21
91 PROTEÇÃO DO PATRIMONIO CULTURAL: O TOMBAMENTO E SEU ENTORNO PROTEÇÃO DO PATRIMONIO CULTURAL: O TOMBAMENTO E SEU ENTORNO PROTECTION OF CULTURAL HERITAGE: TIPPING AND ITS SURROUNDINGS hiago Anastácio Carcará 1 Cristiana Maria Maia Silveira 2 Vicente de Paulo Augusto de Oliveira Júnior 3 RESUMO O presente artigo pretende examinar a proteção do patrimônio cultural brasileiro, especialmente o instituto do Tombamento e seu entorno, ambos regulamentados por meio do Decreto-Lei n.º 25 de 30 de novembro de 1937 de âmbito nacional. Inicialmente, veriica-se o conceito de patrimônio cultural, já que tanto o Decreto Lei n.º 25/37, como a Constituição Federal, trazem conceitos sobre a natureza do patrimônio cultural. A ampliação conceitual de patrimônio cultural, bem como do rol de instrumentos concretos e eicazes para a realização dessa proteção são elencados tanto pelo Decreto Lei, que emerge com o instituto do tombamento, bem como pelo art. 216, §1º da Carta Magna, que elenca outras formas de proteção. Por conseguinte, debruçando-se sobre os dispositivos elencados no Decreto-Lei, veriica-se o seu conteúdo, especialmente no que concerne ao patrimônio cultural e ao instituto do tombamento, bem como seu entorno. Fazendo uso de julgados dos Tribunais 1 Mestrando em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza, Especialista em Direito Processual Civil pela UNIDERP/LFG, Bacharel em Direito Faculdade de Saúde, Ciências Humanas e Tecnológicas do Piauí. 2 Mestranda em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza, Especialista em Direito Privado pela Universidade Cândido Mendes, Especialista em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes, Bacharel em Direito pela Universidade de Fortaleza. 3 Mestrando em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza, Bacharel em Direito pela Universidade de Fortaleza

Livro - Direitos Culturais - Volume I - Artigo - 1

Embed Size (px)

DESCRIPTION

x

Citation preview

  • 91PROTEO DO PATRIMONIO CULTURAL: O TOMBAMENTO E SEU ENTORNO

    PROTEO DO PATRIMONIO CULTURAL: O TOMBAMENTO E SEU ENTORNO

    PROTECTION OF CULTURAL HERITAGE: TIPPING AND ITS SURROUNDINGS

    hiago Anastcio Carcar1

    Cristiana Maria Maia Silveira2

    Vicente de Paulo Augusto de Oliveira Jnior3

    RESUMO

    O presente artigo pretende examinar a proteo do patrimnio cultural brasileiro,

    especialmente o instituto do Tombamento e seu entorno, ambos regulamentados

    por meio do Decreto-Lei n. 25 de 30 de novembro de 1937 de mbito nacional.

    Inicialmente, veriica-se o conceito de patrimnio cultural, j que tanto o Decreto

    Lei n. 25/37, como a Constituio Federal, trazem conceitos sobre a natureza do

    patrimnio cultural. A ampliao conceitual de patrimnio cultural, bem como do rol

    de instrumentos concretos e eicazes para a realizao dessa proteo so elencados

    tanto pelo Decreto Lei, que emerge com o instituto do tombamento, bem como pelo

    art. 216, 1 da Carta Magna, que elenca outras formas de proteo. Por conseguinte,

    debruando-se sobre os dispositivos elencados no Decreto-Lei, veriica-se o seu

    contedo, especialmente no que concerne ao patrimnio cultural e ao instituto

    do tombamento, bem como seu entorno. Fazendo uso de julgados dos Tribunais

    1 Mestrando em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza, Especialista em Direito Processual Civil pela UNIDERP/LFG, Bacharel em Direito Faculdade de Sade, Cincias

    Humanas e Tecnolgicas do Piau.2 Mestranda em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza, Especialista em Direito

    Privado pela Universidade Cndido Mendes, Especialista em Direito Pblico pela Universidade

    Cndido Mendes, Bacharel em Direito pela Universidade de Fortaleza.3 Mestrando em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza, Bacharel em Direito pela

    Universidade de Fortaleza

  • 92 ThIAgO ANASTCIO CARCAR CRISTIANA MARIA MAIA SILvEIRA vICENTE DE PAULO AUgUSTO DE OLIvEIRA JNIOR

    Superiores brasileiros, se defronta com o entorno dos bens tombados e os efeitos que

    recaem sobre esses bens, os circunvizinhos. Por meio de uma pesquisa bibliogrica,

    com auxilio da jurisprudncia nacional, se norteia o estudo, com o ito de propiciar o

    debate sobre o tema, alm de asseverar a importncia da discusso para a efetivao

    da proteo do patrimnio cultural.

    Palavras-chaves: Patrimnio cultural. Tombamento. Entorno.

    ABSTRACT

    This article seeks to examine the protection of cultural heritage of Brazil, especially

    the institution of Tipping and its surroundings, both regulated by Decree-Law no. No.

    25 November 30, 1937 nationwide. Initially, there is the concept of cultural heritage,

    as both the Decree Law no. No. 25/37, as the Federal Constitution, bring concepts

    about the nature of cultural heritage. The conceptual expansion of cultural heritage,

    as well as the list of practical tools and efective for the purposes of protection are

    listed both by the Decree Law, which emerges with the institution of tipping as well

    as by art. 216, 1 of the Constitution, which lists other forms of protection. Therefore,

    leaning on the devices listed in the Decree, there is the content especially with regard

    to cultural heritage and to the Oice of the tipping, as well as its surroundings. Making

    use of trial of Brazilian Courts, faced with the surroundings of listed items and efects

    that fall on this property, the surrounding. Through a literature search with the aid of

    jurisprudence, is guiding the study with the aim of promoting debate on the subject,

    in addition to asserting the importance of discussion for efective protection of

    cultural heritage.

    Keywords: Cultural heritage. Tipping. Surrounding.

  • 93PROTEO DO PATRIMONIO CULTURAL: O TOMBAMENTO E SEU ENTORNO

    INTRODUO

    A proteo do patrimnio cultural no novidade no direito brasileiro. A mais intensa e at hoje eicaz medida de proteo regulamentada por um Decreto Lei vigente desde 1937. Evidente que desde tal poca at o sculo XXI as mudanas de paradigmas e conceituais afetaram, de alguma forma, o entendimento sobre os institutos, mas sua essncia permanece intacta, ampliada sim, mas com mesmo vigor e robustez de sempre.

    O Decreto Lei n. 25 de 30 de novembro de 1937 regulamenta o instituto do tombamento, instrumento de larga utilizao na proteo do patrimnio cultural brasileiro. Desde a conceituao de patrimnio cultural at o procedimento pelo qual deve ser realizado o tombamento, o referido diploma uma real evidencia da incessante luta pela proteo do patrimnio cultural.

    Inicialmente, veriica-se o conceito de patrimnio cultural, j que tanto o DL 25/37, como a Constituio, trazem conceitos. A ampliao conceitual de patrimnio cultural, bem como do rol de instrumentos eicazes para a realizao dessa proteo so postos. Por conseguinte, debruando-se sobre o os dispositivos elencados no decreto-lei, veriica-se o seu contedo especialmente no que concerne ao patrimnio cultural e ao instituto do tombamento.

    Por im, por meio de um apanho de julgados nos Tribunais Superiores brasileiros, se defronto com o entorno dos bens tombamento e os efeitos que recaem sobre os bens circunvizinhos.

    Por meio de uma pesquisa bibliogrica, com auxlio da jurisprudncia nacional, se norteia o estudo, com o ito de propiciar o debate sobre o tema, alm de asseverar a importncia da discusso para a efetivao da proteo do patrimnio cultural.

  • 94 ThIAgO ANASTCIO CARCAR CRISTIANA MARIA MAIA SILvEIRA vICENTE DE PAULO AUgUSTO DE OLIvEIRA JNIOR

    1 PATRIMNIO CULTURAL

    Com a promulgao da Constituio de 1988 a proteo do patrimnio cultural brasileiro teve grande ampliao. O pargrafo 1 do art. 215 da Carta Magna trouxe instrumentos para proteo, contudo, no se trata de um rol taxativo. No deve se esquecer, tambm, da ampliao do prprio conceito do que seja patrimnio cultural elencado no caput do dispositivo supracitado.

    Deve-se frisar que o conceito do que venha a ser patrimnio cultural era esttico, tendo sua previso determinado no art. 1 do Dec. Lei n. 25/1937, diploma ainda em vigor que tambm institui o tombamento. A conceituao de patrimnio cultural, apesar de vanguardista para a poca em que foi sancionada a lei, para o sculo XXI deve ser considerada sem ambio, no sentido de no abarcar todos os bens e produtos de natureza cultural.

    Art. 1 - Constitui o patrimnio histrico e artstico nacional o conjunto dos bens mveis e imveis existentes no pas e cuja conservao seja de interesse pblico, quer por sua vinculao a fatos memorveis da histria do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueolgico ou etnogrico, bibliogrico ou artstico (BRASIL, 1975).

    A Constituio de 1988 alm de ampliar o rol de instrumentos eicazes para concretizar a proteo do patrimnio cultural ampliou seu conceito, trazendo superfcie a real e necessria valorao dos bens culturais. O art. 216 da Lei Maior, e seus incisos, traduzem a real mudana na conceituao do patrimnio cultural.

    Art. 216. Constituem patrimnio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referncia identidade, ao, memria dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:

    I as formas de expresso;

    II os modos de criar, fazer e viver;

  • 95PROTEO DO PATRIMONIO CULTURAL: O TOMBAMENTO E SEU ENTORNO

    III as criaes cienticas, artsticas e tecnolgicas;

    IV as obras, objetos, documentos, ediicaes e demais espaos destinados s manifestaes artistico-culturais;

    V os conjuntos urbanos e stios de valor histrico, paisagstico, artstico, arqueolgico, paleontolgico, ecolgico e cientico. (BRASIL, 1988)

    Os conceitos antropolgico e sociolgico de cultura foram abarcados pelo dispositivo constitucional que tem o condo de elevar o rol de bens tutelados pelo Estado, e diga-se de passagem, pela comunidade, merecendo ampla proteo. A prpria Carta Magna trouxe alguns instrumentos para a realizao dessa proteo.

    Em seu art. 216, 1, a Constituio brasileira enumera em um rol no exaustivo que inventrios, registros, tombamentos, desapropriaes e outras formas de acautelamento e preservao devem ser utilizados para proteger o patrimnio cultural. No desmerecendo os outros instrumentos, mas at pela robustez do instituto, o tombamento ganha destaque dentre tais ferramentas de proteo.

    A importncia e a tradicional utilizao do instituto do tombamento para a proteo do patrimnio cultural, especialmente do patrimnio de natureza material, fazem deste instrumento a forma mais robusta de efetivao da proteo. Ademais, o tombamento, ao incidir sobre o direito de propriedade do bem material, possibilita um controle amplo de preservao da memria e da histria, pois abarca uma gama de situaes que visam a expanso, pelo tempo, da cultura e da historia da sociedade brasileira.

    O Decreto-Lei n. 25 de 30 de novembro de 1937 o nico diploma que regula o tombamento a nvel federal. Apesar da intitulao de Decreto-Lei, a norma, vigente, diga-se de passagem, teve uma elaborao nos termos do processo legislativo que possibilitava um debate sobre o tema, principalmente pelo visvel conlito entre o direito de propriedade e a proteo do patrimnio cultural. Sem pormenores, a Constituio Federal de 1988 recepcionou o citado dispositivo,

  • 96 ThIAgO ANASTCIO CARCAR CRISTIANA MARIA MAIA SILvEIRA vICENTE DE PAULO AUgUSTO DE OLIvEIRA JNIOR

    apesar de que no fora ainda questionado junto ao Supremo Tribunal Federal sua constitucionalidade, fato aqui indiferente.

    Ainda a despeito da conceituao de patrimnio cultural, de substancial importncia um melhor aprofundamento para uma delimitao do campo de aplicao dos instrumentos de proteo, bem como para possibilitar maior eiccia jurdica aos instrumentos de proteo desse patrimnio.

    Vale dizer: o patrimnio cultural brasileiro modo de preservar os valores das tradies, da experincia histrica e da inventividade artstica compreende o patrimnio cultural nacional, integrado pelos bens de interesse nacional, o patrimnio cultural estadual (de cada Estado), integrado pelos bens culturais de interesse apenas do Estado interessado, o patrimnio cultural municipal, de interesse de cada Municpio que o tenha formado. (Grifo do autor) (SILVA, 2001, p. 101)

    Patrimnio cultural termo de maior abrangncia sobre os atos de identiicao da cultura, abarcando desde a elitizada cultura erudita at a cultura das grandes massas, passando pelas marcas de identidade cultural dos grupos sociais. Nesse contexto, assevera-se que o maior interesse, pressupe-se, na preservao do patrimnio cultural, da prpria comunidade, entendida no seu conjunto plural unssona de indivduos das mais variadas origens e de diferentes formaes culturais.

    O tombamento, como j ressaltado, possui regramento normativo atribudo pelo Dec. Lei 25/1937. Em anlise sobre as mudanas da sociedade, e em decorrncia do surgimento de novas constituies pelo passar dos anos, poder-se-ia suscitar que tal regramento estaria defasado e seria inconstitucional. Sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal manifestou-se, formando um leading case sobre o referido diploma.

    Mas, por maioria de votos, entendeu-se ser constitucional esse diploma legal, porque, na opinio da maioria dos ministros, a Constituio de 1934 teria inaugurado um novo

  • 97PROTEO DO PATRIMONIO CULTURAL: O TOMBAMENTO E SEU ENTORNO

    conceito de propriedade. O direito absoluto de propriedade, consagrado na Constituio de 1891, no mais coadunava com a realidade daquela poca. A Constituio de 1937, ademais, teria permitido que a prpria lei ordinria pudesse limitar o contedo do direito de propriedade para atender o interesse social. O Min. Castro Meira, inclusive, sustentou que essas limitaes relativas ao tombamento eram decorrncia da funo social da propriedade. (TOMASEVICIUS FILHO, 2004, p. 240-241)

    A deciso ora comentada assevera a lexibilidade do direito de propriedade. Com a Carta Magna de 1988, a propriedade que no atender sua funo social poder ser desapropriada. Nesta esteira, a funo social de bens tombados a preservao do patrimnio cultural, sendo, portanto, um instituto de grande envergadura e de grande repercusso na seara privada, merecendo assim uma melhor anlise.

    2 TOMBAMENTO E O DECRETO-LEI 25/37

    Aps 29 dias de dissolvido o Congresso Nacional, Getlio Vargas promulga o Decreto-Lei n. 25/37. salutar questionar-se sobre como pde a referida lei percorrer tanto tempo, ser recepcionada por diversas Constituies, tendo sido publicado quando estava dissolvido o Congresso Nacional, e, mesmo assim ter to grande eiccia e sustentculo no ordenamento jurdico hodierno.

    A nomenclatura da norma, Decreto-Lei, j instaura um trauma originrio nos tempos do autoritarismo. A igura normativa no mais existe, sendo similar a ela a Medida Provisria MP, ato unilateral do Poder Executivo. Ocorre que a MP deve atender a critrios para sua edio, e tramitar pelo Congresso para, assim, transforma-se em lei. No caso, o decreto-lei ato unilateral do Poder Executivo, mas no necessita tramitar pelo Congresso para ter fora de lei, da que o Dec. Lei. n. 25/37 eicaz e foi recepcionado pela Constituio Federal de

  • 98 ThIAgO ANASTCIO CARCAR CRISTIANA MARIA MAIA SILvEIRA vICENTE DE PAULO AUgUSTO DE OLIvEIRA JNIOR

    1988 com fora de lei ordinria. Apesar do Dec. Lei ser ato unilateral, o Dec. Lei n. 25/37 teve intenso debate no Congresso, tanto na Cmara e no Senado, e teve forte inluncia dos modernistas da poca.

    Esse trecho o que induz airmativa de que Maria de Andrade o grande mentor do Decreto-Lei (25/1937). Contudo, como se pode perceber pelo exposto, possvel argumentar que o poeta modernista no criou genialmente o referido projeto de diploma legal em duas semanas, mas incorporou, provavelmente, ideias estrangeiras, alm de diretrizes e trechos dos projetos anteriores de Luis Cedro, Jair Lins e Wanderley Pinho.

    Esses catorze dias que Mrio de Andrade utilizou para formular seu anteprojeto so, na verdade, fruto de uma dcada de debates e tentativas de se criar uma legislao de proteo ao patrimnio histrico e artstico.

    [...]

    Mesmo j visto anteriormente o intenso debate jurdico que antecedeu a criao do Decreto-Lei n 25/37, este ainda tem a pecha de ser, em sua origem, autoritrio. Explica-se: que ele no passou pela aprovao do Congresso Nacional, pois este foi dissolvido em novembro de 1937, exatamente na mesma poca de promulgao do Decreto-Lei n 25/1937.

    Ora, essa alegativa , em parte procedente. De fato houve sim, alm do colquio jurdico aqui evidenciado, um debate poltico (incompleto, verdade) na Cmara e no Senado. Conforme se v na citao abaixo, apenas este ltimo props alteraes, atravs de emendas ao projeto de lei encaminhado s Casas Legislativas, as quais j estavam sendo votadas novamente na Cmara quando foi institudo o Estado Novo. (TELLES; CAMPOS, 2010, p.92-95)

    De certo, o Decreto-Lei n. 25/37 foi precedido de intenso debate, tanto na formulao de seu projeto como no Congresso Nacional, e na data em que iria para ltima discusso na Cmara, foi o dia em que se dissolveu o Congresso, havendo sua promulgao posterior por Getlio Vargas, com o texto integral como se apresentava naquele

  • 99PROTEO DO PATRIMONIO CULTURAL: O TOMBAMENTO E SEU ENTORNO

    momento da tramitao. A referida norma constitucional, legitima e eicaz.

    O Captulo 1 do DL 25/37 refere-se ao Patrimnio Histrico e Artstico Nacional e aos bens cujo tombamento pode recair, sendo composto por trs artigos:

    Art. 1 Constitui o patrimnio histrico e artstico nacional o conjunto dos bens mveis e imveis existentes no pas e cuja conservao seja de interesse pblico, quer por sua vinculao a fatos memorveis da histria do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueolgico ou etnogrico, bibliogrico ou artstico.

    1 Os bens a que se refere o presente artigo s sero considerados parte integrante do patrimnio histrico e artstico brasileiro, depois de inscritos separada ou agrupadamente num dos quatro Livros do Tombo, de que trata o art. 4 desta lei.

    2 Equiparam-se aos bens a que se refere o presente artigo e so tambm sujeitos a tombamento os monumentos naturais, bem como os stios e paisagens que importe conservar e proteger pela feio notvel com que tenham sido dotados pela natureza ou agenciados pela indstria humana.

    Art. 2 A presente lei se aplica s coisas pertencentes s pessoas naturais, bem como s pessoas jurdicas de direito privado e de direito pblico interno.

    Art. 3 Excluem-se do patrimnio histrico e artstico nacional as obras de origem estrangeira:

    1) que pertenam s reparties diplomticas ou consulares acreditadas no pas;

    2) que adornem quaisquer veculos pertencentes a empresas estrangeiras, que faam carreira no pas;

    3) que se incluam entre os bens referidos no art. 10 da Introduo do Cdigo Civil, e que continuam sujeitas lei pessoal do proprietrio;

    4) que pertenam a casas de comrcio de objetos histricos ou artsticos;

  • 100 ThIAgO ANASTCIO CARCAR CRISTIANA MARIA MAIA SILvEIRA vICENTE DE PAULO AUgUSTO DE OLIvEIRA JNIOR

    5) que sejam trazidas para exposies comemorativas, educativas ou comerciais;

    6) que sejam importadas por empresas estrangeiras expressamente para adorno dos respectivos estabelecimentos.

    Pargrafo nico. As obras mencionadas nas alneas 4 e 5 tero guia de licena para livre trnsito, fornecida pelo Servio ao Patrimnio Histrico e Artstico Nacional.

    No art. 1, apresenta-se um delimitador do que seja o patrimnio histrico e artstico nacional, atrelando-se apenas a bens materiais. Inclusive em seu 2 eleva bens integrantes deste patrimnio. Note-se tambm que o dispositivo citado emerge com bens que no podem ser tombados, conforme seu art. 3.

    H de se asseverar que a Constituio de 1988 ampliou o conceito de patrimnio cultural. Apesar de na norma em anlise haver uma norma conceitual sobre o patrimnio cultural, esse comando normativo no mais tem eiccia. Por ordem hierrquica normativa, a Lei Maior prevalece no que concerne conceituao de patrimnio cultural.

    Longe de ser apenas uma nova redao, a escrita politicamente correta pugna no sentido de que as diversas contribuies para a formao brasileira sejam devidamente reconhecidas; alm do mais, evita o monoplio da memria por parte dos que tm acesso a escrever a histria oicial.

    Note-se que, em termos conceituais, a legislao de proteo da memria coletiva passou da compreenso restrita de patrimnio histrico e artstico para a de patrimnio cultural, numa dimenso quase to ampla quanto permite o conceito antropolgico de cultura. (CUNHA FILHO, 2008, p. 4-5)

    O desdobramento dessa ampliao se relete no embasamento da deciso que tomba um bem, j que os bens que compem o patrimnio cultural devem ser tombados. Assim os elementos culturais e histricos tm mais valia e sopesam a deciso de tombamento.

  • 101PROTEO DO PATRIMONIO CULTURAL: O TOMBAMENTO E SEU ENTORNO

    3 ENTORNO E SUAS IMPLICAES

    Um dos efeitos mais caros ao Tombamento e de fundamental importncia a servido que os bens vizinhos ao tombando sofrem. Esta servido caracterizada pela impossibilidade de que se construam obras nos prdios vizinhos que de alguma forma interiram, inclusive na sua visualizao. O art. 18 do DL 25/37 assevera tal efeito impondo pena de multa no caso de seu descumprimento, alm da possibilidade de demolio.

    No h que se negar a aplicabilidade deste feito a todos os bens tombados. A preservao do entorno medida salutar e necessria, vista a sua relao na conservao do meio ambiente cultural em que se insere o bem tombado.

    A deinio de entorno como ambiente dos monumentos e, portanto, suscetvel de interesse cultural encontra tambm fundamentos tericos na doutrina italiana de Giovannoni, arquiteto italiano que concebe o importante conceito segundo o qual a salvaguarda dos bens culturais no se deve limitar a considerar o monumento singular, mas estender o conceito de conservao ao ambiente circunstante. Dessa airmao geral se depreende que o conceito de entorno deve ser compreendido como o conjunto de imveis que circunda o monumento, o qual necessrio proteger por sua decisiva inluncia na valorizao e conigurao histrico-artstica do patrimnio cultural, o que por si s lhes confere um valor cultural relevante. (GUIMARES, 2010, p. 213)

    Uma das questes que deve ser levada em considerao quanto ao estudo do tombamento so as restries de todo o entorno de uma rea tombada. Este assunto tratado pelo art. 18 do Dec. Lei n. 25/37, in litteris:

    Art. 18. Sem prvia autorizao do Servio do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional, no se poder, na vizinhana da coisa tombada, fazer construo que lhe impea ou reduza a visibilidade, nem nela colocar anncios ou cartazes, sob

  • 102 ThIAgO ANASTCIO CARCAR CRISTIANA MARIA MAIA SILvEIRA vICENTE DE PAULO AUgUSTO DE OLIvEIRA JNIOR

    pena de ser mandada destruir a obra ou retirar o objto, impondo-se nste caso a multa de cincoenta por cento do valor do mesmo objto.

    De acordo com o dispositivo acima, no apenas o proprietrio do imvel tombado, mas toda a vizinhana sofre o impacto e as restries de um tombamento, j que nenhuma construo, anncio ou cartaz que reduza ou impea a viso do bem poder ser utilizado, sob pena de multa. Entretanto, as restries no se limitam somente s descritas acima, pois o dispositivo sofreu vrias interpretaes jurisprudenciais e doutrinrias, dilatando o seu sentido. A primeira ampliao obtida do voto do Ministro Vitor Nunes Leal, do Supremo Tribunal Federal STF, quando do julgamento do Recurso Extraordinrio 41.279 de 09 de outubro de 1965:

    No caso dos autos, o Servio do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional no foi ouvido para a construo do edifcio e sustentou, convincentemente, que icava prejudicado o monumento histrico e artstico do Outeiro da Glria, na sua visibilidade, com a obra em questo. Evidentemente, no se trata da simples visibilidade fsica, mas da visibilidade de um ponto de vista esttico ou artstico, porque est em causa a proteo de um monumento de arte: a igreja histrica integrada num conjunto paisagstico.

    Assim, qualquer obra em torno de um bem tombado deve estar em harmonia com ele. No deve ser levado em considerao apenas o acesso da viso do bem protegido, mas tambm a harmonia da paisagem como um todo. Interpretando esta deciso Sonia Rabello (2009, p. 122) airma que:

    No se deve considerar que prdio que impea a visibilidade seja to somente aquele que, isicamente, obste, pela sua altura ou volume, a viso do bem; no somente esta a hiptese legal. Pode acontecer que prdio, pelo tipo de sua construo ou pelo seu revestimento ou pintura, torne-se incompatvel com a viso do bem tombado no seu sentido mais amplo, isto , a harmonia da viso do bem, inserida no

  • 103PROTEO DO PATRIMONIO CULTURAL: O TOMBAMENTO E SEU ENTORNO

    conjunto que o rodeia. Entende-se, hoje, que a inalidade do art.18 do Decreto-lei 25/37 a proteo da ambincia do bem tombado, que valorizar sua viso e sua compreenso no espao urbano.

    Neste sentido, no s prdios reduzem a visibilidade da coisa, mas qualquer obra ou objeto que seja incompatvel com uma vivncia integrada com o bem tombado. O conceito de visibilidade, portanto, ampliou- se para o de ambincia, isto , harmonia e integrao do bem tombado sua vizinhana, sem que exclua com isso a visibilidade literalmente dita.

    Assim, a deciso do administrador pblico deve ser levada em considerao j que o mbito da discricionariedade da administrao bastante amplo, mas estritamente tcnico. De fato, seria difcil se estabelecer na lei critrios que, uniformemente, se aplicassem a qualquer espcie de tombamento de imvel (RABELLO, 2009, p. 122).

    Em algumas legislaes estrangeiras e de Estados-membros nacionais critrios objetivos so adotados para estabelecer que so vizinhos os imveis situados a 500 metros, no dimetro de qualquer bem tombado (RABELLO, 2009, p. 122). Entretanto, no ordenamento jurdico brasileiro, no julgamento do Recurso Especial n. 1166674 / PE de 30 de agosto de 2008, que teve como relator o Ministro Castro Meira, airma-se que o conceito de vizinhana mantm estreita relao com o conceito de reduo/impedimento da visibilidade do bem tombado, que devem ser analisados conjuntamente para aferir se necessria a limitao administrativa, alm de estabelecer que a competncia para delimitar a rea de entorno do bem tombado do IPHAN, in verbis:

    PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. TOMBAMENTO. CONSTRUO DE EDIFCIOS RESIDENCIAIS NA VIZINHANA DE STIO HISTRICO. ACRDO RECORRIDO. REJEIO DE PROVA PERICIAL. FUNDAMENTAO SUFICIENTE E ADEQUADA. PREJUZO VISIBILIDADE DO

  • 104 ThIAgO ANASTCIO CARCAR CRISTIANA MARIA MAIA SILvEIRA vICENTE DE PAULO AUgUSTO DE OLIvEIRA JNIOR

    TOMBAMENTO. SMULA 7/STJ. NULIDADE DA OBRA. MANIFESTAO DO IPHAN. VIOLAO DO ART. 18 DO DL 25/37. AUSNCIA. SUPOSTA LITIGNCIA DE M-F. REEXAME DE FATOS.

    (...)

    3. O recorrente tambm alega que a obra impugnada est na vizinhana dos stios histricos dos bairros de So Jos, Santo Antnio e do Recife Antigo - a incidir nessa hiptese o art. 18 do DL 25/37 -, j que prejudica a visibilidade dos bens tombados. Assevera que a concretizao do conceito de vizinhana mantm estreita relao com o conceito de reduo/impedimento da visibilidade do bem tombado, conceitos esses que devem ser analisados conjuntamente para aferir se necessria a limitao administrativa.

    (...)

    6. Ademais, o art. 18 do DL 25/37 no impede a construo de obras na vizinhana de bens tombados, mas apenas impe a necessidade de que o empreendimento seja previamente autorizado pelo IPHAN, a quem compete delimitar a poligonal de entorno do tombamento e certiicar se a obra no impede ou prejudica a visibilidade do bem protegido, sob pena de demolio e multa.

    (...)

    8. Assim, se o art. 18 do DL 25/37 exige, apenas, prvia autorizao do IPHAN, a quem atribui competncia para delimitar a rea de entorno do bem tombado, e havendo manifestao expressa dessa autarquia nos autos do processo judicial, no h porque declarar-se a nulidade da obra, ou ordenar-se a sua demolio, sobretudo porque se trata de ediicao j concluda, com unidades habitacionais j comercializadas a terceiros.

    Ao continuar com a anlise jurisprudencial do Tribunal da Cidadania em relao ao art. 18 do Dec. Lei n. 25/37 observa-se que a legislao do patrimnio histrico-cultural deve ser interpretada da forma que lhe seja mais favorvel e protetora, levando-se em

  • 105PROTEO DO PATRIMONIO CULTURAL: O TOMBAMENTO E SEU ENTORNO

    considerao todo o entorno do bem tombado. Esta a concluso do julgamento do RESP n. 1127633 / DF de 28 de fevereiro de 2002, que teve como relator o Ministro Herman Benjamin:

    ADMINISTRATIVO. TOMBAMENTO. PLANO PILOTO. PUBLICIDADE ABUSIVA. FIXAO DE PAINEL LUMINOSO SEM AUTORIZAO DO IPHAN. CONCEITO DE DANO AO PATRIMNIO HISTRICO-CULTURAL. ARTS. 17 E 18 DO DECRETO-LEI 25/1937. INTERPRETAO DA LEGISLAO DE PROTEO DO PATRIMNIO HISTRICO-CULTURAL. PUBLICIDADE ABUSIVA. ART. 37, 2, DO CDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.

    1. Cuidam os autos de Ao Civil Pblica movida pelo Ministrio Pblico Federal, em que o Distrito Federal e a empresa recorrente foram condenados a proceder remoo de painel luminoso instalado sobre rea residencial arborizada do Plano Piloto, bem como recomposio do gramado e ao plantio de trs rvores que foram suprimidas.

    2. A legislao do patrimnio histrico-cultural deve ser interpretada da forma que lhe seja mais favorvel e protetora. De acordo com entendimento do STJ, o tombamento do Plano Piloto alcana todo seu conjunto urbanstico e paisagstico.

    3. Sem a prvia autorizao do Iphan, no se poder, na vizinhana da coisa tombada, fazer construes que impea ou reduza a visibilidade, nem nela colocar anncios ou cartazes, sob pena de ser mandada destruir a obra ou retirar o objeto, impondo-se neste caso a multa de cinqenta por cento do valor do mesmo objeto (artigo 18 do Decreto-Lei 25/1937).

    4. O mencionado artigo claro ao exigir autorizao do Iphan para a colocao de anncios na coisa tombada. Na hiptese dos autos, inexistiu tal anuncia, o que basta para tornar ilegal a conduta da recorrente.

    5. No campo jurdico do tombamento, o conceito de dano no se restringe ou se resume a simples leso fsica (desiguradora e estrutural) ao bem protegido, pois inclui agresses difusas

  • 106 ThIAgO ANASTCIO CARCAR CRISTIANA MARIA MAIA SILvEIRA vICENTE DE PAULO AUgUSTO DE OLIvEIRA JNIOR

    e at interferncias fugazes nele mesmo, no conjunto e no seu entorno (= dano indireto), que arranhem ou alterem os valores globais intangveis, as caractersticas, as funes, a esttica e a harmonia, o buclico ou a visibilidade das suas vrias dimenses que justiicaram a especial salvaguarda legal e administrativa.

    6. In casu, a conduta irregular da empresa foi mais alm, por ter acarretado danos vegetao do local, mormente pela supresso de rvores, em lagrante desrespeito norma do art. 17, que veda em absoluto a destruio e a mutilao do bem tombado.

    7. Recurso Especial no provido.

    Entretanto, uma das discusses que ainda no foi objeto de julgamento por parte do STJ nem objeto da legislao em vigor, sobre como icaria uma obra na vizinhana que pode vir a daniicar o patrimnio tombado, como a construo de uma linha de metr, imploso de alguma estrutura prxima ao patrimnio histrico, situaes que podem vir a abalar as estruturas do bem tombado, levando-o destruio ou danos de grande magnitude.

    A legislao em vigor estabelece apenas que os bens tombados no podero ser destrudos, demolidos ou mutilados (Art. 17 do Dec. Lei n. 25/37). Relata ainda que na vizinhana do bem tombada no poder haver construo ou exposio de anncios ou cartazes que lhe impea ou reduza a visibilidade, sem a autorizao do Servio do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional (Art. 18 do Dec. Lei n. 25/37). E as obras na vizinhana que possam destruir, demolir ou mutilar as coisas tombadas como devem ser concretizadas.

    A resposta para este problema, mais uma vez, encontrada no estudo da jurisprudncia do Superior Tribunal de Justia - STJ. No RESP 840918 / DF julgado em 14 de setembro de 2008 de relatoria da Ministra Eliana Calmon, veriica-se que o Decreto-Lei n 25/1937 contm a proibio absoluta e a relativa dos bens tombados.

    O rol da primeira proibio inclui as obras ou atividades que exponhamos bens ao risco de destruio, demolio ou mutilao

  • 107PROTEO DO PATRIMONIO CULTURAL: O TOMBAMENTO E SEU ENTORNO

    contida no Art. 17 do citado diploma. J a segunda, so as intervenes de reparao, pintura e restaurao; e construes ou colocao de anncios e cartazes na vizinhana do bem tombado que lhe impeam ou reduzam a visibilidade, encontradas, respectivamente, no art. 17, segunda parte, e art. 18 da referida norma. Ainda de acordo com o mesmo julgado:

    6. No obstante a variedade e numerosidade de bens individuais que o integram, o patrimnio cultural tombado ou protegido como conjunto ( o caso de Braslia) assume, em diversos sistemas jurdicos, a forma de universitas rerum. Ou seja, as qualidades histricas, artsticas, naturais ou paisagsticas do todo - como patrimnio comum e intangvel dos cidados do Pas e at da humanidade so vistas e reconhecidas unitariamente pelo Direito, em entidade ideal e complexa, que transcende a individualidade de cada um dos seus elementos-componentes. No Direito brasileiro, o Cdigo Civil (art. 91) disciplina tal instituto como universalidade de direito ou universitas iuris.

    7. Nesses conjuntos, os termos mutilar e destruir, utilizados pelo art. 17 do Decreto-Lei n 25/1937, no tm apenas o sentido estrito de salvaguarda de edifcios e construes isolados, mas tambm de proteo da globalidade arquitetnica e urbanstico-paisagstica, isto , dos bens agregados em universalidade de direito. Trata-se de salvaguarda que se faz, a um s tempo, do todo a partir dos seus elementos e destes a partir daquele.

    8. O Decreto-Lei n 25/1937 veda e reprime tanto a destruio, demolio e mutilao total, como a parcial; tanto a comissiva como a omissiva; a que atinge as bases materiais, como a que afeta os aspectos imateriais do bem. Nele, destruir e demolir so empregados em sentido mais amplo que na linguagem coloquial, pois no se resumem a derrubar ou pr no cho. Destruir inclui modalidades mais tnues e discretas de interveno no bem tombado ou protegido, como estragar, reduzir as suas qualidades, afetar negativamente de maneira substancial, inviabilizar

  • 108 ThIAgO ANASTCIO CARCAR CRISTIANA MARIA MAIA SILvEIRA vICENTE DE PAULO AUgUSTO DE OLIvEIRA JNIOR

    ou comprometer as suas funes e afastar-se da concepo original. Igual sucede com o verbo mutilar, que no seu signiicado tcnico-jurdico traduz-se em cortar ou retalhar, e tambm abarca causar estrago menor, alterar frao, modiicar topicamente ou deteriorar.

    As obras vizinhas aos patrimnios tombados que tenham grande impacto e que possam daniicar ou destru-los devem receber ateno, isto , deveriam ser autorizadas pelo servio do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional, tendo em vista que, de acordo com a jurisprudncia do STJ, o art. 17 do Decreto-Lei n 25/1937 visa no somente proteger os bens de forma isolada, mas sim de uma forma global.

    Exaltada a necessidade de proteo do entorno, h de se ressaltar que o DL 25/37 no trouxe critrio que possam deinir limites ou a extenso do entorno. Tambm nunca se deve esquecer que a ao do poder pblico s possvel por via estreita da legalidade, principalmente no tocante a restrio na propriedade, que, no caso do entorno, poder limitar desde uma simples construo e alteraes arquitetnicas que alterem o meio ambiente cultural.

    Assim, poder-se-ia dizer que o efeito gerado pelo tombamento de um bem ao seu entorno s passaria a existir com o estabelecimento de critrios normativos legais, atravs de uma legislao prpria. De fato, tal assertiva no parece equivocada, j que o estabelecimento de tais critrios fortaleceria mais ainda o efeito ora em apreo, mas se deve lembrar que o DL 25/37, em seu art. 18, j estabelece um critrio: impedimento ou reduo da visibilidade.

    Ademais, do dispositivo citado emergem outras formas de restrio ao entorno da vizinha de maneira exempliicativa.

    O legislador dever ter a preocupao com a proteo da visibilidade da coisa tombada para que possa permitir uma fruio esttica, mesmo distncia, no devendo, entretanto restringir o conceito de visibilidade aos seus aspecto objetivos. Ela dever ser entendida do ponto de vista fsico (distncia, perspectiva, altura...), como tambm, inalstico e qualitativo

  • 109PROTEO DO PATRIMONIO CULTURAL: O TOMBAMENTO E SEU ENTORNO

    (harmonia, interao e ambincia). (GUIMARES, 2010, p. 211-212.)

    Desta forma, mesmo sem uma legislao suplementar, o efeito ao entorno do bem tombado eicaz, cabendo apenas ao legislador concorrente suplementar tal regramento com outros aspectos.

    CONCLUSO

    Com a ampliao do patrimnio cultural pela Constituio de 1988, foi sagaz o aumento de instrumentos para proteger os bens culturais. O instituto do tombamento, com sua tradio e seu efeito sobre a propriedade, ainda continua sendo o meio mais utilizado para concretizar a proteo do patrimnio cultural brasileiro.

    Em decorrncia do tombamento, os bens que circundam o bem cultural tombado tambm sofrem restrio em sua propriedade, na medida em que no podem sofrer modiicaes que impeam a visibilidade do bem tombado. O usar e gozar, fruir livremente do bem, como a antiga noo de propriedade urgia, no mais se sustenta, tanto para os bens tombados, bem como para o seu entorno.

    A proteo do entorno eicaz e necessria, pois sem esta proteo o bem tombado pode vir a perder seu real valor cultural e histrico dentro de imensides de concreto armado que foram constitudas para guardar carros, por exemplo. Os posicionamentos jurisprudncias s corroboram o entendimento irmado pela Constituio Cidad, que traduz os anseios dos grupos tnicos e culturais do Brasil.

    Assim, o tombamento se mostra mais do que nunca um instrumento robusto e eicaz para a proteo de bens materiais, atingindo a propriedade do bem tombado de maneira a proteger o patrimnio cultural, colidindo com mesma ilao, o entorno sofre as mesmas restries, sendo evidente a necessria interveno no uso dos imveis circunvizinhos.

  • 110 ThIAgO ANASTCIO CARCAR CRISTIANA MARIA MAIA SILvEIRA vICENTE DE PAULO AUgUSTO DE OLIvEIRA JNIOR

    REFERNCIAS

    BRASIL. Constituio (1988). Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988. Braslia, DF, Senado, 1988.

    __________. Decreto-Lei n. 25 de 30 de novembro de 1937. Organiza o patrimnio histrico e artstico nacional. Disponvel em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del0025.htm>. Acesso em 29 de maio de 2012.

    ___________. Superior Tribunal de Justia. Recurso Especial n. 41.279. Julgado em 09/10/1965. Revista de Direito Administrativo, vol. 84, abr./jun. 1966, p. 155-65.

    ___________. Superior Tribunal de Justia. Recurso Especial n. 840918 / DF. Disponvel em:. Acesso em 19 jul 2012.

    ___________. Superior Tribunal de Justia. Recurso Especial n. 1127633 / DF. Disponvel em: Acesso em 19 jul 2012.

    ___________. Superior Tribunal de Justia. Recurso Especial n. 1166674 / PE. Disponvel em:.Acesso em 19 jul 2012.

    CUNHA FILHO, F. H. Impactos da Constituio Federal de 1998 sobre o tombamento de bens do patrimnio cultural brasileiro. Salvador, mai. de 2008. IV Enecult. Disponvel em: . Acesso em 07 mai. 2012.

    GUIMARES, Nathlia Arruda. O tombamento de bens imveis apontamentos sobre o sentido e os valores do tombamento de bens imveis na atualidade e a proteo do entorno via legislao especial urbanstica. Uma abordagem comparada da legislao brasileira e da portuguesa. In: FERNANDES, Edsio. ALFONSN, Betnia (Org).

  • 111PROTEO DO PATRIMONIO CULTURAL: O TOMBAMENTO E SEU ENTORNO

    Revisitando o instituto do tombamento. Belo Horizonte: Frum, 2010.

    RABELLO, Sonia. O Estado na preservao dos bens culturais: o tombamento. Rio de Janeiro, IPHAN, 2009.

    SILVA, Jos Afonso da. Ordenao Constitucional da Cultura. So Paulo: Malheiros, 2001.

    TELLES, Mrio Ferreira de Pragmcio; CAMPOS, Marcio DOlne. Entre a lei e as salsichas: anlise dos antecedentes do decreto-lei n. 25/1937. Revista magister de direito ambiental e urbanstico. n. 27, p. 83-99, dez./jan. 2010.

    TOMASEVICIUS FILHO, Eduardo. O tombamento no direito administrativo e internacional. Revista de informao legislativa, Braslia, a.41, n. 163, p. 231-247, jul./set. 2004.