of historians working with the theme, such as:

Giarola (2010), Gumarães (2008), Oliva (2003) and Law 11,645 / 08.

KEYWORDS

Textbook. Thematic african-Brazilian. Indigenous.

FONTES

Livro didático ―A escola é nossa‖.

Page 3: LIVRO DIDÁTICO, CULTURA AFRO-BRASILEIRA E INDÍGENA … · da História e Cultura africana e afro-brasileira, além de enriquecer o aprendizado dos alunos e ... livro destinado ao

5

INTRODUÇÃO

O Ensino de História da África e dos povos africanos no Brasil, bem como a História

indígena, deve estar presente no ambiente escolar, tanto nas escolas públicas quanto privadas.

A Lei 11.645/08 estabelece a obrigatoriedade dessa modalidade de ensino. A lei em questão é

a resposta da resistência e reivindicações que ocorreram ao longo do tempo e da história.

O negro figurou por muito tempo um espaço que o envolveu no obscurantismo ficando

à margem da história que adentrava os bancos das escolas. Sua dispersão e seus caminhos no

processo histórico não estiveram presentes em uma parcela considerável da historiografia,

pelo menos em boa parte dela, nem nos livros didáticos utilizados nas escolas, inclusive a

brasileira. Quando muito, indicavam que essas populações africanas serviam para o trabalho

escravo nas plantações de café, cana-de-açúcar ou no período em que a extração do ouro

requisitou mão-de-obra mais resistente.

Alguns excessos foram cometidos no que concerne à historiografia africana quando

nos referimos ao branqueamento e marginalização do negro, nesse sentido o campo

educacional brasileiro sofreu danos. Visto que irrompeu uma história dos vencidos, no sentido

de branca. Percebemos as lacunas que persistem na contemporaneidade em detrimento da

falta desse conteúdo na grade curricular das escolas brasileiras.

No momento em que não oferecemos o suporte necessário para que essas crianças

aprendam e recriem o cenário histórico da atuação africana na historiografia brasileira

sonegamos o direito ao conhecimento que os educandos possuem.

O papel da educação é significativo para o desenvolvimento humano, para a

formação da personalidade e aprendizagem. Nos primeiros anos de vida, os

espaços coletivos educacionais os quais a criança pequena frequenta são

privilegiados para promover a eliminação de toda e qualquer forma de

preconceito, discriminação e racismo. As crianças deverão ser estimuladas

desde muito pequenas a se envolverem em atividades que conheçam,

reconheçam, valorizem a importância dos diferentes grupos étnico-raciais na

construção da história e da cultura brasileiras (BRASIL. MEC, 2003).

Em consonância com o texto indicado pelo Ministério da educação, o trabalho visa

analisar o uso do livro didático na Escola Municipal José Nunes de Figueiredo, volume que é

destinado ao Ensino Fundamental (infantil). A introdução dos conteúdos referentes ao ensino

Page 4: LIVRO DIDÁTICO, CULTURA AFRO-BRASILEIRA E INDÍGENA … · da História e Cultura africana e afro-brasileira, além de enriquecer o aprendizado dos alunos e ... livro destinado ao

6

da História e Cultura africana e afro-brasileira, além de enriquecer o aprendizado dos alunos e

seu desenvolvimento na sociedade abarca as relações étnicas com os colegas. A disseminação

dessa historiografia nas escolas por meio do livro didático enriquece o desenvolvimento e

aprendizado dos educandos, como também favorece o fortalecimento dos laços históricos

entre a sociedade contemporânea e a historiografia brasileira. Porém, alguns dos livros

adotados pelas escolas, um deles é o volume ―A escola é nossa‖, não abrange todos os

conteúdos que referenciam a cultura africana, quando muito abordam, o espaço destinado é

demasiadamente resumido.

Com a falta das abordagens sobre a temática africana nos livros utilizados nas escolas

deixamos espaços vazios no aprendizado dessas crianças impossibilitando-as de conhecer

uma cultura que é maior que o conhecimento que elas adquirirão ao longo dos anos.

Permanecer nesse patamar é o mesmo que fomentar uma ignorância situacional da própria

história do país onde essas crianças nasceram, é sonegar a história e cultura que faz parte da

construção social do povo brasileiro.

No momento em que não expomos, não abordamos em sala de aula os conteúdos que

versam sobre a temática africana, nós minimizamos o poder de reflexão desses alunos, não

permitimos que eles alarguem sua visão com outros caminhos culturais percorridos ao longo

da história. Sobre o fato as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil,

informa que esse conjunto de saberes ―possibilitem vivências éticas e estéticas com outras

crianças e grupos culturais, que alarguem seus padrões de referência e de identidades no

diálogo e reconhecimento da diversidade‖ (Resolução CNE/CEB/2009).

A questão que envolve o livro didático e a distribuição dos conteúdos relacionados à

história e cultura africana é um desafio para a sociedade brasileira do século XXI. Vários

fatores influenciam diretamente na escassez do conteúdo exposto nos livros didáticos

utilizados pelas escolas, o tempo destinado às aulas da disciplina de História é curto e nem

sempre se pode abarcar a historiografia africana contida nesse livro. Dessa forma percebemos

que o problema não é só o livro e o tempo destinado ao ensino e aprendizado dos alunos, a

problemática vai além, ultrapassa os muros da escola.

Problematizando as questões citadas acima, como a peculiaridade da estrutura

educacional vigente, será abordada a problemática dos conteúdos contida no livro didático de

Rosemeire Alves Tavares e Maria Eugênia Bellusci Cavalcante, ―A escola é nossa‖. É um

livro destinado ao 3° ano do Ensino Fundamental, sua edição é de 2011. A intenção será

Page 5: LIVRO DIDÁTICO, CULTURA AFRO-BRASILEIRA E INDÍGENA … · da História e Cultura africana e afro-brasileira, além de enriquecer o aprendizado dos alunos e ... livro destinado ao

7

voltada para as abordagens contidas no referido livro sobre a história da cultura afro-brasileira

e indígena. O livro didático mencionado é usado na Escola Municipal José Nunes de

Figueiredo na cidade de Ouro Branco, Rio Grande do Norte. Dessa forma nos ateremos ao uso

desse livro na sala de aula, visto que os conteúdos relativos a cultura africana e afro-brasileira

e indígena são resumidos.

A ESCOLA COMO PALCO DE REFLEXÃO DO ENSINO DA CULTURA

AFRICANA

A Escola Municipal José Nunes de Figueiredo teve sua fundação em 30 de

novembro de 1979, pela Lei de Nº 181/78. No momento a administração da cidade estava nas

mãos do Prefeito Municipal Dr. Francisco Lucena de Araújo Filho. A escola foi autorizada a

funcionar pela portaria Nº 116/83, de 07 de abril de 1983. Atualmente, a Escola Municipal

José Nunes de Figueiredo está localizada na Avenida José da Penha - S/N.

O livro citado é usado há alguns anos nessa escola e é o embasamento para nós

professores em exercício. Por meio dele articulamos aulas e intervenções em sala de aula.

Claro que não nos restringimos ao livro didático, mas ele é necessário. O que nos preocupa é

o conteúdo e o pouco espaço destinado aos assuntos culturais africanos e indígenas.

Ao ler o livro e questionar o que nele é apresentado foi possível perceber o que as

abordagens sobre a História da África são rasas. Nessa rápida análise, questionamos sobre as

designações contidas na Lei Nº 11.645, de 10 março de 2008. A mesma exige os conteúdos

relativos à História e cultura afro-brasileira e indígena, fato já mencionado acima. No entanto,

nem sempre os conteúdos estão presentes, ou são muito superficiais em sua estrutura.

O livro ―A escola é nossa‖, com edição de 2011 e PNLD (Programa Nacional do Livro

Didático) estendido de 2013 até 2015, possui uma estrutura que foge aos pré-requisitos

estabelecidos na lei citada acima. Várias imagens são utilizadas como recurso didático para o

ensino das crianças, porém o conteúdo referente às mesmas é superficial e com abordagens

rápidas. Como reforça Oliva,

Se o ensino de História no Brasil passou por uma profunda transformação

nos últimos vinte anos, a mesma parece não ter atingindo de forma

significativa o estudo da História da África. Da criação da primeira cátedra

de História no país, em 1838, no Colégio Pedro II, até o final dos anos 1970,

Page 6: LIVRO DIDÁTICO, CULTURA AFRO-BRASILEIRA E INDÍGENA … · da História e Cultura africana e afro-brasileira, além de enriquecer o aprendizado dos alunos e ... livro destinado ao

8

as mudanças no ensino da disciplina foram limitadas pelo modelo positivista

hegemônico em uso. Porém, os anos 1980 e 1990 reservaram um espaço

fecundo e estimulante para a (re) significação de sua existência. Estabeleceu-

se um diálogo, mais ou menos aberto, entre os diversos setores interessados

em repensar a abordagem da História em sala de aula. Outras perspectivas

teóricas — Marxismo e História Nova — passaram a inundar os livros

didáticos, levando à incorporação de abordagens econômicas estruturais e

temáticas dos conteúdos tratados ou determinados pelos currículos. (OLIVA,

2003, p.424)

Quando indagamos os conteúdos abordados no livro, não encontramos os fatos e

abordagens que nos fazem pensar a História da África e afro-brasileira. A explanação do

conteúdo é disperso e não condensa os valores culturais e históricos da cultura africana como

é exigido na Lei 11.645/08. Vale ressaltar que o espaço destinado a expressar a relação

histórica da criança com o ambiente escolar está circunscrito ao espaço de página 21 do livro.

No entanto, a linha tênue que figura entre o livro didático e a prática do ensino é difícil de

serem ordenadas por causa, inclusive do tempo destinado às aulas de História.

Na página 18 encontramos algumas interferências que se referem aos povos indígenas

no texto. Se no texto que estabelece a Lei relatada acima não deixa explícito a criação de uma

disciplina que abarque esses conteúdos, então devemos encaixá-los na grade curricular da

disciplina de História, em outros momentos até na disciplina de Arte. Mas a questão que nos

envolve é a inexistência dos aspectos culturais indígenas e não só africanos. Se não existem

abordagens referentes à construção familiar e os valores indígenas, como apresentaremos aos

nossos alunos as formações familiares que se distinguem das nossas?

Seguindo a leitura, na página 32 encontramos um bloco com os dizeres ―É bom saber‖

que faz referência à história oral que é encontrada entre os povos africanos. Uma abordagem

significativa da cultura africana. Por meio da oralidade, muitas histórias foram passadas entre

as gerações, inclusive quando nos referimos aos fatores religiosos internalizados pelos

africanos.

Não podemos pensar que um livro endereçado às crianças do 3° ano do Ensino

Fundamental deve ser formado unicamente por imagens com ausência do texto referente às

mesmas ou na diminuição dessa escrita. Por que não foram abordadas no contexto dessa

arquitetura do livro didático as problematizações que envolvem o decreto lei de 17 de

fevereiro de 1854, onde estabelecia que as crianças que estivessem na condição de escravas

Page 7: LIVRO DIDÁTICO, CULTURA AFRO-BRASILEIRA E INDÍGENA … · da História e Cultura africana e afro-brasileira, além de enriquecer o aprendizado dos alunos e ... livro destinado ao

9

não poderiam estudar? Elas fazem parte da história do país e estão inseridas em uma

determinada sociedade e reflete na contemporaneidade.

De acordo com o exposto nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação nas

Relações Étnico-Raciais e para o Ensino da História e Cultura Afro-brasileira e Africana

temos que:

O Decreto nº 1.331, de 17 de fevereiro de 1854, estabelecia que nas

escolas públicas do país não seriam admitidos escravos, e a previsão

de instrução para adultos negros dependia da disponibilidade de

professores. O Decreto nº 7.031-A, de 6 de setembro de 1878,

estabelecia que os negros só podiam estudar no período noturno e

diversas estratégias foram montadas no sentido de impedir o acesso

pleno dessa população aos bancos escolares. (BRASIL, 2004)

É de extrema importância que os livros didáticos adotados pelas escolas, inclusive a

Escola Municipal José Nunes de Figueiredo, viabilizem uma boa estrutura e que esta

possibilite ao educador uma teoria que satisfaça o respaldo para atuar na sala de aula. O livro

analisado além de bastante resumido é direcionado ao professor, no caso, ao professor

polivalente.

Seguindo mais adiante na análise do livro didático, mais precisamente nas páginas 35

a 37, nos deparamos com os conteúdos referentes ao contexto e a estrutura familiar na

sociedade brasileira no período de 100 anos, assim citado pelas autoras, mas não demarcado,

exatamente o período. Nessas poucas páginas observamos a estrutura familiar em vários

períodos e contextos, é notável a figura da mulher e sua representação no setor trabalhista,

porém não encontramos a formação familiar negra e sua estrutura.

Como ensinar a diversidade cultural aos alunos do 3° ano do Ensino Fundamental se

não é apresentada a estrutura familiar de origem negra? O que falar para as crianças negras a

inexistência da família negra no livro utilizado na escola? Na falta de imagens favoráveis as

explicações na sala de aula o professor deve fazer uso de outras ferramentas, tais como

exemplificar a estrutura familiar presente no cotidiano dos alunos.

O uso das imagens para ilustrar e favorecer o aprendizado das crianças é salutar, mas

devemos levar em consideração o contexto étnico-racial do colegiado que compõe a sala de

aula. Os alunos enxergam seus colegas e produzem suas representações de acordo com o

Page 8: LIVRO DIDÁTICO, CULTURA AFRO-BRASILEIRA E INDÍGENA … · da História e Cultura africana e afro-brasileira, além de enriquecer o aprendizado dos alunos e ... livro destinado ao

10

contexto no qual estão inseridas. O que fazer para explicar ao aluno que sua família não faz

parte das ilustrações contidas nos livros que ele usa? Como aguçar o poder crítico desse aluno

em relação às estruturas familiares existentes no período citado no livro se esse educando não

se enxerga no contexto abordado? Para essa e outras perguntas a resposta plausível seria a

reformulação dos livros adotados pelas escolas.

Prosseguindo com a análise sobre as lacunas contidas no livro didático ―A escola é

nossa‖, na página 51 podemos encontrar um texto que faz referência a História africana. O

mesmo versa sobre a Mamba, brincadeira que é caracterizada por ―pega-pega‖. A imagem é

acompanhada por um texto explicativo sobre a brincadeira, os desenhos contidos na figura

fazem referência à diversidade cultural – branco, negro, mestiço.

Apresentar a variedade cultural contribui para a formação das capacidades do aluno,

inclusive quando nos referimos ao trato social e a interação com as outras pessoas do nosso

convívio. A referida imagem nos faz refletir sobre o contexto histórico da África e que esse

continente não foi só palco da exportação de escravos, mas foi palco onde os laços familiares

se fortaleciam e onde as crianças também compartilham sorrisos. Enxergamos aí acertos e

tropeços, este bem mais.

O trabalho não visa desmerecer a escrita e o esforço das autoras, pelo contrário, a

crítica é feita aos livros didáticos que não abordam a cultura africana e indígena de forma

mais abrangente e detalhada. O que se quer é a mudança dessa realidade nas escolas, não só

na Escola Municipal José Nunes de Figueiredo, mas em outras instituições de ensino, públicas

ou privadas.

A partir da página 80 até a página 90, as autoras, Rosemeire Alves Tavares e Maria

Eugênia Bellusci Cavalcante, denominam a unidade da seguinte forma: O trabalho em nosso

dia a dia. Foram questionadas as relações de trabalho existentes no período citados pelas

autoras. As perguntas que surgiram não foram respondidas, visto que as representações

existentes no livro não fazem referência aos enlaces trabalhistas que os negros africanos

desenvolveram no período de cem anos, tempo cronológico citado pelas autoras.

As relações trabalhistas não são exploradas com maior ousadia, limitando-se ao uso de

imagens e alguns poucos textos escritos. A periodização de cem anos, largamente citada no

livro, nos faz lembrar que há cem anos vários países da África não eram independentes. No

livro não existe referência plausível sobre as relações trabalhistas entre africanos e brancos ou

brancos e africanos. Não existiam relações nos termos citados? O que aconteceu com essas

Page 9: LIVRO DIDÁTICO, CULTURA AFRO-BRASILEIRA E INDÍGENA … · da História e Cultura africana e afro-brasileira, além de enriquecer o aprendizado dos alunos e ... livro destinado ao

11

formulações? Por algum motivo que desconhecemos foram suprimidas no decorrer da escrita

do livro didático.

É certo que esse trabalho está interessado em um novo contexto para a adoção dos

livros didáticos, que venhamos a analisar com melhor desempenho os livros que serão

adotados pelas escolas.

Analisando uma atividade contida e proposta no livro didático abordado, algo sutil se

fez presente, uma das questões faz referência aos profissionais e a profissão em destaque, o

triste é que não percebemos a cultura negra nas ilustrações destacadas. Pensariam as crianças

que as profissões são formadas, unicamente, pela figura do ―homem branco‖? Como elas

estariam representadas nessas situações? Essas questões nos inquietam, visto que forjamos

uma visão em nossos alunos que privilegiam uma formação estrutural trabalhista excludente,

tendo em vista que não aparece a figura do negro como agente ativo no ambiente de trabalho.

Vejamos a imagem comentada (Figura 1):

Page 10: LIVRO DIDÁTICO, CULTURA AFRO-BRASILEIRA E INDÍGENA … · da História e Cultura africana e afro-brasileira, além de enriquecer o aprendizado dos alunos e ... livro destinado ao

12

Figura 1 – Atividade sobre as profissões modernas.

Fonte: Retirada do livro ―A escola é nossa‖ de Rosemeire Alves e Maria Eugênia Bellusci, p.

94.

Page 11: LIVRO DIDÁTICO, CULTURA AFRO-BRASILEIRA E INDÍGENA … · da História e Cultura africana e afro-brasileira, além de enriquecer o aprendizado dos alunos e ... livro destinado ao

13

REFLEXÃO FINAL

Por fim, entendemos que as relações que envolvem a História e cultura africana e

indígena são contempladas de forma rasa e superficial nos livros didáticos utilizados pelas

escolas brasileiras. E não como determina a obrigatoriedade dos conteúdos assinalados pela

Lei 11.645/08. É necessário que repensemos como estamos formando nossos alunos, quais as

representações que estão sendo formadas.

Somos os formadores dos sonhos e princípios dos alunos que estão nas salas de aula,

portanto, devemos contribuir para que esses alunos alarguem sua visão sobre os conteúdos a

cerca da história africana e indígena. Além de propor novas intervenções que não estejam,

unicamente, embasadas no livro didático utilizado no momento pela instituição de ensino. O

que não interfere no uso desse livro atrelado a outra metodologia de ensino.

Page 12: LIVRO DIDÁTICO, CULTURA AFRO-BRASILEIRA E INDÍGENA … · da História e Cultura africana e afro-brasileira, além de enriquecer o aprendizado dos alunos e ... livro destinado ao

14

REFERÊNCIAS

ABREU, Martha; MATTOS, Hebe Maria. Em torno das Diretrizes curriculares nacionais para

a educação das relações étnico-raciais e para o ensino de história e cultura afro-brasileira e

africana: uma conversa com historiadores. Estudos Históricos, Rio de janeiro, v. 21, n. 41, p.

5-20, jan./jun. 2008.

BRASIL. Ministério da Educação/Secad. Diretrizes curriculares nacionais para a

educação das relações étnico-raciais e para o ensino de história e cultura afro-brasileira

e africana na educação básica. 2004.

BRASIL. Presidência da República. Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei nº

9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional,

para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática ―História e

Cultura Afro-Brasileira‖, e dá outras providências. Brasília, 2003.

GIAROLA, Flávio Raimundo. Racismo e teorias raciais no século XIX: Principais noções e

balanço historiográfico. Revista história e-história. ISSN 1807-1783. Publicação organizada

com apoio Grupo de Pesquisa Arqueologia Histórica da Unicamp. 2010. Unicamp: Campinas,

2010.

MATA, André Luís Nunes da. O silêncio das crianças: representação da infância na

narrativa brasileira contemporânea. Dissertação de mestrado. Universidade de Brasília - UNB,

2006.

OLIVA, Anderson Ribeiro. A História da África nos bancos escolares.: Representações e

imprecisões na literatura didática. Estudos Afro-Asiáticos, v. 3, p.421-461, 2003. Anual.

Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/eaa/v25n3/a03v25n3.pdf>. Acesso em: 12 jan.

2016.

PENTEADO, José de. A Didática e Pratica de ensino: Uma Introdução Crítica. São Paulo,

Mcgraw-Hill do Brasil, 1979.

TAVARES, Rosemeire Aparecida Alves; BELLUSCI, Maria Eugênia. A escola é nossa:

história, 3° ano. São Paulo: Scipione, 2011. 1 imagem.