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Livro - Digo e não peço segredo

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Editorial em homenagem ao Centenário do poeta popular Antônio Gonçalves da Silva, conhecido como Patativa do Assaré. O projeto apresenta uma nova proposta gráfica para o livro “Digo e não peço segredo”. As ilustrações foram feitas em xilogravura. O livro é acompanhado por um CD, “Canto Nordestino”, que contém as poesias narradas pelo próprio autor. Uma caixa guarda as peças do projeto, além de dar um charme a mais no conjunto.

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Edição em comemoração ao Centenário PatativanoOrganização e prefácio Tadeu Feitosa

© by Patativa do Assaré

Coordenação editorial – Raimundo GadelhaPesquisa e texto final – Tadeu FeitosaCapa e projeto gráfico – Daniela Abrão

Patativa do Assaré, 1909-2002 Digo e não peço segredo/Patativa do Assaré. Belo Horizonte, 2009

ISBN:85-7531-022-4

1.Literatura de cordel – Ceará 2. Patativa do Assaré, 1909-2002 3. Poesia popular brasileira

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Quando, no ano de 1951, o jovem Edson de Queiroz se lançou no mundo dos empreendimentos não imaginava que aquele seria o início de um longo percurso de trabalho, de luta e de sucesso reconhecido. Seu conjunto de atividades empresariais mudaria radicalmente o cenário industrial e econômico do Ceará.

Nesses cinqüenta anos de existência, o Grupo Edson Queiroz passou a fazer parte do cotidiano dos brasileiros como um dos mais atuantes conglomerados do país. Construiu sua trajetória com a força de 16 empresas nas áreas de distribuição de gás, água mineral, metalúrgica, agropecuária, agroindústria, imóveis, comunicações e educação, gerando amplos benefícios sociais em vários Estados do Brasil.

Sua representação junto à cultura como instituição que promove o desenvolvimento das artes, compõe, também, o cenário de suas atuações. Nesse processo, o Grupo Edson Queiroz, mantendo a sua tradição, incentiva a edição desta obra: “Patativa do Assaré: Digo e não peço segredo...”.

Este livro presta uma merecida homenagem a Patativa do Assaré, um dos mais importantes ícones nordestinos, levando aos brasileiros um pouco de sua marcante trajetória. Nele associam-se claramente as preocupações da maioria dos cearenses com sua cultura e suas mais legítimas tradições. É ainda um símbolo da força e pujança de um povo que, não obstante as dificuldades, sabe construir os caminhos do sucesso.

Apresentação

Yolanda Queiroz

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PREFÁCIODigo e não peço segredo não é apenas uma das vinhetas que costumam mediar as conversas com o poeta Patativa do Assaré, espécie de abertura de muitas de suas revelações, mas, neste livro, é também a sínteses de uma vida que se fez obra e que é contada aqui de modo solto e leve, majoritariamente em prosa, coisa difícil de se obter de Patativa, que é todo poesia. Esta funciona como outras vinhetas ilustrativas de sua trajetória e dos caminhos de sua poética.

Aqui temos revelações surpreendentes sobre o maior poeta brasileiro ainda vivo e o título não apenas sugere que é ele que nos fala diretamente, mas mostra um Patativa entregue ao diálogo. Adentrarmos esta obra é como se entrássemos na sala de jantar do poeta, em Assaré, onde diariamente ele recebe uma verdadeira romaria de admiradores, pesquisadores e jornalistas e de onde se podem ver fotografias, trechos de seus poemas, imagens do seu sertão; de onde se escuta o canto mavioso do pássaro, canto e plumagem que vão mudando conforme as situações e o estado de espírito do poeta-pássaro.

Para dizer e não pedir segredo é preciso estar certo do que será dito. Mas não apenas isso. É necessário estar numa posição confortável, amparado por uma maturidade e por uma visão de mundo que levou tempo para ser construída. É da sua condição de mito que Patativa do Assaré fala do homem e do poeta. Condição privilegiada porque consolidada pela notoriedade e reconhecimento de um Brasil inteiro, podendo se encontrar indícios de seu canto em ninhos internacionais.

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Nascido pobre e em condições adversas na longíngua Serra de Santana de 1909, cedo Antônio teve que se dedicar à roca, espaço síntese de labor e criação onde natureza e cultura dialogavam e se ofereciam como laboratório para o menino. Observador atento, o pequeno Patativa ia criando plumagens e tino para vôos maiores. A idade adulta ainda lhe oferecia o mesmo cenário e a mesma missão, agora meticulosamente cumprida pela poesia difundida em livros, em discos em filmes e objeto de análise em universidades, em bancas literárias, uma obra aceita e difundida pela mídia e por uma legião cada vez maior de admiradores e fãs.

Digo e não peço segredo que foi pra mim um dos maiores prazeres conviver com Patativa do Assaré por quatro anos seguidos e ter levado quatro meses initerruptos para obter preciosas informações, as quais empresto a esta obra como fragmentos das muitas entrevistas feitas. Privar da sua amizade, viver do seu cotidiano, subir e descer a Serra de Santana em sua companhia, presenciar inúmeras declamações perfomáticas, vê-lo em desafio com Geraldo Alencar e ler para o poeta toda a sua obra e ele comentar foi uma experiência que agora o poeta partilha com todos os seus leitores.

As sessões de leituras – seguidas ou não de entrevistas estruturadas – e os bate-papos sobre sua vida e sua obra são apresentados aqui pelo poeta, que acaba contribuindo para que seus admiradores conheçam os bastidores da sua vida e do seu processo criativo. Este livro é a síntese do dia-a-dia de um mito que nunca perdeu sua simplicidade e que subverte todas as previsões sobre a memória dos idosos. Sempre atua e atento às coisas do Brasil e do mundo, o mito Patativa, às vésperas dos seus 93 anos, mostrará neste livro que o tempo apenas lapidou uma consciência que já existia nele em estado latente.

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A memória em Patativa do Assaré é um processo e não algo acabado como os álbuns de fotografias ou este livro. Sua memória é feita e refeita diariamente. Ela interage com o passado apenas para ser mais dinâmica no presente, projetando-se para o futuro, porque Patativa também é profeta. Nada do que ele cantou deixou de acontecer, porque sua obra é feita com os mesmos materiais da natureza, obedecendo à mesma circularidade da vida. A vida e a obra de Patativa são como um rio perene, ao mesmo tempo permanência e novidade.

Patativa de Assaré nos mostra neste livro que há muito ele deixou de ser do Assaré para ser do mundo. Sua obra é como uma grife, espécie de fala que existe como suporte para traduzir o universal. A dicção “matuta” nem de longe significa que ele não compreenda ou não saiba produzir poemas eruditos. Como se verá aqui, sua linguagem “matuta” é apenas uma opção porque o pássaro que se nos apresenta aqui é liberto. Leu Camões, Castro Alves, Olavo Bilac, José de Alencar, Machado de Assis e outros apenas para saber e provar que “poderia fazer e ser igual a eles todos”. “E eu sou”, diz Patativa.

Os leitores deste livro terão um rápido exemplo de como Patativa do Assaré não precisa do aval da erudição para ser tão imortal quanto os eruditos. Também não precisa estar atrelado à sua linguagem “matuta” para ser fiel as suas origens. Patativa está além dessas separações arbitrárias entre a cultura erudita e a cultura popular. Ele é simplesmente universal. É um mito, detentor de uma obra magistral, de uma lucidez extraordinária e é, sem dúvida, o “cearense do milênio”.

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Resta a você, leitor, aproveitar a oportunidade que este livro lhe dá e adentrar o ninho desse pássaro mágico-mítico. O canto patativano poderá ser ouvido nas páginas desta obra. Por elas podemos todos viajar de carona no vôo deste pássaro e vislumbrarmos os caminhos, as situações, as pessoas, as imagens, os cenários que constituíram os seus ninhos e as suas muitas faces e dicções.

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O menino Antônio..................................................16Patativa por ele mesmo..........................................18Estudo..................................................................18Inspiração.............................................................21Timidez................................................................24Sertão..................................................................25Serra de Santana...................................................32Lembranças..........................................................34Vaidade................................................................37A morte................................................................38A vida...................................................................41PA

RTE 1

o homem o pássaroe

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Dom da poesia......................................................44A voz e a letra.......................................................44Erudito e popular..................................................45Memória..............................................................46Ideologia patativana..............................................47Fonte patativana...................................................51Canto nordestino...................................................52Emoções...............................................................55Zelo pela criação...................................................60Tempo..................................................................62Vôos de Patativa....................................................63Participação política..............................................65“Eu quero e todos querem”.....................................68

PARTE 2

o PÁssaro o CANTO e

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Sertão festivo.........................................................72A cerca..................................................................73Velhice..................................................................76Cigarro..................................................................77Infidelidade..........................................................80Tradição e modernidade.........................................81Saudade...............................................................82Poeta batizado......................................................83Contradições........................................................84Crime imperdoável................................................85O Diabo................................................................86Dinheiro...............................................................87Rimando o cotidiano.............................................88Em favor dos ouvintes da rádio...............................92Espirituosidade.....................................................94Lampião...............................................................98Vaqueiro musicado................................................99Linguagem dos olhos............................................100A Ditadura...........................................................103Visão do Brasil.....................................................104Viva o povo brasileiro............................................106

o canto a vida

e

PARTE 3

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O Sucesso.............................................................110Patativa e os fãs...................................................110Patativa e os intelectuais........................................111Patativa e os prêmios.............................................111Indústria cultural...................................................111Patativa na tevê....................................................112Patativa no cinema...............................................113Patativa animado..................................................115Patativa no rádio...................................................116Homenagens........................................................116Doutor Honoris Causa...........................................116Ceraense do século................................................117Sereia de Ouro......................................................117Memorial Patativa do Assaré.................................118O mito da música..................................................119Outros mitos.......................................................120Mitos da literatura...............................................122O Mito pelas causas.............................................122O Mito e as tradições...........................................126O Mito e a musa..................................................129Mensagens do mito.............................................131Futuro................................................................132

a vida o mito

e

PARTE 4

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o HOmem o pássarO E

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A minha infância foi uma infância boa e os garotos são inocentes e de tudo eles gostam, não é? E assim, passei minha infância com a lembrança que eu ainda tenho, aquelas brincadeiras, aquela vida de ingenuidade, a inocência da criança, de que no mundo só há coisa boa. Boa, pura e bela, que é o mundo da criança. Porque ali, tudo é lindo. Tudo é belo. A criança não peca. Aquilo que o adulto faz e peca, a criança fazendo não é.

Minha infância foi lá na Serra de Santana. O relato da minha infância é uma coisa um pouco penosa, porque a minha infância foi uma infância de trabalho e quanta coisa tem. Eu comecei a trabalhar, pequeno mesmo, O

meninO AN

TÔNIO

Nas horas vagas eu brincava de um instrumento que chamam bodoque, você sabe? Que atirava assim. E também de carrapeta, que é um troço que a gente solta assim e ele fica rodando acolá, viu? E também a brincadeira que quase todo garoto camponês também usa, que é cavalo de pau. É uma hastezinha de madeira, que o camarada põe assim entre as pernas, pega aqui num cordãozinho amarrado e ele sai correndo. Ele chama cavalo. Cavalo de pau, viu? E assim eram minhas brincadeiras nas horas vagas. Tive uma infância como os outros garotos também têm, com essas brincadeiras de criança. E foi assim.

trabalhando de roça. Meu pai, Pedro Gonçalves da Silva, ele vivia em extrema pobreza e, quando morreu, nos deixou com esse diminuto terreno lá no sítio Serra de Santana, onde eu fiquei com os meus irmãos e a minha mãe, trabalhando de roça, desde a minha infância.

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No verdô da minha idade

mode acalentá meu choro

minha vovó de bondade

falava em grandes tesôro

era históra de reinado

prencesa, prinspe incantado

com feiticêra e condão

essas históra ingraçada

ta selada e carimbada

dentro do meu coração. (...)Mas porém eu sinto e vejo

que a grande sodade minha

não é só de históra e bejo

da querida vovozinha

demenhanzinha bem cedo

sodade dos meus brinquedo

meu bodoque e meu bornó

o meu cavalo de pau

meu pinhão, meu berimbau

e a minha carça cotó.

O mundo da criança é um mundo puro, belo, lindo, viu? Porque aquilo ali a criança, quando está estudando e lendo aquilo com prazer, ta acreditando em tudo, viu? Não sabe se aquilo é uma criação, ela acha que ela está apresentando uma coisa real.

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Eu sou um poeta que tenho criatividade e fui um agricultor a vida toda, vivendo de roça, fazendo a minha poesia lá, sem precisar escrever, fazendo verso retido na memória pra depois passar para o papel... eu sempre falo com rima.

Eu sou poeta, mas tem muitos versejadores. Tudo meu, eu faço é criar. Eu crio aquele quadro, aí vou reproduzir em versos, viu? Porque o poeta... a vantagem da poesia não é a sua beleza, a sua medida, as suas rimas, as suas sílabas predominante não. É a verdade, é contar uma coisa toda filosófica, pois é, justamente, minha poesia é dentro desse tema, dentro desse quadro. Eu fiz um poema, eu recitei um bocado de poema, num certo ponto que eu não me lembro nem mais onde foi, aí todos se admiraram. Eu digo: bem, isso se causa admiração, mas tudo quanto eu disse aqui, esse grande auditório ouviu e sabe tudo quanto eu disse. Agora, a diferença é que eles não sabem dizer. Foi um trovão de risadas,

viu?

Patativa por ELE mesmo

Eu estudei só seis meses. Agora eu fui me valer do livro. Que não era o livro didático não. Eu não queria saber de categorias gramaticais não. Queria saber de outras coisas Eu lia era revista, era livro, jornais. Eu queria era satisfazer minha curiosidade, não era ler gramaticalmente como vocês por aí não.

EstUDO

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Neste globo terrestre

apresento os versos meus

porém eu só tive um mestre

e esse mestre é Deus

Foi a natureza mesmo. Muito curioso saber das coisas, tudo o que eu lia eu gravava na mente. Eu queria saber de livro de concordância e isso e aquilo. Agora, com essa prática de ler eu pude obter tudo, viu? Eu aprendi lendo. Com a prática de ler a gente vai descobrindo e sabe que nem pode dizer: tu sois e nós é. Eu aprendi com a prática.

Corria notícia aí por esse Cariri que tinha um cabloco na Serra de Santana, que era inteligente, não sei o quê, que era eu. E aí me fizeram presente de um livro que tinha o título de “Português Prático”. Com esse eu aproveitei muita coisa, viu?

Meus primeiros estudos foi nos dois livros do Felisberto de Carvalho. Os dois livros eu tinha que estudar em dois anos, não era? Agora eu estudei só seis meses e dentro desses seis meses eu li os dois livros, sem ser em ordem de colégio. Se fosse na escola púlica, como nós temos por aqui, eu tinha que passar dois anos.

Eu aprendi com a natureza que é caprichosa. É como eu digo nos meus versinhos:

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Quando canta o sabiá

sem nunxa ter tido estudo

eu vejo que Deus está

por dentro daquilo tudo

aquele pássaro amado

no seu gorjeio sagrado

nunca uma nota falhou

na sua canção amena

só canta o que Deus ordena

só diz o que Deus mandou.

Eu nasci ouvindo os cantos

das aves da minha terra

e vendo os belos encantos

que a mata bonita encerra

foi ali que eu fui crescendo

fui vendo e fui aprendendo

no livro da natureza

onde Deus é mais visível

o coração mais sensível

e a vida tem mais pureza.

Sem poder fazer escolhas

de livro artificial

estudei nas lindas folhas

do meu livro natural

e, assim, longe da cidade

lendo nessa faculdade

que tem todas os sinais

com esses estudos meus

aprendi amar a Deus

na vida dos animais.

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InspiraçãoCastro Alves

Castro Alves não morrerá nunca, viu? Foi um monumento de poesia. Vinte e quatro anos. Se um homem daquele vivesse cinqüenta anos, o que era que ele não teria deixado aqui neste mundo? É. Foi um gênio. Aquilo é que eu chama de gênio. Você leu alguma coisa dele? Leu “Navio Negreiro”?

Casto Alves da Bahia

com muita filosofia

disse em sua poesia

esta verdade exemplar

– agora é dele, viu? –

o livro caindo n’alma

é verbo que faz a palma

é chuva que faz o mar.

Ele cantou, morreu e deixou aí e vai aturar e continuar vigorando, não é? E eu também tenho cantado pra ver se os sem terra se libertam e não se libertam nunca não.

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Graciliano Ramos

Li algumas coisinhas de Graciliano Ramos. A cachorra de cócoras na beira do fogo. Aí a primeira pessoa que eu vi dizer que um animal pensava isso e aquilo, foi ele, né? Em Vidas Secas. Não tem aquela cachorra? Cachorra de cócoras, pensando. Esse povo inventa cada uma!

Drummond

Carlos Drummond de Andrade, poeta da poesia em prosa. Aquilo lá é poesia? Eu chamo aquilo é prosa. Porque ele não tem medida, não tem sílaba predominante, não tem tônica e além disso não tem a rima, que é a beleza da poesia é a rima, entrelaçada uma com as outras, viu?

Machado de Assis

Machado de Assis sofreu humilhação e foi muito. Eu já li. Os professores tinham um ciúme danado dele. Porque ele começou sendo um tipógrafo, e dali já tinha uma inteligência grande e os professores tinham um ciúme danado. Isso é que é ser uma ignorância, não é? Em vez de se orgulhar de ter um aluno inteligente de uma visão importante. O mundo tem dessas coisas, viu? É o egoísmo. Pois eu li. Eu li Machado de Assis. “Helena” é um grande romance dele e mais outros,

viu?

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Camões

Eu li Camões, eu sou atrevido, falei até sobre Camões,

digo:

Aqui de longínqua serra

de Camões o que direi?

Quer na paz ou quer na guerra

que ele foi grande eu bem sei

exaltou a sua terra mais do que seu próprio rei

e por isso é sempre novo no coração do seu povo

e eu, que das coisas terrestres tenho bem poucas noções

porque não tive dos mestres as preciosas lições

só tenho flores silvestres pra coroa de Camões

veja a minha pequenez ante bardo português.

Livro de poesia

O único livro didático sobre poesia que eu li foi o Versificação de Olavo Bilac e Guimarães Passos”.

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Olhe, eu sou assim tímido e sem vaidade. A natureza é caprichosa e me deu assim um privilégio, eu quando vejo uma vitória muito grande, uma grande assistência que eu vou declamar, vou apresentar como já fui várias vezes, uma infinidade de vezes, viu? Eu fico totalmente trêmulo. Agora, quando eu me aproximo do aparelho, pra falar, pronto, aquilo some tudo. Parece que vem outra coisa e diz: “é por aqui, viu?” Pois bem, isso me dá um grande prazer, mas ser tímido? Antes de chegar o momento, eu sou é um quase vencido. Agora, quando chega o momento, não. Some tudo. Chega tudo o que eu quero. Tudo me vem à mente. Logo, eu tenho a felicidade do povo gostar e isso ajuda. Às vezes, o povo não sabe nem o que é, mas pelo palavreado, acha bom e bate palmas. Não sabe interpretar, mas quer também. Só em saber que quem está ali está disposto a lhe aplaudir, já é uma coisa boa. Agora, hoje, eu não to mais valendo nada não. Não sei pra que diabo é que ainda estão mexendo com isso? Já chega! Eu não quero isso e nem sou vaidoso e nem nada.

Timidez

Some tudo. Chega tudo o que eu quero. Tudo me vem à mente.

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Ah!. O sertão é... O sertão é a riqueza natural que nós temos, não é? É o ponto melhor da vida, para quem sabe ver é o sertão, pois ali está tudo o que é belo, que é bom, que é puro, nós temos pro sertão, não é? Principalmente a passarada cantando, não é? É, justamente. Quer ver,

leia aí o sertão:

Sertão, arguém te cantô

Eu sempre tenho cantado

E ainda cantando to

Pruquê, meu torrão amado

Munto te prezo, te quero

E vejo qui os teus mistéro

Ninguém sabe decifrá

A tua beleza é tanta

Que o poeta canta, canta

E inda fica o que cantá (...)

Deste jeito é que te quero

Munto te estimo e venero

Vivendo assim afastado

Da vaidade, do orgúio

Guerra, questão e barúio

Do mundo civilizado.

seRTÃO

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(...) Depois que o podê celeste

Manda chuva no Nordeste

De verde a terra se veste

E corre água em brobutão

A mata com o seu verdume

E as fulo com o seu perfume

Se enfeita de vaga-lume

Nas noite de iscuridão.1

(...) Meu sertão das vaquejadas

Das festas de apartação

Das alegres luaradas

Das debulhas de feijão

Das danças de São Gonçalo

Das corridas de cavalo

Das caçadas de tatu

Onde o cabloco desperta

Conhecendo a hora certa

Pelo canto do nambu 2

(...) Sertão, minha terra amada

De bom e sadio crima

Que me deu de mão bejada

Um mundo cheio de rima

O teu só é tão ardente

Que treme a vista da gente

Nas parede de reboco

Mas tem milagre e virtude

Que dá corage, saúde

E alegria aos teus cabôco.

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1 A Festa da Natureza | 2

O Retrato do Sertão | 3 O

Retrato do Sertão | 4 Idem, na

sequência da estrofe anterior.

Que bela e doce emoção

Ouvir o canto saudoso

Do galo do meu sertão

Na risonha madrugada

De uma noite enluarada!

A gente sente um desejo

Um desejo de rezar

E nesta prece jurar

Que Jesus foi sertanejo.

(...) Desta gente eu vivo perto

Sou sertanejo da gema.

O sertão é o livro aberto

Onde lemos o poema

Da mais rica inspiração

Vivo dentro do sertão

E o sertão dentro de mim

Adoro as suas belezas

Que valem mais que as riqueza

Dos reinados de Aladin . 3

(...) Porém, se ele é um portento

de riso, graça e primor

Tem também seu sofrimento

Sua mágoa e sua dor

Esta gleba hospitaleira

Onde a fada feiticeira

Depositou seu condão

É também um grande abismo

Do triste analfabetismo

Por falta de proteção. 4

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Isso aí tudo é o sertão.No rompê de tua orora

meu sertão do Ciará,

quando escuto as voz sonora

do sodoso sabiá

do canaro e do campina

sinto das graça divina

o seu imenso pudê

e com munta razão vejo

que a gente sê sertanejo

é um dos maió prazê.

olha aí!

Tu é belo e é importante tudo teu é natura

ingualmente o diamanteante de argúem lapidá.

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O diamante antes de ser lapidado, não é? Porque o diamante só é alguma coisa depois dele ser lapidado. Aí é que ele vai brilhar, não é? Mas o sertão é puro, tão puro quanto o diamante antes de seu trabalho,

não é?Eu mandei publicar “Dois quadros”, mostrando o que é tristeza, porque é o que mais o nordeste tem é tristeza, mas tem também seu prazer, sua alegria, sua estação invernosa e tudo bom, não é?

Na seca inclemente do nosso Nordeste

o sol é mais quente e o céu mais azul

e o povo se achando sem pão e sem veste

viaja à procura das terra do Sul

(...) Porém, quando chove, tudo é riso e festa

O campo e a floresta prometem fartura

Escutam-se as notas agudas e graves

do canto das aves louvando a natura.

Não tem aí as duas partes, pois é. Isso é bonito. Isso para quem é apaixonado pela roça e pelo que planta, mas não são todos não. Tem deles que trabalha porque é o jeito, mas o que é apaixonado mesmo pelo plantio, como eu fui um deles, a gente anda dentro duma roça, quando o milho ta todo apenduado, o feijão nascido, vocêtem uma impressão que aquilo tudo, eles sabem [o milho e o feijão] que a gente ta por ali.

é coisa viva.

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É o meu lugar.serra de santana

Minha Serra de Santana

meu pedacinho de chãolá ficou minha choupana

e o meu pé de framboão

ficou também no terrrêro

meu galo madrugadêro

que canta inriba da hora

Minha serra! Minha serra!

o destino me faz guerra

e a sodade me devora.

Lá foram meus filhos, viu? Lá moram dois filhos e duas filhas, Miriam e Inês. E esta miudinha aqui é a caçula, é Lúcia. Eu tenho até esse meu poema:

“Minhas filhas” (...)

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Minhas filhas eu vejo que são três

e cada qual é da beleza irmã

se eu quero Lúcia, muito quero Inês

da mesma forma quero Miriam

Vendo a meiguice da primeira filha

vejo a segunda que me prende e encanta

a mesma estrela que reluz e brilha

se olho a terceira, vejo a mesma santa.

Se a cada uma com fervor venero

fico confuso sem saber das três

qual a mais linda e qual eu mais quero

se é a Miriam, se é a Lúcia ou se é a Inês.

E, já velho, a pensar de quando em quando

eu brevemente voltarei ao pó

eu sou feliz e morrerei pensando

que as três filhas que eu tenho é uma só

Quando vou à Serra de Santana passo lá uns dois dias, porque lá é muito frio, lá é frio que é danado. Vive sempre soprando em vento e eu não me dou muito bem com a serra... Quando eu vou, vou palestrar com os meus, mandar minha filha Inês ler pra mim aquilo que eu quero... Inês, minha filha é minha leitora principal. Eu tenho muito livro lá, ela é quem guarda meus livros.

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Zezé era meu irmão mais velho. Era muito meu amigo. Viveu até setenta e dois anos, viu? Era carpinteiro. Hoje, o Aloísio é filho dele, que mora lá no Cachoeirão. Muita gente chamava ele de Cazuzinha, mas era José. Era Zezé, Zezé. Ele era carpinteiro e agricultor. Ele era um trabalhador muito danado, mas tinha as mãos abertas. Todo mundo que ia comprar madeira lá na mata, ele fazia era dar. Fazia era dar de presente. De dia trabalhava na roça. De noite, enquanto não desse o sono, ia trabalhar. Sitiar madeira, serrar, essas coisas, viu? Foi um grande trabalhador. E ali, a pinga tava perto. A pinga não empatava ele de trabalhar não. É, se acostumou, né?

Vicente Gonçalves era meu primo legítimo. Ele era poeta, mas não divulgou muito as coisas não. Mas ele era espirituoso, fazia as poesias. Ele diz: “depois da segunda guerra”, ele fazendo crítica,

viu?

lem

branças

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Depois da segunda guerra

sabe um portuga o que fez?

Querendo aprender inglês

viajou para a Inglaterra

chegando naquela terra

bastante civilizada

teve uma escola adiantada

mas não aprendeu inglês

se esqueceu do português

voltou sem saber de nada.

Os brasileiros não atacam os portugueses? Mas eu perguntei ao Dr. Arrais Alencar o que era que os portugueses diziam dessas piadas e tantas sátiras que os brasileiros atacavam eles. Ele disse: nada, Patativa, isso aí é elas por elas. Eles lá faziam a mesma coisa com os brasileiros (risos). Piada contra os portugueses: o português estava no Rio de Janeiro, tudo legal, aí conversando lá, ele diz: eu me casei agora mesmo e vim passar a lua de mel aqui. Aí perguntaram: cadê a esposa? Ele diz: a esposa ficou (gargalhada). A esposa ficou.

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Nunca ninguém teve o prazer ou a infelicidade de fazer foto do Patativa sem o chapéu. Muitos têm vontade, peleja, eu dou é cotoco: taqui! Faça foto do Patativa sem chapéu!!! Eu consinto não. O cabra que se meter a isso meto um PO-E-MA no rabo, que ele nunca mais se esquece. (...) Eu digo é você chegar e dizer (com raiva): “Tire aí o seu chapéu pra eu bater uma foto!” Não, isso nunca aconteceu e nunca acontecerá, porque eu não tiro e nem dou licença. Porque aqui é o SÍM-BO-LO do matuto, viu, e eu desde pequeno que uso chapéu e nunca deixei.

vAidAde

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“Morrer sem morrer de veras”.

Isso é eu, na minha maluquice, inventando coisas, viu? Tudo coisa fictícia.

Do meu fúnebre caixão

sem soluços nem gemidos

eu subi para a mansão

da pátria dos escolhidos

alegre me receberam

e uma festa promoveram

eu fiquei muito feliz

vivo a recordar ainda

foi a viagem mais linda

que durante a vida eu fiz.

Disseram, vendo o troféu

que a natureza me deu:

Vai haver festa no céu.

O Patativa morreu!

São Pedro, muito sapeca

foi trazer sua rabeca

e no arco passando breu

cantou com voz compassiva:

Viva, viva o Patativaele é um colega meu.

a morte

[Aqui Patativa explica] Mas, Castro Alves, lá no seu apartamento ouviu e não gostou, porque São Pedro, sendo pescador, dizendo que era meu colega? Ele diz: quem pode ser seu colega é algum pescador. Colega do Patativa sou eu. Aí veio:

Page 41: Livro - Digo e não peço segredo

45

Na recepção imensa

de rabeca e cantoria

chegou em nossa presença,

Castro Alves da Bahia

com muita satisfação,

apertou a minha mão

e me disse com amor:

sei tudo o que aconteceu

lá na terra onde viveu

foi poeta e professor

Lá na terra de Iracema,

com a sua poesia

abordou o mesmo tema

que eu abordei na Bahia

foi grande amigo do povo

preto, branco, velho e novo

com sextilhas e sonetos

e um esforço varonil

foi defensor no Brasil

de pobres, brancos e pretos.

Com este mesmo ideal

eu cantei, cantei, cantei

lá na terra de Cabral

o maior exemplo dei

porém, hoje eu vejo tudo

quer tenha ou não estudo

ou de maneira qualquer

naquele país distante

por mais que o poeta cante

não alcança o que ele quer

Page 42: Livro - Digo e não peço segredo

46

Com esta declaração

a qual eu já conhecia

dei um aperto de mão

no poeta da Bahia

mas logo vi que aquilo era

o que chamamos quimera

ou ilusão dos sentido

no sonho fui bem ditoso,

mas despertei desgostoso,

porque não tinha morrido.

“Morrer sem morrer de veras”, viu? Porque a morte melhor que tem é essa que eu vou dizer, que eu peço à morte, assim:

Morte, você é valente

o seu poder é profundo

quando eu cheguei neste mundo

você já matava gente

eu guardei na minha mente

sua força e seu vigor

porém lhe peço um favor

para ir ao campo santo

não me faça sofrer tanto

morte, me mate sem dor!

Dessas que fazem assim: currulapo!!! (risos)

Page 43: Livro - Digo e não peço segredo

47

Tem gente que vê o título do meu livro “Ispinho e Fulô” e não sabe o que é. Aí logo na entrada eu digo porque Ispinho e Fulô. É porque a vida de cada um, meu filho, tem dores e prazeres, viu? Não há quem tenha uma vida só de sofrimentos e nem uma vida só de prazeres. É espinho e fulo. Eu saio descrevendo. Começo aqui, lá da criancinha até...

A Vida

... se às vez aquele anjo lindo

passa umas horas sorrindo

e outros minutos chorando

é que aquela criatura

tem em sua inocência pura

ispinho lhe cutucando.

Se a criancinha chora, é porque ela não está gostando. Alguma coisa, que nós não sabemos o que é, mas ela não está gostando. Pois bem, é o espinho. É o espinho da vida. (...) Agora tem uma partezinha aí, um trecho, que é muito belo. Não tem nenhum espinho. Sabe quando é? É no namoro, no namoro puro para um casamento... tem um espaço aí que eu digo, tudo fulo, não tem espinho. Aí eu digo:

depois vem o casamento

depois a lua de me

o maior contentamento

goza o homem e a muié

Page 44: Livro - Digo e não peço segredo
Page 45: Livro - Digo e não peço segredo

o pÁssarO o canto E

Page 46: Livro - Digo e não peço segredo

50

Quando eu ouvi alguém ler um folheto de cordel pela primeira vez, aí eu fiquei admirado com aquilo, mas no mesmo instante, eu pude saber que eu também poderia dizer em versos qualquer coisa que eu quisesse, que eu visse, que eu sentisse, não é? Comecei a fazer versinhos desde aquele tempo. Sim, a partir do cordel. Porque eu vi o que era mesmo poesia. Aí, dali comecei a fazer versos. Em todos os sentidos. Com diferença dos outros poetas, porque os outros poetas fazem é escrever. E eu não. Eu faço é pensar e deixo aqui na minha memória. Tudo o que eu tenho, fazia métrica de ouvido. Só de ouvido, mas era bonita. Ah! Era! Era bonito mesmo. A base era a rima e a medida. A medida do verso, com a rima, tudo direitinho. Aí, quando eu peguei o livro de versificação de Olavo Bilac e Guimarães Passos, aí eu melhorei muito mais. Eu já tinha de ouvido, porque já nasci com o dom,

não é?

DOM DA POESIA

A VOZ E A LETRAEscrever eu escrevia muito pouco. Só escrevia quando eu fazia um poema, aí eu queria passar ele pro papel e passava. Mas “Inspiração Nordestina” foi escrita de mim para o doutor Moacir Mota, era eu dizendo e ele batendo à máquina, lá no Crato. Eu tinha tudo na mente!!!

Page 47: Livro - Digo e não peço segredo

51

ERUD

ITO E POPULAR

A minha dificuldade é a mesma, ou a minha facilidade. É porque eu sou um poeta popular, porque nunca estudei literatura. A poesia em forma literária, a poesia erudita, é pra aqueles grandes, é para os literatos, esses poetas grandes, que estudaram, não sei o quê, bababá, e eu, pra provar que, mesmo sem o estudo, eu faço o que eu quero, porque Deus é quem quer, não sou eu, aí eu faço verso também assim em forma erudita:

Tendo por berço o lago cristalino

folga o peixe, a nadar todo inocente

medo ou receio do porvir não sente

pois vive incauto do fatal destino.

Se na ponta de um fio, longo e fino

a isca avista, ferra-a inconsciente

ficando o pobre peixe, de repente

preso ao anzol do pescador ladino.

O camponês também do nosso estado

ante a campanha eleitoral , coitado!

daquele peixe tem a mesma sorte.

Antes do pleito, festa, riso e gosto

depois do pleito, imposto e mais imposto

pobre ma tu to do sertão do norte.

Também é em forma literária. É o cabra vaidoso.

Page 48: Livro - Digo e não peço segredo

52

Aí, olha, como eu relembro tudo aquilo que eu fiz. Aí nesse meu poema, eu tô requerendo a aposentadoria com 60 anos e naquele tempo, era com 65 e depois voltou mesmo pra 60. Aí eu fiz o seguinte poema,

olha:Seu doutor, não lhe aborreço

venho fazer um pedido

e como sei que mereço

espero ser atendido ....

Eu sou um homem espirituoso, viu? No meu tempo que eu tinha tudo, porque na minha idade, todo mundo tá vendo lá que eu não sou mais como e eu era na minha adolescência, no meu tempo de homem moço, né? Porque, justamente, a memória gastou, sumiu um pouco. Eu ainda faço, o povo se admira, mas eu sou quem sei o que é que está faltando na minha mente, porque sou o dono.

Eu tenho uma farta bagagem retida na minha mente. Olha, dos sis livros que eu publiquei, se eu começar a recitar agora, Ah! Entra na noite, viu? Agora, eu já estou ficando diferente com aquilo que eu faço agora. Com poucos dias, eu quero esquecer, porque a idade permite, não é? Mas tudo que está para trás, não, não fugiu não. Eu tenho na minha mente. Porque eu fazia não era escrevendo. Todo meu poema eu só fiz foi assim, retido na memória, como eu lhe disse, viu?

MEMÓRIA

Page 49: Livro - Digo e não peço segredo

53

IDEOLOG

IA PATAT

IVANA Eu escrevi “Nordestino sim, nordestinado, não?” Aí sou

eu tirando a supertição do cabloco, viu?

Nunca diga nordestino

que Deus lhe deu o destino

causador do padecer

nunca diga que é o pecado

que lhe deixa fracassado

sem condição de viver.

Não guarde no pensamento

que estamos no sofrimento

é pagando o que devemos

A Providência Divina

não nos deu a triste sina

de sofrer o que sofremos.

Deus, o autor da criação

nos dotou com a razão

bem livres de preconceitos

mas os ingratos da terra

com opressão e com guerra

negam os nossos direitos.

Não é Deus que nos castiga

nem é a seca que obriga

sofrermos dura sentença

não somos nordestinados

nós somos injustiçados

tratados com indiferença.

Sofremos em nossa vida

uma batalha renhida

do irmão contra o irmão

nós somos injustiçados

nordestinos explorados

nordestinados, não.

Page 50: Livro - Digo e não peço segredo

54

E é mesmo, não é?O operário e o camponês. São os dois desvalidos. Agora tem uma coisa: pra haver essa união, ainda há uma dificuldade, por causa de morar na cidade, o operário se sente além do camponês, do agregado. Eles são iguais, mas eles se sentem diferentes. Só por morar no meio urbano, viu, pensa que é, que está além do agregado. Eu procuro unir os dois, mas vendo que há sempre uma dificuldade. O pobre do agregado, humilde, se sente mesmo que é menor do que o operário.

Pois bem, agora tem o meu poema, “O Agregado e o Operário”. Até me disseram: ‘Patativa, você está revolucionando’. Eu não sei se eu estou revolucionando, sei que estou falando a verdade. Veja aí:

Sou matuto do Nordeste

criado dentro da mata

caboclo cabra da peste

poeta cabeça chata

por ser poeta roceiro

eu sempre fui companheiro

da dor, da mágoa e do pranto

por isto, por minha vez

vou falar para vocês

o que é que eu sou e o que canto.

Sou poeta agricultor

do interior do Ceará

a desdita, o pranto e a dor

canto aqui e canto acolá

sou amigo do operário

que ganha um pobre salário

Page 51: Livro - Digo e não peço segredo

e do mendigo indigente

e canto com emoção

o meu querido sertão

e a vida de sua gente.

Procurando resolver

um espinhoso problema

eu procuro defender

no meu modesto poema

que a santa verdade encerra

os camponeses sem terra

que o céu deste Brasil cobre

e as famílias da cidade

que sofrem necessidade

morando no bairro pobre.

Vão no mesmo itinerário

sofrendo a mesma opressão

nas cidades, o operário

e o camponês no sertão

embora um do outro ausente

o que um sente o outro sente

se queimam na mesma brasa

e vivem na mesma guerra

os agregados sem terra

e os operários sem casa.

Operário da cidade

a mesma necessidade

sofre o seu irmão distante

levando vida grosseira

sem direito de carteira

seu fracasso continua

é grande martírio aquele

Page 52: Livro - Digo e não peço segredo

a sua sorte é a dele

e a sorte dele é a sua.

Disto eu já vivo ciente

se na cidade o operário

trabalha constantemente

por um pequeno salário

lá nos campos o agregado

se encontra subordinado

sob o jugo do patrão

padecendo vida amarga

tal qual burro de carga

debaixo da sujeição.

Camponeses meus irmãos

e operários da cidade

é preciso dar as mãos

cheio de fraternidade

em favor de cada um

formar um corpo comum

praciano e camponês

pois só com esta aliança

a estrela da bonança

brilhará para vocês.

Uns com os outros se entendendo

esclarecendo as razões

e todos juntos fazendo

suas reivindicações

por uma democracia

de direito e garantia

lutando de mais a mais

são estes os belos planos

pois nos direitos humanos

nós todos somos iguais.

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57

FON

TE PATAT

IVANA Antes só existia eu de poeta. Depois, na Serra

de Santana, surgiram muitos ¬poetas, inclusive Geraldo Alencar, meu sobrinho. Aí eu escrevi “O Nadador”.

Desde novo, gostou de ver as águas

do oceano, tão verdes e tão belas

e ele pensava que vagando nelas

poderia aplacar suas mágoas.

Conduzido por este pensamento

aprendeu a nadar em tempo breve

como se fosse canoa leve

singrando as ondas no soprar do vento.

Seus amigos, lhe vendo sobre o mar

tranqüilamente, sem temer as brumas

transportando as vagas, sacudindo espumas.

sentiram ânsia de também nadar.

( .. .) E assim, tangidos por vontade louca

alguns deles até fazendo apostas

uns nadando de frente outros de costas

vendo as águas lhe entrando pela boca.

O mar, raivoso, nunca fez carinho

os teimosos e ousados aprendizes

foram todos, coitados, infelizes

deixando o bravo nadador sozinho.

Foram todos das águas se afastando

receosos da forte maresia

e, daqueles, no mar da poesia

só Geraldo Alencar ficou nadando.

isso aí.

Page 54: Livro - Digo e não peço segredo

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Eu tocava só uma coisinha, pouquinha, na viola, só pra dar uma entoação e tal e os outros cantadores também, decerto que “A Triste Partida” se tornou conhecida na voz de todos os cantadores. Eles ganhavam dinheiro com aquilo. Chegavam numa reunião, era só o que mais pedia era “A Triste Partida”. Luís Gonzaga foi à Paraíba e ligou o rádio dele no carro, que tava na Borburema [rádio Borborema], Zé Gonçalves, um grande cantador, cantando “A Triste Partida”. Aí Luís disse que ficou maravilhado. Ficou mesmo encantado com aquele poema, com a retirada de nordestino pra São Paulo. Assim que chegou lá, foi atrás dele. “Sim, é a “A Triste Partida”. Todos nós cantadores cantamos ela, mas ela é do Patativa do Assaré”. Aí foi que ele veio à minha procura. Queria até comprar e eu disse a ele que meu mundo era a minha poesia, minha família e eu não vendia direito autoral por preço nenhum. Ele disse: “Então vamos fazer um outro negócio: assim você não tá vendendo. É uma parceria. No disco consta você como autor e eu como cantor”. Foi em 64 que ele gravou. E deu muito sucesso.

CANTO

NOR

DESTINO

É ... quem melhor cantou o Nordeste foi Luiz Gonzaga. Ele cantou. Luiz Gonzaga não era compositor, mas era cantor famoso, duma voz boa. Você veja bem, Luiz Gonzaga cantando aquela “A Triste Partida”, que eu fiz. Qual é o coração que não sente? Qual é aquele camarada que não se torna sensível ouvindo Luiz Gonzaga cantar “A Triste Partida”? principalmente quando os meninos reclamam porque ficou [trechos da música]. Pois olhe, aquilo ali, eu não vi ninguém não. Eu criei na minha mente, porque na década de 50, a vida era aquela. O próprio motorista não sabia que dia chegaria em São

Page 55: Livro - Digo e não peço segredo

59

Setembro passou, com outubro e novembro

Já tamo em dezembro

Meu Deus, que é de nós?

Assim fala o pobre do seco Nordeste

Com medo da peste

Da fome feroz.

A treze do mês ele fez a esperiença

Perdeu sua crença

Nas pedra de Sá

Mas nota experiença, com gosto se agarra

Pensando na barra

Do alegre NATÁ.

(...) Agora pensando segui ôtra tria

chamando a famia

começa a dizê: eu vendo meu burro,

meu jegue e o cavalo

nós vamo a São Paulo

vivê ou morrê.

Paulo, nem sequer haviam boas estradas daqui pra São Paulo, viu? Então, aqueles flagelados, procurava a vida lá pelo sul. Aí eu criei “A Triste Partida”, retratei na minha mente aquela família fazendo as experiências do SERTANEJO e dando tudo negativo, negativo. Eu já fiz de propósito pra poder fazer a viagem ...

Pois você veja bem: uma mandiocazinha plantada lá, na minha roça, na Serra de Santana, ela tava aqui assim (mostra a altura com a mão, cerca de 60cm) no inverno e eu limpando: capinando, tirando o mato e pensando neste poema “A Triste Partida”. Passei o dia trabalhando e pensando e deixando retido na memória. No outro dia, quando eu voltei à roça, eu terminei. Comecei como hoje, terminei como amanhã. viu? São 19 estrofes...

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Distante da terra tão seca, mas boa

exposto à garoa

à lama e ao paú

faz pena o nortista, tão forte, tão bravo

vivê como escravo

nas terra do Sul .

É como que um hino nordestino viu? E no fim, para satisfazer aos sulinos, o Luiz Gonzaga mudou: “viver como escravo, no norte e no sul” (ele ri muito e diz) eu fiquei danado, viu? Agora, tem uma mudançazinha também que para comércio, eu dei razão a ele, que ele queria vender o disco e tal:

o carro já corre no topo da serra

oiando pra terra, seu berço, seu lar

aquele nortista, partindo de pena

de longe ainda acena, adeus Ceará.

E Luiz Gonzaga botou: “de longe acena: adeus, meu lugar”.

faz pena o nor tis ta, tão for te, tão bravovivê como escravo nas terra do Sul.

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61

EMOÇÕES Eu fiz o seguinte poema em homenagem ao Rei do Bailão:

Eu sou poeta sensível

falar do rei do baião

é custoso, é impossível

eu não sentir emoção

foi um artista colosso

o nordeste em carne e osso

triste coisa aconteceu

meu coração abalou

quando o rádio anunciou

‘Luiz Gonzaga morreu!’

Nasceu esse sanfoneiro

lá na serra de Nabuco

glória do país inteiro

inda mais de Pernambuco

foi artista preferido

em toda parte querido

do patrão e do operário

a jóia pernambucana

prazer de dona Santana

e orgulho de Januário.

Sua sanfona saudosa

com quem vivia abraçado

era santa milagrosa

ressuscitando o passado

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Page 60: Livro - Digo e não peço segredo

64

até mesmo a criatura

sisuda e de cara dura

e de cruel coração

ficava alegre e ditosa

ouvindo a voz milagrosa

do grande rei do baião.

Artista do gênio forte

com proteção soberana

era do sul e do norte

do palácio e da choupana

vivia trovando a raça

desde o campo até a praça

na vida de sanfoneiro

era forte, firme e humano

artista pernambucano

que soube ser brasileiro.

Mas, no dia dois de agosto

o dia de sua morte

transformou gosto em desgosto

com seu eterno transporte

querido rei do baião

é triste a separação

e enquanto, na eternidade

tu vives entre os primores

aqui seus compositores

sofrem a dor da saudade.

Page 61: Livro - Digo e não peço segredo

65

Te deu sucesso e deu vida

e com amor divulgaste

a letra “A Triste Partida”

que eu compus e tu gravaste

e hoje, só resta a saudade

do campo até a cidade

agora ninguém te assiste

cantando ‘’A Triste Partida”

porque para a outra vida

fizeste a partida triste.

Porém, com saudade mil

qual farol que não se apaga

enquanto existir Brasil

existe o Luiz Gonzaga

no coração do Nordeste

e, aí, na Corte Celeste

de Jesus de Nazaré

gozando de paz completa

roga a Deus por teu poeta

Patativa do Assaré.

Page 62: Livro - Digo e não peço segredo

66

Eu me dano com aquele erro que a editora cometeu no meu poema “O Inferno, o Purgatório e o Paraíso”. Aquilo é um erro imperdoável, viu? Onde diabo já se viu ventura no inferno? Lá não é venturoso. Foi um erro gráfico.

Este inferno, que temos bem visível

e repleto de cenas de ventura

que diabo de ventura.

e repleto de cenas de tortura.

Pois é, eu fiquei com muito desgosto porque aquilo foi publicado com história de “ventura”.

ZELO PELA CRIAÇÃO

Page 63: Livro - Digo e não peço segredo

67

Pela estrada da vida nós seguimos

cada qual procurando melhorar tudo

aquilo que vemos e ouvimos

desejamos, na mente, interpretar

pois nós todos na terra possuímos

o sagrado direito de pensar

neste mundo de Deus, olho e diviso

o Purgatório, o Inferno e o Paraíso.

Este inferno que temos bem visível

e repleto de cenas de tortura

onde nota-se o drama triste e horrível

de lamentos e gritos de loucura

e onde muitos estão no mesmo nível

de indigência, desgraça e desventura

é onde vive sofrendo a classe pobre

sem conforto, sem pão, sem lar, sem cobre.

É o abismo do povo sofredor

onde nunca tem certo o dormitório

é sujeito e explorado com rigor

pela feia trapaça do finório

é o inferno, em plano inferior

mas acima é que fica o Purgatório

que apresenta também sua comédia

e é ali onde vive a classe média.

Este ponto também tem padecer

porém seu habitantes é preciso

simularem semblantes de prazer

transformando a desdita num sorriso

e agora, meu leitor, nós vamos ver

mais além, o bonito Paraíso

que progride, floresce e frutifica

onde vive gozando a classe rica.

Page 64: Livro - Digo e não peço segredo

68

Eu recebi um elogio danado duma mulher lá de São Paulo. Ela é até francesa, mas vive lá em São Paulo. O poema que ela elogiou é feito todo matuto, viu? Mas ele vai conduzindo uma beleza enquanto é, até quando chega o uso de razão, aí tudo vai ficar ruim como o diabo, até a morte. “O Maió Ladrão” é o tempo. Ele é o mais velho de todos. O maior e o mais velho. Eu tê dizendo é o tempo. Quem é que é mais velho do que o tempo? Ele é o mais velho de todos.

O tempo se manifesta no ventre materno, ele já ta ali, porque é o tempo, não é? O tempo é o condutor da pessoa.

TEMPO

Page 65: Livro - Digo e não peço segredo

69

Certa vez eu cheguei em Mossoró, no Rio Grande do Norte e aí tinha um rapaz que foi me mostrar a cidade e, aí, era eu viajando com ele, mas criando um poema na minha mente, viu? Pra eu recitar na véspera da minha volta, viu? Pode ler.

VÔO

S D

E PATAT

IVA

Curiosidade e vontade

de ver mossoró eu tinha

hoje vi e sei que a cidade

é diferente da minha

porém isso é natural

esse mundo desigual

tem o rico e o pobre Jô

no meu estilo singelo

faço aqui um paralelo

entre Assaré e Mossoró

é diferente do assaré

um com a tônica no “o”

o outro com a tônica no “e”

Assaré, modesto e pobre

Mossoró no rio grande

Assaré não é lembrado

por entre as folhas da história

Mossoró, no seu Estado

é grande patrão de glória

não me convém que eu afaste

a prova deste contraste

com evolução completa

Mossoró desenvolvido

e Assaré só conhecido

através do seu poeta

Page 66: Livro - Digo e não peço segredo

70

Nos meus versos justifico

cada qual tem clima ameno

mas Mossoró grande e rico

e Assaré pobre e pequeno

para que ele se destaque

vou rogar ao Deus de Isac

de Abraão e de Jacó

talvez assim ele um dia

tem a mesma fantasia

que agora tem Mossoró.

Nesta singela linguagem

e neste estilo popular

ofereço essa mensagem

ao povo potiguar

onde fui bem recebido

e ao meu Assaré querido

minha terra e meu xodó

voltarei bem satisfeito

levando dentro do peito

saudade de Mossoró.

Foi bom pra eles, hein? Aí era na “Semana de Filosofia de Mossoró”. Paulo Freire estava lá...

Page 67: Livro - Digo e não peço segredo

71

Eu também participei da Campanha das Diretas, mas nem deu certo. Aí eu fiz isso:

PARTICIPAÇÃ

O POLÍTICA

Bom camponês e operaro

a vida ta de amargá

o nosso estado precaro

Não há quem possa agüenta

nesse espaço dos vinte ano

que agente entrou pelo cano

a confusão é compreta

mode a coisa miorá

nós vamo bradar e gritar

pelas inleição direta.

Camponês, meu bom irmão

e operaro da cidade

Vamo uni as nossas mão

e gritá por liberdade

Levando na mesma pista

os estudante, os artista

e meus colega poeta

vamo todos reunido

fazer o maió alarido

pela inleição direta

Vamo cada companheiro

com nosso protesto forte

por este país intero

leste, oeste, sul e norte

com as inleição direta

nós vamo por outra meta

de uma forma deferente

esta marcha ta puxada

e esta canga ta pesada

Page 68: Livro - Digo e não peço segredo

72

não há cangote que agüente.

Senhora dona de casa

lavadêra, cozinhêra

é preciso mandá brasa

ingrossá nossa filêra

vamo abalá toda massa

derne o campo até a praça

agora ninguém se aqueta

vamo lutá fortemente

e elegê um presidente

com as inleição direta.

Se o povo veve sujeito

sem ter a quem se queixá

é preciso havê um jeito

pois desse jeito não dá.

Cadê a democracia

que o pudê tanto irradia

nas terra nacioná?

Tudo isso é demagogia

Quem já viu democracia

sem direito de votá?

Democracia é justiça

em favor do bem comum

sem trapaça e sem maliça

defendendo cada um

o povo tá sem sossego

com a fome e o desemprego

arrochando o brabicacho

será que o Brasi de cima

não tá vendo o triste crima

que tem no Brasi de baxo?

Page 69: Livro - Digo e não peço segredo

73

(risos). Não tá bom?

Seu dotô, seu deputado

seu ministro e senador

repare que o nosso estado

é mesmo um drama de horrô

se vossimicê baixasse

e uns dez ano aqui passasse

ferido da mesma seta

fazia assim como nós

gritando na mesma voz

queremo inleição direta.

Isto que eu digo, é exato

é uma verdade certa

pois só o que carça o sapato

sabe onde é que o mesmo aperta

nosso país invejado

tá todo dismantelado

o que observa descobre

e com certeza tá vendo

a crasse pobre morrendo

e a média ficando pobre.

Nestes versos que rimei

disse apenas a verdade

eu aqui não afrontei

a nenhuma oturidade

quem fala assim desse jeito

defendendo os seus dereito

todos já sabem quem é

é um poeta do povo

velho de’ coração novo

Patativa do Assaré

Page 70: Livro - Digo e não peço segredo

74

Eu sou um poeta que quer a verdade, um poeta que diz:

“EU QUERO E TODOS QUEREM”

Quero um chefe brasileiro

fiel , firme e justiceiro

capaz de nos proteger

que do campo até a rua

povo todo possua

direito de viver.

Quero paz e liberdade

sossego e fraternidade

na nossa pátria natal

desde a cidade ao deserto

quero o operário liberto

da exploração patronal .

Quero ver do sul ao norte

o nosso caboclo forte

trocar a casa de palha

por confortável guarida

quero a terra dividida

para quem nela trabalha.

Page 71: Livro - Digo e não peço segredo

75

Eu quero o agregado

isento do terrível sofrimento

do maldito cativeiro

quero ver o meu país

rico ditoso e feliz

livre do jugo estrangeiro.

A bem do nosso progresso

quero o apoio do Congresso

sobre uma reforma agrária

que venha, por sua vez

libertar o camponês

da situação precária.

Finalmente, meus senhores

quero ouvir entre os primores

debaixo do céu de anil

as mais sonorosas notas

dos cantos dos patriotas

cantando a paz do Brasil .

Page 72: Livro - Digo e não peço segredo
Page 73: Livro - Digo e não peço segredo

o pÁssarO o canto E

3.

o cantO a vida E

Page 74: Livro - Digo e não peço segredo

78

SERTÃO FESTIVOJá hoje não tem mais o que eu digo aí, mas já houve, aí eu retrato. Lá na Serra de Santana tinha muita festa de São João, Em toda parte, em toda parte.

... o véio Girome Guéde

que sacrifiço não mede

toca o que o povo lhe pede

numa armonca de oito baxo.

É o tocador. Mas ele existiu não, eu que criei. Eu pra batizar um não demora não.

A cinza santa e sagrada

de sua foguêra amada

com fé no peito guardada

quem tira um pouquinho dela

depois que se apaga a brasa

bota em roda da casa

na vida nunca se atrasa

se defende das mazela.

Você não conhece isso não? Essa superstição? Ô, homem, já hoje não há mais isso não. Pois era, no São João, depois que tudo se apagava, ficava só a cinza da fogueira, o povo, principalmente as mulheres, tiravam aquela cinza e arrodiava a casa todinha, botava uma cinzinha assim, na casa toda, pra não entrar mazela naquela casa. Superstição, viu? Pois perdurava isso. Já hoje não perdura. Não duvido que não tenha algum recanto aí que ainda faça, não é?

Page 75: Livro - Digo e não peço segredo

79

Olhe, eu tinha minha cerca lá perto da minha casa na Serra de Santana. Começaram a roubar as varas da cerca para cozinhar em panela, viu? Aí eu perguntava e todo mundo dizia: não, eu não fui, eu não fui. E eu, sabendo que o matuto tem muito medo de praga, e achando que rogando praga pega, aí eu perdoei a todos quanto tivesse tirado até aquele dia e roguei praga a quem tirasse daquele dia em diante, botei num papel e botei lá na cerca. Aquele que sabia ler, era aquela roda, um lendo e aí melhorou, não buliram mais não. Você vai ler. Hum hum! ê tá caçoando!!!

“Rogando Pragas”Dizia o velho Agostinho

que este mundo é cheio de arte

e se encontra em toda parte

pedaço de mau caminho

um pessoal meu vizinho

sem amor e sem moral

atrás de fazer o mal

para feijão cozinhar

começaram a roubar

as varas do meu quintal .

Toda noite e todo dia

iam as varas roubando

e eu já não suportando

aquela grande anarquia

pois quem era eu não sabia

pra poder denunciar

com aquele grande azar

vivia de saco cheio

até que inventei um meio

pra do roubo me livrar.

a CERCA

Page 76: Livro - Digo e não peço segredo

80

Eu dei a cada freguês

com humilde, o perdão

e lancei a maldição

em quem roubasse outra vez

e com muita altivez

na minha pena peguei

umas estrofes rimei

sobre as linhas de uns papéis

rogando pragas cruéis

e lá na cerca botei.

Deus permita que o safado

sem vergonha, ignorante

que roubar de agora em diante

madeira do meu cercado

se veja um dia atacado

com um cancro no toitiço

toda espécie de feitiço

em cima do mesmo caia

e em cada dedo saia

um olho de panariço.

O santo Deus de Móises

lhe manda bexiga roxa

saia carbúnculo na coxa

cravo nas solas dos pés

entre os incômodos cruéis

da doença hidrofobia

icterícia e anemia

tuberculose e diarréia

e a lepra da morféia

seja a sua companhia.

Page 77: Livro - Digo e não peço segredo

81

Deus lhe dê o reumatismo

com a sinusite crônica

a sesão, o impaludismo

e os ataques da bubônica

além de quatro picadas

de quatro cobras danadas

cada qual a mais cruel

e de veneno fatal

a urutu, a coral ,

jararaca e cascavel .

Eu já perdoei bastante

os que puderam roubar

para ninguém censurar

que sou muito extravagante

mas de agora em diante

ninguém será perdoado

Deus queira que um cão danado

um dia morda na cara

de quem roubar uma vara

na cerca do meu cercado

E oque não ouvir o rogo

que faço neste momento

tomara que tenha aumento

como correia no fogo

dinheiro em mesa de jogo

e cana no tabuleiro

e no dia derradeiro

a vela pra sua mão

seja um pequeno tição

de vara de marmeleiro.

Page 78: Livro - Digo e não peço segredo

82

Tudo meu eu crio, qualquer coisa mesmo. Veja bem aqui esse versinho, são poucas estrofes. É uma coisa bem simples, mas, no fim, tem um fundo de verdade. É Réplica de um Cabelo Branco. É o título, viu?

vELHICE

A um cabelo branco de vergonha

lhe disseram os pretos

não se oponha

você nos causa um sofrimento atroz

se retire, saindo da cabeça

e o mais breve daqui desapareça

não queremos você perto de nós.

O bom cabelo, muito inteligente

tendo tudo gravado em sua mente

julgando a vida do começo ao fim

falando sério contra a rebeldia

com a verdade da filosofia

para os pretos cabelos disse assim:

Ia natureza é protetora e franca

e quando ela me deu essa cor branca

um grande insulto cada qual me fez

mas cada um será bem castigado!

pois mereço ser muito respeitado!

sou o começo da estrada de vocês!’

Mas eles ficaram danados quando viram aquele cabelo branco perto deles.

Os pretos, viu?

Page 79: Livro - Digo e não peço segredo

83

Ah!. Essa miséria aqui é o que vai me lascar. Eu fiz aquele poema e no fim o poema não adiantou nada.

CIGARRO

Certa vez um cigarro astucioso

me falou com disfarce de ladrão:

para seres poeta primoroso

eu te ajudo na tua inspiração.

Quando a mente cansada permanece

de sentidos e de rimas bem vazia

com algumas tragadas te aparece

o que queres dizer em poesia.

Incentiva a falar dos indigentes

e da vida que encerra dias breves

te forneço as imagens excelentes

do perfil da mulher que tu descreves.

Dessa minha fumaça o conteúdo

alimenta o prazer de uma ilusão

tu me fumas, poeta, que eu te ajudo

para nunca faltar-te inspiração.

Risque o fósforo e me queime,

por favor tu precisas compor a tua rima

e eu, também, procurando outro setor

subirei bem feliz de mundo acima.

Quando ouvir do cigarro os seus pedidos

escutei um conselho para mim

eu senti penetrar nos meus ouvidos

uma voz a falar dizendo assim:

Page 80: Livro - Digo e não peço segredo

O cigarro procura te enganar

te iludir e fazer a tua ruína

vai fazer os teus versos sem fumar

não aumente no corpo a nicotina.

Quando ouvi esta voz suave e pura

do meu eu transformado me encontrei

e falei ao cigarro, com censura

tenhas calma, amanhã te fumarei.

E no dia terceiro imprudente

me falou: seu fumante vagabundo!

descobri o teu truque e estou ciente

só se acaba a manhã no fim do mundo.

Dando graças a Deus eu conheci

Que alcancei uma graça, uma virtude

Foi com este milagre que venci

O maior inimigo da saúde.

Page 81: Livro - Digo e não peço segredo

85

Pois é, o cigarro é assim uma distração vagabunda que eu tenho e, se eu não fumasse, eu não era assim tão enrouquecido do jeito que sou. Mas ainda tenho vontade de deixar. Não sei se ainda recupero alguma coisa. É mais de um maço, é mais de uma carteira por dia. Isso é demais, rapaz, é uma derrota. Quanto mais eu penso naquilo que eu não to gostando, mais cigarro eu fumo. Sem eu estar fumando não faço poesia com prazer. Posso fazer bem feito porque tenho cuidado, com amor e tal e tal, mas não dá prazer. É, agora eu estando fumando, não? Pois é, o cigarro é assim uma distração vagabunda que eu tenho e, se eu não fumasse, eu não era assim tão enrouquecido do jeito que sou. Mas ainda tenho vontade de deixar. Não sei se ainda recupero alguma coisa. É mais de um maço, é mais de uma carteira por dia. Isso é demais, rapaz, é uma derrota. Quanto mais eu penso naquilo que eu não to gostando, mais cigarro eu fumo. Sem eu estar fumando não faço poesia com prazer. Posso fazer bem feito porque tenho cuidado, com amor e tal e tal, mas não dá prazer. É, agora eu estando fumando,

não?

Page 82: Livro - Digo e não peço segredo

86

Pois bem, pra eu mostrar que esse nome da mulher pra o marido é muito ruim, eu primeiro criei esse poema. Pegando de onde? Lá dos infernos da pedra, não é? Tudo meu eu faço é criar e crio é na hora mesmo.

Eu lembrei de um dia que a mulher chamar o marido de chifrudo é coisa muito ruim e desonesta. Você veja aqui o que foi que eu fiz pra poder chegar lá. Eu vou dizer, viu? O título é: “Proquê dexei Zabé”. Uma poesia matuta.

infidelidade

Seu moço, eu nunca menti

nem nunca gostei de manha

se do meu sertão saí

pra vivê na terra istranha

é só porque sou casado

mas porém, sou separado

parece mesmo um castigo

sofro o maió aperreio

por causa de um nome feio

que a muié dixe comigo.

( .. .] Certa vez ela teimava

me dizendo desaforo

parece que Zabé tava

com o capeta no côro

como a cobra venenosa

tava inchada e rancorosa

já no ponto de brigá

e me chamou de chifrudo

com isto, ela dixe tudo

e eu vim me imbora de lá..

Page 83: Livro - Digo e não peço segredo

87

TRADIÇÃO E A MODERNIDADENo meu tempo de jovem, só havia passamento, viu? “Olha, fulano deu um passamento e entortou a boca!” Outro: “ora, beltrano deu um passamento e ficou com uma banda morta”. E outro: “mas, fulano deu um passamento, fez foi morrer”. Aí a ciência pegou a desenvolver e o rádio entrando pelo sertão etelevisão e aí hoje ninguém fala mais em passamento. É trombose, é enfarte, é derrame (risos). Aí o “passamento” ficou com uma raiva danada, aí eu escrevi “A Revolta do Passamento”. Aqui é “passamento” que fala,

viu?Entre os males já fui um grande mal

quando eu dava um arrocho em um sujeito

quem o visse, dizia: ‘está sem jeito’

e a família comprava o funeral .

Até mesmo o caboclo do roçado

eu tratava sem dó e sem carinho

muitas vezes ficava o coitadinho

sobre o chão lá na roça desmaiado.

Aplicando o meu choque perigoso

já pintei de amarelo a cor vermelha

de malandro, bonito e vaidoso

fiz a boca ficar no pé da orelha.

Da mais baixa à mais alta posição

neste mundo eu fui muito respeitado

fui o grande perverso no passado

nos ataques, eu era o campeão.

Porém, minha façanha já passou

Page 84: Livro - Digo e não peço segredo

hoje vivo isolado e sem prazer

a ciência, que em tudo quer mexer

com a sua imprudência me cassou.

Me cassou com o seu atrevimento

eu não sei por que tal metamorfose

com enfarte, derrame e com trombose

ninguém quer mais falar de passamento.

(risos). O passamento danado de raiva, viu?

Saudade dentro do peito é qual fogo de munturo

por fora tudo perfeito

por dentro fazendo furo .

... fica tal qual a frieira

quanto mais coça mais quer.

Você sabe o que é frieira? Quanto mais você coça, mais quer coçar. É como a saudade da mulher, viu? A saudade da mulher é pior do que a do homem.

saudade

É como a saudade da mulher, viu? A saudade da mulher é pi or do que a do homem.

Page 85: Livro - Digo e não peço segredo

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Quando eu era jovem mesmo, um parente de minha mãe me levou para o Pará, onde eu cantei em muitos lugares. Lá eu inventei essa quadrinha:

Quando eu entrei no Pará

achei a terra maió

vivo debaixo de chuva

mas molhado de suó.

Lá eu conheci muita gente, visitei muitos cearenses que moravam lá, mas voltei logo. Depois que eu voltei de minha viagem ao Pará, fui à Fortaleza, me apresentar à filha do grande poeta Juvenal Galeno. Levei uma carta de apresentação de José Carvalho de Brito, aquele que me deu o nome de Patativa. Lá eu cantei um pouco. Depois eu queria um livro dele. Foi aí que eu criei a “Carta à Doutora Henriqueta Galeno”. Eu conheci ela pessoalmente. Filha do grande Juvenal Galeno. Aí eu queria o livro do Juvenal Galeno, fiz essa carta e ela me ofereceu um presente do livro dele, com o título “Folhetim de Silvano”. A carta que escrevI era assim:

POETA

BAT

IZADO

lncelentíssima dotôra

peço perdão à senhora

desta carta lhe enviá

mas leia os versos rastêro

de um cabôco violêro

do sertão do Ceará.

Sou o cantadô Patativa

que trôxe aquela missiva

aquele papé escrito

e cantou no seu salão

com a recomendação

do Zé Carvaio de Brito.

Aí ela mandou o livro.

Page 86: Livro - Digo e não peço segredo

90

Querendo um dia ver algum mistério

das coisas tristes que esse mundo tem

impressionado fui ao cemitério

onde podemos mais pensar no além.

No campo santo, no sombrio império

de olhar piedoso a recordar alguém

entre soluços entre um tom funério

muitos choravam e eu chorei também.

Mas nesta vida sempre há um sujeito

que da miséria tira o seu proveito

vi no semblante do senhor coveiro.

A indiferença a doloroso assunto

interessado a receber defunto

fazendo cova pra ganhar dinheiro.

contradições

(risos) Quem quisesse que chorasse, mas ele ia era fazer cova para ganhar dinheiro. A desgraça de uns é a felicidade de outros, viu?

Page 87: Livro - Digo e não peço segredo

91

Eu crio uma historiazinha pra mostrar como o grande desarmoniza a terra,a casa de um pobre e fica por isso mesmo. Leia aí que você ver uma poesia muito bem feita

crim

e im

perdoável

Com sua filha de bondade infinda

Maria Rita, encantadora e bela

morava a viúva dona Carolina

junto ao engenho do morador Favela.

Paciente e boa e cheia de carinho

passava os dias sem pensar na dor

reinava ali, naquele tosco ninho

um grande exemplo do mais puro amor.

A linda jovem, flor da simpatia,

de olhos brilhantes e cabelo louro

além de arrimo e doce companhia

era da mãe o virginal tesouro.

( .. .) Maurício, um filho do senhor do engenho

um estudante, bacharel futuro

apaixonou-se, com o maior empenho

de saciar o coração impuro.

E com promessa de um porvir brilhante

fazendo juras de casar com ele

tanto insistiu o traidor pedante

que conquistou a infeliz donzela.

Tornou-se em pranto da menina o riso

anuviou-se o doce amor materno

aquele rancho, que era um paraíso

foi transformado em verdadeiro inferno.

Page 88: Livro - Digo e não peço segredo

( ... ) Vive hoje o monstro a prosseguirno estudo

enquanto o manto da miséria as cobre

porque só o rico tem direito a tudo

não há justiça para quem é pobre.

É isso aí!

Existe uma quadra que eu não quero bem nem um pouco. É sobre o diabo. Quem é o diabo? Quem fez o diabo, hein? Você sabe dizer, hein? Aí eu fiz essa quadra:

Era muito inteligente aquele que fez o diabo

para fazer medo a gente pôs chifre, esporão e rabo.

O DIABO

Page 89: Livro - Digo e não peço segredo

93

A “Escrava do Dinheiro”, sei dela decorada todinha. Isso aqui é pra eu mostrar que dinheiro é um vagabundo. Dinheiro, pra quem sabe possuir, é grande coisa, mas pra quem não sabe não é nada. Leia aí “A Escrava do Dinheiro!” Veja como o quanto essa mulher foi danada por causa do dinheiro. Era minha noiva,

viu?

DINHEIRO

Dinhêro trensforma tudo

dinhêro é quem leva e traz

eu nem quero nem dizê

tudo o que o dinhêro faz

apenas aqui eu conto

que ele pra tudo tá pronto

ele é cabrêro e treidô

é carras e é vingativo

só presta pra sê cativo

não presta pra ser senhô.

(...) Dinhêro é um Jogo ardente

que faz munto coração

se derretê como cera

na quintura do tição

dinhêro trensforma tudo

faz de um alegre um sisudo

dá nó e desmancha nó

e finarmente o dinhêro

é o maió Jeiticêro

é o Rei do Catimbó.

Page 90: Livro - Digo e não peço segredo

94

“As proezas do padre Nonato”. Foi meu grande amigo, o maior vigário que eu conhecia. Não tinha horário pra ele não, o povo era quem marcava. E eu queria um bem danado a esse padre. Tenho dois poemas com ele. Nossa viagem a São José de Lavras e esse daí. Esse aí, porque, você vai ver. Esse aí é uma extravagância do diabo! Eu aumentei. Foi ele que pediu. Ele disse: “homem, faça um verso”. Eu disse: padre, isso aí eu tô quase é debochando sua pessoa de padre. Ele disse: “olhe, que debochando que nada, rapaz, você podebotar minhas proezas que eu fui andar de moto e não acertei, que eu ajudo a você vender o livro, quando ele sair”. Aí eu botei. “Você pode botar coisas do arco da velha, que eu não tenho vaidade”. Aí eu fiz. Quer ver,

reparê.

RIMANDO O COTIDIANO

Page 91: Livro - Digo e não peço segredo

95

Quando o vigaro Nonato

comprou seu motocicreta

quage o padre desaqueta

toda a cidade do Crato

O mais doido espaiafato

aconteceu por ali

cena iguá eu nunca vi

ô carrerão da muzenga!

foi a maió estrovenga

passada no Cariri.

Esse grande padre aí. O padre Vieira. Ele achou bom como diabo esse negócio,

viu?Foi a mió brincadêra

que o padre Antônio Viêra

Na sua vida encrontou.

O padre Nonato aprendendo

a andar de moto.

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98

EM FAVOR DOS OUVINTES DA RÁDIO

Eu fiz um poema danado conversando com o meu amigo da Rádio Educadora do Crato. Fiz o poema “Inlustrismo Sr. Elóia Tele”. Mas o nome dele é Elói Teles, viu? Isso é um matuto do Piauí falando. Era quando o Zé Sarney tomava o programa dele na sexta-feira, aí eu, com medo de botar o meu nome, inventei que era um poeta do Piauí, aí mandei pra ele, viu? Quer ver, leia! Tinha aquele cara que é Zé Sarney, na sexta-feira tinha um programa também. Tomava uma parte do programa do Elói e eu fiquei com raiva, rapaz, aí inventei que era um poeta do Piauí e mandei esse versinho pra ele.

Era sacanagem.Seu Elóia, o locutô

precisa tê conciença

por isto eu faço ao Sinhô

uma boa adivertença

nesta carta populá

que segue pelo correio

lhe dando um grande conseio

e o Sinhô deve tomá.

Eu vejo que o seu programa

é o mió do Cariri

tem audiença e tem fama

como iguá eu nunca vi

lhe digo e tô quage certo

pra lhe conhecê de perto

qualquer dia eu chego aí.

Page 95: Livro - Digo e não peço segredo

99

(...) Aqui do meu Pioí

escuto a semana intêra

mas tem uma coisa aí

que me dá grande cansêra

eu não fico satisfeito

quando iscuto este sujeito

que fala na sexta-fêra.

(...) Isto assim não fica bem

repare que este tingó

toda sexta-fira vem

dizê uma coisa só

mesmo que lhe pague caro

não aceite esse salaro

dispache este Brosogó.

Esta sua falação

protesto teimo e resingo

ouvindo a repetição

toda sexta-fêra eu xingo

porque será que este besta

em vez de falá na sexta

não fala sabo ou dumingo?

( .. .) Pelo bem que o Sinhô qué

a todo o seu Cariri

e o bem de sua muié

faça o que eu lhe peço aqui

por Cristo, nosso Sinhô

pelo leite que mamou

tire este doido daí

e disponha de João Zumba

poeta do Pioí.

Page 96: Livro - Digo e não peço segredo

100

Lá, perto do carnaval, deu azar um dia, lá no hospital São Francisco de Assis, onde eu estava hospitalizado. É um hospital de arquitetura antiga, daquele tempo passado, viu? Hospital São Francisco de Assis. Aí faltou manteiga no pão, na hora. Nós merendando, mas não tinha manteiga não. Na hora do almoço, eu acho que aquilo era por causa do carnaval, sei lá? Na hora do

chefão de lá, viu? Aí eu disse: “meninos, eu vou falar pra São Francisco o caso que aconteceu. Eu vou falar”. Eles disseram: “mas as irmãs estão aqui na outra sala”. Eu digo: “não, eu não tenho nada a ver com as irmãs, vou falar é pra São Francisco, vou falar é pra São Francisco, vocês não entendem a minha poesia não?” Aí eu disse bem alto:

Na hora do almoço, veio foi um pouco de farofa diferente da nossa farofa aqui do nordeste, viu? Farofa muito diferente da nossa. Pra cada um dos pacientes, um pouco de farofa.Lá pelas outras salas, com certeza aconteceu a mesma coisa. E à tarde, a nossa janta, não foi mais a comida costumeira que a gente recebia todos os dias, que eu ainda hoje não sei o que era aquilo viu? E eu, pra fazer, aí, no outro dia à tarde, pra fazer os meninos rirem, eu era o animador dos acidentados, eu era o

EsPIR

ITUO

sIDADe

Page 97: Livro - Digo e não peço segredo

Meu São Francisco de Assis

meu santo! Meu bom amigo!

qual foi o mal que eu lhe fiz

pra me dar tanto castigo

seu amor nunca se apaga

é venerado o seu nome

se tiver comida, traga

que tô danado de fome

o senhor foi penitente

padeceu tanta amargura

e hoje trata seu doente

com farofa sem gordura?

Depois nos manda uma janta

de coisa desconhecida

meu santo! Isso não adianta

tenha dó de nossa vida

e, achando que ainda não chega

a nossa grande aflição

tirou também a manteiga

que tinha no nosso pão.

Eu preciso ser feliz

e o senhor

de mim se esquece?

Meu São Francisco de Assis

tenha dó de quem padece.

Page 98: Livro - Digo e não peço segredo

102

E os meninos tudo rindo, viu? Aí, irmã Natália, que era uma enferemeira, irmã Natália chegou e disse: “seu Antônio Gonçalves está atacando o hospital? Eu disse: “Irmã Natália, pelo amor de Deus, eu não sou homem para tanto - a senhora é que não sabe o que é a minha poesia. Minha poesia é uma coisa sagrada, eu falo para com Deus, eu falo para os para os santos, falo até para os anjos e eu aqui estou falando pra São Francisco”. A senhora viu eu mencionar nome de pecador? Hein? Eu não mencionei nome de pecador. É de mim pra São Francisco. Ela ficou com tanta raiva, não deu nenhuma palavra, voltou pisando duro e foi embora. Aí foi que os meninos gostaram. Certas coisinhas,

viu?

E outra vez, fiz lá também uma outra brincadeira. Todos os dias, irmã Joaninha vinha nos trazer suco, eu e os meus companheiros de infortúnio, os os acidentados como eu, lá numa sala. Aí, o suco não estava doce. Eu tomando o suco, mas vendo que não estava doce. Aí, eu tomando o suco bem devagarinho e pensando uns versos de ironia pra recitar pra ela, viu? Eu disse:

Page 99: Livro - Digo e não peço segredo

103

Este Rio de Janeiro

é uma terra encantada

até pelo estrangeiro

é terra bem visitada

mas dentro desses encantos

eu vejo uma coisa errada.

O Rio a gente admira ninguém pode reprovar

porém, eu sou um matuto

que sei tudo observar

e aqui tem uma mentira

que eu não posso perdoar.

Por exemplo, o pão de açúcar

que bastante encanta a mim

nunca houve neste mundo

quem fizesse um pão assim

e se ele fosse de açúcar

já tinha levado fim.

Descobri isso no suco

que essa enfermeira me trouxe

vi que a grande fartura

do pão de açúcar acabou-se

tanto açúcar nesse pão

e eu tomo suco sem doce.

(risos). lronizei e ela riu como todo e disse: “mas, Patativa”. Eu disse: “não tá doce não, viu?”

Page 100: Livro - Digo e não peço segredo

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Lampião, é como eu disse a Verinha, a neta dele. Eu conversei muito com ela, ela perguntou: “Patativa já fez algum trabalho sobre meu avô? Eu digo: “Verinha, eu não fiz não, porque se eu fizer, eu vou contradizer muita coisa, eu não tenho o seu avô como um bandido, um bandoleiro, ele foi um guerrilheiro, porque ele foi injustiçado. Não quiseram dar direito a ele, então ele ficou revoltado, coitado! Se tornou aquilo, podendo ter sido um homem de bem, seguindo outro caminho, seguiu aquele”. Eu nunca fiz nada sobre Lampião.

LAMPIãO

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105

VAQU

EIR

O MUS

ICADO

Eu estava hospitalizado lá no Rio de Janeiro, quando um amigo meu foi me visitar, levando uma radiola. Ouvi o “Vaqueiro” (poema) com o título mudado para “Sina”. Eu digo: e quem é. Ele diz. Esse aqui é Raimundo Fagner. Eu disse: pois bem, quando eu voltar ao Ceará, eu vou dar reportagem contra isso aí, porque essa letra é minha. Quando eu voltei, dei a reportagem em todos os jornais, até na Gazeta de Notícias. Não afrontando a ele, só dizendo que aquela letra era de minha autoria. Eu não tava visando o comércio, os cantores poderiam ganhar dinheiro, fazer o que pudesse, mas contando que não obscurecesse o autor da letra que era Patativa do Assaré e tal. Sempre onde eles iam cantar, chegavam com o retrato no jornal e diziam: Mas Fagner, olha aqui, patativa é muito famoso, muito querido e tal ái o advogado dele mandou que ele viesse me procurar. Nem eu conhecia ele e nem ele me conhecia. Eu tava lá na pensão de Suzana, no Crato, quando ele soube que eu estava naquela pensão, tava sentado lá na sala, quando entrou aquela camarada, com uma cabeleira bonita, toda elegante, naquele tempo ele era novo, aí olhou para mim e disse: “Me diga uma coisa o senhor é que é Patativa do Assaré? Sim eu sou, quero saber com quem eu tenho o prazer de estar me entendendo agora. Ele disse: “ Eu sou o cantor Raimundo Fagner.” Aí eu ri e disse: Ah! É você Fagner? Muito bem, você conhecia o meu nome e eu conhecia o seu, mas não tivemos ainda a felicidade de termos uma entrevista como nós estamos aqui. Mas você não venha pensando que eu tenho raiva de você não. Olha, aqui tem um coração, mas nunca germinou tal semente, viu? Eu tava só defendendo minha letra. Ele disse: não, e com muita razão. Tô aqui emocionado com essa sua maneira de tratar não sei o quê mas

Page 102: Livro - Digo e não peço segredo

106

eu lhe trago os papéis para que você assine e de hoje em diante quando nós formos cantar, será declarado que a letra é sua. Eu quero até fazer uma amizade com você.” Eu disse: “Olha Fagner, eu sou muito exigente com amizade. Amizade para mim só serve se for pura e decidida e sem sentido de exploração. Ele disse, não, mas eu garanto e quero até gravar um disco com uma coisa sua. Fomos lá para o meu quarto e ele com um gravador: eu tive cantando algumas de minhas toadas, mas quando eu disse: “Seu doto me dê licença” ele chega se arrupiou: “ É essa aí que eu vou gravar. Essa letra, isso aí vai dar um sucesso”. E, de fato, gravou e, mas quem quiser saber que o Fagner tinha apenas a voz, leia lá para o fim do meu livro Cante lá que eu Canto Cá, que está a explicação: letra musicada pelo próprio autor. E deu sucesso. Era um poema que fiz, exaltando o vaqueiro. Pois bem, foi assim o nosso encontro. Mas isso já passou e nós fizemos uma amizade.

É engraçado como os nossos olhos falam. Os olhos falam, não é? É, justamente, e eu sei ver as coisas. Aí eu digo aí nesses meus verso. Agora, no fim, tem uma coisa engraçada.

LINGUAGEM DOS OLHOS

“Linguage dos Óio”

Page 103: Livro - Digo e não peço segredo

Quem repara o corpo humano

e com coitado nalisa

vê que o Autô Soberano

lhe deu tudo o que precisa

os orgo que a gente tem

tudo serve munto bem

mas ninguém pode negá

que o Autô da Criação

fez com maió prefeição

os orgo visioná.

(. . .) Os óio consigo tem

incomparave segredo

tem o oiá querendo bem

e o oiá s.entindo medo

a pessoa apaixonada

não precisa dizê nada

não precisa utilizá

a língua que tem na boca

o oiá de uma caboca

diz quando qué namorá.

(. . .) Mesmo sem nada falá

mesmo assim calado e mudo

os orgo visioná

sabe dá siná de tudo

quando fica o namorado

pela moça desprezado

não precisa conversá

logo ele tá entendendo

os óio dela dizendo

viva lá que eu vivo cá.

Page 104: Livro - Digo e não peço segredo

( .. .) Nem mesmo os grande oculista

os dotô que munto estuda

os mais maió cientista

conhece a linguage muda

dos orgo visioná

e os mais ruim de decifrá

de todos que eu tô falando

é quando o oiá é zanôio

ninguém sabe cada ôio

pra onde tá reparando.

(risos). Aí o cabra não decifra não. No sertão a gente chama zanôio. Você olha assim, ela só olhando pra você, ela mesmo sabe que lhe ver, mas você acha que ela não tá olhando pra você. Acha num sei pra onde, viu? Mas no fim eu boto isso aí que é engraçado. Eu já tenho ouvido dizer isso. Eles dizem: “É um olho pro inferno e o outro por purgatório”, nunca diz pro céu. É interessante, né rapaz? Não é bonito? Pois é.

Isso aí é eu que invento.

Page 105: Livro - Digo e não peço segredo

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Eu quase fui preso por causa do meu poema Caboclo Roceiro. Foi em 1966 e aí, depois, passou tudo e ninguém falou mais em nada.

A DITADURA

Caboclo roceiro das plagas do norte

que vives sem sorte, sem terras e sem lar

a tua desdita é tristonho que canto

se escuto o teu pranto, me ponho a chorar.

Ninguém te oferece um feliz lenitivo

és rude, cativo, não tens liberdade

a roça é teu mundo e também tua escola

teu braço é a mola que move a cidade.

De noite, tu vives na tua palhoça

de dia, na roça, de enxada na mão

julgando que Deus é um pai vingativo

não vês o motivo da tua opressão.

E o poema foi isso. Só por isso eles queriam me prender. Só por causa dessa estrofe, que diz:

Porém, os ingratos, com ódio e com guerra

tomaram-te a terra que Deus te entregou.

Com certeza foi essa a estrofe que doeu na sensibilidade deles. Besteira!

Page 106: Livro - Digo e não peço segredo

“Injustiça” foi um poema muito bem feito que eu fiz pra retratar a injustiça que os descobridores fizeram quando chegaram no Brasil.

VISÃO DO BRASIL

O nosso selvático vivia contente

quando estranha gente na taba chegou

E o índio liberto foi subordinado,

foi escravizado sem terra ficou

Se é grande injustiça tomar o que é alheio

se é um ato feio, se é crime de horror,

na culpa medonha os brancos caíram

porque transgrediram a lei do Senhor.

Faz pena sabermos que muitas aldeias

outrora bem cheias já tiveram fim

é triste sabermos que os índios, coitados

sem serem culpados sofrem tanto assim.

Em nome daqueles que vivem sem terra

e não querem guerra procuram a paz,

a Igreja reclama amor e piedade

e a fraternidade que o gozo nos traz.

Page 107: Livro - Digo e não peço segredo

Queremos a paz que tanto ensinava

que tanto pregava Jesus nosso Rei

direitos humanos, o grau de igualdade

e a voz da verdade em nome da lei.

Os índios precisam de um ponto seguro

um belo futuro para os filhos seus

eles não merecem tamanhos castigos

são nossos amigos são filhos de Deus.

Não é? Pois é, justamente. Isso retrata bem o flagelo da descoberta do Brasil. É, justamente. Fizeram a maior chacina com aquele povo.

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Uma vez me pediram para fazer uns versos dando vivas ao povo brasileiro. Era para mostrar como nós vivemos, os nossos trabalhadores, a nossa vida. Mas não deu não, só dava se fosse assim: Quando passar a chacina... viva o povo brasileiro”. Assim nós podemos dizer “viva o povo brasileiro”, não é? Acontecendo isso que eu digo aqui, não é? É um poema muito atual. Mas tá muito longe de se dizer isso. É por isso que eu pensei cá, na minha filosofia de matuto, como era que eu poderia fazer um poema capaz de dizer “viva o povo brasileiro’: Aí pensei essa parte. Quando deixar de haver toda essa miséria que eu mencionei aqui, aí nós podemos dizer “viva o povo brasileiro”,

não é?

VIVA O POVO BRASilEIRO

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“Quando passar a chacina... viva o povo brasileiro”.

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o pÁssarO o canto Ea vida o mito E

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Eu não tenho vaidade nenhuma, nem prepotência, nem nada, nem preconceito, mas, quando a pessoa sabe ver o que eu fiz, o que eu faço e o que estou fazendo ainda, aí a gente não fica vaidoso, mas fica satisfeito,

não é?

O SUCESSO

Tudo aquilo que vocês querem é porque eu quero também. Porque eu me sinto muito feliz com a divulgação daquilo que eu faço, a apreciação, a interpretação de qualquer um, porque eu não tô perdendo nada com isso, tô ganhando. Eu nunca visei comércio dessas coisas minha. Eu sempre digo que a minha riqueza, disso que eu faço é a divulgação, é a apresentação, não é fazer comércio, não é isso coisa nenhuma, não. E, justamente, até agora eu tenho sido muito feliz, porque quero todos e todos me querem, como você vê, não é?

PATATIVA E OS FÃS

Eu me sinto feliz, sabe como?

É. Justamente.

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Eu sempre fui procurado pelos pesquisadores da cultura e também sobre a minha vida. Como é que eu faço tudo isso sem estudar, como é que eu crio aqueles quadros e vou reproduzir em versos, tudo dentro da verdade? Eu digo é, eu posso dizer que eu sou o poeta da justiça e da verdade. Eu gosto da verdade.

PATATIVA E OS INTELECTUAIS

PATATIVA E OS PRÊMIOSHomem, pra mim e pra minha família é uma coisa muito honrosa, porque tudo muito bonito, muito bom e pra mim eu agradeço porque está dando prazer aos meus amigos e principalmente à minha família: netos, bisnetos, filhas, genros, noras.

INDÚSTRIA CULTURALOs meus livros publicados muito me agrada porque eu deixo minha criatividade para as pessoas, mas eu nunca fiz comércio da minha poesia não. Eu não gosto. Gosto é que as pessoas apreciem e divulguem, porque é minha mesmo e eu quero.

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Eu fui àquele programa do Chacrinha. Aí tinha aquelas besteiras dele, interrogando, pápápá e pápápá. Aí ele tinha me convidado, naquele escritório e tudo e eu disse: _Sim, mas eu não vou fazer aquilo tudo não. Ele disse: “Aquilo é um programa de calouros. Seu convite é especial.” Aí eu fui e fiz muitos versos. Era um programa bem assistido. Chacrinha, pernambucano. Não sei se ele era de Caruaru.

Já agora, depois de velho eu fui àquele Domingão, não é? Mas assim: quem me via pensava que eu estava lá, mas não foi, vieram filmar aqui, aí na praça. Aquilo é uma ciência danada, viu? O camarada faz aquela filmagem, vai apresentar lá aonde ele bem quer e o sujeito assim pensa que o elemento ta ali,

não é?

PATATIVA NA TEVÊ

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Naquele cinema do Rosemberg (cineasta cearense), eu to na fita falando sobre o Beato Lourenço. Ora, Beato Lourenço eu sei quem foi ele:

PATATIVA NO CINEMA

Sempre digo, julgo e penso

que o Beato Zé Lourenço

foi um líder brasileiro

que fez os mesmos estudos

do grande herói de Canudos

Nosso Antônio Conselheiro

Tiveram o mesmo sonho

de um horizonte risonho

dentro da mesma intenção

criando um sistema novo

para defender o povo

da maldita escuridão.

Em cadeirão trabalhava

e boa assistência dava

a todos os operários

com a sua boa gente

lutava pacificamente

contra os latifundiários.

Naquele tempo passado

Canudos foi derrotado

sem dó e sem compaixão

com a mesma atrocidade

e maior felicidade

destruíram o Caldeirão.

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Porque a luta do povo não passará nunca, não é? Esses aí, esses sem terra, esse aí é como um Antônio Conselheiro ou um Beato Zé Lourenço. É a mesma luta do povo, pelejando, lutando pelos seus direitos, viu? Isso aí sempre veio, desde o começo do mundo e continuará. Continua a mesma luta do povo, procurando seus direitos.

Por ordem dos militares

avião cruzou os ares

com ódio, raiva e com guerra

contra a justiça divina

na grande carnificina

o sangue molhou a terra

Porém, por vários caminhos

seguindo o mesmo roteiro

sempre haverá Conselheiro

e Beato Zé Lourenço.

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Esse povo mexe é com tudo. Tem aí um menino que é um desenhista danado, ele veio aqui pra mim filmar e fazer um desenho animado sobre o Patativa, mas durou muito tempo, até um microfone dependuraram em mim. Quando eles foram gravar e tirar as fotos eu agüentei firme, mas eu passei mais de uma hora sentado num batente duro que só miolo de baraúna, aí quando terminou eu disse assim:

PATATIVA A

NIM

ADO

A maçada foi completa

paradeiro agora eu faço

porque bunda de poeta

não é de ferro nem de aço

Foi isso aí.

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Constantemente eu vivia mandando poema para Éloi Teles. Elogiando o programa dele, que só tinha coisa do sertão, coisa do folclore e aqueles passarinhos cantando. Eu sei lá quantos eu mandei pra lá, homem. Eu fui várias vezes recitar lá. Éloi foi um grande, ele foi poeta também.

PATATIVA NO RÁDIO

homenagensEu não queria não, mas tão danados aí querendo fazer uma festa. Eu não posso mais com nada, viu? Nem enxergo e nem escuto.

Vocês são doutores do meio urbano e eu sou do doutor do mato, lá da chapada.

DOUTOR honoris CAUSA

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CEARENSE DO SÉCULOBem, isso aí fica à vontade dos meus apreciadores, não é? E eu, fico cá no meu cantinho recebendo o que eles me entregam e diz e tudo e eu acredito. Mas só sei que sou um poeta da justiça e da verdade. Ah! Isso aí eu sempre fui e hei de ser até o fim. Mas o que o povo diz aí, tá tudo certo.

SEREIA DE OUROEu sou muito modesto, sou muito simples, o prazer que eu tenho é o prazer que eles têm também. Mas, eu não vou dizer que fiquei entusiasmado e isso e aquilo não, estou com eles, né? Estou com cada um que deu valor e achou que eu mereço e pronto. É só isso. O prêmio vem em boa hora?

Não, cada coisa tem seu tempo, homem.

Cada coisa tem seu tempo, sua hora, seu minuto

E só se vê um exemplo

quem lhe diz é um matuto.

Cada coisa tem seu tempo, sua hora, seu minuto.

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MEMOR

IAL PATATIVA D

O AssARÉ Eu pra mim, até agora ainda não sei. Sei apenas uma

coisa que diz aqui nessa quadrinha:

Conheço que estou no fim

e sei que a terra me come mas fica vivo o meu nome para os que gostam de mim.

Somente isso aqui, mais nada, é? Mas é uma organização muito bem feita como estão dizendo, viu? Mas, eu, eu não tenho vaidade com nada, viu? Mas pelejaram com isso e não sei o quê e aí vai ficar ai o Memorial, viu? Fica aí o meu nome, como eu digo nessa quadrinha.

Assaré dos meus amores

onde andei de beco em beco .

caíram folhas e flores

só ficou o tronco seco.

ASSARÉ (do Patativa)

Assaré se tornou conhecida por minha causa, viu? Assaré hoje é conhecida, quase no mundo todo. Você não vê aí neste “Brasil bom de Bola” eles botando em francês e em inglês todas as coisas que eu disse? E isso aí é tudo Assaré e Assaré. Patativa do Assaré. Quando eu morrer fica a Assaré do Patativa. “Homem, pra onde vai?” “Vou pra Assaré do Patativa”. Agora não, que eu tô vivo é o Patativa do Assaré. Quando eu morrer ficará a Assaré do Patativa. Não é não? Tudo isso eu vejo na minha mente.

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O MITO DA MÚSICALuiz Gonzaga foi um grande artista, rapaz Inteligente e nunca mudou, o rei nunca mudou a sua linguagem cabocla. Viveu naquele meio, entrosado naquela gente alta do diabo, mas ele não criou vaidade. Nunca mudou o “prumode”, o “quinem”, e outras coisas, viu? Ele soube ser brasileiro. Ele era amigo, viu? Acolhedor do povo. Ele dizia que eu e ele era do mesmo jeito. Eu na poesia e ele na sanfona cantando. Tem que ser é nós dois. Ele disse: “Bem, se fosse pra eu ficar cantando somente três músicas, eu queria cantar apenas “Respeita Januário”, “Asa Branca” e “ A Triste Partida”, do Patativa do Assaré. “Era a preferência minha, pra eu ficar cantando por toda a vida”. Ele era inteligente. Tão simples!!!

Simples mesmo!

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oUTROs M

ITOs

No dia do movimento da Anistia, lá na Praça do Ferreira, eu apresentei com Darci Ribeiro, que é de saudosa memória. Pois bem, eu estava na livraria “Ciência e Cultura”, auto¬grafando um livro. No outro dia era [seria] o movimento lá, da anistia, né? Naquele tempo que os desgraçados voltaram desse fim de mundo. E chegou um cidadão e disse: “Olha, Patativa amanhã à tardinha, eu passarei aqui pra você ir comigo lá para a Praça do Ferreira, onde vai ser a reunião grande em benefício da anistia. Eu digo: “Pois não”. E aí, você vai também dizer alguma coisa dentro do mesmo tema. Aí eu fiquei logo encabulado, passei a noite quase acordado, procurando o que era que eu ia dizer. Aí me veio a lembrança que o pinto sai do ovo porque trabalha e não porque a natureza faça aquele ovo se abrir para que o pinto saia de dentro. Não, não é assim. Ele belisca o ovo até poder sair de dentro. Aí eu me apoiei nesse negócio e fiz o poema, viu? Quando esse cidadão, Darci Ribeiro, chegou e disse: “Pronto Patativa, entre aqui no meu carro e vamos lá pra Praça do Ferreira”. Ele disse: “Olha, você é famoso não é só aqui, nessa parte do nordeste, aqui no Ceará não. É em toda a parte. Lá no Rio de Janeiro, quando se trata de cultura, cultura popular dentro da

verdade que precisam, seu nome é logo mencionado e nós somos colegas de imprensa. Eu já publiquei três livros na Editora Vozes, onde está o seu livro “Cante lá que eu Canto Cá”. Aí eu disse: “Com quem é que eu estou tento o prazer de estar me entendendo? “Ele disse: “Eu sou Darci Ribeiro”. Aí, rapaz, em vez de eu me entusiasmar, fiquei foi amofinado. Fiquei tão besta, que falei com ele outra vez. E ele: “Mas Patativa, o que é isso?”.”É Porque eu conheço o seu nome, sei quem é o senhor e a sua capacidade”. Ele disse: “Não, nós somos iguais”. Aí ele me apresentou ao Teotônio Vilela. Quando chegou na hora, ele me chamou lá para o microfone, eu já tinha feito os versinhos.

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Vamos minha gente

vamos para a frente

arrastando a cruz

atrás da verdade

da fraternidade

que pregou Jesus.

O pinto presioneiro

pra sair do cativeiro

veve bastante a lutar

bate o bico, bate o bico

bate o bico, tico, tico

pra poder se libertar.

Se direito temos

todos nós queremos

liberdade e paz

no direito humano

não existe engano

todos são iguais.

O pinto dentro do ovo

aspirando um mundo novo

não deixa de biliscar

bate o bico, bate o bico

bate o bico, tico, tico

pra poder se libertar.

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MITOS DA LITERATURAUma vez eu estava em Quixadá, para um encontro e a Raquel de Queiroz, que também era convidada, não foi. Aí ela mandou me apanhar para eu ir lá para a fazenda dela, fazendo de nome “Não me deixes”. Agora lá, é como uma coisa antiga, daqueles coronéis, daquele tempo, viu? Aquela fachada bonita, antiguidade. Lá na cozinha, cheia de prego nas paredes e as caçarolas assim como faziam de primeiro. Tudo é coisa antiga. Ela conservou. Ela me olhou e mandou chamar fotógrafos, fotografou comigo e disse: “Eu não lhe conhecia pessoalmente, mas você vive no meu coração. Você é um poeta sonoro. Aí você vai recitar pra mim coisas que falem do sertão”. Ora, eu tenho um poema muito legal que é “O Retrato do Sertão”, bateu mesmo em cheio. A primeira mulher que entrou ali [Academia Brasileira de Letras] foi ela mesmo,

né?

O MITO PELAs CAUsAsEu já participei de muita coisa por aí. Olhe, o Nordeste às vezes, ou é seca ou muita chuva. Quando houve aí uma inundação danada, os artistas se reuniram para ajudar os flagelados. Aí eu fiz o poema e eles lá musicaram. Foi cantado por muitos bons: Fagner, Chico, Buarque, Milton Nascimento e tanta gente que eu nem sei. Foi “Seca D´água” [Musicada e cantada pelos artistas do Nordeste Já – 1985]

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É triste para o Nordeste

o que a Natureza fez

mandou 5 anos de seca

uma chuva em cada mês

e agora, em 85

mandou tudo de uma vez

A sorte do nordestino

é mesmo de fazer dó

seca sem chuva é ruim

mas seca d´água é pior

Quando chove brandamente

depressa nasce o capim

dá milho, arroz e feijão

mandioca e amendoim

mas como em 85

até o sapo achou ruim

Maranhão e Piauí

estão sofrendo por lá

mas o maior sofrimento

é nestas bandas de cá

Pernambuco, Rio Grande

Paraíba e Ceará

O Jaguaribe inundou

a cidade do Iguatu

e Sobral foi alagado

pelo rio Acaraú

o mesmo estrago fizeram

Salgado e Banabuiú.

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Ceará martirizado

eu tenho pena de ti

Limoeiro, Itaiçaba

Quixeré, Aracati

faz pena ouvir o lamento

dos flagelados dali.

Meus senhores governantes

da nossa grande Nação

o flagelo das enchentes

é de cortar coração

muitas famílias vivendo

sem lar, sem roupa e sem pão.

O MITO E AS TRADIÇÕESAs coisas mudaram muito. Muita coisa ficou melhor, mas eu tenho saudade das coisas antigas, daquela tradição toda, de muita coisa boa. Eu tenho até duas coisas. Uma é sobre as moagens de cana, muita alegria quando as moagens eram feitas com bois, dois bois puxando a moenda. Eu fiz “Ingêm de Ferro”.

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Ingêm de ferro, você

com seu amigo motô

sabe bem desenvorvê

é munto trabaiadô

arguém já me disse até

e afirmô que você é

progressista em alto grau;

tem força e tem energia

mas não tem a poesia

que tem um ingêm de pau.

( .. .) Ingém de pau! Coitadinho!

Ficou no triste abandono

E você, você sozinho

Hoje é quem tá sendo dono

Das cana do meu país

Derne o momento infeliz

Que o ingém de pau levou fim

Eu sinto sem piedade

Três moendas de sodade

Ringindo dentro de mim.

Outro poema que eu fiz foi sobre as farinhadas antigas. Aquilo era uma animação. Aqui na Serra de Santana tinha muita farinhada, mas agora não é mais daquele jeito não. Aí eu fiz isso aqui:

“O Puxador de Roda”:

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Pois bem, um aviamento

Quando pega a trabaiá

É o miá divertimento

que se pode maginá

É a miá distração

Tudo ali é união

Prazê, alegria e paz

Sá se conversa em amô

Pois todos trabaiadô

É sempre moça e rapaz ..

(...) Hoje a serra tá mudada

Uma desmancha não presta

De premêro, a farinhada

Pra mim era a miá festa

Mas perdi todo o prazê

Quando vi aparecê

Esta horrive novidade

Fazendo um doido baruio

Cheio de impero e de orguio

Fedendo à civilidade.

(...) Motô, tu é um castigo!

Bicho feio, sem futuro

Sou sempre o teu inimigo

Te dou figa e desconjuro

Do mestre que te inventou

Mode este teu pôpôpô

Que aborrece e que incomoda

Ninguém vê mais os cabôco

Que gritava, dando soco

Puxando os veio da roda.

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O MITO E A MUSABelinha foi minha companheira. Tão paciente, meu Deus! Só se zangou uma vez, quando um cassaco quase acabava com as galinhas dela. Aí eu fiz

“Mulher Valente”Era um cassaco que pegava pinto

passava noite remexendo a casa

o galinheiro já se achava tinto

com a sujeira deste espalha brasa.

Belinha vendo nossa casa imunda

aborrecida me falou assim:

com baladeira, com bodoque ou funda

deste cassaco quero ver o fim.

(...) Eu quero apenas o cachorro e o gato

muitos pintinhos e perus perdi

este malandro só pertence ao mato

não é doméstico pra viver aqui.

Matou o cassaco e acabou a agonia. Ela era muito boa, tadinha!

Quem é esta mulher, de média altura

que mesmo tendo seu cabelos brancos

andando firme com os passos francos

tudo na casa resolver procura?

Quem é essa mulher sempre a cismar

silenciosa, simples e modesta

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É, mas não deu certo não. Ela foi sozinha.

que não indo da igreja para a festa

vive constante no seu pobre lar?

(...) Esta dona mostrando na feição

que deseja dizer alguma cousa

é a mãe de meus filhos, minha esposa

é dona Belarmina Paes Cidrão.

É minha esposa, minha sempre minha

inseparável , doce companhia

por questão de beleza e simpatia

eu troquei Belarmina por Belinha.

(...) se ela reza, contrita, é quase pia

e na igreja comunga e se confessa

vou pedir-lhe que faça uma promessa

para a gente morrer no mesmo dia.

Quem é es ta mulher, de média altura que mesmo tendo seu cabelos brancosandando firme com os passos francos tudo na casa resolver procura?

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MENSAGENS DO MITOA minha mensagem será sempre sobre a justiça e a verdade. Olhe, eu nunca ofendi a ninguém, nunca ataquei a seu ninguém, mas ninguém pode reclamar as verdades que eu digo, porque o povo mesmo sabe ver, como isso que eu fiz aqui:

O que mais dói não é sofrer saudade

do amor querido que se encontra ausente

nem a lembrança que o coração sente

dos belos sonhos da primeira idade.

Não é também a dura crueldade

do falso amigo, quando engana a gente

nem os martírios de uma dor latente

quando a moléstia o nosso corpo invade.

O que mais dói e o peito nos oprime

e nos revolta mais que o próprio crime

não é perder da posição o grau.

É ver os votos de um país inteiro

desde o praciano ao camponês roceiro

pra eleger um presidente mau.

Agora, isso aí é uma tristeza, não é? Pois bem, eu não ataco, apenas vejo, entendo e faço.

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FUTUROO futuro a Deus pertence. Eu acho que já fiz algumas coisas, se chegar a hora, eu to pronto porque também não tem jeito. Fica aí o Memorial Patativa do Assaré e meus versos e a Fonte Patativana, que é uma brincadeira que eu digo com meus companheiros de poesia.

Aos poetas do nordeste

Ofereço meus louvores

Aos que são meus seguidores

E já passaram no teste

Com a proteção celeste

E inspiração soberana

Cantando da raça humana

Prazeres, dores e mágoas

Porque beberam das águas

Das fontes Patativanas

Eu digo em nome de Cristo

Com a verdade completa

Ao meu amigo poeta

Com muita atenção assisto

Temos o Manuel Calixto

Que gosta da carrascana

Porém, com cana ou sem cana

Verseja em qualquer negócio

Porque é um grande sócio

Da Fonte Patativana

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Cícero Batista se sai

Com roça e com poesia

Com as farsas que ele guia

O seu prestígio não cai

De quando em vez ele vai

Pra feira vender banana

Outras vezes vender cana

Além de versejador

Da Fonte Patativana

Além da grande fileira

Dizer agora é preciso

O campeão do improviso

É o Miceno Pereira

Com sua voz altaneira

Cantando toda semana

Como pássaro Viana

Ele é muito sonoroso

E vive muito ditoso

Na Fonte Patativana

O meu colega Maurício

Segue este mesmo caminho

Cantando a flor, o espinho

O prazer e o sacrifício

Meu parente, meu patrício

Nesta Serra de Santana

A poesia bacana

Apresenta muito bem

Porque faz parte também

Da Fonte Patativana

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O Geraldo e o João Bandeira

Cada qual é bom poeta

Que segue a mesma reta

Com expressão verdadeira

Na poesia brejeira

Uns se alegra, outros se ufana

O que já leu não se engana

São poemas irmanados

Porque foram inspirados

Na Fonte Patativana

O Pedro verseja um pouco

É o caçula, meu irmão

Dono de uma produção

Chamada “Ladrão de Coco”

Sua casa de reboco

Velha e modesta choupana

Maria era nossa mana

Mas nossa mana, Maria.

Um só verso não fazia

Na Fonte Patativana

Finalmente, meus leitores

Nesta preciosa arte

Apresentei, grande parte

Dos que são meus seguidores

Cantei prazeres e dores

Nessa Serra de Santana

Para a nação soberana

Eu partirei brevemente

Dando adeus a boa gente

Da Fonte Patativana.

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