Livro profissao docente

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  • 2009

    Profisso

    Docente

    Luiz Fernando RankelRosngela Maria Stahlschmidt

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  • IESDE Brasil S.A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel Curitiba PR 0800 708 88 88 www.iesde.com.br

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    2009 IESDE Brasil S.A. proibida a reproduo, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorizao por escrito dos autores e do detentor dos direitos autorais.

    R198 Rankel, Luiz Fernando; Stahlschmidt, Rosngela Maria. / Pro-fisso Docente. / Luiz Fernando Rankel; Rosngela Maria

    Stahlschmidt. Curitiba : IESDE Brasil S.A., 2009.156 p.

    ISBN: 978-85-387-0191-0

    1. Professores Formao. 2. Professores Treinamento. 3. Di-dtica. 4. Prtica de ensino. I. Ttulo. II. Stahlschmidt, Rosngela Maria.

    CDD 370.71

    Capa: IESDE Brasil S.A.

    Imagem da capa: Jupiter Images/DPI Images

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  • Mestre em Histria pela Universidade Federal do Paran (UFPR). Gradua-do em Histria pela Faculdade de Filosofia Cincias e Letras de Palmas. Professor de Ensino Superior. Tem experincia na rea de Histria, com nfase em Teoria e Filosofia da Histria. Atuando principalmente nos seguintes temas: Exposio Antropolgica Brasileira, Museu Paranaense, Antropologia e Arqueologia, Brasil Imprio.

    Luiz Fernando Rankel

    Mestre em Educao pelo Centro Universitrio Diocesano do Sudoeste do Paran. Especializada em Metodologia para o Ensino da Matemtica pelo Centro Universitrio Diocesano do Sudoeste do Paran. Graduada em Pedagogia pela Fa-culdade de Filosofia Cincias e Letras de Palmas, com habilitao em Orientao Educacional e Administrao Escolar. Graduada em Cincias com habilitao em Matemtica pelas Faculdades Reunidas de Admin. Cincias Contbeis e Econ-micas de Palmas. Professora de Educao Bsica da rede estadual de ensino do Paran e do Ensino Superior.

    Rosngela Maria Stahlschmidt

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  • Sumrio

    A (des)construo da identidade docente ...................... 13

    Identidade da profisso docente ......................................................................................... 15

    Crise da profisso docente ..................................................................................................... 17

    Histria da profisso docente .............................................. 27

    Contexto scio-histrico do surgimento da profisso docente ............................... 27

    A reforma pombalina dos estudos secundrios ............................................................ 28

    A formao de professores no Brasil .................................................................................. 29

    Trajetria da profisso docente durante o sculo XX ................................................... 33

    Ser professor: angstias e dilemas ..................................... 41

    Retrica e precarizao do trabalho docente ................................................................. 42

    Diretrizes e enfrentamentos na formao dos professores ....................................... 46

    Profisso docente, cincia interdisciplinar e representaes sociais ............................................................ 57

    As representaes coletivas em Durkheim ...................................................................... 58

    Moscovici e as representaes sociais ............................................................................... 60

    Imaginrio social e representaes .................................................................................... 62

    Representaes sociais e educao .................................................................................... 63

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  • Formao inicial e formao continuada ........................ 71

    A formao clssica do professor ........................................................................................ 71

    A necessidade da formao continuada ........................................................................... 76

    Educao e tecnologias da informao ............................................................................ 79

    O professor reflexivo ............................................................... 91

    A educao como arte ............................................................................................................. 91

    Autonomia para aprender e para ensinar ........................................................................ 94

    Gerenciando e refletindo o exerccio da profisso ........................................................ 97

    Professor pesquisador e professor reflexivo .................................................................... 98

    O professor iniciante .............................................................109

    Choque de realidade ..............................................................................................................109

    Estratgias de socializao ...................................................................................................114

    Competncias para ensinar ................................................123

    A universidade como centro de excelncia ...................................................................123

    Os saberes didticos e a cincia da educao ..............................................................124

    A pesquisa como competncia fundamental ...............................................................127

    Gabarito .....................................................................................139

    Referncias ................................................................................145

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  • Apresentao

    Este livro aborda saberes necessrios para os profissionais da educao, pois apresenta temticas atuais destacando os principais desafios na tarefa de ser pro-fessor. Sendo assim, aspectos como a formao da identidade do professor, o pro-fessor iniciante, pesquisador e reflexivo so alguns temas abordados nesta obra, destacando tambm a importncia em desenvolver competncias para ensinar.

    Para explorar melhor os assuntos, dividimos o livro em oito captulos. O primeiro captulo apresenta como ocorre a construo da identidade docente, citando os fatores que interferem nessa construo. Assim o professor desenvolve sua identidade profissional conforme suas experincias pessoais (de formao) e sociais (sentimento de pertencimento, aceitao e reconhecimento profissional).

    J o segundo captulo faz um resgate histrico sobre como surgiu e como se constituiu a profisso docente ao longo dos anos. No texto destacam-se os principais fatores que influenciaram na transformao e na evoluo tanto edu-cacional quanto na formao docente no Brasil.

    O neoliberalismo apresentado no terceiro captulo, que destaca os fatores que interferem sobre a educao e a profisso docente, apontando os principais desafios que o professor precisa vencer para conquistar a autonomia profissional.

    No captulo seguinte so expostos os conceitos de cincia interdisciplinar, apontando os benefcios caso haja um dilogo entre as cincias. O texto fornece uma ampla explicao sobre as representaes sociais, abordando as concepes de diferentes tericos; desta forma pode-se observar como as representaes so-ciais esto presentes e interferem significativamente na prtica educativa e na formao docente.

    O quinto captulo aborda as concepes da formao profissional, sendo importante estabelecer uma formao inicial slida para servir de base para o professor implementar com a formao continuada. Com isso o professor estar se qualificando profissionalmente, melhorando sua prtica e desenvolvendo competncias para a docncia.

    O sexto captulo traz caractersticas do professor enquanto pesquisador e professor reflexivo, destacando a importncia da reflexo sobre a prtica pedag-gica e da condio do professor estar sempre receptivo para aprender a apren-der. O stimo captulo destaca as dificuldades que o professor iniciante enfren-ta ao se deparar com a realidade configurando um choque de realidade. Neste captulo relata-se ainda que para o professor iniciante superar essas dificuldades de incio de carreira, ele precisa pr em prtica estratgias de socializao com professores mais experientes, assim ele se tornar mais seguro em sua profisso e conquistar confiana em si mesmo.

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  • Finalizando, o oitavo captulo traz a universidade enquanto centro de ex-celncia para universalizar o conhecimento, transformando saber em sabedo-ria, contribuindo para a formao do aluno, desenvolvendo competncias para ensinar, tendo a pesquisa como a competncia fundamental para a atividade educativa.

    Sendo assim, refletimos acerca da formao docente e reconhecemos as dificuldades da formao e atuao dos professores no exerccio e na busca do reconhecimento profissional. Mas ainda temos um longo caminho pela frente, para transpormos os obstculos, de forma a imprimir novos rumos para a histria da profisso docente.

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  • A (des)construo da identidade docente

    Luiz Fernando RankelFalar sobre identidade remete a muitos significados. Desde os mais

    simples e cotidianos como o caso da carteira de identidade, documento responsvel pela identificao dos indivduos e indispensvel em vrias situaes de exigncia legal, at quilo que ultimamente vem sendo de-batido pelas cincias sociais em geral, como conceito cientfico. sobre este ltimo que nossos esforos estaro direcionados a partir de agora. Assim, identificar o desenvolvimento da identidade como conceito ser de grande valia para desenvolver a problemtica da identidade do profis-sional da educao. Para Pereira e Martins (2002, p. 113) de suma impor-tncia discutir o conceito de profissional docente do Ensino Superior no Brasil, sobretudo, porque a ps-modernidade reduziu o sistema de ensino a um atendimento de segunda categoria para a sociedade marginalizada. Poder-se-ia estender esta necessidade aos vrios nveis a que est ligado o professorado brasileiro, no deixando de lado, claro, as especificidades que, por exemplo, o Ensino Fundamental e Mdio exigiria em caso de uma anlise mais profunda. Tambm a citao deixa claro a particularidade da chamada ps-modernidade, enquanto uma situao com caractersticas singulares, principalmente no que tange s transformaes ocorridas na sociedade em funo das tecnologias de informao, e por conseguinte o impacto que vem acarretando no ensino como um todo.

    Como sujeito social, histrico e poltico, o indivduo membro de uma sociedade constri sua identidade no processo de socializao primria e secundria, sendo a primeira mais direta e importante porque se refere aos contatos pessoais, que possuem forte conotao emocional, como a fam-lia, por exemplo. Os contatos secundrios vo ocorrer ao longo da vida e so de carter impessoal, no necessitam muito alm das obrigaes que as ocasies do nosso dia-a-dia nos impem. As deficincias que porven-tura possam ter existido na socializao do indivduo, principalmente na socializao primria, podem levar a casos de anomia1, ou seja, sentimen-

    1 Termo cunhado por Durkheim na sua obra O Suicdio de 1897. Segundo o autor, na modernidade o racionalismo levou a uma perda dos laos que uniam as pessoas, ocasionando o sentimento de perda de valores, indispensveis coeso social e construo das identi-dades coletivas. Para Durkheim o comportamento suicida estaria intimamente ligado a este processo.Este material parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A.,

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    Profisso Docente

    to de vazio existencial e consequente perda de identidade coletiva. Para Michael Pollak, identidades coletivas so todos os investimentos que um grupo deve fazer ao longo do tempo, todo o trabalho necessrio para dar a cada membro do grupo quer se trate de famlia ou de nao o sentimento de unidade, de continuidade e de coerncia (POLLAK, 1992, p. 207).

    Percebe-se que a nfase nesse sentido recai sobre a questo coletiva, isto , so os aspectos (o sentimento de pertencimento a um determinado grupo social, identificando-se com ele, suas caractersticas etc.) que determinam o compor-tamento do indivduo na sociedade. Apesar de serem de suma importncia, ul-timamente tem-se dado muita ateno ao processo de construo individual, aquele que diz respeito forma como o indivduo recebe, reelabora e transmite as representaes que constroem sua identidade. A anlise das experincias pes-soais surgem ento como um ramo profcuo na tentativa de apreender a forma pela qual os professores do significado s suas prticas docentes. Nvoa2 apud Pereira e Martins (2002, p. 120) adverte que a identidade (ser e sentir-se profes-sor) no um dado, no uma propriedade, no um produto: identidade um lugar de lutas e conflitos, um espao de construo de maneiras de ser e de estar na profisso. Esta autopercepo, e a maneira como expressa, atravs da linguagem, o fundamento da identidade pessoal, exatamente na construo simblica de si como membro de um grupo.

    Assim, quando falamos em identidade docente estamos caracterizando-a como identidade construda, por um lado, externamente, atribuda pela socieda-de e pelo Estado sobre o professor, por outro lado tem-se a identidade pessoal, ou interna, construda e elaborada pelo professor atravs da sua trajetria como profissional da educao. O objetivo seria o de provocar uma ruptura em relao viso externa, aquele conjunto de representaes criadas em sua maioria a partir de imagens estereotipadas, rebaixando a atuao do professor como um mero tcnico reprodutor de contedos e esquemas de aprendizado. No entan-to, esta ruptura precisa acontecer a partir de dentro, da identidade interna, na busca pelo profissionalismo e tica da profisso.

    No mbito da profisso, embora no de forma unvoca, temos que ter uma luta consistente, nesse sentido possvel construir uma prtica social de uma inteno de ruptura, procurando superar a identidade atribuda e fazendo desse atributo a possibilidade de ruptura, o que significa exatamente essa possibilidade de produo de prticas que estejam sintonizadas com as demandas postas pela realidade. No h prticas prontas e acabadas, mas prticas construdas de acordo com as demandas, carncias e necessidades que so postas socialmente. (PEREIRA; MARTINS, 2002, p. 121)

    2 NVOA, Antnio (Org.). Os Professores e sua Formao. 2. ed. Lisboa: Publicaes Dom Quixote, 1995a.

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  • A (des)construo da identidade docente

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    O pensamento dos autores citados, apresenta a necessidade do professorado refletir sobre o processo de construo da identidade profissional em suas mlti-plas dimenses, ou seja, necessrio fazer uma ampla reflexo sobre suas prti-cas. Bourdieu se referiu dificuldade que o etnlogo tem para referenciar como objeto de estudo enquanto sujeito social e em uma relao de familiaridade com sua cultura os esquemas que organizam seu prprio pensamento: quanto mais tais esquemas encontram-se interiorizados e dominados, tanto mais esca-pam quase que totalmente s tomadas de conscincia parecendo-lhe assim co-extensivos e consubstanciais a sua conscincia (BOURDIEU, 1992, p. 204). Com algumas diferenas, Bourdieu segue interrogando se a escola no cumpriria a mesma funo de organizao dos esquemas de pensamento nas sociedades es-colarizadas, semelhante que os ritos e mitos cumprem nas sociedades que no possuem instituies escolares (BOURDIEU, 1992). So problemticas que devem ser levadas a srio quando se trata de investigar a construo da identidade do-cente. Ser que os professores possuem as ferramentas tericas e metodolgicas necessrias para poder fazer um mergulho de grande profundidade justamente naquilo que nos escapa a todo o momento, que so os nossos esquemas que organizam nosso pensamento? Falar em professor reflexivo justamente ter a capacidade de perceber a escola e a prpria prtica docente nas suas funes sociais. A construo da identidade da profisso docente est muito ligada a esta reflexo que de carter histrico, social e poltico. Dessa forma pode-se efeti-vamente almejar o objetivo maior de ruptura em relao identidade externa construda sobre falsos argumentos, a partir da tomada de conscincia do pro-fessor como sujeito histrico e profissional destacado na sociedade.

    Identidade da profisso docenteComo ressaltamos, a identidade docente possui vrios aspectos, vrias dimen-

    ses que devem ser levadas em considerao quando se quer problematiz-la. Por ser de carter histrico , portanto, mutvel, modificando-se interna e exter-namente de acordo com as transformaes que ocorrem na sociedade ao longo do tempo. Alis, muitos problemas e desafios na educao podem ser avaliados atravs da defasagem que esta possui em relao s transformaes do meio social. Para Pereira e Martins (2002, p. 123) os avanos no campo do conheci-mento centram-se na tecnologia. Assim, cabe ao docente assumir uma postura esclarecedora e crtica do papel da informtica e dos mass media3 no processo

    3 O termo mass media (2008) formado pela palavra latina media (meios), plural de medium (meio), e pela palavra inglesa mass (massa). Em sentido literal, os mass media seriam os meios de comunicao de massa (televiso, rdio, imprensa etc.).

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    Profisso Docente

    de aprendizagem, analisando sua funo social. Percebe-se que a tarefa do edu-cador dupla, pois precisa entender como se d e quais as consequncias das novas tecnologias de informao na sua profisso e ainda, em uma perspectiva mais ampla, agir como mediador no entendimento da sociedade como um todo e identificar qual o impacto dessas tecnologias sobre ela. Outro fator indispen-svel a capacidade de avaliao crtica da realidade por parte do educador.

    Partindo dessas constataes, a construo da identidade docente pressu-pe por parte do educador algumas atitudes:

    verificar qual a significao social da profisso e fazer sua constante reviso;

    fazer uma reviso das tradies, reafirmando as prticas culturalmente adotadas e tidas como significativas no atendimento das necessidades da realidade;

    confrontar teorias e prticas, e, tambm, a anlise das prticas luz das teorias existentes e a construo das novas teorias (PIMENTA4, apud PEREIRA; MARTINS, 2002, p. 123).

    Tais atitudes so perpassadas pela ao primordial e necessria: a pesquisa. O profissional docente, para estar preparado para os nveis de exigncia que a pro-fisso apresenta hoje em dia, precisa demonstrar esta competncia. O processo de formao deve ser contnuo, visando sempre o profissionalismo intelectual.

    Uma vez que o professor trabalha essencialmente com o saber, com o co-nhecimento que foi e produzido pela humanidade, o domnio da informao e da comunicao so elementos-chave na sua profisso. Discutir a identidade docente faz-se necessrio para atentar para as transformaes que vm ocor-rendo, na forma como a sociedade conduz a produo e a circulao do conhe-cimento, pois inegavelmente h relaes de poderes que permeiam as formas institucionalizadas de educao. Essas relaes, frequentemente assimtricas, demonstram como a educao pode ser um dos fatores fundamentais na manu-teno das desigualdades sociais, mas, igualmente, possui a capacidade intrn-seca da interveno transformadora. O trecho a seguir, retirado de Pereira e Mar-tins (2002), apresenta como o professorado tem um desafio a enfrentar quando se pensa no domnio da informao e da comunicao como caractersticas do profissional docente atualizado, mostrando como isso possui uma importncia na modificao da realidade.

    H de se considerar que, por tradio, a escola sempre trabalhou com o conhecimento atravs de seus atores-autores produzindo-o, reelaborando-o ou reproduzindo-o. Com o advento da

    4 PIMENTA, Selma Garrido (Org.). Saberes Pedaggicos e Atividade Docente. So Paulo: Cortez, 1999, p. 18-9.

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  • A (des)construo da identidade docente

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    Terceira Revoluo Industrial, trazendo em seu bojo a revoluo dos meios de comunicao de massa que passam a veicular a informao com uma velocidade instantnea e num curto espao de tempo, houve um descompasso entre escola e a informao, ou seja, professores e instituies de ensino no conseguiram acompanhar o ritmo frentico da transmisso de conhecimento dos mass media que deixou ambos inoperantes. Conclui-se que, no geral, os profissionais de ensino e as escolas no conseguiram atualizar suas informaes no cotidiano e muito menos o material didtico utilizado. Perante esta dificuldade, a tarefa do professor consiste em trabalhar as informaes para que sirvam de ligao entre a sociedade de informao e os alunos, possibilitando-lhes o desenvolvimento da capacidade reflexiva e a aquisio da sabedoria, bem como torn-los conhecedores nos elementos de sua situao para que tenham meios de interveno na realidade, transformando-a com o intuito de ampliao da liberdade da comunicao e de colaborao mtua ente os seres humanos. (PEREIRA; MARTINS, 2002, p. 124-125)

    Insistimos, portanto, no processo de tomada de conscincia do professor como sujeito histrico que possui responsabilidades diferenciadas das outras profisses, porque envolve a tarefa indispensvel de provir os instrumentos ne-cessrios para que as pessoas possam interpretar a realidade de modo a trans-form-la. E justamente a realidade dos professores brasileiros que impede muitas vezes que se tenha possibilidade de atingir o grau de profissionalismo to exigido pela sociedade globalizada. Segundo Tardif e Lessard (2008, p. 10) a partir do comeo dos anos 1980 e ainda mais fortemente no incio dos anos 1990, as ondas de restries oramentrias para a educao atingiram duramen-te os professores; a isso se acresce o aumento da demanda escolar, salas com mais alunos e a necessidade do professor trabalhar muitas horas por semana, em vrios estabelecimentos, no criando o vnculo necessrio em relao ins-tituio escolar, o que seria fundamental para sua participao mais ativa na re-elaborao das polticas organizacionais escolares. Decorrente disso, os autores afirmam que a carga de trabalho dos professores mais pesada do que antes, e sobretudo mais absorvente, mais exclusivista e mais exigente, enquanto os meios e os financiamentos encolhem (TARDIF; LESSARD, 2008, p. 10).

    , portanto, considerando a realidade mais imediata da sala de aula, com toda a capacidade que o professor possui para resolver os problemas do cotidiano, bem como a dimenso macrossocial, que envolve as transformaes pelas quais passa a educao na sociedade contempornea, que se instala a perspectiva da problematizao da identidade docente.

    Crise da profisso docenteA profisso docente passa atualmente por uma situao de crise de identida-

    de. Abordar tal questo envolve, como j dissemos, aspectos de ordem interna e externa, que so importantssimos para que se avalie com mais profundidade o

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    Profisso Docente

    problema. A viso que se tem do professor na sociedade de hoje passa pela des-confiana sobre seu profissionalismo, uma vez que h muita confuso quanto a sua funo na sociedade, chegando a alguns extremos, como o prprio questiona-mento sobre a necessidade deste tipo de profissional em uma sociedade informa-tizada. o que nos diz Libneo (1998, p. 13): muitos pais j admitem que melhor escola a que ensina por meio de computadores, porque prepararia melhor para a sociedade informacional. [...] Desse modo, no haveria mais lugar para a escola e para os professores. Ser que o questionamento do autor procede? uma real perspectiva que a educao seja feita por Centros de Informao totalmente au-tossuficientes, sem a mnima interveno de um profissional mediador de conhe-cimento? Estas so questes que seguramente fazem todo sentido, basta que se atente para os rumos que a Educao Superior toma nos dias de hoje. Mas ser que tecnologia e professorado so coisas excludentes? Achamos, ao contrrio, que a figura do professor inapelavelmente indispensvel, pois muito ques-tionvel que tudo aquilo que faz parte das constituies dos estados democrti-cos principalmente no Brasil, com seus casos de trabalho semiescravo, falta de saneamento bsico e profundas desigualdades sociais esteja realmente sendo respeitado no que tange, principalmente, aos direitos da criana e do adolescente e na educao como um todo. Nesse sentido, h muito que fazer para que se fale em uma ps-modernidade, pois as benesses do capitalismo e do estado de direito democrtico no foram devidamente asseguradas a todos os cidados.

    Ainda assim, para se referir s mudanas econmicas, sociais, polticas e cul-turais que ocorreram durante a segunda metade do sculo XX e neste incio de sculo XXI, muitos autores se referem a uma dita ps-modernidade, ou socieda-de ps-industrial. Deixando de lado esta discusso sobre o termo mais apropria-do para designar o momento histrico em que vivemos e, baseado em Libneo (1998, p. 15-17), apresentaremos algumas das principais transformaes que vm ocorrendo na sociedade contempornea.

    Talvez a mudana mais significativa tenha ocorrido na esfera econmica, em funo do processo de mundializao da economia de mercado. A globalizao a marca registrada deste panorama de competio acirrada que modifica os padres de produo e consumo. O perfil da mo-de-obra se alterou, profisses foram substitudas pela mecanizao e informatizao do processo produtivo. Das novas profisses e dos novos profissionais se exigem conhecimentos de tecnologias de comunicao, habilidades cognitivas para poder ter flexibilidade para enfrentar cenrios de rpida transformao.

    A questo poltica, pensando na forma como se subordina econmica, apa-rece, segundo Libneo (1998), na forma de um comprometimento das soberanias

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  • A (des)construo da identidade docente

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    dos pases. Basta que recuemos um pouco para a geopoltica mundial do sculo XX, especialmente as polticas levadas a cabo pelos estadunidenses5 em relao ajuda na reconstruo dos pases envolvidos na Segunda Guerra Mundial, e tambm as aes intervencionistas na Amrica Latina, para compreendermos como pases passam a ser subordinados economicamente a superpotncias mundiais. Fica muito difcil para os pases cumprirem as exigncias das agncias financeiras internacionais e ao mesmo tempo proverem, aos cidados de seus pases, qualidade de vida, entendida como acesso educao, sade, emprego e tudo aquilo que depende de investimentos e boa administrao.

    Preocupam tambm as mudanas que ocorrem no campo tico. H uma pa-dronizao dos hbitos e costumes, o que torna tambm os valores e princ-pios ticos pragmaticamente adequados s situaes em que o lucro individual impera. O que dizer dos escndalos que temos visto quase que diariamente nas notcias dos telejornais? A situao se torna cada dia mais grave se levarmos em considerao que as pessoas que deveriam trabalhar pelo coletivo, responsveis pela correta destinao do dinheiro pblico, assumindo cargos representativos, so os que do os piores exemplos de conduta. Resta-nos lutar e fazer com que nossos direitos, que foram conquistados e no doados, sejam respeitados em toda sua plenitude.

    Com Libneo (1998, p. 17-18) citando Frigotto6, destacamos finalmente os impactos na sociedade das transformaes do mundo globalizado:

    No plano socioeconmico, o ajustamento de nossas sociedades globalizao significa dois teros da humanidade excludos dos direitos bsicos de sobrevivncia, emprego, sade, educao. No plano cultural e tico-poltico, a ideologia neoliberal prega o individualismo e a naturalizao da excluso social, considerando-se esta como sacrifcio inevitvel no processo de modernizao e globalizao da sociedade. No plano educacional, a educao deixa de ser um direito e transforma-se em servio, em mercadoria, ao mesmo tempo que se acentua o dualismo educacional: diferentes qualidades de educao para ricos e pobres7. (LIBNEO, 1998, p. 17-18)

    Diante de tais circunstncias, as condies de trabalho do professor se alte-raram profundamente nas ltimas dcadas. Segundo Brzezinski (2002, p. 12) o Estado vem agindo no sentido de desestimular a participao do professorado nas tomadas de deciso justamente sobre as polticas voltadas para a educao no Brasil. H, ainda segundo a autora, um total descompasso entre o que esta-belece os planos de governo, direcionados para a supervalorizao da educa-o como arma do desenvolvimento, progresso social e expanso do emprego, e a real condio do estatuto social e econmico dos professores, causando o

    5 Relativo s pessoas de nacionalidade norte-americana (EUA) (HOUAISS, 2008).6 FRIGOTTO, Gaudncio. Educao e a Crise do Capitalismo Real. So Paulo, Cortez: 1996.7 Grifo nosso.

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    Profisso Docente

    aviltamento da classe e sua degradao social. Baseada em Enguita8, Brzezinski comenta que a atual situao dos professores uma situao de proletarizao, pela total falta de profissionalismo: o professorado, nas sociedades capitalistas, passou por um processo sucessivo, prolongado, desigual e conflitado de perda de controle sobre seus meios de produo, do objeto de trabalho e da organiza-o de sua atividade, portanto, proletarizou-se.

    Por outro lado, tal proletarizao tem gerado, por parte dos professores, uma maior conscincia do fato de que para mudar esta situao imprescindvel a busca pelo profissionalismo como base para a construo de uma identidade consubs-tanciada pela leitura crtica do mundo atual. De forma mais precisa, Pereira e Mar-tins (2002, p. 115-116) identificam, a partir de Villa9, vrios problemas da situao em que se encontra o professor, dos quais reproduzimos os mais significativos:

    preocupao, por parte do professor, mais com o como ensinar do que com o que ensinar, isto , substituindo o fundamental (os contedos) pe-los acessrios (os procedimentos e as tcnicas);

    falta de fortalecimento da construo do conhecimento, na medida em que nossa sociedade no leva a srio a necessidade de formao e o nvel cognoscitivo do professorado caberia aos docentes valorizar as prerro-gativas de sua prpria formao didtico-pedaggica;

    alto ndice de doenas fsicas ou incapacidades psicolgicas do professo- rado geradas pela insatisfao do fazer profissional;

    recrutamento dos professores j no ocorre entre as camadas superiores da escala social da populao em virtude de no ser mais considerado uma promoo social o exerccio do magistrio, alm da sua falta de atra-tividade para as geraes mais jovens de quaisquer classes;

    sbita necessidade de aumento do nmero do professorado em virtude da maior demanda de mo-de-obra que reduz o nvel de exigncias na seleo e na formao dos profissionais;

    meio escolar no evolui com a mesma rapidez das mentalidades e dos costumes do meio social;

    falta de clareza do papel da escola no projeto da sociedade deixando va- gos os objetivos, os programas e os mtodos de ensino;

    8 ENGUITA, Mariano Fernndez. A ambiguidade da docncia entre o profissionalismo e a proletarizao. In: Teoria e Educao. Porto Alegre: Pannonica, n. 4, 1991, p. 41-61.9 VILLA, Fernando Gil. Crise do Professorado: uma anlise crtica. Traduo de: BUGEL, Tlia. Campinas: Papirus, 1998.

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  • A (des)construo da identidade docente

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    insistncia no recurso inteligncia e autonomia dos alunos, que mo- difica a noo de respeito devido ao professor, disciplina, ao trabalho, influncia educacional e autoridade.

    Resta dizer e reafirmar a importncia da conscientizao por parte dos profes-sores de como se est construindo a identidade do profissional docente, ou seja, quais as representaes e discursos que esto sendo atribudos aos professores, o que se est fazendo da imagem dos professores na sociedade. Esta atitude proporcionar ao profissional docente desconstruir a possvel imagem negativa e/ou estereotipada que o discurso educacional oficial insiste em veicular, uma imagem que precisa ser negada e substituda por aquela construda a partir do envolvimento do professorado nesse movimento emancipatrio. o que Garcia, Hypolito e Vieira (2005, p. 47) afirmam, pois:

    Tratar da identidade docente estar atento para a poltica de representao que instituem os discursos veiculados por grupos e indivduos que disputam o espao acadmico ou que esto na gesto do Estado. considerar tambm os efeitos prticos e as polticas de verdade que discursos veiculados pela mdia impressa, televisiva e cinematogrfica esto ajudando a configurar. A identidade docente negociada entre essas mltiplas representaes, entre as quais, e de modo relevante, as polticas de identidade estabelecidas pelo discurso educacional oficial. Esse discurso fala da gesto dos docentes e da organizao dos sistemas escolares, dos objetivos e das metas do trabalho de ensino e dos docentes; fala tambm dos modos pelos quais so vistos ou falados, dos discursos que os veem e atravs dos quais eles se veem, produzindo uma tica e uma determinada relao com eles mesmos, que constituem, a experincia que podem ter de si prprios.

    Texto complementar

    A identidade do professor na perspectiva social

    (CEIA, 2008)

    [...] Se visitarmos alguns fruns na internet frequentados por professores e lermos as discusses que convergem para o problema da identidade do professor, invariavelmente as respostas que aparecem trazem sempre um problema administrativo como argumento principal, do tipo: sou professora contratada, a concorrer pelo segundo ano e com muito pouca esperana de conseguir vir a fazer, a tempo inteiro, o que mais gosto; sou PROFESSORA, com muito gosto! Sou professora de Portugus, profissionalizada, dou aulas h cinco anos e ainda sou apenas contratada, mas... mesmo assim sou feliz.

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    Profisso Docente

    H hoje um tipo nico de resistncia que faz com que o professor, mesmo em condies adversas de trabalho, ainda sinta motivao para o magist-rio ou tenha uma vontade legtima de sair de vez da caverna para onde foi condenado. Em um tempo de enormes presses psicolgicas sobre o pro-fessor, fala-se de um fenmeno que atinge a classe docente com grande im-pacto: numa primeira fase, todo o professor sofre de estresse e, numa fase mais problemtica, pode sofrer de burnout, isto , de uma hemorragia do self (aquilo que em psicanlise chama o Eu intrapessoal), e que mais facilmente se diagnostica quando o professor se v confrontado na questo ontolgica: quem sou eu? A esta questo essencial do ser do professor so ento dadas respostas como no sei j quem sou, no sou ningum, no me (re)vejo mais como professor. aquele tipo de disposio mental autodestrutiva que encontramos na literatura quando Bocage diz: j Bocage no sou ou quando Fernando Pessoa abre uma longa elegia com um verso terrvel: nada sou (Tabacaria). O professor sente muitas vezes como o poeta. A sndrome entendida por Codo como um conceito multidimensional, que pode ser defi-nido como Sndrome da Desistncia do Educador. Um homem, uma mulher, cansados, abatidos, sem mais vontade de ensinar, um professor que desistiu. (...) Ser que este profissional no percebe a importncia do seu trabalho na formao de nossos filhos? No, muitas vezes no percebe mesmo. Ser que no capaz de envolver-se, emocionar-se por seu trabalho? No, muitas vezes no capaz mesmo. O desgaste emocional da sndrome de burnout que atinge o professor das sociedades ps-industriais contribuiu para o crescimento de um elevado nmero de vocbulos do mesmo campo semntico: todos pare-cemos sofrer, em qualquer momento, de fadiga, frustrao, desgaste, estresse, depresso, depleo, desajustamento, desesperana, drenagem emocional, exausto emocional, angstia, desencorajamento etc. H hoje uma certa para-noia do sofrimento intelectual que leva o professor a s encontrar conforto em algum que sofre exatamente como ele. Por isso, ser professor hoje tambm sofrer em comunidade, dentro de uma mesma caverna, e nunca um professor precisou tanto da solidariedade dos outros que so como ele professores para poder suportar as suas contrariedades mais profundas.

    A sociedade ps-industrial, ps-moderna e ps-realista no tem nenhu-ma tica para oferecer ao professor, mas, por no estranha contradio, abundam manuais de conduta do professor, cdigos mais ou menos avulsos, que circulam pelas paredes das escolas, mas que raramente entram na sala de aula propriamente dita. Um cdigo minimalista annimo, que encontrei numa sala de professores de uma escola pblica, contm as seguintes premissas: PARA

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  • A (des)construo da identidade docente

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    SER PROFESSOR s presente; s pontual; s cordial; s educado; s pruden-te e prepara as aulas com antecedncia; s ativo; s profissional. O efeito que estes cdigos ticos tm sobre ns o mesmo que aqueles outros cdigos que normalmente as secretrias de qualquer repartio ou instituio tm bem vista de todos os que se lhes dirigem, do tipo: para ser respeitado preciso respeitar, e que normalmente produzem um efeito contrrio ao pre-tendido. No a esta sociedade que vamos buscar a essncia do que somos. [...]

    A identidade do professor de hoje revela-se muito pelo seu discurso en-quanto profissional da educao: somos cada vez mais aquilo que dizemos que somos. O logocentrismo do professor deve ser reconhecido tanto no dis-curso pedaggico interior (Ser que expliquei bem este assunto? Ser que podia ter feito melhor? Ser que quero mesmo continuar a ensinar? Ser que me revejo nesta escola? etc. eis algumas questes do professor para si pr-prio que se resumem questo central da identidade: ensinamos realmente o que somos?) como no discurso cvico para a comunidade. Ningum estranha-r se concluirmos que o discurso interior muitas vezes mais crtico e severo do que o discurso para os outros com quem convivemos. A autorreflexividade que caracteriza a profisso tem uma atividade muito forte que raramente compreendida pela sociedade civil. Aqui reside um dos grandes problemas do sofrimento profissional do professor: como que a sociedade pode com-preender que eu me esforo por ser melhor professor todos os dias? O pro-fessor de hoje acaba por ter que negociar consigo prprio diferentes formas de motivao para ser capaz de acreditar que o que faz socialmente vlido. Contudo, nada mais devia ser exigido a quem chega a um estado de graa nico que nos leva a ouvir dentro de ns a voz que comanda a nossa vida. O professor o Deus e o Diabo de si prprio e nessa condio no se deve condenar o professor a beber da mesma cicuta a que Scrates foi obrigado s por pensar mais do que o poder constitudo. O professor to insepar-vel das coisas como inseparvel de si prprio; o professor e o mundo so postos conjuntamente, como esferas distintas entre si, mas inseparveis uma da outra, to inseparveis como a conscincia da nobreza da sua condio.

    O discurso solitrio do professor para convencer-se a si prprio a agir po-sitivamente tem tambm que lutar por vencer o imobilismo e a ineficcia da pedagogia ps-moderna que o inunda de cursos de autoajuda sempre volta de um grande paradigma: a pedagogia da compaixo, a pedagogia da diferena, a pedagogia dos afetos, a pedagogia da tolerncia etc., isto ,

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    Profisso Docente

    o professor tem que aprender a libertar-se das prprias definies da sua personalidade profissional para poder afirmar a sua identidade. Finalmente, em poucas profisses se exige tanto de um profissional em termos ticos e talvez em nenhuma outra ocupao existam tantos objetivos decretados para o registro da identidade do professor. Talvez nenhum de ns fosse real-mente professor se nos obrigassem a cumprir a ser tudo aquilo que a socie-dade espera de ns (o inverso no interessa a nenhum tecnocrata ou poltico ou programador de ensino). [...]

    Atividades1. Descreva quais so as caractersticas do conceito de identidade para que

    possa servir de base metodolgica para a avaliao da situao docente nos dias de hoje.

    2. Individualmente destaque um dos problemas mais significativos que o professor enfrenta atualmente e que foram apontados no texto. Justifique sua resposta.

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  • A (des)construo da identidade docente

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    Dicas de estudoTARDIF, Maurice; LESSARD, Claude (Orgs.). O Ofcio de Professor: histria, pers-pectivas e desafios internacionais. Traduo de: MAGALHES, Lucy. Petrpolis: Vozes, 2008.

    Como indicao de estudos complementares temos o recente livro organiza-do por Maurice Tardif e Claude Lessard que trata do ofcio de professor a partir da viso de vrios pesquisadores de diferentes sociedades. A obra constitui um excelente aporte terico para se pensar a crise da profisso docente ocidental, e para que se compare as semelhanas e diferenas que existem em relao a como se d o mesmo processo no Brasil.

    NOGUEIRA, Cludio Marques Martins; NOGUEIRA; Maria Alice. A sociologia da Educao de Pierre Bourdieu: limites e contribuies, Educao & Socieda-de, ano XXIII, n. 78, p. 15-36, abr. 2002. Disponvel em: .

    O texto trata de forma clara e objetiva de uma das maiores contribuies da sociologia para os estudos da educao; tambm apresenta os limites desta in-terpretao, frente complexidade e diversidade das realidades escolares.

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  • Histria da profisso docente

    Luiz Fernando RankelQuando se fala da histria da profisso docente, geralmente associa-se

    histria da educao e s influncias das ideias filosficas nos proces-sos de ensino-aprendizagem. Sob este prisma, o foco desloca-se das tra-jetrias da profisso docente para as doutrinas educativas que estiveram em voga em determinado perodo histrico, em funo de determinada situao poltica e social. Obviamente que este vis tem proporcionado excelentes anlises e contribudo para a formao de profissionais de edu-cao mais conscientes da histria e da importncia do seu ofcio.

    O que se pretende aqui, no entanto, usar tais doutrinas filosficas e pedaggicas como auxiliares no entendimento da problemtica central que a histria da profisso docente, seus variados aspectos que envol-vem no somente os mtodos educativos, mas tambm as prticas, as lutas, as leis e a interveno do Estado, a ideologizao da profisso e do profissional docente. Como escreveu Antnio Nvoa na apresentao da grande obra de Franco Cambi, Histria da Pedagogia, a Histria da educa-o pode nos ajudar a cultivar um saudvel ceticismo, cada vez mais im-portante num universo educacional dominado pela inflao de mtodos, de modas e de reformas educativas (CAMBI, 1999, p. 13).

    Da mesma forma, compreender aspectos do processo histrico da cons-tituio da profisso docente no Brasil nos ajudar a refletir com mais acui-dade sobre os usos polticos da imagem do professor envolvida em discur-sos de salvao nacional sem que, no entanto, tenha havido mudanas significativas, nas muitas vezes, rdua realidade do professorado brasileiro.

    Contexto scio-histrico do surgimento da profisso docente

    A histria da profisso docente est intimamente ligada s transfor-maes sociais, polticas e culturais da modernidade. Anthony Giddens

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    Profisso Docente

    definiu-a, basicamente, como algo que refere-se a estilo, costume de vida ou organizao social que emergiram na Europa a partir do sculo XVII e que ulte-riormente se tornaram mais ou menos mundiais em sua influncia (GIDDENS, 1991, p. 11). O desenvolvimento do capitalismo como modo de produo domi-nante uma das principais caractersticas que frequentemente so levadas em considerao quando se fala de modernidade.

    Mas o conjunto de transformaes que irromperam neste perodo histrico supera o limite da reproduo da vida material, para alcanar, como se referiu Giddens, uma nova forma de organizao social, incluindo a as mudanas tec-nolgicas e culturais. Giddens alude tambm necessidade de investigar a pr-pria natureza da modernidade pelas cincias sociais, pois, em vez de estarmos entrando num perodo de ps-modernidade, estamos alcanando um perodo em que as consequncias da modernidade esto se tornando mais radicalizadas e universalizadas do que antes (1991, p. 12-13). neste contexto que tratamos da profissionalizao do professor, um contexto marcado pelo surgimento de Estados-nao que tentaram homogeneizar, a partir da ideia de nao, povos e culturas, e que tomaram para si a tarefa de educar a populao. Inclusive, a educao promovida pelos estados funcionou como um mecanismo para criar a homogeneizao cultural a que nos referimos.

    Consideramos, portanto, que falar sobre o processo que levou profissio-nalizao dos professores se encaixa na perspectiva de se investigar aspectos diferenciados da modernidade.

    A reforma pombalina dos estudos secundriosExistiu, segundo Ana Mendona, duas grandes Reformas Pombalinas, a de

    1759 e a de 1772, que criaram as condies necessrias para a progressiva pro-fissionalizao dos professores, em Portugal e no Brasil (MENDONA, 2005, p. 29). Tais reformas podem ser consideradas como as primeiras tentativas de se regulamentar a profisso. A autora chama ateno, apoiada principalmente em Nvoa1, para o pioneirismo de Portugal no que se refere criao de um sis-tema de ensino articulado pelo Estado. Teria sido em Portugal a primeira ini-ciativa no que tange a estatizao do ensino, retirando a responsabilidade das cmaras municipais e da Igreja Catlica, no contexto do despotismo esclarecido, como ficou conhecido a modernizao com base no Iluminismo promovida pelo

    1 NVOA, Antnio. Le Temps des Professeurs: analyse scio-historique de la profession enseignante au Portugal (XVIII-XX sicle). Lisboa: Instituto Nacional de Investigao Cientfica, 1987. 2 v.

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  • Histria da profisso docente

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    Estado portugus. O Estado passava a controlar a organizao escolar, entre elas a seleo dos contedos de ensino e os livros a serem adotados como material didtico. Para Mendona a reforma de 1759 se constituiu em uma consequncia direta da expulso dos jesutas dos territrios portugueses e visava substitui-o do sistema escolar jesutico, [...] por um sistema de aulas e de professores rgios, controlados pelo Estado (2005, p. 31).

    A reforma de 1759 deve ser entendida ento como o primeiro movimento em direo a uma educao laica, patrocinada e controlada pelo Estado. Isso se deve tambm ao contexto poltico do sculo XVIII que levaria a uma crescente valoriza-o da educao como um dos fatores fundamentais na constituio dos Estados nacionais. Aspecto este que no sculo XIX ganhar destaque nas polticas de ho-mogeneizao cultural, levadas a cabo por burocracias estatais de vrios pases que se formavam e precisavam construir uma identidade prpria para as naes.

    Surge, a partir da reforma de 1759, um perfil do professor ideal, composto por caractersticas especficas que destacam a moralidade, o conhecimento e a intui-o. Alm disso, lanado um concurso nacional que estabeleceria a condio necessria para, a partir de ento, se exercer a profisso docente em terras portu-guesas. Mesmo assim, a maioria dos professores rgios foi formada pelos jesutas, o que mais uma vez ressalta a importncia destas congregaes religiosas na for-mao dos profissionais e da profisso docente. A reforma de 1772 aprofundou e consolidou as transformaes trazidas pela reforma de 1759, principalmente com a existncia de uma fonte regular de recursos que visavam a manuteno do sistema (MENDONA, 2005, p. 32-33). O que gostaramos de ressaltar sobre essas reformas justamente a ao do Estado portugus que, sob a inspirao das mudanas polticas e de mentalidade ocorridas durante o sculo XVIII passou a entender, de acordo com o esprito iluminista, que a educao tem um papel fundamental na construo de um mundo universalmente progressista e civili-zado. Em Portugal, portanto, inicia-se o processo de estatizao do ensino pbli-co e, por conseguinte, da profisso docente, que passou a ser regulamentada e dirigida pela burocracia estatal. No sculo XIX, aps a independncia poltica, a discusso sobre a instruo popular e a consequente preparao dos professores, tomaram uma nova dimenso no Brasil, passando a existir um mtodo especfico de se educar em locais apropriados para a formao de professores.

    A formao de professores no BrasilFoi em 15 de outubro de 1827 que a lei das escolas das primeiras letras, como

    ficou conhecida, estabeleceu os parmetros sob os quais deveriam ser treinados Este material parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A.,

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    Profisso Docente

    os professores das provncias brasileiras, pois as provncias, alm de serem res-ponsveis pelo ensino elementar, tambm deveriam responsabilizar-se pelo consequente preparo dos professores (SAVIANI, 2005, p. 12). Em 1835, a Provn-cia do Rio de Janeiro instala a primeira escola normal do Brasil, cuja Lei Provincial de 4 de abril de 1835 estipulava que

    [...] a escola ser regida por um diretor que ensinar: os conhecimentos de leitura pelo mtodo lancasteriano2, cujos princpios doutrinais e prticos explicar; as quatro operaes de aritmtica, quebrados, decimais e propores; noes de geometria terica e prtica; elementos de geografia; princpios da moral crist e da religio oficial e gramtica nacional. (SAVIANI, 2005, p. 12-13, apud VILLELA3, 2000, p. 109)

    Este modelo adotado na escola normal do Rio de Janeiro ser basicamente o mesmo utilizado em outras provncias e se manter com retrocessos at o ad-vento da Repblica. Saviani assinala o fato de que mesmo com a mudana na forma de governo no Brasil no houve mudanas significativas no campo educa-tivo (SAVIANI, 2005, p. 13). Apesar dessa aparente estabilidade no que se refere organizao por parte do Estado da educao e da preparao dos profes-sores h que se atentar para outros aspectos relacionados profissionalizao do professorado brasileiro que esto diretamente relacionados estatizao da profisso docente. Isto se deve s recentes mudanas na forma de se abordar o fenmeno da educao que se abre para mbitos at ento inexplorados. a renovao dos estudos sobre a educao que revela novos objetos em funo da utilizao de novos documentos.

    Um exemplo desta renovao nos estudos sobre a educao o trabalho de Alessandra Frota Schueler sobre as representaes da profisso docente cons-trudas a partir do surgimento da imprensa pedaggica especializada, na segun-da metade do sculo XIX, no mesmo momento em que se d a estatizao da profisso e sua consequente regulamentao.

    O surgimento da imprensa especializada em educao, elaborada e publicada por membros atuantes ou envolvidos com o magistrio, pblico ou particular, visando atingir basicamente professores e professoras, autoridades de ensino, os pais e as famlias dos alunos, [...] teve que esperar o alvorecer da dcada de 1870. Sem dvida, o processo de estatizao da profisso docente e a afirmao dos professores como classe profissional definiram os rumos do surgimento da imprensa pedaggica na cidade do Rio do Janeiro. (SCHUELER, 2005, p. 381)

    A estatizao da profisso docente parece ser o ponto de partida para que os professores pudessem, a partir de ento, organizar veculos de mdia capazes

    2 Tambm conhecido como ensino mtuo ou sistema monitoral, esse mtodo pregava, dentre outros princpios, que um aluno treinado ou mais adiantado (decurio) deveria ensinar um grupo de dez alunos (decria), sob a orientao e superviso de um inspetor. Ou seja, os alunos mais adiantados deveriam ajudar o professor na tarefa de ensino. Essa ideia resolveu, em parte, o problema da falta de professores no incio do sculo XIX no Brasil, pois a escola poderia ter apenas um educador. MTODO LANCASTERIANO. MENEZES, Ebenezer Takuno de; SANTOS, Thais Helena dos. Dicionrio Interativo da Educao Brasileira. So Paulo: Midiamix, 2002. Disponvel em: . Acesso em: 13 set. 2008.3 VILLELA, Helosa de Oliveira Santos. O mestre escola e a professora. In: LOPES, Eliane Marta Teixeira; FARIA FILHO, Luciano Mendes; VEIGA, Cynthia Greive. 500 Anos de Educao no Brasil. Belo Horizonte: Autntica, 2000, p. 95-134.

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  • Histria da profisso docente

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    de expressar os anseios de classe e tambm discutir os rumos que a educao deveria seguir no Brasil.

    O peridico Instruo Pblica: publicao hebdomadria expressou um modelo de debate em torno dos problemas que a educao brasileira havia recm identificado, situaes tributrias de um sistema educacional incipien-te. Segundo Schueler, a revista demonstrava uma forma encontrada por alguns professores pblicos e pelos agentes do governo que tiveram a clara inteno de criar um canal atravs do qual poderiam debater e viabilizar a instruo pblica (SCHUELER, 2005, p. 382). interessante perceber que desde que comearam as discusses em torno da educao no Brasil, bem como sobre a situao dos pro-fessores como classe profissional, o Estado esteve presente, no apenas como um interlocutor que naturalmente seria levando em considerao a relao entre a promoo da educao pblica e a presena cada vez maior do Estado- -nao na estrutura das sociedades ocidentais mas na prpria constituio em si da identidade docente, como que tentando moldar a figura do professor s necessidades da prpria imagem do Estado perante a sociedade. Isso teve efei-tos indelveis na histria da profisso docente e na educao brasileira como um todo. Figurar como uma nao civilizada e em franco progresso no quadro geral das naes europeias e os Estados Unidos era uma questo que fez o Brasil Im-perial lanar mo de diversos mecanismos de cunho cultural e poltico durante o sculo XIX, principalmente na sua segunda metade. Basta que atentemos para a funo inclusive pedaggica que os museus brasileiros tiveram ao expor objetos que representavam culturas ditas primitivas e que contrastavam com o progres-so e a civilidade a que tnhamos chego, mesmo que as mazelas sociais em que a explorao da mo-de-obra escrava negra e a destruio de culturas indgenas foram aspectos marcantes mostrassem o lado nefasto da evoluo.

    O Estado, portanto, promoveu a ideia de um professor como agente funda-mental da civilizao e do progresso social e nacional (SCHUELER, 2005, p. 383). Isso, por um lado, fortaleceu a imagem do profissional da educao como figura importante e fundamental na construo de uma nao ideal, gerando a partir dos novos parmetros exigidos para a profisso, um critrio maior na contratao de docentes, o que certamente contribui para o profissionalismo dos educado-res. Mas importante salientar o aspecto ideolgico que permeou este proces-so de profissionalizao do educador brasileiro. A profisso docente torna-se o brao direito do Estado na tarefa de educar e instruir cidados, [...] como artfice fundamental para o progresso social (SCHUELER, 2005, p. 383), criando assim a imagem da educao como o meio atravs do qual seriam resolvidos os pro-blemas mais graves da sociedade rumo a um futuro melhor. As fontes indicam,

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    Profisso Docente

    segundo Schueler, uma gama de discursos em torno da imagem e da misso do professor na sociedade brasileira do presente e do futuro, relatos sobre a misso crucial dos mestres na formao da cidadania abundavam, assim como eram re-correntes as narrativas queixosas sobre as dificuldades, a precariedade das con-dies materiais e o abandono do governo para com a instruo pblica e os mestres-escolas (SCHUELER, 2005, p. 383). Parece ser esse o momento a partir do qual se instala no Brasil o paradoxo que nos vem at hoje, aquele que apresenta a educao e os professores como fator de salvao da sociedade, uma imagem construda pelo Estado principalmente, mas acolhida e reproduzida pelos pr-prios professores e sociedade civil, e a realidade objetiva das condies em que se d a educao, ou seja, os problemas da formao, da remunerao, da falta de escolas e de condies mnimas para o exerccio digno da profisso.

    O aspecto da formao dos professores foi amplamente debatido e foi con-siderado de suma importncia a ponto de figurar com destaque na reforma da Escola Normal de So Paulo de 1890. Saviani ressalta o Decreto 27 de 12 de maro que estipulava que: sem professores bem preparados, praticamente ins-trudos nos modernos processos pedaggicos e com cabedal cientfico adequa-do s necessidades da vida atual, o ensino no pode ser regenerador e eficaz (SAVIANI, 2005, p. 13). Percebam que as palavras regenerador e eficaz esto de acordo com a ideia da educao como portadora da transformao social, re-generando as pessoas para que pudessem se adequar meta civilizatria do Estado; alm disso, e de acordo com Saviani, o decreto d nfase formao prtica do ensino.

    interessante que se analise o relatrio de Caetano de Campos apresentado ao governador do Estado em 1891. Caetano assumira a direo da escola normal um ano antes, e neste relatrio podemos perceber todas as diretivas da mudana que se propunha atravs da reforma; alm disso, e de forma mais ampla, temos o reflexo das transformaes do paradigma cientfico que tiveram o final do sculo XIX e incio do XX como um ponto crucial.

    Novas cadeiras foram criadas. s matemticas juntou-se o estudo da lgebra e escriturao mercantil: s cincias fsico-qumicas adicionaram-se as cincias biolgicas; o estudo da lngua materna foi ampliado; e a parte artstica profundamente modificada no estudo do desenho, foi alargada com a cadeira de msica (solfejo e canto escolar); a educao fsica foi criada com as aulas de calistenia, ginstica e exerccios militares; finalmente, a geografia foi separada da cadeira de histria, para maior latitude do ensino; e as cincias sociais contempladas com o acrscimo da cadeira de economia poltica e educao cvica, na qual se do noes de direito e administrao. (REIS FILHO4, 1995, p. 52, apud SAVIANI, 2005, p. 14)

    Talvez uma das questes mais importantes neste relatrio seja a presena das chamadas cincias biolgicas, as quais influenciaram grandemente na forao

    4 REIS FILHO, Casemiro. A Educao e a Iluso Liberal. 2. ed. Campinas: Autores Associados, 1995.

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  • Histria da profisso docente

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    das cincias sociais durante o sculo XIX e incio do XX. Principalmente cincias como a Antropologia, que utilizou conceitos advindos da Biologia para estrutu-rar suas primeiras interpretaes sobre as diferenas culturais da humanidade. O determinismo biolgico, que atribua capacidades inatas s diferentes raas humanas foi largamente utilizado para interpretar e oferecer explicaes cien-tficas para as desigualdades existentes entre as sociedades, internamente e em relao a outros pases. Tambm podemos apontar a educao cvica, que acabou incorporando a ideia de que a educao serviria tambm para a cons-tituio de cidados respeitadores da ordem. Se a nfase recai, como se pode perceber, sobre o treinamento prtico neste modelo de educao as escolas nor-mais conhecero mudanas significativas a partir da dcada de 1930 no Brasil. As reformas de 1932, no Distrito Federal, e de 1933, em So Paulo, marcaram a educao brasileira pelas suas iniciativas de renovao do ensino baseadas na experimentao pedaggica de bases cientficas (SAVIANI, 2005, p. 16).

    Trajetria da profisso docente durante o sculo XX

    A profisso docente no Brasil viveu durante o sculo XX um perodo de in-tensas transformaes que principiaram com as reformas de 1932, direcionadas por Ansio Teixeira e de 1933, de iniciativa de Fernando de Azevedo. Para alm das diferenas existentes entre estas duas propostas, o ponto em comum foi a conscincia de que a escola normal no estava cumprindo com sua obrigao primordial: a qualificao do profissional docente. A crtica recaa na ambiguida-de presente na estrutura curricular das escolas normais que, pretendendo ser, ao mesmo tempo, escolas de cultura geral e de cultura profissional, falhavam lamentavelmente nos dois objetivos (VIDAL, 2001, p. 79-80, apud SAVIANI, 2005, p. 16). Dessa forma, as reformas tiveram como fundamento a reestruturao cur-ricular da escola normal, que passava a oferecer uma formao de base cientfica aliada experimentao destinada a cada rea especfica de atuao profissio-nal, licenciaturas e cursos de Pedagogia. A citao de Saviani resume bem como ficou a formao dos professores no Brasil a partir das reformas empregadas:

    Em 1935, com a criao da Universidade do Distrito Federal, tambm por iniciativa de Ansio Teixeira, a Escola de Professores a ela foi incorporada com o nome de Escola de Educao. Algo semelhante ocorreu em So Paulo quando, em 1934, com a criao da USP, o Instituto de Educao Paulista a ela foi incorporado. E sobre essa base que, em 1939, foram institudos os Cursos de Pedagogia e de Licenciatura na Universidade do Brasil e na Universidade de So Paulo. [...] Aos cursos de Licenciatura coube a tarefa de formar professores para as disciplinas especficas que compunham os currculos das escolas secundrias; e os Cursos de Pedagogia ficaram com o encargo de formar os professores das Escolas Normais. (SAVIANI, 2005, p. 17)

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    Profisso Docente

    As coisas permaneceriam desta forma at o advento da Ditadura Militar a partir de 1964. As principais mudanas ocorreram na legislao do ensino, refor-mulando o Ensino Superior, com a Lei 5.540/68 e o Ensino Primrio e Mdio, com a Lei 5.692/71. Uma consequncia direta para a formao dos professores foi o desaparecimento das Escolas Normais, substitudas pela Habilitao Especfica de 2. grau para o exerccio do magistrio de 1. grau (SAVIANI, 2005, p. 19).

    Porm, muitos problemas surgiram com esta nova estrutura, pois a educao passa a atender ao modelo tecnicista, relegando a formao dos professores a simples executores de objetivos pr-programados por especialistas, cujo princi-pal objetivo seria a formao do homem ideal para o mercado de trabalho, para a produtividade. Fusari (1992) aponta algumas consequncias negativas que o tec-nicismo deixou no sistema educacional brasileiro que persistem na atualidade:

    uma viso da educao muito economista e imediatista, em que o compromisso maior seria com a formao do homem para o mercado de trabalho (posto de trabalho);

    uma viso de educao escolar descolada dos problemas fundamentais da sociedade brasileira;

    uma fragmentao no processo ensino-apendizagem, em que o professor, juntamente com os especialistas, dividiram o espao da educao escolar, cada um cuidando do seu espao, reforando assim a falta de uma viso de totalidade e, principalmente, uma atuao fragmentada e competitiva no interior da escola;

    uma falsa impresso de que as tecnologias resolveriam os problemas fundamentais da educao escolar, caso estes recursos chegassem de fato escola e fossem bem utilizados pelos educadores;

    uma viso de tecnologia como um fim, quando, na realidade, um meio para;

    uma ideia de planejamento educacional, especificamente de ensino, como algo burocrtico, suprfluo e desnecessrio, descartando assim um meio importante e necessrio ao bom desenvolvimento do ensino (FUSARI, 1992, p. 21-22).

    Muitos autores se referem aos resqucios que este modelo educacional deixou no sistema educacional brasileiro. inegvel que o tecnicismo ainda permeia os currculos de formao de professores, e muito mais ainda a prtica de muitos professores, que tiveram uma formao nesses moldes e que no passaram por um processo de atualizao, afastados da vida acadmica, da pesquisa e das pu-blicaes mais recentes.

    Outras tentativas foram feitas para se mudar a situao da educao e da formao dos professores no Brasil. Saviani comenta que a Constituio de 1988 abriu caminho para as reformas e que aps alguns anos de discusses foi promulgada a Lei 9.394 de 20 de dezembro de 1996 (SAVIANI, 2005, p. 21). Porm, por falhas de redao, principalmente no que dizia respeito exigncia

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  • Histria da profisso docente

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    do Ensino Superior para a atuao na Educao Bsica, a ambiguidade e conse-quente pluralidade de interpretaes possibilitou aos mercenrios da educao utilizar esta lei de forma pragmtica e orientada para a gerao de lucros. Po-deria ter sido um momento decisivo para formao dos professores no Brasil, bem como para a educao como um todo. Portanto, a exigncia da formao superior para a atuao em todos os nveis da Educao Bsica elevaria o nvel de qualificao dos profissionais da educao, e consequentemente o ensino escolar se beneficiaria com profissionais talvez mais conscientes de seu fazer pe-daggico e melhor capacitados.

    Saviani conclui da seguinte forma a trajetria da formao dos professores no Brasil at a Lei de 1996:

    [...] as esperanas depositadas na nova Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional, consubstanciadas na Lei 9.394 de 20 de dezembro de 1996, no sentido de que ela viesse a enfrentar com xito o problema da formao de professores, resultaram frustradas. Com efeito, abortado o dispositivo legal que elevaria o preparo de todos os professores ao nvel superior; e considerando-se que a inovao dos institutos superiores de educao representa um forte risco de nivelamento por baixo, perdeu-se a possibilidade de se registrar um quarto momento decisivo na histria da formao docente no Brasil. (SAVIANI, 2005, p. 25)

    Para alm das transformaes que foram ocorrendo durante a trajetria da formao docente no Brasil deve-se ressaltar as permanncias, os problemas que encontramos atualmente, como a remunerao e as condies de trabalho dos professores, e tambm a ideologizao da figura do professor e da educao como um todo praticada pelo Estado e a mdia.

    Texto complementar

    As iniciativas dos anos 30 do sculo XX(SAVIANI, 2008)

    Na dcada de 1920 desencadeou-se um amplo processo de organizao do campo educacional impulsionado pelo movimento renovador. De fato, a organizao do campo educacional implicava a profissionalizao da ati-vidade dos educadores, de modo geral, e dos professores, em particular. E a profissionalizao, por sua vez, implicava uma formao especfica, o que se iniciou no sculo XIX com as tentativas intermitentes de criao de escolas normais para a formao de professores primrios as quais vieram a adquirir alguma estabilidade no sculo XX.

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    O movimento renovador no apenas deu maior visibilidade s crticas dirigidas s escolas normais consideradas como um curso hbrido, que ofe-recia, ao lado de um exguo currculo profissional, um ensino de humanida-des e cincias quantitativamente mais significativo (TANURI, 2000, p. 72); empenhou-se, tambm, em oferecer um novo modelo que corrigisse as in-suficincias e distores apontadas.

    [...] As duas professoras contratadas por Caetano de Campos para efetivar a reforma, Maria Guilhermina e Miss Browne, tinham formao americana, cuja caracterstica era uma acentuada feio de treino, de domnio, por meio do exerccio, de procedimentos pedaggicos, sem preocupao com suas diretrizes bsicas ou fundamentao terica (REIS FILHO, 1995, p. 80). Assim, ainda que Caetano de Campos pensasse a Escola-Modelo como um espao de experimentao pedaggica, ele contou com pessoas tecnicamente bem treinadas num procedimento pedaggico, o das lies de coisas, entendido ao nvel do bom senso e, por isso, considerado como nico procedimento, dotado de validade considerada natural. Ora, conclui Reis Filho, no h ex-perimentao pedaggica, quando no possvel discutir os fundamentos tericos que a determinam.

    As reformas de 1932, no Distrito Federal, encabeadas por Ansio Teixeira, e de 1933, em So Paulo, de iniciativa de Fernando de Azevedo, ambas ins-piradas no movimento renovador, tinham como pedra de toque as escolas--laboratrios que permitissem basear a formao dos novos professores na experimentao pedaggica concebida em bases cientficas.

    Provavelmente onde as novas ideias assumiram uma formulao mais orgnica e consequente, encarnando-se numa experincia prtica, foi na gesto de Ansio Teixeira como Diretor Geral de Instruo do ento Distrito Federal. Na Exposio de Motivos do Decreto 3.810 de 19 de maro de 1932, Ansio Teixeira deixa clara a inteno de erradicar aquilo que ele considerava como o vcio de constituio das escolas normais que, pretendendo ser, ao mesmo tempo, escolas de cultura geral e de cultura profissional, falhavam la-mentavelmente nos dois objetivos (VIDAL, 2001, p. 79-80). E em outro texto denominado Como ajustar os cursos de matrias na escola normal com os cursos de prtica de ensino, indicava o caminho a seguir: Se a escola normal for realmente uma instituio de preparo profissional do mestre, todos os seus cursos devero possuir o carter especfico que lhes determi-nar a profisso do magistrio (2001, p. 80).

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    Guiando-se por essa concepo Ansio traou o programa ideal que de-veria ser implantado nas escolas normais, compreendendo trs modalidades de cursos: cursos de fundamentos profissionais, cursos especficos de conte-do profissional e cursos de integrao profissional:

    A constituio da Escola de Professores do Instituto de Educao era exemplo prtico de observncia do modelo ideal. No primeiro ano geral do curso, estudavam-se: Biologia Educacional, Psicologia Educacional, Sociologia Educacional, Histria da Educao, Introduo ao Ensino Princpios e Tcnicas, Matrias de Ensino (Clculo, Leitura e Linguagem, Literatura Infantil, Estudos Sociais, Cincias Naturais) e Prtica de Ensino (observao, experimentao e participao). (VIDAL, 2001, p. 82)

    Com uma estrutura de apoio que envolvia Jardim de Infncia, Escola Prim-ria e Escola Secundria, que funcionavam como campo de experimentao, demonstrao e prtica de ensino para os cursos da Escola de Professores; um Instituto de Pesquisas Educacionais, Biblioteca Central de Educao, bibliote-cas escolares, filmoteca, museus escolares e radiodifuso; e tendo como dire-tor Loureno Filho, a Escola Normal, agora transformada em Escola de Profes-sores, se empenhou em pr em prtica o modelo ideal acima descrito.

    Em 1935, com a criao da Universidade do Distrito Federal, tambm por iniciativa de Ansio Teixeira, a Escola de Professores a ela foi incorporada com o nome de Escola de Educao. Algo semelhante ocorreu em So Paulo quando, em 1934, com a criao da USP, o Instituto de Educao paulista a ela foi incorporado. E sobre essa base que, em 1939, foram institudos os Cursos de Pedagogia e de Licenciatura na Universidade do Brasil e na Univer-sidade de So Paulo. Da emergiu o paradigma que, adotado pelas demais instituies de Ensino Superior do pas, equacionou a questo relativa for-mao de professores para o ensino de nvel secundrio e para as prprias escolas normais. Aos cursos de licenciatura coube a tarefa de formar profes-sores para as disciplinas especficas que compunham os currculos das esco-las secundrias; e os Cursos de Pedagogia ficaram com o encargo de formar os professores das Escolas Normais.

    Mas, se a proposta que deu origem ao modelo centrava a formao dos novos professores nas escolas experimentais fornecendo, com isso, uma base de pesquisa que pretendia dar carter cientfico aos processos formativos, a generalizao do modelo centrou a formao no aspecto profissional que seria garantido por um currculo composto por um conjunto de disciplinas a serem frequentadas pelos alunos, dispensada a exigncia de escolas-laboratrios.

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    Em relao ao ensino normal, foi essa mesma orientao que prevaleceu em mbito nacional com a aprovao do decreto-lei 8.530 de 2 de janeiro de 1946, conhecido como Lei Orgnica do Ensino Normal (BRASIL, 1946). Se-guindo a estrutura dos demais cursos de nvel secundrio, o ensino normal foi dividido em dois ciclos: o primeiro ciclo, com a durao de quatro anos, correspondia ao ciclo ginasial do curso secundrio, destinava-se a formar re-gentes do ensino primrio e funcionaria em Escolas Normais Regionais; o segundo ciclo, com a durao de trs anos, correspondia ao ciclo colegial do curso secundrio, destinava-se a formar os professores do ensino primrio e funcionaria em Escolas Normais e nos Institutos de Educao. Estes, alm dos cursos citados, abrangiam Jardim de Infncia e Escola Primria anexos e mi-nistrariam tambm cursos de especializao de professores primrios para as reas de educao especial, ensino supletivo, desenho e artes aplicadas, msica e canto e cursos de administradores escolares para formar diretores, orientadores e inspetores escolares.

    Se os cursos normais de primeiro ciclo, pela sua similitude com os gin-sios, tinham um currculo marcado pela predominncia das disciplinas de cultura geral, no estilo das velhas escolas normais, to criticadas, os cursos de segundo ciclo contemplavam todos os fundamentos da educao intro-duzidos pelas reformas da dcada de 1930.

    Esse modelo de Escola Normal prevaleceu at a aprovao da Lei 5.692 de 11 de agosto de 1971.

    Atividades1. Descreva sobre a importncia de se conhecer o contexto scio-histrico em

    que se deu o desenvolvimento da profisso docente.

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    2. Faa uma pesquisa sobre o tecnicismo como modelo de educao e pontue quais so as permanncias deste modelo na educao de hoje.

    Dicas de estudoUma dica importante conhecer um pouco mais sobre a histria das ideias

    pedaggicas, para que se possa ter uma dimenso mais crtica sobre os mtodos utilizados e as possibilidades de mudanas, que devem ser feitas sempre com bases seguras e fundamentadas. Assim sendo, uma boa obra para iniciar tais es-tudos justamente a obra de Franco Cambi, Histria da Pedagogia, Unesp, 1999.

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  • Ser professor: angstias e dilemas

    Luiz Fernando RankelMuitas so as denominaes para as transformaes ocorridas em mbito

    mundial ultimamente, principalmente no que diz respeito economia dos pases. Globalizao, mundializao, desterritorializao so apenas algumas das denominaes que so dadas pelos estudiosos ao processo que diminuiu as fronteiras, ou acabou com elas, atravs principalmente das tecnologias de informao. No plano da educao, a influncia destas transformaes ntida, pois as escolas passaram e passam por um processo de adequao s novas tecnologias. Quando se fala em escolas e educao no poderamos deixar de falar sobre os profissionais que esto diretamente envolvidos neste complexo mundo. Os professores talvez sejam os profissionais que esto enfrentando os maiores desafios diante das mudanas cada vez mais aceleradas que nos so apresentadas pela mdia. Esses profissionais so valorizados por seus dis-cursos, sendo considerados como componentes fundamentais na preparao das pessoas para participarem, com competncia, do mundo globalizado.

    Vivemos, portanto, na era do Estado mnimo, neoliberal, que caracteriza-se pelas privatizaes e pela dependncia de pases hoje chamados de pases em desenvolvimento em relao a organismos internacionais, como o Fundo Monetrio Internacional (FMI) por exemplo. No Brasil, a redemocratizao e a Constituio de 1988 prepararam o pas para as novas tendncias globais. Acontece o mesmo em relao educao brasileira. As reformas educacio-nais nos anos 1990 visaram adequar a organizao escolar no sentido de atender aos imperativos das polticas de conteno da pobreza. No contexto de mudana de paradigma do nacional-desenvolvimentismo para o globa-lismo, segundo Dalila Oliveira, houve mudanas na forma de se conceber a funo primordial da educao, pois a ideia da escolaridade como elevador social, como fator de melhor distribuio de renda se arrefeceu (OLIVEIRA, 2004, p. 1.129). H outras vises que discordam, ou pelo menos se distanciam da viso da autora. Muitos ainda percebem nos discursos oficiais esta misso salvadora da educao, como nica possibilidade de mobilidade social em um pas desigual como o nosso. Dessa forma, nosso objetivo neste captulo discutir as caractersticas das recentes mudanas ocorridas no mbito da

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    Profisso Docente

    educao, tendo os questionamentos acerca do exerccio da profisso docente como pano de fundo.

    Retrica e precarizao do trabalho docenteNo que tange a educao brasileira, as mudanas comearam pela nova Lei

    de Diretrizes e Bases da Educao (LDB) de 1996, Lei 9.394. Tais mudanas vm ocorrendo em um contexto marcado, segundo Guiomar Mello,

    [...] pela modernizao econmica, pelo fortalecimento dos direitos da cidadania e pela disseminao das tecnologias da informao, que impactam as expectativas educacionais ao ampliar o reconhecimento da importncia da educao na sociedade do conhecimento. MELLO, 2000, p. 98)

    Nesse sentido, identificam-se algumas das mudanas j a partir de alguns fa-tores destacados por Oliveira:

    a centralidade atribuda administrao escolar nos programas de refor- ma, elegendo a escola como ncleo do planejamento e da gesto;

    o financiamento per capita, com a criao do Fundo de Manuteno e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorizao do Magistrio (FUNDEF), por meio da Lei 9.424/96;

    a regularidade e ampliao dos exames nacionais de avaliao (SAEB, ENEM, ENC), bem como a avaliao institucional e os mecanismos de ges-to escolares que insistem na participao da comunidade.

    Apesar de as mudanas serem ainda muito recentes, podemos perceber situ-aes em que a descentralizao da gesto escolar tem funcionado relativamen-te bem, faltam informaes mais precisas sobre como as escolas das diferentes regies brasileiras, por exemplo, tm se portado diante da orientao que trata os currculos escolares como meios e no fins em si mesmos para a construo das competncias e aprendizagem dos alunos (MELLO, 2000, p. 98-99). A grande questo que apesar de as reformas escolares propiciarem meios para uma gesto democrtica, participativa e conectada s transformaes que ocorrem na sociedade, os profissionais envolvidos parecem no estar atendendo devi-damente a estas provocaes. Mas isto possui uma explicao. As reformas e a consequente expanso da Educao Bsica colocaram o professor como centro do processo de reorganizao escolar. Alm do que, tais reformas apelam participao da comunidade para a efetivao dos projetos de cidadania e de-mocratizao do ensino. Ningum nega a importncia do envolvimento ativo

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  • Ser professor: angstias e dilemas

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    da sociedade na construo de uma educao cada vez mais democratizada e cidad. Mas o que acontece um processo concomitante de desqualificao e desvalorizao dos professores. Segue abaixo o pensamento da autora sobre esta questo:

    O professor, diante das variadas funes que a escola pblica assume, tem de responder a exigncias que esto alm de sua formao. Muitas vezes esses profissionais so obrigados a desempenhar funes de agente pblico, assistente social, enfermeiro, psiclogo, entre outras. Tais exigncias contribuem para um sentimento de desprofissionalizao, de perda de identidade profissional, da constatao de que ensinar s vezes no o mais importante [...]. Nesse contexto que se identifica um processo de desqualificao e desvalorizao sofrido pelos professores. (OLIVEIRA, 2004, p. 1.132)

    As mudanas, portanto, esto atingindo o mundo escolar e sobrecarregando os professores que no possuem a formao adequada para dar conta dessas novas realidades.

    O que parece acontecer na maioria dos casos ento aquilo que Antnio Nvoa chamou de o excesso dos discursos e a pobreza das prticas1. O texto de Nvoa gira em torno da questo que cada vez mais frequente chamarmos os professores a construir a sociedade do futuro, onde estes teriam a misso insubstituvel de formar os cidados ideais deste futuro. A questo do excesso da pobreza se esten-de e conforma a situao dos professores de hoje nos seguintes pontos:

    do excesso da retrica poltica e dos mass media pobreza das polticas educativas;

    do excesso das linguagens dos especialistas internacionais pobreza dos programas de formao dos professores;

    do excesso do discurso cientfico-educacional pobreza das prticas pe- daggicas;

    do excesso das vozes dos professores pobreza das prticas associativas docentes.

    Estes pontos so discutidos pelo autor ao longo do texto. Eles refletem as ambiguidades existentes na formao e nas polticas voltadas ao professorado e educao. Isso demonstra como as sociedades ocidentais, apesar das incontes-tveis especificidades culturais e histricas, vm estabelecendo polticas muito parecidas em relao educao e aos seus professores. Um exemplo so os pases que foram colnias de explorao, e no h como no pensar na Amrica Latina nesse sentido.

    1 NVOA, Antnio. Os professores na virada do milnio: do excesso dos discursos pobreza das prticas. Educao e Pesquisa, So Paulo, v. 25, n. 1, p. 11-20, jan./jun. 1999.

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    Profisso Docente

    Para Nvoa h caractersticas similares na forma como estes pases tratam sua his-tria e sua memria, como conduzem as polticas pblicas, incluindo a educao.

    Em sociedades marcadas por crises de legitimao poltica e por dficit de participao, surge sempre uma dupla tendncia: por um lado, para pregar o civismo, o que compensaria a falta de uma autntica vivncia democrtica; por outro, para evitar o presente, projetando todas as expectativas na sociedade do futuro. Para pregar o civismo ou para imaginar o futuro, nada melhor que os professores. para eles que se viram as atenes dos polticos e da opinio pblica quando no encontram outras respostas para os problemas. A inflao retrica tem um efeito desresponsabilizador: o verbo substitui a ao e conforta-nos no sentimento de que estamos a tentar fazer alguma coisa. (NVOA, 1999, p. 13)

    Dessa forma, a educao, a sade e a segurana prosseguem sem que medi-das de cunho prtico, realmente eficazes, sejam tomadas. Desse modo as cam-panhas polticas esto repletas desse tipo de excesso, elaboram um discurso que visa tocar pontos essenciais, tais como aqueles voltados a esperanas, que pa-recem sempre se renovar com a populao. Mas apesar de toda essa retrica o que se v nos anos que se seguem s eleies a morosidade e a burocracia to-marem conta da administrao pblica. s escolas continuam faltando recursos para situaes bsicas como os prprios prdios para funcionamento e muitas vezes a insegurana em relao violncia que h muito penetrou os muros das escolas, tornando o ato de educar um risco constante. Na outra ponta, a for-mao inicial e continuada dos professores nunca foi um negcio to lucrativo. Nvoa comenta o que acontece nos Estados Unidos: A formao de professores e de educadores um grande negcio numa nao que emprega mais de trs milhes de educadores. Os dlares cintilam nos olhos daqueles que andam procura de boas oportunidades de mercado (NVOA, 1999, p. 14). Isso nos faz pensar se o mesmo no est acontecendo no Brasil, pois em algumas dcadas atrs nunca foi dada tanta importncia para a formao dos professores. Im-pressiona a quantidade de novas instituies que surgem a cada ms, dizendo ofertar a melhor formao que o mercado pode oferecer. Assim, os dados que falam sobre quantidade em educao nunca foram to positivos; o mesmo no pode ser dito sobre a qualidade.

    Outra ambiguidade que Nvoa detecta em relao aos discursos muito alar-deados hoje em dia sobre a autonomia do profissional docente, bem como da reflexividade que deveria ter em relao a sua profisso. Mas ao mesmo tempo vemos,

    [...] um desaparecimento dos movimentos pedaggicos, no sentido que este termo adquiriu na primeira metade do sculo XX, isto , coletivos de professores que se organizavam em torno de princpios e propostas de ao, da difuso de mtodos de ensino ou da defesa de determinados ideais. [...] Ao olharmos para a histria, verificamos que nunca a fragilidade associativa dos professores foi to grande. (NVOA, 1999, p. 16)

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  • Ser professor: angstias e dilemas

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    Pode-se dizer que Antnio Nvoa, por ser portugus, esteja se referindo ainda ao que, implicitamente, acontece em seu pas, ou a pases europeus. Mas seria muita ingenuidade pensar que esta situao uma prerrogativa europeia por assim dizer. A nossa realidade possui muitos aspectos que a diferenciam das demais, mas tambm que a aproximam.

    A situao da educao e dos professores reflete uma condio que mais ampla e diz respeito ao contexto geral das profisses, do atual estgio das rela-es de trabalho. O que vemos, segundo Oliveira, uma desregulamentao do mercado de trabalho, das leis trabalhistas, o que explica em parte a falta de asso-ciativismo comentada por Nvoa. H cada vez com maior intensidade a exign-cia de um novo perfil de trabalhador, que deve possuir algumas competncias consideradas essenciais para ingressar no mercado de trabalho e, talvez mais importante que isso, manter-se l. A flexibilidade a ideia que est em voga, tais como a flexibilizao das leis trabalhistas e a flexibilidade do trabalhador para se adequar s tarefas para as quais no foi preparado. Segundo Oliveira:

    A flexibilidade aparece na organizao do trabalho nas empresas como necessria s novas formas de produo comandadas pelo mercado. Ao contrrio do modelo fordista de produo em srie, voltado para o consumo de massa, demandando grandes estoques, o momento atual sugere formas mais flexveis de organizao e gesto do trabalho. A rgida diviso das tarefas, caracterstica marcante do fordismo, vem cedendo lugar a formas mais horizontais e autnomas de organizao do trabalho, permitindo maior adaptabilidade dos trabalhadores s situaes novas, possibilitando a intensificao da explorao do trabalho. (OLIVEIRA, 2004, p. 1.139)

    importante, portanto, estarmos atentos s mudanas que vm ocorrendo no mercado de trabalho e na sociedade em geral. Muitas vezes os discursos so excessivos, como demonstrou Nvoa, principalmente no caso da educao e formao dos professores, e a realidade do dia-a-dia das escolas difere em muito do que propugnam os programas de reforma educacional (NVOA, 1999). H uma necessidade de se aprofundar pesquis