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Livro Ecologia de Campo de 2013

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ISBN 978-85-8328-029-3

Programa de Pós-Graduação em Ecologia

ECOLOGIA DE CAMPO: ABORDAGENS NO MAR, NA TERRA E EM ÁGUAS CONTINENTAIS

Organizadores: Moacyr Batilani-Filho Larissa Zanette-Silva

Bárbara Segal Malva Isabel Medina Hernández

Florianópolis

Universidade Federal de Santa Catarina

2014

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E18 Ecologia de campo : abordagens no mar, na terra e

em águas continentais / organizadores Moacyr Batilani-

Filho...[et al.]. – Florianópolis : UFSC/PPGE, 2014.

268 p.: il., grafs., tabs., mapas, plantas

Inclui bibliografia.

ISBN: 978-85-8328-029-3

1. Ecologia. 2. Ecossistemas. 3. Biologia. 4.

Zoologia I. Batilani Filho, Moacyr

CDU: 574

Programa de Pós-Graduação em Ecologia – CCB - UFSC Copyright © 2014 – PPG Ecologia UFSC Impresso no Brasil / Printed in Brazil Diagramação: Larissa Zanette-Silva e Moacyr Batilani-Filho Foto da capa: Piru-piru (Haematopus palliatus) na praia da Armação,Florianópolis, SC. Autor da foto: Moacyr Batilani-Filho Revisão: Autores e organizadores

Catalogação na fonte pela Biblioteca Universitária da Universidade Federal de Santa Catarina

Programa de Pós-Graduação em Ecologia Centro de Ciências Biológicas UFSC Campus Universitário Trindade Florianópolis, SC, Brasil CEP 88010-970 www.poseco.ufsc.br

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Universidade Federal de Santa Catarina Centro de Ciências Biológicas

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DISCENTES

Bianca Romeu (PPGE – UFSC)

Érica Caroline Becker (PPGE – UFSC)

Fabiane dos Santos (PPGRGV – UFSC)

Graziele Oliveira Batista (PPGE – UFSC)

Julia Vieira da Cunha Avila (PPGE – UFSC)

Kenia Maria de Oliveira Valadares (PPGE – UFSC)

Larissa Zanette da Silva (PPGE – UFSC)

Luiza Beirao Campos (PPGE – UFSC)

Manuela Bernardes Batista (PPGE – UFSC)

Moacyr Batilani-Filho (PPGE – UFSC)

Pablo Riul (PPGE – UFSC)

Renan Lopes Paitach (PPGE – UFSC)

Wilson Antonio Weis (PPGE – UFSC)

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DOCENTES Professoras Responsáveis Drª Malva Isabel Medina Hernández (ECZ-UFSC) Drª Bárbara Segal (ECZ-UFSC) Professores participantes: Drª Bárbara Segal (ECZ-UFSC) Dr. Carlos Brisola Marcondes (MIP-UFSC) Dr. Daniel Albeny (Pós-Doc PPG Ecologia-UFSC) Me. Denise Tonetta (ECZ-UFSC) Me. Félix Baumgarten Rosumek (ECZ-UFSC) Dr. Luiz Gustavo Oliveira Santos (Pós-Doc PPG Ecologia-UFRJ) Drª Malva Isabel Medina Hernández (ECZ-UFSC) Drª Marina Anciães (INPA) Dr. Mario Favila (Instituto de Ecología, México) Dr. Mauricio Petrucio (ECZ-UFSC) Drª Melissa Carvalho (Pós-Doc PPG Ecologia-UFSC) Dr. Paulo Horta (BOT-UFSC) Dr. Renato Hajenius Aché de Freitas (ECZ-UFSC) Dr. Ricardo Silva Cardoso (UNIRIO) Drª Sarita Borges de Fáveri (ICB-UFPA)

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SUMÁRIO AGRADECIMENTOS ......................................................................... 11

APRESENTAÇÃO ............................................................................. 13

ÁREA DE ESTUDO ........................................................................... 15

ECOSSISTEMAS MARINHOS ............................................................. 25

Biovolume e biomassa do plâncton em águas costeiras da Ilha de Santa Catarina ................................................................................................. 27

Efeitos de estressores ambientais na ecofisiologia das macroalgas marinhas dos costões rochosos ............................................................ 37

Tamanho e densidade de cracas Tetraclita stalactifera Lamarck, 1818 (Maxillopoda: Sessilia) sob diferentes intensidades e direções de ondulação .............................................................................................. 48

Efeitos do hidrodinamismo na estrutura da macrofauna bêntica ........ 58

Resposta comportamental de Ocypode quadrata de diferentes tamanhos frente à presença de alimento e aproximação humana ...... 69

ECOSSISTEMAS TERRESTRES............................................................ 79

Influência da presença de espinhos em ramets de Smilax campestris (Smilacaceae) e dureza foliar no consumo de suas partes vegetativas por herbívoros na Lagoa do Peri, Florianópolis, Brasil .......................... 81

Regras de montagem em uma comunidade de formigas ao longo do estrato vertical de uma floresta na Mata Atlântica .............................. 91

Eficiência de escarabeíneos tuneleiros e roladores na remoção de fezes de mamíferos em Floresta Ombrófila Densa ...................................... 107

Assimetria corporal de machos em interações competitivas por fêmeas de Canthon rutilans cyanescens .......................................................... 116

Uso de insetos dípteros (Culicidae) como modelo de estudo para testar a influência da classificação em morfoespécies em experimentos biológicos ............................................................................................ 128

Composição da avifauna em áreas com diferentes categorias de perturbação antrópica ........................................................................ 136

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Abundância de três espécies de passeriformes em ambientes de restinga com diferentes níveis de impacto antrópico ........................ 149

ECOSSISTEMAS DE ÁGUAS CONTINENTAIS .................................... 159

Dinâmica temporal do oxigênio dissolvido sob influência da temperatura em uma lagoa costeira do sul Brasil .............................. 161

O incremento de fósforo afeta o consumo de oxigênio pela comunidade planctônica em um lago subtropical? ............................ 168

Influência do sedimento no consumo de oxigênio dissolvido em uma lagoa costeira de Santa Catarina, Brasil .............................................. 175

Relação entre a comunidade de macroinvertebrados e o tamanho da área de armazenagem de Bromeliaceae ............................................ 183

Composição da ictiofauna em um gradiente de perturbação ao longo de um riacho costeiro ......................................................................... 193

PROJETOS LIVRES ......................................................................... 211

O efeito da atividade pesqueira no uso do habitat da gaivota (Larus dominicanus) ....................................................................................... 213

Efeito de fatores estruturais do ambiente sobre a variação fenotípica de espinhos em salsaparrilha, Smilax campestris (Smilacaceae) ........ 222

Influência das características da vegetação na ocorrência de herbivoria por galhadores e mastigadores sobre salsaparrilha (Smilax campestris) em ambiente de restinga .................................................................... 230

Efeito do tempo de amostragem na riqueza estimada de formigas no Parque Municipal Lagoa do Peri, em Florianópolis, SC ....................... 241

Descrição da reação da formiga-dourada Camponotus sericeiventris Guerín-Meneville, 1838 (Hymenoptera: Fomicidae) ante a sinalização química do besouro Canthon rutilans cyanescens Laporte, 1840 (Coleoptera: Scarabaeidae)................................................................. 251

Combates entre machos de Canthon rutilans cyanescens Laporte, 1840 (Coleoptera: Scarabaeidae) por fêmeas de diferentes tamanhos ...... 258

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AGRADECIMENTOS

Agradecemos à Universidade Federal de Santa Catarina, ao Programa de Pós-Graduação em Ecologia e à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelo apoio financeiro e pela disponibilização de materiais utilizados no Curso de Ecologia de Campo 2013.

Agradecemos também à Fundação Municipal do Meio Ambiente de Florianópolis (FLORAM), ao Parque Municipal da Lagoa do Peri (PMLP) e sua equipe de trabalho. Nosso carinho permanece com esta equipe que nos acolheu generosamente, auxiliando e mobilizando esforços conjuntos para a execução e viabilização logística da disciplina.

Aos professores, obrigado pelo tempo empregado no planejamento, execução e correções dos projetos aqui apresentados. Um obrigado especial aos que vieram de longe para contribuir com a disciplina e para aqueles que são de casa e continuam a nos acompanhar nos corredores da Universidade. Nossa imensa gratidão à Técnica de Laboratório do Departamento de Ecologia e Zoologia da UFSC, a Bióloga Karla Zanenga Scherer, que com o Biólogo Félix Baumgarten Rosumek, também locado neste Departamento, tornaram mais fácil a árdua tarefa de viabilizar esta disciplina. Aos dois, agradecemos imensamente pelo carinho, conselhos, “puxões de orelha” e café! Aos alunos da 6ª edição da disciplina Ecologia de Campo do Programa de Pós Graduação da UFSC: obrigado pelo aprendizado mútuo, obrigado pelas vivências e, sem sombra de dúvidas, obrigado por todas as histórias. A edição deste livro foi pensada e dedicada a vocês!

Os autores

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APRESENTAÇÃO Este livro é a compilação das atividades realizadas durante o Curso de Campo do Programa de Pós-Graduação em Ecologia da Universidade Federal de Santa Catarina, que aconteceu pela 6ª oportunidade em 2013. O curso ofereceu aos estudantes a possibilidade de ter contato com abordagens teóricas e práticas da Ecologia, no período de 14 a 26 de outubro de 2013, dando ênfase ao delineamento amostral, coleta e análise de dados em campo, experimentos em laboratório e discussão dos resultados, além da apresentação oral e escrita dos trabalhos produzidos. O Parque Municipal da Lagoa do Peri foi a sede das atividades do curso pois se encontra imerso em ambiente de Mata Atlântica, tendo uma lagoa de água doce e está rodeado pelo ambiente marinho. Além disso, conta com infraestrutura com capacidade de hospedagem, alimentação e laboratório, além de um pequeno auditório onde eram realizadas as apresentações dos trabalhos. O cronograma envolveu períodos de atividades em ecossistemas marinhos, terrestres e de águas continentais. Os projetos orientados pelos professores foram realizados em um dia de trabalho em campo e mais um dia de redação e apresentação; já os projetos livres tiveram três dias para seu desenvolvimento. O objetivo central do curso foi oferecer aos estudantes a oportunidade de executar e conceber projetos de pesquisa em Ecologia nestes três ambientes. O curso contou com a participação de docentes vindos de instituições nacionais e internacionais e esta pluralidade resultou no encontro de linhas de pesquisa distintas, o que foi extremamente enriquecedor do ponto de vista do exercício da interdisciplinaridade. Somadas todas as experiências foram produzidos; 23 capítulos apresentados a seguir, dos quais 17 foram trabalhos idealizados a priori pelos professores e seis foram idealizados pelos alunos junto aos professores durante o curso.

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ÁREA DE ESTUDO Ambientes marinhos: Praia da Armação e costão rochoso da Ilha das Campanhas, Praia do Matadeiro, Praia do Pântano do Sul e Praia da Solidão As praias da Armação, Matadeiro, Pântano do Sul e Solidão são praias arenosas e estão localizadas no sul da Ilha de Santa Catarina (Mazzer, 2007) (Figura 1). Estes ambientes vêm sofrendo com a ocupação urbana que resulta no recuo da linha de costa (espaço utilizado pelo homem para diversos fins) (Castilhos et al., 1995; Mazzer et. al., 2008). Apesar de próximos, estes ambientes apresentam características distintas.

Figura 1. Localização do Parque Municipal da Lagoa do Peri e os principais locais contemplados nos estudos, Florianópolis, SC (Mapa: Renan Paitach).

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Com 3.550 metros de extensão, a praia da Armação é uma enseada em espiral limitada pela Ilha das Campanhas (que atualmente é uma península artificial) na porção sul e pelo Morro das Pedras ao norte. Esta praia é exposta às ondulações dos quadrantes leste e sul, e possui estágio refletivo ao norte passando a intermediário na porção central, e a dissipativo ao sul (Mazzer et al., 2008) (Figura 2).

Figura 2. (A, B) Praia da Armação (C) costão rochoso da Ilha das Campanhas, Florianópolis, SC (Fotos: Manuela Batista, Fabiane dos Santos e Wilson Antônio Weis).

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A praia do Matadeiro está localizada entre promontórios rochosos ao sul da ilha e a desembocadura do Sangradouro ao norte. Sua linha de costa está orientada no sentido NW-SE, com extensão de 1.200 m. Quanto ao perfil praial, este é dissipativo em condições semiabrigadas, ou seja, está protegida das ondulações do quadrante sul, no entanto, exposta às ondulações de leste (Mazzer et al., 2008) (Figura 3).

Figura 3. Praia do Matadeiro, Florianópolis, SC (Fotos: Manuela Batista)

A praia do Pântano do Sul possui uma linha de costa com cerca de 3.920 metros de comprimento e é limitada pela praia da Solidão ou Praia do Rio das Pacas e pelos promontórios rochosos da Ponta do Marisco, a nordeste, e da Ponta da Régua, a sudoeste (Oliveira et al., 2009). A praia do Pântano do Sul representa a porção sul de um tômbolo no qual as praias do Matadeiro e Armação compõem a porção norte e a praia da Lagoinha do Leste sua porção frontal, mais exposta (Oliveira et al., 2009). As praias do Pântano do Sul e dos Açores são denominações locais para um mesmo arco praial (Mazzer et al., 2008) (Figura 4).

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Figura 4. Praia do Pântano do Sul, Florianópolis, SC (Fotos: Wilson Antônio Weis).

A praia da Solidão é a menor das praias contempladas nos estudos, esta se estende por 1.345 m de linha de costa, em orientação NE-SW. Quanto ao estagio morfodinâmico, este é do tipo dissipativo, com grau médio de exposição às ondas ( Mazzer et al., 2008). Os estudos realizados durante o Curso de Campo 2013 em ambientes marinhos envolveram o plâncton, investigado na praia da Armação, ao passo que as macroalgas e os efeitos ecofisiológicos decorrentes de diferentes condições de hidrodinamismo, assim como resposta da craca Tetraclita stalactifera a estas condições, foram investigados no costão rochoso da Ilha das Campanhas. Ainda na praia da Armação e na praia do Matadeiro, a macrofauna de areia foi modelo de estudo para teorias que consideram o efeito do perfil topográfico na ocorrência e distribuição destes organismos. Por fim, quanto aos estudos comportamentais, na praia do Matadeiro foi avaliada a resposta da marinha-farinha (Ocypode quadrata) à aproximação humana, enquanto que nas praias Pântano do Sul e Solidão investigou-se a influência da atividade pesqueira no comportamento da gaivota Larus dominicanus.

Ambientes terrestres: Parque Municipal da Lagoa do Peri - Trilha do Saquinho e Trilha da Figueira

No ano de 1976, a Lagoa do Peri foi tombada como Patrimônio Natural, contudo, somente em 1981 o Parque Municipal da Lagoa do Peri foi criado (Lei Municipal nº 1.828/81). Em 1982 o

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Parque foi regulamentado (Decreto Municipal nº 091/82) e hoje é administrado pela Fundação Municipal do Meio Ambiente de Florianópolis (FLORAM, 2013). Localizado na porção sudeste da Ilha de Santa Catarina, o Parque Municipal da Lagoa do Peri possui cerca de 20 Km² de área e abriga a maior lagoa de água doce de Florianópolis: a Lagoa do Peri – a qual possui cinco km² de espelho d’água e está separada do mar pela vegetação de restinga. Os objetivos que motivaram a criação do Parque foram: (1) proteger o manancial hídrico da bacia da Lagoa do Peri (visando o abastecimento da população do Sul da Ilha), (2) preservar o patrimônio natural representado pela fauna, flora e paisagem e (3) aproveitar as condições peculiares de sua paisagem natural e cultural para o adequado desenvolvimento de atividades educativas, de lazer e recreação (art. 2/ Lei nº 1.828/81).

A agricultura e extração de madeira eram práticas comuns na área do parque e promoveram intenso desmatamento na região. A diminuição das atividades agrícolas, ao longo do tempo, tem permitido a regeneração da vegetação (Santos et al., 1989). Tanto as áreas de Restinga quanto as de Floresta Ombrófila Densa encontram-se em diferentes estágios de sucessão, com poucos locais com remanescentes primários de vegetação (Silva, 2000), sendo estes restritos aos topos de morros (Santos et al., 1989).

Cerca de 75% da área da bacia da Lagoa do Peri é formada pelo complexo cristalino, com relevo bastante acidentado. O Morro da Chapada (440m), o Morro da Tapera (371m), o Morro da Boa Vista (350m) e o Morro do Peri (320m) revelam as maiores altitudes encontradas nas cristas que contornam a lagoa (Simonassi, 2001). Esses ambientes são cobertos por Floresta Ombrófila Densa, formação do domínio Mata Atlântica, que é formada por diversos estratos: de arbóreos a arbustivos. Há grande densidade e heterogeneidade de espécies, imensa quantidade de epífitas e lianas (Santos et al.,1989). A Floresta Ombrófila Densa pode ser considerada um ecossistema fechado, no qual, em seu interior, há diferenças quanto à luminosidade, dinâmica dos ventos e disponibilidade de água no solo, o que a contrasta com a restinga.

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Em relação à faixa de Restinga presente no parque, essa possui 250 metros de largura e é coberta por vegetação litorânea. Nessa área, o solo é formado por sedimentos recentes, de origem marinha, eólica e fluvial, pobres em nutrientes e com alto teor de argila e areia (Santos et al., 1989). Assim, sua vegetação típica é pouco exigente e plenamente adaptada à escassez de nutrientes e água. Nas áreas de Restinga há diversas manchas de reflorestamentos de Pinus sp. e Eucaliptus sp., sendo essas manchas responsáveis por um dos conflitos ambientais do Parque Municipal da Lagoa do Peri: a disseminação de espécies exóticas (Sbroglia & Beltrame, 2012). Contudo, no ano de 2013, a FLORAM começou o corte gradual dessas espécies exóticas no Parque, amparada pela Lei Municipal nº 9.097/12, que institui a Política Municipal de Remoção e Substituição de Pinus sp., Eucalyptus sp. e Casuarina sp. por espécies nativas no município de Florianópolis. Nos ambientes de Restinga, especificamente na Trilha da Figueira e nos ambientes de Floresta Ombrófila Densa, na Trilha do Saquinho, ambas no Parque Municipal da Lagoa do Peri (Figura 5), foram desenvolvidos os estudos que contemplaram os ecossistemas terrestres. A espécie Smilax campestris foi investigada quanto às suas respostas ao estresse hídrico na restinga, quanto às variações fenotípicas em relação às características estruturais do ambiente, bem como aos fatores estruturais e à ocorrência de herbivoria. As regras de montagem foram abordadas utilizando uma comunidade de formigas, bem como o efeito do tempo sobre a amostragem destes organismos. A remoção de fezes de diferentes mamíferos realizada por besouros escarabeíneos foi investigada, assim como estudos comportamentais envolvendo estes besouros em combates assimétricos entre machos por fêmeas e combates entre machos por fêmeas de diferentes tamanhos. Além disso, a efetividade da sinalização química de Canthon rutilans cyanescens foi testada em Camponotus sericeiventris e a eficiência na identificação taxonômica de dípteros realizada por pesquisadores não especialistas foi confrontada com a de pesquisadores especialistas. Por fim, a perturbação antrópica foi abordada quanto aos seus efeitos na composição da comunidade de aves, bem como na ocorrência de

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três espécies em ambientes com diferentes de graus de alteração ambiental.

Figura 5. Trilha do Saquinho (porção norte) no Parque Municipal da Lagoa do Peri, Florianópolis, SC (Foto: Moacyr Batilani-Filho).

Ambientes de águas continentais: Lagoa do Peri e Riacho Sangradouro A Lagoa do Peri é o maior sistema de água doce da Ilha de Santa Catarina e uma das maiores lagoas costeiras do litoral brasileiro, com um espelho d’água que compreende uma área de 5,07 km2 (Silva, 2000) e profundidade média de 2 a 4 m, atingindo 11 m na parte mais profunda (Teive et al., 2008). Quanto aos tributários desta bacia, os principais são os rios Ribeirão Grande e Cachoeira Grande, sendo que a água excedente escoa pelo canal “Sangradouro”, que desemboca no mar (Simonassi, 2001). A Lagoa do Peri teve sua origem geológica a partir de ambientes estuarinos no Holoceno, com o isolamento de enseadas e pequenas baias por cordões de areia (Esteves, 1998). No que se refere aos atuais usos da lagoa, como não sofre influência das marés, pois se encontra três metros acima do nível do mar, ela é um

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dos principais reservatórios de água doce da costa catarinense. A Estação de Tratamento de Água da Lagoa do Peri faz parte do Sistema de Abastecimento de Água Costa Leste, que atende aos distritos da Barra da Lagoa, Lagoa da Conceição, Campeche, Morro das Pedras, Armação e Ribeirão da Ilha (Pereira & Zanin, 2014). Desde o ano de 2000 ocorre captação de água da lagoa para abastecimento público com uma vazão média captada de 200 l/s (Pereira & Zanin, 2014). Quanto ao uso em pesquisas, diversos cientistas vêm trabalhando com este corpo d´água: Teive e colaboradores (2008) sintetizaram o conhecimento disponível sobre a lagoa nos últimos anos: além de dados físicos e químicos, há dados sobre o fitoplâncton, macroalgas, zooplâncton e ictiofauna. Estes dados são importantes para entender como estes organismos atuam na manutenção das funções ecossistêmicas da lagoa. Destas funções, além do abastecimento e pesquisa, destaca-se o turismo de recreação, principalmente no verão, em que dados não atualizados sumarizam mais de 2.000 visitantes, os quais se concentram principalmente na sede do parque (Lago, 1996). Três estudos incluídos neste livro abordaram a porção leste da lagoa, em frente à sede do parque, trabalhando com a dinâmica do oxigênio em diferentes condições (Figura 6). Quanto ao canal de extravasamento da lagoa, o Sangradouro, por apresentar um papel semelhante ao de um riacho costeiro, devido ao seu porte e demais características, foi abordado quanto à composição da ictiofauna frente a um gradiente de perturbação antrópica (Figura 7). Por fim, um dos estudos considerou o ambiente fitotélmico para abordar a teoria espécie-área utilizando macroinvertebrados e Bromeliaceae.

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Figura 6. Lagoa do Peri, no Parque Municipal da Lagoa do Peri, Florianópolis, SC (Fotos: Denise Tonetta).

Figura 7. Rio Sangradouro, Parque Municipal da Lagoa do Peri, Florianópolis, SC (Fotos: Moacyr Batilani-Filho).

Bibliografia Castilhos J.A. 1995. Estudo evolutivo, sedimentológico e morfodinâmico da

planície costeira e praia da Armação – Ilha de Santa Catarina, SC. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil. 134 p.

Esteves, F. A. 1998. Fundamentos de Limnologia. Interciência. Rio de Janeiro, RJ. 575p.

FLORAM, 2014. Fundação Municipal do Meio Ambiente de Florianópolis. Unidades de Conservação. Disponível em: < http://www.pmf.sc.gov.br/entidades/floram/index.php?cms=unidades+de+conservacao&menu=6>. Acesso em: Julho de 2013.

Lago, P. F. 1996. Florianópolis: a polêmica urbana. Fundação Franklin Cascaes. Florianópolis, SC. 312p.

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Lei Municipal nº 1.828, de 03 de Dezembro de 1981. Cria o Parque Municipal da Lagoa do Peri e institui seu plano diretor de ocupação e uso do solo. Florianópolis, SC.

Lei Municipal nº 9.097, de 18 de outubro de 2012. Institui a política municipal de remoção e substituição de Pinus, Eucalyptus e Casuarina spp. por espécies nativas no município de Florianópolis e dá outras providências. Florianópolis, SC.

Mazzer, A. M. 2007. Proposta metodológica de análise de vulnerabilidade da orla marítima à erosão costeira: aplicação na costa sudeste da Ilha de Santa Catarina, Florianópolis-SC, Brasil. Tese de Doutoramento em Geociências, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil.169p.

Mazzer, A.M., Dillenburg, S.R. & Souza, C.R.G. 2008. Proposta de método para análise de vulnerabilidade à erosão costeira no sudeste da ilha de Santa Catarina, Brasil. Revista Brasileira de Geociências, 38(2): 278-294.

Oliveira, U.R., Barletta, R.C., Peixoto, J.R.V. & Horn Filho, N.O. 2009. Características morfodinâmicas da praia do Pântano do Sul, Ilha de Santa Catarina, Brasil. Pesquisas em Geociências, 36 (3): 237-250.

Pereira, A. & Zanin, V.C. 2014. Mananciais da Ilha. In: CASAN – Companhia Catarinense de Águas e Saneamento. Disponível em: << http://www.casan.com.br/menu-conteudo/index/url/manancias-da-ilha#0>> Acesso em: Julho de 2014.

Santos, G.F., Silva, J.T.N., Mendonça, M. & Veado, R.W. 1989. Análise Ambiental da Lagoa do Peri. Geosul, 8, 101-123.

Sbroglia, R.M. & Beltrame, A.V. 2012. O zoneamento, conflitos e recategorização do Parque Municipal da Lagoa do Peri, Florianópolis/SC. Bol. Geogr., 30(1):5-18.

Silva, A. Á. S. 2000. Parque Municipal da Lagoa do Peri subsídios para o gerenciamento ambiental. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil. 120p.

Simonassi, J. C. 2001. Caracterização da Lagoa do Peri, através da análise de parâmetros físico-químicos e biológicos, como subsídio ao gerenciamento dos recursos hídricos da Ilha de Santa Catarina, SC, Brasil. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil.72p.

Teive, L. F., Lisboa, L. K. & Petrucio, M. M. 2008. Uma revisão da disponibilidade de dados ecológicos visando o direcionamento de novas pesquisas na lagoa do Peri. Biotemas, 21(2): 133-143.

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ECOSSISTEMAS MARINHOS

Ecossistemas Marinhos

Foto: Manuela Bernardes Batista

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Biovolume e biomassa do plâncton em águas costeiras da Ilha de Santa Catarina

Santos, F., Valadares, K., Beirão, L., Batista, G, Riul, P., Gorri, C.,

Carvalho, M.

Introdução As comunidades planctônicas possuem grande importância ecológica, pois estão envolvidas em vários processos que garantem a biodiversidade do ecossistema marinho (Lopes, 2007). Na última década os estudos relacionados a esses organismos têm sido intensificados, principalmente aqueles relacionados aos impactos das mudanças climáticas e a urbanização descontrolada próxima as regiões litorâneas (Ducklow & Steinberg, 2001). O plâncton é constituído por todos os organismos que estão na coluna d’água e que podem apresentar pequena movimentação na vertical, mas que não apresentam movimentação na horizontal, sendo assim de locomoção limitada (Thurman & Trujillo, 2004). Como não conseguem evitar o transporte passivo de massas d'água a distribuição desses organismos é controlada por processos físicos, como corrente, maré, vento e turbulência (Calazans, 2011). Constituem o plâncton, algas unicelulares fotossintetizantes denominadas fitoplâncton, outros organismos que não realizam fotossíntese (zooplâncton), além de bactérias e algas cianobactérias (bacterioplâncton) e vírus aquáticos (virioplâncton) (Thurman & Trujillo, 2004). Tal divisão está associada à produtividade dos organismos, definidos como produtores primários, secundários e terciários, representantes de autotróficos, animais herbívoros e carnívoros respectivamente, não sendo uma definição precisa, devido a complexidade das interações no ecossistema (Parsons et al., 1990). A distribuição do plâncton varia tanto horizontalmente como verticalmente em escalas temporais e espaciais. Essa distribuição resulta da combinação de padrões de circulação e também do crescimento, mortalidade e comportamento dos

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organismos (McManus & Pfeiffer-Hoyt, 2007). A distribuição do plâncton está relacionada a fatores ambientais como luz, temperatura, salinidade e nutrientes (Parsons et al., 1990). Em ambientes costeiros, alguns dos processos físicos mais importantes para estruturar a distribuição dos organismos planctônicos incluem estratificação da coluna d’água, ondas, frentes, marés e plumas estuarinas (McManus & Pfeiffer-Hoyt, 2007). São três as massas d’água que dominam a hidrografia da plataforma continental sul/sudeste brasileira: Água Tropical (AT); Água de Plataforma (AP), Água Central do Atlântico Sul (ACAS) e Água Costeira (Miranda, 1982; Castro et al, 2006). Transportadas pela corrente no Brasil ao longo do talude continental, a Água Tropical corresponde à camada superficial (0-200 m), e a Água Central do Atlântico Sul está abaixo desta (200 – 500 m). No verão estas massas d’água se aproximam mais da costa, e eventualmente se misturam com a Água de Plataforma. Vários autores também descrevem a Água Costeira (AC), que resulta da mistura da água de plataforma com a drenagem continental (Miranda, 1982; Matsuura, 1986; Gaeta & Brandini, 2006). Condições favoráveis de luz e nutrientes são necessárias para que ocorra aumento da biomassa fitoplanctônica. A AC permanece mais produtiva durante o ano todo devido ao aporte de nutrientes da drenagem continental, enquanto a AT tem baixas concentrações de nutrientes e a ACAS tem nutrientes em abundância, mas encontra-se em maiores profundidades. No entanto ressurgências, vórtices ciclônicos e ondas internas são processos físicos que permitem o afloramento dessas águas de fundo, ricas em nutrientes na zona eufótica (Gaeta & Brandini, 2006). As intrusões das massas d’água que definem a corrente do Brasil determinam a estrutura termohalina na plataforma continental. As intrusões da ACAS, que apresenta um potencial de enriquecimento das águas da plataforma, ocorre com maior intensidade no verão (Castro et al., 2006). A distribuição horizontal dos organismos do plâncton apresenta padrões diferentes em áreas neríticas mais próximas ou distantes da costa. Ambas as áreas diferem em relação às partículas

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em suspensão, substâncias dissolvidas e estratificação da coluna d’água. Na primeira, as condições de temperatura, salinidade, nutrientes e disponibilidade de luz são muito variáveis enquanto na segunda as condições podem ser mais estáveis (Bonecker et al., 2002). Assim, o objetivo deste trabalho foi comparar a biomassa e o biovolume do zooplâncton em dois locais da zona costeira da Ilha de Santa Catarina: um mais próximo à linha de costa, sobre maior ação de ondas e maré, e um mais distante e mais exposto. Métodos As coletas foram realizadas em 19 de outubro de 2013 na Praia da Armação, localizada ao sul da Ilha de Santa Catarina, no município de Florianópolis (SC), utilizando uma embarcação de pesca, de 7,5 m de comprimento. As amostras foram obtidas em dois pontos, sendo o primeiro a 773 metros da costa (27º44'26.7'' S e 48º 29'59.5'' W) e o segundo a 2570 m (27º44'48.1'' S e 48º 28'56.0'' W) (Figura 1). Em cada ponto foram registradas informações sobre as condições ambientais como: velocidade e direção do vento, a condição do mar de acordo com a escala de Beaufort, e a porcentagem de cobertura de nuvens. A profundidade da zona eufótica (Zeu) foi estimada pela medida da profundidade de desaparecimento do disco de Secchi, por meio da equação: Zeu = 2,7 x ZSD, onde ZSD é a profundidade de desaparecimento do Disco de Secchi (m). Quanto aos parâmetros físico-químicos da coluna d’água, a salinidade foi obtida por meio de um refratômetro, e foram feitos perfis verticais de temperatura, turbidez, oxigênio dissolvido e pH, com um sensor multi-parâmetro Horiba em modo contínuo.

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Figura 1. (A) Localização da área de estudo na zona costeira da Ilha de Santa Catarina (B) e dos pontos de coletas (Ponto 1 e Ponto 2) na praia da Armação.

Para coleta do zooplâncton foram realizados arrastos horizontais de aproximadamente 5 min, utilizando redes cônico-cilíndricas de coleta de zooplâncton com malhas de 200 μm e 500 μm. O volume de água filtrado pela rede foi determinado pela utilização de um fluxômetro na entrada da rede, seguindo metodologia de Boltovskoy (1981). O material retido pela rede foi armazenado em frascos de 500 mL contendo 50 mL de formol 40%. Para a determinação do biovolume, inicialmente o plâncton da amostra com o formol foi retido em uma peneira de 200 μm e lavado com água da torneira, passando o conteúdo para um Becker devidamente identificado. A amostra livre de formol foi transferida para uma proveta graduada, proporcional ao volume de plâncton, e foi adicionada água da torneira até atingir um determinado volume (volume com plâncton), a fim de facilitar os cálculos. Em seguida a amostra foi novamente peneirada para separar o conteúdo do plâncton do meio líquido. A parte líquida foi transferida para uma proveta e anotado o volume final (volume sem plâncton). O

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biovolume do plâncton é então obtido pela diferença entre o volume com plâncton e o volume sem plâncton. O conteúdo que permaneceu na peneira foi utilizado para determinar a biomassa, sendo recondicionado em um becker, utilizando água no processo de lavagem. A amostra foi então filtrada, utilizando um filtro de rede de 300 μm previamente pesado e com o auxílio de uma bomba de pressão de 5 pol/Hg. O peso da amostra foi obtido pela diferença entre o peso final do filtro com amostra úmida e o peso inicial do filtro (sem amostra). A biomassa úmida final foi calculada em relação ao volume da água registrado no fluxômetro. Para a análise das propriedades físico-químicas da coluna d’água, os dados do sensor multi-parâmetro foram planilhados e construídos gráficos dos perfis verticais das propriedades medidas: temperatura, salinidade, turbidez, oxigênio dissolvido e profundidade da zona eufótica. Resultados As condições ambientais estavam semelhantes em ambos os pontos de coleta, com 0% de cobertura de nuvens e vento nordeste de intensidade 1 de acordo com a escala de Beaufort. A profundidade local foi 11 m no ponto 1 e 20 m no ponto 2. No ponto 1 a profundidade da zona eufótica foi 10,8 m, enquanto no ponto 2 foi de 18,9 m. A salinidade (35 PSU) e pH (8,2) não variaram nos dois pontos de coleta. No ponto 1 a temperatura foi homogênea em toda a coluna d’água (Figura 2a), variando de 20,2 ºC a 19,9 ºC, enquanto no ponto 2 observou-se a formação de uma termoclina suave, com a temperatura variando de 20,3 ºC na superfície a 17,8 ºC no fundo (Figura 2a). A turbidez variou entre 0,8 e 5,1 NTU no ponto 1 e entre 0,1 e 5,9 NTU no ponto 2 (Figura 2b) enquanto o oxigênio dissolvido variou de 9,03 a 10,48 mg/l no ponto 1 e de 6,98 a 9,33 mg/l no ponto 2 (Figura 2c). Para a rede de malha de 200 μm, o biovolume de plâncton foi de 3,74 ml/m3 no ponto 1, e de 5,12

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ml/m3 no ponto 2. A biomassa foi semelhante nos dois pontos (0,62 a 0,63 g/m3). Para a rede de malha de 500 μm, o biovolume foi bastante inferior ao observada para a rede de 200 μm, tanto no ponto 1 quanto no 2, com valores de 0,21 e 008 ml/m3 respectivamente, enquanto os valores de biomassa foram similares nos pontos 1 e 2, apresentando valores de 0,01 e 003 g/m3 respectivamente (Tabela 1).

Figura 2. Perfis verticais de (A) temperatura, (B) turbidez e (C) oxigênio dissolvido para os pontos 1 (linha verde) e ponto 2 (linha vermelha). A profundidade da zona eufótica (Zeu) está representada pela linha tracejada em ambos os pontos (Zeu – P1; Zeu – P2).

Tabela 1. Volume total filtrado pelas redes de malhas de 200 μm e 500 μm, biovolume (ml/m

3), biomassa úmida (g/m

3) de plâncton e profundidade da zona

eufótica (Zeu – m) nos pontos amostrados (P1 e P2) na praia de Armação, Florianópolis (SC).

Local Malha (μm)

Vol. Filtrado: rede (m

3)

Biovolume (ml/m

3)

Biomassa (g/m

3)

Zeu (m)

P1 200 8,56 3,74 0,63 10,8

P1 500 14,08 0,21 0,01 10,8

P2 200 8,79 5,12 0,62 18,9

P2 500 26,51 0,08 0,03 18,9

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Discussão A distribuição vertical e horizontal do plâncton está diretamente relacionada às correntes e massas de água (Parsons et al., 1990). Áreas mais afastadas da costa, sob menor efeito de mistura pela ação de ondas e marés, permitem maior estratificação da coluna d’água e a presença de diferentes organismos, o que corrobora o maior biovolume encontrado no ponto mais distante da costa (P2). Podemos observar a presença da ACAS na coluna d’água do ponto 2, com temperaturas inferiores a 18 °C e salinidade entre 34 e 36,5 (Miranda, 1982; Castro et al., 2006), atingindo a zona eufótica (18,9 m) nesta ocasião, agindo como agente fertilizador. A ACAS, uma vez que é uma massa d’água rica em nutrientes, pode levar a um aumento da produção primária e consequentemente aumento da produção secundária, sendo assim a responsável pelo maior biovolume do plâncton observado no ponto 2. A intrusão da ACAS sobre a plataforma continental tem sido apontada como o mais significativo processo para a fertilização da zona eufótica nas águas da plataforma sul e sudeste do Brasil durante o verão, como observado por diversos autores (Matsuura, 1986; Aidar et al., 1993; Gaeta et al., 1995). Entretanto, Saldanha-Corrêa (1999) verificou que nem sempre a mera presença da ACAS sobre a plataforma é suficiente para promover o processo de eutrofização, sendo que duas condições são necessárias: que a ACAS seja encontrada dentro da zona eufótica por um período de alguns dias, para permitir o desenvolvimento de suas populações sob ação da luz ou que sofra um processo de mistura turbulenta com a massa de água costeira (AC). As condições atmosféricas no dia de coleta foram significativamente diferentes às dos dias anteriores. Nos dias que antecederam a coleta, houve a predominância de ventos de quadrante sul com alta intensidade e presença de grande nebulosidade, o que pode ter causado maior mistura na coluna d’água e consequente injeção de nutrientes nas camadas superiores. Enquanto no dia da coleta predominou o vento norte

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com pouca intensidade e ausência de cobertura de nuvem, estabilizando a coluna d’água e levando à formação de termoclina. Estas condições podem ter elevado a produção primária, beneficiada pela presença de nutrientes na zona eufótica, e consequentemente o aumento da comunidade zooplanctônica. O ponto 1, mais próximo da costa, apresentou maior homegeneidade dos parâmetros físico-químicos, o que pode ser atribuído a maior ação das ondas e marés, que provocam maior mistura na coluna d’água. Segundo Allison & Wishner (1986) frentes climáticas poderiam aumentar a disponibilidade de nutrientes melhorando a produtividade primária, resultando no incremento de organismos da comunidade. Também foi identificada a presença de oxiclina no Ponto 2, esta pode estar associada com a mudança no regime de ventos e consequente estratificação da coluna d’água, e com a maior presença de organismos produtores primários na camada de mistura, que decai abruptamente logo abaixo esta. Embora apenas dois pontos próximos à costa tenham sido analisados neste estudo, os resultados mostram que eventos atmosféricos como a incidência de ventos de NE no verão e passagem de frentes frias podem promover o crescimento populacional no plâncton. Este estudo também corrobora todos os estudos anteriores que apontam a intrusão da ACAS nas regiões mais próximas a costa como uma das principais responsáveis pelo aumento da produção primária e secundária na plataforma continental sudeste brasileira durante o verão, período em que há a predominância da Água Tropical, oligotrófica, sobre a plataforma. Agradecimentos Agradecemos ao pessoal da embarcação pelo apoio logístico e aos funcionários do Parque Municipal da Lagoa do Peri pela acolhida no desenvolvimento deste estudo.

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Allison, S.K. & Wishner, K.F. 1986. Spatial and temporal patterns of zooplankton biomass across the Gulf Stream. Marine Ecology Progress Series, 31: 233 - 244.

Boltovskoy, D. (Ed.). 1981. Atlas del Zooplancton del Atlantico Sudoccidental y metodos de trabajo con el zooplancton marino. INIDEP.Mar del Plata, Ar. 936 p.

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Gaeta, S.A., Abe, D.S., Metzler, P.M. & Teixeira, C. 1995. Photosynthetic parameters of coastal marine phytoplankton from the Ubatuba region, Brazil. Publicação especial do Instituto Oceanográfico, 11: 163 - 169.

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Matsuura, Y. 1986. Contribuição ao estudo da estrutura oceanográfica da região sudeste entre Cabo Frio (RJ) e Cabo de Santa Marta Grande (SC). Ciência & Cultura, 38(8): 1439 - 1450.

McManus, M.A. & Pfeiffer-Hoyt, A.S. 2007. Effects of nearshore physical processes. In: Denny, M.W. & Gaines, S.D. (Orgs) Encyclopedia of Tidepools & Rock Shores. Universit of California Press. California, EUA. 671p.

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Efeitos de estressores ambientais na ecofisiologia das macroalgas marinhas dos costões rochosos

Batista, M. B., Becker, E., Batilani-Filho, M., Romeu, B., Horta, P. A.

Introdução

No ecossistema marinho os costões rochosos são ambientes complexos, e juntamente com os recifes arenosos abrigam as floras mais ricas e diversificadas de algas bênticas (Oliveira et al., 2001). Estes ambientes caracterizam-se por serem densamente cobertos por organismos autótrofos que terminam a fisionomia da paisagem também povoada por invertebrados sésseis ou sedentários. A organização e manutenção destas comunidades são explicadas pela combinação de alguns fatores, físicos e biológicos, como pluviosidade, competição por espaço, mutualismo, pastejo e recrutamento. Por isso, a estruturação destas comunidades é dinâmica e apresenta um mosaico de manchas com diferentes abundâncias e conjuntos de espécies distintas (Nybakken, 1993). Comunidades bentônicas de costões apresentam uma zonação de supra a infralitoral devido a fatores como irradiação, maré, ondulação, temperatura e competição interespecífica. A sinergia destes fatores limita o crescimento ou permanência de alguns organismos nestes ambientes (Nybakken, 1993). Os fatores expostos acima induzem ao estresse biológico principalmente nas comunidades de algas (Kakinuma et al., 2006). Dentre os produtores primários de ecossistemas marinhos, as algas bentônicas, ou macroalgas, são totalmente sésseis, o que faz com que os diferentes fatores estressantes aos quais são expostas reflitam diretamente nas suas respostas ecofisiológicas, tais como ocorrência, distribuição, morfologia, comprimento e taxa de produção primária (Nassar, 2012). A permanência e desenvolvimento das espécies nestes ambientes dinâmicos e heterogêneos dependerá das estratégias evolutivas selecionadas, o que revelará um trade-off entre alocação

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de recurso para o desenvolvimento rápido ou alocação de recurso para estruturas mais complexas. Desta dinâmica emerge um padrão onde a primeira estratégia revela uma espécie denominada r estrategista e a segunda, uma espécie K estrategista (Townsend et al., 2009). Apesar de apresentarem algumas particularidades no ciclo de vida, quando comparados principalmente aos animais, o conceito de espécies K e r estrategistas tem sido adotado recentemente no caso das algas marinhas (Scherner et al., 2012; Oliveira-Golçalves et al., 2013). Dessa forma, Ulva fasciata é uma espécie de macroalga marinha comumente encontrada no mesolitoral e considerada espécie r estrategista (Martins et al., 2012). Por outro lado, Sargassum cymosum pode ser considerado um representante do grupo K estrategista (Scherner et al., 2012; Oliveira-Golçalves et al., 2013). Neste sentido, com o objetivo de caracterizar as respostas ecofisiológicas destas duas macroalgas frente aos estresses associados aos processos de hidrodinamismo na região mesolitorânea, buscamos testar a hipótese de que a espécie r estrategista apresenta melhor desempenho em ambientes mais hidrodinâmicos, visto que teria melhor capacidade de recuperar-se dos danos causados pelos estresses ambientais, graças à maior plasticidade fenotípica e fisiológica, combinada às altas taxas de crescimento e alta produtividade que apresenta (Littler & Murray, 1975; Teichberg et al., 2010) quando comparado à espécie K estrategista. Métodos Para investigação da resposta ecofisiológica das macroalgas bentônicas os indivíduos foram coletados no costão rochoso da Praia da Armação, Florianópolis, SC. Neste costão foram elencados dois trechos diferentes que compreendiam duas intensidades hidrodinâmicas: hidrodinâmica alta e hidrodinâmica baixa. Os trechos foram subdivididos em região mesolitorânea inferior e superior. Cada trecho foi investigado em três pontos, onde foram coletados cinco indivíduos das espécies Ulva fasciata e cinco

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indivíduos de Sargassum cymosum em cada região mesolitorânea. O desenho amostral totalizou 15 indivíduos de cada espécie para cada uma das regiões mesolitorâneas, totalizando 60 indivíduos (Figura 1).

Figura 1. Esquema de coleta dos indivíduos de Ulva fasciata (círculo pontilhado) e Sargassum cymosum (círculo contínuo) para investigação das respostas ecofisiológicas em um costão rochoso com diferentes condições de hidrodinamismo. HA – hidrodinamis alto; HB – hidrodinamismo baixo; MS – região mesolitorânea superior; MI – região mesolitorânea inferior. Os triângulos refletem as principais interferências de acordo com o hidrodinamismo e zonação mesolitorânea, a intensidades das cores refletem a intensidade de influência; triângulos preenchidos – exposição a predação; triângulos pontilhados - umidade; triângulos listrados – ação as ondas.

Em laboratório, cada indivíduo foi pesado, medido o comprimento e avaliada a eficiência quântica fotossintética, aferida com o fluorometro de pulso modulado JUNIOR-PAM (Walz Alemanha). O referido fluorômetro é equipado com um sensor que capta a fluorescência da clorofila através de uma lâmpada que emite um forte pulso de luz. Este pulso bloqueia o Fotossistema II. No momento do pulso de luz ocorre a saturação máxima dos transportadores de elétrons do FSII, ocasionando o seu bloqueio e, consequentemente, impedindo a ocorrência do processo

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fotoquímico e induzindo a máxima fluorescência da clorofila a (Schreiber, 2002). Para caracterizar a atividade fotossintética foi utilizado como descritor o rendimento quântico efetivo - Y(II) - onde se apresenta a relação entre a fluorescência variável e a fluorescência máxima. A comparação do desempenho ecofisiológico das espécies foi realizada através da diferença das médias dos parâmetros aferidos e posterior teste de Newman-Keuls. Este procedimento foi adotado para a análise entre o desempenho das duas algas frente às características ambientais investigadas, bem como para análise de uma única espécie frente a estas características. Resultados & Discussão Ao analisarmos as respostas ecofisiológicas de cada uma das espécies, foi possível observar que Ulva fasciata e Sargassum cymosum, de modo geral, responderam de forma diferente aos estressores ambientais (Figura 2). A análise de variância mostrou que U. fasciata se apresenta de forma diferente entre os hidrodinamismos alto (HA) e baixo (HB) (p< 0,05), sendo que no hidrodinamismo alto não há diferenças significativas entre as diferentes zonações do mesolitoral. No entanto, ao avaliarmos as diferenças no HB a U. fasciata apresentou-se com médias de comprimento maiores no mesolitoral superior (Figura 2A; Figura 3A). O gênero Ulva é caracterizado como oportunista ou efêmera, por ser um grupo com altas taxas de crescimento e alta produtividade (Littler & Murray, 1975; Teichberg et al., 2010). Além disso, as espécies deste gênero possuem uma estrutura física delicada, com apenas duas camadas de células, e sem defesas específicas contra a herbivoria. Estas características justificam seu maior tamanho no ambiente de HB e, especificamente, no estrato superior do mesolitoral deste ambiente. As algas que habitam a porção superior do costão estão expostas a maiores variações da temperatura, dessecação, irradiação e salinidade (Boaventura et al., 2002). Em contraponto, àquelas que estão na porção inferior sofrem mais com a competição

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por substrato e com a predação, por peixes herbívoros e principalmente por ouriços-do-mar, que são muitas vezes os macro-herbivoros dominantes e mais vorazes de muitas comunidades marinhas, podendo exercer efeitos marcantes sobre a abundância e diversidade de macroalgas (Ogden et al., 1973; Lawrence, 1975). Estes herbívoros foram observados em abundância no momento da coleta. Assim, com a redução da ação dos herbívoros no mesolitoral superior, a U. fasciata conseguiria atingir tamanhos maiores, quanto as variações na fluorescência dos espécimes encontrados no mesolitoral inferior, estas podem estar relacionadas à maior frequência de submersão conjuntamente com o efeito alelopático de substâncias produzidas por outras macroalgas, como o próprio Sargassum, que libera substâncias fenólicas na água com podem apresentar esta atividade (Amsler & Fairhead, 2006). As análises de variância para o Sargassum cymosum também apresentaram resultados significativamente diferentes entre o HA e o HB (p< 0,05). A espécie mostrou-se com comprimento maior no HB, principalmente na porção inferior do mesolitoral (Figura 2A; Figura 3B), e taxas do rendimento quântico efetivo maiores nas porções superiores do mesolitoral (p< 0,05), isso para ambas as classes de hidrodinamismo (Figura 2B; Figura 3B). A redução gradativa de tamanho, do mesolitoral inferior do HB para o mesolitoral superior do HA reflete a pouca influência da herbivoria para a espécie, que apresenta maior rigidez do talo, defesa química e complexidade de suas estruturas. Como defesa química a reconhecida produção de metabólitos secundários pelas algas pardas, como, por exemplo, os fenóis, além da já mencionada atividade alelopática, tornam as espécies pouco palatáveis ou até mesmo tóxicas para vertebrados e invertebrados (Amsler & Fairhead, 2006). Deste modo, o que mais afeta o tamanho do S. cymosum é, aparentemente, a dessecação e a ação mecânica das ondas e vento, pois ele é menor nas porções mais expostas a estas forças, ou seja, nas duas regiões do HA e na região mesolitorânea superior do HB.

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Figura 2. Resultados da análise de variância para as respostas ecofisiológicas de Ulva fasciata e Sargassum cymosum em um costão rochoso com diferentes condições de hidrodinamismo. A – Comprimento (cm); B – Eficiência quântica fotossintética ((Y (II)). HA – hidrodinamismo alto; HB – hidrodinamismo baixo; MS – região mesolitorânea superior; MI – região mesolitorânea inferior. Letras diferentes indicam diferença significativa entre as médias para a espécie; Asteriscos indicam diferenças significativas entre as espécies.

De forma geral, os resultados obtidos nos permitem observar que o HB influência de forma positiva a ecofisiologia, mensurada no rendimento quântico efetivo, do S. cymosum, uma vez que algas pardas apresentaram reações ao estresse de

A

B

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dessecação muito mais rápido, do que quando comparados a outros grupos de algas (Huppertz et al., 1990). Corroborando a isso, existem evidências crescentes de que uma variedade de fenóis, produzidas por algas pardas, possui capacidade antioxidante e pode proteger as plantas de danos causados pela luz (Close & McArthur, 2002). Isso explicaria a diferença positiva nas taxas de rendimento quântico efetivo, encontradas na porção superior do mesolitoral onde a alga se encontra exposta a uma maior irradiância devido a zonação presente nos costões (Figura 3B).

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A

B

Figura 3. Esquema das respostas ecofisiológicas de Ulva fasciata (A) e Sargassum

cymosum (B) em um costão rochoso com diferentes condições de hidrodinamismo. HA – hidrodinamismo alto; HB – hidrodinamismo baixo; MS – região mesolitorânea superior; MI – região mesolitorânea inferior; C – comprimento; Y (II) – eficiência quântica fotossintética. Os triângulos refletem as principais interferências de acordo com o hidrodinamismo e zonação mesolitorânea, a intensidades das cores refletem a intensidade de influência; triângulos preenchidos – exposição a predação; triângulos pontilhados - umidade; triângulos listrados – ação as ondas.

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A caracterização do comprimento, biomassa e fluorescência podem ser indicadores do estado ecofisiológico das macroalgas, pois refletem a eficiência metabólica de forma indireta. No entanto, a biomassa média das espécies não apresentou diferenças significativas entre as espécies, tão pouco quanto entre as condições ambientais investigadas. Desta forma, concluímos que fatores físicos, como a energia hidrodinâmica e zonação, podem influenciar de forma indireta a ecofisiologia de diferentes espécies de macroalgas, considerando que tais fatores podem propiciar efeitos extressores de temperatura, salinidade, dessecação e exposição à herbivoria. Neste trabalho, observamos que espécies consideradas K estrategistas, como é o caso do S. cymosum, e espécies consideradas r estrategistas como, como o caso da U. fasciata, respondem de forma diferente aos níveis de zonação do costão rochoso. No entanto, via de regra, possuem desempenho inferior em regiões com hidrodinamismo alto. Tais resultados contrariam nossa hipótese inicial, podendo nos indicar e nos alertar para possíveis danos ecofiológicos, em diferentes espécies de macroalgas, decorrentes de alterações no hidrodinamismo que venha a acontecer em tempos de mudanças climáticas. Agradecimentos Agradecemos à FLORAM e aos funcionários do Parque Municipal Lagoa do Peri pelo apoio logístico e pela acolhida. Bibliografia Amsler, C.D. & Fairhead, V.A. 2006. Defensive and sensory chemical

ecology of brown algae. Advanced Botany Research, 43: 1-91. Boaventura, D., Ré, P., Cancela Da Fonseca, L. & Hawkins, S.J. 2002.

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Tamanho e densidade de cracas Tetraclita stalactifera Lamarck, 1818 (Maxillopoda: Sessilia) sob diferentes

intensidades e direções de ondulação

Riul, P., Batista, G. Santos, F., Valadares, K., Beirão, L. Segal. B.

Introdução A maioria dos organismos está adaptada a um intervalo estreito de condições ambientais. Porém, em alguns ecossistemas as diferenças dessas condições são largas em curtas ou curtíssimas escalas de tempo, podendo ocorrer em questão de horas. Os costões rochosos são ambientes dinâmicos em regiões de transição entre os meios terrestre e marinho, que se estendem desde o assoalho oceânico até alguns metros acima do nível do mar (Carvalhal & Berchez, 2013). Os costões sustentam alta biodiversidade comparada aos ambientes terrestres e são locais de alimentação, crescimento e reprodução de um grande número de espécies (Coutinho, 2002). Esses ambientes dinâmicos são caracterizados por vários gradientes que interagem de forma complexa gerando condições particulares (Kaiser et al., 2011). Dependendo das condições locais onde o costão está situado a distribuição dos organismos será diferente (Carvalhal & Berchez, 2013). As condições a que esses organismos estão expostos tornam necessárias adaptações para a fixação no substrato, dessecação e grandes variações na temperatura, entre outras. Dentre os principais fatores que afetam a distribuição vertical dos organismos nos costões destacam-se os gradientes de emersão e dessecação, intensidade e direção das ondas, dinâmica das marés, temperatura, salinidade, tipo e orientação do substrato, heterogeneidade topográfica, predação, competição, perturbação, sucessão e recrutamento (Coutinho, 2002). Entretanto, a importância relativa desses fatores é difícil de ser isolada e generalizada devido ao elevado número de fatores potencialmente envolvidos e suas interações (Coutinho, 2002).

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A ação das ondas promove a abrasão por areia e seixos, perturba ou deposita o sedimento, renova o oxigênio, reduz o dióxido de carbono e afeta o movimento dos organismos. Em ambientes de costão as ondas dificultam a fixação dos organismos, embora também possam borrifar áreas que não seriam normalmente cobertas pelas marés (Coutinho, 2002). As diferentes condições de exposição às ondas dos costões rochosos refletem que uma costa mais aberta está sujeita a um batimento mais forte de ondas, quando comparada com uma área mais abrigada (Masi & Zalmon, 2008). Dentre os organismos presentes nesse ambiente estão crustáceos conhecidos popularmente como “cracas”, que são encontradas em substratos rochosos. Geralmente, em vasto número e diferentes níveis de agregação, tendo um ciclo de vida tipicamente marinho, com um estágio larval planctônico e quando adulto, séssil. Distinguem-se de outros grupos de crustáceos principalmente pela secreção de uma concha de calcário que funciona como uma proteção contra predadores (Denny & Gaines, 2007). As variações em escala temporal e espacial para a fixação de cracas podem influenciar diretamente na distribuição e quantidade de indivíduos adultos (Raimondi, 1990). Essas variações nas taxas de fixação podem advir de diversos fatores: disponibilidade de larvas, capacidade de aderir ao substrato e disponibilidade de substrato (Keough & Downes, 1982). Assim, o espaço para fixação é um dos fatores limitantes para as espécies sésseis, onde frequentemente existe uma espécie competidora dominante, capaz de excluir outras espécies (Coe & Allen, 1937). O objetivo desse trabalho foi testar a hipótese de que a intensidade e a direção da ondulação afetam o tamanho e a densidade da craca Tetraclita stalactifera de maneira diferente em áreas expostas e abrigadas.

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Métodos Coleta e análise de dados As coletas foram realizadas no costão rochoso da Ilha das Campanhas, na Praia da Armação, em Florianópolis/SC (Figura 1). O local se caracteriza por uma antiga ilha e atual península, onde há uma área mais abrigada, usada para atracamento de embarcações pesqueiras. Essa área fica na região nordeste do costão, onde as ondas têm uma ação menos forte do que nas regiões leste e sul, que recebem grande impacto de ondulação de Sul/Sudeste. A amostragem foi feita em quatro áreas diferentes: uma área exposta que sofria influência das ondas provenientes do sul (ES), uma área abrigada, também influenciada pelas ondas sul (AS), outra área mais exposta, que recebia ondas com orientação nordeste (ENe) e uma última área mais abrigada, influenciada por ondas nordeste (ANe). Em cada área, foram posicionados a esmo 20 quadrados de 25x25 cm, onde se fez a contagem de todas cracas Tetraclita stalactifera presentes. Obteve-se o diâmetro da base de 10 cracas de cada quadrado, escolhidas casualmente. De acordo com Skinner & Coutinho (2005), larvas de Tetraclita stalactifera se fixam melhor em pedras com maior rugosidade, por isso, e para evitar algum efeito do tipo de substrato na amostragem, foram escolhidas as rochas graníticas para a amostragem.

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Figura 1. Costão Rochoso da Ilha das Campanhas, na Praia da Armação, onde foram amostradas quatro áreas de adensamento de cracas, sob diferentes condições de hidrodinamismo.

Resultados O tamanho da concha de indivíduos de Tetraclita stalactifera Lamarck 1818, na zona entremarés da Ilha das Campanhas, Florianópolis, SC. Brasil, variou entre 0,6 e 3 cm com média de 1,51 (±0,1) (EP) cm. A densidade mínima foi de 16 indivíduos por amostra (0.0625m2) e a máxima chegou a 99, com média de 52.1 (±2,17) (EP) indivíduos por amostra. Indivíduos menores ocorreram com mais frequência na área abrigada, sob influência da ondulação nordeste enquanto os indivíduos maiores ocorreram com mais frequência na área exposta nordeste (Figura 2). As análises de variância demonstraram que existem diferenças significativas no tamanho e na densidade dos indivíduos quando comparadas áreas, e direção da ondulação (Tabela 1; Figura 3; Figura 4).

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0

20

40

60

80

100

120

140Abrigada sul

me

ro d

e in

div

ídu

os

Abrigada nordeste

0.5 1.0 1.5 2.0 2.5 3.0

0

20

40

60

80

100

120

140Exposta sul

me

ro d

e in

div

ídu

os

Classe de tamanho (cm)

0.5 1.0 1.5 2.0 2.5 3.0

Exposta nordeste

Classe de tamanho (cm)

Figura 2. Distribuição de indivíduos de Tetraclita stalactifera conforme classes de tamanho entre as áreas abrigadas e expostas sob influência de ondulações sul e nordeste, na zona entremarés da Ilha das Campanhas, Florianópolis, SC. Brasil. Tabela 1. Sumário dos resultados das análises de variância bi-fatoriais e teste de Student-Newman-Keuls (SNK) comparando tamanho e densidade de indivíduos de Tetraclita stalactifera entre áreas (abrigada vs. exposta) e direção da ondulação (nordeste vs. sul), na zona entremarés da Ilha das Campanhas, Florianópolis, SC. Brasil. A = Abrigada, E= Exposta, NE = Nordeste e S = Sul.

VAR Efeito GL SS QM F P SNK

Área 1 1.10 1.10 43.78 0.00 A < E

T Dir.da ondulação 1 0.00 0.00 0.04 0.85 Ns

A*D 1 0.40 0.40 15.74 0.00 0.00

Erro 76 1.91 0.03 - - -

Área 1 1216.80 1216.80 6.68 0.01 A < E

D Dir. da ondulação 1 13416.20 13416.20 73.70 0.00

NE > S

A*D 1 1729.80 1729.80 9.50 0.00 0.00

Erro 76 13834.40 182.03 - - -

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abrigada exposta

Ta

manh

o (

cm

)

0.0

0.5

1.0

1.5

2.0

nordestesul

Figura 3. Tamanho de indivíduos de Tetraclita stalactifera entre áreas (abrigada vs. exposta) e direção da ondulação (nordeste vs. sul), na zona entremarés da Ilha das Campanhas, Florianópolis, SC. Brasil.

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abrigada exposta

De

nsid

ade

(in

d/0

.06

25

m2

)

02

040

60

80

nordestesul

Figura 4. Densidade de indivíduos de Tetraclita stalactifera por amostra (0.0625m

2) entre áreas (abrigada vs. exposta) e direção da ondulação (nordeste

vs. sul), na zona entremarés da Ilha das Campanhas, Florianópolis, SC. Brasil.

Discussão Em relação ao tamanho, as maiores cracas se encontravam nas áreas expostas. No nordeste, especialmente, houve diferença de tamanho entre as áreas expostas e abrigadas, onde as cracas maiores foram medidas nas áreas expostas. Isso pode ser devido ao fato de que nas áreas expostas, agitadas pela turbulência de ondas, as cracas necessitariam de uma área de fixação maior, para ter mais aderência à rocha. Em relação à área do sul, não houve diferença significativa quanto ao tamanho. Acredita-se que as áreas amostradas no sul possuíam configuração similar, devido à proximidade, o que não possibilitou uma diferença visível em relação ao tamanho, uma vez que as cracas estavam expostas às mesmas condições. Quanto à densidade, houve diferença tanto entre as áreas expostas e abrigadas, quanto entre as áreas submetidas a

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ondulações do sul e do nordeste. Nas áreas expostas, havia maior densidade de cracas. Uma vez que as cracas são organismos sésseis, seria mais fácil para novas cracas se fixarem no substrato, se já houvesse cracas fixas, que facilitariam sua aderência (Knight-Jones, 1953). Nas áreas afetadas por ondulações provenientes da região nordeste também houve maior adensamento de cracas, em comparação com as áreas afetadas por ondas de direção sul. Nestas primeiras áreas, a amplitude da onda é menor, o que possibilitaria uma fixação de cracas nas rochas, sem a perturbação da alta intensidade de batimento das ondas. Diferentemente do que ocorre nas rochas sujeitas à ondas de orientação sul, que são mais intensas, e poderia limitar a capacidade de fixação das cracas. A densidade de cracas é maior em locais de maior produtividade na coluna d’água (Leslie, 2005). Embora acesso ao alimento seja uma força determinante, é possível que em situações de elevada movimentação de água exista uma redução do sucesso de assentamento e/ou da eficiência na captura de alimento. Alternativamente, a densidade de predadores também pode ser um fator importante na regulação da densidade, e portanto, seria interessante testar esse efeito em experimentos futuros. Em laboratório, Leslie (2005) observou que cracas que vivem em menores densidades são maiores, entretanto durante experimentos em campo, o autor não observou relação entre as médias de tamanho das cracas e sua densidade e discute que isto se deve ao fato que cada amostra contém animais de várias classes de idade e tamanho. O conceito de nicho proposto por Hutchinson (1959, apud Begon et al., 2006) demonstra as necessidades e as tolerâncias de um indivíduo ou espécie a fim de cumprir seu modo de vida. Assim, em muitos casos, o tamanho do indivíduo pode ser resultante de uma aptidão desenvolvida para atender a uma determinada necessidade ou suportar uma certa pressão ambiental (Begon et al., 2006). Souza (2013) discute que as condições abrigadas, de baixo hidrodinamismo e menos suscetíveis às influências oceanográficas de larga escala podem propiciar um ambiente mais biologicamente

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estável onde as perturbações à comunidade ocorrem em intensidades relativamente menores que nas áreas mais expostas, em se tratando de costões rochosos. Na área abrigada amostrada neste estudo, pode estar havendo maior pressão de predação, pois o ambiente seria mais estável, e livre da perturbação de ondas mais. As áreas expostas não permitem a presença contínua do predador, o que possibilitaria às cracas maior liberdade de fixação às rochas com menos ameaças. Menge (2000), a partir de diversos estudos (Connell, 1971 1971 apud Menge, 2000; Dayton, 1971 apud Menge, 2000), documentou vários efeitos do tipo top-down sobre cracas, onde os predadores regulavam suas populações em ambientes de costões rochosos. Assim, é possível que os predadores estejam exercendo sua função de regulação das populações de cracas em ambientes mais abrigados, onde eles poderiam atuar mais intensamente do que em áreas mais afetadas pela ação mais intensa de ondas de orientação sul. Agradecimentos Agradecemos à FLORAN e aos funcionários do Parque Municipal da Lagoa do Peri pelo apoio logístico e acolhida durante a realização deste estudo. Bibliografia Begon, M., Townsed C.R. & Harper, J. 2006. Ecology: from individuals to

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Efeitos do hidrodinamismo na estrutura da macrofauna bêntica

Batista, M. B., Becker, E., Romeu, B., Batilani-Filho, M., Segal, B.,

Cardoso, R. S.

Introdução Estudos em larga escala abordando a macrofauna de praia têm determinado padrões nos descritores de comunidades (Dexter, 1992; McLachlan, 2001) e de populacões (Defeo & Cardoso, 2002; 2004). Porém, Underwood & Petraitis (1993), sugerem que as diferenças encontradas nestes estudos em larga escala podem também ser explicadas por fatores que atuam em mesoescalas, como os fatores físicos dos ambientes praiais. As características físicas da praia são controladas por três fatores: dinâmica de marés, energia das ondas e o tamanho do grão. A interrelação destes fatores gera um gradiente morfodinâmico, que em seus extremos apresenta praias reflectivas e dissipativas (Sazaki, 1980 apud Carter, 1988). Em praias reflectivas, as ondas, quando presentes, quebram diretamente na face da praia gerando processos de espraiamento turbulentos em um curto período de tempo, com a suspensão dos sedimentos mais finos e uma erosão da berma. Estas características tornam a zona de espraiamento deste tipo de praia, um ambiente inóspito para a fauna (Defeo et al., 1992). Por sua vez, praias dissipativas correspondem a praias com ondas altas e com uma larga faixa de zona de surfe, na qual a energia das ondas é dissipada antes de alcançar a face da praia, e por vezes produzem uma sobreposição de ondas e o encurtando o período entre ondas. Assim, forma-se uma zona de espraiamento integrada com a zona de surfe, pois estas zonas estão fortemente relacionadas a processos de feedback da morfodinâmica das praias. Neste contexto, caracterizamos a macrofauna de dois ambientes objetivando comparar praias reflectivas e dissipativas, buscando testar as hipóteses que explicam a estrutura destas comunidades conforme processos morfodinâmicos.

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Métodos Área de estudo O estudo foi realizado em duas praias fisiograficamente diferentes localizadas ao sul de Florianópolis (SC). A praia do Matadeiro (27°45'1"S 48°29'59"O) apresenta suave inclinação, areia fina sendo caracterizada como uma praia mais dissipativa, ou seja, as ondas vem dissipando energia ao longo da zona de surfe chegando com menor força na zona de arrebentação (Figura 1A). A praia da Armação (27°44’42”S; 48°30’27”0) possui características mais reflectivas, devido a maior frequência de ondas e uma granulometria formada por areia de média a grossa (Figura 1B).

Figura 1. Caracterização fotográficas das praias (A) Matadeiro e (B) Armação em relação à ação das ondas e tamanho de grão.

As amostras foram coletadas em três transectos perpendiculares à linha de costa em cada uma das praias investigadas. Em cada transecto foram estabelecidas 10 unidades amostrais (UAs), sendo a primeira (UA1) na linha de recuo máximo da água (waterline) e a última (UA10) na linha de secagem (drift line), determinando o limítrofe com o supralitoral. Estas UAs foram

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distribuídas equidistantemente a 3,5m na praia dissipativa e 4m na praia reflectiva. A caracterização estrutural dos ambientes foi avaliada através da declividade do perfil praial pela diferença de altura (Emery, 1961) entre o supralitoral e a linha d’água e expressado em 1/metros. Para avaliar a compactação da areia da praia foi utilizado um aparelho chamado penetrômetro, que mede a força (em Kg/cm3) necessária para a penetração na areia. Para a coleta da macrofauna bêntica foi utilizado um amostrador do tipo core com raio de 20cm. O sedimento coletado foi peneirado e as amostras acondicionadas em sacos plásticos devidamente identificados. Em laboratório, este material biológico foi triado, contado e identificado ao menor nível taxonômico possível. Análise dos dados A análise dos dados foi descritiva. A partir das observações realizadas em campo, foram feitas tabelas com os dados brutos (composição das espécies e variáveis abióticas), estatística básica (médias e desvios padrões) e gráficos de colunas. Resultados & Discussão A caracterização topográfica foi realizada através da declividade e compactação da areia. Na praia da Armação, onde se observou uma maior ação de ondas na face da praia, a inclinação da praia foi mais abrupta, com um declive de 1/8,4m. A praia do Matadeiro apresentou um declive bem mais suave, com 1/20,5m (Figura 2). Assim, conforme a classificação dos perfis praiais (Mazzer & Dillenburg, 2009), a morfodinâmica das praias Armação e Matadeiro foram classificadas como reflectiva intermediária e dissipativa, respectivamente (Figura 2).

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Figura 2. Perfil topográfico das praias Armação (em preto) e Matadeiro (em cinza), ambas em Florianópolis, SC: distância referente à linha de recuo máximo da água (waterline = 0 m) e a última unidade de amostragem referente a linha de secagem ( Armação drift line = 36 m; Matadeiro drift line = 31.5 m;), determinando o limítrofe com o supralitoral.

Quanto à compactação da areia, avaliada através da sua penetrabilidade, a praia da Armação apresenta grãos maiores, com areia consequentemente menos compacta, comparada à praia do Matadeiro (Figura 3). A importância desta característica física está relacionada com a capacidade de permeabilidade e retenção, no sedimento, de água proveniente principalmente da subida das marés e das ondas. A areia mais grossa e com maior permeabilidade, como na praia da Armação, impede a retenção prolongada de água no sedimento, pois o escoamento da água é facilitado (Pereira & Soares-Gomes, 2009). Isto terá influência direta na presença e distribuição dos organismos no ambiente, conforme o grau de umidade necessário para cada espécie.

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Figura 3. Caracterização da penetrabilidade (kg/cm3) ao longo do perfil de inclinação topográfica das praias Armação e Matadeiro, Florianópolis, SC: distância referente à linha de recuo máximo da água (waterline = 0 m) e a última unidade de amostragem referente a linha de secagem (Armação drift line = 36 m; Matadeiro drift line = 31.5 m;), determinando o limítrofe com o supralitoral. As coletas em ambas as praias resultaram em 85 espécimes, pertencentes a três grupos taxonômicos: Polychaeta, Mollusca e Crustacea (Figura 4). Os crustáceos foram os mais abundantes em ambas as praias, seguidos pelos moluscos. Os poliquetas foram encontrados exclusivamente na praia do Matadeiro. As características morfodinâmicas desta praia: menor taxa de exposição às ondas, maiores comprimentos de faixa de areia, devido a uma declividade mais suave, bem como tamanhos de grão de areia menores, produzem um ambiente mais propenso para os poliquetos. Estas são espécies vermiformes que não suportam o impacto de fortes ondas e tampouco a abrasão gerada pela intensa movimentação dos grãos grossos causada pelas ondas. Assim, espera-se encontrar estes animais principalmente em praias dissipativas (Mattos & Santos, 2013).

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Figura 4. Abundância relativa (%) dos grupos taxonômicos nas praias da Armação (AR) e Matadeiro (MT), Florianópolis, SC.

A maior riqueza de espécies encontrada na praia do Matadeiro (7 espécies), quando comparada à Praia da Armação (3 espécies) pode ser explicada pela Hipótese de Exclusão da Zona de Espraiamento (McLachlan & Dorvlo, 2005; Fanini et al., 2009), com as condições morfodinâmicas de praias dissipativas favorecendo a presença dos organismos, principalmente pela extensa área entremarés. A distribuição das espécies ao longo da faixa de areia nesta praia apresentou-se conforme descrito pela literatura (Figura 5), com o filtrador Donax hanleyanus ocupando a zona de espraiamento e os detritívoros Atlantorchestoidea brasiliensis e Excirolana braziliensis se distribuindo pelo mediolitoral e parte do supralitoral.

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Figura 5. Distribuição dos organismos ao longo da zonação de praias arenosas (Fonte: Veloso et al., 1997a)

A praia da Armação apresentou apenas três espécies, das quais duas eram crustáceos. Apenas o molusco, Donax hanleyanus ocorreu na zona de espraiamento, a 8 m da linha d’água, e em baixa abundância (Figura 6). Este padrão pode ser explicado pela Hipótese da Severidade Ambiental (Defeo et al., 2003; Fanini et al., 2009), ou seja, a severidade do ambiente (como ondas com grande energia atingindo a região entremarés e rápido escoamento da água) exigiria gasto de energia, por parte do organismo, para sua manutenção no ambiente. Assim, deve haver um balanço entre o gasto energético para manutenção na zona adequada e o investimento em crescimento e reprodução, reduzindo assim a taxa de sobrevivência e abundância das espécies da macrofauna nos ambientes praiais (Fanini et al., 2009).

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Figura 6. Distribuição das espécies ao longo do perfil de inclinação e distância da linha d´água (0 m) na Praia da Armação, Florianópolis, SC.

O uso de regiões mais afastadas da linha d’água é possível pelas adaptações comportamentais, tais como o hábito de se enterrarem e a atividade noturna de algumas espécies de crustáceos que apresentaram-se distribuídas ao longo da zonação (McLanchlan & Brown, 2006). Dentre estas, destacam-se os anfípodas Atlantorchestoidea brasiliensis que ocorreram de 12 a 28 m da linha dágua, sobrepondo-se à distribuição de Excirolana braziliensis, encontrados entre 20 a 32 m da linha d’água (Figura 6). A distribuição dos isópodas E. braziliensis a uma maior distância da linha d’água se explica por sua maior resistência à desidratação, enquanto o anfípoda A. brasiliensis apresenta distribuição influenciada principalmente pela declividade da praia, devido à umidade retida no sedimento (Veloso et al., 1997b). A maior abundância de organismos do supralitoral na praia da Armação, diferentemente do que ocorreu na praia do Matadeiro (Figura 7) é sustentada pela Hipótese do Habitat Seguro (Defeo & Gómez, 2005), que defende ser esta zona mais estável e segura, para as espécies que a habitam, em praias reflectivas, dada a zona de espraiamento ser mais estreita e a declividade da faixa de areia mais acentuada.

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Figura 7. Distribuição das espécies ao longo do perfil de inclinação e distância da linha d´água (0 m) na Praia da Matadeiro, Florianópolis, SC. Os padrões de distribuição e abundância da macrofauna das praias do Matadeiro e Armação indicam que as espécies são afetadas pela morfodinâmica e grau de exposição à ação das ondas. Embora as principais espécies tenham ocorrido nas duas praias, a riqueza e abundância foram maiores na praia do Matadeiro (dissipativa), havendo principalmente espécies típicas de supralitoral na praia da Armação (reflectiva). Estes resultados estão de acordo com as três hipóteses propostas para explicar a estrutura das comunidades de praia: Hipótese da Exclusão da Zona de Espraiamento, Hipótese da Severidade Ambiental e Hipótese do Habitat Seguro, as quais não são necessariamente excludentes, sendo, pelo contrário, complementares (McLachlan & Dorvlo, 2005; Fanini et al., 2009). Agradecimentos. Agradecemos imensamente ao pessoal do Parque Municipal da Lagoa do Peri e aos professores que nos auxiliaram durante do desenvolvimento deste trabalho.

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Resposta comportamental de Ocypode quadrata de diferentes tamanhos frente à presença de alimento e

aproximação humana

Zanette-Silva, L., Ávila, J. V. C., Paitach, R. L., Weis, W. A., Freitas, R. H. A.

Introdução A espécie Ocypode quadrata (Fabricius, 1787), também conhecida como Maria-farinha, ocorre em praias arenosas ao longo do Atlântico, desde o Rio Grande do Sul até Rhode Island, nos Estados Unidos (Melo, 1996). Indivíduos dessa espécie fazem toca no supralitoral, desde o nível da água até a base das dunas (Rathbun, 1918), sendo que os juvenis ocorrem na parte mais baixa da zona intertidal (Branco et al., 2010). Isto ocorre, provavelmente, porque juvenis são mais vulneráveisà dessecação, pela menor habilidade em construir tocas maiores ou, ainda, pelo comportamento de territorialidade dos adultos (Fisher & Tevesz, 2005).

Wolcott & Wolcott (1984), analisando a influência do tráfego de veículos na faixa de praia, constataram que o hábito de se ocultarem em tocas é um importante fator de sobrevivência para O. quadrata. Smolka e colaboradores (2011) descreveram esse comportamento de fuga em caranguejos: quando é detectada uma potencial ameaça, todas as atividades dos caranguejos são cessadas e os mesmos ficam parados um curto período de tempo. Posteriormente, iniciam uma corrida repentina e rápida para as tocas. Ficam temporariamente parados na toca, quando finalmente descem a seus buracos. Essa resposta em cascata pode ser interrompida a qualquer momento, principalmente quando identificado um falso alarme, o que evita custos energéticos. O hábito de se ocultar é importante para a sobrevivência de indivíduos de Maria-farinha não só para impedir atropelamentos, mas também para evitar a predação. É importante salientar que na tentativa de predação, a distância mínima que um predador

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consegue se aproximar de sua presa antes que essa inicie uma resposta de escape é chamada de distância de fuga (Rocha et al., 2009). Com base em estudo sobre dieta da Maria-farinha, a alta taxa de estômagos vazios sugere que a obtenção de comida fora das tocas pode envolver alto risco de predação (Branco et al., 2010). No mesmo estudo, a taxa de estômagos vazios foi maior em juvenis que em adultos, o que pode sugerir que os últimos se arriscam mais por ter mais experiência. Cabe ressaltar que indivíduos maiores são mais agressivos e têm maior habilidade de defesa, pois possuem quelas maiores e as utilizam em comportamentos agonísticos (Branco et al., 2010). Diante do apresentado, esse estudo teve como objetivo verificar o comportamento de caranguejo Maria-farinha, Ocypode quadrata, quanto à aproximação de pessoas, testando a hipótese de que os caranguejos maiores permitiriam uma menor distância de fuga, visto que possuem uma maior vivência ou experiência adquirida, além de ter uma maior habilidade de defesa. Além disso, testamos se os indivíduos mais experientes saem mais rapidamente da toca quando estimulados por terem uma resposta sensorial mais acurada. Métodos Área de estudo

O estudo foi realizado na praia do Matadeiro, Florianópolis-SC entre as coordenadas 27°45'01"S e 48°29'59"O. Esta praia possui baixa inclinação onde prevalecem areias finas, o que a caracteriza como uma praia dissipativa, de baixa energia, com predominância de ondas com menor força na zona de arrebentação. Coleta de dados

A coleta de dados foi realizada em toda a extensão da praia do Matadeiro, durante 4 h (7:00-11:00 am) do dia 18 de outubro de

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2013. O céu estava nublado, com garoa, e foram observadas poucas pessoas utilizando a praia. Para observar a resposta comportamental dos caranguejos em relação à presença humana, colocamos uma isca de sardinha enlatada de aproximadamente 10g a 3 cm da borda da toca, como estratégia para atrair o Ocypode quadrata. Em seguida, o observador posicionou-se a 5 m da entrada da toca, onde permanecia observando por até 10 min. Durante a observação, anotamos o tempo que cada indivíduo levava para sair da toca (tempo de surgimento) e, caso permanecesse parado por 30s, o observador tentava, cautelosamente, aproximar-se do caranguejo no intuito de medir a distância de aproximação permitida até acontecer a fuga (resposta de fuga). Além desses dados, anotava-se diâmetro da toca, utilizado como um parâmetro que representa o tamanho dos indivíduos (Wolcott, 1978; Alberto & Fontoura, 1999; Fisher & Tevesz, 2005; Turra et al., 2005). Análise de dados

Para analisar os dados, foi realizado o teste de Levene visando testar a homocedasticidade dos dados e o teste de Kolmogorov-Smirnov para verificar se os dados possuíam uma distribuição normal.

Comparou-se a resposta de fuga e o tempo de surgimento entre duas classes de tamanhos (caranguejos pequenos com tocas menores que 1cm e grandes com tocas de mais de 2,5 cm) por teste-t independente. Além disso, foi feita correlação entre o tempo de surgimento e diâmetro da toca, e resposta de fuga e diâmetro da toca. Nas correlações, todos os dados foram utilizados. Resultados & Discussão Neste estudo, 62 tocas foram analisadas, das quais 23 pode-se observar indivíduos de Ocypode quadrata com sucesso. Alberto & Fontoura (1999) afirmam que os períodos de atividade desta

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espécie estão fortemente relacionados às condições ambientais, como temperatura, direção dos ventos e eventos de ressaca. Esse pequeno número de observações pode ser reflexo de uma baixa atividade dos indivíduos no dia da amostragem, uma vez que em temperaturas entre 16 e 18oC a Maria-farinha reduz sua mobilidade e atividade (Branco et al., 2010) e naquela manhã a temperatura ficou próxima a 16 oC. Não houve diferenças significativas entre as classes de tamanho tanto para o tempo de surgimento (Figura 1) frente ao estímulo (isca), quanto para a resposta de fuga com a aproximação humana (Figura 2). Desta forma, os indivíduos de tamanhos distintos não apresentaram respostas diferentes quanto aos comportamentos de aproximação e fuga.

0

100

200

300

Grandes Pequenos

Tem

po

de

su

rgim

en

to (

s)

Figura 1. Médias e desvio padrão do tempo de surgimento observado em indivíduos de diferentes classes de tamanho de Ocypode quadrata na praia do Matadeiro, SC).

p = 0,23; t = -1,24

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Figura 2. Médias e desvio padrão da resposta de fuga observado em Ocypode

quadrata de diferentes classes de tamanho na praia do Matadeiro, SC.

Ainda, a correlação foi fraca para o tempo de surgimento

dos caranguejos em relação aos seus tamanhos (diâmetro da toca) (Figura 3).

Figura 3. Correlação de Pearson para diâmetro da toca de indivíduos de Ocypode

quadrata e tempo de seu surgimento.

O mesmo foi encontrado para as variáveis diâmetro da toca

e distância de aproximação permitida antes de ocorrer a fuga (resposta de fuga) (Figura 4).

p = 0,80; t = 0,26

r=0,141; p=0,26

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Figura 4. Correlação de Peason para diâmetro da toca de indivíduos de Ocypode

quadrata e a menor distância de aproximação permitida antes de ocorrer a fuga.

Diante dos resultados, pode-se perceber que indivíduos

maiores (mais experientes) e indivíduos menores (menos experientes) não apresentam diferenças de comportamento, tanto para o tempo de surgimento após o estímulo (isca), quanto para a resposta de fuga frente à presença humana. Desta forma, as duas hipóteses iniciais desse trabalho foram rejeitadas, embora fizessem sentido inicialmente.

Caranguejos usam o olfato para detectar a disponibilidade de comida e, em experimento por indução em laboratório, Thacker (1996) mostrou que a preferência por determinados itens alimentares depende de experiências prévias, e essa preferência pode se alterar dependendo da abundância dos itens alimentares. Ainda, como Maria-farinha é um caranguejo generalista, possui maior fitness quando escolhe forragear diferentes tipos de comida (Thacker, 1996). Uma vez que peixes são alimentos abundantes em praias, possivelmente os espécimes deste caranguejo já possuíam experiência prévia com o tipo de isca utilizado independente do seu tamanho, sendo assim potencialmente atraídos de igual maneira.

A ausência de diferença no comportamento de surgimento de caranguejos grandes e pequenos com o estímulo da isca pode ser explicada pelo sistema olfatório (sensorial). Ainda que a morfologia do sistema olfatório de caranguejos mude conforme a ontogenia,

r=-0,149; p=0,74

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sua eficiência pode não mudar, uma vez que caranguejos jovens e adultos adotam estratégias olfatórias diferentes. Muitos crustáceos reconhecem quimicamente seu ambiente através do movimento de suas antenas por um fluído. Como a morfologia da antena muda conforme a idade do caranguejo, os adultos adotam movimentos mais rápidos, de forma a assimilar rapidamente o estímulo (Mead & Koehl, 2000). Em contrapartida, os juvenis adotam um movimento mais lento, entretanto conseguem captar uma maior quantidade de moléculas odoríferas (Mead & Koehl, 2000). Assim, apesar do movimento mais lento, seu sistema olfatório está dentro de uma faixa de sensibilidade onde é possível reconhecer mudanças no estímulo presente no fluido (Waldrop, 2013). Neste estudo,as moléculas odoríferas da isca de sardinha seriam o estímulo, que estão presentes no ar (fluido). Portanto, jovens e adultos, embora com estratégias diferentes, apresentam mecanismos eficientes para constatar a presença da isca e isso explicaria uma ausência de diferença no comportamento de surgimento de indivíduos de diferentes estágios ontogenéticos.

Neste trabalho, todos os indivíduos amostrados apresentaram comportamento de fuga, mas não existiu efeito do tamanho (experiência) do caranguejo nessa resposta. Ximenes (2011), em Peruíbe, SP, também não encontrou relação entre o tamanho corpóreo de Maria-farinha e seu comportamento de fuga. Provavelmente, a fuga em O. quadrata tem maior relação com o sistema sensorial do que com o aprendizado e, ainda que esse sistema não seja semelhante entre jovens e adultos, pode ter eficiência similar. A fuga, tanto em jovens quanto em adultos, mostra-se como um instinto, que é um padrão de comportamento que aparece de forma funcional desde a primeira experiência (Alcock, 1942), sem que seja necessário um aprendizado. Dessa forma, acredita-se que a pressão seletiva nesse comportamento de fuga exerce fator extremamente importante e deve ser geneticamente determinada.

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Agradecimentos

Agradecemos à FLORAM, à direção do Parque Municipal da Lagoa do Peri e a seus funcionários pelo suporte e acolhimento durante nossa pesquisa. Também agradecemos ao professor Renato Freitas, orientador deste trabalho. Bibliografia Alcock, J. Animal behavior: on evolutionary approach.9 ed. Sianuer

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ECOSSISTEMAS TERRESTRES

Ecossistemas Terrestres

Foto: Moacyr Batilani-Filho

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Influência da presença de espinhos em ramets de Smilax

campestris (Smilacaceae) e dureza foliar no consumo de suas partes vegetativas por herbívoros na Lagoa do Peri,

Florianópolis, Brasil

Zanette-Silva, L., Ávila, J.V.C., Paitach, R. L., Faveri, S.B.

Introdução O consumo de partes não reprodutivas das plantas, como folhas, por animais e/ou patógenos é o que define a herbivoria (Mello, 2007). Essa perda de tecidos vegetais pode afetar o crescimento, a reprodução e a sobrevivência da planta (Crawley, 1989). Geralmente, há uma resposta das plantas frente à herbivoria, a qual é espécie-específica, e depende tanto dos custos gerados pela herbivoria quanto dos custos desprendidos em proteção dos tecidos (Zuluaga et al., 2013).

Essa resposta das plantas, também conhecida como defesa, inclui diversas estratégias e evoluiu dentro de um contexto ecológico muito vasto, onde se leva em conta os predadores, os parasitas e seus efeitos na interação inseto-planta (Barone & Coley, 2002). As formas em que as plantas se defendem contra herbivoria dividem-se em dois grupos: defesas químicas (metabólitos secundários) e defesas físicas. Neste último, são incluídos: tricomas, espinhos e dureza (Barone & Coley, 2002). Respectivamente, espinhos e tricomas dificultam a mastigação e o acesso dos herbívoros ao alimento (Gurevitch et al., 2009). Os compostos estruturais de folhas duras dificultam sua digestão e possuem baixa qualidade nutricional (Barbosa et al., 2010), sendo que a dureza é a forma de defesa física mais eficaz (Barone & Coley, 2002). Visto que plantas estressadas são mais suscetíveis à herbivoria (Crawley, 1989), estudos sobre essa interação em plantas de restinga são importantes, pois este é um ambiente com fatores abióticos bastante extremos. O solo possui textura arenosa, sendo comumente seco, pouco fértil (Souza & Capellari, 2004) e seu

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desenvolvido é precário (Falkenberg, 1999). Ademais, a Restinga possui elevado aporte de iluminação solar, o que amplia os efeitos térmicos (Rocha, 2000), além de ser um ambiente bastante salino (Silva et al., 2000).

Ao levar em consideração o estresse em plantas presentes na Restinga e as diferentes estratégias de proteção contra herbivoria, percebe-se que a espécie Smilax camprestris Griseb. é um bom modelo de estudo, visto que é amplamente distribuída nas Restingas (Bento et al., 2006), além de possuir emergências espiniformes (Soares, 2010) que possuem distribuição variada nos ramets em suas populações. Desta forma, são objetivos deste trabalho determinar a proporção de ramets com espinhos e sem espinhos na população de S. campestris, bem como verificar se a presença de espinhos influencia na dureza e área foliar consumida. Outro objetivo desse trabalho é verificar se a presença de espinhos e a dureza das folhas, conjuntamente, podem influenciar no consumo da área foliar por herbívoros, testando a hipótese de que ambas as características irão minimizar a área foliar consumida, já que podem ser consideradas estratégias de defesa das plantas. Métodos Área de estudo

O estudo foi realizado dia 21 de outubro de 2013, em área de Restinga localizada nas bordas da trilha da Figueira, na Lagoa do Peri, Florianópolis, Brasil (27°43’09.78”S; 48°30’32.44”O). Coleta de Dados Para determinar a proporção de ramets com espinhos na população de S. camprestris, foram estabelecidas nove parcelas de dois metros de largura e cinco metros de comprimento cada, equidistantes quinze metros uma da outra. Em cada parcela, foram contados todos os ramets com ou sem espinhos.

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Ademais vinte ramets foram coletados com distância mínima de quinze metros entre si para verificar o nível de herbivoria de suas folhas (Figura 1). Destes, onze possuíam espinhos e nove não os possuíam. Cada ramet foi individualizado e, posteriormente, foram retiradas aleatoriamente 10 folhas de cada um. A herbivoria de cada folha foi obtida através do método da estimativa visual.

Figura 1. Folhas herbivoradas de Smilax campestris coletadas na restinga do Parque Municipal da Lagoa da Peri, Florianópolis, SC.

Em seguida, foi calculado para cada ramet o índice de herbivoria (IH) (Dirzo & Dominguez, 1995), calculado a partir da fórmula: IH= ∑(ni ) i/ N, onde i = categoria de herbivoria, ni = número de folhas na categoria de dano i e N= número total de folhas analisadas. As categorias de dano correspondem a intervalos de porcentagem de dano, como mostrado na Tabela 1.

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Tabela 1. Categorias de herbivoria de acordo com Dirzo e Dominguez (1995).

Categoria (i) % área foliar consumida

0 0

1 >0 <6

2 >6<12

3 >12<25

4 >25>50

5 >50

Ainda, para cada uma dessa folhas foi medida a dureza

através de um penetrômetro. Análises Estatísticas Foi realizado um teste U para determinar se há diferenças na proporção de ramets com e sem espinhos na população estudada. Para constatar se a herbivoria e a dureza se alteraram devido a presença de espinhos foi utilizados teste-t. Ademais, foi feita uma análise de covariância para ver se a herbivoria poderia se alterar devido a presença de espinhos e a dureza, conjuntamente, uma vez que a dureza pode atuar como uma co-variável influenciando no índice de herbivoria entre ramets com e sem espinhos. As análises estatísticas foram feitas no programa estatístico R. Resultados & Discussão Em relação à proporção de ramets com e sem espinhos na população de S. campestris, encontramos 151 ramets com e 500 ramets sem espinhos nas nove parcelas (Tabela 2).

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Tabela 2. Número de ramets de Smilax campestris, com e sem espinhos, encontrados na restinga da Lagoa do Peri.

Parcela

Número de ramets

Com espinhos Sem espinhos

1 10 2

2 13 1

3 29 1

4 4 14

5 25 4

6 41 5

7 20 159

8 2 4

9 7 310

Total 151 500

Ainda que tenha sido observado um maior valor absoluto de ramets sem espinhos na população de S. campestris, não foi possível perceber uma prevalência de ramets com ou sem espinhos nas parcelas (U=28,5; p=0,28). Uma explicação para este fato é que a restinga é um ambiente bastante heterogêneo e as parcelas foram feitas em áreas distintas, dessa forma, ora foi encontrado maior número de ramets com espinhos, ora sem (Figura 2).

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Figura 2. Box-plot dos valores máximos, mínimos e mediana de ramets com espinhos e sem espinhos.

Através de observações pessoais, verificamos que em locais que a vegetação possuía maior adensamento, os ramets eram mais abundantes e sem espinhos (parcela 7 e 9), enquanto que em lugares em que o adensamento era menor os ramets eram mais abundantes e sua maioria possuía espinhos. Segundo Barone & Coley (2002), a abundância dos indivíduos (no caso, ramets) e a vegetação de entorno pode interferir na herbivoria das folhas. Contudo, tanto o índice de herbivoria quanto a dureza não diferiram entre os tratamentos, sendo que a média do índice de herbivoria em folhas de ramets com espinhos foi de 1,77±0,72, enquanto que para folhas de ramets sem espinhos, foi de 1,34±0,78 (t=1,274; p=0,21) (Figura 3).

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Figura 3. Gráfico de dispersão de pontos dos índices de herbivoria calculados para folhas de cada ramet com (CE) e sem espinhos (SE).

Já para a dureza, os valores foram 166,20±77,90 para folhas de ramets com espinhos e 185,37±37,71 para folhas de ramets sem (t=-0,640; p=0,530) (Figura 4).

Figura 4. Gráfico de dispersão de pontos da média da dureza calculada para folhas de cada ramet com (CE) e sem espinhos (SE).

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Mesmo quando a dureza foi considerada como co-variável dos tratamentos com e sem espinhos, não houve diferença significativa no índice de herbivoria (Tabela 3). Tabela 3. Valores obtidos através de análise de covariância, onde a dureza foi considerada uma co-variável que poderia influenciar no índice de herbivoria entre os tratamentos.

ANCOVA

SQ GL QM F P

Dureza 0,02 1 0,02 0,03 0,87

Categoria 1,22 1 1,22 2,04 0,17

Intercept 4,16 1 4,16 6,96 0,02

Error 9,56 16 0,6

Coley & Barone (2002) afirmam que tricomas formam uma barreira protetora contra os invertebrados, principalmente quando estão no estágio larval, já os espinhos se mostram mais eficazes contra os mamíferos. A herbivoria por mamíferos caracteriza-se pela a remoção de toda a área foliar. Desta maneira, em nosso trabalho, só medimos a herbivoria causada por invertebrados. Como espinhos são proteção contra mamíferos, é possível explicar que não houve diferenças entre os tratamentos visto que os espinhos não impedem que lagartas cheguem à esses ramets e se alimentem das folhas. Ainda, a presença de espinhos como estratégia de defesa contra herbívoros maiores também foi a explicação encontrada para a outras espécies vegetais presentes em restingas na Ilha de Santa Catarina (ex. Lenzi, 2008). Cabe ressaltar ainda que algumas espécies respondem morfologicamente com espinhos não só por indução à herbivoria, mas também por indução à estresse hídrico, visto que uma maior produção de espinhos reduz a evapotranspiração (Vasconcelos, 2009).

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Regras de montagem em uma comunidade de formigas ao longo do estrato vertical de uma floresta na Mata Atlântica

Valadares, K., Beirão, L., dos Santos, F., Batista, G., Riul, P., Rosumek, F.,

Oliveira-Santos., L.G.

Introdução Comunidades são conjuntos de populações de espécies que coexistem no espaço e no tempo. As variações espaciais e temporais na organização desses conjuntos é uma das questões mais intrigantes na Ecologia (Dunn et al., 2010). Os processos biológicos determinantes dos padrões observados ainda são fruto de fervorosa discussão. Dentre os processos envolvidos na montagem das comunidades, destacam-se a capacidade de estabelecimento das populações (Márquez & Kolasa, 2013), a tolerância às condições abióticas (Dunson & Travist, 1991) e as interações com outras populações (Chase & Leibold, 2003). Regras de montagem são o resultado de um conjunto de processos que gera padrões não aleatórios na estrutura das comunidades em um ponto no espaço e no tempo (Drake et al., 1999; Keddy & Weiher, 1999). Uma nova comunidade é formada em função dos diferentes filtros ambientais e biológicos que as espécies sofrem (Fox & Brown, 1993), que podem ser determinísticos ou estocásticos (Marquéz & Kolasa, 2013). Adicionando complexidade ao sistema, os processos (Meynard et al., 2011) e as interações entre eles (Márquez & Kolasa, 2013) podem afetar os diferentes componentes filogenéticos, funcionais e taxonômicos das comunidades (Devictor et al., 2010; Mouillot et al., 2011). Essas comunidades podem ser descritas do ponto de vista taxonômico a partir da composição de espécies. Uma análise comparativa dessa composição pode revelar padrões espaço-temporais associados a diferentes fatores de montagem (Pillar, 2004 apud Lewinsohn et al., 2006). As formigas possuem diversas funções ecológicas, elas

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podem ser predadoras, presas, detritívoras e apresentarem relações mutualísticas com plantas (Davidson 1997 apud Widodo et al., 2004). Essa gama de características ecológicas presentes no grupo as habilitam como um útil modelo para estudos ecológicos rápidos sobre mudanças comunitárias (Dunn et al., 2010). A distribuição das espécies de formigas dentro da comunidade é influenciada pela distribuição dos recursos e pelas estratégias para sua obtenção (Fowler et al., 1991 apud Battiolla et al., 2005). Battiolla e colaboradores (2005) afirmaram que a dominância entre formigas pode ser devida à forma com que esses organismos têm colonizado o meio terrestre, de maneira a exercer diversas funções ecológicas, mantendo estreitas associações com outros táxons (Cuezzo, 1998; Delabie, 2001; Fowler et al., 1991 apud Battiolla et al., 2005; Hölldobler & Wilson, 1990; Tobin, 1995 apud Battiolla, 2005). Levando em consideração que a heterogeneidade do habitat, a interação entre as espécies e o acaso (eventos estocásticos de extinção e colonização) podem guiar a formação das comunidades, nós levantamos três diferentes hipóteses para testar a estruturação da comunidade de formigas ao longo da estratificação da floresta (Figura 1). A primeira hipótese prevê que a montagem da comunidade de formigas seria estruturada como mosaicos, sendo guiada principalmente por relações interespecíficas de dominância. A segunda hipótese prediz uma montagem da comunidade em gradiente, na qual fatores abióticos direcionariam a substituição gradual ou abrupta de espécies. Por último, a terceira hipótese pressupõe que a comunidade de formigas apresenta um padrão de aninhamento, guiada por contingentes de colonização e extinção de espécies, onde locais menos ricos em espécies são formados por subconjuntos daqueles mais ricos.

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Figura 1. Hipóteses de montagem das comunidades de formigas.

Métodos Área de estudo e coleta de dados Nós seguimos a metodologia de Oliveira-Santos e colaboradores (2009) para amostrar a comunidade de formigas de dossel. As armadilhas foram confeccionadas com dois recipientes de plástico de tamanhos diferentes, sendo o menor (diâmetro = 4 cm e altura = 4 cm; copinho de café) colado com cola quente no fundo do maior (diâmetro = 10 cm e altura = 10 cm; fundo de garrafa descartável de dois litros) (Figura 2A). Após a colagem, foram feitas quatro perfurações na borda do recipiente maior (Figura 2B) para a colocação de duas alças de barbante unidas por meio de um nó para permitir sua sustentação (Figura 2C e Figura 2D). Para erguer a armadilha, nós lançamos um barbante com um lastro em sua extremidade (garrafa plástica de 300 ml com água).

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Figura 2. Metodologia para confecção e armação das armadilhas na área de dossel das árvores. (Oliveira et al., 2009).

As armadilhas foram colocadas em árvores de altura similar, ao longo da trilha florestada do Saquinho, localizada na porção norte do Parque Municipal Lagoa do Peri, em Florianópolis- SC. Mantivemos uma distância mínima de 20 m entre árvores amostradas. Cada árvore foi amostrada com duas armadilhas no solo, uma armadilha amarrada com barbante à altura de aproximadamente 1.5 m, e duas no dossel. Após três horas e meia, as armadilhas foram coletadas e levadas em laboratório para a triagem e determinação das espécies. As espécies foram analisadas com auxílio de lupa. Análises estatísticas Três diferentes análises foram realizadas para verificar qual das três hipóteses melhor se ajustou aos dados observados. Para verificar diferenças entre as comunidades de formigas presentes nos diferentes estratos verticais da floresta, nós utilizamos a técnica de Escalonamento Multidimensional Monotômico (MDS) em duas

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dimensões a partir de uma matriz de similaridade de Bray-Curtis. Cada armadilha foi considerada como réplica. Os eixos do MDS foram correlacionados com as abundâncias observadas de cada espécie através de correlações de Spearman para verificar quais espécies mais influenciaram a ordenação da comunidade. Após isso, foi realizada uma análise de gradiente direto para verificar se a comunidade seguia um padrão de montagem em substituição de espécies, e uma análise de aninhamento para verificar se a comunidade seguia um padrão de montagem em aninhamento taxonômico. A decisão por qual hipótese melhor se ajustou aos dados foi realizada por inspeção gráfica dos resultados comparados com os gráficos das hipóteses (Figura 1). Todas as análises foram realizadas no programa R. Resultados No total, foram encontradas vinte e duas espécies de formiga (Tabela 1), 15 da subfamília Myrmicinae (Crematogaster sp1, sp2, Pheidole sp1, sp2, sp3, sp4, sp5, sp6, sp7, Solenopsis sp1, sp2, sp3, Tetramorium sp1, Wasmania afinis/lutzi, Wasmania auropunctata), duas espécies de Dolichoderinae (Linepithema leucomelas, Tapinoma atriceps), duas de Ponerinae (Neoponera striata*, Odontomachus chelifer) e uma de Formicinae (Bracmyrmex sp1). A riqueza no dossel variou de 0 a 3 espécies, no tronco 0 a 3, solo 1 a 2, por amostra. A composição de espécies das amostras de solo foi mais homogênea do que a composição de espécies encontradas nos troncos e no dossel (Figura 3). A heterogeneidade das amostras do dossel ocorreu principalmente devido à presença de espécies únicas, como Crematogaster sp2, Wasmania auropunctata, Solenopsis sp1, Pheidole sp4, Pheidole sp5, Procriptocerus sp1 e Linepthema leucomelas.

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Figura 3. Ordenação das amostras obtida por Escalonamento Multidimensional Monotômico. As setas indicam as espécies que mais influenciaram a ordenação.

A análise de gradiente sugeriu que a comunidade de formigas seguiu um padrão gradual de substituição de espécies (Figura 4). Três espécies foram exclusivas do dossel (Pheiloide sp4, Tetramorium sp1, Bracmyrmex sp1) e oito espécies foram únicas do solo (Solenopsis sp3, Odontomachus chelifer, Tapinoma atriceps, Pseudomyrmex sp1, Pheidole sp6, Neoponera striata, Crematogaster sp1, Pheidole sp1). Onze espécies ocorreram em solo e dossel. O tronco não apresentou nenhuma espécie exclusiva, sendo que todas as espécies presentes nos tronco estavam-nos outros dois estratos.

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Figura 4. Gradiente de espécies relacionado aos estratos.

A análise de aninhamento indicou que não existe padrão de aninhamento na composição de espécies de formigas (Figura 5). O valor estimado de aninhamento esteve dentro do intervalo de 95% dos aninhamentos estimados pelo modelo nulo.

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Figura 5. Análise de aninhamento das espécies relacionadas aos diferentes amostras.

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Figura 6. Distribuição de frequência dos valores de aninhamento (NODF) resultantes de 1000 simulações. A linha contínua representa o valor de aninhamento calculado, linhas pontilhadas delimitam 95% dos aninhamentos nulos.

Discussão A composição da comunidade foi dominada por espécies generalistas pertencentes à subfamília Mymercinae. Em um estudo em Santa Catarina, Silva & Silvestre (2004) registraram 113 espécies. Embora, a riqueza seja maior que o observado neste estudo, provavelmente devido ao tempo de amostragem, a subfamília mais rica em espécie foi Myrmicinae assim como observado no presente trabalho. As árvores amostradas pertenciam a diferentes espécies não identificadas e possuíam diversas alturas. Além disso, o experimento foi realizado ao longo de uma única trilha. Essas

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heterogeneidades no dossel e nos troncos, além da escala espacial reduzida, podem refletir uma diferente configuração na formação da comunidade de formigas amostrada. Sabe-se que diferenças na estrutura da vegetação causadas por perturbações ambientais promovem alterações significativas em comunidades de artrópodes, alterando a riqueza de espécies de uma determinada região (Loyola et al., 2006). Futuros estudos poderiam demonstrar a variação na composição de espécies em comunidades com fitofisionomias similares, ou ainda, em árvores da mesma espécie. As formigas que se pretendia amostrar são animais diurnos ou crepusculares. O dia amostragem foi atípico, com pouco sol, frio e incidência de vento, o que ocasionou a captura de uma quantidade menor de indivíduos do que o esperado. As iscas utilizadas foram apenas sardinha, o que atrai preferencialmente formigas onívoras. Além disso, foi colocada apenas uma armadilha no tronco. Tudo isso pôde ocasionar a reduzida taxa de captura de indivíduos neste estrato. De maneira geral, a cobertura vegetal pode criar vários tipos de substratos, os quais são utilizados diferentemente por diversas espécies. Moldenke (1975) mostrou que comunidades de plantas que são espacialmente próximas, mas exibem diferentes estruturas de vegetação têm fauna de abellhas distintas, e também que, comunidades geograficamente distantes, mas com estrutura fisionômica parecida, também são muito similares em composição de espécies. Outros estudos demonstraram que há uma imensa variação na composição de comunidades de invertebrados ao longo de habitats muito similares e que se encontram próximos espacialmente também pode ser encontrada (Herrera, 1988 apud Loyola, 2007; Minckley et al., 1999 apud Loyola, 2007; Williams et al., 2001 apud Loyola, 2007). O gradiente observado indica que solo e o dossel diferem na composição de espécies. O dossel e o solo de florestas tropicais diferem em estrutura física, disponibilidade de recurso e condições abióticas formando um gradiente ambiental que influencia na estrutura de comunidades de formigas. Essa estratificação vertical pode fazer com que as espécies explorem diferentes recursos,

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reduzindo a competição e ampliando o número de espécies que podem coexistir em um mesmo local (Tobin, 1997 apud Campos et al., 2008). Neste estudo encontramos uma fauna de Formicidae mais homogênea no solo, comparando-se com o dossel, que apresentou composição mais heterogênea. Os troncos apresentaram uma composição de espécies também nos outros dois estratos. Acredita-se que isso seja devido ao fato de os troncos se caracterizarem como um ambiente de transição, intermediário entre o solo e o dossel. Apesar de possuir menor riqueza, os troncos possuíam um subconjunto de espécies presentes nos outros dois estratos. Campos e colaboradores (2008) afirmamaram que as formigas são abundantes no solo e se distribuem em todos os estratos da vegetação. Em hábitats de mata, a fauna de formigas se distribui em três estratos bem definidos: solo, sub-bosque e dossel (Itino & Yamane, 1995 apud Campos et al., 2008; Bruhl et al., 1998 apud Campos et al., 2008) e em cada um desses estratos, parece existir uma fauna bem diferenciada (Bruhl et al., 1998 apud Campos et al., 2008). Há uma grande heterogeneidade entre as espécies de formigas encontradas no dossel. Esta baixa similaridade entre árvores pode ser um reflexo de adaptações a este ambiente tridimensional, em que há várias desvantagens, como sítios limitados de nidificação e fontes de alimento, além do clima mais seco (Adis et al., 1984 apud Dejean, 2003; Wilson, 1987 apud Dejean, 2003; Stork, 1991 apud Dejean, 2003; Davidson & Patrell-Kim, 1996 apud Dejean, 2003; Davidson, 1997 apud Dejean, 2003; Floren & Linsenmair, 1997 apud Dejean, 2003; Yanoviak & Kaspari, 2000 apud Dejean, 2003). As que são encontradas em copas de árvores são espécies dominantes, como uma maior territoritoriedade intra e interespecífica (Dejean, 2003), como consequência de seu comportamento se distribuem em padrão de mosaicos tridimensionais (Leston, 1973 apud Dejean, 2003). A heterogeneidade estrutural e a disponibilidade de recurso são os principais processos que mantém a riqueza nas comunidades

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de formigas (Rojas & Fragoso, 2000 apud Ribas & Schoereder, 2007; Bestelmeyer & Wiens, 2001 apud Ribas & Schoereder, 2007; Ribas et al., 2003 apud Ribas & Schoereder, 2007; Armbrecht et al., 2005 apud Ribas & Schoereder, 2007). A diversidade e densidade de árvores podem representar maior quantidade ou variedade de recursos, locais para alimentação ou nidificação e, consequentemente, pode determinar quais espécies de formigas ocorrerão em determinado habitat (Fonseca & Ganade, 1996 apud Ribas & Schoereder, 2007; Yu & Davidson, 1997 apud Ribas & Schoereder, 2007; Fonseca, 199 apud Ribas & Schoereder, 2007; Bluthgen et al., 2000 apud Ribas & Schoereder, 2007; Ribas et al., 2003 apud Ribas & Schoereder, 2007). Estudos mais recentes mostraram uma correlação positiva entre a complexidade e distúrbios em ambientes naturais habitats e a diversidade de vespas (Gardner et al., 1995 apud Loyola, 2007) e outros invertebrados (Loyola et al., 2006). A relação positiva entre a riqueza de formigas e a complexidade estrutural dos ambientes tem sido amplamente sugerida (Leal et al., 1993; Marinho et al., 2002). Isso ocorre porque habitats mais heterogêneos disponibilizam maior variedade de sítios para nidificação, alimento, microclimas e interações interespecíficas (competição, predação, mutualismo) para as formigas se estabelecerem (Benson & Harada, 1988; Hölldobler & Wilson, 1990; Reyes-Lopes et al., 2003) do que habitats menos complexos. Agradecimentos Agradecemos ao Parque Municipal da Lagoa do Peri, pelo oferecimento de infraestrutura para a realização deste trabalho. Bibliografia Battiolla, L.D., Marques, M.I., Adis, J. & Delabie, J. H. C. 2005. Composição

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Ecologia de campo: abordagens no mar, na terra e em águas continentais PPG Ecologia UFSC 2013

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Apêndice Tabela 1. Lista de espécies encontradas nos diferentes estratos. Os números indicam a quantidade de árvores onde foi encontrada cada espécie.

Espécies Estrato

Solo tronco Dossel

Bracmyrmex sp1 0 0 1

Crematogaster sp1 2 0 0

Crematogaster sp2 7 2 2

Linepthema leucomelas 1 0 2

Neoponera striata 2 0 0

Odontomachus chelifer 1 0 0

Pheidole sp1 2 0 0

Pheidole sp2 6 1 2

Pheidole sp3 6 1 1

Pheidole sp4 0 0 1

Pheidole sp5 1 0 2

Pheidole sp6 1 0 0

Pheidole sp7 2 0 1

Procriptocerus sp1 1 0 1

Pseudomyrmex sp1 1 0 0

Solenopsis sp2 2 0 1

Solenopsis sp3 1 0 0

Solenopsis sp1 3 0 2

Tapinoma atriceps 1 0 0

Tetramorium sp1 0 0 1

Wasmania afinis/lutzi 1 1 0

Wasmania auropunctata 1 1 2

N 11 11 11

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Eficiência de escarabeíneos tuneleiros e roladores na remoção de fezes de mamíferos em Floresta Ombrófila

Densa

Batilani-Filho, M., Batista, M., Romeu, B., Becker, E., Hernández, M.I.M., Favila, M.E.

Introdução

Os insetos da subfamília Scarabaeinae (Coleoptera: Scarabaeidae) agrupam os besouros detritívoros que são popularmente conhecidos como “rola-bosta”. Este nome é devido ao comportamento de algumas espécies que formam bolas com o recurso alimentar, as quais são enterradas a certa distância da fonte, em túneis de nidificação (Halffter & Edmonds, 1982). Este comportamento está diretamente associado ao grupo funcional telecoprídeo, também chamados de roladores. Os escarabeíneos podem ainda apresentar outros dois tipos de comportamento quanto à alocação do recurso alimentar: os que enterram o recurso imediatamente abaixo da fonte são classificados como paracoprídeos, ou tuneleiros, os que utilizam o recurso diretamente na fonte são classificados como endocoprídeos ou residentes (Halffter & Edmonds, 1982). A dinâmica do uso dos recursos alimentares efetuada pelos escarabeíneos está associada a várias funções ecológicas desempenhadas por este grupo (Halffter & Edmonds, 1982; Mittal, 1993; Andresen, 2003; Nichols et al., 2008). Estes insetos contribuem com a decomposição de matéria orgânica e a ciclagem de nutrientes ao utilizar principalmente excrementos, carcaças e frutos em decomposição como recurso alimentar e os alocarem em galerias de nidificação (Halffter & Edmonds, 1982; Amézquita & Favila, 2010). Estudos sobre esta dinâmica têm demonstrado que os escarabeíneos apresentam preferências por determinados tipos de fezes (Matthews, 1972; Hanski & Cambefort, 1991; Hill, 1996;

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Estrada et al., 1999; Vernes et al., 2005; Amézquita & Favila, 2010; Farias et al., 2013). Neste contexto, nosso estudo tem o objetivo de testar a hipótese de que existe diferença na quantidade de fezes removidas pelos escarabeíneos em função do mamífero que fornece as fezes (carnívoro ou onívoro), uma vez que eles apresentam graus de preferência de acordo com a origem do recurso. Além disso, buscamos testar a hipótese de que os grupos funcionais, tuneleiros e roladores, diferem na eficiência de remoção. Métodos Área de Estudo O estudo foi realizado no Parque Municipal da Lagoa do Peri (27⁰ 43’ 05,62”S; 48⁰ 30’ 49,93”W) ao longo da Trilha do Saquinho, na porção Norte do parque, em outubro de 2013. Neste trecho foram escolhidos três sítios amostrais espaçados por 100 m aproximadamente. Desenho Amostral Em cada um dos três sítios amostrais foram enterrados quatro recipientes plásticos de 9 L a uma profundidade aproximada de 20 cm, totalizando 12 unidades amostrais. Estes recipientes foram enterrados a uma distância de 5 m entre si e foram preenchidos com solo e iscados com 50 g de fezes coradas de azul (corante artificial para fins alimentícios, inodoro, cor azul, marca Mago®) para facilitar a identificação do material processado. A preferência por remoção foi avaliada com quatro diferentes tipos de iscas por sítio de coletas, estas foram distribuídas aleatoriamente em cada um dos sítios. Fezes de quatro espécies de mamíferos foram avaliadas quanto à preferência de remoção: Canis lupus familiaris (cachorro doméstico), Chrysocyon brachyurus (lobo-guará), Sapajus sp. (macaco-prego) e Puma concolor (puma). As

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fezes dos animais selvagens foram cedidas pelo Zoológico de Pomerode, SC. Após sete dias, o material restante na superfície foi separado entre não processado e processado por roladores. Uma vez que este grupo funcional faz bolas com as fezes, estas bolinhas foram consideradas como sendo material processado por roladores. Por sua vez, o material no interior do solo foi considerado como sendo material processado por tuneleiros, uma vez que este grupo funcional enterra o recurso sem processa-lo no formato de bolas ninhos. As três categorias de material encontrado (não processado, processado por roladores e processado por tuneleiros) foram pesadas. Análise de Dados A média de remoção foi obtida através da diferença do peso inicial das fezes fornecidas (50 g) e do peso de material não processado encontrado na superfície e a eficiência entre os grupos foi obtida através da diferença entre a média de material processado por roladores e material processado por tuneleiros. Foi realizada uma análise de variância para avaliar o efeito dos tratamentos (fezes de cachorro doméstico, lobo-guará, macaco-prego e puma), sobre a quantidade removida pelos escarabeíneos. Os dados foram analisados quanto à distribuição dos resíduos através dos testes de Shapiro Wilk e Kolmogorov Smirnov. A homogeneidade dos resíduos foi avaliada através do teste de Flinger Killeen, utilizado por ser um teste não paramétrico não sensível aos valores outliers, como ocorre com o teste de Bartlett (Crawly, 2007). A diferença entre as médias de remoção por tipo de fezes foi comparada par a par com o teste pos-hoc de Tukey. A eficiência de remoção entre os grupos funcionais de escarabeíneos (roladores e tuneleiros) foi avaliada através do teste t para médias pareadas.

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Resultados A remoção média das fezes dos diferentes mamíferos [Canis lupus familiaris (cachorro doméstico) 47,4 g ± 2,9 g; Chrysocyon brachyurus (lobo-guará) 49,4 g ± 0,8 g; Sapajus sp. (macaco-prego) 44,1 g ± 6,4 g; Puma concolor (puma) 20,9 g ± 0,9 g] apresentou diferença significativa (F(3,8) = 19.642, p = 0.00048) entre elas (Figura 1). Os resíduos tiveram uma distribuição normal (teste de Shapiro p = 0.169, teste de Kolmogorov Smirnov p = 0.402), os resíduos também demonstraram homocedasticidade de variância (teste de Flingner Killeen: X2 = 1.163, gl = 3, p = 0.761).

Figura 1. Média (e desvio padrão) da remoção de fezes de mamíferos realizada por besouros Scarabaeinae após sete dias em Mata Atlântica. C. lupus familiaris (cachorro doméstico), C. brachyurus (lobo-guará), Sapajus sp. (macaco-prego) e P.

concolor (puma).

A comparação par a par, através do teste pos-hoc de Tukey, evidenciou que a remoção das fezes de puma foi significativamente menor em relação às demais (Figura 2).

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Figura 2. Teste pos-hoc de Tukey das médias de remoção das fezes de diferentes mamíferos realizada por besouros Scarabaeinae em Mata Atlântica. Cf - C. lupus

familiaris (cachorro doméstico), Cb - C. brachyurus (lobo-guará), S - Sapajus sp. (macaco-prego), Pc - P. concolor (puma).

A quantidade média de fezes removida por grupos funcionais de Sacarabaeinae foi significativamente diferente (t = 3.249, df = 11, p = 0.00775), sendo maior nos tuneleiros, que removem em média 5.08 g a mais que os roladores (Figura 3).

Figura 3. Média (e desvio padrão) da remoção de fezes de mamíferos realizada por besouros roladores e tuneleiros (Scarabaeinae) após sete dias em Mata Atlântica.

Discussão Os escarabeíneos coprófagos apresentam alguns graus de especificidade quanto ao recurso proveniente de diferentes tipos de

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mamíferos (Matthews, 1972; Hanski & Cambefort, 1991; Hill, 1996; Estrada et al., 1999; Vernes et al., 2005; Filgueiras et al., 2009; Farias et al., 2013). Essa preferência pode estar relacionada a processos de coevolução (Halffter & Matthews, 1966) e algumas espécies de escarabeíneos podem manter suas preferências ancestrais removendo muito mais rapidamente o recurso proveniente de espécies nativas (Amezquita & Favilla, 2010). Entretanto, em nosso estudo, as diferenças observadas na quantidade de fezes removidas podem estar relacionadas à qualidade do recurso. A qualidade das fezes dos mamíferos difere de acordo com o grupo trófico, sendo a eficiência de assimilação de onívoros e frugívoros menores do que em carnívoros, o que faz com que suas fezes tenham mais qualidade nutricional que a dos carnívoros (Begon et al., 2009). Neste sentido, não só a quantidade de espécies e de indivíduos atraídos por este tipo de recurso é maior (Filgueira et al., 2007; Farias et al., 2013), como a quantidade de material removido será maior, o que coincide com os nossos resultados, onde a remoção foi maior para fezes das espécies de mamíferos onívoros (cachorro, lobo e macaco-prego) comparadas com a remoção das fezes de carnívoros (puma). Quanto à capacidade ou eficiência na incorporação, esta pode estar relacionada ao tamanho corporal, biomassa, abundância e comportamento das espécies na alocação dos recursos (Hernández et al., 2011). O tamanho corporal e biomassa são características ecologicamente relevantes para os escarabeíneos, pois espécies com maior tamanho corporal como Dichotomius removem mais rapidamente o recurso do que espécies menores (Andresen, 2003; Anduaga, 2004). Em nosso estudo, a guilda de tuneleiros, que na área de estudo compreende Dichotomius sericeus como espécie mais abundante (Farias et al., 2013), foi a mais eficiente na remoção das fezes, o que pode estar associado ao seu tamanho, abundância e comportamento na alocação de recurso, uma vez que enterram o recurso imediatamente abaixo da fonte (Halffter & Edmonds, 1982).

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Por fim, nosso estudo confirma a hipótese de que os escarabeíneos diferem quanto à remoção de fezes de acordo com a origem do recurso. Sendo assim, os escarabeíneos utilizam preferencialmente os recursos alimentares que provém de mamíferos onívoros (cachorro, lobo e macaco-prego), o que pode se relacionar com a maior qualidade nutricional deste alimento. No entanto, as fezes de mamíferos carnívoros (puma), que podem apresentar menor qualidade nutricional, mesmo não sendo preferencialmente utilizadas pelos escarabeíneos pode ser um recurso secundário para estas espécies. Os resultados corroboraram também a hipótese de que os grupos funcionais de escarabeíneos apresentam diferenças quanto à eficiência de remoção e a maior quantidade removida pelos tuneleiros pode estar relacionada ao maior tamanho corporal e à grande abundância destes indivíduos. Agradecimentos Agradecemos ao Programa de Pós Graduação em Ecologia (UFSC), a Fundação Municipal de Meio Ambiente de Florianópolis (FLORAM), ao Zoológico de Pomerode e principalmente aos funcionários do Parque Municipal da Lagoa do Peri pelo apoio, acolhida e amizade. Bibliografia Amezquita, S. & Favila, R. 2010. Removal rates of native and exotic dung by

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Assimetria corporal de machos em interações competitivas por fêmeas de Canthon rutilans cyanescens

Paitach, R. L.; Zanette-Silva, L.; Ávila, J. C. A.; Weis, W.; Hernández, M. I. M;

Favila, M. E.

Introdução

A seleção sexual acontece quando membros do mesmo sexo de uma espécie competem pelo acesso aos indivíduos do sexo oposto para se reproduzir (Andersson, 1994). Na maioria das vezes os machos competem pelas fêmeas, sendo que compreender quais as preferências que envolvem uma escolha de parceiro tem sido um dos temas centrais para os estudos de seleção sexual (Krebs & Davies, 2008).

Darwin sugere que a seleção sexual pode favorecer a evolução de características usadas em combates entre membros do mesmo sexo ou de características que aumentam a atratividade de indivíduos para membros do sexo oposto, assim, em muitas instâncias, está claro que a escolha do parceiro pelas fêmeas influencia seu sucesso reprodutivo. Dessa maneira, seleções experimentais foram usadas para demonstrar que há uma relação genética entre características corporais e preferências sexuais, indicando que a evolução de características pode resultar de uma resposta evolutiva na preferência (Krebs & Davies, 2008).

As disputas entre indivíduos do mesmo sexo por um recurso podem ser simétricas, na qual ambos apresentam características semelhantes, ou assimétricas, onde alguns competidores podem apresentar características intrínsecas (condições fisiológicas), ou extrínsecas (experiências prévias), que diferem entre os competidores (Maynard Smith & Parker, 1976). Desta forma, os indivíduos possuem características intrínsecas e extrínsecas que determinam sua capacidade de combate para obter e manter recursos limitados (em inglês: “Resource Holding Power” ou RHP) (Maynard Smith & Parker, 1976; Nosil, 2002). Os combates têm um custo potencial devido ao gasto energético e danos físicos que possam ser sofridos por concorrentes (Briffa & Sneddon, 2007).

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Geralmente ambos os concorrentes têm a capacidade de avaliar o seu adversário e de acordo com as informações adquiridas, comparam suas RHP durante o combate. Assim, ambos os concorrentes podem tomar "decisões estratégicas" de acordo com as diferenças que eles avaliam no seu adversário (Maynard Smith & Parker, 1976; Hongo, 2003).

Em várias espécies animais foram reportados fatores que podem provocar assimetria no RHP dos indivíduos, como por exemplo, o status de proprietário inicial do recurso geralmente influi no resultado de um combate. Entretanto, os proprietários de um recurso têm maior probabilidade de ganhar quando também estão presentes outras assimetrias competitivas (Nosil, 2002, Kruse & Switzer, 2007). O tamanho do corpo é uma assimetria comumente correlacionada com o RHP, na qual os machos grandes tendem a ganhar em muitas espécies animais (Nosil, 2002; Uhl et al., 2005). O comportamento de algumas espécies de escarabeíneos, grupo também conhecido como besouros “rola-bosta”, envolve a formação de pelotas de matéria orgânica em decomposição, especialmente fezes de mamíferos, construídas e rodadas por machos e fêmeas sexualmente maduras, as quais necessitam do alimento para si e para a prole (Halffter & Edmonds, 1982). Os besouros encontram outros indivíduos de sua espécie ao redor de uma fonte de alimentação (fezes) ou em outros locais (Halffter & Matthews, 1966), sendo então atraídos por feromônios que os machos produzem para atrair às fêmeas com as quais vão nidificar (Favila, 2001; 2012). A atração sexual também pode ocorrer a curta distância, onde os machos atraem as fêmeas para as bolas que estão rodando, por essa estar impregnada de suas secreções abdominais e pigidiais (Bellés & Favila, 1983; Favila 1988). Uma vez que o macho tenha atraído uma fêmea, ele deixa de emitir feromônios e começa o reconhecimento sexual, que é fundamentalmente químico e acontece em alguns segundos (Favila, 2001; Ortiz-Domínguez et al., 2006). Para esse reconhecimento, os escarabeídeos aproximam cabeça com cabeça, estendendo as antenas e os palpos em constante movimento, havendo em alguns

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casos o toque das antenas na cutícula dos outros indivíduos. Apesar de ser uma troca rápida de informação esse período é o suficiente para que aconteça o reconhecimento sexual (Halffter & Edmonds, 1982). Quando indivíduos do mesmo sexo se encontram, eles combatem pelos recursos, mas se são indivíduos maduros do sexo oposto geralmente a fêmea sobe na bola de fezes e o macho a transporta sobre esta (Halffter & Matthews, 1966). A luta pelo alimento e também pela fêmea por organismos do mesmo sexo é comum entre os Scarabaeinae, onde os indivíduos sexualmente ativos combatem pela posse de uma bola de alimento durante o período reprodutivo. Os combates entre machos da mesma espécie podem ocorrer pela apropriação de um recurso, como a bola de alimento e a fêmea (Halffter & Edmonds, 1982).

Uma vez que um dos machos tenha vencido o combate, o vencedor assume um papel ativo de rodar a bola de alimento, em busca de um local para nidificar. Enquanto isso, a fêmea viaja passivamente em cima da bola de alimento, avaliando a qualidade potencial de seu companheiro por seu comportamento, pela atratividade da bola e pela qualidade de seus compostos cuticulares, os quais seriam indicadores de sua capacidade e experiência reprodutiva (Favila et al., 2012). O combate entre fêmeas também ocorre, em geral pela disputa de recursos alimentícios e territórios, os quais asseguram a postura de ovos e o posterior desenvolvimento das crias (Chamorro-Florescano, 2009).

O gênero de besouros Canthon é muito comum na América. Porém, existem poucos estudos com este grupo buscando compreender os fatores que determinam o resultado dos combates entre machos por bolas de alimentos e fêmeas (e.g. Chamorro-Florescano & Favila, 2008; Chamorro-Florescano et al., 2011). Os estudos desses autores com Canthon cyanellus cyanellus têm demonstrado que machos proprietários tendem a vencer em combates com machos invasores, mas os machos grandes tendem a ganhar em relação aos machos pequenos. Estudos recentes sugerem que o tamanho da fêmea também influi nos resultados dos combates entre os machos (Favila et al., 2012).

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A espécie Canthon rutilans cyanescens é comum em regiões de Mata Atlântica no sul do Brasil (Campos et al., 2011; Farias et al., 2013). Os indivíduos dessa espécie são diurnos, roladores e possuem o comprimento do corpo em torno de um centímetro (Oliveira et al., 2013). Em seu ciclo de vida, após formar um casulo, a larva sofre metamorfose completa, transformando-se em um adulto que não cresce mais. Assim, seu tamanho está relacionado a fatores genéticos e ao tamanho da bola de alimento que seus pais deixaram para seu desenvolvimento larval (Celi & Dávalos, 2001). Os indivíduos mostram uma grande variabilidade em seus tamanhos na fase adulta, de modo que podem estar sujeitos à seleção sexual (observação pessoal). Este trabalho teve como objetivo avaliar o comportamento competitivo entre machos de Canthon rutilans cyanescens em função de recursos alimentares e tamanho das fêmeas, tendo como hipótese que o sucesso em defender os recursos depende da propriedade dos mesmos, da diferença entre o tamanho dos rivais e da fêmea. Métodos Coleta de dados Os indivíduos foram coletados em cinco diferentes pontos na trilha do Saquinho, no Parque Municipal da Lagoa do Peri usando armadilhas do tipo pitfall, com terra no seu interior e iscadas com fezes de cachorro, as quais foram obtidas no biotério central da Universidade Federal de Santa Catarina. As armadilhas ficaram expostas durante uma semana em outubro de 2013. Os animais coletados foram sexados com o auxílio de uma lupa estereoscópica e classificados de acordo com o comprimento do seu corpo em dois grupos: grandes e pequenos. Além disso, foram construídas arenas com diâmetro de 10 cm. Essas arenas possuíam parede de cartolina (5 cm de altura) e em seu fundo havia

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papel filtro, de modo que houvesse maior atrito para que os animais pudessem rolar suas bolas.

Figura 1. Arenas construídas para observação do comportamento de besouros Canthon rutilans cyanescens. Bolas artificiais de alimento foram confeccionadas usando fezes de cachorros e farinha de trigo para absorver o excesso de umidade e conferir consistência para permitir que os besouros testados pudessem rodar as bolas. O diâmetro aproximado de cada bola artificial era de um centímetro, tamanho semelhante ao elaborado pelos besouros em condições naturais. As relações de tamanho analisadas nos combates entre machos proprietários, fêmeas e machos invasores estão na Tabela 1.

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Tabela 1. Tratamentos (Trat.) utilizados no estudo de combates entre machos proprietários de uma bola de alimento e uma fêmea e machos invasores de Canthon rutilans cyanescens. Tamanho dos indivíduos: P = pequeno; G = grande.

Os combates assimétricos são aqueles em que ao menos uma das letras é diferente.

Trat. Proprietário Invasor Fêmea Relação

Proprietário/Invasor

1 P G G Assimétrica

2 G P G Assimétrica

3 G G G Simétrica

4 P P G Assimétrica

5 P G P Assimétrica

6 G P P Assimétrica

7 G G P Assimétrica

8 P P P Simétrica

Em cada arena foram colocados uma bola, uma fêmea e um macho marcado com esmalte em seu pronoto. A marca não afeta o comportamento dos indivíduos (Favila, 1988). Após 10 minutos rolando a bola, os machos foram considerados proprietários (Chamorro Florescano et al., 2011; ou residentes sensu Dubois & Giraldeau, 2007). Após esse período era introduzido um segundo macho na arena, denominado de invasor, identificado com uma marca de esmalte no élitro. Um macho é considerado vencedor quando, passados dez minutos, tem a posse da bola e da fêmea enquanto o outro macho não combate mais pelo recurso (Chamorro-Florescano et al., 2011) (Figura 2).

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Figura 2. Exemplo de interação competitiva entre machos de Canthon rutilans

cyanescens. Um macho é considerado vencedor quando, passados dez minutos, tem a posse da bola e da fêmea, enquanto o outro macho não combate mais pelo recurso.

Análise de dados Foi realizado um modelo linear generalizado, com distribuição binomial, para avaliar o efeito dos tratamentos (combinações de tamanhos de machos proprietários, fêmeas e machos invasores), sobre a variável resposta baseado no macho proprietário (vencedor ou perdedor do combate). Devido aos poucos dados obtidos, se realizou um teste exato de Fisher para comparar alguns pares de combinações. Resultados & Discussão A partir das armadilhas, foram coletados 71 indivíduos de Canthon rutilans cyanescens. Cada uma das combinações do experimento (ver: Tabela 1) foi testada quatro vezes, totalizando 32 combates analisados.

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Quanto aos combates, o Modelo Linear Generalizado não detectou diferenças entre os tratamentos, o que pode ter ocorrido devido ao reduzido número de amostras (Tabela 2). Tabela 2. Resultados do Modelo Linear Generalizado com distribuição binomial para os diferentes tratamentos analisados. Os tratamentos (Trat.) estão apresentados na ordem “Macho proprietário – Macho invasor – Fêmea”, de acordo com o tamanho dos indivíduos (G: grande ou P: pequeno).

Trat. DP Estimado Erro Valor de z Pr(>|z|)

G-G-G -18.57 3261.32 -0.006 0.995

G-G-P 18.57 3261.32 0.006 0.995

G-P-G 18.57 3261.32 0.006 0.995

G-P-P 37.13 4612.20 0.008 0.994

P-G-G 18.57 3261.32 0.006 0.995

P-G-P 17.87 3261.32 0.005 0.996

P-P-G 19.26 3261.32 0.006 0.995

P-P-P 19.66 3261.32 0.006 0.995

Na relação assimétrica em que machos proprietários grandes que rolaram bolas de alimentos com fêmeas pequenas e enfrentaram invasores pequenos ganharam significativamente mais combates que os machos proprietários grandes que rolaram bolas de alimento com fêmeas grandes e enfrentaram machos invasores grandes (teste exato de Fisher: p = 0.028). Ao se testar o efeito do tamanho das fêmeas no resultado dos combates, machos proprietários grandes rolando bolas de alimento com fêmeas grandes e combatendo machos invasores grandes não ganharam significativamente mais combates que machos proprietários grandes rolando bolas de alimento com fêmeas pequenas e combatendo com machos invasores grandes (teste exato de Fisher: p = 0.428). Ao comparar os diferentes tratamentos simétricos, machos proprietários grandes rolando bolas de alimento com fêmeas grandes e combatendo com machos invasores grandes também não ganharam significativamente mais combates que machos

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proprietários pequenos rolando bolas de alimento com fêmeas pequenas e combatendo com machos invasores pequenos (teste exato de Fisher: p = 0.142). Com estes resultados, podemos observar que relações simétricas e assimétricas diferem entre si, sendo que o tamanho do macho competidor se mostrou mais relevante do que a relação do macho com o recurso (proprietário ou invasor). Isso corrobora parte do que foi observado por Chamorro-Florescano (2009), onde tanto indivíduos maiores quanto proprietários apresentaram maior probabilidade de ganhar quando estão em relações assimétricas. Já foi observado que o macho avalia e prefere fêmeas maiores, o que pode estar associado à capacidade reprodutiva da mesma. Tendo em vista que fêmeas menores tenderão a transmitir à prole menor capacidade, tanto para a obtenção de alimento quanto para as relações antagônicas que envolvem o ato reprodutivo, uma vez que estas atividades demandam alto gasto energético (Favila, 1988; Chamorro-Florescano, 2009). Besouros também podem variar seu comportamento competitivo em relação ao estado de desenvolvimento gonadal e à experiência reprodutiva (Favila, 1988; Chamorro-Florescano, 2009), neste sentido, fêmeas mais aptas para se reproduzir seriam um estímulo maior para os machos que competem. Neste estudo, quando testou-se o efeito que o tamanho da fêmea produz nos combates entre machos, os resultados não foram significativos. Isso pode ter ocorrido devido ao reduzido número amostral, mas também pode ter sido influenciado pelo estado de desenvolvimento gonadal das fêmeas e dos machos. Em ensaios de laboratório, em que análises semelhantes são realizadas com indivíduos criados em cativeiro, pode-se ter o controle das variáveis ontogenéticas e até hereditárias dos indivíduos. Como neste estudo foram utilizados besouros capturados na natureza e não foram realizados testes preliminares para selecionar os indivíduos maduros, os possíveis efeitos destas variáveis não puderam ser isolados.

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Agradecimentos Agradecemos ao Biotério da UFSC pelo fornecimento das iscas utilizadas neste estudo, bem como todos os funcionários do Parque Municipal da Lagoa do Peri e à FLORAM pelo apoio logístico durante a realização do curso. Bibliografia Andersson, M. 1994. Sexual Selection. Princeton University Press.

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Uso de insetos dípteros (Culicidae) como modelo de estudo para testar a influência da classificação em morfoespécies

em experimentos biológicos

Paitach, R. L., Weis, W. A., Zanette-Silva, L., Ávila, J. V. C., Freitas. V. F., Marcondes, C. B., Albeny-Simões, D.

Introdução Trabalhos que usam morfoespeciação para descrever as espécies de um ambiente e respaldar análises de diversidade são comuns em estudos imediatistas, como em processos de licenciamento ambiental, os chamados Estudos de Impacto Ambiental (EIA), muitas vezes realizados por consultores não especialistas no grupo biológico em questão. Esse é um dos principais problemas que podem estar associados aos processos de governança e ocupação do território tanto em ambientes terrestres quando marinhos (Gerhardinger & Carvalho, 2013). Em contraposição, são raros na literatura estudos que comparam os resultados observados em análises feitas por especialistas e não especialistas (e.g. Marcondes, 2001). Esse é um questionamento de extrema importância, uma vez que erros nesse tipo de análise podem comprometer o resultado do estudo. Um bom modelo para testar esse questionamento é utilizar insetos dípteros pertencentes a Família Culicidae, mais conhecidos como mosquitos ou pernilongos. Seu desenvolvimento compreende as fases de ovo, quatro estágios larvais (fase aquática), pupa e adulto. Atualmente aproximadamente 3.500 espécies foram descritas em todo o mundo sendo 488 delas no Brasil (http://www.mosquitocatalog.org), com exceção das regiões permanentemente geladas, embora a biologia da grande maioria permaneça desconhecida (Cansoli & Oliveira, 1994). Das espécies de Culicidae ocorrentes no Brasil, algumas são consideradas silvestres e outras antrópicas, com maior adaptabilidade a sistemas modificados pelo homem. A habilidade adaptativa ao meio

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antrópico é a razão pela qual os Culicidae tem uma ampla distribuição mundial (Guedes, 2012). De acordo com algumas atividades exercidas como a cópula e a alimentação, os mosquitos são classificados em diurnos (Aedes e Psorophora), crepusculares e noturnos (Anopheles e Culex) (Forattini, 2002). A identificação dos espécimes é feita por meio de atributos predominantemente morfológicos. Porém, muitas vezes esta maneira pode incorrer em erros de identificação devido ao fato das espécies se revelarem como morfoespécies enquanto na verdade são espécies diferentes, para a confirmação em casos de incertezas são utilizados testes moleculares. A correta identificação dos insetos na realização de um trabalho científico é fundamental para se avaliar a biologia, a eventual importância epidemiológica das espécies e para avaliar o status de preservação dos ambientes (Marcondes, 2001). Assim, levando em consideração os métodos de morfoespeciação (realizado por não especialistas) e identificação taxonômica (realizado por especialistas), o presente trabalho foi realizado visando avaliar a influência da identificação de espécies de mosquitos, realizada por pessoas não especialistas, na diversidade de espécies de mosquitos coletadas em ambiente de restinga. Para tal, testamos a hipótese de que a classificação em morfoespécie pode alterar os resultados de uma simples avaliação de diversidade. Métodos Área de estudo A coleta de dados deu-se próximo à Sede do Parque Municipal da Lagoa do Peri, na qual encontramos uma vegetação de restinga, uma cobertura litorânea, onde há o desenvolvimento de húmus em camadas e os arbustos são substituídos por pequenas árvores, criando um microclima para o surgimento de bromeliáceas, piperáceas e cactáceas (Caruso, 1983). As bromeliáceas são espécies cuja morfologia permite o acúmulo de água em suas folhas

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destacando-se como um ótimo criadouro, utilizado por diversos macroinvertebrados, incluindo as larvas de mosquitos (Diptera: Culicidae). Coleta e tratamento de dados Os mosquitos foram coletados através de coleta manual (Marcondes et al., 2007) em duas áreas distantes 200 metros entre si. No dia 15 de outubro foi realizada uma coleta à noite, com chuva, por 2 coletores e com o uso de um lampião para a atração dos insetos. No dia 16 de outubro, outra coleta foi realizada, desta vez, ao meio dia, por 3 coletores e sem instrumento para a atração dos insetos. Foram escolhidos diferentes períodos do dia propositalmente para confundir os identificadores, uma vez que as espécies de mosquitos que forrageiam durante o dia são diferentes das encontradas à noite. Todos os mosquitos foram, primeiramente, separados em morfoespécies por identificadores amadores. Posteriormente, os mesmos indivíduos foram identificados ao nível de espécie por especialistas na família Culicidae. Visando verificar quantitativamente quanto os dados obtidos poderiam gerar diferenças na análise da diversidade de espécies, foi calculado o índice de Shannon e de Pielou para as morfoespécies identificadas pelos amadores e posteriormente os mesmos índices foram calculados para as espécies identificadas pelos especialistas. Posteriormente, com o intuito de se verificar o número de indivíduos identificados corretamente por amadores, os morfotipos observados foram comparados com as espécies identificadas pelos especialistas. Para tanto, foi considerado como acerto todo primeiro indivíduo de uma nova espécie que foi incluído em determinado morfotipo. A seguir, todo indivíduo desta espécie classificado no mesmo morfotipo foi um acerto, enquanto que indivíduos de outras espécies foram erros. Para verificar se o número de acertos obtidos pelos amadores foi similar ao ideal (dados gerados pelos especialistas), foi feito um teste U de aderência de Wilcoxon no programa R,

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verificando se os resultados observados por especialistas e amadores diferiam significativamente. Resultados Quando analisada a amostra realizada de dia os amadores identificaram 7 morfoespécies, gerando uma diversidade estimada pelo índice de Shannon de H'= 1,61 e de equitabilidade estimada pelo índice de Pielou de J'= 0,83. Posteriormente os especialistas identificando os mesmos exemplares, identificaram 6 espécies, gerando uma diversidade estimada pelo índice de Shannon de H'= 1,24 e de equitabilidade estimada pelo índice de Pielou de J'= 0,69. As mesmas analises foram realizadas para a amostra coletada a noite, nesse caso os amadores identificaram 6 morfoespécies, gerando uma diversidade estimada pelo índice de Shannon de H'= 1,306 e de equitabilidade estimada pelo índice de Pielou de J'= 0,73. A identificação dada pelos especialistas dos mesmos exemplares foi de 6 espécies, gerando uma diversidade estimada pelo índice de Shannon de H'= 1,04 e de equitabilidade estimada pelo índice de Pielou de J'= 0,64.

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Tabela 1. Identificação dos amadores (A) e especialistas (E) referente as coletas realizadas durante o dia e noite e dados sobre sua riqueza absoluta, diversidade estimada (índice de Shannon) e índice de Pielou (teste de equitabilidade).

Noite Dia

Espécies E A E A

Aedes serratus 3 - 5 -

Aedes scapularis 1 - 1 -

Psorophora ferox 18 - 18 -

Psorophora forceps 4 - 0 -

Aedes oligopistus 1 - 2 -

Psorophora albipes 0 - 3 -

Ronchomyia frontosa 0 - 1 -

Morfoespécie 1 - 2 - 3

Morfoespécie 2 - 3 - 1

Morfoespécie 3 - 1 - 0

Morfoespécie 4 - 3 - 6

Morfoespécie 5 - 2 - 10

Morfoespécie 6 - 16 - 8

Morfoespécie 7 - 0 - 1

Morfoespécie 8 - 0 - 1

Riqueza 5 6 6 7

H' 1,04 1,306 1,24 1,61

J' 0,64 0,73 0,69 0,83

Vemos assim, que tanto no caso do dia, como no caso da noite uma morfoespécie a mais, além do número de espécies identificadas, foi citada, porém, essa análise não mostra a proporção de acertos e erros por indivíduo.

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Quanto aos acertos e erros foi considerado que todos os indivíduos coletados foram corretamente identificados pelos especialistas, configurando um total de cinquenta e sete acertos pelos especialistas e vinte e quatro acertos pelos amadores (Tabela 02). Tabela 2. Acertos e erros das morfoespeciação dos amadores considerando a identificação dos especialistas como as identificações ideais.

Espécies

Acertos

Especialistas Amadores

A. scapularis 5 2

P. forceps 4 3

P. albipes 2 0

A. serratus 6 5

P. ferox 37 12

R. frontosa 1 1

A. oligopistus 1 1

O teste de Shapiro-Wilk foi realizado, verificando-se que os dados apresentados na Tabela 02 não apresentam distribuição normal (Especialistas: W = 0,987 / p = 0.000; Amadores: W = 0,963 / p = 0.033). Desta forma, foi realizado o teste U de aderência de Wilcoxon, demonstrando que os valores observados por especialistas e amadores não se distinguem significativamente (U = 31; p = 0.218). Discussão A partir dos resultados obtidos observamos que não houve discrepância estatística entre os resultados encontrados por morfoespeciação dos amadores e por identificação ao nível de espécie por especialistas. Porém, ressalta-se que o trabalho teve

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apenas duas coletas curtas, o que pode ter contribuído para dados obtidos. A revisão bibliográfica realizada nesse trabalho aponta grande problemática com relação a morfoespeciação e apesar de não ser explicitada nos dados deste trabalho deve ser tratada com atenção, levando a supor que um maior esforço para a coleta de dados e durabilidade da pesquisa poderiam refletir melhor um real panorama quanto a questão discutida. Sabe-se que uma taxonomia correta é fundamental para uma boa análise do ambiente e para tomar as medidas mais condizentes com este, assim, conclui-se que novos trabalhos são necessários para afirmar com maior confiabilidade se a inferência por morfoespécies de culicideos é ou não é tão efetiva quanto a identificação por especialistas. Ressalta-se ainda que muitas vezes o uso indiscriminado de índices para a análise de dados é feito, em especial o índice de Shannon, muito utilizado por ecólogos (Magurran, 2011). Os índices nos auxiliam a gerar inferências, porém dependem da qualidade dos dados nele utilizados, sendo de extrema importância que o pesquisador saiba avaliar o quanto seus dados são confiáveis. Agradecimentos Agradecemos aos funcionários do Parque Municipal da Lagoa do Peri e à FLORAM pelo apoio logístico durante a realização do curso. Bibliografia Caruso, M.M.L. 1983. O desmatamento da Ilha de Santa Catarina de 1500

aos dias atuais. 1a Edição. Editora UFSC. Florianópolis, SC. 160 p. Consoli, R.A.G.B. & Oliveira, R.L. 1998. Principais mosquitos de

importância sanitária no Brasil. Ed. Fio Cruz. Rio de Janeiro, RJ. 225p.

Forattini, O.P. 2002. Culicidologia Médica: Identificação, Biologia, Epidemiologia. Vol. 2. EDUSP São Paulo, SP. 860p.

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Gerhardinger, L.C. & Carvalho, F.G. 2013. Crise no sistema de governança costeiramarinha catarinense: reflexões sobre o licenciamento ambiental e o papel dos cientistas. In: Peres, A.B., Tornquist, C.S.; Pimenta, M.C.A., Peres, L.F.B., Silveira, L.R.M. & Dias, V.L.N. (Orgs). Reconstruindo paisagens: desafios sócio-espaciais para a Grande Florianópolis. Editora UFSC. Florianópolis, SC. 405p.

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Magurran, A.E. 2011. Medindo a diversidade biológica. Editora da UFPR. Curitiba, PR. 261 p.

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Marcondes, C.B., Alencar, J., Balbino, V.Q. & Guimarães, A.E. 2007. Description of three practical and inexpensive devices for the collection of mosquitoes and other small insects. Journal of the American Mosquito Control Association, 23:84-86.

R Core Team. 2013. R: A language and environment for statistical computing. R Foundation for Statistical Computing, Vienna, Austria. URL http://www.R-project.org/.

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Composição da avifauna em áreas com diferentes categorias de perturbação antrópica

Batista, G., Riul, P., Santos, F., Valadares, K., Beirão, L. Anciães, M.

Introdução A Mata Atlântica é considerada um hotspot de floresta tropical devido ao alto nível de endemismo e à ameaça extrema causada pela fragmentação (Brandon et al., 2005). As principais ameaças antrópicas à manutenção da biodiversidade são destruição, fragmentação e degradação de habitat; sobreexploração de espécies para uso humano; introdução de espécies exóticas e aumento de ocorrência de doenças (Primack & Rodrigues, 2001). Embora os padrões de distribuição de espécies sejam influenciados por vários fatores - como condições abióticas, interações com outras espécies e dispersão (Pulliam, 2000; Scott et al., 2002) - as alterações antrópicas têm sido responsáveis por mudanças nessa distribuição, além de causar alterações na composição e na estrutura de comunidades (Galina & Gimenes, 2006). A Mata Atlântica possui 682 espécies de aves (Stotz et al., 1996 apud Naka et al., 2002; Collar et al., 1997 apud Naka et al., 2002) e é considerado o bioma mais crítico para conservação deste táxon do país, pois contém 75,6% das espécies ameaçadas e endêmicas do Brasil (Marini & Garcia, 2005). A perda de habitat e a fragmentação de ecossistemas são apontadas como as principais fontes de ameaça para 86% das espécies de aves consideradas ameaçadas de extinção (Baille et al., 2004 apud Silva, 2009), pois várias espécies de aves que vivem em florestas não conseguem transpor ambientes alterados (MMA, 2003). Entretanto, a resposta das aves a essas alterações são variadas, enquanto algumas espécies podem ser levadas à extinção, outras podem ser favorecidas por determinadas alterações no ambiente (Marini & Garcia, 2005). Assim, o estudo das aves em diferentes ambientes é importante para compreender melhor a distribuição das espécies e, principalmente, entender como as alterações antrópicas podem

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influenciar a distribuição desses animais em ambientes com diferentes graus de impacto ambiental. O objetivo desse trabalho é comparar a composição de aves em áreas com diferentes categorias de perturbação antrópica, testando a hipótese de que existe diferença na composição da avifauna das diferentes áreas. Métodos Coleta e análise de dados Para comparar a avifauna em áreas sob menor e maior impacto, foram selecionados 10 pontos nas imediações da sede do Parque Municipal da Lagoa do Peri. As áreas foram categorizadas em menos impactadas e mais impactadas. Nas consideradas de menor impacto, havia trilhas, e vegetação secundária, com presença de espécies de restinga e de floresta ombrófila densa, destacando-se a presença de espécies vegetais exóticas, como Eucalyptus spp. e Pinus spp.. Nas áreas de maior impacto, havia vegetação em estágio inicial de regeneração, com presença de espécies exóticas, casas e estradas. Em cada área, foram selecionados 5 pontos amostrais, distantes 200 m entre si, para garantir independência entre os pontos (Vielliard et al., 2010). Os pontos P1, P2, P3, P4 e P7 se localizaram em áreas de menor impacto e P5, P6, P8, P9 e P10 em área de maior impacto (Figura 1). Em cada ponto foi realizada gravação das vocalizações (cantos e chamados) utilizando um gravador Sony PCM-D50 e microfone direcional Seinheinser durante cinco minutos, segundo método de pontos de escuta proposto por Blondel e colaboradores (1970, apud Vielliard et al., 2010). A amostragem foi realizada no dia 21 de Outubro de 2013, com o céu parcialmente nublado, no período matutino com início às 6:40 h e o término às 9:20 h.

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Figura 1. Pontos amostrais em ambientes com diferentes categorias de alteração antrópica.

Para identificar as espécies de aves as gravações foram

analisadas e comparadas com um banco de dados acústicos (Wikiaves e Xenocanto) e com a Lista de espécies do estado de Santa Catarina e do Brasil (Rosário, 1996; Sigrist, 2009; Naka et al., 2002; Frisch & Frisch, 2005). Para ilustrar a variação da composição da avifauna entre as duas áreas foi feita uma análise de ordenação MDS, com base no índice de similaridade de Bray-Curtis. Para visualizar a relação das espécies com os ambientes, foram adicionados ao MDS vetores para as espécies que apresentaram ao menos 30% da variação na distribuição explicadas pelos eixos do MDS. Além disso, utilizamos o índice de sobreposição de nicho de Pianka (Pianka, 1973) para testar a hipótese de que existe diferença na composição da avifauna entre as áreas de menor e maior impacto. Este índice mede a sobreposição de nicho (sensu compartilhamento de habitat) entre cada par de espécies da matriz e fornece uma média de sobreposição entre todos os pares (Pianka, 1973). Para verificar se o valor de sobreposição de nicho observado é resultado de algum padrão de utilização de habitat ou fruto do acaso, foram utilizados modelos nulos utilizando 10000 réplicas para gerar os valores esperados e compará-los com os valores observados.

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Resultados No total, foi registrada a presença de 31 indivíduos de 18 espécies de aves agrupados em 14 famílias (Tabela 01). Nove espécies ocorreram na área menos impactada, enquanto treze ocorreram na área mais impactada (Tabela 02). A espécie de Parulidae Basileuterus culicivorus (Figura 01) e a de Tyrannidae Pitangus sulphuratus foram as mais registradas. As espécies B. culicivorus, Coragyps atratus, Cyanocorax caerulus e Vireo olivaceus ocorreram nas duas áreas, cinco espécies ocorreram apenas na área menos impactada, dentre elas os Conopophaginae Conopophaga lineata e Formicariidae Herpsilochmus rufimarginatus. Nove espécies ocorreram exclusivamente na área de maior impacto, incluindo as exóticas Columba livia e Galus galus.

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Tabela 1. Número de presenças registradas (f), percentual de registros da espécie em relação ao total - frequência relativa (f%) e totais de espécies e número de presenças em áreas sob menor e maior impacto antrópico no Parque Estadual da Lagoa do Peri, Florianópolis, SC. Figura 1.

Família

Espécie

Impacto

Menor Maior

f f% f f%

Cathartidae Coragyps atratus 1 7% 1 6%

Columbidae Columba livia 0 - 1 6%

Corvidae Cyanocorax caerulus 1 7% 1 6%

Cuculidae Guira guira 0 - 1 6%

Piaya cayana 0 - 2 12%

Falconidae Mivalgo chimachima 1 7% 0 -

Formicariidae Conopophaga lineata

2 14% 0 -

Herpsilochmus rufimarginatus

2 14% 0 -

Fringillidae Zonotrichia capensis 0 - 1 6%

Parulidae Basileuterus culicivorus

3 21% 2 12%

Phasianidae Galus galus 0 - 1 6%

Pipridae Manacus manacus 1 7% 0 -

Troglodytidae Troglodytes musculus

0 - 1 6%

Turdidae Turdus amaurochalinus

1 7% 0 -

Tyrannidae Myiodynastes maculatus

0 - 1 6%

Pitangus sulphuratus 0 - 3 18%

Suiriri suiriri 0 - 1 6%

Vireonidae Vireo olivaceus 2 14% 1 6%

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Ecologia de campo: abordagens no mar, na terra e em águas continentais PPG Ecologia UFSC 2013

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Tabela 2. Número de espécies e registros em áreas sob menor (MeI) e maior (MaI) impacto antrópico no Parque Estadual da Lagoa do Peri, Florianópolis, SC.

Total MeI MaI

Espécies 19 9 13

Registros 31 14 17

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Figura 1. Espécies de aves presentes na trilha da Restinga na Lagoa do Peri, Florianópolis – SC: (A) Alma-de-gato (Pyaia Cayana), (B) Gavião-carrapateiro (Milvago chimachima), (C) Pula-pula (Basileuturus culicivorus), (D) Chupa-dente-marrom (Conopophaga lineata) e (E) Rendeira (Manacus manacus) (Fotos: Guilherme Willrich).

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Ecologia de campo: abordagens no mar, na terra e em águas continentais PPG Ecologia UFSC 2013

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O MDS indicou que a ocorrência das espécies típicas de florestas (C. Lineata e H. rufimarginatus) está relacionada a este ambiente, enquanto que as outras às áreas mais antropizadas (Figura 2).

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-1.0 -0.5 0.0 0.5 1.0

-1.0

-0.5

0.0

0.5

1.0

MDS1

MD

S2 Vireo_olivaceus

Basileuterus_culicivorus

Conopophaga_lineata

Pitangus_sulphuratus

Piaya_cayana

Herpsilochmus_rufimarginatus

Cyanocorax_caerulus

Myiodynastes_maculatusGuira_guira

Figura 2. Análise de ordenação MDS das espécies de aves.

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Ecologia de campo: abordagens no mar, na terra e em águas continentais PPG Ecologia UFSC 2013

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Entretanto, a análise de sobreposição de nicho (Figura 03) indicou que existe alta sobreposição do nicho espacial entre as espécies que ocorrem nas duas áreas, embora a probabilidade de igualdade entre o observado e o simulado não tenha sido significativa (p=0.06). O índice de sobreposição observado foi de 0.58 enquanto a média das simulações dos modelos nulos foi de 0,59 com a variância de 0.001.

Simulated Metric

Fre

quency

0.60 0.65 0.70 0.75 0.80 0.85 0.90

01000

2000

3000

4000

5000

6000

Figura 3. Valores das simulações do índice de sobreposição de nicho de Pianka baseado em 10000 aleatorizações. A reta contínua indica o valor observado e as linhas tracejadas demarcam 95% dos valores simulados.

Discussão Dentre as espécies registradas Basileuterus culicivorus e Pitangus sulphuratus foram as mais comuns. Segundo Sigrist (2009), Naka e colaboradores (2002) e Rosário (1996) estas espécies ocorrem tanto em ambientes de restinga e floresta quanto em ambientes antropizados; assim como Coragyps atratus, Cyanocorax caerulus e Vireo olivaceus que foram encontradas em ambas as áreas. As espécies Conopophaga lineata e Herpsilochmus

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rufimarginatus que foram registradas apenas na área menos impactada, são encontradas no interior da mata, capoeiras e bordas (Naka et al., 2002; Sigrist 2009), sendo que a Herpsilochmus rufimarginatus é incomum em Santa Catarina (Rosário 1996; Naka et al., 2002). No ambiente mais impactado foram registradas Columba livia e Galus galus, espécies exóticas, devido a presença de residências na área. A alteração na paisagem pode alterar e limitar o deslocamento de espécies de aves florestais entre os remanescentes, através da introdução de espécies exóticas ou pela diminuição na área disponível (Cordeiro, 2003), podendo levar espécies mais generalistas a ocupar áreas no interior das florestas, competindo assim com aquelas especialistas (Regalado & Silva, 1997). Algumas espécies podem até mesmo ser favorecidas pelas atividades antrópicas como o Coragyps atratus (Urubu-comum) (Rosario, 1996) corroborando a identificação feita na área mais impactada. Foram encontrados cinco indivíduos em um ponto, onde havia presença de lixo. As espécies encontradas tanto no ambiente mais impactado quanto no menos, podem ser explicadas pela combinação de diversos fatores como tamanho, grau da área impactada e tipo de matriz e biologia das espécies que prediz o que de fato pode ocorrer (Castellón & Sieving, 2006). Porém, a capacidade de deslocamento de aves por áreas impactadas é ainda pouco conhecida, principalmente pela dificuldade em realizar experimentos sobre o tema (Castellón & Sieving, 2006). As aves encontradas são na sua maioria generalistas e podem estar presentes em diversos ambientes, mesmo em áreas fragmentadas (Barros, 2006). Os resultados comparativos e a presença de espécies generalistas em ambos os tipos de ambientes sugerem que a área de estudo como um todo se encontra alterada. Portanto, a similaridade entre os pontos em ambientes de floresta e perturbados se deve, provavelmente, a ausência de diferenças ambientais capazes de afetar a avifauna entre as áreas.

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Agradecimentos Agradecemos aos funcionários do Parque Municipal da Lagoa do Peri pela acolhida durante a realização deste estudo e ao Biólogo Guilherme Willrich por ceder fotos para ilustrar nosso trabalho. Bibliografia Barros, F. 2006. Efeito de borda em fragmentos de floresta montana.

Dissertação de Mestrado, Universidade Federal Fluminense, Brasil. 100p.

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Abundância de três espécies de passeriformes em ambientes de restinga com diferentes níveis de impacto antrópico

Romeu, B., Batista, M.B., Batilani, M., Becker, E., Anciães, M.

Introdução A avifauna brasileira é uma das mais diversas do mundo, com 1690 espécies (CBRO, 2003), que representam 57% das espécies da América do Sul, das quais mais de 10% são endêmicas do país (Sick, 1993). Boa parte desta riqueza é devida à presença de duas grandes formações vegetais: a Floresta Amazônica e a Mata Atlântica (Argel, 2005). Na Ilha de Santa Catarina são registradas mais de 250 espécies, que estão diretamente associadas à Mata Atlântica (Naka & Rodrigues, 2000). Esta diversidade vem sendo ameaçada, principalmente pela perda e fragmentação de hábitat, causadas por intervenções humanas. Porém nem todas as espécies respondem da mesma forma aos impactos, em parte devido ao nicho que ocupam. Algumas aves se beneficiam com as alterações do hábitat e aumentam suas populações, e outras acabam por serem extintas (Marini & Garcia, 2005). Com isso, a presença das espécies, juntamente com informações sobre a distribuição de populações de aves, são indicadores importantes para o diagnóstico ambiental (Marterer, 1996). A distribuição das aves nos diferentes tipos de ambiente reflete o padrão de uso do hábitat pelas espécies, ou seja, a forma como utilizam os recursos físicos e biológicos do ambiente (Krausman, 1999). Este uso é diretamente afetado pela seleção de hábitat, que, por sua vez, reflete uma série hierárquica de decisões que o animal deve tomar. Estas decisões são influenciadas pelos requisitos necessários para sobrevivência e reprodução, resultando na escolha geográfica do local, seguida pela escolha do habitat específico e, por fim a localização precisa dentro do hábitat (micro-habitat) (Hutto, 1985). Assim, a abundância de indivíduos de uma

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espécie em determinado local indica não só o padrão de uso de hábitat da espécie, como a maior proporção de indivíduos em certa área do habitat pode indicar seleção de habitat. Por serem ecologicamente versáteis, vivendo em diferentes hábitats, as aves são bons indicadores biológicos, visto que cumprem o requisito de serem sensíveis a mudanças ambientais causadas por humanos. Dados de estudos de aves mostram que elas refletem mudanças no habitat em ampla escala, como aquelas causadas pela agricultura e silvicultura. E, quanto mais especializada ao habitat for a espécie, mas rápido ela responderá a estas alterações (Koskimies, 1989). Assim, considerando que aves podem ser indicadoras de mudanças ambientais, o objetivo do presente estudo foi testar a hipótese de que a abundância de cada uma de três espécies de passeriforme, Geothlypis aequinoctialis, Basileuterus culicivorus e Vireo olivaceous, varia entre ambientes com diferentes graus de impacto. Adicionalmente, testamos se estas diferenças variaram entre as espécies. Métodos Área de estudo O presente estudo foi realizado na porção sul do Parque Municipal da Lagoa do Peri (PMLP), Florianópolis, dentro de um fragmento de restinga com diferentes graus de alterações. Os seis primeiros pontos foram classificados como menos impactado, e a área adjacente como mais impactado (Figura 1).

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Menos impactado Mais impactado

Figura 1. Ilustração dos dois tipos de ambientes investigados.

A região menos impactada se caracterizou principalmente por vegetações arbóreo-arbustiva, herbácea-arbustiva típicas do ambiente de restinga. Apesar de alguns pontos apresentarem plantações de Pinus sp. e Eucalyptus sp., estas ainda contavam com vegetação nativa em regeneração em seu entorno; enquanto os ambientes considerado mais impactado se caracterizaram pela presença de residências, estradas, fluxo de automóveis, iluminação artificial, animais domésticos, e, principalmente, ausência de vegetação de restinga em regeneração. Coleta dos dados Utilizamos o método de levantamento quantitativo por pontos de escuta, adaptado de Blondel et al. (1970, apud Vielliard et al., 2010), para calcular a abundância de três espécies de aves. Para a aplicação do método foram marcados 12 pontos com uma distância mínima de 200 metros entre eles, com o intuito de minimizar o risco de que os mesmos indivíduos fossem detectados em mais de um ponto. Os pontos foram georeferenciados utilizando-se um GPS (Garmin, modelo Oregon 450), e foram anotados data, horário e condições ambientais durante a amostragem de cada ponto. A amostragem foi realizada no início da manhã (das 6h30min às 10h00min), período de maior atividade das aves. As

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espécies foram identificadas e quantificadas em parte no campo, de forma visual e auditiva. Foram feitas gravações em cada um dos pontos, durante um período de 5 minutos, com gravador digital Sony PCM-D50 e microfone direcional Seinheiser, modelo MME 66. As vocalizações não identificadas em campo foram identificadas posteriormente em laboratório com o auxilio de audiotecas (Wikiaves e arquivos pessoais da autora M. A.). A seleção das espécies focais, para a avaliação de diferentes graus de impacto no ambiente, seguiu dois critérios: 1) ter um número mínimo de registros, que permitisse a realização de testes estatísticos, porém não necessariamente sendo as espécies mais abundantes, visto que uma ampla ocorrência poderia indicar pouca especialização da espécie quanto ao habitat, não servindo para o objetivo do presente estudo; 2) ter informações de ocorrência para a área de estudo (e.g. Naka & Rodrigues, 2000; Farias et al., 2013). Para avaliar a diferença na abundância e uso de habitat de cada uma das três espécies alvos em relação ao ambiente, foi feito um teste estatístico não paramétrico de Mann-Whitney (Test U) utilizando o programa Statistica 7. Para testar se houve diferença no uso dos ambientes estudados entre as espécies foi feito um teste Exato de Fisher com 1000 permutações utilizando o programa R. Resultados & Discussão Foram encontradas 23 espécies em 50 registros de indivíduos, sendo que na área menos impactada ocorreram 14 e na mais impactada 15. Apenas cinco espécies foram comuns a estas duas áreas: Cychlaris gujanensis (juruviara), Cyanocorax caeruleus (gralha-azul), Turdus amaurochalinus (sabiá-poca), Basileuterus culicivorus (pia-cobra) e Vireo olivaceus (juruviara). Nove espécies ocorreram apenas nos locais menos impactados e outras nove espécies apenas nos locais mais impactados (Tabela 1; Figura 1).

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Tabela 1. Composição da avifauna de Mata Atlântica de locais com diferentes intensidades de impactos: MeI – Menos Impactado, MAI – Mais Impactado. Em destaque, espécies consideradas para avaliação da abundância em cada local.

Espécies Nome Popular MeI MaI Total

Aramides cajanea Saracura 2 0 2

Basileuterus culicivorus pula-pula 5 1 6

Columbia livia Pomba 0 1 1

Coragyps atratus 0 4 4

Cyanocorax caeruleus gralha-azul 2 1 3

Cychlaris gujanensis Juruviara 2 2 4

Dacnis cayana saíra azul 0 1 1

Geothlypis aequinoctialis pia-cobra 4 0 4

Guira guira anu-branco 2 2

Habia rubica 1 0 1

Herpsilochmus rufimarginatus 2 0 2

Miarchus ferox 3 0 3

Myiodinastes maculatus bem-te-vi-

rajado 0 3 3

Milvago chimachima 1 0 1

Milvago chimango 0 1 1

Pitangus sulfuratus bem-te-vi 2 0 2

Pyaia cayana alma-de-gato 0 2 2

Ramphastos vitellinus Tucano 0 2 2

Thamnophilus caerulescens 2 0 2

Troglodytes musculus 0 1 1

Turdus albicollis sabiá-de-

coleira 1 0 1

Turdus amaurochalinus sabiá-poca 1 2 3

Vireo olivaceus juruviara 1 4 5

Riqueza de espécies 14 14 23

Total de Registro 24 26 50

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Figura 1. Espécies avaliadas quanto à abundância nos diferentes ambientes: (A) Basileuterus culicivorus (pula-pula), (B) Geothlypis aequinoctialis (pia-cobra, macho) e (C) Vireo olivaceus (juruviara) (Fotos: Guilherme Willrich).

Nenhuma das três espécies estudadas apresentou diferença significativa entre o número de registros em cada ambiente, conforme indicado pelo teste U: Basileuterus culicivorus (Z = 134,04;

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p=0,18), Geothlyps aequinoctialis (Z=189,74; p=0,06), Vireo olivaceus (Z=-168,18; p=0,09). Contudo, para Geothlyps aequinoctialis o resultado mostrou-se marginalmente não significativo, o que pode representar uma tendência de que a distribuição dessa espécie esteja relacionada com as variações dos ambientes. Houve diferença no uso dos ambientes estudados entre as espécies, conforme indicado pelo teste Exato de Fisher (p = 0,03), que mostra uma associação significativa entre espécies e ambientes. Porém, mesmo com o maior número de ocorrências de pula-pula (Basileuterus culicivorus) e pia-cobra (Geothlypis aequinoctialis) na região menos impactada por ações antrópicas, este resultado não pode ser confirmado pelo tipo de hábitat das espécies, pois este se sobrepõe ao descrito para juruviara (Vireo olivaceus). As três espécies são registradas para bordas de mata (Sigrist, 2009). Contudo juruviara apresenta-se mais generalista, por ter registros em eucaliptais (Sigrist, 2009), ambiente presente em alguns dos pontos de coleta. Outra característica importante que diferencia juruviara das outras duas espécies é seu comportamento migratório (Machado, 1997; Wikiaves, 2013). Por ser menos exigente ambientalmente, a maior frequência destas aves no ambiente mais impactado pode ser resultado da sua chegada a um local já ocupado por outras espécies. Assim, o juruviara talvez se estabeleça, durante os meses de estada da migração, em um local com menor concorrência, espacial e/ou por alimento, de outras aves já presentes. As três espécies apresentam hábito alimentar insetívoro (Reinert et al., 2004; Wikiaves, 2013), com juruviara complementando sua dieta com frutos (Machado, 1997; Wikiaves, 2013). Alternativamente, os contingentes populacionais da espécie na região de estudo podem ainda estar baixos, uma vez que os primeiros migrantes são registrados para o estado de São Paulo somente em setembro-outubro, permanecendo até março, (Machado, 1997) e, portanto, muitos indivíduos podem ainda não ter chegado à Santa Catarina. Assim, o uso de habitat encontrado

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para a espécie no presente estudo pode estar enviesado, ou não representar o uso de hábitat no auge da estação migratória da espécie no Estado, quando seria esperado um aumento da população e, consequentemente, maior competição por recursos com as espécies residentes. Não se pode descartar a possibilidade de que nossos resultados tenham sido em parte, influenciados pelas condições climáticas do dia. A temperatura menor e ventos fortes no momento da coleta dos dados podem ter atuado de forma negativa nas atividades comportamentais, reduzindo o número de registros de ocorrências. Agradecimentos Agradecemos ao Programa de Pós-Graduação em Ecologia da UFSC, à FLORAM e aos Funcionários do Parque Municipal da Lagoa do Peri. Também agradecemos ao Biólogo Guilherme Willrich por ceder as fotos de aves que ilustraram esse trabalho. Bibliografia Argel, M. 2005. Maravilhas do Brasil: Aves. Grupo Editorial Escrituras. São

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ECOSSISTEMAS DE ÁGUAS CONTINENTAIS

Ecossistemas de Águas Continentais

Foto: Moacyr Batilani-Filho

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Dinâmica temporal do oxigênio dissolvido sob influência da temperatura em uma lagoa costeira do sul Brasil

Becker, E.C., Batista, M.B., Batilani-Filho, M., Romeu, B., Tonetta, D.,

Petrucio, M.M.

Introdução A dinâmica do fito e do bacterioplâncton – os maiores componentes responsáveis pelas vias metabólicas de produção primária e respiração das comunidades planctônicas – responde diretamente às flutuações temporais da temperatura, características físico-químicas do ambiente aquático e disponibilidade de nutrientes (Winder & Sommer, 2012). Estudos ecológicos e biogeoquímicos sobre o metabolismo aquático são essenciais diante de um cenário impactante de mudanças climáticas (Hays et al., 2005), que pode modificar as condições ambientais e alterar a estrutura, composição e dinâmica das comunidades aquáticas; promovendo mudanças a nível de indivíduo que afetam suas taxas metabólicas e o metabolismo do ecossistema (Brasil & Huszar, 2011). A temperatura é um dos fatores relacionado ao aumento da biomassa e aceleração dos processos metabólicos de organismos fotossintetizantes (Schulze et al., 2005). Deste modo, fatores que influenciam a variação da temperatura do ambiente, como período do dia, estação do ano e mudanças climáticas, afetarão o metabolismo dos produtores primários. Em ambientes aquáticos, o metabolismo do ecossistema é fortemente influenciado pelos organismos da base da cadeia trófica (Brito et al., 2013), o que faz com que a temperatura seja um dos fatores mais importantes no ecossistema como um todo. A relação entre as taxas metabólicas e a temperatura pode ser observada também para organismos consumidores, através do consumo de oxigênio na ausência de luz, devido à respiração destes organismos (Gagliardi, 2008; Esteves, 2011). Assim, a partir de um

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experimento de curta duração, simulando situações de altas e baixas temperaturas em ausência de luz, objetivou-se verificar a dinâmica do oxigênio dissolvido em resposta a essas condições. Testamos a hipótese de que em temperaturas elevadas seriam observadas menores concentrações de oxigênio dissolvido, devido a uma maior taxa respiratória, indicando uma aceleração da taxa metabólica dos consumidores, enquanto que em baixas temperaturas as taxas metabólicas dos consumidores seriam menores.

Métodos Área de estudo Amostras de água da lagoa do Peri (27°43’72”S e 48°30’44”W) foram coletadas em uma estação de coleta localizada na porção nordeste da lagoa. Apesar de ser uma lagoa costeira, o manancial não recebe influência marinha, sendo considerada uma “lagoa suspensa” por se encontrar aproximadamente a 3 metros acima do nível do mar. Desenho amostral Para avaliar a dinâmica do oxigênio dissolvido, a água coletada da lagoa foi distribuída em 72 tubos Falcon de 50 mL cada. Estabeleceu-se um controle (24 tubos), que ficou incubado nas margens lagoa com os tubos mantidos no escuro. Em laboratório, um conjunto de 24 tubos foi incubado a uma temperatura baixa (aprox. 18ºC) e outro conjunto, também com 24 tubos, a temperatura alta (aprox. 28ºC). Todos os tubos submetidos aos tratamentos ficaram acondicionados em baldes de plástico escuro, tendo suas temperaturas controladas por gelo e por aquecedor elétrico. O experimento iniciou às 9:30h e a cada 30 minutos, 3 tubos do controle e de cada tratamento foram escolhidos aleatoriamente, para a realização das medições de concentração do oxigênio dissolvido, com um Oxímetro (YSI-85; metodologia

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adaptada de Wetzel & Likens 2000) e temperatura da água, com um termômetro de mercúrio. O tempo total de experimento foi de 4,5 horas. Análise dos dados Para verificar se houve diferença nas concentrações de oxigênio dissolvido entre os diferentes tratamentos e o controle, e entre os diferentes tempos amostrados foi realizada análise de variância (ANOVA; Callegari-Jacques, 2007). As análises estatísticas foram realizadas no programa Statistica© 7.0 (Statsoft Inc. 1984-2004). Resultados A variação do oxigênio dissolvido entre os três tratamentos - controle, temperatura baixa (aprox. 18°C) e temperatura alta (aprox. 28°C) – foi significativa (F=17,784; p=0,01), com o tratamento em temperatura baixa apresentando os maiores valores médios de oxigênio dissolvido (7,64 mg/L), comparado ao tratamento em temperatura alta (7,45 mg/L) e o controle (7,15 mg/L). No controle, onde a temperatura variou de acordo com o ambiente natural da lagoa do Peri (média 23°C), ocorreu uma diminuição gradual nas taxas de oxigênio com o aumento da temperatura, sendo que a variação entre os intervalos de tempo (30 minutos) foi pequena, não apresentando diferença significativa [F=1,804; p=0,15 (Figura 1 – linha contínua)]. A variação dos valores de oxigênio ao longo do tempo também não foi significativa no tratamento em baixa temperatura [F= 1,8043, p= 0,15], com o valor de oxigênio no tempo inicial sendo semelhante ao final (aprox. 7,3 mg/L), sugerindo relativa estabilidade na concentração de oxigênio ao longo do experimento (Figura 1 – linha tracejada).

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Já quando submetidos a alta temperatura, as taxas de oxigênio dissolvido, apresentam variação significativa ao longo do tempo, com maior decréscimo entre 120 e 210 minutos de incubação (7,2 mg/L e 5,2 mg/L, respectivamente) [F= 4,7940, p= 0,005] (Figura 1 – linha pontilhada).

Figura 1. Variação oxigênio dissolvido (OD) ao longo do tempo de incubação entre os dois tratamentos e o controle.

Discussão As comunidades fitoplanctônica e bacterioplanctônica respondem diferentemente em seus processos metabólicos ao aumento da temperatura em diferentes períodos do dia (Sadro et al., 2011; Winder & Sommer, 2012). Nossos resultados mostraram menores concentrações de oxigênio dissolvido quando as amostras foram submetidas a altas temperaturas, o que sugere maior atividade respiratória da comunidade planctônica, consumindo o oxigênio. Por outro lado, em baixas temperaturas as concentrações de oxigênio dissolvido foram maiores, possivelmente pela limitação que a temperatura exerceu na atividade respiratória (Brown et al., 2004).

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Aumentos na concentração do oxigênio dissolvido foram observados em alguns intervalos de tempo e podem indicar a presença de organismos produtores de oxigênio pela via não fotossintética, como por exemplo, a presença de espécies reativas do oxigênio, como H2O2 (Pospisil et al., 2007; Milne et al., 2008) ou pode ser o resultada da fotólise de orgânicos compostos (Zhan, 2009). Num ambiente aquático, a comunidade bacteriana é representada na sua maioria por organismos heterotróficos. Essas bactérias consomem a matéria orgânica dissolvida, estimulam a reciclagem de matéria orgânica e fornecem combustível para uma variedade de pequenos heterotróficos (ciliados e flagelados) que podem ser consumidos por zooplâncton maiores e transferidos para os níveis tróficos superiores (Pomeroy, 1974; Azam et al., 1983). Considerando que uma das principais forçantes ambientais na estrutura da comunidade planctônica da lagoa do Peri é a limitação por luz e nutrientes (Tonetta et al., 2013), o papel da cadeia alimentar clássica e a cadeia alimentar microbiana, analisadas conjuntamente, poderiam fornecer uma resposta mais efetiva sobre o fluxo da matéria e energia deste ambiente. Assim, nosso experimento confirmou a hipótese inicial, onde o aumento da temperatura favoreceu a atividade respiratória, uma vez que os menores valores de oxigênio dissolvido foram observados nesse tratamento, e que baixas temperaturas limitam o metabolismo dos organismos. Agradecimentos Agradecemos aos funcionários do Parque Municipal da Lagoa do Peri pela receptividade e apoio durante o curso de campo. Bibliografia Azam, F., Fenchel, T., Field, J.G., Gray, J.S., Meyer-Reil, L. A. & Thingstad, F.

1983. The ecological role of water-column microbes in the sea. Marine Ecological Progress and Series, 10: 257-263.

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O incremento de fósforo afeta o consumo de oxigênio pela comunidade planctônica em um lago subtropical?

Weis, W. A., Zanette-Silva, L., Ávila, J. V. C., Paitach, R. L., Segal, B.,

Petrucio, M. M., Tonetta, D.

Introdução Lagos costeiros são ambientes aquáticos lênticos que podem receber influência direta ou indireta do ambiente marinho e apresentam grande importância ecológica e econômica (Esteves, 2011). Nestes ambientes, o balanço entre a produção primária e a respiração do ecossistema podem variar espacialmente e temporalmente (Cole & Pace, 2000), sendo comuns os registros do comportamento desses ambientes a longo prazo (Whittaker & Likens, 1973), enquanto pouco se conhece sobre as estudos de curto prazo, como por exemplo ao longo de 24 horas (Staehr & Sand-Jensen, 2007). A concentração de oxigênio em um ambiente aquático reflete o balanço biológico entre a fotossíntese e a respiração nesses ecossistemas, influenciada principalmente pela radiação solar e pela temperatura, bem como a troca do oxigênio entre o ar e a água, influenciada por processos físicos, como o vento (Kalff, 2002; Staehr & Sand-Jensen, 2007).

Visando aumentar a compreensão sobre a dinâmica temporal, os monitoramentos de alta frequência têm o potencial de gerar predições de como as mudanças nas condições no meio alteram a comunidade biológica e as taxas metabólicas (Staehr & Sand-Jensen, 2007). Dentre todos os elementos químicos, o fósforo é reconhecidamente importante por participar de inúmeros processos metabólicos dos seres vivos. Em águas continentais é o principal fator limitante da produtividade e tem sido apontado como o principal responsável pela eutrofização (Esteves, 1998). Assim, é um elemento indispensável ao crescimento das algas, fazendo parte de compostos celulares principalmente aqueles ligados ao armazenamento de energia da célula, como ATP, além de fazerem

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parte da composição dos ácido nuclêicos, fosfolipídeos, nucleotídeos, fosfoproteínas, entre outros (Ricklefs, 1996). Em ecossistemas aquáticos o fitoplâncton e as macrófitas são organismos importantes no ciclo do fósforo por serem capaz de produzir matéria orgânica a partir do dióxido de carbono absorvendo assim o fosfato sob a forma de moléculas inorgânicas. Parte da biomassa desses organismos é assimilada pelo zooplâncton e peixes que excretam fezes ricas em fosfato, contribuindo dessa forma para ciclagem desse elemento (Odum, 1996). Por afetar diretamente o metabolismo dos organismos aquáticos, esse trabalho objetivou testar o efeito de diferentes concentrações de fósforo no consumo de oxigênio pela comunidade planctônica, tendo como hipótese que a maior concentração de fósforo implicará em maior consumo do oxigênio, por favorecer o processo respiratório, uma vez que o experimento foi conduzido na ausência de luz. Métodos Área de estudo A Lagoa do Peri está localizada em uma área de proteção ambiental denominada “Parque Municipal da Lagoa do Peri”, é a maior lagoa de água doce do litoral catarinense e vem sendo utilizada como local de captação de água para abastecimento público de algumas regiões da ilha de Santa Catarina. As atividades humanas são restritas pela legislação vigente desde 1981, e a qualidade da água da lagoa do Peri aponta características de um ecossistema bem preservado (Pêgas Filho, 2009; Hennemann & Petrucio, 2010). De acordo com Tonetta e colaboradores (2013), esse sistema possui baixa concentração de fósforo dissolvido (2,23 ± 2,22 µg/L), nitrito (0,4 ± 0,19 µg/L), nitrato (8,2 ± 5,56 µg/L) e amônia (17,1 ± 10,18 µg/L), o que o caracteriza o ambiente como oligotrófico. Contudo, os valores de clorofila-a e transparência

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indicam que a Lagoa do Peri pode ser considerada um ambiente meso-eutrófico (Hennemann & Petrucio, 2011). Coleta de dados O estudo foi conduzido na região litorânea da porção nordeste da lagoa do Peri (27°43’72”S e 48°30’44”W). Foram coletadas amostras de água superficial para a realização do experimento de incubação in situ, utilizando um controle, no qual 24 tubos, tipo falcon, de 50 mL foram preenchidos com a água da lagoa, envolvidos em papel laminado e incubados dentro da lagoa, em sacos pretos. No controle, considerou-se que a concentração de fósforo dissolvido na água foi similar ao encontrado por Tonetta e colaboradores (2013). Para fazer a simulação de um ambiente eutrofizado, foram adicionadas diferentes concentrações de fósforo (50 µg/L no primeiro tratamento e 100 µg/L no segundo tratamento) na forma de fosfato de potássio (KH2PO4) à água coletada. Para cada tratamento 24 tubos, tipo falcon, de 50 mL foram preenchidos com a amostra enriquecida, envolvidos em papel laminado e incubados na lagoa em sacos pretos, para que não houvesse incidência de luz nas amostras, evitando assim a fotossíntese. No início do experimento, foi medida a concentração de oxigênio dissolvido e a temperatura da água, com Oxímetro YSI-85, em três tubos aleatórios de cada tratamento e do controle. Após aproximadamente uma hora de incubação, as mesmas medições foram efetuadas em três tubos aleatórios de cada tratamento e do controle, posteriormente repetindo esse procedimento com intervalos de 30 minutos, totalizando aproximadamente quatro horas de incubação (metodologia adaptada de Wetzel & Likens, 2000). Análise estatísticas Para testar os efeitos do enriquecimento de fósforo entre os tratamentos e o controle e entre os diferentes tempos de

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incubação, foi utilizada a análise de variância (ANOVA), com auxílio do programa Statistica. Resultados & Discussão A concentração média do oxigênio dissolvido nos diferentes tratamentos e no controle para cada tempo de incubação estão mostrados na tabela 1. A partir da análise de variância, não foram encontradas diferenças significativas entre essas médias nos diferentes tratamentos e o controle (F = 0,672; p = 0,513). Tabela 1. Média e desvio padrão do oxigênio dissolvido (mg.L

-1) nos dois

tratamentos e no controle ao longo do tempo de incubação. Tratamento 1 = 50 mg.L

-1; Tratamento 2 = 100 mg.L

-1.

Horário Controle Tratamento 1 Tratamento 2

09:30 5,31 ± 0,16 5,35 ± 0,10 5,34 ± 0,12

10:40 5,72 ± 0,28 5,21 ± 0,29 5,54 ± 0,45

11:10 5,44 ± 0,20 5,63 ± 0,20 5,28 ± 0,42

11:40 5,81 ± 0,21 6,04 ± 0,19 6,24 ± 0,26

A ausência de diferenças significativas na concentração do oxigênio dissolvido entre os tratamentos e o controle em um curto período de tempo (aproximadamente quatro horas) pode ser explicada pela necessidade de um tempo maior para que os organismos absorvam esse nutriente e o metabolizem. Hennemann & Petrucio (2010), realizaram experimento semelhante a esse estudo no mesmo ambiente, por um período de sete dias, onde só foram observadas mudanças na concentração de oxigênio a partir do terceiro dia. Isso demonstra que o incremento de fósforo não resulta em alterações imediatas no metabolismo dos organismos, necessitando de um tempo maior, do que o utilizado neste experimento, para resposta da comunidade biológica. Outra possível explicação para a condição observada deve-se a presença de Cylindrospermopsis raciborskii, uma cianobactéria com boa capacidade competitiva por nutrientes, que é capaz de

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absorver o fósforo luxuriante em suas células, mais rapidamente que outros organismos (Currie & Kalff, 1984). Dessa maneira, C. raciborskii pode estocar o fósforo adicionado às amostras para uso posterior, de modo que não seja possível verificar o imediato impacto da adição de fósforo no consumo de oxigênio. Quando analisado cada tratamento e o controle individualmente (Figura 1), observa-se que as concentrações médias de oxigênio variaram significativamente em relação ao tempo (Controle: F = 3,937 / p = 0,011; Tratamento 1: F = 3,898 / p = 0,011; Tratamento 2: F = 3,858 / p = 0,012). Ao longo do tempo também foram observadas variações na temperatura (Figura 1). Em um primeiro momento pode-se observar uma tendência de aumento do oxigênio dissolvido com o aumento da temperatura. Quando o experimento chegou no tempo cinco (12:10) houve uma inversão da tendência observada anteriormente, provavelmente associada ao declínio da temperatura.

Figura 1. Variação das concentrações de oxigênio dissolvido ao longo do tempo de incubação nos diferentes tratamentos e controle e variação da temperatura.

O aumento na concentração do oxigênio dissolvido nas amostras, mesmo em condição de luz ausente, pode ser um efeito combinado da temperatura e da concentração de fósforo nas taxas de produção primária dos organismos fitoplanctônicos, que podem ter demorado a responder à inibição da luz (Hennemann & Petrucio, 2010).

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Por fim, nossa hipótese de que o incremento de fósforo implicaria em maior consumo do oxigênio, por favorecer o processo respiratório, não foi confirmada, possivelmente pela necessidade de maior tempo de adaptação e resposta da comunidade biológica a essa condição. Agradecimentos Agradecemos à direção do Parque Municipal da Lagoa do Peri e a seus funcionários pelo suporte e acolhimento durante nossa pesquisa. Bibliografia Cole, J.J. & Pace, M.L. 2000. Effects of whole-lake manipulations of nutrient

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Influência do sedimento no consumo de oxigênio dissolvido em uma lagoa costeira de Santa Catarina, Brasil

Valadares, K. M. O., Riul, P., Batista, G., Santos, F., Beirão, L., Tonetta, D.,

Petrucio, M.

Introdução Considerado um dos ecossistemas aquáticos mais importantes do Brasil as lagoas costeiras representam zonas de transição entre ambientes aquáticos continentais e ambientes marinhos, sustentando uma grande biodiversidade, incluindo microorganismos, que são responsáveis por diversos processos biogeoquímicos (Esteves, 2011). Ambientes lacustres são importantes destinos dos aportes de matéria orgânica advindos das bacias de drenagem e os sedimentos depositados nos lagos são significativos estoques de carbono, cuja decomposição pode desempenhar papel importante na degradação da matéria e na subsequente reciclagem dos nutrientes de ambientes aquáticos (Vale, 2013). Outra importante função do sedimento é a regulação da respiração, exercida principalmente pela disponibilidade de matéria orgânica dissolvida (Del Giorgio, 1994). Silva (2010) afirma que regiões marginais com sedimento mais heterogêneos e presença de vegetação aquática fornecem condições para uma maior diversidade de organismos, quando comparados às regiões pelágicas, com sedimento homogêneo e ausência de vegetação aquática. Consequentemente, a presença de organismos específicos do sedimento, poderia levar a um aumento da taxa de respiração diminuindo a concentração de oxigênio dissolvido na coluna d’água. Portanto, o objetivo deste trabalho foi analisar a influência do sedimento no consumo de oxigênio dissolvido e inferir sobre o metabolismo planctônico, num período de 24 horas, em uma lagoa costeira de Santa Catarina.

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Métodos Coleta e análise de dados As coletas de água e sedimento foram feitas na margem leste da Lagoa do Peri (S 27º 43’33.0’’, W 48º 30’31.8’’) no município de Florianópolis, SC, na estação de primavera, no dia 15 de outubro de 2013. As taxas de respiração na região litorânea da Lagoa do Peri foram determinadas usando o método de incubação in situ, adaptado de Winkler que utiliza como parâmetro o oxigênio dissolvido no meio líquido (Wetzel & Likens, 2000). Utilizou-se 60 tubos tipo Falcon de 50 mL, onde se adicionou sedimento de forma padronizada, aproximadamente 10 mL, e em seguida, completou-se o conteúdo com água da lagoa em 30 tubos. Em outros 30 tubos, adicionou-se apenas água da lagoa, como controle. Os dois conjuntos de tubos (com e sem sedimento) foram mantidos submersos na lagoa, dentro de sacos plásticos escuros, a fim de impedir a entrada de luz. As medidas de oxigênio dissolvido e temperatura da água foram tomadas utilizando-se um Oxímetro YSI-55, no qual nos seguintes tempos: às 11h, 14h, 17h, 20h, 23h, 5h, 8h e 11h (totalizando 24 horas de incubação), 3 tubos de cada conjunto (com sedimento e sem sedimento) foram escolhidos ao acaso, e ao final de 2 minutos, após a imersão do sensor dentro do tubo, fazia-se a leitura da temperatura e do oxigênio dissolvido. Análises estatísticas Para avaliar a relação entre a concentração de oxigênio dissolvido e a temperatura, foi utilizado o teste de correlação de Spearman, uma vez que as variáveis não obedeceram aos critérios para realização de testes paramétricos. O teste de Cochran foi utilizado para avaliar a homogeneidade das variâncias. Para testar a resposta das variáveis oxigênio e temperatura ao tempo de incubação e tratamento (com e sem sedimento), foi utilizada análise

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de variância bi-fatorial. A análise foi realizada em ambiente R (R Core Team 2013). Resultados Ao longo das 24 horas de incubação a concentração do oxigênio dissolvido variou de um mínimo de 4,7 a um máximo de 7,7 mg/L enquanto a temperatura variou de 18° a 23.5°C. Tais resultados demonstram que as amostras com sedimento e as amostras controle se comportaram diferentemente em relação às concentrações de oxigênio dissolvido, sendo o oxigênio dissolvido menor nas amostras contendo sedimento (Figura 1). Ao longo das 24 horas do experimento as concentrações de oxigênio dissolvido demonstraram relação inversa com a temperatura, aumentando a concentrações de oxigênio dissolvido nos períodos de menor temperatura (Figura 1). A análise de correlação de Spearman entre essas duas variáveis mostra a significância dessa correlação (r = -0,36; p = 0,01283).

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5.0

5.5

6.0

6.5

7.0

Oxig

ên

io

(mg/l)

controlesedimento

19

20

21

22

23

Tem

pe

ratu

ra °

C

11h 14h 17h 20h 23h 5h 8h 11h

Figura 1. Variação da concentração de oxigênio dissolvido e temperatura ao longo das 24 horas do experimento.

A análise de variância bi-fatorial mostrou que existem efeitos significativos do horário e do tratamento na concentração de oxigênio dissolvido e do horário na temperatura (Tabela 1).

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179

Tabela 1. Sumário da análise de variância bi-fatorial testando os efeitos do tempo e tratamento (trat.) nas variáveis concentração de oxigênio (O) e temperatura (T).

Efeito Gl SQ QM F P

Hora 7 8,2 1,2 8,1 1,13E-05

O Trat. 1 4,0 4,0 27,9 8,85E-06

Hora*Trat. 7 1,4 0,2 1,3 0,260761

Erro 32 4,6 0,1 - -

Hora 7 97,9 14,0 124,0 2,38E-21

T Trat. 1 0,0 0,0 0,2 0,670125

Hora*Trat. 7 7,5 1,1 9,5 2,37E-06

Erro 32 3,6 0,1 - -

Discussão Os valores de temperatura e concentração de oxigênio dissolvido observados neste estudo foram semelhantes aos que Tonetta (2012) obteve, durante a primavera no mesmo ambiente. Além disso, os resultados demonstraram que existe correlação negativa entre a concentração de oxigênio dissolvido e a temperatura. Essa correlação é esperada, uma vez que altas temperaturas diminuem a solubilidade do oxigênio na água (Hennemann & Petrúcio, 2011). Ademais, o aumento de temperatura eleva a taxa metabólica dos microorganismos, acarretando numa maior taxa líquida de respiração e consequentemente maior consumo de oxigênio (Esteves, 2011). Inicialmente, nossos resultados mostraram que houve um aumento da concentração de oxigênio dissolvido em ambos os tratamentos, atingindo um pico após 9 horas de incubação (20h), e em seguida, decresceu de maneira não regular até o final do experimento. Como o experimento ocorreu em ambiente controlado, semelhante a um microcosmo, pode-se assumir que toda variação nos níveis de oxigênio seja atribuída a processos biológicos. Esse aumento na concentração de oxigênio dissolvido mesmo na ausência de luz, já foi registrado por Tonetta (2012) e

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pode estar relacionado à presença de microorganismos que produzem oxigênio dissolvido em decorrência do metabolismo, que não necessariamente a fotossíntese. A quimiossíntese é uma reação que produz energia química, convertida da energia de ligação de compostos inorgânicos oxidados, sendo a energia química liberada empregada na produção de compostos orgânicos e gás oxigênio, a partir da reação entre o dióxido de carbono e a água. Esse processo autotrófico de síntese de compostos orgânicos ocorre na ausência de energia solar e é um recurso normalmente utilizado por algumas espécies de bactéria. Por exemplo, bactérias do gênero Nitrossomonas, que oxida amônia liberando oxigênio (Lehninger & Cox, 2010). Além disso, outros processos físico-químicos não relacionados à atividade biológica, como a própria temperatura ou a perturbação dos frascos no momento das medições, também podem estar causando o aumento da concentração de oxigênio (Fontes et al., 2011; Sadro et al., 2011). As menores concentrações de oxigênio dissolvido, observadas no tratamento com sedimento em relação ao controle, justifica-se pela presença de uma comunidade diferenciada de microorganismos associados ao sedimento, e que atuam com maior intensidade no processo respiratório e maior consumo do oxigênio. Silva (2010) documentou a presença de Tanaidacea e larvas do díptero Lopescladius em sedimentos arenosos marginais da Lagoa do Peri. Considerando que o tipo de substrato, a profundidade da coluna d’água e a heterogeneidade dos habitats presentes em ambos os ambientes são importantes na distribuição dos organismos numa escala local (Hildrew et al., 2004; Hieber et al., 2005), o aumento da complexidade estrutural do ambiente representado pela adição do sedimento contribui com a maior disponibilidade de microhabitats, interações e níveis tróficos, ocasionando um maior consumo de oxigênio, devido à ausência de luz. Períodos autotróficos (maior produção primária que respiração) e heterotróficos (menor produção primária que respiração) já foram identificados no ambiente pelágico da lagoa do Peri, com predomínio de heterotrofia (Tonetta, 2012). Sabendo que

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as condições ambientais são diferentes no ambiente pelágico e no ambiente litorâneo, diante dos resultados obtidos neste trabalho, espera-se que ocorra uma heterogeneidade no ambiente aquático. Por fim, esse trabalho mostrou que a presença do sedimento contribui com o consumo do oxigênio dissolvido da lagoa do Peri podendo afetar o metabolismo aquático litorâneo desse ecossistema, intensificando a heterotrofia já registrada nesse ambiente. Agradecimentos Agradecemos a FLORAN e aos funcionários do Parque Municipal da Lagoa do Peri pela logística e apoio durante a realização deste estudo. Bibliografia Del Giorgio P.A. & Peters R.H. 1994. Patterns in planktonic P:R ratios in

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Relação entre a comunidade de macroinvertebrados e o tamanho da área de armazenagem de Bromeliaceae

Beirão, L., Riul, P., Batista, G., dos Santos,F., Valdares, K.,

Albeny-Simões, D.

Introdução A relação espécie-área é um dos padrões mais estudados em Ecologia (Connor & McCoy, 1979; Drakare et al., 2006) e foi estudada em várias escalas espaciais para vários grupos taxonômicos (Rosenzweig, 1995). Esta teoria, bem conhecida, prevê que o aumento da área amostrada está diretamente relacionado com o aumento do número de espécies (Willig et al., 2003). Uma vez que, áreas maiores são mais heterogêneas e estruturalmente complexas, e consequentemente suportam populações maiores, reduzindo a probabilidade de extinção das espécies devido às interações competitivas (Jabiol et al., 2009). Vários estudos tem demonstrado a ocorrência desta relação em ambientes terrestres (Maguire, 1971; Ambuel & Temple, 1983) e aquáticos (Angermeir & Schlossen, 1989; Cotgreave et al., 1993). Ambientes e comunidades também podem acontecer em escalas micro, como por exemplo, em cavidades de plantas onde é comum o acúmulo de água. Um desses possíveis micro ambiente, acontece no espaço entre as folhas das bromélias (Armbruster et al., 2002). Estas habitações naturais, chamadas fitotelmatas (Frank & Lounibus, 1983), são frequentemente utilizadas por várias espécies de insetos e outros macroinvertebrados. Bromeliaceas são plantas que acumulam água da chuva, e matéria orgânica do entorno, principalmente em suas axilas centrais, formando micro-habitats (Ratsirarson & Silander, 1996), e provendo tanto reservas de nutriente como refúgio para uma rica fauna de vertebrados e invertebrados (Carrias et al., 2001). O volume de água presente nas fitotelmatas (Kitching, 2000), tem uma grande importância para as

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espécies que ali vivem e pode influenciar diretamente em sua comunidade (Araújo et al., 2007). Além disso, as bromélias também são bons modelos para estudos de colonização, predação e estrutura de comunidades (Srivastava et al., 2008) por serem facilmente replicadas, acessíveis e possibilitarem uma rápida colonização (Sirivastava et al., 2004). Bromélias dominam muitas comunidades de epífitas neotropicais. Muitas espécies são altamente especializadas morfologicamente para a utilização e interceptação de nutrientes (Harris, 1993). Nutrientes esses, que também podem influenciar diretamente na comunidade de invertebrados presente nas bromélias. A mata de restinga é uma fitofisionomia da mata atlântica que ocorre na zona costeira do Brasil (Falkenberg, 1999) de maneira descontínua e sustentam uma biodiversidade singular. Por estarem próximas a costa, sofrem influencia direta do oceano (Souza et al., 2008). A restinga tem um papel fundamental, funcionando como proteção natural da costa contra o enteperismo e erosão litorânea. Além do mais, o esforço amostral foi realizado em uma área onde existem poucos trabalhos envolvendo estrutura de comunidades de macroinvertebrados aquáticos em bromeliaceas. Nesse estudo, testamos as hipóteses de que, de acordo com a teoria da relação espécie-área, a riqueza (número de taxons) e abundância (número de indivíduos) de macroinvertebrados apresenta um relacionamento positivo com o aumento área (medida pelo volume de água acumulada) em plantas bromelículas. Métodos Coleta dos dados A coleta foi feita dia 14 de Outubro de 2013 em uma área de restinga situada no Parque Municipal da Lagoa do Peri (S 27º 43’38.2, W 48º 30’30.9) na cidade de Florianópolis, SC. Seguindo um transecto de 60m foram aferidas as variáveis: volume de água, quantidade de matéria orgânica, altura (da base até a folha mais alta) e diâmetro do reservatório (contagem do número de

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folhas/planta) de um total de 15 plantas (distantes a no máximo 5 metros do transecto), previamente classificados como pertencentes ao gênero Vriesia. A água foi removida utilizando-se um aparato para sucção, seguindo ao método proposto por Araújo e colaboradores (2007). Todo o conteúdo líquido removido de cada uma das plantas foi devidamente acondicionado em potes plásticos com capacidade para 500mL. No laboratório o volume de água foi aferido em becker milimetrado com capacidade para 1L. Para otimizar o tempo de triagem do material os organismos presentes em cada planta foram removidos da amostra, com o auxilio de lupa eletrônica, por tempo não superior a 20 minutos. Esta metodologia foi empregada devido a não disponibilidade de tempo superior a 12 horas para coleta, triagem e apresentação dos dados. Contudo, como houve padronização do tempo para todas as amostras, acreditamos ter havido distribuição do possível erro amostral entre todas as unidades amostrais. Infelizmente não houve tempo hábil para medir a variável quantidade de matéria orgânica por planta, sendo esta excluída da análise. Os espécimes foram meticulosamente separados em grupos seguindo á classificação de família, seguindo á identificação ao nível de espécies morfológicas. Analises dos dados

A área da planta foi considerada como sendo o volume total coletado. Para testar a hipótese de relação entre número de táxons e área, bem como abundância e área, foi utilizado o teste de correlação de Spearman. O teste de correlação de Spearman foi calculado em ambiente R (R Core Team 2013). Também foram feitas correlações entre o altura das plantas e riqueza de táxons, diâmetro das plantas e riqueza de táxons e número de folhas. Resultados A altura das plantas variou entre 21 e 65 cm, o diâmetro entre 21 e 80, o número de folhas entre 12 e 55 e o volume entre

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40 e 340 ml (para valores máximo, mínimo, média e desvio padrão vide Tabela 1). No total foram coletados 191 indivíduos dentre anelídeos e artrópodes. Os táxons Culicidae sp2 e Oligochaeta foram os mais frequentes representando 29% do total cada, seguidos Ceratopogonidae sp1 e sp3, enquanto besouros Disticidae (Coleoptera) e Toxorhychites (Diptera: Culicidae), ambos predadores, foram os menos frequentes, sendo coletados apenas em uma planta (Tabela 2). As análises de correlação de Spearman não demonstraram relações significativas entre as variáveis dependentes riqueza total (S = 495.5556, p = 0.683) e abundância total em função da variável independente volume d’água (S = 454.748, p= 0.5024) (Figura 1). As análises de correlação de Spearman também não foram significativas para as outras variáveis de altura, diâmetro e número de folhas. Tabela 1. Mínimo, máximo, média e desvio padrão das características medidas em bromélias em ambiente de restinga situado no parque municipal da Lagoa do Peri, Florianópolis, SC. Mi – Mínimo, Ma – Máximo.

Variável Mi Ma Média Desvio padrão

Altura (cm) 21 65 38.13 12.59

Diâmetro (cm) 21 80 46.00 15.31

N. de folhas 12 55 26.33 11.26

Vol. de água (ml) 40 340 167.33 112.15

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Tabela 2. Distribuição de frequências dos táxons coletados em bromélias na Lagoa do Peri, Florianópolis, SC.

Táxon f Fr F Fr

Ceratopogonidae_sp1 21 11% 21 11%

Ceratopogonidae_sp2 5 3% 26 14%

Ceratopogonidae_sp3 18 9% 44 23%

Ceratopogonidae_sp4 4 2% 48 25%

Culicidae_sp1 5 3% 53 28%

Culicidae_sp2 56 29% 109 57%

Disticidae 1 1% 110 58%

Hyrudinae 3 2% 113 59%

Odonata 14 7% 127 66%

Oligochaeta 56 29% 183 96%

Scirtidae_sp1 4 2% 187 98%

Scirtidae_sp2 3 2% 190 99%

Toxorhynchites 1 1% 191 100%

Total 191 100% - -

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Figura 1. Diagramas de dispersão entre abundância total de indivíduos e volume (esquerda) e riqueza total de táxons e volume (direita).

Discussão Os mosquitos pertencentes às famílias Culicidae e Ceratopogonidae foram os grupos mais abundantes nos reservatórios bromelícolas analisados, representando 56% dos animais coletados. Mosquitos imaturos são frequentemente dominantes em comunidades que vivem em fitotelmatas, como demonstrado em estudo similar realizado com bromélias do gênero Vriesia situadas em campos rupestres (Araújo et al., 2007). Nossos resultados exibiram a existência de um relacionamento espécie área neutro em bromélias Vriesia de restinga, o que difere do relacionamento espécie área positivo encontrado para o mesmo gênero (Araújo et. al, 2007), outros gêneros (Carrias, 2001) e outros sistemas (Angermeir & Schlosser, 1989; Losos & Schluter, 2000). Contudo, a relação espécie área neutra foi observada em bromélias na Amazônia (Wittman, 2000) e na Mata Atlântica, além de outros sistemas, indicando que a relação espécie área nem sempre está presente nessas comunidades (Kelly et al., 1989). A inexistência da correlação espécie área positiva pode ser natural, ou pode estar havendo uma confusão de fatores.

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Connor & McCoy (1979) propuseram que para concluir que apenas a diversidade é a causa da relação espécie área, deve-se não apenas demonstrar o efeito de tal diversidade no número de espécies, mas também na inexistência de uma relação entre área e probabilidade de extinção. Também a montagem da comunidade e os fatores que a estruturou, podem influenciar (Diamond, 1975). Além disso, para concluir que apenas a área pode afetar sozinha o número de espécies, deve-se identificar o efeito área/espécie em um ambiente realmente homogêneo. De tal maneira que, estudos de design experimentais são necessário para eliminar as alternativas restantes (Connor & McCoy, 1979). Por outro lado, outros estudos observaram alguma relação entre o tamanho da bromelia e/ou volume do reservatório e a comunidade associada. Bromélias grandes contêm maior quantidade de detritos (Richardson, 1999), o que pode estar associado a um acréscimo na fauna (Jenkins et al., 1992; Richardson, 1999; Richardson et al., 2000). O espaço para a colonização está diretamente relacionado com a altura e diâmetro do reservatório, o que leva a um aumento de abundancia e riqueza de invertebrados associados às folhas (Srivastava & Lawton, 1998). Dessa forma, plantas maiores disponibilizam maior quantidade de recursos, como água e nutrientes e permitem abrigo para uma maior quantidade de organismos (Sota, 1996; Yanoviak, 1999; Richardson et al., 2000). Neste estudo, os valores dos desvios observados sugerem que existe muita variação na população amostrada, indicando que o numero de amostras pode ter sido insuficiente para a detecção do efeito do volume na abundância de indivíduos e riqueza associada. Por outro lado, existem trabalhos similares com esforço consideravelmente maior que também não detectaram efeito do tamanho nas comunidades associadas, sugerindo que a relação espécie área pode não ser uma regra nessas comunidades.

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Agradecimentos Agradecemos à FLORAM e aos funcionários do Parque Municipal da Lagoa do Peri, Florianópolis, SC. Bibliografia Ambuel, B & Temple, S.A. 1983. Area-Dependent changes in the bird

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Ecologia de campo: abordagens no mar, na terra e em águas continentais PPG Ecologia UFSC 2013

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Composição da ictiofauna em um gradiente de perturbação ao longo de um riacho costeiro

Batilani-Filho, M., Romeu, B., Batista, M., Becker, E.C., Nunes, L., Segal, B.

Introdução Os peixes representam o grupo com maior riqueza de espécies entre os vertebrados (Lowe-McConnell, 1999; Nelson, 2006), aproximadamente 30.000 espécies são conhecidas pela ciência, e novas descobertas aumentam este número anualmente (Buckup et al., 2007). Quase metade das espécies descritas são de água doce (Nakatani et al., 2001) sendo que a ictiofauna neotropical apresenta uma expressiva parcela desta riqueza de espécies, com um número estimado entre 5000 (Agostinho et al., 2005) e 6025 espécies (Reis et al., 2003). O Brasil abriga uma elevada riqueza, com ocorrência de 2.587 espécies dulcícolas (Buckup et al., 2007), dentre outros fatores, por apresentar uma das maiores redes hidrográficas do mundo (Nakatani et al., 2001). Os peixes exercem importantes funções na teia trófica dos ecossistemas aquáticos e colonizam diferentes habitats, o que os submetem às mais variadas condições ambientais para as quais apresentam aptidões diferenciadas ao desenvolver diferentes estratégias de acordo com suas funções vitais e ecológicas (Nakatani et al., 2001). Além dos fatores físicos e químicos, as interações biológicas diretas ou indiretas podem interferir nos padrões de coexistência e influenciar a composição e distribuição das assembleias de peixes (Gorman & Karr, 1978). Neste contexto, não só a presença e ausência de determinadas espécies, mas a dinâmica expressa na abundância e composição da ictiofauna vem sendo utilizadas no embasamento de inferências a cerca da qualidade das águas de rios e lagos (Castro & Menezes, 1998). Na Mata Altântica o entendimento dos fatores que afetam a distribuição da ictiofauna é particularmente importante por ser o ambiente mais impactado do país. Este ecossistema vem sendo

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degradado por ações humanas há mais de quinhentos anos, com alterações de paisagem de floresta para cultivos, pastagens e cidades, poluição das águas, solo e ar, de modo que as áreas preservadas se limitam basicamente às Unidades de Conservação (Oyakawa et al., 2006). Para a ictiofauna, os maiores impactos estão relacionados à perda de hábitat, exposição a predadores, redução da oferta de alimentos e perda da qualidade e quantidade de águas (Oyakawa et al., 2006). Neste sentido, para colaborar com a compreensão dos impactos oriundos da perturbação urbana sobre a ictiofauna de riachos costeiros, o presente estudo analisou a riqueza e abundância encontradas ao longo do riacho Sangradouro, com o objetivo de avaliar a composição da ictiofauna em diferentes cenários que caracterizam um gradiente de perturbação antrópica. Métodos Área de estudo A amostragem da ictiofauna foi realizada no dia 16 de outubro de 2013, no período de 10h00min e 13h30min, em quatro pontos do riacho Sangradouro, que inicia a partir do escoamento da Lagoa do Peri, dentro do Parque Municipal da Lagoa do Peri para logo a jusante drenar o bairro da Armação do Pântano do Sul e desembocar na praia do Matadeiro (Figura 1). Em cada ponto foram obtidos dados de temperatura da água (°C) (termômetro de mercúrio), oxigênio dissolvido (mg/L; Oxímetro Microprocessado ALKAFIT, AT 150), pH (pHâmetro Alfakit, AT 300), condutividade (μs/cm; Oxímetro Microprocessado ALKAFIT, AT 150) e profundidade máxima do local (trena). Os pontos de coleta também foram caracterizados com relação ao grau de impacto antrópico, considerando habitações e atividades comerciais do entorno.

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Figura 1. Mapa com os pontos de coletas ordenados de acordo com o gradiente de alteração ambiental proposto, do menos alterado (1 e 2) para o mais alterado (3 e 4), no riacho do Sangradouro em Florianópolis, SC.

Duas técnicas de amostragem diferentes foram utilizadas em cada local: a) Duas armadilhas do tipo covo instaladas perpendicularmente à margem do rio, utilizando- se um tipo de isca para cada covo (pão e carne), durante 20 minutos: b) Utilizando-se peneiras, passadas na vegetação ciliar em um transecto de 10 metros, durante cerca de 20 minutos. Os peixes coletados através de ambas as metodologias foram acondicionados em baldes, identificados até o menor nível taxonômico possível, fotografados (Câmera Panasonic Lumix DMC-FZ47), e devolvidos ao ambiente. Foi aferida a riqueza de espécies, a abundância de indivíduos, o índice de diversidade de Shannon (H’) e a equitabilidade de Pielou (J) (Magurran, 2004). Os índices de diversidade e equitabilidade foram calculados no programa Excel (Microsoft, 2011). A similaridade entre os pontos foi calculada através da abundância das espécies utilizando-se o coeficiente de Bray-Curtis (Magurran, 2004). Da matriz de distâncias foi elaborado um dendograma de agrupamento utilizando o programa Statistica© 7.0 (Statsoft Inc. 1984-2004).

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Resultados Todos os pontos de coleta apresentaram alguma alteração antrópica como, mata ciliar removida, presença de espécies arbóreas exóticas, substrato alterado, lixo ou esgoto doméstico e/ou comercial. No entanto, o gradiente de perturbação proposto foi corroborado com as observações em campo, de maneira que o ponto de coleta P01 foi o de menor impacto e o ponto P04 o de maior impacto. O ponto P01 foi considerado de menor impacto por estar mais distante das ações antrópicas como presença de habitações e comércios, ou seja, imediatamente após o canal de extravasamento da Lagoa do Peri (Figura 2A). Além disso, o substrato deste ponto, apesar de alterado, é heterogêneo, sendo composto por areia e rochas de diversos tamanhos, além de plantas aquáticas. Neste trecho foi observada a maior concentração de oxigênio dissolvido (9,06 mg/L) e a menor condutividade elétrica (63 μs/cm) (Tabela 01). O ponto P02 apresentou substrato igualmente heterogêneo, no entanto com uma quantidade expressiva de vegetação aquática (principalmente Schoenoplectus cf. californicus) e vegetação marginal, no entanto, apresentou também sinais de pastagem e presença de espécies arbóreas exóticas (Figura 2B). Este foi o trecho de menor profundidade máxima (0,5 m), no entanto, apresentou a segunda maior concentração de oxigênio dissolvido (4,06 mg/L) e a segunda menor condutividade elétrica (68 μs/cm) (Tabela 01). Quanto aos pontos considerados de menor qualidade no gradiente ambiental, o ponto P03 encontra-se inserido no bairro da Armação do Pântano do Sul, e por tal recebe aporte de efluentes, em sua maioria de origem doméstica. A vegetação ripária é pouco densa e o substrato é homogêneo e arenoso (Figura 2C). A partir deste trecho o oxigênio dissolvido apresenta menores concentrações (3,70 mg/L) e a condutividade elétrica, por sua vez, apresenta maiores valores (75 μs/cm) (Tabela 01). Por fim, o ponto de coleta P04 encontra-se mais a jusante do P03, no mesmo bairro, e apresenta as mesmas características que o ponto anterior, porém recebe um aporte maior de efluentes domésticos e comerciais e

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possui vegetação ripária inexpressiva (Figura 2D). Neste trecho foi aferida a menor concentração de oxigênio dissolvido (3.12 mg/L) e a maior condutividade elétrica (138 μs/cm) (Tabela 01) dentre os trechos investigados.

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Figura 2. Fotos dos pontos de coleta ordenadas de acordo com o gradiente de alteração ambiental, do menos alterado para o mais alterado, no riacho do Sangradouro em Florianópolis, SC: ponto de coleta P01(A), ponto de coleta P02 (B), ponto de coleta P03 (C) e ponto de coleta P04 (D) (fotos: Moacyr Batilani-Filho).

Ao longo deste gradiente foram coletados e identificados 514 indivíduos distribuídos em oito espécies (Tabela 2). O ponto de coleta P01 foi o que apresentou a maior riqueza (seis espécies) e a

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maior abundância (238 indivíduos), bem como maior diversidade (1.16) (Tabela 2). O ponto de coleta P02 apresentou a maior equitabilidade (0.99) e a segunda maior concentração de oxigênio dissolvido (4.06 mg/L), no entanto a menor riqueza (três espécies) e a menor abundância (44 indivíduos) (Tabela 1, Tabela 2, Figura 3, Figura 4). Os pontos de coleta P01 e P03 foram os que apresentaram maior dominância, sendo que no primeiro ocorreu dominância da espécie Deuterodon singularis (74%) e no segundo dominância da espécie Phalloceros harpagus (80%), estas duas espécies também foram expressivas nos demais pontos de coleta (Figura 05, Figura 06). Tabela 1. Características abióticas (VA) pontos de coleta ordenados de acordo com o gradiente de alteração ambiental, do menos alterado para o mais alterado, no riacho do Sangradouro em Florianópolis, SC. OD – Oxigênio Dissolvido, Cd – Condutividade, Su – Substrato (He – Heterogênio, Ho – Homogênio), Pm – Profundidade Máxima, La - Largura

VA P01 P02 P03 P04

OD (mg/L) 9.06 4.06 3.7 3.12

Cd (μs/cm) 63 68 75 138

Su He He/Ho Hoo Ho

Pm (m) 0,85 0,50 0,95 1,10

La (m) 4 5 4 6

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Tabela 2. Composição da ictiofauna em um gradiente de perturbação no riacho do Sangradouro em Florianópolis, SC. Pontos de coleta ordenados de acordo com o gradiente de alteração ambiental, do menos alterado para o mais alterado.

Espécies P01 P02 P03 P04 Total

Characiformes Characidae

Deuterodon singularis Lucena & Lucena, 1992 Lambari 176 17 13 28 234

Hyphenossobrycon sp. Lambari 11 12 6 35 64 Erythrinidae Hoplias malabaricus (Bloch, 1794) Traíra 0 0 1 0 1 Cyprinodontiformes Poeciliidae Phalloceros harpagos Lucinda, 200 Barrigudinho 46 15 83 52 196 Poecilia vivípara Bloch & Schneider, 1801 Barrigudinho 1 0 1 2 4

Anablepidae

Jenynsia multidentata (Jenyns, 1842) * 2 0 0 0 2 Perciformes Cichlidae

Geophagus brasiliensis (Quoy & Gaimard, 1824)

Cara 2 0 0 0 2

Eleotridae Dormitator maculatus * 0 0 0 11 11 Riqueza 6 3 5 5 8 Abundância 238 44 104 128 514 Diversidade de Shannon 0.78 1.08 0.69 1.32 1.32 Equitabilidade de Peilou 0.43 0.99 0.43 0.82 0.82

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Figura 3. Riqueza (número de espécies) e abundância (número de indivíduos) da ictiofauna em um gradiente de perturbação no riacho do Sangradouro em Florianópolis, SC. Pontos de coleta ordenados de acordo com o gradiente de alteração ambiental, do menos alterado para o mais alterado.

Figura 4. Diversidade (Índice de Shannon) e Equitabilidade (Índice de Pielou) da ictiofauna em um gradiente de perturbação no riacho do Sangradouro em Florianópolis, SC. Pontos de coleta ordenados de acordo com o gradiente de alteração ambiental, do menos alterado para o mais alterado.

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Figura 5. Ranking de abundância de espécies em um gradiente de perturbação no riacho do Sangradouro em Florianópolis, SC. Pontos de coleta ordenados de acordo com o gradiente de alteração ambiental, do menos alterado para o mais alterado.

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Figura 6. Algumas das espécies coletadas no riacho do Sangradouro em Florianópolis, SC:( A) Deuterodon singularis, (B) Geophagus brasiliensis, (C) Hoplias malabaricus, (D) Jenynsia multidentata (Foto: Roselet, F.F.G., Fonte: www.fishbase.org), (E) Phalloceros harpagos, (F) Poecilia vivípara (Foto: Ramos, T.P.A., Fonte: www.fishbase.org), (G) Hyphessobrycon sp. (Fotos: A, B, C e E: Lucas Nunes; G, Ana Paula Burigo).

A análise de agrupamento diferenciou o ponto P01 dos demais pontos, e agrupou os pontos de coleta P03 e P04, o que demonstra que o gradiente de perturbação urbana influencia na composição da ictiofauna de pequeno porte em riachos costeiros (Figura 7).

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Figura 7. Agrupamento, pelo método de média não ponderada (UPGMA) com índice de dissimilaridade (Bray-Curtis) das espécies de um gradiente de perturbação no Riacho do Sangradouro em Florianópolis, SC. Pontos de coleta ordenados de acordo com o gradiente de alteração ambiental, do menos alterado para o mais alterado.

Discussão Os rios e riachos funcionam como coletores de informações ambientais, neste sentido, as condições físico-químicas e as biotas associadas a estes corpos d´águas podem ser utilizadas como bioindicadores de perturbação, como evidenciado no uso da ictiofauna em outros sistemas de riachos (Oliveira & Bennemann, 2005; Casatti et al., 2006; Araújo & Tejerina-Garro, 2007). No gradiente de perturbação investigado, o oxigênio dissolvido e a condutividade variaram de acordo com o esperado, ou seja, a concentração de oxigênio dissolvido foi maior em locais com menor impacto ambiental decorrente dos processos de urbanização (P01 e P02), uma vez que a baixa concentração está associada com maior teor de matéria orgânica (Esteves, 1998). No entanto, no ponto P01 a maior concentração de oxigênio foi potencializada pela corredeira formada logo após a estrutura de extravasamento da Lagoa do Peri. Os maiores valores de condutividade elétrica, assim como os menores valores de oxigênio dissolvido, possivelmente estão associados às elevadas concentração de efluentes domésticos e

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comerciais (Ometo et al., 2000). Os pontos de coleta com estas características, P03 e P04, drenavam regiões com habitações e estabelecimentos comerciais tais como oficinas mecânicas, funilarias, depósitos de ferragens, restaurantes e etc. O mesmo padrão, para estas variáveis ambientais foi encontrado por Rezende e colaboradores (2013), no mesmo riacho estudado. No riacho do Sangradouro, a granulometria torna-se homogênia em direção aos pontos mais impactados, o que interfere de maneira negativa na comunidade macrobentica (Rezende et. al., 2013), e estes organismos estão presentes de maneira expressiva na dieta de várias espécies de peixes de riachos (Oliveira & Bennemann, 2005). A maior abundância de peixes no ponto P01 pode estar associada a maior concentração de oxigênio, já que este é um parâmetro abiótico essencial para os organismos que habitam as águas naturais, principalmente os peixes, sedo que a maioria das espécies não toleram concentrações inferiores a 4 mg/L (Oyakawa et al., 2006). Este ponto, além de conter uma maior riqueza de macroinvertebrados bentônicos dentro do gradiente investigado (Rezende et al., 2013), é um dos pontos mais bem preservados, assim como o ponto P02. Riachos situados em áreas com vegetação preservada proporcionam uma maior entrada de matéria orgânica de origem alóctone (Benstead & Pringle, 2004) como fonte de recurso, no trecho do ponto P01 este aporte é potencializado pelo extravasamento da lagoa. De um modo geral, é descrito na literatura que grande parte do que é consumido pelos peixes de riachos é de origem alóctone (Angermeier & Karr, 1984; Sabino & Castro, 1990; Henry et al., 1994; Castro, 1999; Esteves & Aranha, 1999; Lowe- McConnell, 1999), sendo assim, locais com este aporte podem suportar maior abundancia e diversidade de peixes. Apesar de ter sido registrada a dominância de Deuterodon singularis no ponto P01, o que influenciou a equitabilidade, a maioria dos indivíduos apresentaram comprimento total inferior a 50 mm (com. pessoal), ou seja, juvenis. Segundo Gianuca e colaboradores (2011), não há diferenças na abundância desta espécie na Lagoa do Peri e no riacho do Sangradouro. Este dado

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pode indicar que os indivíduos desta espécie transpõem o vertedouro ou que se beneficiam dos mesmos tipos de recursos, ou seja, o riacho pode receber aporte de alimentos provenientes da lagoa o que sustenta maior abundância desta espécie. Sendo assim, a dominância pode estar associada ao aporte de recurso bem como com a proximidade de um local que atue como fonte desta população e não como reflexo de um distúrbio uma vez que segundo Lucena e Lucena (1992), esta espécie é típica de águas claras não poluídas, o que corrobora com o gradiente de perturbação aferido neste estudo. A equitabilidade é um índice que permite a inferência da qualidade dos ambientes, por estar associado ao particionamento dos recursos, ou seja, em ambientes menos impactados não haveria predomínio de uma única espécie em detrimento de outras (Gorman & Karr, 1978; Beaumord & Petrere Jr., 1994; Lowe-McConnell, 1999). Neste sentido, o ponto P02 apresentou apenas três espécies, as mais frequentes e comuns neste estudo, no entanto as abundâncias estavam equilibradas (17, 12, e 15 indivíduos). Por sua vez, o ponto P03, apresentou equitabilidade baixa por dominância de Phalloceros harpagos. Espécies da família Poeciliidae geralmente são encontradas em todos os tipos de ambientes, mesmo aqueles com alto grau de eutrofização (Oyakawa et al., 2006). Diferente do que correu no ponto 01, a dominância de P. harpagos estava associada a indivíduos adultos (>50 mm – com. pessoal). Ainda corroborando com a classificação de gradiente atribuída ao ponto P03, a espécie Hoplias malabaricus, presente apenas neste trecho, apresenta características morfo-fisiológicas que lhe conferem tolerância a ambientes com baixas concentrações de oxigênio (Menezes et al., 2007). Os pontos P01, P03 e P04 apresentaram a espécie Poecilia vivipara, que é considerada exótica, e sua disseminação no Brasil foi vinculada ao controle de dípteras. Esta espécie é favorecida pela plasticidade alimentar e tolerância a condições inóspitas, atributos que lhe conferem maior aptidão em comparação às espécies especializadas e com sensibilidades a perturbações ambientais, sejam elas antropogênicas ou naturais. Quanto ao ponto P03,

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apesar do seu posicionamento crítico no gradiente de perturbação, apresentou a espécie Dormitator maculatus que pode estar ameaçada de extinção no Paraná, mas ainda com dados insuficientes (DD) (Mikich & Bérnils, 2004). Este trecho do riacho Sangradouro, por sua proximidade ao mar, pode ter interferência da cunha salina, e D. maculatus é uma espécie que apresenta tolerância a águas salobras, assim como outras espécies da família Eleotridae, (Nelson, 2006; Volcan et al., 2010). Por fim, apesar de ter sido detectado um gradiente de alteração antropogênica, dentre os trechos investigados não houve um trecho prístino ou controle, ou seja, todos os pontos apresentam alterações, no entanto, a composição e a estrutura da ictiofauna responderam a este gradiente no riacho do Sangradouro, e neste cenário os pontos com maior impacto (P03 e P04) estão mais fortemente associados quanto à sua composição. Agradecimentos

Agradecemos à FLORAM e aos funcionários do Parque Municipal da Lagoa do Peri pelo apoio logístico proporcionado no período de estudo. Bibliografia Agostinho, A.A., Thomaz, S.M. & Gomes, L.C. 2005 Conservação da

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PROJETOS LIVRES

Projetos Livres

Foto: Renan Lopes Paitach

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O efeito da atividade pesqueira no uso do habitat da gaivota (Larus dominicanus)

Ávila, J. V. C., Weis, W. A., Freitas, R. H. A

Introdução

Habitats são os lugares, ou posicionamentos físicos, nos quais os organismos vivem (Ricklefs, 1996). O comportamento de aves marinhas nesses habitats é influenciado pelo seu padrão de movimento e dispersão (Krebs & Davies, 1993), remetendo à compreensão dos fatores que influenciam a obtenção dos recursos (Nathan et al., 2008). Nesse sentido, intervenções humanas podem afetar significativamente as espécies de aves que habitam os ecossistemas naturais (Collar et al., 1997), onde, a resposta das aves a estas alterações varia, havendo espécies que se beneficiam com essas, aumentando suas populações, enquanto outras são prejudicadas (Marini & Garcia, 2005). As zonas costeiras são caracterizadas por apresentarem um grande dinamismo em sua estrutura e sustentar uma importante diversidade biológica, além disso, atividades de pesca podem contribuir para a alimentação de aves marinhas (Ebert & Branco, 2009), especialmente onde há o descarte de parte da captura da pesca (Gadelha & Kanaan, 2012). A gaivota ou gaivotão (Larus dominicanus, Lichtenstein, 1823) ocupa diversos hábitats por possuir um hábito alimentar generalista (tendo como recurso uma grande variedade de alimentos), e oportunista (consumindo o que há de mais abundante e mais facilmente disponível em diferentes habitats) (Giaccardi et al., 1997), alimentando-se inclusive, de excedentes de atividades humanas (Petracci et al, 2004). A espécie Larus dominicanus, habita o litoral e ilhas costeiras do Pacífico e Atlântico sul-americano; da Terra do Fogo até norte do Peru, na costa do Brasil são encontrados do Rio Grande do Sul até o Espírito Santo (Sick, 1997; Novelli 1997). Assim, a espécie é encontrada em todo litoral de Santa Catarina, principalmente nos

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locais com atividades de pesca, onde pode ser vista em aglomerações sazonais ou durante todo o ano, aproveitando-se do descarte de parte da captura de peixes ou crustáceos e de processos de evisceração de alguns exemplares pescados artesanalmente (Branco & Ebert, 2002). Assim é muito provável que as atividades dos pescadores podem influenciar no comportamento desses indivíduos e esse foi o intuito do presente estudo. Verificou-se se o uso do habitat de L. dominicanus é modulado pela influência dos pescadores, tendo como hipótese que as gaivotas terão mais comportamentos oportunistas nas praias com atividades de pescadores do que em praias onde estes não estão presentes. Tal hipótese tem alicerce na teoria do forrageamento ótimo, que preconiza que os indivíduos buscarão se alimentar do recurso mais eficiente energeticamente e que lhes demanda o menor gasto energético (Huey & Pianka, 1981).

Métodos Coleta de Dados

A coleta de dados ocorreu em duas praias do sul de Florianópolis, sendo que em uma delas há atividade diária de pescadores artesanais em embarcações, chamada Pântano do Sul. Na outra, a praia da Solidão, a pesca em embarcações não é observada. No dia 24 de outubro, no período das 7:00 às 10:00 da manhã (horário de verão), foi feito um teste-piloto (com o auxílio de binóculos) nas duas praias do estudo com a presença de 2 pesquisadores concomitantemente. O intuito desse teste era validar os parâmetros comportamentais a serem tabulados em uma planilha de dados e calibrar a forma como os 2 pesquisadores quantificavam e observavam a espécie. Incialmente foi estabelecida a área a ser realizada a observação dos indivíduos, com o auxílio de binóculos, desta maneira foi definido o campo visual no qual todos os indivíduos presentes eram contados e seus comportamentos amostrados. As

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observações, consistiram em quantificar de 5 em 5 minutos os indivíduos de L. dominicanus presentes no campo visual, por um período de 3 horas contínuas, registrando e descrevendo as atividades que estavam realizando. Durante as observações de campo foram verificados nove comportamentos distintos, descritos na categorização de comportamentos a seguir:

- Voos: voos em bandos, duplas ou sozinhas. - Passiva em terra: indivíduos parados em terra, podendo

também limpar o corpo passando o bico em suas penas. - Ativa em terra: animais andando pela praia. - Pousadas no mar: animais boiando na água. - Deitada: animal com o corpo apoiado na areia sem uso das

patas. - Forrageio: animal olhando o chão em busca de alimento,

tanto na faixa de areia, como na beira da praia e em canais de água. - Vocalização: animal emitindo sons. - Banho: animal com o corpo na água, abaixando a cabeça e

jogando água no corpo. - Briga: animal correndo atrás de outro indivíduo da mesma

espécie ou de espécies distintas, podendo ainda bicá-lo ou voar em sua direção. Nesse momento em alguns indivíduos podem vocalizar. Ressalta-se que para cada observação considerou-se que um comportamento era excludente ao outro, ou seja, cada animal poderia realizar apenas uma atividade dentre as categorias de comportamento definidas acima. No mesmo dia do teste piloto, os pesquisadores retornaram às praias do estudo (cada um em uma das praias), no período das 15:30 às 18:30 da tarde e individualmente iniciaram as observações. O mesmo procedimento foi repetido no dia 25 de outubro, no período das 06:30 às 09:00 da manhã alternando o pesquisador que fez amostragem no período anterior.

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Análise de dados Os dados comportamentais obtidos em campo foram descritos, comparados e analisados. Com intuito de verificar as porcentagens do número de gaivotas que realizou cada um dos comportamentos entre as distintas praias, foi realizado o teste de Goodman (1964), considerando-se as praias uma variável independente (multinomial). Além disso, as diferentes classes de comportamentos (variável dependente) foram comparadas entre si, em cada praia, separadamente, pelo teste de Goodman (1965), visando verificar se os perfis de uso de habitat das praias do estudo possuem padrões similares. Para todos os testes adotou-se um α = 0.05.

Resultados & Discussão

A proporção do número de gaivotas que estavam realizando

cada comportamento foi significativamente diferente entre as praias da Solidão e do Pântano do Sul para a maioria dos comportamentos, com exceção dos comportamentos deitada e briga (Figura 1)

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Figura 1. Porcentagem de gaivotas que realizaram os comportamentos descritos nas Praias do Pântano do Sul (com atividade pesqueira) e Solidão (sem atividade pesqueira). Asterisco (*) acima das colunas indica diferença entre as praias para um mesmo comportamento (Teste de Goodman, 1964; Gcalculado > Gcrítico = 2,77), enquanto NS indica semelhança (Teste de Goodman, 1964; Gcalculado = Gcrítico = 2,77).

O fato da frequência de gaivotas passivas em terra ser significativamente maior na praia do Pântano do Sul do que na Solidão, pode estar atrelado ao aprendizado das gaivotas com relação a um comportamento oportunista frente às atividades de pesca humana, levando-as a esperar passivamente o momento de aproveitar-se dos rejeitos desta.

Muito se fala sobre o comportamento oportunista de L. dominicanus, porém foi observado que na ausência desse os indivíduos apresentaram um forrageio significativamente maior. Considerando-se que este é um comportamento natural, não mediado por interferências antrópicas, os dados corroboram com a descrição apresentada por Petracci (2004) referente a plasticidade alimentar da espécie. Além disso, a necessidade de forragear mais na ausência de pescadores pode ser uma justificativa plausível para as gaivotas serem mais ativas em terra na praia da Solidão.

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A vocalização das gaivotas foi observada apenas na praia do Pântano do Sul possivelmente por esta se mostrar fortemente ligada a movimentação dos pescadores no mar e a interações agonísticas, tanto com relação a indivíduos da mesma espécie como a indivíduos de espécies diferentes, por exemplo, o mergulhão (Podilymbus sp.), urubu (Coragyps sp.) e pombo doméstico (Columba livia).

Quanto ao parâmetro pousam no mar, verificou-se que elas apresentam esse comportamento para descansar e, com maior destaque, para posicionar-se ao redor dos barcos pesqueiros quando há atividade humana, sendo uma eminência do comportamento oportunista. Entretanto, não foi observada a caça logo após este comportamento. Ressalta-se ainda, que as gaivotas só foram observadas pousadas na água na praia do Pântano do sul, onde haviam barcos ancorados e em movimento.

O maior número de aves em atividade de voo foi observado na praia do Pântano do Sul, possivelmente por esse comportamento se dar de forma mais acentuada no caso dos pescadores mexerem nas redes de pesca em mar ou regressarem com os barcos com o recurso pescado.

Já os banhos foram mais observados na praia da Solidão, onde há um canal cuja água doce do rio das Pacas desemboca. Assim, pode-se considerar que essa diferença foi observada por uma preferência da água doce em relação à salgada para essa atividade.

Ao ordenar as diferentes classes de comportamentos entre si por ordem de frequência na Praia da Solidão, (Figura 2B), verificou-se que, de maneira geral, o perfil do uso de habitat não é repetido na mesma ordem de frequência no Pântano do Sul (Figura 2A), mesmo que o comportamento mais frequente em ambas seja o mesmo (passiva na terra).

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Figura 2. Porcentagem de gaivotas que realizaram os comportamentos descritos nas Praias Solidão (A- sem atividade pesqueira) e Pântano do Sul (B- com atividade pesqueira). Asterisco (*) acima da coluna indica diferença do respectivo comportamento em detrimento aos outros (Teste de Goodman, 1965; Intervalo de Confiança não inclui o valor zero para Acrítico = 10,78). A- Letras iguais acima das colunas indicam semelhança entre si (Teste de Goodman, 1965; Intervalo de Confiança inclui o valor zero para Acrítico = 10,78) B- Colunas compreendidas entre barras indicam que são semelhantes entre si (Teste de Goodman, 1965; Intervalo de Confiança inclui o valor zero para Acrítico = 10,78).

Assim demonstra-se que as atividades pesqueiras influenciam no perfil do uso de habitat e nos permite corroborar a

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hipótese de que as gaivotas apresentam mais comportamentos oportunistas nas praias com atividades de pescadores do que em praias onde estes não estão presentes. Portanto, em consonância com a teoria do forrageamento ótimo (Huey & Pianka, 1981), as gaivotas devem possuir benefícios energéticos por realizar o hábito oportunista de aproveitar os rejeitos de pesca, devido a maior facilidade de obtenção de recursos.

Além disso, esse trabalho ilustra e corrobora a teoria da distribuição livre ideal (Fretwell, 1972), que pressupõe que os animais irão, se tiverem chance, se distribuir espacialmente por eles próprios de maneira a maximizar o sucesso reprodutivo, havendo um reflexo no perfil do uso de habitats e comportamentos conforme haja maior eficiência para alimentação dos indivíduos da mesma espécie. Tal fato pôde ser verificado no presente estudo, uma vez que, o perfil do uso do habitat e a proporção dos comportamentos das gaivotas foi de acordo com a intensificação da atividade humana relativa à pesca e que otimizava a obtenção de alimento por parte das gaivotas.

Agradecimento

Agradecemos aos colegas do curso de campo e em especial ao orientador do presente trabalho, Renato Freitas, pela excelente orientação e apoio. Bibliografia Branco, J.O. & Ebert, L.A. 2002. Estrutura Populacional de Larus

dominicanus Lichtenstein, 1823 no estuário do Saco da Fazenda, Itajaí, SC. Ararajuba, 10(1):79-82, 2002.

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Efeito de fatores estruturais do ambiente sobre a variação fenotípica de espinhos em salsaparrilha, Smilax campestris

(Smilacaceae)

Zanette-Silva, L.; Paitach, R. L.; Faveri, S.B.; Hernández, M. I. M.

Introdução

A ocorrência de uma espécie ao longo de um gradiente de condições ambientais faz com que cada indivíduo sofra uma pressão seletiva diferente, a qual favorece ajustes fenotípicos distintos (Begon et al., 2007). Forças seletivas bióticas, as quais atuam nas defesas das plantas, podem variar espacialmente (Thompson, 1997). Defesas como tricomas e espinhos, e a alocação direcionada de recursos, alteram-se de acordo com essas variações (Van Dam et al., 1999).

A restinga, que apresenta uma vasta variação de condições de luz, disponibilidade de nutrientes e de água no solo é um bom modelo para estudos de plasticidade fenotípica, já que várias espécies vegetais ocorrem em diferentes ambientes com condições ambientais distintas (Ré-Jorge, 2007). No Sul do Brasil, a restinga pode ser considerada um conjunto de ecossistemas que engloba comunidades florística e fisionomicamente distintas, estabelecidas em terrenos arenosos, com solos pouco desenvolvidos (Falkenberg, 1999). Sua vegetação é bastante característica devido a uma combinação de fatores físicos e químicos, como elevadas temperaturas e salinidade, grande deposição de salsugem e alta exposição à luminosidade (Franco et al., 1984).

A espécie Smilax campestris Griseb., conhecida popularmente como salsaparrilha ou japecanga, possui ampla distribuição nas restingas do Brasil, é dióica, rizomatosa com hábito trepador, possui folhas simples e alternas (Bento et al., 2006) e , às vezes, as folhas desses indivíduos podem possuir emergências espiniformes (Soares, 2010).

As espécies podem responder morfologicamente com espinhos não só por indução à herbivoria, mas também por indução

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ao estresse hídrico, pois espinhos reduzem a evapotranspiração (Vasconcelos, 2009). Em um estudo anterior foi verificado que o efeito da presença de espinhos em S. campestris não tem relação com a pressão de herbivoria (Zanette-Silva et al., página 79 desta edição). Assim, este trabalho pretende avaliar se a presença de espinhos em S. campestris está relacionada com fatores estruturais do ambiente, uma vez que estes podem refletir as condições hídricas do local onde a salsaparrilha se encontra. Esperamos que haja uma menor proporção de ramets com espinhos em locais em que a estrutura da vegetação é mais desenvolvida e há maior cobertura, uma vez que nesses locais o estresse hídrico será menor. Métodos Coleta de dados A coleta de dados em campo foi realizada em área de restinga ao longo da trilha da Figueira (27º 43’50.48”S; 48º 30’43.23”O), no Parque Municipal da Lagoa do Peri. Para tanto, foram estabelecidas 20 parcelas de 1 m² cada, distantes 10 metros entre si. Todas as parcelas foram dispostas paralelas à trilha, sempre do mesmo lado. As arestas das parcelas foram posicionadas seguindo as coordenadas geográficas norte, sul, leste e oeste. Foram contabilizados todos os ramets de S. campestris com e sem espinhos (Figura 1).

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Figura 1. Ramets de salsaparrilha, Smilax campestris, apresentando a haste e folhas com variação fenotípica de ausência (esquerda) e presença de espinhos (direita).

Para caracterizar a estrutura da vegetação, em cada uma das direções geográficas ao redor das parcelas, foi mensurado: a distância da árvore e do arbusto mais próximos, suas alturas e circunferências à altura do peito (CAP) e do tornozelo (CAT), respectivamente. Foi calculada a média, para cada medição, das quatro observações em cada parcela.

Com o intuito de verificar a cobertura do solo, dentro de cada parcela foram feitas medições da porcentagem de S. campestris, serapilheira, solo nu e outras plantas. Também foram feitas medições da cobertura do dossel, através de uma quadrat de 10x10 centímetros disposto, com os braços esticados, voltado para cada uma das direções geográficas em um ângulo de 70 graus do solo, verificando a porcentagem de sombreamento.

Análise de dados Para uma análise exploratória dos dados relativos à estrutura do ambiente, foram tratados separadamente os conjuntos de dados referentes à estrutura da vegetação daqueles relativos à cobertura do solo e dossel. Para cada conjunto de dados, os valores foram normalizados e foram realizadas análises de componentes principais (PCA), objetivando-se verificar qual componente explicava

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melhor a variação dos dados. De acordo com o componente selecionado para o conjunto de dados de estrutura da vegetação, as parcelas foram classificadas em ‘arbustiva’ (<0) e ‘arbórea’ (>0), conforme seus escores. As parcelas também foram classificadas, seguindo o componente principal relativo à cobertura do solo e dossel, em ‘mais cobertura’ (<0) e ‘menos cobertura’ (>0).

A seguir, a proporção de ramets com espinhos em cada parcela foi calculada dividindo o número de ramets com espinhos pelo total de ramets na parcela. As parcelas foram classificadas de acordo com essa proporção em ‘sem espinhos’ (<0,15), ‘intermediário’ (0,15 – 0,63) e ‘com espinhos’ (>0,63). Uma vez que número de amostras foi reduzido, foi realizado o teste exato de Fisher, no programa Statistica, para testar a relação entre a proporção de ramets com espinhos e as variáveis ambientais.

Foi verificada a significância das combinações de variáveis ambientais a partir de uma análise de regressão utilizando Modelos Lineares Generalizados (GLMs). Utilizando a função step no programa R, foi feita uma análise de seleção de modelos baseado no critério de informação de Akaike (AIC), para selecionar o modelo (combinações de variáveis ambientais) que melhor explicava o resultado. Resultados De acordo com a análise de componentes principais, tanto para o conjunto de dados referente à estrutura da vegetação quanto para o referente à cobertura do solo e dossel, o primeiro componente não foi considerado satisfatório, pois não apresentou uma separação refinada dos dados. Assim, para ambos os conjuntos foi utilizado o segundo componente principal, sendo selecionada, para o conjunto de estrutura da vegetação, a variável ‘circunferência do arbusto’, e para o conjunto cobertura do solo e dossel, a variável ‘cobertura de outras plantas’. Entretanto, o teste exato de Fisher foi significativo apenas em relação à estrutura da vegetação (Tabela 1).

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Tabela 1. Resultados obtidos para o teste exato de Fisher comparando a presença de espinhos em ramets de Smilax campestris em relação à estrutura da vegetação e à cobertura do solo e dossel.

Sem espinhos Intermediário Com espinhos

Arbustiva 5 4 1

50,00% 40,00% 10,00%

Arbórea 5 0 5

50,00% 0,00% 50,00%

Fisher = 8.456; df = 2; p = 0.014

Menos

cobertura 5 3 1

55,56% 33,33% 11,11% Mais

cobertura 5 1 5

45,45% 9,09% 45,45%

Fisher = 3.757; df = 2; p = 0.152

A partir da análise de seleção de modelos, aquele que se mostrou mais adequado para explicar a variação na proporção de espinhos foi a relação entre ‘cobertura de outras plantas’ e ‘cobertura do dossel’ – modelo mínimo adequado, sendo que o GLM demonstrou que o modelo apontado é significativo (Tabela 2). Tabela 2. Resultado da regressão obtido pelo Modelo Linear Generalizado para relacionar a cobertura do solo e do dossel com a proporção de ramets com espinhos de Smilax campestris.COP – Cobertura de Outras Plantas, CDO – Cobertura de Dossel.

Desvio

estimado Erro T p

(Intercepto) -0.288509 0.189235 -1.525 0.1457

COP 0.010571 0.003895 2.714 0.0148

CDO 0.009057 0.003393 2.669 0.0162

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Discussão

Reajustes anatômicos, fisiológicos e moleculares são comuns em plantas submetidas a condições de estresse para evitar ou tolerar suas restrições (Lütge, 1997). Algumas vezes, ao investir em ajustes devido ao estresse, podem se tornar mais suscetíveis a outros fatores, como herbivoria. Contudo, o contrário também acontece, um ajuste para determinado fator de estresse pode gerar benefícios secundários (Larcher, 1986).

Uma vez que os custos para produção de defesas em condições restritivas são grandes, as plantas que estão submetidas a condições de estresse são menos capazes de desenvolver defesas químicas e físicas contra herbívoros (Rhoades, 1979). Nesse trabalho, constatamos que a cobertura do dossel e a cobertura do solo por vegetação influenciam a presença de espinhos em S. campestris, sendo que áreas com maior cobertura, tanto de dossel, quanto de solo, são propícias para seu aparecimento.

Visto que o espinho é uma defesa opcional da planta (Paula & Vasconcelos, 2009), uma possível explicação para esse fato é que, em locais com maior cobertura vegetal, o estresse hídrico deve ser menor que em regiões mais abertas de restinga, portanto, a planta poderia investir mais em defesas contra herbivoria. Entretanto, o modo como fatores de estresse afetam a herbivoria é ainda muito vago na interação inseto-planta (Stamp, 2003).

Em experimento, Vasconcelos e colaboradores (2009) viram que a densidade de espinhos em Solanum lycocarpum não diferia significativamente em resposta à herbivoria, mas diferiu entre os tratamentos de resposta hídrica, sendo significativamente maior nas plantas que não receberam água – padrão diferente do que encontramos. Assim como eles, achamos que essa variação de espinhos nas folhas precisam ser melhor investigadas, pois, apesar de perceber uma relação da presença de espinhos com alguns fatores estruturais do ambiente, também não conseguimos descrever com precisão a resposta da planta à fatores bióticos e abióticos.

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Agradecimentos

Gostaríamos de agradecer à Floram e todos os funcionários do Parque Municipal da Lagoa do Peri. Ainda, aos professores e alunos organizadores do Curso de Campo do Programa de Pós Graduação em Ecologia – UFSC, bem como as professoras Sarita e Malva, orientadoras desse projeto. Não menos importante, somos gratos aos nossos colegas de curso, que compartilharam muitos momentos com a gente.

Bibliografia Begon, M.; Townsend, C.R. & Harper, J.L. 2007. Ecologia: de indivíduos a

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Ecologia de campo: abordagens no mar, na terra e em águas continentais PPG Ecologia UFSC 2013

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Influência das características da vegetação na ocorrência de herbivoria por galhadores e mastigadores sobre salsaparrilha

(Smilax campestris) em ambiente de restinga

Romeu, B., Batilani-Filho, M., Faveri, S. B., Hernández, M. I. M.

Introdução A interação planta-animal mais comum é a herbivoria, com os consumidores funcionando como predadores ou parasitos, conforme consomem a planta inteira ou apenas partes vivas, sem levar a planta à morte (Aoyama & Labinas, 2012). Os herbívoros podem ser tanto invertebrados (nematoides, moluscos, insetos) quanto vertebrados (aves e mamíferos) (Crawley, 1997). No caso dos invertebrados, a herbivoria feita por insetos é também chamada de fitofagia e está relacionada ao aparelho bucal do inseto (Gullan & Cranston, 2010). De modo geral, as peças bucais dos insetos fitófagos podem ser de dois tipos: mastigadoras e sugadoras (Aoyama & Labinas, 2012). O ataque por insetos mastigadores são muito mais evidentes do que o realizado por sugadores, por ser uma alimentação externa, havendo consumo foliar (ou de outras partes da planta). Os sugadores realizam uma alimentação interna, consumindo apenas a seiva elaborada, sem deixar marcas evidentes (Gullan & Cranston, 2010). Dentre as ordens de insetos que consomem folhas, os grupos mais diversos neste tipo de herbivoria são Lepidoptera e Coleoptera. Não só as larvas de borboletas, mariposas e besouros, mas também os próprios besouros adultos se alimentam das folhas (Gullan & Cranston, 2010), arrancando e mastigando pedaços da planta (Aoyama & Labinas, 2012) e deixando lesões que se caracterizam por recortes ou perfurações. Outro tipo de herbivoria, resultante de uma interação planta-animal mais especializada, é a realizada por indutores de galha. As galhas podem ser induzidas por vírus, bactérias, fungos, nematoides e ácaros, mas a maioria delas é causada por insetos podendo ser encontradas e todas as partes da planta, mas a maioria ocorre nas folhas (Fernandes et al., 1988; 1997; Gullan & Cranston,

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2010; Maia, 2013). Em ambientes de restinga no sul do Brasil os indutores de galhas pertencem às ordens Diptera, Lepidoptera, Hemiptera, Coleoptera, Thysanoptera e Hymenoptera, e destes, os Cecidomyiidae (Diptera) destacam-se como o principal grupo galhador e são os únicos insetos a induzir galhas em todos os órgãos vegetais, mostrando uma forte preferência por folhas (Maia, 2013). Os galhadores estimulam a planta a criar um ambiente adequado ao seu desenvolvimento e alimentação, à custa do crescimento patológico de células, tecidos e órgãos da planta, com um aumento do número de células (hiperplasia) ou do tamanho das células (hipertrofia) (Gullan & Cranston, 2010). Os insetos galhadores geralmente são monófagos, atacando uma única espécie de planta, e as galhas comumente apresentam estrutura específica dependendo do inseto que a induz. A espécie S. campestris é popularmente conhecida como salsaparrilha, japecanga-do-campo ou japeganga, é nativa do Brasil, Bolívia, Paraguai, Uruguai e Argentina (Alice et al., 1995). Comum nas restingas da Ilha de Santa Catarina, S. campestris ocorre tanto em ambientes naturais como naqueles com espécies exóticas, e por sua distribuição abranger locais abertos e fechados, considerando a estrutura da vegetação, a S. campestris é um modelo interessante para estudos sobre a dinâmica da herbivoria. A incidência de herbivoria sobre a espécie é maior em locais fechados, provavelmente devido à maior proteção fornecida por estes ambientes para os organismos herbívoros (Bento et al., 2006). Corroborando a este dado, a relação dos tipos de herbivoria com a estrutura vegetal do ambiente sugere que galhadores e mastigadores preferem plantas que não estejam afetadas por fatores estressores, como restrição hídrica ou de nutrientes (Gullan & Cranston, 2010). Sendo assim, na tentativa de compreender os fatores que determinam a herbivoria Zanette-Silva e colaboradores (página 79 desta edição) investigaram se a presença de espinhos nos rametos de S. campestris determina a incidência de danos, sem achar correlação entre os fatores, de modo que a pergunta sobre os

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fatores que influenciam na frequência de danos nesta espécie permanece sem resposta. Neste contexto, testamos a hipótese de que a frequência de danos causados por galhadores e mastigadores sobre as folhas de S. campestris é maior em ambientes de restinga com espécies arbóreas exóticas, comparada com áreas de restinga sem espécies arbóreas exóticas. Além disso, testamos esta frequência em relação a características do ambiente, como cobertura do solo, cobertura arbustiva e de dossel. Métodos Área de estudo O estudo foi realizado em 25/10/2013, na Trilha da Figueira em uma área de aproximadamente 300 m localizada na região sudeste do Parque Municipal da Lagoa do Peri, Florianópolis, SC. A área se caracteriza por vegetação de restinga, em estágio de regeneração, havendo locais com Pinus sp. e Eucalyptus sp. e locais onde estas espécies arbóreas já foram removidas. Coleta de dados Foram avaliados 54 ramets de S. campestris (salsaparrilha), escolhidos em ambiente de restinga com e sem espécies arbóreas exótica, sempre respeitando-se uma distância mínima de cinco metros entre eles. Todos apresentavam sinais de herbivoria, e procedeu-se a contagem do número de folhas com danos causados por galhadores e o número de folhas com danos causados por mastigadores em cada ramet. Destes ramets, 28 estavam em ambiente de restinga sem espécies arbóreas exóticas e 26 estavam em restinga com espécies arbóreas exóticas (Pinus sp. e Eucalyptus sp.). Foram avaliadas características ambientais referentes à estrutura da vegetação no entorno de cada ramet, sendo elas: porcentagem de cobertura vegetal do solo, avaliada em 0,1 m²,

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porcentagem de cobertura arbustiva à altura do peito (1,30 m) e porcentagem de cobertura de dossel, ambas avaliadas com um quadrat de 100 cm² para definir a área de visualização para o cálculo da porcentagem. Análise de Dados Com os dados de número de ramets com danos causados por galhadores e número de ramets com danos causados por mastigadores foi realizado um teste Exato de Fisher considerando os dois tipos de ambientes: restinga sem espécies arbóreas exóticas e restinga com espécies arbóreas exóticas. O número de folhas com danos causados por galhadores e mastigadores foi submetido ao mesmo teste. Estas análises foram realizadas no software Statistica (2004). Em seguida foi realizado um modelo linear generalizado (GLM) de regressão múltipla binomial considerando as características ambientais referentes à estrutura da vegetação, nesta regressão as variáveis respostas qualitativas foram ter (1) ou não ter (0) ramets com galhas (Crawley 2007). O número de folhas com galhas foi analisado em função destas características ambientais utilizando uma regressão múltipla (Crawley 2007). Estas análises foram realizadas no software R (2013). Resultados Dos 54 ramets de Smilax campestris (salsaparrilha) analisados, 11 apresentaram danos relacionados a galhas e 51 apresentaram danos relacionados a mastigadores, de modo que oito ramets possuíam os dois tipos de danos. Quanto às folhas com marcas de herbivoria, 29 apresentaram herbivoria por galhadores, das quais 20 eram provenientes de ramets em restinga sem espécies arbóreas exóticas, e 271 herbivoria por mastigadores, sendo 138 de área sem espécie arbóreas exóticas (Figura 1).

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A frequência de ramets com cada um dos danos não apresentou associação entre os ambientes com e sem espécies arbóreas exóticas (p = 0,136). No entanto, a frequência de folhas com danos causados por galha esteve associada ao ambiente de restinga sem espécies exóticas (p = 0,008), enquanto a frequência de danos causados por mastigadores foi similar entre os dois locais (Figura 1).

Figura 1. Número de ramets (em cima) e folhas (em baixo) de Smilax campestris com danos por herbivoria causada por galhadores e mastigadores em ambiente de restinga com e sem espécies arbóreas exóticas.

As análises de regressão múltipla não evidenciaram

influência das características ambientais referentes à estrutura da

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vegetação sobre a incidência de herbivoria por galhadores, tanto nos ramets (Tabela 1) como nas folhas (Tabela 2).

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Tabela 1. Resultados da regressão múltipla (binomial) de herbivoria (ter ou não ter galhas por rametos) em relação às características ambientais referentes à estrutura da vegetação.

Coeficientes Estimativa Erro Padrão Valor z Pr (>|z|)

Cobertura Vegetal do Solo -0.010 0.015 -0.672 0.502 Cobertura por Arbusto 0.027 0.028 0.944 0.345

Dossel -0.018 0.017 -1.060 0.289

(Intercepção) -0.753 0.877 -0.859 0.391

Tabela 2. Resultados da regressão múltipla (normal) de herbivoria (número de folhas com galha) em relação às características ambientais referentes à estrutura da vegetação.

Coeficientes Estimativa Erro Padrão Valor z Pr (>|z|)

Cobertura Vegetal do Solo -0.008 0.011 -0.790 0.433 Cobertura por Arbusto -0.004 0.021 -0.199 0.843

Dossel -0.015 0.011 -1.360 0.180

(Intercepção) 1.367 0.646 2.115 0.0394 *

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Discussão As taxas de herbivoria podem ser influenciadas pela composição, densidade e diversidade de vegetação no entorno da planta alvo (Brown & Ewel, 1987), uma vez que locais com alta diversidade de plantas permitem maior diversidade de insetos herbívoros. Contudo, é comum que as espécies sofram menos com a herbivoria em ambientes floristicamente mais complexos do que em ambientes monoespecíficos, com vários mecanismos propostos para explicar este fenômeno, apesar de estudos empíricos não serem concordantes quanto a isso (Brown & Ewel, 1987). Estes mecanismos envolvem a menor densidade da planta em áreas de vegetação mais complexa, o aumento da abundância de insetos predadores e parasitos, a interferência física no comportamento do inseto herbívoro devido à complexidade estrutural da vegetação e o desvio de insetos polífagos para outras espécies de plantas mais palatáveis (Brown & Ewel, 1987). No entanto, apesar da frequência de danos causados por mastigadores não apresentar diferenças entre os ambientes, nossos resultados indicaram maior frequência de galhas na restinga sem espécies exóticas, o que corrobora com o proposto pelos autores. Ainda segundo Brown & Ewel (1987), a somatória dos mecanismos anteriores pode conduzir a uma situação em que a taxa de herbivoria em ambientes complexos seja igual ou maior que aquelas observadas em ambientes menos complexos. A taxa de herbivoria pode apresentar diferentes respostas dependendo do que está se medindo. Brown & Ewel (1987) não encontraram diferenças na herbivoria causada por mastigadores quando avaliada por área de solo entre ambientes com diferentes complexidades e diversidade vegetal, no entanto encontraram que os ambientes com menor riqueza de espécies sofreram maior impacto pela herbivoria quando considerado a perda de área foliar. Neste sentido, o número de folhas com galhas foi uma variável mais sensível que o número de ramets, uma vez que rametos do mesmo tamanho podem apresentar número de folhas diferenciado. Os

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resultados obtidos, que mostram igualdade na frequência de herbivoria causada por mastigadores em ambos tipos de ambiente, podem estar influenciados pela medida adotada, o número de ramets ou folhas, ou seja, caso a medida fosse a porcentagem foliar consumida, poderia haver alguma associação. Quanto à complexidade estrutural, Bento e colaboradores (2006), estudando S. campestris, encontraram que a frequência de herbivoria causada por mastigadores foi maior em ambientes fechados, não encontrando associação com a frequência de danos causados por galhas. Nosso estudo corrobora o achado destes autores, uma vez que não foi observado influência das características da vegetação com a frequência de galhas. No entanto, a restinga sem espécies exóticas é uma área em regeneração, uma vez que ocorreu recentemente o corte seletivo das espécies exóticas. Estas clareiras podem ter homogeneizado o ambiente para as variáveis ambientais mensuradas. O conhecimento sobre espécies de insetos galhadores ainda é muito escasso para as restingas. Com exceção da região sudeste, há poucos registros de preferência, especificidade ou ecologia destes organismos (Maia, 2013). Para a família Smilacaceae há registros de nove morfotipos de galhas (Maia, 2013), mas não há registros das variáveis que determinam a sua frequência. Contudo, de modo geral galhadores são espécie-específicos quanto à planta hospedeira e, muitas vezes, ao órgão da planta, com alto grau de especificidade (Abrahamson et al., 1998). Ou seja, os galhadores que atacam a salsaparrilha podem ser específicos desta planta. Com isso, é possível pensar que onde há maior densidade desta planta, maior será também a densidade de seu galhadores. Isto poderia explicar a maior frequência de ramets e folhas com danos causados por galhas na área de restinga sem espécies arbóreas exótica, onde aparentemete a concentração destas plantas era maior. Isto explicaria o fato de termos encontrado maior frequência de danos por galhas em área sem espécie arbórea exótica, corroborando uma de nossas hipóteses, porém não temos encontrado relação da presença de galhas com as características estruturais da vegetação, nossa segunda hipótese, pois este aspecto não estaria relacionado

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diretamente com outras espécies vegetais, mas com a densidade da própria planta em estudo no local. Esta afirmação, contudo, só poderá ser confirmada em estudos futuros que façam um levantamento da densidade de salaparrilha em cada uma das áreas. Agradecimentos Agradecemos aos funcionários do Parque Municipal da Lagoa do Peri, por compartilharem seu espaço de trabalho conosco e à FLORAM por permitir o estudo na área. Referências Abrahamson, W.G., Melika, G., Screfford, R. & Csóka, G. 1998. Gall-

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Efeito do tempo de amostragem na riqueza estimada de formigas no Parque Municipal Lagoa do Peri, em

Florianópolis, SC

Riul, P., Batista, G., Rosumek, F. B. & Hernández, M.I.M. Introdução A riqueza de espécies em uma área é um componente fundamental da estrutura de comunidades. A curva de acumulação de espécies é uma das formas de representar e estimar a riqueza, contudo, dificilmente as medidas que descrevem a diversidade de espécies podem ser comparadas entre os estudos devido à variação na intensidade de amostragem e ao uso de diferentes métodos (Santos, 2006). As formigas são um grupo relativamente bem estudado, apresentam grande diversidade, fornecem respostas rápidas e de importância ambiental, por isso são excelentes organismos para estudos ecológicos (Dunn et al., 2010). Apesar da abundância e da facilidade de coletar formigas, várias características biológicas deste táxon dificultam as amostragens. O padrão de distribuição pode diferir em escalas espaciais distintas, pois os indivíduos se agregam em colônias em escalas pequenas e as próprias colônias são distribuídas de acordo com interações bióticas e fatores ambientais. Dentre as técnicas de amostragem mais comuns para capturar formigas destacam-se as armadilhas de queda, iscas, coletas manuais e contagens de colônias (Hölldobler & Wilson, 1990). As técnicas passivas, como armadilhas de queda e iscas, possuem vantagem devido à padronização do esforço amostral, uma vez que as capturas independem da experiência dos coletores (Cechin & Martins, 2000). Entretanto, essas técnicas podem apresentar resultados diferenciados devido à diferença no comportamento das espécies (Hölldobler & Wilson, 1990). O uso de iscas é uma técnica muito utilizada para amostragem de formigas, pois é simples, com baixo custo e pode ser replicada

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extensivamente. Iscas podem ser utilizadas isoladamente ou em conjunto com outro método, como as armadilhas de queda. Apesar de aumentar a atratividade para certas espécies, este método pode excluir sistematicamente alguns componentes da fauna, devido aos hábitos alimentares especializados de algumas espécies, ou à monopolização por espécies dominantes de recrutamento massivo (Hölldobler & Wilson, 1990). O tempo sugerido de amostragem com esta técnica é de uma hora (Bestelmeyer et al., 2000), o que pode ser suficiente para a ocorrência de dominância e recrutamento em massa. A sucessão de espécies ao longo do tempo em iscas é bem documentada (Silvestre et al., 2003) e inclusive há propostas de um "trade off" evolutivo entre formigas com capacidade de descobrir rapidamente recursos e formigas com capacidade de dominar e excluir outras espécies das fontes de recursos, o que permitiria a coexistência de uma grande quantidade de espécies na comunidade (Fellers, 1987; Davidson, 1998). Ao mesmo tempo em que o intervalo de uma hora pode permitir a coleta de espécies de ambos os lados do espectro, também pode permitir a exclusão competitiva por parte de uma espécie dominante, caso esta descubra a isca com certa rapidez. O objetivo deste trabalho foi comparar as estimativas de riqueza de morfoespécies de formigas capturadas em iscas e armadilhas de queda iscadas durante diferentes tempos de exposição num ambiente de mata atlântica no Sul do Brasil. Métodos Área de estudo e coleta de dados A coleta de dados foi realizada no dia 25 de outubro de 2013, entre as 9h e 16h, em uma área de mata na Trilha do Saquinho, localizada na porção norte do Parque Municipal Lagoa do Peri, em Florianópolis- SC (27°43'1.55"S, 48°30'59.22"O). Foram utilizadas 40 armadilhas de queda (300 ml) contendo isca de sardinha em um recipiente (50 ml) e solução de detergente com água. As armadilhas foram enterradas casualmente ao longo de dois

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transectos lineares distantes 10 m entre si. Inicialmente foram instaladas as armadilhas que passariam o maior intervalo de tempo (2h) ativas, seguidas das de tempo intermediário (1 hora e 30 mim e 1 hora) e finalmente as armadilhas que passariam o menor intervalo (30 min). Após a instalação, a cada 30 minutos, as dez armadilhas correspondentes ao intervalo foram coletadas. Adicionalmente, foram utilizadas 10 armadilhas de papel toalha (12 cm x 12 cm) com isca de sardinha no chão, expostas durante 1 h. Todas as armadilhas (queda e papel) foram posicionadas a uma distância mínima de 10 metros entre si. O material foi encaminhado para triagem e separado em morfoespécies utilizando o auxílio de uma lupa. As morfoespécies foram posteriormente identificadas ao nível de gênero ou espécie em laboratório. Análises estatísticas Para estimar a riqueza de espécies foi utilizado o estimador não paramétrico Jackknife 1. Foram construídas curvas de rarefação para os quatro tempos de exposição das iscas (T1, T2, T3, T4) nas armadilhas além das armadilhas no solo sobre papel (SOL) usando 50 aleatorizações no software EstimateS 8.2 (Colwell, 2009). Adicionalmente, foi utilizada uma análise de escalonamento multidimensional, baseada na distância de Sørensen para visualização das mudanças na composição das comunidades em função do tratamento. Resultados Foram registradas 11 morfoespécies de formigas, das quais seis foram identificadas até espécie (Crematogaster curvispinosa, Crematogaster nigropilosa, Odontomachus chelifer, Pachycondyla striata, Wasmannia auropunctata), seis até gênero (Pheidole sp.1, Pheidole sp.2, Pheidole sp.3, Pheidole sp.4, Solenopsis sp.1, Strumigenys sp.1) e uma somente em morfoespécie.

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Dentre as 11 morfoespécies registradas, nove ocorreram nas armadilhas de queda retiradas nos tempos de 30 min, 1 h, 1h30 e seis nas armadilhas que permaneceram durante duas horas (Tabela 1). Nas iscas colocadas sobre papel toalha, foram registradas quatro espécies e nenhuma delas foi exclusiva deste tipo de armadilha. Quatro morfoespécies ocorreram em todos os tratamentos e seis foram registradas apenas em um tratamento. As estimativas de riqueza obtidas através das curvas de rarefação com o estimador Jackknife mostraram que a estimativa de riqueza foi maior para as armadilhas expostas durante um período de tempo maior, com média de 9,6 e desvio padrão de 2 espécies para as armadilhas de 2:00hs (Figura 1). O MDS sugere que o tempo e o tipo de armadilha influenciam nas formigas coletadas e indica que as amostras coletadas em armadilhas de papel sobre o solo possuíram menor variação na composição de espécies do que aquelas coletadas em armadilhas de queda (Figura 2).

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Tabela 1. Morfoespécies de formigas capturadas no Parque Municipal da Lagoa do Peri, Florianópolis, SC, em armadilhas de queda iscadas com sardinha durante diferentes tempos de exposição: 30 min (T1), 1h (T2), 1h30 (T3), 2h (T4), e armadilhas de papel no solo (SOL).

Espécie 30 min 1h 1h30 2h SOL

Crematogaster curvispinosa x x

Crematogaster nigropilosa x x

Odontomachus chelifer x

Pachycondyla striata x X x x x

Pheidole sp1 x x

Pheidole sp2 x

Pheidole sp3 x X x x x

Pheidole sp4 X

Solenopsis sp1 X x

Strumigenys sp1 x x

Wasmannia auropunctata x

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Figura 1. Estimativas de riqueza de morfoespécies de formigas, usando o estimador Jackknife 1 + desvio padrão, capturadas no Parque Municipal da Lagoa do Peri, Florianópolis, SC, em armadilhas de queda iscadas com sardinha durante diferentes tempos de exposição: 30 min (T1), 1h (T2), 1h30 (T3), 2h (T4), e armadilhas de papel no solo (SOL).

Figura 2. Diagrama de escalonamento multidimensional baseado na semelhança na composição de formigas coletadas no Parque Municipal da Lagoa do Peri, Florianópolis, SC em armadilhas de queda iscadas com sardinha durante diferentes tempos de exposição: 30 min (T1), 1h (T2), 1h30 (T3), 2h (T4), e armadilhas de papel no solo (SOL).

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Discussão A riqueza de espécies em estudos realizados com armadilhas de queda em Florianópolis mostram um alto número de espécies: Rosumek e colaboradores (2008) registraram 81 espécies e Cereto e colaboradores (2009) 80 espécies. O fato de terem sido encontradas somente 11 espécies no presente estudo ocorreu devido ao maior esforço amostral realizado por esses autores, respectivamente, 300 e 240 armadilhas de queda, além da utilização do extrator de Winkler por Rosumek e colaboradores (2008). Adicionalmente, o alto número de espécies com baixa ocorrência indica que a riqueza de espécies no local é realmente maior que a encontrada neste estudo. Em estudo similar no Parque Estadual da Serra do Tabuleiro em Santa Catarina, Begnini & Lopes (2009) registraram 17 espécies de formigas diurnas por meio da técnica de isca no chão durante o período de uma hora. A riqueza observada pelos autores foi maior que a observada neste estudo. Considerando que o esforço amostral realizado por Begnini & Lopes (2009) foi maior (15 armadilhas) que o realizado neste estudo (10 armadilhas), sugere-se que isso pode ter ocorrido devido a diferenças nas condições climáticas no dia da amostragem dos estudos, já que no dia em que foram realizadas as coletas o clima não estava favorável à captura de formigas, ou por diferenças de complexidade estrutural dos ambientes amostrados, uma vez que existe uma relação positiva entre a riqueza de formigas e a complexidade dos ambientes. Habitats mais heterogêneos disponibilizam maior variedade de locais para nidificação, alimento, microclimas e interações interespecíficas (competição, predação, mutualismo) para as formigas se estabelecerem (Benson & Harada, 1988; Hölldobler & Wilson 1990; Reyes-Lopes et al., 2003). A diferença da composição de formigas oriunda das armadilhas de queda e de isca no chão pode ser devido à exclusão competitiva por formigas dominantes de recrutamento massivo (Davidson, 1998). A atividade predatória das formigas nas iscas apresenta variação com o tempo de exposição da isca, com o

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período do dia e sazonalidade, e são necessárias múltiplas observações para realizar uma representação mais completa da composição de espécies na comunidade (Hölldobler & Wilson 1990). Uehara-Prado (2002) discute que o tempo de uma hora para revisão das iscas no chão pode ser muito longo, sub-amostrando espécies com indivíduos grandes e eficientes na remoção, como as Ponerinae. Além disso, algumas espécies como Crematogaster sp., podem deslocar indivíduos de outras espécies por ter eficiência de recrutamento maior, seja pela maior densidade de ninhos ou maior atração pela isca. Entretanto, é possível que o tempo de amostragem de uma hora para a técnica de isca no chão apresente resultado similar ao uso de armadilhas de queda pelo mesmo período. No entanto, aumentar o tempo de amostragem da técnica de isca no chão pode apresentar um resultado que não seja representativo da comunidade estudada já que algumas espécies podem ser excluídas da amostra por outras espécies dominantes (Davidson, 1998). Já as armadilhas de queda podem permanecer em campo por mais tempo e acumular mais espécies, uma vez que não permitem o recrutamento em massa e a monopolização por espécies dominantes. Assim, é possível que o maior tempo de amostragem com essas armadilhas possibilite o registro de mais espécies, principalmente, as raras, proporcionando melhor representação da comunidade. A desvantagem do uso das armadilhas de queda é que o tipo de solo pode ser um fator limitante para a utilização deste método devido à dificuldade de instalação, por exemplo, em afloramentos rochosos e solos hidromórficos (Bestelmeyer et al., 2000). O uso de diferentes métodos de coleta e um grande tempo de amostragem são componentes essenciais para possibilitar uma representação adequada da riqueza e composição de espécies de uma comunidade. Neste trabalho, embora com um número reduzido de amostras, foi observada uma tendência de aumento na riqueza de espécies de formigas capturadas de acordo com a duração da exposição das armadilhas iscadas.

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Agradecimentos

Agradecemos ao Biotério da UFSC pelo fornecimento das iscas utilizadas neste estudo, bem como todos os funcionários do Parque Municipal da Lagoa do Peri e à FLORAM pelo apoio logístico durante a realização do curso.

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Ecologia de campo: abordagens no mar, na terra e em águas continentais PPG Ecologia UFSC 2013

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Descrição da reação da formiga-dourada Camponotus

sericeiventris Guerín-Meneville, 1838 (Hymenoptera: Fomicidae) ante a sinalização química do besouro Canthon

rutilans cyanescens Laporte, 1840 (Coleoptera: Scarabaeidae)

Becker, E., Beirão, L., Batista, M. & Favila, M.E.

Introdução As estratégias de defesa contra predação são adaptações evolutivas desenvolvidas ao longo do tempo e reduzem a probabilidade das presas de serem atacadas ou mortas (Edmunds, 1974). Os predadores atuam como agentes seletivos na evolução das suas presas, pois todas desenvolveram defesas de natureza comportamental, física, morfológica ou química contra a predação (Edmunds, 1974; Begon et al., 1990). Os besouros escarabeíneos (Scarabaeidae: Scarabaeinae) possuem duas glândulas na região ventral do abdômen que secretam substâncias químicas. Essas glândulas possuem várias funções. Elas produzem ceras para diminuir a superfície de transpiração, feromônios sexuais relacionados à atração e seleção sexual e secreções de defesa contra predadores (Scholtz et al., 2009; Favila et al., 2012). Recentemente, compostos à base de fenol, geraniol e guaiacol, foram reportados como substâncias de defesa para diferentes espécies de insetos, inclusive testados experimentalmente para o besouro rodador do gênero Canthon (Cortez et al., 2012). Os besouros rodadores passam boa parte do tempo na superfície do solo rodando bolas de alimento, dessa maneira, estão mais vulneráveis a predação. Os principais registros de predação em espécies do gênero Canthon estão relacionados com formigas (Cortez et al., 2012). A maior parte das formigas não apresenta relações restritas de predação com outros animais. Apesar disso, indivíduos de várias espécies de besouros já foram observados sendo predados por formigas e, consequentemente, apresentam

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reações de defesas contra elas (Bluthgen & Feldhaar, 2010). Cortez e colaboradores (2012) observaram que há uma forte reação de rejeição das formigas ao tocarem espécies de besouros escarabeíneos com suas antenas, o que demonstra que os besouros podem apresentar defesas contra as formigas, inclusive químicas.

Dessa maneira, nosso objetivo foi observar e registrar a reação da formiga Camponotus sericeiventris em contato com a secreção do besouro Canthon rutilans cyanescens. Além disso, testamos se a reação da formiga é diferente para a secreção de besouros machos e de fêmeas.

Métodos Para descrever o comportamento das formigas Camponotus sericeiventris em relação a Canthon rutilans cyanescens, foram capturados indivíduos de C. r. cyanescens em armadilhas ao longo da Trilha do Saquinho, na porção norte do Parque Municipal Lagoa do Peri Peri (27⁰ 43’ 05,62”S; 48⁰ 30’ 49,93”W). Também, foram capturadas C. sericeiventris em armadilhas próximas à sede do Parque. Com o objetivo de observar a reação da formiga Camponotus sericeiventris, os indivíduos foram colocados em bandejas brancas e apresentados a papéis triangulares isóceles de 1 x 2 cm, com mistura de água e açúcar (controle), e em seguida, com secreção de besouros da espécie Canthon rutilans cyanescens. Foram testadas 10 secreções de machos e 10 de fêmeas, frente a 10 formigas. A secreção do besouro é muito volátil, por isso foi necessário que o papel fosse apresentado para a formiga muito rapidamente. As respostas das formigas foram observadas em até 20 segundos. Se o comportamento não fosse observado antes desse tempo, era considerado que a formiga ignorou o papel. Os comportamentos foram registrados com fotos e vídeos. As possíveis reações das formigas foram caracterizadas como: Recusa -> o indivíduo recolhe as antenas e evita o papel

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Aceita -> o indivíduo vai com as antenas e o corpo em direção ao papel ou ignora o papel

Figura 1. Apresentação do papel triangular com água e açúcar para a formiga Componotus sericeiventris, mostrando a reação de aceite da formiga

Para a análise estatística foi feito um teste Exato de Fischer para testar se havia diferença entre recusa e aceita. Em sequência, foi feito um teste binomial para testar se há diferença entre a resposta da formiga em contato com a secreção dos machos ou das fêmeas dos besouros. Os testes foram feitos no software R.

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Resultados As formigas apresentaram um comportamento claro de repulsa quando apresentadas à substância produzida pelas glândulas pigidiais dos besouros, quando comparadas aquelas do controle (água e açúcar). Para as secreções de besouros fêmeas, observamos que nas formigas houve 9 “Recusa” e 1 “Aceita”. Já para a secreção de machos, foi observado 6 “Recusa” e 4 “Aceita”. O teste Exato de Fisher não detectou diferenças significativas nas respostas comportamentais das formigas às secreções (p=0,3034), considerando apenas o tipo de resposta sem segregar em fêmeas e machos. Entretanto, no teste binomial, quando separadas as secreções de fêmeas e machos de Canthon rutilans cyanescens, observamos que houve diferenças significativas em relação ao sexo – fêmea (p=0,0390) e macho (p=0,6875). Formigas recusaram mais as secreções das fêmeas do que as secreções de machos (fig.2).

Figura 2. Número de observações e tipo de respostas comportamentais ao contato com as secreções pigidiais dos escarabeíneos.

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Discussão Sinalizações, em geral, podem ter um alto custo para o indivíduo. Dessa maneira, pode-se pensar que há uma forte seleção para que esses sinais sejam menos custosos e mais eficientes possíveis (Krebs & Davies, 1997). Nosso resultado sugere que o sinal químico produzido pelas glândulas pigidiais do escarabeídeo Canthon rutilans cyanescens provavelmente está relacionado à defesa anti-predação, funcionando como um alerta para espécies predadoras (Cortez et al., 2012). O sinal químico também causou um comportamento agonístico em alguns indivíduos, o que também foi observado por Cortez et al. (2012) para a mesma espécie de formiga. A morfologia da antena de Componotus sericeiventris, possibilita a combinação de funções olfativas e gustativas, além de funcionar como um receptor que é quimio-sensível para contato (Hashimoto, 1990; Martini & Schmidt, 1984). No experimento conseguimos perceber que a resposta da formiga ao sinal químico foi muito rápida. Isso demonstra que essa arma química do besouro pode ser utilizada como uma defesa anti-predação contra a formiga. Em outra perspectiva, encontramos que a secreção das fêmeas apresentou maior número de recusas que a secreção dos machos. Para as fêmeas, a produção da secreção está relacionada com a esterilização dos ninhos, contra fungos e bactérias (Favila, 1993). Dessa maneira, é possível que as fêmeas produzam maior quantidade da substância. Também é interessante evidenciar que há variação na quantidade de secreção produzida entre os indivíduos machos, o que pode estar relacionado à seleção sexual (Favila et al.,2012). Cortez e colaboradores (2012) encontraram uma relação diferente entre a resposta da formiga Camponotus sericeiventris para a secreção de machos e fêmeas. Em seu experimento, eles observaram uma maior rejeição das formigas em contato com a secreção dos machos do que das fêmeas. Provavelmente, esta diferença nos resultados pode estar relacionada a quantidades de secreção entre espécies distintas de escarabeíneos. Além disso, por

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dificuldades metodológicas os indivíduos machos foram mantidos todos juntos, o que pode ter causado estresse e levado a disputas, e consequentemente, à produção de secreções das glândulas pigidiais antes do experimento. Esse estudo reforçou que as secreções químicas dos besouros realmente afugentam e levam a respostas claras das formigas para evitar contato com o composto. Estudos deste tipo podem ser importantes ferramentas para aplicação na agricultura, visto que o conhecimento dos compostos produzidos nas glândulas (fenóis) e as respostas comportamentais dos organismos alvo podem contribuir para o controle e monitoramento de pragas. Agradecimentos

Agradecemos ao Biotério da UFSC pelo fornecimento das iscas utilizadas neste estudo, bem como todos os funcionários do Parque Municipal da Lagoa do Peri e à FLORAM pelo apoio logístico durante a realização do curso. Bibliografia Begon, M., Harper J.L. & Townsend, C.R. 1990. Ecology: individuals,

populations and communities. Tauton, Blackwell Science. 945p. Blüthgen, N. & Feldhaar, H. 2010. Food and Shelter: How resources

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(Scarabaeinae: Scarabaeini): aspectos ecológicos y evolutivos, y sus posibles aplicaciones. In:. Rojas, J.C. &. Malo E.A. (Orgs). Temas Selectos en Ecología Química de Insectos El Colegio de la Frontera Sur. Tapachula. Mexico. 446p.

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Combates entre machos de Canthon rutilans cyanescens Laporte, 1840 (Coleoptera: Scarabaeidae) por fêmeas de

diferentes tamanhos

Valadares, K. M. O., Santos, F., Favila, M. E.

Introdução

O comportamento sexual de várias espécies de Scarabaeinae tem sido estudado, assim como os fatores que interferem na vida reprodutiva e as etapas de atração e seleção sexual (Halffter & Edmonds, 1982; Halffter, 1997; Favila et al., 2012). Para a reprodução dessas espécies ocorre a competição entre machos para fertilizar a fêmea. As etapas da reprodução são relacionadas ao comportamento verificado e às estratégias anatômicas e fisiológicas, que favorecem o sucesso reprodutivo, determinado previamente pela atração e seleção sexual (Chamorro-Florescano & Favila, 2008).

A atração sexual é determinada pela liberação de feromônios que estão relacionados com glândulas abdominais e pigidiais e que funcionam como uma substância química que atrai a fêmea com que os machos irão nidificar (Favila, 2001). O comportamento observado no macho corresponde a ficar de cabeça para baixo, apoiando o clípeo no solo e levantando o corpo com ajuda das patas anteriores e medianas, estendo suas patas posteriores em intervalos que variam conforme a espécie (Bellés & Favila, 1983; Favila et al., 2012). Também é observado o movimento de esfregar as patas no abdômen como se as estivessem limpando (Favila, 2001; Favila et al., 2012). O processo de atração ocorre próximo à fonte alimentar, do lado da bola que é rodada pelo macho ou na região em que tenha enterrado a mesma (Favila et al., 2012).

A seleção intrassexual ocorre entre membros do mesmo sexo quando eles competem pelo acesso aos indivíduos do sexo contrário para se reproduzirem (Andersson, 1994). Geralmente os machos competem pelas fêmeas, entretanto o oposto também

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pode acontecer. Em escarabeídeos telecoprídeas ou “roladores" a competição entre machos por fêmeas não é direta, e sim pela bola de alimento que um dos machos fez anteriormente com excrementos. Um macho pode rolar uma bola de alimento sozinho ou com uma fêmea, a qual, como mencionado anteriormente, viaja sobre a bola (Halffter & Matthews, 1966). Os combates pela posse apenas da bola, ou da bola com a fêmea sobre a mesma são descritos em várias espécies de roladores (Matthews, 1963; Halffter & Matthews 1966; Sato & Imamori, 1987; Edwards & Aschenborn, 1988; Sato, 1998; Sato & Hiramatsu, 1993; Favila & Díaz, 1996; Halffter & Favila, 2011). Os combates pela bola de alimento tem um grande significado biológico, já que se luta para obter o recurso com que se atrai a fêmea a curta distância, com a qual o macho proprietário pode nidificar.

O combate pode ser afetado por vários fatores, tais como o tamanho, em que o macho maior geralmente ganha a disputa, porém quando é proprietário, tem vantagem sobre o invasor independente das dimensões que apresenta (Sato & Hiramatsu, 1993; Chamorro-Florescano & Favila, 2008; Favila et al., 2012). A maturidade sexual também influencia a seleção: machos pequenos maduros podem ganhar quando em disputa com machos imaturos; também há identificação se a fêmea já está previamente copulada e alguns machos podem ser mais atrativos que outros (Chamorro-Florescano et al., 2011; Favila et al., 2012). Uma fêmea pode copular com vários machos durante a sua vida, o que favorece a diversidade genética incrementando o valor adaptativo dessas espécies, mas também ocorre o favorecimento da capacidade espermática entre machos rivais (Favila et al., 2005).

Neste trabalho, buscamos verificar se o tamanho da fêmea influencia na decisão de combate de machos de tamanhos similares, em Canthon rutilans cyanescens. Utilizamos relações simétricas, onde os machos (proprietários ou invasores) possuíam tamanhos similares, porém foram utilizadas fêmeas maiores ou menores que os machos invasores. A hipótese levantada é de que há diferença no desempenho de combate de machos proprietários e invasores em

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relação ao tamanho das fêmeas. Fêmeas maiores que os machos combatentes seriam mais defendidas pelos machos proprietários, já que estes ganhariam mais combates que os machos proprietários que tenham fêmeas menores que eles.

Metodologia Coleta de dados

As coletas ocorreram numa área de Floresta Ombrófila Densa de Mata Atlântica, na porção norte do Parque Municipal da Lagoa do Peri, em Florianópolis/SC. Utilizaram-se armadilhas pitfall e fezes de cachorro como atrativo. Os besouros foram coletados e identificados e alocados separadamente de acordo com o sexo. Como não há aparente dimorfismo sexual, os machos foram marcados individualmente com esmalte branco, diferenciando-se os proprietários e invasores de acordo com o tipo de marcação no élitro ou no pronoto, respectivamente, a fim de identificá-los durante as observações de comportamento. Salienta-se que esta marca não afeta o comportamento do besouro (Favila, 1988).

Em laboratório, montou-se um conjunto de 17 arenas, onde se colocou uma bola de fezes (1 g, aproximadamente) de cachorro em cada arena. Foram feitas combinações simétricas de machos (proprietários e invasores) com fêmeas maiores ou menores que os machos. Para a combinação em que as fêmeas eram maiores que os machos, chamadas fêmeas maiores doravante, se fez oito repetições e para a combinação de machos com fêmeas menores que eles, chamadas fêmeas menores doravante, se fez nove repetições.

Em cada arena, introduziu-se o macho, a fim de que este desenvolvesse comportamento de posse em relação ao recurso, o qual foi chamado de proprietário (Chamorro-Florescano et al., 2011). Em seguida, introduziu-se a fêmea, e verificou-se a presença ou ausência de comportamento sexual ao longo de 1 hora, após o que se introduziu o outro macho, chamado invasor. O tempo total do experimento foi de 2 horas. Durante todo o tempo de

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experimento, foram feitas observações de cada arena em intervalos regulares de dois minutos.

Foram anotados os diversos comportamentos apresentados (Figura 1) a fim de se elaborar um perfil dos tipos de comportamentos exibidos.

Figura 1. Ilustração referente aos aparatos comportamentais verificados.: 1- I-P-F-b: Invasor, Proprietário e Fêmea sobre a bola; 2-I-r: Invasor rola a bola; I-b: 3-Invasor sobre a bola; 4- I-F-b: invasor e fêmea sobre a bola; 5- I-P-b: invasor e proprietário sobre a bola; 6-P-r: Proprietário rola a bola; 7-P-F-b: Proprietário e Fêmea sobre a bola; 8-F-b: Fêmea sobre a bola; 9- P-b: proprietário sobre a bola.

Análises estatísticas

Realizou-se o Teste Exato de Fisher a fim de verificar se as diferenças observadas entre vitória ou derrota dos machos proprietários, com fêmeas maiores ou menores, eram estatisticamente significativas.

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Resultados Dentre as 17 combinações, apenas nove apresentaram comportamento de combate sexual. Em relação às fêmeas maiores, houve quatro eventos que culminaram em embate, onde três machos proprietários venceram. Em relação às fêmeas pequenas, houve cinco eventos de luta, onde em apenas um macho proprietário venceu (Figura 1). O teste exato de Fisher demonstrou que não há diferença significativa entre os resultados do desempenho de combate dos machos em relação ao tamanho da fêmea (p = 0,2063).

Figura 2. Número de machos proprietários que ganharam ou perderam a luta, em relação ao tamanho da fêmea. N=9.

O período de maior número de atividades ocorreu quando o invasor foi introduzido (Figura 2). A partir desse momento, observam-se várias interações, inclusive aquelas onde não houve interferência direta do invasor, mas provocou uma reação, como por exemplo, o deslocamento da fêmea até a bola. Dez minutos após a introdução do invasor, é possível verificar a vitória ou derrota dos machos. As atividades se encerram após duas horas de observação, onde não se observou comportamentos em relação à bola de fezes, à fêmea ou a um dos machos.

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Figura 3. Tipos de comportamento observados ao longo do tempo de experimento. Às 12:08h, introduziu-se o invasor (I-P-F-b: Invasor, Proprietário e Fêmea sobre a bola; I-r: Invasor rola a bola; I-b: Invasor sobre a bola; I-F-b: invasor e fêmea sobre a bola; I-P-b: invasor e proprietário sobre a bola; P-r: Proprietário rola a bola; P-F-b: Proprietário e Fêmea sobre a bola; F-b: Fêmea sobre a bola; P-b: proprietário sobre a bola). N= 14.

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Nas arenas onde houve atividade, os comportamentos apresentados variaram desde que o proprietário foi introduzido no início do experimento, no qual, nos primeiros momentos, o macho proprietário exibiu comportamento em relação ao recurso, permanecendo sobre a bola, sem, no entanto, rolá-la num primeiro momento. Apenas em três arenas, os machos proprietários exibiram comportamento de rolar a bola antes da introdução do invasor. Outros comportamentos observados foram a permanência da fêmea sobre a bola, sem rolagem, e a presença da fêmea e do macho proprietário sobre a bola. No início do experimento, foram observados alguns comportamentos, como:

- proprietário sobre a bola, sem rolá-la, exibindo comportamento de propriedade sobre a bola;

- proprietário e fêmea sobre a bola, o que não resultou em vitória ou derrota;

- proprietário rolando a bola, o que resultou na vitória do proprietário em três dos quatro casos;

- fêmea sobre a bola, onde em apenas um dos seis casos, venceu o invasor, nos demais, nada ocorreu. Após uma hora de experimento, com a introdução do macho invasor (Figura 3), iniciou-se uma diversidade de atividades, como:

- a presença do proprietário e do invasor sobre a bola, demonstrando claramente uma disputa, pelo recurso ou pela fêmea, a qual resultou em vitória do proprietário em duas das quatro arenas que apresentaram este tipo de atividade;

- a presença da fêmea e do invasor sobre a bola, sem ter desencadeado em vitória ou derrota do invasor, pois todos os indivíduos se desinteressaram pelos combates ou pelo recurso, neste caso;

- a presença do invasor sobre a bola, sem rolá-la, no qual, das sete arenas que apresentaram tal comportamento quatro machos invasores venceram os combates;

- invasor rolando a bola, onde em três de três arenas, o invasor venceu os combates;

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- invasor, proprietário e fêmea sobre a bola, sem rolagem, o que resultou na vitória do invasor;

- proprietário e fêmea sobre a bola, sem rolá-la, o que resultou na vitória do proprietário.

Figura 4. Comportamentos de combate apresentados após a introdução do invasor. Arena com fêmea de menor tamanho em relação aos machos. Observa-se a presença do invasor e da fêmea sobre a bola, e macho na adjacência, buscando reconquistar a posse do recurso e da fêmea.

Discussão A seleção sexual favorece, sobretudo, a obtenção de bons genes, obtida através de recombinação gênica, possível graças à reprodução sexual, tornando-se uma importante força evolutiva para as espécies (Andersson, 1994). Várias são as espécies que possuem algum tipo de dimorfismo sexual ou características de ornamentação para obter sucesso reprodutivo ou até mesmo competições intra-específicas. Tais como a plumagem em aves, ou confrontos entre machos como ocorre em muitas espécies de mamíferos e não diferentemente em espécies de artrópodes (Willemart et al., 2006).

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A competição intra-específica é sempre associada a vantagem do representante de maior tamanho, entretanto a competição regulada pelo tamanho do corpo do inseto, não é necessariamente um bom indicador de herdabilidade, pois o tamanho pode estar relacionado mais diretamente com acesso ao alimento, pois larvas que obtiveram mais recursos alimentares terão um tamanho maior na fase adulta (Reynolds & Byrne, 2012). Mesmo que ocorra uma desvantagem do macho menor, este pode adotar estratégias alternativas de cópula, além de provas de competição de espermas (Reynolds & Byrne, 2012). Apesar de não haver diferença significativa nos resultados apresentados, percebe-se uma tendência de os machos proprietários ganharem na maioria dos casos em que estão na presença de fêmea de maior tamanho. Quando estão perante fêmeas menores, os machos proprietários tendem a ser derrotados pelos machos intrusos. Em Canthon cyanellus cyanellus, Favila (dados não publicados) encontrou experimentalmente, que os machos proprietários que rodam uma bola de alimento com uma fêmea, têm maior probabilidade de ganhar os combates com machos intrusos de outras populações do mesmo tamanho conforme a fêmea é maior em relação ao tamanho dos combatentes. Na mesma população, em competições simétricas, os proprietários têm maior probabilidade de ganhar quando as fêmeas são menores, enquanto que, quando as fêmeas são do mesmo tamanho ou maiores, os machos proprietários tendem a perder os combates. Assim, o macho proprietário tem maior possibilidade de defender uma fêmea quando ela é menor e os machos intrusos estão mais motivados a ganhar as lutas quando as fêmeas são do seu mesmo tamanho ou maiores que estes ou os proprietários. Tais dados são inversos ao que ocorreu com Canthon rutilans cyanescens no presente experimento. Em um experimento recente, Paitach e colaboradores (página 105 desta edição) encontraram que, em Canthon rutilans cyanescens, machos proprietários grandes que rodavam bolas de alimento com fêmeas pequenas e se enfrentaram com invasores

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pequenos, ganharam significativamente mais combates que os machos proprietários grandes que rodavam bolas de alimento com fêmeas grandes e que se enfrentaram com machos grandes. Em relações simétricas, os machos invasores grandes ganharam a maioria dos combates onde a fêmea era grande, em relação aos machos. Em relação aos comportamentos observados, percebe-se que apenas após a introdução do invasor se pôde observar um incremento da diversidade de comportamentos. Houve, portanto uma interação com o invasor disputando a fonte de alimento, permanecendo sobre a bola, isoladamente, com a fêmea ou até mesmo com o macho proprietário. Apesar do aumento da atividade quando foi introduzido o macho invasor, de uma maneira geral os escarabeídeos, tanto os machos proprietários e invasores quanto as fêmeas de forma isolada, apresentaram baixa atividade, permanecendo a maior parte do tempo apenas sobre a bola, não sendo observados combates. Tal comportamento pode ser explicado pela baixa temperatura no dia do experimento (em torno de 20ºC) e por algum fator de estresse envolvido na manutenção e criação dos espécimes. Em Canthon i. chevrolati , Montes de Oca e colaboradores (1991) observaram que em temperatura acima de 30ºC, sob insolação, e às 12:00 horas há uma maior atividade, e quando a temperatura é menor, em dias nublados há um decréscimo, especialmente no número de indivíduos que chegam no excremento. O tipo de comportamento observado no presente estudo pode ser associado também com a maturidade sexual (Chamorro-Florescano et al., 2008). Favila (1988) observou que escarabeídeos jovens rodam sozinhos a bola de alimento, e quando maduros rodam conjuntamente com a fêmea evitando conflitos com o sexo contrário tentando manter-se na bola. A fêmea também tem a capacidade de reconhecer o estádio fisiológico dos machos através dos odores cuticulares, que provavelmente em machos velhos é diferenciado, desencadeando resposta de rejeição (Chamorro-Florescano et al., 2011). Como machos e fêmeas estavam numa

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condição de estresse, pode-se supor que respostas fisiológicas diferenciadas também ocorram, e que não haja combates intrassexuais e mesmo disputas pela fonte de alimento, devido à necessidade de não despender energia para garantir a sua sobrevivência. Sugere-se que tais comportamentos atípicos em condições de estresse sejam mais estudados, pois podem ser correlacionados com as condições de crescente degradação ambiental a que estão sujeitos na natureza, principalmente em zonas agrícolas. O experimento se passou em condições contingentes, onde o nível de estresse dos animais enclausurados e as condições climáticas do dia podem ter influenciado na baixa atividade dos indivíduos. Alguns besouros morreram, impedindo de fazer mais repetições para cada tratamento. O baixo número de amostras ocasionou a falta de significância nos resultados. Para melhor visualização dos resultados, recomenda-se que se faça uma amostragem mais robusta, com maior número de besouros e mais repetições nas arenas. Tais experimentos comumente ocorrem em ambientes controlados, onde se fazem medidas estritas de tamanho, além de rigorosas avaliações do estado fisiológico (Favila et al., 2012). Ademais, a possibilidade de existirem machos imaturos nas arenas, que não exibiram interesse pela fêmea, inviabilizou uma análise mais completa. Os resultados apresentados instigam a novos experimentos com uma amostragem mais robusta e maior controle de fatores que possam influenciar as análises.

Agradecimentos

Agradecemos ao Biotério da UFSC pelo fornecimento das

iscas utilizadas neste estudo, bem como todos os funcionários do Parque Municipal da Lagoa do Peri e à FLORAM pelo apoio logístico durante a realização do curso.

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