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Livro Experimentânea 9

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Marianice Paupitz Nucera e Wanilda Borghi (org.s)

Grupo ExperimentalAcademia Araçatubense de Letras

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Capa: Wanilda Borghi “A Fisgada” – 2011 Colagem sobre lápis de cor

Revisão: Marilurdes Martins Campezi Coordenadora do Grupo Experimental (GE)

Presidente da Academia Araçatubense de Letras (AAL) Maria Aparecida de Godoy Baracat

Mentor do Grupo Experimental: Hélio Consolaro - 1999 Secretário Municipal de Cultura de Araçatuba - SP

Criação da Logomarca GE: Wanilda Maria Meira Costa Borghi - 2009 Representante do GE no CMPCA

Projeto e Editoração Gráfica: Arlen Pontes

CTP e Impressão: Editora Somos

Ficha Catalográfica elaborada por Meiri Dalva V. de Moraes CRB8 6574/0-2

869.0(81)-1 Experimentânia 9: Grupo Experimental - 2011E96 Academia Araçatubense de Letras / Wanilda Maria M. C. Borghi; Marianice Paupitz Nucera (orgs.) - Araçatuba: Somos, 2011. 128 p. ISBN: 978-85-60886-36-4 1. Literatura brasileira 2. Poemas 3.Poesia 4. Poemas e poesias – coletânea5. Crônicas 6. SonetosI.Título II. Academia Araçatubense de Letras III. Borghi, Wanilda Maria M. C. (org.) IV. Nucera, Marianice Paupitz (org.)

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Índice

Prefácio .........................................................................................................7

Wanilda Maria Meira Costa Borghi ...................................................................9

Marianice Paupitz Nucera .............................................................................16

Isabel Moura ................................................................................................23

Carmem Silvia da Costa ................................................................................29

Manuela Sant’ana Trujilio ..............................................................................35

Ana de Almeida dos Santos Zaher .................................................................41

José Hamilton da Costa Brito ........................................................................48

Maria Rosa Dias ...........................................................................................55

Antenor Rosalino ..........................................................................................63

Vicente Marcolino Rosa.................................................................................70

Emilia Goulart dos Santos .............................................................................76

Elaine Cristina Alencar ..................................................................................84

Marisa Gomes Correia ..................................................................................90

Mariluci Braz Gomes Correia .........................................................................92

Aristheu Alves.............................................................................................100

Anizio Canola .............................................................................................103

Heitor Henrique Ribeiro Gomes ....................................................................110

Beatriz Ferreira do Nascimento ...................................................................121

Logomarca do GE .......................................................................................127

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PrefácioNas Veredas Literárias

Predestinado a contribuirNa preservação da Língua Pátria-num átimo de inspiração sublimadaO Grupo Experimental foi criado.

Idealizado sob o signo da cultura plenaFomenta iniciativas altruísticas,Visando a aprimoramentosNa promoção de novos talentos.

Traz à luz como por encanto,Pretéritas lembranças de imortais pensadores,E engenhosos exemplos são seguidosImpulsionando os rebentos!

Os integrantes do Grupo criam ideias Nas veredas literáriasPrescrevendo a vida breveIntercalando o abstrato!

São seres que evocam luzes- entre o chão e as estrelasPela literatura transcendenteE poesias que lhes acenam.

Antenor Rosalino

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Por que escrevo?Wanilda Borghi - 2011

Porque o papel é amigo, o papel é ouvido, o papel é espelho.Confidente. Receptor. Reflexivo.Como num coral, abre meu texto em muitas vozes que ecoam.Por isso saio de perto.

EscritorWanilda Borghi - 2003

Lápis e papel. Na mão, o que lhe vai à alma.O coração retratado, sentimento dividido,Amargura amaciada, e a sensação bipartidaDe se estar acompanhada!

Escrever. Ato solitário amansador.Somos todos, qual galinho, No alto do campanário.Expostos. Ao lado do para-raios.

Interiorizados. Externando sentimentosCompassados. Que vão e vêm com o vento!Aos quatro cantos. Cardeais. Pontos.Vigários por toda parte.Casamentos sólidos desfeitos.

E a sensação permanece.Canetas: à prece!

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CrecheWanilda Borghi - 2005

Cresce a alma quando checa a calma Que emana do servir e clama o crepitar da chamaQue faz o bem e esqueceCreche, crechePróximo à lagoa, em Assis, o brejo seco reclamaMexe, mexeAgite o lodoTurve a águaEsvazie o engodoDepois... debalde o rodo, a calmaria, A translucidez, o raiar de um novo diaQue aclara a idéia Santa.

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Pastoral da criançaWanilda Borghi - 2005

Guardadora do rebanho infantilOrganização Não GovernamentalEntidade sem fins lucrativos:Terceiro Setor. A pastorar o amoreterno ao desnutrido:Assistência pré-natalCatequese do ventre maternoAleitamento carinhoso e terno.Trabalho eficiente reanimador.Multimistura. Farelo: carro-cheferegional: rama de batata,folha de beterraba seca, cenoura,casca de ovo triturada.....Complemento alimentar!Pastoral da Criança. Espiralda esperança de um dia poder contarcom a aliança de outros voluntários:Estudantes ou profissionaisQue levem saúde bucal à infância!Ajudem a motivar!

(Esta poesia foi ofertada à Dra. Zilda Arns, por uma amiga comum: Alessandra de Lima, para quem fiz esta epígrafe, publicada em sua Dissertação de Mestrado).

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bem-Te-queroWanilda Borghi - 2007

bem-Te-quero é um grupo muito amigo de Jesus.bem-Te-quero é sincero, pois a bíblia o conduz!Justiça, justiça! É o que, bem-Te quero, quer.bem-Te quero é um membro da Associação Jessé.

O jejum de bem-Te-quero é todo dia vinte e sete.bem-Te-quero não quer dores: ora pelos investigadores.Silêncio! Um momento! O grupo é de crescimento.E o grupo tem um ideal: é a Polícia federal.

Fubá, fubá! bem-Te-quero quer doar.E roupas decentes para todos os carentes.bem-Te-quero é uma família, unida e risonha,onde tudo começou com a Cleida e a Sonia.

Tanta gente tão bonita compõe bem-Te-quero:Adriana, Anísia, Rodrigo, Ariele,Edna, Farlene, Jaqueline, Lucilene,Ivanilda, Wanilda, Sandra, Silvana,Rosa, Romicarla, Michele, Daniela,Osvaldo, Mara, Márcio, Elisângela,Leda, Juliana... na casa da Maria.

bem-Te-quero, bem-Te-quero, o bem que brota do coração.bem-Te-quero, bem-Te-quero, vê o mundo como irmão.

(“bem-Te-quero”: música composta - com pseudônimo -, para o Grupo de Crescimento Cristão “Aos Olhos do Pai”).

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Na telaWanilda Borghi - 2007

desenho de Wanilda Borghi

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ApeloWanilda Borghi - 2005

Eu bato na porta do seu coração,Que só se abre por dentro.Aqui fora está bem frio,E não tem nenhum assento.Tenho sede, quero entrar.Quero te ver por inteiro.Solucionar tua dor,Amar-te por um momento,Até ver que se esgotouTodo e qualquer argumento.

FuturoWanilda Borghi - 2005/2011

Eu sempre corro, corro, corroE não consigo te alcançar!Quando chego bem pertinho,Já estás noutro lugar.

Mas correndo tropeceiE vi a paz, antes latente:O que me espera, o que me vem, Tenho certeza, é para o bem!E o futuro? Já chegou:Ele se chama Presente.

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Torre de PizzaWanilda Borghi

Veio da Itália, o meu amorEm busca de uma vida bem melhorMuita arte, fé e empolgaçãoTrouxe pra enxugar o seu suor.Povo tão intenso aquele seuOnde bota o pé, bota emoçãoTanta discussão, zero rancor,Tanta união e tanto amor (fraterno)

O pai, provedor,Os filhos, bem juntinhos, (parece carrapatinho)Tanta alegria, tanta comunicação (parla com a mão, parla com a mão)A culinária, tão cheia de tradiçãoE a pizza que veio vitoriosa,Pra acalmar a confusão.

refrão: Na família italiana,A palavra final é da mamma,Que pra ver o aconchego do ninho,Serve a massa regada a vinho.Bota tomate, manjericão,O molho é feito no calor da emoção.Bota tomate, manjericão,E, como Nero, bota fogo no salão.(Quanta! É uma torre de pizza!)

“Torre de Pizza”, concorreu ao samba-enredo oficial do Carnavaval 2011: “Mamma mia! Tudo acaba em pizza!”

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Chuva de PrataMarianice Paupitz Nucera

A chuva banhou o solQue na manhã ia nascendo.

A tarde não tardaria...

Como a ostra esconde a pérola,a nuvem negra escondiadentro dela sem agoniapingos de prata certeiros.

Almas caídas, carentes!

O estampido da balaera o grito do insanoque com voz roucagritava : Olha a chuva! Olha a chuva!

Poesia inspirada no genocídio do Rio de Janeiro: Realengo – 2011.

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O ErmitãoMarianice Paupitz Nucera

Certa vez um jornalista chegou a um vilarejo e soube que um bem su-cedido comerciante, havia se mudado da cidade deixando família e quase toda sua economia; saíra de casa apenas com a roupa do corpo e algum dinheiro para comprar um pequeno sítio, onde dali em diante passaria a morar.

O jornalista, que estava à procura de peculiaridades, quis saber mais: por que um homem bem situado na vida toma uma atitude desta?

O comentário da pequena cidade, é que ele tinha tido uma decepção com algum fato ocorrido dentro de sua família tão bem constituída, mas nada era muito bem explicado. O que se sabia é que o nosso amigo alimentava-se do que plantava, tomava banho em uma cachoeira e vivia numa solidão total, apenas com um cachorrinho vira-lata que havia encontrado no abandono.

A casa do pequeno sítio era bem modesta, flores do campo a seu redor ,um coqueiro e várias outras árvores frutíferas.

Toda tarde o nosso amigo se achegava junto a um rádio e ouvia a programação todinha até a hora de dormir.

Durante o dia, a partir do primeiro raio solar, ele cuidava da plantação de onde tirava o seu sustento.

O jornalista chegou até o sítio do ermitão e lhe faz várias perguntas: por que uma atitude tão radical? Por que largar um lar todo estruturado e se embrenhar em um lugar senão deserto, mas desprovido de todo e qualquer conforto ao qual ele estava acostumado?

O nosso comerciante olha bem fixamente ao entrevistador e, após uma pitada, diz:

_ Meu caro amigo, vou lhe contar mais ou menos o que aconteceu: Sou ou fui muito correto em todas as minhas atitudes, sempre visava ao bem estar de minha mulher, filhos e agregados.

Um dia, quando aconteceu o casamento da filha de um amigo, eu percebi que o padre celebrante; olhava muito para mim e minha mulher, além

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de estar falando muito naquela cerimônia.Então, bem baixinho, eu disse a minha cara companheira:

_ Como este padre olha prá gente, principalmente prá mim! Será que ele está querendo me dizer alguma coisa? A mulher mui discretamente res-pondeu:

_ Não se apoquente não, marido, ele é um padre muito legal! Há tem-pos atrás me confessei com ele.

_ O quê? mulher ...que diabos você confessou? Para que ele me olha tanto?

-Ah! Marido... Nada demais.Dali em diante, meu caro entrevistador, não tive mais sossego.A con-

fiança que tinha em minha mulher acabou. Então para a desgraça não acon-tecer, resolvi me isolar.

Entendeu?

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HerançaMarianice PaupitzNucera

Tu és sapateiro,ensina a teu filhoo valor do couro,ele guardará um pedaço...

Ourives tu ésmostra a teu filhoo brilho do ouro,ele deterá o pó

Cortando o pano, ensina,alfaiate, a teu rebentoo valor do tecidoele guardará o retalho

O couro, o ouro, o retalho,relíquias que no atalhoda vida que surpreendeserão dos filhos trabalhomantenedor de teu sustento!

3ª colocada no Concurso “Osmair Zanardi” da Academia Araçatubense de Letras – 2010.

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Almas gêmeasMarianice Paupitz Nucera

-Vá em busca das emoções perdidas no labirinto da sua vida!A frase ecoa no ar. É o vômito da esposa despejando todo o brejo alo-

jado em seu âmago, onde adormecem sapos. Cansou da fraqueza humana, tanto dela, quanto do entediado cônjuge.

O marido se faz de mouco, mergulhado no mar da depressão.Angustiada, a mulher apanha a bolsa. Coloca dentro dela alguma coi-

sa. Sai a passos lentos.O pensamento cria asas e voa; logo, tenta uma aterrissagem, se não

feliz, pelo menos tranquila.Sua alma se agita. Tem premonições. Sente a presença da morte.Está sendo seguida, mas não percebe. Sente-se flutuar.Houve a felicidade a dois, mas, um dia ela se foi, sem aviso prévio.Os filhos casaram, construíram família. E hoje, o lar é um ninho vazio.A dona de casa procura um lenitivo. Sua tez é séria; seus olhos, vidra-

dos. Confere o conteúdo da bolsa.Na rua, crianças, adultos, idosos, todos num ritmo normal.De repente, um estampido, um grito de horror. Ela olha pra trás e vê o

marido com os olhos esbugalhados, uma arma na mão, e, a alguns metros, uma criança estirada no solo.

Seus olhos se dilatam, sua voz se embarga. Olha e não quer ver, mas, não tem jeito, vê um inocente atingido por uma bala perdida.

Os olhares se encontram e cada um com sua dor e arma, atiram em seus próprios ouvidos.

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A Procura... ou... o encontro?Marianice Pauptiz Nucera

Já não há esperança. Está na hora de perder a vaidade.Ela, Dona Ernestina foi envolvida por uma onda dolorida, desde o

sumiço de seu único filho. Daquele dia em diante sua tez só foi tensão, seus lábios cerraram-se como porta de cofre do qual se perdeu o segredo, nunca mais se abriu. A senha para se ter o sorriso de volta seria seu filho, se aparecesse.

Seus olhos tornaram-se leito de um rio seco. No primeiro momento chorou todas as lágrimas a que tinha direito.

No instante seguinte, nenhum oásis, naquele olhar de um verde es-meralda , surgiu.

Suas mãos se portam como gelatina: trêmulas desde o primeiro mo-mento do fato em si.

Muitas vezes saiu a peregrinar por várias cidades, devido a telefone-mas, que depois concluíam-se serem trotes.

Lá estava ela, o olhar perdido no infinito, os ouvidos à espera de uma noticia, seu corpo via –se agora, numa posição tétrica, esquelética, sempre em alerta.

Desde quando seu rebento embrenhou-se pelo mundo, com catorze anos, hoje já foram mais cinco. O que aconteceu com sua criança? A que aventura se jogou?

O filho, que nunca lhe dera uma gota de preocupação, de repente sumira galope.

Depois de muita procura Dona Ernestina hibernou –se , como um urso..

Para ela tanto faz noite ou dia, chuva ou seca, sol ou lua, amor ou ódio.

Ela está como uma baleia encalhada na beira da praia,que se a morte a levar sentir- se-á melhor.Quem sabe na outra dimensão encontrará seu tão

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querido filho!A noite mais uma vez surge, e o sono toma conta desta sofrida se-

nhora, que, muito intimamente pensa:- pelo menos dormindo posso ver em sonhos meu doce fruto.

Embalada pelo sono, seu espírito se afasta à procura de um lenitivo, quando de repente, lá no fim do túnel vê luzir a última estrela.

A RevoltaMarianice Paupitz Nucera

Dei um tapa na hipocrisiaRelutei contra a mentiraAvancei sem medir a linha

Enunciei um limiteAgonizei no risco tênue da vidaMergulhei no mar do universoVi da moeda o inverso

Transfigurei minha vidaPensando numa tainhaCai numa teia infernalDe aranhas arranjadasQue ali enferrujadasCercavam a alma humana!

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Semente do amor e da perfeiçãoIsabel Moura

No campo do tempoPlantei a esperançaNasceu também a saudadeCarregada de lembrançasReguei com as lágrimasDa fonte do coraçãoColhi a boa sementeDo amor e da perfeiçãoO amor é coisa sublimeSeu preço incalculávelNão se compara com ouroNem prata reciclávelEm tudo é bem perfeitoA perfeita perfeiçãoTudo perfeito fezO Autor da perfeição.No colégio me ensinouO tempo bom professorQue o segredo do campoÉ a paciência do plantadorA esperança nunca morreEstando no coraçãoSua sombra é um refúgioContra o mal e a solidão

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O ContoIsabel Moura

Contaram-me um conto. Contado pelo conde Cotobom. Que como o coturno do comandante Conopon, caberia no canto do comboio colombiano. Coube colocar naquele compartimento com os cuidados conseguidos.

Coisas corriqueiras como: colar, colarinhos, colatex, sem contar a coca-cola de Conrado.

Coitado: No continente consumiram com o Cóti.E culparam o Core companheiro do Corófu, que é colega do Conrado

coronel Contudoé.Condoído, coreano complicou-se, confrangido cobriu-se na congelada

correnteza do consumo da confusão.

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Vida esquecidaIsabel Moura

Na caatinga vai subindoPote d’água na cabeçaNos espinhos pés ferindoGrita a alma: não desfaleça!

O eco no mundo respondeSalta no peito a esperançaVer o dia negrume escondeAi ai e nada se alcança.

Chão seco longa caminhadaRastros de sangue são escritosNas linhas mal traçadasO destino de um pobre esquecido.

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Sentimento de um rejeitadoIsabel Moura

Menino de rua que vive a pedirUm pão para comer roupa para vestirNinguém te escuta ninguém te vê Com frio e fome sem lugar para viver.

Se rouba é ladrão, se pede é mendigo,Vagabundo, nojento, futuro bandidoNa sujeira do lixo esperança chorouPra morte da fome o gatilho falhou.

Segue sem rumo na selva perdidoBuscando o nada num sonho feridoQual o sol, sua vida, o brilho perdeuNum garimpo de ouro em que só espinho nasceu.

No chão da calçada, negro véu te cobriuEntre a caladas eternas veio o sono sombrioO pranto e a flor o destino soprouAo bueiro, a água, seu corpo arrastou.

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Encontrei com a vidaIsabel Moura

Hoje é Domingo, oito horas da manhã, a cidade ainda dorme.Dorme nos braços do silêncio. Embalado ao som contínuo do labirinto.

Manhã muito fria.Sentada na sarjeta, sob uma luz pálida, estou a pensar.Pensamento vagueia tão rápido como os raios de um relâmpago.Vai cortando o espaço na amplidão de meu pequeno cérebro.Na fronteira do espaço e o tempo, meus olhos pararam. Pararam em

direção a um feliz prisioneiro que entrega ao Criador da natureza o seu gorjear retinido. Como o mais perfeito que pode ser, dentro de um espaço tão peque-no. Pendurado no galho de uma laranjeira. Pensamento se prende à melodia que me vem aos ouvidos. Penso. Se sou livre para voar, porque vivo presa nesta gaiola de solidão?

Na cena real desta tela sem moldura me encontrei com a vida. Estejam também em minha garganta os mais altos louvores ao Criador.

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Menina PoesiaIsabel Moura

Na maternidade do coraçãoRomânticoNasceu ao mundo a meninaPoesia.Ganhou de Drª inspiraçãoRima, semântica toda especialno berço da pediatria.Desde o campo, à universidadeseu verso modelocorpinho de boneca.Rostinho atraenteAmor em quantidade.FezO mundo melodia, e o homem,Um poeta.

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Gota doceCarmem Silvia da Costa

No calçamento Aquecido pelo sol Ela pousouFicara ali por alguns instantesE ao acaso encontrouUma gota doceE provavelmente a sugou.Perdida em veste amarelaOnde os coraçõesNão se alegramCom a beleza das flores.Não há tempo de olharPara as penas coloridasE nem para as asas frágeisQue suplicam pelo néctar.Cansadas pelo pouco em poda,Em meio a concretos.

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A praçaCarmem Silvia da Costa

A praça dos vovôs,Pais, mães e das moçadas.Famílias...A praça que fora das cantigas De rodas. De tão felizes meninasCom laços de fitasNos vestidos e nos cabelosQue aprendeu a escutarDos namorados seus segredos.A praça dos palhaços: CoitadosFabricam risos o tempo todoE ganham míseros trocadosQue olhe lá se daria paraComprar um bom bocado.A praça do coreto, da bandaDos flautistas e dos gaiteiros.A praça dos ciganos A pescar as linhas das mãos.As praças dos políticos, dos artistasDos camelôs, dos fazendeiros,Negociantes e trambiqueirosAs pernas nuas e ousados decotes.Ah! Que pena, fora tomada Pela chuva de prata E no vai e vem dos que nela passamConsigo vão as saudosas estórias,Da praça do rui, onde o boi murgiuMas não a viu.

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Hino - um testemunhoCarmem Silvia da Costa

Um testemunho tenhoE quero compartilharEu sei que Jesus cristo viveE vive a me amar.Que bênção maravilhosaE a bênção da salvaçãoJesus padeceu por mimEm cruel flagelação.Ao pai ele entregou o seu espíritoE consumou sua missão.Deixou a divina luzQue nos guia em nossas provações.A Jesus eu quero estar com o coraçãoRepleto de gratidão.

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O novoCarmem Silvia da Costa

Alongo minha menteAlongo? Sim alongo.Ela sai como uma pedraPresa a um estilingueE se solta para o alvo.Alvo? Que alvo? Não existe alvo.Sim, existe "o novo".Guardo tudo: rotina, labuta, neuraE num chega prá la, o novo é o alvoDemarcado como um ponto e saindoDali para muitas direções.Escolho uma e corro, corro e na velocidadeVoo livremente, sem sofrimentoE escravidão, porém algo interrompe:"pronto" você chegou, o novo que procuraJá existe, pois tudo é vida, criação e ação.Respiro profundamente e retornoCom uma convicção de ter encontradoA palavra chave: "entusiasmo"

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O casamento da cabrita(Dedico esta historinha às crianças)

Carmem Silvia da Costa

Em um sítio próximo a uma floresta, morava uma pequena cabrita, e uma tremenda confusão aconteceu; coisas que não dá nem para imaginar...

A cabrita ao despertar pela manhã se sentiu feliz com o surgir do sol e o revoar dos pássaros. As flores a desabrocharem nos canteiros atraindo bei-ja- flores e borboletas. Tudo isso a motivou a realizar seu casamento. E achou que nada seria melhor que a selva. Para a festa ficar maravilhosa decidiu enviar uma carta para o leão.

Sitio da Água Azul, maio...Caro leão: desculpe, majestade. Não nos relacionamos com vocês, por

sermos domésticos. Marquei a data do meu casamento com as pretensões de realizá-lo aí. É com prazer que envio o convite. Caso permita, ficarei grata. Os convidados são educados e não causarão dano algum ao seu ambiente.

Atenciosamente, Cabrita.O leão leu e releu a carta, chamou os animais de sua confiança e lhes

comunicou sobre seu consentimento a respeito do pedido da cabrita e que esta deixaria tudo em ordem após a festa.

A cabrita foi até o galinheiro para pedir ajuda à galinha carijó.- Querida amiga carijó, conto com você para entregar esses convites

do meu casório, e este é o seu em especial.A galinha ficou agradecida e saiu para a tal entrega, encontrando a

raposa que foi logo indagando:- A amiga galinha parece estar contente.- Estou mesmo, por se tratar da festa do casamento da cabrita para o

qual estou convidada.A raposa, não perdeu tempo. Foi logo espalhar a sua discórdia entre

os animais.

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- Sabe da última? Uma tal cabrita pediu ao rei leão para realizar o seu casório aqui, e ainda disse que não se relacionam conosco por serem domésticos e educados.

- O que a cabrita quis dizer com isto, raposa?- Não sei, quem deve saber é a macaca.Ambas foram levar as novidades para a macaca, e esta querendo se

divertir disse:- Então não perceberam que são gente fina, melhor que a gente?A raposa e a onça ficaram furiosas com a explicação, e a macaca ao

vê-las saírem enfurecidas, caiu na gargalhada.No caminho a raposa falou:- Não vamos deixar assim, onça. Armaremos um plano e a festa será

somente nossa.Dito e feito. A pobre cabrita vinha toda sorridente acompanhada por

um desfile de animais. Ao longe, a raposa e a onça estavam ansiosas. Daí a raposa perguntou: - O que faremos para acabar com essa frescura?

A raposa pensou, pensou...- Já sei! Vamos rápido. Laçaremos a perna do leão antes que ele acor-

de e, no momento exato puxaremos a corda. Então, ele pensará que o casa-mento se tratava de um plano e nunca saberá o que foi.

- Será que dará certo, raposa? - Claro que sim. Você abanará Sua Majestade enquanto eu lhe amarro

a perna e me escondo atrás do trono.A cabrita ao chegar mencionou:- Como vai, Majestade?O leão levantou-se para cumprimentar os noivos e... puff no chão. E,

ao perceber que sua perna foi laçada, deu um rugido tão forte que causou um grande corre, corre. Só se ouvia: có có có corró có có, qui qui qui quiri qui qui, quá quá quá, au au au auau, miau miau miau...

Quem podia voar, voou e os que corriam diziam:- Pernas pra que te quero!

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Cipó douradoManuela Sant’ana Trujilio

A saudade e a solidão Têm me pegado de jeito.Essas lembranças profundasVivem apertando meu peito.

Daquele riacho lindo Eu recordo com carinhoPaisagens exuberantesDos meus sonhos fizeram seu ninho.

Relembro o cipó douradoRodeado de magiaNas manhãs ensolaradasChuva de ouro caiaOs raios de sol brilhantesEntre os galhos se perdiam.

Orquídeas e trepadeirasPerfumavam nossos diasNa janela estreita, junto ao esteioO céu azul a gente viaAssentava o cabeloE para o sol dizia: Bom dia!

No fogãozinho de barroDe um café eu me serviaPensando já no almoçoO feijãozinho fervia.

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Transporte, o carro de boi,Ali nada era chiqueO barro era batidoPra casa de pau a pique. Cenário lá do lugarDeus sentou e construiuFoi um momento divinoA estrela Dalva surgiu.

Vivendo cá na cidadeDo meu cantinho não esqueciMeus anos pesaram nos ombrosTudo é difícil aqui.

Neste asfalto sem tesouroNão adianta insistirA simplicidade É perfume da natureza,Jamais deixará de existir!

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Colhendo valoresManuela Sant’ana Trujilio

Ao sentar no meu banquinhoColocando as mãos sobre a mesaVejo a família unidaA minha maior riqueza

Os filhos estão crescidosAumentando os sonhos meusConservo esta construçãoCom a força que Deus me deu

Minha morada é um jardimObservo cada flor: orquídeas, cravos, jasminsO céu fortalece a cor

Meu viver é tão felizA sorte assim me ensinaSer um sabiá que cantaNo pé de laranja lima

Fui semeando sementinhasColhendo os seus valoresO destino me ofereceuEste lindo buquê de flores

Felicidade existe É bem adquiridoProcurando a gente achaTesouros escondidos

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Praça do BoiManuela Sant’ana Trujilio

A praça era simples, era alegreSapatos brilhando, menino engraxateCintura bem fina, saiote engomadoBlusinha de tule, saia pregueadaNamoro escondido, beijo roubadoGrampos nos cabelos, laquê no penteado.

A praça devota, de grande riqueza...Velas acesas, hinos sagradosProcissão do Divino, Senhor amadoImagens de santo, andor enfeitadoFé na Virgem Santa, rezando o rosárioIgreja Matriz, sinos repicados.

A praça diz-que-diz, também diplomataDas belas lembranças, não se apartaChapéu já gasto bengala do ladoAbrindo o jornal, as pernas cruzavamNotícias de ontem, radinho ligado Filme do ano, Anselmo Duarte.

A praça hoje é um mugido magoadoBons tempos aqueles, Maria, Maria das GraçasA praça de pedra , está muito mudadaOs olhos do boi só vivem inchadosChafariz de lágrimas rolam nas estradas.Transformou-se em canaviais, a sua invernada.

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A nordestinaManuela Sant’ana Trujilio

Dona Nete é uma nordestina arretada. Apesar de ela já ter mais de meio século, usa os cabelos longos amarrados com fitas coloridas. Vive sem-pre sorrindo, só pra mostrar um dente de ouro que tem. Os lábios vivem pinta-dos de vermelho. Recém chegada do norte, se atrapalhava todinha com o jeito dos paulistas. Ela dizia assim:

- Ochente, num me acustumo aqui não, o povo daqui é todo avexado. Parece fusmiga andando de lá pra cá, daqui pra acula. To abestalhada. Num sabe, na minha terra é diferente. Lá num tem desses negócios de andar de coletiva pra lá e pra ca, não. Lá a gente da cidadezinha de onde eu vim, lá a gente anda é a pé mesmo ou intonce muntado num jegue. To todinha atrapa-lhada nessa cidade aqui, num sabe? Mais veja só, mulé de Deus. Minha irmã tinha que ir na Sandu tirar uma consulta, num sabe? Ela andava de olho todo melado, acho que era dordolho. Apois o dotô lhe receitô uma gota i, ela tá boa. Mais num dia que ela foi sem consulta, ela quase morre é do coração: quando ela saiu do consultório, muntou na primeira coletiva que passou, i num é que ela pegô a coletiva errada, foi! E danou-se pro outro lado da cidade num bairro por nome de Nova Iorque. Ficou a tarde toda perdida. A bichinha precisou pedi ajuda pra políça pra achar o caminho de casa, foi! Olha mulé, eu tomem to precisano de i no dotô, mas to é cum medo de sair suzinha e ficá perdida feio minha irmã. Vô pedi a meu filho que me leve ao dotô. Num ando me sentindo muito bem, num sabe? Adepois que Nó faleceu (o marido) dei pra ficar cu fundinho da calcinha todinho molhado. Acho que to memo é com a bixiga solta. É uma mijadera, uma dô da muléstia no pé da barriga. To precisanu di toma remédio. Óchente mulé, a conversa ta é boa, mais dá um tempo aí que vô chama Di pra i pro trabaio.

E entra gritando:-Di, ó Di! Se aveche Home! Levanta e vá pro trabaio. Acorde que já

é tarde. Parece um lião quando adormece. Se aveche, home! Tá na hora de

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abrir o ba,Nervoso, Di grita lá de dentro de casa:- Mainha, mais que converse é esse aí fora. Chega a casa tremê com

tanta conversa.- É, eu tava cuntanu a Manela do dia que tua tia pegou a coletiva erra-

da. Ma se aveche, home! Vá abrir o ba que já é tarde. - Mainha, eu já lhe disse que não é Ba. É bar!- Ochente! Apois só porque ta moranu aqui, em São Paulo, ficou todo

mitido, cheio de coisa, dizendo bar-bar. E eu falo cumu quero. É BÁ mesmo. É pur isso, Manuela, que eu queru voltar lá pro Norte prá minha cidadezinha. Num tem essas trapaieira que tem aqui, não. O povo daqui parece fusmiga carregando miolo di pão. Eu vô é si embora. To morrendo de saudade do povo de lá e tumem, sabe do que é, de cume uma buchada de bode, carne seca com macaxera e jerimum. Chega dá água na boca, mulé. Quando me lembro da carne de sol com licor de jenipapo mais, Manuela, a depois a gente cunver-sa. Mais visse, dexa eu vê se Di se levantô pra ir abri o BÁ. Tiau.

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Jeito estúpidoAna de Almeida dos Santos Zaher

Com um jeito estúpido,Levou-me à loucura.Não tinha medo das aventuras.Sentia tanta paz.

Colocava-me no colo.E fazia-me ver o azul do céu,O brilho das estrelas.Chegou invadindo meu ser.

Com seu jeito estúpido,Deu-me tanto amor...Fez meu coração descobrirQue após a dor, vem o alívio.

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Só para contrariarAna de Almeida dos Santos Zaher

Ele não atendeu ao telefone.Não respondeu às cartas.Fingiu-se de morto.Não admitiu o erro.

Preferiu morar com o orgulho.Fechou-se para o amor.Ignorou a alegriaDeu as costas para a felicidade.

Tentou viver isolado.Não queria uma segunda chance.Desistiu...Mas só para contrariar...O anjo estava sempre atento, a vigiar.

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MãosAna de Almeida dos Santos Zaher

Abençoadas mãos, que encontradas e unidas, trouxeram-me ao en-contro do amor sem medida.

Mãos que a cada movimento, cada toque, faziam crescer a emoção e aumentava este sentimento maravilhoso,tornando nossa vida plena de felici-dade.

Sei que não caminharemos juntos, de mãos dadas aos olhos da socie-dade, mas os laços que nos unem nunca vão nos separar.

Cada gesto de carinho demonstrava o quanto era importante, parar, olhar, e perder tempo com o que realmente tinha importância.

Eu sabia que as coisas mudariam um dia, que a correria do dia a dia iriam nos distanciar, mas esquecer e abandonar, jamais.

Dizer que estava preparada, minto; saber e prever algumas situações, é fácil, agora vivenciar e sentir na pele. Uma dor intransferível.

Ver os exemplos de quem já passou por momentos parecidos, nos anima e fortalece, mas são experiências únicas. Portando cada um vive e se comporta à sua maneira.

Todos querem dar receita, mas não tem jeito, cada ser tem sua perso-nalidade, submisso ou dominador...Calmo ou nervoso e assim segue...

Filhos amados, filhos adolescentes...Mãos que te acariciavam, desde de quando habitavam meu ventre,e

que depois o segurou firme e o abraçou, na chegada a este mundo. As portas do paraíso, deste coração de mãe, nunca mais se fechou, e não continuou o mesmo, pois de tanto amor, perdeu a chave e o controle.

É difícil, mas não é impossível compreender que o tempo passa, os fru-tos nascem crescem, amadurem e... E assim são nossos filhos, nossas mãos entrelaçadas, protegendo-os da queda, ensinando os primeiros passos.

E o tempo voa, numa velocidade que minhas mãos não conseguem alcançar. Ainda ontem, me deliciava com as brincadeiras e correrias das crian-

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ças. Agora,já seguros de si, estão perdendo a inocência.Aquelas gargalhadas estão se transformando em sorrisos mudos.Cresceram de um tanto, estão maiores do que sua mãe, um dos mo-

tivos que nos obriga a andar discretamente em público. Com a modernidade, eles sentem-se intimidados de serem confundidos e chamados de namorado da própria mãe.

Eles até acham graça, mas dizem que queimam seu filme. Ficam feli-zes e sabem que não estão sozinhos.

Estas mesmas mãos que acenam dizendo adeus vão ser sempre as mesmas, que estarão sempre à espera dos abraços e da alegria do retorno.

Filhos queridos e abençoados, legítimos ou adotados, onde quer que estejam ou aonde quer que vão.

Mãos de mãe sempre vão estar direcionadas a vocês.Como o sangue que corre nas veias, assim são as mãos que sempre

vão tocar você, da cabeça aos pés... E tocarão seu coração, dando o entendi-mento e a compreensão, de que amor nunca é demais.

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Overdose de amorAna de Almeida dos Santos Zaher

Overdose de amor...Corpo e mente trabalhando juntos, em busca do mesmo objetivo.A maioria das pessoas correm desesperadas, para obterem sua rea-

lização profissional...E não estão erradas.Mas falham, ficam cegas e não enxergam a beleza que existe nas

pequenas coisas.Sufocando desejos, não viajam.Muitas morrem sem conhecer e sentir as águas do mar.O sol está sempre nos sorrindo.A lua, as estrelas dividindo o brilho delas com os humanos, que dificil-

mente param para contemplá-lasOverdose de amor...À disposição de todos, sem censura e de graça.O universo sempre de braços abertos, esperando nosso abraço e nada.

A correria atrás dos tesouros, não deixa parar e ver o ouro que já trazemos ao mundo, desde a fecundação.

Somos escolhidos e privilegiados.Overdose de amor...Da qual muitos sábios abrem mão.Não conseguem o controle e fogem.Overdose de amor, um excesso que faz bem.Quando se tem a chance do encontro... com o equilíbrio.

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Marcelo Augusto e Thales EduardoAna de Almeida dos Santos Zaher

Filhos amadosQueridos e insubstituíveisRazão do meu viver alegreLuz que ilumina meus diasTesouros desejadosMeus sonhos realizados.

O complemento do meu cicloNesta vida...Plantei árvoresTenho filhos e escrevi meu livro.Assim a vida segue:Marcelo Augusto e Thales Eduardo,Filhos da minha alma

Vocês são um pedaço do céuEm minhas mãos.Aconteça o que acontecer,Estarei sempre com vocês.Respeito suas opções.Abandoná-los? Jamais!

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Duas lágrimasAna de Almeida dos Santos Zaher

Lágrimas que não foram derramadasDe tristezas ou abandonoMedo ou dorDuas lágrimasFelicidade!

A emoção invadiu meu serA alegria cercou minha estradaO amor surgiu...Contaminou meu mundoEnfeitou os jardinsO vento leva o perfumeDas roseiras e dos jasmins

Duas lágrimas que chegaramMolhando meu rostoExpressando o prazerQue sinto do amor sem medidaO universo me acolheDuas lágrimas caem:Uma da alma,Outra do coração

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Véspera de natalJosé Hamilton da Costa Brito

José e Cláudio, todos os anos, logo no primeiro dia das férias, coloca-vam as respectivas famílias nos carros e iam para alguma praia. Gostavam muito de Florianópolis. Alugavam sempre a mesma casa na Lagoa da Con-ceição, quase ali onde a beira-mar se divide, uma indo para as Canasvieiras e a outra para a Joaquina. Como se diz: na boca do gol.

Um belo ano, as férias vieram com certo atraso e tiveram que viajar no dia 24 de dezembro, véspera do natal. Saíram já pelo meio do dia e “se mandaram”, mas como íam com crianças e adolescentes, as paradas eram obrigatórias, o que atrasava a viagem. Eram férias, não havia pressa e a ale-gria reinava.

Por volta das onze horas da noite, também conhecida por 23 horas, começaram a procurar um lugar decente para descansar e fazer a ceia na-talina. Rodaram mais um pouco e minutos antes da meia noite viram um restaurante, típico de beira de estrada e: "é aqui mesmo né Zé".

- Vamos nessa!Desceram, examinaram o local... meio esquisito- Você queria o quê, o meu! Um Fasano aqui neste fim de mundo?Não era bem o local, sua parte física... eram mais os frequentadores.

Havia algo que, se não estava errado, também não estava muito explicado.- Quer saber?É época de confraternização, de aceitação do próximo,

de desarmar os espíritos.Pediram lá o que comer e enquanto esperavam, ficaram se distraindo

com as cervejas, que estavam bem geladas.Tanto a filha de um quanto a do outro, já meninotas, foram ao banheiro

e demoraram mais que o normal; quando já iam ver o que estava aconte-cendo, as duas apareceram maquiadas. Uma maquiagem forte, típica das mulheres da vida airosa:

- Pô meu, que diabo é isso? - Quem fez isso em vocês?

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- Ah! Duas moças que disseram que somos bonitas e fizeram esta maquiagem na gente.

Para não ferir susceptibilidades, deixaram como estava. Assim que fossem embora, parariam para remover aquela desgraceira. O problema foi convencer a mãe de uma das meninas a esperar: “elas estão com cara de biscate!”

Enquanto discutiam o fato, o filho de um deles, aí por volta dos cinco anos, sem que os pais vissem, subiu por uma escada e sumiu lá pra cima.

- Quem vai buscar?- Eu não vou, vai você.Vai você, não vou e de repente o menino desce:- Pai, tem um homem e uma mulher pelados lá em cima, ele está em

cima dela, apertando a coitada na cama e acho que está batendo nela e...O menino não tinha terminado a palavra batendo e as mulheres saíram

arrastando tudo, jogando pratos e copos no chão, na correria para o carro... morrendo de vergonha.

- Ah! Meu Deus. Não tem e coisa nenhuma .Praga de menino, ele não está matando ninguém.

- Uai pai, o que eles estão fazendo, então?- Eles estão... estão... Já com a sua mãe lá no carro, coisa ruim!Havia um músico, sobrinho de um deles, grande cantor, tecladista e

violonista acompanhando-os na viagem que quase teve um "treco" de tanto rir. Bem, alguém tinha que pagar as despesas. Houve uma certa demora, ain-da havia pratos solicitados que não tinham sido servidos. Procurava-se a pos-sibilidade de embalá-los para viagem, não havia esse tipo de atendimento.

- E aí, vão morar no rende-vouz agora, seus safados. Gostaram de alguma "senhora"?

Os dois chefes de família, homens honrados, saíram sob os xingamen-tos das “ damas" e das gargalhadas dos homens presentes. Vésp... que véspera que nada, no dia de natal. E o Jesus menino vendo esta desgraceira toda. Culpado? Só se foi Ele. Quem poderia imaginar que a gente estava pa-rando, para passar a virada de Natal, em um puteiro?

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Leve-me tambémJosé Hamilton da Costa Brito

Fim de tarde. No horizonte, lumaréus de fogueira.Mais um dia que se vai com o irmão sol.A natureza se prepara para o descanso.Tudo está calmo. Uma paz infinita dentro da alma.Os pássaros procuram os seus ninhos.Os namorados estão calados mas juntinhos.Adoro este fim de tarde em arrebol.A noite não será das mais escuras.As estrelas já estão no céu a pontilhar.A lua que vem de lá é suntuosa.Com os seus raios chega uma brisa gostosa.Um cenário perfeito para o amor.Na natureza, a mão de quem a criou.A tarde morre e aquela é uma hora divina.Perto ,alguém dedilha uma viola.Sirvo-me desse cálice.É paz deixando a vida fruir.Nessas horas sou feliz por pouco que seja.Deixo a tua imagem em mim se aconchegar.Deixo-me entorpecer pelo teu sorriso de magia.Sinto as tuas mãos em meus cabelos.Meu corpo reage.Enrijecem-me os pelos...A vontade de possuí-la supera todo o lirismo.O vento sul bate forte em minha face.Faz-me despertar do devaneio.Tomo consciência de que para vê-la só existe um meio:Que Deus tenha pena de mim e leve-me também.

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EscombroJosé Hamilton da Costa Brito

Antigamente punha-me a olhar o céu...Ficava horas e horas a contemplá-lo.As nuvens em movimentos constantes formavam em inesperados ins-

tantes as mais incríveis figuras....E eu ali, a sonhar.Faces formavam-se na coreografia e em vários momentos, eu via você

a sorrir para mim.Tinha que ser na primavera.Deixei de ser quem eu era e para o céu, parei de olhar.Temia ver você lá no alto e entre nós uma distância sem fim.Não queria que me visse caído, derrotado e sofrido buscando o meususpiro final.Mas um anjo apiedou-se de mim e sussurrou-me baixinho um con-

selho:Filho, coloque-a no seu coração.Tire-a da cabeça.É escombro.Não a carregue no ombro.Vai ser feliz outra vez.

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O que fazer ?José Hamilton Brito

Trabalhou a vida inteira.Amava o que fazia; era uma atividade dinâ-mica. A competição, acirrada.Justificava-se tanta garra com a necessidade de ganhar o sustento da família. Havia no íntimo uma mola poderosa que o impelia cada vez a dedicar-se mais. Queria na verdade ser o melhor. A estrela que mais brilhasse. Ser apontado como o de carreira mais promissora. Havia sempre dois ou três que deveriam ser observados, pois eram os que com ele mais competiam pelo lugar mais alto no podium. Não há quem não queira o sucesso e isso não é pecado. Colocar o produto no melhor ponto de venda, fazer a operação mais lucrativa e fazer convergir sobre ele os olhos admira-dos dos superiores. Ganhar os prêmios e comissões, chegar em casa e ver o orgulho estampado nos rostos da esposa e dos filhos. Quantas noites em claro, lutando para entender o desgraçado do tal de ciclo RAA, uma maldita de uma renina que sob a ação de um angiotensiógeno se tranformava em angiotensina um e que...puxa vida.E não soubesse essas desgraceiras todas pra ver. Mais era bom chegar nas convenções e ganhar o videocassete dado ao primeiro lugar na simulada médica.

Quantas foram as madrugadas nas quais pegava o carro e ia cobrir o setor de trabalho ou para as reuniões de ciclo, nas quais os resultados eram cobrados, os novos objetivos traçados e as avaliações de conhecimento eram feitas.

Toda essa carga de responsabilidade, tendo em muitas ocasiões, um filho doente no berço ou uma dívida pendente.

Havia , é verdade, toda uma assessoria auxiliando na preparação do profissional e dando-lhe suporte mas, em quantos momentos foi decisivo o fato dele bastar-se. Não tinha essa de tornar-se celebridade, mas quando os holofotes procuravam-no nos eventos internos da empresa, tudo se ajustava na cabeça, as emoções do reconhecimento fazendo esquecer todas as agru-ras.

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A alternância entre os momentos de doçura e os de amargura era tão repentina, que não havia tempo para o prazer ou o sofrer...Mas o pouquinho de prazer que se conseguia, era eterno. Esquecia-se do resto.

Essas coisas,porém, não são próprias somente dessa atividade. E daí, não se está falando de todas, mas de uma só...a dele.

De repente, um flash de amargura vem com o quantum de tempo já ido. Olha em volta, vê uma garotada, vê antigos colegas, competidores dig-nos já com os chinelos e pensa: está chegando a hora. Quando chegará a minha?

- Deus, afaste este cálice de mim.Mas Ele não tem muito a ver com isso, tudo fruto da nossa própria or-

ganização de vida. Será procurado para dar conforto nas horas de amargura, servir de lenitivo, fazer o papel de Pai.

De repente ,e não mais que de repente.."cadê você, cadê você...outros repetem as suas jogadas...no vídeo taipe da vida,a história gravou"

Um dia, levantou-se para a jornada diária de trabalho. Como fazia sempre, foi barbear-se.

No espelho, o "outro" lhe disse, quase que sussurrando:- Vai dormir, seu tonto. Você já era.

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PiósesJosé Hamilton da Costa Brito

Voando lá nas alturas ou pousado em uma falésia, obedecendo ao meu instinto eu conseguia ser feliz.

Sempre fui elegante apesar de nunca galante....Precisava sobreviver.Eis que voando bem alto notei correndo na relva um movimento de vida

que me daria vida.Seguindo o instinto predador atirei-me em ataque mortal.Assim cheguei até você.Contive o ímpeto a tempo impedido por um sorriso angelical.Como um passe de mágica começamos uma história trágica pois, de

predador, em caça me tornei.Você foi alimento pra minh'alma e amei como ninguém jamais amou.Mas como resistir ao carma?O meu: uma total liberdade.Assim eu fiz você infeliz em pobre infeliz, tornei-me.Deixa que eu siga o meu caminho.Preciso ganhar as alturas.Voltar ao que sou.Sim sou ave de rapina.É assim que sei viver.EntãoPeço em nome de Deus solte os pióses que me prendem Serei outra

vez falcão peregrino um ser em paz com o seu próprio destino.

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Apodrecendo DesejosMaria Rosa Dias

2006

Irei enterrar seu tesão pútrido,Orgasmo superficial e falido,Supostos desejos de uma noite apenas.Sem missas, sem novenas.Enterrados sem fúnebres homenagens,Enfraquecem, desfalecem.

O que importa do que nunca existiu?Respirações excitadas e ofegantes oxidam-seEm meio a carícias imundas.Jogos malfadados.Sem nexo.Sentenças sem punição.

Antonímia, contradição.Luxúria contida.Lascívia a flor da pele.Ironia, sadismo?Fantasias cremadas,Ao vento, rancorosamente ofertadas.

Apodrecendo desejosSecos, sarcásticos,Quebrados, perdidos,Beijos sujos e carícias imundas.Olhares de lamaPerdidos e falidos.

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“Fantasma da Perdição”Maria Rosa Dias

2010

Fantasma das SombrasDas sombras dos passos perdidosPassos que nunca foram percorridos.

Fantasma da MágoaDa tormentosa mágoa doridaMágoa que se faz presente e despida.

Fantasma das LágrimasDas lágrimas ressecadas pelo TempoE pela agonia derramadas.

Fantasma do SofrimentoDo Sofrimento que esmaga o coraçãoCoração pleno de arrependimento.

Fantasma da PerdiçãoQue constrói caminhos duvidososE os envolve em calentadora ilusão.

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Feridas Maria Rosa Dias

2006

Eu tenho decepçõesQue me cortam os pulsos.Sorrateiramente.Despertam minha insônia.

Eu tenho decepçõesQue machucam a minha alma.E cortam fundo meu coração.Criam a sangrenta interrogação.

Perdida na escuridão.Sem luz, sem resolução.Dúvidas amargamente despertadasDe uma tentativa de sono violentada.Mente frustrada.

Eu tenho decepções.Eu tenho indecisões,Medos, fraquezas, impulsosQue me fazem retornar à mesma inércia, ao mesmo nada.

Eu tenho decepções.Violentas tensões.Bruscas e repentinas carências.Eu tenho tanto...

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Ah, tanto que me soa tão pouco...Quem dera.Ah, quem dera que o destino me presenteasse com a sorteDe um amor verdadeiro, forte,Certeiro, que me abalasseE nunca me deixasse.

Ah, quem dera que isso não fosse apenas um sonhoQue retorna toda noiteE caminha incerto.Incerto como as sofridas lembranças enganosas.E a certeza inútilDas inúteis decepções que tenho.

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Magnus MaledictusMaria Rosa Dias - 2006

Fiz minha própria cova.Provoquei meu suicídio inconsciente,Psicológico à beira do abismoMergulhado em sombras.

Lembranças vãs e vagas.O sangue de meu coração escorre sem poder ser estancado.Hemorragia interna sem socorro.Gosto salgado da alma perdida e amarga.

Doces ressentimentos escorrem.A raiva que me causou orgasmos múltiplosEnterra-me, soterra-me, sufoca-meEm meus sentimentos escusos.

Uma rosa para uma mortaSobre uma cova esquecida e fria.Vermes hão de me corroerO corpo e a alma.

Provo meu sangue que me desperta da minha letargia.Falsa catalepsia.Sincera morte em fingida vida.Os espectros de minhas supostas certezas vagam.

Tento em vão me libertar da imunda terra que me cobre.Por mais que eu lute, por mais que tente não enxergar,Os vermes fétidos eternamente hão de me acompanhar.

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“Te amarei até a morte”Maria Rosa Dias

2010

Na solidão de meus pensamentos,No isolamento do meu quarto,Só consigo pensar em teu rostoE em tuas mãos tocando minha face.

Sinto falta do teu calorAquecendo meu corpo contra o teu.O gosto dos teus lábios ainda ficou preso nos meusE todos os meus pensamentos são voltados para tiLábios flamejantesQue incendeiam todo o meu ser.Tuas palavras ainda vibram em mimComo uma doce brisa a me tocar.

A minha solidão é guiada por lembranças vazias de nós doisE eu sigo.Eu sigo sentindo a presença da tua alma ao meu lado,Mesmo sabendo que tu ainda vivesE não estás mais junto de mim.

A minha alma grita, a minha alma clama.Pela tua presença aqui,Mesmo sabendo o quão longe tu estásE que nunca hás de me escutar.Nunca mais...

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Onde que tu estejas,Para onde quer que os Ventos te guiem,Saiba que nunca te esquecereiE que teus gritos, ânsias e medos morrerão comigo.

Eu já estou marcadaPor todos os teus erros e enganos.A minha própria sombra já é meu tormentoE o prazer perdido é o meu purgatório.

Ah! Eu estou fadada a amar-te eternamente.Ah! Eu estou predestinada a amar-te até a morte.Nenhum mortal é capaz de apagar esse amor.Te Amarei Até A Morte.

“Vênus Decaída”Maria Rosa Dias

2010

Frágil Amor que se esvai de meu ser.Aos poucosSem que em mim eu o consiga conter.Suas promessas me fogem repentinas Ardilosas, desastrosas. Como o fogo das dúvidas vaporosasQue em meu peito desatina.

Fugaz sombra de certezasImoladas, imaculadas. Que me envolve em suas asas queimadasE ateia sobre meus olhos

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A fumaça sombria de seu Véu.Cegante, inebrianteIntoxicante em seu doce fel.

Encantadores passos perdidosPassos que nunca foram docemente percorridos.E que espalham em meus sonhos seus VultosResolutos, astutos.Querendo me derrubar com sua furtiva mãoSem ao menos me dedicar uma fúnebre cançãoEm honra ao meu trágico fim.

Oh! Ironia ferina!Dor flamejante que em meu peito desatina!Sinto meus lábios ocos sem seu beijoE minhas mãos vazias sem o cheiro do seu toque.Eis-me aqui, perdida...Amargurada, feridaSem amor...Prostrada aos seus pésComo uma imagem de Vênus decaída.Destruída...Em meu profano altar queimado.

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Pôr do SolAntenor Rosalino

Todas as tardes, ao pôr do sol, na tímida vilazinha de ruas estreitas e casinhas simples, denotavam-se a figura gentil do cego Antônio, conhecido por todos, pela sua apurada educação e sábios ensinamentos.

Apesar de sua cegueira de nascença e de suas pobres vestes, às ve-zes ganhadas de alguns populares e vizinhos generosos, mantinha-se sempre bem asseado por sua mãe, a bondosa dona Isaura, com quem vivia em uma velha casa de poucos cômodos, com uma varanda rodeada de arbustos, ro-seirais quase sempre floridos. Lá no fundo do quintal, vislumbrava-se uma ár-vore grande, frondosa, em cuja sombra os garotos vizinhos sempre brincavam alegremente, deliciando-se de todo aquele frescor, do belo cenário verdejante e da boa acolhida do senhor Antônio e de sua genitora.

Apesar de sua bondade e resignação às intempéries da vida, Antônio sempre fora vítima dos mais diferentes tipos de deboches e humilhações, impostas geralmente por alguns garotos liderados por um tal de Índio, um ra-pazola viril, e de maus costumes,conhecido em toda a vila e adjacências pelo seu mau caráter e total falta de respeito humano. Não estudava e tampouco auxiliava a pobre mãe em algum trabalho doméstico. Era filho único de uma humilde senhora que, após a morte do marido, passou a ser o único susten-táculo da casa; trabalhava com afinco na confecção de bolos e doces enco-mendados por pessoas compadecidas com suas dificuldades financeiras, pois tinha, sobretudo, esse filho garoto ainda, porém, muito peralta, o qual possuía a alcunha de Índio, por ter aparência realmente indígena.

Passavam-se os dias e sempre a mesma ladainha: a casa do portador de deficiência visual, logo pela manhã, ficava repleta de crianças a brincarem em seu amplo quintal e, à tardinha, lá ia o senhor Antônio fazer a sua cos-tumeira caminhada com passadas lentas e às vezes cambaleantes, apoiado em sua tão desgastada bengala. Porém, em determinado trecho do caminho, sempre surgiam os endiabrados garotos, tendo à frente o tal Índio, a fazerem

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as mais diversas implicações com o pobre cego, chegando até mesmo a ati-rarem objetos em sua pessoa, seguidos de gargalhadas e ofensas inconce-bíveis.

Quando alguns moradores, inconformados com tais atitudes, partiam para cima dos vândalos, estes fugiam rapidamente, tomando rumos total-mente desconhecidos e ao sentirem que a cada dia que se passava mais dificilmente se tornaria pegá-los, acentuavam-se cada vez mais as ofensas e covardias.

Um dia certo, porém, o cenário parecia ter tomado forma diferente: a passarada esvoaçante desencadeou-se em vôos acrobáticos e cantos melan-cólicos, como a pressentir algo trágico a acontecer.

Vislumbrava-se ainda distante, a figura do senhor Antônio, enquanto o Índio e sua turma se escondiam em espreitas e atalaias.

Aos poucos, o desprotegido cego aproximou-se da turma, que a essa altura já se postava para a bagunça e o vandalismo de sempre e eis que, de repente, um pequeno fragmento de madeira lançado pelo Índio atinge em cheio, impiedosa e cruelmente a sua fronte. Ele, após alguns passos camba-leantes, tomba ao chão, sendo atingido ainda num último ato, pela ponta de sua inseparável bengala. Na queda, quase desfalecido, bate violentamente a cabeça numa pedra, tendo o seu rosto lívido, imediatamente banhado de sangue. Enquanto isso, os vândalos fugiam em desabalada carreira.

Acolhido por populares, Antônio foi transportado de imediato ao hos-pital mais próximo. Tudo em vão!... Faleceu antes mesmo de ser assistido no hospital.

Ao tomar conhecimento do ocorrido, toda a vila saiu à caça dos pe-quenos marginais, os quais, ao que tudo indicava, teriam partido para fora do vilarejo.

No dia seguinte, durante o féretro, toda a vila emudeceu, compadeci-da e revoltada com o ocorrido.

Algo teria que ser feito ao Índio e sua turma, os quais, finalmente fo-ram apreendidos; porém, nada devolveria o senhor Antônio aos seus legítimos amigos e à doce candura dos braços de sua mãezinha, a amável dona Isaura,

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que, após a perda do filho querido, adoeceu misteriosamente. O Índio, por sua vez, após algum tempo de internação num reformatório (pois ainda era menor de idade), fora liberto. Não se sabe por que, após sua libertação, o seu com-portamento mudou completamente. Entristeceu-se, raramente conversava e já ajudava a mãe em alguma tarefa de casa, embora ainda relutasse em não frequentar a escola.

Com o passar do tempo, num dia claro, alabastrino, também ao pôr do sol, o mesmo Índio de tantas arruaças de tempos atrás, num ato repentino e insano, pôs fim à sua própria vida, talvez não suportando o peso esmagador de sua consciência.

E assim, com todos esses acontecimentos, o vilarejo entristeceu-se, mas as crianças ainda brincam à sombra dos arvoredos da velha casa, e os pássaros com seus cânticos harmoniosos vêm a cada pôr do sol, como a prestar homenagem póstuma ao saudoso Antônio, cuja vivência e penosa lida, ficarão para sempre incrustadas na memória de todos aqueles que o conhe-ceram e sentiram a sua dor, o seu penar.

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AmetistaAntenor Rosalino

Lapidada, polida...Emoldurada pela mãe natureza,Flameja o seu encantoDe jóia preciosa,Sob o sol que a divinizaE luares que a fazemA mais linda estrela guia,Encantadora ametista!

Pétala advindaDe vales e rochas profundas,Magnetiza a almaComo flor entre abrolhosFlorescente e festiva!

Energizando os céusNa mais cândida ternura,Aventa aos olhosAlegria infinita- pedra flor que me inspira -,Nas madrugadas serenasE nas selvas de granito!

Alvorada de amores!Rutila tua luz envolvente como a brisaNa minha lágrima triste,Misteriosa ametista!

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O que é que há?Antenor Rosalino

O semblante dos teus olhos vívidos,Trouxe um quê, não sei por quê,De amargor e melancoliaAos meus olhos que sempre te viamCom olhar de caxinguelê.

Não percebo em teu sorrisoA singeleza da alegriaTraduzida em espiraisDe sedução que se faziaEntre paredes boreais.

Minha inspiração em eclipseSuprimindo os meus vocábulosDeixa os meus versos no arE suplicante eu pergunto: o que é que há?

Meu pensar ardente em chamasProcura-te sem cessarBuscando desvendar o eloDa tristeza fina incrustadaEm teus mistérios de mulher!

O que é que há, linda pepita?Não deixemos que procelasDe asperezas do incertoDesfaça os laços de fitaDo nosso amor sempiterno!

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AngústiaAntenor Rosalino

Farto do teu silêncio,Parto deixando rastrosDos sonhos que sonheiNa poesia do meu estro lastro!

Seja bem vinda a insônia,A saudade, a solidão...A angústia funesta e insólitaNo pulsar do meu coração!

Sob a face azul do infinito,E de estrelas sem donaire,Esquecerei os meus eus,Para ser eco de cantares!

Já não sinto o perfume campestre,Nem vejo a brisa tremer!As estrelas choram comigoPressagiando o meu viver!

No incerto, sem rumo certo,Temo ver o seu perfilRefletir-se como um fantocheNas águas do meu cantil!

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Súplica de um poetaAntenor Rosalino

Deixo no tempo as nuançasDa minha ousadia poética:Meus versos líricos e odesEspelhando a minha alma em construtosQue a ilusão apetece!

Busquei nas flores campestres,Nos sorrisos inocentes,No rito harmonioso da naturezaE nos amores transitórios e eternos,A inspiração desejadaPara os meus versos etéreos!

Na brevidade do tempo que a tudo transmuda,Quando eu me tornar solitárioCom minhas obras esquecidas:Oh, Deus! Retorna este poetaPara o infinito do teu céu!

E assim, unificado com a natureza- liberto e decantado no espaço -,Serei parte da poesia em lastroQue o tempo jamais ruiráNo ritual do seu compasso.

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Árvore enormeVicente Marcolino Rosa

Há sessenta janeiros, a sementeTão minúscula foi solta do frutoE acolhida por bom adolescenteQue a sepultou em áspero chão bruto.

E longe de lugar de água corrente, Mas, seu líquido vinha de aquedutoA mil metros, em vaso transparente, No lôbrego bornal da cor de luto.

Surgiram duas folhas verde-clarasPresas ao caule débil, rubro e torto;A planta foi segura a esguias varas.

Resistiu a frio, seca e tempestade!Agigantou-se e deu-nos o conforto.Agora sua sombra traz saudade.

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Coração infatigávelVicente Marcolino Rosa

Pulsas há tanto tempo, jamais cessas!Nem falas dos segredos contumazesE enquanto me dedico a escrever frasesOu labuto, comandas, não tropeças.

Possuis cadência e não ages às pressas!A vida tem em ti as suas bases,Percebes o rancor de homens falazes, Prontos para lutarem às avessas.

Ouço-te pelo quedo travesseiroEm que repousa a mais pobre cabeçaSensível aos ruídos do orbe inteiro.

O teu ritmo é monótono e me cansa, Dormito antes que a insônia prevaleça.De manhã vou à lida e à noite, à dança!

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Desvelo de mãeVicente Marcolino Rosa

Vocábulo pequeno e indefinito, Grande pelo amor que algo representa;É o primeiro termo mais bonitoQue o bebê diz mal, quando falar tenta.

Mas antes da palavra vem o gritoE o choro da criança; a mãe atenta,A esse ente suscetível e expedito, Dá seu remédio, sopa ou amamenta.

Aspira a ver o filho com saúde,Supõe que seu aspecto logo mude, Sempre lhe verifica a altura e o peso.

O minúsculo infante cresce tanto...Talvez seja, após décadas, talentoE a mãe terá o afeto ou o desprezo!...

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Moradia fechadaVicente Marcolino Rosa

Naquela rua larga em que transito, Existe a casa azul de brancas telhas, Atrás do jardim simples e bonito, Onde gosto de ver rosas vermelhas

Que expandem seu olor e já foi ditoQue naquele universo das abelhas, Hoje não há presença, nem o grito,De beija-flores: eram dez parelhas.

Em verdade, o que agora a mim espanta,É não ver a cabocla que não usaChapéu de proteção para aguar planta.

Minha cansada mente está confusa...Se ela mudou, não há ser que garanta, Mas, vejo no varal a sua blusa!...

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Na fronteiraVicente Marcolino Rosa

Sairei de madrugada e vai comigoA lembrança sutil que se incorporaA meu íntimo mesmo quando sigoNesta jornada desde a bela aurora.

Contra o abstrato jamais falo, nem brigo,Sou resignado, aquele que não chora,Refiro-me à saudade que é castigo,Fugirei dela sem muita demora,

Quando eu beijar o chão que tanto quero.Longe, reverei quem não possui praias;Estarei no espaço álacre ou austero...

Desejo ouvir guarânias da fronteiraE ainda vou sambar com paraguaiasLá em Ponta Porã, que é brasileira!

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Vítima da soledadeVicente Marcolino Rosa

Ignoras o prazer que vem da vida!...Evitas dialogar com os amigosE gostas de lembrar fatos antigos;Tanatófilo, queres ser suicida.

O ser humano afronta seus perigosPara que vença obstáculo e progrida, Não deixa os ideais, nem foge da lida, Se assim não for, irá seguir mendigos.

Não buscas arte em teu mundo restrito,Nem miras o horizonte após o campoE contra a humanidade tens o grito.

Vives acabrunhado há longe data, És noctívago, imitas pirilampo, Consideram-te mero psicopata.

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O InventárioEmilia Goulart dos Santos

Em uma recente manhã do mês de julho, quando se aproximava meu aniversário, estimei a perspectiva de vida para minha geração. Hoje ganhamos alguns anos, mas, quando nasci, certamente as apostas seriam de que, se não ocorresse nenhum infortúnio, eu viveria até os setenta anos, expectativa boa para aquele 21 de julho.

Porém, naquela recente manhã, olhei-me no espelho e senti que era hora de fazer um testamento. Dispor em papel minhas últimas vontades.

Pensei bem e cheguei à conclusão de que minha última vontade, com toda certeza, é não morrer.

Não quero ser cremada, nem enterrada tampouco jogada ao mar, não me agrada a ideia de ser devorada por peixes e terminar na boca de alguém. Então escrevi assim:

“Como não quero morrer, mas, tenho a certeza de que a morte aconte-cerá independente da minha vontade, os encarregados para darem sumiço no meu corpo estão livres. Prometo não estar presente para dar palpites”.

Pensei bem outra vez, olhei para o texto e novamente no espelho. Não... Não era nada disso que eu queria escrever. Eu, na verdade, queria era fazer o meu inventário.

Agora sim, ia fazer o certo, do modo que eu queria.“A quem possa interessar deixo minhas máquinas de costura, não para

minhas filhas, elas já são atarefadas demais”.Meus livros deixá-los-ia para meu filho mais velho, ele gosta muito de

ler. Mas, não faz sentido, não há nada na minha humilde biblioteca que ele não tenha lido, antes mesmo de mim.

Meus poucos e velhos móveis. Quem os quer? Se nem eu os aguento mais.

Poucos bens, bem poucos, mas e se esta não for a vontade do meu marido, afinal somos casados com comunhão de bens. Vou perguntar.

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Acordo o coitado que dorme em frente à televisão. E ele assustado pergunta:

— O quê... O que houve?— Nada, bem. Apenas gostaria que lesse isto aqui e me dissesse o

que gostaria que fosse feito com nossos bens quando partirmos.Ele rapidamente respondeu:— Eu deixo tudo o que a vida me ensinou e tudo que a estúpida igno-

rância não me permitiu conquistar. Acho que será o suficiente para que vivam tranquilos o resto de suas vidas.

Rasguei a folha do inventário e escrevi com letras bem grandes:“Filhos, o que temos para deixar a vocês é o que trouxemos quando

nos casamos. Amor muito amor”.Na parte relacionada ao testamento escrevi:“Nossa ultima vontade é que sejam felizes e unidos para sempre”.

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CadelinhaEmilia Goulart dos Santos

Foi numa manhã até bonita, que a cadelinha sumiu.Amigos, parentes, vizinhos foram avisados e empenhados a se organi-

zaram na busca. Fizeram cartazes, colocaram anúncios no jornal. Faltava uma foto, mas, esta ninguém possuía para auxiliar na procura. Apenas um dado foi registrado além da cor, altura e idade aproximada. Era dócil.

Sempre que a família se preparava para uma foto, ela desaparecia, ia beber água, raspar uma vasilha... Uma foto ajudaria, mas ela nunca ocupou lugar nas fotos da família. As referências sobre ela eram mínimas. Quando Zeca a encontrou ela era bem novinha, perambulava pelas avenidas, estava suja e parecia faminta. Ninguém nunca a procurou. Marcas da sua curta vida, já eram indicadoras do seu fim.

As semanas foram passando, e quase não se falava mais no seu de-saparecimento. A princípio pensaram em sequestro. Mas com qual objetivo sequestrariam a cadelinha? Ela valia muito pouco, na verdade, se perguntas-sem, quanto? Alguns diriam que ela não valia nada.

— Pobre cadelinha, por onde andará?—perguntou Maroca, já saudo-sa da sua companheirinha. Agora quem comerá as aparas de bolo e limpará os respingos de recheio do chão?

— Não vem não, você foi a primeira a escorraçar a coitada. —falou o Teodoro.

— Ora, isso foi quando o Zeca a recolheu da rua.— Por pena, mamãe, mas você não queria entender. Só faltou exigir o

pedigree da coitada.— A culpa foi da sua irmã Zeca, que falou... — a mãe foi interrompida

pela filha.— Falei mesmo, falei que ela ia encher esta casa de cadelinhas como

ela. Depois me arrependi.A vizinha que participava daquele “disse me disse¨, soltou:

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— Taí, agora está explicado.— Não se meta Dora, que este assunto não é seu. Eu tratava muito

bem a cadelinha e até via nela boas qualidades; silenciosa, seus passos eram leves, nunca estragou uma peça de roupa e festejava cada visitante como se fosse velho conhecido seu. Certo que de alguns ela se escondia.

— Pobre cadelinha por onde andará?—suspirou Maroca. Todo lugar foi rigorosamente vasculhado e nada, nem sinal. — Simplesmente ela resolveu abandoná-los. — disse o guarda da

rua, que a conhecia muito bem. — É assim mesmo, há ingratidão em toda criatura. A cadelinha já estava acostumada na rua, logo vi, ela não ia se acos-tumar. Até que demorou.

— Que absurdo, a cadelinha era muito meiga e quando mostrava os dentes, era a coisa mais linda.

— Foi isso então, alguém que se apaixonou pelo sorriso dela a levou. — disse o Teodoro, já cansado daquela conversa.

Dias depois quando tudo parecia esquecido, o jornal noticiava. “Cade-linha desaparecida pode ser a mesma que está no hospital”.

Todos correram para lá, e voltaram indignados, decepcionados.Nem mesmo queriam falar sobre o encontro, o que gerou suspeita.Comentários se espalharam:— Cadelinha foi dar sua cria longe, sabia que não iriam aceitá-la mais.

Foram lá, mas, não a trouxeram para casa.— Claro, se uma cadelinha incomoda, imaginem duas ou três.O comentário trouxe desconforto para a família que não podia mais sair

nem no portão sem que viessem as críticas e gozações:— Bom dia D. Maroca, tem notícias das netinhas? — perguntava o

guarda num tom de pilhéria.Um dia, de uma clínica veterinária, uma pessoa ligou:— Tem uma cadelinha aqui, quem sabe?Maroca nem deixou a pessoa terminar e furiosa, desligou o telefone.

Teceu suas considerações e chegou à seguinte conclusão.— Melhor pararmos a busca e esquecermos este assunto. Daqui a

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pouco encontram esta ordinariazinha morta e vão pensar logo em nós.— Que tristeza, nem caridade podemos fazer nos dias de hoje. — Você nunca gostou de fazer caridade, você simplesmente não gosta

de perder o que julga ser seu.— Teodoro, será que você nunca vai me compreender?Mais um dia, e outro telefonema:— Estou ligando para avisar que estou bem, amo vocês.Todas as manhãs, passeio com os cachorros, dou banho em alguns, e

com muito carinho cuido deles. Sou cuidadora de cães. Estou no lugar certo... um pet shopping. Aqui, todos me chamam de Janice.

Estranho e DelicadoEmilia Goulart dos Santos

Um pequenino ser, estranho e assustador, a princípio causou-me asco, depois uma curiosidade. Na tentativa de decifrar aquela coisa, aproximei-me, apesar do receio. Porém, a coisa enrolada e peluda, fugiu em desabalada carreira.

Fui bem esperta, alcançando aquela rara espécie de não sei o quê. Não tive coragem para tocá-la. Encurralada, assustada, mas, disposta a defender-se até a morte. Os olhos enormes em uma criatura tão pequena pareciam implorar por piedade.

Aproximei-me e a coisa assustada recuou. Não a toquei, ela estava tão indefesa, que tocá-la recairia sobre mim alguma maldição, pensei:

— Como será a maldição da coisa? Rastejar ou flutuar por aí a deriva, como pluma solta de alguma ave?

Em um segundo a perdi de vista, nem me atrevi a causar-lhe a morte. Aproveitando daquele momento de indecisão, refugiou-se sob a penteadeira, onde pude alcançá-la, e para minha surpresa, a coisa, era uma pena desgar-rada tentando alçar um vôo impossível.

Que pena!

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O caso do padreEmilia Goulart dos Santos

O caso que o padre nos contou foi de arrepiar, hoje sei que ele queria apenas nos fazer acreditar que o inferno e purgatório de fato existem. Mas o que nos passou foi a ideia de que espíritos voltavam e isto fugia do que aca-bávamos de aprender.

È triste quando o caso contado foge da lógica pré-determinada. Crian-ças viajam, o melhor é que as informações sejam bem claras.

O sobrenatural povoa suas mentes sem nenhum esforço. Depois o que fica na memória não desaparece tão facilmente. O que nos foi ensinado como certo, já não nos parece tão certo.

O padre era um bom padre, mas nos aterrorizava com seus casos. Seus discursos eram longos e ricos em detalhes.

Éramos apenas crianças que se preparavam para a vida religiosa.Os dez mandamentos estavam na ponta da língua, já sabíamos todos

os atos que nos preparam da confissão à comunhão. Restava algum tempo até o dia da Primeira Comunhão e ele se empenhava para nos manter longe dos pecados que rodeiam os jovens, ilustrando o paraíso, o inferno e o purga-tório. Dante Alighieri perdia para o padre em requinte e ousadia.

Certo dia ele contou-nos o seguinte caso.Dois estudantes, muito amigos, vieram do interior para a capital a fim

de estudarem e trabalharem. Inseparáveis, mas cada qual tinha seu modo de vida. Um religioso demais o outro farrista, gostava de aproveitar a vida e errava nas doses, mentia para os pais, pois seu dinheiro nunca era suficiente.

O jovem religioso observava os ensinamentos cristãos. —Exaltado o padre repetia com ênfase: — Seguia os ensinamentos cristãos!

Enquanto um estudava fazendo jus à confiança dos pais, o outro, bem, farreava e escarnecia do colega dizendo que ele não passava de um tolo e quando outro mencionava o inferno ou purgatório, ele se consumia em gar-galhadas. Até que uma noite, ao voltar para o quarto que dividiam, ele não

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voltou.As horas se passaram, o amigo acordava, rezava e voltava a dormir, es-

tava inquieto e angustiado, o amigo deveria ter voltado. Apesar das diferenças, ele queria bem ao amigo e estava preocupado.

De repente o vento escancarou a janela e para dentro salta o amigo em chamas.

Desesperado ele joga sobre o outro um cobertor para apagar o foga-réu, o cobertor caiu no vazio e ele ouviu a voz do amigo a implorar:

— O inferno existe, reze para que eu vá para o purgatório, você disse que lá ainda se tem uma chance.

Por estar embriagado o rapaz acabara atropelado e morto. O padre era maluco, mas até hoje eu tenho comigo que o inferno e o

purgatório existem.

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Frutos do Século XXEmilia Goulart dos Santos

Pisaram a luaTransplantaram coraçõesVulgarizaram o amorComeram o sexo

Dançaram o lago, Contaminaram a água, Beberam o carro.Fumaram maconha,Poluíram o ar.Cheiraram o pó,Entupiram o nariz.Contrataram o crack.

Roubaram do próximo,Sequestraram os irmãos,Abortaram os filhos.Mataram os pais,Gastaram a liberdade.Lotaram as prisões, e agora Mané?

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MedoElaine Cristina de Alencar

Eu tenho medo:Da solidão,Da ausência que se instalou,Da incompreensão dos atos falhos,Da falta do sorriso no rosto,Da dor latente que invade meu peito,Da minha falta de coragem de dizer aomeu coração que tudo acabou,Da minha insensatez como mulher,Da falta das palavras trocadas,Da falta da troca de energia,Da falsidade e da mentira,De não saber me recompor,De perder a calma e fazer besteiraDe sonhar alto e cair das nuvens,De pensar na tua sordidez,Enfim...Do medo de ter medo!

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Noite friaElaine Cristina de Alencar

Uma triste noite...Fria, enevoada, cinza...Sinto o breu me absorver,Meus músculos retesam e contraem...O pensamento vagueia e busca uma forma de aquecer,A alma flutua no espaço da memória e recorda os bons momentos,De um café com conhaque no início da Avenida Paulista...O borbulhar da névoa solta pela boca, mostrando que o frio a pino seria

o nosso companheiro pela madrugada a fora...Um violão, muitas vozes...Pessoas ilustres, andarilhos da madrugada,Tempo de aguçar a sagacidade da juventude.Olhos embotados em lágrimas...Estimulam a dor da saudade,Corrompem os laços da idade e se movem ao passado,Trazendo enfim o saudosismo dos tempos de outrora,Dos amigos idos, perdidos pelo mundo todo.Gente que faz falta, mas que preenchem um momento necessário.No tempo do crescimento o mesmo frio traduz a vontade de um ombro

amigo para aquecer...Lembranças fortes, coisas boas, guardadas no baú da memória...E neste frio,Meus músculos retesam e contraem...

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LamentoElaine Cristina de Alencar

O lamento me corrói a alma,Me escraviza na sensação de perda e abandono.Quisera pode identificar tal sentimento como espúria,Alojá-lo no mais profundo âmago e lá deixá-lo expurgar.Romper as amarras do meu peito,Que teima em explodir em sentimentos,Identificar todas os enlaces, soltá-los um a um e dar-lhes nova vida!Saber que o novo sempre vem...Pra nos preparar para o caminho.Que por mais as dores tardias são somente aprendizado.Servem para o crescimento diário e assimTornam-se mais fortes, em cor, graça, revelação.Para que no final de tudo nos engrandeça Em possantes e maduras manifestações de paz e aconchego.

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Não tive tempoElaine Cristina de Alencar

Não tive tempo pra entender...Quando vi, já era tarde...Estava entregue as suas artimanhas.Não tive tempo pra pensar...No que poderia acontecer,Em um pedido fútil,Que se tornou realidade.Não tive tempo de discernir...Meu “eu” invadido de algo fugaz,Corrompeu-me as amarras internas,Trouxe um alento envolto em palavras doces.Não tive tempo de distinguir...As palavras, dos toques, da sensação...De ter chegado ao limite,Sem mesmo ter exagerado.Não tive tempo de distinguir...Sua fala, de suas atitudes adversas,Mas de certa forma envolventes e intrigantes.Não tive tempo de advertir...Minha índole não sabe ser cordeirinho,Ela é adversa e satisfaz a curiosidade...Não tive tempo de reagir...Meus pensamentos transgrediram minh’alma,Deixaram-me sem ação, de dizer ‘não’Pro meu coração.Não tive tempo de corrigir...As atitudes imperiosas,Das palavras impostas,

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De um processo enraizado.Não tive tempo de impedir...Que as palavras entoadas,De uma dor passada.Viesse à tona e mostrasse o medo.Ah... Não tive tempo de conter...Quando vi meus lábios estavam nos teus,A imagem se fez presente em minha memória.E o teu sabor enfim, ficou em mim.

A LuaElaine Cristina de Alencar

O esplendor do seu brilho transparece a minh’alma...Clareia e ofusca meu olhar desnudo...Deflora meu sorriso ao máximo,Aprisiona-me os olhos em direção certeira ao centro de sua luminosidade prateada...Ofusca-me,Embriaga-me,Revela-me,Transmita-me o seu grande astral de paz eDeixa-me viver eternamente resguardada,Dentro de sua clarividência,Que me conduz em sonhos ao auge!

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RaivaElaine Cristina de Alencar

Neste momento, eu queria ter superpoderes.Queria poder saber voar, para chegar mais rápido ao meu destino.Que tal um tele transporte?Uma viagem na imaginação, através do "pirlipimpim" da Emília.Um estalo de dedo e olha eu ali, defronte do necessário...Ah, imaginação não me falta.Vontade então? Vixeeee!Se eu tivesse mesmo estes tais super-poderes, ninguém se atreveria

comigo, nem com meus amigos.Atrevimento é o que mais tem, neste mundão de meu Deus.Aiiii, mas que eu queria, queria, chegar até defronte da tua face e sentir

o seu coração pular pela boca.Ah! Como eu queria!O coração palpitar de tanto medo.Ver o seu corpo todo tremer como geléia e se esfacelar no chão.É... imaginação, me leve e me deixe leve!Assim mesmo, criando na mente o momento, eu posso extravasar

meus sentimentos contrários...Abastecer minha mente de super poderes pra poder eliminar este sen-

timento.Quem dera mesmo eu pudesse...Ai... ai...ai...ai...ai...Mas na intrínseca vontade me resta somente manter na memória o

caso, pra na hora certa poder verter em fatos a cobiça.

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Nós, nunca a sósMarisa Gomes

Seus olhos sempre carinhosos acompanhados da voz acalentadoraSão essas as lembranças que tenho de vocêSei que mudei o rumo da vidaQue não sou mais a neném de casaAfinal saí de lá.Mas aqui estou, lembrando nossas risadas Eu e você sempre juntas, no mercado, na escolaAssistindo TV até tarde do dia...Emendando a noite com o diaE das conversas e dos conselhos

Da sua falta chego a pensar que não vale a pena tentarMas vejo que é por você que estou tentando ser feliz Aprendi com você a nunca desistir, Persistir é essa a lição que tiro de você

Essa nova vida é duraSem você, o dia se torna menos coloridoNão sei o que se passa no seu dia e isso me incomodaNão ser mais a pessoa a quem você confessa seus medos antes de dormirNão repartir com você o último bis da caixinha é muito tristeMas da distância que for, você e euNós, JuntasSempre seremosFilha e MãeMãe e FilhaTambém “tiadoro” e “tiamo” MUITO!

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Você é pra mimMarisa Gomes

Sinto sua falta em cada momentoSinto, tento não sentir, mas lamento!Sinto tanto que me incomodaNão sei decifrar o que sinto

Se estou na rua, procuro seu rosto,Pra fazer meu gosto, olho uma foto suaMato a saudade que teima ficar em meu peitoMas deito nos murmúrios dos meus pensamentos quando não te ouço

Decifrar o que sinto é tão difícil!Sei que apenas sinto, acho que é amor ou carinhoMas carinho é sentimento ou expressão de sentimento?Meu querido, eu quero te dizer que você é muito importante pra mim

Você é meu amigo? Meu namorado? Meu amante?Não consigo dar significado, rotular o que sinto por vocêApenas quero sentir, e agradecer o fato de que você existe, Pois apenas a sua existência dá sentido à minha vida sem graça

Te admiro, te adoro. Será que te amo?Será que também pensa assim como eu?Só quero que saiba que te quero bem, meu bem!E que seja eterno enquanto dure o que sentimos!

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No Mundo da ImaginaçãoMariluci Braz Gomes Correia

Era uma noite chuvosa. Todos saíram. Ficara sozinha. O telefone toca. Alguém do outro lado da linha diz:- Você está só? Esperei tanto por este momento...A voz parecia meio afeminada, mas ficara em dúvida.- Sim, quer dizer, não. Meu marido dorme.Mentiu. Estava só. Corre-lhe um calafrio pela espinha. Lembrara do

que sempre dizia às filhas se alguém lhes fizesse tal pergunta. A voz insiste:- Você mente, sei que está sozinha. Vi a hora em que todos saíram.Ela fica em pânico. Pensa em tudo de ruim. Vem a sua mente imagens

daquele filme horrível. Imagina que viveria situação parecida. Pensa até que alguém já está dentro de sua casa e liga de um telefone celular. As pernas falham, não as sente mais. Não consegue mais sair do lugar. Tenta disfarçar o medo, e num esforço subumano...

- Sim, todos, menos meu marido que está meio adoentado.- Mentirosa, ele foi o primeiro a sair. Eu vi.Ela não consegue mais falar. Desliga o telefone. Ele toca de novo. Não

atende. Toca o celular. Não atende. Toca o outro telefone. Não atende. De repente, todos tocam ao mesmo tempo, os três. Ela já não consegue mais se mover. Seria seu fim? Morreria?!

Começam a passar em sua mente cenas de sua vida. Momentos bons, ruins, momentos de desespero, de angústia, de perda, de paixão, de felicida-de, de muita tristeza...Já não estava mais ali, na poltrona. Viajava no mundo da imaginação. Não sofria mais. Relembrava cenas de sua vida morna. Pen-sava em tudo que poderia ter feito e não fez, tudo que poderia ter sido – e não foi. Por medo, covardia... Em o quanto poderia ter sido feliz.... Quanta vez renunciava a vida para satisfazer caprichos de outras pessoas, para não desestruturar seu lar, para fazer os outros felizes. Não conhecia nada ainda. Nem o mar. Apesar de corajosa, valente, “independente”, era submissa, como

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toda mulher. Teria valido a pena a sua vida? Por que teve tanto medo de ser feliz? Mas... Agora era tarde demais.

Alguém lhe toca os ombros. Ela olha. - Meu Senhor!!!

Um gênero textualno contexto de produção

Mariluci Braz Gomes Correia

O texto é sempre o mesmo. As leituras é que são diferentes. Cada um lê com seus próprios olhos.

Há um gênero textual que demoramos uma vida para produzi-lo e quando o terminamos não há mais tempo para refacção. Como corrigi-lo a tempo?

A vida é uma escola, como já sabemos. É um texto em construção que precisa ser refeito a cada dia, a cada fase, mas corrigir esses parágrafos só cabe a nós mesmos, com o discernimento que o Mestre nos deu.

A introdução desse texto maior, nossa passagem pela Terra, somente ela não está a nosso cargo, pois os nossos coautores, nossos pais, estão en-carregados de fazê-la. Se esse “início” não for bem elaborado, fica complicado o desenvolvimento dos outros parágrafos, das outras fases, pois o alicerce ficou abalado.

No entanto, nem tudo está perdido. Enquanto a vida pulsa, a sequên-cia textual pode ser corrigida. Há muitas possibilidades de “apagar” o erro, de refazê-lo, retornar, não podemos desistir ou persistir no erro, perdendo a oportunidade de correção dos contextos sociointeracionais. É só “mexer” na introdução, mas com muita cautela, sem mudar a idéia. Geralmente, nesses casos faz-se necessário a ajuda de um especialista e aceitar a injunção.

Durante o desenvolvimento desse texto, que ora é uma crônica, ora é um poema, ora é um conto, ora memórias e noutras um texto de opinião, não

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podemos nos esquecer das sequências discursivas que se misturam e dão o elo - como um arco-íris no infinito, colorindo ainda mais as nossas vidas, idas e vindas como as ondas que vão e vêm, mas que, dependendo da ressaca, elas só vão.

Temos que ter muito cuidado com a coerência desses parágrafos lon-gos, pois não é fácil, requer muita atenção, pode produzir ambigüidade, aí vem a tal da depressão.

Mas, nem tudo se complica, há momentos emocionantes e gratifican-tes, só que tudo depende da intenção de interagir, de inspirar-se. Temos que perceber que nunca estamos sós, há sempre alguém a nos observar, é só silenciar e ouvi-lo. Ele está dentro de nós.

Também temos os amigos que vamos conquistando no decorrer da escritura para nos inspirar. Não podemos perder o foco, é necessário con-textualizar e garantir a textualidade, pois enquanto houver vida há tempo de correção, de familiarizarmos com a famigerada deprê, refazer, a amarrar as idéias, dar coesão aos parágrafos.

Contudo, há momentos em que nos faltam forças para tanta releitura, então ficamos inertes e deixamos o barco correr, o texto circular com proble-mas. Aproveitemos as chances de revisão. Há um momento em que também não nos cabe: a tal da conclusão, que de repente pode acontecer, não sendo a hora oportuna. Nesse caso, o Coautor Maior entra e o que foi feito e refeito é visto e revisto, lido e relido em nosso texto maior, mas já sem chance de correção, tem que ser concluído esse gênero textual. É chegada a hora de terminar essa grande obra e esperar pela nota do Mestre, pois é o final da escrituração.

A obra está concluída, a não ser que nos seja dada, um dia, em algum lugar do futuro, outra oportunidade de produção, mas num outro contexto ou numa outra comunidade discursiva.

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Vivendo a quinta estaçãoMariluci Braz Gomes Correia

Era primavera, a estação das flores chegava e o seu jardim não era mais o mesmo, perdera o colorido de outrora. Já não sentia mais o perfume e a beleza das flores. Tudo era preto e branco.

Cátia, sem saber o que fazer da vida, pois ela já não significava mais nada para ela, resolvera fazer um curso para tentar preencher o vazio de sua alma. Sem nenhuma pretensão, a não ser matar o tempo.

Seus filhos não aprovaram:- Pra que esse curso, mãe, ainda mais agora, você não vai aproveitar

nada?Não importava, já tinha decidido, faria mesmo assim.Não aproveitaria nada ficando em casa também. - Deixe a mãe, ela sabe o que faz. Talvez, nesse momento, é melhor

para ela estar em contato com pessoas que não sejam da família; isso vai ajudá-la – dizia Beto.

Alguma força estranha lhe intuía para que fizesse o curso. Queria achar sentido para sua vida besta.

No primeiro dia do curso, de manhã, foi horrível, quase desistiu, uma choradeira só. Todos que a conheciam, vinham cumprimentá-la perguntavam se ela havia superado a perda que acontecera em sua vida.

As pessoas parecem mesmo ter essa mórbida vontade de fazer a gente relembrar as coisas tristes. Mas, à tarde, “algo” lhe chamou a atenção. Se procurava sentido para a vida, acabava de achar – pensou.

Nunca teve olhos, a não ser para o seu trio: Beto e seus filhos: Luciano e Marcos. Mas naquele homem, alguma coisa a tocou. Ernesto era diferente de todos os seus amigos, de todas as pessoas que conhecia. Embora já o co-nhecesse e admirasse, nunca o tinha visto com os olhos que agora o viam.

Encantou-se. E a cada dia que passava, mais deslumbrada ficava. Aquela amizade lhe devolvera a melodia da vida. Era encantador, inteligen-

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te, envolvente, viril, aquele homem. Falava o que ela precisava ouvir naquele momento.

Já no outono de sua vida, ela queria encontrar algo que aquecesse o seu coração gelado, que o último inverno deixara. “Teria encontrado?” – ela pensava.

Nada mais importava, mergulhou de cabeça. Algo teria que preencher seu coração vazio, frio, ferido... “Dane-se o mundo, quero me entregar de corpo e alma a essa paixão!” – pensava Cátia.

Foram dias de êxtase, meses de loucura, embora nada acontecesse de concreto entre eles, a não ser na sua imaginação. Mas o que ela queria mesmo era sonhar, divagar, sair da mesmice. Entreter-se.

Sua vida agora estava bela, apesar das feras.Esquecera por um tempo o seu desamor pela vida. Convivia com emo-

ções diferentes. Sentia seu coração pulsar como nunca pulsara.Apaixonou-se.Ele não. Tinha seu coração ocupado, ou não podia se apaixonar por

uma pessoa em desequilíbrio emocional, passando por uma crise existencial. Só queria mesmo ajudá-la a entender o que se passava com ela, e achar juntos uma saída.

Ao longo das estações que viveu sua paixão, houve muitos momentos de felicidade, na primavera, de calor; euforia, no verão; de tristeza e desequi-líbrio, no outono.

O inverno chegou... Sua paixão... Virou neve – virou poesia. Vive a quinta estação: a do autocontrole. Aprecia a beleza das flores,

sente o calor das amizades, aprendeu o exercício da paciência, da autoesti-ma. Agora, sente a poesia da vida, mesmo no inverno.

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Você aí e eu aquiMariluci Braz Gomes Correia

Cadê meu pedacinho, meu anjo?Cadê minha companhia, minha inspiração?Cadê aquela criaturinhaQue às vezes era chata, mas noutras o meu tudo?

Não mora mais aqui no quarto ao lado do meuMudou-se...Alguns quarteirões nos separam agora.E esse silêncio me ensurdece.

Por que nossas vidas estão sempre mudando...Por que não curtimos TUDO de cada fase?Por que nos iludimos e nos acomodamosAchando que tudo vai durar para sempre?

A vida, os ciclos de nossas vidas são tão curtos,Que quando percebemos - já vivemos o que tinha que ser

Mas, nós, nossa ligação é muito forteRompeu-se o cordão umbilicalMas o nosso amor é eterno

Eu quero ser pra vocêNão o que é para mim, pois seria muita pretensão Mas uma boa lembrançaUma suave saudade de tudo que vivemos e não pudemos viverQue se algumas coisas não lhe deixaram saudadesMágoas também não ficaram

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E que quando olharmos para trásOu nos entreolharmosNenhum ranço embace essa visãoQue sempre haja entre nós a amizade, o amor...Uma gostosa saudade de tudo que vivemosEu “tiadoro, tiamo”, minha filha!

Balanço da VidaMariluci Braz Gomes Correia

Mais um ano se finda,Muitas coisas deixadas para trás:A vida que não foi vivida plenamente,O amor que não foi cultivado,A alegria que não foi sentidaA dor mais doída...

Que bom seria, se pudéssemos,Na conta de nossas vidas,No balanço a ser feitoSó saldo positivo ficasseAlegrias somadas,Tristezas diminuídasAmor multiplicadoE a dor dividida

Mas, a realidade é bem diferenteCada um constrói sua própriaFelicidade ou infelicidadeAs experiências que adquirimos a cada ano

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Têm que nos deixar cada vez mais fortesAlegrias, tristezasGanhos, perdasTudo faz parte de nossa aprendizagemO importante é não deixarmos a “peteca” cair

O mundo não pára porque estamos tristesA vida continua bela para quem tem olhosO universo conspira a nosso favor - sempreE, apesar de tudo, Jesus ainda vive...Dentro de cada um de nósÉ só silenciarmosE senti-loCaminhando juntos, esquecendo as mágoasE vivendo...Pois a vida é um Dom Divino.

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A BruxaAristheu Alves

Selma apareceu na fazenda São João, procurando ajuda. Apesar de ser uma mulher de beleza sedutora, mostrava-se abatida, pálida e com pro-fundas olheiras. Quando desceu do ônibus, carregando uma pequena mala com roupas, ela tinha um aspecto horrível, pois usava um vestido velho, os lábios descorados e cabelos em desalinho. Ana Maria, esposa do fazendeiro Valdomiro, após tomar conhecimento da situação de Selma, resolveu ajudá-la dando-lhe uma pequena casa que se encontrava desocupada, com alguns móveis dentro, para que a desconhecida ali se abrigasse. Durante a noite Selma não conseguia dormir lembrando das diversas fases de sua vida. Os sonhos da sua mocidade, as desilusões e o casamento que não deu certo. Recordava que depois do primeiro ano de casada, sua vida mudou muito e para pior. O marido sempre demonstrou ser amoroso e carinhoso, mas, de maneira assustadora, transformou num homem insuportável, dominado pelo ciúme e com isso, ela passou a ser escravizada dentro do seu próprio lar. Não podia sair à rua sozinha porque o marido não permitia; ela vivia isolada da sociedade.

Foram cinco anos de humilhação e submissão além das violências. Seu rosto já mostrava as consequências com o surgimento das rugas, até que chegou o dia em que tomou uma decisão: fugiu de casa, tentando a sorte ali na fazenda.

Os homens daquele lugar não gostaram da estrangeira. Ela andava mal vestida e sua aparência era simplesmente feia. Eles não a cumprimentavam e evitavam o encontro com ela. Reinava entre eles um verdadeiro preconceito; tinham-na como uma pobre abandonada que não merecia nenhum crédito, e, no auge da raiva, apelidaram-na de bruxa.

Ana Maria discutia com seu marido, Valdomiro:- É desumano o que você e seus amigos estão fazendo com essa

pobre mulher.

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No mesmo dia ela convocou uma reunião com todas as mulheres do lugar. O assunto tratado foi para dar amparo para Selma, que estava sendo vítima de tanto desprezo. A reunião deu bons resultados. Cada mulher assu-miu um compromisso de trabalho com a finalidade de cuidar da boa aparência dela. Foi um trabalho árduo. Compra de vestidos e roupas íntimas. Sapatos, jóias, cremes de beleza, produtos para os cabelos, perfumes e também es-malte e baton. Substituíram seus vestidos longos por saias curtas, acima dos joelhos, deixando aparecer suas lindas pernas. Selma ficou surpresa com tan-ta dedicação. Sua transformação foi maravilhosa; basta dizer que os homens que fugiam dela, passaram a olhá-la com curiosidade e admiração.

Dona de um corpo esbelto e de linhas definidas, ela tornou-se uma atração para os moços e mesmo para os homens casados.

Na verdade todos passaram a rondar a sua casa com o intuito de man-ter algum diálogo com ela que atraía a todos com a sua beleza hipnotizante. O grupo de mulheres caridosas sabendo que Selma era uma excelente cos-tureira, deram-lhe de presente uma máquina de costura, acompanhada de aviamentos para que pudesse trabalhar e ganhar algum dinheiro. Dentro de alguns meses, a mulher, que ao chegar na fazenda estava triste e fracassada, conseguiu ser feliz e charmosa. Os homens que antes a desprezavam, depois, ao vê-la, ficavam enlouquecidos. Na sua casa, era um entra e sai de curio-sos disfarçados em fregueses que levavam roupas para reformar, mas, era tão suspeita a movimentação na casa da costureira que as mulheres foram dominadas pelo ciúme. O que antes era uma amizade tão bonita, passou a ser desconfiança. Elas acreditavam que Selma estava de namorico com os homens delas. Começou a haver desentendimento entre as casadas e seus maridos e as solteiras viviam de olho nos namorados ou nos noivos. O ódio começou a crescer nos corações das mulheres desconfiadas.

Ana Maria voltou a discutir com seu marido Valdomiro:- Não quero que você converse com a costureira e nem passe mais na

frente da casa dela.- Mas não foi você que me criticou por chamar a estrangeira de bruxa?- Sim, mas, agora tudo mudou. Selma é para nós uma pessoa indese-

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jável que precisa sair desta terra imediatamente.E numa rapidez incrível, saiu pela fazenda e reuniu as mulheres ca-

sadas, solteiras, noivas e namoradas; todas juntas, formaram um batalhão e marcharam para a casa de Selma que ficou assustada com tanto alvoroço. Ana Maria fez o uso da palavra:

- Selma, você passou dos limites. Queremos que vá embora agora mesmo. Volte para a sua cidade, deixe a gente em paz.

A costureira tentou se defender dizendo que não tinha culpa pelo pro-cedimento dos homens, mas as mulheres não deram ouvidos às suas pala-vras e a expulsaram da casa. Selma, de posse da sua pequena mala com as roupas, e com os olhos em lágrimas, atordoada, caminhou em direção ao ponto de ônibus.

Era o fim da sua felicidade!

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Cena urbanaAnizio Canola

O cotidiano às vezes é marcado por situações realmente inusitadas. Para detectá-las basta ficar atento. Claro, imprescindível também estar no lugar certo, na hora certa, para admirar as trepidações do enredo da vida. Bem dizia Cristo: “Quem tiver olhos para ver, que veja”. Dizem que quando a Ter-ra gira mais rápido (fenômeno que certamente só leis cósmicas conseguirão explicar) as coisas engrenam sequências inacreditáveis. Ou seja, fatos orde-nados resultando em desfechos admiráveis e até engraçados. Como se, não obstante a atipicidade, seguissem roteiro definido por antecipação. Sei que olhos de poeta têm condão de capturar imagens despercebidas por muitos. Com essa qualidade, e nesse padrão, gosto de faiscar fatos de tal jaez.

Vamos lá. Numa quente manhã primaveril, típica de Araçatuba, a Terra do Calor, o acaso criou uma cena imperdível.

Cenário: Avenida Brasília, no trecho lateral ao Fórum Estadual.Ali, um novo espaço reservado a deficientes tem duas placas. Numa

está escrito “Exclusivo para Deficiente Físico”. Na outra, a letra “P” (permitido estacionar) encima o alerta “Deficiente Físico”. Aviso não falta, mesmo assim muitos abusam, pois na cara dura invadem o local restrito.

De repente, chega um carro. O motorista é o conceituado advogado Dr. William, portador de dificuldade física. Pretende estacionar seu veículo no espaço a que tem direito. Mas vê que a vaga inteira já está ocupada por dois carros! Não gosta, fica contrariado. Amparado pela lei e, com intuito de dar lição, no ato liga para a polícia. Pede para guincharem os dois invasores.

Logo algumas pessoas se acercam. E apoiam a atitude do advogado. Dizem que, nestes dias absurdos, os cidadãos devem mesmo lutar pelos seus direitos. Há muito desrespeito! Mais gente se aproxima. Espantoso como nun-ca faltam curiosos em cena de rua.

Com uma presteza de pasmar, logo aparecem as equipes policiais. Uma viatura da PM e outra da Guarda Municipal, e uma plataforma. Nisso

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chega um dos dois motoristas “infratores”. Primeira surpresa. Constata-se que o carro descaracterizado está com um policial civil. Este apresenta-se, entra no carro e sai rumo à delegacia. Alguém frisa que veículos de portadores são (devem ser) identificados pelo símbolo da acessibilidade (selo).

Willian e os policiais esperam pacientemente pelo dono do carro res-tante. Segunda surpresa. Aparece o procurador do Estado, Dr. Ulisses, que, logo se vê, também goza da prerrogativa daquele espaço. Seu carro não tinha o selo (cadeira). O advogado queixoso cala-se, mas seu menear de cabeça é eloquente. Aquele veículo também está naturalmente liberado.

E agora, o que fazer com o aparato, viaturas e plataforma? Tanto mo-vimento à toa?

Ninguém diz nada, mas há um clima de frustração.Última chance. Um policial vê, no limite daquele espaço especial, uma

moto Honda Biz estacionada. Faz-se uma comparação no mínimo curiosa: “No futebol, a regra diz que falta na risca da grande área é pênalti. Essa Biz está parada na risca, portanto, infração. Guincho nela!”.

O veículo acabara de ser colocado na plataforma, quando seu dono chegou. Outra surpresa. Era de um conhecido guarda municipal, que estivera até então numa audiência no Fórum.

O jeito foi descer a Biz...

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Ganhar o prêmio maiorAnizio Canola

Na mocidade, os castelos de areia parecem tão sólidos... Não existe sonho impossível, nem ponto inatingível. Tudo representa ser viável, ainda que o bom senso aponte na direção contrária à desejada. Uma esperança comum nessa fase é tornar-se rico. Comigo não foi diferente, embora o vil metal nun-ca fizesse minha cabeça, pois na realidade sempre valorizei as boas ações humanas, cultivando os sentimentos mais nobres. Certa feita, em Paraguaçu Paulista, o fotógrafo Paulo Ui, meu particular amigo e profundo conhecedor dos signos do zodíaco, leu minha sorte. E vaticinou que, em ponto indetermi-nado de minha vida, eu receberia o prêmio maior. Sem precisar correr atrás da sorte grande, pois ela chegaria no momento certo.

Na época, uma simples fração contemplada na loteria federal dava para rechear o pé-de-meia. Com o passar do tempo, a situação mudou gra-dativamente, ramificando-se as vias de premiação. Em contrapartida, agora, uma fração pouco significa e só o bilhete inteiro possibilita uma importância considerável. Na loteca, sena, loto e que tais, ainda é necessário ganhar sozi-nho. Ou ratear grana com poucos concorrentes. Senão a emoção de acertar os números pode redundar em decepção.

Quem não arrisca, não petisca, diz o ditado. Os anos foram passando e eu, reconheço que comprei poucas frações, não petisquei nada. Melhor negócio faria se houvesse investido o dinheirinho em coisas mais concretas. Pois se quis ter um veículo, precisei me valer de consórcio. Ou seja, paguei inteiramente o prêmio. Por tais razões, o sonho juvenil de enriquecimento foi ficando de lado. E felizmente tratei de cuidar melhor das realidades da vida, que pelo menos, garantem a subsistência, ao passo que a loteria às vezes é teimosinha demais. E não vai com a cara da gente de jeito nenhum.

Por outro lado, recentemente submeti-me a exames clínicos de rotina, Com acompanhamento dos maravilhosos médicos Sérgio e Dirceu, que me assistem desde que sofri derrame cerebral (AVC hemorrágico), há treze anos.

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Na ocasião, a tomografia computadorizada registrou um futuro incerto e som-brio, no qual, perder a voz seria uma consequência mínima. A vontade divina, sempre incontestável (e por isso deve ser aceita de um jeito ou de outro), poupou minha vida e permitiu uma recuperação extraordinária. Os resultados são alvissareiros. Isso, devido a Deus, à competência e dedicação da equipe médica, ao estímulo fervoroso de quantos oraram por mim, naquele período de angústia. Tudo foi válido, merecendo minha eterna gratidão.

O neurologista disse, muito satisfeito, que resultado assim, só é possí-vel a dez por cento dos pacientes. Por sua vez, o médico que logrou estabilizar minha pressão arterial, também maravilhado pela minha melhora, afirmou que acontecimento desse tipo, só ocorre na proporção de um para mil...

Agora, estou refletindo melhor sobre esses fatos. Um em mil significa que, de mil casos, só eu consegui a sorte grande. Gente, eu havia ganho o prêmio maior e nem tinha percebido. Porque não há dinheiro de loteria que pague o prolongamento da vida, não é mesmo?

(Anizio Canola restabeleceu-se sem sequelas e hoje tem vida normal. Dr Sérgio Smo-lentzov sobre a tomografia computadorizada medonha: “A medicina errou? Não. Sucedeu que a providência divina operou”).

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Minha Guria, Meu ArAnizio Canola

Tu és tão bela.Que porte!Gosto de pegar teus cabelos sedosos.Beijar teus lábios de mel.Perder-me nos teus lindos olhos verdes.Tenho orgulho de ti.Sinto tua falta.Ah, que castigo quando tu não estás.Dizem que eu deveria enciumar de ti.Pois tu andas charmosa, esvoaçando pelos pagos.Ciúme, bah!Tenho-a sempre na minha mira.Estalo os dedos e tu logo vens.Apoquentar-me por quê?Tu me dás amor além do meu desejo.Sou perdidamente apaixonado por ti.Guria, pode até ser que amor eterno acabe.Mas enquanto durar, seremos plenamente felizes.

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Sonhos loucosAnizio Canola

Um telefone que não toca.Um abraço que não vem.A carta esperada que não chega nunca.Um beijo com mel que fica só no querer.A saudade aumentando mais e mais. Angústia que consome a alma.Uma vontade louca de adequar a realidade aos sonhos róseos, num

estalar de dedos. O pôr-do-sol tingido de melancolia. Uma nuvem de lágri-mas... Inevitável o retorno à Praça dos Sonhos Dourados. Procuro ansioso o carro dela, cujas placas têm o prefixo ALI, letras de seu nome. Debalde... Mesmo assim teimo na busca vã. Quando vejo o banco que já nos acomodou nos momentos felizes, meu coração quer explodir. Ah, Aline...

No mosaico do jardim, uma risonha menina brinca bem à minha frente. O mesmo jeito que minha querida tinha na infância: meiga, cabelos pretos compridos, uns seis anos. Munida de um canudinho de mamoeiro, faz lindas bolhas de sabão, com o líquido da canequinha. Doce diversão de criança... Uma bolha escapa. A garotinha tenta dominá-la. Mas logo some no ar. Sinto que esta cena tem algo a ver com o nosso idílio. Recordo-me de uma anota-ção de Aline:

- “Tudo é possível! Sonhe, pois o sonho sempre persiste. O que muda é a realidade”.

Antes, ela exaltava nosso arco-íris. Todavia, sobreveio a dura realidade e o sonho comum se tornou inatingível.

Beatriz Segall afirmou, numa telenovela:- “Os nossos sonhos nem sempre coincidem com a realidade”.De fato. Quando paixão e razão se desequilibram, a barra pesa demais.

Advém a ânsia de sonhar de novo. Iludir-se de que nada mudou. Porém ne-nhum sonho é infindo. A gente sempre acorda para a crueza da vida. Amores impossíveis geram sonhos loucos. Inconsistentes. Cativantes, mas tão efême-

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ros quanto as bolhas de sabão... Li num jornal:- “Sonho que se sonha só é só um sonho que se sonha só. Mas, sonho

que se sonha junto é realidade”.Contudo, como segurar uma paixão trepidante ainda que oriunda de

uma pura ligação afetiva? Valerá mesmo a pena acumular tanta ternura, sem possibilidade de poder consumi-la com a mulher de minha vida? As conven-ções nem sempre valorizam as razões do coração, tornando os obstáculos incontornáveis.

A garotinha da praça admira uma bolha de sabão com alguma cor. Esta, trazida pela brisa, desmancha-se no meu ombro. Ela sorri.

No meu enlevo, imagino ouvir a dupla Maurício e Maurí:- “Olha o nosso amor valeu, quando a gente fez, a primeira vez. Foi

lindo como aconteceu. Desejo de verdade. Prazer sem maldade. Quando dei por mim, estava assim, preso no seu laço. Me perdi de amor. Eu senti você nua em meus braços. Não consigo esquecer essa emoção. De uma vez vem me entregar seu coração. Da paixão não sei fugir. Meu amor, vê se não some. Te fiz mulher para ser sempre o seu homem...”.

Um dia ainda brinquei com ela: Aline, vê se não some! Parecia confiante, ao responder:- “Não vou sumir, não...”Mas...Agora uma bolha cai entre as flores. A criança consegue se contentar

com algo tão simples... Os adultos são complicados demais. Por que insistir num amor impossível, se a realidade atroz prevalecerá?

Acabou a brincadeira.A garota pega a caneca vazia e o canudo. E a ilusão.Antes que se afaste, pergunto-lhe: Menina, como é o teu nome?- “Aline...”

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Sonho perdidoHeitor Gomes: “O poeta das multidões”

Num dia triste de minha vida,Em que queria apenas ser feliz.Fui visitar um festivo lupanar,Sem me importar com tudo aquilo que o povo diz.

Fui muito bem recebido,Atendido pela gentil cortesã.Meu cartão de crédito era muito bem aceito,Sentia-me um verdadeiro Dom Juan.

Naquele antro dissoluto,Revolto em orgia e devassidão.Vi sentada num canto da sala,Segregada daquela perdição.

Uma menina tão sublime,Mais parecia uma princesa.Suave como a brisa da noite,Misteriosa como uma sereia.

Num impulso sorrateiro,Aproximei-me para conversar.Mas quando senti seu cheiro, comecei a me apaixonar.

Foi amor à primeira vista,Meu peito queria saltar.Ela era a essência da beleza divina, Pedindo, implorando para se entregar.

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Levei-a para viver comigo,Aprisionei-a no meu coração.Arisca como uma felina,selvagem que me devorava de paixão.

Era o brilho resplandecente,Raio de luz que me norteava.Dentro dela eu ia à loucura,Seu orgasmo me alucinava.

Nunca imaginei tal loucura,Beleza tão irreal.Mas um dia tudo acabou,E minha vida tornou-se um lamaçal.

Dava-lhe tudo e muito mais,Enfeitava-a como uma rainha.Satisfazia seus mais ínfimos desejos,Para que ela fosse somente minha.

Mas não conseguia imaginar,Naquilo que meus olhos estavam vendo.A mulher que acalentava meus sonhos,Com outro homem convivendo.

Que ódio senti no peito,Traição da mais cruel.Queria destruí-la de qualquer jeito,Vê-la sofrendo, vivendo ao léu.

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Mas quando a vi partindo,Não consegui me controlar.Fiquei louco e desesperado,E supliquei-lhe para ficar.

Que sofrimento mais atroz,Dor das mais pungentes.Ver a mulher que a gente ama,Indo embora de forma inclemente.

Hoje vivo solitário,Experimentando vários amores.Mulheres até interessantes,E com diferentes sabores.

Nos bares ébrios da vida,Afogo minha tristeza e meu desamor.Bebendo cerveja nos braços de outra,Para lembrar seu cheiro e calor.

Mas quando passa a bebedeira,Sinto que tudo foi em vão.A companheira de alcova vai embora,E eu sinto novamente a solidão.

Pois nenhuma tem o gosto do pecado,Como o dela que me legou à maldição.Sofro e choro pensando nela,A causa da minha destruição.

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Quando a saudade bate no peito,E não consigo suportar.Volto correndo ao puteiro,Na esperança de encontrá-la E nos seus braços morrer de tanto amar.

Porque nesta vida sofrida,Tudo errado eu sei que fiz.Mas não consigo viver sem ela,Eu era corno, mas era feliz.

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Zequinha queimou a roscaHeitor Gomes: “O poeta das multidões”

Zequinha era um rapaz honesto,direito e trabalhador.Arrumou emprego na padaria,para ganhar o pão com seu suor

Senhor Manoel o proprietário,ensinou-lhe a mexer com massas,Fazer pães, doces de todos os tipose assar no forno, roscas de uvas passas.

Zequinha estava radiante,fazia tudo com dedicação.Aprendia tudo com facilidade;e o “portuga”,era um ótimo patrão.

Um dia, Senhor Manoel lhe ordenou,fazer uma rosca especial.Era uma desejada encomendapara o dia do Natal.

Zequinha caprichou na receita,creme de leite, caramelo e bombom.Levou ao forno já bem quente,para a cor ficar no tom

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Mas Zequinha um tanto distraído,esqueceu-se do tempo que passou;e quando abriu o forno, que tristeza!Sua rosca queimou.

Senhor Manoel ficou chateado.A freguesa ficou muito louca.O Zequinha muito envergonhado,porque tinha queimado a rosca.

Zequinha agora não sai de casacom vergonha não abre a boca.Senhor Manoel contou a todos,que Zequinha tinha queimado a rosca

Zequinha queimou a rosca etodo mundo ficou sabendo.Agora nada mais resta,o Zequinha está sofrendo.

Que maldade das pessoas,comentário mais cruel.Zequinha queimou a rosca,no fogo do Senhor Manoel

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Deus é JustoHeitor Gomes: “O poeta das multidões”

Acho que Deus é parcial e tem os seus preferidos.Por que muitos seres humanos,são tristes e oprimidos.

Ou será que Deus é justoe para Ele somos todos iguais?Mas por que tantos excluídos,Que já nasceram marginais?

Há pessoas que nunca sofrem,já nascem vencedores.Num lar maravilhoso,rodeado de luxo e amores.

Enquanto muitos coitados,vivem na maior infelicidade.Nasceram no sofrimentoe são vítimas de tantas maldades.

Nunca tiveram amor,nem um gesto de carinho.Cumpriram seus destinos,abandonados e sozinhos.

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Será que o homem nasce bomE depois se desencaminha?Ou já nasce perverso,Apenas cumpre a sua sina?

O homem é o único animal, dotado de raciocínio.Mas só usa a inteligência,para aumentar seu domínio

Se o bem é legado de Deuse todo mal vem do diabo,ele então disputaa alma do pobre coitado?

Quantos mistérios existem,no mundo em que vivemosninguém sabe nossa origeme tampouco para onde iremos.

Na vida tudo é mistério,ninguém tem certeza de nada.O que os religiosos apregoam,é tudo história infundada.

Dizem que o homem deve ser bom,.para herdar o Reino de Deus,Mas será que exemplificam,ou são verdadeiros fariseus?

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Muitos pregoam a castidade,para fugir da concupiscência.Mas Deus disse que cópula é sagradapois dá origem a toda descendência

Se não fosse a cópula carnal,os seres não procriariam:A terra seria estérile os homens não existiriam.

A bíblia diz que Cristo,nasceu do Espírito Santo,que Este se alojou em Maria,como se fosse um encanto,

E que Cristo veio de Deus,não de uma cúpula carnal.Por isso Ele está acimade todo bem e todo mal.

Maria era Donzelamesmo assim teve um filho Sagrado.Com a missão de ensinar aos homensredimirem seus pecados

Maria se tornou Santa,devido à maternidade.Deu à luz a Jesus Cristo,homem puro sem iniquidade

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Se Maria tivesse coabitado com Josésua santidade perderia o valor?Mas Deus disse que a cópula é sagradae o mais importante é o amor.

Se Cristo fosse fruto,de uma cópula carnal?Ele também seria vítima,do pecado original?

Então Maria deixaria de ser Santae seria cruelmente execrada?Se tornaria uma mundana,totalmente dessacralizada?

Se Maria não fosse donzela,Cristo seria um homem comum?Tudo que fez perderia o valor e na multidão seria mais um?

Ainda bem que Maria era pudicae nunca coabitou com José.Mesmo assim se tornou mãe,e hoje é percussora da fé.

Quem não conhece Deus,reza à Virgem Maria.Embora muitos acreditem que é pura idolatria.

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Mas para quem sofre não importa,o nome que se dê a fé.O importante é alcançar a graça,do jeito que a pessoa quer.

Então felizes ou infelizes,todos cumprem o seu destino.Uns muito realizados,outros com a alma em desalinho.

O importante é não questionar,para não aumentar a incerteza.Se Maria era ou não virgem,isso não tira a sua realeza.

O importante é que foi mãe,gerou um filho com muito amor.Que nasceu com uma sagrada missão,ser do homem o único salvador

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SentidosBeatriz Ferreira do Nascimento

Uma voz ecoaDas profundezas de um serSeu grito de liberdade:Eu posso viver!

Os olhares profundosA cegueira aparenteO que ves não é:Torna-se.

As mãos que caminhamE reconhecem o corpo,Aquele que é tocado:Transforma-se.

O aroma que exalaDe cabelos e peleSensibiliza o mais rude:Expressa.

A palavra proferidaTão constante e persistenteExprime todos os sentidosQue a torna envolvente.

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RecantoBeatriz Ferreira do Nascimento

Será que resgatoA primeira lembrançaDo nosso abraço?

A memória me falhaDos tempos longínquosMas a presença hojeExprime: sinto.

No colo da praiaVocê se deitavaSuas curvas mostravam a direçãoO caminho da minha perdição...

O cansaço das pedaladasNós dividindo o colchãoAs ondas do meu sonho levavamNossos corpos entrelaçados.

A toalha enrolada no corpoAtiçando e provocando curto-circuito,Os faróis numa noite friaAcendendo a fogueira branda...

As unhas em minha peleO abalo sísmico dos seus toques...As imagens se formandoDe um sonho não ilusório...

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A peça no varalCompletando o quebra-cabeça,Desconcertaste a menteAgora presente...

As massagens infinitasNa meia luz de um quarto,As montanhas se encontravamE o frisson instalava-se.

O fio condutor de nossas almasUniram nossos corposNa embriaguez da seriedadeTornei-te poeticidade.

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Embriaguez de sonhosBeatriz Ferreira do Nascimento

Diante de instantesMeus desejos se instalamSua presença é tão marcadaQue meu coração se inflama.

Quero-te tão simplesNum movimento tão claroBeije-me moça bonitaDesejo-te, é fato.

Na dança que se realizaVocê fica num cantoQuero-te tão permanenteEm meu mundo tão presente.

Vejo-te tão lindaNum mundo tão avessoBeije-me doce donzelaQuero-te e permaneço.

Não fujas de mimNum bailar tão travessoQueira-me hojeE para sempre.

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Mãos me cercamO futuro vem e chegaA lágrima não rola agora...Veja, a partida se iguala.

Não firas o egoQue te quer a todo o momentoSorria-me querida amigaVocê é meu pensamento.

Receio de ÍcaroBeatriz Ferreira do Nascimento

Queres voar?Tenho asas?Todas que precisas.Tenho medo do céu.Tens é medo da VIDA.

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Poema da madrugadaBeatriz Ferreira do Nascimento

Na madrugada habitoAs transgressões da minha menteDela me ocupoPara não ficar doente.

Sob um manto vermelhoO corpo se estiraSente dores e calafriosDe uma paixão ardente.

Num cubículo se escondeAquela que não quer se conhecerMas os livros a denunciamSua alma quer crescer.

As mãos incontroláveisExitam em escreverA pele cansada se arrepiaQuer entorpecer-se.

Organismo em decomposiçãoO mal-estar é denunciadoOs batimentos cardíacos não suportamA criação do ilusório.

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