Livro_ Introdução à Prática Clínica - Do Diagnóstico à Intervenção Em Saúde Mental

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    Introdução à Prática Clínica - do diagnóstico àintervenção em saúde mental

    RESEARCH · APRIL 2015

    DOI: 10.13140/RG.2.1.2638.2880

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    1 AUTHOR:

    Carlos Alberto da Cruz Sequeira

    Escola Superior de Enfermagem do Porto

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    Available from: Carlos Alberto da Cruz Sequeira

    Retrieved on: 10 October 2015

    http://www.researchgate.net/institution/Escola_Superior_de_Enfermagem_do_Porto?enrichId=rgreq-8deb9526-a758-45b0-8350-3f757e112e47&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzI3NTUxODMzMDtBUzoyMjI3OTU3ODgyMzA2NTdAMTQzMDEzMDA2MzgzOQ%3D%3D&el=1_x_6http://www.researchgate.net/profile/Carlos_Sequeira2?enrichId=rgreq-8deb9526-a758-45b0-8350-3f757e112e47&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzI3NTUxODMzMDtBUzoyMjI3OTU3ODgyMzA2NTdAMTQzMDEzMDA2MzgzOQ%3D%3D&el=1_x_5http://www.researchgate.net/?enrichId=rgreq-8deb9526-a758-45b0-8350-3f757e112e47&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzI3NTUxODMzMDtBUzoyMjI3OTU3ODgyMzA2NTdAMTQzMDEzMDA2MzgzOQ%3D%3D&el=1_x_1http://www.researchgate.net/profile/Carlos_Sequeira2?enrichId=rgreq-8deb9526-a758-45b0-8350-3f757e112e47&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzI3NTUxODMzMDtBUzoyMjI3OTU3ODgyMzA2NTdAMTQzMDEzMDA2MzgzOQ%3D%3D&el=1_x_7http://www.researchgate.net/institution/Escola_Superior_de_Enfermagem_do_Porto?enrichId=rgreq-8deb9526-a758-45b0-8350-3f757e112e47&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzI3NTUxODMzMDtBUzoyMjI3OTU3ODgyMzA2NTdAMTQzMDEzMDA2MzgzOQ%3D%3D&el=1_x_6http://www.researchgate.net/profile/Carlos_Sequeira2?enrichId=rgreq-8deb9526-a758-45b0-8350-3f757e112e47&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzI3NTUxODMzMDtBUzoyMjI3OTU3ODgyMzA2NTdAMTQzMDEzMDA2MzgzOQ%3D%3D&el=1_x_5http://www.researchgate.net/profile/Carlos_Sequeira2?enrichId=rgreq-8deb9526-a758-45b0-8350-3f757e112e47&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzI3NTUxODMzMDtBUzoyMjI3OTU3ODgyMzA2NTdAMTQzMDEzMDA2MzgzOQ%3D%3D&el=1_x_4http://www.researchgate.net/?enrichId=rgreq-8deb9526-a758-45b0-8350-3f757e112e47&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzI3NTUxODMzMDtBUzoyMjI3OTU3ODgyMzA2NTdAMTQzMDEzMDA2MzgzOQ%3D%3D&el=1_x_1http://www.researchgate.net/publication/275518330_Introduo__Prtica_Clnica_-_do_diagnstico__interveno_em_sade_mental?enrichId=rgreq-8deb9526-a758-45b0-8350-3f757e112e47&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzI3NTUxODMzMDtBUzoyMjI3OTU3ODgyMzA2NTdAMTQzMDEzMDA2MzgzOQ%3D%3D&el=1_x_3http://www.researchgate.net/publication/275518330_Introduo__Prtica_Clnica_-_do_diagnstico__interveno_em_sade_mental?enrichId=rgreq-8deb9526-a758-45b0-8350-3f757e112e47&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzI3NTUxODMzMDtBUzoyMjI3OTU3ODgyMzA2NTdAMTQzMDEzMDA2MzgzOQ%3D%3D&el=1_x_2

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    CARLOS ALBERTO DA CRUZ SEQUEIRA

    INTRODUÇÃO À PRÁTICA CLÍNICA:

    DO DIAGNÓSTICO À INTERVENÇÃO EM

    ENFERMAGEM DE SAÚDE MENTAL E

    PSIQUIÁTRICA 

    Porto, 2006

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    AGRADECIMENTOS

    À Albina

    À Ana Carolina

    Ao António Vasco

    Ao Paulo Passos o meu reconhecimento pela amizade, companheirismo, apoio, partilha,

    confiança, incentivo de sempre e pela revisão científica.

    Aos amigos e colegas Amadeu Gonçalves e José Carlos Carvalho um sincero

    agradecimento, pela amizade, pelo apoio, estímulo, partilha de experiência e

    conhecimentos. Ao Amadeu, um muito obrigado pela cedência de alguns textos de apoio

    sobre a saúde e a doença mental; a evolução histórica da assistência em Saúde Mental e

    Psiquiatria e alguns modelos teóricos.

    Aos docentes e discente da Escola Superior de Enfermagem de S. João - Porto, um sincero

    bem haja pelo companheirismo, críticas e incentivo que me dispensaram.

    Aos Enfermeiros do Hospital Magalhães Lemos pela oportunidade de partilhar ideias,

    casos clínicos e conhecimentos.

    Aos alunos do curso de Licenciatura em Enfermagem da Escola Superior de Enfermagem

    de São João, pela possibilidade de partilhar experiências, afectos e conhecimentos.

    A todos aqueles que de uma maneira ou de outra,

    comprovam que a relação é um excelente

    instrumento terapêutico.

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    ÍNDICE

    I PARTE:  CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS RELEVANTES PARAA PRÁTICA DE ENFERMAGEM

    1 INTRODUÇÃO…………………………………………….

    2 SAÚDE/DOENÇA MENTAL……………………………...

    2.1 Normal/patológico…………………………………………

    2.2 Tentativa de explicação do adoecer mental……………….

    3 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA ASSISTÊNCIA EM

    SAÚDE MENTAL E PSIQUIATRIA ……………………..

    4 ALGUNS MODELOS TEÓRICOS ………………………..

    4.1 O modelo biomédico……………………………………….

    4.2 O modelo behaviorista……………………………………..

    4.3 O modelo rogeriano………………………………………..

    4.4 O modelo psicodinâmico…………………………………..

    4.5 O modelo biopsicossocial …………………………………4.6 O modelo sistémico………………………………………..

    4.7 Modelo de promoção da saúde…………………………….

    4.8 Modelo de crenças de saúde………………………………

    5 PRÁTICAS DOS ENFERMEIROS – CIPE………………………….. 

    10

    13

    15

    16

    19

    29

    30

    31

    31

    32

    3233

    34

    34

    36

    II PARTE: FOCOS DE ATENÇÃO PARA A PRÁTICA DE

    ENFERMAGEM1  ANSIEDADE ………………………………………………

    2  AUTOCONCEITO…………………………………………

    3  AUTO-ESTIMA……………………………………………

    4  AUTOCONTROLO………………………………………...

    42

    48

    52

    56

    5  STRESSE…………………………………………………... 71

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    5.1  Acontecimentos indutores de Stresse……………………...

    5.2  Avaliação dos acontecimentos indutores de Stresse……….

    5.3  Efeitos do Stresse no indivíduo……………………………

    5.3.1 

    Respostas fisiológicas ao Stresse………………….

    5.3.2  Alterações cognitivas induzidas pelo Stresse……...

    5.3.3  Stresse e emoções………………………………….

    5.3.4  Stress e o comportamento observável……………..

    5.4  Stresse e a família………………………………………….

    717583

    8488899396

    6  COPING……………………………………………………. 100

    6.1 

    Estratégias de coping……………………………………….6.2  Mecanismos e estratégias de coping…………………….....

    6.3  Avaliação do coping………………………………………..

    102107109

    7  SUBSTÂNCIAS ADITIVAS: ÁLCOOL…………………... 112

    7.1  Etiologia do alcoolismo…………………………………….

    7.2  Etapas do alcoolismo……………………………………….

    7.3 

    Tratamento do alcoolismo………………………………….

    113117

    118

    III PARTE: DIAGNÓSTICOS E INTERVENÇÕES DE

    ENFERMAGEM

    1  CONSCIÊNCIA……………………………………………..

    2  PENSAMENTO........………………………………………..

    MEMÓRIA…………………………………………….........

    4  ORIENTAÇÃO........………………………………………...

    5  APRENDIZAGEM……....………………………………….

    6  HUMOR …………….............……………………………...

    122

    123

    128

    135

    139

    142 

    7  VONTADE DE VIVER …………………………………… 144

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    8  IMAGEM CORPORAL ………………….....……………...

    9  AUTO-ESTIMA …………………………………………...

    10 

    AUTOCONTROLO …………….………………………….

    11  COPING....……………………………………………….....

    12  STRESSE ......………………………………………………

    13  ANSIEDADE ………………………………………………

    14  TRISTEZA …………………………………………………

    15  SOLIDÃO ………………………………………………….

    16  EUFORIA ......................……………………………………

    17  OBSESSÃO …………..……………………………………

    18  ALUCINAÇÃO …………………………………………….

    19 

    INSÓNIA …………………………………………………..

    20  AGITAÇÃO .........………………………………………….

    21  CONVULSÃO ..............……………………………………

    22  DOR ......................................................................................

    23  TENTATIVA DE SUICÍDIO ……………………………...

    24  USO DE ÁLCOOL ………………………………………...

    25  USO DE DROGAS ………………………………………...

    26  INTERACÇÃO SOCIAL/RELAÇÃO ……………………..

    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...............................

    149

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    I PARTE:

    CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS

    RELEVANTES PARA A PRÁTICA DE

    ENFERMAGEM

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    1 INTRODUÇÃO

    Este manual surge na necessidade de compilar um conjunto de informação relevante para a

    prática de Enfermagem, no contexto da Saúde Mental e Psiquiatria. Não se pretende com o

    mesmo, abordar de uma forma exaustiva as diferentes problemáticas expostas, nem tão

    pouco limitar o campo de observação às mesmas, apenas se pretende fornecer um

    instrumento aglutinador de alguns conhecimentos considerados fundamentais e relevantes

    para a prática, fomentando o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento

    reflexivo, de modo a promover a Enfermagem enquanto profissão, aproximando a prática

    das necessidades reais da população.

    Neste contexto a pessoa/grupo é o sujeito alvo de todo o processo de cuidados. Considera-

    se que a pessoa é um ser em auto-desenvolvimento desde o nascimento até à morte e na

    qual o enfermeiro pode intervir, através do cuidar, visando sempre a autonomia do sujeito

    alvo dos cuidados, estimulando as suas capacidades de modo a colocá-las ao serviço do seu

    desenvolvimento e da sua qualidade de vida.

    As questões ligadas à saúde, à doença e aos processos de intervenção, podem ser encaradas

    sob diversas perspectivas; podendo essa diversidade de perspectivas constituir uma mais

    valia a potenciar num campo onde a subjectividade individual constitui o maior desafio.

    Abordam-se algumas perspectivas, que do nosso ponto de vista permitem sistematizar

    algumas práticas, de modo a que no futuro, seja possível, aferir dos ganhos em saúde

    associados à sua implementação.

    Num momento em que as exigências em saúde aumentam, é uma preocupação dominante

    para os profissionais desta área exigir que o conhecimento da sua prática seja validado

    cientificamente. Para o enfermeiro é precisamente o ser humano, em toda a sua dimensão e

    vulnerabilidade, o objecto da sua prática profissional. Por isso, mais do que o seu saber e

    saber-fazer (conhecimentos técnicos e científicos), o enfermeiro deve também desenvolver

    o seu saber-ser e saber-estar, tanto com ele mesmo como na relação com a pessoa, pois

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    estes factos, constituem na sua essência, os alicerces da relação terapêutica, indispensável à

    prática do cuidar em Saúde Mental e Psiquiatria.

    Os modelos devem ser instrumentos teóricos de orientação para a prática, quadros de

    referência e não devem ser entendidos como normas inalteráveis.

    Apresentamos em primeiro lugar um conjunto de pressupostos teóricos indispensáveis para

    uma prática de Enfermagem de qualidade. Nestes, estão incluídos um conjunto de dados,

    indispensáveis para o enfermeiro efectuar uma avaliação da situação e para tomar uma

    decisão consciente e responsável. Nesta área do conhecimento proliferam, por vezes,

    diversos saberes que no nosso entendimento não devem ser impeditivos da sistematização

    das práticas, uma vez que só através destas se poderá aferir da sua validade. Por outro lado,esta sistematização não anula a riqueza destes saberes, bem pelo contrário, pois compete ao

    enfermeiro mobilizá-los de modo a integrá-los na sua prática, contribuído deste modo para

    um exercício de excelência, facto que todos pretendemos.

    A sistematização das práticas apresentada teve por base alguns pressupostos enunciados na

    Classificação Internacional para a Prática de Enfermagem (CIPE, Versãoß2, 2002), por nos

    parecer que esta é uma taxinomia com algumas orientações precisas, passíveis de seroperacionalizadas em diferentes contextos, compatível com os diferentes modelos teóricos

    em uso nas diferentes instituições, sensível à diversidade cultural de determinadas

    populações ou grupos específicos e de fácil implementação na prática. De facto, a

    utilização de uma linguagem classificada apresenta inúmeras vantagens, uma vez que

    permite a informatização dos cuidados, valoriza a prática, através dos diagnósticos,

    intervenções e resultados sensíveis aos cuidados de Enfermagem, proporciona uma

    visibilidade de acordo com o contexto real da prestação de cuidados, facilita e promove ainvestigação (através da possibilidade de compara dados entre doentes com problemas

    similares, inter-serviços, inter-instituições), entre outras vantagens do conhecimento dos

    enfermeiros.

    Assim, um diagnóstico de Enfermagem resulta da avaliação efectuada por um enfermeiro,

    sobre o estado de um foco de atenção (área de atenção conceptual da prática de

    Enfermagem). É constituído por um termo do eixo A (foco da prática) + um termo do eixo

    B (juízo/avaliação clínica) ou um termo do eixo G (risco/probabilidade). Pode incluir

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    termos de outros eixos (frequência, duração, topologia, localização anatómica e portador)

    de forma opcional.

    Uma intervenção autónoma de Enfermagem constitui uma acção realizada em resposta a

    um diagnóstico de Enfermagem, tendo por finalidade produzir um resultado sensível aos

    cuidados de Enfermagem. É constituída por um termo do eixo A (tipo de Acção) + um

    termo do eixo B (alvo), sendo complementada por termos de outros eixos (recursos, tempo,

    topologia, localização, via e beneficiário).

    Quer nos diagnósticos de Enfermagem, quer nas intervenções de Enfermagem, só se deve

    utilizar um termo de cada eixo. Deve-se utilizar o maior número de termos possíveis na

    construção de um diagnóstico/intervenção, de forma a torná-lo mais preciso.

    Neste manual é dada ênfase ao processo diagnóstico que inclui a recolha de dados, o

    diagnóstico, a prescrição de intervenções e a descrição de um conjunto de actividades que

    permitem concretizar uma determinada intervenção. Atendendo a que este é um campo

    com alguma subjectividade, é importante que estas actividades sejam explicitadas de modo

    a permitir uma avaliação efectiva das práticas, pois às vezes para a mesma terminologia

    são atribuídas interpretações diferentes. Exemplo: se um enfermeiro prescreve a

    intervenção “promover suporte emocional” e não explicitar a forma como o vai fazer, serádifícil a outro enfermeiro dar-lhe continuidade, apenas pelo título da intervenção. As

    actividades apresentadas neste contexto pretendem apenas, dar pistas uniformizadoras

    sobre algumas práticas, pelo que existem muitas outras possibilidades de actividades de

    acordo com cada situação/problema.

    De modo a facilitar a sua aplicação prática, em cada foco de atenção são enumerados os

    dados considerados relevantes para o processo diagnóstico que resultam da observação

    directa ou indirecta (utilização de questionários, escalas, etc.), as possibilidades dediagnóstico, as intervenções sugeridas e as actividades que permitem a sua

    operacionalização.

    Os focos de atenção apresentados são em nossa opinião, apesar de subjectiva, os mais

    relevantes no contexto da prática em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiatria.

    Pretende-se com este trabalho dar contributos para a melhoria e uniformização das práticas

    e não apenas efectuar operações de cosmética ao nível da terminologia.

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    2 SAÚDE/DOENÇA MENTAL

    A compreensão do conceito Saúde-Doença é fundamental para a prática de todas as

    profissões na área da saúde. Tanto a saúde como a doença, são estados relativos, e as

    próprias palavras significam coisas diferentes para diferentes pessoas.

    Saúde Mental

    Em sentido lato, pode-se dizer que há saúde quando se verifica o desenvolvimento óptimo

    do indivíduo no contexto em que se insere, tendo em conta múltiplas variáveis, ou seja,

    vários factores de natureza Biológica, Psicológica, Social, Cultural e Ecológica (sexo,

    capacidades inatas – tendências – constitucionalidade, aprendizagem, tipo de família...).

    Em sentido restrito, é a capacidade que o indivíduo tem para:

    −  Estabelecer relações ajustadas com o outro;

    − 

    Participar construtivamente com o meio e ambiente;

    −  Resolver e/ou gerir os seus próprios conflitos internos;

    −  Investir em realizações sociais.

    Saúde Mental não é só ausência de doença, ou de perturbações mentais, ou de alterações

    do comportamento. Na mesma linha, Saúde Mental não é só a capacidade de adaptação

    sistemática do sujeito ao meio. Saúde Mental implica, obviamente, respostas adaptativas,

    embora inadaptação não signifique necessariamente Doença Mental.

    Doença Mental

    Situação patológica, em que o indivíduo apresenta distúrbios na sua organização mental.

    Todas as afecções que afectam o corpo, podem provocar doença mental, desde que tais

    afecções provoquem um desequilíbrio em termos de organização mental. É a relação

    existente entre uma sociedade organizada e um sujeito, de que resulta um conflito, quando

    a diferença for excessiva, ou quando o indivíduo estiver predisposto. Poderá ainda ser

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    definida como um estado de desequilíbrio entre o ambiente e os sistemas bio-psicológicos

    e sócio-culturais, implicando no indivíduo doente a incapacidade de exercer os seus papéis

    sociais (familiares, laborais e comunitários).

    Por outras palavras, pode dizer-se que é a desarmonia ou desequilíbrio da generalidade da

    organização da personalidade do indivíduo.

    Entende-se por personalidade os traços próprios e características de um indivíduo,

    constituídas a partir dos factores afectivos, relacionais, genéticos, biológicos, sociológicos,

    de aprendizagem, etc.

    Ao falar-se de doença mental, poderá introduzir-se um outro conceito, o de

    Psicopatologia.  Este é considerado um ramo teórico da Psiquiatria, que se ocupa dos

    fenómenos patológicos do psiquismo. Como conhecimento científico puro, sistematizado

    por Jaspers tem por objecto, o estudo da actividade psíquica anómala, isto é do perturbação

    mental, tentando compreender as disfunções mentais e explicar a operatividade patológica.

    A saúde e a doença podem naturalmente ser visualizadas como um processo contínuo que

    varia desde a saúde extremamente deficiente ou de morte eminente, até um máximo de

    elevado bem estar.

    David Ingleby (1982), no seu trabalho sobre “A construção social da doença mental”

    apresenta três interpretações diferentes do conceito de doença mental:

    1.  A primeira interpretação a que chama “modelo de afecção” é caracterizada pela

    existência de patologia física subjacente. Segundo esta interpretação:

    “ A ausência de patologia orgânica demonstrável não torna injustificável a imputação

    de doença mental, dado que essas imputações se limitam a pôr a hipótese de uma

     patologia desse tipo”

    2.  Numa segunda interpretação a doença mental é como um desvio às normas de conduta

    moralmente aceites e o tratamento psiquiátrico como um controle social directo. O

    desvio à norma pressupõe consciência e intencionalidade da parte do sujeito infractor,

    questiona-se se há ou não consciência e intencionalidade nos sintomas psiquiátricos.

    “Só poderemos classificar as situações psiquiátricas como «doença» alargando o

    conceito de doença de forma a incluir as não orgânicas, também só as podemos

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    apelidar de «desvios» alargando o conceito de desvio até abranger o não-imoral; em

    ambos os casos, esse alargamento anula o objectivo do exercício que era, no primeiro

    caso, reforçar o  mandato médico e, no segundo reduzir a discussão da psiquiatria a

    termos meramente morais”

    3.  A terceira e última interpretação deste autor, baseia-se no critério da inteligibilidade e

    refere-se à falta de sentido do comportamento dos doentes mentais (a perda da razão).

    Isto é, os doentes mentais desviam-se essencialmente das normas da racionalidade e

    não tanto das normas da moralidade.

    2.1 Normal/patológico 

    Como vimos, dada a complexidade dos fenómenos psíquicos, não é fácil conceituarDoença Mental. Na sua análise há que ter em consideração aspectos históricos, científicos,

    sociais, culturais, políticos – ideológicos, etc.

    Da mesma forma também não é fácil falarmos em termos de normal ou patológico. Estes

    conceitos não são fáceis de delimitar, dada a sua enorme variabilidade no tempo e no

    espaço, em função dos padrões sócio-culturais e também devido à utilização muito díspar

    na sua apreciação. Assim, será cientificamente incorrecto identificar saúde com

    normalidade (ter saúde é ser normal, diz-se!)

    Para melhor abordarmos a dualidade normal/patológico, parece mais adequado usar um

    conjunto de critérios múltiplos, de acordo com Vásquez (1990). Este autor definiu cinco

    características que distinguem normalidade de anormalidade; não sendo necessário

    verificarem-se todas:

    1.  Sofrimento pessoal, ou “mal-estar subjectivo”. Esta será uma das características

    mais notórias, o indivíduo que padece ou se sente doente obriga-se frequentemente

    a pedir ajuda.

    2.  Falta de adaptação ao meio. Os comportamentos tidos como desviantes, têm

    geralmente um forte contributo no desajustamento do indivíduo com o meio, sendo

    quase sempre geradores de uma relação interpessoal desequilibrada.

    3.  Sofrimento para o observador, devido a comportamentos violentos (ou outros) do

    indivíduo doente.

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    4.  Irracionalidade, incompreensibilidade, peculiaridade, são outras características das

    condutas anómalas, que frequentemente despertam a atenção. É a perda do senso

    comum. O filósofo Kant refere ser esta a característica comum da loucura.

    5. 

    A violação dos códigos sociais vigentes é tida, por alguns teóricos de saúde mental,

    como o principal elemento que a sociedade tem para identificar o doente mental.

    Relacionado também com a definição multifactorial de anormalidade Vásquez (1990),

    apresenta cinco importantes princípios gerais:

    Não se requer a presença concreta, e isolada de nenhum dos elementos já referidos

    (infelicidade, inadaptação, sofrimento para o observador, irracionalidade) para a definição

    de anormalidade.

    Não existe nenhum elemento que isoladamente seja suficiente para definir a conduta

    anormal, mesmo que estejamos perante uma conduta agressiva e (ou) auto-destrutiva.

    A anormalidade de uma conduta, tem sempre que ser dada por uma combinação de vários

    critérios. Assim para a caracterização de uma conduta anormal, há que ter em consideração

    a intervenção de vários factores em simultâneo (consideração multifactorial).

    Nenhuma conduta é por si mesmo anormal. Este princípio realça a relatividade do

    significado do comportamento humano e a importância da sua contextualização (ex.Alcoolismo).

    A conduta humana é dimensional, isto é torna-se mais adequado compreender a saúde e

    doença mental, como pontos extremos de um continuum.

    2.2 Tentativa de explicação do adoecer mental

    A tendência actual está a orientar-se no sentido de considerar a doença mental não como

    ausência de saúde ou não-valor, mas como uma alteração em três conceitos fundamentais:•  A integração

    •  A adaptação

    •  A autonomia

    A Integração

    Desde muito cedo que reflexos, movimentos, hábitos, habilidades e atitudes vão

    amadurecendo e integrando no desenvolvimento psicomotor ou neurofisiológico da

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    criança. Vão aparecendo reacções e movimentos que a princípio são comandados apenas

    pela medula e pelo bolbo; com a maturidade vão-se integrando em conexões nervosas e

    conjuntos de movimentos, hábitos, traços e comportamentos cada vez mais complexos e

    subordinados ao córtex cerebral, numa hierarquia ou organização bem estruturada.

    A integração consiste precisamente nessa subordinação que vai do mais simples e

    elementar ao mais complexo, até chegar à unidade funcional, caracterizada pelo comando

    unificado do Sistema Nervoso Central.

    Quando todos os sistemas neurofisiológicos e todos os fenómenos da vida afectiva,

    intelectual e activa, estiverem integrados num todo único, pode dizer-se que o indivíduo

    tem uma personalidade integrada; esta integração é progressiva e dura toda a vida da

    pessoa, é acelerada durante o período evolutivo mas nunca será total.

    A integração plena distingue-se da imperfeita pelo seu funcionamento se, em vez de um

    avanço progressivo para a integração neuromuscular, afectiva, intelectual, (...), se dá um

    retrocesso surge a desintegração ou doença. Note-se que mesmo assim, o indivíduo

    funciona, embora de maneira diferente – desta forma a doença não é a ausência de saúde

    (ausência de funcionamento) mas outro tipo de funcionamento; interessa ao profissional de

    saúde mental captar o sentido desse funcionamento e contribuir para que o mesmo tendapara o seu equilíbrio e funcionamento harmonioso.

    A Adaptação 

    Exprime um aspecto importante da integração e o seu significado também pode ajudar na

    compreensão da doença mental.

    Saúde mental seria o “acordo” entre os conhecimentos (actividade mental) e as actividades

    do indivíduo contextualizadas no meio em que está inserido. Seria uma actividadeconsciente, conveniente e coerente com um dado momento ou situação.

    Como estamos a ver, a adaptação traduz uma relação entre os dois pólos:

    O indivíduo com as suas representações mentais e suas actividades e o mundo que o

    rodeia, enquanto percebido por ele.

    Adaptação é assim um conceito relativo (diz-se adaptação de alguém num dado momento,

    a um determinado ambiente ou conjunto de valores sociais e éticos). Nesta perspectiva a

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    doença mental também não poderá ser entendida como uma ausência total de adaptação,

    mas sim uma adaptação deficiente ou parcial, deixando passar o paradoxo, seria uma

    “adaptação inadaptada” e não uma ausência total de adaptação.

    A Autonomia Psicológica 

    Entendida como a característica da personalidade capaz de funcionar, motivada por

    interesses e ideais que ela mesma personalizou, isto é, fez seus. É comandada por dentro

    (mas criada na relação) e por isso é psicologicamente independente. Desta forma, doença

    mental poderia ser entendida como a ausência (parcial) de independência para funcionar,

    doente seria o indivíduo que perdesse a sua autonomia psicológica; a independência

    pessoal, a motivação personalizante. A pessoa pode guiar-se pelos seus valores (sua matrizexistencial), ou por valores impostos por tensões interiores ou pressões exteriores. O

    doente mental seria aquele que tenderia para interesses imediatos, primários, que

    dependeria dos “valores” impostos por outrém; pelo ambiente que o rodeia, ou pelos seus

    impulsos instintivos – assim acontece em geral com muitos doentes mentais; não se deve

    todavia, concluir que todo o doente mental perde a sua autonomia e que a sua doença

    significa ausência total de autonomia. Na verdade grande parte dos doentes mentais tem a

    sua autonomia diminuída, guiando-se muitas vezes por “padrões” e formas decomportamento incompreensíveis, sobretudo à luz dos princípios lógicos existenciais.

    Concluindo,  não se pode falar em doença mental como ausência de saúde, mas sim

    caracterizá-la por uma deficiente ou parcial Integração; Adaptação e Autonomia.

    Quando se examina uma estrutura patológica no seu conjunto, verifica-se que o estado

    patológico é o resultado de fenómenos negativos (desintegração, inadaptação e

    dependência psicológica parcial); situações que por sua vez levam à formação de umconjunto de mecanismos (positivos) que tendem a manter a vida em

    equilíbrio/homeostasia, mediante uma integração, adaptação e autonomia igualmente

    parciais.

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    3 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA ASSISTÊNCIA EM SAÚDE

    MENTAL E PSIQUIATRIA

    Desde os primeiros tempos que o homem temendo a doença, teve a preocupação de a

    combater. Talvez fosse até a dor, no sentido físico, o primeiro sintoma que ele procurou

    aliviar.

    Com a Medicina ministrada principalmente pelos sacerdotes, teriam nascido os primeiros

    médicos, enfermeiros e boticários, dado que todos estes, durante largos séculos, andaram

    confundidos na mesma pessoa.

    Possivelmente na ausência daqueles, os doentes ficavam entregues aos cuidados de pessoas

    da família, ou a outras que a isso se prestavam. Em Portugal a história da loucura seguiu

    um percurso análogo ao verificado no resto da Europa.

    Na época renascentista, predominavam as perseguições pela Inquisição a vários médicos

    portugueses, de ascendência Judaica.

    Neste período, é mencionada pela primeira vez a assistência específica aos doentes

    mentais, que começam a ser internados nas enfermarias dos hospitais gerais.

    A primeira notícia sobre tratamento de loucos em Portugal, data de 1539 e consta de um

    documento, que assinala a presença de «alienados» no Hospital Real de Todos-os-Santos;

    “tendo sido nomeado o padre Pedro Fernandes de Gouveia, pelo rei D. João II, para

    «curar» os doentes fora do seu siso que ali fossem recebidos” (Marques, 1996).

    A história relata o exemplo de muitas figuras “Nobres” que se dedicaram à causa de cuidar

    dos mais necessitados. Jesus de Nazareno será porventura aquele de que mais se fala na

    cultura ocidental; “S. João de Deus, no séc. XV (1445-1550) terá sido o primeiro a

    reconhecer que os marginais da sociedade daquele tempo, eram muitos deles pessoas com

     perturbações mentais e que por isso, necessitavam de assistência diferenciada, tendo

    assim formado a ordem Hospitaleira de Granada (...) curiosamente, e ao mesmo tempo

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    que essa obra de caridade se ergue em Granada, a Rainha D. Leonor, estimula e

    desenvolve em Portugal o sentimento da assistência caritativa através das chamadas

    misericórdias (Fonseca, 1995).

    A avaliar pelos documentos da época, estes tipos de assistência religiosa ter-se-iam

    espalhado pela Europa, ou de algum modo influenciado os poderes públicos a uma

    assistência parecida. Sabe-se também que os loucos estiveram algum tempo por debaixo

    das cabanas do Rossio e mais tarde nas cocheiras do Conde de Castelo e que a partir do

    terramoto de Lisboa, começaram a ser recolhidos em duas enfermarias do Hospital de S.

    José.

    É ainda no quadro do predomínio da alta burguesia que se inscreve a fundação da primeiracasa de internamento – Casa Pia de Lisboa, por Pina Manique, Intendente da polícia e

    homem de Pombal. Os objectivos desta instituição eram semelhantes aos das casas de

    correcção que surgiram na Europa, quase um século antes.

    A Casa Pia foi fundada “como meio para reprimir a vagabundagem que enxameava nas

    ruas de Lisboa, praticando toda a casta de atentados que a boa política devia coibir ”

    (Fleming, 1976). Este autor destaca de um trecho de Latino Coelho o seguinte sobre Pina

    Manique: “ Buscou fundar um instituto, que fosse ao mesmo tempo uma casa de correcçãoe oficina de lavor para os que por sua vida e costumes pervertidos ofendiam a segurança e

    a moral (...)” (Fleming, 1976). A Casa Pia constituía uma casa de reclusão que visava

    regenerar pelo trabalho os vadios de ambos os sexos e crianças desvalidas, exercendo

    assim, uma dupla acção beneficiante, ou seja, regeneração coerciva e previdência tutelar.

    Na origem destas medidas não estiveram apenas razões de ordem moral e beneficiante,

    mas também razões de ordem política e económica, que procuravam regenerar pelo

    trabalho a “massa de indigentes”. Não consta destas medidas que os doentes mentaisfossem alvo de internamento, pelo menos de forma objectiva, o que não significa que entre

    essa “massa de indigentes” não estivessem os loucos. Esta instituição não teve por

    objectivo tanto os loucos, mas sim dar resposta ao problema de marginalidade.

    Mais tarde, no século XIX generaliza-se em Portugal, de forma compacta, o fenómeno do

    internamento. Criam-se Asilos e Albergues destinados, sobretudo, a pobres, velhos,  

    vagabundos, prostitutas e delinquentes. No entanto, a segregação e repressão dos loucos

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    em casas especiais data de meados do século XIX. Este século introduziu grandes

    novidades jurídico-institucionais em toda a Europa, entre as quais o Manicómio,  uma

    instituição sem precedentes, inédita na história da civilização ocidental.

    1-  Por iniciativa do Marechal Duque de Saldanha, (liberal e chefe do governo de D Maria

    II), cria-se o primeiro Manicómio dentro do Convento de Rilhafoles – Hospital de

    Rilhafoles - hoje Hospital Miguel Bombarda, em Lisboa; “... foi necessário o político e

    militar ir lá ver o espectáculo dantesco dos desassisados em degradação, abandono e

    imundice, para o mover o «gesto» simbólico de incitar a rainha D. Maria II à abertura

    de um hospício para loucos” (Fernandes, 1995).

    “O manicómio foi concebido de maneira a responder com eficácia a uma necessidadesocial primária para o espírito Liberal – a necessidade de libertar o organismo social

    daquele que era considerado um poderoso obstáculo ao progresso da civilização, isto é, o

    louco” (Pereira, 1986). Acentua-se assim, a segregação dos loucos e outros associais. O

    manicómio português foi concebido, à imagem dos asilos Europeus,   defendendo os

    mesmos objectivos da época, a defesa da ordem Pública e a protecção dos loucos.

    Três décadas após a abertura do Hospital de Rilhafoles, desencadeou-se no Porto umprocesso idêntico ao ocorrido em Lisboa e que conduziu a criação do Hospital de Conde

    Ferreira, em 1882” (...) Algo de paralelo aconteceu em 1866 no Porto. Não havia recurso

     para assistir aos míseros insanos; como em Lisboa no hospital de S. José, alguns eram

    recolhidos em tristíssimas condições no hospital de Santo António, no expressivamente

    chamado «Porão». A maioria deambulava pelas vilas e aldeias ou eram recolhidos nas

     prisões! (...) Um rico legado do benemérito Conde de Ferreira permitiu inaugurar em

    1882 o primeiro edifício construído propositadamente para a assistência aos alienados (...)” (Fernandes, 1995).

    Este Hospital teve a Direcção de António Maria de Sena, considerado o fundador da

    Psiquiatria científica em Portugal. A sua vida ficou assinalada pela publicação do mais

    extenso e penetrante estudo português, sobre a difícil situação da assistência aos alienados,

    vista do ângulo Médico-Social.

    Estudos realizados por António Maria de Sena, permitiram-lhe concluir que a doença era

    muitas vezes causada por problemas de ordem familiar. Neste sentido, considerava o

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    internamento vantajoso uma vez que afastava o louco do meio em que vivia e que lhe era

    nefasto. No entanto admitia-se já a influência dos factores sociais, apesar de não se basear

    neles para criticar as consequências sociais da miséria e alienação que o modo de produção

    capitalista desencadeava nas classes trabalhadoras.

    António Maria de Sena preconizava igualmente a ocupação pelo trabalho e abolição dos

    meios violentos de tratamento, embora fosse partidário dos asilos fechados. Sena foi de

    facto um dos grandes pioneiros da assistência psiquiátrica e das “ideias” de saúde mental,

    marcando definitivamente o cenário da Psiquiatria da época, ao procurar compreender as

    causas e consequências sociais da loucura e ao propor uma Nova ideologia Psiquiátrica. A

    rede manicomial Portuguesa, na segunda metade do século XIX, permaneceria assim

    confinada, às duas instituições referidas.

    Nos finais do século XIX, Bettencourt Rodrigues (In Fleming, 1976), critica o plano dos

    asilos fechados de Sena, uma vez que recolhiam apenas 1/5 dos 10.000 alienados

    recenseados em Portugal, e que, além disso, os asilos tinham-se tornado muito

    dispendiosos para o estado. Neste sentido, Bettencourt Rodrigues, preconizava a criação de

    grandes colónias agrícolas, nas quais os internados pudessem trabalhar, constituindo por

    um lado, uma parte das receitas e por outro, uma possibilidade de aumentar o número deinternados.

    É de salientar que até este período, quase toda a assistência era prestada por pessoal

    religioso; pois só em 1881, foi criada a primeira escola de Enfermagem nos Hospitais da

    Universidade de Coimbra, e em 1886 e 1887, escolas semelhantes em Lisboa e Porto.

    Desta forma se terão dado os primeiros passos, no sentido de encontrar as pessoas

    vocacionadas para “cuidar” dos doentes Mentais, sendo admissível que terão sido estes ospercursores da Enfermagem Psiquiátrica.

    Do que há conhecimento ao nível da Europa, foi na suíça (início de Sec. XX), que se

    iniciou a formação de enfermeiros psiquiátricos, através da orientação das direcções

    cantonais dos serviços sanitários. Criando um curso devidamente estruturado para o efeito.

    Enrico Morselli (1889), psiquiatra Italiano, terá sido um dos primeiros a iniciar a instrução

    profissional e a preparação técnica dos Enfermeiros psiquiátricos, diz ele “sede para os

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    nossos doentes, os irmãos e os amigos dedicados que a vida lhes negou” eles têm que

    sentir em vós a chama do amor e não o frio desprezo do guarda... do carcereiro.

    O curso de Enfermagem psiquiátrica assentava num plano, orientado pela sociedade Suíça

    de psiquiatria, conferia diploma, e habilitava os Enfermeiros à prestação de cuidados aos

    doentes nos asilos psiquiátricos.

    O curso constava preferencialmente de temas como:

    -  Conhecimentos gerais de cuidados aos doentes físicos e psíquicos.

    -  Conhecimentos sobre as linhas gerais da organização de um estabelecimento

    psiquiátrico.-  Compreender os doentes com necessidades e saber cuidá-los cientificamente.

    -  Ajudar e intensificar a colaboração com o médico.

    -  Adaptar-se ao regulamento do estabelecimento.

    -  Chamar a atenção para as dificuldades da profissão, marcando bem os limites dos seus

    conhecimentos.

    -  Despertar, desenvolver e educar as qualidades de carácter indispensáveis ao exercício

    da profissão.

    Em Portugal, sob o impulso de António Flores e Barahona Fernandes, foi elaborada a Lei

    2006 em 1945, que permitiu um novo impulso à assistência psiquiátrica.

    A abertura dos hospitais psiquiátricos marcou o início da formação em Enfermagem

    Psiquiátrica.  Primeiramente com a vinda dos enfermeiros suíços para Portugal e

    posteriormente (década de 40) com a abertura das Escolas de Enfermagem Psiquiátricas

    zona Sul (Hospital Júlio de Matos), Centro (Hospital Sobral Cid) e Norte (Hospital de

    Conde Ferreira).

    Nesta época (década de 40), o número de Enfermeiros Psiquiátricos em Portugal era muito

    reduzido para fazer face às necessidades da época, sendo os horários eram de 60 horas

    semanais. Só em 1959 foi instituída a semana de 48h para o pessoal de Enfermagem. O

    grau de exigência para a frequência do curso de Enfermagem Psiquiátrica era nesta época a

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    escolaridade mínima obrigatória (4ª classe), o país apresentava a mais elevada taxa de

    analfabetismo da Europa (cerca de 30%).

    Estes cursos tinham uma vertente física, onde eram leccionadas disciplinas do curso geral

    de Enfermagem (patologia médica e cirúrgica, anatomia e fisiologia) e uma vertente

    psiquiátrica (Enfermagem psiquiátrica teórica e prática e ainda deontologia).

    A prática era dada ao longo do curso nos serviços do Hospital. Após conclusão estes cursos

    conferiam a categoria de Enfermeiro praticante (extinta em 1950).

    Já nesta época era reconhecida a importância da vocação para trabalhar com doentes

    mentais, para além de qualidades morais e muita abnegação, exigia também uma

    personalidade sadia de modo a poder suster a proximidade permanente com a doença

    mental.

    Valorizava-se a terapia pela ocupação, era a noção de psicoterapia institucional que sempre

    tem estado presente no percurso dos hospitais psiquiátricos, era colocada com muita

    evidência a necessidade da ocupação dos doentes, quer pelo trabalho quer por outras

    actividades.

    O lema era que todo o trabalho que pudesse ser feito pelos doentes, o pessoal de

    Enfermagem o deveria consentir e estimular – aos enfermeiros competia, pois a ocupação

    dos doentes.

    Paralelamente às vertentes “ocupacional e lúdica” os enfermeiros sempre mantiveram na

    sua prática diária as técnicas de Enfermagem nos cuidados e nos tratamentos clássicos, na

    época os mais usados eram:

    Tratamento por choques eléctricos (E.C.)

    Muito aplicado nos Hospitais, requeria dos enfermeiros muita atenção, eles eramresponsáveis pela operacionalidade do aparelho de E.C., pela preparação do doente para

    exame, aplicação do tratamento e prevenção de possíveis complicações, como fracturas e

    luxações, devidas às convulsões.

    Tratamento pelo sono (Sonoterapia)

    Tinha como princípio básico “de que para um doente agitado/inquieto deveria ser bom

    dormir durante bastante tempo”. O tratamento durava mais ou menos dez dias, em que o

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    doente ficava num estado de intoxicação, situação que também exigia dos enfermeiros

    cuidados redobrados. As pneumonias eram frequentes.

    O tratamento com insulina (Insulinoterapia)

    Partia do princípio de que ”demasiada insulina provocava perturbações de consciência”.

    Então era injectada tanta insulina quanto a necessária para produzir um coma insulínico,

    fazendo um por dia, seis dias por semana, durante sete a doze semanas (variável caso a

    caso).

    À Enfermagem eram solicitados os maiores cuidados, pelas complicações que poderiam

    surgir durante o tratamento, sendo mais comum o choque tardio. Todavia os maiores

    cuidados processavam-se durante o tratamento, desde a administração correcta das doses

    de insulina prescrita, até aos cuidados inerentes à situação de um coma previsto:

    Posteriormente a interrupção decorria com recurso à administração de substâncias

    açucaradas ou por via oral através de sonda gástrica ou por via endovenosa, (soro

    glicosado hipertônico).

    Tratamento com Psicofármacos 

    Também os medicamentos eram escassos nos Hospitais. Existiam a classe dos hipnóticos e

    alguns opiáceos (morfina e heroína).

    Nalguns casos eram os célebres “abcessos de fixação” através da injecção de cerca de 10cc

    de água-ráz.

    Só na década 50 (1952), apareceram novos sedativos, Neurolépticos ou Tranquilizantes

    major – Largactil e o Nozinan e mais tarde o Haldol. Posteriormente outros Neurolépticos

    foram aparecendo, revolucionando o tratamento dos doentes mentais, facilitadores da sua

    ressocialização e integração na família e comunidade.

    Em casos de grande agitação psicomotora, recorria-se à utilização de meios de contenção

    física, tais como “coletes” e “camisas-de-forças”, muitas vezes utilizadas como compasso

    de espera do efeito dos medicamentos utilizados.

    Todas as acções eram desenvolvidas com protecção e muita vigilância para que os

    acidentes e até mesmo os suicídios fossem reduzidos.

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    Na década de 50 e início dos anos 60, assistiu-se a um desenvolvimento da industrialização

    e paralelamente, à formação de uma classe proletária mais consciente da sua força e das

    suas necessidades, facto que é agravado pela emigração e guerra no Ultramar.

    É neste período que se inicia a experiência comunitária no Hospital Miguel Bombarda, que

    teve repercussões positivas noutras instituições hospitalares.

    Os movimentos Grupoanalíticos e Psicanalíticos, originaram igualmente uma nova

    mobilização dos Hospitais Psiquiátricos. Consecutivamente, o movimento da Psiquiatria

    Social, tenta estender a todo o País os princípios da Psiquiatria Comunitária e Social que se

    “caracteriza pelo facto de valorizar de forma sistemática a dimensão sociológica na sua

    inter-relação com o psíquico na Psicopatologia individual ou grupal, quer na sua génese

    quer no tipo de intervenção terapêutica. A Psicopatologia é entendida como uma patologia da relação, já não só uma realidade interna intrapsiquica (...) mas também na

    rede relacional imposta pela realidade externa...” (Milheiro, 1987).

    A Psiquiatria Comunitária tem como principal preocupação o bem estar psicológico da

    comunidade e o seu objectivo é permitir que os membros da mesma obtenham a

    quantidade de serviços suficientes para ultrapassar situações de doença mental.

    Nos nossos dias muito melhorou relativamente à assistência proporcionada aos doentesmentais e suas famílias, provavelmente ainda não o suficiente, mas como diz Jaime

    Milheiro (1987), a assistência comunitária aos doentes mentais passou por três fases de

    desenvolvimento que se interligam.

    A primeira fase, consistiu no acompanhamento Psiquiátrico realizado fora do hospital e a

    partir dele num espaço geográfico social e familiar dos doentes mentais, na tentativa de

    resolução de alguns dos seus problemas, que passam muitas vezes por problemas de

    inserção social, por seu turno a segunda fase, consistiu na criação de instituições extra-hospitalares, cuja necessidade se tornou imperiosa pelos novos tipos de patologias que

    passaram a recorrer à Psiquiatria. Do modelo médico passou-se ao modelo Psicossocial.

    Por último, a terceira fase consiste na possibilidade dos técnicos (médicos, assistentes

    sociais e enfermeiros), saírem das instituições para a comunidade em equipas tecnicamente

    preparadas, com o objectivo de tratar e principalmente prevenir ou recuperar.

    O desenvolvimento da saúde mental comunitária e dos modelos assistenciais é muito

    importante para a Psiquiatria, pois afasta-se como já foi referido, do modelo clínico e

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    inspira-se nos modelos da medicina preventiva, nomeadamente nos modelos

    epidemiológicos, cuja preocupação é a aplicação de princípios de higiene mental às

    populações.

    Na década de 80 os modelos assistenciais aos doentes mentais são definidos por quatro

    características fundamentais:

    1-  O seu objecto não é a pessoa considerada isoladamente, mas a comunidade, ou seja, a

    pessoa nos seus ecossistemas.

    2-  O seu objecto de estudo não é a doença, o doente ou as populações doentes, mas as

    condições pessoais e sociais que se opõem ao adoecer, isto é os factores de equilíbrio

    ou, pelo contrário os factores de risco da doença.3-  A saúde mental preventiva considera a pessoa e as populações, nos seus três níveis de

    prevenção – primária, secundária e terciária.

    4-  Consiste, no facto de não se basear apenas no Psiquiatra, enfermeiro ou equipa de

    Saúde Mental, mas igualmente em outras valências médicas e sociais da comunidade,

    como sejam: Centros de Saúde, Escolas, Paróquias, Autarquias Locais, Misericórdias e

    outras Instituições de Solidariedade Social.

    No entanto, no início da década de 90, assiste-se ao desmantelamento da rede assistencial

    na comunidade que levou muitos anos a organizar e construir, pensemos na extinção dos

    Centros de Saúde Mental e a tentativa de ressurgimento dos velhos Hospitais Psiquiátricos,

    representando uma desvalorização ou negação da vertente psicossocial.

    Caldas de Almeida (1989) e Jaime Milheiro (1987) chegam mesmo a afirmar que, em

    Portugal se está a viver uma contra-reforma no campo da Saúde Mental, verificando-se o

    reforço do papel dos Hospitais Psiquiátricos, ao contrário do que há anos se pratica naEuropa, inviabilizando as experiências desenvolvidas no sentido de modernizar a Saúde

    Mental e a assistência a estes doentes.

    Os actuais departamentos de Psiquiatria criados nos Hospitais Gerais, não respondem às

    necessidades das populações, que devem fazer parte de um conjunto diversificado de

    dispositivos que incluem centros comunitários, residências protegidas, unidades de

    reabilitação e reinserção dos doentes mentais na comunidade/sociedade.

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    4 ALGUNS MODELOS TEÓRICOS

    Estes modelos de exercício assumem uma relevância fundamental nas profissões que

    implicam a prestação de serviços a outros, dada a complexidade do ser humano,

    nomeadamente no que concerne às crenças, conhecimentos e formas de intervenção que

    adoptam.

    Um modelo, basicamente, é constituído por: crenças, valores, objectivos, conhecimentos eas técnicas envolvidas (Pearson, 1992). Importa ainda atender a que todos nós, de uma

    forma mais ou menos concreta e consciente, temos um modelo formal de exercício que

    perfilhamos e aplicamos (Pearson, 1992).

    Abre-se a discussão sobre os sistemas de saúde, os profissionais de saúde e o seu papel

    nesses mesmos sistemas, tendo como objectivo compreender como a sociedade actual

    encara a saúde e a doença e que respostas encontramos disponíveis, para melhorar o bem

    estar das pessoas.

    Se ao longo dos tempos, de acordo com a evolução das diferentes ciências, foram variando

    os paradigmas explicativos dos fenómenos, também no que se refere às ciências da saúde

    têm-se verificado algumas alterações.

    Têm-se vindo a desenvolver paradigmas ou modelos para explicar os conceitos de saúde e

    de doença e os profissionais de saúde usam-nos para fundamentar a prestação de cuidados.

    Os modelos de saúde têm evoluído desde a ênfase colocada na superstição, passando pela

    atenção centrada no indivíduo, até à ênfase colocada na globalidade da pessoa

    relativamente ao seu ambiente e aos sistemas socias.

    No entanto, constatamos que ainda predomina um modelo biomédico, associado a

    concepções que reduzem as causas das doenças a modelos de causalidade biológica e

    individual.

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    4.1 O modelo biomédicoEste é sem dúvida o modelo mais antigo, dado emergir no Renascimento, quando se inicia

    a procura de causas naturalistas, nomeadamente de causas físicas para explicar o adoecer

    mental.

    A biomedicina é a expressão máxima do dualismo cartesiano, em que a mente surge

    separada do corpo e em que este é visto como objecto de conhecimento, sujeito às leis

    universais e cujas disfunções têm causas que, quando removidas, permitem o

    restabelecimento do seu equilíbrio – o seu bom funcionamento. Segundo este modelo, a

    doença é explicada meramente como um fenómeno anátomo-fisiológico.

    De acordo com este modelo, a doença resulta de perturbações fisiológicas, causadas por

    imperfeições genéticas, desequilíbrios bioquímicos ou ainda por danos determinados por

    agentes físicos (ex.: radiações) ou agentes biológicos (ex: bactérias).

    As doenças são diagnosticadas, classificadas, tem uma história, um curso e um

    prognóstico. O tratamento assenta essencialmente em substâncias bioquímicas e ou

    intervenções cirúrgicas. Este modelo conseguiu uma boa aceitação nos profissionais de

    saúde, pelo que assume um papel importante na área de Saúde Mental e Psiquiatria.Este modelo leva a especializações e sub-especializações dos diferentes técnicos de saúde,

    conferindo-lhes um prestígio elevado, mas por outro lado implica a perda de uma visão

    holística do Homem. Neste modelo as actividades são distribuídas por tarefas e as

    actividades psicossociais não são distribuídas porque são consideradas menos importantes,

    menos visíveis, pelo que só são objecto de intervenção quando há disponibilidade.

    Porém, nos últimos anos, este modelo foi sendo contestado, por não valorizar as

    componentes psicológica e sociológica das doenças e em alternativa, surgiram perspectivascríticas que sublinham a construção social da Medicina e valorizam a interpretação

    histórica, social e cultural dos fenómenos, pondo em causa o valor absoluto e universal do

    saber médico.

    Em suma, o modelo biomédico centrado numa visão organicista da doença e do

    sofrimento, ignora as determinantes sociais e culturais envolvidas. Os seguidores deste

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    modelo têm, portanto uma atitude redutora, de quem vê a doença, o órgão e desvaloriza a

    tradução subjectiva da doença, com ramificações pessoais, familiares, sociais e culturais.

    4.2 O modelo behavioristaDe acordo com o paradigma comportamental, o comportamento é algo que pode ser

    observado, descrito, recordado e elaborado.

    Os antecedentes e as consequências do comportamento são mais importantes que o

    diagnóstico. O tratamento das perturbações é baseado no conhecimento e aplicação de

    princípios gerais da aprendizagem, sendo estabelecido em conjunto um plano terapêutico.

    Podem ser usados entre outros, técnicas de reforço ou de desincentivação, relaxamento e o

    recurso a drogas. O ambiente físico e social assume um papel activo (Gonçalves, 1990).

    Em Portugal o behaviorismo é ainda muito recente, tendo surgido apenas na década de 70

    (Gonçalves, 1990).

    4.3 O modelo rogerianoEste modelo é centrado na pessoa, pretende ter do Homem uma visão holística e pressupõe

    que todo o indivíduo se encontra inserido num mundo de experiências em permanente

    mudança, valoriza o relacionamento entre o indivíduo e o mundo natural (Rodrigues,

    1993). De acordo com este modelo, as diversas formas de terapia assentam numa procura

    de melhorarem o auto-conhecimento e a capacidade do indivíduo para enfrentar a vida. O

    foco de atenção está centrado nas potencialidades do ser humano.

    A intervenção do profissional de saúde baseia-se essencialmente na interacção com a

    pessoa objecto da sua acção. Trata-se de uma abordagem humanista e voltada para as

    necessidades do doente.

    Toda a assistência de Enfermagem deve ocorrer neste processo interactivo, composto por

    pessoas em acção, variando de acordo com a especificidade de cada acção (Rodrigues,

    1993).

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    4.4 O modelo psicodinâmicoNeste modelo, Freud, fez sugerir e consolidou a ideia de que os traumas causadores de

    perturbação são de natureza libidinal. Descobriu que para interpretar o paciente e resolver a

    sua situação traumática, era necessário levá-lo a regredir até à origem da mesma.

    Este modelo assenta em conhecimento dos sistemas da psique, ou seja, o consciente, o

    inconsciente, o pré-consciente, a sua estrutura (id, ego e super ego), os mecanismos de

    defesa e os instintos ou pulsões (de vida ou Eros e de morte ou Tanatos) (Dewald, 1981).

    Assim o modelo psicodinâmico considera como elementos importantes na estrutura da

    psiquismo os conflitos, as exigências, defesas e uma diversidade de forças mentais que tem

    como função proteger o ego.

    O processo terapêutico é centrado no relacionamento terapeuta – paciente e geralmente é

    profundo e intenso visando descobrir as raízes do conflito inconsciente.

    Este é um modelo no qual o enfermeiro ainda se encontra pouco familiarizado, pois

    raramente encontramos enfermeiros como co-terapeutas, conselheiros ou ego-auxiliares,

    em comunidades terapêuticas, clínicas ou unidades de Psiquiatria (Malan, 1981).

    4.5 O modelo biopsicossocialEste modelo assenta numa visão holística do homem, visto como um todo, uma síntese

    complexa das suas múltiplas dimensões (física, afectiva, cognitiva, comportamental,

    interpessoal, sócio-cultural etc.), que se reflecte nos fenómenos de saúde e doença.

    A saúde e doença são também vistas como processos dinâmicos, em evolução constante, e

    explicados por uma multicausalidade, em que se considera a relevância dos factores

    biológicos, psicológicos e sócio-culturais. O indivíduo é tido como agente dos seus

    próprios estados de saúde e de doença e, consequentemente, como actor nos processos de

    cura, manutenção e recuperação da saúde.

    Diferentes profissionais começam a pautar a sua prática por este novo modelo

    biopsicossocial, em que se tenta explicar o aparecimento da doença por um complexo

    conjunto de factores em que, para além das variáveis biológicas individuais, entram

    igualmente variáveis as sociais e psicológicas.

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    De facto, o ser humano só poderá ser compreendido se encarado como um todo (com as

    suas particularidades, sensibilidade, cultura, modus-vivendi), e não repartido por múltiplas

    especialidades médicas.

    A adopção do paradigma dominante (biomédico), ou do novo paradigma, biopsicossocial,

    tem implicações em variados aspectos, pois se encararmos a saúde numa perspectiva

    globalizante (sinónimo de bem estar e, em última análise de felicidade), seguiremos um

    modelo; se pensarmos em saúde como consumo abundante de exames auxiliares de

    diagnóstico e medicamentos, seguiremos outro.

    A adopção do modelo biopsicossocial pressupõe pois um conhecimento e respeito pela

    cultura das diferentes comunidades, uma ligação profunda entre os profissionais de saúde eos cidadãos. Pressupõe igualmente que a responsabilidade pela doença pertence ao

    cidadão, com vontade própria e responsável pelas suas opções quotidianas.

    Pressupõe ainda, que os profissionais de saúde trabalhem em parceria com variadas

    instituições, em equipas multidisciplinares, numa perspectiva globalizante de saúde,

    contribuindo para a melhoria do bem estar das populações.

    É fundamental analisar a realidade vivida quotidianamente pelas pessoas, com as

    contradições constantes a que está sujeita e que poderá determinar diferentesconsequências no que respeita às suas condições de saúde.

    4.6 O modelo sistémicoNeste modelo considera-se que no processo psicoterapêutico, as pessoas e, sobretudo os

    diversos grupos, podem e devem ser encarados como um sistema, um conjunto integrado

    de elementos em interacção (Bertalanfly, 1973). Esta interacção assenta essencialmente na

    globalidade (estabelece um íntimo relacionamento entre cada uma das partes do sistema),de modo a que a mudança ocorra una e coesa. A retroalimentação também conhecida por

    feedback que recusa a exclusividade das relações causa-efeito (determinismo), bem como o

    facto de os fenómenos não serem devidos a qualquer causa (vitalismo). A equifinalidade

    refere que, num sistema aberto as mesmas causas podem conduzir a resultados diferentes e

    o mesmo resultado podem ser devidos a causas diferentes.

    A essência da intervenção psicoterapêutica reside no facto de o terapeuta, como pessoa que

    vem de fora e entra, ainda que parcialmente, ir ampliar o sistema, criando um novo sistema

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    capaz de gerar uma mudança nas suas próprias regras (Haley, 1987). Este modelo é

    utilizado essencialmente em terapias familiares ou em grupos de idêntica natureza que

    necessitam da intervenção de um psicoterapeuta. Neste modelo consequentemente a

    intervenção do enfermeiro será como psicoterapeuta.

    4.7 Modelo de promoção da saúdeA evolução das ciências médicas vêm pondo cada vez mais a tónica nos aspectos de

    prevenção da doença e promoção da saúde, em desfavor dos aspectos puramente curativos.

    Neste sentido o modelo biomédico, ainda dominante, poderá condicionar as próprias

    relações dos técnicos de saúde com os doentes, e até mesmo condicionar os próprios

    processos de prevenção, promoção e cura das doenças.

    Segundo este modelo, a promoção da saúde é definida por actividades voltadas ao

    desenvolvimento de recursos que mantenham ou intensifiquem o bem-estar da pessoa.

    O modelo de promoção da saúde constrói-se a partir do modelo de crença na saúde e a

    terapia social cognitiva, de modo a explicar as mudanças de comportamento com vista a

    promoção da saúde. Este modelo ajuda a prever a possibilidade de um indivíduo se

    envolver em comportamentos promotores da saúde.

    4.8 Modelo de crenças de saúde

    Este modelo é baseado nas teorias da Psicologia Social, que assentam no princípio de o

    comportamento ser determinado por um valor subjectivo vinculado a um resultado, e à

    probabilidade percebida pelo sujeito de que certas acções desencadearão esse resultado.

    O modelo supracitado postula, que a prontidão do sujeito para realizar uma acção de saúde

    é principalmente determinada por quatro factores:

    1. 

    Vulnerabilidade percebida à doença.2.  A gravidade percebida da doença.

    3.  Os benefícios, percebidos da acção de saúde.

    4.  As barreiras percebidas ao desenvolver a acção.

    Assim, se o sujeito se percepcionar como potencialmente vulnerável à doença e se

    considerar a doença com algum grau de gravidade, perceberá os benefícios de uma acção

    de saúde, e verá poucas dificuldades ou barreiras no seguimento do regime terapêutico, no

    desenvolvimento da acção de saúde.

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    As crenças de saúde são determinantes para levar a cabo acções de saúde, sendo muitas

    vezes condicionantes à adesão dos tratamentos e indicadoras da previsão de escolha de um

    determinado regime terapêutico. Isto é particularmente importante quando se pensa nas

    várias alternativas de procura de cuidados para debelar situações de doença – procurar o

    médico, a bruxa, o curandeiro ou porque não todos.

    Daqui se infere a importância da acção dos profissionais de saúde na modificação de

    determinados comportamentos e/ou atitudes eventualmente prejudiciais para a saúde dos

    indivíduos e noutros casos o respeito pela preservação das culturas locais, cujos

    conhecimentos acerca da saúde, foram sendo adquiridos de forma empírica ao longo de

    gerações.

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    5 PRÁTICAS DOS ENFERMEIROS – CIPE

    A Enfermagem em Saúde Mental e Psiquiátrica assenta num processo interpessoal, no qual

    o enfermeiro assiste1  o indivíduo com o objectivo de promover a Saúde Mental,

    prevenindo a Doença Mental, auxiliando no processo de tratamento e reabilitação daqueles

    que enfrentam experiências de alterações de saúde do foro psíquico.

    Nesta, como em outras áreas de intervenção, é importante ter em consideração que boaspráticas de Enfermagem, significam coisas diferentes para diferentes pessoas, pelo facto da

    unidade de observação de centrar no indivíduo, grupo, família e/ou comunidade. Todos os

    sujeitos são detentores de uma história de vida arquitectada em determinados valores,

    crenças, culturas, projectos individuais, etc.

    A relação interpessoal promovida no exercício da Enfermagem deve orientar-se pelo

    respeito pela pessoa e pelas suas capacidades. Esta relação deve constituir um processodinâmico, de modo a contribuir para ajudar o outro (enfermo) a concretizar o seu projecto

    de saúde, no qual se devem envolver as pessoas significativas para este como a família, os

    amigos, ou outros.

    Assim, a prática dos enfermeiros em serviços de Saúde Mental e/ou Psiquiatria assenta no

    resultado da intersecção de vários contextos, sendo os principais o do sujeito

    (representações, idade, valores, instrução, etc.), o profissional (formação académica,

    experiência, grau de satisfação, etc.) e o contexto organizacional (modelos organizacionais,delegação de competências, infra-estruturas, incentivos, etc.) (Rebelo, 1996).

    No domínio do desempenho profissional dos enfermeiros, surgem essencialmente dois

    tipos de intervenções, as intervenções autónomas e as intervenções interdependentes, sendo

    1  Assiste – significa auxiliar o indivíduo a enfrentar situações de “stresse” ou a manipular experiências de

    doença, ministra intervenções de Enfermagem quando a pessoa se encontra total ou parcialmente

    incapacitada para o fazer, estimulando a utilização de aspectos sadios na personalidade, orienta esupervisiona a execução de terapias e efectua o encaminhamento para outros profissionais.

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    que as autónomas são auto-iniciadas pelos enfermeiros e as interdependentes iniciadas por

    outros técnicos, nas quais os enfermeiros se responsabilizam pela sua implementação

    (prescrições médicas, por exemplo).

    As intervenções autónomas devem ser prescritas com base numa abordagem holística do

    indivíduo ou grupo e devem ser orientadas para detectarem problemas precocemente (reais

    ou potenciais), resolver ou minimizar os problemas identificados e evitar os riscos

    acessórios. Neste sentido pretende-se que os cuidados de Enfermagem possibilitem às

    pessoas a aquisição de experiências de saúde (indivíduo/grupo), promotoras de saúde

    (Addam, 1994).

    Vários modelos conceptuais de Enfermagem (ICN, 1961; Watson, 1985; Roper et al, 1993)enfatizam a acção dos enfermeiros, centrada nas actividades de vida das pessoas.

    Existem as classificações dos diagnósticos de Enfermagem (Nanda, 1994) e de

    intervenções de Enfermagem (NIC), largamente testadas nos E.U.A e já relacionadas com

    a classificação de resultados sensíveis aos cuidados de Enfermagem (NOC), ambas

    inseridas no Iowa Intervention Project (1993). Posteriormente surgiu a primeira versão da

    classificação para a prática da Enfermagem (ICN, 1996).

    Actualmente existe uma congregação de esforços, nomeadamente do Conselho

    Internacional dos Enfermeiros para o desenvolvimento de uma linguagem comum e uma

    classificação da prática de Enfermagem. Está em curso um projecto da União Européia pra

    desenvolver a CIPE, estando a ser testados os fenómenos de Enfermagem e as intervenções

    de Enfermagem, aos quais se vão seguir os resultados sensíveis aos cuidados de

    Enfermagem (Telenurse, 1996).

    A classificação da prática de Enfermagem permite tomar decisões sobre os dados mínimosa registar, o que facilita a utilização dos sistemas de informação e as interpretações que

    ajudam a desenvolver as Ciências de Enfermagem, que por sua vez tem por finalidade

    compreender e melhorar as práticas de Enfermagem.

    A CIPE, Versãoß2  (2002) organiza-se tendo por base os fenómenos de Enfermagem,

    definindo este como “…aspecto de saúde com relevância para a prática de Enfermagem”,

    de acordo com o esquema que se segue,

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    (CIPE, Versãoß2, 2002) 

    Os fenómenos de Enfermagem que influenciam o estado de saúde e nos quais os

    enfermeiros centram a sua atenção são: o ser humano e o ambiente.O ser humano pode constituir-se como alvo dos cuidados de Enfermagem individualmente

    ou em grupo. Se for individualmente pode ser sub-dividido em funções (fisiológicas e

    psicológicas) e a pessoa (razão para a acção e acção).

    O grupo integra a família e a comunidade, como se pode verificar no esquema anterior

    (CIPE, Versãoß2, 2002).

    FENÓMENOS DE ENFERMAGEM PERTENCENTES AO SER HUMANO 

    Indivíduo Grupo

    RespiraçãoCirculaçãoTemperaturaNutriçãoDigestãoMetabolismoVol. LíquidosSecreçãoEliminaçãoTegumentosReparaçãoActv. MotoraSensaçãoS. ImunitárioReprodução

    Desen. Físico

    Fun ão Pessoa

    Razão para a acção Ac ão

    Auto-conhecimento 

    Auto-conceito 

    Bem estarCogniçãoAprendizagemMemória

    EmoçãoForça de VontadeTomada de decisãoAdaptaçãoEnergiaCrença

    Auto-Consciência

    Auto-estima

    ImagemCorporal

    Identidadepessoal

    Realizada pelopróprio

    Interde-pendente 

    Autocuidado

    CuidadoDoméstico

    Estilos devida

    InteracçãoSocial

    Interacção de

    Papéis

    PrestarCuidados

    Família Comunidade 

    Processo familiarComposição familiarDimensão familiar

    ProcessoComunitárioComposição daComunidade

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    O ambiente é alvo dos cuidados de Enfermagem como natureza (ambiente físico e

    ambiente biológico) e como ambiente artificial (ICN, 1996), de acordo com a figura que se

    segue:

    (CIPE, Versãoß2, 2002)

    As práticas dos enfermeiros podem ser analisadas de várias formas. A partir das descrições

    feitas pelos enfermeiros, identificando os conceitos e os processos de decisão, através do

    vocabulário utilizado e da sua classificação, através da descrição feita pelos utentes,

    através da observação (directa/indirecta) sistemática das acções dos enfermeiros ou através

    da análise de competências e saberes dos enfermeiros.

    Neste manual opta-se por descrever as práticas, dando enfoque ao que fazer e ao como

    fazer, de acordo com a avaliação que o enfermeiro faz de determina situação problema,através da sua observação (directa e/ou indirecta), sistematizando as suas intervenções,

    tendo por base as acções de Enfermagem enunciadas na CIPE de acordo com o esquema

    que se segue:

    FENÓMENOS DE ENFERMAGEM PERTENCENTES AO AMBIENTE 

    Natureza Artificial

    Ambiente físico

    Ambiente biológico

    Infra-estrutura

    Desenvolvimento territorial

    Sistema de abastecimento

    Prestação de serviços

    Normas e atitudes

    Regime político

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    (CIPE, Versãoß2, 2002).

    ACÇÕES DE ENFERMAGEM

    OBSERVAR GERIR EXECUTAR ATENDER INFORMAR

    IDENTIFICAR

    Realçar

    Definir o perfil

    DIAGNOSTICAR

    Examinar

    Auscultar

    Palpar

    PercutirRastrear

    Testar

    Analisar

    Validar

    Verificar

    Medir

    Pesar

    Calcular

    VIGIAR

    Monitorizar

    InspeccionarSupervisionar

    AVALIAR

    Interpretar

    Outras

    ORGANIZAR

    Coordenar

    Planear

    Priorizar

    Triar

    Calendarizar

    Ordenar

    RequererReferir

    Controlar

    Regular

    Alterar

    Iniciar

    Aumentar

    Diminuir

    Interromper

    Desmamar

    Suprimir

    ManterEstabilizar

    Optimizar

    Limitar

    Restringir

    Restringir áreas

    Imobilizar

    Isolar

    Limitar

    Permitir

    DISTRIBUIR

    Administrar

    Aplicar/Dar

    Providenciar

    Oferecer

    COLIGIR

    Outras 

    LIMPARLavarEnxaguarIrrigarPurificarDesinfectarEsterilizarEsfregarEnsaboarSuccionarAspirarEscorrerARRANJAREscovar /PentearDAR BANHOEnsaboarCOBRIRAgasalhar/VestirEnvolverALIMENTARPOSICIONARElevar/BaixarVirarTransferirMANIPULARMassajar/FriccionarExtrair o leite

    ComprimirMOBILIZARESTIMULARDesfribilharCORTARBarbearIncisionarSUTURARCLAMPARVENTILARPREPARARPREENCHERHiperpreencherINSERIRInjectar/PuncionarCateterizar

    IntubarInstilarINSTALARAprontarPôr sobre / emREMOVERDrenarDescartarOutras

    ASSISTIR

    Facilitar

    Apoiar

    Encorajar

    Reforçar

    Advogar

    Promover

    InduzirMotivar

    Aperfeiçoar

    Dar poder

    TRATAR

    Aliviar

    Atenuar

    Restaurar

    Ressuscitar

    Reabilitar

    PREVENIR

    ProtegerEvitar

    RELACIONAR

    Comunicar

    Escutar

    Estabelecer relação

    Disponibilizar

    Colaborar

    Contratar

    Negociar

    Tolerância cultural

    Elogiar

    Confortar

    Tocar

    Segurar a mão

    Abraçar

    Outras

    ENSINAR

    Instruir

    Treinar

    Treino autogénico

    Educar

    ORIENTAR

    Orientar

    AntecipadamenteAvisar

    Aconselhar

    DESCREVER

    Registar

    Documentar

    ENTREVISTAR

    EXPLICAR

    Outras

  • 8/18/2019 Livro_ Introdução à Prática Clínica - Do Diagnóstico à Intervenção Em Saúde Mental

    39/224

    ® Sequeira, Carlos. 2006. Introdução à Prática Clínica. Coimbra: Quarteto Editora.  __________________________________________________________________________________________________

    41

    II PARTE

    Focos de Atenção Para a Prática de

    Enfermagem

  • 8/18/2019 Livro_ Introdução à Prática Clínica - Do Diagnóstico à Intervenção Em Saúde Mental

    40/224

    ® Sequeira, Carlos. 2006. Introdução à Prática Clínica. Coimbra: Quarteto Editora.  __________________________________________________________________________________________________

    42

    1 Ansiedade

    A ansiedade é uma experiência emocional, que varia de intensidade, desde a inquietação

    ligeira ao terror intenso, sempre associado à previsão de situações de tensão futuras ou

    iminentes. Esta experiência, avaliada pelas reacções a situações geradoras de tensão

    baseia-se, essencialmente, nas avaliações e interpretações do indivíduo, condicionado por

    factores de ordem endógena