Livro Inclusao Digital

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experincias, desafios e perspectivas

Karina Marcon (Org.)

Incluso digitalexperincias, desafios e perspectivas

Edio comemorativa aos 5 anos do projeto Mutiro pela Incluso Digital

Adriano Canabarro Teixeira Karina Marcon (Org.)

Incluso digitalexperincias, desafios e perspectivas

UNIVERSIDADE DE PASSO FUNDO

Rui Getlio SoaresReitor

Eliane Lucia ColussiVice-Reitora de Graduao

Hugo Tourinho FilhoVice-Reitor de Pesquisa e Ps-Graduao

Adil de Oliveira PachecoVice-Reitor de Extenso e Assuntos Comunitrios

Nelson Germano BeckVice-Reitor Administrativo

UPF Editora

Simone Meredith Scheffer BassoEditora

CONSELHO EDITORIAL

Alexandre Augusto Nienow Altair Alberto Fvero Ana Carolina B. de Marchi Andrea Poleto Oltramari Angelo Vitrio Cenci Cleiton Chiamonti Bona Fernando Fornari Graciela Ren Ormezzano Luis Felipe Jochins Schneider Renata H. Tagliari Sergio Machado Porto Zacarias M. Chamberlain Pravia

Adriano Canabarro Teixeira Karina Marcon (Org.)

Incluso digitalexperincias, desafios e perspectivas

Universidade de Passo Fundo 2009

Copyright Editora Universitria Maria Emilse LucatelliEditoria de Texto

Sabino Gallon

Reviso de Emendas

Sirlete Regina da Silva

Projeto Grfico e Diagramao

Este livro no todo ou em parte, conforme determinao legal, no pode ser reproduzido por qualquer meio sem autorizao expressa e por escrito do autor ou da editora. A exatido das informaes e dos conceitos e opinies emitidos, bem como as imagens, tabelas, quadros e figuras, so de exclusiva responsabilidade dos autores.

ISBN 978-85-7515-705-3 UNIVERSIDADE DE PAS SO FUNDO EDITORA UNIVERSITRIA Campus I, BR 285 - Km 171 - Bairro So Jos Fone/Fax: (54) 3316-8373 CEP 99001-970 - Passo Fundo - RS - Brasil Home-page: www.upf.br/editora E-mail: [email protected] UPF afiliada

Associao Brasileira das Editoras Universitrias

SumrioApresentao ......................................................................................................7 A indissociabilidade entre incluso digital e software livre na sociedade contempornea: a experincia do Mutiro pela Incluso Digital................................................................................................ 15Adriano Canabarro Teixeira Aline de Campos

Um processo de incluso digital na hipermodernidade .................. 33Elisngela de Ftima Fernandes de Mello Adriano Canabarro Teixeira

Oficinas de Informtica e Cidadania: em busca de um modelo de incluso digital baseado no protagonismo .................................... 54Elisngela de Ftima Fernandes de Mello Adriano Canabarro Teixeira

Kit Escola Livre a formao de uma nova gerao pela liberdade consciente..................................................................................... 73Amilton Martins Vitor Malaggi Juliano Tonezer da Silva

Uma alternativa de baixo custo para implementao de telecentros em escolas pblicas utilizando o GNU/Linux e a tecnologia Linux Terminal Server Project .............................................. 86Vitor Malaggi Gildomar Borges Severo Juliano Tonezer da Silva Amilton Rodrigo de Quadros Martins

Kelix uma alternativa Linux como base tecnolgica para laboratrios educacionais ........................................................................... 94Marco Antnio Sandini Trentin Adriano Canabarro Teixeira Amilton Martins Marcos Jos Brusso

Informtica educativa como espao de incluso digital: relatos da experincia da rede municipal de ensino de Passo Fundo - RS .......111Karina Marcon Adriano Canabarro Teixeira Marco Antnio Sandini Trentin

Incluso digital e meio ambiente: construindo cidadania e conscincia ecolgica na sociedade contempornea ....................131Silviani Teixeira Poma Adriano Canabarro Teixeira

CriAtivo: um ambiente hipermdia de autoria colaborativa .........138Aline de Campos Adriano Canabarro Teixeira

Medindo a interatividade em um ambiente de autoria hipermdia: qualificando processos de incluso digital .................158Suellen Spinello Adriano Canabarro Teixeira

As potencialidades de processos de autoria colaborativa na formao escolar dos indivduos: aprofundando uma faceta do conceito de incluso digital ...............................................................178Andressa Foresti Adriano Canabarro Teixeira

Mouse para portador de deficincia fsica severa ............................194Itamir Agostinho Sartori Adriano Canabarro Teixeira Roberto dos Santos Rabello

Repositrio de objetos de aprendizagem Kelix: uma materializao da cibercultura ................................................................206Jonas Machado Brunetto Adriano Canabarro Teixeira Ana Carolina Bertoletti De Marchi

Acessibilidade no Kelix: possibilitando a incluso digital de pessoas com deficit de viso....................................................................224Dbora Mack Moro Adriano Canabarro Teixeira Amilton Martins

Incluso digital: apropriao dos meios e desafios emergentes ....................................................................................................246Karina Marcon

Repensando a educao a distncia na tica da incluso digital260Adriano Canabarro Teixeira Karina Marcon

Apresentao dos autores ........................................................................276

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Incluso digital: experincias, desafios e perspectivas

ApresentaoEsta obra teve seu incio em 6 de junho 1968, quando foi criada a Universidade de Passo Fundo, uma instituio voltada para as demandas sociais e regionais, vocao que legitima muitas das escolhas realizadas e dos encaminhamentos dados por ela at hoje. Nesses 41 anos, sua marca tem sido, indubitavelmente, o compromisso com o desenvolvimento socioeconmico da regio, seja no mbito do ensino, da pesquisa ou da extenso. Essa afirmao fica evidente ao se resgatar o papel da UPF na formao de profissionais nas mais diversas reas, a construo do conhecimento em pesquisas cientficas e a materializao desses conhecimentos na forma de servios prestados comunidade. Ao refletir sobre a dimenso comunitria e regional da Universidade de Passo Fundo, o seu Projeto Pedaggico Institucional (PDI) elenca algumas caratersticas que legitimam tal condio, dentre as quais a sua origem na comunidade e a manuteno de estreito vnculo com a sociedade por meio de programas de pesquisa, ensino e extenso. (Universidade..., 2006, p. 13). A fim de explicitar os meios para alcanar sua finalidade comunitria e regional, no art. 3 de seu Regimento Geral a UPF prope-se promover a divulgao de conhecimentos culturais, cientficos e tcnicos e comunicar o saber por meio do ensi-

no, de publicaes ou de outras formas de comunicao e integrar-se na comunidade, oferecendo cursos, servios e outras atividades de extenso. Ao tratar do papel da extenso, o art. 43 da Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional aponta como uma das finalidades da educao superior a promoo da extenso, aberta participao da populao, visando difuso das conquistas e benefcios resultantes da criao cultural e da pesquisa cientfica e tecnolgica geradas na instituio. preciso que se reconhea que a misso das universidades no se consolida apenas pelo trip ensino, pesquisa e extenso, mas pela articulao entre eles. O PDI da UPF, em consonncia com o art. 207 da Constituio Federal, aponta para esta necessria relao nos seguintes termos: Do ponto de vista do ensino, entendese que se trata de um processo mediante o qual acontecem a transmisso, a recriao e o acesso a conhecimentos produzidos mediante estudos e pesquisa. A pesquisa, por sua vez, diz respeito s prticas que permitem a recuperao dos conhecimentos acumulados, visando a sua atualizao, reconstruo e avaliao constantes. Quanto extenso, compreende-se como movimento contnuo e recproco entre a instituio, os conhecimentos aos quais se tem acesso e as demandas sociais. (Universidade..., 2006, p. 33). possvel notar a articulao e a interdependncia que esses elementos podem assumir. Entretanto, como universidade comunitria, os movimentos de abertura da instituio na e para a sociedade revestem-se de especial importncia. Nesse sentido, Panizzi chama a ateno para o fato de que a universidade deve buscar o maior relacionamento com a sociedade, que deve ser o baliza-

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dor e o estmulo a direcionar as atividades da instituio ao atendimento das diversas demandas sociais. (2006, p. 58). As diretrizes de extenso da UPF apontam alguns desdobramentos dessa relao com a sociedade ao indicar que essa interao direta constitui uma via de mo dupla para a difuso do conhecimento e para a interao com as realidades e experincias da comunidade, resultando em alternativas que contribuem com a melhoria da qualidade de vida da populao e que subsidiam o fazer acadmico na sua dinmica de responder s demandas da sociedade, consolidando, assim, o comprometimento da UPF com o desenvolvimento sustentvel. (Universidade..., 2008). Cristvam Buarque denomina essa vinculao com a sociedade de aliana, afirmando que a universidade no pode estar alheia sociedade civil; ao contrrio, tem de se abrir, apoiar, participar e conviver [...] oferecendo suas instalaes e servios sem sacrifcio de suas atividades especficas. (1994, p. 119). Assinala ainda que a extenso o caminho bsico para a universidade descobrir o mundo e para o mundo descobrir a universidade e vai alm ao alertar que com o processo democrtico, nenhuma instituio sobreviver sem ter apoio, se no se legitimar. As principais formas de legitimao da universidade so o respeito que lhe vem da qualidade de seu produto e a proximidade com a populao externa por atividades de extenso. (p. 137). Alm de representar esse fundamental vnculo com a sociedade, as aes de extenso devem se constituir, ao mesmo tempo, em espaos de materializao do conhecimento gerado na pesquisa e em campo de construo de novos conhecimentos, estes enriquecidos com significaes profundamente enraizadas no ventre da sociedade.

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Dessa forma, ao mesmo tempo em que o conhecimento acadmico-cientfico transforma a realidade, por ela complexificado e desafiado constantemente, num poderoso movimento articulador e propulsor do ensino e da pesquisa. desse dinmico processo articulatrio entre ensino, pesquisa e extenso que nasce esta obra. Destinada a reunir o conhecimento cientfico construdo no servio prestado sociedade por intermdio do projeto Mutiro pela Incluso Digital, que em 2009 completa cinco anos de atendimento comunidade, rene artigos cientficos que, ao relatarem a trajetria do projeto e seus desdobramentos, apresentam o conhecimento construdo dentro das oficinas de informtica e cidadania e com a interao com seus usurios. O primeiro artigo, denominado A indissociabilidade entre incluso digital e software livre na sociedade contempornea: a experincia do Mutiro pela Incluso Digital, alm de trazer as bases tericas que sustentam o conceito de incluso digital que permeia as aes do projeto, apresenta sua gnese, sua arquitetura e objetivos e, tambm, os primeiros movimentos no sentido de assumir o software livre como tecnologia legtima de incluso. Por sua vez, o artigo Um processo de incluso digital na hipermodernidade debrua-se sobre a apresentao e anlise de uma oficina na tica da hipermodernidade, conceito proposto por Lipovetsky (2004). O texto traz o detalhamento e a anlise da prtica leitora Dilemas da hipermodernidade, realizada em 2006 em conjunto com o Centro de Literatura e Multimeios da UPF. Na mesma linha, porm com uma perspectiva de anlise que privilegia o processo de mudana de postura dos usurios

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Incluso digital: experincias, desafios e perspectivas

atendidos, o artigo Oficinas de informtica e cidadania: em busca de um modelo de incluso digital baseado no protagonismo apresenta os desdobramentos das aes realizadas em uma oficina realizada em 2007. Durante as primeiras oficinas do projeto, conforme relatado no primeiro texto desta obra, verificou-se a estreita e necessria relao entre processos de incluso digital e a utilizao de software livre. Da nasceu um dos primeiros e importantes desdobramentos do projeto: o desafio de se criar uma alternativa de tecnologia educacional baseada em plataforma livre, que, inicialmente, deveria suportar as atividades realizadas nas oficinas do Mutiro pela Incluso Digital. Todo o processo est descrito nos artigos Kit Escola Livre a formao de uma nova gerao pela liberdade consciente, Uma alternativa de baixo custo para implementao de telecentros em escolas pblicas utilizando o GNU/Linux e a tecnologia Linux Terminal Server Projec e, por fim, Kelix uma alternativa Linux como base tecnolgica para laboratrios educacionais. O primeiro retrata questes sociolgicas implicadas na utilizao de software livre; o segundo traz informaes acerca do processo de desenvolvimento da tecnologia, e, como registro, o terceiro, escrito trs anos depois, reflete sobre o amadurecimento da tecnologia. Rapidamente, o conceito de incluso digital assumido pelo Mutiro e pelo Kelix como tecnologia educacional extrapolou os limites da instituio, consolidando-se como a soluo tecnolgica das escolas municipais do municpio de Passo Fundo e de cidades vizinhas. Tal processo est relatado no artigo Informtica educativa como espao de incluso digital: relatos da experincia da rede municipal de ensino de Passo Fundo - RS.

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Outros desdobramentos nascidos dos anseios dos usurios e do contexto onde o Mutiro se inseria tambm representam a (re)construo de conhecimentos acadmico-cientficos. No que tange a parcerias desenvolvidas, pode-se destacar a experincia conjunta com a Secretaria de Meio Ambiente da cidade de Marau, relatada no artigo Incluso digital e meio ambiente: construindo cidadania e conscincia ecolgica na sociedade contempornea. Merecem igual destaque, principalmente por representarem o vnculo possvel entre ensino e extenso, as tecnologias desenvolvidas em trabalhos de concluso do curso de Cincia da Computao com base nos conceitos tericos basilares do projeto e nas demandas dos usurios, detalhados e analisados nos artigos: criAtivo: um ambiente hipermdia de autoria colaborativa; Medindo a interatividade em um ambiente de autoria hipermdia: qualificando processos de incluso digital; As potencialidades de processos de autoria colaborativa na formao escolar dos indivduos: aprofundando uma faceta do conceito incluso digital; Mouse para portador de deficincia fsica severa; Repositrio de objetos de aprendizagem Kelix: uma materializao da cibercultura; e, por fim, Acessibilidade no Kelix: possibilitando a incluso digital de pessoas com deficit de viso. Por fim, como questionamentos e reflexes essencialmente tericas que nasceram desse profcuo, desafiador e dinmico campo da extenso, os artigos Incluso digital: apropriao dos meios e desafios emergentes e Repensando a educao a distncia na tica da incluso digital trazem inquietaes e provocaes a todos que acreditam no potencial das tecnologias no processo de emancipao social dos indivduos.

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Incluso digital: experincias, desafios e perspectivas

Assim, este livro, escrito em mutiro por 36 mos e em diferentes momentos e espaos, como prprio da dinmica social contempornea, representa muito mais do que um apanhado de artigos cientficos; representa o registro de um complexo, desafiador e profcuo esforo de articulao do trip universitrio. Somos alunos, professores, colaboradores, graduados, especialistas, mestres e doutores com as mais diversas experincias, com formaes distintas, mas complementares, que se sensibilizam pelas questes da incluso e que, sobretudo, identificam, pela leitura do mundo, que a incluso digital em pouco tempo se consolidar como elemento fundamental de incluso social. Desejamos que este livro no seja somente uma comemorao de cinco anos de servio comunidade, mas, principalmente, um convite para o estabelecimento de parcerias de trabalho em prol de uma incluso digital significativa e efetiva. Boa leitura! Prof. Dr. Adriano Canabarro Teixeira

RefernciasBUARQUE, Cristovam. A aventura da universidade. So Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista; Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1994. LIPOVETSKY, G. Os tempos hipermodernos. So Paulo: Bacarolla, 2004. PANIZZI, Wrana Maria. Universidade para qu? Porto Alegre: Libretos, 2006. UNIVERSIDADE DE PASSO FUNDO. Plano de desenvolvimento institucional. Passo Fundo: UPF, 2006.

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A indissociabilidade entre incluso digital e software livre na sociedade contempornea: a experincia do Mutiro pela Incluso Digital1Adriano Canabarro Teixeira Aline de Campos

ResumoNa sociedade contempornea, profundamente modificada pelo advento das tecnologias de rede, um processo especfico de excluso tem se apresentado como determinante para a manuteno dos papis sociais, aquele que no inviabiliza o acesso s tais tecnologias, determinando diferentes formas de acesso para as diversas camadas sociais. Assim, com base nas reflexes deste texto prope-se a necessria ampliao do conceito de incluso digital e se reflete sobre sua indissocivel ligao com software livre e a filosofia que o fundamenta, elementos que serviram de base para o relato da experincia do primeiro grupo de alunos no projeto Mutiro pela Incluso Digital, proposto e realizado pelo curso de Cincia da Computao da Universidade de Passo Fundo, em parceria com o Centro de Referncia em Literatura e Multimeios no ano de 2004. Palavras-chave: Software livre. Incluso digital. Sociedade contempornea.1

TEIXEIRA, A. C.; CAMPOS, Aline de. A indissociabilidade entre incluso digital e software livre na sociedade contempornea: a experincia do mutiro pela incluso digital. Renote - Revista Novas Tecnologias na Educao, v. 3, n. 2, 2005. p. 6.

Compondo a trama inicialAntes de relatar a experincia realizada no Mutiro pela Incluso Digital e de realizar reflexes acerca desta iniciativa, oportuno que se reconstrua a rede de sentidos e conceitos com base na qual tal proposta foi delineada e que tambm servir de base para a compreenso da dinmica inerente ao processo e das concepes que o permeiam. Dentre os ns constituintes dessa trama destacam-se: a necessidade de ampliao do conceito de incluso digital e de suas implicaes numa sociedade profundamente modificada pela presena das tecnologias de rede (TRs); o fenmeno do software livre como representao de um novo paradigma de construo e de difuso do conhecimento, especialmente a partir do contexto brasileiro, e como ponto-chave para a construo de processos de incluso digital que considerem no somente a utilizao desta modalidade de software, mas, sobretudo, sua filosofia na dinmica de valorizao cultural e de respeito aos demais, por meio de experincias de autoria e coautoria.

Conectando alguns ns da redeBaseadas na lgica das redes, as TRs possuem caractersticas que as diferenciam das tecnologias baseadas na configurao um para todos, na medida em que possibilitam, e exigem, o estabelecimento de processos de comunicao bidirecional fundados na troca e na co-

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laborao. Tais caractersticas subvertem a perspectiva de passividade e de reproduo dos massmedia, uma vez que instauram uma organizao comunicacional do tipo todos para todos, possibilitando que cada indivduo seja um n ativo da rede de sentidos, requisito bsico para que possa fazer parte daquilo que Lemos caracteriza como o novo espao sagrado contemporneo (2002, p. 142), o ciberespao. Institudo a partir do anulamento das distncias pelo tempo real consequente das TRs, o ciberespao constrise como o novo local de exerccio e desenvolvimento da cidadania na sociedade atual, o qual, com a libertao dos limites geogrficos e temporais, desvincula presena fsica de presena potencial, ampliando a rea de ao dos indivduos e aproximando, de forma indita, culturas, costumes e interesses. Referindo-se s modificaes consequentes deste conceito de tempo, Santos afirma que autoriza usar o mesmo momento a partir de mltiplos lugares; e todos os lugares a partir de um s deles (2004, p. 28), ampliando, dessa forma, o campo de ao e de presena dos indivduos, que, independentemente de onde estejam fisicamente, vivem uma realidade em que assumem o status de possveis emissores em estado de permanente recepo. Dessa forma, essa condio de potencial onipresena do homem moderno traz em si um elemento a ser considerado seriamente: a possibilidade de estabelecimento e de ampliao de relaes de dominao e imposio sociocultural. Tal perigo destacado por Serpa ao alertar que o novo poder hegemnico [...] utiliza a espacializao do tempo como estrutura de expanso poltica e ideolgica e coloca-se como centro do espao sincronizado (2004,

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p. 155), o que contraria a dinmica das redes caracterizada pela ausncia de um nodo central, ao mesmo tempo, mantm a incluso do Outro somente como consumidor. Associa-se essa afirmao deteco de um movimento por parte do mercado no sentido de anular as caractersticas reticulares das tecnologias contemporneas utilizando-as como tecnologias de acesso, no mais como tecnologias comunicacionais, mantendo a tradicional lgica broadcast e, dessa forma, reforando a passividade e manuteno da hegemonia impostas pela condio de recepo.

A incluso digital e a urgncia de (re)significaoFeitas essas consideraes, preciso reconhecer a necessidade de reflexes acerca da concepo de incluso digital, que, segundo o paradigma das redes, contrria ideia amplamente difundida de que incluir digitalmente possibilitar o acesso s TRs a determinadas camadas da sociedade. Assumindo esse discurso, ignoram-se as potencialidades altamente revolucionrias e libertadoras dessas tecnologias, que oferecem a possibilidade de superao do imperativo da tecnologia hegemnica e paralelamente admitem a proliferao de novos arranjos, com a retomada da criatividade. (Santos, 2004, p. 81). A partir da superao da concepo de incluso digital como acesso, pode-se afirmar que no somente as camadas j excludas economicamente necessitam vivenciar momentos de (re)apropriao crtica das TRs, mas uma parcela muito maior da sociedade, que, ainda imersa em uma utilizao passiva das tecnologias contemporneas, utiliza-as numa perspectiva linear, verticalizada e hierarquizada, segundo uma dinmica de passividade e

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recepo, garantindo, dessa forma, a manuteno da organizao social contempornea essencialmente fundada no consumo e na reproduo. Tal configurao explicita a complexidade e a importncia de apropriao das TRs numa perspectiva reticular, pois incluir digitalmente deixou de ser uma ao necessria para minimizar uma situao de seletividade especfica, contribuindo para a incluso social, para assumir o papel de elemento fundamental e determinante para o desenvolvimento humano e social e para a incluso dos sujeitos como cidados. Assim, incluso digital implica reconhecer-se como n de uma rede de sentidos suportada pelas TRs, numa apropriao crtica, provisria e reflexiva desses fenmenos tcnicos, numa dinmica de (co)autoria, de partilha do conhecimento e de estabelecimento de processos colaborativos e comunicacionais, baseados no protagonismo, na valorizao da prpria cultura, no respeito diversidade e na criao e manuteno de uma cultura de redes.

O software livre como manifestao de incluso digitalNesse contexto, alguns elementos contemporneos so extremamente significativos e no podem ser ignorados, visto que expressam de forma profunda e extremamente contundente a concepo de incluso digital baseada na horizontalidade, na ao colaborativa e na livre construo e circulao do conhecimento, como, por exemplo, o fenmeno do software livre. Mais do que uma alternativa tcnica e economicamente vivel, o software livre representa uma opo pela criao, pela colaborao

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e independncia tecnolgica e cultural, uma vez que baseado no princpio do compartilhamento do conhecimento e na solidariedade praticada pela inteligncia coletiva conectada na rede mundial de computadores. (Silveira, 2003, p. 36). Tal entendimento amplia a concepo de opo pela utilizao de softwares no proprietrios para uma dimenso de apropriao da filosofia colaborativa, libertadora e inclusiva que fundamenta o software livre como elemento base para iniciativas de incluso. Assim, aponta-se para a incoerncia de pensar incluso digital feita com software proprietrio e se ampliam a significao e a complexidade desta ideia ao afirmar que to importante quanto a utilizao de software livre nessas iniciativas de incluso a apropriao de sua filosofia, baseada na horizontalidade dos processos, no estabelecimento de parcerias criativas e no reconhecimento do potencial autoral de cada n da rede. Extremamente significativa, e ampliando ainda mais a ntima ligao entre software livre e iniciativas de incluso digital, especialmente no contexto brasileiro, a recente opo nacional pela utilizao de software livre em todas as escolas e estabelecimentos pblicos tambm merece destaque como uma poltica pblica que, mais do que efeitos econmicos, pode conduzir a mudanas culturais e ideolgicas profundas, contribuindo para o rompimento com o poder simblico situado no mercado e que desterritorializa o territrio nacional, produzindo uma configurao de no-lugares. (Serpa, 2004, p. 147). Entretanto, antes de tratar da questo em nvel nacional importante relatar alguns elementos do pioneirismo do Rio Grande do Sul na rea.

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No que se refere s iniciativas gachas, pode-se destacar a utilizao de softwares livres nos servios de autoatendimento do Banco do Estado do Rio Grande do Sul (Banrisul), que remonta ao ano 2000; o Frum Internacional de Software Livre, que teve sua primeira edio no mesmo ano, e o projeto Rede Escolar Livre, que em 2001, mesmo numa perspectiva inicial de incluso como acesso, j fazia a opo pela utilizao de softwares livres em escolas estaduais do municpio de Porto Alegre. Configurando-se como uma das primeiras migraes na rea financeira em nvel mundial, extremamente significativo em se tratando de uma rea fundamental ao mercado e rompendo com a hegemonia do software proprietrio na rea econmica, o Banrisul iniciou em 2000 a migrao de seus computadores de autoatendimento para o Sistema Operacional Linux, pelo qual atualmente quase a totalidade de suas mquinas opera. Segundo informaes do Ministrio de Cincia e Tecnologia, todos os quatrocentos servidores do banco estatal gacho j operam com o Linux, assim como trs mil das quatro mil estaes de trabalho. (Brasil, 2005). O Frum Internacional de Software Livre, cuja primeira edio remonta tambm ao ano 2000, promovido pelo Projeto Software Livre RS e j realizou seis edies do evento, conhecido como o maior na rea em nvel mundial e cujo objetivo disseminar a ideia de utilizao e desenvolvimento de software livre, promovendo uma cultura baseada em sua filosofia e explicitamente representada no slogan de 2005: Tecnologia que liberta. Dentre os programas de incluso digital da Prefeitura Municipal de Porto Alegre alguns podem ser tomados como modelo, como o projeto Informtica na educao:

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uma rede para incluso digital, implantado na rede municipal de ensino da Prefeitura de Porto Alegre e que adota o software livre. Segundo informaes do projeto (Procempa, 2005), os ambientes informatizados das escolas j atendem 91,3% dos alunos por meio de um sistema que interliga 51 redes locais de escolas de variadas regies da cidade. A rede dispe de sistema operacional Linux, com StarOffice, correio eletrnico e acesso internet. Implantados como parte da poltica pedaggica, os ambientes informatizados so utilizados pelas diversas disciplinas para desenvolver seus contedos. O projeto, premiado nacionalmente, busca romper a lgica de excluso social, criando meios para apropriao de tecnologia da informao desde a escola (2005). As 52 escolas dos nveis fundamental, mdio e bsico j possuem ambientes informatizados, e a segunda fase do projeto est informatizando as quarenta escolas de educao infantil da cidade, restando apenas quatro para a totalizao do projeto de informatizao das escolas municipais. Em nvel nacional, preciso que se destaque a recente opo pela utilizao do software livre em estabelecimentos pblicos federais e em escolas, expressa nas Diretrizes do Comit Tcnico de Implementao de Software Livre. Dentre essas merecem especial ateno a diretriz nmero 7, que determina a opo por utilizar o software livre como base dos programas de incluso digital; o objetivo G, que se prope disseminar a cultura de Software Livre nas escolas e universidades e, finalmente, a Ao Prioritria nmero 9, que consiste em desenvolver aplicativos direcionados a projetos educacionais e pedaggicos. (ITI, 2005).

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Entretanto, apesar de representarem um avano no que se refere lgica de consumo imposta pelo mercado, rompendo com a dependncia de pacotes fechados e incentivando o desenvolvimento nacional, necessrio que se aponte a necessidade de realizar aes no sentido de no somente utilizar e colaborar com o desenvolvimento de softwares livres, mas, principalmente, de assumir sua filosofia como base de ao e de propostas de incluso, de formao docente e de programas de informtica educativa. Nessa perspectiva, incluir digitalmente um processo, sobretudo, de autoria e colaborao, de emisso de significados e sentidos, fazendo da rede um ambiente natural de comunicao, de troca de informaes e de construo do conhecimento. Portanto, desvincular software livre e sua filosofia de aes de incluso digital representa, alm da incoerncia terico-conceitual j citada, uma ao contrria opo nacional potencialmente orientada criao de uma cultura de colaborao, comunicao, exerccio da cidadania e democratizao do conhecimento. Dessa forma, e assumindo a responsabilidade de fomentar a incluso digital numa perspectiva diferente da tradicional reproduo e passividade inerente a processos de treinamento para a utilizao de determinados programas, caracterstica bsica das aulas de informtica, o Mutiro pela Incluso Digital sustenta-se nas bases da experimentao, da criao, da comunicao, da construo e do exerccio da cidadania.

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A gnese do Mutiro pela Incluso DigitalFoi nesse contexto que em 2004 o projeto Mutiro pela Incluso Digital iniciou suas atividades, aprofundando uma parceria j existente entre o curso de Cincia da Computao e o Centro de Referncia em Literatura e Multimeios2 Mundo da Leitura, ambos da Universidade de Passo Fundo. Salienta-se que, mais do que o estabelecimento de uma atividade adicional e conjunta, o Mutiro pela Incluso Digital representava o necessrio e natural imbricamento das concepes e propostas prticas destes dois grupos, dadas as caractersticas e demandas da sociedade contempornea, profundamente modificada pelas TRs e carente de propostas de incluso na perspectiva deste texto. Assim, o objetivo inicial era criar um ambiente no qual fosse possvel incentivar o desenvolvimento de sujeitos habilitados a ser e estar no ciberespao, tendo como pblico-alvo alunos de escolas pblicas do bairro So Jos, regio onde se localiza o Campus Central da Universidade de Passo Fundo. Tal escolha teve por base importantes elementos, como: contemplar a populao do referido bairro como forma de reconhecimento e de comprometimento com o desenvolvimento da regio onde a UPF est instalada; facilitar o deslocamento dos alunos at o Laboratrio Central de Informtica da UPF; facilitar o intercmbio de informaes entre a equipe do Mutiro e as escolas envolvidas.

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Para mais informaes acessar http://inf.upf.br e http://vitoria.upf. br/~leitura/site/ respectivamente.A indissociabilidade entre incluso digital e software livre na sociedade...

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Esclarecida essa primeira definio, estabeleceu-se a necessidade de definir quais e quantas escolas deveriam fazer parte das atividades a serem realizadas, uma vez que se previa a criao de duas turmas, com no mximo vinte alunos cada. Para esta deciso foram consideradas a estrutura tecnolgica da instituio e a disponibilidade de horrios da equipe de voluntrios do Mutiro, formada por professores e alunos do curso de Cincia da Computao. Nesta etapa optou-se por contemplar as escolas Fundao Educacional do Menor e Benoni Rosado, que naquele semestre no estavam desenvolvendo atividades junto ao Mundo da Leitura. Determinadas as escolas, realizou-se um encontro entre a coordenao do Mutiro pela Incluso Digital, a coordenao da Secretaria de Educao da Municipal de Passo Fundo e as diretoras das escolas selecionadas, a fim de apresentar o detalhamento e objetivos da experincia. Na oportunidade, decidiu-se que a escolha dos vinte alunos de cada escola ficaria a cargo das direes, sendo condio primeira de seleo a participao prvia do aluno em projetos de exerccio da cidadania da escola; que a Prefeitura Municipal disponibilizaria um nibus para o translado das crianas, alm do nmero de encontros a serem realizados a partir dos objetivos do projeto. Em razo dos projetos interdisciplinares especficos definidos junto s escolas envolvidas e dos horrios de seus alunos, os encontros desenvolveram-se em turno inverso ao das aulas, a saber: s quintas-feiras pela manh com as crianas de 1a a 4a sries e s sextas-feiras tarde com os alunos da 5a a 7a sries. Os encontros, denominados Oficinas de Informtica e Cidadania, eram acompanhados pelo grupo de alunos e professores do curso de Computao e tinham como resAdriano Canabarro Teixeira, Aline de Campos

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ponsveis os professores das escolas envolvidas, na medida em que se reconhecem a corresponsabilidade e a importncia do envolvimento da escola e de seus professores em iniciativas de incluso digital na perspectiva proposta na experincia. Durante as oficinas desenvolviam-se atividades de suporte aos projetos escolares nos quais os alunos estavam envolvidos em suas escolas, que se configuraram como matria-prima, buscando possibilitar uma apropriao crtica e contextualizada das TRs e de suas potencialidades, num processo de crescente domnio das ferramentas de informtica. Tais oficinas, baseadas numa lgica contrria ideia de aulas de informtica, foram organizadas de seguinte maneira: 1. Conhecimento da tecnologia: Constituiu o primeiro contato com computadores para a maioria dos alunos. O mdulo utilizou o sistema operacional Linux e teve por objetivo desenvolver habilidades com o mouse, teclado e janelas pela navegao em sites de interesse comum na internet. Durante esses momentos no se props nenhuma dinmica de transmisso de conceitos ou procedimentos tcnicos de utilizao dos computadores, caracterstica bsica de aulas de informtica, deixando o grupo livre para, numa dinmica de descoberta e experimentao, desenvolver e exercitar habilidades de ordem tcnica. Responsveis pela construo de seus prprios caminhos de aprendizado, eles alternavam momentos de experimentao individual e de partilha de descobertas com seus colegas. importante salientar que, ao final do primeiro encontro, os procedimentos bsicos de manipulao de janelas e mouse j tinham sido apropriados pelo grupo. 2. Produo textual: A partir das produes nos projetos nos quais estavam envolvidos nas escolas, os alunos

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aprenderam a utilizar editores de texto e programas de construo de apresentaes eletrnicas constantes do pacote OpenOffice, numa dinmica de descoberta colaborativa pela troca de experincia com seus colegas. Sem o intuito de fornecer uma preparao para o mercado de trabalho, o que seria uma incoerncia em se considerando a idade dos alunos e as verdadeiras necessidades do mercado, essas oficinas priorizavam a liberdade em (re)construir textos previamente desenvolvidos nas escolas num processador de textos ou num programa de construes de apresentaes eletrnicas, como proposta de experimentao de momentos de autoria e como forma de socializao de suas descobertas e experincias entre os colegas de escola que no participavam do projeto. 3. Comunicao na internet: Como a primeira oficina j havia proporcionado o contato com a internet como meio de acesso a informaes, este visava propiciar a utilizao de ferramentas de busca, criao e utilizao de correio eletrnico, bem como de participao em salas de bate-papo e fruns,2 privilegiando as caractersticas comunicacionais das TR. Nesta oportunidade se observou, inicialmente, uma certa dificuldade, decorrente de uma vivncia de passividade e recepo por parte dos alunos de apropriar-se da ideia de que com aqueles equipamentos era possvel no somente acessar e receber informaes, mas tambm, e principalmente, utiliz-los como forma de comunicao e de troca. Gradativamente, a dimenso de comunicao bidirecional das TRs foi apropriada pelo grupo, tanto que, numa dinmica ldica, eles enviavam mensagens eletrnicas aos seus colegas e corriam at eles para verificar a chegada da mensagem, alegrando-se caso chegassem a seus destinatrios antes da mensagem enviada e ficandoAdriano Canabarro Teixeira, Aline de Campos

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frequentemente ansiosos para ler as respostas dadas aos e-mails enviados. 4. Construo de pginas na internet: Esta oficina final buscava possibilitar aos alunos a construo de suas prprias pginas em uma atividade de disponibilizao de informaes significativas para cada um, num processo de valorizao da prpria cultura e de respeito identidade. Com o objetivo de completar a vivncia de uma cultura de rede, era necessrio que no somente se possibilitassem aos alunos momentos de autorressignificao em razo da interao com e atravs da rede, mas que eles pudessem de fato, e num movimento de descoberta do potencial de autoria, modific-la, assumindo-se como ns de uma rede complexa e em constante movimento, utilizando-a como espao de disponibilizao de informaes, de expresso de significados e de divulgao de ideias. Ressalta-se que todos as oficinas possuam o objetivo comum de proporcionar aos alunos a possibilidade de assumirem papel de efetivos emissores, rompendo com o paradigma de recepo a que esto submetidos e, dessa forma, buscando fomentar o reconhecimento do papel e do espao de cada um na sociedade contempornea. Um elemento a ser destacado, e que refora a urgncia e a coerncia do conceito de incluso assumido na proposta, foi a constatao de que a camada social qual os alunos pertenciam no influenciou no processo do desenvolvimento das habilidades tcnicas necessrias utilizao e manipulao das TRs, sendo o grande diferencial da experincia a vivncia de um processo horizontal e reticular de autoria e comunicao suportado pelas TRs. Em outras palavras, vincular incluso digital simplesmente ao acesso s TRs aprofundar a excluso social.

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A hipertextualidade da rede criadaPor fim, possvel registrar outras demandas nascidas durante a realizao das atividades do Mutiro pela Incluso Digital, como representao da ampliao do conceito de incluso proposto neste artigo.

O Kit Escola LivreNo decorrer dos encontros utilizando o ambiente Linux, verificou-se que, embora no tenha se constitudo num elemento que pudesse dificultar a interao dos alunos, algumas funcionalidades poderiam ser implementadas no sentido de torn-lo ainda mais intuitivo, amigvel e voltado a iniciativas de incluso digital. Assim, com base nessa possibilidade, iniciou-se o processo de gerao de uma distribuio Linux para este fim, denominada Kit Escola Livre, cuja verso de testes j est disponvel para utilizao.3

Novas Oficinas de Informtica e CidadaniaRegistram-se tambm as outras demandas atendidas ainda no segundo semestre pelo Mutiro pela Incluso Digital, destacando-se as oficinas ministradas a um grupo de alunos surdos que participam da Associao de Pais e Amigos dos Deficientes Auditivos de Passo Fundo; as oficinas para alunos da Fundao de Atendimento ScioEducativo (Fase); as oficinas de software livre oferecidas no Simpsio de Informtica do Planalto Mdio de 20043

Download da verso 0.36, disponvel em http://ftp.upf.br/incoming/SoftwareLivre/kit_escola_livre.iso.Adriano Canabarro Teixeira, Aline de Campos

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para professores da rede municipal de ensino, reafirmando a ideia de que incluso digital , sobretudo, uma ao a ser desenvolvida nos estabelecimentos de ensino.

Compromisso com o avano do conhecimento geradoA fim de que fosse possvel resgatar o processo a qualquer momento, refletindo teoricamente sobre a experincia, criou-se um frum de discusso,4 no qual os envolvidos no projeto registravam suas reflexes e impresses sobre os encontros. Este se constituiu num rico repositrio de dados, a com base no qual se pode aprofundar a dimenso de anlise do processo vivenciado e que, sobretudo, representa um compromisso com a concepo de incluso digital baseada na horizontalidade, na participao e na colaborao.

Alguns ns a conectarComo elementos nascidos desta experincia a serem discutidos e ampliados aponta-se a urgncia de se implementar e assumir este novo paradigma de incluso digital nas escolas como forma de (re)significar a presena crescente das TRs, construindo uma informtica educativa que, considerando as caractersticas das redes, propicie o desenvolvimento de processos colaborativos de construo do conhecimento e de apropriao crtica e criativa dos recursos tecnolgicos numa perspectiva de exerccio da cidadania.

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Disponvel em http://www.upf.br/forum/list.php?f=91.A indissociabilidade entre incluso digital e software livre na sociedade...

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Ainda nesse sentido, fica clara a urgncia de polticas pblicas que, mais do que disponibilizar o acesso e a utilizao de software livre, assumam sua filosofia como base para o fortalecimento dos ns da rede complexa composta por escolas, universidades, poder pblico e sociedade, seja no tocante necessidade de uma formao docente que considere a apropriao crtica e criativa das TR, seja na necessria reflexo e modificao da estrutura linear e hierarquizada das grades curriculares para uma dimenso de currculo em rede. Por fim, no dia 26 de agosto de 2004 ocorreu a formatura dos alunos participantes como evento simblico de encerramento desta primeira etapa da experincia, a qual permite afirmar que o Mutiro pela Incluso Digital cumpriu seu papel no sentido de proporcionar momentos que possibilitassem, com base nos momentos de autoria colaborativa nos quais os envolvidos eram os principais protagonistas do processo, a vivncia de experincias ldico-didticas na busca de construo de uma cultura colaborativa, baseada no reconhecimento e na valorizao das diferenas.

Agradecimentos Universidade de Passo Fundo e Universidade Federal do Rio Grande do Sul como instituies de formao acadmica e cientfica do pesquisador; Fundao de Amparo Pesquisa do Rio Grande do Sul, pelo financiamento de bolsista de iniciao cientfica; ao Laboratrio de Tecnologias Audiovisuais da Universidade de Roma Tre/Itlia, pela possibilidade de realizao de estudos avanados na rea de pesquisa, e ao Alan Office, pelo apoio para a realizao desses estudos por meio de Programa de BolAdriano Canabarro Teixeira, Aline de Campos

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sas de Alto Nvel da Unio Europeia para Amrica Latina (bolsa n E04D047495BR).

RefernciasBRASIL. Ministrio de Cincia e Tecnologia. Ganhos com o uso de software livre. Disponvel em: . Acesso em: 18 maio 2005. ITI. Planejamento estratgico para implementao de software livre. Disponvel em: . Acesso em: 22 abr. 2005. LEMOS, Andr. Cibercultura: tecnologia e vida social na cultura contempornea. Porto Alegre: Sulina, 2002. PROCEMPA. Escolas municipais a caminha da informatizao. Disponvel em: . Acesso em: 17 maio 2005. SANTOS, Milton. Por uma outra globalizao: do pensamento nico conscincia universal. So Paulo: Record, 2004. p. 174. SERPA, Felippe. Rascunho digital: dilogos com Felippe Serpa. Salvador: Udufba, 2004. SILVEIRA, S. C. J. Software livre e incluso digital. Porto Alegre: Conrad, 2003.

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Um processo de incluso digital na hipermodernidade1Elisngela de Ftima Fernandes de Mello Adriano Canabarro Teixeira

ResumoEste texto tem por objetivo explicitar o arcabouo conceitual das oficinas de informtica e cidadania do Mutiro pela Incluso Digital, na tica da hipermodernidade e do detalhamento e anlise da prtica leitora Dilemas da hipermodernidade, realizada durante o ano de 2006 na Universidade de Passo Fundo. Palavras-chave: Incluso digital. Hipermodernidade. Software livre.

IntroduoAs novas tecnologias de comunicao, principalmente a internet, esto alterando o comportamento individual e social no mundo todo. Gradativamente, uma nova maneira de se comunicar e de se fazer presente dentro da sociedade acontece no ciberespao.

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MELLO, E. F. F.; TEIXEIRA, A. C. Um processo de incluso digital na hipermodernidade. In: SIMPSIO BRASILEIRO DE INFORMTICA NA EDUCAO, XVIII, 2007, So Paulo. Anais... 2007. v. I. p. 58-68.

De uma forma muito mais profunda do que o telefone, o rdio e a televiso, o computador conectado indica que as prximas geraes precisam ter uma postura diferenciada, familiarizada com a comunicao em tempo real entre pessoas distantes no tempo e no espao. uma comunicao multidirecional, que a cada ano se torna mais eficiente com o avano das tecnologias de comunicao sncrona ou assncrona, consolidando as tecnologias de rede (TRs) como formas de acesso a espaos legtimos de interao e comunicao e, numa dimenso mais ampla, de exerccio da cidadania. Numa sociedade marcada pela presena das tecnologias, o acesso internet torna-se elemento fundamental de incluso social. Entretanto, necessrio que se reconhea que, em razo das grandes desigualdades sociais do Brasil, um nmero extremamente reduzido de indivduos possui acesso domiciliar a esses recursos, sendo a escola o principal, seno o nico, espao de contato com tais meios. preciso que se reconhea que a falta de acesso informao referente utilizao de recursos tecnolgicos na educao e a pouca infraestrutura disponvel nos ambientes educacionais brasileiros so alguns dos fatores que colaboram para a negao desses espaos pelos professores e para a manuteno de situaes de excluso digital dos alunos. Salienta-se tambm que, apesar dos esforos governamentais e de polticas pblicas que preveem a informatizao das escolas, ainda h muito que se avanar no que se refere conexo das escolas brasileiras. Nesse contexto, embora muitos alunos estejam habituados com outras tecnologias, como o rdio, a televiso, o telefone celular e alguns at ao videogame, no possuem computadores

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em suas casas, realidade que muitas vezes se repete em suas escolas, amplificando sua condio de excluso digital, seja pela inexistncia do recurso, seja pela carncia de propostas de apropriao diferenciada deste espao. Com vistas criao de alternativas de minimizao dessa situao, a Universidade de Passo Fundo, por meio de uma parceria entre o curso Cincia da Computao e o Centro de Referncia de Literatura e Multimeios, criou o projeto Mutiro pela Incluso Digital, cujo principal objetivo oferecer oficinas de informtica e cidadania para crianas, jovens e adultos submetidos a situaes de seletividade ou vulnerabilidade social. Assim, este artigo se baseia no detalhamento e anlise das 18 prticas leitoras que versavam sobre o tema dilemas da hipermodernidade, realizada durante o ano de 2006 com 51 alunos carentes da 4 srie do ensino fundamental da Escola de Ensino Mdio General Prestes Guimares, segundo um contexto hipermoderno e do conceito de incluso digital.

Os tempos hipermodernosContextualizar a sociedade contempornea , sem dvida alguma, um grande desafio, seja pela velocidade pela qual os processos sociais se desenvolvem, seja pelas constantes transformaes impulsionadas por fenmenos sociotecnolgicos, ou, ainda, pela infinidade de elementos que compem o mosaico multifacetado de relaes e interrelaes sobre as quais ela se sustenta e com base nas quais pode ser analisada. Referindo-se a esse imbricamento, Aug afirma:

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Podemos, enfim, falar da contemporaneidade, mas a diversidade do mundo recompe-se a cada instante: tal o paradoxo atual. Portanto, preciso que falemos dos mundos e no do mundo, mas sabendo que cada um deles est em comunicao com os outros, que cada um possui pelo menos imagens dos outros imagens eventualmente truncadas, deformadas, falsificadas, s vezes reelaboradas por aqueles que, ao receblas, procuram nelas os traos e os temas que lhes falam primeiramente deles mesmos, imagens cujo carter referencial , no entanto, indubitvel, de forma que ningum mais pode duvidar da existncia dos outros. (1994, p. 141).

Embora as inmeras possibilidades de investigao de sua dinmica e a complexidade da pluralidade de mundos impeam uma definio suficientemente abrangente, muitos autores tm se dedicado, cada um do seu ponto de nesta, a apresentar conceitos que certamente no so conclusivos, mas que efetivamente oferecem indcios preciosos para sua compreenso. Reconhecendo-se o conhecimento como elemento fundamental na sociedade contempornea, considerando que a informao est disponvel de forma jamais vista at ento, e que h uma crescente necessidade de aprimoramento constante dos indivduos, Fres aponta que fazemos parte da sociedade da aprendizagem. (2000, p. 298). Tal conceituao toma por base o fato de que a informao, por si s, no constitui conhecimento, sendo urgente que os indivduos vivenciem processos de aprendizagem, entendidos de uma forma geral neste texto como a sistematizao das informaes disponveis. Do ponto de vista da cultura, Lemos reflete sobre a organizao social contempornea com base no conceito de cibercultura, entendido como forma sociocultural que emerge da relao simbitica entre a sociedade, a cultura e as novas tecnologias. (2003, p. 12). um contexto que apresenta as novas tecnologias como elementos que

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interferem diretamente nas manifestaes culturais dos indivduos e grupos a que pertencem, transformando e reconfigurando antigas prticas e manifestaes culturais. O autor explica que, amplificando esta dinmica, est a evoluo do computador pessoal desconectado (CP), para o computador conectado rede (CC) e, finalmente, para o computador conectado mvel (CCm) (Lemos, 2003, p. 12), o que, ao possibilitar uma situao de onipresena aos indivduos, impe a ressignificao dos conceitos de espao e tempo. Buscando estabelecer uma relao com os pontos de anlise anteriores, pode-se tambm analisar a sociedade contempornea segundo a lgica do mercado. Nesse sentido, medida que as informaes disponveis so produzidas por poucos complexos de comunicao, logicamente, representam reescritas especficas de fragmentos de fatos ocorridos, contribuindo para a criao de um no-lugar, uma suposta aldeia global, onde, pelas mos do mercado global, coisas, relaes, dinheiros, gostos largamente se difundem por sobre continentes, raas, lnguas, religies, como se as particularidades tecidas ao longo dos sculos houvessem sido todas esgaradas. (Santos, 2004, p. 41). Na mesma direo, Serpa chama a ateno para o fato de que a incluso social no mais a formao do indivduo cidado, includo na cultura nacional e, sim, do indivduo consumidor, participante desse no-lugar, o Mercado. (2004, p. 183). Nessa dinmica, so propostos mecanismos que asseguram aos indivduos condies de manipular as tecnologias de acesso ao novo territrio por meio de processos de capacitao que impem e reforam a cultura passiva da recepo e da reproduo.

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Por meio de um resgate histrico possvel identificar a ntima ligao existente entre as tecnologias e o estabelecimento de relaes de poder e dominao, uma vez que, tradicionalmente, a servio dos atores hegemnicos, tm sido utilizadas para manter os papis sociais. Avanando nessa perspectiva, as TRs representam um aparato fundamental e poderoso no somente no processo de manuteno de hegemonias, mas na ampliao de situaes de dominao e de excluso. Tal processo ganha fora na medida em que, mais do que conectar equipamentos, conectam-se culturas e contextos diferenciados, alargando as possibilidades de trocas e de crescimento sociocultural, mas tambm criando um novo territrio, aberto e indefinido, sujeito manipulao de informaes, imposio cultural, incitao para o consumo e a influncias externas. Por outro lado, tais tecnologias, cuja lgica subjacente a das redes, apresentam caractersticas essencialmente revolucionrias, por trazerem em si a potencialidade das estruturas reticulares. As TRs permitem uma apropriao diferenciada, pautada na criticidade, na criatividade e na autoria. Entendidas como produtos sociais que oferecem a possibilidade de superao do imperativo da tecnologia hegemnica e paralelamente admitem a proliferao de novos arranjos, com a retomada da criatividade (Santos, 2004, p. 8), as TRs podem ser apropriadas2 pelos diferentes grupos sociais segundo suas prprias culturas e caractersticas, num movimento de valorizao de diferenas, de produo de contedo e de estabelecimento de proces2

Salienta-se que o termo apropriao utilizado com base no conceito de apropriao social proposto por Benakouche. A autora aponta que o processo de aprendizado/domnio dos diferentes grupos sociais com relao aos usos dos objetos tcnicos a que tem acesso. [...] faz-se de forma diferenciada entre sociedades e grupos de uma mesma sociedade. Disponvel em: www.alternex.com.br/~esocius/t-tamara.htmlUm processo de incluso digital na hipermodernidade

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sos comunicativos e colaborativos. Tal possibilidade vai ao encontro das reflexes de Lipovetsky acerca da hipermodernidade, apontando para uma ampliao do ideal do igual respeito, de um desejo de hiper-reconhecimento que, recusando todas as formas de desdm, de depreciao, de inferiorizao do eu, exige o reconhecimento do outro como igual na diferena. (2004, p. 95). Nesse sentido, possvel antever a formao de um novo tempo, no qual diferentes culturas e interesses so colocados lado a lado, impondo aos indivduos a necessidade de um profundo (re)conhecimento de si mesmos, de suas razes e de suas caractersticas, a fim de que possam, neste novo espao, exercer sua cidadania.

Incluso digital e cidadaniaA democratizao do acesso a esses espaos digitais de aprendizagem deve ser para todos e, sobretudo, responsabilidade de todos. Empresas e universidades, pblicas ou no, precisam articular polticas e aes com vistas a possibilitar que toda a populao tenha acesso s novas tecnologias e as utilize para se comunicar, com o objetivo de estabelecer redes de relacionamento e colaborao nas quais exista troca de experincias e os indivduos se sintam responsveis e participantes.Assim, prope-se o alargamento do conceito de incluso digital para uma dimenso reticular, caracterizando-o como um processo horizontal que deve acontecer a partir do interior dos grupos com vistas ao desenvolvimento de cultura de rede. Numa perspectiva que considere processos de interao, de construo de identidade, de ampliao da cultura e de valorizao da diversidade, para, a partir de uma postura de criao de contedos prprios e de exerccio da cidadania, possibilitar a quebra do ciclo de produo, consumo e dependncia tecnocultural. (Teixeira, 2005, p. 30).

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Nesse sentido, incluso digital no significa o simples acesso ao computador ou internet, tampouco a reproduo de cursos de cunho profissionalizante, mas, sim, na proposta de atividades que considerem os recursos das novas tecnologias como fomentadores de autonomia e protagonismo. Dessa forma, a incluso digital aponta para uma dimenso que privilegia a forma de acesso, no somente o acesso em si, e que tem como base e finalidade a construo e a vivncia de uma cultura de rede3 como elementos fundamentais para o exerccio da cidadania na sociedade contempornea.

O Mutiro pela Incluso Digital nesse contexto que em 2004 o projeto Mutiro pela Incluso Digital iniciou suas atividades, aprofundando uma parceria j existente entre o curso de Cincia da Computao e o Centro de Referncia em Literatura e Multimeios Mundo da Leitura, ambos da Universidade de Passo Fundo. Salienta-se que, mais do que o estabelecimento de uma atividade adicional e conjunta, a iniciativa representava o necessrio e natural imbricamento das concepes e propostas prticas desses dois grupos, dadas as caractersticas e demandas da sociedade contempornea, profundamente modificada pelas TRs e carente de propostas de incluso na perspectiva deste texto. O objetivo principal do projeto criar um ambiente no qual seja possvel in3

Tal cultura pressupe processos de autoria horizontais e colaborativos, baseados na comunicao multidirecional e no autorreconhecimento como n de uma rede, que, como tal, deve, necessariamente, romper com a lgica da distribuio imposta, como possvel vericar no fenmeno do software livre, manifestao genuna desta cultura. (Teixeira, 2005, p. 12).Um processo de incluso digital na hipermodernidade

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centivar o desenvolvimento de sujeitos habilitados a ser e estar no ciberespao, tendo como pblico-alvo alunos de escolas pblicas do bairro So Jos, regio onde se localiza o Campus Central da Universidade de Passo Fundo.4 Considerando-se os elementos conceituais norteadores do Mutiro pela Incluso Digital, adotou-se o Kit escola livre Kelix5 como o sistema operacional padro das propostas do projeto. O Kelix consiste em uma distribuio Linux desenvolvida pelo curso de Cincia da Computao para iniciativas de informtica educativa e de incluso digital. Os encontros, denominados Oficinas de Informtica e Cidadania, contam com o acompanhamento do grupo de alunos e professores do cursod e Cincia da Computao e, geralmente, com os professores das turmas, na medida em que se reconhecem a corresponsabilidade e a importncia do envolvimento da escola e de seus professores em iniciativas de incluso digital na perspectiva proposta na experincia. As oficinas tm como objetivo proporcionar o domnio de ferramentas computacionais aos envolvidos pelo desenvolvimento de atividades interdisciplinares que culminem na produo de um material de qualquer natureza reprodutvel em meio digital. Para tanto, foi necessrio desenvolver atividades que despertassem o potencial criativo dos indivduos segundo uma dinmica de apropriao das tecnologias digitais como elementos colaborativos, comunicacionais e de exerccio da cidadania.

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Localizao Google Earth: 281358.79 S 522254.64 W Mais informaes em http://kelix.upf.br.Elisngela de Ftima Fernandes de Mello, Adriano Canabarro Teixeira

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A oficina como alavanca para a formao de leitores hipermidiaisO Centro de Referncia de Literatura e Multimeios6 Mundo da Leitura, desde sua criao, em 1997, desenvolve atividades em prol da formao de leitores multimidiais. O servio nele realizado diariamente abrange Passo Fundo e regio, desenvolvendo prticas leitoras durante visitas agendadas de escolas, as quais contribuem para a formao de leitores de todas as idades. As prticas leitoras oferecidas no Mundo da Leitura para diferentes nveis de ensino, desde educao infantil at ensino superior, baseiam-se num tema gerador anual. No incio de cada ano elaboram-se propostas de prticas conforme a faixa etria dos alunos. Nessa dinmica, explana-se o tema com a utilizao de diferentes suportes e linguagens: livros de literatura, histrias em quadrinhos, ilustraes, obras de arte, msica, teatro, contao de histrias, CD-ROM e internet. Em 2006, buscou-se uma nova proposta para as oficinas do Mutiro pela Incluso Digital: utilizar o tema dilemas da hipermodernidade,7 das prticas leitoras de 2006 no Mundo da leitura, tambm nas oficinas. O objetivo das oficinas, que aconteceram semanalmente, com durao de trs horas, foi resgatar a identidade dos alunos considerando o contexto em que vivem e propor atividades nas quais eles pudessem assumir o papel de leitores e autores. Para viabilizar as oficinas os6 7

Mais informaes em: http://mundodaleitura.upf.br/ O termo hipermodernidade utilizado por Gilles Lipovetesky para denominar o tempo que estamos vivendo. Segundo o autor, a ps-modernidade no ter sido mais do que um estgio de transio, um momento de curta durao. E este j no mais nosso. (2004, p. 58).Um processo de incluso digital na hipermodernidade

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alunos e professores deslocam-se do ambiente da escola, que no possui computadores, e vo at a Universidade de Passo Fundo para vivenciar prticas leitoras hipermidiais. A importncia dessa oficina est associada possibilidade de que os alunos, ao assumirem uma postura de leitores, percebam as possibilidades de realizar a leitura no somente de um texto, mas de uma imagem, de uma msica ou de um filme. No se teve a inteno de valorizar um suporte especfico, mas de mostrar que um mesmo texto pode ser adaptado para mdias diferentes e pode se interligar com outros textos, numa dinmica hipermidial. Nesse sentido, Silva aponta que a hipermdia conta com as opes de escolha da multimdia linear, mas nesse caso o usurio dispe de uma estrutura hipertextual, pela qual pode mover-se com autonomia no s para combinar os dados, mas para alter-los, para criar novos dados e para criar novas rotas de navegao. (2001, p. 147). Vivenciou-se tal situao durante as oficinas, pois se apresentaram textos utilizando uma mdia, e com a internet os alunos tiveram ao seu alcance inmeras outras formas de representao. Nas oficinas, alm de participarem de uma atividade na qual a utilizao da tecnologia foi constante, eles conheceram gradativamente textos literrios de diferentes autores, o que auxiliou em sua formao como leitor/autor. Na definio do tema e da dinmica das oficinas, na medida em que se considera a importncia da insero de alunos e professores no mundo virtual, observou-se a necessidade do resgate da histria de cada um, da histria do bairro, alm do levantamento de valores importantes para o grupo e da identificao de situaes prejudiciais

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ao convvio na comunidade. Nesse sentido, optou-se por realizar prticas leitoras com assuntos referentes realidade do pblico envolvido, mas relacionados com o tema dilemas da hipermodernidade. Para tanto, durante o desenrolar das oficinas explanou-se sobre os seguintes subtemas: Eu e os meus gostos, Eu e a minha famlia, Eu e os meus amigos, Eu e a escola, Eu e a comunidade, Eu no mundo e Eu no mundo frente aos problemas ambientais. As primeiras oficinas englobaram os dois primeiros subtemas, resgatando a histria de cada um, na busca de se conhecerem e valorizarem a sua histria de vida. Nesse processo, as crianas perceberam como seus avs viveram sem as influncias incisivas dos meios de comunicao, que ditam a moda na sociedade contempornea, fato caracterstico da hipermodernidade. Na pesquisa sobre as origens familiares, os alunos buscaram informaes em sites de busca e com os parentes para, posteriormente, relatarem por escrito os fatos mais importantes. Eles comearam a contar a sua histria com base na coleta de dados, mas atribuindo s descries suas prprias marcas. Assim, a histria escutada ou pesquisada deixava de ser a mesma, passando a ter um novo autor, que provavelmente omitia detalhes, ressaltando o que mais lhe interessava. Paralelamente ao trabalho de valorizao da histria da comunidade e do resgate da identidade, garantiuse que todos os participantes tivessem sua referncia no ciberespao por meio de uma conta de e-mail. O e-mail viabilizou o contato com outras pessoas, numa associao proposta semelhante a terem um endereo residencial fixo para receberem e enviarem correspondncias, utilizando o servio convencional dos correios. A possibilidade de po-

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derem dialogar livremente com outros colegas, familiares residentes em outras cidades, sobre a sua prpria vida e seus interesses por meio da internet foi um dos pontos fortes da apropriao da tecnologia como ambiente comunicacional e da autoria por parte das crianas. Pela articulao de atividades durante o projeto, viabilizou-se a formao de uma rede de conhecimento solidria, criando-se o hbito de trocar informaes utilizando os recursos tecnolgicos disponveis. Praticando a democracia e o respeito pela opinio do outro, as crianas aprenderam a realizar trabalhos e discusses em grupo de forma presencial e/ou virtual, fato determinante para que todos se sentissem pertencentes ao grupo e componentes de uma rede complexa de sentidos e significados. A proposta de formar cidados participantes de uma rede, capazes de sugerir iniciativas para solucionar problemas do meio em que vivem, foi alcanada. Por exemplo, quando aconteceram as oficinas que enfatizaram a relao Eu e os meus amigos e Eu e a escola, o grupo identificou situaes desagradveis no ambiente escolar e organizou-se com o intuito de surgerirem melhorias ao ambiente. A atividade revelou o comprometimento com a comunidade e uma mudana de postura por parte do grupo, na medida em que perceberam que as situaes de violncia eram prejudiciais, criavam rivalidade entre as turmas e estavam destruindo o patrimnio escolar. Nesse sentido, o projeto auxiliou na organizao de ideias comuns, sobretudo de convivncia dos indivduos que compartilham no s o mesmo territrio, mas os mesmos interesses e necessidades. Ao se trabalhar os subtemas Eu no mundo e Eu no mundo frente aos problemas ambientais, as situaes

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de descaso para com a natureza e os graves problemas ambientais noticiados diariamente pela imprensa foram debatidos. Na busca de estabelecer novos dilogos, buscou-se a participao de bilogos para a anlise do meio onde eles viviam, com os quais se interagia presencialmente, mas tambm por meio dos recursos de comunicao de rede disponveis. Tambm se levantou a questo dos problemas ambientais da regio Sul do Brasil e foram propostas possibilidades de mudana de atitudes que viabilizariam a conservao e proteo do meio ambiente. Situaes cotidianas prejudiciais natureza foram citadas pelos bilogos durante uma palestra que aconteceu numa das oficinas, as quais impressionaram os alunos, que postaram suas memrias num blog comunitrio.8

Interagindo de forma colaborativaA sociedade deve assumir que as pessoas, ao serem includas digitalmente, precisam reconhecer o real sentido do uso das tecnologias na condio de cidados do mundo. Logo, utilizar a internet no suficiente para se tornarem protagonistas no ciberespao. Nas oficinas foram viabilizadas possibilidades de interao. Desse modo, alunos com dificuldades de expresso oral conseguiram contribuir no blog comunitrio e nas conversas realizadas em chats, estabelecendo redes de colaborao e, assim, fazendo sua voz ser ouvida. Nesse sentido, incentivou-se a produo de blogs individuais e a constante participao no blog comunitrio, com o intuito de que exercessem os seus direitos como cidados, dando opinies e se sentindo parte do grupo.8

www.inclusaoupf.blogspot.comUm processo de incluso digital na hipermodernidade

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Nesse sentido, Chartier afirma que o sonho de Kant era de que cada um fosse ao mesmo tempo leitor e autor, que emitisse juzos sobre as instituies do seu tempo, quaisquer que elas fossem e que, ao mesmo tempo, pudesse refletir sobre o juzo emitido pelos outros. Aquilo que outrora s era permitido pela comunicao manuscrita ou a circulao de impressos encontra hoje, um suporte poderoso com o texto eletrnico. (1998, p. 134). A interao no ciberespao deixou os alunos curiosos, visto que queriam descobrir, investigar e participar. Houve o cuidado em enviar e-mails semanais para os alunos e, aos poucos, apresentar-lhes outros recursos da rede, como criao e envio de e-mail, participao em blogs, pesquisa em sites de busca, participao em fruns e chats. Tal dinmica proporcionou o reconhecimento das diferentes possibilidades para participarem e, consequentemente, exercerem a autoria, apropriando-se da tecnologia como ambiente comunicacional. Essas ideias esto explicitadas nos depoimentos dos alunos postadas no blog comunitrio:Eu no gostei da charge que eu e o meu grupo lemos porque as pessoas queriam mais o dinheiro do que a natureza, mas tem muitas pessoas que acham que o dinheiro compra tudo e esto devastando a natureza por dinheiro. Marcos (postagem realizada aps a leitura de charges na rede) Eu gostei muito das coisas que aprendi como: fazer o meu email, gostei dos professores e tambm gostei muito de jogar. Michael (opinio do aluno sobre as oficinas)

Apesar de estarem interagindo, na maioria das vezes com os colegas da mesma escola, a relao estabelecida era diferente, pois eles queriam participar das atividades, expressar a sua opinio e verificar que o seu nome constava no frum, no blog, alm de se certificaram junto aos colegas se haviam recebido os e-mails enviados.Elisngela de Ftima Fernandes de Mello, Adriano Canabarro Teixeira

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Dentre todas atividades, receber e enviar e-mails foi o grande destaque das oficinas. A emoo de enviar e saber que os colegas receberam o texto, a utilizao de um smiley ou a insero de imagem motivavam os alunos a escreverem cada vez mais. Foi, pois, um recurso que possibilitou e fomentou a troca entre o grupo, criando, assim, uma nova rede de relacionamentos e interesses, uma rede na qual o objetivo principal era se comunicar, reconhecer, externar o que sentiam e ver que o seu e-mail era valorizado pelo colega. O correio eletrnico contribuiu para as crianas ganharem autoconfiana. Foi um ambiente que elas dominaram, em que elaboraram o layout da caixa de entrada de acordo com as suas preferncias e enviavam e-mails conforme o interesse e afinidade com os colegas. No perodo em que ocorreram as oficinas Dilemas da hipermodernidade no foi possvel construir um texto coletivamente. Por falta de amadurecimento dos alunos, no se conseguiu que a prtica de escrita fosse realizada em conjunto, sem antes se reunirem e conversarem sobre o texto. Porm, as crianas colaboraram num texto proposto pelo site governamental Plenarinho,9 de continuar a histria sugerida por um autor. Os textos de trs alunos participantes da oficina foram escolhidos e publicados no site.

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www.plenarinho.gov.br/sala_leitura/continue-a-historia/outroscontinue/o-bom-jardineiro/caroline-donatti-da-silvaUm processo de incluso digital na hipermodernidade

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Figura 1 - Texto de aluno publicado em www.plenarinho.org.br

Utilizando as TRs, os alunos se sentiram parte do novo espao. Ali no importava a situao financeira nem se eram os melhores alunos na escola; todos tinham o seu espao na internet e o utilizaram do modo como queriam. importante destacar que a participao na internet vivenciada pelos alunos potencializou tambm a oralidade. Nos primeiros encontros, alguns alunos tinham receio de expor suas ideias, mas no decorrer do ano perceberam a importncia de conversarem para chegar a uma concluso com o grande grupo e de participarem. Tambm o fato de um aluno auxiliar o outro durante as oficinas foi significativo, pois frequentemente algum descobria algo de novo e repassava aos colegas, ou, ainda, os que tinham mais facilidade auxiliavam os demais. Essa a dinmica prpria de uma rede, na qual os difeElisngela de Ftima Fernandes de Mello, Adriano Canabarro Teixeira

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rentes ns esto em constante movimento comunicacional no sentido de aprimorar a prpria estrutura reticular da qual fazem parte.

Consideraes finaisAo se pensar no tema das oficinas e na experincia realizada, intuiu-se que a internet seria o recurso principal para todas as atividades, por potencializar o contato entre alunos, monitores e professores e tambm com outros agentes conectados. Em decorrncia de a tecnologia estar presente em todos os lugares e de o fenmeno das conversas virtuais e dos jogos em rede se intensificar significativamente, soube-se que, por experincias em oficinas anteriores, os alunos teriam interesse nas possibilidades da rede. No entanto, desejou-se que o resgate da identidade dos participantes acontecesse, que eles se sentissem parte daquela rede como protagonistas, no apenas espectadores. Apesar de reconhecer que a internet j exerce atrao sobre as crianas e jovens, foi um dos objetivos levlos a ampliarem, com as atividades suportadas pela rede, a importncia de suas prprias vidas, da sua famlia, de suas origens, especialmente num contexto hipermoderno, em que fundamental o compartilhamento espontneo de histrias, costumes, culturas e opinies sobre os problemas atuais. Nessa dinmica, visualizou-se o potencial do ciberespao como um ambiente de circulao de discusses pluralistas, reforando competncias diferenciadas e aproveitando o caldo do conhecimento que gerado dos laos comunitrios, podendo potencializar a troca de competncias, gerando coletivizao dos saberes. (Lemos, 2004, p. 135).

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A troca de saberes, neste caso, ocorreu espontaneamente, visto que os alunos acessavam os blogs comunitrio e individuais muitas vezes por curiosidade, para ver como o colega escrevera e o quanto escrevera, sem a inteno de aprender algo ou de obter informaes. Porm, era isso exatamente o que ocorria aps a leitura, quando percebiam a escrita errada de uma palavra, ou ao lembrar fatos mencionados durante o encontro, desapercebidos ao colocarem seu relato na rede. Nas oficinas, alunos de 10 a 12 anos, utilizando os recursos da tecnologia, comunicaram-se, trocaram ideias, geraram conhecimento coletivo e criaram uma postura de compartilhamento e socializao das informaes. Acredita-se que, apesar de os textos publicados serem pequenos comentrios sobre uma obra lida ou sobre uma atividade realizada, refletem a iniciao dos alunos como autores. Por meio das oficinas, buscou-se que cada aluno fosse um n ativo das redes que se formaram, virtualmente ou no, motivo pelo qual se proporcionou, alm de participaes em blogs, chats e fruns, conversas presenciais, a criao de textos e desenhos em recursos convencionais. Observa-se que os alunos que ganhavam autonomia sentiam-se capazes de utilizar os recursos sem o auxlio dos monitores, bastando um convite para que participassem das atividades propostas. Postar uma mensagem e enviar um e-mail passou a fazer parte da vida deles enquanto estavam em contato com a rede. Com as prticas leitoras hipermidiais, obteve-se um retorno acima do que se esperava em relao autoria, pois, ao se explanar determinados assuntos, as crianas mostravam-se capazes de discorrer sobre o que haviam conversado e, consequen-

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temente, tinham interesse em compartilhar com os colegas os fatos que consideravam importantes. Por fim, aponta-se que nesta experincia se criou um ambiente colaborativo, no qual os alunos tiveram contato com diferentes tipos de textos e vivenciaram experincias como autores e colaboradores desta grande rede denominada internet.

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Oficinas de Informtica e Cidadania: em busca de um modelo de incluso digital baseado no protagonismo1Elisngela de Ftima Fernandes de Mello Adriano Canabarro Teixeira

ResumoEste texto tem por objetivo apresentar uma metodologia de incluso digital desenvolvida na Universidade de Passo Fundo que possibilitou aos envolvidos o estabelecimento de processos comunicativos e interativos com vistas ao desenvolvimento de uma cultura de rede e apropriao crtica e criativa das tecnologias digitais. Para tanto, relata a experincia realizada no ano de 2007 nas oficinas de informtica e cidadania do Mutiro pela Incluso Digital. Tal processo se desenvolveu com alunos carentes do ensino fundamental da rede estadual de ensino de Passo Fundo - RS. Palavras-chave: Incluso digital. Oficinas de informtica. Incluso social.

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MELLO, E. F. F.; TEIXEIRA, A. C. Ocinas de informtica e cidadania: em busca de um modelo de incluso digital baseado no protagonismo. Renote - Revista Novas Tecnologias na Educao, v. 1, p. 1-10, 2008. Artigo publicado no SBC 2008.

Alguns elementos introdutriosA excluso digital contribui significativamente para a excluso social, problema que pode passar despercebido em meio a tantos outros que so gritantes na sociedade, como a fome, a violncia, o desemprego e o analfabetismo. Entretanto, o problema da excluso digital pode ser tratado junto com os demais e, supe-se, at mesmo contribuir para a diminuio da excluso social no pas. Acredita-se que por meio de projetos educativos possvel incluir social e digitalmente. Todavia, com o avano tecnolgico da era digital essas iniciativas precisam ser estruturadas com base num objetivo maior. Percebe-se que muitos projetos tm a finalidade de preparar jovens e adultos para o mercado de trabalho, contribuindo dessa maneira para a diminuio do desemprego no pas, j que a maioria das empresas exige que seus funcionrios tenham domnio da informtica; consequentemente, essas iniciativas amenizam parte do problema e propiciam uma forma de incluso social. Entretanto, Serpa chama a ateno para o fato de que a incluso social no mais a formao do indivduo cidado, includo na cultura nacional e, sim, do indivduo consumidor, participante desse no-lugar, o Mercado (2004, p. 183), ou seja, existe uma instrumentalizao para que se possa servir ao mercado, no para que se possa exercer a cidadania. Com base nessa reflexo e considerando que grande parte da populao tem acesso s tecnologias dentro de instituies de ensino, formais ou no, possvel apontar para uma situao mais complexa. Enquanto alunos de escolas particulares tm acesso informtica desde os

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primeiros anos e numa dinmica de autoria, muitas das escolas pblicas no possuem estrutura para viabilizar aulas em ambientes com computadores; quanto s que possuem tal recurso geralmente o utilizam como espaos de treinamento em determinada tecnologia sob o discurso de preparar para o mercado de trabalho. Assim, intui-se que o grande desafio seja propiciar a essa parcela da populao o acesso qualificado ao mundo digital, constituindo-se numa questo estratgica e fundamental para que se possa pensar um processo efetivo de incluso social numa sociedade profundamente modificada pelo advento das tecnologias. Nas oficinas de Incluso Digital e Cidadania oferecidas pela Universidade de Passo Fundo incluir digitalmente no uma questo de possibilitar somente o acesso s tecnologias de rede a determinadas camadas da sociedade. Entende-se que, os participantes para serem considerados includos digitais, devem assumir uma postura de emissores na rede. Assim, as TRs servem como ferramenta para que reconstruam as suas ideias, compartilhem informaes e estabeleam uma rede colaborativa de aprendizagem. Nesse sentido, este artigo se debrua sobre um dos cinco desafios da computao no Brasil: o acesso participativo e universal do cidado brasileiro ao conhecimento, cujo objetivo vencer essas barreiras, por meio da concepo de sistemas, ferramentas, modelos, mtodos, procedimentos e teorias capazes de enderear, de forma competente, a questo do acesso do cidado brasileiro ao conhecimento. Este acesso deve ser universal e participativo, na medida em que o cidado no um usurio passivo, o qual recebe informaes, mas tambm participa da gerao do conhecimento. (SBC, 2006, p. 17).

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Observando o contextoA situao observada em Passo Fundo nas escolas pblicas de periferia com as quais se realizou esta experincia que os alunos no possuem uma formao baseada no uso de recursos multimidiais e pouco utilizam esses recursos em suas escolas. Entretanto, mesmo com a implantao dos laboratrios nas escolas municipais,2 as escolas estaduais, em sua maioria, continuam sem o acesso aos recursos. Diante desse problema, optou-se por realizar o processo de incluso digital de duas turmas de 4 srie do ensino fundamental, estudantes carentes de escola pblica estadual. Os alunos tinham entre 10 e 12 anos e estavam acostumados com uma prtica tradicional de ensino baseada na transmisso e recepo de informao. Contudo, no tinham um comportamento apropriado em sala de aula, em razo de problemas familiares, de aprendizagem e de autoestima, expressando-os por meio de agresses fsicas, verbais, ou, ainda, excluindo-se das atividades com o argumento de que no sabiam realiz-las. Outro ponto observado antes de se iniciarem os encontros do Mutiro pela Incluso Digital3 foi a verificao do acervo disponvel na biblioteca da escola, bem como o acesso e a utilizao deste espao por alunos e professores. Tal anlise era importante porque o objetivo das oficinas no era simplesmente permitir o acesso dos alunos tecnologia. Em decorrncia da parceria entre o curso Cincia2

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Destaca-se que no ano de 2007 a Prefeitura Municipal de Passo Fundo contou com aporte nanceiro federal para instalar dez laboratrios de informtica e, em 2008, foram disponibilizados recursos para mais 18. Mais informaes em: http://inf.upf.br/~mutirao. Acesso em: 8 maio 2008.Elisngela de Ftima Fernandes de Mello, Adriano Canabarro Teixeira

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da Computao4 e o Centro de Referncia de Literatura e Multimeios,5 que j tinham objetivos individuais, almejava-se com esta proposta que os alunos fossem leitores de diferentes tipos de texto e se tornassem protagonistas em diferentes ambientes. Entretanto, a nfase do acervo da biblioteca da escola participante do projeto era de livros didticos. Existiam poucos exemplares de livros de literatura e no havia peridicos, histrias em quadrinhos, msicas e filmes no acervo. Tambm no havia nenhum computador, mas uma televiso e um videocassete, que os professores poderiam utilizar quando locavam filmes para as suas aulas. Outro fator identificado que, por falta de funcionrios e professores, a biblioteca ficava geralmente fechada, dificultando o emprstimo de livros a domiclio e resumindo as leituras a textos estudados em sala de aula. Considerando esse contexto, planejaram-se os encontros das oficinas do Mutiro pela Incluso Digital especificamente para o grupo em questo. Semanalmente, durante trs horas, alunos e professoras das turmas envolvidas com a apropriao dos recursos tecnolgicos estabeleciam contato com a literatura em diferentes suportes. Em cada encontro um tema ligado realidade do grupo era abordado; indicava-se, de acordo com o tema, a leitura de textos e criava-se um espao para que o grupo opinasse sobre as leituras realizadas e o tema desenvolvido. A estratgia utilizada tinha como intuito quebrar a dinmica de sala de aula, suscitar a vontade de ler novos textos aps o contato com os livros e, quem sabe, despertar o potencial autoral dos alunos.4 5

Mais informaes em: www.upf.br/computacao. Acesso em: 8 maio 2008. Mais informaes em: http://mundodaleitura.upf.br. Acesso em: 8 maio 2008.Oficinas de Informtica e Cidadania: em busca de um modelo de...

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A escolha do software para as oficinasAo criar as oficinas, tambm se pensou no software a ser utilizado durante o projeto. A dinmica colaborativa da oficina no mudaria com o uso de um software proprietrio, porm um dos objetivos era romper com a perspectiva de consumo e de dependncia tecnocultural. Ento, no se via razo em motivar o uso de um software proprietrio, pois seria interessante apostar em um software com custo inferior, com qualidade semelhante, mas que, ao mesmo tempo, pudesse ser utilizado livremente pelos alunos e pela prpria escola. Outra razo importante na escolha do software foi o prprio conceito de incluso digital considerando, este numa perspectiva no apenas de acesso, mas de ambiente colaborativo no qual os envolvidos tm liberdade para expressar seus pensamentos e opinies. Nesse sentido, era igualmente significante utilizar um software que tivesse filosofia semelhante aos princpios do projeto. Verificou-se a necessidade conceitual de utilizar o software livre nas oficinas, uma vez que o que estava em jogo era a questo da autoria, da partilha, da cooperao e da colaborao. Acerca dessa natural e necessria relao entre incluso digital e software livre, Silveira argumenta: Em sntese, fundamental integrar a poltica de incluso digital, de informatizao das escolas e das bibliotecas pblicas e a adoo de TI como instrumento didtico-pedaggico estratgia de desenvolvimento tecnolgico nacional. Este um dos argumentos para o uso do software livre nas polticas de incluso digital. (2003, p. 41).

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Certamente, essa opo no estava baseada nica e exclusivamente no fomento ao desenvolvimento tecnolgico nacional, ou, ainda, numa percepo superficial de que basta utilizar software livre para fazer incluso digital. A opo pela utilizao desta modalidade de software buscava, sobretudo, estabelecer sistemas e mtodos que sustentem a constituio de uma cultura digital para acesso do cidado ao conhecimento, respeitando sua diversidade e diferenas. (SBC, 2006, p. 18). Uma das motivaes mais frequentes para a no utilizao de software livre em ambientes educacionais est comumente relacionada exgua existncia de softwares educacionais suportados por este sistema operacional; ou, ainda, pretensa dificuldade que a mudana de interface impe utilizao. Nesse sentido, o curso de Cincia da Computao da Universidade de Passo Fundo decidiu-se pela criao de uma distribuio Linux, denominada Kit Escola Livre Kelix,6 que contasse com uma coletnea de jogos educacionais catalogados e categorizados por disciplina,7 o que aumenta significativamente o potencial educacional do Linux e o torna uma excelente opo, tambm pedaggica, para instituies de ensino formais ou no (Fig. 1).

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Mais informaes em: http://kelix.upf.br Mais informaes sobre o Kelix e seu funcionamento em: TEIXEIRA, A. C. Kit Escola Livre: a indissociabilidade entre incluso digital e software livre na sociedade contempornea. In: SBC (Org.). XVII Simpsio Brasileiro de Informtica na Educao. Braslia - DF: Grca e Editora Positiva, 2006, v. I.Oficinas de Informtica e Cidadania: em busca de um modelo de...

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Figura 1 - Painel do Kelix

Em razo da facilidade de sua interface, projetada especificamente para iniciativas de incluso digital e software livre, e do carter livre de distribuio, era possvel disponibilizar cpias do Kelix a todos que solicitassem professores, alunos ou comunidade para que pudessem conhec-lo em mquinas que no as utilizadas nas oficinas. Na poca, a Prefeitura Municipal de Passo Fundo havia recebido verba federal para a informatizao das escolas pblicas e, ao montar os laboratrios das escolas, fez a opo pelo Kelix como sistema operacional padro dos equipamentos. Com relao utilizao do Kelix nas oficinas, observou-se que, pelo fato de ser desenvolvido por um grupo d