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O Mágico de Oz L. Frank Baum Tradução e adaptação de Celso Luiz Amorim

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O Magico de Oz - L. Frank Baum

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O Mágico de Oz

L. Frank Baum

Tradução e adaptação de

Celso Luiz Amorim

Apresentação

“O mágico de Oz”, que você vai ler agora, é o tipo de livro que nós chamamos de

"clássico".

Você sabe o que é um clássico?

Nas artes, chamamos clássica uma obra que está entre as melhores já feitas no

teatro, no cinema, na literatura e assim por diante. Para ser clássica, a obra precisa ser

admirada por várias gerações através dos tempos, e cada leitor faz novas leituras dela e

encontra novos significados.

É aquela história que as avós e as mães contam, e assim vai passando de

geração em geração...

“O mágico de Oz” é uma das histórias mais bonitas que você terá oportunidade

de ler. Virou um lindíssimo filme com uma música maravilhosa — "Over the Rainbow"

(Além do arco-íris) —, e foi apresentada no teatro inúmeras vezes.

Ao mesmo tempo em que está cheia de cenas divertidas e muita aventura, a

história possui momentos emocionantes, quando torcemos para que os personagens

principais consigam se livrar dos perigos e dos sustos de uma longa viagem.

Para onde estão indo? O que estão procurando?

Convidamos você a acompanhar Dorothy na incrível viagem que tem início em

Kansas, cidade dos Estados Unidos, e vai até o surpreendente país de Oz, descobrindo,

com os novos e queridos amigos, seus companheiros de jornada, as mais importantes

coisas da vida.

Os Editores

Sumário Geral

Conhecendo o escritor

1 — O ciclone

2 — O diálogo com os Comilões

3 — Como Dorothy salvou um Espantalho

4 — A caminhada pela floresta

5 — O salvamento do Lenhador de Lata

6 — O Leão Covarde

7 — A caminho da Cidade das Esmeraldas

8 — O campo mortal de papoulas

9 — A rainha dos ratos campestres

10 — O guarda do portão

11 — A maravilhosa Cidade das Esmeraldas

12 — Em busca da Fada Perversa

13 — O salvamento

14 — Os Macacos Alados

15 — Oz, o Terrível

16 — A magia do grande embusteiro

17 — Como o balão foi lançado aos ares

18 — A caminho do Sul

19 — As árvores lutadoras

20 — O gracioso País de Porcelana

21 — O leão torna-se o Rei dos Animais

22 — No país do Sul

23 — Glinda agracia Dorothy

24 — Enfim em casa

Falando de clássicos

Minha história Inesquecível

Conhecendo o escritor

Lyman Frank Baum, autor americano, nasceu em Chittenango, Nova York, em

1856. Seu primeiro livro para crianças — “Rimas de mamãe gansa” — foi publicado em

1897.

A obra “Papai Ganso” vendeu 175 mil cópias em 1899, e foi seu primeiro livro

ilustrado por W. W. Denslow.

“O mágico de Oz”, seu maior sucesso, escrito quando o autor estava com 44

anos, também foi ilustrado por Denslow. No ano de sua publicação foram vendidos

imediatamente dez mil exemplares, e em dois anos, 90 mil cópias foram produzidas.

Adaptado para o teatro no ano seguinte — 1901 —, foi encenado em Chicago.

Com o sucesso alcançado por seus livros, Baum dedicou-se exclusivamente à

carreira de escritor. Oz passou a ser um lugar mágico, e o autor produziu outras treze

obras ali situadas. Após a sua morte, seu editor publicou cerca de 40 obras de outros

autores, também passadas em Oz.

Clássico da literatura infantil e juvenil norte-americana, as histórias de Oz ficaram

famosas em todo o mundo, com traduções para o russo, o hebreu, o polonês e muitos

outros idiomas.

Ao sucesso da produção de “O mágico de Oz” na Broadway, em 1903,

sucederam-se dois filmes pouco conhecidos.

Lyman Frank Baum faleceu em 1919 e, vinte anos depois de sua morte, seu livro

foi adaptado para a tela, em Hollywood. Em 1939, a versão mais famosa da obra — o

musical que faz sucesso até hoje — teve a atriz Judy Garland vivendo no cinema a

menina Dorothy. Com o filme, a obra ganhou nova projeção, sendo mundialmente

aplaudida.

1 — O Ciclone

Dorothy vivia numa casinha no coração das grandes pradarias do Kansas com tio

Henry e tia Ema. Quatro paredes, um assoalho e um telhado formavam o único

compartimento da casa. Um fogão enferrujado, um guarda-louça, uma mesa, três ou

quatro cadeiras e duas camas compunham a mobília do pequeno quarto. Não havia sótão

nem porão, a não ser um pequeno buraco, cavado no chão e apelidado de porão

anticiclones, onde a família ficava bem protegida em caso de furacões muito violentos.

Chegava-se até ele por uma escada que descia de um alçapão localizado no meio do

quarto.

Em volta da casa, estendia-se a imensa pradaria cor de cinza.

Nenhuma árvore, nenhuma casa... Apenas a planície a roçar o céu em toda a

parte. Os raios do sol tinham feito daquelas terras uma grande massa cinzenta. Até

mesmo a relva não era mais verde. O sol torrara as extremidades das suas hastes,

tornando-a cinzenta como tudo o mais. A casinha de Dorothy fora pintada algum dia, mas

os raios do sol e a chuva se encarregaram de acinzentá-la devidamente.

Quando tia Ema chegara ali, era jovem e bonita. O sol e o vento transformaram-

na, porém. Roubaram o brilho dos seus olhos, o rubor dos seus lábios e das maçãs do

seu rosto. Agora era magra e descarnada, e não esboçava sequer um sorriso. Quando

Dorothy, que era órfã, chegou a sua casa, deixou tia Ema muito espantada com seu riso

constante.

Tio Henry não ria nunca. Trabalhava de manhã à noite. Era muito sério e

circunspecto, e ignorava o que fosse a alegria.

Era Totó quem fazia Dorothy rir e a preservava de tornar-se cinzenta como tudo o

que a cercava. Totó não era cinzento; era um cãozinho preto, de pêlo longo e sedoso, e

pequeninos olhos negros a brilharem acima do focinho. Totó brincava o dia inteiro com

Dorothy e ela lhe queria muito bem.

Hoje, entretanto, não brincavam. Tio Henry, sentado na soleira da porta, olhava

para o céu, ainda mais cinzento que nos outros dias.

Dorothy segurava Totó no colo e também olhava para o céu. Tia Ema lavava os

pratos.

Fez-se ouvir, ao norte, um gemido longínquo de ventania. Tio Henry e Dorothy

puderam ver o capim ondular-se antes da tempestade desabar.

Do sul veio um assobio agudo e, ao se voltarem para aquele lado, viram ondas

de capim vindas na direção da casa.

— Vem aí um ciclone, Ema! — gritou tio Henry para a mulher, levantando-se. —

Vou cuidar do gado.

Tia Ema abandonou sua ocupação e veio até a porta. Um olhar foi o bastante

para que constatasse o perigo próximo.

— Depressa, Dorothy! — gritou. — Para o porão.

Totó saltou dos braços da menina e escondeu-se debaixo da cama.

Enquanto Dorothy tentava agarrar o cãozinho, tia Ema abriu o alçapão e desceu

assustada para o porão.

Finalmente, Dorothy conseguiu alcançar Totó, e pôs-se a seguir a tia. Estava no

meio do quarto, quando um terrível uivo do vento se fez ouvir. A casa tremeu tanto que a

menina perdeu o equilíbrio e caiu sentada no chão.

Nesse momento, sucedeu algo de muito estranho.

A casa rodopiou três vezes e ergueu-se lentamente nos ares. Dorothy sentiu-se

como se estivesse num balão.

Os ventos norte e sul fizeram da casa o centro do ciclone. A pressão exercida por

todos os lados elevou-a até o alto do ciclone. E foi carregada por milhas e milhas como se

fosse uma pluma.

Totó é que não estava gostando da coisa. Corria em volta do quarto, latindo alto.

Dorothy, no entanto, limitou-se a sentar e esperar pelo que aconteceria.

Certa vez, Totó chegou muito perto do alçapão e caiu. A princípio a menina julgou

tê-lo perdido para sempre, mas logo notou que uma de suas orelhinhas se esticava

através da abertura. A forte pressão do ciclone mantivera-o suspenso no ar. Ela

engatinhou até o alçapão, agarrou o cachorrinho pela orelha e puxou-o para o quarto

novamente, fechando a portinhola para evitar novos acidentes.

Passaram-se muitas horas, e aos poucos Dorothy começou a sentir-se sozinha.

O vento gemia tão alto à sua volta que ela quase ensurdeceu.

Inicialmente ela quisera saber o que seria feito dela quando a casa caísse, mas

como as horas se passavam sem que nada de terrível acontecesse, ela deixou de

preocupar-se e resolveu esperar com calma e ver o que o futuro traria. Afinal arrastou-se

até a cama e deitou-se. Totó foi ter com ela e logo adormeceram.

2 — O diálogo com os Comilões

Dorothy foi despertada por um choque tão brusco que, não fora a maciez de sua

cama, provavelmente se teria machucado.

Uma vez acordada, Dorothy perguntou a si mesma o que havia acontecido.

Sentou-se e notou que a casa estava imóvel e o sol entrava pela janela, iluminando o

quarto. Saltou da cama e, com Totó aos seus pés, abriu a porta.

Um grito de deslumbramento escapou-lhe diante da paisagem maravilhosa.

O ciclone pousara a casinha num lugar magnífico. Árvores majestosas,

carregadas de frutos; flores suntuosas e pássaros de lindas plumagens, cantando aqui e

ali, formavam um conjunto de estonteante beleza com a relva verdejante.

Um pouco além corria um riacho de voz doce e suave, sussurrando para a

menina que, durante tanto tempo, vivera nas planícies áridas e cinzentas do Kansas.

Daí a pouco Dorothy notou que um grupo de pessoas estranhas, duma espécie

que jamais vira, se dirigia para ela. Não eram tão altos quanto a gente grande que ela

conhecia, nem eram pequenos demais. Na realidade eram mais ou menos da sua altura,

se bem que parecessem muito mais velhos.

Eram três homens e uma mulher, todos vestidos de forma esquisita.

Usavam chapéus que terminavam em bico, em cujas abas guizos dependurados

tilintavam ao menor movimento. Os homens se vestiam todos de azul e deviam ter

aproximadamente a idade do tio Henry. A mulher, entretanto, parecia muito mais velha.

Seu rosto era enrugado e o cabelo, grisalho. Vestia, por sua vez, uma espécie de túnica

branca, repleta de estrelinhas reluzentes que brilhavam ao sol.

Quando já estavam perto da menina, detiveram-se e cochicharam entre si, como

se temessem chegar mais perto. Entretanto, a velhinha chegou até Dorothy, fez uma

reverência e disse-lhe com uma voz doce:

— Bem-vinda seja à terra dos Comilões, nobilíssima feiticeira.

Estamos muito gratos por ter matado a Perversa Fada do Leste e libertado nosso

povo da escravidão.

Dorothy ouviu atônita esse discurso. O que seria que a mulherzinha queria dizer

ao chamá-la de feiticeira e ao afirmar que ela matara a Perversa Fada do Leste?

A outra, entretanto, estava evidentemente esperando por uma resposta, e

Dorothy falou com hesitação:

— A senhora é muito gentil, mas deve haver algum engano. Eu não matei

ninguém.

— Se não foi você, foi sua casa; o que dá no mesmo — respondeu a velha. —

Olhe! Há dois pés aparecendo por baixo daquela viga!

Dorothy olhou e soltou um grito de pavor. Realmente, dois pés calçados em

sapatinhos prateados se insinuavam através da viga que sustentava a casa.

— Quem era ela? — perguntou Dorothy muito aflita.

— A Perversa Fada do Leste, como eu já lhe disse — respondeu a mulher. — Ela

dominou por muitos anos os Comilões. Agora eles estão livres e lhe agradecem pelo

favor.

— E quem são os Comilões?

— Os habitantes desta terra.

— A senhora também é uma comilona?

— Não — respondeu a velhinha —, mas sou amiga deles. Assim que soube que

a Fada do Leste morrera, vim correndo para cá. Sou a Fada do Norte.

— Que bonito! A senhora é uma fada verdadeira?

— Sim. Mas sou uma boa fada e o povo me quer bem. Não tão poderosa quanto

a Fada Perversa que dominava este lugar, é verdade... Havia quatro fadas ao todo na

Terra de Oz — continuou a mulher. — Duas delas, a do Norte e a do Sul, são boas; as

que viviam no Leste e no Oeste eram fadas perversas; mas agora que você matou uma

delas, há apenas uma fada perversa em toda a Terra de Oz: a Fada do Oeste.

— Engraçado – comentou Dorothy, depois de ter pensado um instante —, tia

Ema sempre me disse que todas as fadas tinham morrido há muito tempo.

— Quem é tia Ema? — perguntou a velhinha.

— É minha tia, que mora no Kansas, o lugar de onde vim.

— Não sei onde fica o Kansas nem nunca ouvi falar desse lugar antes. Mas diga-

me: é um lugar civilizado?

— É sim!

— Então é por isso. Nos lugares civilizados não há mais fadas, nem feiticeiros,

nem bruxas, nem mágicos. Mas a Terra de Oz está apartada de toda civilização. Portanto,

aqui ainda há fadas e mágicos. O mais poderoso de todos é o Mágico de Oz, que vive na

Cidade das Esmeraldas. É mais poderoso que todos os outros reunidos.

Dorothy ia fazer uma pergunta, mas os Comilões, que ficaram todo o tempo

calados, deram um grito e apontaram para o canto da casa, onde a Fada Perversa

estivera estendida. Os pés da Fada tinham desaparecido e tudo o que ficara eram os

seus sapatos prateados.

— Era tão velha — explicou a Fada do Norte — que se evaporou rapidamente ao

sol. Os sapatos agora são seus, minha pequena. A fada se orgulhava muito deles.

— Dizem que eles possuem algum poder secreto — comentou um dos Comilões

—, mas ninguém sabe qual seja.

Dorothy levou os sapatos para dentro de casa e colocou-os sobre a mesa.

Depois voltou a sair e perguntou aos Comilões:

— Eu quero voltar para junto dos meus tios. Será que vocês podem me ajudar a

encontrar o caminho?

Os Comilões balançaram negativamente a cabeça e um deles disse:

— A leste, não longe daqui, há um grande deserto que ninguém ousaria

atravessar.

— A mesma coisa no sul — disse outro.

— Ao norte fica minha terra — disse a Fada —, e além dela, o mesmo deserto. A

oeste fica a terra dos Pisca-piscas, que são dominados pela Fada Perversa; se você

passasse por lá certamente seria feita sua escrava. Receio, minha querida, que você

tenha que se conformar em viver conosco.

Dorothy começou a soluçar; a pobrezinha sentia-se tão só no meio daquela gente

estranha...

Suas lágrimas comoveram os bondosos Comilões e eles se puseram a chorar

imediatamente. Quanto à velhinha, colocou a ponta do chapéu no nariz e começou a

andar de um lado para o outro enquanto cantava pausadamente. Subitamente o chapéu

transformou-se numa lousa, onde estava escrito em letras brancas:

“Faça com que Dorothy Vá à Cidade das Esmeraldas”

A velhinha retirou a lousa do nariz e, lendo o que estava escrito, perguntou:

— O seu nome é Dorothy, minha filha?

— É sim — respondeu a menina, enxugando as lágrimas.

— Então é preciso que você vá à Cidade das Esmeraldas. Talvez Oz lhe ajude.

— Ele é um homem bom? — perguntou a menina.

— É um bom mágico. Se é um bom homem, eu não sei, pois jamais o vi.

— E como posso chegar até lá?

— Você tem que andar. É uma grande caminhada através de uma região cheia

de surpresas e perigos.

— E a senhora não pode vir comigo? — pediu a menina, que já se afeiçoara à

velhinha.

— Isso eu não posso — respondeu a fada. — Mas eu a abençoarei e ninguém se

atreverá a lhe fazer mal.

A fada beijou carinhosamente a testa da menina, deixando uma marca redonda e

brilhante, como a menina constatou mais tarde.

— A estrada que conduz à Cidade das Esmeraldas é coberta de tijolos amarelos,

de modo que você não pode enganar-se. Se chegar a ver Oz, não tenha medo dele.

Conte-lhe toda a sua história e peça-lhe auxílio. Adeus, querida.

Os três Comilões fizeram-lhe uma reverência, desejaram-lhe boa viagem e

partiram. A fada acenou com a cabeça, rodopiou três vezes o pé esquerdo e desapareceu.

Ao ver que a fada tinha sumido, Totó ficou muito surpreso, mas logo se pôs a

latir, pois estivera quieto todo aquele tempo.

Dorothy, que sabia que ela era uma fada, não se espantou nem um pouquinho.

3 — Como Dorothy salvou um Espantalho

Ao ficar só, Dorothy sentiu fome. Foi ao guarda-louça, cortou uma fatia de pão

para si e outra para o Totó.

Depois que tinham comido, Dorothy saiu e foi encher um balde com a água do

riacho. Totó, por sua vez, pôs-se a latir, perseguindo os pássaros. Dorothy colheu alguns

frutos para completar a merenda e os dois voltaram para casa.

A menina bebeu uma porção da água pura e refrescante, deu um pouco ao

cachorrinho e em seguida começou afazer os preparativos para a próxima viagem.

Dorothy possuía tão-somente um outro vestido, mas, por sorte, ele estava limpo.

Era um vestido xadrez, azul e branco, feito de algodão resistente; embora o azul já

estivesse um pouco desbotado, ainda era bonito.

Vestiu-se cuidadosamente, colocando um chapeuzinho cor-de-rosa na cabeça.

Em seguida, pegou uma cestinha e encheu-a de pão, cobrindo-a com um pano branco.

Já estava tudo pronto para a partida quando a menina notou que seus sapatos

estavam velhos e batidos. Lembrou-se então dos sapatinhos prateados que tinham

pertencido à Fada do Leste. Calçou-os e verificou que lhe ficavam tão bem como se

tivessem sido encomendados para ela.

— Vamos, Totó — disse, enquanto segurava a cesta. — Vamos à Cidade das

Esmeraldas e pedir ao Grande Oz que nos ensine o caminho de volta para o Kansas.

Trancou a porta e colocou cuidadosamente a chave no bolso do vestido. E assim,

com Totó a trotar sobriamente atrás da menina, partiram para a longa caminhada.

Havia várias estradas por perto, mas não foi difícil encontrar a que era calçada

com tijolos amarelos. Em pouco tempo Dorothy estava caminhando em direção à Cidade

das Esmeraldas, com seus sapatos a tamborilar sobre o leito amarelo da estrada. O sol

brilhava radiante, e os pássaros cantavam docemente.

Dorothy não se sentia absolutamente como vocês devem supor que uma

meninazinha, de uma hora para outra separada de casa, deveria sentir-se em uma terra

estranha.

A menina surpreendia-se ao ver a beleza que a cercava. De ambos os lados

erguiam-se cercas, pintadas com um lindo tom de azul, além das quais se estendiam

grandes plantações. Evidentemente os Comilões eram ótimos fazendeiros, capazes de

obter grandes colheitas. Vez por outra passava por uma casinha e o pessoal saía para vê-

la e cumprimentá-la.

Todos já sabiam que ela tinha sido a libertadora, embora involuntária, do seu

povo. As habitações dos Comilões eram bastante originais, todas elas redondas, com uma

cúpula a servir-lhes de telhado; todas azuis, já que o azul parecia ser a cor predileta

desse povo.

Ao cair da noite, quando a menina, já fatigada de tanto andar, pensava num

cantinho para dormir, avistou uma casa bem maior do que as outras. Em frente da casa

muitos homens e mulheres dançavam. Cinco violinistas tocavam o mais alto possível e

outros riam e cantavam, próximos a uma mesa cheia de guloseimas.

O dono da casa saudou-a gentilmente e convidou-a para passar a noite ali. Era

um dos mais ricos Comilões, e tinha reunido seus amigos para comemorar a liberdade

recém-conseguida.

Dorothy foi logo servida, pelo dono da casa, de todas as iguarias, depois do que

se sentou e ficou espiando os outros dançarem.

O dono da casa, ao ver que ela calçava sapatos prateados, disse-lhe:

— Você deve ser uma grande feiticeira.

— Por quê? — indagou a menina, curiosa.

— Porque você usa sapatos prateados e matou uma fada perversa. Além disso,

você usa o branco no vestido, e somente fadas e feiticeiras se vestem de branco.

— Meu vestido é azul com quadrados brancos — contestou a menina.

— O que é muito gentil de sua parte — disse Boq, já que este era seu nome. —

O azul é a cor predileta dos Comilões, logo você é uma feiticeira nossa amiga.

Dorothy não encontrou resposta e calou-se.

Quando a menina se cansou de contemplar a dança, Boq conduziu-a ao quarto

onde deveria dormir.

Na manhã seguinte, depois de uma lauta refeição, a menina preparou-se para a

partida.

— A que distância fica mais ou menos a Cidade das Esmeraldas? — perguntou.

— Não sei exatamente — respondeu Boq —, mas é bastante longe. Suponho

que lhe serão necessários vários dias. É preciso atravessar regiões ásperas e perigosas

antes do fim do caminho.

Despediu-se dos amigos e prosseguiu sua caminhada, um tanto preocupada com

o que Boq lhe tinha dito.

Depois de ter percorrido muitos quilômetros, Dorothy cansou-se e resolveu

sentar-se sobre a cerca que ladeava a estrada.

Do outro lado, um Espantalho, preso ao alto de uma vara, chamou a atenção da

menina, que ficou a contemplá-lo pensativa. Um saco, provavelmente forrado de palha,

servia-lhe de cabeça e riscos coloridos representavam-lhe as feições. Sua indumentária

compunha-se de um terno, igualmente forrado de palha, um par de botinas e um chapéu

bicudo. Todo azul, segundo o gosto do lugar.

Subitamente pareceu a Dorothy que a estranha criatura piscara para ela. A

princípio julgou que se enganara, mas logo teve a comprovação em contrário, ao vê-lo

inclinar a cabeça.

Dorothy desceu da cerca e dirigiu-se até o lugar onde ele estava preso, enquanto

Totó se punha a latir.

— Bom-dia — disse o Espantalho com uma voz rouca.

— Será que você falou? — indagou a menina meio incrédula.

— Mas certamente — respondeu o Espantalho. — Como vai você?

— Muito bem, obrigada. E você, como vai?

— Eu não me sinto nada bem. Não é nada divertido passar dias e noites preso a

uma árvore a enxotar aves daninhas.

— Você não pode descer?

— Não. Isto é: a não ser que você me desprenda dessa vara.

Dorothy conseguiu retirar a estranha criatura com facilidade pois, como era feito

de palha, não pesava muito.

— Muito obrigado! — disse o Espantalho quando já se encontrava com os pés no

chão. — Sinto-me um outro homem.

Dorothy estava muito espantada ao ver como alguém feito unicamente de palha

podia conversar e andar ao seu lado.

— Quem é você e o que faz por aqui? — quis saber o Espantalho.

— Eu me chamo Dorothy e estou a caminho da Cidade das Esmeraldas. Vou

pedir ao Grande Oz que me indique o caminho de volta para o Kansas.

— Onde fica a Cidade das Esmeraldas e quem é o Grande Oz?

— Não me diga que você não sabe! — exclamou a menina surpresa.

— Juro que não. Eu ignoro tudo. Sou feito de palha como você já deve ter

observado e, portanto, não sei nada. Não possuo cérebro — finalizou o Espantalho

tristemente.

— Oh! Sinto muito! — disse Dorothy comovida.

— Se eu fosse à Cidade das Esmeraldas com você, seria possível que o Grande

Oz me desse um cerebrozinho?

— Isso não lhe posso garantir — respondeu a menina —, mas, em todo caso,

você pode ir comigo. Não terá nada a perder.

— Lá isso é verdade. Você vê: eu não me importo que as minhas pernas ou o

resto do meu corpo sejam feitos de palha. É até bom.

Assim não me machuco. Já a cabeça é diferente. Como é que poderei saber

alguma coisa se possuo palha no lugar dos miolos. Todo mundo vai me chamar sempre

de tolo.

— Compreendo como você se sente — disse a menina sinceramente penalizada.

— Se você quiser ir comigo, pode ser que eu consiga que o Grande Oz faça alguma coisa

por você.

— Oh! Eu lhe agradeço muito! — disse o Espantalho.

Totó é que, de início, não gostou da nova companhia. Latiu várias vezes, pondo-

se a cheirá-lo como se pressentisse a existência de um ninho de ratos dentro dele.

— Não ligue para o Totó — disse Dorothy para o seu novo amigo. —

Ele não morde nunca.

— Pode estar sossegada. Mesmo que ele me mordesse não me machucaria.

O Espantalho fez uma pausa e depois continuou:

— Vou lhe confessar um segredo. A única coisa neste mundo de que tenho medo

é... Você adivinha?

— Hum, vejamos... Já sei! O fazendeiro que fez você!

— Não — respondeu o Espantalho. — A única coisa que eu temo é um fósforo

aceso.

4 — A caminhada pela floresta

Passadas algumas horas, a estrada tornou-se má e a caminhada começou a ficar

tão difícil que, volta e meia, o Espantalho tropeçava nos tijolos mal calçados. Às vezes

surgiam buracos, que Totó saltava e Dorothy circundava. O Espantalho, por sua vez,

como não tinha cérebro andava sempre em frente e, a toda hora, caía no chão, batendo

com força nos tijolos, mas nunca se machucava.

Dorothy o punha novamente de pé e ele se juntava a ela, rindo da própria

desgraça.

As fazendas eram malcuidadas e as casas iam rareando. E quanto mais eles

andavam, mais sombrio e triste ia ficando o lugar.

Ao meio-dia, sentaram-se à beira da estrada, perto de um riacho.

Dorothy abriu a cesta e retirou um pouco de pão. Ofereceu uma fatia ao

Espantalho, mas ele recusou, dizendo que jamais tinha fome.

— Conte-me alguma coisa a respeito do seu país e de você mesma — pediu o

Espantalho depois que ela acabara de almoçar.

Dorothy contou-lhe tudo sobre o Kansas, como tudo era tão cinzento lá e como

um ciclone a trouxera até essa estranha Terra de Oz. O Espantalho ouviu-a com muita

atenção e, quando ela acabou, disse:

— Eu não posso entender como é que você quer deixar este lindo país e voltar

para um lugar seco e cinzento.

— Você não entende porque não tem cérebro — respondeu a menina.

— Não importa que um país seja triste e cinzento, desde que o nosso lar seja lá.

Nós, gente de carne e osso, preferimos o nosso lar a qualquer outro lugar no mundo, por

mais bonito que seja esse lugar.

O Espantalho suspirou.

— É claro que eu não posso entender — disse —, mas se as suas cabeças

fossem feitas de palha como a minha, todos vocês viveriam em lugares bonitos e, então,

não haveria ninguém no Kansas. É uma sorte para o Kansas que vocês tenham cérebro.

— Você não quer me contar uma história? — pediu a menina.

— Minha vida é tão curta — respondeu o Espantalho —, que, na verdade, eu não

tenho nada para contar. Fui feito apenas há dois dias, e tudo o que antes aconteceu eu

ignoro. Felizmente o fazendeiro, assim que fez minha cabeça, desenhou meus ouvidos e

eu pude perceber o que estava se passando. A primeira coisa que eu ouvi foi sua voz a

perguntar a outro Comilão o que ele achava das minhas orelhas. "Não estão no lugar",

disse o outro. O fazendeiro replicou, dizendo que não tinha importância, que eram orelhas

de qualquer modo, e isso bastava. "Agora vou desenhar os olhos", disse, e logo depois eu

já estava a contemplá-los com meu olho direito. Pus-me a olhar em volta com enorme

curiosidade, quando ouvi novamente a voz do fazendeiro. "Acho que vou fazer o outro de

maneira que fique um pouquinho maior", disse ele. E, realmente, quando meu olho ficou

pronto, pude ver muito melhor do que antes. Depois ele desenhou meu nariz e minha

boca, mas não falei nada porque ainda não sabia para que servia uma boca. Pude vê-los

fazendo meu corpo, meus braços e minhas pernas. E quando juntaram minha cabeça ao

corpo, senti-me muito orgulhoso, pois julgava que eu era um homem igual a todos os

outros.

O Espantalho fez uma pausa e suspirou.

— Então ouvi o fazendeiro dizer — continuou — que eu daria um ótimo

espantalho, e eles me carregaram e me prenderam no lugar em que você me encontrou.

Foram embora e me deixaram sozinho. Eu quis correr atrás deles, mas, como meus pés

não alcançavam o chão, fui obrigado a ficar ali. Foi muito duro para mim, pois nem ao

menos tinha algo em que pensar, já que tinha sido feito há pouquíssimo tempo. Logo

apareceram algumas aves, mas, assim que me viam, fugiam outra vez, julgando que eu

era um Comilão. Isso me agradou muito e fez com que eu me sentisse importante. Daí a

pouco, entretanto, chegou um velho corvo e, depois de me examinar atenciosamente,

pousou no meu ombro. "Eu gostaria de saber se aquele fazendeirozinho pretendeu me

enganar de forma tão grosseira", disse ele. "Qualquer corvo inteligente notaria logo que

você não passa de um Espantalho." Então ele desceu e pôs-se a comer à vontade. Vendo

que eu era incapaz de lhe causar o menor dano, as outras aves vieram comer também.

Dentro de pouco tempo havia um bando delas ao meu redor.

O Espantalho soltou outro suspiro e prosseguiu:

— Eu fiquei muito triste, pois estava provado que eu não era nem um bom

Espantalho; mas o velho corvo me consolou, dizendo: "Se você conseguisse um cérebro

ficaria valendo tanto quanto outro homem qualquer, e até mais que muitos deles. O

cérebro é a única coisa de real importância neste mundo, seja você um corvo ou um

homem." Depois que os corvos se foram fiquei meditando sobre isso e resolvi que teria de

arranjar um cérebro de qualquer maneira. Por sorte você chegou e me libertou e, pelo que

você diz, estou convencido de que o Grande Oz me dará um cérebro assim que

chegarmos à Cidade das Esmeraldas.

— Assim espero – disse Dorothy —, já que você parece tão ansioso por

consegui-lo.

— Se estou! — respondeu o Espantalho. — É tão desagradável ter-se a certeza

de que se é um tolo.

— Bem — disse a menina. — Vamos indo.

Já não havia cercas a ladear a estrada e a terra ia se tornando árida e

abandonada. À tardinha chegaram a uma floresta, onde as árvores eram tão grandes e

próximas umas das outras, que as copas se juntavam sobre o caminho amarelo

impedindo que o resto de luz solar clareasse a estrada. Era quase breu; os viajantes,

entretanto, continuaram a sua marcha.

Daí a uma hora escureceu completamente. Dorothy não enxergava

absolutamente nada. O Espantalho, entretanto, declarou que via tão bem quanto de dia,

de modo que a menina tomou-lhe o braço e fez o possível para andar normalmente.

— Se você vir alguma casa, ou algum lugar onde possamos passar a noite, é

favor me avisar. Não é nada agradável andar no escuro.

Passado algum tempo, o Espantalho parou.

— Estou vendo uma casinha à nossa direita — disse ele — feita de galhos e

troncos. Vamos para lá?

— Vamos, sim – respondeu Dorothy. — Estou exausta.

Dessa forma, o Espantalho conduziu-a através das árvores até chegarem à

cabana. Dorothy entrou e encontrou uma cama de folhas secas a um canto. Deitou-se

logo, e, com Totó a seu lado, em pouco tempo estava dormindo. O Espantalho, que jamais

se cansava, encostou-se em outro canto e esperou pacientemente pelo amanhecer.

5 — O salvamento do Lenhador de Lata

Quando Dorothy acordou, o sol já brilhava entre as árvores e há muito Totó fora

perseguir os pássaros e os esquilos. O Espantalho lá estava de pé a um canto, esperando

pacientemente que Dorothy se levantasse.

— Precisamos ir buscar água — disse Dorothy finalmente.

— Para quê? — perguntou o Espantalho.

— Para beber e lavar o rosto.

— Deve ser muito incômodo ser feito de carne — disse ele. — Tem-se que

comer, dormir e beber. No entanto, possui-se um cérebro, e só isso já é uma

compensação bastante razoável.

Saíram da cabana e andaram através da floresta até que encontraram uma fonte

de água límpida. Dorothy refrescou-se e lavou-se. Comeu uma fatia de pão e verificou

que restava muito pouco na cesta.

Os viajantes já se preparavam para retomar a caminhada quando ouviram um

gemido profundo, proveniente de algum lugar nas proximidades.

— Que será isso? — perguntou a menina assustada.

— Não posso imaginar — respondeu o Espantalho —, mas podemos ver do que

se trata.

Nesse instante ouviram outro gemido por detrás deles. Deram alguns passos em

direção ao lugar de onde vinha a lamentação e logo perceberam alguma coisa que

brilhava aos raios do sol. Correram até o lugar onde tinham visto o objeto a reluzir, e a

menina deixou escapar um grito de espanto.

Um tronco de árvore jazia por terra e, ao seu lado, segurando um machado,

estava um homem completamente imóvel e, o que era mais estranho, todo feito de lata.

Dorothy ficou um instante a contemplá-lo e depois perguntou:

— Foi você quem gemeu?

— Fui eu mesmo — respondeu o homem de lata. — Estou gemendo há mais de

um ano, mas ninguém até hoje me veio socorrer.

— Posso fazer alguma coisa por você? — perguntou ela comovida com a voz

triste do homem.

— Eu lhe ficaria muito grato se você fosse buscar uma lata de óleo que está

sobre uma prateleira na minha cabana e lubrificasse minhas juntas. Somente desse modo

poderia me movimentar novamente.

Num abrir e fechar de olhos, Dorothy trouxe a lata e perguntou:

— Onde são suas juntas?

— Primeiro de tudo, lubrifique meu pescoço — respondeu o Lenhador de Lata.

À medida que a menina lhe untava o pescoço, o Espantalho ia-lhe movendo a

cabeça lentamente, e por fim o Lenhador conseguiu movê-la sozinho.

Em seguida, Dorothy lubrificou-lhe as juntas dos braços e das pernas.

Quando já podia mover-se sem ajuda, o Lenhador agradeceu muito, dizendo que

já estava fatigado de ficar ali na mesma posição.

— E se não fossem vocês — completou — era provável que eu passasse o resto

da minha vida a segurar o machado, no mesmo lugar.

Mas digam-me uma coisa: como é que vocês vieram parar aqui?

— Nós vamos à Cidade das Esmeraldas, falar com o Grande Oz — respondeu

Dorothy. — Ontem à noite paramos aqui para descansar na sua cabana, pois julgávamos

que ela estivesse desabitada.

— E o que é que vocês querem com o Grande Oz?

— Eu quero que ele me mande de volta para o Kansas e o Espantalho deseja

que ele lhe dê um cérebro.

O Lenhador pensou um instante e perguntou:

— Você acha possível que Oz me dê um coração?

— Suponho que sim — disse Dorothy. — Pelo menos é tão fácil como dar um

cérebro ao Espantalho.

— É verdade — disse ele. — E vocês permitem que eu os acompanhe?

— É claro! — exclamou o Espantalho de todo o coração. E Dorothy acrescentou

que muito lhes agradaria sua presença.

E, assim, o Lenhador de Lata apoiou seu machado no ombro e o grupo pôs-se

novamente a andar até encontrar outra vez o caminho de tijolos amarelos.

Foi uma sorte estar o Lenhador entre eles, pois, logo depois de terem reiniciado a

viagem, chegaram a um lugar onde a vegetação crescia tão exuberante sobre a estrada

que, não fosse ele, teria sido completamente impossível passarem dali.

Dorothy caminhava absorta em seus pensamentos e nem percebeu quando o

Espantalho tropeçou num buraco e caiu estendido no leito da estrada. Na realidade, ele

foi forçado a gritar por ajuda, e só então a menina se deu conta do que havia acontecido.

— Por que você não deu a volta ao buraco? — perguntou o Lenhador de Lata ao

Espantalho depois que ele já se achava novamente de pé.

— Porque eu não raciocino direito. Como você já deve ter notado, minha cabeça

é feita de palha e é por isso que eu vou pedir a Oz que me dê um cérebro.

— Eu compreendo — disse o Lenhador. — Mas, afinal de contas, o cérebro não

é a melhor coisa deste mundo.

— Você tem cérebro? — quis saber o Espantalho.

— Não. Minha cabeça é completamente oca. Mas um dia já possuí um cérebro e

um coração. E, por ter experimentado os dois, é que prefiro o coração.

Como o Espantalho insistisse em saber qual a razão da sua preferência pelo

coração, o Lenhador resolveu contar sua história.

— Meu pai era um lenhador que ganhava a vida derrubando árvores e vendendo

madeira. Quando cresci, tornei-me um lenhador, por minha vez, e depois da morte de

meu pai cuidei da minha mãe até o fim de sua vida. Então decidi me casar para não ficar

vivendo sozinho. Logo me apaixonei por uma linda Comilona e ela prometeu que se

casaria comigo assim que eu tivesse dinheiro suficiente para construir uma casinha

melhor, onde pudéssemos morar.

Pus-me a trabalhar mais do que nunca, mas a mocinha vivia com uma velha que

não desejava que ela casasse com ninguém, pois queria que ficasse cozinhando para ela

e tomando conta de sua casa. Desse modo, a velha foi ter com a Perversa Fada do Leste

e prometeu que lhe daria duas ovelhas e uma vaca se ela evitasse a concretização do

casamento.

Então a Fada Perversa enfeitiçou meu machado e, um dia, durante o meu

trabalho ele me escapuliu das mãos e cortou-me a perna esquerda. Isso logo me pareceu

uma terrível desgraça, pois eu sabia muito bem que sem uma perna jamais poderia ser

um bom lenhador. Entretanto, fui a um funileiro e encomendei uma perna de lata. Aos

poucos fui me acostumando com ela e isso deve ter irritado a Perversa Fada do Leste.

Quando voltei ao trabalho, o machado escapuliu-me outra vez e decepou minha perna

direita. Novamente fui ao funileiro e ele me fez outra perna de lata. Depois disso o

machado encantado cortou-me ambos os braços, um após o outro. Sem me atemorizar,

substituí-os por braços de lata. Dessa vez, entretanto, a fada fez com que ele me

arrancasse a cabeça e eu julguei que seria o meu fim. Por sorte o funileiro apareceu e

fabricou uma cabeça de lata para mim. Supondo que vencera definitivamente a Fada

Perversa, entreguei-me ainda mais ardorosamente ao trabalho, mas a minha inimiga

encontrou um novo meio de matar o meu amor pela linda jovem e fez com que o machado

deslizasse das minhas mãos e partisse meu corpo em dois pedaços. O funileiro ajudou-

me outra vez e fez um tórax de lata, ao qual juntou meus membros e minha cabeça por

meio de engenhosas dobradiças, de modo que pudesse me locomover tão facilmente

quanto antes. Entretanto, como já não possuía coração, perdi o amor pela moça e não me

importei mais de casar com ela. Suponho que ainda more com a velha e esteja até hoje

me esperando.

"Sentia-me muito orgulhoso em ver meu corpo brilhar ao sol — continuou o

Lenhador — e, por outro lado, meu machado podia escapar à vontade de minhas mãos

sem que eu corresse o menor perigo. Bastava que minhas juntas não enferrujassem e,

com este fim, sempre me lubrificava com uma latinha de óleo que tinha em casa. Um dia,

entretanto, fui surpreendido por uma tempestade e fiquei completamente paralisado.

Assim permaneci por um ano. Em compensação tive tempo bastante de refletir e cheguei

à conclusão de que o que o homem tem de mais precioso é o seu coração. Enquanto

estive apaixonado, fui o mais feliz dos homens. É por essa razão que estou resolvido a

pedir a Oz que me restitua um. Se ele o fizer, voltarei para minha antiga namorada e me

casarei com ela.

Tanto Dorothy quanto o Espantalho ouviram muito atentos a história do Lenhador.

Finalmente o Espantalho comentou:

— Pois para mim dá na mesma. Continuo preferindo um cérebro. Um tolo como

eu nem saberia o que fazer com o coração.

— Eu prefiro o coração — retrucou o Lenhador de Lata — porque a inteligência

não faz a felicidade de ninguém e a felicidade é a única coisa que importa neste mundo.

Quanto a Dorothy, não sabia qual dos dois tinha razão e, no fundo, isso a

preocupava muito pouco. O que ela queria era voltar para casa, para junto da tia Ema e

do tio Henry.

De resto, o que mais a inquietava naquele momento era o fato da cesta de pão

estar praticamente vazia, mal dando para outra refeição.

Para ser exato, se o Lenhador e o Espantalho não necessitavam de comida, o

mesmo não se passava com ela e com Totó. Precisavam alimentar-se para continuar

vivendo.

6 — O Leão Covarde

Todo esse tempo Dorothy e seus companheiros tinham caminhado através da

floresta espessa e, se bem que a estrada ainda fosse calçada, a caminhada tornava-se

cada vez mais difícil. Galhos e folhas secas cobriam o leito amarelo; os pássaros

rareavam e urros profundos faziam-se ouvir.

Dorothy tremia de medo e Totó andava juntinho a sua dona, nem se atrevendo a

latir.

— Quanto tempo será preciso para chegarmos à Cidade das Esmeraldas? —

perguntou Dorothy ao Lenhador de Lata.

— Não posso dizer exatamente, pois eu nunca estive lá. Meu pai foi a essa

cidade uma vez e lembro-me que disse serem necessários vários dias de viagem através

de lugares perigosos, embora a região próxima à cidade fosse muito bonita. Mas não há

razão para se ter medo já que você traz na testa a marca dos lábios da Boa Fada e nada

é capaz de ferir o Espantalho. Quanto a mim, como trouxe minha latinha de óleo, nada

tenho a temer.

— E o Totó? — interveio a menina. — Quem o protegerá?

— Isso caberá a nós mesmos — respondeu o Lenhador.

Mal ele acabou de pronunciar essas palavras, um rugido terrível fez-se ouvir e

um enorme leão saltou para o meio da estrada. Com uma patada arremessou o

Espantalho a metros de distância e com outra derrubou o Lenhador de Lata.

O pequenino Totó, agora que o inimigo se apresentava frente a frente, correu a

latir em sua direção. A enorme fera já abrira a boca para morder o cachorrinho, quando

Dorothy avançou e, imprudentemente, deu-lhe uma pancada no nariz, dizendo:

— Não se atreva a morder o Totó! Você devia se envergonhar! Uma fera desse

tamanho querendo morder um pobre cãozinho.

— Não cheguei a mordê-lo — disse o leão se desculpando, enquanto esfregava

o focinho.

— Não mordeu, mas tentou — replicou a menina zangada. — Você não passa de

um covarde.

— Bem sei — disse ele, baixando a cabeça. — Mas o que é que vou fazer?

— Quando eu penso que você bateu num pobre Espantalho forrado de palha!

— Então é por isso que ele rodopiou tanto quando eu lhe bati — comentou o

leão, enquanto Dorothy punha o Espantalho novamente de pé.

— O outro também é feito de palha?

— Não. Ele é todinho de lata — disse a menina, cuja zanga já esfriara.

— Hum... — fez ele pensativo. — Agora eu entendo por que ele não ficou

machucado quando eu lhe dei uma patada. Eu é que senti um arrepio na espinha ao

perceber que minhas garras deslizavam sobre ele. E quem é este bichinho que lhe inspira

tanto cuidado?

— É meu cachorro, Totó — respondeu a menina.

— Ele é feito de lata ou de palha?

— É de carne e osso — corrigiu Dorothy.

— É um animalzinho muito curioso. E é impressionantemente pequeno. Ninguém

jamais pensaria em mordê-lo, a não ser um covarde como eu.

— O que é que faz você ser assim tão covarde? — perguntou a menina,

intrigada.

— É um mistério. Acho que nasci assim. Todos na floresta supõem que eu seja

muito corajoso, já que o leão é, em todos os lugares, o rei dos animais. Embora eu tenha

muito medo dos homens e das outras feras, dou um rugido quando encontro alguém e

todos fogem de mim. Se algum dia um urso, um tigre ou um homem se atrevesse a me

enfrentar, eu é que teria de fugir.

— Mas isto não está certo. O rei dos animais não devia ser covarde — disse o

Espantalho.

— Bem sei — retrucou o leão, enxugando uma lágrima com a ponta da língua. —

Mas sempre que pressinto o menor perigo, meu coração dispara.

— Pode ser que você tenha alguma lesão no coração — disse o Lenhador de

Lata.

— Pode ser.

— Se for o caso — continuou o Lenhador —, você deve se alegrar, pois isso

prova que você tem um coração. De minha parte, não tenho coração e, portanto, não

posso ter lesão no coração.

— Se eu não tivesse coração — disse o leão, pensativo —, talvez não fosse

covarde.

— Você tem cérebro? — perguntou o Espantalho.

— Acho que sim — respondeu o leão.

— Eu vou ver o Grande Oz para pedir-lhe um cérebro — notificou o Espantalho.

— E eu um coração — disse o Lenhador.

— E eu que ele me mande de volta para Kansas – ajuntou Dorothy.

— Vocês acham que o Grande Oz me daria coragem? — perguntou o leão.

— É tão provável quanto que nos dê o que queremos — disse Dorothy.

— Então, se vocês não se incomodarem, eu vou com vocês — disse o leão —,

pois minha vida é insuportável sem um pingo de coragem.

— Será muito bom – disse Dorothy —, porque assim você assustará as outras

feras que aparecerem.

— Na realidade, elas ainda são mais covardes do que eu, mas isso não me

consola nem um pouquinho.

E mais uma vez o grupo reiniciou a jornada, o leão marchando a passos largos

junto a Dorothy. Totó, de início, não aprovou a nova companhia, mas com o tempo foi-se

acostumando, e daí a pouco ele e o leão eram bons amigos.

Durante o resto do dia, nada que pudesse perturbar a paz do grupo ocorreu. Uma

vez, é verdade, o Lenhador de Lata pisou sem querer num escaravelho, matando o

bichinho. Isso o entristeceu muito, já que ele tudo fazia para não ferir ninguém, e pôs-se a

chorar de remorso. E chorou tanto que suas lágrimas escorreram pela face de lata e

enferrujaram a junta dos maxilares. Quando, daí a pouco, Dorothy lhe fez uma pergunta, o

Lenhador não conseguiu abrir a boca para responder. Assustado, tentou gesticular, dando

a entender que precisava de ajuda. Nem Dorothy nem o leão compreenderam

inicialmente, mas o Espantalho apanhou a latinha de óleo que estava na cesta e lubrificou

os maxilares do Lenhador.

— Que isto me sirva de lição! — disse ele, assim que pôde falar novamente. —

De agora em diante vou tomar o máximo cuidado para não pisar em inseto algum. Vocês

possuem coração, têm algo que os guie; eu, entretanto, tenho que tomar muito cuidado

para não me tornar cruel e malvado.

7 — A caminho da Cidade das Esmeraldas

À noite acamparam sob uma árvore frondosa que os protegeu do sereno. O

Lenhador cortou bastante madeira com seu machado e Dorothy acendeu uma grande

fogueira. Totó e ela comeram o pouco que restava do pão. A menina não tinha idéia de

como se arranjariam na manhã seguinte. Entretanto, o Espantalho encontrou uma

nogueira e, enquanto enchia a cesta de nozes, aproveitava para se manter afastado da

fogueira, pois temia que alguma brasa o queimasse. O leão, por sua vez, foi cear na

floresta.

Ao amanhecer, Dorothy banhou-se num riacho e logo depois os viajantes

partiram para a Cidade das Esmeraldas.

Um dia cheio de aventuras os esperava.

Não haviam caminhado uma hora quando depararam com um grande fosso que

atravessava a estrada, dividindo a floresta em duas partes. Era largo e profundo. Suas

paredes íngremes e ásperas não alimentavam esperanças de uma escalada. Por um

momento pareceu que a jornada tinha chegado ao fim.

— Que vamos fazer? — perguntou Dorothy.

— Não tenho a menor idéia — respondeu o Lenhador de Lata.

O leão sacudiu a juba tristemente e deixou-se ficar pensativo.

O Espantalho, entretanto, adiantou-se e disse:

— Não podemos voar, isso é certo; nem vamos nos meter a descer essas

paredes íngremes; de modo que se não dermos um jeito de saltar para o outro lado,

teremos que voltar daqui.

— Talvez eu consiga pular para o outro lado — disse o leão.

— Então está tudo resolvido — disse o Espantalho. — Você leva um de cada

vez.

— Tenho muito medo de me ferir — comentou o leão —, mas como não há outro

jeito... Quem vem primeiro?

— Eu — respondeu prontamente o Espantalho —, pois se eu cair não me

machuco.

Assim, o Espantalho sentou-se nas costas do leão e a enorme fera caminhou até

a beira do abismo; abaixou-se e deu um salto formidável, aterrando são e salvo do outro

lado. Em seguida o leão foi buscar a menina e seu cachorrinho, e finalmente o Lenhador.

Quando todos já tinham atravessado, fez-se uma pequena pausa para que o leão

descansasse.

A floresta era espessa e escura deste lado. Ao retomarem a marcha, cada um se

interrogava apreensivamente se chegariam a ver novamente a luz do sol. Para aumentar

o desassossego do grupo, ouviram-se ruídos, provenientes das profundezas da floresta, e

o leão sussurrou-lhes que era ali que habitavam os Kalidas, monstruosos animais com

corpo de urso e cabeça de tigre.

— São tão grandes — disse o leão — que são capazes de me trespassar de um

lado a outro com suas garras...

O leão ia continuar quando depararam com outro abismo, tão largo e tão fundo

que logo se verificou a impossibilidade de repetir a façanha anterior.

Apreensivos, sentaram-se para deliberar o que deveria ser feito.

Depois de ter pensado seriamente sobre o assunto, o Espantalho disse:

— Se o Lenhador conseguisse derrubar essa árvore aí, de modo que ela ficasse

atravessada ao longo do fosso, poderíamos passar calmamente por cima dela.

— Ótima idéia! — exclamou o leão. — Poderíamos até supor que você possui um

cérebro!

O Lenhador pôs-se imediatamente a trabalhar, e logo a árvore estava no ponto

de ser empurrada. Então o leão forçou-a e ela caiu com um estrondo exatamente onde

devia.

Mal tinham começado a atravessar a ponte improvisada, ouviram dois urros

agudos e altíssimos. Ao se voltarem viram dois animais enormes com corpo de urso e

cabeça de tigre. O grupo atravessou o mais rápido que pôde, enquanto o leão, tremendo

de medo, tentava afugentá-los com um possante rugido. Tão alto ele rugiu que as feras

ficaram aturdidas por um momento, o suficiente para que todos, inclusive o leão,

atingissem a outra borda do fosso. Passado, porém, o instante de estupor, as feras

voltaram à perseguição.

Os Kalidas já tinham iniciado a travessia pelo tronco quando o Espantalho teve a

idéia de cortar a parte da árvore que ficava do lado em que eles estavam. Mais uma vez o

Lenhador entregou-se ao trabalho, e antes que as feras atingissem a borda do abismo o

tronco despencou para dentro do fosso com os monstruosos animais a urrar

pavorosamente.

— Bem — disse o leão, aliviado ao ver os animais despedaçados no fundo do

abismo. — Parece que vamos viver por mais algum tempo. Fiquei tão assustado que meu

coração chegou a disparar.

— Ah, se eu tivesse um coração para disparar... — suspirou o Lenhador de Lata.

Esta última aventura alimentou-lhe o desejo de saírem o mais rápido possível da

floresta. Puseram-se a andar muito depressa e, como em pouco tempo Dorothy se

cansasse, o leão teve que carregá-la às costas.

Para grande júbilo de todos, as árvores iam-se tornando menos espessas à

medida que avançavam, e, à tarde, depararam subitamente com um rio largo, cuja

margem oposta deixava entrever uma campina verdejante, salpicada de flores a cercar a

estrada de tijolos amarelos.

— Como faremos para atravessar o rio? — perguntou Dorothy.

— É fácil — disse o Espantalho. — Basta que o Lenhador nos construa uma

jangada com essas pequenas árvores.

Enquanto o Lenhador de Lata se ocupava com a tarefa de que fora incumbido, o

Espantalho encontrou uma árvore carregada de frutos apetitosos que constituíram a

refeição da menina.

Mas é preciso tempo para se construir uma jangada, mesmo quando se é um

trabalhador incansável como o Lenhador de Lata.

A noite caiu e o barco ainda não estava pronto.

E os viajantes dormiram ali mesmo sob as árvores.

E Dorothy sonhou com a Cidade das Esmeraldas e com seu bondoso mágico

que a mandaria de volta para o Kansas.

8 — O campo mortal de papoulas

Na manhã seguinte acordaram cheios de esperança. Atrás deles se estendia a

floresta perigosa que tinham vencido. À sua frente um adorável campo ensolarado parecia

abrir-lhes as portas para a Cidade das Esmeraldas.

É verdade que um rio bastante largo os separava dessa terra magnífica, mas em

pouco tempo a jangada ficou pronta e eles iniciaram a travessia.

A princípio tudo correu bem, mas quando atingiram o meio do rio uma forte

corrente os arrastou mais e mais para longe da estrada de tijolos amarelos.

— Isso não é nada bom — disse o Lenhador de Lata —, pois, se não atingirmos

a outra margem, seremos levados para o Reino da Perversa Fada do Oeste e ela nos

transformará em seus escravos.

O rio era tão fundo naquele lugar que por mais que enfiassem as varas que

levavam não conseguiam encontrar o fundo.

— E eu nunca terei coragem — disse o leão.

— E eu jamais obterei um coração — disse o Lenhador.

— E eu nunca mais voltarei para o Kansas — disse Dorothy.

Nesse instante, o Espantalho empurrou o remo com tanta força, que este ficou

preso na lama do leito do rio e, antes que ele pudesse puxá-lo novamente ou largá-lo, a

jangada foi carregada pela correnteza e o pobrezinho ficou agarrado à vara no meio do

rio.

Todos ficaram muito tristes, mas nada puderam fazer. A jangada foi flutuando rio

abaixo e o Espantalho foi deixado para trás.

— Algo tem que ser feito para que nos salvemos — disse o leão. — Pode ser que

eu consiga puxar a jangada até a margem, desde que vocês consigam segurar minha

cauda com firmeza.

E assim foi feito.

Quando atingiram a terra firme, estavam todos fatigados. Depois de pequeno

descanso puseram-se a andar rio acima, pois a correnteza os afastara consideravelmente

da estrada de tijolos amarelos.

Caminhavam por um belíssimo campo repleto de flores e árvores frutíferas,

quando avistaram o Espantalho, agarrado ao topo do remo no meio da correnteza.

Sentaram-se na beira do rio e ficaram imaginando o que poderiam fazer para salvá-lo.

Neste momento, surgiu uma cegonha e perguntou:

— Quem sois?

— Eu sou Dorothy — respondeu a menina —, e esses são meus amigos, o

Lenhador de Lata e o Leão Covarde. Vamos para a Cidade das Esmeraldas.

— Mas o caminho fica mais adiante!

— Nós sabemos. Estamos aqui vendo se fazemos alguma coisa por nosso amigo

Espantalho, que está ali no meio do rio.

— Se não fosse tão grande e pesado — disse a cegonha, reparando no

Espantalho —, eu o traria para vocês.

— Mas ele não é nem um pouquinho pesado — interveio a menina. — É todinho

de palha por dentro. Oh! Por favor, traga-o de volta para nós. Ficaremos gratos a você

pelo resto da vida.

Comovida pelas palavras da menina a cegonha resolveu tentar salvar o

Espantalho, o que não foi difícil.

Assim que o Espantalho se viu outra vez em terra, a cegonha se despediu e o

grupo reiniciou a marcha.

Caminhavam através de um campo atapetado de grandes flores coloridas. Aqui e

ali brotavam punhados de papoulas brilhantes.

— Como são bonitas! — disse a menina, verificando o forte aroma que as flores

desprendiam.

A cada instante aumentava mais e mais o número de papoulas vermelhas e

diminuía o das outras flores. De uma hora para outra os viajantes se viram no meio de

uma vasta campina onde brotavam unicamente papoulas vermelhas. Ora, como todo

mundo sabe, quando há uma grande quantidade dessas flores reunidas, elas desprendem

um odor violentíssimo, capaz de narcotizar qualquer pessoa; e, caso a vítima não seja

levada para bem longe, fica dormindo entre as papoulas para o resto da vida.

Dorothy, entretanto, ignorava essa peculiaridade e, em pouco tempo, seus olhos

estavam a ponto de se fecharem. Afinal perdeu completamente os sentidos.

— Que é que vamos fazer? — perguntou o Lenhador.

— O fato é que não podemos deixá-la aqui — disse o leão.

— O odor destas flores está nos matando aos poucos. Eu mesmo mal consigo

manter meus olhos abertos e o cachorro também já perdeu os sentidos.

De fato, Totó caíra ao lado da dona. O Espantalho e o Lenhador, entretanto,

como não eram de carne e osso, nada sentiam.

— Corra o mais que puder — disse o Espantalho para o leão. – É preciso que

consiga sair deste lugar. Nós carregaremos a menina, mas quanto a você, é muito pesado

e, se também cair no sono, nada poderemos fazer.

O leão disparou a correr e logo foi perdido de vista.

O Espantalho e o Lenhador colocaram Totó no colo da menina e fizeram com os

braços uma cadeirinha para transportá-la.

Quanto mais caminhavam mais parecia infindável aquele mortal campo florido.

Subitamente deram com o leão, vencido pelo odor mortífero.

Adormecera não muito longe do fim do campo de papoulas.

— Nada podemos fazer por ele — comentou tristemente o Lenhador.

— Ficará dormindo aqui para sempre. Talvez sonhe que por fim encontrou a tão

almejada coragem.

— É uma pena — lamentou-se o Espantalho. — Para um covarde, o leão até que

era muito bom sujeito. Bem... Vamos indo.

Levaram a menina para o gramado que se estendia além do campo de flores.

Estenderam-na suavemente no chão, perto do rio, e esperaram que a brisa a acordasse.

9 — A rainha dos ratos campestres

O Espantalho acabara de comentar que não deviam estar muito longe da

estrada, quando ouviram um grunhido perto deles. Voltaram-se e viram um gato-do-mato

a perseguir um ratinho cinzento. O Lenhador de Lata ficou indignado ao ver que o gato

tencionava matar tão frágil criaturinha. Prontamente ergueu seu machado e assim que o

gato cruzou a sua frente cortou-lhe a cabeça com um só golpe.

O ratinho, ao ver que não corria mais perigo, voltou-se para o Lenhador e

agradeceu-lhe efusivamente.

— Não tem de quê — respondeu ele. — Como não possuo coração, faço sempre

o possível para ajudar todo aquele que possa precisar de mim, mesmo que não passe de

um simples ratinho.

— Um simples ratinho! — guinchou o animalzinho indignado. – Pois fique

sabendo que sou a rainha de todos os ratos campestres. E, por conseguinte, você acaba

de praticar um feito de suma importância.

O Lenhador se preparava para fazer uma reverência, quando apareceram vários

ratinhos a correr. Ao depararem com a rainha, exclamaram:

— Valha-nos Deus! Pensamos que Vossa Majestade ia morrer nas garras

daquele gato monstruoso.

— E talvez fosse assim — disse a rainha —, não fosse a ajuda que me prestou

este homem de lata, matando a fera e salvando minha vida.

Vocês devem, portanto, prestar-lhe homenagem e obedecer todas as suas

ordens.

Nesse instante Totó despertou. Latiu uma ou duas vezes e saltou para o meio

dos ratos, causando uma debandada geral.

Totó gostava muito de perseguir ratos. Sempre o fizera no Kansas e nunca vira

mal algum nisso.

O Lenhador de Lata segurou o cachorro e prendeu-o com força contra o peito.

— Podem vir! — gritou para os ratinhos. — Totó não lhes fará mal.

A rainha mostrou sua cabeça atrás de um punhado de relva e perguntou numa

voz tímida:

— Tem certeza que ele não nos morderá?

— Podem ficar seguros. Não permitirei que ele tente alguma coisa.

Um a um, foram voltando, e finalmente um dos ratos maiores disse:

— Há alguma coisa que possamos fazer em paga de terdes salvo a vida da

nossa rainha?

O Lenhador ia dizer que não, quando o Espantalho interveio:

— Há sim; vocês podem salvar o nosso amigo, o Leão Covarde, que está

dormindo no campo de papoulas.

— Um leão! — exclamou a rainhazinha. — Ele nos devoraria.

— De modo algum! — disse o Espantalho. — Trata-se de um leão medroso,

como ele mesmo diz. Por outro lado ele jamais atacaria alguém que ele soubesse ser

nosso amigo.

— Muito bem! — disse a rainha. — Vamos confiar em vocês. Mas o que devemos

fazer?

— São muitos os ratos que estão sob seu reinado?

— Oh, milhares!

— Então ordene que venham aqui e que cada um traga consigo um barbante

comprido.

Assim fez a rainha, e seus súditos partiram em todas as direções.

— Agora — disse o Espantalho, voltando-se para o Lenhador de Lata —, é

preciso que você faça uma espécie de jangada sobre rodas, onde se possa transportar o

leão.

Tão rápido e eficiente foi o trabalho do Lenhador que, ao começarem a chegar os

primeiros ratos, a carroça estava pronta.

Os ratos vinham de todas as direções. Ratões e ratinhos, todos trazendo um fio

de barbante preso entre os dentes. Foi nesse instante que Dorothy despertou do seu sono

profundo. Ficou muito espantada ao ver que estava cercada por milhares de ratos que a

encaravam timidamente. Seus amigos foram logo tratando de contar-lhe tudo o que se

passara.

Dorothy foi apresentada à rainha e, em pouco tempo, se tornaram boas amigas.

O Espantalho e o Lenhador amarraram os barbantes na improvisada carroça e

ataram a outra extremidade ao pescoço de cada um dos ratinhos. Os bichinhos puxaram

o estrado até o lugar onde o leão jazia adormecido e, com a ajuda do Espantalho e do

Lenhador, trouxeram-no para o gramado.

Dorothy os esperava, e muito lhes agradeceu.

Assim que se viram livres dos arreios os ratos se foram, cada um para o seu

lado. A rainha foi a última a partir.

— Se algum dia precisarem de nós — disse ela —, basta fazerem soar esse

apitozinho azul. Estaremos prontos a ajudá-los. Adeus.

— Adeus! — responderam todos.

E sentaram-se em volta do leão, aguardando que ele despertasse.

10 — O guarda do portão

Uma vez acordado e informado de tudo o que se passara, o leão comentou com

um sorriso:

— É engraçado. Eu sou um animal enorme; entretanto, coisas frágeis como são

as flores quase me roubam a vida e animais minúsculos salvam-me a vida...

Refrescados e descansados, nossos amigos reiniciaram a caminhada e, dentro

de pouco tempo, já marchavam novamente na estradinha de tijolos amarelos. Ao contrário

do que ocorria na floresta, a estrada era aqui bem pavimentada e ladeada por cercas

pintadas de verde. Passaram por várias casinhas, também pintadas de verde e, às vezes,

alguém aparecia à porta e os olhava como se desejasse fazer perguntas. Ninguém,

entretanto, se aproximava deles, com medo do leão. Todos se vestiam em roupas de um

belíssimo verde-esmeralda e usavam chapéus pontudos como os dos Comilões.

— Esta deve ser a Terra de Oz — disse Dorothy —, e certamente estamos nos

aproximando da Cidade das Esmeraldas.

— De fato — respondeu o Espantalho. — Tudo aqui é verde e não azul como na

terra dos Comilões. Contudo, essa gente não me parece muito simpática e talvez seja

difícil arranjar um lugar para passar a noite.

— Gostaria de comer algo diferente de frutas — disse a menina. — E tenho

certeza de que Totó está quase morto de fome. Vamos parar na próxima casa e falar com

essa gente.

Chegaram a uma casa razoavelmente grande e Dorothy bateu à porta. Uma

mulher entreabriu a porta e perguntou:

— Que é que você quer? E o que faz esse leão com vocês?

— Gostaríamos de passar a noite aqui. Quanto ao leão, além de ser

domesticado, é muito covarde.

— Bem — disse a mulher, dando outra olhadela no leão. — Já que é assim,

entrem. Terão o que cear e um lugar para dormir.

E eles entraram. Na casa estavam, além da mulher, duas crianças e um homem.

Todos pareceram muito surpresos com um grupo tão estra- nho. O homem tinha ferido a

perna e, enquanto a mulher se ocupava em pôr a mesa, ele perguntou, deitado no sofá:

— Para onde vão todos vocês?

— Vamos à Cidade das Esmeraldas — disse Dorothy — para falar com o Grande

Oz.

— E vocês crêem que falarão com o Grande Oz?

— E por que não?

— Ora, porque todo mundo sabe que ele jamais recebeu alguém. Eu mesmo

estive na Cidade das Esmeraldas várias vezes e nunca me foi permitido vê-lo. Nem sei de

alguém que já o tenha feito.

— Ele nunca aparece em público? — perguntou o Espantalho.

— Nunca. Passa o dia inteiro sentado no seu trono, e nem mesmo aqueles que o

servem o vêem pessoalmente.

— Como é ele? — perguntou a menina.

— É praticamente impossível de se saber — disse o homem, pensativo. — Como

você sabe, sendo um mágico, ele pode tomar qualquer forma. Ora aparece como um

pássaro, ora como um elefante. Há até quem diga que se parece com um gato. Outros

por sua vez afirmam já tê-lo visto como uma linda fada. Contudo, o que ele é, na

realidade, nenhuma pessoa viva poderá dizer.

— É muito estranho — disse Dorothy. — Mas, em todo caso, teremos que

procurar vê-lo.

— O que querem dele?

— Quero que ele me dê um cérebro — disse o Espantalho.

— Ele pode atendê-lo facilmente — disse o homem —, pois tem mais cérebros

do que precisa.

— E eu quero um coração — disse o Lenhador de Lata.

— Isso não seria problema — continuou o homem —, uma vez que Oz possui

uma grande coleção de corações.

— E eu coragem — disse o Leão Covarde.

— Oz tem consigo um grande pote de coragem — disse o homem. — Talvez ele

lhe dê um pouco.

— Eu quero que ele me mande de volta para o Kansas – disse Dorothy.

— Onde fica o Kansas? — perguntou o homem, surpreso.

— Eu não sei – lamentou Dorothy. — Mas é lá que moro, e tem que ser em

algum lugar.

— Bem... — disse o homem. — Oz tem poderes para satisfazê-los. Mas para

isso é preciso que o vejam, e é esta a dificuldade. E você, o que quer? — perguntou,

dirigindo-se ao Totó.

Totó limitou-se a balançar a cauda, pois, como já se sabe, não poderia falar.

Nesse momento, a mulher chamou-os para cear.

Dorothy tomou sopa, e comeu ovos com pão e gostou muito da refeição. O leão

também tomou um pouco da sopa, mas não gostou muito, pois sopa de aveia é comida de

cavalo e não de leão. Quanto a Totó, comeu um pouquinho de tudo.

Dorothy dormiu com Totó na cama que lhe foi dada, enquanto o leão guardava a

porta do quarto, para que a menina não fosse perturbada. O Espantalho e o Lenhador de

Lata permaneceram quietos a noite toda, embora naturalmente não pudessem dormir.

Ao raiar do sol reiniciaram a marcha e, daí a pouco, viram um magnífico brilho

verde bem a sua frente no céu.

— Deve ser a Cidade das Esmeraldas — disse Dorothy.

À medida que andavam, o brilho verde se tornava mais e mais intenso. Parecia

que, finalmente, estava próximo o fim da jornada. E ao cair da noite chegavam à grande

muralha que circundava a cidade.

Bem à sua frente erguia-se um majestoso portão todo incrustado de esmeraldas

tão brilhantes que quase ofuscaram os olhos rabiscados do Espantalho.

Dorothy fez soar o sino e o portão abriu-se lentamente. Nossos amigos se viram

dentro de uma magnífica peça, em cujas paredes igualmente resplandeciam inúmeras

esmeraldas.

Diante deles surgiu um homenzinho do tamanho dos Comilões.

Vestia-se de verde da cabeça aos pés e até sua pele era esverdeada. Ao seu

lado havia uma grande caixa, igualmente verde.

Ao ver o grupo, indagou:

— Que desejam na Cidade das Esmeraldas?

— Ver o Grande Oz — disse Dorothy.

O homem surpreendeu-se tanto com a resposta que se sentou, pensativo.

— Há anos que ninguém me pede para vê-lo — disse. — É terrível e poderoso.

Se desejam interromper suas sábias reflexões com um recado frívolo, ele pode se

enfurecer e destruí-los em menos de um segundo.

— Mas trata-se de algo importante — interveio o Espantalho. – E já nos disseram

que Oz é um sábio bondoso.

— Realmente — disse o homenzinho. — Ele governa a Cidade das Esmeraldas

com sabedoria e bondade; mas, para os que são desonestos ou os que vêm a ele

movidos tão-somente pela curiosidade, é mais que terrível. Sou o guarda do portão, e já

que me pedem para vê-lo, devo conduzi-los a seu palácio, mas é preciso que vocês

ponham estes óculos para que o esplendor da cidade não os cegue para sempre.

O homenzinho abriu a caixa e retirou um par de óculos de lentes verdes para

cada viajante. Os óculos eram atados em torno da cabeça por uma tira dourada que se

fechava com uma chavezinha, que apenas o guarda possuía.

Depois que todos estavam protegidos pelas lentes dos óculos, o guarda abriu

outro portão e todos o seguiram através das magníficas ruas da Cidade das Esmeraldas.

11 — A maravilhosa Cidade das Esmeraldas

Embora usassem óculos protetores, Dorothy e seus companheiros foram, a

princípio, ofuscados pelo brilho da magnífica cidade. As ruas, calçadas de mármore verde,

eram ladeadas por lindas casinhas, e por toda parte viam-se esmeraldas a reluzir. As

vidraças das janelas eram verdes, e até mesmo o céu que cobria a cidade tinha um tom

esverdeado. Homens e mulheres andavam de um lado para o outro, todos vestidos de

verde e com a pele igualmente esverdeada. Olhavam para os visitantes com indisfarçada

curiosidade, e as crianças corriam para trás das mães ao verem o leão. Muitas lojas

ladeavam a rua, e Dorothy pôde verificar que tudo o que vendiam tinha a cor verde, desde

pipoca até peças de roupa.

Parecia não haver animais de espécie alguma. E todos pareciam felizes naquela

terra maravilhosa.

O guarda conduziu-os até o Palácio de Oz, que ficava bem no centro da cidade.

À porta estava um sentinela vestido de verde.

— São forasteiros — disse o guarda, apontando para o grupo – e pedem para ver

o Grande Oz.

— Entrem — respondeu o soldado. — Levarei sua mensagem até ele.

Desse modo, foram levados para uma grande peça atapetada de verde.

Quando tinham se sentado em poltronas verdes, o sentinela disse-lhes

polidamente:

— Estejam à vontade, enquanto vou à sala do trono avisar Oz que vocês estão

aqui.

Foram obrigados a esperar um tempo enorme pelo sentinela.

Finalmente ele voltou, e Dorothy perguntou:

— Você viu Oz?

— Absolutamente — replicou o soldado. — Jamais o vi. Falo com ele por detrás

do biombo. Ele disse que terá prazer em recebê-los, mas um em cada dia. Como terão

que passar vários dias aqui, vou lhes mostrar os quartos em que ficarão hospedados.

O sentinela fez soar um apito e, imediatamente, surgiu uma mocinha de avental

verde.

— Siga-me — disse ela a Dorothy, fazendo um cumprimento —, eu lhe mostrarei

o seu quarto.

Então Dorothy despediu-se dos amigos e, segurando Totó no colo, seguiu a

mocinha, indo ter a um belo quartinho, com uma cama confortável, coberta de lençóis de

seda verde. Havia uma fonte pequenina no centro do quarto, por onde esguichava um

perfume de cor verde. Na estante havia vários livros e no guarda-roupa, vestidos de seda

e veludo, todos do tamanho de Dorothy e igualmente verdes.

— Esteja em sua casa — disse a mocinha de verde. — Se precisar de alguma

coisa é só tocar a campainha. Oz a verá amanhã pela manhã.

Ao dizer isso, saiu e foi cuidar dos outros.

Não é preciso dizer que a delicadeza dispensada ao Espantalho e ao Lenhador

de Lata foi desnecessária, pois, como já se sabe, não podiam dormir. Quanto ao leão,

bem que teria preferido um tapete de folhas na floresta, mas, em todo caso, deitou-se na

cama que lhe deram e logo adormeceu.

Pela manhã a criadinha foi buscar Dorothy e vestiu-lhe o mais belo vestido do

guarda-roupa. Dorothy, por sua vez, atou uma fita verde em torno do pescoço de Totó; e

dirigiram-se, finalmente, para a sala do trono.

No vestíbulo havia várias pessoas, que nada faziam senão conversar, pois

estavam cansadas de saber que não seriam recebidas pelo Grande Oz. Ao verem

Dorothy, perguntaram:

— Você vai vê-lo cara a cara?

— Naturalmente — respondeu a menina —, desde que ele queira me ver.

— Ele a verá — disse o sentinela que levara a mensagem ao mágico —, embora

não goste que as pessoas peçam para vê-lo. A princípio disse-me para mandá-los de volta

para o lugar de onde vieram, mas a seguir pediu-me que a descrevesse e, quando soube

que tinha sapatos prateados e essa marca na testa, decidiu recebê-los.

Então soou uma campainha e a criadinha de verde fez com que a menina

entrasse sozinha por uma pequena porta. Dorothy viu-se subitamente num lugar de

estonteante beleza. Era uma sala grande e circular, de teto alto e côncavo, com paredes

cobertas de esmeraldas. Do centro do teto descia uma luz tão brilhante quanto o sol.

Mas o que mais interessava a Dorothy era o grande trono de mármore verde, que

ficava bem no meio da sala. Brilhava ainda mais que as paredes e o assoalho. No meio

do trono estava uma cabeça, desprovida de corpo e cabelo. Possuía olhos, nariz e boca,

e era maior que a cabeça do maior dos gigantes.

Enquanto Dorothy olhava para ela com espanto e pavor, os olhos se fixaram nela

e a boca pronunciou estas palavras:

— Sou Oz, o Grande e Terrível. Quem é você e o que deseja?

— Sou Dorothy, a pequena e meiga. Venho pedir-lhe auxílio.

Os olhos fixaram-na pensativos e a voz voltou a falar:

— Onde conseguiu esses sapatos prateados?

— Consegui-os quando minha casa matou a Perversa Fada do Leste.

— E essa marca na testa?

— Isso é a marca que ficou de um beijo da Boa Fada do Norte, quando ela me

abençoou e me mandou procurá-lo.

Oz fitou-a com um olhar penetrante e, verificando que a menina dizia a verdade,

perguntou:

— O que deseja de mim?

— Que me devolva ao Kansas, onde estão minha tia Ema e meu tio Henry.

— E por que devo fazer isso por você? — perguntou o mágico, depois de refletir

algum tempo.

— Porque o senhor é forte e eu sou fraca; porque o senhor é um grande mágico

e eu não passo de uma pobre menina.

— Mas você foi suficientemente forte para matar a Perversa Fada do Leste —

disse Oz.

— Foi um mero acaso — interveio a menina.

— Bem — disse o mágico —, vou lhe dar minha resposta. Você não tem o direito

de esperar que eu lhe mande de volta ao Kansas sem que nada me dê em troca.

— E o que devo fazer? — perguntou a menina.

— Matar a Perversa Fada do Oeste.

— Mas eu não tenho poderes para isso! — exclamou a menina.

— Como não?! Você matou a Perversa Fada do Leste e usa sapatos de prata,

que lhe concedem um grande poder. Agora há somente uma Fada Perversa em toda a

Terra de Oz e, quando você me disser que ela está morta, eu lhe mandarei de volta à sua

terra. Não antes, porém. — Nunca matei ninguém por querer — disse a menina —, e

mesmo que quisesse, como poderia matar a Fada Perversa, se o senhor que é Grande e

Poderoso não pode?

— Isso é lá com você. Tem minha resposta definitiva, e não peça para ver-me

antes de ter cumprido a tarefa que lhe cabe.

Cheia de tristeza, Dorothy saiu da Sala do Trono. Os amigos que a esperavam

tentaram consolá-la, mas foi inútil. Dorothy foi para o seu quarto e chorou até cair no

sono.

Na manhã seguinte o sentinela conduziu o Espantalho à Sala do Trono. Lá

estava, sentada no trono, uma belíssima senhora, vestida em seda verde. Dos ombros

erguiam-se umas asas tão leves que a menor brisa as fazia esvoaçar.

O Espantalho cumprimentou o mais delicadamente possível tão adorável criatura.

Ela olhou-o com doçura e disse:

— Sou Oz, o Grande e Terrível. Quem é você e por que me procura?

O Espantalho muito se surpreendeu, já que esperava ver a cabeça que Dorothy

descreveu; entretanto, manteve-se firme e disse:

— Não passo de um humilde Espantalho, forrado de palha. Sendo assim, não

possuo cérebro, e vim aqui para pedir-lhe que me conceda um, a fim de que eu possa ser

um homem como qualquer outro.

— E por que razão devo fazer isso por você?

— Porque a senhora é sábia e poderosa e ninguém mais pode me ajudar.

— Nunca concedo favores sem nenhuma recompensa — disse Oz. – Mas se

você matar a Perversa Fada do Oeste, eu lhe farei o mais sábio e inteligente de todos os

homens que vivem nas minhas terras.

— Eu pensei que a senhora tivesse mandado Dorothy matá-la – disse o

Espantalho, surpreendido.

— E assim o fiz. Pouco me importa que venha a matá-la. Mas enquanto ela

estiver viva não satisfarei seu desejo. Agora vá e não volte antes de ter feito por merecer

ser atendido.

E o Espantalho voltou desolado para os seus amigos e contou o que se passara

com ele. Dorothy ficou muito surpreendida em saber que o Grande Mágico não era uma

cabeça, mas uma linda senhora.

— Dá na mesma — disse o Espantalho —, ela precisa tanto de um coração

quanto o Lenhador de Lata.

Na manhã seguinte o sentinela conduziu o Lenhador de Lata à Sala do Trono.

Enquanto para lá se encaminhava, o Lenhador ia torcendo para que Oz fosse uma linda

senhora e não uma cabeça, já que as cabeças não se compadecem de ninguém,

enquanto as senhoras são tidas como piedosas.

No entanto, quando o Lenhador entrou na sala, não viu nem uma cabeça, nem

tampouco uma linda senhora. Oz tinha tomado a forma de um animal, quase tão grande

quanto um elefante. O animal tinha uma cabeça parecida com a de um rinoceronte,

embora tivesse cinco olhos.

Dez patas saíam do seu corpo, coberto de um pêlo grosso e lanoso.

Animal mais terrível não poderia ser imaginado.

— Sou Oz, o Grande e Terrível — disse a fera, numa voz que antes parecia um

rugido. — Quem é você e por que me procura?

— Sou um Lenhador de Lata. Como tal não tenho coração e não posso amar.

Imploro-lhe que me dê um coração, para que possa ser como os outros homens.

— E por que razão devo fazer isso por você?

— Porque eu estou pedindo, e só o senhor pode me atender.

Oz grunhiu e disse:

— É preciso que faça por merecê-lo, ajudando Dorothy a matar a

Perversa Fada do Oeste. Quando ela estiver morta, conceder-lhe-ei o maior e

mais amoroso dos corações.

O Lenhador de Lata voltou para os seus amigos e contou-lhes o que se passou.

Todos admiraram muito o poder do mágico de se transformar quanto quisesse, e o leão

disse:

— Se amanhã estiver sob a forma de uma fera rugirei tão alto, que, compelido

pelo medo, fará tudo o que eu pedir. O mesmo acontecerá se for uma linda senhora e, se

estiver sob a forma de cabeça, eu a rolarei pelo chão até que atenda a nossos desejos.

No dia seguinte, para grande desapontamento do leão, o mágico tinha se

transformado numa cintilante bola de fogo, de onde saiu uma voz baixa:

— Sou Oz, o Grande e Terrível. Quem é você e o que deseja?

— Sou um Leão Covarde. Vim implorar-lhe coragem para que realmente me

torne o Rei dos Animais.

— Se você me trouxer alguma prova da morte da Perversa Fada do Oeste, terá o

que deseja. Mas enquanto ela estiver viva, permanecerá tão covarde quanto é agora.

O leão foi ter com os amigos e contou-lhes o sucedido.

— O que vamos fazer? — perguntou Dorothy, tristemente.

— Só há uma coisa — respondeu o leão. — Irmos à terra dos Pisca-piscas e

matar a Perversa Fada do Oeste.

— E se não conseguirmos? — insistiu Dorothy.

— Se não conseguirmos — disse o Espantalho —, jamais conseguirei um

cérebro, o leão nunca obterá a coragem que deseja, o Lenhador não poderá ganhar um

coração e você jamais poderá voltar para seus tios.

— Já que é assim – disse Dorothy —, teremos que tentar.

E os outros aprovaram-na, embora sem entusiasmo.

A seguir prepararam-se para a próxima jornada. O Lenhador de Lata lubrificou-se

devidamente, o Espantalho renovou o forro de palha e Dorothy pediu à criadinha que

enchesse sua cesta com bastante comida.

Além disso, a criadinha atou uma sinetinha ao pescoço do Totó com uma fitinha

verde.

Dormiram muito cedo e acordaram com o canto do galo, que vivia no quintal do

palácio.

12 — Em busca da Fada Perversa

Uma vez fora da cidade, já livres dos óculos protetores, Dorothy perguntou:

— Qual a estrada que devemos seguir?

— Segundo o guarda do portão não há estrada — disse o Espantalho.

— Mas devemos encaminhar-nos para o poente.

E o grupo dirigiu-se para o oeste, passando por campos floridos.

Dorothy usava o mesmo vestido que pusera no palácio e ficou muito espantada

ao verificar que não era mais verde e sim branco. O mesmo se passara com a fita que a

criadinha colocara em torno do pescoço de Totó.

À medida que avançavam, o terreno se tornava cada vez mais áspero.

Não se viam fazendas, e os campos jaziam abandonados.

À tarde, o sol começou a queimar-lhes o rosto e, antes do anoitecer, Dorothy,

Totó e o leão estavam extenuados e foram obrigados a sentar-se sobre a relva.

Embora a Perversa Fada do Oeste possuísse apenas um olho, este era tão

poderoso que podia ver o que quisesse. E ao sentar-se à porta do castelo, aconteceu-lhe

passar a vista por onde estava o nosso grupo, que a esta altura já caíra no sono, com

exceção, é lógico, do Espantalho e do Lenhador de Lata. Ao vê-los em seus domínios, a

feiticeira ficou tão indignada que, imediatamente, ordenou a um grande número de lobos

que estraçalhasse os viajantes.

— Não quer torná-los seus escravos? — perguntou o chefe dos lobos.

— Não! — respondeu a bruxa. — Um é de lata, outro de palha, uma é pequena e

o outro, um leão. Nenhum deles serve para trabalhar. Destruam todos.

— Muito bem! — disse o lobo; e disparou imediatamente seguido dos seus

companheiros, em direção do grupo.

Foi uma sorte que o Espantalho e o Lenhador estivessem acordados e ouvissem

os lobos a correr.

O Lenhador ergueu o machado e esperou que eles chegassem; e um por um, a

começar pelo próprio chefe dos lobos, foi morto.

O Espantalho elogiou a destreza do companheiro e ambos se puseram outra vez

a esperar pacientemente pela alvorada.

Ao acordar, Dorothy assustou-se com a enorme pilha de lobos peludos, mas o

Lenhador explicou-lhe o que acontecera. A menina agradeceu-lhe por ter salvo sua vida e

sentou-se para fazer sua primeira refeição, depois do que nosso grupo reiniciou sua

caminhada.

Nesta mesma manhã a Fada Perversa veio novamente até a porta e verificou

com seu olhar telescópico que seus lobos estavam todos mortos e que Dorothy e seus

companheiros continuavam sua marcha. Isso encolerizou-a ainda mais, e ela fez soar seu

apito prateado duas vezes.

Imediatamente um bando de corvos selvagens em número suficiente para

escurecer o céu veio até ela.

— Matem os forasteiros — disse ela ao Rei dos Corvos — e façam todos em

pedacinhos.

Os corvos selvagens voaram em direção a Dorothy e seus companheiros,

formando uma grande massa compacta, que muito assustou a menina.

— Agora é minha vez — disse o Espantalho. — Deitem-se ao meu lado e não

sofrerão nada.

Assim fizeram todos, à exceção do Espantalho que ficou de pé com osbraços

abertos. Inicialmente ficaram amedrontados, mas logo descobriram que o Espantalho não

passava de um boneco de palha e resolveram atacá-lo.

Um por um, o Espantalho foi torcendo o pescoço dos corvos, até que não restou

senão um bando de corvos mortos.

Então todos se levantaram e outra vez puseram-se a caminhar.

Quando a Fada Perversa viu que todos os seus corvos tinham sido mortos,

tomou-se de tal furor que fez seu apito prateado soar três vezes.

Um grande zumbido de abelhas se fez ouvir e um enxame surgiu, voando na

direção da feiticeira.

— Piquem os forasteiros até que eles morram — ordenou ela, e as abelhas

obedeceram. Antes, porém, que elas chegassem até onde estavam os viajantes, o

Espantalho decidiu o que tinha que ser feito.

— Tire toda a palha que me serve de forro e cubra com ela o leão, Dorothy e o

Totó — disse para o Lenhador. — Desse modo as abelhas não poderão picá-los.

E assim fizeram o mais rapidamente que podiam.

Quando as abelhas chegaram, não havia mais ninguém para picar, a não ser o

Lenhador, e elas investiram contra ele, partindo na lata os seus ferrões. Como as abelhas

não podem viver sem ferrões, todas elas morreram, e este foi o fim das abelhas negras.

Uma vez de pé, Dorothy ajudou o Lenhador de Lata a recolocar a palha dentro do

Espantalho e, depois de todo forradinho, estava o mesmo de sempre.

Mais uma vez nosso grupo se pôs a caminho.

A Fada Perversa quase enlouqueceu ao ver seu terrível bando de abelhas negras

reduzido a uma pilhazinha de cadáveres.

Chamou doze dos seus escravos, os Pisca-piscas, entregou uma lança a cada

um deles e deu ordens terminantes, exigindo que destruíssem os forasteiros.

Os Pisca-piscas não eram gente muito corajosa, embora tivessem que se portar

como se o fossem. Assim, seguiram em frente e chegaram a se aproximar de Dorothy,

mas quando depararam com o leão e ouviram seu enorme rugido, fugiram o mais

depressa que puderam.

Quando chegaram de volta ao castelo, a Fada Perversa espancou-os com uma

correia, mandando-os de volta ao trabalho, e pôs-se a pensar na melhor forma de agir.

Por fim resolveu o que faria a seguir:

A Fada Perversa possuía um capacete dourado, incrustado de rubis e diamantes.

Este capacete era encantado e qualquer pessoa que o usasse poderia utilizar-se três

vezes dos serviços dos Macacos Alados. À Fada Perversa restava apenas um pedido.

Entretanto, vendo mortos seus lobos, seus corvos e suas abelhas, e seus escravos

afugentados, não teve outra alternativa.

Pôs o capacete na cabeça e, apoiando-se apenas em um dos pés, falou umas

palavras arrevesadas.

O céu escureceu e subitamente a Fada Perversa se viu rodeada de Macacos

Alados. Deu-lhes então sua última ordem.

— Destruam os forasteiros. Poupem o leão e tragam-no para cá; trabalhará para

mim.

Os macacos partiram imediatamente em direção do nosso grupo. Alguns deles

agarraram o Lenhador e largaram-no sobre rochas que tanto o arranharam e danificaram,

que não pôde se movimentar ou gemer.

Outros esvaziaram o Espantalho de toda a palha que o forrava, fizeram uma

pequena trouxa com o pano que lhe servia de pele e jogaram-no para os galhos de uma

árvore.

Os macacos restantes imobilizaram o leão com uma corda resistente e levaram-

no para uma pequena jaula que havia no castelo da Fada Perversa.

Dorothy, entretanto, não foi molestada. Ao verem a marca que a menina trazia na

testa, não se arriscaram a provocar as forças do Bem, e limitaram-se a transportá-la para

o castelo da terrível feiticeira. Depois de terem prestado seu relatório à Fada Perversa,

despediram-se dela definitivamente.

A Fada Perversa ficou preocupada ao ver a marca que Dorothy trazia na testa,

pois ela sabia que nem os Macacos Alados, nem ela mesma, seriam capazes de molestá-

la. Em seguida percebeu que os sapatinhos de Dorothy eram de prata, e isso a fez tremer

de medo.

Posteriormente, porém, fitou a menina nos olhos e pôde ler através deles a

candura e simplicidade da sua alma infantil e concluiu que a própria menina ignorava o

tremendo poder que aquele par de sapatos lhe conferia. "Posso torná-la minha escrava",

pensou, "já que não sabe o poder que possui."

— Venha comigo — disse a feiticeira. — E preste bem atenção no que vou lhe

dizer, senão pode ter o mesmo fim que tiveram o Espantalho e o Lenhador de Lata.

A Fada Perversa conduziu a menina até a cozinha e ordenou-lhe que lavasse a

louça, varresse o chão e alimentasse o fogo com lenha.

Dorothy pôs-se a trabalhar docilmente, resolvida a fazê-lo da melhor forma

possível, pois estava muito contente pelo fato de ter sido poupada.

A Fada Perversa foi então até a jaula onde estava o leão, disposta a carregá-lo

como a um cavalo. Mas assim que abriu a portinhola o Leão Covarde rugiu e avançou

para ela tão ameaçadoramente que a feiticeira foi obrigada a sair da jaula o mais

depressa que pôde.

— Se não consentir que eu lhe atrele ao meu carro — gritou ela quando já estava

do lado de fora —, você morrerá de fome.

E todos os dias lá ia ela perguntar ao leão se ele estava disposto a ser atrelado

ao carro como um cavalo.

— Morro de fome, mas não me submeto — dizia o leão —, e se você entrar aqui

vai ver o que é bom.

Não fosse Dorothy, entretanto, o leão logo teria cedido. Toda noite, depois que a

Fada Perversa já tinha adormecido, a menina levava comida ao companheiro e ficava

com ele a fazer planos para escapar. Contudo, não viam como isso seria possível, já que

o castelo era todo guardado pelos Pisca-piscas amarelos, os escravos da Fada Perversa.

A menina trabalhava o dia inteiro e, volta e meia, a bruxa ameaçava espancá-la

com um guarda-chuva que ela levava para todo canto.

É bem verdade que isso não passava de ameaça, pois a Fada Perversa jamais

se atreveria a bater na menina, sabendo-a protegida das forças do Bem. Mas como

Dorothy não sabia disso, muito temia por ela e por Totó. Certa vez a feiticeira chegou a

bater no cãozinho e este respondeu-lhe bravamente com uma mordida. A mulher,

entretanto, não sangrou. Era tão perversa que há muito o sangue deixara de correr-lhe

nas veias.

Dorothy foi ficando muito triste à medida que o tempo passava, e ela

compreendia que seria mais difícil do que nunca voltar ao Kansas.

A Fada Perversa, por sua vez, estava muito preocupada em obter para si os

sapatos prateados da menina. Mas isso era muito difícil, pois Dorothy só os tirava na hora

de dormir e de tomar banho, e a feiticeira tinha um medo terrível do escuro e da água.

Mas a perversa criatura era muito esperta e, finalmente, concebeu uma trama que lhe

proporcionaria o que desejava.

Colocou uma barra de ferro no chão da cozinha e com um passe de mágica

tornou-a invisível. Dessa maneira, ao atravessar a cozinha Dorothy tropeçou na barra e,

embora não se machucasse muito, um dos seus sapatos voou pelos ares e, antes que

pudesse alcançá-lo, a Fada Perversa já o agarrara, calçando-o imediatamente.

A pérfida mulher ficou muito satisfeita com o sucesso da sua armadilha, uma vez

que possuindo um dos sapatos possuía metade dos poderes que eles conferiam e mesmo

que Dorothy ficasse sabendo do seu encanto não poderia usá-lo contra ela.

— Devolva meu sapato — disse a menina, muito zangada.

— Não — respondeu a feiticeira —, pois agora ele é meu e não seu. E pode ficar

certa que mais cedo ou mais tarde lhe tomarei o outro.

A menina ficou tão furiosa com a mulher, que apanhou um balde d'água que

estava no chão e despejou-o sobre ela.

Instantaneamente a feiticeira soltou um grito e começou a encolher.

— Veja o que você fez! — gritou. — Num instante estarei toda derretida.

— Sinto muito – disse Dorothy, sinceramente penalizada.

— Em poucos minutos terei desaparecido completamente e você será a dona

deste castelo — lamentou a feiticeira. — Nunca pensei que uma simples menina poria fim

a toda minha maldade... Veja, lá me vou...

E com essas palavras a Perversa Fada do Oeste desapareceu para sempre.

Dorothy tornou a calçar seu sapatinho e foi ter com o leão para libertá-lo da jaula

e contar-lhe o sucedido.

13 — O salvamento

Depois de ter contado ao leão como tinha destruído a Fada Perversa, Dorothy

dirigiu-se para o castelo, onde reuniu os habitantes da região e anunciou-lhes a liberdade.

Foi imenso o júbilo dos Pisca-piscas. Proclamaram feriado aquele dia, que ficou

para sempre como um símbolo de alegria e liberdade.

— Se o Espantalho e o Lenhador estivessem conosco eu me sentiria

completamente feliz — disse o leão.

— Será que não podemos salvá-los? — perguntou a menina.

— Podemos tentar — respondeu o leão.

Os Pisca-piscas se ofereceram imediatamente para ajudá-los e daí a pouco uma

pequena comitiva, composta por alguns habitantes do país, além da menina e do leão,

partiu em busca, dos viajantes perdidos.

Um dia e meio se passou até chegarem ao lugar onde jazia o Lenhador de Lata,

todo amassado e arranhado. Em seguida transportaram-no cuidadosamente até o castelo

e os funileiros do lugar puseram-se a consertá-lo.

Afinal o Lenhador de Lata estava refeito, não sem algumas emendas, é verdade,

mas como não era vaidoso, não deu importância alguma a este fato.

— Se tivéssemos o Espantalho junto a nós — disse o Lenhador, depois de ter

derramado lágrimas de amizade —, eu ficaria completamente feliz.

— Precisamos encontrá-lo — disse Dorothy.

Novamente os Pisca-piscas se ofereceram para ajudá-los.

Dia e meio mais tarde chegavam a uma árvore, em cujos ramos estava

dependurado o Espantalho, ou, melhor dizendo, sua roupa.

O Lenhador tratou de abatê-la com um machado de ouro que os Pisca-piscas lhe

tinham dado. Dorothy apanhou a roupa do Espantalho e levou-a de volta para o castelo.

Os Pisca-piscas se encarregaram de forrá-la com uma palhinha muito clara e

limpa e, por incrível que pareça, o Espantalho ficou novinho em folha, tão vivo como

antes.

Depois de alguns dias muito felizes passados entre os Pisca-piscas, Dorothy

lembrou-se de tia Ema e do tio Henry.

— Temos que exigir do Grande Oz o que nos foi prometido – disse aos seus

companheiros.

E todos concordaram em partir no dia seguinte.

Os Pisca-piscas despediram-se deles, muito contra a vontade, principalmente no

que diz respeito ao Lenhador de Lata. Para ser exato, tinham-se afeiçoado a tal ponto por

ele que chegaram mesmo a convidá-lo para ficar governando o país. Verificando que era

impossível detê-los, limitaram-se a presenteá-los. A Dorothy coube um lindo bracelete de

ouro. O leão e o Totó foram agraciados com um colar de ouro, cada um. Igualmente de

ouro era a bengala que eles ofereceram ao Espantalho. Quanto ao Lenhador de Lata,

recebeu um potezinho de óleo, feito de prata folheada a ouro e todo incrustado de

diamantes.

Finalmente, tudo preparado para a viagem, nossos amigos partiram para a

Cidade das Esmeraldas.

14 — Os Macacos Alados

Vocês devem estar lembrados que não havia caminho algum que ligasse a

Cidade das Esmeraldas ao Castelo da Perversa Fada do Oeste. Quando os quatro

viajantes estavam à procura da Fada Perversa, ela os viu a meio caminho, e enviou os

Macacos Alados para trazê-los. E agora era muito difícil descobrir qual a direção a seguir.

Sabiam, evidentemente, que tinham que andar sempre para o leste, na direção do sol

nascente; mas lá por volta de meio-dia o sol estava sobre suas cabeças, e eles não

podiam saber onde era Leste ou Oeste, e essa era a razão por que estavam perdidos nos

campos. Continuaram a andar, entretanto, e só à noite todos pararam.

Na manhã seguinte o sol foi encoberto pelas nuvens, mas eles prosseguiram

como se tivessem certeza do caminho a seguir.

Dias e dias se passaram sem que chegassem à Cidade das Esmeraldas ou a

outro lugar qualquer.

— Está mais que claro que perdemos nosso caminho — disse o Espantalho — e,

a menos que o encontremos a tempo de voltarmos para a Cidade das Esmeraldas, jamais

terei meu cérebro.

Dorothy ia falar qualquer coisa, mas caiu fatigada no chão.

— E se chamássemos a Rainha dos Ratos? — disse a menina depois de retomar

o fôlego.

— É uma ótima idéia — concordou o Espantalho.

E Dorothy fez soar o apitozinho azul que a rainha lhe dera no dia em que se

conheceram.

Em poucos minutos surgiram ratos vindos de todos os lados, inclusive a própria

rainha.

— Que posso fazer pelos meus amigos? — perguntou ela.

— Perdemos nosso caminho — disse Dorothy. — Talvez Vossa Majestade possa

nos dizer onde fica a Cidade das Esmeraldas.

— É muito longe daqui — disse a rainha. — Parece-me que vocês têm

caminhado na direção oposta. Mas diga-me uma coisa. Por que não usa o encanto desse

capacete e pede aos Macacos Alados que a levem até Oz?

Realmente Dorothy trazia consigo o capacete de ouro, que pertencera à Fada

Perversa. Apanhara-o de uma prateleira simplesmente por achá-lo bonito, ignorando

todos os seus poderes.

— E qual é o seu encanto? — perguntou ansiosamente a menina.

— Está escrito dentro do capacete — disse a rainha —, mas se você chamar os

Macacos Alados espere que nós possamos partir, pois eles podem causar-nos algum

dano. A você não molestarão, pois têm que obedecer ao dono do capacete.

E em poucos segundos a rainha desapareceu seguida dos outros ratos.

Dorothy leu o que estava escrito dentro do capacete e, colocando na cabeça,

seguiu cuidadosamente as instruções. Imediatamente surgiram no ar os Macacos Alados,

e o que provavelmente era o chefe perguntou:

— Qual é a sua ordem?

— Quero que nos levem à Cidade das Esmeraldas — disse a menina.

— Assim faremos — disse o chefe.

E cada um dos nossos viajantes foi alçado aos ares por um ou mais de um

Macaco Alado, segundo o peso de cada um.

Dois dos macacos carregavam Dorothy, um deles o próprio chefe. Tinham feito

uma cadeirinha com os braços e cuidavam de não machucá-la.

— Por que são obrigados a obedecer ao encanto do capacete? – quis saber a

menina.

— É uma longa história — disse o chefe —, mas como temos uma longa viagem

diante de nós, posso contá-la para passar o tempo, se é que você deseja.

— Gostaria muito de ouvir essa história — disse Dorothy.

— Há muito tempo — começou o chefe — fomos um povo livre, que vivia feliz

numa grande floresta, voando de galho em galho, comendo nozes e frutos, fazendo

unicamente o que desejava. Mas isso foi muito antes do dia em que Oz surgiu dentre as

nuvens para governar estas terras. Naquele tempo morava ao norte uma linda princesa.

Chamava-se Alegria e empregava toda sua mágica para fazer o bem ao povo. Todos a

amavam e admiravam. A princesinha possuía, entretanto, uma grande mágoa. Não

encontrava ninguém que merecesse seu amor, ninguém que fosse digno de desposá-la.

Um dia, porém, encontrou um menino, que ela achou ser elegante, bondoso e inteligente.

Resolveu então criá-lo perto de si a fim de se casar com ele quando ficasse adulto. Por

fim o menino tornou-se um homem que reunia todas as qualidades imagináveis. A

princesa apaixonou-se por ele e tratou de aprontar tudo o mais rapidamente possível para

o casamento.

O Macaco Alado fez uma pequena pausa e continuou:

— Meu avô era nessa época o Rei dos Macacos Alados, que viviam perto do

palácio da princesa. O velho adorava pregar uma peça em alguém. Na véspera do

casamento a que me referi, meu avô voava com seu bando sobre um rio, quando viu o

noivo a passear e decidiu fazer uma brincadeira com ele. Ordenou, então, ao seu bando

que o agarrasse e o jogasse no meio do rio. Para ser sincero o noivo até riu da

brincadeira, embora tenha sido obrigado a nadar um bom pedaço.

A princesa, entretanto, ao ver seu noivo todo molhado, com as roupas finíssimas

manchadas, ficou furiosa. Ora, era muito fácil adivinhar o autor da peripécia. Mandou,

então, que trouxessem os Macacos Alados à sua presença e estabeleceu que o nosso

povo ficaria obrigado a satisfazer três desejos de cada pessoa que possuísse o Capacete

de Ouro. A primeira dessas pessoas foi o próprio noivo da princesa. Depois o capacete

caiu nas mãos da Fada Perversa.

Primeiramente ela fez com que escravizássemos os Pisca-piscas, depois

ordenou-nos que expulsássemos o Grande Oz do Reino do Oeste e finalmente obrigou-

nos a levar vocês até o castelo. Agora o capacete é seu e, por três vezes, você pode

exigir que lhe cumpramos qualquer desejo.

Mal o Rei dos Macacos acabou de contar sua história, Dorothy avistou a Cidade

das Esmeraldas.

As estranhas criaturas pousaram-nos suavemente diante do portão da cidade e

se despediram.

15 — Oz, o Terrível

— Quê?! — exclamou o guarda do portão. — Vocês por aqui? Pensei que

tivessem ido às Terras do Oeste.

— E fomos — replicou o Espantalho.

— E a Fada Perversa permitiu que vocês escapassem do seu domínio? —

perguntou o homem assombrado.

— Não teve como impedi-lo — retrucou outra vez o Espantalho. Dorothy destruiu-

a.

Espantadíssimo, o guarda fez uma profunda reverência para a menina e

conduziu o grupo ao pequeno vestíbulo, onde estavam guardados os óculos verdes.

A seguir foram conduzidos ao Palácio de Oz. Informado do feito dos viajantes, o

sentinela deixou-os passar imediatamente e a criadinha verde levou-os aos seus

aposentos.

Ao contrário do que esperavam, entretanto, não foram logo recebidos pelo

mágico. Tampouco o foram nos dias seguintes. Finalmente os viajantes perderam a

paciência. O Espantalho pediu à mocinha que fosse avisar ao Grande Oz que, caso não

fossem logo atendidos, chamariam os Macacos Alados para obrigá-lo a cumprir suas

promessas de uma vez por todas.

Oz ficou tão assustado ao ouvir a criadinha falar em Macacos Alados que

ordenou imediatamente que fosse marcada uma audiência com os viajantes para a

manhã seguinte.

Às nove horas do dia seguinte o sentinela conduziu-os à Sala do Trono. Para

grande espanto dos nossos amigos não havia ninguém na sala. Daí a pouco, entretanto,

ouviram uma voz, que parecia vir do teto.

— Sou Oz, o Grande e Terrível. Que querem de mim?

— Onde está você? — perguntou a menina.

— Em toda parte — respondeu a voz. — Mas para os olhos dos pobres mortais,

sou invisível. Vou sentar-me no trono para que possamosonversar melhor.

Realmente a voz parecia agora vir do trono. Nossos amigos aproximaram-se e

puseram-se em fila. Finalmente, Dorothy disse:

— Viemos reclamar sua promessa.

— Que promessa? — perguntou Oz.

— Você me prometeu que me mandaria de volta para o Kansas, desde que a

Fada Perversa fosse destruída — disse a menina.

— E a mim prometeu um cérebro — disse o Espantalho.

— E a mim um coração — disse o Lenhador de Lata.

— E a mim coragem — completou o Leão Covarde.

— E vocês estão certos de que a Fada Perversa foi realmente destruída? —

perguntou a voz.

— Estamos! — respondeu a menina. — Eu mesma a derreti com um balde

d'água.

— Ora vejam! Assim de uma hora para outra... Voltem amanhã. É preciso tempo

para pensar.

Os quatro viajantes, entretanto, fizeram pé firme. O leão achou que seria bom

assustar o mágico um pouquinho. Rugiu tão alto que o Totó saiu correndo assustado e foi

esbarrar num biombo que havia no canto, derrubando-o no chão.

Uma estranha surpresa invadiu a todos. No canto que o biombo escondia, estava

um velhinho calvo, de rosto enrugado e que parecia tão espantado quanto eles.

O Lenhador prontamente ergueu seu machado e dirigiu-se ao velhinho:

— Quem é você?

— Sou Oz, o Grande e Terrível — disse ele com a voz trêmula. Não me batam,

por favor; farei tudo o que vocês quiserem.

Nossos amigos fitaram-no decepcionados.

— Pensei que Oz fosse uma cabeça — disse Dorothy afinal.

— E eu pensei que Oz fosse uma linda senhora — disse o Espantalho.

— E eu, que fosse uma fera terrível — disse o Lenhador.

— E eu, uma bola de fogo — disse o leão.

— Como vêem, estão todos enganados. Estive fingindo o tempo todo.

— Fingindo?! — exclamou a menina. — Você não é um grande mágico?

— Não fale tão alto, minha cara — disse ele —, ou estarei arruinado. Todos

pensam que eu sou realmente um grande mágico.

— E não é?

— Não. Não passo de um homem comum.

— Não passa de um embusteiro, isso sim! — disse o Espantalho.

— Exatamente! — exclamou o homenzinho.

— E ninguém mais sabe que você é um embusteiro? – perguntou Dorothy.

— Ninguém, a não ser vocês quatro e eu mesmo — disse Oz. Jamais alguém

desconfiou de mim. Foi uma tolice eu ter deixado vocês entrarem na Sala do Trono.

— Mas eu ainda não entendo — disse Dorothy confusa —, como você me

apareceu sob forma de cabeça.

— Foi um dos meus truques — respondeu o mágico. — Sigam-me e lhes

explicarei tudo.

Ele os conduziu a um pequeno cômodo e mostrou-lhes uma cabeça de papelão,

com as feições cuidadosamente desenhadas.

— Pendurei-a no teto com um arame. Eu fiquei atrás do biombo e puxava um fio

que fazia com que a boca e os olhos se movessem.

— E a voz?

— Sou ventríloquo — explicou Oz. — Posso jogar o som da minha voz para onde

quiser.

A seguir, Oz mostrou-lhes o vestido e a máscara que usara para se disfarçar de

linda mulher, a roupagem complicada com que se disfarçara de fera tremenda e uma bola

de algodão que fizera arder lentamente da vez em que recebera o leão.

— Você devia se envergonhar de ser tão embusteiro — disse o Espantalho,

indignado.

— Na verdade eu me envergonho — disse o homenzinho —, mas não havia

outra coisa a fazer. Sentem-se por favor e ouçam minha história.

Nossos amigos se puseram à vontade e o homenzinho começou:

— Nasci em Omaha, que, por sinal, fica perto do Kansas. Comecei a ganhar a

vida como ventríloquo, mas com o tempo cansei-me da profissão e resolvi ser apregoador

de um circo. Para isso bastava que eu subisse num balão e ficasse conclamando o

público para o espetáculo. Um dia, entretanto, as cordas do balão ficaram enroscadas e

eu não pude descer. Uma corrente de ar conduziu-me a uma distância enorme. Um dia e

uma noite se passaram sem que o balão pousasse. Por fim ele desceu numa terra

maravilhosa e eu me vi cercado de gente estranha. Vendo-me descer dos ares, pensaram

que eu era um grande mágico e eu tomei partido disso. Todos tinham grande receio de

mim, e logo se dispuseram a fazer tudo que eu ordenasse. Assim foi construída a Cidade

das Esmeraldas. Para que o nome lhe caísse melhor fiz com que todos usassem óculos

de lentes verdes e, desse modo, tudo quanto viam era verde.

— Quer dizer que a cidade não é verde? — perguntou Dorothy.

— Tão verde quanto outra qualquer — respondeu o embusteiro. Mas como todos

são obrigados a usar óculos verdes, tudo o que se vê parece verde. Por outro lado, tenho

sido muito bom para o meu povo, e todos gostam muito de mim, mas desde que o palácio

ficou pronto recolhi-me aos meus aposentos. Uma das coisas que mais temia eram as

fadas. Felizmente a do Norte e a do Sul eram boas e não me fariam mal algum. A do

Oeste e a do Leste, entretanto, eram muitíssimo más e, se não me julgassem ainda mais

poderoso do que elas, certamente me destruiriam. Por isso fiquei muito contente ao saber

que sua casa tinha esmagado a Perversa Fada do Leste e, sinceramente, desejava

prestar-lhes um favor desde que você destruísse a outra Fada Perversa. Mas agora que

você o fez, envergonho-me por não poder cumprir minha promessa.

— Eu acho que você é um homem muito ruim — disse Dorothy.

— Absolutamente — contestou Oz. — Sou um homem muito bom, embora seja

forçado a admitir que seja um mágico muito ruim.

— Você não pode me dar um cérebro? — perguntou o Espantalho.

— Não há necessidade. Você adquire novos conhecimentos todos os dias. A

experiência é a única coisa que dá sabedoria.

— Pode ser que isso tudo seja verdade — disse o Espantalho. Mas eu ficarei

muito infeliz se não conseguir um cérebro.

— Bem... — suspirou o falso mágico. — Se você quiser pode vir aqui amanhã de

manhã e eu forrarei sua cabeça com um cérebro. Mas você terá que descobrir como usá-

lo por si mesmo.

— Oh! Muito obrigado! Muito obrigado! — exclamou o Espantalho. Eu descobrirei

como usá-lo, não se preocupe.

— E quanto a minha coragem? — perguntou o Leão Covarde.

— Você tem muita coragem — respondeu Oz. — Tudo o que você precisa é

confiança em si. Não há ser vivo que não se atemorize ao encarar o perigo. A verdadeira

coragem consiste em encará-lo mesmo quando se tem medo. E este tipo de coragem

você tem de sobra.

— Talvez tenha — retrucou o leão —, mas nem por isso me sentirei feliz

enquanto não possuir o tipo de coragem que me faça esquecer que tenho medo.

— Muito bem! — disse Oz. — Eu lhe darei amanhã a coragem que você deseja.

— E o meu coração? — adiantou-se o Lenhador de Lata.

— Bem — respondeu o falso mágico —, de minha parte, acho que um coração

só pode trazer infelicidade, mas já que você o deseja tanto, eu farei sua vontade.

— E eu? — perguntou Dorothy. — Como voltarei para o Kansas?

— A este respeito ainda terei que imaginar um meio de transportá-la através do

deserto. Enquanto isso, vocês ficarão hospedados no palácio. Seus menores desejos

serão atendidos. Mas uma coisa eu exijo de vocês: não revelem meu segredo.

16 — A magia do grande embusteiro

Na manhã seguinte o Espantalho foi o primeiro a ir ter com o falso mágico.

— Sente-se — disse Oz. — É preciso que você me perdoe por separar sua

cabeça do corpo durante algum tempo. Não será possível introduzir-lhe um cérebro de

outra forma.

Dizendo isso, Oz foi retirando a cabeça do Espantalho. Em seguida pôs-se a

esvaziá-la e voltou a enchê-la, agora, entretanto, com serragem misturada com alfinetes e

agulhas.

Ao recolocar-lhe a cabeça no corpo, Oz lhe disse:

— Daqui por diante você será um grande homem.

O Espantalho ficou muito satisfeito e orgulhoso ao ver realizado seu maior

desejo. Agradeceu comovido ao falso mágico e foi ter com os amigos.

Dorothy fitou-o com curiosidade.

— Como se sente? — perguntou.

— Sinto-me muito inteligente — respondeu o Espantalho, muito orgulhoso.

— E esses alfinetes a saírem da cabeça, de que lhe servem? perguntou o

Lenhador de Lata.

— Isso é para provar que ele tem um raciocínio agudo — disse o leão.

— Bem — disse o Lenhador. — Agora é a minha vez. – E encaminhou-se para a

Sala do Trono.

— Muito bem — disse o embusteiro ao recebê-lo. — Você quer um coração, não

é? Espero então que não se aborreça por eu lhe cortar um pedaço do peito.

— Não tem importância — disse o Lenhador. — Eu não vou sentir nada.

Desse modo, Oz fez um orifício retangular no peito do Lenhador de Lata. Em

seguida foi apanhar um coraçãozinho de seda, forrado de serragem.

— Não é bonito? — perguntou, mostrando-o ao Lenhador.

— Muito. Mas é um coração bondoso?

— Oh, sim! Muitíssimo bondoso!

Oz introduziu-o no peito do Lenhador e recolocou o retângulo de lata que cortara,

soldando-o devidamente.

O Lenhador agradeceu calorosamente e voltou para junto dos amigos.

O leão, por sua vez, dirigiu-se à Sala do Trono. O falso mágico o esperava com

um frasco, cujo conteúdo derramou numa tigela. Como o leão fizesse uma cara muito feia

ao sentir o cheiro do líquido, Oz disse:

— Beba o conteúdo do frasco e ficará corajoso.

O leão não hesitou em obedecer.

— Como se sente agora? — perguntou o homenzinho assim que o grande animal

tinha tomado todo o líquido.

— O mais corajoso dos seres — respondeu o leão que, depois de alguns

agradecimentos efusivos, foi ter com os amigos.

Uma vez só, o pseudomágico sorriu ao pensar que dera a cada um o que cada

um julgava desejar. "Como posso deixar de ser um embusteiro se todos me pedem coisas

que me são impossíveis de conseguir? Foi muito fácil fazer com que esses três se

sentissem felizes, pois eles me julgavam capaz de conseguir o que queriam. Mas quanto

a Dorothy preciso muito mais do que sugestão para levá-la de volta ao Kansas."

17 — Como o balão foi lançado aos ares

Após três dias de espera angustiante, Dorothy foi chamada à presença de Oz.

— Bem — disse o mágico depois de fazer com que a menina se sentasse. —

Acho que encontrei uma maneira de fazê-la sair deste país, embora não possa garantir

que você volte diretamente para o Kansas, pois nem sei para que lado fica. Mas, desde

que você consiga atravessar o deserto, não será difícil encontrar o caminho de casa.

— E como vou atravessar o deserto? — perguntou Dorothy.

— Vou-lhe explicar. Tanto eu quanto você viemos parar nesta terra através dos

ares. Ora, é provável que através dos ares seja possível sair dela. Um balão, por

exemplo, é capaz de cruzar o deserto.

— E como iríamos arranjar um balão?

— Isso não seria difícil — continuou Oz. — Há seda em abundância no meu

palácio. O único problema é o gás. Teremos que encher o balão com ar quente e isso é

um pouco perigoso pois, caso o ar esfrie, ele pode cair no deserto e nós estaremos

perdidos.

— Nós?! — exclamou a menina espantada.

— Nós, sim. Eu penso em ir com você. Estou farto de ser um embusteiro. Aqui

sou obrigado a ficar encerrado nos meus aposentos para que ninguém descubra a minha

identidade. Por isso decidi voltar à civilização e empregar-me novamente num circo.

— Isso me alegra muito — disse Dorothy. — Será muito bom ter você como

companhia.

— Então — disse Oz —, é bom que comecemos a trabalhar desde já na

confecção do balão.

E, assim, enquanto Oz cortava tiras de seda verde, Dorothy as costurava umas

às outras. Depois de três dias de trabalho constante, tudo estava pronto. Um grande cesto

foi atado ao balão e a seda foi revestida com cola para ficar impermeável.

Oz mandou comunicar a seu povo que ia fazer uma visita a um grande mágico,

seu irmão, e que na sua ausência, o Espantalho iria substituí-lo no governo da Cidade das

Esmeraldas.

À hora da partida, o povo se aglomerou em volta do balão. O Lenhador tinha feito

uma grande fogueira para enchê-lo de ar quente. Logo o balão se ergueu, de modo que o

cesto mal tocava ao chão. Oz saltou para dentro do cesto e chamou a menina. Dorothy

estava, entretanto, em busca de Totó, que se pusera a perseguir um gato. Assim que ela

conseguiu agarrá-lo correu para o balão, mas nesse mesmo instante a corda que o

prendia ao chão rompeu-se e ele elevou-se nos ares.

— Volte! — gritou Dorothy para Oz. — Eu também quero ir!

— Não posso! — bradou ele. — Adeus!

— Adeus! — exclamaram todos, enquanto seus olhos acompanhavam o balão

até o perderem de vista.

Essa foi a última vez que a Cidade das Esmeraldas viu Oz, o Grande e Terrível.

E muitas lágrimas foram derramadas.

18 — A caminho do Sul

Dorothy também chorou amargamente, embora menos pela partida do mágico,

que pelo desmoronamento das suas próprias esperanças.

Na manhã seguinte, os quatro viajantes se reuniram na Sala do Trono.

— Não podemos nos queixar da sorte — disse o Espantalho, que agora era o

governador da Cidade das Esmeraldas. — Antes não tínhamos nada e agora possuímos

este castelo. Por outro lado, eu consegui um cérebro, o Lenhador de Lata obteve o

coração que tanto desejava e o leão é agora o mais corajoso dos seres que passaram

pela terra. Se, ao menos, Dorothy se contentasse em ficar morando aqui, poderíamos

todos viver felizes para sempre.

— Mas eu quero voltar para junto dos meus tios — choramingou a menina.

— Por que não chamamos os Macacos Alados? — sugeriu o Espantalho.

— Isso! — exclamou Dorothy. — Vou buscar correndo o capacete de ouro.

A menina trouxe para a Sala do Trono e pronunciou as palavras mágicas. No

mesmo instante os Macacos Alados surgiram através da janela e perguntaram o que ela

desejava.

— Quero que me levem para o Kansas — disse a menina.

— Isso é impossível — disse o Rei dos Macacos. — Pertencemos a esta terra e

não podemos sair dela.

E com uma reverência profunda os macacos se despediram.

— Pronto! — disse a menina. — Desperdicei um pedido à toa.

E todos ficaram muito tristes em ver a menina tão desconsolada.

— Vamos falar com o sentinela — disse o Espantalho, depois de muito pensar. —

Talvez ele nos possa aconselhar.

O sentinela foi chamado à Sala do Trono e assim que ele chegou foi interpelado

pelo Espantalho.

— Como pode essa menina atravessar o deserto?

— Eu não posso ajudar em nada, mas talvez Glinda, a Fada do Sul, o consiga. É

a mais poderosa de todas as fadas, e o seu castelo fica bem junto ao fim do deserto.

Ela deve saber como atravessá-lo.

— E como podemos chegar ao seu castelo?

— Há uma estrada para o Sul, para o País dos Sósias, que ela governa —

respondeu o sentinela. — Mas o caminho é cheio de perigos.

Dorothy decidiu partir o mais depressa possível e seus amigos resolveram

empreender a caminhada com ela para protegê-la dos perigos que o sentinela

mencionara.

E, assim, aprontaram-se para mais uma jornada.

19 — As árvores lutadoras

Na manhã seguinte, os nossos amigos se despediram do povo da Cidade das

Esmeraldas. O Espantalho prometeu que voltaria para governá-lo o mais depressa

possível.

O primeiro dia de viagem prolongou-se ao longo dos campos floridos que

circundavam a Cidade das Esmeraldas. Todos se mostravam muito felizes e Dorothy

sentia-se novamente cheia de esperanças.

— Afinal de contas — comentou o Espantalho, certa vez —, Oz não era um

mágico tão ruim. Deu-me um cérebro, um coração ao Lenhador e coragem ao leão.

Dorothy nada acrescentou ao comentário do Espantalho, se bem que Oz não

tivesse se mostrado um mágico tão hábil quando quis atender o seu desejo. A menina,

entretanto, já o perdoara, pois sabia que ele fizera todo o possível.

Aquela noite dormiram sobre a relva, tendo apenas o céu estrelado acima deles.

Na manhã seguinte, mal reiniciaram a caminhada, os viajantes deram com uma

floresta muito cerrada. O Espantalho foi o primeiro a tentar penetrar na mata. Mas, ao se

aproximar da primeira árvore, seus galhos agarraram-no e arremessaram-no de volta para

onde estavam seus companheiros.

Novamente o Espantalho tentou penetrar na floresta e novamente uma árvore

agarrou-o e arremessou-o de volta para fora da mata.

O Lenhador de Lata se dispôs então a passar pelas árvores e assim que uma

delas tentou agarrá-lo, ele desfechou contra seus galhos um tremendo golpe de machado.

A árvore pôs-se então a tremer como se sentisse uma dor insuportável e os viajantes

aproveitaram o momento para passar seguros por ela.

As outras árvores da floresta nada fizeram para impedir que os viajantes

prosseguissem sua caminhada e eles chegaram à conclusão de que apenas a primeira

fila de árvores podia mexer com os galhos, e provavelmente constituía o corpo policial da

floresta.

O grupo continuou sua jornada com facilidade até atingir a extremidade da mata.

Então os quatro viajantes se viram diante de um alto muro, que parecia feito de porcelana.

— Que vamos fazer agora? — perguntou Dorothy.

— Vou fazer uma escada para que possamos subir no muro — disse o Lenhador

de Lata.

20 — O gracioso País de Porcelana

Depois que a escada ficou pronta, encostaram-na cuidadosamente no muro. O

Espantalho foi o primeiro a subir. Tão desajeitado ele se mostrou, que Dorothy foi

obrigada a segui-lo de perto para evitar que ele caísse.

Cada um, assim que chegava ao alto do muro, soltava uma exclamação de

espanto diante do espetáculo que se descortinava à sua frente. Um extenso campo de

alvura impressionante estendia-se a brilhar como porcelana. Aqui e ali viam-se casinhas

de porcelana colorida, todas elas muito pequenas. As maiores não chegavam a ser da

altura da cintura de Dorothy. Pequeninos celeiros abrigavam cavalos, bois, porcos,

galinhas, tudo de porcelana.

Palhaços, príncipes, pastores, vestidos em roupas coloridas, constituíam a

estranha população daquela terra. Todos pequeninos e feitos de porcelana.

— Precisamos atravessar esse paisinho para chegarmos ao outro lado — disse

Dorothy. — Não devemos nunca mudar de direção.

Nossos amigos desceram do muro e puseram-se a andar ao longo do País de

Porcelana. Logo depararam com uma mocinha a ordenhar sua vaca. O animalzinho ficou

tão assustado ao ver o grupo que deu um coice na dona e outro no balde, caindo todos no

chão.

Dorothy ficou muito chocada ao ver que a vaquinha tinha quebrado a perna e que

o balde tinha sido feito em pedaços.

— Vejam o que vocês fizeram — disse a mocinha, zangada. — Agora tenho que

mandar colar a perna da minha vaca.

Dorothy apressou-se em pedir desculpas mas a rapariga afastou-se com sua

vaquinha a coxear, não se dignando a responder.

Logo depois encontraram uma linda princesinha, que somente ao vê-los pôs-se a

correr. Quando já estava a uma certa distância parou e ficou olhando para o grupo.

Temendo assustá-la, Dorothy resolveu não se aproximar muito e disse-lhe em

voz alta, de onde estava:

— Você é muito bonita, sabe? Eu gostaria de levá-la para o Kansas e colocá-la

sobre o guarda-louça da tia Ema.

— Sinto muito — disse a princesinha. — Mas se você me levasse para o Kansas,

minhas juntas se enrijeceriam e nunca mais poderiam mover-se. Isso me deixaria muito

infeliz.

— Oh! — exclamou Dorothy. — Eu seria incapaz de fazer uma criaturinha linda

como você infeliz.

Em seguida os viajantes se puseram a caminhar cuidadosamente até atingirem

outro muro de porcelana branca. Este, no entanto, era mais baixo do que o outro e bastou

que trepassem às costas do leão para transpô-lo... Quando todos já tinham passado, o

leão preparou-se para saltar e ao fazê-lo derrubou uma igrejinha de porcelana com a

cauda. Felizmente ela estava vazia naquele momento.

— São muito frágeis estes homenzinhos — disse o Espantalho, depois que todos

estavam fora do paisinho. — É nessas horas que eu me alegro em ser feito de palha.

21 — O leão torna-se o Rei dos Animais

Algum tempo depois de terem transposto o muro de porcelana, os viajantes

penetraram numa floresta ainda mais sombria do que as outras, o que muito alegrou ao

leão, embora não se possa dizer o mesmo a respeito dos outros participantes da jornada.

Apesar disso foram obrigados a dormir ali, pois logo caiu a noite.

Na manhã seguinte, mal tinham recomeçado a viagem, um ruído abafado fez-se

ouvir. Prosseguiram a caminhada até que chegaram a uma clareira, onde estavam

reunidos animais ferozes de todas as espécies. Por um instante Dorothy teve medo, mas

o leão explicou-lhe que os animais estavam em conselho, provavelmente embaraçado

com algum problema sério, e a menina sossegou.

Ao verem o leão, todos os animais se calaram e o maior dos tigres que estavam

presentes dirigiu-lhe a palavra.

— Bem-vindo, Rei dos Animais! Chegastes bem a tempo de exterminar o inimigo

de toda a floresta.

— Quem é esse inimigo? — perguntou o leão.

— Uma aranha monstruosa, que tem o corpo do tamanho de um elefante e cujas

patas são maiores que troncos de carvalho. Alimenta-se de feras da mesma maneira que

uma aranha comum se alimenta de moscas.

Verificando que não havia outro leão no conselho, o viajante perguntou:

— Se eu matar essa fera monstruosa, vocês me admitirão como o Rei da

Floresta?

— Sim! — responderam todos.

— Pois então cuidem dos meus amigos que eu vou dar cabo desse monstro!

E embrenhou-se pela floresta à procura da aranha monstruosa.

Foi encontrá-la a dormir entre carvalhos. Era realmente como o tigre descrevera.

Sua cabeça estava, entretanto, ligada ao corpo por um pescoço tão delgado como a

cintura de uma vespa. Isso fez com que o leão imaginasse imediatamente um meio de

exterminá-la. Saltou para suas costas e, antes que ela pudesse reagir, deu-lhe uma

violenta patada na cabeça, separando-a do corpo.

A aranha teve morte instantânea, e o leão voltou muito orgulhoso para a clareira.

— Não precisam mais temer o monstro — disse ele para os animais que o

esperavam.

Em seguida o novo Rei da Floresta despediu-se, prometendo que voltaria assim

que Dorothy fosse para o Kansas.

22 — No país do Sul

Ao saírem da floresta os viajantes depararam com uma colina íngreme, toda

coberta de pedras.

Mal haviam iniciado a escalada, uma voz ordenou-lhes que parassem.

— Quem é você? — perguntou o Espantalho.

— Esta colina nos pertence e não permitimos que ninguém a atravesse —

respondeu a voz, enquanto a mais estranha das criaturas surgia por detrás de rocha.

Era uma criaturinha baixa e gorda. Não possuía braços e sua cabeça era

achatada no alto, presa ao corpo por um pescoço finíssimo e todo enrugado.

Achando que nada tinham a temer de criaturas aparentemente tão inofensivas,

os viajantes puseram-se a andar novamente.

Num abrir e fechar de olhos o homenzinho esticou seu pescoço, batendo

violentamente com a parte achatada da cabeça no Espantalho, que se precipitou morro

abaixo.

Um coro de risos fez-se ouvir e imediatamente surgiram centenas de Cabeças de

Martelo.

O leão enfureceu-se com as gargalhadas e soltou um terrível rugido para

amedrontá-los, mas também levou uma cabeçada e igualmente foi arremessado morro

abaixo.

Dorothy desceu para ajudar os companheiros, seguida pelo Lenhador de Lata e

Totó.

— Que podemos fazer? — perguntou ela.

— Chamar os Macacos Alados! — sugeriu o Lenhador, depois de pensar por

algum tempo.

E assim fizeram.

— O que deseja de nós? — perguntou à menina o Rei dos Macacos.

— Que nos levem ao País dos Sósias.

Uma vez satisfeita a vontade da menina, o chefe se despediu:

— Esta foi a última vez que estivemos sob suas ordens. Adeus, portanto, e boa

sorte.

O País dos Sósias parecia próspero e feliz. Campos cultivados eram cortados por

largas estradas bem pavimentadas. Os habitantes vestiam-se de vermelho e vermelhas

eram suas casas.

Os viajantes informaram-se com uma mulher qual o caminho que deviam seguir

para chegar ao castelo de Glinda.

Pontes vermelhas e campos cultivados tiveram que ser atravessados antes que

chegassem ao castelo da fada. Finalmente nossos amigos se detiveram diante do portão,

onde três mocinhas montavam guarda. Uma delas perguntou a Dorothy o que ela

desejava e foi imediatamente anunciada a Glinda.

Logo depois foram admitidos no castelo.

23 — Glinda agracia Dorothy

Uma vez convenientemente arrumados e lavados, nossos amigos foram levados

à presença da fada, que os deslumbrou com sua beleza e com a jovialidade das suas

feições.

— Que posso fazer por você? — perguntou meigamente a Dorothy.

A menina pôs-se então a contar toda a sua história.

— Meu maior desejo — finalizou — é voltar para o Kansas, pois tia Ema já deve

estar supondo que me aconteceu alguma coisa horrível. É provável até que ponha luto; e,

se as colheitas não forem melhores este ano, tio Henry não saberá suportar isso.

— Abençoado seja seu coração — disse a fada. — Seu desejo será satisfeito.

Exijo-lhe tão-somente que me dê em troca o Capacete de Ouro.

— Com todo o prazer — disse a menina. — Ele não me serve mais. Já me utilizei

dele três vezes.

— E eu precisarei dele justamente três vezes — disse Glinda sorrindo. — E você

o que pretende fazer? — perguntou, dirigindo-se ao Espantalho.

— Voltar para a Cidade das Esmeraldas e governá-la. Todos lá gostam de mim. A

única coisa que me preocupa é como conseguirei atravessar a colina dos Cabeças de

Martelo.

— Farei com que os Macacos Alados o levem até a Cidade das Esmeraldas —

disse Glinda.

— Muito obrigado! — disse o Espantalho.

— E o que será feito de você? — perguntou a fada ao Lenhador de Lata.

— Os Pisca-piscas foram muito delicados comigo quando estive lá. Pediram-me

até que os governasse. Na época eu não pude aceitar o convite, mas agora, caso eu

conseguisse voltar para as Terras do Oeste, eu o faria de bom grado.

— Pois farei com que os Macacos Alados o levem — disse a fada.

A seguir ela se voltou para o leão e perguntou:

— E você, que vai fazer?

— Se eu conseguir voltar para a floresta que fica do outro lado da colina, onde

vivem os Cabeças de Martelo, governarei os animais que moram nela. Eles mesmos me

escolheram para isso.

— Minha terceira ordem aos Macacos Alados será justamente obrigá-los a

transportá-lo para lá. Depois entregar-lhes-ei o capacete de ouro para que fiquem livres

para sempre. Quanto a você — continuou a fada, dirigindo-se novamente a Dorothy —,

seus sapatos prateados a conduzirão através do deserto. Se você soubesse do seu

poder, poderia ter voltado desde o primeiro dia em que pôs os pés nestas terras.

— Mas nesse caso — observou a menina —, o Espantalho nunca teria um

cérebro, o Lenhador de Lata jamais teria obtido o coração que tanto desejava, e o leão

teria ficado covarde para sempre. Mas agora que cada um já possui o que deseja, sinto-

me muito satisfeita em poder voltar para o Kansas.

— Os sapatos prateados são muito poderosos — continuou a fada — e em um

piscar de olhos a levarão ao lugar que você quiser. Tudo o que tem a fazer é bater três

vezes com os calcanhares um no outro e ordenar que eles a conduzam aonde você

precisa ir.

— Se é assim, gostaria de voltar para o Kansas imediatamente.

A menina se despediu dos amigos, beijando-os carinhosamente. Glinda desceu

do seu trono e abraçou-a. Dorothy agradeceu-lhe por tudo o que ela tinha feito por todos.

A menina tomou Totó nos braços e despediu-se pela última vez dos seus

companheiros. Em seguida bateu com os calcanhares, um no outro, dizendo:

— Leve-me de volta para tia Ema.

No mesmo instante ela foi arremessada aos ares, e segundos depois se viu a

rolar sobre a relva sem saber onde estava.

Afinal levantou-se e olhou em volta de si. Qual não foi sua alegria ao verificar que

estava no meio das grandes pradarias cinzentas do Kansas! Bem à sua frente se erguia

uma casinha nova que tio Henry construíra para substituir a que fora arrancada pelo

vento.

Tio Henry estava ordenhando as vacas e Totó correu para ele latindo

alegremente.

Dorothy verificou que estava descalça. Certamente os sapatinhos prateados

tinham caído no deserto, e lá ficariam para sempre.

24 — Enfim em casa

Tia Ema acabara de sair para regar a horta, quando viu Dorothy correndo em sua

direção.

— Minha queridinha! — gritou, apertando a menina com força nos braços. —

Onde esteve esse tempo todo?

— Na Terra de Oz — disse Dorothy séria. — E Totó esteve o tempo todo comigo.

Ó tia Ema querida! Estou tão contente por ter voltado para casa...

FIM

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— A

“arte”: manifestação de sensações, sentimentos, pensamentos e reflexões em

forma de texto, pintura, dança etc., com o predomínio do valor estético – daquilo que é

belo.

— E

“estética”: estudo do que é belo, das condições e dos efeitos da criação artística.

— G

“gênero”: é uma categoria que agrupa, segundo certos critérios, um grande

número de composições literárias. Alguns tipos de gênero: conto, romance, novela,

drama.

— H

“herói”: o protagonista de uma obra literária; é o personagem principal, tem

destaque pelos feitos gloriosos.

— M

“modelo”: pessoa, ato ou obra que, pela sua importância, serve de exemplo.

— N

“narrativa”: história escrita em prosa ou em verso; uma narração de eventos.

— R

“romance”: longa narrativa das ações e sentimentos de personagens criados pelo

escritor.

— T

“texto clássico”: é um texto considerado um modelo para a literatura. Ele

apresenta alguma inovação na forma ou no conteúdo e passa a ser uma referência de

leitura para os leitores e outros autores.

“trama”: o enredo, a intriga de um romance. É o conjunto de ações que

constituem uma obra de ficção.

Minha história inesquecível

Nunca vou esquecer o dia em que conheci Dorothy, Totó, o Espantalho sem

cérebro, o Leão covarde, além do próprio Mágico de Oz, uma espécie de mestre que, por

trás do jeito sério e poderoso, escondia um coração cheio de ternura e bondade. Eu tinha

dez anos de idade e agora vejo muito bem: o livro me ajudou a entender que crescer

(mais do que isso, viver) é uma aventura emocionante, cheia de graça e fantasia, mas

também com boas doses de dúvida e perigo.

Já vi muita gente dizendo que "ler é viajar", ou que "ler é descobrir novos

mundos". Quem criou estas frases devia estar pensando em histórias como “O mágico de

Oz”. É incrível como este livro, escrito há mais de cem anos, continua encantando

crianças e adultos em dezenas de línguas e centenas de países. E continua gerando

novos livros, adaptações, filmes, peças, canções, brinquedos, jogos, “sites” e tudo o mais.

Pensando bem, não é nada incrível: as boas histórias são assim mesmo, não terminam

nunca.

Leo Cunha